João Rabelo Vendedor Vencedor

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Jo達o Rabelo Vendedor Vencedor

Angela Barros Leal




Copyright by Angela Barros Leal Coordenação Vanessa Medeiros Rabelo Costa e Silva Organização Sandra Valéria Santos Projeto gráfico e Editoração eletrônica Advance Comunicação e Marketing Ltda Impressão e Acabamento Editora Celigráfica Fotolito Ltda Revisão Edmilson Moreira de Souza Elias de Lima Neto João Rabelo - Vendedor Vencedor Proibida a reprodução total ou parcial. Editora Celigráfica Fotolito Ltda Rua Manuelito Moreira, 58 – Centro Fone: (85) 3231-7565

B277j

Apoio

BARROS LEAL, Angela João Rabelo: vendedor vencedor./Angela Barros Leal; Coordenação Vanessa Medeiros Rabelo Costa e Silva. – Fortaleza: [S.n.], 2009. 168 p.: retr. 1.Rabelo, João Batista 1949 - 2.Família Rabelo 3.Comerciante, biografia 4.Eletrodoméstico, comercialização - 5.Comercial Rabelo, história 6.Migração interna, Brasil I. Costa e Silva, Vanessa Medeiros Rabelo CDD: 923.81


João Rabelo Vendedor Vencedor

Angela Barros Leal Coordenação: Vanessa Medeiros Rabelo Costa e Silva Fortaleza - 2009



Oferecimento Querido esposo, querido pai, querido avô: Sempre soubemos que a sua vida daria um livro, como exemplo de determinação, de coragem e de uma imensa vontade de vencer. Por isso, preparamos essa homenagem, que oferecemos de coração, com todo o amor que você nos ensinou a ter.

Socorro Fábio, Fabiana e Lucius Adriano Vanessa, Daniel e Pedro

Fortaleza, 24 de junho de 2009.



Agradecimento Neste dia especial, em que o nosso João Batista comemora 60 anos de uma vida tão bem vivida, agradecemos aos amigos, à família e a todos os que colaboraram para o registro dos momentos marcantes atravessados por ele em sua trajetória de sucesso, não apenas como comerciante, mas, principalmente, como bom filho, irmão querido, pai exemplar e esposo incomparável.


Índice

Apresentação - Eduardo Moreno Apresentação - Adísia Sá Arraial do Chile Fortaleza Vida Difícil Primeiro Emprego O Canto da Sereia A Viagem de Ida A Chegada a São Paulo Primeiros Tempos na Capital Paulista TV Vitória O Salto para a Independência De Empregado a Patrão De Loja em Loja A Viagem de Volta Cronologia das Lojas A Maior Homenagem Memórias e Sentimentos Francisca Amélia José Valkmar

13 15 17 23 27 33 39 45 49 53 59 67 73 79 83 88 97 99 101 103


João Eucimar Francisco Hélio Martins de Oliveira Lindaura Raimundo Regina Eugênio Francisca Dil Delma Dorival Tronquim de Góes Sônia Carvalho Maria do Socorro Rabelo Fábio Medeiros Rabelo Fabiana Dias Adriano Rabelo Vanessa Medeiros Rabelo Costa e Silva Daniel Santos Costa e Silva João Batista Rabelo Árvore Genealógica

105 107 109 111 113 115 117 119 121 123 125 127 133 137 139 145 151 153 166



Apresentação

Eduardo Moreno

Conheci o João na TV Vitória (SP), ele como balconista e eu promotor de vendas. A partir dali, nossos caminhos seguiram praticamente juntos, tanto comercialmente como nas conquistas pessoais.

As nossas histórias são tantas que precisaria mais um livro para contá-las. A última delas foi maravilhosa, uma viagem inesquecível com nossas famílias e amigos pelas lindas praias do Ceará.

O João vindo de um sonho nordestino para a grande capital (SP), e eu de um sonho de interiorano (Nova Aurora – SP). Os dois com o mesmo objetivo: crescer, conquistar e ser um vencedor.

Tenho muito orgulho de ter vencido, de ter chegado a Diretor Comercial de uma grande empresa (Semp Toshiba) e de ver meu grande amigo João ser um dos principais empresários do Nordeste.

Quando montou sua própria loja no Brás, Parabéns, João, pelos 60 anos de luta, passei a atendê-lo como representante, e, a coragem, honestidade e simplicidade, que partir daí, até a dividir com ele o almoço. conquistaram meu coração. Tempos mais tarde, João voltou a Fortaleza para montar suas lojas e quase no mesmo tempo assumi a gerência do Nordeste. Desde então, não deixamos mais de estar juntos. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Jo達o Rabelo aos 8 meses, em 14/02/1950


Arraial do Chile

O dia era 24 de junho do ano de 1949, uma sexta-feira. Há quatro dias, Francisca Amélia sofria com as dores e o bebê não nascia. Não que fosse um problema físico, algum impedimento dela própria que estivesse dificultando o nascimento. Ia completar 25 anos no mês seguinte e já estava habituada com gravidez, como bem comprovava a verdadeira “escadinha” de crianças dormindo nos outros compartimentos da casa. Tinha o José Valkmar, com 7 anos, o João Eucimar que ia fazer 6 anos em julho, a Celina com quase 5, a Lindaura com 2 e o Raimundo com 1 ano de idade. Quase um filho a cada ano, sem contar os que tinham nascido antes da hora ou morrido pequeno, com uma daquelas doenças de criança do interior. Tantos foram os partos

e os abortos espontâneos que Francisca tinha até perdido as contas. Dona Naninha, a parteira de sempre, que o povo chamava mesmo de “cachimbeira”, estava ao lado de Francisca, suando as duas no abafado do quarto, tamanho era o esforço de tentar desenroscar o cordão umbilical do pescoço do menino. Parecia que dava umas quatro voltas, umas cinco voltas, estrangulando, apertando, impedindo que nascesse. Francisca sofria e rezava para Nossa Senhora do Bom Parto, e nada do menino. A noite virava madrugada, já uns galos apuravam as gargantas para saudar o dia, Dona Naninha pedia um pouquinho mais de força, de paciência, e quando deu de João Rabelo - Vendedor Vencedor

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3 para 4 horas da manhã, já entrando no dia 24, é que o menino chegou. Francisca viu logo que era grande e pesado: mais de 4 quilos, pelo cálculo da experiente parteira. Apesar do parto sofrido, que certamente maltratara o nenê, esse viera branquinho, alourado, chorando alto, em tempo de acordar os outros.

dedicada a São João, o santo festeiro, padroeiro dos casados e dos enfermos, o santo indicador de que o caminho para a luz está dentro de cada um. O pai do menino não teve dúvida, deu a ele o nome de João Batista. Mas o Eucimar também se chamava João, alguém deve ter lembrado. Faz mal não, dá-se um jeito. E João ficou.

Dona Naninha pegou o recém-nascido, lavou direitinho, segurou no aconchego do colo e, talvez para consolar Francisca, que começava a recuperar o fôlego, disse a ela que aquele ali tinha alguma coisa diferente.

A mãe tomou por padrinho e madrinha de batismo os parentes Zezinho e Marieta. Mas como é que esse João ia ser rico? -matutava Francisca, de vez em quando. Como é que ia vencer na vida, crescendo ali naquele fim de mundo, no arraial do Chile, distrito de Ibicuitinga, um povoado com uma meia dúzia de casinhas espalhadas aqui e ali, longe até de Morada Nova, a sede do município?

Olha que ela tinha acompanhado muito parto. Tinha visto muita coisa. Mas parece que esse tinha uma luz, uma sina brilhando no rosto dele, disse a parteira. Ela via uma luz nele, como se fosse um sinal de que ele ia ser rico, que ia vencer na vida. E mesmo que a claridade que a parteira estava pressentindo pudesse estar vindo daquele comecinho do dia, se intrometendo pelas brechas das janelas fechadas, do sol se levantando sobre as águas do açude, sobre as margens do rio e das lagoas, sobre o chão quase sempre seco do povoado, Francisca prestou atenção nas palavras dela, que guardou por muito tempo na cabeça. O calendário de folhinha pendurado em um prego na parede marcava a data especial, 18

Dava para contar nos dedos as casas: a do José Lino, a do Antonio, a do Chico Girão, a casa de um rapaz que trabalhava com ferro e mais umas poucas. Entre uma e outra era o terreno aberto, o descampado, o gado pastando no mato ralo, as cercas delimitando os sítios onde ciscavam as galinhas. Tinha a capela, dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, para os casamentos e batizados. Tinha o engenho para viver, o açude para sobreviver e o cemitério para finalmente descansar da luta. De qualquer jeito, Francisca não tinha


muito tempo para tentar entender a profecia da “cachimbeira” com relação a João Batista. Toda hora tinha um menino que chorava aqui, o outro se danando ali, outro acolá querendo isso e aquilo, e ela a cozinhar no fogão de lenha o feijão tomando gosto na panela de barro, ela a matar a galinha para o almoço, a debulhar o feijão verde, a lavar as roupas que depois ia engomar com o ferro pesado, cheio de carvão em brasa, a, enfim, se desdobrar em mil. E no outro ano, outra barriga, outro menino chorando no peito, e assim era a vida. Muitas vezes as cunhadas ajudavam. Laura e Mimosa tomavam conta dos meninos, davam um apoio na casa. A sogra, Dona Toinha Rabelo, também era prestativa em colaborar para a criação dos filhos do Antonio Lino, seu único filho homem. Ele e o pai, José Lino Pitombeira, se ocupavam na plantação, na moagem da cana, na casa de farinha, no fabrico de uma rapadura preta(que de um ano para outro virava açúcar), na produção da tapioca e do beiju e no amadurecimento forçado das bananas, recobertas por carbureto. Antonio arava a terra em cima de um trator que indicava o ingresso do município na modernidade da lavoura mecanizada, indo e vindo, insistindo, em vão, em aumentar o plantio da cana num solo que era, na

maior parte, característico de caatinga. As mulheres cuidavam da comida, de encher os pratos com pirão, farinha, peixe de água doce, feijão e carne de criação. Os meninos estudavam quando dava e brincavam como podiam. Brinquedo mesmo, de verdade, eles não possuíam. Mas o direito ao futebol era sagrado. Quando estavam de folga das aulas, os maiores formavam os times e corriam para o racha no campo improvisado, levantando poeira no caminho do gol, sem camisa e sem fôlego, os pés descalços chutando a bola de borracha ou de meia, depois iam mergulhar no açude do Chile ou molhar a cabeça com a água da cacimba, puxada no balde por um eixo rangedor. João Batista era pequeno, só olhava. Com o irmão João Eucimar, seis anos mais velho, repartia o mesmo nome. Ele, que era o mais novo e conservava os cabelos claros com os quais havia nascido, virou logo o Louro. Rica a família não era. Longe disso. Também não se pode dizer que fosse pobre, daquela pobreza desvalida e desesperançada que o sertão cearense é especialista em fabricar. O pai de Francisca, João Juvenal do Nascimento, era fazendeiro. José Lino, pai de Antonio, tinha as terras onde plantava, era dono de um tanto de gado na fazenda de criar, da João Rabelo - Vendedor Vencedor

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casa da farinha, da moenda de cana. Viviam “mais ou menos”, como se dizia no interior, acompanhando a frase com um movimento da mão da direita para a esquerda, como quem pesa as possíveis vantagens e desvantagens e pode se considerar no lucro. Se a vida era difícil, se a falta de chuva secava a plantação, se o açude minguava e as águas dos rios intermitentes sumiam de terra adentro – isso não fazia muita diferença para as crianças. Era a vida que eles conheciam, pautada pela instabilidade dos invernos e pelo humor dos administradores do momento. Morada Nova era a cidade grande, com cerca de 22 mil habitantes, 14 ruas e quatro praças. Ficava situada entre a várzea do Banabuiú, maior afluente do Rio Jaguaribe, e a lagoa da Salina. Quando iam até lá, vencendo os 25 ou 30 quilômetros no ônibus ou em algum carro que arranjassem, para comprar na feira as roupas de que precisavam, as chinelas de borracha e os utensílios de casa. Quando iam até lá, se encantavam com o que viam. Morada Nova era a visão dos rios Banabuiú, Palhano, Barbada e Pirangi. Era as fábricas

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de descaroçamento de algodão. Era o Clube Recreativo, a Associação dos Vaqueiros e Criadores, a Igreja Matriz do Divino Espírito Santo (com duas torres harmoniosas, no alto da escadaria). Era também o Estádio Municipal Pedro Eymard, orgulho dos desportistas locais, e a radiadora no Jardim Rui Barbosa, em frente da Matriz, tocando forró e baião a todo volume, transmitindo as novidades do Ceará e do mundo pelos altofalantes, estrategicamente posicionados, aproveitando para mandar recado dos rapazes para as moças, e daí de volta. Morada Nova era a cidade em festa no dia 2 de agosto, data em que o bispado permitiu, em 1831, construir a capela consagrada ao Divino Espírito Santo; nas homenagens ao Divino, no domingo de Pentecoste; nas festas juninas, celebrando Santo Antônio, São João e São Pedro; nas comemorações do Natal. Era a estação do trem de passageiros e de carga, ajudando a vencer a distância de 170 quilômetros até a capital. Era a terra tradicional dos Rabelo, desde os idos do século XVIII, quando ainda era distrito do termo de Russas. Mas, com tudo isso, Antonio Lino resolveu sair de lá e levar a família para Fortaleza.


Casa que pertenceu a João Juvenaldo e Isabel, avós maternos de João Rabelo

Casa onde nasceu João Rabelo

Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Arraial do Chile, onde todos os filhos se batizaram

Igreja de Morada Nova, onde se casaram os pais de João

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Francisca AmĂŠlia, Antonio Lino, Regina e o Louro


Fortaleza

João Batista lembra-se muito pouco do dia em que deixaram o Chile. Era um menino de quatro anos e só conseguiu guardar na memória um sanfoneiro tocando na despedida (ou talvez fosse um cantador), a família por ali e a meninada subindo no pau-de-arara, o transporte característico do migrante nordestino, mais presente nas estradas a cada seca.

pau-de-arara completava duas décadas de serviço e já se convertera, para todo o Brasil, em vergonhoso símbolo da miséria do Nordeste.

O apelido que recebera designava exatamente o que se via. Os passageiros que deixavam os sertões em busca das cidades grandes eram magros e silenciosos, vestidos em trapos, chapéu de palha na cabeça, as mãos agarradas às suas O veículo parado, com o motor roncando, parcas bagagens de roupas e mantimentos. devia inspirar pouca confiança. Não era mais Daí assumirem, em consequência, o nome do que um caminhão de gado improvisado depreciativo de “paus-de-arara”. Nos como condução de pessoas. Um poleiro embornais, nos surrões, nos sacos pendurados do mais absoluto desconforto. Tábuas de ao ombro ou atravessados nas costas, levavam madeira faziam o papel de assentos, uma quase nada que lhes tinha restado da devastação lona mal e mal cobria o caminhão, tentando das secas ou das enchentes, fugindo de um ou amenizar o ardor do sol, que acompanhava de outro flagelo aos quais estavam condenados o percurso. Em 1953, a instituição do a enfrentar. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Não era esse o caso da família de Antonio Lino, que não sofrera a pressão da Natureza, nem com a falta, nem com o excesso das águas. Nas várias versões da saga familiar, tantas vezes recontada, uma delas atribuía a viagem a uma divergência política dele com algum coronel da região, com ameaça de morte pairando sobre sua cabeça. Ou teria sido o desejo de Antonio de melhorar de vida, tentando as oportunidades da capital. Ou ainda a mudança teria ocorrido devido à intenção dele e de Francisca Amélia de proporcionar uma educação melhor para os filhos. Ou seria tudo isso de uma vez, principalmente porque estava na hora de aprenderem a ler e escrever, e para isso o melhor mesmo era Fortaleza. A essa altura, os filhos já eram oito, com a chegada de Regina Célia, que estava com um ano e pouco de idade, e de Eugênio, um bebê de colo. Sanfoneiro tocando,cantador improvisando as rimas da despedida, as mãos da pequena comunidade acenando em saudade antecipada. E lá se foi o caminhão pela estrada de piçarra deixando para trás o Chile, distrito de Ibicuitinga e Morada Nova. José Valkmar foi o único que ficou. Estava com 11 anos, queria ir junto dos irmãos, mas Dona Toinha, a avó paterna,

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que praticamente criava o menino, não o deixou ir de jeito nenhum. Os quilômetros demoraram a passar. O Louro ia de olho em tudo, curioso que só ele, na expectativa de uma ponte, que era assunto de conversa dos irmãos. Na altura do distrito de Cristais, lá estava a ponte: uma passarelazinha estreita sobre o rio, por onde cruzavam os carros, as carroças e os caminhões. O Louro, na ponta do assento de tábua do pau-de-arara, deslumbrou-se com ela. Nem tinha ideia direito do que fosse, mas sabia que era coisa importante. Se a ponte era um prenúncio do que estava para vir na capital, a decepção foi grande na chegada. Parecia que tinham saído do mato e voltado para o mato. A casinha que o pai comprara, situada na rua Carlos Vasconcelos, bairro São João do Tauape, ficava no meio de um matagal. Nem parecia que estavam em Fortaleza. Engano do Louro no calor da chegada. Nesse ano de 1953, Fortaleza contava com uma população de 300 mil habitantes, aproximadamente. O fluxo de veículos se mostrava tão intenso que a sinalização automática nas ruas começava a ser instalada. No Centro, o imponente Edifício Sul América, da mais afamada seguradora do


Brasil, tinha sido inaugurado com a devida pompa. Inaugurado também o Edifício Miguel Dias, alteando-se por quatro andares. Fora lançada a pedra fundamental do novo edifício da Fênix Caixeiral, na Praça José de Alencar, bem como do Edifício do IAPC – Instituto de Aposentados e Pensões dos Comerciários. Os aviões da Cruzeiro do Sul e da Panair cortavam os ares transportando elegantes passageiros. Na impressão do Louro, que nunca tinha ouvido o barulhão feito pelos quadrimotores em voo, parecia que o mundo ia se acabar. A família se apertou de qualquer jeito na casa da rua Carlos Vasconcelos, não muito longe do Atapu. As dificuldades apareceram de imediato, na forma de gripes, surtos de sarampo, infecções de garganta e doenças de todo tipo, que eram transmitidas incansavelmente de um para outro. Vinham de um mundo pequeno, fechado, pouco exposto a

contágio, e de uma hora para outra foram forçados a enf rentar os ares e males da cidade grande. Antonio Lino, desempregado, abriu uma merceariazinha, uma bodega, do lado da casa. Francisca fazia bolo, caldo, tapioca, suco, café – receitas que ninguém tinha ensinado, mas que ela, esperta, tinha aprendido só em ver. Ao contrário de Francisca, Antonio não era bom vendedor. Vendia fiado, confiava em todo mundo, o pessoal demorava a pagar ou simplesmente não pagava, ele não tinha jeito de cobrar e ficava no prejuízo. O negócio teve que fechar e Antonio perdeu o pouco que tinha trazido do Chile. A situação familiar ficou mais difícil. A comida se resumia a feijão com farinha. O pó do café era utilizado duas vezes, resultando numa bebida rala, só de longe parecida com café, mas não tinha outro jeito.

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Vida Difícil

Para os meninos, a vida era assim mesmo: as brincadeiras envolviam ossos de animais, alguns encaixes ósseos, que se assemelhavam a carrinhos e podiam ser puxados por um cordão. Latas vazias de leite em pó serviam também como carrinho. Cheias de areia, deixavam rastros no chão. O futebol se jogava com bola de meia e nem por isso era menos disputado. O Louro sabia de uma cacimba no terreno do lado e gostava de brincar por lá, mesmo sabendo que o pai se preocupava com o risco. Nada parecia tão ruim.

Francisca fazia a sua parte. No quintal de casa, criava porcos e as galinhas que Antonio trazia do interior. Quando juntava um volume suficiente de ovos, mandava os filhos saírem para vender na rua. O Louro cansou de levar dúzia de ovos na cabeça, oferecendo nas casas. As galinhas também eram vendidas, carregadas penduradas no ombro dos meninos, que se acostumaram até a pegar ônibus com aquela carga barulhenta.

Não era raro acontecerem “acidentes de trabalho”. Uma vez, uma caixa de papelão Às vezes os meninos maiores iam ao não aguentou o peso das galinhas e abriuMatadouro e levavam o Louro junto. se dentro do ônibus. Foi aquela correria Pegavam uns pedacinhos de tripa, umas no meio do povo, entre as pernas dos sobras de carne e levavam de volta para casa, passageiros, o menino tentando recapturar para o almoço ou jantar. Valia de tudo para as fugitivas. Outra vez, uma turma mal não passar fome. intencionada de rapazes do Atapu botou João Rabelo - Vendedor Vencedor

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o Louro para correr. Os ovos caíram no chão, quebraram todos e ele voltou para casa chorando. Nesse dia, o irmão mais velho não deixou a agressão passar em branco: voltou no Atapu e arrumou uma boa briga de desagravo, exigindo respeito. A dificuldade com a comida preocupava. A dificuldade com os estudos também. No caso do Louro, Antonio e Francisca se convenceram que o melhor para ele era estudar no Colégio das Dorotéias. O problema é que não havia dinheiro para pagar a mensalidade. Os dois faziam plantão diário no Colégio tentando conseguir uma bolsa de estudos. Antonio costumava dizer que chegara a se ajoelhar aos pés de uma das responsáveis, implorando uma vaga para o filho. E só assim, depois de muita luta, é que conseguiu. O Louro estudou lá uns dois ou três anos. Era a primeira escola que frequentava. Ao se ver sozinho no colégio, sem a segurança 28

da numerosa família, chorava todo santo dia. Para agravar as dificuldades, ia e voltava reclamando da mãe, que o obrigava a tirar dos pés as sandálias de borracha por todo o caminho de casa ao colégio e do colégio para casa. Só estava autorizado a usar as sandálias enquanto estivesse na escola, para não impor a elas um desgaste além do necessário. Exigência justificável, do ponto de vista da economia, mas incompreensível para os pés sofridos do Louro, queimando no chão quente do meio dia. Nessa época, o ponto de venda não existia mais, o que não abateu Francisca, preocupada em alimentar os filhos. Na cozinha de casa fazia uns tijolinhos de leite, como se fossem cocadas, cortava em quadradinhos simétricos, e lá ia o Louro vender no ponto de ônibus do Atapu, levantando os braços para aproximar os doces dos passageiros, que compravam do alto das janelas abertas, estendendo as mãos com o pagamento e recebendo o troco.


Uns dois anos depois da chegada a Fortaleza, Valkmar, o filho mais velho, que havia ficado no interior, conseguiu desprender-se dos braços amorosos da avó e reintegrar-se à família. E Antonio conseguiu um emprego. Se o filho recém-chegado representava uma boca a mais para alimentar na mesa grande da casa, somando-se aos dois filhos que haviam nascido na capital, por outro lado era também um par de braços fortes, dispostos ao trabalho. Sem muita perda de tempo, o rapaz conseguiu um lugar no Palheta, na comissaria do Aeroporto Pinto Martins, com endereço ainda no Cocorote. E Antonio passou a sair de casa para entregar o Diário Oficial do Estado nos prédios e repartições públicas. Apanhava o maço de jornais, botava embaixo do braço, montava na bicicleta e ia cumprir sua tarefa. Subia e descia nos elevadores, ia nos prédios mais altos para entregar o informativo, embaixo de chuva e de sol.

Estavam todos familiarizados com a cidade, que parecia menos hostil desde que Valkmar começara a trazer para casa, além do salário mensal, as embalagens individuais de comida que sobravam das refeições oferecidas nos aviões. Além do mais, João Eucimar casara e estava morando com a esposa no bairro da Aerolândia. As coisas mudavam para melhor. Todos estavam estudando. Lindaura estudava no Patronato. Celina no Colégio Erotildes Melo. O Louro havia sido matriculado no Colégio Pio XII. Nos domingos, frequentavam a missa na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, na av. 13 de Maio, um trajeto tranquilo, caminhando a pé entre as poucas casas da vizinhança. Um evento marcante se deu em novembro de 1960: a inauguração da TV Ceará, Canal 2, estação de televisão pioneira no Estado. Compunha o poderoso grupo de mídia Diários Associados, presente nas principais João Rabelo - Vendedor Vencedor

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capitais do Brasil. A sede da emissora ficava nos coqueirais da Estância, tendo ao lado a torre de transmissão, com 108 metros de altura, capaz de levar as imagens a impressionantes 100 quilômetros de distância. O prédio não era longe da casa do Louro. Da rua Carlos Vasconcelos dava para ir até lá andando. E foi o que fez a família, para aproveitar a festa, ouvir os discursos das autoridades, encontrar amigos e conhecidos, animar-se com a banda e testemunhar esse momento de progresso na história do Ceará. Aos 11 anos, o Louro conhecia uns poucos meninos que tinham televisão em casa. As lojas especializadas – Magazine Sucesso, A Cearense, Casa Parente, Flama, Cimaipinto e A Televisão – comercializavam a marcas Philco, Philips, Invictus, G.E. Esses meninos formavam um grupo seleto, zeloso de seu diferencial, 30

caracterizado pela impiedade demonstrada para com os vizinhos. Muitas foram as ocasiões em que um grupo de sem-televisão corria para a casa de quem possuía um aparelho, ansiosos para assistir, em preto e branco, a programas como RinTin-Tin, que mostrava as aventuras do mais famoso cão pastor alemão e de seu dono, o pequeno cabo Rusty. E muitas foram as vezes em que os privilegiados proprietários não se acanharam em bater a porta na cara dos “televizinhos”, como eram chamados, e anular a chance de uma vez por todas. Pelo menos o Louro tinha rádio em casa. Antonio comprou primeiro a antena e depois o rádio. Nem precisou pedir duas vezes para que os meninos subissem ligeiro no telhado, e instalassem a antena, um indicativo público de modernidade. No dia marcado para a chegada do aparelho, o Louro e o irmão passaram o dia inteirinho esperando na porta de casa e na calçada, na maior ansiedade do


mundo. Quando o rádio por fim chegou, foi uma festa. Um Semp à válvula, com um visor oval, irradiando música, radionovelas, propaganda, programas de auditório e as notícias do Brasil.

O roteiro seguia pela rua Tibúrcio Cavalcante. A Igreja do Líbano estava em construção, para ser inaugurada em 1963, e bem pertinho dela o pai parava a bicicleta. Dizia aos meninos que ia mostrar uma casa de gente rica, uma verdadeira mansão. Alguns anos mais tarde, foi pelo rádio Antonio era um fiel admirador da casa e que ouviram a história de uma revolução, o passeio parava por alguns instantes. da derrubada do Presidente, de quebra- Silenciados pelo respeito, os três enchiam quebra em São Paulo e das confusões no os olhos com a fachada da residência do Rio de Janeiro. De tudo, o Louro sempre empresário J. Macedo. Só depois é que memorizava o nome São Paulo. Tudo que iam tomar banho de mar, completando um acontecesse lá era do interesse dele. domingo quase inteiro de divertimento. Os meninos esperavam o domingo chegar. O pai pegava a bicicleta, sentava Eugênio no varão e o Louro na garupa, e desciam do São João do Tauape, na altura do que seria futuramente a av. Pontes Vieira, direto para a praia do Náutico. Levavam uma bolsa grande, que voltava cheia de manga e caju, colhidos do pé nos terrenos pelo meio do caminho.

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Farmรกcia Oswaldo Cruz


Primeiro Emprego

Por volta de 1963, entre os períodos administrativos de Cordeiro Neto e Murilo Borges, a Prefeitura Municipal interferiu diretamente na vida da família Rabelo. O Prefeito Cordeiro Neto trabalhara firme na ampliação dos limites da cidade, abrindo as avenidas Perimetral, Luciano Carneiro, comecinho da av. Presidente Kennedy, mais tarde Beira Mar, e estabelecendo a interligação entre os bairros Joaquim Távora e Aldeota. Murilo Borges não reduziu o ritmo das obras, abrindo, alargando, iluminando e asfaltando ruas e avenidas. É dessa época a abertura da av. Pontes Vieira. Era o progresso chegando, o mato sumindo, a possibilidade de tráfego de ônibus e veículos, mas havia um problema: a nova avenida iria passar exatamente onde

ficava a casa de Antonio Lino Rabelo, na esquina com a rua Carlos Vasconcelos. Após os entendimentos necessários, Antonio foi indenizado e precisou se mudar. Com o dinheiro recebido, comprou um terreno no bairro da Aerolândia, perto de onde o filho casado, João Eucimar, estava morando. O passo seguinte foi ampliar a casa pequena, erguida no terreno comprado, trabalho feito diretamente por Antonio e pelos filhos mais velhos. Antonio tinha alguma experiência como pedreiro. Ajudara na construção da igrejinha do Chile, ele próprio fabricando os tijolos, aproveitando o barro do local. Não era muito complicado. Enchia as formas com a massa, deixava exposto ao sol para secar João Rabelo - Vendedor Vencedor

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e depois empilhava os tijolos prontos. Com eles a casa cresceu para seis compartimentos, o suficiente para abrigar todo mundo. Ou quase todo mundo. Como as casas eram próximas, o Louro foi morar com Eucimar. Por algum tempo, Eugênio também morou com eles, porém o Louro foi quem se demorou mais, uns bons dois anos. Nas enormes famílias patriarcais do interior, com grande número de filhos, era fato corriqueiro serem transferidos de uma casa a outra, como acontecera com Valkmar, criado pela avó paterna, com Raimundo, entregue aos mimos da avó materna, ou como se dera com Lindaura, quase a vida toda aos cuidados de uma prima. Para o Louro e para Eugênio, Eucimar era mais do que irmão. Na distribuição informal da pesada carga de papéis familiares, ele assumira responsabilidades paternas sobre os mais novos. E levava isso a extremos. Até o cabelo dos irmãos era ele quem cortava. Daí haver se empenhado em conseguir um trabalho para o Louro na Farmácia Oswaldo Cruz, onde trabalhava como balconista. Tratava-se de um dos mais tradicionais estabelecimentos comerciais locais. Fundada a 29 de maio de 1934, com o nome de Drogaria e Farmácia Oswaldo Cruz, tinha 34

por endereço a rua Major Facundo, 576, bem diante da Praça do Ferreira, o coração de Fortaleza. Foi a primeira farmácia de manipulação da cidade e conquistara espaço como ponto de encontro preferido de quem queria não apenas aviar receitas com o farmacêutico Edgar Rodrigues de Paula, mas também formar rodas de conversa na calçada, trocar ideias, apreciar os efeitos do vento da Praça nas saias das jovens que passavam ou discutir os temas do momento. O fato de estar o Louro na casa dos 12 ou 13 anos de idade era mera circunstância. Não afetava em nada a sua empregabilidade, num tempo em que se esperava um início precoce das atividades profissionais, independentemente dos estudos, que deveriam ser feitos à noite – caso fossem. O Louro ainda não tinha sequer prestado o exame de admissão, bicho-papão dos estudantes da época, o que faria mais adiante, em fevereiro de 1964, no Ginásio Dom Bosco. Mas não tinha problema. Sem assinar carteira de trabalho, sem treinamento específico, sem a idade certa e sem maiores exigências, o jovem João Batista foi contratado como contínuo, office-boy, entregador de medicamentos, uma espécie de “faz-tudo”, à disposição da Farmácia o dia inteiro.


A Farmácia dispunha de uma bicicleta para as entregas, que foi deixada aos cuidados de João para auxiliar no desempenho das tarefas. Com a identificação da empresa no aro, segurando a sacola com os remédios solicitados, João pedalava a serviço, e também por prazer, nas vizinhanças da Oswaldo Cruz, no entorno da Praça do Ferreira, saindo do Centro e incursionando nos bairros próximos. Conhecia bem as proximidades da Praça. Da Pastelaria Leão do Sul, vinha o cheiro de pastel, combinado com o doce aroma do caldo de cana. Adiante estava a estrutura sólida do antigo Clube Iracema. A poucos metros da Oswaldo Cruz, tentadoramente perto, reluzia em esplendor o Cine São Luis, à disposição dos fortalezenses desde março de 1958. Desde então estivera presente nos sonhos de Eucimar e do Louro, que lutavam com um obstáculo insuperável: a exigência do paletó, que permitiria o ingresso para uma das 1.307 confortáveis cadeiras do cinema. Na rua do lado ficava o Excelsior Hotel, inaugurado no último dia do ano de 1931, um capricho artístico que demandou mármore da Itália, lustres da Polônia e chegava ao final dos anos 60 quase desativado. Mais abaixo, as casas antigas, enfileiradas, na proximidade do Passeio Público.

“Ô menino, vem cá!”, gritavam os empregados e os patrões na Farmácia. Menino, traz isso. Pega aquilo. Vai buscar aquilo outro. Muda essa coisa de lugar. Embrulha. Recebe. Faz. E ele ia, trazia, pegava, mudava, fazia – pensando no pagamento do fim do mês, no dinheirinho que levava para a mãe e entrava no rateio geral da renda familiar. Como era menor de idade, ganhava menos do que o salário mínimo. Talvez um terço do salário. Era pouquinho mesmo, mas não reclamava. Sabia que qualquer dinheiro que ganhasse fazia a diferença em casa. Não ficava com um tostão. Nenhum deles ficava com o dinheiro ganho, repassado integralmente, e sem perder tempo em discussão, para as mãos maternas. O trabalho na Farmácia Oswaldo Cruz era simples e rotineiro. Os frascos de medicamentos eram alinhados em estantes muito altas, de madeira escura, colocadas no lugar em 1934. O piso era em mosaico frio, adequado ao calor da cidade, as cores amortecidas pelas centenas de pés transitando em busca das manipulações, dos preparos, do aviamento das receitas prescritas, na letra indecifrável dos médicos, para a cura das doenças. “Só vendemos à vista”, alertava a tabuleta de madeira no caixa, resguardando a empresa dos inevitáveis pedidos de compras na caderneta. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Durante os dois anos em que trabalhou lá, o Louro fazia entrega e prestava atenção em tudo. No nome dos remédios, que não eram muitos. Na marca do fabricante. Nos males que prometiam curar. Quando não estava na rua, entregando medicamentos, ficava por ali, de olho no Eucimar, vendo como ele procedia quando recebia uma receita, que perguntas fazia, como aplicava injeção, como eram manipulados os remédios. Já conhecia Atroveran, Apracur, sabia quais os que eram mais demandados pelos clientes. Devagar, estava se preparando para ser balconista, igualzinho ao irmão. Uma vantagem do trabalho era poder levar a bicicleta para casa, com a autorização do Seu Edgar. O Louro aproveitava a viagem para prestar serviço à mãe. Ele ou Eucimar iam aos restaurantes e lanchonetes da Praça do Ferreira e pediam a comida que tivesse sobrado dos pratos ou das panelas do almoço.

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Despejavam tudo numa lata, amarrada na garupa da bicicleta, e lá ia o Louro pedalando com aquela lavagem que servia para alimentar os porcos do quintal de casa. Quase sempre, nas manobras da bicicleta terminava sujando as costas da camisa com a mistura fermentada e malcheirosa. Mas não tinha outro jeito. Quando podia, ia assistir aulas no Dom Bosco, na av. Visconde do Rio Branco, ou no Anexo da Piedade, para onde se transferira a partir de 1965. Os professores ensinavam português, geografia, ciências, inglês e francês, desenho, e até uma matéria nova, chamada OSPB Organização Social e Política Brasileira. O Louro gostava mesmo era de matemática, história e educação física. Depois das aulas, voltava para casa, na Aerolândia. Até os 16 anos, era isso que fazia.


Documentos da juventude

Lindaura, Celina, Antonio Lino, Valkmar, Jo達o Eucimar e o Louro, nos 18 anos de Valkmar Jo達o Rabelo - Vendedor Vencedor

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O Canto da Sereia

Embora o desempenho nos estudos fosse sacrificado, o interesse demonstrado pelo trabalho valeu a pena. Como mostrara eficiência na função de contínuo, melhor poderia ser atrás do balcão de vendas. É o que deve ter pensado Iran Rodrigues, irmão do Seu Edgar. Quando abriu sua própria farmácia, a Santa Cruz, chamou logo o Eucimar para ser gerente e o João Batista para balconista. O endereço era conveniente, próximo ao Colégio Dom Bosco, na mesma av. Visconde do Rio Branco, 1886. Proposta feita, proposta aceita. Porém, com pouco tempo o Louro ia ver que ali não era o lugar onde construiria seu futuro.

Bem jovem, é verdade, mas transmitindo a confiança de quem sabia o que estava fazendo. Alguns anos mais adiante, já morando em São Paulo, João solicitara uma carta de recomendação de seu antigo patrão, que a enviara de bom grado, com data de 6 de março de 1969, assegurando, a quem interessasse, que João Batista Rabelo havia sim trabalhado na empresa e exercido a função de balconista “com eficiência, assiduidade e honestidade”.

Caso prosseguisse no trabalho, havia a possibilidade até - quem sabe – de chegar a ser um gerente, seguindo o exemplo do irmão Eucimar. A perspectiva não A farmácia era menor, porém muito era impossível, o salário já estava um movimentada. João Batista aprendera o pouquinho melhor, mas ainda longe do suficiente para ser um bom balconista. ideal: tão longe como o Ceará era longe de João Rabelo - Vendedor Vencedor

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São Paulo, mas nem por isso inalcançável. As coisas iam mudar. O sogro de Eucimar era dono de uma renovadora de pneus. Abriu um posto de gasolina no Atapu e levou o genro para trabalhar com ele. O Louro herdou todas as responsabilidades que cabiam ao irmão, menos a função de gerente. Bem que pediu ao Eucimar que arrumasse alguma coisa para ele no posto. Já estava percebendo que a Santa Cruz não era o melhor remédio para o seu futuro.

São Paulo parecia um Eldorado, a terra prometida, com um mundo de oportunidades à disposição de quem chegasse.

João Batista não escondia de ninguém o sonho de ir para São Paulo. Em cima da bicicleta, cruzando as ruas de paralelepípedos da cidade, agora com mais de meio milhão de habitantes, algumas questões deviam percorrer a cabeça do rapaz. Não ignorava suas limitações, mas conhecia as próprias qualidades. Às vezes se assustava com a força de suas ambições, com os sonhos de sucesso, de ganhar dinheiro bastante para dar conforto à família e deixar para trás a vida de limitadas perspectivas.

Deitado na rede, num dos quartos da casa ocupada por tantos irmãos, ouvindo os ruídos conhecidos da rua, o Louro olhava para o teto e pesava a prudência da decisão. Largar o emprego de uma hora para a outra, justo agora que estava se familiarizando com os mistérios farmacêuticos e se sentindo à vontade nas vendas, justo agora ir embora assim, viver sabe Deus como numa cidade imensa, de clima frio, onde não conhecia ninguém, era um passo arriscado.

Seu Iran, o patrão, que já estivera em São Paulo, dizia que era uma cidade grande, uma coisa enorme, cinco vezes maior do que Fortaleza, dez vezes maior. O rapaz se espantava, sem conseguir sequer imaginar como seria. A curiosidade aumentava. Para quem sonhava em ser alguém na vida, 40

Ele via que no Ceará trabalhavam muito, mas a situação dos pais não melhorava, nem dos irmãos, que tudo continuava do mesmo jeito, e cada vez mais se convencia que tinha de ir, nem que fosse só como um teste. Se não desse certo, paciência: pelo menos tinha para onde voltar.

Os cachorros latiam nos quintais da vizinhança. As redes dos irmãos rangiam nos armadores. E João se mexia inquieto. Por outro lado, as histórias que ouvia sobre o progresso de São Paulo, as notícias de sucesso de conterrâneos que haviam ido e retornado ricos e as chances que teria um rapaz disposto, sem medo de trabalho e cheio de iniciativa,


traziam um novo fôlego aos pensamentos. Aqui e ali os galos cantavam, vinha um cheiro de café da cozinha, já era hora de levantar, pegar a bicicleta e ir trabalhar.

era São Paulo, cidade que assumia o lema “São Paulo não pode parar”. O Louro era mais uma alma esperançosa a compor esses volumosos contingentes de migrantes.

O sonho do Louro era repartido com uma multidão de nordestinos. São Paulo era o canto da sereia, presente em centenas, em milhares de pensamentos, no dia-a-dia de cearenses, maranhenses, pernambucanos, baianos, que embarcavam nos trens, nos ônibus e nos paus-de-arara, com as malas cheias de esperanças, a enveredar pelas estradas de ferro e rodovias, descendo no rumo do Rio de Janeiro e de São Paulo, desaguando nas cidades grandes como se fossem peixinhos daqueles rios de ferro e de asfalto, correndo para um ilusório oceano.

A vida de trabalho prejudicara os estudos. Pegara uma reprovação no Anexo da Piedade e ia estudar em Messejana, no Colégio José Barcelos. Desde os últimos dois anos, embora continuasse a trabalhar, vinha aproveitando mais a vida, como se soubesse que os dias de ser jovem estavam numerados. Antes de completar 17 anos estava determinado a ir, mas não queria ir sozinho. Convidava os amigos para acompanhá-lo na aventura e ouvia respostas negativas. Todos apresentavam restrições, não queriam morrer de fome em São Paulo, nem de frio, achavam mais seguro ficar em casa mesmo. Por ser menor de idade, o Louro precisava de um acompanhante. Continuou batendo em portas fechadas até encontrar uma surpreendente aliada: a própria mãe.

O crescimento de São Paulo, sua urbanização e sua industrialização, tinham na base o fenômeno migratório internacional e nacional. Neste último caso, o destaque ficava para o Nordeste. Em 1950, por exemplo, a participação dos migrantes nordestinos, no total dos que escolhiam São Paulo como destino, era de 27,8%. Em 1974 esse percentual cresceu para espantosos 49%, quase a metade do total. Especificamente nos anos 60, mais de dois milhões de nordestinos fizeram o sofrido percurso, apostando todas as fichas nas cartas que lhes caberiam dentro da efervescência que

Não, Dona Francisca não iria com o filho. Mas como o menino era menor de idade, e estava legalmente impedido de se lançar sozinho para as lonjuras de São Paulo, a mãe encontrou uma solução. Determinou que o irmão Raimundo, já com 18 anos completos, acompanhasse o irmão na viagem. A família em peso discordava da opinião João Rabelo - Vendedor Vencedor

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materna, o que em nada abalou a certeza de Dona Francisca de estar agindo no melhor interesse de João Batista. Que comprassem as passagens, arrumassem as malas, pegassem o ônibus interestadual e descessem para São Paulo. Se nada desse certo, paciência. Era como ele mesmo dizia: pelo menos tinha tentado, e com certeza tinha para onde voltar. Fácil de falar, difícil de fazer. A peleja de Dona Francisca começou. Quem deu coragem foi um compadre que ela encontrou no centro da cidade, enquanto fazia compras para os filhos.

E ainda havia uma agravante para reforçar a segurança dela de estar fazendo a coisa certa: um tempo atrás, um amigo da família, militar, que morava em Belém do Pará, fizera a proposta de levar o Louro com ele. Ia matricular o menino no Colégio Militar, encaminhar o Exército, cuidar dele como se filho fosse. E ela não havia concordado. Agora, se o Louro não fosse para São Paulo, iam ser duas oportunidades perdidas de confirmar se a previsão da “cachimbeira” – feita no alvorecer do dia de São João, lá na casinha do Arraial do Chile – ia ter vez de se realizar.

Ao compadre não escondeu a contrariedade: o sogro estava contra ela, a sogra estava contra ela, as duas cunhadas também, até o marido não estava lá muito satisfeito com essa ideia de mandar o Louro para São Paulo.

O compadre assentiu, prolongando mais um pouquinho a conversa na calçada. Se era isso que ela queria, se o marido não estava contrário, que ela então não fosse pela cabeça dos avós, nem de ninguém, mas pela própria cabeça.

Em coro, diziam que não tinha fundamento fazer isso, que era um absurdo, uma verdadeira loucura. O menino era magro demais, só pele e osso, fraquinho demais, novo demais para ir embora sozinho. Na contramão de tudo e de todos, ela continuava acreditando que o Louro precisava sair do Ceará, para entender a vida, ficar mais culto, quem sabe conseguir alguma coisa melhor.

Na verdade, retrucou Francisca, o marido não era lá um grande simpatizante da ideia. Também não estava fazendo uma oposição aberta. Ela sabia que tinha a confiança dele de que não ia jogar filho nenhum no abismo.

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O parecer do compadre se manteve. Ela era a mãe, sabia o que era melhor para os filhos. Pois que mandasse o Louro para São


Paulo. Que enfrentasse a guerra que ia ser deflagrada contra ela. Que não desistisse. Foi um alívio para Francisca. As palavras deram forças para comunicar a decisão aos familiares e suportar firme quando disseram que ela era uma doida. “É pelas doidas que se faz um homem”, filosofou, já encaminhando os procedimentos para emissão de documentos, aquisição de passagens e bagagens do Louro e do Raimundo.

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A Viagem de Ida

Pois foi essa a sábia solução de Francisca. Como o Louro era “de menor”, e o irmão completara 18 anos, os dois iriam juntos. Raimundo fora criado pela mãe de Francisca, a avó a quem chamava de mãe. Apesar de apegado a ela, se deixou convencer pela conversa do Louro e concordou em fazer a viagem com ele. Em São Paulo, só conheciam o namorado de uma das tias, a quem deveriam procurar logo na chegada. Naquele ano de 1966, o carnaval aconteceu de 20 a 22 de fevereiro. E o Louro aproveitou as festas. Estava consciente de que era o último carnaval que ia passar em Fortaleza, pelo menos por um bom tempo, e se divertiu como pôde.

Nem sabia que, naquele ano, os salários dos trabalhadores estavam sendo reduzidos, que o direito de greve estava sendo cassado, que os sindicatos estavam sendo entregues a interventores. Não tinha preocupação em analisar o amplo quadro econômico e político do país, o engalfinhado em que viviam militares e guerrilheiros, a direita e a esquerda, Jango e JK, Castelo Branco e Costa e Silva, Carlos Lacerda e todo mundo. Para ele, o único fato importante é que estava chegando a hora de viajar para São Paulo. Com as bênçãos da mãe, o Louro pediu demissão na Farmácia Santa Cruz “por sua livre e espontânea vontade”, como um dos sócios da empresa, Sebastião Rodrigues, registrou na carta de recomendação, não João Rabelo - Vendedor Vencedor

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tendo praticado nenhum ato “em desabono de sua conduta”. As passagens de ônibus foram compradas e os preparativos da viagem acelerados. Francisca costurou um bolsinho na cueca dos meninos, colocou o dinheiro dentro e fechou com agulha e linha. Quanto mais seguro, melhor. O Louro não possuía uma mala, mas não se apertou. Procurou o irmão Valkmar, que deu um jeito de arrumar uma mala de duratex, uma espécie de caixote retangular que quase sempre exigia cordas ou cordões para reforçar a tarefa do fecho. Valkmar deu a mala ao Louro impondo duas condições: além de querer receber de volta, queria também que, com o primeiro dinheiro que o Louro ganhasse, comprasse e mandasse para ele um paletó, capaz de permitir sua entrada nas sessões noturnas do Cine São Luiz, a coisa que ele mais desejava. Na mala foram colocadas umas quatro ou cinco camisas, calção, uma calça, um par de sapatos. Paletó ou agasalho não faziam parte do guarda-roupa do rapaz. E chegou a manhã de um mês de março chuvoso. Atravessando a cidade, a família rumou para a Praça Castro Carreira, mais conhecida como Praça da Estação, de onde partiam os ônibus interurbanos. João Batista e Raimundo seguiam com o dinheirinho 46

zelosamente guardado nos bolsos secretos, e o tradicional farnel dos viajantes nordestinos: uma lata de leite em pó, cheia até a tampa com galinha assada feita pela mãe, acompanhada da indispensável farofa, reforçada com ovo cozido. Ia servir para amenizar as agruras da saudade nos primeiros dias do percurso, além de colaborar para a economia no caminho. A visão do veículo que os aguardava foi uma triste, porém não surpreendente revelação. Roncando no lugar, estremecendo a carroceria, fumaçando, o ônibus da empresa Expresso Cearense mais parecia o pau-dearara no qual tinham vindo do interior. Conforto nenhum, principalmente para o Louro, que ia sentar no fundo do ônibus. O choro foi grande e despudorado. Antonio Lino chorava, Raimundo chorava, o Louro chorava. Dizem que Dona Francisca não chorou, mas não há quem garanta com certeza. Certo é que, dentro dela, o coração doía. E lá fecharam as portas do ônibus, que partiu para pegar a estrada, atravessar meio Brasil e cumprir uma viagem prevista para uns oito dias de duração. Não foi nada disso que aconteceu. O ônibus era precário, um verdadeiro risco ambulante, o que se agravava com o estado das estradas enlameadas, praticamente sem asfalto, e com a sucessão de buracos que surgiam causados


pelas chuvas torrenciais na fronteira do Ceará com Pernambuco. A galinha assada foi a primeira a entregar os pontos e azedar, antes mesmo de chegarem à Petrolina, onde a coisa complicou de vez. Uma ponte móvel ficara presa e não havia força nesse mundo que fizesse voltar à posição original. Como resultado, a estrada se viu inteiramente interrompida e o tráfego começou a parar. Carros, ônibus, caminhões, ninguém passava. No meio dos protestos e reclamações inevitáveis, correu logo o boato que iam mandar buscar um técnico em São Paulo, um profissional entendido no assunto, o único capaz de resolver o problema. E enquanto o técnico não chegava, o jeito era esperar.

E assim foi feito. O ônibus servia como residência e abrigo, a desarrumação ganhando fôlego a cada dia que passava parado na estrada. Raimundo e o Louro não queriam gastar nada do pouco dinheiro que levavam. Não podiam chegar de mãos abanando. Senão, como iriam se manter, até conseguir trabalho? O jeito era fechar a boca e aguentar as pontadas agudas da fome. Ou se aproximar dos outros passageiros, comendo o que sobrava da refeição dos mais abonados. O ensaio para a fome em São Paulo estava começando.

Cine São Luiz João Rabelo - Vendedor Vencedor

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João Rabelo em São Paulo com o disco “O Inimitável” de Roberto Carlos

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A Chegada a São Paulo

O crescimento das cidades as transforma em metrópoles. Se crescem demais, passam a ser megalópoles: construções gigantescas, organismos de dimensões colossais, apinhadas de edifícios, veículos e pessoas. O cronista Lourenço Diaféria, paulistano nascido no Brás, explicou em uma entrevista o que seria uma megalópole: “Megalópole é um molusco invertebrado com várias patas”, resumiu ele, com sua colorida linguagem literária. “É uma espécie de gelatina que respira. É uma cidade que mistura urbe, suburbe, et orbis. Vou explicar melhor: megalópole é o mesmo que um x-tudo de pedra, aço, cimento e vidro, com bastante mostarda e ketchup.” Era assim a megalópole chamada São Paulo, na chegada do resfolegante ônibus

onde os irmãos Rabelo viajavam há inacreditáveis 16 dias, o dobro do tempo regularmente esperado. Era assim São Paulo, uma megalópole com quase cinco milhões de habitantes entranhados em seus alicerces de pedra, suas estruturas de aço, seu corpo de cimento, sua face de vidro, mistura temperada ao gosto do freguês. A escala que o ônibus havia feito no Rio de Janeiro servira para antecipar como seria a capital paulista. Do seu banco, na última janela, o Louro se deslumbrara ao ver um viaduto carioca, coisa que nem imaginava como fosse e que se revelara uma ponte parecida como a que tinha visto quando criança, na viagem do Chile a Fortaleza. Nesse percurso que parecia interminável, João Rabelo - Vendedor Vencedor

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chegaram à noite no Rio, talvez para manutenção do veículo ou para permitir um justo descanso aos maltratados passageiros. Estavam na Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil, conservando ainda todas as glórias de Capital Federal. Estavam na Belacap, que se contrapunha a Brasília – a Novacap – inaugurada em 1960. O Louro se empolgou com a beleza e a grandiosidade da cidade. Ali com certeza também não ia ser difícil conseguir trabalho. Até ensaiou dizer ao irmão que podiam ficar por ali mesmo, mas desistiu da idéia antes mesmo de propor. O negócio era continuar orientado para São Paulo, aonde chegaram após os dois sofridos dias de viagem que o veículo levou para vencer meros 430 quilômetros.

Se Raimundo não escondia que estava impressionado, o Louro então estava perplexo. A paisagem urbana não dava uma boa impressão, como imaginara antes, e se sentiu assustado, apavorado mesmo, com a multidão de gente se empurrando, gritos, barulho dos carros, o cheiro da fumaça dos canos de escape, música tocando alto, os malandros que abordavam nordestinos recém-chegados, um x-tudo de verdade, caótico e hostil, completamente diferente de Fortaleza.

Raimundo e o Louro tinham num papelzinho o endereço do hotel onde estava hospedado Zé Luiz, o namorado da tia, a única pessoa que conheciam naquela imensidão de cidade. Carregando as malas, destravando as pernas doloridas de tanto tempo na estrada, caminharam para o Hotel Vitória, no mesmo Primeiro, viram as terras cultivadas, as hortas Brás onde ficava a estação, e chegaram às e os aglomerados suburbanos. Depois, oito horas da noite para outra decepção. Na começaram a avistar, ainda de longe, a acanhada portaria foram informados que Zé silhueta maciça dos prédios, o sólido perfil Luiz não estava. Tinha acabado de sair, todo da cidade, que brilhava ao anoitecer. pronto e arrumado, sem dar intenção de que voltaria em breve. O ônibus se dirigiu para a Estação Brás, cruzando com dificuldade o trânsito Os irmãos tentaram argumentar com o congestionado, a sinfonia de buzinas, o abre porteiro para que permitisse a entrada e fecha dos semáforos. Por volta das sete da deles no quarto do Zé Luiz. Nem pensar, noite, os passageiros puseram os pés em terras retrucou o porteiro. Se quisessem, podiam paulistanas, na estação que recebia trens, esperar ali mesmo, num sofá disponível. ônibus, carros, tudo junto de uma só vez. 50


O cansaço era tanto que nem reclamaram. Lá mesmo se instalaram, aguardando a chegada do noctívago Zé Luiz, que só deu as caras pelas 5 da manhã.

Zé Luiz no hotel. E o Louro acabou ficando sozinho na pensão, ainda assustado, com mil e uma preocupações na cabeça. A sorte foi o coração mole de Maria ter se comovido com a situação do João. O Louro caiu na simpatia Raimundo e Zé Luiz eram muito amigos. E dela, que ouviu pacientemente a triste a família havia recomendado que ficasse de condição em que o rapaz se encontrava, com olho no Raimundo, que morava no interior, dinheiro para garantir um teto por apenas não tinha a malícia da cidade, diferente do 15 dias. Como conhecia muita gente ali no Louro, mais experiente, acostumado com a Brás, se comprometeu a ajudar na procura capital. Apesar de mais jovem, acreditavam de um emprego. que o Louro era o mais preparado para enfrentar problemas. Raimundo desapareceu. Foi embora com Zé Luiz e logo conseguiu trabalho na O hotelzinho próximo à estação era modesto. indústria de Biotônico Fontoura. João ficou Ainda assim, cobrava valores que os irmãos pela pensão, ocupando uma das quatro não podiam pagar. Com Zé Luiz à frente, camas de um quarto com dois beliches, partiram para encontrar uma pensão que se repartindo o pequeno espaço com completos encaixasse no orçamento e encontraram uma desconhecidos. No Ceará, dormia de rede. sem demora. Descosturando o bolso feito Em São Paulo, o jeito era se habituar à pela mãe, extraíram dinheiro suficiente para rigidez da cama. O banheiro era coletivo. pagar os primeiros 15 dias, pagos adiantados Café da manhã e almoço estavam incluídos a Dona Maria, a proprietária. no pagamento, mas não o jantar, nem a roupa lavada. No tanque atrás da casa, ele aprendeu No meio das negociações, resultou que depressa a lavar a pouca roupa que possuía. Raimundo se decidiu a ir repartir o quarto com

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Primeiros Tempos na Capital Paulista O primeiro pensamento de João foi procurar emprego em farmácia. Era uma área que conhecia, podia mostrar bom desempenho de imediato. Logo no dia seguinte ao da chegada, começou a rodar pela vizinhança, de olho nas placas de oferta de emprego. Apesar da preferência pela área de balconista em farmácia, quando Maria chegou com a possibilidade de trabalho em uma fábrica de tapetes para veículos, João nem pestanejou. Não sabia nada de tapetes, mas sabia muito bem que precisava de dinheiro para pagar a pensão, e aceitou de imediato. A fábrica se chamava Campana. Produzia tapetes de borracha e tênis, usando máquinas barulhentas, extremamente aquecidas, um sistema a vácuo que levantava nuvens de vapor. João não gostou nada e viu que não ia

se demorar por ali. De fato, ficou apenas seis meses. Nesse meio tempo, encontrou outra pensão, que recebia o pagamento no final do período de hospedagem, e não no começo, como era o caso da Dona Maria. Ficava no Belenzinho, e foi para lá que se mudou. No final de 1966, conseguiu um novo trabalho, como vendedor de carnês do Baú da Felicidade. A empresa pertencia a Senor Abravanel, mais conhecido como Sílvio Santos, que a comprara do amigo e sócio Manuel da Nóbrega. A mecânica da venda era simples. O cliente adquiria um carnê, a ser pago mensalmente e sem atraso, e concorria a sorteios de prêmios. Após determinado período, o cliente podia ir até às lojas do Baú, e trocar por mercadorias o valor que havia pago. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Desde 1964, o carioca Sílvio Santos comandava um programa dominical de TV e começava a se revelar um bem-sucedido empresário. Ainda assim, conseguia tempo para expor os detalhes do Baú a seus novos funcionários, entre os quais estava João Batista, preparando-os para estrear no mundo das vendas. Do escritório do Baú, embarcavam todos numa Kombi, a ser estacionada em esquina estratégica na capital paulista. As portas abertas do veículo acolhiam os curiosos e interessados em aproveitar as vantagens oferecidas. Faixas, cartazes e panfletos colaboravam para a abordagem dos passantes. Não havia salário fixo para os vendedores. A remuneração se baseava exclusivamente nas vendas: a cada carnê vendido, João embolsava dois cruzeiros – ou dois cruzeiros novos, moeda instituída a partir de 13 de fevereiro de 1967. Caso o cliente pagasse a primeira 54

prestação, o apurado dobrava. Com esse dinheiro, garantia o pagamento da pensão. O restante, economizava, tirando o mínimo possível para as refeições, que ultimamente vinham se constituindo de pão e ovo. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar numa casa lotérica, João aceitou de imediato. À noite, depois de um dia inteiro ocupado com as vendas do Baú, se debruçava sobre os cartões de aposta da loteria preenchendo manualmente os quadrinhos indicativos dos jogos. Era mais um “bico” do que um emprego, é certo, porém indispensável para complementar o sacrificado rendimento. No dia em que completou 18 anos, em 24 de junho de 1967, um sábado, João comprou um pão bengala e cem gramas de mortadela para sua comemoração solitária. Cortou o pão horizontalmente e fez um sanduíche simples, que dividiu em dois: metade para comer no almoço, metade para o jantar. Enquanto mastigava avaliava seus planos, a


partir do que havia conseguido realizar até ali – e que não era muito. Ainda assim, fez um juramento silencioso. Ia trabalhar mais, procurar mais oportunidades, diversificar a possibilidade de empregos. E nunca mais ia passar fome. Era o segundo inverno passado em São Paulo, trazendo baixas temperaturas, nevoeiro, garoa e chuva gelada, três longos meses de um frio enorme, maltratando a pele desacostumada dos cearenses, dificultando a caminhada pelas ruas, fazendo dos retornos noturnos um sofrimento. Ou talvez nem fosse tão frio assim, e os agasalhos é que fossem poucos. Não se sabe. O fato é que, pelo final de 1967, o frio colaborou para que o irmão Raimundo desistisse do sonho paulistano. Tinha suportado cerca de um ano e oito meses de luta. Mas agora, a avó que o criara como mãe, estava doente, o clima era uma tortura, melhor faria se retornasse

ao Ceará. Raimundo comunicou a decisão ao Louro, que ouviu calado. E não se surpreendeu com a decisão do irmão. O Louro disse que ia ficar. Ainda não estava na hora de entregar os pontos. Preferia sofrer mais um tempo em São Paulo. Quem sabe a sorte não ia virar a favor? O ano de 1968 se passou no mesmo ritmo de sacrifício. A política fervia em âmbito nacional com a decretação do Ato Institucional nº 5, a passeata dos cem mil no Rio de Janeiro, o gigantesco comício em São Paulo, na Praça da Sé, que terminou num quebra-quebra pelas ruas. Os atentados a bomba se sucediam e os chamados “terroristas” tinham fotos em cartazes afixados nos locais públicos. Dentro desse cenário em ebulição, se constatava uma grata surpresa: sob o comando do ministro Delfim Neto, a inflação recuava, a dívida externa diminuía e a economia brasileira mostrava louvável vigor.

João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Em 1969, João decidiu arriscar novos empregos, que proporcionassem maior estabilidade, e partiu para juntar os documentos necessários. Tirou carteira de identidade na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Tinha 20 anos incompletos, uma generosa cabeleira e um olhar sério, entre perdido e esperançoso. Vestia paletó, que talvez nem fosse dele, e sim emprestado pelo estúdio fotográfico, como era de praxe. Os serviços da Embratel, empresa recentemente constituída com o desafio de integrar a comunicação telefônica em todo o território nacional, estavam à disposição para facilitar o contato com quem estava distante. Não para João. As limitações financeiras tornavam possível apenas o uso de correspondência escrita. Aos parentes no Ceará, solicitou declaração de seus trabalhos anteriores e o indispensável Atestado de Bons Antecedentes, exigido pelo ditatorial regime a qualquer cidadão que desejasse 56

exercer uma atividade profissional. Para todos os efeitos, ainda residia na rua Capitão Uruguai, 400, embora morasse de fato na pensão da rua Ipanema, no Belenzinho, pertencente a Dona Nelita. De carimbo em carimbo, de repartição em repartição, o atestado foi se avolumando com os “nada consta” emitidos pelas Delegacias do primeiro ao sexto distritos, pela Delegacia de Costumes e Diversões, pela Delegacia de Furtos e Roubos, pela temida Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS. A ficha era limpa. Os problemas de João Batista eram todos na esfera econômica, e não política. Ainda como parte do esforço para um emprego melhor, em dezembro de 1969 João começou o curso de datilografia na escola Santa Maria Goretti. Datilografar rápida e agilmente era exigência fundamental nos concursos públicos.


Raimundo tinha voltado, mas Celina, a irmã mais velha, seguiu para o Rio de Janeiro, e de lá para São Paulo, acompanhada por uma amiga, para fazer companhia a João. Em Fortaleza, ela trabalhava como caixa em um supermercado. Chegou meio de surpresa na pensão de João, em 1970. A campainha tocou, ele abriu a porta e lá estava a irmã. A pensão só hospedava homens. João deu um jeito para Dona Nelita conseguir um espaço para Celina e lá ela ficou.

E foi assim que vendeu, muito bem vendido, o produto São Paulo. Hélio, que inicialmente havia descartado a viagem, terminou por concordar. Outra vez, a campainha tocou na pensão da rua Ipanema e, quando João abriu a porta, lá estava outra chegada de surpresa.

Cartas iam e vinham entre Fortaleza e São Paulo. João insistia junto ao amigo Hélio, cearense de Itaiçaba, trabalhando como vendedor de calçados, para que fosse encontrar com ele em São Paulo. E quando João insistia, era difícil não convencer o interlocutor. “Vamos fazer, vamos lá, vai dar certo”. Hélio contestava, mas, no fim das contas, João fazia e dava certo, do jeito que ele dissera. Até para sair à noite, aproveitar os dias em Fortaleza, era só insistir para convencer. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Casamento de Jo達o Rabelo e Maria do Socorro, em S達o Paulo, 25 de Janeiro de 1975

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TV Vitória

Nesse meio tempo, um fato novo acontecera. João estava trabalhando como vendedor numa loja que comercializava aparelhos de rádio, chamada TV Vitória, o que ia mudar sua vida daí em diante. A loja vendia também eletrodomésticos, porém seu forte eram os aparelhos de mesa, os rádios embutidos em móveis de madeira, objetos do desejo, principalmente, dos compradores do Norte e Nordeste.

Não sabia nada de eletrodomésticos, mas tinha muita facilidade para aprender as coisas. Parece que o português gostou do garoto de sotaque nordestino e jeito decidido. Explicitou os horários de trabalho da loja: a semana inteira, de domingo a domingo, com a pequena concessão de encerramento dominical às 17 horas. Era um ponto movimentado, próximo à Estação, o que justificava o prolongado trabalho.

O dono da loja era um português, Francisco Marinho Pires, mais conhecido como Chico. O endereço era rua Cavalheiro, 103, no Brás, esquina com a rua Joaquim Nabuco. João chegou na frente da loja, a camisa de manga comprida abotoada nos punhos, para esconder os braços magros, e conversou um pouquinho.

Nada disso era problema para João. E Chico determinou que viesse então para vender os rádios e provasse a competência. A loja era de fato movimentada. Compradores nordestinos, especialmente, entravam o dia inteiro procurando os últimos modelos de rádio. Meia dúzia João Rabelo - Vendedor Vencedor

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de vendedores se apertavam no pequeno espaço da TV Vitória. Entre eles, o fortalezense José Maria e o mineiro José Eustáquio Barbosa – até então o melhor de todos, negociando aparelhos das marcas Campeão, Nordstom, RCA, vendendo vitrolas, toca-discos, rádios-relógio, o que havia de mais moderno na área. João uniuse ao time. A quem entrava ele apresentava os produtos. Aliás, ainda que o cliente estivesse passando na rua, era suficiente para João perceber o potencial interesse, no lado de fora da loja, para logo convidar a entrar. Sintonizava o dial dos aparelhos na Rádio Excelsior, Rádio Difusora, Rádio Panamericana, deixando o cliente ouvir em AM as músicas americanas, as músicas de brasileiros com nomes americanos, o som da jovem guarda, o noticiário, o que quer que fosse do gosto do freguês. Apresentava as condições de pagamento, negociava e argumentava com segurança tal que o resultado era, quase sempre, o fechamento do negócio. Em um mês, os negócios feitos pelo cearense chegaram perto das vendas do melhor vendedor da casa. No fim do segundo mês igualou as vendas dele, garantindo o salário e os 2% de comissão. Um ano mais tarde, 60

João Batista vendia mais do que todos os vendedores somados. Chico se admirava. João também se surpreendia um pouco com esse dom recém-descoberto. Havia testado seu potencial nas vendas dos carnês do Baú da Felicidade e percebera que possuía um jeito especial para abordar as pessoas, entabular uma conversa e oferecer seu produto. Estava sempre atento ao procedimento de outros vendedores e se empenhava em aperfeiçoar a própria habilidade. Na TV Vitória, João começava a ver o dinheiro entrar com maior volume e regularidade. Depois de algum tempo, se deu ao luxo de passar dez dias de férias em Fortaleza, em 1971, e voltar a ser o Louro. Levou uma mala cheia de camisas e deixou um bocado delas com os irmãos. Sinal do incipiente sucesso. Viu os pais, reviu os amigos, reforçou pessoalmente o convite feito a Hélio, matou a saudade do clima e da comida cearense. E conheceu Maria do Socorro, uma sorridente morena de 16 anos, filha de Messias Justino de Medeiros e Maria Zuila, amiga próxima de Dona Francisca. Socorro morava também na Aerolândia. Tinha o cabelo longo e uma família tão grande como a de João – sete homens e três mulheres – e um namorado ciumento. João


estava ali em breve passagem, mas nem por isso Francisca e Zuila deixaram de conspirar a favor de proporcionar um encontro entre os dois. A Igreja do bairro, num dia de domingo, foi o cenário do primeiro encontro entre o rapaz que estava ganhando a vida em São Paulo e a estudante fortalezense. Nenhum dos dois desconfiava de que haviam encontrado a outra metade: a mãe dos filhos dele, o companheiro dela de toda a vida, o grande amor de ambos. O regresso a São Paulo deixou em compasso de espera o contato entre João e Socorro. João retomou seu posto na TV Vitória. Escrevia para Eugênio pedindo notícias de Socorro, transformando o irmão mais novo num espião a serviço de Cupido. Escrevia diretamente para a jovem, cartas e fotografias indo e vindo regularmente, foto dele com um disco do Roberto Carlos, as notícias dos estudos dela, do trabalho dele, saudades um do outro. Não se distanciaram demais, porém nenhum compromisso chegou a ser assumido. A própria distância entre as duas cidades se configurava como um impeditivo concreto. Por volta de 1971, Hélio chegou de surpresa a São Paulo, para se hospedar na mesma pensão, na rua Ipanema, e logo aceitou o convite de João para que o amigo fosse

trabalhar ao lado dele na loja, começando no dia seguinte, e o acompanhasse também no expediente noturno da loteria. Morando em São Paulo há uns bons cinco anos, podia-se dizer que João se sentia à vontade. Acostumara com o frio e com o ritmo da cidade, com os meandros e labirintos do Brás, com os processos mentais e propostas de negociação de seus clientes no atacado e no varejo, com a concorrência, o sotaque e o modus operandi de portugueses, coreanos, espanhóis e italianos. Sabia quais as lanchonetes que vendiam comida mais barato, onde comprar agasalhos por melhor preço e como economizar no transporte. Na realidade, não seria exagero afirmar que se sentia quase em casa. Em 1972, foi novamente para Fortaleza e retomou a aproximação com Socorro, agora definitivamente sem namorado. João era persistente. Todo santo dia passava na casa da moça. Romântico, dançava com ela nas tertúlias dos clubes cantarolando Roberto Carlos: “Detalhes”; “Debaixo dos caracóis dos teus cabelos”; “Como é grande o meu amor por você”. Ela perdia as aulas de educação física para estar mais tempo com ele. Apesar de satisfeito com o emprego na TV Vitória, João continuava atento às alternativas. Em março, já em São Paulo, testou os João Rabelo - Vendedor Vencedor

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conhecimentos datilográficos em concurso para o cargo de escriturário da Caixa Econômica Federal. No formulário de inscrição, anotou o endereço de residência: rua Guarapuava, 346. Os documentos recolhidos em Fortaleza – atestado de bons antecedentes e certidão negativa do DOPS – se revelam úteis. Entre as três cidades listadas para desempenhar as funções de escriturário, caso aprovado, enumerava Fortaleza, São Paulo e Recife. Não conseguindo a aprovação, dirigiu todas as energias para as vendas na loja. Nesse meio tempo, Hélio e Celina ensaiavam um namoro. Já se conheciam da Aerolândia. A convivência aproximou os dois, sendo interrompida com o retorno de Hélio a Fortaleza, onde ficou menos de um ano. São Paulo entrou novamente na vida dele, com Celina à frente, e Hélio foi promovido de amigo a cunhado de João. Os dois rapazes moravam em outra pensão, na rua Uruguaiana, onde permaneceram por pouco tempo, até o casamento de Hélio e Celina, em 1973. Dona Nelita, da pensão onde Celina permanecera, foi madrinha. Para a lua-de-mel não havia lugar melhor do que Fortaleza, e para lá seguiu o casal. Em Fortaleza, Socorro estava sem estudar. Perdera a oitava série pelo excesso de faltas 62

durante a última visita de João, e quando Celina, a quem não conhecia, gentilmente a convidou para ir com eles a São Paulo – foi impossível recusar. Coração acelerado, Socorro conversou com a mãe. Sabiam que o pai não ia gostar, mas a menina tinha completado 18 anos no dia 26 de março, não ia ter muito como se opor. Conspiraram mais uma vez, com a participação de Dona Francisca e anunciaram um passeio a São Paulo, uma simples visita de turismo, acompanhando o casal amigo. Coisa ligeira, logo mais estaria retornando a Fortaleza. Era agosto de 1973. Partiram os três do moderno Terminal Rodoviário Engenheiro João Tomé, em funcionamento desde março. Era o ano do “Pra frente, Brasil”. O ano da expansão da economia brasileira. O ano do aumento enlouquecedor nos preços do petróleo disparando os orçamentos com os custos da gasolina. Para Socorro, na força dos 18 anos, era o ano da reviravolta em sua vida. No ônibus ela ensaiava o que iria dizer a João: tinha ido sem compromisso, se achasse que não deviam ficar juntos não tinha problema, ela ia procurar trabalho, organizar a vida, ver como São Paulo a receberia, com ele ou sem ele. João estava à espera da irmã na Estação


Brás, a bordo de seu fusca vermelho. O frio até ajudou a se apertarem no carro, quatro passageiros e suas bagagens diversificadas de retorno e expectativas. Socorro viu de perto a vida corrida de João na semana sem intervalos da TV Vitória. Ela conseguiu um emprego de balconista, meio expediente, e se mantinham dividindo com Hélio e Celina o apartamento de um quarto na rua Joaquim Nabuco. No final de 1974, resolveram casar. E

aproveitaram o domingo, dia 25 de janeiro de 1975, para ir à Igreja São João, no Brás, com bem escolhidos trajes de cerimônia, a noiva de véu e buquê comprados na rua São Caetano, afamada rua das noivas. Celina não pôde ir. Seu primeiro filho tinha nascido no dia 21. Hélio foi, bem como Dona Francisca e Eucimar, que entrou na igreja com Socorro, já que o pai dela não pôde comparecer. Com um detalhe: casaram naquele dia 25 porque era feriado, o dia do aniversário da cidade na qual João tinha aprendido que não podia parar. Premiação do Melhor Vendedor da TV Vitória

João Rabelo no Belenzinho, nos anos 70

Exibindo o rádio Nissei que ganhou como prêmio João Rabelo - Vendedor Vencedor

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O padrinho Hélio, a mãe Francisca Amélia e noivo João

O grande dia

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Celebrando com amigos e parentes


Casamento Civil

Entrando na igreja com Jo達o Eucimar

Jo達o Rabelo - Vendedor Vencedor

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Socorro, Jo達o e os filhos na Praia Grande

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O Salto para a Independência Fábio Medeiros Rabelo nasceu a 7 de julho de 1975. João estava feliz. Socorro e Celina haviam chegado a uma divisão confortável de responsabilidade com os filhos pequenos, Fábio e Marcelo. Como Celina trabalhava também em meio período, Socorro cuidava das crianças enquanto a cunhada ia para o trabalho, e invertiam os papéis nos horários de Socorro.

A cada dia, João descobria mais sobre a facilidade que tinha para vender. Estava sempre atento a tudo, brincava com um, provocava outro, estabelecia bons contatos com o pessoal das indústrias, gostava do contato com as pessoas e parece que isso transparecia no seu comportamento. Os prêmios começaram a aparecer, concedidos pelos fabricantes ao ativo vendedor.

A gravidez do segundo filho determinou a mudança de Socorro e João para um apartamento de dois quartos. Ficava quase em frente à TV Vitória, na própria Rua Cavalheiro. Não havia despesas com transporte. O dinheiro economizado, centavo por centavo, permitira comprar uma moto, para apanhar Socorro no trabalho, alternando com o fusca vermelho.

Seu objetivo era tratar com gentileza quem o procurava, buscando fidelizar o cliente. Tinha um dom para isso, talvez herdado da mãe, e procurava sempre se impor, sem humilhar ninguém. Via nesse conjunto de ações o segredo de seu bom desempenho: tratar bem todo mundo, manter bons canais de comunicação, dar ao cliente o retorno esperado. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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A loja crescia com João à frente. Atento, Chico o convidou para gerenciar as atividades, mas João preferiu não aceitar. Ia ganhar menos como gerente do que com as comissões de vendedor. E todo esse tempo conservava a pretensão de abrir o próprio negócio, ser dono do seu nariz. O gerente que chegou à loja em 1976 encarregou-se de acelerar os projetos de João. Analisadas as contas, gerente e patrão concluíram que a comissão de 2% estava muito elevada. Em inesperada reunião noturna, os vendedores foram comunicados que o percentual nas vendas seria reduzido pela metade. João assustou-se. A família estava crescendo, não dividiam mais os custos do apartamento com Hélio e Celina, era o pior momento para ter seu rendimento diminuído. Tentou contra-argumentar e encontrou ouvidos moucos. O patrão perguntou se tinha férias vencidas. Tinha duas, dois meses de férias. “Então goze suas férias e depois conversamos.” João sabia que não era a solução. Nas férias, recebia apenas o que estava registrado na carteira de trabalho. Nada das comissões, que constituíam o volume maior do seu rendimento. João voltou para casa arrasado. Chorou muito, como não se acanha de confessar. 68

Essa era a recompensa por seis anos de dedicação ao trabalho. Encontrou apoio integral na esposa. Grávida, com um filho pequeno no colo, Socorro buscou forças para encorajar o marido na tomada de decisão. Acreditava no potencial dele e confiava que o melhor ainda estava por vir. Podia por em prática seus planos, que ela se mantinha ao lado dele. João riscou uma cruz na porta e jurou que nunca mais iria trabalhar para ninguém. E que seria um homem bem-sucedido. No dia seguinte, pôs seu plano em ação. À época, o varejista tinha pouco acesso ao fabricante. Só existiam as distribuidoras e foi assim que ele se estabeleceu. Conhecia os compradores, conhecia os vendedores, ia ser intermediário nas negociações abrindo um escritório de representação. A informalidade era total. O apartamento onde moravam seria o escritório. Os móveis da sala foram afastados para um canto e as caixas de produtos ocuparam a outra metade. Socorro foi nomeada secretária, encarregada de atender as ligações e anotar os pedidos. E João se postava na janela do apartamento, no segundo andar, de olho no movimento da rua. Quando via um cliente conhecido se dirigindo à loja do português, descia as escadas numa correria só, alcançava o


comprador e o convidava para tomar um café. Subia com ele para a casa-escritório, entrava em contato com os fabricantes e o negócio era fechado. Trabalhando assim, naquele primeiro mês conseguiu o prodígio de ganhar mais ainda do que na loja. Pressentia, porém, que essa atividade era de curta duração. Em breve, o fabricante dos eletrodomésticos estaria entrando em contato direto com o comprador e seu papel seria eliminado. Findos os dois meses de produtivas férias, João retornou à TV Vitória. Propositadamente, havia evitado encontrar com Chico, que, ao ser comunicado de seu desejo de desligamento, titubeou. Para não perder o melhor vendedor, propôs a João manter seu percentual nos 2% originais. Mas era tarde. E assim encerrou-se a ligação de subordinação, com um toque ousado: João assegurou ao ex-patrão que um dia ainda iria comprar aquela empresa. Por volta desse período, apareceu a real oportunidade para o grande salto. Armando, o dono do ponto onde funcionava a TV Vitória, e de outros pontos comerciais no bairro, ficara amigo de João. E como ele sempre perguntava sobre a disponibilidade de algum desses espaços, um belo dia,

Armando apareceu com uma oferta. Era um ponto pequeno. Na verdade, era mínimo para os padrões de uma loja que iria comercializar eletrodomésticos: uma única porta, e apenas 3 metros por 10. No entanto, tinha a seu favor a localização. Ficava na mesma rua Cavalheiro, número 24. Era uma espécie de “lado morto” da rua, onde o movimento era menor, próximo ao paredão da Estação. Porém, pesando prós e contras, as condições oferecidas por Armando ao amigo Joãozinho permitiram que a negociação fosse fechada. No dia 21 de fevereiro de 1977, Adriano Rabelo nasceu. Nesse mesmo ano, foi estabelecida a Comercial Rabelo Atacado e Varejo. João estava pronto para iniciar seu próprio caminho. Como o espaço da loja era reduzido, os rádios Sonorous, Campeão, Sonata, os rádios portáteis, empilhavam-se internamente e apertavam-se junto à parede, já na calçada. Quase tudo era conseguido em consignação. Sem capital, era impossível a João executar qualquer desembolso imediato. Aceitava os inegáveis favores de fornecedores amigos, interessados em dar uma força extra ao cearense batalhador.

João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Sem lugar para depósito, e com as limitações de capital, era natural que o estoque fosse pequeno. Para dar ao cliente a satisfação de “encher os olhos” João recorria a um pequeno truque. Apanhava caixas vazias com os fabricantes, e colocava nas prateleiras. Quando vendia um produto corria para a fábrica do amigo Jairo. “Me arranje dez rádios”, dizia apressado. “Já vendi, te pago em seguida”. Voltava para a loja e assim atendia a mais um satisfeito comprador.

Fotos da primeira loja Comercial Rabelo Atacado e Varejo no Brás - SP

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Onde tudo comeรงou

Joรฃo Rabelo - Vendedor Vencedor

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TĂ­tulo de Eleitor, 1978

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De Empregado a Patrão No começo, o atendimento da lojinha era repartido com Socorro. Ela mantinha o emprego da tarde, e pela manhã atendia na loja. Enquanto a esposa cuidava das vendas matinais, João fazia tudo o que precisava fazer de atividades externas. À tarde, Socorro corria de volta para casa, cozinhava o almoço, cuidava do filho e levava a refeição para o marido, que passava o resto do dia na loja. Casa e trabalho ficavam na mesma rua Cavalheiro, o que era um alívio no correcorre da vida. A boa receptividade da loja demandou vendedores mais presentes do que a dividida Socorro. João partiu para a contratação de vendedores, e Francisco Edilberto Jacinto da Silva, o Dil, foi o primeiro deles.

Dil era cearense, nascido no município de Capistrano de Abreu. Tinha 20 anos e breve experiência como vendedor de uma loja de móveis. Saíra de Fortaleza com um amigo que morava em São Paulo. No próprio sábado da chegada, o amigo chamou Dil para irem juntos a uma festinha de aniversário na casa de João, a quem foi apresentado. O convite para trabalhar na Comercial Rabelo foi imediato. E na segunda feira Dil começou na loja da empresa onde trabalha até hoje. Começou arrumando a loja. Não conhecia nada, nunca trabalhara nesse ramo. No primeiro ano ficou aprendendo e no ano seguinte começou como vendedor. O treinamento recebido foi no dia-a-dia, a partir da observação atenta ao comportamento de João, a quem sempre considerou um verdadeiro fenômeno no fechamento negócios. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Como vendedor, ele era o melhor que já tinha visto e que jamais vira. O envolvimento com o cliente, a facilidade em fazer amizade, o fato de ser muito aberto, brincalhão, talvez aí estivesse o segredo dele, que Dil tratava de copiar, e que contagiava todos os vendedores, gente como, por exemplo, o paulista Dorival Tronquin de Góes. João e Dorival haviam sido vendedores na TV Vitória. Nas idas e vindas da vida, Dorival se viu contratado pelo antigo colega de trabalho. Eram amigos enquanto trabalhavam lado a lado, e amigos continuaram como funcionário e patrão, reforçando a impressão que sempre tivera: João era um vendedor nato. Vendia por dois. Vendia por uma equipe. Toda a sua inteligência estava focada em vendas. O homem havia nascido para aquilo. Delma, a pernambucana de Caruaru que se integrara ao grupo em 1986, podia assinar embaixo. Tinha 24 anos quando começou a trabalhar com João, levada por um tio que já trabalhava com ele. Ganhava pouco numa fábrica e o tio informou sobre a possibilidade de passar a ser operadora de caixa numa loja de eletrodomésticos. Segundo o tio, a loja vendia muito e o salário dela seria melhor. Acompanhada do tio Chico, Delma foi bem cedinho até à loja de João, e o encontrou levantando a porta da loja na rua Cavalheiro, 74

número 24. Desconfiada, olhou para dentro e viu aquela lojinha tão pequena, que teve um momento de dúvida. Era bem capaz que aquele homem nem conseguisse pagar seu salário. Muito tempo depois, quando teve coragem de contar ao patrão sua primeira impressão da loja, ele riu. E disse que ela tirasse disso a lição de que não se deve julgar nada pelas aparências. Atarefado em abrir a loja, João perguntou a Delma se estava interessada em ficar. Ela pensou um pouco e disse sim, querendo saber quando começaria. Por ele, podia ser naquele mesmo dia. E Delma nunca mais saiu da Rabelo. Prosseguiu na loja, viu a portinha do número 24 ser ampliada para duas, ao incluir o vizinho número 26, viu novas lojas serem adquiridas, prédios comprados, diversificação dos negócios, transferência para Fortaleza e a expansão para outras cidades, a vida profissional dela acompanhando o crescimento. Passou de operadora de caixa a vendedora, daí a gerente, aprendendo tudo do começo, sempre atenta às instruções do Seu João, e continua fazendo parte da equipe como supervisora das três lojas de Petrolina. Nunca deixou de se impressionar com as habilidades vendedoras do patrão.


A lojinha da rua Cavalheiro, em franca expansão, abrigava oito vendedores, e mobilizava todos os oito porque vendia eletrodomésticos como se fosse água. Era o jeito de João de passar o braço sobre o ombro do cliente, “Meu amigo, venha cá, se veio para comprar já estou aqui para entregar, quanto é que você quer por esse rádio, por essa televisão, e não me saia daqui sem um cafezinho, a casa é sua”. O cliente chegava na loja e comprava mil rádios, dois mil rádios, um caminhão fechado repleto de rádios, e ele brincava com os vendedores, feito um mágico encantado com seus truques: “Vocês têm que aprender a vender a mãe, mas não é para entregar!” Os compradores nordestinos, então, esses se sentiam de volta ao Ceará, à Paraíba, a Pernambuco, no espaço acolhedor da Comercial Rabelo, que crescia a olhos vistos. “Joãozinho era fogo”, diziam os clientes. Era fora de série, confirmavam os fabricantes. E o dinheiro começou a entrar com velocidade e constância, apesar dos turbulentos cenários políticos e econômicos. A inflação era um cavalo a galope, uma febre sem controle, um açude com as comportas abertas. Junto à inflação, os planos econômicos gestados em Brasília desabavam sobre compradores e

vendedores com o ímpeto de um exército estrangeiro, forçando o aprendizado de novas moedas, a reimpressão de notas, a renegociação dos estoques, a reengenharia dos pagamentos parcelados. Em 1982, ano em que nasceu Vanessa Medeiros Rabelo, a primeira filha de João e Socorro, o índice inflacionário era de 100% ao ano. Brincadeira de criança diante do que vinha pela frente. Em 1984 esse número dobrou para 200%, em 1985 para 239% e entrou em cena o Plano Cruzado. No ano seguinte, a inflação caiu para 58%, graças ao corte dos zeros no cruzado, ao congelamento dos preços e ao gatilho salarial. A trégua foi passageira. A partir de 1987, a elevação dos indicadores foi outra vez assombrosa. Imagine-se o reflexo de tal numerologia nos negócios diários de compra e venda, em especial no comércio de atacado. Delma transpirava na sua pequena bancada da loja da rua Cavalheiro, procurando o delicado equilíbrio na emissão das notas fiscais, lidando com produtos uma hora tabelados, outra hora com os preços galopantemente aumentados, buscando soluções impossíveis para não sofrerem prejuízos além da conta. Em 1989, ano em que 60% dos domicílios brasileiros contavam com pelo menos um João Rabelo - Vendedor Vencedor

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aparelho de televisão, e em que a inflação anual alcançava o patamar de inacreditáveis 1.863% , a moeda mudou novamente, desta vez para o cruzado novo. Tratava-se do chamado Plano Verão, cortando novamente três zeros, vigente de 16 de janeiro de 1989 a 15 de março de 1990. No dia 16 desse dito mês, o novo Presidente da República, Fernando Collor de Melo, assumiu o poder. Foi só descer a rampa do Planalto para anunciar o retorno do cruzeiro e, além disso, uma medida que deixou o Brasil inteiro boquiaberto: o confisco de todas as contas correntes e de cadernetas de poupança. Quem viveu o momento não esquece o espanto coletivo. De uma hora para outra as torneiras haviam sido fechadas. E ninguém mais tinha dinheiro disponível. Mas João Batista Rabelo, esse parecia até que estava adivinhando alguma coisa. Acompanhando diariamente os resultados daquela inflação desvairada, e somando a isto a ascensão do novo Presidente, pressentiu na direção dos ventos que era melhor transformar em patrimônio material as economias depositadas em contas bancárias. Como se houvesse repartido informações privilegiadas, tratou de esvaziar conta corrente e poupança nas vésperas do anúncio das medidas, e investiu de imediato na compra de um 76

carro Monza Classic – o top do momento – e de um prédio inteiro no Brás. Eram intuições que deixavam Socorro intrigada. “Eu estou com o pressentimento que vem alguma coisa por aí”, dizia João, e saía para comprar o melhor carro do mercado, o imóvel que estivesse disponível, guiandose pela visão de mudanças a caminho, uma visão que ninguém mais repartia, como um marinheiro que pressentisse na própria pele a dimensão da tempestade que se armava no escuro das nuvens. Socorro arrepiavase de espanto com essas coisas, e ainda que discutisse e contestasse, lá por dentro desconfiava que devia ser uma espécie de sexto sentido e que o marido tinha razão. Em nenhum momento João parou. Falava que tinham enfrentado tantas crises, e que ainda não tinham inventado uma resposta melhor para superar as crises do que o trabalho. “Se você trabalhar”, ele dizia, “se você enfrentar, você supera”, repetia para os vendedores das lojas. Não vamos baixar a cabeça, era o lema. Vamos trabalhar mais, e vamos fazer o que tem que ser feito. E a estratégia dava certo.


Aniversário de 1 ano de Vanessa e 7 anos do Fábio, na casa da Vila Guilherme

João Rabelo, 1990

Vanessa ao colo, Fábio, Adriano e uma amiga

João Rabelo - Vendedor Vencedor

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De Loja em Loja

Seguindo-se a rígida ordem do calendário, é possível ver que o crescimento para a autossuficiência veio aos poucos. Primeiro a representação comercial, depois a porta aberta no Brás, em seguida a porta vizinha, o prédio, e a virada marcante quando a afirmação audaciosa que fizera ao português dono da TV Vitória deixou o mundo das ideias e passou para a realidade dos fatos.

Se era isso, não foi assim que o português entendeu. Ao contrário, interpretou tão literalmente a afirmativa de João que, quando resolveu vender a loja, o primeiro com quem entrou em contato foi o exfuncionário.

Explica-se: ao movimento comercial e residencial, o Brás agregava um elevado nível de violência. Não foi uma única Quando pediu as contas na TV Vitória, vez que Fábio Medeiros Rabelo, ainda João saiu dizendo a seu ex-empregador garoto, presenciara tiroteios, mortes, que um dia ia ser o dono da loja. assaltos nas ruas do bairro. A família Bravata, talvez, ou a expressão de certo tinha tido sorte, ou talvez fosse o jeito sentimento de mágoa, quem sabe um amigo de João no trato com os elementos desabafo momentâneo de quem desejava perigosos que circulavam pela vizinhança, sair de cabeça erguida e mostrar que oferecendo um café aqui, batendo papo deixar a empresa não significava o final sem compromisso acolá, estabelecendo da vida. uma espécie de trégua tácita onde ficava João Rabelo - Vendedor Vencedor

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estabelecido que nenhuma das partes iria interferir nas atividades da outra. Socorro sabia que era assim. Uma vez, ao levar o almoço para o marido na loja e ver aproximar-se dela um indivíduo preparado para assaltá-la, avistou de longe o parceiro dele, acenando que não, essa não, essa era a mulher do João. Chico não tivera a mesma sorte. Havia sido assaltado e desencantou-se com São Paulo. A equipe com que trabalhava foi se dividindo, reduzindo, os funcionários partindo para outros desafios, e ele foi ficando sem apoio. Não se definira se voltaria a Portugal, se passaria a se dedicar a um novo negócio, mas estava seguro de abandonar o ramo de eletrodomésticos. Com isso, chamou João e fez a proposta de venda da TV Vitória. Foi quando Socorro percebeu que todo o esforço do marido estava prestes a ser recompensado e teve a súbita consciência 80

de que aquele momento marcava o impulso para o grande salto. Chico ofereceu a loja e a resposta de João foi clara. Não tinha dinheiro para comprar aquela loja, cheia de mercadoria. Chico sabia disso e insistiu: só venderia para ele. “Se há uma pessoa que eu sei que me paga é você”, assegurou o português. Havia acompanhado o crescimento de João, sabia da honestidade dele, de seu espírito de iniciativa, e repetiu a oferta, oferecendo maior facilidade nas condições de pagamento, e, após os necessários avanços e recuos, João se viu proprietário da TV Vitória. Dez anos atrás entrara como funcionário. Agora, era o proprietário da loja. Quando Vanessa nasceu, Socorro foi passar o primeiro mês de resguardo na casa da mãe. O apartamento não tinha espaço para um berço e três crianças. João


alugou uma casa de dois andares, na Vila Guilherme, para onde se mudaram. Em novembro de 1985 comprou a primeira casa própria, no Jardim Kerlakian, bairro residencial na zona norte de São Paulo. Os filhos Fábio e Adriano haviam nascido no pequeno apartamento da rua Cavalheiro, os berços apertados em meio a caixas. A filha Vanessa, podia-se dizer, nascia praticamente em berço de ouro. A marcha ascendente havia sido contínua. À frente da TV Vitória, João desfraldou a bandeira de aquisição de pontos comerciais. Uma loja, mais outra, uma terceira, todas no Brás, todas comercializando eletrodomésticos. Uma única vez diversificou os negócios. Em 1990, olhou em volta e viu que concorria consigo mesmo no comércio do Brás. Possuía dez lojas. Todas as que vendiam eletrodomésticos nas ruas próximas pertenciam a ele, inclusive a A.L. Rabelo, batizada com iniciais que

tanto designavam o endereço, na rua Almeida Lima, como homenageavam o pai, Antonio Lino, a quem João nunca deixou de admirar. O cunhado Hélio foi chamado, e, em 25 de setembro daquele ano, abriram em sociedade a Comércio de Doces Rabelo. Uma distribuidora de balas e bombons, sorvetes e pirulitos, que rapidamente se estabeleceu como um forte ponto atacadista.

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Primeira Loja Rabelo em Fortaleza, no Shopping Iguatemi

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A Viagem de Volta

Em 1992 João viajou em férias para Fortaleza, com a família. Há alguns anos não dedicava à cidade a atenção merecida. A doença prolongada do pai, que falecera a 17 de maio de 1987, talvez tivesse colaborado para esse desinteresse pela cidade. E foi com surpresa que um belo dia abriu os olhos para enxergar uma verdadeira metrópole, espalhada, verticalizada, ocupada por mais de 1,8 milhão de habitantes, em pleno arco de crescimento e, como não podia deixar de ver, oferecendo amplo potencial para receber uma nova rede de eletrodomésticos.

comercializando os mesmos produtos de São Paulo. A entrada no Ceará foi triunfal. João se estabeleceu no Iguatemi a 17 de dezembro de 1992, disposto a aproveitar as vendas natalinas. Começou a operar de fato em janeiro do ano seguinte, disputando território na luta tantas vezes feroz com as lojas Paraíso, Romcy, Samasa, Mesbla e Vital.

Após três meses à frente da loja, Fábio decidiu retornar a São Paulo. Uma gerente, Cristina, foi colocada em seu lugar, e João passou a viver na ponte aérea, Fábio, com 17 anos, acompanhava o pai administrando a loja de Fortaleza e as sete e foi o principal estimulador para que outras em São Paulo. O ritmo forçado abrissem uma loja no Shopping Iguatemi. o levou a se posicionar diante de duas Rabelo saía do comércio de rua, de beira alternativas: ou fechava a loja de Fortaleza de calçada, e estreava em shopping centers, e se dedicava ao comércio apenas em São João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Paulo, ou empreendia o caminho de volta, transferindo tudo para a capital cearense. Ainda assim, deu um tempo e manteve cautela antes de empreender o salto definitivo. Em 1993, retornou a Fortaleza com a missão de comprar um apartamento. Os três filhos eram adolescentes, o mais conveniente seria dispor de seu próprio endereço e não mais hospedar-se na casa dos irmãos, como fizera até então. Antes, porém, foi passear no centro da cidade e testemunhou uma verdadeira loucura de compras no calor do lançamento do Plano Real. O Ceará vivia o maior crescimento do PIB em uma década. O instinto lhe dizia que ali estavam os bons negócios. No passeio, foi atraído por um ponto comercial irresistível.Ficava na Rua Assunção. Uma loja grande, de portas fechadas, um edifício deteriorado em local estratégico, próximo à praça do BNB, pertencente à massa falida do grupo Romcy. Pensativo, João visualizou como seria ter ali uma loja com sua marca e o seu jeito. Repartiu com Socorro esse pensamento e a esposa mais uma vez o apoiou. O apartamento podia ficar para depois. João entrou em contato com o responsável pela loja. Foi informado que aquela, em especial, 84

estava inteiramente desembaraçada, sem impedimentos legais para comercialização imediata. A negociação começou. O valor pedido pelo vendedor era mais de duas vezes acima do que João dispunha no momento para oferecer. Quando o corretor chegou ao limite, João solicitou tratar diretamente com o proprietário, Antonio Romcy. E recomeçou o processo de negociação, envolvendo dois experientes vendedores, envolvidos num balé de avanços e recuos, aumentando a oferta um tanto, diminuindo outro tanto, estipulando um teto e retrocedendo um piso, lançando uma proposta sobre a mesa e ocultando outra, o dinheiro ali, ouvindo a conversa, num jogo no qual João era mestre. No final do embate, o valor acertado chegou exatamente aonde João desejava e a loja foi adquirida. E à esposa João prometeu: logo mais compraria o apartamento, no melhor local da cidade. De fato: um ano depois a família estava com endereço próprio em Fortaleza. As lojas foram sendo abertas em Fortaleza e, em igual compasso, fechadas em São Paulo. De uma só vez chegou a fechar três lojas no Brás, enquanto abria outras tantas no Ceará e no Nordeste. A loja do Iguatemi funcionava desde 1992. A da rua Assunção


abrira em 1993 e em 1995 vieram as lojas nas ruas Barão do Rio Branco e Liberato Barroso. No ano seguinte, mais duas lojas foram abertas no centro da cidade, nas ruas Senador Pompeu e Major Facundo. Em 1997, vieram os pontos do North Shopping, na zona oeste, e de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza, seguindo em 1998 para Messejana e em 1999 para a construção do Depósito Rabelo. Assim como Dona Francisca dava à luz um filho a cada ano, parecia que João Batista havia se programado para seguir compasso igual com relação à abertura de lojas. A loja da rua São Paulo inaugurou em 2001, o mesmo ano de estreia da loja de Pacajus. O Rio Grande do Norte e Pernambuco conheceram a marca Rabelo em 2002, com lojas em Natal, Mossoró e Petrolina. Em 2003, foi aberto o depósito de Natal, em 2004, mais lojas, na av. Francisco Sá, em Fortaleza, nos municípios cearenses de Crato, Sobral e Juazeiro do Norte, além de loja em Teresina.

Conquistada a fronteira nordestina, em 2005 foi a vez de inauguração da loja em Juazeiro da Bahia, e mais três lojas no centro de Fortaleza, o que prosseguiu em 2006 com a loja da rua Senador Pompeu e em 2007 com a bandeira Rabelo sendo erguida na av. Washington Soares, em Maracanaú, Itapipoca, Camocim e Crateús. Nos anos de 2008 e 2009, o ritmo de crescimento prosseguiu com inaugurações em Mossoró, Natal e Pajuçara, em Maracanaú. A cada abertura de loja João providenciava a mesma festa: a reunião prévia interna com gerentes e vendedores, motivando e mobilizando para o grande momento da entrada do público; a fita de inauguração pronta para ser cortada, anunciando o início das vendas; a presença de um padre, abençoando as instalações; o tapete vermelho estendido para os clientes, que eram recebidos com aplausos. Nunca deixou arrefecer o ânimo de tratar cada loja como se fosse a primeira.

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Primeira loja no centro de Fortaleza na Rua Assunção, 1993

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A família comemorando os 50 anos de João Rabelo, 1999

Aniversários em 2000...

... em 2002

... e em 2003 João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Cronologia das Lojas Em 2009, João Rabelo registrou números capazes de deixar orgulhoso qualquer empresário: 28 lojas no Ceará, sendo 9 no centro de Fortaleza, 4 em shoppings e 13 nos bairros e interior, além de 1 depósito e 1 escritório; 2 lojas e 1 depósito no Piaui; 7 lojas e 1 depósito no Rio Grande do Norte; 2 lojas em Pernambuco e 1 na Bahia. No total, são 1430 empregos diretos, em diversas funções.

1992

1993

Iguatemi

1998

1999

Messejana

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Assunção

Depósito Fortaleza


1995

1997

Barão e Liberato Barroso

2001

North Shopping e Maracanaú

2002

São Paulo e Pacajus

Shopfor, Rio Branco, Petrolina, Mossoró, Alecrim, São Pedro, River João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Cronologia das Lojas

2003

2004

Depósito Natal e Rodolfo

2007

Maracanaú 2, Itapipoca, Camocim, Crateús, Quixeramobim

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2008

Francisco Sá, Simplicio Mendes, Crato, Sobral, Santa Luzia, Rio Branco-PI e Gentil

Mossoró, Via Sul


2005

2006

Juaba, Pompeu, Depรณsito Teresina, Guilherme

Washington Soares

Quixadรก, Pajuรงara...

... e Midway

2009

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Tanto impulso chamou a atenção das instituições lojistas estaduais. E em meados de 2004, João Batista Rabelo conquistou o Troféu Iracema, prêmio maior dos lojistas cearenses, ponto máximo na confirmação do sucesso no mercado local. Para a festa de entrega da premiação, não esqueceu de convidar todos os gerentes, a quem considerou seus parceiros no sucesso. Com eles dividiu o gosto da vitória.

Marina, era possível enxergar a coluna de fumaça escura, subindo às alturas. A reação de ambos foi similar. Podiam optar entre voltar para casa, para mais tarde dar o balanço nos prejuízos, ou prosseguir viagem e enfrentar o problema. Pai e filho se olharam e João deixou claro que existia uma única alternativa. “Passamos por tanta coisa”, disse ao filho, com os olhos cheios d’água, “vamos passar por isso também”.

Curiosamente, a carreira de João seguiu o caminho contrário do roteiro habitual. Começara e vencera em São Paulo, o mais competitivo mercado brasileiro, e só depois se instalara no Ceará e em outros estados Nordestinos. Em mais um lance ousado, deixara para trás a segurança conquistada em São Paulo e enveredara no rumo de uma situação inteiramente nova. Seu feeling dizia que era a hora certa para a mudança, e de fato assim foi.

O cenário era de inferno. Madeira, isopor, plástico, papelão, estofados, um sem fim de materiais inflamáveis alimentava o fogo, na área de quase um quarteirão. Cem homens e 16 viaturas movimentavam-se em plena atividade. A falta de hidrantes nas ruas próximas retardou o trabalho do Corpo de Bombeiros, que precisou recorrer aos efetivos do Aeroporto Pinto Martins para o transporte da água necessária. Caminhões de água foram contratados pelos proprietários, para auxiliar na luta.

Em meio a tantas realizações um baque súbito testou sua resistência: um incêndio de grandes proporções atingiu o principal depósito da empresa, na av. Francisco Sá, na manhã do dia 21 de janeiro de 2008.

João e Adriano não se afastaram. Mantiveram-se à frente do processo, em meio ao calor, à fumaça e aos desabamentos de telhados e paredes, salvando o que fosse possível de mercadoria. Não iam deixar João havia sido alertado da ocorrência e 45 anos de trabalho se transformar em precisava analisar a situação de perto. No cinza. O incêndio foi controlado por volta carro com Adriano, a caminho do depósito, das 15h, mas até a noite as chamas ainda já da av. Leste Oeste, próximo ao Hotel apontavam aqui e ali. Entre os destroços, 92


uma significativa perda: o auditório para 500 pessoas, inaugurado em 2005, que recebera o nome de Socorro e que servira para reuniões, comemorações e lançamentos de campanha. Pai e filho estavam exaustos, sujos, no limite das emoções. Porém, João ainda encontrou forças para lembrar a Adriano que tirasse daquilo tudo uma lição: no negócio, as dificuldades iam sempre estar presentes. Os embates que os filhos iriam enfrentar não seriam iguais aos dele, mas nem por isso deixariam de existir. A melhor resposta para prosseguir era se empenhar ao máximo, para sair sempre de cabeça erguida.

grande de compradores que se faziam necessárias 30 caixas registradoras para atendê-los. Juntos, brindaram o sucesso do Saldão e a capacidade de se reerguer. Depois João comprou o imóvel vizinho, para o novo depósito, mais uma loja em Maracanaú e tocou a vida para a frente. É assim que sabe trabalhar.

Vanessa ouviu quando o pai falou, depois do incêndio, que tudo na vida tinha um propósito, e ainda que ele não soubesse qual era o daquele momento, estava disposto a absorver os fatos. De um evento grave ia buscar outras maneiras de superar. E não ia se deixar abater. Assim, no mês de março, como costumava fazer e como se nada houvesse acontecido, abriu o Saldão no próprio terreno do incêndio. Já era uma tradição realizar esse megaevento promocional, que reunia mercadorias de todas as lojas em ofertas especiais, mobilizando um volume tão João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Recebendo premiação Os Melhores de 2000 BSH Continental

Com os filhos, em evento de premiação, 2001

Recebendo prêmio Destaque Empresarial, 2003

Socorro e João Rabelo na Premiação de Melhor Lojista do Ano, 2004

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Messias (pai de Socorro), Adriano, Vanessa, João, Socorro, Fábio e Fabiana


Família Rabelo na confraternização de 2001

Confraternização final de ano com os fornecedores...

... e com familiares, em 2005 João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Adriano, João e Fábio Rabelo recebendo premiação de Empresário do Brás, 1996

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A Maior Homenagem

Prestes a deixar o bairro paulistano, onde vivera por quase três décadas, João Batista Rabelo, o Joãozinho do Brás, como era chamado pelo comerciante G.Aronson, recebeu uma das mais importantes homenagens de sua vida: o troféu de Melhor Lojista de 1996. Imenso foi o significado simbólico deste prêmio para o Louro, o garoto cearense que um dia desembarcara na Estação Brás, chegando de uma viagem interminável com uma mala emprestada na mão e nada mais do que sonhos pulando no peito. Assim como o Troféu Iracema para o Lojista do Ano, recebido em 2004, representava sua vitória no Ceará, o prêmio do Brás era uma fonte de justo orgulho. No fim das contas, o que estava escrito ali confirmava a previsão feita por Dona Naninha, naquele dia 24 de junho de 1949, e documentava, de fato e de direito, o seu atestado de vitória na vida.

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Memória e Sentimentos

Construir a história de alguém é partilhar não apenas das memórias, mas principalmente dos sentimentos de muitos. E esta é uma história em que muitos foram ouvidos. Em que cada um trouxe a sua visão particular do mesmo relato. Em que cada um contou, da sua maneira, os passos do crescimento de um homem, o traçado de uma vida. Um a um, transmitiram uma inusitada corrente de emoções, nas quais as lágrimas se fizeram presentes e a sensação de estar testemunhando algo especial ficou bem clara. Ao falar do irmão, do filho, do pai, do marido ou do patrão, as pessoas ouvidas colaboraram com suas palavras para que fosse possível montar esse retrato, no qual o que está escrito materializa memórias jamais esquecidas e sentimentos que tantas vezes não sabem ser ditos face a face. E com essas falas, costuradas com o fio das lembranças e das saudades, é que foi feita essa história.

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Francisca Amélia

O João Batista nasceu em Morada Nova, num lugar chamado Chile, no dia 24 de junho, 3h da manhã. Ele era muito grande, 4k e 200gramas, era enorme, parecido até com um americano. Depois que ele nasceu, a parteira me disse que era o filho mais brindado que eu ia ter, de todos eles. “Você vai ser brindada porque esse filho nasceu com uma vibração de luz muito boa pra você e sua família toda, e, além disso, ele vai ser rico”. Eu me admirei por ela ser “cachimbeira” e tão entendida daquele jeito. Aí eu fiquei com aquilo na cabeça. Em Fortaleza, eu fiz todos os meus desejos de educar eles. Trabalhei muito, trabalhei num botequinzinho, era uma lanchonete, criei todos eles com aquele dinheiro que eu apurava com tapioca, bolo, essas coisinhas que eu gostava de fazer. Trabalhava muito. Aprendi só de ver o povo fazer nas casas. Bastava botar o olho que eu aprendia. Eu era inteligente pra caramba, ainda hoje sou. Doeu muito meu coração. Eu tive coragem por causa do padrinho de batismo dele. Um dia eu estava na cidade, fui fazer umas comprinhas pros meus meninos, eu gostava muito de trazer eles tudo arrumadinho, aí encontrei com meu compadre. Aí, eu disse: “ô compadre, eu quero mandar o menino pra São Paulo e ninguém quer deixar, dizem que é uma loucura o que eu quero fazer. Já conversei com várias pessoas amigas, que acham que é uma boa ele sair, porque ele entende mais a vida e fica mais culto.” Ele perguntou: “seu marido concorda?” E eu disse: “ele não é muito contra eu botar eles na educação não, ele acha que fui eu que João Rabelo - Vendedor Vencedor

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eduquei eles, fazendo o trabalho de casa, e ainda na educação deles, não é fácil”. Meu marido era contra um pouquinho, não era muito contra não, porque, quando eu queria fazer uma coisa, ele me deixava fazer, porque ele sabia a cabeça que eu tinha, que eu não tinha a cabeça desmiolada pra estar botando os filhos no abismo. Aí, eu contei tudo ao compadre. “Comadre, eu vou lhe dar um parecer como amigo e como compadre. Bote seu filho pra São Paulo. Não desista. Podem botar uma guerra todinha em cima de você, mas bote ele pra São Paulo.” “Se você não mandar o João Batista são duas oportunidades que você perdeu. Ele vai ser um grande homem”, o compadre falou pra mim, porque antes tinha chegado esse amigo militar, de Belém do Pará, e me disse: “Francisca, deixa eu levar o João Batista comigo, eu faço o convite”. Eu falei: “rapaz o que é isso, vai ser uma guerra tremenda, eu não posso perder o João assim”. Ele disse: “vou botar o menino no colégio militar e depois eu te escrevo, mando dizer como ele está, não pense que eu vou carregar teu filho não”. Aí eu disse não, eu não posso, porque naquele tempo eu não podia. Depois da conversa com o compadre, eu cheguei e falei pro meu marido, e ele disse que era uma boa: “deixe ele ir, você faz o que quiser, porque você é a mãe, quem manda nele, deixa ele ir”. Vixe, chorei pra caramba. Minha sogra quase morre, disse que eu era uma doida, e eu disse: “pelas doidas que se faz um homem”. Ele mandava aquelas cartas pra mim chorando, se lamentando, mandou pra mim um vitrolazinha bem pequenininha, deste tamanhinho, com os discos, escrito “mamãe”, e eu começava a chorar. Mas tudo passou. Depois escrevia pra mim e dizia que estava muito bem, que não queria nem mais voltar. Nenhum deles foi criado mal não, graças a Deus. Meus vizinhos diziam: “Francisca, tu é mulher-homem, não pode nem dizer que é mulher não”. Eu gosto mais de estar em casa, lendo, rezando, repousando, gosto mais dessas coisas.

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José Valkmar

O Louro foi pra São Paulo de ônibus. Inclusive eu que arranjei a mala, porque ele não tinha. Eu dei essa mala pra ele, para que, quando ele ganhasse dinheiro, mandasse um paletó pra mim, que era pra eu poder ir assistir filme no Cine São Luiz, e a coisa que eu mais queria era assistir um filme lá. Pra os 60 anos dele, eu escrevi uma mensagem. Vou passar para Grasiela, minha esposa, ler. Grasiela: “falar do João Batista é muito difícil, porque ele é tão especial que, quando ele nasceu, imediatamente a forma foi quebrada, para que não existisse outro igual. João, parabéns pela vida e pelas conquistas. Você faz a diferença, porque mesmo você sendo um dos maiores empresários não faz exceção de pessoas. Homem íntegro, honesto, humilde, humano e inteligente. Nós te amamos muito. Isso vem do nosso coração”. Nós temos muito carinho mesmo por ele. Os filhos dele foram criados com a nossa filha. Primeiro é Deus, depois é ele. Eles são muito especiais pra nós. Nós amamos muito essa família. É o momento de dizer do nosso amor pela família toda. É uma pessoa muito inteligente, muito competente. A gente não tem palavras para falar dele.

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João Eucimar Quando eu casei vim morar na Aerolândia. O Louro e o Eugênio vieram morar comigo. Depois o Eugênio voltou e ficou só o Louro. Eles quiseram ficar comigo, eu praticamente era irmão e pai. O primeiro que trabalhou na Farmácia fui eu. O Louro entrou pra ser contínuo, fazer entrega nas casas. Eu que indiquei pra trabalhar. Naquele tempo, todo menino trabalhava, depois de 13, 14 anos. Trabalhava um expediente e folgava o outro pra estudar. Ele estudava à noite, eu também. A gente tinha o direito de trabalhar só um expediente, mas trabalhava os dois, pra ter dinheiro, pra se manter. Na Farmácia, me chamavam de Eucimar, e o João, de Louro. O Louro era o contínuo e eu era balconista. O Louro e o Raimundo foram pra São Paulo. Pegaram o ônibus na Praça da Estação, a rodoviária era lá. A Socorro foi depois. Eu fui ser padrinho deles em São Paulo. Graças a Deus tudo deu certo. Hoje eu tenho uma industriazinha de condimento, mas estou me dedicando mais à construção das lojas dele. Ele me chamou, pra eu ganhar uma comissão, eu disse, “Vambora” e estou nessa. Conversando com o Louro, às vezes ele diz assim: “já pensou, se o papai estivesse vivo, para ver isso...” João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Francisco Hélio Martins de Oliveira Meu contato com o João Batista começou quando a gente era adolescente. Resolvi vir para São Paulo depois que ele veio pra cá. A gente estava sempre em contato e ele falou: “vem Hélio”, aí eu vim. Eu tinha 21 anos. A Celina veio pra São Paulo com uma amiga dela, e ficou. Eu fiquei trabalhando com o João numa loja de rádio, a TV Vitória, como vendedor. Trabalhei seis meses, até dezembro, quando eu resolvi voltar pra Fortaleza. Estava com saudade, voltei. Depois ele escreveu pra eu voltar pra São Paulo e eu voltei de novo. Em 1972 voltei, e até hoje. Ele comeu muito ovo. Ele passou fome, acho que nenhum filho dele acredita que ele passou fome, ninguém acredita. Ele e a Celina. Ele gosta muito da Celina. Eles dois sofreram muito. O João foi um dos melhores vendedores que eu conheci. Eu fui gerente de vendas, de recrutamento e seleção, e até hoje ele ainda é o melhor vendedor, daqueles que queria fazer uma coisa, tinha que dar certo, e dava certo. “Eu vou fazer isso, vamos fazer”, eu dizia “não vai dar certo”, mas sempre dava certo. Ele atingia todas as cotas de venda. O dono da loja viu que ele era muito bom, com aquele jeitão dele de querer vencer e aprender tudo. Porque tem o vendedor atendente e tem o vendedor profissional. Ele João Rabelo - Vendedor Vencedor

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era os dois. Tem o que diz bom dia, boa tarde, mas não tem aquela malícia de realizar a venda. O João foi sempre o vendedor nato, além de ser um excelente atendente. O cliente queria comprar um, ele vendia três, quatro, cinco... era excelente vendedor. O João tinha loja aqui em São Paulo, na rua Cavalheiro, 24, e se tornou um bom comerciante. Depois que ele comprou a TV Vitória, já estava bem em termos de comércio. A virada foi quando ele foi pra Fortaleza, comprou um ponto aí no Shopping, com o Fábio, aí pronto, graças a Deus foi em frente. Em 1994, ele disse, “eu vou voltar pra Fortaleza”. Eu falei “pense direito, você já está aqui, você conhece, tinha dado certo aqui”, mas ele falou “eu vou, eu vou”, e foi, e venceu. É esse jeito que ele tem. Ele foi muito corajoso de fechar as lojas aqui, foi quase como começar do zero. Ele quer muito as coisas. Era como quando ele trabalhava de vendedor. Um mês ele vendia A, no outro mês queria vender B, ele queria sempre mais. Naquele tempo, a gente era mais tranquilo, não tinha tanta bandidagem, saía tranquilo, chegava qualquer hora, ganhava mais dinheiro. Hoje caiu muito. A gente era novo. As coisas foram acontecendo. Capaz que eu vá pra Fortaleza no aniversário dele, fazer uma surpresa.

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Lindaura

A mamãe é muito otimista. Sempre empurrou os filhos pra cair na real. Ela queria porque queria que o Louro fosse pra São Paulo. Ele não foi só: foi com o Raimundo. Quando o Raimundo voltou, a mamãe não queria que o João voltasse, aí mandou a Celina. Como se fosse assim mais uma força pra ele continuar lá. Eu fui pra São Paulo em 1973. Passei no vestibular, e o meu irmão mais velho me deu a ida e o João me deu a volta. Era um apartamentozinho em cima e a loja era embaixo. Morava a Celina, a Socorro, o João e um irmão da Socorro. Eu fiquei lá por um tempo. Mamãe foi embora com o Louro pra São Paulo, depois foi pro Rio de Janeiro acompanhar outro irmão nosso, o Francisco, que morreu de câncer. Era como se o João fosse o porto seguro dela. Depois foi a família da Socorro. Ela trabalhava e minha irmã também. Acordavam 4h da manhã, eu dizia “meu Deus, essas meninas são loucas, sair numa escuridão dessas”, mas era a luta. Depois eu casei e fui morar em Campinas. O meu marido foi fazer mestrado. Todo domingo o João ia pra Campinas. Foi mais ou menos na época que a Vanessa nasceu. Ele já era o dono do negócio dele. Já tinha a loja com o meu cunhado.

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O João trabalhava demais. A lição de vida que ele aprendeu... porque tem que ver o seguinte: nós temos o conhecimento, que a gente aprende no livro. Ele, pode-se dizer que é PhD em lição de vida, porque ele aprendeu tudo vivendo. Ele aprendeu essa forma de tratar com as pessoas, de mostrar que ele é um comerciante nato. Porque você sabe que tem gente que pode morrer de estudar administração e não aprende. Ele chega, revoluciona, tem uma estrela que brilha mais do que todo mundo. Eu digo isso porque estou trabalhando com ele. Eu nem trabalhava. Aí fui trabalhar com ele no depósito. E de repente eu fico, às vezes, analisando, e imagine que ele tem uma sorte tão grande, tudo que ela bota a mão cresce numa rapidez... Ele tem uma coisa que poucas pessoas têm. Ele é muito aventureiro, muito ousado. Ele arrisca muito naquilo que ele quer fazer. Orgulha qualquer pessoa ver o irmão subir, chegar na cidade e ser reconhecido como Lojista do Ano, receber várias comendas... Eu coleciono os jornais que falam dele. É a história de um homem trabalhador.

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Raimundo

Quem saía daqui do Ceará pra São Paulo... era o coração do Brasil, era a ilusão dos cearenses. Eu pensava que ia ganhar muito dinheiro, ficar rico, acho que a intenção da gente era essa, não sei, faz tantos anos... Ver a cidade pela primeira vez, quem vem do interior, como nós viemos, Ave Maria, eu só olhava pros arranha-céus, era coisa do outro mundo. Em São Paulo, a gente passava muito frio, sem dinheiro pra comprar agasalho, era muita bronca. Chegamos lá e o pessoal começou a arranjar trabalho pra gente. Naquela época, o pessoal botava os avisos de precisase, na porta das indústrias, e nós começamos a procurar. Foi como a gente conseguiu, eu e o Louro. O pessoal da pensão dizia, em tal lugar tem vaga, aí a gente ia. Futurando. A primeira coisa que eu comprei com o meu dinheiro foi pão. Deve ter sido pão. Todo cara que vem do interior é doido por pão. A fome era grande. Na pensão, a gente pagava com a comida e a dormida, por um mês. Só uma refeição, só a janta. A gente almoçava onde a gente trabalhava. Na pensão, só almoçava no domingo. Não mandava dinheiro pra mãe. Não sobrava nada. No sábado e no domingo, a gente descansava. Ninguém fazia nada de lazer, não tinha dinheiro, eram 30 dias pra receber uma mixaria. Nenhuma empresa dava vale. A gente passava muita dificuldade. Hoje tudo é mais fácil, paga por semana, por quinzena, João Rabelo - Vendedor Vencedor

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naquele tempo era limpo e seco: 30 dias pra receber, uma esmola, que só dava mesmo pra comer, e pra comer ruim. Se fosse pra comer bem não dava não. Eu tinha saudade da família, do clima, mas o clima depois a gente acostuma, com uns 6 ou 7 meses lá a gente já acostumava. Mas, no começo, o sofrimento foi grande. Eu fiquei um ano e oito meses por aí. Aí voltei pra Fortaleza. Não estava gostando... quer dizer: gostando até que eu estava, mas eu tinha muita saudade dos meus avós, que me criaram. A minha avó, mãe da minha mãe, estava muito doente, eu chamava ela de mãe, por isso que eu vim embora. O Louro quis ficar. Ele disse: “rapaz, eu vou sofrer mais um tempo aqui”. E o sofrimento dele deu certo. Quando eu saí de lá, ele estava trabalhando numa fábrica de tapete. Depois trabalhou na TV Vitória, com um português que foi assaltado, uma coisa assim, ficou desgostoso com São Paulo e vendeu pra ele. Quando o Louro vinha de férias no fim do ano, eu dizia: “volta pro Ceará”, e ele: “que nada”, a pessoa aprendeu a trabalhar lá, né. Ele não queria vir. Depois, não confiava mais que ia dar tanta sorte do jeito que deu.

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Regina

Minha mãe tinha uma disciplina medonha. Nunca foi de deixar os filhos liberados, tudo tinha que estudar, que fazer suas tarefas, tinha hora de dormir, de comer, tudo tinha que ser na hora certa, era assim. A mamãe foi muito dedicada aos filhos, muito forte. Eram muitos filhos. Morreram a Walkiria e a Maria Lucia. O Antonio também morreu, com seis meses. Todo mundo chama o João Batista de Louro. Desde pequeno. Ele era bem lourinho, magrinho, cabelo bem estiradinho... A mamãe mandava o Louro vender ovos, carregando na cabeça. Foi uma vida muito sofrida. Meu pai passou a ser funcionário público aqui em Fortaleza. Arranjou um bom emprego, mas não era esse salário tão grande não. Era um homem muito bom, batalhou muito, cheio de sabedoria. O dinheiro que ele ganhava, dava todinho pra mamãe, pra ajudar na criação dos filhos. Quando o papai morreu a mamãe foi embora pro Rio de Janeiro. O Louro comprou um apartamento pra ela no Rio e ela foi morar com o Francisco, meu irmão caçula, que por sinal Deus já levou, com 26 anos. A Francisca também morava lá. O Louro saiu daqui pra buscar vida melhor em São Paulo. Ir pra São Paulo foi um conselho que minha mãe deu pro Louro: “meu filho, aqui não está dando pra você, vá pra São Paulo, você vai ser feliz, vai enricar, vai alcançar seus objetivos”, e palavra de mãe pega. E deu certo o que ela falou. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Me lembro quando ele arrumou a malinha pra viajar. Nesse dia a mãe chorava muito, ele também chorava, a gente também, com pena dele, “esse magrelo vai pra São Paulo, vai morrer lá”, e a mamãe falava “vai nada, ele vai ser é grande, vai voltar rico”, e aconteceu desse jeito. Tudo que ela dizia acontecia. Toda semana ele mandava uma carta, a mamãe mandava a gente escrever respondendo. Ele mandava fotos, estava até mais gordinho. Ele começou assim, muito sofrido. A Socorro foi depois. Ela foi muito sábia, conquistou o Louro com a coragem dela, com a garra dela. Até hoje estão juntos num casamento muito abençoado. Ele foi um vencedor e ainda vai ser mais. Ele gosta de ajudar as pessoas que precisam. A minha casa foi ele que me deu. É muito boa, muito confortável. E ainda me deu os móveis, os eletrodomésticos, me deu armário de cozinha, geladeira, estante, cama, guarda-roupa, e eu oro todo dia por ele, pra Deus triplicar tudo que tem nas mãos dele. Ele ajuda muito a mamãe, a Francisca, ajuda todo mundo. Eu agradeci muito a ele e a Deus. A Socorro é uma mulher maravilhosa, também gosta muito de ajudar. É por isso que eles têm as coisas.

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Eugênio

Falar do meu irmão Louro é uma história muito longa. Eu sou o irmão mais próximo dele, a pessoa com quem ele se dava mais. A nossa diferença de idade é de quatro anos. Eu tenho uma identificação muito grande com ele. Era uma família grande, mas muito unida. A gente se apega muito. Hoje é cada qual no seu quarto, com o seu carro, com a sua liberdade... a gente não. Às vezes dormia na mesma rede. Até que um dia foi embora pra São Paulo. Ele escreveu uma carta pra mim: “São Paulo 27/07/1971. Caro mano Eugênio. Escrevo esta para saber as suas notícias e enviar as minhas. A saudade é terrível daí. Somente você era o camarada que passava até tantas comigo. Como é que estão as brincadeiras por aí? Você já aprendeu a dançar? As meninas vão dançar aí ou já acabaram as festinhas que nós fazíamos? Me conta. Dê lembranças às garotas daí. Pergunta ao Zezinho como vão as coisas no interior. Dê lembrança a ele. A Socorro disse alguma coisa de mim? Ela está namorando com alguém? Meu abraço pra turma aí. Fala pro Valkmar que depois vou escrever pra ele. Nada mais, do mano João Batista Rabelo. Não deu pra mandar a fotografia porque não cabe no envelope. Mandei os negativos.” Quando ele não vinha de dois em dois anos eu ia pra São Paulo. Ele não era mais empregado, já estava vendendo rádio, considerado um dos maiores vendedores de rádio do Brasil. A gente pegava o ônibus e ia pegar os rádios. Depois ele vinha de novo, já começou a namorar mais sério com a Socorro, depois ela foi pra lá. E ele sempre muito trabalhador. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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A maior qualidade dele é essa. Responsável, trabalhador, uma pessoa fantástica. Uma pessoa pra superar o João Rabelo é muito difícil. Ele não retrocede. Sempre vai em frente e consegue. É uma pessoa fantástica, que está do lado da gente na hora da alegria e da tristeza, está sempre comigo. Quando eu tive vitórias, lá em Ibicuitinga, onde fui prefeito, ele foi comemorar comigo, foi como se ele tivesse ganho. A maior alegria dele. Depois fui candidato em Morada Nova, perdi, esse homem era tão preocupado comigo, parecia que a derrota era dele. Parece que as vitórias e derrotas na minha pessoa eram como se fossem dele, a mesma coisa. Ele transferia, era muito interessante. Fui candidato a Deputado Federal, agora por último, ganhei, e ele ficou na alegria maior do mundo. Talvez ele tenha mais alegria do que eu. Até hoje ele compartilha comigo essas coisas. Ele me tem como filho e fica todo tempo cobrando, porque acredita no meu potencial. Como ele é um vencedor, que eu seja também. De certa forma, ele compra a briga por mim, de certa forma me dá autoestima e moral, eu acho isso importante no Louro. Eu não sei se é por causa da nossa convivência desde criança, mas ele sempre está comigo desse jeito, me manda levantar a cabeça, ir pra luta, como se eu fosse ainda criança. Até hoje o Louro é desse jeito. E está completando 60 anos, e eu digo que ele seja feliz, que é uma pessoa maravilhosa. Vá em frente, meu irmão, que você é um batalhador. Você é um vencedor. É fantástico. Você é puro, é humano, é um batalhador, continue sempre sendo a pessoa que você é. Te amo muito.

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Francisca

Como eu sou a caçula, tive pouco contato com João. Lembro bem dele quando chegou de São Paulo, do namoro dele com a Socorro. A mãe dela era muito amiga da mamãe, aí a mamãe chamou a Socorro pra conhecer o Louro, os dois começaram a se olhar, se gostaram e começou o namoro. Me lembro dos dois dançando na casa da minha mãe, ele todo bonitão, chegado de São Paulo, a Socorro também muito bonita, com o cabelão descendo pelas costas... Eu acho que eles nasceram um pro outro. Eles dançavam a música do Roberto Carlos, numa vitrola antiga que minha mãe tinha, uma vitrolazinha de madeira, a Socorro com o cabelão bem comprido, ele se apaixonou e ela também. Depois a mãe dela não queria que ela fosse pra São Paulo e a mamãe fez de tudo pra dar certo. E lá eles se casaram e cresceram juntos. Eu fui pra São Paulo ajudar a Celina, cuidar do filho dela. Eu tinha 13 anos, aí voltei com 19 anos, fui de novo pra São Paulo e voltei pro Rio. Fiquei 20 anos no Rio. A mamãe tinha o apartamento dela também lá no Rio. O Louro sempre foi trabalhador, nasceu com estrela mesmo. Nasceu pra brilhar. Eu voltei em 2000 do Rio pra Fortaleza. Ele já estava com a loja do Iguatemi e da Assunção. Eu vi a João Rabelo - Vendedor Vencedor

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reforma todinha dessa loja. Eu desconfiava que ele ia fazer sucesso. Ele nasceu pra ser o que ele é hoje. É a sina dele. A minha mãe diz que o João nasceu pra ser rico mesmo. É uma pessoa simples, que gosta de ajudar as pessoas, quantas pessoas ele já ajudou! Ele é uma pessoa excelente. Eu admiro muito ele, tenho ele igual a um pai pra mim. Eu quero muito bem a ele. Eu posso até não demonstrar isso, mas admiro muito ele, rezo pra ele, pra cada vez ele subir mais, mais do que ele já está. A Socorro também é uma pessoa excelente. Quero muito bem a ela. Tenho ela não como cunhada: é mesmo que ser uma irmã. É uma pessoa humana, legal, amiga, não dá nem pra comentar. Ele é sem defeito. Pode até ter os defeitos dele, que ninguém é perfeito, mas é uma pessoa que nasceu pra brilhar. Não dá nem pra contar. Se muita gente tivesse o que ele tem não era tão simples como ele é. Na corrida da vida, a gente nem tem muito contato pra se falar assim, abertamente, mas tem muita coisa que não tem coragem de dizer, sei lá. Mas ele é um irmão maravilhoso. Me ajuda muito. Eu tive pai, mas ele era um pai presente, estava ali quando eu precisava. Que ele tenha muitos anos de vida, ele e a Socorro, isso é o que eu desejo pra eles.

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Dil

(Francisco Edilberto Jacinto da Silva)

Fui o primeiro funcionário do Seu João em São Paulo, na rua Cavalheiro, 103. Tinha um colega meu que morava em São Paulo, vinha passar férias em Fortaleza e numa oportunidade dessas eu fui com ele. Foi em 1980. Meu colega conhecia o João. Tinha um aniversário lá, meu colega me convidou e a gente foi. Chegou lá, ele me apresentou: “João, esse aqui é um rapaz que veio comigo. Aí ele disse, pra mim: “segunda-feira você começa a trabalhar comigo”. Cheguei no sábado e na segunda comecei a trabalhar. Eu tinha uns 20 anos. Comecei arrumando a loja, o depósito. Era ajudante geral. No primeiro ano fiquei aprendendo e no ano seguinte comecei como vendedor. O treinamento foi do dia-a-dia mesmo. Era eu, ele e a D. Socorro. Depois teve a Delma, o Francisco, o Paulo... Nas prateleiras colocava as caixas vazias e o rádio em cima delas. Tinha aqueles rádios grandes, de madeira, vendia muito pro Nordeste. O que mais vendia na época era rádio. Primeiro ele abriu uma lojinha, aí uns seis ou oito anos depois é que ele comprou a TV Vitória e virou patrão. Pra mim foi um patrão excelente. Uma pessoa simples, continuou do mesmo jeito de quando ele era pobre. Diz o que tem que dizer, na hora que tem que dizer. Se a gente der muita folga, já sabe como é que é... João Rabelo - Vendedor Vencedor

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No Brás, 90% do movimento era de nordestino. Ele vendia mais pra Norte e Nordeste, no atacado. O pessoal ficava freguês. Como vendedor ele era o melhor que tinha. Ele tinha muito envolvimento, tinha muita facilidade de fazer amizade, muito aberto, brincalhão, o segredo dele é esse. Na época, quando saiu do português, que vendia mais atacado, ele saiu pra ingressar nessa mesma linha. Quando surgiu o ponto, ele alugou, na Cavalheiro, 24. Depois de três ou quatro anos, ele comprou o outro lado, que era a 26. Aí depois foi a TV Vitória, comprou mais duas lojas na Almeida Lima, estava bem. De repente ele cismou: “rapaz, vou abrir uma loja em Fortaleza. Se der certo eu vou embora”. Aí abriu a primeira, no Iguatemi. Depois de dois anos ele comprou outra loja, a da Assunção, e de repente, decidiu que ia ficar por aqui. Ele deve ter pensado: “vou embora pra minha terra, que é melhor”. Aí ele me perguntou: “quer ficar, ou quer vir comigo?”. Eu disse vou ver. A minha família estava comigo, todo mundo é cearense, eu disse: “então eu vou”. Não imaginei que ele ia tão longe. Mas graças a Deus deu tudo certo. Ele é uma pessoa muito legal, muito simples, sem orgulho, acho que o motivo dele estar assim hoje é isso aí. A honestidade também. Quando ele quer falar ele fala logo, não tem negócio de ficar dando volta. É sincero.

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Delma

(Quitéria Rodrigues da Silva)

Eu vinha de fábrica, não sabia nada do comércio. Eu tenho essa gratidão muito grande com o Seu João, porque a minha base comercial toda foi ele quem fez, pra mim e todos os funcionários dele. A loja era pequena, mas precisava de oito pessoas porque ele vendia bastante. Eu trabalhava como caixa, daí a pouco ele foi me ensinando a mexer com a parte bancária, parte administrativa, foi ele quem me ensinou tudo. Ele foi o professor de todos nós. A venda por telefone, eu fui copiando, vendo como ele fazia. Ele sabia no momento certo qual o cliente que atingia com o vocabulário dele. Tinha aquele cliente que chegava, quando ia entrando ele colocava o braço no ombro dele e dizia, “veio pegar, meu amigo, já estou aqui pra entregar”. Principalmente o pessoal do varejo, porque a região do Brás tinha fama de lugar mais barato, e as pessoas chegavam lá e pensavam estou na minha casa, no meu Nordeste. Ele fazia as pessoas se sentirem em casa, com o jeito dele de abraçar, de botar a pessoa pra dentro, vendia o produto com margem até muito boa, e o cliente saía e ele: “agora, meu amigo, de bom coração”, e o cliente ainda dava café pra todos nós. Era uma festa mesmo, naquela loja e aquilo foi contagiando todos os vendedores. E foi contagiando as outras lojas, ele comprou a loja onde tinha trabalhado, e como tinha me preparado pra assumir uma loja me jogou lá como gerente, eu na maior tremedeira, mas João Rabelo - Vendedor Vencedor

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assumi a loja e graças a Deus foi o maior sucesso. Sempre ele orientando. Hoje mesmo, quando eu estou meio perdida, ligo pra ele. Pra entrar na loja, tinha que entrar de fininho, não podia ser muito gordo porque era tudo muito apertadinho. A parte do caixa, pra entrar pra receber, servia também como balcão de atendimento. Se alguém fosse passar, precisava o outro sair primeiro. Ele conversou comigo, me mostrou o que eu ia fazer. Dia de sábado, D. Socorro ia pra loja. Durante a semana, ela ia só na parte da tarde. Ia desde cedo porque o movimento era muito grande, e ela ficava no caixa e a gente ia pro meio da loja, ou íamos pra calçada, na verdade, a gente pegava o cliente, botava pra dentro, era uma festa. Depois fui pra a Cavalheiro 103, que era a TV Vitória, e fiquei lá acho que uns seis anos de gerente. Mas eu tinha um amor muito grande pela lojinha pequena. Quando eu saí de lá, saí pra ser gerente, eu chorava. Foi uma luta. E era na mesma rua. Ele mesmo nunca saiu da loja pequena. Só quando fechou. A base era lá. Ele chegou a comprar umas dez lojas. Ia nas outras, mas o ponto fixo era na primeira, a pequenininha, 24 e 26, duas portinhas. A 24 era alugada. Quando ele começou a crescer ele foi comprando. É uma trajetória muito bonita. Ontem mesmo, eu estava conversando com um funcionário do depósito, falando pra ele que quem entra na Rabelo é por amor, quem fica na Rabelo é por amor, ele que passa isso pra gente. A história dele é grande. Ele é iluminado e passa isso pra todos os funcionários, todos se sentem como filho.

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Dorival Tronquin de Góes

A gente trabalhou junto no início na TV Vitória. Entrei em 1972, ele saiu em 1978. Eu saí pra outra cidade e quando voltei ele tinha aberto uma loja. Em 1988, voltei a trabalhar com ele. Fiquei até 1999 na loja do Rabelo. A gente vendia rádio, televisor, geladeira e eletrodomésticos, das 7h às 18h. A Cavalheiro é rua comercial, deve ter uns 4 mil metros. Na época era muita loja de calçados, com exceção da TV Vitória. A gente tinha uma amizade maravilhosa. Ambos funcionários. Eu na casa dele, ele na minha casa. Mesmo depois de ser patrão e empregado, continuou a mesma coisa, não mudou o relacionamento. Ele é uma pessoa esplêndida, uma pessoa maravilhosa. Com todo esse potencial que hoje ele vive, é aquela pessoa que eu conhecia há 30 anos. Não mudou. Fez muito por mim. Como vendedor era excelente. O segredo dele é a inteligência. Ele vendia por mim, por ele, era bom mesmo. Na época da TV Vitória ele era o destaque. O Hélio, cunhado dele, também trabalhava na época, mais um outro amigo, que morreu. Tinha o José Maria, de Fortaleza, o José Eustáquio, mineiro, e eu. Depois, eu não sei o motivo que levou ele a pedir demissão. Com a inteligência dele, trabalhador, foi à luta. Abriu a primeira loja e daí pra frente – só sucesso. Ele passou pelas dificuldades, é lógico que todo mundo tinha dificuldades naquele tempo, mas ele conseguiu sobreviver e foi em frente. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Em 1993 foi o primeiro passo. Ele falou pra gente que ia pra Fortaleza, ver se abria uma loja, e foi onde aconteceu. A loja onde eu trabalhava, graças a Deus vendia muito. Ele não tinha medo de estocar, comprava, e quem compra vende. Isso aí é uma lógica. Ele não foi comerciante medroso. Se atirou naquilo. O ideal dele era aquilo e foi assim que ele venceu. Ele abriu a primeira loja em Fortaleza, e daí pra frente é o que é hoje. Ele tinha um sonho. Veio pra São Paulo sem ter amigos, sem ter ninguém. Através do tempo foi adquirindo amigos, mas falava sempre que o ideal dele era ser alguém na vida. E graças a Deus ele conseguiu alcançar o objetivo da vida dele. Ele não era aquela pessoa saudosista. O caso dele era muito real, ir pra frente, o objetivo era esse. Não tinha esse negócio de saudade. Conheci a Socorro depois que casaram. A partir daí fomos tendo o convívio. Trabalhadora, ajudou ele muito, embora ele fosse o professor, mas também precisava de ajuda. Ela é uma mulher de primeira. Quando ele foi pro Ceará, ela e o Fábio praticamente assumiram as lojas aqui. Ficaram e seguraram o rojão aqui. Que Deus o abençoe, chegando aos 60 anos com todo esse sucesso que tem, porque ele é merecedor disso.

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Sônia Carvalho

Trabalho há seis anos na empresa, no setor de Recursos Humanos. Quando eu entrei eram 23 lojas Rabelo. Já vai pra 40, e eu vejo que o Seu João continua a mesma pessoa, não mudou nada. É a mesma pessoa simples, humilde e que coloca o carisma dele em cada loja que abre. A história do Seu João representa uma lição de vida muito grande. Deixa um aprendizado e mostra o que é que uma pessoa perseverante pode conseguir. É muito importante falar desse lado bom do ser humano que ele tem, uma pessoa capaz de viver, de se projetar e de se emocionar com as histórias dos outros. A gente vê muito o lado patrão, mas mesmo dentro desse lado a gente vê uma pessoa muito carismática. Tem uma coisa nele que cativa. Ele pode brigar com você, mas ninguém guarda ressentimento. A prova é que tem funcionários que recebem convite de outras empresas e não aceitam por causa dele, querem ficar com ele. O que ele passa pra gente, o que ele espera da gente, é principalmente não ver o lado negativo das coisas, é procurar buscar o que a pessoa tem de melhor. Quando ele fala e reclama, tem muita gente que pode até não entender, mas é a forma dele dizer “Você tem capacidade de fazer isso”. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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É o desafio que ele lança da forma como ele aprendeu e que dá certo com todo mundo, porque ele consegue ver nas pessoas o talento que ninguém conseguiu descobrir. Eu conheço muita gente inteligente. Mas o Seu João tem uma inteligência fantástica. Ele trabalha com os dois lados do cérebro. Se ele tem a ideia, já vê essa ideia projetada. O que você fala, ele já pega aquilo e transforma em alguma coisa. É uma pessoa fora do comum, pelos ensinamentos que passa e pela forma como passa.

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Maria do Socorro Rabelo

Eu cheguei em São Paulo em agosto de 1973. Tinha conhecido o João em 1971, quando ele veio passar umas férias e a gente se paquerou. Fui pra São Paulo com a Celina, irmã dele, que veio passar a lua-de-mel. Eu tinha 18 anos, estava sem estudar. No ano anterior o João tinha vindo e eu deixei de frequentar muitas aulas de educação física e fui reprovada. Eu não conseguia arranjar colégio, meu pai brigando muito comigo e a Celina disse: “vamos”, e a minha mãe olhou pra mim e perguntou: “você tem coragem?” Meu pai tinha aquele xodó comigo. “Você vai fazer o que lá, a sua mãe é louca!”, e eu disse: “eu vou e volto, é só pra conhecer”. Estava ansiosa pra chegar na cidade grande, tudo novo, o frio pela primeira vez... Eu nunca tinha saído de casa. Muita ansiedade, muito medo, afinal de conta era um namoro de pouco tempo. Quando eu cheguei lá, eu falei pro João: “eu estou aqui, mas sem compromisso, se você achar que a gente não deve ficar junto, não tem problema nenhum, vou procurar outras coisas, um trabalho, a gente se vira”. Eu era muito danada, mas não tinha nenhuma experiência de trabalho. Fiquei três anos como vendedora, morando na casa com a Celina. Ela foi legal, porque levar uma pessoa que nem conhecia tanto... É aquela coisa do destino. Se eu estivesse estudando João Rabelo - Vendedor Vencedor

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meu pai não tinha deixado. Depois a gente fica analisando o processo e vê que foi muita audácia. Muita coragem. Às vezes eu falo a um amigo meu, que eu estou com medo de alguma coisa, e ele: “medo de que? Uma mulher que com 18 anos foi pra São Paulo, essa palavra não combina com você.” Casei com 20 anos. Com um ano e pouco de casada meus pais foram pra lá, na casa do Brás. Eu morei dez anos no Brás. Quando eu cheguei, ele já estava morando na rua Cavalheiro, dividindo o apartamento com a minha cunhada. Ele já estava na TV Vitória, como vendedor de eletrodoméstico. Ele tinha uma moto. Muitas vezes ia me buscar na moto, outras vezes eu vinha a pé. Eu trabalhava de tarde, até 9 da noite, e quando chegava ia fazer janta, lavar toda a louça e a roupa. Eu cuidava do filhinho da minha cunhada, que trabalhava de manhã, e ela cuidava do meu de tarde. Foram quatro anos assim. O João acordava às 7h, trabalhava perto. A gente morava na rua Cavalheiro, ele trabalhava também na Cavalheiro, facilitou muito. Era só atravessar a rua. Lá no Brás tinha muito cearense, mas a gente tinha muitos amigos que não eram. Tinha o Jairo, que ajudou muito quando o João abriu a loja, porque ele não tinha dinheiro, não tinha capital, o pessoal deixava o produto e dizia: “quando vender você me paga”. Coisa de muita amizade mesmo. Ele tinha muitos amigos. Sempre era muito certo nas coisas que fazia, sempre era muito determinado, fazia o que fosse, mas o pagamento estava ali, em dia. Isso foi todo o histórico de trabalho dele, de ser uma pessoa muito direita, muito honesta. E deu credibilidade a ele, porque quem é que ia dar produto a uma pessoa que não tinha patrimônio? Com uma loja pequena, sem garantia? Era só por ele mesmo, porque viam o esforço que ele fazia, chegava cedo na loja, só saia tarde da noite, foi um processo lento, mas com uma base muito boa. Até quando ele retornou pra Fortaleza foi também com muita base. Ele trabalhava com o Chico na TV Vitória. Aí o Chico diminuiu a comissão dele. Era 2%, passou pra 1%. Ele sabia que não ia ter condição de manter a família e saiu, abriu uma representação em casa. Depois de dois anos apareceu um ponto bem pequenininho, ele 128


pegou e transferiu de casa pra lojinha. E começou daí. Com pouco tempo dessa lojinha, abriu outra, em seguida abriu mais uma. Ele sempre gostou de comércio, aí continuou e abriu outra, na própria Almeida Lima, e colocou o nome do pai dele. Era A.L. Rabelo, também de eletrodoméstico. Só uma loja era de doces, mas foi um caso a parte. Meu cunhado conhecia muito a venda de doce, trabalhava com isso, então ele falou: “vamos abrir uma sociedade”. O ponto já era dele, já tinha comprado esse ponto. Nesse começo, na primeira lojinha ficamos nós dois. Como eu trabalhava só meio período, dava pra ajudar pela manhã. Ele fazia tudo que tinha que fazer na rua, eu ficava até uma certa hora, aí tinha que correr pra fazer o almoço. Aí corria pra deixar o almoço. A sorte é que era tudo na mesma rua. Se não fosse, acho que a gente não ia ter conseguido assim, tão... não tinha como se deslocar. A virada mesmo eu senti que começou quando a gente comprou a TV Vitória. Ele trabalhar na loja e depois ser dono – foi quando eu vi que a virada ia ser muito grande. Interessante que quando o Chico ofereceu pro João, ele não tinha dinheiro. Como é que ele ia comprar aquela loja enorme, cheia de mercadoria? O português tinha lá as coisas dele, mas gostava muito do João. E ele falou assim: “só vendo pra você. Se tem uma pessoa que eu sei que me paga realmente é você”. Ele teve confiança. Por isso que eu digo. Confiança é tudo. Mostrar o seu trabalho, o nome honrado na praça. Ele via que o João era muito direito. Ele tinha o João como uma pessoa em que ele confiava muito. E tanto confiou que vendeu pra ele. Via o João muito danado, muito ativo, naquele crescimento. O Chico tinha sido assaltado, ficou desgostoso, a equipe foi se dividindo, o pessoal saindo, ele sem apoio. Com isso chamou o João e fez a proposta. Eu sou muito curiosa, gosto de ir em livraria e vi esse livro: “O Maior Vendedor do Mundo”. É um livro que abre muito a cabeça pro crescimento, pra busca interior, porque tem momentos em que você fica meio fragilizado, no dia-a-dia, tem horas que você fica meio desanimado. Esse livro deu pra mim e pra ele uma esperança de ânimo. Um tempo depois eu vi o João meio por acolá, eu disse: “João, lê esse livro”. Aí ele pegou o livro, leu e falou: João Rabelo - Vendedor Vencedor

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“Socorro, é muito bom esse livro, você cria alma nova”, e esse livro nunca mais saiu de perto dele. São dez pergaminhos, cada um tem uma disciplina. Isso foi muito importante. Você tem que ler aquele pergaminho vinte dias, pra absorver o ensinamento, colocar em prática aquela disciplina. Ele tem uma visão muito boa, vê as coisas que eu olho e não vejo, eu fico até impressionada. O que eu vejo nele, uma coisa assim muito forte, é a palavra que ele fala, aquela fala dele, e a coisa se concretiza. Me dá arrepio, ele fala com tanta convicção, a coisa tão forte, como se estivesse vendo, se empolga muito.Um pouco antes do Plano Collor ele comprou um imóvel e um carro. “Socorro, eu estou com o pressentimento que vem alguma coisa”, aí comprou o melhor carro que tinha, um Monza Classic, a coisa mais linda do mundo. Ele tem isso muito forte, é impressionante. É a visão que ele tem e que nós não temos. Ele já vê o projeto todo ali desenhado, nós não vemos assim, isso ele tem. Lembro que quando a gente veio pra Fortaleza, ele falou que ia comprar um apartamento. Aí depois disse que tinha mudado de ideia. “Vou comprar uma loja”. A loja era melhor, essa coisa toda. A gente não tinha decidido vir pra cá. O João abriu a primeira loja aqui em 1993 para o Fábio tomar conta, só que depois o Fábio não conseguiu ficar aqui sozinho e retornou pra São Paulo. Não tinha como a gente ficar toda hora pra lá e pra cá, porque a passagem era muito cara. Quando ele retornou pra comprar o apartamento, a gente já tinha essa loja do Iguatemi. Foi quando ele comprou a segunda loja, na rua Assunção. Quando abriu a porta era um depósito de lixo. E ele, “mas é uma coisa boa”, e eu sabia que estava tudo planejado na cabeça dele. Era o ponto. Interessante é que depois que ele abriu, ficou uma bela de uma loja. Aí, com nove meses, ele comprou esse apartamento aqui. Na cabeça dele já estava planejando pra voltar, só que ele não me falava. Com o tempo ele disse: “comprei o apartamento grande porque eu tinha planos de voltar”. Ele morou 28 anos em São Paulo. Pra nós, lá era muito trabalho. A gente tinha o nosso lazer, na minha casa, no domingo, tinha churrasco, a gente ia pra shopping, de vez em quando no 130


Estoril, um parque com as crianças. Saía sempre a família, em grupo. Futebol era com os meninos, na Mooca. Ia pra Praia Grande, a mais próxima de São Paulo. No começo, ele tinha um fusca vermelho, depois é que foi melhorando. Quando eu cheguei lá, ele foi buscar a gente nesse fusca. Foi nosso suporte pras coisinhas básicas, ficou depois o fusca e a moto. O primeiro carro que ele me deu foi uma Brasília. Ele fez um curso de datilografia, exame pra Caixa Econômica, era muito ativo, buscando alguma coisa nova, sempre em busca desse conhecimento pra melhoria. Ele sempre se programava. É muito dele planejar tudo, mas não é muito de expor, de externalizar. Ele diz: “vou fazer isso, vou fazer aquilo”, está tudo aqui já planejado, tão interessante. Quando ele falou: “vamos pra Fortaleza”, eu disse: “não dá pra ir, tirar meus filhos daqui”. E ele: “eu vou indo, depois você vai”. Aí o meu filho falou: “mãe, é melhor a senhora ir, porque o meu pai não volta mais não”. Foi quando eu tomei a certeza. Porque eu achava que ele não ia largar assim, tão rápido, pra vir pra cá. Eu até fiquei espantada. Porque ele plantou tudo lá. Ele acha que veio na hora certa. Já tinha muita loja, não tinha pra onde crescer mais. E lá tudo é muito caro, pra fazer uma loja é tudo muito caro. Agora acho que o momento é esse, em Fortaleza. Ele não para não. Ele fala: “já passei tanta crise, eu acho que crise é trabalho. Se você trabalhar, enfrentar, você supera”. Ele fala pro pessoal na loja: “Gente, não vamos baixar a cabeça não. Vamos trabalhar”. Ele faz reunião com a equipe, motiva, chama o povo. Ele é muito corajoso, audacioso, não tem medo, diz que vai fazer, e vai dar certo. E é muito criativo. Uma vez a gente chegou em Mossoró, a loja toda parada, ele se espantou: “O que é isso? Cadê os encartes que eu mandei pra vocês?” Aí pegou os encartes, foi pra rua, distribuindo e dizendo que na Rabelo estava tudo barato, e a loja encheu. E a moça falou: “Seu João, o que foi que o senhor fez?” E ele disse: “O que vocês deviam fazer. A loja está sem movimento? Dá uma volta, vai buscar cliente!”. Eu fico com ele é dando risada. A gente aprende. É um aprendizado. O pessoal diz: “canta a música da D. Socorro”, aí ele vai cantar. O que ele canta muito pra mim é “como é grande o meu amor por você”. Mas acho que ele gosta mais de loja do que de mim... João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Fábio Medeiros Rabelo

Meus pais nunca falaram do Ceará com saudade. Que transparecesse para os filhos, não. Mas quando falavam do Ceará, falavam super bem. Na verdade, quem trouxe meu pai de volta pro Ceará fui eu. Eu vim em férias, em 1993, com 17 anos, e falei que ia querer uma loja aqui. O pai gostou da ideia. E foi a primeira Rabelo, no Iguatemi. Comercializava a mesma coisa das lojas de São Paulo, só que lá a gente não atuava em Shopping Center. Comigo veio meu amigo Eduardo Sacramento. Depois de uns dois anos, o negócio vinha muito bem e, em 1995, se não me engano, meu pai disse que o negócio estava em Fortaleza, e ia retornar. E ele estava muito certo. Meu pai sempre teve – como eu posso dizer – uma facilidade com as pessoas, da pessoa gostar dele. Isso em tudo quanto foi lugar. Aonde ele chega ele prospera. O pessoal gosta dele. Tem festa, ele consegue reunir as pessoas. É uma empatia, em qualquer lugar. É impressionante. Quando nós saímos da rua Nestor Teixeira Forte, onde a gente morava... Era uma rua sem saída, tinha poucos moradores, acabou a festa. Ele não teve oportunidade de um curso superior. Esse jeito dele vem do trabalho. Meu pai, eu sei muito pouco dele quando era pequeno, foi sofrido, mas o sofrimento é muito bom contar hoje. Ele teve persistência. Foi perseverante. É um conjunto de coisas, a persistência de ficar. Foi com um objetivo e ia cumprir com esse objetivo. Meu pai, pra mim, se resume a trabalho. Até hoje a gente tenta falar que é outra fase, mas foi o que ele aprendeu foi trabalhar. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Eu tive muito a presença dele na infância e adolescência. Eu e meu irmão, a gente ficava todas as noites esperando por ele, porque ele vinha sempre com um presente, alguma coisa. A gente ficava aguardando: “o que será que ele vai trazer hoje?” Todo dia ele trazia nem que fosse um carrinho de plástico, mas trazia. Um pra cada. Todo final de semana a gente jogava futebol na Mooca, eu e meus amigos, ele levava a gente, era o lazer dele. Que eu me lembre, nunca chegou a dar lições. Era só pelo exemplo. Nunca ouvi falar de drogas, mesmo em São Paulo. Morei cinco anos sozinho, com 17 anos de idade, porque ele tinha vindo pra cá. Isso eu agradeço muito a ele hoje. Não sou muito de falar essas coisas com ele, mas isso eu agradeço muito. Pra lidar com essas coisas do mundo moderno, droga, bebida, tudo, tem que dar tempo às coisas. E pra mim deu muito certo. Até hoje sou muito equilibrado. A honestidade é um princípio básico que ele traz. Lidando com muitas pessoas desonestas, o que tinha de pessoas querendo passar ele pra trás... Honestidade é o básico que o homem tem que ter. E a persistência que ele teve na hora que o irmão voltou e ele ficou sozinho lá. Eu imagino ficar sozinho em São Paulo, sem conhecer ninguém... eu vivi lá e eu sei como é que é. Só quando você vivencia – como eu também vivenciei, uma parte da minha vida sozinho em São Paulo, é que você sabe como é que foi. Ficar em São Paulo acabou forçando a minha independência. Foi difícil, mas muito bom pra mim. Hoje eu procuro ver que fiquei maduro mais cedo, mais rápido. Aconteceu com ele ficar sozinho com 17 anos, e ele repetiu comigo, com 17 anos também. Ele tem uma intuição das coisas, sem sombra de dúvidas. Às vezes dá até problema de comunicação, porque ele corta etapas. É um sexto sentido muito aguçado. O meu pai é uma pessoa impressionante. Você viaja com ele, e as coisas realmente fluem. Eu não sei como é que é. É divino. Muito legal de ver como ele consegue as coisas. Ele foi negociar um ponto, com um senhor que queria x preço no prédio, não abaixava nem a pau, ele passou uns dois dias conversando e conseguiu realmente dobrar pela empatia, pelo jeito dele, quando eu vi estava dando certo. Ele argumenta, com razões lógicas, mas numa brincadeira, numa habilidade, não é um negócio tão sério. É uma coisa mais... te conquistando na brincadeira, um negócio mais ou menos sério, e quando você vê, ele deu um traça e você nem viu. É desse jeito.

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Nasceu pra vendedor. Isso que ele criou na prática do dia-a-dia foi a faculdade dele. Ele diminuiu um pouco mais a carga de trabalho, mas continua fazendo tudo dentro das lojas. O que aparecer ele faz. Se for pra arrumar loja... no chão de fábrica, ele gosta muito de mudar, chegar, começar a movimentar, é um negócio interessante. A gente percebe o seguinte: às vezes ele muda uma televisão de um lado pro outro e parece que não afeta nada. Mas o que afeta é que ele envolve a equipe, os gerentes, os vendedores, e começa a mudar, e parece que quando você começa a mexer dentro da loja as coisas vão fluindo, começa a entrar mais gente, é um negócio interessante. Às vezes está todo mundo meio parado, e ele, “vamos lá, vamos começar a mexer”, e as próprias pessoas que passam na rua começam a ver aquele movimento, aquela mudança, e começa a fluir. Ele fala: “eu fui na loja e aumentou o faturamento”. Mas é por causa disso. Porque ele agita dessa maneira. Esse furacão, esse negócio, indo buscar o cliente. Nós inauguramos agora uma loja no Midway, em Natal. A inauguração estava prevista pra uma segunda-feira. E ele inaugurou no sábado antes. Todo mundo estava contra. Estava programado abrir segunda, a loja não tinha praticamente nada montado, num shopping que é top de linha, só loja de grife. A melhor loja nossa hoje é essa. E ele: “eu vou abrir hoje, olha o tanto de gente que tem no shopping...”, e abriu. Foi muito legal, porque se fosse por nós só abria mesmo na segunda. E acabou dando certo. Os vendedores de sandália, ele de bermuda, tudo informal, sem saber de preço, de nada, e ele começou a fazer aquele envolvimento, e vendeu muito, graças a Deus, no sábado e no domingo. Se abrisse segunda ia perder um faturamento bom. Mas era carrinho com mercadoria entrando no meio do povo, os entregadores sem camisa, as coisas sem preço, aquele furacãozinho que foi se formando e acabou dando certo. E ele lá, coordenando tudo, como adora fazer, como está no sangue dele. Ele deu o jeito dele e na segunda-feira nós reconhecemos. É um lance dele muito legal, e que faz realmente a diferença de quem enxerga na frente. O objetivo era faturamento, era vender, e ele vendeu. Ele deu o start, abriu as portas, os clientes começaram a entrar, a perguntar as coisas e pronto, a bola estava em campo, o jogo começou. Ele é uma grande fonte de inspiração, sem dúvida. Não falo nem em motivação. Ele inspira mesmo. Não interessa se é o dono da empresa, se está com dinheiro, se não está, o importante é que a bola está em jogo. E o gol é vender. Ele, com o dinheiro que tem, não precisava abrir, com problema no joelho que ele tem, e mesmo assim o todo tempo em pé. Ficou os dois dias João Rabelo - Vendedor Vencedor

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inteirinhos, com sacrifício, a gente sabe, porque eu também tenho o mesmo problema, mas nem é pelo dinheiro: é pelo prazer de estar negociando. O dinheiro pra ele foi só no começo, pra sobrevivência, pra ter o que comer, eu acredito. Ele passou fome, não é exagero. Depois, eu acho que o dinheiro é sempre uma consequência pra ele. E eu aprendi muito com ele. “Meu amigo, faça de uma maneira ou de outra, que o dinheiro é consequência, se não veio é porque você fez alguma coisa errada”. Eu acredito que no começo ele pensou no dinheiro pra sobreviver, porque a única coisa que ele não queria era passar fome. O resto, o que viesse é lucro. Imagine hoje, o que vier pra ele é lucro. Não gostamos de aparecer, de muita exposição. Isso é uma coisa dele e da minha mãe. Não ficamos confortáveis. Ele sempre lidou com pessoas humildes, acho que aprendeu e cresceu com pessoas dessa maneira, é diferente do meu filho, por exemplo, que nasceu noutra condição. Mas não é isso que eu vou passar pra ele. Vou passar o que eu aprendi. Meu irmão e eu, às vezes a gente chama pra jogar tênis, tomar um uísque, mas ele é um homem simples. A gente fala essas histórias e o pessoal não acredita. Mas é desse jeito mesmo, é impressionante. Meu pai é uma figura interessante. Ele carrega todo mundo da maneira dele. Ele não dá dinheiro. Ele ensina muita coisa. Desde os 17 anos eu faço o meu salário. Eu pego o que eu quero. Você imagina, pra ele deixar a gente à vontade, esses ensinamentos dele, que é muito legal, isso faz a gente ser equilibrado. Imagina eu, rapaz novo, com a tentação, e isso ele nunca ensinou explicitamente, parece que é um negócio meio de pensamento. Eu vejo muito o resultado. E está dando certo. Meu pai não olha pra trás. É um negócio interessante, que faz dele quem ele é. Ele aprendeu a liçãozinha dele lá no começo, e pratica essa lição: é pra estar aqui agora, então agora eu estou aqui. E vamos que vamos, e batalhando. Ele voltou pra cá e fez sucesso também. Foram duas vezes então que deu certo. Não precisa mais provar nada pra ele, nem pra ninguém. Começou em São Paulo e depois recomeçou aqui, praticamente do zero. Ninguém conhecia Rabelo. E ele começou só com os leões e conseguiu.

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Fabiana Dias

Conheci o Seu João em São Paulo, há uns 13 anos. Hoje eu convivo com ele no lado profissional e no lado familiar. Eu sou Engenheira Civil, mas na empresa estou cuidando da parte dos imóveis. Fiquei trabalhando com ele e tive a oportunidade de ver que sempre mostrou essa garra, essa vivacidade, essa energia, um homem muito íntegro, muito honesto, tudo que põe a mão dá certo, é um guerreiro. Essa história da vida dele pra mim é um orgulho. Eu sempre pensei “puxa, é o avô do meu filho”, e pensava que quando eu tivesse um filho ia contar essa história pra ele, porque é muito bonita, uma pessoa que começou do nada e construiu tudo que construiu com muito trabalho, muita dedicação. Nesse lado familiar, é uma pessoa muito doce, carinhosa, sempre muito alegre, brincalhão, gosta de festa, de estar com a família, faz questão de sempre estar todo mundo junto. E agora, que virou vovô... me surpreendeu. Eu sabia que, quando a pessoa se torna avô, muda completamente esse lado afetivo. Embora eu soubesse que isso ia acontecer, fiquei muito surpresa, porque ele é um avô muito carinhoso, muito cuidadoso. Eu vejo que ele participa, fica presente, é um vovô mesmo. A gente tem aquela imagem dele na empresa, de como é bravo, rígido, mas, quando fui trabalhar com ele, enxerguei um outro João. Eu vi que ele era justo. Procura tomar as decisões pensando da melhor maneira, não ser injusto com ninguém. Sempre pensando num lado bom pra empresa e pras pessoas. Já vi várias vezes ele pensar no lado da pessoa. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Quando a gente vê no dia-a-dia, é muito legal. Não imagina como ele é extremamente meigo, carinhoso, sensível. No trabalho, a pessoa esconde um pouco isso. De vez em quando, minha sogra faz umas reuniões e a gente sempre diz algumas coisas, mas eu nunca tive essa oportunidade, depois que ele se tornou avô. Às vezes eu converso com o meu filhinho e digo: “como seu vovô é maravilhoso”, porque você olha, vê o amor que ele tem. Até minha mãe ficou impressionada, “meu Deus, como ele virou um vovô mesmo!” Duas pessoinhas modificam mesmo. Ele sempre me mimava, dava toda a atenção, todo o carinho e, por eu não ter mais pai, ele falava que a responsabilidade dele como avô ia ser o dobro. Num final de semana, veio na minha casa. Às 6h estava lá embaixo pra andar com os netinhos. Eu fiquei impressionada. Me ajudou, dando banho no bebê, fui fazer o café, ele ficou passeando com o nenê, o Lucius não tinha nem um mês ainda, foi muito bacana. Comigo às vezes ele falava as coisas, eu achava que ele estava sendo bravo, mas não. Eu vejo hoje em dia que tudo que ele fala é pro meu bem, é porque ele tem a experiência. Não sei se quem mudou foi ele ou se fui eu. Eu vejo essa vontade, essa energia que ele tem, e a imagem que eu tenho dele vai ser dele velhinho, mas trabalhando. Não vai parar nunca. Eu tenho certeza que ele não vai parar, porque tudo ele quer fazer, quer por a mão na massa, e nunca vai mudar. Acho que até o último suspiro de vida ele vai estar trabalhando. O maior presente que ele pode dar pro meu filho é passar todo esse conhecimento que ele tem, essa vontade de trabalhar. Eu quero que meu filho se espelhe nisso, eu acho muito bonito. Não tem preguiça, não tem chuva, não tem sol... porque ele é um homem que poderia estar descansando, mas ele encontra a maneira de curtir a vida ao lado da família. Pra ele, o que ele preza é a família. Eu percebo que se ele faz uma viagem sozinho não tem graça. Ele e a minha sogra são muito bacanas. Eles se curtem, estão sempre ali namorando, fazem questão de estar juntos, com os filhos, com os netos... Na casa deles, eu me sinto muito à vontade. Eu não me vejo como uma nora: “me vejo como uma filha”. Eles são a minha família, e isso são eles que passam. Se existe a Rabelo, é porque tem toda essa base da família. Isso que fez a Rabelo crescer, porque você vê que ele é um homem seguro, tendo essa base. 138


Adriano Rabelo

Ele conseguiu se estabelecer bem em São Paulo, mas com aquela vontade de voltar pra cá. Todas as férias a gente passava aqui. Aí chegou um momento em que ele decidiu voltar. Foi uma decisão que ele tomou que não deve ter sido fácil. Tinha casa, tinha negócios, tinha amigos, tinha tudo em São Paulo. Mas ele falou: “eu vou”. Chegou aqui, montou a loja do Iguatemi, abriu uma segunda loja e viu que o negócio estava bom pra cá. Não é qualquer pessoa que tem essa coragem. Ele não tem medo de arriscar. Eu acho que a grande virtude dele é que ele arrisca. Hoje eu sou o que convive mais com meu pai. Estou morando aqui há seis anos, grudado com ele. Saio de manhã, ele está saindo. O dia inteiro junto no escritório. Chega a noite, ele está aqui. A pessoa que está mais em contato com ele nos negócios sou eu. Moro com ele. Ele não gosta de se meter na vida da gente. Dá a opinião dele. Ele diz: “é isso que eu acho. Se você quiser seguir, siga”. Não é uma pessoa de impor o que a gente tem que fazer. Ao contrário. Eu estou com ele hoje porque é um negócio que eu gosto, é o ramo que eu sempre quis seguir. Eu nasci entre eletrodoméstico. Além disso, meu pai sempre foi um amigo, um companheiro, além de pai é o melhor amigo, o melhor companheiro, tudo que você imaginar. Quando eu tenho problema, converso com ele, ele me orienta, eu tenho orgulho de tê-lo como pai. Quando eu vim morar aqui, fui trabalhar com ele. Nos negócios ele é muito difícil. Ele tem a opinião dele, e é muito difícil tentar mudar essa opinião. Quando eu cheguei, com João Rabelo - Vendedor Vencedor

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ideias novas, tivemos muita discussão no começo, mas era discussão saudável. Hoje é uma harmonia. Ele cuida da parte dele e eu cuido da minha, então não tem briga. A gente pode discutir no trabalho, mas chega em casa a gente conversa normal, está tudo bem. Eu almoço com ele todo santo dia. Eu aprendi a separar. E isso eu fui aprendendo com ele. Meu pai pode estar cheio de problema, mas, quando ele chega em casa, é como se não estivesse acontecendo nada. Deixa lá. É uma coisa que é muito boa. Com os netos ele está mais animado ainda. Mas eu vejo meu pai como uma lição de vida. Se me pedirem pra falar de alguém que eu ache mais importante, com certeza é meu pai. Quando ele viaja, depois de uns dois ou três dias eu ligo pra ele: “vai voltar não?”, faz aquela falta. O que eu gosto dele é o carisma que ele tem, o jeito de lidar com as pessoas, o jeito de negociar, de falar, de tentar desmembrar um problema, e eu estou aproveitando o máximo disso. Às vezes meu pai fica falando e eu fico de olho. Ele pergunta o que é que estou olhando e eu digo que estou observando, tentando aprender. Meu pai não tem um curso superior. Ele aprendeu na vida e quem ele é não é aquela pessoa forçada, é dele mesmo. É espontâneo. Eu me espelho muito no meu pai. Eu quero ser o profissional que ele é, o pai que ele foi pra mim eu quero ser pros meus filhos, o irmão que ele é, um bom filho, bom amigo, uma pessoa que ajuda bastante gente, e faz porque é prazeroso pra ele. Aquele mesmo pai de 30 anos atrás ele é hoje. A situação financeira mudou, mas ele é o mesmo desde a época em que não tinha nenhum carro, até hoje, é a mesma pessoa, o mesmo jeito. A gente tinha um carro melhor do que o dele. Um dia ele disse qual era o carro do sonho dele, e a gente foi lá e comprou o carro pra ele. Quando o carro chegou ele reclamou, mas depois que andou disse que era gostoso mesmo. Mas, se dependesse dele... Até pouco tempo, ele via uma calça, gostava, e quando via o preço dizia que não ia comprar, que era caro demais. Aí a gente comprava pra ele. Ele sabe como foi difícil, e como é difícil, até hoje. O que a gente passa no dia-a-dia, o stress que ele passa... porque o comércio é muito desgastante. É uma luta diária. Tudo muda muito rápido. Meu pai, até hoje, quando está numa loja, arruma a loja, carrega caixa, faz tudo, eu digo que ele não tem mais idade e ele responde que faz porque gosta: “eu gosto de dar o exemplo, se o dono da loja está fazendo isso, porque o vendedor não vai fazer?” Nós temos uma empresa muito grande, mas pra ele parece que tem uma ou duas lojinhas. Ele cuida de cada loja como se fosse a primeira loja. Por isso, acho que as coisas dão certo. 140


Ele chega, arruma, mexe, sempre vê como a primeira. Cuidar, ver a loja sempre bonita. Trata as lojas como se fosse sempre a primeira. Até hoje é ele que arruma as lojas pra inaugurar. Todas as lojas são em rede, interligadas. Ele tem acesso a tudo, se acostumou bem. Sempre foi comprador. Sempre comprou na empresa, fez isso até cinco anos atrás. Hoje eu cuido das compras, eu aposentei ele nas compras, vamos dizer assim. Às vezes eu estou comprando, ele vai lá: “deixa eu ver,” parece que deixou, mas não deixou. Meu pai sempre foi um bom negociador. A compra foi a parte que ele sempre fez muito bem. É o famoso ditado: quem compra bem vende bem. Isso foi uma das coisas que ele cresceu bem, porque soube negociar. É uma das razões do sucesso dele, ser o negociador que ele é. Eu vejo muito meu pai como o negociador. Ele senta, conversa, briga por um real, é muito assim. Ele gosta de manter contato com as pessoas. Quem começou com ele, até hoje mantém o contato, liga, conversa. Nos eventos das empresas, ele ganhou vários troféus, do mais animado, o mais divertido, o mais... Uma das coisas que achei muito legal foi ele ter recebido o prêmio Lojista do Ano em 2004. Pra ele e pra nós, foi o orgulho de mostrar aonde ele chegou. Chega a um nível grande de felicidade. Foi um presente pra ele, e pra nós ter orgulho de ter ele como pai. Ele iniciou um trabalho e o mais difícil pra nós é sempre estar crescendo. Ele diz pra mim: “não é só manter, você tem que estar sempre evoluindo, querendo mais”, e nesse pensamento eu sou igual a ele. Se fosse pra ficar tranquilo, ele estaria em São Paulo, não teria vindo pra cá, não estaria expandindo o negócio como estamos expandindo agora, indo pra outras capitais. A nossa ideia no começo foi estar bem estabelecido no Ceará. Hoje nós já estamos em cinco estados. Há pouco tempo, fomos a marca mais lembrada na pesquisa Marcas que eu Gosto. Em eletrodoméstico, a Rabelo se destacou. Está na cabeça das pessoas. Nos cinco estados, ele demora uns dois meses pra ir. Em Fortaleza, ele está todo dia. Não deixa de visitar uma loja. É apaixonado por loja. Ele tem as lojas, mas sempre quer o melhor, sempre melhorando, reformando, mostrar o que a gente pode dar de melhor ao cliente. Se ele pudesse, atenderia cliente por cliente. Às vezes eu até me emociono e é engraçado. A gente está atendendo na loja, a correria, e ele vai, tira a nota, vende, pega o cartão... isso é dele, ninguém tira. Ele gosta de se atualizar. No negócio e como pessoa. Eu comecei a fazer tênis. Ele bateu duas ou três bolas: “vou fazer tênis”. Comprou a raquete, está aprendendo agora, com 60 João Rabelo - Vendedor Vencedor

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anos de idade. Ele joga, está tendo aula. Aí ele vê um negócio que gosta e faz. Pra ele, ainda é um garotão. Essa disputa saudável ele sempre teve. Pra ver como é: a gente tem uma casa de fim de semana. Aí a gente sai de lá, eu num carro ele no outro, e às vezes a gente faz caminho diferente. Aí ele quer provar que o caminho dele é melhor, é mais rápido, fica brincando. Eu vinha por uma estrada, ele pela outra, chegava, corria pra tomar banho e brincava comigo: “olha aí, como teu caminho é ruim...” Às vezes você vê o pai quando é criança, mas depois você vai crescendo, criando experiência, e pode se decepcionar. Eu não, ao contrário. Às vezes eu olho e falo, poxa, cada dia que passa eu admiro mais meu pai. Eu vejo a dificuldade que ele passou. Quando a gente era mais novo, por mais dificuldade que tivesse nos negócios, ele nunca demonstrou isso pra gente. Nunca faltou nada de material, mas também nunca faltou um carinho. Se a gente dissesse que gostaria de ganhar uma bicicleta, depois de um tempo ele chegava com a bicicleta. A empresa superou o incêndio. Eu estava com ele e vi ele dizer: “eu sei que vou passar por essa, e vamos passar tudo junto”. Ficou marcado na vida da gente. Foi um aprendizado muito grande, ver que as coisas ruins acontecem. Ele falou que Deus fez isso com um objetivo e com certeza depois vinha alguma coisa de bom. A empresa deu uma reformulada, reestruturamos muita coisa. Tem males que vem para o bem. Uma das coisas que eu vi ele bem emocionado foi o primeiro neto. Ele não era tão emotivo. De um tempo pra cá, não sei pela nossa saída, ele está se sentindo um pouco mais emotivo, qualquer coisa se emociona fácil. Aquele negócio de estar bem nos negócios, na família, teve os netos, poder se considerar realizado. Eu acho legal, não é aquela pessoa seca, sempre mostra o coração em tudo, toda hora. O ditado dele é: “nunca deixe pra amanhã, vamos fazer agora”. Se era pra passar na loja amanhã, ele diz: “vou passar é agora”, e pega o carro e vai. Ele tem uma visão muito empreendedora, de ver muito na frente coisas que estão na frente do nosso nariz e a gente não enxerga. Ele sempre tem visão à frente. Ele fala: “você vai ver esse negócio daqui a um tempo”. E daqui a um tempo, é do jeito que ele falou. Às vezes, numa reunião, quando ele fala o pessoal diz: “mas você é diferente...” Ele tem um dom, a palavra certa é isso, dentro do negócio é um dom. Ele vê através da parede. E sempre está imaginando coisas novas. Eu puxei muito no negócio de comprar, de negociar. Meu irmão puxou mais na área da visão. Meu pai acompanha jornais, revistas, está sempre atualizado. Se preocupa muito com o físico, está sempre se cuidando, é o jeito dele. Eu sou um fã dele. Posso dizer isso. Quem 142


é o seu ídolo? Posso dizer que é o meu pai. Tem uma pessoa que você olha, como se diz, a palavra, não é espelho, você olha e se imagina, eu me espelho no meu pai em tudo, negócios, particular, em tudo. A filosofia do meu pai é que toda pessoa que entra tem que ser bem atendida. Vai comprar um ferro ou uma TV de 60 polegadas, o atendimento é o mesmo. Ele sempre passa isso. O cliente tem que ser bem atendido. Se você perguntar alguma coisa ruim que eu veja no meu pai, eu não vejo. Não consigo ver. É uma pessoa boa, coração bom, ajuda as pessoas, gosta de estar junto das pessoas, carismática, aonde chega ele anima, está sempre sorrindo, dificilmente se vê meu pai aborrecido. Em todos os aspectos da minha vida profissional e pessoal, ele foi um professor. Tudo que ele me deu eu só tenho a agradecer, em termos do meu caráter, da minha pessoa, do que eu sou hoje, o que eu vou mostrar pros meus filhos, eu me espelho nele. Meu pai diz que não quer que eu seja igual a ele: “quer que eu seja melhor”. E eu respondo: “não, pai, eu chegando perto de você já vou ser uma ótima pessoa”.

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Vanessa Medeiros Rabelo Costa e Silva Eu nasci no Brás, mas todo mundo fala que eu nasci no berço de ouro. Quando eu nasci, meu pai já estava numa situação boa. Meus irmãos falam: “ah, você não sofreu, você pegou a melhor fase”, não sei o quê, porque meu pai já tinha as coisas, não passava tanta necessidade. Eu nasci em 1982. De lá fomos pra Vila Guilherme. Eu ainda morei na Vila Guilherme, depois fui pro Tucuruvi. A gente ainda tem casa lá. Tive tudo que eu quis. Tudo meu pai e mãe me davam. Me lembro quando a gente morava em São Paulo, chovia muito, cada trovão, eu corria pra cama deles, no lado do meu pai: “posso dormir aqui?” Ele abria o cobertor e falava: “vem, filha!” Eu dormia do lado dele. Sempre fui o xodó. Tudo que eu queria meu pai me dava, mas era minha mãe que comprava. No Tucuruvi, a gente sempre saía pra feira com os meninos, lá no Brás. Ele nunca deixou de ir pra lá. Quando chegava no Brás, dia de semana, eu me lembro que eu brincava no cofre, nos fundos da loja. No começo ele ficava no número 24. Depois foi pra loja de doce, também pertinho. A gente não ia muito. Ficava mais na TV Vitória e na 24. A loja de doce era com meu tio. Depois meu pai comprou tudo e a gente ia mais. Ele não contava histórias do passado. Gostava de hoje, do presente. Nunca fala muito das coisas, se passava dificuldade, se não passava, só sei que pra gente sempre estava João Rabelo - Vendedor Vencedor

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bom. Nunca escutei ele dizer: “não posso comprar essa boneca”. Sempre dava um jeito. Tem uma foto minha, acho, com umas 500 bonecas. Quando ele falou que ia voltar pra Fortaleza, eu fui a única que não podia dizer nada. Me deu um baquezinho no começo. Não conhecia ninguém, nesse prédio não tinha criança e lá onde eu morava tinha muita, sempre brincava, eu senti muito. Hoje eu não quero ir embora. A casa ficou lá, com meus irmãos. No começo foi muito difícil. Eu me lembro que, quando meu pai abriu aqui, ele ficava indo e voltando pra São Paulo. Em 1995, ele falou: “agora vamos pra Fortaleza”. Fomos pros Estados Unidos e na volta ficamos aqui. Agora é difícil a gente ir a São Paulo. A casa lá fica fechada. Ele não gosta de vender nada. Vender é com ele. Mas terreno, essas coisas, ele gosta é de comprar. Ele é muito chegado à mãe. Ele fala: “minha mãe é fogo”, mas é igual a ela. Todo mundo diz que ele tem uma pilha. No final de semana, a gente diz: “pai, se aquieta”, ele não se aquieta. Sempre arranja uma coisa pra fazer, nunca está parado. Ele chega às 8h na loja. Quer que a gente fique o dia inteiro, mas a gente não fica. “Mas é de vocês, tem que dar valor”, a gente fala: “pai, não precisa ficar direto lá, é outra mentalidade”. Ele fala que o dono tem que chegar cedo, falar com o pessoal, fazer isso... Todo mundo fala que quem vai levar a Rabelo é a Vanessa. Não sei se a idéia é tão pesada assim. Às vezes eu fico pensando, será que isso é pra mim mesmo? Ele fala pra não gastar muito, que é difícil ganhar, que tem que ficar na loja pra ver as coisas, olhe tudo, veja tudo. Eu comecei a pegar a parte financeira, ele orientando. Vamos expandir. Já tem construtora, faz as lojas, faz prédio, abriu loja de celular, tem vários ramos, compra terreno, investe. Indústria não, mas é uma coisa que ele pensa e ainda não botou pra frente. Em tudo ele investe. A casa da rua Capitão Uruguai é dele. No mesmo terreno ele fez duas casinhas, uma pra minha avó. Mas estava perigoso pra ela ficar sozinha, aí ele deu o apartamento num condomínio que ele fez. 146


Às vezes eu fico com ele só observando. Na outra loja, fico com ele no escritório, fala com um monte de gente, eu fico lá escutando o jeito que ele fala, nas reuniões, prestando atenção, eu falo: “pai você tem umas tiradas, umas coisas...” Ele quer fazer tudo, ele confere o dinheiro que vai pras lojas, tudo ele quer fazer. Eu cuido dos pagamentos. Gosto mais do marketing, mas ele me colocou no financeiro, pra eu conhecer, e eu até que estou gostando também. Ele sempre fala: “eu quero que você tenha uma idéia de tudo na empresa pra quando chegar alguma coisa pra você, você saber resolver”. Eu tenho uma noção de tudo. Desde 2002, eu estou com ele, mas nunca direto porque sempre surge uma coisa, um ano é a faculdade, no outro ano foi o Pedro... Com os meninos ele é mais rígido, quer que fiquem mais. Comigo ele fala: “você tem que aprender, mas agora com o Pedro, vá pra casa, fique com ele”. A determinação dele não tem igual. Às vezes eu também sou assim. Minha mãe fala isso. Eu sou teimosa – não teimosa, mas quando quero uma coisa... me identifico com ele. Onde ele chega, ele cativa a pessoa. Já viajei com ele umas três vezes, é sempre o mais animado, o que puxa todo mundo, tem um traquejo que... às vezes eu falo: “pai, eu nem sabia que você sabia isso”, ele sempre sabe tudo. Nunca ficou doente. Não me lembro. Nunca tirou 15 dias de férias. No final de semana vai pra casa de praia com minha mãe e dá uma aliviada, descansa, toma banho de mar, futebol. Gosta de assistir a um filme em DVD. O final de semana é esse, ou na casa do meu irmão. Ficar assim num sofá, lendo uma revista, não. É sempre em movimento. É super cuidadoso com a saúde. Na semana, tenta seguir uma dieta e libera um pouco no final de semana. Malha, joga tênis, tem muita energia. A gente tem que insistir no lazer, e quando ele faz, ele gosta. Tem que forçar um pouquinho. Parece que pra ele a vida é só trabalho Mas nunca desistiu de academia. Tem uns cinco anos que ele faz. Nunca desiste. Continua as coisas. Ele me ensinou a dirigir, já em Fortaleza. Quem ensinou a ele não sei. Acho que foi no Brás. A primeira carteira dele foi em 1975. Ele pensava que tinha sido mais cedo. Meu pai não gostava do frio de São Paulo. Agora, quando ele vai, reclama. Ele é João Rabelo - Vendedor Vencedor

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cidadão fortalezense, acho que em 2007 ganhou o título. Ganhou também o de melhor empresário do Brás, em 1996. A gente vai no centro e ele conhece todo mundo. Fala com o cara da banca, fala com o concorrente... Nesse ramo, os vendedores já trabalharam pra gente, e é Seu João pra todo mundo. Dá bom dia pra todo mundo. Chega no escritório e dá o maior tapão nas costas do funcionário: “é pra acordar, meu filho!” Às vezes ele fala: “vou abrir essa loja amanhã”. Mesmo que a loja esteja de ponta cabeça ele abre. Ia inaugurar duas lojas, na General Sampaio e em Maracanaú. Essa estava toda pronta, sem stress sem nada. A da General Sampaio não tinha nada. Ele falou: “mas a gente abre”, e ficou a noite todinha na loja. Os marceneiros dentro da loja, mas abriu. Em Mossoró, na inauguração do ano passado, não tinha ninguém na abertura de uma loja. Nunca aconteceu isso. Quando a gente abre no interior sempre tem muita gente. Ele deu um jeito, mandou os fornecedores saírem, mandou entrarem, pra dizer que tinha muita gente entrando, e o pessoal via o movimento e entrava na loja. Quando a gente está viajando, ele é que diz o lugar pra onde a gente vai. Tudo é ele que faz, do jeito dele. Ele convence todo mundo. “Vamos pra piscina”, todo mundo vai. “Vamos pro deck, vamos voltar pra casa”, e puxa todo mundo com ele. Uma coisa que ele adora é ganhar presente. No Natal fica: “Eu ganhei mais presente”, parece criança, talvez porque não teve quando criança. “Ganhei muita roupa, dá pro ano todo”, ele diz. Porque comprar pra ele, ele não compra. Ele sempre dá. No Dia das Mães, ele mandou flores pra mim. Eu pensando que era meu esposo, e era ele. Mandou pra minha cunhada também. Ele cativa com as mínimas coisas. Nem é o presente, mas a lembrança. Às vezes a pessoa chega na loja e pergunta quem é o dono. “É aquele ali”. A pessoa olha, pensa que não deve ser o dono, talvez o gerente, ele diz: “pode falar que eu resolvo,” e a pessoa pergunta: “quem é o senhor?”, ele diz: “eu sou o gerente”, e a pessoa não acredita, e ele termina dizendo: “está bem, eu sou o dono”, e a pessoa ainda diz: “vamos brincar, mas não desse jeito”. 148


Quando eu falo pra ele: “pai, como você é inteligente”, ele gosta de escutar e às vezes a gente não fala, porque a gente não fala muito. O Adriano falou tão bonito, eu disse: “fala isso pra ele, né”. Acho que ele sente falta da gente não falar pra ele essas coisas, aí no dia que eu falei pra ele: “ah, pai, você é tão inteligente, de um terreno que não tinha nada, fazer um Saldão daqueles”, brincando com ele, e ele parou assim e ficou me olhando: “você acha mesmo, minha filha, que eu sou inteligente?” Todo mundo fala que meu pai é a razão da empresa e que a minha mãe é o coração. Que é isso que equilibra. Os dois dão muito certo, porque minha mãe faz reunião pra resolver os problemas, e meu pai vai lá pra brigar, pra tomar decisão. Eu consigo as coisas com meu pai no trabalho, mas falo de outro jeito: “pai, não é por aí”, e, mesmo que ele esteja certo, ele para e pensa. Nos aniversários, ele para todo mundo pra cantar “Que Jesus abençoe”, desafinado, mas canta. Todo aniversário, ele: “peraí, peraí, que eu tenho uma música pra cantar”. Quando vai abrir uma loja, ele faz o grito de guerra dele, com a gente, na Rabelo: RABELO, RABELO, RABELO, PRA FRENTE, PRA FRENTE, PRA FRENTE, RABELO, RABELO, RABELO, VENDER, VENDER, VENDER! Ele disse: “a minha história daria um livro.” Ele nem imagina...

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Daniel Santos Costa e Silva Trabalho na loja há uns seis ou sete anos. Entrei como estagiário na área de informática e hoje gerencio essa parte. Todas as lojas estão em rede, tudo num lugar só. Vendeu uma TV em Natal, no mesmo segundo aparece o registro aqui. Desde que eu entrei, sempre foi centralizado. Antes cada loja tinha um servidor, atualizava no fim do dia, mas hoje é imediato. Daqui pra o meio do ano, vamos implantar um sistema novo, também todo interligado, numa interface mais moderna e mais segura. Ele já está mexendo um pouco. Antes não queria saber muito, mas depois que comecei a mostrar e-mail, receber, enviar, ele começou a gostar. Todo dia de manhã checa os e-mails dele, e você vê que ele é muito esforçado. Quando quer fazer alguma coisa, ele vai, até aprender. No começo, ele sempre relutou um pouco, não tinha tempo de ficar sentado, o negócio dele era estar na loja, correndo, mas hoje ele passa uma boa parte da manhã checando os e-mails e obtendo as informações no sistema, no lugar de ficar correndo atrás delas. Eu tenho muita afinidade com o Seu João, gosto muito dele. Ele é sempre a mesma pessoa. Sempre me cobrou muito, já estou acostumado. Fico até numa posição mais difícil, mas ele não mistura as coisas. Ele é uma ótima pessoa na empresa e em casa. Ele me considera como filho e a recíproca é verdadeira: considero ele como um pai. A gente se respeita, tem uma João Rabelo - Vendedor Vencedor

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convivência muito boa, dentro e fora da empresa. Os 60 anos dele mostram a experiência adquirida durante a vida. Pra ele é mais uma vitória. Ele sempre está lutando pra continuar a empresa. Chega todo dia antes de todo mundo e vai embora depois de todo mundo. Ele tem a visão geral da empresa, mas foca também algumas coisas pequenas, que ele faz questão de não deixar de lado. Ele critica, mas também elogia. Ele vê o macro e o micro. Sessenta anos trabalhando como ele trabalha é uma vitória. Eu sinto muito orgulho dele, de ser essa pessoa forte, trabalhadora. Ele é dedicado, trabalhador, qualquer pessoa ia gostar de ter muitas das qualidades dele. É honesto, esforçado, gosta de aprender coisas novas, está sempre disposto a aprender, aberto a novas coisas. Várias vezes ele está na loja e quer vender, quer fazer tudo, vê a fila no caixa e quer resolver tudo. Mas está começando a delegar um pouco mais as funções e ficar mais na parte estratégica da empresa. A gente pensa que não, mas a presença dele muda tudo. Quando ele passa no corredor do escritório, nesse passar e voltar já está dizendo: “eu estou aqui, não estou parado, estou trabalhando”, a gente pensa que é uma passada, mas essa presença dele é fundamental. O conhecimento dele até pode ser empírico. Mas ele segue passo a passo os livros de administração, sem mesmo saber que está fazendo isso.

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João Batista Rabelo

Do Chile eu não recordo muito. Eu vim em 1953, nasci em 1949, tinha 4 anos. Tenho pouquíssima lembrança. Eu recordo que tinha um sanfoneiro tocando em despedida, juntou a comunidade, lembro vagamente que tinha um cantor. E quando nós chegamos eu pensei: nós saímos do mato pra vir pro mato, que era ali no Pio XII, ali perto do Atapu, onde nós viemos morar, ali tudo era mato. Lembro que tinha uma cacimba, onde eu ia brincar, meu pai tinha o maior medo. A gente brincava com os ossos de animal. Dizia que era carrinho... isso já em Fortaleza. Eu lembro que tinha uns ossos que pareciam carrinho, a gente puxava ali, ou então lata, ficava puxando. Futebol, vim a conhecer em Fortaleza. Lembro de debulhar feijão. Meu pai colocava banana no carbureto pra amadurecer, tinha uma sala com isso. A gente era matuto mesmo, da pesada. Foi uma infância muito triste. A gente não tinha nada pra comer. A dificuldade realmente era muito grande. Foi tudo fato mesmo. Até hoje, a pessoa que sai do interior ainda passa dificuldade... Hoje as coisas estão mais avançadas. Naquela época, não tinha a quem recorrer. Imagina com 10 filhos. Lembro que tinha uma mesa e na hora de comer era aquele monte de gente, a mamãe dividindo um pedaço pra cada um.

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Eu devo muito a eles. De qualquer forma, com toda a dificuldade, nós aprendemos a ler e escrever. Meu pai pensou no nosso estudo, se preocupava. Meu irmão foi estudar em Cristais e meu pai dizia: “vocês têm que ser alguém na vida”. Eu fui trabalhar como contínuo, entregando remédio, na bicicleta que era da farmácia. No aro da bicicleta tinha uma propaganda da Oswaldo Cruz. Seu Edgar era nosso patrão. Depois eu fui lá, mas ele não me reconheceu. Eu comecei com 12 anos de idade. Lembro perfeitamente. Eu era frustrado porque não conseguia entrar naquele Cine São Luis, porque não tinha paletó. Saí frustrado daqui. Toda a minha vida praticamente foi em Fortaleza, tirando São Paulo. Eu estudei no Dom Bosco, na Piedade, e depois na José Barcelos. Eu fiquei reprovado, foi quando eu fui pra São Paulo. Passei 28 anos lá. A loja de eletrodomésticos no Brás estava precisando de vendedor. O dono, o Chico, era português e simpatizou comigo. Falei que era do Ceará, tinha trabalhado com farmácia. “O que é que você entende de eletrodoméstico?” Eu falei: “não entendo nada, mas eu tenho facilidade pra aprender”. Ele falou: “você está disposto a trabalhar? porque a gente trabalha até domingo. Sete dias da semana”. Na realidade, lá antigamente era a rodoviária, onde chegava todo nordestino, e dia de domingo era dia de maior movimento. Só fechava 5h da tarde. “Se você aceitar, pode começar amanhã”. Eu levei os documentos e comecei a trabalhar com ele. No primeiro mês, eu fui o segundo melhor vendedor. A loja era pequena, mas muito movimentada. No segundo mês fui o melhor vendedor, eu e outro. No terceiro mês fui o melhor vendedor. Com seis meses eu estava vendendo por dez. Com um ano, eu vendia mais do que todos juntos. Meu desempenho era muito bom. Eu não tinha preguiça pra atender, tinha facilidade muito grande com o público, cativava os clientes. Comecei a vender por atacado e ai foi só alegria. Acho que foram uns sete anos na TV Vitória (de 1968 até 1975). Minha história foi muito proveitosa lá. Tive muito contato com as indústrias, ganhei muitos prêmios de melhor vendedor. Teve uma transformação muito grande na minha vida. Eu sempre percebi que tinha uma facilidade grande pra me comunicar com 154


as pessoas. Quando eu vendia tapioca e tijolinho, que minha mãe mandava vender, chegava, gritava, brincava, era bem desinibido. O vendedor começa por aí. Esse contato é importante. Eu acho que herdei isso daí de alguém, principalmente da minha mãe. Realmente eu acho que eu sou um bom vendedor. Na vida você vai descobrindo o seu talento. Eu sou uma pessoa que presta muita atenção a tudo. Desde o tempo que a gente passava necessidade, eu analisava porque estava acontecendo aquilo, o que é que eu precisava pra melhorar, eu sempre ficava com aquilo na cabeça. O que eu pensei muito na TV Vitória é que tanto eu tinha facilidade pra vender pro nordestino, porque eu era nordestino, mas eu tinha um bom contato com as pessoas da indústria, fazia boas amizades com as pessoas que iam vender lá, também era um bom comprador, dava boas sugestões do que precisava comprar, o que mais vendia, as pessoas gostavam muito de mim. Eu chegava, agradava, tentava fidelizar o cliente pra loja. Tudo na prática. Era um dom. Acredito que eu nasci com essa facilidade de fazer comunicação, de gostar de pessoas, de ter poder de liderança, fidelizar o cliente, saía pra jantar com eles, tomar o cafezinho, e a pessoa jamais esquecia. Dava o meu nome, ligava pra ele, agradecendo por ter me procurado, que nas próximas compras ele voltasse lá que eu ia estar lá pra ajudar. Se precisasse de alguma coisa em São Paulo, eu estava disponível... Em São Paulo, quando eu falava com as pessoas da indústria, os representantes, eles gostavam porque eu tinha facilidade de conversar, de falar que ia vender os produtos deles, eles sentiam segurança. Sempre gostei de me impor, sem arrogância, sem prepotência. Nunca passou isso pela minha cabeça. Até hoje eu utilizo esse método, acho que funciona, e que vai funcionar a vida toda. Gostar das pessoas, tratar bem, ter uma boa comunicação, dar um bom retorno, falar com todos os representantes, manter toda a equipe bem treinada para atender bem. Eu tinha ido pra São Paulo, não foi pra ficar sempre como funcionário. Pretendia um dia abrir meu negócio, esse era o meu objetivo. Inclusive, quando completei 18 anos, e estava passando fome, eu falei que nunca mais ia passar fome, ia ser alguém na vida, ia mostrar que eu tinha capacidade. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Tudo que eu ganhava eu guardava em casa. Ganhava muito prêmio, tinha uma sala cheia de produtos, já estava com essa intenção de abrir um negócio pra mim. Quando o português diminuiu minha comissão, porque eu estava ganhando muito, ele disse que se eu não estivesse satisfeito, a porta que eu tinha entrada era aquela, pela mesma porta eu podia sair. Ele me deu 60 dias de férias. Eu falei tudo bem, mas fiquei muito chateado. Foi um dia de movimento, eu saí, chorei muito, cheguei em casa e encontrei um apoio muito grande da minha esposa. Ela falou: “não se preocupe, você sempre teve o objetivo de abrir alguma coisa, talvez seja este o momento”. Eu falei: “é o momento, porque nunca mais eu vou trabalhar pra ninguém.” Aí eu fiz uma cruz e falei pro meu Deus: “você sempre me ajudou, sempre me apoiou, me apoie mais uma vez, nunca mais me deixe trabalhar pra ninguém. Vou mostrar que eu vou conseguir superar todos os obstáculos. Vou ter comércio e vou ser um homem bem-sucedido, se o Senhor quiser, porque eu tenho certeza que tenho potencial”. Aí eu fiz esse juramento, e no dia seguinte comecei a ligar pros cliente que eu tinha na TV Vitória, avisando que estava montando um escritório de representação. Socorro era a minha secretária, e eu corria para fazer o entrosamento com as indústrias. Tinha o estoque dos prêmios que eu ganhava, mas eu sempre economizava muito. Eu sempre fui muito de economizar, até hoje. Quando o Fábio nasceu, a gente tinha mudado pra outro apartamento, com dois quartos. A Celina e o Hélio moravam num quarto, eu e a Socorro no outro quarto, e tinha uma sala. Quando veio o Adriano, o Hélio saiu. Duas famílias, não dava mais. Eu dividi a sala no meio e fiz o escritório, pra atender os clientes. Era no segundo andar, num prédio bem alto, que até hoje ainda tem lá. A loja era em frente. De casa eu via a loja, todo o movimento. Aí vem uma história que dá pra entender como é que eu comecei a me estabelecer. Onde ficava a TV Vitória era alugado. E tinha um senhor, chamado Armando, que era dono de quase todos os prédios no Brás. Eu fiz amizade com ele. Quando ele ia no Chico, eu falava: “rapaz, quando você tiver um pontinho pequenininho aqui no Brás arrume pra mim”. Na época era muito dinheiro por um ponto, era muito caro. Era 300 mil dólares, 500 mil, a luva. O mais barato era 150 mil dólares. E eu conversava muito com ele: “rapaz, me arruma 156


um pontinho desse aí, que eu preciso, não sei o quê”. Ele me chamava de Joãozinho: “se preocupe não, Joãozinho, que no dia que desocupar um eu vou arrumar pra você”. Isso foi tudo no período de férias. Eu falei que não voltava mais a ser empregado, mas não avisei ao meu patrão. Deixei passar os 60 dias. Enquanto isso, eu estava trabalhando, só que eu sabia que aquilo não ia muito longe. Era por pouco tempo, porque o cliente ia começar a ligar pra indústria, a indústria ia ver que o cliente era bom, e pronto. O escritório começou a dar resultado, com muita venda, com 15 dias, com 30 dias foi esplêndido. Se eu ganhava 5 mil na TV Vitória, estava ganhando 10 mil em casa, e o português atrás de mim, porque começou a cair a venda dele. E eu na janela. Quando saía um cliente da loja dele, eu descia com tudo, correndo atrás do cliente, chega ia suado, cumprimentava, falava que estava com o escritório e convidava pra um cafezinho. Eu perguntava: “você comprou no Chico?”, “Comprei”, eu tinha um preço melhor, “vamos me ajudar, me compra 10 rádios desse, 10 daquele”, ele comprava. Quando completou 60 dias eu me aprontei e fui lá no português. Ele estava na porta: “que bom que você voltou, vamos pra luta, vamos trabalhar”, e eu falei: “tem um detalhe: pro senhor eu não trabalho mais.” “Que é isso, eu volto a sua comissão”, e eu: “nem que dobre a comissão, nem assim eu volto mais. Eu agradeço a oportunidade que você me deu, o ensinamento que você me deu, mas eu não trabalho mais na sua empresa. Não só pra sua pessoa, mas pra ninguém. Vou trabalhar no meu negócio”. Ele tentou me convencer, mas não teve acordo. Eu não queria mais, de forma nenhuma. Passou mais ou menos um ou dois anos eu trabalhando desse jeito. Aí veio o Armando e me falou que tinha surgido um ponto. Eu fui lá com ele. Pra uma ideia do ponto, tinha mais ou menos 3x10, uns 30m2. Eu falei: “pra começar está ótimo”. Era perto. De onde eu trabalhava, na TV Vitória, era mais ou menos uns 50m, na mesma quadra. Só que lá morria muito o movimento, era uma rua sem saída. Mas eu quis o ponto assim mesmo. Nesse período, as indústrias começaram a pegar todos os meus clientes. Eles iam direto pra indústria. Eu tive que começar um novo processo da minha vida. Alguns foram muito fiéis e ficaram comigo. Mas 70% foi direto pra indústria. Aí eu comecei com esses 30% de João Rabelo - Vendedor Vencedor

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clientes, e mais os que eu ia fazer. Em 1978, montei minha lojinha e comecei a trabalhar sozinho. Eu demorei um pouco pra tirar a inscrição, só fui tirar em 1980, mas comecei a me estabelecer em 1978, 1979, e em 1980 abri oficialmente a minha primeira empresa, com o nome de João Batista Rabelo, firma individual, razão social Comercial Rabelo, só com eletrodomésticos. Na verdade era mais rádio portátil. Alguma TV, muito pouco a linha branca, até porque não tinha espaço. Comecei com um estoque muito pequeno. Tive que vender meu fusquinha. Ia na indústria, pegava as caixas vazias, enchia bem a loja com elas, mostrando que era bem estocada, valia tudo. Eu estava muito disposto e tinha certeza que dali ia sair um processo muito rentável, e falei pro português: “eu ainda vou comprar a tua empresa”. E realmente isso aconteceu. Passou mais ou menos uns oito anos e eu comprei a empresa dele. Aí foi quando eu comprei essa loja e comecei a ter sucesso, comprei a do lado, depois comprei outra loja a mais ou menos uns 50m do Largo da Concórdia, perto da Estação do Brás. Depois comprei minha residência, quando eu estava bem legal, em 1985, a primeira casa própria. Já tinha saído da área comercial pra Vila Guilherme, só que era casa alugada. Em 1982 a Vanessa nasceu. Eu aluguei essa casa porque não tinha como a gente ficar no apartamento, que era o depósito da loja. Meus filhos brincavam em cima das caixas, o estoque todo lá. E não tinha como montar o berço da Vanessa. Um amigo meu desocupou a casa, porque tinha comprado outra, e passou pra mim. Nós moramos lá até 1985, de aluguel. No dia 15 de novembro, marquei com o corretor e comprei a primeira casa. Eu lembro bem que o Fábio era pequeno, ficava torcendo pra eu comprar uma casa e eu comprei, muito grande, num lugar muito bom. Tenho até hoje, depois fiz reforma, fiz piscina, os meus filhos ficavam lá. Em dez anos começou essa virada de sucesso. Não que eu não tenha tido problemas. Tive, começou a existir planos do governo, Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Collor, do Sarney, eu sei que eu passei por uns cinco planos. Até 1990 eu abri mais ou menos umas três ou quatro lojas, depois comprei um edifício de nove andares no Brás, tenho até hoje esse prédio, aí montei uma loja de doces e chamei o Hélio pra trabalhar. Eu comprei todas as lojas de eletro que tinha lá e estava concorrendo comigo mesmo. 158


Era uma distribuição de doces, chocolates, a gente distribuía pra padaria. É o que a gente chama bombom. Lá chamam doce, bala. Era um bom atacado. Meu cunhado ficou tomando conta. Depois ele saiu e eu tive que assumir. Eu tinha uma loja de eletro, fechei e dei pra ele. Ele abriu um supermercado e eu assumi a loja de doce, sozinho. Em 1992, eu vim pra Fortaleza tirar umas férias. Depois de uns dez anos sem vir por aqui, vim com a família e um amigo nosso. Eu tinha vindo antes, visitar o meu pai, que estava doente, mas tinham sido só dois dias, e com outras preocupações. Era muito compromisso em São Paulo. Minha mãe tinha ido pra lá, a mãe da Socorro também, mas todos meus irmãos moravam aqui, menos a Celina e o meu irmão que faleceu. Meu pai faleceu dia 17 de maio de 1987 e eu estava em São Paulo. Aí, em 1992, eu vim de férias e achei Fortaleza totalmente mudada. Estava uma cidade totalmente desenvolvida. Fui dar uma olhada no centro e vi um movimento muito grande, com poucas lojas de eletrodomésticos. Na época eram Samasa, Vital, Paraíso, Romcy... Analisei aquilo e vi que era um lugar ideal pra investimento. Fiquei sabendo dos problemas financeiros que algumas lojas de eletrodomésticos estavam passando e tive essa percepção. Fui passear no Iguatemi com meus filhos e estava naquele plano de expansão, o segundo. E estavam vendendo lojas. O Fábio, com 18 anos, adorou. Falou: “pai, eu queria ficar aqui”. Eu falei: “filho, se você ficar aqui eu compro uma loja pra você cuidar”. E comprei, no mesmo lugar de hoje, só que menor. Fui pra São Paulo e meu filho ficou. Dia 17 de dezembro de 1992 eu abri a loja, mas eu falo que foi em 1993, porque na realidade eu comecei mesmo a operar em janeiro, quando comecei a mandar muita mercadoria, porque vi que dava resultado. O Fábio trabalhou dois meses, veio o amigo dele, o alemão, ficaram aí, só que ele desistiu. E foi embora. Eu peguei um avião e contratei uma gerente, chamada Cristina, e ela ficou cuidando. Eu comecei a ficar em ponte aérea. Só que eu tinha um sério problema. O Iguatemi tinha movimento, mas a loja era pequena. Eu tinha que alugar um depósito, tinha que montar um escritório, tinha que montar tudo, era uma despesa muito grande e não estava assim, como se diz, na parte logística, viável pra gente. Aí eu fiquei 1993, fiquei mais um ano, em 1994 eu vim, e fiquei vindo de mês em mês. Eu fiz a conta na ponta do lápis e vi que dava prejuízo. Era muito caro. Eu tinha um objetivo João Rabelo - Vendedor Vencedor

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de vir para o Ceará porque tinha visto muito movimento. O negócio em São Paulo era muito grande. Eu tinha sete lojas, cheguei a ter dez e comecei a desativar. Eu estava muito acostumado com loja no centro, na rua, loja em Shopping era muito diferente, eu não tinha know-how. Em 1994, eu pensei: rapaz, eu só tenho duas opções: ou dar um pontapé pra valer, ou chegar lá e fechar. A Socorro queria um apartamento aqui, não queria mais ir pra casa dos outros e eu falei que ia comprar. Eu pensei em ficar uns 30 dias em Fortaleza, pra ver meus negócios, tudo direitinho, e vim com isso na cabeça: ou aumentava a empresa ou acabava de vez. Aí eu vim trazendo o dinheiro pra comprar o apartamento. Eu não tinha falado pra Socorro, mas na minha cabeça não estava com a intenção de comprar não. O meu objetivo era descobrir se eu continuava ou fechava. Eu optei por continuar. Fui mais uma vez no centro da cidade, vi uma loucura de gente e eu falei: “esse que é o lugar para investir. Eu vou investir aqui. Este aqui é o lugar que eu tenho que ficar.” Eu comprei a loja da Assunção, da Liberato Barroso, comecei a comprar outras lojas. À medida que ia comprando aqui ia fechando em São Paulo. Deixei tudo lá com o meu filho, com o irmão da Socorro, eu não queria mais saber daquilo lá, queria saber daqui. Deixei tudo depois de 28 anos lá. Eu mudei a razão social. Aqui começou a se chamar Comercial Rabelo Som e Imagem Ltda. A razão social era só Rabelo. Graças a Deus, o nome marcou bem. Todo mundo conhece como Rabelo. Pra falar a verdade, o meu ritmo aqui é igual ao de São Paulo. Tinha que crescer aqui, tinha que abrir loja direto, fazia as compras, corria pra São Paulo, vinha pra cá, parece que ficou até pior. Comecei a contratar gerente, supervisor, tudo. Em São Paulo, fechei quase tudo de uma vez. Até porque lá eu vendia muito atacado. E o atacado, não sei qual foi o período, 1992, eu acho, não sei qual foi o Plano, houve alguma coisa do governo que a turma começou a dar muito cano. Era muito cheque devolvido, os clientes quebrando, houve uma quebradeira no país. A turma não pagava, deu uma confusão, aí eu não queria mais saber de vender atacado, queria vender varejo. Foi quando eu pensei em fazer loja só pra varejo. Porque se eu perder uma televisão, é diferente de perder duzentas TVs.

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Eu lembro todos os momentos, e todos foram positivos pra mim, desde a fome que eu passei, que eu realmente passei fome, eu acho que de tudo a gente tira ensinamento. Tudo eu encarava como preparação pro futuro. Eu acho que Deus iluminava, de certa forma me dava força, e com certeza me ensinava a ser uma pessoa humilde. Por mais sucesso que você tenha na vida, como eu tenho hoje, quando eu abro uma loja, é como se eu estivesse abrindo a primeira loja. Eu não me vejo como um cara poderoso, um cara rico, eu permaneço com a humildade. Eu acho que Deus me deu o ensinamento de ter passado todas as fases da minha vida pra chegar hoje e me conduzir assim. Porque eu acho que conseguir me manter enquanto muitas pessoas no primeiro ano, no segundo ano, entram em decadência, eu acho que todas as passagens da minha vida foram um ensinamento e uma preparação pra que eu tivesse uma estabilidade. O livro “O Maior Vendedor do Mundo” me ajudou. Tem muita coisa a ver comigo. A Socorro me disse que dava certinho comigo. Eu não sou muito de ler não, mas eu acho que esse foi um dos livros que eu mais li. Ele trata de várias coisas. Eu acho que a pessoa que ler esse livro, antes de ler é uma coisa, depois de ler muda um pouco. É uma realidade viva. Hoje eu sou um empresário bem-sucedido e encaro que a gente tem necessidade de criar cultura. Eu procuro desenvolver um pouco mais. A gente lida com muita gente. Conheço os cinco continentes do mundo, coisa que eu nunca pensei. Eu tenho uma característica na minha cabeça. A persistência é importantíssima na vida de qualquer ser humano. E outro que eu vejo, que é de grande valia, é o trabalho. O trabalho é tudo. É você persistir e não desistir. Acreditar que você é capaz. Eu sempre coloquei isso em mim, desde o dia em que eu estava passando fome lá na Fábrica Campana, com 18 anos, eu falei que eu ia ser alguém na vida. Mas aquilo não era só palavra. Eu deduzi que tinha que ser persistente, que tudo que eu colocasse na minha cabeça eu tinha que seguir. A pessoa tem que acreditar no que ela é boa. No que ela acha que é capaz. Eu me sinto um tremendo vendedor. Nunca me imaginei como empresário. Eu era um vendedor. Na vida, pra tudo você tem que ser vendedor. Até pra você fazer uma entrevista, tem que saber vender. Uma vez eu fui ao médico e ele nem olhou pra mim. Eu entrei na sala, cumprimentei o médico: “o que é que o senhor tem”, eu disse: “se o senhor olhar pra mim, fica sabendo”. Eu João Rabelo - Vendedor Vencedor

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estava branco, morrendo, quer dizer: ele não era vendedor. Depois, é você acreditar naquilo que você é bom. Tem vários exemplos. Se você analisar o Ronaldinho, quantas vezes ele teve problema no joelho? Alguma vez ele desistiu? Agora está aí, cai e levanta. Se na primeira desistisse, não fosse mais jogar, ia estar com esse sucesso todo? Eu nenhuma vez caí, mas teve os tropeços. Quando o Collor de Melo tomou todo o dinheiro, ali eu não perdi porque eu enxerguei antes. Eu não acreditava que num país com uma inflação de 190%, as coisas amanheciam o dia com um preço, no outro dia duplicava, todo mundo vendendo tudo pra colocar na poupança... Quando ele ia assumir, eu falei: “Socorro, isso vai dar zebra”. Eu tinha um dinheiro na poupança, aí comprei dois prédios bem baratinhos no Brás, comprei um Monza Classic, tirei tudo. Não deu outra. Veio a Zélia Cardoso falando: “a partir de hoje pá, pá...”, e eu vendo aquilo... Você acha que eu não estou aqui pensando que eu tenho que abrir uma loja num lugar onde vai estar bom? Estou sempre com a curiosidade, acho que o ser humano tem que fazer isso, tem muito gente que para, mas não dá pra ficar sossegado não. Eu tenho um feeling muito apurado. Eu acho que tenho uma percepção fantástica, eu tenho mesmo. Hoje, por exemplo, eu faço pesquisa, mas antes da pesquisa eu tinha a intuição. Eu fui visitar João Pessoa. Vamos comprar o melhor ponto de João Pessoa. Eu vejo daqui a um tempo a cidade chegando perto de Fortaleza, com futuro turístico. É o único lugar do Nordeste que ainda não desenvolveu muito, e nós vamos investir, vamos comprar os terrenos, a hora é essa. Daqui a cinco anos João Pessoa pode ser uma cidade totalmente diferente do que é hoje. Vamos abrir lá sete lojas, de uma vez só. Em Campina Grande, vamos abrir duas. São seis. Em Natal, por exemplo, cheguei faz cinco anos. Se eu fosse comprar hoje os prédios que eu comprei cinco anos atrás, eu não compraria hoje, porque ia ser um absurdo de dinheiro. Eu tenho facilidades, comercialmente eu tenho muita facilidade. É uma coisa apurada, um dom que Deus dá. Se você conviver comigo, tem coisas que eu enxergo e que poucas pessoas conseguem enxergar. Até eu mesmo tenho uma admiração. Às vezes eu questiono e pergunto pra Deus: “por que você faz tanta coisa boa pra mim?” Mas eu vejo que tudo é uma plantação. Desde um lar, que você planta, tudo é uma sequência. Por exemplo, a 162


minha maior felicidade é fazer 60 anos. Por quê? Você vê que tudo que plantou, colheu bem. Eu vejo a minha família bem, com pessoas de bem. Claro que isso foi transmitido por mim e pela minha esposa, pelo esforço do nosso trabalho. Mesmo com o sucesso, nós continuamos simples, porque nós plantamos bem. Às vezes eu peço a Deus que me dê saúde, que o resto eu faço. Saúde, garra, disposição, não tem coisa melhor. Deus me deu saúde, me deu os filhos maravilhosos, me deu os netinhos, uma esposa muito boa, mas ele dá aquilo porque você mereceu. No período que eu passei em São Paulo, passando fome, muita gente desistia. Se fosse outro, se drogava, tinha ido pro mau caminho, eu sem pai, sem mãe, podia entrar em qualquer tipo de situação. Deus me conservou. Não pense que não teve tentação. Teve, teve tudo. Você morar em pensão, aonde chega gente drogada, gente fumando maconha do teu lado, e você nunca pôs nem um cigarro na boca... Minha família era muito pobre, mas meus pais me deram uma criação muito direita. No caminho da sua vida, você encontra todo tipo de coisa. Agora, cabe a você estar bem preparado para enfrentar. Eu falo pros meus filhos: “tudo que vocês forem fazer, se quiserem continuar a minha empresa, se preparem. Psicologicamente, fisicamente, se preparem em tudo, porque você entra lá e é como se fosse uma luta, se você não estiver preparado, com a cabeça no lugar, meu amigo, assim que você entrar no ringue, leva um murro que não acorda tão cedo”. Casar foi uma grande felicidade. Mas a primeira grande felicidade que eu tive na minha vida foi o nascimento do meu primeiro filho. Eu acho que foi uma coisa assim deslumbrante. Me deu uma força tão grande, que podia criar o filho de forma diferente, pra não passar aquilo que eu passei, eu comecei a pensar diferente, tinha que ser um bom pai, tinha que ser alguém, pra o meu filho ter orgulho da minha pessoa. Ajudar ele não passar o que eu passei. A responsabilidade deles é tão grande quanto a minha. Pegar um patrimônio tão grande como o que eu tenho hoje, um negócio que eu considero grande – mas eu não gosto de pensar muito dessa forma não – daqui pra frente eles vão ter tanta dificuldade como eu tive. Vão ter que sustentar o que tem, e dar uma melhorada. Tem muita dificuldade, principalmente nesse país, de mudanças constantes. O início é complicado, claro que é. E talvez muita gente tenha essa coragem de fazer o que eu fiz. Mas também é difícil a pessoa sustentar o negócio. Vai ter que ter uma preparação muito boa pra se sustentar. E é tão difícil como no começo. João Rabelo - Vendedor Vencedor

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Muita gente diz que eu tive sorte. Eu fico me questionando. Tudo na vida eu questiono, faço uma análise. Quando eu perco a noite de sono, eu questiono. Vem cá: como é que é sorte um cara sair daqui como eu saí, montar o que eu montei em São Paulo, vir pra cá, porque eu não precisava vir, estava muito bem por lá, sair do nada do Ceará e me tornar o que eu me tornei aqui? Não é sorte não. A minha adolescência foi dos 14 aos 16 anos. Depois foi só trabalho, porque a única forma de vencer na vida ali era se dedicar ao trabalho, e tudo eu aprendi na vivência. Todo nordestino, quando sai da sua terra, é um herói trabalhador. Parece que a pessoa quando chega em São Paulo vira um trator. É impressionante. Não sei se é o local, o que é, mas é totalmente diferente. Eu fui o primeiro – isso eu tenho mérito, fui o primeiro cearense a se estabelecer no Brás. Depois foi o Mimi, dono da Loja Iracema. Eu concorria com judeu, com italiano, com português, com toda raça eu concorria. Graças a Deus, superei todos eles e ainda ganhei o troféu do Melhor Lojista do Brás. Esse troféu pra mim teve um mérito tão grande como o daqui. Porque o cearense é muito comerciante, eu vejo como o judeu brasileiro. E lá, você imagina, um cearense chegar lá, e dominar toda a turma como o melhor do ano, foi tão gratificante como o troféu Lojista do Ano que eu ganhei aqui. Eu não leio muito. Mas eu pego um jornal e tem muita coisa que eu tiro assim. Todo mundo está falando agora nessa crise mundial. A primeira coisa que eu falei pra turma foi: “pra nós não vai ter crise mundial. O pessoal vai recuar. E nós vamos avançar”. E deu certo. Nós estamos com o maior faturamento de todos os tempos nesse ano. Fiz um Saldão, o evento das mães, abri uma loja em Natal, estou atacando em João Pessoa... Nós temos 39 lojas. Vamos fazer 40 agora, em Campina Grande, em junho. Antes do meu aniversário de 60 anos, quero ver se eu dou de presente pra turma um escritório novo da Rabelo, quero ver se abro duas lojas em Campina Grande, uma em Parnaíba e uma na Pajuçara, em frente à Ceasa. Não sei se vai ser possível. Eu estou querendo até o final do ano encerrar com 50 lojas. A minha pretensão era completar 60 anos com 60 lojas. Errei por dez.

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“A minha maior felicidade é fazer 60 anos. Você vê que tudo que plantou colheu bem.”

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Árvore Genealógica Antonio (09/02/1919 - 17/05/1987)

Valkmar

Walkiele, Valkmar e Graziela

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João Eucimar

Celina

Rosemberg, Júnior, Neruska, Neusa, Eucimar, Eugenia e Felipe

Lindaura

Lineu, Lindaura, Vinícius, Tacila e Carlinhos

Raimundo

Bruno, Bruna, Raimundo, Irene, Nadjane, Nagila, Tatiana e Guilherme


Francisca Amélia

João Batista

Arimatéia, Regina e Janete

Regina

Eugênio

Tasso, Naira, Liana, Eugênio, Ítalo e Ilana

Francisca

Rossini, Cindy, Francisca e Felipe

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Lucius Fábio e Fabiana

Dos pais, os filhos. Daí os netos. A família que cresce, o amor que se expande e se faz eterno.

Adriano

Pedro Vanessa e Daniel João Rabelo - Vendedor Vencedor

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“Eu lembro todos os momentos, e todos foram positivos pra mim, desde a fome que eu passei, que eu realmente passei fome, eu acho que de tudo a gente tira ensinamento. Tudo eu encarava como preparação para o futuro. (...) A persistência é importantíssima na vida de qualquer ser humano. E o trabalho é tudo. É você persistir e não desistir. Acreditar que você é capaz.”

João Rabelo

João Rabelo Vendedor Vencedor


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