Marrocos 2019

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MARROCOS 2019 Marrocos — África



C

omo é que um reino muçulmano, rico em envolvências e experiências, tão próximo de Portugal, ainda permanece desconhecido para tantos de nós? Até esta viagem, a Inês pertencia a esse grande grupo de portugueses. Está longe de ser um grupo homogéneo, cada um com razões distintas para não o fazer. Uns paralisam com a ideia preconcebida que serão constantemente assediados por hordas de marroquinos, mal ponham o pé na rua. A convivência de várias décadas com visitantes permitiu aos locais definir melhor as fronteiras, encorajados pela mão de ferro do Rei Maomé vi, o mais ferveroso impulsionador do crescimento de Marrocos como destino de férias, lazer e negócios. Para outros há o pavor que a imprensa e cultura norte-americana tem instigado face

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às sociedades muçulmanas. Apesar de informados e indíviduos atentos e «com estudos», alguns levam isto ao extremo, associando ao islamismo uma agenda de reconquista de territórios antigos, Portugal incluído. Todos aqueles que continuem a resistir ao magnetismo de Marrocos perderão muito, como o verdadeiro sabor dos vegetais ou a força do silêncio do deserto. Se ao invés, abraçarmos culturas diferentes, há muito para aprender e coisas para reaprender, como a educação cívica e o respeito mútuo. Com várias viagens a Marrocos, todas únicas e longe de se esgotar como destino, é para mim um mistério inconcebível estar tão perto deste reino mágico e não querer senti-lo na pele. Não me ocorreu melhor prenda de Natal para oferecer a alguém que amo — festejar a entrada em 2020 vestindo Marrocos por peça de roupa nova


MARROCOS Reino de Marrocos

Lema:

Religião oficial: Governo:

Capital: Moeda: Fuso horário:

«Allah, al Watan, al Malik» (trad. «Deus, Nação, Rei») Islamismo Monarquia Constitucional

Área total: 446 500 km2 (57.º do mundo; ~5 x Portugal) População: 35 milhões hab. (2016) IDH: 0,686 (121.º mundial) Rabat Dirham marroquino (1 € ~ 10.8 Dh) GMT

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5 marrocos‘19

7 p.

29 p.

39

73

NAVARRITA nobre corcel

p.

lugares improváveis

p.

FANTASIA

89

DESERTO de duna em duna

p.

ATLAS sol frio na montanha

57

ZELLIGE mosaicos e labirintos

p.

ROTA uma colecção única


Algeciras OCEANO ATLÂNTICO

Tarifa

MAR DE ALBORÃO

Ceuta

Tanger-Med

Tétouan Asilah

G

Chefchaouen

G

SABOR A SAL

A

MoulayBousselham

Preâmbulo de uma futura viagem maior pela costa atlântica marroquina, esta estadia serve para ver o mar e sentir-lhe o cheiro.

A

ARGÉLIA

AZUL

As paredes e ruas pintam-se de azul na cidade de Xexuão que forra a encosta de Jbel Kalaa.

Rabat

Méknes

Fez

B

B

MEDINAS E BAZAAR

A maior e mais antiga medina do mundo de Fez, as tanoarias, os labirintos de ruas estreitas, vendedores de tudo e de nada,sob um coro de «muezzins» a encorajar as cinco orações diárias.

Casablanca Azrou Mazagan

Khénifra

C

MONTANHA

Midelt

F

SERPENTES

A cadeia montanhosa do Atlas traz o frio e a neve, com pouco mais que uma dezena de pastores no camnho.

Beni Melal

Na praça de Jemma-El-Fna, ouvimos as flautas dos encantadores de serpentes, o tinir dos pratos e a algazarra das bancas de comida.

C Imilchil

Lac d’Isly ARGÉLIA

Errachidia

F Marraqueche

Mogador

Gorges du Todgha

Arfoud

D

Boulmane Dadès

E

MIL E UMA NOITES

Cenário habitual do grande ecrã, a fortaleza dos «kasbahs» de Aït-Ben-Haddou recebe-nos. Agadir

DUNAS DO DESERTO

E Merzouga

Aït-Ben-Haddou N’Kob Ouarzazate

D Alnif Ouzina

Zagora

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ARGÉLIA

No mais famoso cordão dunar de Marrocos, esperam-nos os dromedários e as aventuras fora-de-pista.

ARGÉLIA


ROTA

Uma colecção única

A

ceite o convite de integrar a nossa viagem com a de um grupo informal de amigos nos seus jipes, combinámos que os acompanharíamos uma parte da viagem, mas que, nas restantes seguiríamos outros caminhos. A ideia principal seria adoptar a recomendação prudente de fazer os troços de deserto e fora-de-pista em grupo, permitindo-nos apoiar-nos mutuamente em caso de avaria, falha de navegação, inépcia ou acidente. Destes quatro cenários, ocorreram três... mas lá chegaremos, a seu tempo. Sem uma viatura com preparação especial para maiores durezas, nem treino ou experiência de condução fora-de-estrada relevante, nós dois e a Navarrita podemos ser considerados novatos. Em Marrocos seria a estreia absoluta para a Inês e a pick-up, regressando eu onde já estivera por quatro ocasiões, todas a viajar de moto. Preparámos o percurso tendo presente tudo isto e procurando ter uma amostra das envolvências variadas que Marrocos tem — montanha, deserto, praia, bazares e medinas

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26 DEZ 2019

Lisboa Algeciras Tanger-Med

27 DEZ

Tétouan Chefchaouen

28 DEZ 29 DEZ

Fez

30 DEZ

Imilchil

31 DEZ 1 JAN 2020 2 JAN

Merzouga Ouzina Ramlia

3 JAN

Aït-Ben-Haddou

4 JAN

Marraqueche

5 JAN

Moulay-Bousselham Tanger-Med Algeciras Lisboa


Partida

Ainda com luz do dia, a saída de Espanha e o embarque no porto de Algeciras são rápidos e sem grandes sobressaltos.

DE DOAR E CH LT ROIBRA G

DE TORAS R P O EC I G AL

Travessia

Em apenas noventa minutos, os ferries da FRS fazem a travessia do estreito, aproveitando o tempo a bordo para preencher os impressos de controlo de fronteira marroquina.

M Y RR FE R S F

D AR

EA

L

BO

O RÃ

Chegada E NT MOCHO HA

Uma única funcionária faz o registo de entrada, enquanto uma legião de dezenas de homens cá fora não faz nada — como resultado, as habituais horas de espera.

! E O D ED T M R POGERN A T TÉ

R IB G

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TO

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O

A 8 marrocos‘19

M A R R O C O S

r o po ch iar H a nd ss t e f u pa n r o e o p qu o m m a há r e u . ES ã o l t a o m n o UL bor bra a, c do a RC A l e G i n c i i a HÉ r de o d istâ da d DE ma ed d ca S no oc h de por N A r ar o R k m m LU en t t r e 2 3 , u CO r a e n t a — 5 m P a las , eu e 36 e C d em ade d

01

R

DIA

A LT

Até Tétouan


OCEANO ATLÂNTICO

Algeciras Tarifa ! Tanger-Med

MAR DE ALBORÃO

Ceuta

!

«MARIA OU MANUEL?»

As nossas hipóteses de sermos bem sucedidos no intento de entrar no Reino de Marrocos dependia de uma pequena diferença entre estes dois nomes. Se para alguém que fale árabe forem o mesmo, entramos. Se não for, temos um problema e um possível regresso, recambiados para Espanha.

Estadia no «Hotel Kabila», M’Diq Route Tetouan-Ceuta, Km 20, BP 81, M’diq

O

s documentos da nossa pick-up — dos antigos, com livrete e registo de propriedade — ainda estão em nome do meu pai. As regras de entrada em Marrocos com viatura própria determinam que, se não for nossa, devemos ter uma declaração do proprietário a autorizar a entrada em Marrocos. Tendo falecido nesse Verão e a decisão de alinhar na viagem ter sido em cima do acontecimento, não foi possível actualizar o registo para meu nome. A esperança é que, para os marroquinos na alfândega, «José Maria» e «José Manuel»

sejam a mesma coisa. Até temos preparada uma argumentação algo desesperada — que «Maria» é a abreviação de «Manuel Vieira Correia» em português, os únicos nomes que diferem entre nós. Já em Tanger-Med, o controlo de documentos é lento e pouco claro. Em cada via movimenta-se uma pequena legião de agentes oficiais e quatro vezes não-oficiais. Os que estão fardados ocupam-se da recolha dos documentos, passaportes e registos das viaturas, os quais entregam a alguém dentro de uma única cabina. O tempo vai passando e não parece haver resposta da misteriosa cabina. Insistimos uma e outra

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Tétouan

vez junto do agente que nos atendeu, o qual acaba por ceder e, para nos sossegar, leva-nos cordialmente até ao interior da cabina. Revela-nos uma única funcionária, atrapalhada para despachar uma pilha impressionante de documentos, envolvendo documentos manuscritos e entrada de dados num computador com o qual não se parece ajeitar muito bem. O ritmo continua lento, mas agora compreendido. Mais meia-hora terá passado antes de nos devolverem os papéis, entre os quais um cartão novo reutilizável em várias entradas durante o período de um ano para esta viatura. As unhas roídas voltarão a crescer


O estacionamento onde parámos, chegada a hora da oração, torna-se uma extensão da mesquita vizinha. Decidimos sentarmo-nos numa esplanada perto a beber um chá de menta enquanto esperamos pelo grupo voltar ali. Quando regressamos ao parque, já todos saíram, devotos e companheiros do grupo, «sem dar cavaco»...

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OCEANO ATLÂNTICO

MAR DE ALBORÃO Tanger-Med

Ceuta Tétouan

Asilah

Chefchaouen

Méknes

MONTANHAS DO RIF

A

zul é a cor dominante na cidade de Xexuão, plantada nas encostas de Jbel Kalaa, parte das montanhas do Rif. A proximidade com o mar Mediterrâneo e as culturas de canábis tornam-na um dos centros de comércio de haxixe e marijuana «oferecidos» abundantemente pelas ruas e praças aos turistas. Fora isso, convida ao passeio, sempre com a sensação de se estar num local único, excepcional. A manhã é passada deambulando pela cidade antiga. O resto do dia seria para chegar a Fez ainda com luz do dia e encontrar o riade «Dar Tamo»

Fez

DIA Um dia

no azul 11 marrocos‘19

02


F

ora o fim-de-ano marcado no Sul, os planos são feitos ao sabor dos dias que vão correndo. Assim acabamos por decidir ficar em Fez um dia completo, dormindo aí duas noites no riade «Dar Tamo». A Navarrita fica no parque de estacionamento do lado de fora da medina, onde combinámos encontrarmo-nos. Jantamos no riade uma tagine de frango e legumes para dividir. O

quarto sub-comprido fica no terceiro e último piso, com as janelas para o terraço. Há um leve aroma a urina de gato e, caída a noite no inverno na cidade, fica rapidamente gelado, sendo necessário reforçar os aquecedores. Os pequenos-almoços no cimo com vista para a medina foram uma das melhores partes, junto com a simpatia do serviço. Os dias são preenchidos a calcorrear as ruas da antiga e maior medina do mundo, visitando as tinturarias, as oficinas de artesãos e as lojas

DIA Grande

03

Fezada

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No amplo terraço com acesso directo ao quarto tomamos os pequenos-almoços com vista para a antiga medina de Fez. «Riad Dar Tamo» (estadia de duas noites) 89, Derb Mzerdeb, Gzira

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Os caracteres amazigues lembram que estamos em terras berberes.

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E

m quase todas as vindas a Marrocos, Imilchil faz parte. Muito por força da intensidade das histórias vividas no «Auberge Tislite», gerido pela Malika, uma força da natureza. Desta feita, não nos encontrámos, ausente na cidade quando aí fomos. Acabamos a jantar lá, acompanhados pelo simpático «Monsieur Merci» e seu amigo, uma Méknes

omelete berbere feita no momento, aquecendo as mãos num chá quente e conversando enquanto o lume vai cozinhando a comida. Antes, fôramos ver o local para acamparmos junto ao lago mais longe da estrada, o d’Isly. Esperava-nos uma noite fria, característica esperada no Alto Atlas. Os sons e paisagens são de uma calma que se consegue nesta região durante a época mais baixa, ainda que no Sul seja alta, na verdade

Fez

Azrou FLORESTA DOS CEDROS

Khénifra Midelt Beni Melal

ALTO ATLAS

Imilchil

Lac d’Isly

Imilchilled 15 marrocos‘19

DIA

04


A

travessia do Atlas pelo vale do rio Todgha (lê-se «Todra») reforça a bondade da escolha em visitar Imilchil. É facilmente trocado pelo vale paralelo do Dadès que liga Agoudal, Msemrir e Boulmane du Dadès, local de uma das fotografias mais repetidas nas viagens de Marrocos. Quem o faz, habitualmente continua para

nascente ao longo da movimentada N10 — liga Agadir a poente, a Ourzazate e Errachidia — para ir visitar as turísticas gargantas do Todra, onde termina o vale que percorremos para sul. Por um acaso, reencontramos o grupo em Arfoud, parados na mesma ruela onde compramos água. Fazemos o acesso a Merzouga juntos, seguindo fora da estrada num pequeno e fácil percurso pelo hammad, o deserto negro de pedra

Midelt Beni Melal Imilchil

DIA

05

Lac d’Isly Agoudal

É só garganta

Gorges du Todgha

VALE DO TODGHA

Errachidia N10 Arfoud

Boulmane Dadès N10

ERG-CHEBBI

Merzouga Ouarzazate Agadir

N10

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ARGÉLIA


O vale do Todgha tem paisagens dramáticas entre Agoudal e as gargantas.

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«Auberge Amazir» ou «Ksar Sania ‘Chez Françoise’» (estadia de duas noites) Moh Ait Bahadou, BP 9, Merzouga.

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E

sperava encontrar mais movimento aqui, em Merzouga, atraídos como nós pela perspectiva de passar o ano nas dunas do deserto, perto da fronteira com a Argélia. O dia reparte-se entre um passeio motorizado à volta do singular sistema dunar de Erg-Chebbi, guiados pelo experiente Mohammed. Cunhou a expressão «Mohammed,

tira-nos do buraco» tal a frequência com que nos ajudou a tirar a Navarrita de dois ou três atascanços na areia funda das dunas. Mais tarde, viríamos a descobrir que a falta e irregularidade na entrega de potência se devia a um defeito na bomba de combustível, reparado meses mais tarde em Portugal. Marcado algo em cima da hora para essa tarde, confiámos em dois dromedários para adentrarmos sozinhos nas mais altas dunas de Erg-Chebbi

!

TAMPA

Com os solavancos no fora-de-estrada, agravados pelo peso da tenda, os fechos da tampa da zona de carga cedem, partindo. Faríamos o resto da viagem com uma cinta amarrando tampa e pára-choques.

DIA «Mohammed,

Arfoud

!

Merzouga

ERGCHEBBI

tira-nos do buraco»

ARGÉLIA

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06


M

ohammed manter-se-ia ao serviço do grupo, guiando-nos pelo percurso até Ouzina, evitando a pista famosa para procurar alternativas menos evidentes. O dia terminaria já noite adentro, com um erro de navegação dos carros à nossa frente e a avaria do Wrangler, «consertado» para seguir viagem, enquanto regressam para nos encontrar

num oued onde virámos à direita quando devia ter sido na outra direcção. As dunas de Ouzina são feitas no escuro, dificuldade acrescida pela insuficiente capacidade de iluminação da Navarrita. As tendas berberes reservadas para nós geram alguma confusão, em menor número do que o tamanho do grupo. A esta distância, teríamos ficado melhor abrindo a nossa tenda de tejadilho e dormindo nela, poupando aquela que seria a mais cara de todas as estadias

!

AVARIA

DIA

Demorados a resolver uma avaria de um companheiro de viagem num «Jeep», acabamos a fazer a travessias das dunas em noite escura.

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Ouzina ou sopas

Arfoud

Merzouga ! ARGÉLIA

Alnif Ouzina

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Com a avaria do «Jeep Wrangler», a travessia do cordão dunar é feita de noite.

Camping «Ouzina Rimal» (estadia de uma noite) Piste Ouzina

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Kasbah Ait-Ben-Haddou

Camp «El Mharech» Pista Foum Mharech

Riade «Dar Mouna la Source» (estadia de uma noite) Aït-Ben-Haddou

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R

egressamos aos dias sozinhos, apontando à cidade de fantasia e imaginário das «mil e uma noites» — Aït-Ben-Haddou. Pelo caminho passamos em N’Kob, ignorando a sabedoria do ditado «Não voltes onde foste feliz», ficando desapontado descobrindo uma vila descaracterizada e cheia de construções.

Merzouga

Aït-Ben-Haddou

Foum Mharech— Aït-Ben-Haddou

N’Kob Ouarzazate

ARGÉLIA

Alnif

Já no destino, e depois de uma tentativa falhada para ficar no riade «Paradise du Silence» — falha nossa, apercebemo-nos mais tarde, com a reserva para o mês seguinte... —, sugerem-nos o «Dar Mouna la Source», colado ao rio do ksar, o principal atractivo. Não parece haver muita gente nesta altura do ano, sendo uma boa opção vir agora, longe do calor e multidões

Ouzina Zagora

23 marrocos‘19

DIA

08


O

dia começou com um passeio demorado em Aït-Ben-Haddou e um pequeno-almoço calmo. Já na estrada para chegar a Marraqueche, demoramos muito a completar a curta ligação, devido a obras na estrada e uma paragem (muito) prolongada. Depois de Fez, a medina de Marraqueche tem um trabalho dificultado em impressionar-nos. Deixa

essa tarefa a cargo da famosa praça Jemma El-Fna, cheia de vida, música e cor. Estacionámos a Navarrita fora da medina e fazemos o caminho para o riade «Les Lauriers Blancs» a pé, numa marcação feita no próprio dia. Come-se nas bancas de grelhados ao ar livre, compram-se tâmaras e amendoins torrados, debulhados e comidos enquanto vemos os grupos de dançarinos e músicos, encantadores de serpentes e adestradores de pequenos macacos-de-Gibraltar

!

EXPLOSÕES

DIA

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Obras de reparação da principal (e única) estrada que liga Ouarzazate e Marraqueche ditam uma paragem forçada de quase duas horas. Marraqueche

Mogador

!

Cobras e Lagartos

Aït-Ben-Haddou Ouarzazate Agadir

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O progresso não pára em Marrocos. O preço a pagar são as esperas ocasionais, retidos na estrada.

Riade «Les Lauriers Blancs» (estadia de uma noite) 156 Derb Sidi Messaoud, Bab Doukala, Marraqueche

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Preferimos ficar em MoulayBousselham em vez de Asilah, repetindo a «Villa Nora» de viagens anteriores.

O final de dia é passado ouvindo o mar, o mesmo que conhecemos em Portugal, com ondas e tudo.

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Algeciras OCEANO ATLÂNTICO

N

MAR DE ALBORÃO

o regresso, para embarcar no ferry usando a reserva já efectuada, fazemos escala em Moulay-Bousselham. Na manhã seguinte, a pouco mais de cem quilómetros do porto de Tanger-Med, saímos antecipando duas horas para o caminho.

Tanger-Med

Asilah

MoulayBousselham

A saída de Marrocos é feita de sucessivas verificações se não levamos nada ou ninguém clandestino. Mesmo depois de passar a Navarrita por dois gigantes aparelhos de raios-X, não nos livrámos de ter de abrir a zona de carga, para a qual

Rabat

Casablanca

terá chamado à atenção estar presa por uma cinta vermelha. Foi uma corrida contra o tempo para apanhar aquele ferry, evitando assim esperar pelo próximo daí a muito tempo. E, de facto, parecia uma corrida, tanto que dois marroquinos — cada um a pilotar um «Mercedes Class A» quase novo — após sucessivas acelerações bruscas e manobras arriscadas, se embrulham numa das muitas rotundas, embatendo com alguma violência. Ambos estão bem, mas vão ter de contar uma história a alguém. Somos o último carro a embarcar, mas apenas depois de vermos todos os camiões no porto entrar e, a cada um, apostarmos entre nós dois que «este já não vai caber».

Mazagan

Mogador

MoulayBousselham

Marraqueche

Ouarzazate

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«Au Revoir, Le Maroc»

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Ela nem pode acreditar — deve ser o equivalente ao «Tio Patinhas» mergulhar no cofre de moedas.

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ZELLIGE mosaicos e labirintos

Chefchaouen MoulayBousselham

Fez

Marraqueche Aït-Ben-Haddou

de aromas e cores

A

s sensações em Marrocos são tão fortes como os aromas e cores. Em Fez, a hortelã tanto ajuda a fazer o famoso chá de Marrocos, como é oferecida num pequeno molhe no acesso aos terraços a partir dos quais vemos a laboração nas tinturarias. A sugestão é para que a coloquemos junto ao nariz e assim nos resguardarmos de outro aroma forte, o qual torna infame a indústria dos curtumes, desenvolvida numa atmosfera de amónia e excremento de pombo. Enquanto subimos essas escadarias no interior dos edifícios

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das ruas, vamos passando lojas revestidas a produtos de pele, atravessando nuvens de aroma de couro e um mosaico de malas, sapatos, casacos e carteiras. Em Chefchaouen, o aroma é do haxixe e azul, a côr, em camadas infinitas de pinceladas nas paredes e até no chão. Já Marraqueche tece uma manta colorida pelas bancas de fruta e das flores secas e dos pigmentos, num sem-fim de ruas que convergem para a mais icónica praça marroquina, Jemma El-Fna. Nos pequenos barcos de pesca artesanal na costa de Moulay-Bousselham vamos encontrar as mesmas cores garridas


Por que há pão nos terraços e qual a ligação com as peles que secam ao Sol? A resposta está nos pombais que vemos em muitos prédios, pois o excremento de pombo contém amónia, essencial para amolecer as peles e permitir que absorvam os pigmentos.

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32 marrocos‘19


Como não gostar dos postais que (ainda) se encontram em Marrocos, comidos pelo Sol, encarquilhados pelo tempo, feitos há trinta anos, escritos por nós hoje... E o melhor? Apenas agora começaria a última viagem deles, sussurrados os destinos antes de entrarem nos marcos azuis e amarelos da «Poste Maroc».

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A praça que dispensa apresentações.

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Final de dia em Moulay-Bousselham

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A chegada ao vale dos lagos, antecâmara de Imilchil, é sempre um momento marcante.

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Imilchil

ATLAS

M

arrocos não é só feito de Sol, deserto e calor tórrido. Um universo quase paralelo esconde-se na montanha do Alto Atlas, polvilhado de neve e roupa quente. Depois do bulício das ruas apertadas de Fez, esperava-nos o Atlas, o «Alto», o «Magnífico» que tudo testemunha desde as suas cumeadas cobertas de neve. Mas era o silêncio de um pequeno vale encaixado na montanha que nos movia. Aí dormiríamos na tenda depois das duas noites a sentir-se inútil e enxovalhada num parque poeirento às portas da maior medina de Marrocos.

39 marrocos‘19

nos lagos dos amantes

Reino camaleão

Este é o camaleão dos países de África — um dia de viagem leva-nos do bazar frenético à calma da montanha, dividida apenas com pastores e rebanhos. Vencida a portela — ou passo — e a montanha revela o vale tranquilo de uma das aldeias que se mantém genuína, apesar de estar no caminho de uma das maiores atracções turísticas do reino — a garganta do Todgha. Já procurávamos no saco a roupa mais quente e ainda o Sol ia alto na descida para o «Auberge Tislite», reflectido no espelho de água, perfeito não fora os patos do pequeno lago. A estrada continua por mais uma meia-dúzia de quilómetros antes de se chegar à aldeia. Mas estamos interessados no


caminho de terra que leva até às margens. Viéramos entretidos a partilhar as histórias de viagens passadas, todas feitas de moto e todas — sem excepção — com uma paragem para visitar Malika. Uma mulher pastora simples, tomou nas suas mãos explorar o pequeno albergue com apenas quatro quartos em volta de um páteo interior coberto e um fogão a lenha.

Reconhecimento

O ritmo lento da viagem e os dias curtos do Inverno roubam-nos as horas de sol que ainda doura o vale. Perseguimos a nossa sombra em direcção ao segundo e maior lago, para fazer um reconhecimento do local para passar a noite. Marrocos muda a cada ano que passa. Estradas que se pavimentam, linhas de electricidade que rasgam as montanhas,

tendas glamping que sarapintam o pequeno deserto de Erg-Chebbi, como se estivesse doente. Soubéramos que estes haviam sido alvo de uma razia das autoridades e quase todos fecharam. Tudo isto nos aconselha a não tomar nada por certo — o que foi, pode já não ser. Depois de completarmos uma pista rápida endurecida pelo frio e sem ainda sentir os efeitos do degelo que torna em lama a terra compacta, chegamos ao grande lago. Senti aquele reconforto egoísta e algo infantil em ver que nada mudara. Até a neve no alto dos cumes parece a mesma. Afinal, amanhã termina Dezembro, ainda que o branco aí perdure até à Primavera. Na margem, apenas um carro e uma tenda de um grupo de três jovens marroquinos. — Estamos a fazer um ensaio de material de campismo — explicam-me quando

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De manhã, o gelo vai derretendo do pára-brisas com os primeiros raios de sol.

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A não perder

O «Auberge Tislite» e a anfitriã, Malika, valem a viagem por si só. Uma opção para dormir num contexto óptimo, para comer uma omelete berbere genuína ou simplesmente ficar à conversa.

A nossa escolha

O segundo e maior lago oferece mais opções nas margens, vistas de encher a alma e um silêncio que já não se ouve hoje em dia.

SA OS HA N A OL C ES

GE ER E B AUISLIT T T AL

Uma alternativa

No primeiro lago, algumas auto-caravanas apreciam os patos por entre os juncais que bordejam o mais pequeno dos lagos, acessível a qualquer viatura e à vista de todos.

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LY Queres saber onde fica e como lá chegar? Descobre este e outros «spots».

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entabulo conversa. — Mas não dormimos aqui. Está demasiado frio — rematam. Ainda solto um riso nervoso, enquanto recito para mim o inventário de agasalhos e roupa quente, como se rezasse um terço. A noite fria deixara de ser apenas uma promessa — era agora uma certeza.

Quente e bom

Regressamos ao albergue, movidos pela perspectiva da comida quente e da conversa à volta de um thé marrocain. A porta envidraçada permanece repleta de autocolantes de expedições e aventuras passadas. Descubro com o dedo duas das minhas que aponto a Inês, sobreviventes das muitas que se lhe seguiram, um preâmbulo para contar histórias à volta do velho fogareiro a lenha. Este lembra um altar num lugar de culto religioso, na posição nobre ao fundo da nave central do pequeno edifício. Em cada parede lateral interior, as pinturas de cores vivas ilustram as celebrações e tradições berberes, aludindo aos noivos que a lenda assevera terem enchido os lagos com as suas lágrimas trágicas.

Oferecem-lhe as costas as mesas rudimentares de bancos corridos e cadeiras, protegidas por toalhas de plástico, onduladas pelos fundos escaldantes dos inúmeros chás de menta que aqui se serviram, dando as boas-vindas e enxotando o cansaço, frio e desidratação. Mesmo com as mãos aquecidas nos pequenos copos de chá servido, arrepio-me. Sabe bem estar de volta também a um país que não é o nosso, afinal.

Monsieur Merci

Recebem-nos dois homens de pele curtida pelo Sol e cabeça enterrada num quente gorro. Perguntamos pela Malika. — Foi à cidade abastecer e só regressa amanhã — respondem-nos. Mas a desilusão não terminara ainda, pois a razão que a levara à cidade deixara a despensa quase vazia e sem grandes opções para preparar uma refeição quente. — Mas podemos fazer uma omelete berbere — arrisca «Monsieur Merci», o mais alto dos nossos anfitriões. Havia sido ali, na sua aldeia que eu comera com o Daniel a que, até esse dia, seria a melhor omelete da minha vida. Aceitamos de imediato.

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Uma fina camada de gelo cobre toda a paisagem, tendo a audácia de subir a escada e se aninhar também sobre o edredão no interior da tenda.


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O recorte da montanha a nascente na hora mais fria do dia

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A refeição toma-se aqui como as conversas — em boa companhia. Num francês que não é deles nem nosso, lá vamos encontrando as palavras para partilhar os planos para a noite e a ouvir como é a vida deles durante o Inverno marroquino. — C’est dure, lá bas — avisa Merci, deixando a sugestão de voltarmos aqui se não aguentarmos o frio da noite. Enquanto trocamos contactos, a porta abre-se. Lá fora já está escuro, com uma réstia de luz apenas a bordejar a montanha. Entra uma rapariga que havia ido à aldeia comprar os ingredientes para a refeição que lhe confeccionariam na cozinha. Despedimo-nos com um a tout a l´heure. Com o desenrolar da viagem, mantemos o contacto com Merci por mensagem. Cada uma que enviamos para ir documentando com vídeos e imagens, é recebida com entusiasmo e alegria. Mas nunca nos devolve uma mensagem escrita, sempre uma gravação de voz a acompanhar as imagens captadas bem cedo do alto da montanha, orgulhoso da sua terra. Quando logo no início lhe perguntamos por escrito o seu nome, devolve-nos uma gravação. — Merci, Merci — ouvese. Era improvável ser o seu nome, mas hesitamos em perguntar novamente.

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Era agora evidente que Merci não sabia ler francês, nem entendera a questão. Deixamos cair as mensagens e adoptamos o registo de voz para a reportagem. Ainda hoje, em Portugal, trocamos imagens das nossas terras, um modesto agradecimento pela que fora a melhor omelete berbere das nossas vidas.

Dentadinhas de Esquilos

O caminho de regresso ao lago maior é feito com os tons laranja do lusco-fusco que ainda nos permite ver algo enquanto montamos a tenda. Sentimos a falta do nosso microfone para captar os poucos sons da montanha — o ocasional chocalho distante de uma ovelha com insónias, um latir quase indistinto e o silêncio. Olhamos para a cama feita de edredão, manta e sacos-cama e parece-nos pouco. Vestimos a nossa roupa mais quente, sobrepomos meias e anichamos os corpos na esperança que chegue. Não tardou a entrar connosco na tenda, o frio penetrante. Sempre que emergimos do sepulcro de roupa, sentimos a sua mordida, como um esquilo de volta da avelã que é o nosso nariz. A noite passa com a constante consciência do frio, ainda que por debaixo das roupas esteja quente.


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Aproveitar para tirar uma fotografia enquanto os narizes não caem.

Ao acordar, o interior da tenda mudara, agora forrado por uma fina camada de gelo, sobre o edredão, nas paredes interiores, no tecto. A condensação da nossa respiração foi a vítima da noite na montanha, congelada numa fotografia para recordar a experiência. A luz que chega de fora ainda é ténue. É aquela hora mágica, quando o Sol se faz anunciar dardejando raios que desenham o recorte da montanha. Para sair, não preciso de vestir muito mais roupa, afinal dormiramos com quase toda vestida. Nos bolsos do quente casaco encontro as luvas, antes que o malvado esquilo me descubra as pontas dos dedos. Vou precisar deles para disparar alguns tiros, caçando os troféus que colocaremos sobre a lareira lá em casa. Cada um lembrar-nos-á que não é no sofá que viverás a vida em pleno. Que mesmo as dentadas do frio de uma manhã limpa no Alto Atlas te lembram o que é estar vivo

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A pé não é a melhor forma de vencer as dunas no deserto e de gatas menos ainda. Para isso, contámos com a «Navarrita» e uns dromedários.

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DESERTO

Merzouga Ouzina

Foum Mharech

de duna em duna

«Mohammed, tira-nos do buraco!»

M

agnético. Se me perguntassem como definiria o deserto numa única palavra, esta seria a minha escolha. Quando estou nele, sou capaz de ficar a olhar para as dunas e deixar o tempo escorregar pelas encostas abaixo como se fora uma ampulheta gigante. Mas está longe de ser uma relação fácil. Coloquem-me aos comandos de um 4x4 ou de uma moto e a atracção esmorece, pressentindo que não é o meu território e ele, como um cão nervoso, também o sente.

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Olhamos um para o outro e perguntamo-nos em silêncio — «Como é que vamos fazer isto?» Lá por ser difícil não se desiste dessa paixão. Trabalha-se nos pontos onde somos piores, com a esperança de, no final, a relação se tornar prazenteira e ambos tiremos dela o máximo, o deserto e nós. Como resultado, nesta viagem prolongámos o tempo passado nas areias, ora montados em dromedários, ora a pé, ora a conduzir. Escolhemos Erg-Chebbi, Ouzina e Ramlia para as sessões de «terapia de casal», promovendo Mohammed a conselheiro. Quando damos por nós num aperto, gritamos «Mohammed, tira-nos do buraco!» e prontamente nos acode


É difícil não nos sentirmos privilegiados e agradecidos num cenário assim, no sopé da duna de Erg-Chebbi.

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Deserto de areia

Contrariamente à ideia generalizada, Marrocos não tem extensos desertos de dunas, como associamos ao Saara ou à Península Arábica.

AR

Acampar no deserto

LI A

Em poucos anos, multiplicaram-se os acampamentos no meio de Erg-Chebbi, resposta à grande procura. Hoje, foram proibidos com apenas uma mão-cheia de licenças atribuídas, em mais uma demonstração de mão firme e sabedoria do Rei de Marrocos, adepto fervoroso do turismo no seu reino.

É AP A D O BI M SU O CI N A A DU DE DORSO IO DA FIMRCU DÁR PE O M E DR

Cem Dirhams DE IO RIO E SS Á PA MED O AR DR KSNIA A S

Naquele que é o país de África com o custo de vida mais baixo, por dez euros o jovem Mohammad (outro) leva-nos aos dois na sua cáfila para um passeio de duas horas.

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a r a de pa t o ai r t r se r a de n a do du a s . a c ur c o em r o r o A is t à p M ar UG o s te m ZO u e n g e n r o e ER e q t a r a M m p m ui lg o U a ,a l v i r eia a

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ZIN

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Uma combinação da hora do dia e altura do ano ditaram a sorte de todo o percurso ser apenas nosso.

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Os compridos lenços tuaregues vão para lá da funcionalidade para proteger do sol e poeiras, acrescentando uma compoente estética, com cores fortes constratantes com o laranja do deserto.

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Cimo da duna em Erg-Chebbi

Deserto de Ramlia

O regresso da cáfila ao abrigo para a noite.

Vista da aldeia de Merzouga a partir da duna mais alta.

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TA F PI S A L I RA PA

“Paris-Dakarˮ

A ligação de Merzouga por Ouzina e Ramlia é incluída em várias edições de provas de desporto motorizado.

AR

LI A

UM CH FO A R E H M

GE ER A B AUUZINL O MA RI

!

Avaria e engano

A fechar o grupo, seguíamos o «Jeep Wrangler» até ao momento em que se perde e avaria. Nada que não se remedeie e resolva.

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PI ST E

Com nascente no Atlas, o Ziz percorre 450 km para sul onde se torna o Daoura nesta zona, para se juntar ao Rheris que acaba perdido nas areias do Saara.

D E

Daoura e Ziz

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GA


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Na zona de Ramlia é raro encontrar água à superfície.

À procura de alguém que se distanciou.

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Pequeno palmeiral a caminho de Foum Mharech

Oued onde se avariou o «Jeep» ao final do dia.

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Por mais de uma vez, foi graças a este hábil homem que aprendemos como sair dos «buracos» em que nos metemos e como evitar cair neles no deserto. Mas, também foi nas mãos dele — Obrigado, Mohammed — que a «Navarrita» saíu de alguns...

Calhou a ambos, a honra de atolar a «Navarrita» na areia das dunas.

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Sem a força das águas depois do degelo da Primavera, o rio Unila permite a travessia, pedra sobre pedra.

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Chefchaouen

Aït-Ben-Haddou

FANTASIA

S

ão muitas as dimensões que contribuem para que associemos a Marrocos uma envolvência no território do fantástico, do imaginário. Desde o chamamento à oração cantado pelos muézinns do alto dos minaretes que sobressaem na silhueta das povoações, pequenas e grandes, à elegante escrita indecifrável que acentua o enigmático e misterioso, como um penetrante olhar tuaregue que emerge de um lenço a cobrir o rosto.

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lugares improváveis

Coisas pequenas e grandes ajudam este reino a compor este quadro maior de fantasia. Os universos que cidades como Chefchaouen ou Aït-Ben-Haddou criam é genuíno e envolvente. A própria paisagem onde se inserem acentua esse efeito, ao ser despojada de tudo, um oceano ondulante feito apenas de pedra e areia que dramatiza o momento de revelação destas singularidades, ali, no meio do nada, como que escondidas à vista de todos


A localização da fortaleza dá um dramatismo a quem chega vindo de Sul, numa envolvente despojada de tudo.

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A

lista é longa, antiga e actual — os filmes «Lawrence d'Arábia» e «Gladiador», a série «Guerra dos Tronos». O cinema tem procurado encontrar no kasbah de Aït-Ben-Haddou uma atmosfera romântica nos seus corredores escuros, ao mesmo tempo que dura e primordial nos tons de terra. A estrutura multi-familiar chegou a alojar quase cem famílias, hoje reduzida a apenas cinco que detêm a maioria do espaço, adaptando-o para melhor receber quem visita e honrando a sua história e tradição

Todo o conjunto é composto por casas privadas debaixo de uma associação de moradores que procura promover a beneficação e manutenção das fortalezas, sob o olhar atento da UNESCO.

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Lama e madeira

A luta contra os elementos é um desafio sempre presente no «ksar» de Aït-Be-Haddou, resistindo a introduzir outros materiais mais modernos, muito graças ao controlo apertado da UNESCO.

MA

RR

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EC

“Lawrence d'Arábiaˮ

Palco de inúmeros filmes, o «kasbah» é um espaço único, recriando muitos dos imaginários das mil e uma noites.

“Pas de Silenceˮ

Reservado com antecedência, quando chegámos não tinham a nossa reserva. Arranjaram-nos outro hotel. Respingámos. Mas no final, apercebemo-nos que tínhamos sido nós a marcar para o mês errado.

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Arte popular lembra ter sido paragem de uma rota de comércio com um «caravanserai» no interior do «kasbah».

«Dar Mouna La Source»

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É uma cor que traz tantos até aqui. Dentro, o azul mantém a disputa com todas as demais cores que enchem as ruas, as lojas, as árvores.

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A

o mistério sobre o que terá levado esta cidade na montanha do Rif a pintar-se de azul, junta-se um dialecto falado e escrito com elementos estranhos, diferentes, exóticos. Um enclave berbere é cada vez mais uma surpresa, tão a norte. Liberta do jugo de Espanha a que esteve sujeita entre 1920 e 1956, hoje a cidade pinta-se a cada dois anos para manter o ar fresco azul que a caracteriza

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“Os Cornosˮ 1471 DC

Construída no séc. xv pouco antes da conquista do último território muçulmano na Península Ibérica pelos Reis de Espanha, desempenhou um papel importante para as comunidades que aí viviam.

TO

A cidade vai buscar o nome da expressão amazigue/berbere «che chaouen» que significa «olha os cornos», pela forma da montanha acima dela.

JB

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A LK

LA

A

Uma questão de fé

Das várias teorias para as origens da côr azul, uma das principais está ligada ao judaísmo. O pigmento azul com que tingiam os xailes de oração — uma forma de recordar o poder de Adonai num reflexo do céu — terá sido estendido às pinturas de casas e ruas.

N UE AO A H C L E F RO CH“A PÉULˮ AZ UA N

DO LE AOU A V DL E OU

EN U AO H C EF H C

, ão gi r e ul a s t um uç ne ue m 9 2 . ue ig s e 4 ig az u e 1 a z am ju d e ir d am ou u r t r t e e pa la er eg a fa b ot a UL se ber pr anh A Z v i r- a v e e u e E s p L A o u n c l o lh d e RO u m m e e a c o s P É c om o u qu ul s É nd gio e x p se ú os f r e an m

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S


Povos berberes escrevem usando o «tifinague», um alfabeto próprio com origem fenícia, significando «letras fenícias» («tafineqq») ou «nossa invenção» («tifin negh»). Originalmente escrito na vertical, as versões modernas optaram da esquerda para a direita.

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NAVARRITA

R

ecordo a questão que mais me colocavam enquanto dirigi uma revista de viagens de moto pelo mundo — «Qual a melhor moto para viajar?» A resposta, como a pergunta, foi sempre a mesma — «A melhor para viajar é a que tens na garagem.» Sempre que as perguntas de viagem são sobre qual o melhor modo de transporte, são as questões erradas. Marrocos é um destino dado a ser vivenciado por inúmeras perspectivas. Conseguir fazê-lo de carro, moto, bicicleta a pé ou de camião é tanto um privilégio, quanto um pormenor. Levámos neste regresso ao Reino de Marrocos o que tínhamos na garagem — uma pick-up com vinte anos de idade, sem preparação alguma especial para lá da verificação do bom estado do essencial. Não é a melhor em nada, para quem a vê do lado de fora. De dentro, não tem concorrência. É família, não se escolhe — estima-se.

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nobre corcel

Fora neste Verão que o meu pai falecera e, na garagem dele, estava a Navarrita que nunca fez viagens, preferindo sempre a companhia dele, algures no Alentejo remoto entre vacas e sobreiros. Ao levá-la connosco para África — aparte o simbolismo de ser o continente onde nascera e combatera uma guerra que nunca foi sua — era uma forma de o levar também a ele a viajar. Marrocos representa tudo aquilo que sempre rejeitou sem discussão — o estranho, desconhecido, inquietante. Pelo caminho demonstrou o mesmo carácter trabalhador de sempre, apesar de ferida e apenas mais tarde o descobrirmos, em Portugal. Uma bomba de combustível danificada negava-lhe a potência exigida pelas areias marroquinas. Foi uma boa companheira, perdoando-nos a falta de jeito e competências de pilotos de todo-terreno. Por ela e como recompensa, fizemos um curso de condução, entretanto... mas isso é história para outro dia


Tenda de tejadilho Esta «Gordigear Explorer», a nossa primeira tenda de tejadilho, ainda hoje deixa saudades, muito pela qualidade de construção e dos materiais, mas também pela vista desimpedida a toda a volta. Em vários momentos ao longo da viagem poder abrir a tenda e dormir ali perto é reconfortante de ter como opção. Em Ouzina, por exemplo, se viajássemos sozinhos, teríamos aberto a tenda nas dunas quando fomos surpreendidos pelo cair da noite.

«Só faltou a escalfeta»

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Sem aquecimento para além dos nossos dois corpos, uma tenda de tejadilho pode ser inclemente debaixo de frio sub-zero. O colchão isolado da plataforma conta com um edredão de penas, dois sacos-cama (um de 5º C o outro do «Sr. Encalorado» para 15º C), uma manta de polar revestida a lã. Seria tudo isto suficiente para o pino do inverno a 3000 m de altitude na montanha marroquina?

Tecido

Apesar de utilizar um poli-algodão de alta densidade, este não foi adversário para o frio que caíu sobre nós durante a noite. Ficou a fazer falta um forro interior amovível para um comportamento térmico aceitável.

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Osgas no frio?

Vista desimpedida

Por não ter o avançado do lado da escada — como a «irmã» Explorer Plus — a vista não fica obstruída, permitindo tirar o máximo partido da janela de topo, bastando apontar a traseira da «pick-up» para o melhor azimute.

Não se assustem — é apenas o logotipo da marca. 7 3

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Bomba de combustível

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Colchão

De todos os colchões que já testámos em tendas de tejadilho flexíveis, o da Gordigear é o melhor, com isolamento adicional da plataforma, muito útil em climas agressivos como este.

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Escada extensível

Esta escada de dois corpos pode parecer inferior às escadas telescópicas tubulares, mas isso muda quando começar a entrar poeira e areia entre os tubos e deixarem de funcionar.

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Danificada, comprometeu a entrega regular de potência, mais sentida em regimes mais exigentes, como na negociação de dunas ou em subidas arenosas.

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Acesso

Esta configuração, que combina uma tenda flexível na zona de carga da «pick-up», facilita muito a abertura e arrumação, ficando tudo à mão, sem recorrer a escadotes ou «banquinhos do IKEA». Fechada, a tenda encaixa na perfeição, sem perturbações aerodinâmicas algumas, como que feita por medida.

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Fechos da mala Com o peso da tenda sobre a tampa da zona de carga, os solavancos exigiram demasiado dos fechos, duas frágeis placas metálicas que se quebraram para impedir que a tampa se abrisse em cada salto. Durante a viagem foi remendada a situação apertando a tampa através de uma cinta ao pára-choques traseiro.


No Alto Atlas abrimos a tenda de tejadilho para passarmos a noite junto ao lago d’Isly (página 39).

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Muito gosta a malta da fotografia com os carrinhos alinhados...

Por muito que estivesse habituada ao frio dos montes alentejanos, aqui morde com mais força.

Operação incontornável para conseguir progredir na areia, mas não facilitar nas pedras aguçadas.

Último a entrar, primeiro a sair — «Incha!»

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«E temos aqui este modelo, saído do Salão de Genebra, equipado com a mais recente tecnologia.»

Amarrada com uma cinta ao pára-choques, remediamos os fechos partidos com os solavancos recentes.

«Inês Catarina! Sai de cima da Navarrita!»

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Recuperadas as funções motoras e a sensibilidade nos dedinhos...

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Primeiras horas da manhã na estrada para Imilchil, com o Atlas em fundo.

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GIBRALTAR

COLUNAS DE HÉRCULES

Para entrar no mar de Alborão há que passar por elas, entre o Rochedo de Gibraltar e o monte Hacho em Ceuta — 23 km de distância, com uma profundidade de 365 m, um por cada dia do ano.

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CHEFCHAOUEN

PÉROLA AZUL

É comum ouvir-se falar tamazigue nesta região, sendo um enclave berbere ou amazigue, outrora refúgio que acolheu e protegeu judeus e muçulmanos expulsos de Espanha a partir de 1492.

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LAC D’ISLY

IMILCHIL, ATLAS

Os dois lagos — «Tislite» e «d’Isly» — a norte da pequena vila de Imilchil são resguardados pelas montanhas do Atlas.

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ERG-CHEBBI

MERZOUGA

PISTE DE OUZINA

VALE DO ZIZ

AÏT-BEN-HADDOU

PATRIMÓNIO MUNDIAL

Um pequeno sistema dunar atrai para a vila muita gente à procura do deserto de areia, algo raro em Marrocos.

O longo vale do Ziz deixa Erfoud para continuar para sul, antes de se entregar ao Rheris, o qual morrerá no enorme Saara.

No sopé do Alto Atlas, o rio Unila desce até desaguar no rio Ouarzazate, ao longo da antiga rota de caravanas onde se erigiu no ano 757 DC o «kasbah», cidade feita de pequenas fortalezas.

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