Debbie Macomber
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DE UMA VIDA COMUM PARA UM AMOR FORA DO COMUM Até bem pouco tempo atrás, as únicas aventuras que Lorraine Dancy conhecia eram aquelas que via nos filmes — em que o improvável torna-se possível, e o romance torna-se real. Agora, ela se vê como a protagonista de um desses filmes, com a diferença de que se trata de sua própria vida. Mas o herói que surge para salvá-la não se parece com o dos filmes. Jack é um renegado que pensa só em si mesmo e vive sob suas próprias regras. Como um favor ao pai de Lorraine, ele decide ajudá-la. E planeja uma fuga em seu barco como em muitos filmes que Lorraine viu. Mas existem águas turbulentas à frente... incluindo uma atração que é tão perigosa quanto intensa. No entanto, Lorraine não está em busca de um breve encontro. Ela quer que sua história tenha um final feliz!
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"Emoções bem desenvolvidas e personagens atraentes." — Publishers Weekly on Montana.
Copyright © 1998 by Debbie Macomber Originalmente publicado em 1998 pela Mira Books. Título original: Moon over water Digitalização: SSS
NOTA DA AUTORA Conforme fui amadurecendo como escritora, aprendi que cada livro tem seu próprio tempo. O enredo de Lua Sobre as Águas foi concebido no início dos anos oitenta, quando eu ainda era uma escritora iniciante. Como outros projetos — todos os escritores os têm — acabou guardado numa gaveta, quase esquecido. Então, certo dia, numa dessas inexplicáveis explosões de atividade, comecei a limpar as gavetas de uma velha escrivaninha e deparei-me com um arquivo de histórias rejeitadas e enredos descartados. Lua Sobre as Águas saltou à frente de todos e insistiu que sua hora havia chegado. Cada página que eu escrevia era uma aventura. Jack deixava-me furiosa e, aliás, Lorraine também. Uma excelente professora de redação uma vez me disse: "Lágrimas no escritor são lágrimas no leitor". Se este for o caso, sinto-me na obrigação de avisá-los: eu ri, chorei e "torci". Escrevi e reescrevi muitas vezes, passei horas incontáveis conversando sobre detalhes do enredo com meu editor que — além de tudo o mais — merece um prêmio pela paciência. E, portanto eis aqui Lua Sobre as Águas, que exigiu quase vinte anos de elaboração. Espero que vocês gostem desta aventura tanto quanto eu gostei. Como acontece com quase todos os livros, há muitas pessoas a quem devo agradecer, e sem dúvida este é o caso de Lua Sobre as Águas. Como sempre, sou eternamente grata ao meu marido, Wayne, que continua me amando depois de trinta anos. Seu encorajamento e apoio carinhoso são a argamassa que me sustenta. Meus agradecimentos a Dianne Moggy e Paula Eylelhof, que fazem com que escrever para a MIRA seja uma experiência tão agradável. Obrigada a vocês por transformarem meus sonhos em realidade. Um reconhecimento especial à minha agente, Irene Goodman, mestra em negociações e uma talentosa "torcedora". Também para Renate Roth e Jenny LaCombe, minhas duas assistentes incansáveis, que ajudam a manter minha vida relativamente sã. E por fim, embora certamente não por último, meus agradecimentos pelos conselhos do dr. Stephen Fredrickson sobre medicina. Foi ele quem insistiu que não haveria nenhum motivo, em todo mundo, para remover aquela bala.
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CAPITULO I
Oh, Senhor, concedei a ela o descanso eterno... Lorraine Dancy fechou os olhos quando a primeira pá de terra atingiu o caixão de sua mãe. O som parecia reverberar em torno dela, cem vezes mais alto, abafando as palavras proferidas pelo padre Darien. Aquela era a sua mãe — a sua mãe — e Virgínia Dancy merecia muito mais do que um frio cobertor de lama do Kentucky. Na noite do dia primeiro de abril Lorraine recebera a notícia de que sua mãe estivera envolvida num terrível acidente na estrada. A princípio, imaginara que fosse algum tipo de brincadeira cruel, uma piada de extremo mau gosto, mas agora o caixão pontilhado de lama era real o bastante para destroçar seu coração. Seu peito contraía-se com o esforço de conter as lágrimas. Um som baixo e lamentoso escapou de seus lábios e o tremor intensificou-se ao ouvir as derradeiras palavras do sacerdote naquela tarde cinzenta. Após algum tempo, os amigos que vieram dar o último adeus começaram a se afastar. O padre Darien tomou as mãos de Lorraine gentilmente e, num tom de sincera compaixão, ofereceu-lhe umas poucas palavras finais de consolo. Buscando forças dentro de si, Lorraine conseguiu agradecer. Mas permaneceu imóvel no lugar. — Querida... — Gary Franklin, o seu noivo, aproximou-se mais e passou o braço em torno de sua cintura. — Está na hora de ir para casa. Ela resistiu e não se moveu, quando Gary tentou levá-la na direção da limusine que os esperava. Não estava pronta para deixar sua mãe. Ainda não. Por favor, ainda não. Se virasse as costas e se afastasse... tudo estaria realmente acabado. Aquilo não deveria estar acontecendo. Não podia ser verdade. Mas a realidade do momento era inegável: a cova aberta, as lápides à sua volta, o solo lamacento. Seus temores assaltavam-na por todos os lados, provocando um arrepio gelado em sua espinha. Lorraine não tinha certeza se conseguiria viver sem o amor e o apoio de sua mãe. Virgínia havia sido sempre um marco em sua vida. Seu exemplo. Sua mãe.
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Bestseller — Meu bem, eu sei que é difícil, mas você não pode ficar aqui. — Mais uma vez, Gary tentou afastá-la da sepultura. — Não — ela disse, num tom mais forte. O que tornava tudo mais difícil, e mais doloroso, era a completa falta de aviso. Lorraine havia conversado com a mãe naquele mesmo fim de semana. Elas eram muito próximas, pois por tanto tempo quanto Lorraine conseguia se lembrar, havia sido apenas as duas contra o mundo inteiro. Nem um dia se passava sem que se comunicassem de alguma forma — fosse com um telefonema, uma visita, ou até mesmo com uma mensagem por e-mail. No sábado anterior, tinham passado mais de uma hora no telefone, discutindo os planos para o casamento. Virgínia ficara encantada quando Lorraine aceitou o pedido de casamento de Gary. Sua mãe sempre gostara de Gary e havia encorajado o namoro desde o início. Gary e Virgínia haviam se entendido de maneira extraordinária. Naquele último final de semana — apenas alguns dias atrás — sua mãe ainda estava viva. Durante o telefonema, Virgínia havia falado alegremente sobre o tipo de casamento que sonhava para sua filha única. Conversaram sobre o vestido, sobre as damas de honra, as flores, os convites. Lorraine nunca vira a mãe tão animada. Em seu entusiasmo, Virgínia havia até mencionado seu próprio casamento, anos atrás, e o único homem que amara na vida. Ela raramente falava sobre o pai de Lorraine. Era uma das poucas coisas que não compartilhava com a filha, pelo menos até o início de sua adolescência. Aquelas eram suas lembranças particulares, e era como se Virgínia as guardasse no fundo do coração. Era como se tais lembranças lhe fizessem companhia durante os longos anos de viuvez. Lorraine não se lembrava do pai, que morrera quando ela estava com apenas três anos. Parecia-lhe que sua mãe amara Thomas Dancy de forma tão completa que jamais sequer pensara em tornar a se casar. Nenhum homem, ela dissera a Lorraine certa vez, seria capaz de superar a lembrança daquele a quem ela havia perdido. A história de amor de seus pais era, possivelmente, a mais romântica que Lorraine já ouvira. Quando era pequena, sua mãe muitas vezes lhe contava que homem maravilhoso Thomas havia sido. Nos últimos anos, naturalmente, Virgínia quase não falava mais sobre ele, mas Lorraine lembrava-se daquelas histórias passadas: de seu pai ser um herói de guerra condecorado, e como os dois tinham desafiado a todos para se casar. Eram contos de aventura, as lindas histórias que povoaram sua tenra infância, e havia guardado uma impressão profunda e duradoura de todas elas. Este foi um dos motivos que levou Lorraine a esperar até que completasse vinte e oito anos, antes de comprometer-se com alguém.
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Bestseller Durante anos estivera procurando um homem como seu pai, um homem nobre, honesto. Corajoso. Um homem íntegro e com ideais elevados. Ninguém parecia ser o "certo", até Gary surgir em sua vida. — Lorraine, todos já foram embora. — O braço de Garry pressionou-lhe mais a cintura. — Ainda não. Por favor. Ela não podia deixar a mãe ali. Não naquela sepultura fria e úmida, quando Virgínia Dancy nem mesmo chegara aos cinqüenta anos. A dor era maior do que Lorraine conseguia suportar. E, quando a agonia do momento a consumiu, as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto. — Vamos, querida, deixe-me levá-la daqui — Gary murmurou, num tom repleto de simpatia. Lorraine deu um passo para trás. Não queria Gary. Não queria ninguém, exceto sua mãe. E sua mãe estava naquela sepultura. — Ah, mamãe... — ela gemeu baixinho, e prorrompeu em soluços, incapaz de se controlar. Gary virou-a nos braços e aconchegou-a protetoramente. — Isso mesmo, querida, desabafe. É bom chorar. Lorraine escondeu o rosto em seu ombro e chorou tudo o que não havia chorado desde a noite em que a polícia lhe levara a trágica notícia. Por quanto tempo Gary a abraçou, deixando-a chorar, ela não soube. Até que seus olhos ardessem, seu nariz escorresse e não houvesse mais lágrimas para derramar. — As pessoas irão para sua casa, e você precisa estar lá para recebê-las — Gary lembrou-a. — Sim, temos de ir embora — ela concordou, enxugando o nariz com o lenço de papel que ele lhe dera, grata pelo fato de que a vizinha de Virgínia, a sra. Henshaw, estaria presente para ajudá-la a receber os amigos. Lorraine sentia-se mais calma, agora, mais controlada. As pessoas iriam querer falar sobre sua mãe e, desde que ela era a única representante da família, tinha de estar no controle de suas emoções. Juntos, ela e Gary encaminharam-se para o estacionamento. Para longe de sua mãe. Para longe da única pessoa que tinha na vida.
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Bestseller O consolo de Lorraine, por menor que fosse, era saber que depois de vinte e cinco anos separados, seus pais estariam juntos novamente.
Lorraine não conseguiu dormir, mas isso não foi uma surpresa. Deveria estar exausta. E estava exausta, pois mal dormira naqueles últimos dias. A semana que se passara fora a mais emocionalmente desgastante de toda sua vida. Mas mesmo agora, depois do velório e do funeral, ainda estava inquieta demais para buscar o conforto no sono. Gary parecia pensar que o fato de ela passar a noite na casa da m ãe não tinha sido uma boa idéia. E talvez estivesse certo. Seu próprio senso de julgamento, juntamente com tudo o mais, estava em péssimo estado desde que soubera da morte de sua mãe. Todos os amigos de Virgínia tinham se reunido ali, na casa dela. E só poderia ser assim, pois o apartamento de Lorraine era pequeno demais para receber tanta gente, e fazer a reunião num restaurante lhe parecera impessoal demais. Os paroquianos da Igreja de São João, onde Virgínia costumava freqüentar a missa durante todos aqueles anos, mais um enorme grupo de vizinhos, colegas de trabalho e amigos, apareceram para dizer a Lorraine o quanto sentiam a morte da amiga. Eles, também, pareciam ter dificuldade em aceitar a maneira súbita com que tudo acontecera. Virgínia fora uma católica devota e sempre fizera questão de participar das atividades da igreja. Durante vinte anos cantou no coro, e trabalhava incansavelmente para a sua "família" da igreja. Como corretora de ações de uma grande firma, havia construído uma excelente reputação no mundo dos negócios. Embora as amizades neste ramo de negócios geralmente fossem passageiras, ela havia aprendido a cultivar seus amigos. E a casa estava repleta de gente. Ao contrário de que Lorraine presumira, não tivera de ficar recebendo as pessoas, nem preocupar-se em servi-las. Amigos e vizinhos chegaram trazendo pratos prontos, pães e saladas, que logo encheram a mesa da sala de jantar. Muitos outros pratos extras alinhavam-se nos balcões da cozinha. Lorraine sentia-se grata a todos, especialmente a Gary, que mostrara-se mais bondoso e solícito do que nunca. Ainda assim, no transcorrer de toda a recepção, tudo o que ela queria era estar sozinha, para dar vazão a sua dor, sem que houvesse ninguém presenciando seu desabafo. Mas isso não era possível. Lorraine precisou de um tempo até perceber que os amigos que ali se reuniram também estavam em busca de consolo. E, a partir daí, passou a aceitar suas
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Bestseller condolências e fez o possível para assumir o papel de consoladora. Porém, logo suas energias esgotaram-se completamente, e ela afundou-se na poltrona preferida de sua mãe. Sentar-se ali ajudava-a a sentir-se mais perto da mãe que amara tão profundamente. Aliviava a dor da solidão que ameaçava consumi-la naquela sala repleta. Uma interminável procissão de solidariedade e conselhos passara diante dela: — É claro que você vai ficar com a casa... Lorraine assentira. — Naturalmente, você vai vender a casa... Ela fizera que sim. — Sua mãe era uma mulher maravilhosa... — Todos vamos sentir falta dela... — Ela está num lugar melhor, agora... — Foi uma tragédia sem sentido... Lorraine concordara com todos. Quando a última pessoa saiu, já estava escuro. Gary ajudou-a a limpar tudo e insistiu para que ela voltasse ao próprio apartamento. Ou que fosse para o dele. Parecia não entender que ela precisava ficar ali, mas como poderia? Ele nunca perdera um parente tão próximo. — Você pode ir para casa, Gary — ela disse. — Vou ficar bem, aqui. — Minha querida, você não deveria ficar sozinha. Não esta noite. — Mas é o que eu quero — Lorraine insistiu, ansiando para que ele saísse. Aquele era um sentimento estranho, que ela não conseguia compreender plenamente. Amava Gary, planejava passar o resto da vida com ele, mas naquele momento queria que ele fosse embora. Tinha de lidar com a dor e com o luto à sua própria maneira. — Você precisa de mim — ele falou, com carinhosa preocupação. — Preciso, sim — ela concordou. — Só que não agora. Uma sombra de desapontamento nublou os profundos olhos castanhos, e ele assentiu, com evidente relutância. — Você me telefona, se mudar de idéia? Ela respondeu que sim. Gary beijou-a na testa, num doce gesto de amor e consolo. Estremecendo sob o frio da noite, Lorraine permaneceu na varanda até que o carro dele desaparecesse.
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Bestseller Acabou de lavar os pratos e depois vagou pela casa vazia, parando na entrada de cada um dos cômodos. Ternamente, acariciava os objetos que sua mãe mais prezava. Fechou os olhos e imaginou sua mãe e seu pai finalmente juntos, e a maravilhosa reunião que ambos estariam desfrutando. Lorraine sentia-se confortada ao saber que Virgínia fora feliz durante as últimas semanas de vida. Havia ficado encantada com a notícia do noivado da filha, encantada com a perspectiva de planejar um grande e pomposo casamento. Assim que soube que Lorraine aceitara o pedido de Gary, Virgínia já dera início aos elaborados planos para o casamento em outubro. Como dava muito valor à tradição, franziu a testa quando Lorraine escolheu um colar de pequenas esmeraldas, em vez do costumeiro anel de noivado. — Seu desejo está satisfeito agora, mamãe — ela disse em voz alta. A aliança de casamento em sua mão esquerda pertencera à sua mãe. Na parte interna, estavam gravadas as palavras: "Te amarei para sempre. Thomas." O agente funerário lhe entregara a aliança naquele mesmo dia, antes de fechar o caixão. Lorraine a colocara no dedo, e não a tiraria até o dia do seu próprio casamento. Sua mãe havia usado a aliança desde o dia em que Thomas a pusera em seu dedo, e agora Lorraine também iria usá-la. — O que vou fazer sem você, mamãe? — ela perguntou para o vazio da noite, os olhos enchendo-se de lágrimas. Ficou surpresa ao ver que ainda lhe resta vam lágrimas para chorar. Lamentou por tudo o que havia feito para desapontar sua mãe. Havia abandonado a faculdade de medicina no segundo ano, tendo optado pelo curso de enfermagem. Virgínia não a repreendera por isso, mas Lorraine sabia que tal decisão a entristecera. Agora, preferia pensar que havia compensado tal aborrecimento quando começara a namorar Gary, que vendia suprimentos médicos para o Group Wellness, onde Lorraine trabalhava. O fato de que não freqüentava muito a igreja também aborrecia sua mãe, mas Lorraine jamais se identificara com a igreja católica da mesma forma que Virgínia. — Sinto muito, mamãe — murmurou, sabendo que desapontara sua mãe de outras incontáveis formas. Quando concluiu sua jornada emocional pela casa, Lorraine tomou um banho quente e vestiu a camisola que dera de presente à mãe no último Natal. Depois de uma breve consideração sobre o assunto, decidiu dormir no quarto da mãe, ao invés de no seu próprio quarto. Sempre que sentia medo, quando criança, corria
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Bestseller para a cama da mãe. E estava com medo, agora, com medo do futuro, de prosseguir com sua vida sem Virgínia, sem uma família. Deitada ali, insone, reuniu as lembranças em torno de si, encontrando consolo nos momentos felizes que haviam compartilhado. A vida diária havia sido repleta de pequenos prazeres, como preparar juntas refeições elaboradas, assistir aos filmes clássicos que ambas adoravam e trocar livros preferidos. Virgínia também trabalhava para diversas instituições de caridade, e Lorraine às vezes passava as tardes ajudando-a a empacotar alimentos para famílias necessitadas. Sua mãe havia sido uma mulher maravilhosa, e Lorraine sentia orgulho dela. Havia sido devotada à sua fé, uma trabalhadora incansável, uma pessoa bondosa. Inteligente, mas também generosa. Depois de mais ou menos uma hora, Lorraine desistiu de sequer tentar dormir. Sentou na cama e pegou a foto emoldurada de seus pais, que ficava na mesa-decabeceira. A fotografia mostrava uma Virgínia jovem e linda, usando um vestido solto, na altura dos tornozelos, e com uma grinalda de flores na cabeça. Os longos cabelos lisos caíam até quase a cintura. Ela segurava um pequeno buquê de flores do campo em uma das mãos e, a outra, estava entrelaçada na mão do marido. Seus olhos reluziam de felicidade enquanto ela sorria direto para a câmera. O Thomas Dancy da foto era um rapaz alto, de barba, e usava os cabelos presos num rabo de cavalo. Olhava para a noiva com uma idêntica expressão de amor e de promessas. Qualquer pessoa que visse a foto seria capaz de afirmar que os dois estavam profundamente apaixonados. Na semana anterior, quando estavam conversando sobre os planos de Lorraine para o casamento, ela havia brincado com a mãe a respeito daquela foto, chamando seus pais de hippies. Virgínia divertira-se com o comentário e limitarase a dizer: "Isso foi há muito tempo". Infelizmente, aquela era a única foto que Lorraine tinha da mãe e do pai juntos. Todas as demais haviam sido destruídas num incêndio, quando ela estava no primário. Lorraine lembrava-se do fogo, mas só deu-se conta de tudo o que havia perdido muitos anos depois. As fotografias e cartas de seus pais, as medalhas que seu pai conquistara na guerra... Lorraine sabia que Virgínia 0'Malley conhecera Thomas Dancy no primeiro ano da faculdade, e que se apaixonaram imediatamente. A guerra do Vietnã os separou, quando seu pai apresentou-se como voluntário em 1970. Ele sobreviveu à guerra e retornou como um herói. Porém, foi um ano depois que, ao fazer um exame de sangue rotineiro, algo apareceu no resultado. E descobriu-se que era
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Bestseller leucemia. Num período de seis meses Thomas estava morto e Virgínia tornou-se uma jovem viúva com uma filha. Os pais de Virgínia ajudaram-na financeiramente por muitos anos, mas ambos faleceram no início da década de oitenta. Quanto aos seus avós paternos, Lorraine jamais os conheceu. Sua mãe tinha um irmão mais novo, mas ele envolveuse com drogas e bebida, e a comunicação entre eles tornou-se cada vez mais escassa. A última vez que Virgínia tivera notícias do irmão fora há cinco anos, quando ele ligou lhe pedindo dinheiro para a fiança, e ela recusou. O único primo de Lorraine morava em algum lugar da Califórnia, e ela não ouvira falar nele desde que tinha treze anos. Em outras palavras, Lorraine estava sozinha. Completa e absolutamente sozinha. O barulho do telefone assustou-a e, virando-se na cama, ela pegou o aparelho. — Alô? — disse, ofegante, incerta do que esperar. Gary. — Estou ligando só para ter certeza de que você está bem. — Não se preocupe, está tudo certo — ela afirmou. — Quer que eu vá até aí? — Não. — Por que você não aceita que preciso de um tempo sozinha? A insistência dele a irritava. Gary não costumava agir assim. — Não acho uma boa idéia você ficar aí sozinha — ele disse. E já dissera o mesmo antes, mais de uma vez. — Sei que foi um choque terrível, mas a última coisa que você deve fazer é se isolar. — Gary, por favor. O enterro de minha mãe foi esta tarde. Eu... eu não tenho mais ninguém... Tais palavras depararam-se com uma estranha pausa. — Você tem a mim — ele disse, num tom magoado. Lorraine arrependeu-se da própria insensibilidade, ao mesmo tempo em que ressentia-se da intromissão dele. — Desculpe-me, Gary, não foi isso que eu quis dizer. Mas é que tudo ainda está doloroso demais. Preciso de um tempo para me acostumar. — Você decidiu vender a casa? — ele perguntou. Lorraine não entendia por que todos pareciam tão preocupados com o que ela pretendia fazer com a casa.
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— Eu... ainda não sei. — Seria mais sensato colocá-la à venda, não acha? Ela fechou os olhos e procurou por respostas. — Não posso tomar nenhuma decisão agora, Gary. Dê-me algum tempo. A voz dela devia ter soado impaciente, pois Gary mostrou-se imediatamente contrito. — Tem razão, querida, é cedo demais. Vamos nos preocupar com isso mais tarde. Promete que vai me ligar, se precisar de mim? — Prometo. _ Após uma rápida despedida, ela encerrou a ligação. Ao colocar o fone no aparelho, olhou no radio-relógio sobre a mesa. Ficou surpresa ao ver que mal passavam das nove horas. Para ela, era como se fosse mais de meia-noite. Deitou-se de costas e manteve os olhos fixos no teto, deixando os pensamentos vagarem para o futuro. Sua mãe não estaria presente ao seu casamento, nem presenciaria o nascimento dos netos. Virgínia Dancy quisera tanto tornar-se avó e, agora, seus netos jamais a conheceriam. Em vez de tentar lidar com mais aquele aspecto de sua perda, Lorraine refletiu sobre o inesperado telefonema de Gary. Ele salientara uma série de questões que ela ainda teria de enfrentar. A casa era algo que teria de resolver logo. Se ficasse vazia por muito tempo logo começaria a se deteriorar, isso sem mencionar o fato de que atrairia os vândalos. Gary estava certo: ela teria de resolver o que fazer. As finanças e as questões legais eram um outro problema. Ela nunca havia visto o testamento de sua mãe. Teria de lidar com uma coisa de cada vez, decidiu. Este era o conselho que Virgínia lhe dava desde que era criança, e sempre lhe valera muito bem. Um passo depois do outro. O telefonema de Dennis Goodwin, o advogado de Virgínia, aconteceu uma semana depois do funeral, quando Lorraine acabara de chegar do trabalho. Ela estivera esperando notícias dele. No funeral, Dennis lhe dissera que havia algumas questões legais que precisavam ser resolvidas, e que entraria em contato. Não iria precisar mais do que quinze ou vinte minutos de seu tempo, assegurou-lhe. Prometeu que ligaria na semana seguinte e marcaria um encontro. Fiel à sua palavra, Dennis ligou para ela exatamente uma semana depois do enterro de Virgínia.
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Bestseller Lorraine chegou ao escritório dele na hora marcada, preparada para ouvir os detalhes do testamento de sua mãe. A recepcionista cumprimentou-a gentilmente, e apertou o botão do interfone. — Lorraine Dancy está aqui para vê-lo — anunciou. No instante seguinte Dennis Goodwin surgiu na sala de recepção. — Lorraine — disse, num tom caloroso, — é um prazer revê-la. — E guiou-a até seu escritório. Lorraine sabia que Virgínia gostava muito de Dennis, e que confiava nele. Haviam trabalhado no mesmo prédio em Louisville e, durante esta época, ele lhe prestara serviços de advogado preparando seu testamento e resolvendo outros assuntos legais. — Sente-se — ele convidou. — Então, como tem passado? — Tão bem quanto pode-se esperar — ela respondeu. Já não sentia necessidade de disfarçar a própria dor a fim de confortar os outros. Aquela semana, desde o funeral, havia sido muito difícil e ela não sabia o que teria feito se não fosse pelo apoio constante de Gary. — Como você já sabe — o advogado falou, inclinando-se na direção de Lorraine —, sua mãe e eu nos conhecemos há vários anos. Ela era uma das corretoras de ações mais talentosas que conheci. Na década de oitenta, recomendou que eu comprasse ações de uma pequena empresa de Seattle, chamada Microsoft. Graças a ela, estarei em condições de me aposentar do trabalho daqui há uns dois anos. Na verdade, já poderia estar vivendo apenas com os lucros deste investimento. — Mamãe adorava o que fazia. — E ela fez alguns excelentes investimentos próprios — ele acrescentou. — Você não precisará se preocupar com as finanças por um bom tempo no futuro. Tais notícias deveriam deixá-la animada, Lorraine pensou, mas preferia mil vezes ter a mãe de volta. Nenhuma segurança financeira seria capaz de substituir o que havia perdido. Cruzou as mãos no colo e esperou que ele continuasse. — Sua mãe me procurou há quatro anos e pediu-me para redigir o testamento — Dennis falou. Saiu de trás da escrivaninha e aproximou-se de um fichário. — De acordo com os termos, você é a única beneficiária. Aliás, sob circunstâncias normais, este encontro nem seria necessário.
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Lorraine franziu a testa. — Porém, no evento de uma morte súbita, Virgínia pediu-me para falar com você pessoalmente. Lorraine recostou na cadeira. — Mamãe queria que você falasse comigo? Sobre o quê? — Sobre a faculdade de medicina. — Ah... — Ela emitiu um suspiro profundo. — Mamãe nunca entendeu porque fiz isso. O advogado arqueou a sobrancelha. — O que quer dizer? — Foi um grande desapontamento para ela, quando decidi deixar a faculdade. — E por que desistiu? Lorraine olhou pela janela, embora mal reparasse na vista. — Por uma série de motivos — murmurou finalmente, baixando os olhos para as mãos. — Eu adoro a medicina, e mamãe sabia disso, mas apesar de ter vocação para ser médica não possuo o espírito competitivo suficiente. Eu detestava o clima de competição existente na faculdade de medicina, como se apenas os mais adequados conseguissem sobreviver. Não sou assim. Talvez seja preguiçosa, não sei, mas agora tenho tudo o que desejo. — Como? O sorriso dela foi breve. — Faço quase tudo o que um médico faz, mas sem todo o dinheiro e a fama. — Creio que sua mãe compreendia isso — Dennis falou, embora Lorraine desconfiasse que não fosse toda a verdade. — Mas ela queria que você soubesse que existem fundos disponíveis, caso mude de idéia e decida voltar para a medicina. Os olhos de Lorraine ardiam por conter as lágrimas. — Ela lhe contou que fiquei noiva recentemente? — Não, ela não mencionou. Meus parabéns. — Obrigada. Gary e eu contamos a ela há pouco tempo e... — Lorraine calouse, incapaz de prosseguir. O advogado esperou pacientemente, mas ela não conseguiu recobrar a voz.
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Bestseller — Se você reconsiderar e decidir tentar a faculdade de medicina novamente, farei tudo o que estiver em meu alcance para ajudá-la. A oferta a surpreendeu. — Obrigada, mas não vou fazer isso. Não agora, quando Gary e eu estamos prestes a iniciar uma vida juntos. — Bem, eu prometi à sua mãe que falaria sobre isso, se a ocasião se apresentasse. Entristece-me muito que tenha acontecido. Em poucos minutos Dennis concluiu a explicação dos termos do testamento e entregou-lhe os documentos necessários. Depois que ela leu todos eles, o advogado passou-lhe outra folha de papel. — O que é isso? — ela indagou. — Um inventário dos documentos que sua mãe guardava na caixa-forte do banco. Fui ao banco ontem à tarde e resgatei todo o conteúdo para você. Está aqui comigo. — Dennis levantou-se e pegou um envelope de papel grosso na escrivaninha. — Quis que você soubesse que cada um dos documentos contidos nesta lista foi devidamente checado. Sabendo que era o que deveria fazer, Lorraine retirou os documentos do envelope e espalhou-os na mesa, passando a checar os itens da lista. Já havia visto, ou tinha conhecimento prévio, de tudo o que estava ali. Ou pelo menos era o que presumia, até encontrar uma carta aberta endereçada à sua mãe. Que estranho, pensou, observando os selos coloridos provenientes de outro país. — Você sabe alguma coisa sobre esta carta? — perguntou ao advogado. — Nada. Na verdade, pareceu-me estranho que Virgínia guardasse algo tão obviamente pessoal junto com os documentos relacionados a negócios e transações financeiras. — É do México — Lorraine comentou. — Sim, eu reparei. — Foi enviada há sete anos. — Ela retirou a única folha de papel contida dentro do envelope. Virou-a e leu a assinatura. Ofegando, ergueu a cabeça e arre galou os olhos para Dennis Goodwin. — Você... você tem certeza de que não sabia sobre isso? — Sentia-se incapaz de ocultar o choque. — Lorraine, não sei nada sobre esta carta. Eu era o advogado de sua mãe, não o seu confidente. O que ela decidia guardar no cofre do banco não tinha nenhuma relação com meu trabalho de advogado.
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Bestseller Lorraine recostou-se na cadeira e levou a mão à garganta. — Pode... pode me arrumar um copo de água, por favor? — Sentia a boca terrivelmente seca, e a voz soou rouca. Aquilo não podia ser verdade. Não podia ser real. Era uma loucura! — É claro, já volto. — Dennis saiu da sala e retornou rapidamente trazendo um copo descartável com água. Lorraine bebeu vários goles antes de fechar os olhos, tentando assimilar o que acabara de saber. — Lamento se algo a deixou tão abalada — Dennis falou. — Você não leu mesmo esta carta? — ela indagou, trêmula. — Não, evidente que não. Seria uma tremenda falta de ética se eu o fizesse. Lorraine esperou um instante, tentando recobrar o controle o bastante para falar num tom sem emoção. — Ao que parece, Dennis — disse, então, mais calma, — meu pai não está morto, no fim das contas.
CAPÍTULO II
O pesadelo fez com que Thomas Dancy despertasse de um sono profundo. Ele abriu os olhos e encheu de ar os pulmões. Uma brisa soprava pela janela aberta do quarto e os raios da lua cheia de abril espalhavam sua luz fria. É apenas um sonho, ele disse a si mesmo. Um sonho que o assombrava periodicamente. Era sempre o mesmo e, apesar da passagem de quase trinta anos, sua intensidade não fora diminuída. Thomas relembrava cada detalhe escruciante, e sempre despertava no mesmo ponto, tremendo de medo e terror. E novamente, como fazia todas as vezes, sentiu-se imensamente aliviado pelo fato de ser apenas um sonho. Mais uma vez, lembrou a si mesmo de que o pior havia passado. Fora até o inferno, certa vez, e sobrevivera. Thomas afastou as cobertas e sentou na beirada do fino colchão enquanto a escuridão e os resquícios do pesadelo fechavam-se em torno dele. Mesmo agora
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Bestseller que estava completamente desperto, o medo recusava-se a abandoná-lo, parecendo ter penetrado em seus ossos. Ele sofrera tantas perdas no passado, no início dos anos setenta. As perdas mais profundas haviam sido da sua esposa e de sua filha, mas o sonho não tinha nada a ver com elas. Num esforço para combater a depressão que ameacava envolvê-lo — um legado que o sonho sempre lhe deixava — formou uma imagem mental de Ginny e da pequena Raine no dia em que ele partira para o Vietnã. Ginny era tão jovem, tão linda. Seu rosto estivera coberto pelas lágrimas enquanto segurava a filha deles nos braços. Apesar de tudo o que dera errado nos anos que se seguiram, aquela imagem específica jamais deixara de iluminar seu coração. Ela fora ao aeroporto para despedir-se dele, que partia para a guerra. Uma guerra que ele não entendia e na qual não tinha o menor desejo de lutar. Quase morrera apenas por ter de deixar a família naquele dia. Mas, no final, fora ele quem acabara matando. A culpa irrompeu dentro dele e Thomas balançou a cabeça, recusando-se a permitir que os pensamentos seguissem por este rumo. Esfregou o rosto com as mãos, como se pudesse apagar os últimos resíduos do sonho, e todas as lembranças que este trazia consigo. E não conseguiu. O tremor atingiu-o novamente e, levantando-se, foi até a janela e ergueu os olhos para a noite. Admirou o reflexo da lua sobre as águas calmas da baía, a distância. Precisava de algo que o fizesse lembrar que a guerra, e todas as suas conseqüências, já estavam num passado distante. À medida que as lembranças da guerra desapareciam, davam lugar aos pensamentos sobre Ginny. Apesar dos anos, e de ter sido abandonado por ela, Thomas ainda a amava. Havia construído uma nova vida para si mesmo ali em El Mirador, e passara a considerar o México como o seu verdadeiro lar. Era um homem simples, vivendo uma vida simples. Jamais seria rico, mas, enfim, o dinheiro não era importante para ele. Ginny havia compreendido isso. Ginny... Mais cedo naquela mesma noite, antes que os sonhos tivessem se transformado em terríveis imagens e sons de uma guerra brutal, sua esposa havia aparecido para ele. Thomas a vira como se ela tivesse vinte anos, e o amor entre eles era tão real quanto o batente da janela sob seus dedos.
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Bestseller Sentiu o coração pulsar de alegria ao som do nome dela em sua mente. Lembrou-se da primeira vez em que a vira, no campus da universidade, e como a descartara julgando-a "certinha" e virginal demais. Porém, o clichê sobre os opostos que se atraem certamente foi verdadeiro no caso deles. Thomas havia abraçado as crenças dos anos sessenta — como o "poder jovem" e "liberdade para tudo" — ideologias que ela encarava com desprezo. Porém, acabaram freqüentando o mesmo curso de inglês e sentando um ao lado do outro. Thomas encarregou-se de quebrar a barreira que ela erguera entre si própria e o mundo, pois Ginny era um desafio que ele não conseguia resistir. Não fora essa sua intenção, mas, antes mesmo que percebesse, havia se apaixonado por ela. E Ginny por ele. Um sorriso lento relaxou os músculos tensos do seu rosto, ao recordar a primeira vez em que dormiram juntos. Ela era totalmente inocente e, embora ele estivesse bem longe da virgindade, aquela tarde com Ginny fora a primeira vez em que realmente fizera amor. A sinceridade do ato de amor o transformara para sempre. Por instinto, soubera que, a despeito de todas as suas antigas amantes, ela era a única mulher a quem ele realmente amava. Queria casar-se com ela. Seus sentimentos não tinham nada a ver com religião, e tudo a ver com o coração. Encontravam-se todos os dias depois das aulas e arriscavam-se loucamente para ficar juntos, fosse no alojamento dele, ou no dela. Depois que começavam a fazer amor, era impossível parar, e a necessidade física que sentiam um pelo outro crescia a ponto de sobrepujar qualquer senso de responsabilidade. Ele percebera que Ginny estava grávida muito antes de ela própria suspeitar. Como boa católica que era, Ginny recusava-se a usar métodos anticoncepcionais. E, Deus sabia, ele bem que tentara não engravidá-la... Mas Ginny tinha um jeito de envolver as pernas em torno dele, levando-o aos limites da loucura, impedindo que ele se retirasse antes do final. Era como se tentasse engravidar, propositalmente. Naquela época, Thomas havia alugado um apartamento de dois cômodos, fora do campus. A única peça de mobília consistia de um colchão muito gasto, colocado num canto do quarto. Quando cozinhavam, era num pequeno fogareiro. Mas a falta de bens materiais não os deixava nem um pouco preocupados. Estavam apaixonados demais para importarem-se com isso.
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Bestseller A família conservadora de Ginny ficou chocada ao ver as mudanças em sua aparência, quando ela foi para casa nas festas de fim de ano, levando-o a reboque. Os cabelos dela iam até a cintura e seus trajes limitavam-se a longos vestidos de algodão e sandálias. Os pais de Ginny não haviam gostado dele, e gostaram ainda menos ao descobrirem que ele havia engravidado sua filha antes tão estudiosa e dedicada. Thomas não ficou surpreso quando a família dela foi totalmente contra o casamento. E uma das coisas que mais o aborreciam, nos anos que se seguiram, era o conflito que havia provocado entre Ginny e sua família. Eles próprios escreveram seus votos de casamento e, por insistência de Ginny, encontraram um simpático padre que concordou em fazer a cerimônia. O ato de amor que fora ótimo antes do casamento, tornou-se maravilhoso depois. Com uma esposa para sustentar e um bebê a caminho, Thomas vira-se obrigado a desistir da faculdade e arrumar um emprego de tempo integral. A princípio, havia considerado seriamente seguir a carreira de medicina, mas este fora um sonho improvável. Tanto ele como Ginny sabiam disso. Além do mais, a única forma com que poderia freqüentar a faculdade de medicina seria obtendo uma bolsa, e suas notas haviam caído muito desde seu envolvimento com Ginny. Ainda assim, ele não teria trocado seu casamento nem por uma bolsa integral na melhor faculdade de medicina do país. Embora vivessem num nível de quase pobreza, Thomas e Ginny eram extremamente felizes. Quando Lorraine nasceu, ele ficou ao lado de Ginny pelo tempo que os médicos lhe permitiram, e sentiu-se péssimo quando não deixaram que a acompanhasse até a sala de parto. Quando a enfermeira informou-o de que ele tinha uma filha, Thomas prorrompeu em lágrimas de alegria. Seu coração jamais conhecera aquele tipo de felicidade. Dois dias depois que levaram Lorraine para casa, Thomas entrou num escritório de recrutamento do Exército e entregou sua vida ao "Tio Sam". Não era o que queria mas, na verdade, não tinha outra escolha. E quando vestiu o uniforme, mal sabia o quanto estava prestes a perder. O pesadelo que o perseguia era sobre o Vietnã. Por vezes incontáveis ele relembrava aquele dia em que segurara David William em seus braços, num arrozal manchado de sangue, e o vira morrer. Fora completamente impotente para fazer qualquer coisa, exceto gritar de angústia e desespero. Thomas escrevera para Ginny contando sobre David, mas as palavras eram incapazes de descrever sua perda. Mais do que um amigo morrera naquele dia. Uma parte de Thomas Dancy havia morrido também. O jovem que ele fora um dia,
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Bestseller o rapaz de vinte e um anos que acreditava no poder do amor e da bondade, tam bém sangrara até a morte naquele campo de arroz. Daquele dia em diante, ele tornou-se capaz de matar sem que isso lhe pesasse na consciência. Thomas fora para a guerra como um garoto, tentando ganhar o sustento de sua família, e retornara como um assassino. Fora necessário muito amor da parte de Ginny para apagar o terror e o horror daqueles longos meses no Vietnã. A meio caminho de sua volta, Thomas partira para o Havaí de licença e nunca mais voltou para a guerra. Desprezava o homem que havia se tornado. O Exército referia-se a ele como desertor, mas Thomas sabia que o fato de fugir havia salvado sua vida. Ele teria enlouquecido, se tivesse voltado. Escondeuse em San Francisco por algum tempo e Ginny foi ao seu encontro, amando-o, devolvendo-lhe a sanidade. A amargura e o ódio dentro dele foram aos poucos desaparecendo, até que estivesse quase inteiro novamente, quase capaz de tirar da memória todos os horrores que presenciara. Porém, sentia uma obrigação moral de salvar outros homens dos horrores que ele experimentara. Em vez de fugir para o Canadá, como muitos antes dele haviam feito, tomou para si a missão de trabalhar para que a guerra acabasse. Reuniu-se a um grupo de extremistas e fez amizade com seu líder, José Delgado, cuja família vivia no México. Desde que Thomas possuía alguma fluência em espanhol, depois de quatro anos de estudos, José insistia para que falassem nesse idioma, quando discutiam seus planos. O que começara como uma medida de segurança acabou se tornando uma necessidade. — Thomas? Relutante, ele virou-se ao ouvir o som de seu nome. — Foi o sonho, novamente? — Azucena perguntou, num sussurro. Ele assentiu, sem querer explicar que seus pensamentos estavam em Ginny e na filha que já não conhecia mais. Azucena saiu da cama e aproximou-se dele, os pés descalços tocando silenciosamente o piso de pedras. — Volte para a cama — ela pediu, falando em espanhol, enquanto enlaçavalhe a cintura. — Já vou — ele prometeu, relutando em abandonar as lembranças. — Venha — ela insistiu, espalmando a mão em seu peito. — Vou ajudá-lo a esquecer do pesadelo. — Azucena...
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Bestseller A resposta dela não precisou de palavras. Beijou-o no pescoço e pressionou os seios contra ele. Thomas precisava dela agora, como precisara tantas vezes antes. Apesar da gravidez avançada de Azucena, ele beijou-a com ardor, e ela respondeu com uma paixão que rapidamente acendeu o desejo dele. Antes que Thomas pudesse impedir, ela puxou-o para a cama e aconchegou-se em seu corpo. Azucena merecia um homem muito melhor do que ele jamais seria. Merecia alguém que a amasse completamente, um homem que pudesse dar um nome ao bebê que crescia dentro dela. Thomas sentia-se envergonhado ao pensar que Azucena era apenas dois anos mais velha do que sua própria filha, mas isso não o impediu de mergulhar entre suas coxas generosas. No momento do alívio final, ele gritou o nome de Ginny. Não foi pela primeira vez e, ele suspeitava, não seria a última.
Lorraine havia lido a carta tantas vezes que já a memorizara. Também desistira de dormir em seu apartamento e, em vez disso, passava as noites na casa da mãe. Enquanto estava ali, dormia muito pouco. Exausta e com raiva, sentava-se na sala de estar noite após noite, e tentava entender o que descobrira. Estava vagamente consciente de que mais ou menos duas semanas tinham se passado, desde aquela tarde no escritório de Dennis Goodman. O dia amanhecia e os raios luminosos do sol penetravam na sala, e Lorraine ainda não dormira. O máximo que conseguia era cochilar por uma ou duas horas. O sono profundo e satisfatório, daqueles em paz com a vida, parecia para sempre perdido para ela. A mãe que conhecera e amara era alguém cuja existência havia, literalmente, desaparecido. Virgínia — ou a pessoa que ela fingia ser — estava completamente fora de alcance, agora. Seus atos estavam além da compreensão de Lorraine, ou de seu perdão. Lorraine sentia-se como se as bases do seu mundo estivessem rachando sob seus pés. Embora soubesse cada palavra da carta de memória, tirou-a do envelope e leu-a mais uma vez.
Minha querida Ginny, Hoje nossa filha completa vinte e um anos. Como o tempo passou tão depressa? Parece que foi ontem que fiquei balançando Raine em meus joelhos,
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Bestseller ou que cantei para ela dormir. Sofro muito em perceber o quanto da vida dela eu perdi. Sei que não quer saber disso, mas nunca deixei de amá-la, nem de precisar de você. Gostaria que as coisas tivessem sido diferentes para nós. Agora, tudo o que lhe peço é que conte a verdade sobre mim para Raine. Nós tomamos juntos a decisão de dizer a ela que eu estava morto. Na época, pareceu ser a coisa mais certa a fazer, mas me arrependi disso todos os dias, desde então. Você sabe. Sabe também que sou um homem de palavra. Fiz o que você queria e afastei-me de suas vidas, mas agora lhe imploro para que conte a verdade à Raine. Toda a verdade. Ela é legalmente adulta e tem idade o bastante para julgar por si mesma. Estou lecionando numa pequena escola, numa cidade costeira chamada El Mirador, na Península de Yucatán. Você pode ligar para o número que está anotado no fim da página, é do telefone da escola onde trabalho e eles me darão o recado. Você está bem, Ginny? Será que fica acordada à noite e pensa em mim, como eu penso em você? Está feliz? Eu rezo sempre por você, para que tenha encontrado a paz em seu coração. Vou amá-la para sempre. Thomas.
Três verdades atingiam Lorraine com toda força, a cada vez que relia a carta. Primeiro, e principalmente, apesar de tudo o que lhe fora dito, seu pai estava vivo e bem. Segundo, ele a amava. E por último, e o que tivera o maior impacto sobre ela, sua mãe havia lhe mentido durante todos aqueles anos. Uma sonora batida na porta da frente arrancou Lorraine dos pensamentos. Não ficou surpresa ao ver Gary parado na soleira da porta. — Achei mesmo que você estaria aqui. — Ele passou os olhos pela sala, reparando na bagunça. — Que horas são? — ela perguntou, embora fosse obviamente de manhã. — Você deveria estar no trabalho há uma hora. — Já é tão tarde? — ela perguntou. Vagueou pela sala, pegando os livros, papéis e fitas de vídeo que estavam espalhados no chão, e arrumando-os ordenadamente na estante. Faria qualquer
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Bestseller coisa para evitar encará-lo. Qualquer coisa para adiar o momento de dizer a ele o que estivera fazendo. — Não sei mais o que fazer para ajudá-la, Lorraine — ele disse, erguendo as mãos num gesto de impotência. Quando ela não respondeu, Gary foi para a cozinha, abriu o armário e retirou uma lata de café. Lorraine o seguiu. — Talvez fosse uma boa idéia você se vestir para trabalhar — ele sugeriu, enfático. Em vez de discutir com ele, Lorraine preferiu obedecer. Tomou um banho rápido e vestiu o uniforme, embora não tivesse a menor intenção de aparecer na clínica. O aroma de café fresco recebeu-a quando voltou à cozinha, e Gary entregou-lhe uma caneca cheia. — Vamos conversar — ele disse, indicando-lhe para que sentasse à mesa. Mais uma vez ela concordou, pois brigar com ele exigiria muita energia. Gary sentou-se à sua frente. — Minha querida, sei que tudo isso é difícil, mas você precisa continuar com sua vida. Ela não fingiu não saber sobre o que ele estava falando. — Sei disso, Gary, e é o que vou fazer. — Já é um bom começo. — Ele bebeu um gole de café e suspirou pesadamente, como se estivesse temendo aquele confronto. — Você tem agido de forma muito estranha, desde aquele encontro com o advogado de sua mãe. — Eu sei. Ele hesitou, como se não soubesse se deveria pressioná-la. — Entendo que tenha ficado aborrecida com aquela carta. Que diabos, qualquer pessoa ficaria, mas você precisa encarar a realidade. Passar as noites aqui, ficar assistindo as mesmas fitas de vídeo repetidas vezes não vai ajudar em nada. — Fez uma pausa e mudou de tática. — Já se passou um mês, e parece que você ainda não aceitou a morte de sua mãe. — Você está certo, Gary. Ainda não aceitei — ela concordou, segurando a caneca com as duas mãos, deixando o calor penetrar em suas palmas. De alguma forma, conseguia sair para o trabalho quase todos os dias, mas várias vezes se atrasara. Vezes sem conta sentava-se diante da tevê e fugia da
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Bestseller realidade vendo seus filmes preferidos. Filmes que sua mãe também gostava: romances, aventuras, suspense, qualquer coisa que afastasse sua mente das mentiras que Virgínia lhe dissera. Mentiras que sua mãe e seu pai haviam conspirado. — O que você tem feito aqui, todas as noites? — Gary perguntou. — Além de assistir os filmes de Humphrey Bogart e Cary Grant? — O que tenho feito? — Lorraine repetiu. Parecia que ele precisava apenas olhar em volta, para ter a resposta. Gary lançou um olhar para a sala e franziu a testa. Lorraine tentou ver a casa através dos olhos dele, e teve de admitir que sua aparência deveria ser um choque. Ela sempre fora tão organizada e limpa quanto a mãe. As duas eram excelentes donas de casa, mas nos últimos dias Lorraine estivera praticamente esmiuçando cada cômodo. A casa estava numa bagunça total. — O que está tentando provar? — ele perguntou. Lorraine ficou atônita com tal falta de compreensão. — Não estou tentando provar nada. Apenas esperava encontrar mais alguma coisa que minha mãe estivesse querendo esconder de mim. Gary fitou o vazio, como se fosse necessário algum esforço para assimilar as palavras dela. — Não quero que me entenda mal, Lorraine, mas já pensou em conversar com alguém? Com um... profissional? — perguntou, cauteloso. Arriscou-se a olhar em sua direção. — Você está se referindo a um psiquiatra? — Bem... sim. Ela não pôde evitar uma gargalhada. — Está pensando que cheguei "no fundo do poço"? Acha que estou maluca? Enquanto a risada transformava-se num risinho, Lorraine refletiu que Gary n ão estava assim tão longe da verdade. Às vezes a sensação de dor e de ter sido traída era tão intensa que ela sentia-se sufocar. Seus pais, especialmente sua mãe, tinham optado por mentir para ela, e isso era incompreensível. — Sei como deve ser difícil para você — Gary acrescentou, falando mais rápido. — Estou tentando entender, e sei que todos os seus colegas do Group
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Bestseller Wellness também estão, mas há um limite para o quanto as pessoas podem ser compreensivas, enquanto você lida com seus problemas. — Concordo com você. Os olhos dele revelaram sua desconfiança. — Concorda? — Vou tirar um mês de licença do trabalho. — Um mês? — Gary surpreendeu-se. — Tanto tempo assim? Creio que uma ou duas semanas seriam suficientes, não acha? — Não para o que pretendo fazer. — Pensei que tínhamos decidido poupar nosso período de férias ao máximo, para sairmos em lua-de-mel, e... — Ele calou-se no meio da frase e estreitou os olhos. — O que você pretende fazer? Está planejando alguma coisa? — Vou visitar o meu pai. Um instante se passou, antes que ele falasse. — Quando? — Reservei uma passagem para as sete da manhã, na terça-feira. Gary encarou-a como se não a reconhecesse mais. — Quando decidiu fazer isso? — A voz dele estava calma, e Lorraine sabia que isto era um sinal de que estava com raiva. — Na semana passada. Quando comprara a passagem, ela sabia que Gary não aprovaria. E este fora um dos motivos por não tê-lo avisado de seus planos antes. — Entendo — ele disse, num tom de garotinho magoado. Pegou a caneca e bebeu um longo gole de café. — Liguei para a escola onde ele trabalha e falei com a secretária. — A comunicação fora difícil, mas a mulher falava o idioma de Lorraine muito melhor do que ela própria falava espanhol. O silêncio de Gary foi um comentário suficiente, mas Lorraine apressou-se com os detalhes, esperando acertar tudo entre eles antes de partir para o México. Não queria magoar nem ofender Gary, mas tinha de ver seu pai, falar com ele frente a frente. Tinha de descobrir qual fora o motivo que o levara a separar-se de Virgínia. E por que ambos tinham decidido fazê-la acreditar que ele havia morrido. Teria de
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Bestseller haver uma explicação lógica para tal mentira, e ela rezava por isso. De todas as emoções que ele revelara em sua carta, a mais forte fora o amor, por ela e por Virgínia. E, durante todos aqueles anos, eles a privaram desse amor. Por quê? — Você falou com seu pai? — Gary perguntou, num tom sem emoção. Ela hesitou antes de responder, sabendo que Gary encontraria falhas nesse aspecto de seu plano. — Não diretamente. — Entendo. — O número que eu tinha é do telefone da escola onde ele trabalha. — Foi o que entendi. — Gary soava extremamente aborrecido, agora. — E ele estava dando aulas, na hora em que liguei — Lorraine continuou. Certamente, isso fazia todo sentido. — Deixei um recado informando o horário do meu vôo, e pedi que ele fosse esperar-me no aeroporto. — E depois ele retornou sua ligação? Ela tornou a hesitar. — Não exatamente. Gary deu uma risadinha. — É uma pergunta simples, Lorraine. Ou ele retornou a ligação, ou não retornou. Aquela conversa tinha tomado um rumo insatisfatório, desde o início. — Não estou gostando do seu tom de voz, Gary. Esperava que você me desse algum apoio. Ele emitiu um suspiro longo e sofrido. — Só gostaria que você tivesse falado comigo primeiro. — Desculpe-me — ela disse, e era sincera. — Reconheço que tudo isso é injusto com você, mas tenho que descobrir o que realmente aconteceu entre meus pais. Meu pai está vivo, e quero ter a chance de conhecê-lo... de falar com ele, de saber por que eles acharam que era necessário mentir para mim. Você entende isso, não é? Ele demorou um pouco para responder. — Entendo, sim — admitiu, com evidente relutância.
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Bestseller — Mas, como eu disse, gostaria que você tivesse me incluído em sua decisão. Nós estamos noivos. Imaginei que você gostaria de conversar comigo, antes de marcar esta viagem. — Eu vou visitar meu pai, e não abandonar meu emprego. — Tirar um mês de licença poderá... ter conseqüências — ele falou. — O que quer dizer com isso? — Estou me referindo à nossa viagem de lua-de-mel — Gary disparou. — A Group Wellness não lhe dará um mês agora, e depois mais duas semanas daqui a dois meses. — Cinco meses. — Que seja. — Gary, por favor. Tente ver as coisas pelo meu ponto de vista. — Veja você do meu ponto de vista. — Querido, sinto muito — Lorraine falou. — Eu esperava que você compreendesse. Tenho de fazer isso antes de prosseguir com minha vida... com nossas vidas. Ele assentiu lentamente, como se o fato de concordar com a viagem fosse um presente. — Ainda gostaria que você tivesse falado comigo antes. Eu poderia ter mudado meus próprios planos e acompanhá-la. Acompanhá-la? Nem por uma vez Lorraine havia pensado em pedir a Gary que fosse com ela. Mas, de qualquer forma, ele não teria concordado, pensou com alívio. Não agora, quando fora recentemente promovido e ainda estava treinando seu substituto. Mas esse não era o verdadeiro motivo, e ela sabia disso. Amava Gary, porém não queria a companhia dele. Aquela jornada ao passado da família seria uma aventura única e exclusivamente sua.
Não foi nada fácil para Gary Franklin aceitar a idéia de permitir que Lorraine viajasse sozinha para o México. Ele amava a noiva e sabia que aquele era um momento difícil e tumultuado para ela. Porém, uma boa mostra do amor que lhe dedicava foi sua disposição de ficar de lado e deixá-la voar sozinha. E não apenas isso, também oferecera-se para levá-la ao aeroporto, o que significara ter de acordar às quatro da manhã. Olhou no relógio do painel do carro, vendo que
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Bestseller faltavam quinze minutos para as cinco. Haviam discutido aquela viagem por vezes incontáveis, desde a manhã em que ela lhe dera a notícia, e ele estava convencido de que era um grande erro. Mas Lorraine não queria ouvir isso, e havia parado de escutá-lo. Embora a única intenção dele fosse protegê-la, evitar que sofresse mais, Lorraine recusava-se a considerar qualquer outro resultado senão um encontro maravilhoso com o pai que jamais conhecera. Gary sempre admirara o bom senso de Lorraine mas, naquela desagradável questão, ela demonstrava bem pouco disso. Gary gostara muito de Virgínia, e sua morte também o deixara bastante abalado. Respeitara a mãe de Lorraine pela sua perícia nos negócios e pela maneira com que trabalhava num ramo ainda quase totalmente dominado pelos homens. Acima de tudo, confiava no julgamento dela. E, desde que ela havia decidido mentir a Lorraine acerca de seu pai, ele imaginava que deveria ser por um bom motivo. Gary temia que, fosse qual fosse a razão, Lorraine não iria gostar de saber, e acabaria sofrendo ainda mais. Além da má vontade que Lorraine demonstrava em relação aos seus conselhos, Gary não podia evitar de ressentir-se com o fato de que ela não desejava a sua companhia. Nem mesmo tentara esconder isso, o que o deixara magoado. Ele estacionou o carro e afastou tais pensamentos, enquanto encaminhava-se para a casa. — Está pronta? — perguntou quando Lorraine abriu a porta. Ela assentiu. Pelo menos não estava levando bagagem demais, ele reparou, apenas uma mala de tamanho médio. Lorraine não era como certas mulheres que achavam necessário carregar nas viagens cada peça de roupa que possuíam. Também parecia vestida de acordo, com um conjunto de calça e casaquinho de linho branco, os cabelos loiros puxados para trás. Parecia um tanto insegura, mas obviamente determinada a ir em frente, não importava o que acontecesse. — Pegou o passaporte? — Sim. — Cheques de viagem? Ela assentiu. — Repelente de insetos? — Gary! Parece que você está falando com uma criança que vai acampar pela primeira vez!
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Bestseller Ele não havia pensado nisso, mas provavelmente ela estava certa. — Desculpe-me — disse, sorrindo. O trânsito estava tranqüilo àquela hora da manhã, e o trajeto para o aeroporto não demorou muito. Gary insistiu em acompanhá-la até o portão de embarque e, então, ficaram os dois ali esperando, sem saber o que dizer. — Não quero que você se preocupe — ela murmurou, afinal. — Vou tentar. Você me telefona? Lorraine hesitou e encolheu os ombros de leve. — Não sei como é a situação dos telefones em El Mirador. Mas desconfio que o único telefone da cidade seja aquele da escola. Gary gostaria que ela não o lembrasse do quão primitivo aquele vilarejo provavelmente seria. — Mas vou escrever — ela prometeu. — E vou telefonar, se for possível. — Ótimo. — Ele teria de se contentar com isso. O embarque foi anunciado e Gary ficou ao lado dela até o último minuto. Abraçaram-se, beijaram-se, e ele segurou-a por um longo momento, antes de se afastar, enquanto ela desaparecia no longo túnel que levava ao avião. Mesmo quando não podia mais avistá-la, Gary permaneceu parado ali. Apesar do otimismo de Lorraine, não conseguia afastar a sensação de que tudo — em sua vida e na dela — estava prestes a mudar.
CAPITULO III
Jack Keller jamais considerou-se um grande pescador. Porém, o fato de ser o proprietário de um barco de cruzeiro a diesel, de trinta e dois pés e cabine dupla, fazia quase tanto sentido quanto tudo mais em sua vida, que era muito pouco. Ele havia se "aposentado" como mercenário, tendo abandonado o jogo de vida e morte enquanto ainda estava ganhando. Ao final de cinco anos neste trabalho, estava enjoado de tudo aquilo. Enjoado dos resgates discretos e corporativos nos
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Bestseller quais a Companhia de Libertação se especializara. Jack se cansara de combater grupos de terroristas extremistas e governos corruptos que usavam pessoas inocentes num jogo cruel de ganância e vingança. Entretanto, fora muito bem pago pelas suas habilidades e conseguira economizar uma boa quantia. A maior parte fora sabiamente investida, e com os lucros da venda de seu apartamento em Kansas City, ele poderia viver confortavelmente no México até a velhice. Envelhecer nos trópicos era uma idéia que o agradava. Ser completamente livre e independente, esse era seu objetivo. O barco era uma espécie de bônus que ele não havia esperado. Um legado do destino vindo através de Quinn McBride, um amigo cuja vida ele salvara dez anos atrás. Jack estava morando a bordo do Scotch on Water nos últimos três anos. Permanecera no Golfo no México pela maior parte deste tempo, ancorando aqui e ali, fazendo novos amigos. Dentre estes, a amizade mais forte era com Thomas Dancy, outro americano expatriado que vivia na pequena cidade costeira de El Mirador. Embora Thomas fosse cerca de quinze anos mais velho que Jack, os dois partilhavam uma boa camaradagem e um profundo amor pelo país que haviam adotado. Thomas era um homem cheio de segredos, porém Jack também tinha a sua quota. E foi por causa de Thomas e Azucena que Jack havia permanecido algum tempo em Yucatán. Nas últimas semanas, no entanto, decidira expandir seus horizontes. Estivera pensando seriamente em seguir na direção de Florida Keys, parando em alguns daqueles pequenos paraísos caribenhos ao longo do trajeto. Ouvira dizer que as pessoas ali eram amigáveis, e não era nada mau saber que as mulheres eram lindas. Ou, então, talvez retornasse a Belize. Havia ancorado no porto de Belize várias vezes e ficara impressionado com a beleza do país. Seus dólares americanos eram sempre bem-vindos, isso não era um problema. As mulheres eram calorosas e amigáveis — e havia uma bela señorita que, com certeza, ficaria contente em revê-lo. Jack não conseguia lembrar-se do nome dela, mas sem dúvida esse problema se resolveria quando chegasse a hora. Flórida ou Belize, ele teria de decidir. Mas antes de acertar o roteiro para qualquer um desses destinos, precisava comprar mantimentos e também checar sua correspondência. Não que estivesse esperando receber alguma coisa. Não tivera notícias de Cain, Murphy ou Mallory em várias semanas, mas ele tampouco era do tipo de manter contato constante com os velhos amigos. Sua vida de mercenário pertencia ao passado. Agora, tinha muito pouco em comum com os homens que fizeram parte da Companhia de Libertação. Seus
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Bestseller amigos estavam casados, agora, e pelo que Jack sabia, acostumados à vida doméstica e rotineira. Para ele, no entanto, isso não servia. Parado no convés, com o sol em seu rosto e a brisa fazendo esvoaçar a camisa aberta em seu peito bronzeado, Jack manobrou o Scotch on Water na direção oeste. Consultou o mapa e viu que não estava muito longe de El Mirador. Uns dois meses haviam se passado, desde a última vez que bebera uma cerveja com Thomas. Azucena devia estar prestes a dar a luz ao bebê, se a memória não lhe falhava. Talvez pudesse chegar a tempo do feliz acontecimento, e comemorar com o satisfeito papai. Aquele seria o terceiro filho de Thomas e Azucena em seis anos. Bom Deus, Thomas era tão rápido quanto Cain e Murphy, mas pelo menos tinha uma desculpa. Azucena era católica tradicional, e não aceitava o controle de natalidade. Sexo sem casamento, tudo bem. Controle de natalidade, nem pensar. Era uma lógica interessante, Jack pensou sorrindo. Durante uma de suas visitas, Thomas lhe confessara o quanto ficara contrariado na primeira vez que Azucena engravidara. Ao que parecia, nos anos seguintes ele acabara acostumando-se à paternidade. Por isso, Thomas enfatizara, Jack também poderia acostumar-se, se tivesse uma mulher de sangue quente como Azucena aquecendo sua cama. Havia algum motivo que impedia Thomas de casar com ela, um motivo do passado. Ele mencionara este fato certa vez, mas jamais explicara o por quê. Alguns anos atrás, tolo como era, Jack chegara a considerar seriamente o casamento. Agora, achava até difícil acreditar nisso, mas realmente estivera pronto para entrar "de cabeça" no pacote completo: esposa, família e casa no subúrbio. Felizmente escapara daquela armadilha... mas na época não se sentira nada feliz. Na verdade, sentira-se rejeitado, quando Marcie não aceitara seu pedido. O que mais o magoava era saber que ela se casara com um encanador chamado Clifford, meses depois. E, ainda hoje, para ele era um mistério imaginar que uma mulher tão inteligente e sexy como Marcie tivesse encontrado a felicidade ao lado de um sujeito tão lerdo e sem imaginação, e ainda por cima chamado Clifford. Mas eles pareciam felizes. Jack admirava-se com isso, mas tinha de admitir que sentia-se aliviado, pois realmente desejava que Marcie fosse feliz. Havia recebido cartões de Natal com fotos dela e de Clifford, nos últimos dois anos. A primeira foto exibia Marcie postada orgulhosamente ao lado de seu marido alto e corpulento, com uma barriga que parecia chegar até o outro lado da sala. Ela parecia estar grávida de dez meses. O cartão de Natal do ano seguinte explicava
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Bestseller por quê. Gêmeos. Jack esquecera os nomes das crianças mas, pelo que se recordava, eram bastante comuns. Billy e Bobby, ou algo neste gênero. O que ele mais se lembrava era como Marcie parecia feliz. Seu rosto reluzia de alegria enquanto segurava nos braços um dos bebês, e Clifford aconchegava o outro. Jack mantinha a foto guardada em seu barco, como um lembrete de que Marcie fizera a escolha certa ao não se casar com ele. Exceto por este episódio muito breve, há tempos Jack se convencera de que não era talhado para o casamento. Não, nem de longe. Não estava interessado em acomodar-se ao lado de uma mulher, nem em entregar-se a toda aquela baboseira doméstica. Gostava de sua vida livre e despreocupada, e não queria ninguém atormentando-lhe a cabeça. Ou o coração... Não havia dúvidas de que o fato de Marcie ter escolhido Clifford para se casar fora muito melhor. Jack teria sido um marido relapso, mas havia vezes, embora poucas e esparsas, em que imaginava o que teria acontecido se Marcie tivesse aceitado seu pedido. Iria beber uma cerveja em homenagem a ela, Jack decidiu, franzindo o rosto para o vento. Em honra de Marcie e da sorte que ele tivera em escapar.
O Boeing 767 aterrisou em Mérida, na Península de Yucatán, no início daquela tarde. Ao sair da aeronave, Lorraine perscrutou o balcão da alfândega, esperando que o pai tivesse recebido seu recado e a carta que ela enviara, e estivesse ali aguardando sua chegada. A única fotografia que tinha dele era aquela do casamento, que o mostrava de barba e cabelos compridos. Ele teria cinqüenta anos agora, e Lorraine não fazia idéia se conseguiria ou não reconhecê-lo. O mapa guardado em sua bolsa mostrava que El Mirador ficava a cerca de cento e vinte quilômetros de Mérida. Ela olhava em volta, ansiosamente. A liberação da alfândega demorou um tempo enorme, com muita gente reclamando da lentidão desnecessária. Pelo que Lorraine conseguiu entender, o pequeno gabinete da alfândega estava com falta de funcionários devido a um assalto a algum museu. Aparentemente, todos os funcionários disponíveis estavam verificando a bagagem das pessoas que deixavam o país. Depois do que lhe pareceu uma eternidade, foi liberada. Pegou sua mala e examinou cuidadosamente o saguão de espera, mas não viu ninguém que tivesse sequer uma semelhança remota com o homem da fotografia.
Debbie Macomber
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Bestseller — É hora do plano B — murmurou consigo mesma, grata por ter pensado nisso com antecedência. Atravessou o saguão na direção do balcão de aluguel de carros. — Em que posso ajudá-la? — a jovem no balcão perguntou. — Ótimo — disse Lorraine, abrindo a bolsa para pegar a carteira de motorista. — Você fala a minha língua. — Sim — a jovem enviou-lhe um sorriso gentil. — Preciso alugar um carro. — Muito bem. — Mas não tenho certeza de quanto tempo vou precisar dele. Talvez seja por um mês, a não ser que exista um local em que eu possa devolvê-lo perto de El Mirador. O sorriso amigável desapareceu quando Lorraine mencionou o nome da cidade. A jovem olhou por sobre o ombro e disse algo em espanhol, que Lorraine não entendeu. No mesmo instante uma outra mulher reuniu-se à jovem no balcão, parecendo ser a gerente. As duas falaram num rápido espanhol, e embora Lorraine reconhecesse algumas palavras, não conseguiu captar o assunto da conversa. Quando terminaram, a garota com o sorriso de anúncio de pasta de dentes vírou-se serenamente para Lorraine. — Sinto muito, mas minha supervisora disse que não há nenhum veículo disponível, hoje. Lorraine não acreditou nisso. — Mas você estava disposta a me alugar um carro, um minuto atrás. — Sim. — A jovem não negou. — E por que não pode alugar-me um carro agora? — Porque El Mirador não tem estradas. — Não tem estradas? A atendente pegou um contrato de locação e, em silêncio, sublinhou a seção apropriada, antes de entregá-lo a Lorraine. As pessoas atrás dela, na fila, começavam a ficar impacientes, portanto Lorraine afastou-se do balcão e sentou-se para ler a parte sublinhada no contrato. Com a ajuda de seu dicionário de espanhol, conseguiu entender alguma coisa. Aparentemente, os carros alugados
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Bestseller só poderiam trafegar em estradas asfaltadas. Em outras palavras, El Mirador estava bem longe disso, e as estradas que seguiam para lá deviam ser de terra ou de pedra. Tudo indicava que chegar até lá não seria uma tarefa fácil. — Tudo bem. Plano C, então. Exceto que ainda teria de formular um "Plano C". Devia haver algum jeito de chegar a El Mirador. Um ônibus. Se não podia alugar um carro, iria de ônibus. E isso significava que, primeiro, teria de encontrar a rodoviária. Isso resolvido, pegou a mala e saiu do aeroporto provido de ar-condicionado. O impacto com a temperatura elevada a fez cambalear. Foi como se alguém tivesse atirado uma toalha quente em sua cabeça. Imediatamente seu conjunto de linho ficou úmido e colou-se a ela como uma segunda pele. Os verões em Louisville podiam ser sufocantes, mas ela jamais sentira um calor como aquele — e ainda estavam em maio. Olhou para a calça comprida amarrotada e para o casaquinho manchado de suor e pensou que era nisso que dava querer causar uma boa impressão em seu pai. Se fosse encontrar qualquer outra pessoa, teria se vestido de maneira bem menos formal. Reunindo-se à longa fila para o colectivo — o táxi —, esperou pacientemente pela sua vez. O motorista falava bem pouco da sua língua, mas com a ajuda do dicionário de bolso, Lorraine foi capaz de lhe dizer o que queria. O motorista assentia repetidamente a cada pergunta, depois guardou a mala no porta-malas, amarrando-a bem com uma corda gasta. Lorraine acomodou-se no assento traseiro e procurou o cinto de segurança. Não havia nenhum. No instante em posicionou-se atrás do volante, seu pacato e bem-educado motorista transformou-se no terror das rodovias. Lorraine foi atirada no banco traseiro como se fosse um saco de laranjas, voando de um lado para outro do veículo enquanto o homem ziguezagueava pelas ruas. Ele passava de uma pista para outra, às vezes disparando pelo tráfego a uma velocidade que desafiava a morte. Teria ajudado um pouco se ela tivesse algo em que se apoiar, mas só podia contar com sua coragem, e esta já se estilhaçara há muito tempo. A única compensação era que estava aterrorizada demais para perceber o calor miserável que fazia. Quando finalmente chegou à estação de ônibus, estava grata por ter sobrevivido à viagem. Seu ombro doía por ter batido contra a lateral da porta do carro, e as mandíbulas latejavam pela pressão que fizera cerrando os dentes. Lorraine pagou a corrida sem discutir, mas também não deixou nenhuma gorjeta, e entrou na rodoviária arrastando a mala.
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Bestseller De uma coisa estava certa: sua presença atraía muitas atenções. Todos os olhos, na estação dilapidada, estavam focalizados nela. Com o que esperava ser graça e estilo, endireitou os ombros e encaminhou-se para a bilheteria como se fizesse isso todos os dias de sua vida. — Quero uma passagem para El Mirador — disse em sua língua, esquecendo de falar em espanhol. O homem encarou-a, sem entender. Lorraine pegou o dicionário e virou rapidamente as páginas, tentando encontrar a seção onde havia algumas frases prontas para emergências. Descobriu que apenas mencionar o nome da cidade não era suficiente para obter o resultado desejado. Tentou várias vezes pedir a passagem e, a cada uma delas, o atendente limitava-se a olhá-la e encolher os ombros. Então, o homem tentou falar com ela. Primeiro falou bem devagar, e depois elevou a voz, como se o fato de falar mais alto pudesse fazê-la entender. Após cinco minutos naquele embate, Lorraine estava prestes a chorar de frustração. — Talvez eu possa ajudá-la. Lorraine virou-se e deparou com um homem simpático e sorridente ao seu lado. — Jason Applebee — ele disse. — Lorraine Dancy. — Ela estendeu a mão, reparando que a dele estava com um curativo. — Você é americano? Ele assentiu. — Creio que isso é bastante óbvio, não acha? Por aqui, apareço tanto quanto o arroz num prato de feijão. — Imagino que você fale espanhol... — Com fluência. — Então, para provar o que dizia, falou com o homem na bilheteria. O atendente sorriu, assentiu e disse alguma coisa em resposta. Depois olhou para Lorraine, que não pôde deixar de reparar no alívio em sua expressão. Lorraine não entendeu nada do que os homens falavam. Mas, no ponto em que estava, já desistira de tentar traduzir até mesmo os verbos mais simples. Jason virou-se para ela. — Agora, o que está querendo perguntar?
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Bestseller — Quero uma passagem para El Mirador. — Está brincando — disse Jason, o rosto iluminando-se. — Eu também vou para El Mirador. — É mesmo? Mas pensei que esta fosse uma cidadezinha pequena. — Na verdade, meu destino é um local não muito longe dali. Planejei passar a noite em El Mirador. — Quer dizer que há um hotel na cidade? — Se as coisas com seu pai não saíssem como ela esperava, era bom saber que teria um lugar para passar a noite. — Bem, acho que se pode chamar aquilo de hotel — Jason falou, e os dois riram. Lorraine pagou a passagem e Jason também comprou a sua. Depois foram para fora e sentaram-se numa sombra, onde ficaram esperando o ônibus que, segundo Jason, deveria chegar em trinta minutos. — Você também vai ficar hospedada no hotel? — o mais novo amigo de Lorraine perguntou, enquanto ajeitava a mochila entre os pés. — Ainda não sei — ela respondeu, num tom cansado. Aquele tinha sido um longo dia, com mudança de avião em Atlanta e um atraso de duas horas. — Quanto tempo demora para chegarmos em El Mirador? — Umas duas horas, talvez um pouco mais... Isto é, se o ônibus não quebrar no caminho. — Ah, ótimo. — Ela suspirou profundamente, imaginando se mais alguma coisa poderia dar errado. — Ei, não é tão ruim assim — Jason animou-a. — Você precisava ver a escavação em que estive na semana passada. Jason explicou que lecionava arqueologia numa pequena faculdade do Missouri. Lorraine não reconheceu o nome. Ele estava fazendo pesquisas para sua tese de doutorado. Fazia um mês que estava no México, contou, embora aquela não fosse sua primeira viagem. Lorraine calculou que Jason tivesse uns trinta e poucos anos. Tinha cabelos escuros e curtos, usava óculos para se proteger do sol, e uma camisa de algodão branca cuidadosamente enfiada na calça de brim caqui. O frescor de suas roupas fez com què Lorraine se sentisse ainda mais desesperada pelo estado do seu próprio traje. — Quer dizer que você esteve trabalhando nesta escavação?
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Bestseller — Sim, e foi fantástico, exceto por isso — ele disse, erguendo a mão com o curativo. Jason a manteve distraída pela hora seguinte — pois o ônibus estava atrasado, naturalmente — contando sobre suas aventuras, incluindo a descrição contundente do episódio no qual machucara a mão. Ele havia resgatado um dos ajudantes mexicanos que trabalhavam na escavação, e que fora atacado por dois bandidos armados com facas. Lorraine estremeceu diante da dramática narrativa. Ela gostou de Jason. Era impossível não gostar. Ele era alegre e animado, sem mencionar a generosidade. Num certo momento, comprou algumas fatias de melão de um vendedor de rua, e dividiu com ela. Lorraine não estava com muita fome, mas a fruta aliviou a sede crescente. Ela nunca fizera amizade com alguém com tal facilidade. Mas suspeitava que todos reagissem a Jason daquela maneira, pois sua personalidade aberta e exuberante parecia encorajar as confidencias e a camaradagem. Em meio a uma nuvem de fumaça do escapamento e com um estridente barulho dos freios, o ônibus finalmente parou na estação. Jason estivera certo ao alertá-la sobre as prováveis condições do ônibus. Aquele arremedo de veículo dava a impressão de estar rodando desde a Segunda Guerra Mundial. Era impossível distinguir a cor da pintura e metade dos vidros das janelas não existia mais. Naquele calor, entretanto, isso talvez fosse uma bênção. O ônibus era uma coisa, e seus companheiros de viagem, outra. No instante em que o veículo estacionou no local, as pessoas começaram a surgir de todas as direções. Adultos, crianças e gaiolas abarrotadas de galinhas. Um homem carregava um porquinho sob o braço. — Entre e pegue o melhor lugar que puder — Jason avisou, empurrando-na na direção do ônibus. — Vou me certificar de que guardem a nossa bagagem. Admirada, Lorraine viu dois homens subirem na capota do ônibus e esperarem enquanto Jason e outro homem jogavam as malas para eles. Não invejava quem estivesse encarregado da tarefa de pegar a sua mala, e muito menos de erguê-la a quase dois metros do chão. Dez minutos depois um Jason ofegante entrou no ônibus e desabou no assento ao lado dela. — Você comentou que iria para algum lugar perto de El Mirador — Lorraine falou, quando ele recuperou o fôlego.
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Bestseller — Sim, estou a caminho de outro sítio arqueológico — disse Jason, mudando de posição para dar a ela um pouco mais de espaço no banco apertado. A almofada estreita mal conseguia acomodar um adulto, e muito menos dois. Jason havia falado a Lorraine sobre as ruínas Maias, antes, e ela achara fascinante. — Há um sítio arqueológico perto de El Mirador? — Lorraine perguntou. Antes de viajar, ela havia feito algumas pesquisas sobre a pequena cidade costeira, na biblioteca e na Internet, mas não descobrira muita coisa. El Mirador tinha uma população de menos de mil habitantes. A economia de muitas destas cidades localizadas ao longo da costa dependia da indústria pesqueira, naturalmente, havendo pouca coisa além disso. Lorraine não se lembrava de ter lido nenhuma referência acerca das ruínas Maias na região de El Mirador, mas isso não queria dizer nada. — Na verdade — Jason explicou —, a nossa El Mirador recebeu este nome em homenagem a uma outra El Mirador, que fica na Guatemala. Este era um importante local dos Maias, e um dos primeiros. Mas existe um templo Maia a poucos quilômetros desta El Mirador, também. Foi descoberto alguns anos atrás e as escavações estão apenas se iniciando. É por isso que quero passar algumas semanas ali, antes de voltar para casa. — E sua casa é no Missouri, certo? — Em Jefferson City, para ser mais específico — ele disse. — Agora, e quanto a você? Por que está viajando para El Mirador? Não é exatamente um ponto turístico. Lorraine não respondeu na hora, refletindo o quanto poderia contar a Jason. Afinal, conhecia-o há pouco mais de uma hora. Sem dúvida haviam se tornado amigos quase que instantaneamente mas, ainda assim... Não era o tipo de informação pessoal que se costuma fornecer a alguém que se acabou de conhecer. — Meu pai mora lá — ela respondeu, sem maiores explicações. — Em El Mirador? — Jason arregalou os olhos brevemente. — E o que ele está fazendo ali? — É professor. — Faz parte do grupo do Peace Corps? Lorraine olhou pela janela. Considerando-se o quanto estava nervosa com aquele encontro com seu pai, deveria sentir-se grata por ter alguém com quem
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Bestseller conversar. Iria contar a Jason toda a história, decidiu num impulso. Ele já lhe contara muitas coisas sobre si mesmo e ela pressentia que poderia confiar nele. Respirou fundo. — Para ser franca, Jason, eu não sei. Não vejo meu pai desde a idade de três anos, quando me disseram que ele havia morrido de leucemia. Apenas um mês atrás descobri que ele está vivo e, quando soube disso, não pude deixar de vir para cá. Meu noivo acha que fiquei maluca, e talvez eu tenha ficado mesmo. Não sei de mais nada. Acabou contando a Jason sobre a morte de sua mãe, a carta que fora encontrada juntamente com os documentos no cofre-forte, e sobre Gary. Jason levou um momento para absorver tudo aquilo. — Seu pai sabe que você está chegando? — Sim, é claro — ela respondeu, esforçando-se para não soar na defensiva. Então, suspirou. — Não tenho certeza. — Desde que ele não fora encontrá-la em Mérida, já não sabia mais o que esperar. — Mas você entrou em contato com ele? — Ah, sim. — Lorraine se ressentira quando Gary lhe fizera as mesmas perguntas. Mas Jason parecia estar sinceramente interessado e preocupado com ela, enquanto que Gary se mostrara tão insistente. Tão protetor. — Liguei para ele e deixei um recado — acrescentou. — Mas ele não retornou minha ligação. Então, escrevi uma carta. Esperava que ele estivesse me aguardando no aeroporto, mas... ele não estava. — Quando enviou a carta? — No começo da semana passada. Jason balançou a cabeça. — Detesto ter de lhe dizer isso, Lorraine, mas é bem provável que ele ainda não tenha recebido. O correio... Naquele instante, o ônibus passou por um buraco na estrada e deu um forte solavanco. Jason e Lorraine foram atirados para o alto, e ela sentiu que os dentes estremeciam em sua boca. Jason gritou de dor, batendo a cabeça no teto. O porquinho escapou, esganiçando enquanto corria para os fundos do ônibus. Imperturbável pela comoção que provocara, o motorista nem mesmo diminuiu a velocidade. Depois de alguns minutos tudo estava tranqüilo novamente, e Jason pôde terminar sua frase.
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Bestseller — O correio nesta parte do mundo é notoriamente lento. — Ah, meu Deus... — É bem provável que seu pai ainda não faça a menor idéia de que você está chegando — ele avisou-a. Tais palavras deixaram-na séria e preocupada. Havia viajado por centenas de quilômetros, sendo que a última parte deles em condições deploráveis. Agora, tinha motivos para acreditar que sua chegada pegaria seu pai totalmente de surpresa.
Desde aquela noite em que fora despertado pelo sonho, Thomas Dancy não conseguia parar de pensar em Ginny. Então, percebeu que isto talvez tivesse mais a ver com Azucena do que com Ginny. A mulher com quem vivia há tantos anos estava prestes a dar a luz ao terceiro filho deles a qualquer momento. Ele não tivera a intenção de amar Azucena, não pretendera iniciar aquela segunda família. No entanto, além de todos os suas outros defeitos, ele era um fraco. Fraco demais para resistir à segunda chance de amar, e de viver. Normalmente não se entregava a estes ocasionais ataques de remorso e autodesprezo, pois era realista demais para isso. Às vezes, no entanto, como agora, as lembranças de sua vida anterior não o deixavam em paz. Thomas sentou na escrivaninha, na sala de aula vazia, e olhou para as provas que estava corrigindo. Mas seus pensamentos estavam em Ginny e na filha que não conhecera. A culpa pesava em seu coração por ter rompido os votos que fizera por amor. Sempre tivera a intenção de permanecer fiel a Ginny. Nos primeiros anos, depois que fugira para o México, ela costumava encontrá-lo em locais pré-determinados, na Cidade do México ou em Veracruz. Então, Raine entrou na escola e as visitas se tornaram cada vez menos freqüentes, até que finalmente cessaram. Ainda assim, ele fizera seus votos de amor e fidelidade. Votos que ele próprio escrevera. Thomas sentia um peso a mais, além da culpa e arrependimento. Estava preocupado com Azucena e o bebê que em breve nasceria. Ele estava com cinqüenta anos, agora, e vivia com Azucena havia apenas oito anos. Às vezes acreditava que tinha o direito de desfrutar de toda a felicidade possível, a felicidade que Azucena lhe oferecia. Outras vezes, rezava para que Ginny jamais soubesse de sua fraqueza por aquela mulher, tão mais jovem do que ele. Não quisera mais filhos, porém Azucena era teimosa e ansiava por um bebê. Ela possuía um coração generoso e tinha tanto amor para dar que ele não poderia
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Bestseller lhe negar isso, não depois de tudo o que ela fizera por ele. Logo haveria três crianças. Thomas pensou se a terceira seria um menino, como os dois primeiros. Ele amava seus filhos, dedicava-se a eles e, de acordo com Azucena, os mimava demais. Com Antônio e Hector, ele percebera o quanto havia perdido da infância de sua filha. Raine era uma adulta, agora, mas em sua mente permanecia uma criança. Era tão pequena, quando ele partiu! Ginny havia levado fotos da menina, em suas escassas visitas, e a última delas fora uma foto de Raine na escola, aos oito anos, usando um rabo-de-cavalo e com uma falha nos dentinhos da frente. Ouviu uma batida na porta. — Desculpe incomodá-lo, professor — um de seus alunos mais velhos entrou na classe, falando em espanhol. — Mas um homem pediu para vê-lo. — Ele disse o nome? — Jack Keller. Thomas sorriu. — Diga-lhe que vou encontrá-lo num instante. Ele não tinha muito em comum com o ex-mercenário, mas era sempre bom passar algum tempo com outro americano. Jack não costumava aparecer com freqüência, mas quase sempre trazia notícias do seu país e do mundo. O lado negativo de Jack era a sua "língua solta" e sua fraqueza por mulheres bonitas, mas estes dois defeitos eram facilmente perdoáveis. Jack era um bom amigo para um homem que tinha poucos amigos. Thomas guardou as provas na pasta de couro e dirigiu-se para a sala que servia de escritório e recepção da escola. Jack acomodara-se numa velha cadeira, folheando uma revista antiga. Estava com uma aparência horrível. Precisava de um bom corte de cabelos, mas Azucena provavelmente cuidaria disso. Os cabelos castanhos, com reflexos dourados pelo sol, tocavam-lhe os ombros. Ao que parecia, não se barbeava há uns dois ou três dias, também. A calça jeans estava cortada um pouco abaixo dos joelhos, com a barra esgarçada, e usava tênis sem meias. — Jack! — Thomas saudou-o com entusiasmo, estendendo-lhe a mão. — Ei, Thomas! — Jack largou a revista e levantou-se. Deu um forte aperto de mão no amigo e uma palmada nas costas, num gesto de carinho. — Você está começando a parecer um velho lobo do mar — Thomas falou. — É, e você também não está nada mal. Já se tornou um pai orgulhoso? — Será a qualquer dia destes.
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Bestseller Thomas preocupava-se com o fato de que não havia nenhum hospital perto de El Mirador, apesar de saber que Azucena jamais concordaria em ter o bebê em outro lugar que não fosse sua própria casa, com a parteira local. Ainda assim, ele não podia deixar de ficar nervoso com isso, embora tudo tivesse corrido bem nos dois partos anteriores. — Está com tempo para tomar uma cerveja gelada? — Jack perguntou. — É claro que sim. Thomas mandaria um recado para Azucena através de um de seus alunos. Ela iria querer convidar Jack para jantar. Azucena não somente gostava muito de Jack, mas para ela também era uma questão de orgulho servir seus convidados como se fossem a nobreza. Ficaria zangada se Thomas não levasse o amigo para casa. Deu instruções para Alfonso, antes de seguir com Jack para a cantina que ficava de frente para a praia. Mal haviam acabado de sentar e de provar a cerveja quando Alfonso retornou, ofegante pela corrida. — Señor Dancy! — ele gritou. — Señor Dancy! — O que foi? — O primeiro pensamento de Thomas foi para Azucena. — Tem uma mulher na escola, perguntando pelo senhor — Alfonso falou, quase sem fôlego. — Uma mulher? — Thomas ignorou o arquear de sobrancelhas de Jack. — Si. Ela disse que se chama Lorraine Dancy. E disse que é a sua filha.
CAPITULO IV
Os nervos de Lorraine não lhe permitiam esperar calmamente pela chegada de seu pai. Não conseguia ficar sentada e, enquanto andava de um lado para outro no corredor da escola, o salto de seus sapatos ressoava no piso de pedra. Um documento emoldurado, pendurado na parede do corredor, afirmava que a escola era sustentada financeiramente por um grupo de igrejas do Texas. Relacionava os nomes dos diretores, além dos três professores. E explicava que os uniformes das crianças eram confeccionados pelas mulheres da Sociedade
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Bestseller Missionária Feminina. Lorraine leu a informação duas vezes, depois retomou a caminhada. Havia chegado em El Mirador meia hora atrás —já eram quase seis horas da tarde. Sabia que as chances de encontrar seu pai na escola àquela hora eram bem poucas e, embora Jason tivesse insistido para que fosse com ele ao único hotel da cidade, ela decidira procurar o pai, primeiro. Por sorte a escola ainda estava aberta, e quando ela mencionou o nome de Thomas para um rapazinho uniformizado, ele assentiu com entusiasmo e até conseguiu lhe fazer algumas perguntas em sua língua. Depois, sugeriu que ela esperasse dentro da escola enquanto ele iria procurar o professor. Por um instante, Lorraine sentira-se quase flutuar de alívio: pelo menos seu pai estava ali. Depois, a verdadeira ansiedade começara, o tremor de nervoso e medo. Uma excitação quase nauseante. Ouvindo o som de passos atrás de si, Lorraine virou-se. Thomas Dancy estava parado na soleira da porta, emoldurado pela brilhante luz do sol. — Raine — ele murmurou. — Thomas Dancy? — ela perguntou hesitante, e depois acrescentou: — Papai? Ele também a chamara de "Raine" na carta, mas sua mãe sempre se recusara a chamá-la por apelido. Ao ver os olhos dele, Lorraine teve a resposta que precisava. Eram de um azul profundo, da mesma cor que os seus. Ele aproximou-se devagar, e Lorraine pôde ver que era realmente o homem da fotografia de sua mãe. Fitou-a por um minuto inteiro, com uma expressão atônita no rosto. Então sorriu, e os olhos dele reluziam com uma intensidade que só podia vir das lágrimas. — Raine — ele repetiu. — Se ao menos eu soubesse... — O senhor não recebeu minha carta? — ela perguntou. — Não... não. — Eu liguei, também. Ele franziu a testa. — Não recebi o recado. — Então, não sabia que eu viria? — Não... Mas graças a Deus você veio. Ficaram parados frente a frente, apenas alguns centímetros os separando, e ele continuava a fitá-la. — Como você é parecida com sua mãe — ele sussurrou. — Tão linda...
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Bestseller Thomas levantou a mão para tocar-lhe o rosto mas, aparentemente, mudou de idéia e abaixou o braço. O amor em seus olhos era inegável. Diante da menção à sua mãe, os olhos de Lorraine encheram-se de lágrimas. — Raine, o que foi? — Ele parou em meio ao gesto de abraçá-la. Ela parou em meio ao gesto de aceitar seu abraço. — Mamãe morreu no dia primeiro de abril — disse, com voz trêmula. Thomas imobilizou-se, como se tivesse sido atingido fisicamente. Seus olhos arregalaram-se de susto e depois, lentamente, como se as pernas não pudessem sustentar o peso de seu corpo, cambaleou na direção de uma cadeira. — Morreu? Como? Meu Deus... Como isso aconteceu? — Foi um acidente de carro. Ela estava indo do trabalho para casa. Estava chovendo muito naquele dia e, ninguém sabe bem por quê, ela perdeu o controle do carro e o freio travou... E o carro foi parar no lado oposto da pista. Foi atingida por um enorme caminhão... Não havia nada que o motorista pudesse fazer para impedir o choque... Ninguém pôde fazer nada... Thomas fechou os olhos. — Ela sofreu muito? — perguntou, com a voz tão baixa que Lorraine teve de esforçar-se para ouvir. — Não. O policial encarregado da investigação disse-me que teve morte instantânea. Ele assentiu, o rosto molhado com as lágrimas que corriam livres pelas faces. — No dia primeiro de abril, você disse? — Sim. Ele tornou a assentir, pegou um lenço no bolso e enxugou as lágrimas. — Eu acordei naquela noite. — Fez uma pausa, aparentemente mergulhado em pensamentos. — Minha Ginny está morta — disse, como se precisasse ouvirse pronunciar as palavras para acreditar na verdade. Lorraine sentou na cadeira ao lado dele. — Mamãe me disse que o senhor havia morrido. — Eu sei. Nós... nós achávamos que seria melhor assim. — Por quê? — Tudo o que Lorraine suportara naquele dia teria valido a pena, se ele pudesse responder aquela única pergunta.
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Bestseller Thomas respirou fundo e virou-se para encará-la. Tomou-lhe as mãos, apertando-as entre as suas. Foi então que reparou na aliança na mão dela. — É de mamãe. Coloquei-a em meu dedo no dia do funeral. Lorraine falou rapidamente sobre seu noivado com Gary, mas logo parou, precisando de respostas antes de prosseguir. Thomas passou o dedo pela aliança de casamento. — "Te amarei para sempre" — murmurou. Eram as palavras gravadas na parte de dentro da aliança. Voltou os olhos para Lorraine. — Eu amei sua mãe, e amei você, com todo meu coração. Lorraine, acima de tudo, quero que você acredite nisso. — Então por que nos abandonou? — gritou. Agora que estava com ele, precisava saber da verdade com uma urgência que a deixava trêmula. Por mais de vinte anos sua mãe vivera uma mentira, e Lorraine tinha de saber o motivo. Não podia imaginar o que teria levado seus pais a tomar uma atitude tão drástica. A honestidade havia sido a base do caráter de sua mãe. Ou, pelo menos, era o que ela havia acreditado. — Mamãe também o amava... sempre o amou. Ela não falava sobre o senhor, especialmente depois que fiquei mais velha. Sempre que começava a falar, ela chorava. — Eu sei... eu sei. Lágrimas corriam dos olhos de Lorraine. — Ela disse-me que o senhor havia morrido de leucemia! A leve sombra de um sorriso tocou os cantos dos lábios dele. — Nós inventamos esta história juntos. — Mas o senhor está vivo! — Lorraine precisava saber a verdade, e depressa, enquanto tinha forças para suportá-la. — Por favor, diga-me por quê... — Tudo começou no Vietnã — ele disse, quase num murmúrio. — De muitas formas, o homem que eu costumava ser morreu ali. — Mas o senhor foi um herói condecorado! Mamãe dizia que a coisa que mais lamentava sobre o incêndio era o fato de suas medalhas terem se perdido e... Thomas levantou a cabeça de repente. — Foi isso que ela lhe disse? — A expressão dele era séria, triste. — Eu estava bem longe de ser um herói, Lorraine. Fui um desertor, fugi da guerra quan-
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Bestseller do teria de retornar da minha licença. Não podia mais suportar a idéia de matar, de morrer... Lorraine não queria acreditar no que estava ouvindo. Não podia ser verdade. Nada disso. — Mas... — Voltei para os Estados Unidos e me uni a um grupo que militava contra a guerra. Eles ajudaram a me esconder. Desde o momento em que virei as costas para o Exército, decidi que minha missão, meu objetivo na vida, seria impedir que outros jovens morressem insensatamente em solo estrangeiro. Queria salvá-los do horror de ver seus amigos explodindo em pedaços, por motivos que nada tinham a ver conosco ou com nosso país. — Mas certamente o senhor poderia ter voltado agora... mesmo tendo sido um desertor. Houve uma anistia, não é? Por toda sua vida, Lorraine pensara em seu pai como um herói. A mentira sob a qual seus pais haviam vivido não fazia nenhum sentido, e ela achou a história de Thomas um tanto confusa. — Eu fiz mais do que desertar. — Ele desviou os olhos e baixou a cabeça, fitando as mãos cruzadas. — Como já disse, eu me juntei a um grupo antiguerra. Alguns de nós decidimos explodir o prédio de recrutamento da Universidade de Kentucky. Não era nossa intenção machucar ninguém... O guarda encarregado da segurança não deveria estar nem perto deste prédio. — Ele morreu na explosão? — Lorraine perguntou. Seu pai assentiu. — Dois integrantes do nosso grupo foram apanhados quase imediatamente, quando tentavam atravessar a fronteira com o Canadá. José e eu sabíamos que era apenas uma questão de tempo, antes que também fôssemos presos. — José? — José Delgado, um amigo, meu melhor amigo na época. Nós dois conseguimos entrar no México antes que um mandado de prisão fosse expedido. — O que aconteceu a ele? — José? Bem, ele vagabundeou pelo país durante algum tempo, depois encontrou uma nova causa. Nós tivemos uma discussão e acabamos brigando... não o vejo há anos. A última notícia que tive dele era que estava fazendo parte de um grupo de guerrilheiros, em algum lugar da América Central.
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Bestseller — Mas o senhor não poderia voltar agora? Tudo isso aconteceu quase trinta anos atrás! — Não — Thomas respondeu, com indisfarçável tristeza. — Não há nenhum estatuto que estabeleça um limite para prescrição de homicídio. No instante em que atravessar a fronteira serei preso e processado com todo o peso da lei. Raine, quero que você saiba que eu estava envolvido com o grupo, mas fui contra este plano de explodir o prédio. Jamais acreditei que a violência seria um meio de propagar a nossa mensagem. Porém, não tive coragem de me opor aos outros. Este foi o meu maior pecado, e tenho pagado por ele durante todos esses anos, desde então. — O que aconteceu aos dois que foram presos? Novamente Thomas baixou os olhos. — Rick e Dan? Rick suicidou-se na cadeia, e Ginny contou-me que Dan saiu sob condicional depois de cumprir seis anos de uma pena de doze anos. As perguntas explodiam na mente de Lorraine, e ela fez as mais urgentes, primeiro: — Por que mamãe não veio para cá, ficar com o senhor? Certamente, depois de cinco ou dez anos, ninguém mais suspeitaria de nada se ela viesse para o México. — Isso foi o que planejamos, no início — ele respondeu. — Sua mãe mudouse para Louisville e costumava visitar-me a cada seis meses, mais ou menos. Nós conseguíamos manter contato através de uma amiga mútua. — Quem? — Elaine Wilson. — Tia Elaine? — Ela havia morrido quando Lorraine tinha nove anos. — Mas tudo desabou depois que Elaine faleceu — Thomas acrescentou. — Ginny escrevia-me avisando que viria para cá, mas sempre acabava encontrando uma desculpa para adiar a viagem. Com o tempo, suas visitas cessaram completamente. — Nós não podíamos ter nos mudado para o México? Assim, teríamos ficado os três juntos. Ele hesitou. — Ginny receava que, se saísse do país por mais do que uns poucos dias, não pudesse mais retornar. Ela se preocupava com os pais, e com você, também. Sua
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Bestseller mãe a amava acima de tudo e queria que você tivesse a melhor educação, além de todas as vantagens que nosso país pudesse lhe oferecer. — Mas... ela me disse que o senhor havia morrido. — Lorraine não sabia se conseguiria perdoar qualquer um dos dois pela mentira. . — Você era uma criança, nova demais para carregar o peso do nosso segredo. — Mas sou uma adulta, agora. Aliás, há anos. Não havia motivo para continuarem escondendo a verdade — ela insistiu. Não havia motivo para que Virgínia o impedisse de lhe contar tudo, deixá-la tomar suas próprias decisões, e fazer seus próprios julgamentos. — Toda a culpa deve recair sobre mim, Raine — ele disse. Levou a mão ao rosto dela, tocando-lhe a face. — Fui eu quem estragou tudo. Fui eu quem envolveu-se numa explosão que tirou a vida de um homem. — Mas eu precisava do senhor — ela disse, lutando contra as lágrimas. — Eu também precisei de você — ele falou, tomando-a nos braços. Abraçaram-se por um longo tempo. Quando Thomas soltou-a, Lorraine recostou na cadeira e tentou se recompor. — Você deve estar exausta — ele disse. — E com fome também, aposto. Lorraine ouviu o estômago roncar, lembrando-a de que, exceto por aquelas fatias de melão em Mérida, sua última refeição fora a bordo do avião. Um iogurte, uma banana e um pãozinho doce inidentificável. Thomas estava certo: ela estava cansada e faminta. Ele pegou a mala e guiou-a para fora da escola. Enquanto caminhavam pelo curto trajeto até a casa dele, Thomas contou-lhe como fora sua vida ali no México. Até nove anos atrás, trabalhara em diversos empregos por todo o país, sem permanecer muito tempo num mesmo lugar. Então, surgiu a oportunidade de lecionar ciências e matemática naquela escola particular, um trabalho que ele realmente gostava. — Tenho até vergonha de admitir que só fui descobrir minha verdadeira vocação bem depois dos quarenta anos. Lorraine já podia perceber o quão fácil seria amar aquele homem. Ele podia ter sido um militante em sua juventude mas, apesar dos trágicos resultados de seus atos, unira-se a um esforço anti-guerra por razões compassivas. Arrependera-se
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Bestseller de seus erros e, obviamente, ainda era um bom homem, um homem que atingira o autoconhecimento. Lorraine estava grata e feliz por tê-lo encontrado.
A chegada de Lorraine em El Mirador havia sido um choque, mas um dos mais felizes na vida de Thomas. Sua filha era tudo o que ele sonhava que fosse. Inteligente, bonita, carinhosa. E muito parecida com a mãe. A primeira vez que olhara para ela, ficara atônito. Parecia-se com Ginny em quase tudo. Na verdade, foi como se tivesse voltado no tempo e visto Ginny aos dezenove anos. A notícia de que sua esposa estava morta foi um duro golpe, e ele precisava de tempo para assimilá-la. Tempo e privacidade para lamentar. Dissera a verdade a Lorraine: ele havia amado Ginny, e muito. Sim, ela o magoara. Sim, ela lhe causara uma desilusão, mas ele a perdoara. Não podia culpá-la pelas trágicas reviravoltas de sua vida. Apenas gostaria que as coisas tivessem sido diferentes para eles e, agora, já era tarde demais para isso. Sua casa era simples e humilde, e Thomas esperava que Lorraine entendesse que o vilarejo era pobre. A escola não tinha condições de lhe pagar um bom salário. Antônio e Hector estavam brincando no jardim da frente. Em outras circunstâncias, seus filhos teriam corrido para encontrá-lo, mas eram meninos tímidos e pouco acostumados a vê-lo com pessoas estranhas. Os dois pararam e ficaram encarando-os, Antônio segurando a bola de futebol, enquanto Thomas abria a porta para Lorraine. Azucena estava na cozinha, preparando o jantar. O aroma de alho flutuava pela casa. Thomas deixou a mala de Lorraine na sala e tentou encontrar uma forma de lhe explicar que aquela mulher muito grávida era a sua companheira. Lorraine provavelmente ficaria surpresa, e talvez até desaprovasse, mas Azucena era a sua esposa em todos os sentidos, exceto no legal. Agora que estava livre para casar-se com ela, era a primeira coisa que faria. Azucena entrou na sala e o sorriso em lábios congelou por um instante, ao ver Lorraine. A calorosa recepção de sempre foi contida quando ela enviou a Thomas um olhar repleto de indagações. Azucena falava pouco a língua deles, e não demonstrava muito desejo de aprender. E, desde que ela própria não fazia um grande esforço, seus filhos também sabiam apenas algumas palavras.
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Bestseller — Esta é minha filha — Thomas explicou, em espanhol. Os olhos de Azucena arregalaram-se e ele soube que ela estava assustada. Thomas lhe contara tudo sobre sua família, sobre Raine, e pressentia que Azucena se sentia ameaçada. Queria assegurá-la de que tudo estava bem, porém não sabia como. — Onde está Jack Keller? — Azucena perguntou, abruptamente. — Voltou para o barco, eu acho. Eu o deixei na cantina, quando fiquei sabendo que minha filha estava na escola. — Você sabia que ela viria visitá-lo? — Os lindos olhos escuros eram acusadores. — Não. — Thomas queria tomar a mulher em seus braços e desculpar-se, mas não se atreveu a tanto. — A mãe dela morreu no mês passado, e apenas recentemente ela descobriu que eu estava vivo. Azucena assentiu, com uma expressão de simpatia. — Apresente-me a ela como sua governanta — aconselhou, com generosa sabedoria. — Sua filha já passou por choques demais. — Não quero mais mentir para ela. Será melhor se souber da verdade. — Nós lhe contaremos tudo, juntos — Azucena falou. — Mais tarde. Ela fez uma longa viagem e deve estar exausta. Thomas hesitou, mas acabou assentindo. — Diga a ela para sentar, vou servir o jantar para vocês. — E quanto a você e os meninos? Thomas não achava certo que sua família não sentasse à mesa com ele. Como disse a Azucena, não gostava da idéia de mentir a Raine, mas podia ver qüe sua filha estava fisicamente cansada e emocionalmente exaurida. Não queria sobrecarregá-la com mais uma verdade difícil. No entanto, também temia que èla ficasse com raiva. Não poderia suportar a possibilidade de perdê-la, agora que acabara de reencontrá-la. Embora isso fosse contra seus melhores princípios, concordou com os motivos de Azucena para adiar o momento de contar a Raine sobre o relacionamento deles. — Não se preocupe, nós comeremos mais tarde — Azucena insistiu. Thomas reparou que Raine estivera ouvindo à rápida troca de palavras entre ele e a mulher. Seus olhos revelavam a total falta de compreensão.
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Bestseller — Esta mulher é alguém especial para o senhor? — ela perguntou, observando Azucena com atenção. — É minha governanta — ele disse e, em silêncio, acrescentou: e muito mais do que isso. — Ela é muito caprichosa — Lorraine falou, olhando em volta da casa simples, porém arrumada com evidente carinho e cuidado. Thomas tentou ver sua casa através dos olhos dela, e soube que devia estar bem distante do que Lorraine estava acostumada. Mas não pediu desculpas por isso. Ele ganhava a vida honestamente. — O jantar está pronto, se você quiser comer agora. Azucena é uma excelente cozinheira. Hoje preparou um prato chamado camarónes con ajo. Camarões com alho. — Parece delicioso. Agradeça a ela por mim, por favor. — É claro. Thomas mostrou-lhe o banheiro, onde ela poderia se refrescar. Lorraine voltou minutos depois. A mesa estava arrumada, com tigelas de cerâmica cheias de arroz, tomates e o aromático camarão. Ela sentou-se. — Quando... para quando é o bebê da sua governanta? — Deverá nascer a qualquer dia destes — Thomas respondeu enquanto lhe passava o arroz, esperando evitar mais perguntas. — Aqueles meninos lá fora são filhos dela? Ele assentiu. — O nome dela é lindo. — Significa "lírio". Thomas não deixou de perceber a ironia da situação. Durante um certo tempo, Azucena realmente trabalhara como empregada em sua casa. A escola a contratara para ele e, por seis meses, Thomas mal reparava na presença dela. Sua casa mantinha-se sempre impecável e ele tinha uma boa e quente refeição todas as noites. Além disso, estava absorvido pelas suas tarefas como professor e desfrutando da vocação recém-descoberta. Jamais tivera a intenção de levar Azucena para sua cama. Era um homem casado, embora ninguém em El Mirador soubesse sobre sua esposa americana. Tampouco queria entregar-se a um comportamento que seria encarado com reprovação pela igreja que sustentava a escola.
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Bestseller Até aquela data o diretor da escola nunca havia mencionado a situação doméstica de Thomas. E já havia ido à sua casa, portanto sabia muito bem o que estava acontecendo. Ainda assim, sempre referia-se a Azucena como governanta de Thomas. E, por aqueles primeiros seis meses, ela fora exatamente isso. Thomas não fizera nem sequer um gesto inconveniente e no final Azucena, cujo nome era considerado um símbolo de pureza e perfeição, fora quem o seduzira. A refeição estava excelente. Azucena escolhera seu prato preferido, e ele podia ver que Lorraine também estava gostando. — De fato, ela é uma cozinheira maravilhosa — Raine comentou, quando Azucena levou um prato de tortillas quentes para a mesa. Era difícil para Thomas disfarçar o carinho que sentia pela sua companheira. Sabia que Lorraine percebera o sorriso que enviara a Azucena, e estava prestes a dar uma explicação quando a refeição foi interrompida por uma forte batida na porta. As duas mulheres olharam para ele. Thomas deixou o guardanapo na mesa e atravessou a sala, sem saber o que esperar. A batida na porta não era de algum amigo. Ele sabia reconhecer um problema, quando o ouvia. Dois policiais uniformizados estavam parados no outro lado da soleira. Thomas raramente via a polícia naquela cidade e, se isso não bastasse, não reconheceu nenhum dos dois, o que por si só era bastante incomum. Ele conhecia quase todos os moradores de El Mirador, se não por nome, pelo menos de vista. — Pois não? — perguntou, tendo o cuidado de pronunciar cada palavra com um tom de autoridade. — Estamos procurando Lorraine Dancy. — Posso saber por quê? — Papai? — Lorraine falou, atrás dele. — Ouvi dizerem o meu nome. Ele ignorou-a, recusando-se a desviar os olhos dos dois homens. — Por que estão procurando a minha filha? — Precisamos fazer-lhe algumas perguntas — disse o policial mais alto e musculoso. — Perguntas sobre o quê? — Jason Applebee — o segundo policial informou. — Precisamos saber qual é o relacionamento dela com este homem.
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Bestseller — Papai? — Lorraine postou-se ao lado dele. — O que está acontecendo? — Você conhece alguém chamado Jason Applebee? — Thomas perguntou. Ela fez que sim. — É um americano que conheci em Mérida. Ele ajudou-me a comprar a passagem de ônibus. Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa com ele? Thomas fez as mesmas perguntas aos policiais. Raine não lhe dissera nada sobre o encontro com esse homem, mas Thomas podia ver que ela preocupavase com seu bem-estar. Os policiais responderam e ele voltou-se para Lorraine. — Ele está detido na delegacia. Mas não querem me dizer por quê. — Ah, não... — Lorraine cobriu a boca com a mão. — Algo está errado. Nós temos que ajudá-lo. Thomas estava no México por tempo suficiente para saber como as situações com a polícia poderiam tornar-se complicadas. Como se a preocupação de Lorraine pelo amigo não bastasse, sentia-se na obrigação de fazer o que pudesse para ajudar o tal sujeito. — Eles querem que você os acompanhe até a delegacia — ele explicou em seguida. — Eu? — Lorraine olhou-o, incerta. — Vou com você. — Está bem, então — ela disse. — Tenho certeza de que é apenas um malentendido, e logo tudo será esclarecido. Thomas gostaria de acreditar nisso. Porém, de uma coisa tinha certeza: faria tudo o que fosse possível para proteger sua filha.
No instante em que Lorraine entrou na pequena delegacia, Jason levantou-se de um salto, com uma expressão de alívio evidente. — Lorraine! — exclamou, como se ela fosse a resposta às suas preces. — O que está acontecendo? — ela perguntou. Jason olhou para os dois policiais parados perto da porta, e eles olharam-no de volta, impassíveis. Com três policiais e Jason, mais Lorraine e Thomas, a sala da delegacia estava lotada. Pela primeira vez, Lorraine deu-se conta de que apenas um dos
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Bestseller guardas que fora buscá-la em casa os acompanhara até ali. Não fazia idéia para onde fora o outro. Não que isso a deixasse especialmente preocupada. — Esta é a minha esposa — Jason anunciou, em seu idioma. Lorraine nem conseguiu negar. Thomas encarou-a, estreitando os olhos. Os dois policiais imediatamente olharam para a aliança em sua mão esquerda. — É verdade? — o mais velho perguntou. Era um homem alto e distinto, com espessos cabelos brancos. Todos ali pareciam estar aguardando sua confirmação. O olhar de Jason implorava para que ela o apoiasse. Lorraine forçou um sorriso e fez que sim. A sala pareceu explodir com os gritos e negativas do policial que acompanhara Lorraine e seu pai à delegacia. Ela não entendia nada do que estavam dizendo, mas não demorou muito para que Thomas se envolvesse na discussão acalorada. — O que significa tudo isso? — ela perguntou a Jason, por entre os dentes. — Não sei — ele disse, parecendo tão confuso quanto ela se sentia. — Mas, pelo que consegui entender, eles acham que estou de posse de algum artefato Maia, o que é ridículo. — Jason mostrava-se amedrontado, aturdido e arrependido. — Eu não pretendia envolvê-la nisso — confessou em voz baixa. — Mas não sabia mais o que fazer. — Por que disse que sou sua esposa? — Tinha de lhes dizer alguma coisa para convencê-los a entrar em contato com você. Falei que você estava visitando seu pai e que, por isso, ainda não se registrara no hotel. — Jason fez uma pausa, baixando os olhos. — Eles não me deixaram dar um telefonema, nem chamar um advogado. Não sabia o que fazer, nem o que diabos está acontecendo. Eu a ajudei, e esperava que você pudesse me ajudar. — Não se preocupe — ela disse, embora detestasse ser obrigada a mentir. Porém, imaginava que isso às vezes fosse necessário e, agora, parecia ser uma destas ocasiões. A discussão prosseguia entre o policial e Thomas. — Eu ainda preferia que você tivesse lhes dito a verdade — ela murmurou. — Quer que eu lhes diga que estive recentemente numa escavação arqueológica? — Jason fitou-a com os olhos arregalados de incredulidade. — Lorraine, isso é loucura. No instante em que souberem disso, estarão convencidos de que eu realmente tenho o maldito objeto.
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Bestseller O oficial de cabelos brancos foi para o outro lado da sala. A mochila de Jason estava aberta numa mesa e suas roupas e objetos pessoais espalhavam-se pelo tampo. Tudo fora completamente vasculhado. — Papai? — Lorraine aproximou-se de Thomas. — O senhor descobriu alguma coisa? — Na opinião do sargento Lopez o seu... marido é culpado de roubar um tesouro nacional. Eles acreditam que foi Jason quem roubou a "Estrela de Kukulcan". Thomas explicou que a "Estrela" era uma peça relacionada com o deus Kukulcan. Na verdade, consistia de duas partes que se juntavam. Metade da Estrela fora descoberta na década de 1930, e guardada num museu na Cidade do México. Essa peça desaparecera poucos dias depois que a segunda metade da Estrela foi encontrada num novo sítio arqueológico. Porém, também desapareceu, sob circunstâncias misteriosas, antes mesmo que sua autenticidade fosse confirmada. E, o que era ainda pior, um dos homens — o guarda do museu — estava hospitalizado e sem muitas chances de sobreviver. Outro homem, um arqueólogo chamado Raventos, estava desaparecido desde o primeiro roubo. Como não havia evidências de que estivesse envolvido, acreditava-se que a mesma pessoa fosse responsável pelos dois crimes. — E a polícia suspeita que Jason seja o culpado — Thomas explicou, concluindo. — Não é verdade! — Jason gritou. — Eu juro que não é verdade! — Felizmente para seu amigo — Thomas disse à Lorraine, — o tenente Jacinto está inclinado a acreditar nele. — Graças a Deus — Jason murmurou, afundando numa cadeira. — Eles vasculharam todos os meus pertences. Viraram minha mochila do avesso. Thomas olhou para Jason com firmeza, obrigando-o a encará-lo de frente. — Se você está de posse deste artefato, é melhor devolvê-lo agora. — Mas não está comigo! — Jason retrucou, veemente. — Eu juro, por tudo o que é mais sagrado, que não sei sobre o que estes homens estão falando. Sou apenas um professor assistente numa faculdade! Lorraine reparou que, convenientemente, Jason esquecera de mencionar que a matéria que ele lecionava era arqueologia, e que participara de uma recente escavação. Não que o culpasse por isso... bem, não completamente. Ela compreendia os motivos que ele lhe dera: se mencionasse sua profissão seria um
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Bestseller suspeito imediato. Gostaria que ele falasse a verdade mas, numa situação semelhante, não tinha certeza se também poderia ser honesta. — Eles disseram que estão procurando por um homem americano de cabelos compridos e loiros, usando óculos de aros redondos e com um corte feio na mão — Thomas explicou. Jason encolheu os ombros. Seus cabelos eram escuros e bem curtos, e não usava óculos. — Não sei mais o que dizer. Não fui eu. — Acho que eu não teria chegado aqui em El Mirador sem a ajuda dele... — Lorraine falou para o pai. Thomas tornou a encarar Jason. — Como eu disse, sua sorte é que o tenente Jacinto acredita em você. Jason suspirou de alívio. — Consegui convencê-los a permitir que você volte para o hotel para passar a noite, mas talvez eles queiram que você volte aqui de manhã, para ser novamente interrogado. — É claro. Farei qualquer coisa para limpar meu nome — Jason afirmou, veemente. — Estarei aqui, se precisar de mim — Thomas acrescentou. — Obrigado. Nem sei como agradecer sua ajuda. — Jason não irá desapontá-lo — Lorraine falou, confiante. — Fará tudo o que deve fazer. — Bem, então você está livre para voltar ao hotel, por esta noite — Thomas reafirmou. — Mais uma vez, obrigado — disse Jason. Jason, Lorraine e Thomas saíram juntos da delegacia. O policial guardou os pertences na mochila e devolveu-a a Jason. Thomas insistiu em acompanhá-lo até o hotel e parou para conversar com o proprietário, um senhor idoso que recebeu Thomas calorosamente. Embora Lorraine não entendesse o que diziam, o assunto da conversa era óbvio. O dono do hotel deveria "ficar de olho" em Jason. Thomas só comentou o papel de Lorraine naquela história quando estavam quase aproximando-se da casa.
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Bestseller — Por que você mentiu, quando disse que é esposa de Jason? — perguntou, sem rodeios. — Eu... eu não sabia o que fazer. — Mesmo estando ciente de que isso o desagradava, Lorraine não tinha como evitar. — Não foi algo que planejei fazer. Mas, quando ele disse que eu era sua esposa... — Encolheu os ombros, impotente. — De qualquer forma, sei que Jason é inocente. — Tem certeza mesmo? — Sim, é claro — ela afirmou, sem pensar duas vezes. — Sim — repetiu, enfática. Thomas estava prestes a falar alguma coisa, mas parou abruptamente. — Antônio — ele chamou quando o menino correu na direção dele, com um garoto mais velho que Lorraine não reconheceu. Antônio era uma das crianças que estavam brincando no quintal da casa, ela lembrou. Era evidente que algo errado acontecera, pois o menino despejou uma torrente de palavras em espanhol, quase como se não conseguisse falar tão rápido quanto deveria. Thomas ouvia e, pela expressão de seu rosto, Lorraine viu suas suspeitas confirmadas. Ele virou-se e segurou-lhe os braços com força. — Precisamos tirar você daqui. — Tirar-me daqui? — ela repetiu, atônita demais para pensar. — Um dos policiais examinou sua mala, enquanto estávamos na delegacia. — Mas isso é ilegal! — ela exclamou, ultrajada. — Raine — Thomas falou, sacudindo-a como se quisesse despertá-la para a verdade dos fatos. — Eles encontraram a peça roubada!
CAPÍTULO V
Jack estava a bordo do Scotch on Water vendo o sol mergulhar no céu rosado. Aquela era a hora do dia que ele mais gostava. Logo a lua iria erguer-se sobre a água, espalhando seus brilhantes reflexos prateados. Apoiou os pés na amurada
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Bestseller do barco e pegou uma garrafa de sua cerveja mexicana favorita. Um céu claro, uma cerveja na mão e a cabeça livre de preocupações. A vida não poderia ficar melhor do que isso. Sem nada além do pôr-do-sol para distraí-lo, Jack deixou a mente divagar, pensando em seu amigo Thomas Dancy. Quando Thomas ficara sabendo da visita da filha, correra de volta para a escola, prometendo procurá-lo mais tarde. Diabos, Jack nem sabia que Thomas tinha uma filha. E, a julgar pela reação de Dancy, certamente a visita dela nem mesmo era esperada. Não tivera mais notícias do amigo desde então, mas logo teria. Thomas era um homem de palavra. Jack até atrasara seu jantar, preferindo esperar que Azucena o deleitasse com uma de suas especialidades. Puxa, como ela cozinhava bem! Sentiu água na boca, só de pensar no que ela era capaz de fazer com um peixe fresco, uns dois tomates, pimentões e alguns temperos. As tortillas que ela fazia, quentinhas e recém-saídas da grelha, eram as melhores que ele já provara. E, caso ela estivesse disposta, Jack pretendia pedir que lhe cortasse os cabelos, também. Deveria fazer a barba antes do jantar, pensou, enquanto passava a mão pelo rosto. A barba de vários dias era como uma lixa em sua palma. Fora bom rever Thomas, mesmo se o encontro tivesse sido interrompido de repente. Jack havia se esquecido do quanto apreciava a companhia de Dancy. Dera mais risadas na meia hora em que passara com Thomas do que em semanas. Decidira ficar por ali até depois que o bebê de Azucena nascesse, e pretendia passar algum tempo com Antônio e Hector, também. Os dois meninos eram muito divertidos, e não lhe fazia mal algum saber que ambos praticamente o idolatravam. Embora seus planos para a noite tivessem sido alterados, a tarde não fora perdida. Ele havia enchido os tanques do barco com combustível e já comprara todos os mantimentos. Estes seriam entregues logo cedo, na manhã seguinte. Tendo as opções de seguir na direção da Flórida ou de Belize, ele decidira retornar ao país da América Central, e tomaria o rumo para o sul assim que lhe desse vontade. — Jack! A urgência contida naquele chamado o pegou de surpresa. Tirou os pés da amurada e levantou-se, o corpo ficando subitamente tenso e alerta. Então, inclinou-se na amurada, olhando na direção das docas.
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Bestseller Thomas vinha correndo pelo píer, trazendo pela mão uma loira, vestida com um conjunto branco. Jack reparou que a mulher tinha dificuldade de acompanharlhe o passo e, por um breve instante, refletiu se seria a filha de Dancy. A bolsa que ela trazia no ombro balançava loucamente, ameaçando escorregar a qualquer momento. Os dois ofegavam e, ao que parecia, estavam discutindo. A medida que se aproximavam, Jack foi capaz de entender as palavras. — Antônio é seu filho, não é? — Ela virou-se para Thomas, è Jack captou um tom de raiva em sua voz. — Agora não temos tempo para falar sobre isso — disse Thomas. — Ele o chamou de "papa". Quantos outros filhos o senhor tem? Quantas esposas? — Então, como se devesse ter percebido antes, ela acrescentou: — Azucena... ela é sua amante, não é? Meu Deus, ela deve ser uns três ou quatro anos mais velha do que eu! — A voz dela soava chocada e ultrajada, mas calou-se quando chegaram mais perto do barco. O rosto de Thomas estava tenso pela frustração. — Estou aqui para lhe pedir um favor, Jack — ele disse, encarando-o de frente. — Às suas ordens — Jack respondeu, sem nem mesmo querer saber o que seria. Poucas pessoas no mundo mereciam tal resposta, mas Jack gostava de Thomas e confiava nele. — Raine, este é Jack Keller. Jack assentiu para ela, preferindo ignorar o fato de que os dois estiveram discutindo. — Muito prazer em conhecê-la, Raine. Ela mal olhou para ele. — Prefiro ser chamada de Lorraine — disse, com o calor de uma cobra. Ora, ora, ora... — Lorraine — Jack corrigiu-se, resistindo ao impulso de ser sarcástico. Thomas não perdeu tempo com rodeios. — Jack, preciso que você a leve de volta para os Estados Unidos, sem que as autoridades daqui fiquem sabendo. Jack percebeu o pânico na voz do amigo, e também em seus olhos. — Em outras palavras, não quer que ela passe pela alfândega. — Exatamente. — Thomas acrescentou: — E vocês precisam partir agora. Neste exato instante.
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Bestseller — Problemas? — Jack perguntou, ignorando a presença de Lorraine. — E dos grandes. — O senhor está exagerando — Lorraine intrometeu-se. — Tão logo eu consiga explicar a situação, tenho certeza de que... — Não temos tempo para discutir, Raine — Dancy interrompeu-a. — A última coisa que devo fazer agora é fugir — ela retrucou. — Sair correndo desta maneira faz com que eu pareça culpada. Prefiro enfrentar as autoridades do que... — Fez uma pausa, lançando um olhar de desprezo para Jack. — Do que ter de depender dele. Aparentemente ele não se encaixava nos moldes dela, Jack pensou. E, para falar a verdade, ele tampouco estava encantado com a idéia de tê-la como companhia. — Precisamos mandá-la de volta para os Estados Unidos — Thomas insistiu, enfático. — Se você for presa, Raine, não terei como ajudá-la. E a polícia estará aqui a qualquer minuto. Agora, vá! Pelo amor de Deus, vocês têm de partir agora! Polícia? Prisão? Ela? Jack não podia imaginar o que ela teria feito para cair em tal desgraça com as autoridades, mas fosse lá o que fosse, só podia ser algo muito grave. — Leve-a! — Thomas praticamente empurrou-a na direção de Jack. — Tire-a logo daqui! — Minha mala... minhas roupas! Não posso ir embora assim! Além disso, ainda temos muito o que conversar. — A polícia está com sua mala! De qualquer forma, acha que a deixariam com você, quando o sargento Lopez a levar para a cadeia? Acha? — Thomas parecia estar perdendo o controle e elevou a voz, com medo e raiva. — Acredite, Lorraine, você não gostaria de ver o interior de uma cadeia mexicana. Agora, diabos, saia logo daqui! — Estava gritando, gesticulando freneticamente para que Jack a levasse. Desamarrou a corda que prendia o barco ao píer e jogou-a no convés. — A embaixada americana poderá me ajudar — Lorraine falou enquanto subia à bordo com relutância. O Scotch on Water balançou levemente com sua entrada. — Quando eu explicar que não sei nada a respeito da peça roubada — prosseguiu, — ele acertarão tudo com o governo mexicano. Mesmo sem saber o que estava acontecendo, Jack podia ver que a garota vivia no mundo da fantasia. Assim que estivesse nas mãos das autoridades mexicanas, haveria pouco que alguém pudesse fazer para ajudá-la. A disposição — e a
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Bestseller capacidade — que a embaixada americana teria para agir em seu favor era algo que dava margens à especulação. E Thomas sabia disso, tão bem quanto ele. — Por favor... vá embora — Thomas implorou. — Mas... O motor do barco rugiu ao ser acionado. Uma explosão de fumaça espalhou-se poluindo o ar. — Mas eu acabei de chegar! — Lorraine gritou. O pedido esganiçado em sua voz podia ser ouvido acima do barulho do motor. — Eu... ainda há tantas coisas que preciso saber antes de ir embora... Isso não está certo! Nada disso está certo! Jack ouviu seu desespero, mas não sentiu nenhuma solidariedade. — Eu também não queria que fosse assim — Thomas falou. Devagar, como se isso lhe cortasse o coração, afastou-se do barco. — Vou descobrir um jeito de encontrá-la — prometeu. —Você está levando uma carga preciosa, meu amigo — disse a Jack, os olhos repletos de dor. — Leve-a de volta para os Estados Unidos em segurança, por mim. A situação era crítica, isso estava mais do que óbvio. Sem esperar mais, Jack subiu no convés. Thomas permaneceu parado no píer, observando-os enquanto se afastavam. Olhando por sobre o ombro, Jack viu que Lorraine mantinha-se na parte de trás do barco. Ele empurrou a alavanca para a frente, manobrando a embarcação para fora das águas protegidas da marina. Lorraine recostou-se na amurada e cruzou os braços. Mesmo de costas para ela, Jack percebia o quanto estava furiosa. Talvez ficasse tentada a pular na água e nadar até a terra, mas isso era algo que ele não recomendaria. Não demorou muito para que a sensação de vazio em seu estômago o fizesse lembrar de que ainda não havia comido. Além disso, havia poucos mantimentos a bordo. Os suprimentos que ele encomendara, e pelos quais pagara, ainda estavam no depósito do fornecedor em El Mirador. Não apenas estava sem mantimentos, como também teria de agüentar aquela garota que, com certeza, iria irritá-lo cada vez que abrisse a boca. Não, não era assim que ele havia imaginado passar aquela noite. Não, senhor. Não, mesmo.
Lorraine ficou parada no convés do barco, observando as luzes de El Mirador desaparecerem aos poucos. Não tinha certeza de quando tempo ficara ali,
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Bestseller tentando entender tudo o que acontecera naquela última hora. Parecia-lhe que apenas alguns minutos atrás estivera desfrutando de uma deliciosa refeição em companhia de seu pai, começando a conhecer aquele homem que ela imaginara ter perdido para sempre. Sentiu o rosto ruborizar ao lembrar-se da maneira como elogiara sua "governanta". Aquele caso da "Estrela de Kukulcan" a deixara completamente chocada, e fazia com que se sentisse ainda mais idiota. Estava evidente, agora, que Jason Apple-bee — se este fosse realmente o nome dele — a usara para corroborar sua história. Ele a enganara, fazendo-a mentir em seu favor, sabendo que as autoridades procuravam um homem que viajava sozinho. Não era de admirar que quisesse que ela dissesse à polícia que eram casados. Gemeu baixinho, diante da própria estupidez. Havia acreditado na inocência dele até o amargo fim — quando ficara sabendo que a peça fora encontrada em sua bagagem. Certamente, isso não dizia muito sobre sua capacidade de julgar o caráter de alguém. No que se referia à aparência, Jason poderia ter facilmente cortado e tingido os cabelos. E, quanto a esconder o objeto em sua mala, ele poderia ter feito isso quando ela subira no ônibus e ele ficara para guardar a bagagem com as outras. E como havia sido conveniente para ele, deparar-se com uma americana ingênua e confiante como ela. Se tivesse de aprender alguma coisa dos acontecimentos daquele último mês, era que não podia confiar nas aparências. Agora, por causa de Jason e da sua própria ingenuidade, estava num barco com aquele... com aquele cabeludo, fosse quem fosse. Jack Keller parecia um surfista relaxado que passara tempo demais no sol. Aparentemente, morava naquele barco. Seus cabelos eram de um loiro descorado, o corpo tinha um escuro bronzeado. Mesmo se lembrasse que não devia confiar nas aparências, isto era algo que não podia evitar de fazer, com aquele sujeito. Ele parecia tão indolente e irresponsável... Seu pai devia estar desesperado para entregá-la nas mãos daquele desajustado. Estavam no mar havia mais de uma hora, antes que um deles falasse. — Procure alguma coisa de comer, sim? — Jack chamou da frente do convés. O tom da voz dele a deixava exasperada — era como se esperasse que ela estivesse à sua disposição durante toda a viagem. Lorraine pensou em esclarecer logo como seriam as coisas, mas conteve a irritação. Afinal, ele estava fazendo um favor ao seu pai. — Onde quer que eu procure? — gritou de volta.
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Bestseller — Tente na cozinha — ele disse, como se ela devesse ter desconfiado sozinha de algo tão óbvio. O barco sacudia e chacoalhava com o movimento, enquanto Lorraine seguia na direção do convés inferior, o que não foi uma tarefa fácil pois os degraus eram incrivelmente íngremes. Uma vez lá em baixo, viu-se no mais triste e minúsculo arremedo de cozinha que poderia imaginar. Demorou-se um instante olhando à sua volta e encontrou um vaso sanitário e um chuveiro, espremidos num espaço impossivelmente pequeno. O único outro cômodo, se é que poderia ser considerado assim, era onde, obviamente, Jack dormia. Havia um catre estreito, repleto de roupas jogadas. Estantes com livros cobriam as paredes, e ele havia pendurado várias armas ali, junto à luminária. Como jamais estivera perto de alguém que possuía uma arma, Lorraine não fazia idéia de que calibre eram aquelas, mas não se pareciam com nenhuma que tivesse visto em filmes. Voltando à cozinha, encontrou uma laranja enrugada na geladeira, juntamente com quatro ou cinco cervejas. Afastou as cervejas, com uma vaga recordação do filme The African Queen, no qual Katherine Hepburn passava quase todo tempo jogando fora as bebidas de Humphrey Bogart. Uma investigação mais atenta levou-a a descobrir uma tortilla ressecada e uma lata de sardinhas aberta, cujo cheiro deixou-a nauseada. Sem outra escolha, descascou a laranja. Ao terminar a tarefa, sentiu o estômago revirar. — Eu... acho que estou ficando enjoada — disse quando levou a laranja para Jack. — Você tem alguma sugestão? — Quando vomitar, certifique-se de virar a cabeça para fora do barco. Se sujar o convés, você vai ter de limpar. — Obrigada pelo conselho encantador — ela resmungou enquanto caminhava cuidadosamente de volta para o convés principal. O mar já não estava mais tão calmo, como estivera logo que saíram, e balançava violentamente a embarcação. Scotch on Water — que nome ridículo para um barco, ela pensou — agitava-se para cima e para baixo pelas ondas e, a cada movimento, ela sentia o estômago contrair-se. Determinada a não vomitar, Lorraine sentou na única cadeira do convés e pressionou as mãos no estômago. Mas isso não ajudou muito. Estava tremendo de frio e transpirando, tudo ao mesmo tempo. Não demorou muito para que levantasse da cadeira de um salto e corresse para a amurada do barco. O pouco que havia comido na casa de seu pai, antes da
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Bestseller chegada da polícia, logo desapareceu. Ainda tremendo, ela fechou os olhos e respirou fundo. Finalmente, tudo parecia terminado. Endireitou o corpo e gemeu alto, sem importar-se mais se Jack iria ouvir ou não. Estava sentindo-se mal demais para manter as aparências. — Melhorou? — ele perguntou. — Não. Piorei. Lorraine podia jurar que ele estava divertindo-se. Iria simplesmente ignorá-lo, decidiu enquanto enxugava o rosto com as mãos. — Vá deitar-se um pouco. Mas sugiro que não faça isso no convés inferior. Lorraine não tinha a menor intenção de dormir naquela cama horrível, e não parecia haver outro lugar. Se não estivesse sentindo-se tão mortalmente nauseada, teria deixado isso bem claro. Jack desapareceu por alguns minutos e retornou trazendo um travesseiro e um cobertor. Atirou-os na cadeira. — Obrigada — ela conseguiu dizer, virando a cabeça de um lado para outro, sentindo-se mais miserável do que jamais imaginara sentir-se em toda sua vida. Ele resmungou alguma coisa mas, na opinião de Lorraine, não parecia muito solidário. — Quanto tempo levaremos para chegar aos Estados Unidos? — ela perguntou, com voz fraca. Ele não respondeu de imediato. — Mais tempo do que qualquer um de nós gostaria — disse, afinal. Lorraine tinha certeza de que ele estava certo.
Quando Jason voltou ao hotel — tendo Dancy em sua companhia — já havia se convencido de que o tempo era essencial. Thomas e Lorraine haviam saído, depois de intermináveis recomendações e despedidas, e agora ele estava novamente em seu quarto, guardando as poucas coisas que tirara da mochila. Sabia que não demoraria muito até que as autoridades descobrissem sua mentira e, quando isso acontecesse, não haveria conversa que os impedisse de prendê-lo. Precisava seguir seu rumo, e depressa. Diabos, ele não esperava que a polícia seguisse sua trilha com tanta perícia. O curativo em sua mão devia ter alertado o atendente da bilheteria da rodoviária, pensou. Admitiu que fora um erro seu acreditar que a polícia não daria o alerta nas
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Bestseller estações de ônibus. Não era possível que sua fotografia já estivesse circulando... ou seria? De qualquer forma, havia mudado a aparência da melhor maneira que pôde. Cortou e tingiu os cabelos, tirou os óculos e colocou lentes de contato coloridas, mudou o estilo das roupas. Porém, não havia nada que pudesse fazer quanto ao profundo corte em sua mão. E devia ter sido exatamente isso que o delatara. Havia contado com Lorraine para confundir as autoridades, no entanto, assim que se registrara no hotel os policiais chegaram. Mal tivera tempo de assinar o registro e subir para seu quarto. Encaminhou-se em silêncio para o corredor, a fim de checar as saídas, e viu que o proprietário levara a sério as recomendações de Dancy e pretendia mantê-lo sob constante vigilância. Dancy não era um idiota tão completo quanto a filha. Retornando ao quarto, Jason enfiou uns poucos e esparsos objetos na mochila, incluindo um canivete que deixara escondido sob o travesseiro. Ou a polícia não o encontrara, ou nem se preocupara com isso. Quando terminou, olhou pela pequena janela que dava para a rua. Um carro de polícia acabava de estacionar diante do hotel. Sem tempo para perder, Jack pegou a jaqueta e a mochila e esgueirou-se silenciosamente para fora do quarto. Deu de frente com o proprietário na escada dos fundos. A conversa entre eles foi breve. O erro do velho foi imaginar que poderia detê-lo. A luta para silenciá-lo custou a Jason minutos preciosos. Gostaria de ter evitado mais uma morte, mas esta foi impossível. E a culpa era toda de Dancy. Quando Jason alcançou a saída dos fundos do hotel, pôde ouvir os policiais subindo as escadas correndo, na direção do seu quarto. Foi por pouco, pensou. Muito pouco. Agora precisava encontrar Lorraine. Durante a viagem de ônibus havia feito de tudo para convencê-la a registrar-se no hotel. No entanto, não quisera insistir demais para não levantar suspeitas. Mas antes de deixá-la, naquela tarde, ficara sabendo onde Dancy morava. Escondeu-se até que a noite descesse de todo e depois foi seguindo através de uma série de ruazinhas laterais até a casa do professor, nos limites da cidade. Felizmente El Mirador tinha ruas planas e com quarteirões delimitados, e a lua estava cheia e brilhante. Jason havia seguido outras pistas em condições bem mais adversas — e recentemente, a propósito. Não deveria ser muito difícil encontrar Lorraine.
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Bestseller Ela era a chave de tudo. E, assim que tivesse o que queria dela, simplesmente desapareceria outra vez. Um cachorro latiu enquanto ele seguia pela rua de terra. Temendo ser descoberto, esgueirou-se pelo lado mais escuro de uma casinha de tijolos. Então, num maravilhoso golpe de sorte, Jason avistou Thomas Dancy correndo na direção das casas, chamando por alguém de nome Azucena. Uma mulher grávida saiu correndo da casa que ficava bem em frente de onde Jason se escondia, e atirou-se nos braços de Dancy, soluçando. Os dois abraçaram-se como se tivessem ficado separados por um ano. A paciência de Jason começava a se esgotar, até que conseguiu captar as palavras da mulher. Então, a polícia havia vasculhado a casa e encontrara a peça... Maldição. — Onde está Lorraine? — a mulher perguntou, em espanhol. Jason também estava muito interessado em descobrir. — Com Jack. — Você a entregou a Jack Keller? — E eu tinha outra escolha? — Dancy retrucou. — Precisava tirá-la daqui antes que a polícia a prendesse. Novamente Jason admirou a inteligência de Thomas. Ele agira certo ao mandá-la embora, pois do contrário a polícia não lhe daria a menor chance de se explicar. Sorriu, lembrando-se da facilidade com que ela acreditara em suas histórias... e de como estivera disposta a falar sobre si mesma. Ele quase detestara ter de envolvê-la em tudo aquilo, mas agora não havia nada que pudesse fazer. — Jack é um bom amigo — Thomas dizia. Puxou a mulher para mais perto quanto permitia a enorme barriga, e beijou-a no alto da cabeça. — Confio nele para levar sua filha em segurança de volta ao seu país. — O México é o meu país, agora — Dancy falou, porém mesmo àquela distância Jason percebeu a tristeza em sua voz. — E em breve você será a minha esposa. A mulher ergueu o rosto e olhou para Dancy. Jason não conseguiu ver-lhe a expressão. — Estou livre para casar com você — Dancy explicou.
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Bestseller — Não preciso da bênção de um padre para ser sua mulher. Em meu coração, sou sua esposa há muito tempo. Meu corpo abriga seu filho e, nesta casa, nossos filhos estão dormindo. Tenho tudo o que preciso. — Eu também — Dancy falou, passando o braço em torno dos ombros dela e guiando-a de volta para a casa. Jack Keller, Jason repetiu consigo mesmo. Agora que tinha um nome, ele também tinha tudo o que precisava. Lorraine acordou com o sol batendo direto em seus olhos. Seu corpo rebelavase por ter passado a noite na cadeira do convés. A garganta estava seca e irritada por causa das náuseas. Seu pescoço estava rígido, dolorido. Porém, os desconfortos físicos não eram nada, se comparados com a dor que sentia em seu coração. Os eventos do dia anterior passaram num relance pela sua mente, e ela começou a sentir-se zonza ao pensar em tudo o que acontecera. Menos de vinte e quatro horas atrás, ela havia despedido-se de Gary no aeroporto. Depois, o vôo, a viagem de ônibus, o encontro com seu pai... e a traição de Jason. A polícia. O barco de Jack... Um único dia parecera mais longo do que uma vida inteira. Talvez pela primeira vez em sua vida, fora dormir sem lavar o rosto e escovar os dentes. Seus cabelos estavam despenteados e o estômago vazio. O que conseguira comer, na noite anterior, acabara alimentando os peixes. Um ruído assustou-a e, ao olhar para cima viu Jack parado no convés, com as mãos nos quadris enquanto examinava o luminoso mar azul. A aparência dele era tão lastimável durante o dia quanto fora à noite. Ou melhor, parecia ainda mais desleixado e intratável. — Bom dia — ela arriscou. Jack limitou-se a olhá-la, sem retribuir o cumprimento. Aparentemente era do tipo que ficava de mau-humor de manhã. — Quer que eu faça um café? — ela perguntou. Apesar de seus modos rabugentos, Lorraine queria que ele soubesse que ela estava grata pela ajuda. E mais do que disposta a fazer a sua parte. — Cozinhe alguns ovos, enquanto isso — ele zombou. Ela hesitou, sem entender a malícia na voz dele. — Tudo bem. Como gosta dos ovos? — Não muito cozidos — ele disparou. — Prefiro a gema mole.
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Bestseller — Está bem. — Lorraine não estava completamente segura de como faria tudo isso, mas daria um jeito. — Então, se tiver a bondade de me dizer onde estão o café e os ovos, posso começar a providenciar. — Onde estão o café e os ovos? — Jack repetiu, com exagerada lentidão. — Você não sabe? — Não. Lorraine não havia visto nada disso na cozinha, quando pegara a laranja para ele. Talvez estivessem numa outra geladeira, em algum lugar, ou num recipiente de isopor. — Meus mantimentos ficaram em El Mirador. — Mas... — Lorraine demorou alguns segundos para registrar tal informação. — Quer dizer que não temos nenhuma comida? — É exatamente o que estou dizendo. Ela sentiu-se dez vezes mais faminta, agora que sabia disso. — O que vamos fazer? — perguntou, alarmada. — Pescar. As sardinhas são uma boa isca. Ela fez uma careta. — O que há de errado, agora? — Jack inquiriu, impaciente. Parecia uma tolice, diante das circunstâncias, mas, afinal, ele perguntara. — Não suporto ver nada morrendo, nem mesmo um peixe. Ele riu, como se considerasse tal coisa extremamente engraçada. — Então, não coma.
CAPÍTULO VI
Aquela mulher era completamente inútil. E, mesmo se já não tivesse percebido antes, agora Jack não tinha mais dúvidas. — Vou pescar — Lorraine falou, depois de um extenso silêncio. — Mas me recuso a... limpar os peixes.
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Bestseller Ela deu-lhe as costas. A desaprovação irradiava dela como ondas sonoras. Seu nariz estava tão empinado, Jack pensou divertido, que era de se espantar que um passarinho não pousasse nele. — Por acaso você também tem alguma dificuldade para enfrentar o trabalho pesado? — ele perguntou, mas sem querer iniciar uma discussão. Na verdade, estava mais interessado em saber o quanto poderia pressioná-la. — É claro que não. Faço qualquer tipo de trabalho. Era cedo demais para brigar. Além disso, ele estava quase morto de fome. Sentia falta do café que costumava tomar todas as manhãs e não tinha a menor disposição de lidar com uma passageira inesperada, especialmente alguém que lhe causara tantos transtornos quanto aquela garota. Como se isso não bastasse, ela parecia não reconhecer o favor que ele estava lhe fazendo ao evitar que fosse parar na cadeia. — Quero saber o que você planeja fazer em relação a esta nossa situação desagradável — ela disse em seguida. Ora, me desculpe. Tudo o que Jack precisava, agora, era que Sua Alteza começasse a lhe dar ordens. — Eu já lhe disse isso. De costas para ela, Jack preparava a primeira vara de pescar. Prendeu a isca, pois comer a sardinha era algo que ele nem sequer cogitaria em fazer, e prendeu o caniço no lugar. Assim que concluiu esta tarefa, passou para a segunda vara. Com duas linhas na água, duplicava suas chances de conseguir o desjejum. Diabos, ainda nem fizera uma coisa tão simples quanto pescar um peixe, e a senhorita "faço-qualquer-tipo-de-trabalho" já tratava de deixar bem claro que hão sujaria de sangue os seus delicados dedinhos. — Você passa mal quando vê sangue, não é? — ele provocou. — Nem tanto — ela respondeu, com arrogância. Jack arqueou a sobrancelha e acabou de ajustar o segundo caniço. — Apenas acho que pescar é uma selvageria. — Você pode comer o peixe ou, como eu disse antes, ficar sem o desjejum. — Tudo bem. Ao contrário dele, Jack pensou, ela havia jantado na noite anterior... o jantar que ele deveria ter comido na casa de Thomas. Se queria ou não comer o desjejum era problema dela, e Jack não dava a mínima para isso.
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Bestseller — Ahn... Eu entendo o que você deve estar pensando — ela disse, aparentemente reconsiderando. — Não é que eu não me sinta grata pelo oferecimento, mas... — Ei — ele interrompeu, afastando-se da amurada. — Fique à vontade e faça o que achar melhor. — Ligou os motores e o barco movimentou-se a uma velocidade suave. Lorraine parecia prestes a ficar enjoada novamente. A cor de seu rosto mudou de um saudável rosado para uma súbita palidez, seguindo-se quase imediatamente por um tom esverdeado. Jack resistiu ao impulso de lhe perguntar como estava se sentindo, mas parecia crueldade demais, até para ele mesmo. Apenas um olhar lhe dava a resposta. Sua Alteza cambaleou até a cadeira e ali desabou. A sorte estava do seu lado e, em menos de dez minutos apanhou o primeiro peixe, um vermelho que daria uma excelente refeição. Lorraine não se moveu de seu trono durante todo o tempo que ele levou para apanhar o desjejum. Nem demonstrou o menor sinal de interesse quando ele levou o peixe para baixo, limpou-o, cortou-o em filés e fritou-o numa frigideira. O aroma de peixe frito deixava-o com água na boca. E não poderia estar mais fresco. Jack poderia ter comido na cozinha como fazia muitas vezes, mas agora, com uma boa dose de exibicionismo, levou outra cadeira para o convés e deixou-a ao lado de Lorraine. Depois, pegou seu prato e uma cerveja gelada e acomodouse. Ela olhou de relance na direção dele apenas uma vez, e Jack reconheceu aquele olhar. Fome. Depois de insistir que não gostava de peixe, seu orgulho não lhe permitiria ceder e desfrutar de uma deliciosa refeição... nem mesmo se ele lhe oferecesse. — Não quero ser insistente, mas... — ela murmurou. — Isso é um dom. — Um dom? — ela repetiu. — Ser insistente. Parece que você tem um verdadeiro talento para isso. Tais palavras silenciaram-na por uns poucos minutos, como Jack desconfiara. — O que vamos fazer com relação à falta de mantimentos? — Lorraine perguntou, após um instante.
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Bestseller Pelo tom de forçada calma na voz dela, Jack podia perceber que estava tendo dificuldade em controlar o temperamento. Imaginou que, provavelmente, ela não perdia o controle com freqüência, afinal, uma bela e refinada jovem sulista como ela devia ter sido treinada para ser daquele jeito da mesma forma que o Exército ensinara a ele os princípios militares básicos. — Vou responder sua pergunta se você responder a minha — ele disse, saboreando o último bocado de peixe e tomando um gole da cerveja. Sobrara bastante comida na cozinha, mas ele não mencionou. Se ela quisesse comer, teria de pedir. — Está bem — ela disse, com evidente relutância. O barco passou a balançar suavemente e Lorraine recuperou um pouco da cor no rosto. Um bom sinal, Jack supunha. Até que se acostumasse com o balanço, ela continuaria sentindo-se péssima. Mas ele não tinha certeza se preferia que fosse assim. Doente como estava, ela ainda conseguia ser uma maldita amolação. Detestava pensar no quanto ela o irritaria quando estivesse cem por cento saudável. — Você queria me perguntar alguma coisa? — Ela parecia impaciente. Jack calculou bem o que iria dizer. Sem dúvida era uma distração provocá-la, mas sentia-se um tanto confuso acerca da inexplicável necessidade de saber tudo o que podia sobre ela. Talvez fosse por causa de Thomas: simplesmente queria saber que tipo de mulher era a filha de seu amigo. — Sei que não é da minha conta — começou, — mas parece que não consigo conter a curiosidade. — Emitiu um risinho seco. — Como é o seu marido? É tão "certinho" quanto você? Os olhos de Lorraine baixaram para a aliança de casamento na mão esquerda, como se estivesse surpresa em vê-la ali. "Será que ela já se esqueceu do sr. Seja-lá-quem-for?", Jack pensou. — Imagino que vocês dois formem um belo par — ele prosseguiu. — Será que de vez em quando dão uma "rapidinha"? — O que foi que disse? — Ora, você sabe... quando a gente fica tão louco que mal dá tempo de tirar as roupas. É quando o sexo fica melhor, não acha? Quando se está transpirando de excitação, agarrando-se contra uma parede ou,, melhor ainda, sobre a mesa da cozinha. Lorraine arregalou os olhos, como se não pudesse acreditar no que ouvia.
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Bestseller — Acho que você está sendo vulgar e ofensivo. Jack riu. Era realmente divertido provocá-la. — Você gosta de mim tanto quanto eu gosto de você. Por mim, tudo bem. Mas não se pode culpar um sujeito por estar curioso em saber que tipo de homem que se casaria com uma mulher tão pretenciosa quanto você. — Não sei o que faz pensar que... — Aposto que você e seu marido "arrumadinho" fazem amor todas as quartas e sábados, pontualmente às dez da noite. — Isso não é da sua conta! Ele tornou a rir. — Estou certo, não é? E vocês nem tiram o pijama. E, depois que terminam, murmuram sons educados, trocam um beijinho no rosto, viram de lado e dormem. — Há algum motivo para que você esteja tão interessado na minha vida amorosa? — ela perguntou. Lorraine fingia estar entediada, mas sem muito sucesso. Jack observou o rubor cobrir-lhe o rosto e o pescoço. Ignorou a pergunta. — Será que se interessa pela vida amorosa de todas as mulheres que conhece — Lorraine falou, ainda fingindo uma frieza que na verdade não sentia —, ou é apenas comigo? Jack encolheu os ombros com desprezo, como se sugerisse que alguém como ela seria a última mulher na face da terra a deixá-lo tentado. — Só estou curioso — respondeu. — Não estou fazendo nenhuma pesquisa, ou algo assim. No entanto, por mais que ele odiasse admitir, Lorraine tinha razão. Ele não costumava provocar as mulheres daquele jeito. Mas havia algo, nela... Eram as roupas que ela usava, decidiu. O conjunto de calça e casaquinho, tão formal e conservador. Ninguém usava branco, por ali. Não que a roupa ainda estivesse branca. E tampouco ajudava muito o fato de que o traje a vestia como uma luva. Ela havia tirado o casaquinho, e a blusa rosa-choque ajustava-se em sua cintura, permitindo que ele especulasse sobre o suave volume de seus seios. Jack balançou a cabeça. A garota não tinha mesmo juízo. Se ele nutrisse algum desejo nefasto em relação a ela — o que certamente não acontecia — ela veria-se numa encrenca séria. — Você já me fez uma pergunta, sr. Keller, por mais estúpida que tenha sido, e agora é a minha vez.
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Bestseller — Fique à vontade. — Ele fez um gesto na direção dela. — Estou vendo que já começou a beber. Não creio que seja uma boa idéia. — É para você me fazer uma pergunta, benzinho, não para me passar um sermão. — Tudo bem — ela resmungou, enviando-lhe um olhar de pura repugnância. — O que pretende fazer, exatamente, quanto à falta de suprimentos? Ele riu diante da pergunta nitidamente tola. — Não há nada com que se preocupar, Alteza. Para o próprio bem, Lorraine ignorou a ironia. — Então, o que vamos fazer? A resposta parecia óbvia: — Vamos comprar mais, é claro. Lorraine nunca antipatizara tanto com uma pessoa, em toda sua vida. Jack Keller era rude, insensível e vulgar. Estava além de sua compreensão o motivo por que seu pai a entregara nas mãos daquele... selvagem. Com relutância, concluiu que sua situação deveria ser muito mais perigosa do que havia imaginado. A manhã parecera interminável. O sol a atingia com uma intensidade que lhe roubava todas as forças. Toda sua vontade a abandonara. Jack parecia ter imenso prazer em ridicularizá-la, chamando-a por nomes absurdos como "Sua Alteza". Disparava insultos quase tão rapidamente quanto palavrões. Quando não estava zombando dela, chamava-a de Raine. A única pessoa que a chamara assim fora seu pai. E quando Jack fazia isso, dava a impressão de estar falando com uma criança desobediente. O único aspecto positivo da manhã foi que, finalmente, ela acostumara-se ao movimento do barco na água, embora não tivesse certeza se isso era devido ao seu estômago completamente vazio. Mas, de qualquer forma, era um alívio. Jamais estivera num barco, antes, e não fazia idéia do que poderia acontecer em seguida. Perscrutando o horizonte, Lorraine subitamente avistou sinais de terra — uma elevação verdejante à distância. Isso deixou-a tão animada que levantou-se desajeitadamente da cadeira e arrastou-se até os fundos do barco. — Onde estamos? — perguntou. — No México.
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Bestseller — Disso eu sei — ela retrucou, tentando não soar sarcástica. Naquele ponto, era difícil. Exalou um suspiro alto e expressivo. — Vamos comprar os mantimentos ali? — perguntou, apontando. — O plano é este. Lorraine mal conseguiu esconder seu alívio. Estava claro que para ela, se não para Jack, seria impossível prosseguir aquela viagem sem que obtivessem alguma comida. Enquanto seguiam na direção da terra, Lorraine reparou que havia vários hotéis luxuosos localizados perto da praia. — Que cidade é esta? — indagou quando a curiosidade sobrepujou sua mávontade em lhe fazer quaisquer outras perguntas. — Campeche — ele limitou-se a responder. Lorraine lembrou-se de ter lido sobre a cidade, quando buscara as informações sobre a Península de Yucatán. Pelo que recordava, a cidade tinha uma população de mais de duzentos e cinqüenta mil habitantes e era um dos pontos turísticos que mais rapidamente cresciam em toda a região. E também existiam diversas ruínas Maias nas proximidades. — Não fique muito esperançosa — Jack resmungou. — O que está querendo dizer? — Nós não vamos para Campeche. — Não? — Ela franziu a testa, desapontada. — Mas... — Não podemos nos arriscar. Na opinião dela, provavelmente estariam mais seguros numa cidade grande, onde poderiam misturar-se à multidão anônima. Mas não que ele lhe desse a chance de expressar tal opinião, ou que parecesse interessado em saber. — Bem, se não é para Campeche, então para onde vamos? — La Rutta Maya — ele disse. — Significa "rota dos Maias". É um vilarejo na costa, fica um pouco abaixo de Campeche. A tradição diz que o vilarejo era a via principal dos comerciantes maias, um século atrás. Jack fez uma breve pausa e acrescentou: — Já ancorei no vilarejo outras vezes. Podemos comprar os mantimentos com um mínimo de alvoroço e, assim, entrarmos e sairmos do porto rapidamente. — Entendo.
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Bestseller — Acho que não — Jack falou, estreitando os olhos. — Não podemos correr o risco de ser vistos. Com esta roupa que você está usando e com seus cabelos loiros, vai dar mais na vista do que uma bandeira vermelha na frente de uma manada de touros. — E o que quer que eu faça? — ela disparou. — Quer que eu mergulhe na água e prenda a respiração até que você volte? — Não é má idéia. Lorraine teve de cerrar os dentes para impedir-se de dizer alguma coisa da qual, certamente, iria arrepender-se depois. Ninguém nunca tivera o poder de enfurecê-la mais rápida e completamente do que aquele vagabundo inútil, relaxado e desbocado. Queria ter o menor contato possível com ele e, na verdade, sentia-se grata por ele ter presumido que ela era casada. Só podia imaginar o que ele teria feito se imaginasse que ela estava "disponível". No fim das contas, o fato de estar com a aliança de sua mãe acabara sendo uma sorte. — Você terá de ficar escondida enquanto eu estiver na cidade. A implicação daquelas palavras não a atingiu de imediato. Então, ela falou: — E onde quer que eu me esconda? No convés inferior? — Seria sufocante ficar encurralada naquele lugar horrível e minúsculo. — Exatamente. — Depois, como se só então entendesse a objeção dela, juntou: — Farei tudo o mais depressa que puder. — Quanto tempo vai demorar? Lorraine imaginava que poderia suportar qualquer coisa, contanto que tivesse ao menos uma idéia de quanto tempo isso envolveria. Quinze minutos? Vinte? Só de pensar, já sentia o calor sufocante condensando-se em torno de si. — Se tudo correr bem, estarei de volta em mais ou menos quarenta minutos. — Quarenta minutos! — ela explodiu. Quanto tempo demoraria para comprar uns poucos mantimentos? — Talvez um pouco mais. Lorraine teve de morder a língua. Ele estava fazendo isso de propósito, sabia, somente para castigá-la pela obrigação que ela significava. Quanto mais reclamasse, mais tempo ele ficaria fora. E ela não lhe daria este prazer. Jack diminuiu a velocidade do barco um pouco antes de alcançarem o vilarejo. — Vá para baixo — disse, ríspido.
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Bestseller — Mas... — Lorraine fechou a boca, em vez de protestar mais. Seria inútil mencionar que estavam longe do vilarejo e que seria muito pouco provável que alguém os avistasse. Qualquer argumento serviria apenas para criar mais problemas com Jack. Desceu as escadas para a cabine com passos duros e bateu a porta. O calor atingiu-a como o vapor de uma fornalha, e uma camada de suor umedeceu-lhe a testa imediatamente. Jack desceu os degraus ruidosamente e abriu a porta. Uma brisa refrescante penetrou na cabine. — Agora escute bem — ele disse, num tom calmo e claro. — Vou fechar esta porta assim que atracar no porto. Não quero que você saia daí até que eu lhe diga que é seguro. Entendeu? Ela não respondeu. — Entendeu? — ele repetiu. — Sim — Lorraine murmurou. — Ótimo — ele disse, no mesmo tom calmo. Cinco minutos depois, desligou o motor. Lorraine ouviu passos no convés e depois sentiu o barco bater contra o píer. Seguiu-se um rápido fluxo de palavras em espanhol, entre Jack e alguém que estava nas docas, mas parecia ser uma conversa amigável. O barco balançou levemente quando Jack saiu. Com o calor insuportável, Lorraine mal tinha forças para ficar de pé. A mesa e os bancos da minúscula cozinha estavam repletos de papéis e uma enorme variedade de roupas, que ela dobrou e guardou nas gavetas. Não que seu objetivo fosse mostrar-se útil. Simplesmente precisava de um pouco de espaço para esticar as pernas. Muitos livros preenchiam a área compacta. Entediada, Lorraine examinou alguns títulos e balançou a cabeça, desanimada. Manuais de navegação, técnicas de guerra, histórias militares, catálogos de armas... Quase todos os livros eram sobre assuntos militares e morte. A julgar pela sua "biblioteca", Jack bem poderia ser um assassino profissional. E lá estava ela, saindo do fogo direto para a frigideira! E ali embaixo, naquele calor intolerável, parecia ser exatamente o que estava fazendo. Lorraine não pôde evitar de pensar se seu pai estava ciente da preocupação de Jack com guerras e mortes. Caso estivesse, será que ainda assim teria lhe pedido para tirá-la do país? Lorraine duvidava disso.
Debbie Macomber
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Bestseller Quarenta minutos se passaram. Os quarenta minutos mais longos de sua vida. Ela umedeceu uma toalha e passou-a pelo rosto e pulsos. Dez minutos depois, abriu a blusa e abanou-se com um exemplar da revista Soldier of Fortune. Jack saíra havia cinqüenta minutos. De vez em quando, ela ouvia vozes lá fora, e suas esperanças se renovavam. Mas logo às vozes se afastavam. A água batia contra os lados do barco, que balançava suavemente na superfície protegida da marina. À uma hora ouviu os fracos acordes de uma música pairando no ar, vindos de onde deveria ser uma cantina à beira-mar. O vazio em seu estômago recusava-se a ser ignorado. Tudo o que conseguia pensar era no calor e na fome que sentia, e no quanto estava infeliz. Visões de tortillas crocantes com um molho fresco atormentavam-na. Acompanhadas por uma margarita gelada... Ou será que isso era um prato mais texano do que mexicano? Não tinha certeza. Mas, certamente, deveria haver alguma coisa naquela cantina. Talvez um camarão com alho como o que a... esposa de seu pai havia feito. Não, não podia ficar pensando nisso. Em vez dos camarões, visualizou um prato de fajitas de galinha, com muita cebola e pimentão... A música ficou mais alta. Não era necessário um grande esforço para imaginar Jack sentado na cantina, desfrutando calmamente de um lauto almoço e bebendo uma cerveja gelada. Provavelmente teria uma bela señorita em seu colo, também. A imagem foi tão real, tão fácil de se acreditar, que Lorraine convenceu-se de que era verdade. Ele dissera quarenta minutos, e já fazia mais de uma hora que saíra. Lorraine não podia suportar nem mais um minuto ali dentro. Não apenas detestava Jack intensamente, como também não tinha nenhum motivo para confiar nele. Depois que ficara sabendo do que havia entre seu pai e Azucena, como poderia confiar em qualquer uma daquelas pessoas? Mais uma vez, afastou da mente os pensamentos sobre seu pai. Não queria pensar nele agora, não queria reconhecer que Gary tinha razão e que ela cometera o maior erro de sua vida ao sair em busca de um completo estranho. Havia perdido o controle da situação quando permitira que outros tomassem todas as decisões. Mas já estava na hora de consertar isso. Não tinha nada a ver com aquela estúpida peça arqueológica e, assim que pudesse explicar o que realmente acontecera, as autoridades iriam acreditar nela. Tinham de acreditar. De qualquer forma, preferia arriscar-se com a polícia do que morrer lentamente nas mãos de Jack Keller. E não suportaria aquele calor por nem mais um instante. Sendo uma pessoa conscienciosa, procurou lápis e papel e deixou um bilhete para Jack.
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Agradeço sua ajuda, mas prefiro procurar o Consulado Americano e pedir que falem com as autoridades em meu favor. Obrigada, Lorraine.
Deixou o bilhete sobre a mesa, preso sob o saleiro, e pegou a bolsa. Então, hesitou. Seus cheques de viagem haviam ficado na mala, que estava em El Mirador, e ela possuía apenas uma pequena quantia em dinheiro. E seria bem pouco provável que algum comerciante aceitasse cartão de crédito, naquele minúsculo vilarejo. Não demorou muito para descobrir onde Jack guardava seu dinheiro, embora se sentisse culpada ao remexer nas coisas dele. Mas seria apenas um pequeno empréstimo, disse a si mesma. Ou ela pagaria, ou pediria ao seu pai que o pagasse. Retirou algumas notas e enfiou-as na bolsa. Hesitou mais uma vez, antes de tirar o relógio de pulso e guardar na gaveta de onde retirara o dinheiro. O valor do relógio excedia em muito o valor do empréstimo, calculou. Saiu rapidamente da cabine, antes que mudasse de idéia. Quando abriu a porta dupla que levava ao convés, respirou fundo várias vezes, sentindo o ar fresco penetrar em seus pulmões. Com todo cuidado, esticou a cabeça para fora e olhou em volta. O vilarejo era pequeno, ainda menor do que El Mirador. Uma série de lojinhas de quinquilharias enfileirava-se na frente da praia, porém a cidade de La Ruta Maya não parecia ir além disso. A primeira coisa que Lorraine precisava fazer seria encontrar alguém que a levasse de carro até Campeche. Certamente, numa cidade maior, ela conseguiria entrar em contato com a Embaixada Americana. Então, bastaria explicar o que realmente acontecera, como Jason Applebee escondera a peça em sua mala, e o governo americano limparia seu nome e a enviaria para casa em segurança. Lorraine não culpava seu pai por interceder em seu favor, mas a solução dele fora apressada demais. Assim que sua inocência fosse esclarecida, ela estaria livre para retornar a El Mirador num futuro próximo, e exigiria dele algumas respostas. Ou, então, talvez fosse melhor apenas voltar para casa e esquecer tudo aquilo.
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Bestseller Enquanto saía do barco de Jack, deu-se conta do risco que estava correndo, mas isso não podia ser evitado. Na verdade, ele ficaria bem satisfeito ao ver-se livre dela. Aquela parecia ser a melhor solução para todos. Minutos depois de sair da área das docas, Lorraine reparou que várias crianças começavam a segui-la. Sem querer atrair a atenção, abriu a bolsa pensando em dar um peso a cada um, e mandá-los embora. Mas seu plano não funcionou. No instante em que abriu a bolsinha de moedas, foi imediatamente cercada por crianças de todas as idades. Elas empurravam-se à sua volta, pressionando-a, todas ansiosas por ganhar uma moeda. Um homem mais velho rosnou para as crianças, num tom autoritário, e elas espalharam-se. Lorraine agradeceu com um sorriso e seguiu rua abaixo, parando apenas para comprar algumas frutas no mercado do vilarejo. Saboreou com prazer um mamão papaia, depois comprou uma tortilla recheada com carne e legumes. A carne tinha um sabor estranho, mas ela decidiu que nao queria saber exatamente o que estava comendo sabia que a carne de tartaruga era bastante popular naquela região, e não foi um pensamento agradável. No entanto, àquela altura, estava faminta demais para importar-se. Com a ajuda do seu dicionário de espanhol, perguntou a uma senhora com jeito de avó como poderia encontrar um motorista que a levasse para Campeche. A mulher evitou encará-la e balançou a cabeça. Lorraine fez a mesma pergunta a um vendedor ambulante, mas ele estava mais interessado em vender-lhe as bu gigangas do que em responder suas perguntas. Mostrou-lhe um sem número de objetos, desde cestas até vasos de cerâmica, esperando que ela se interessasse em comprar, e explicou duas ou três vezes, com um sotaque terrível, que lhe daria um belo desconto pois ela era a sua primeira freguesa do dia. Lorraine conseguiu desvencilhar-se dele, e então perguntou a uma terceira pessoa, uma jovem descalça que apontou-lhe na direção da cantina. Pensando melhor, Lorraine concluiu que talvez fizesse mais sentido entrar em contato com a Embaixada Americana por telefone, em vez de se preocupar em encontrar alguém que a levasse para Campeche. Folheou rapidamente as páginas do seu dicionário até encontrar a palavra "telefone". Sentia-se envergonhada pelo pouco que se lembrava das aulas de espanhol no colégio. — Teléfono? — perguntou à jovem. A garota sorriu e assentiu com entusiasmo, e depois tornou a apontar para a cantina.
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Bestseller Lorraine resmungou por entre os dentes, olhando para o lugar que tanto desejara evitar. Porém, refletiu que nada teria a perder. Se Jack estivesse ali, o que ela desconfiava seriamente, apenas explicaria o que havia escrito em seu bilhete. Quando espiou dentro da cantina descobriu, para seu alívio e surpresa, que Jack Keller não estava lá. O lugar era simples e rústico, sem nenhum enfeite. O piso era de tábuas, havia um balcão e algumas mesas e cadeiras de madeira tosca. Quatro ou cinco mulheres quase despidas olharam-na quando ela entrou. Lorraine assentiu para elas, certa de que perceberiam que nada tinham a temer, pois não era sua intenção intrometer-se em seus "negócios". Um homem de aparência sebenta ergueu os olhos para ela, sentado numa mesa com uma garrafa de tequila e um copinho. Era muito feio, com a pele escura e uma cicatriz que ocupava todo um lado de seu rosto. Encarou-a com ávido interesse, como um gato que vigia um rato. Não foi uma sensação muito confortável, mas Lorraine ignorou-o e aproximou-se do homem que estava no balcão, cuja testa franzida parecia sugerir que ela devia sair dali enquanto era tempo. Lorraine forçou um sorriso. Com o dicionário na mão, perguntou pelo telefone. O homem balançou a cabeça. Havia um aparelho na parede, mas aparentemente estava quebrado. "No funciona", informava um aviso escrito à mão. Procurando novamente ajuda no dicionário, Lorraine perguntou, a duras penas, como poderia contratar um motorista que a levasse para Campeche. — Eu levo você para Campeche — o homem ensebado que estava na mesa ofereceu, falando a língua de Lorraine com um forte sotaque. Empurrou a cadeira ruidosamente e, levantando-se, aproximou-se do bar levando a garrafa e o copo. Todos os olhares dirigiam-se para ela. — Não, obrigada — ela disse, o mais educadamente que foi possível. Continuou olhando para o atendente do bar. — Está querendo um motorista? — o homem insistiu. — Eu levo você. — Prefiro alugar um carro, obrigada. — Lorraine mantinha a atenção fixa no atendente. Seu acompanhante indesejado bateu com a garrafa no balcão do bar. — Podemos nos divertir no caminho, não é? — Não — ela respondeu, recusando-se a olhar para ele.
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Bestseller O homem exalava um mau-cheiro horrível e, embora jamais tivesse pensado que seria possível, era como se fosse o cheiro do inferno. Porém, o fedor em torno dele não era nada, se comparado ao vazio de seus olhos, como se não tivesse sentimentos, nem simpatia, nem consciência. A maneira como ele a encarou fez com que Lorraine sentisse um arrepio gelado percorrê-la. O atendente, que pouco dissera até aquele momento, falou com o homem num tom conciliatório. Embora Lorraine não conseguisse entender muita coisa, parecia bastante óbvio que aquele homem era temido. Então, o atendente do bar sugeriu alguma coisa envolvendo uma ou mais das outras mulheres, a julgar pela forma com que moveu-se na direção delas. A única palavra que Lorraine conseguiu captar com certeza, em meio à conversa, foi o nome do homem. Carlos. A reação de Carlos à sugestão do atendente foi uma explosão de palavrões que fez o homem voar para o lado oposto do balcão. — Você vem comigo — disse Carlos, aproximando-se mais dela. — Vamos nos divertir no caminho para Campeche, só nós dois. — Ele sorriu, como se dissesse que era melhor Lorraine começar a gostar da idéia, pois não teria outra escolha. Ela conseguiu evitar que ele lhe pegasse o braço. — De jeito nenhum! Carlos fez uma segunda investida, mas novamente Lorraine foi capaz de evitar que ele a agarrasse. Era evidente que Carlos estava mais embriagado do que parecia, o que era um ponto a favor dela. Apesar de que parecia ser um bêbado agressivo. — Por favor, fique com as mãos longe de mim! — ela avisou, ríspida. A reação de Carlos foi agarrar um chumaço dos cabelos de Lorraine e empurrar-lhe a cabeça para trás. Ela emitiu um grito de susto e dor, girou o corpo e deu-lhe uma forte e sonora bofetada no rosto. — Tire as mãos imundas de mim, seu estúpido! Seu ato fora puramente instintivo. Lorraine não sabia que tipo de monstro era aquele homem, mas não permitiria que ele, nem ninguém, abusasse dela. Um sussurro coletivo perpassou a cantina. Até mesmo Carlos pareceu espantar-se com a reação dela. Então, ele devolveu-lhe o tabefe, com força suficiente para fazer com que Lorraine quase caísse para trás. Foi como se seu queixo tivesse sido deslocado, e a dor fez com que lágrimas lhe subissem aos olhos.
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Bestseller O homem riu, e foi o som mais cruel que ela já ouvira. Lorraine viu um denso ódio nublar os olhos dele. Mantendo a mão no rosto, ela deu três passos para trás, reconhecendo, sem a menor sombra de dúvida, que ultrapassara um perigoso limite e estava prestes a sofrer as conseqüências. Queria dizer alguma coisa, uma brincadeira, uma desculpa, qualquer coisa que aliviasse a tensão reinante, mas sua boca estava completamente seca. Mal conseguia pronunciar uma palavra. Havia cometido um erro depois do outro, mas até agora aquele fora o mais desastrado. Dois minutos atrás entrara na cantina com um pedido simples, e agora defrontava-se com um homem cuja clara intenção era matá-la... ou coisa pior. Sentiu um súbito impulso de gritar: "Tempo!" para que pudesse sentar e analisar o que teria saído errado... e imaginar uma forma de salvar-se. Ao ouvir o ruído de passos atrás de si, Lorraine virou-se. E o alívio que sentiu ao ver Jack foi o bastante para fazer com que seus joelhos dobrassem de fraqueza. — Ah, graças a Deus... — murmurou, fechando os olhos brevemente. O homem de quem estivera tentando escapar agora seria a sua salvação. A tensão entre Jack e Carlos podia ser sentida por todos os presentes. Lorraine praticamente correu na direção de Jack. — Você conhece esta mulher? — Carlos perguntou, fitando-os através dos olhos estreitados, ameaçadores. Jack olhou para Lorraine e encolheu os ombros. — Nunca a vi, em toda minha vida.
CAPITULO VII
De modo geral, Jack era o tipo de homem tranqüilo. Seria necessário muito esforço para tirá-lo do sério. Porém, Lorraine tinha o poder de fazer isso sem nem mesmo abrir a boca. Ele havia voltado ao barco levando meia dúzia de cervejas numa sacola e um prato de comida quente para ela. Imaginara que, estando cerca de quatorze ou
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Bestseller quinze horas sem comer, uma boa porção do arroz e dos frijoles de frango de Angelina certamente a deixariam animada. Sem dúvida, fora este o efeito que o prato especial provocara nele. Poucas coisas o teriam deixado mais chocado do que descobrir que ela fugira. No momento em que leu o bilhete, Jack estava tão zangado que suas orelhas ardiam. Normalmente, não permitiria que algo ou alguém o reduzisse àquele estado. Em seu trabalho anterior, a raiva era uma emoção que ele não podia dar-se ao luxo de expressar. E quando isso acontecia, o que era raro, não dava murros na parede, como muitos faziam. Ao contrário, mantinha-se calmo e estóico. Seus companheiros bem sabiam que quanto mais calmo ele se mostrava, mais furioso estava por dentro. Poderia simplesmente ter desatracado o barco e saído do porto com a consciência limpa... mas não o fizera. Thomas era seu amigo. Mas, que diabos, havia um limite para o que poderia suportar. Depois de passar alguns minutos tentando aplacar a raiva, largou os mantimentos empilhados no píer, onde o fornecedor os deixara, e foi à procura da mulher mais irritante, enfurecedora e ingrata que já tivera a infelicidade de conhecer. Quando encontrou-a na cantina, não conseguiu negar uma certa sensação de satisfação ao descobrir que ela se metera numa encrenca das mais sérias. Agora, pretendia ver como ela planejava safar-se desta. Salvar damas em perigo era um negócio fora de moda, e Jack decidira, tempos atrás, que as mulheres dos anos noventa eram perfeitamente capazes de cuidar de si mesmas. Se a filha de Thomas Dancy precisasse de ajuda, teria de pedir. E, pensando bem, teria de pedir com muita gentileza, para que ele começasse a se interessar pelos seus apuros. Uma coisa era certa: ele a faria suar um bocado, antes de intrometer-se. — Você vai fingir que não me conhece? — ela gritou. Estendeu-lhe os braços, num gesto de súplica ou de raiva, Jack não teve bem certeza. Uma expressão de atônita incredulidade perpassava-lhe o rosto. Jack ignorou-a e encaminhou-se tranqüilamente para o bar, onde pediu um copo de tequila com limão. Depois do dia que tivera, precisava de uma bebida forte. — Ele me conhece! — Lorraine apontou o dedo para Jack. — Ele pode afirmar o contrário, mas sabe quem sou. Estamos viajando juntos! Jack bebeu a tequila num só gole e chupou a fatia de limão.
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Bestseller — Que tipo de homem é você? — ela disparou, cada traço de seu rosto denunciando sua repugnância. — Um homem sedento — Jack respondeu, com um sorriso lento e preguiçoso. Então, para provar o que dizia, pediu uma segunda dose da bebida e sorriu para ela através dos dentes cerrados, enquanto sentia o álcool queimando-lhe a garganta. — No que me diz respeito, seu amigo aqui parece bastante prestativo. — O nome dele é Carlos. E, se você fosse um homem com um mínimo de sensibilidade, veria que estou com graves problemas, aqui. — É... — Aquilo fazia um grande bem ao seu coração, também. — Você não vai fazer nada? — Não. — Jack ergueu o copo e enviou um brinde a Carlos. Lorraine sabia mesmo como escolher suas companhias, pensou, irônico. O velho Carlos parecia do tipo que cortaria a garganta de um sujeito com a mesma facilidade com que se sentaria com ele para beber. Aparentemente, Carlos não sabia o que fazer diante da troca de palavras entre Jack e Lorraine. Olhava de um para outro, virando a cabeça para lá e para cá, num esforço para acompanhar a conversa. Uma das prostitutas atravessou a cantina rebolando, na direção de Jack. A mais bonita do grupo, ele teve o prazer de reparar. Pegou seu copo de tequila e foi ao encontro dela numa das mesas. O sorriso da mulher irradiava sexo fácil. E a maneira como parecia ansiar pela companhia dele era uma mudança agradável, depois do que fora obrigado a suportar com a senhorita "Toda-Poderosa". Jack puxou uma cadeira e sentou. Sorrindo, a mulher acomodou-se em seu colo e serviu uma bebida para cada um deles, certificando-se de que seus seios fartos roçassem o braço de Jack. — Você é um verme, Jack Keller — Lorraine gritou. Carlos fez menção de levantar de seu lugar, obviamente assustado pelo tom veemente na voz dela. Jack bocejou, como se estivesse entediado. — Ossos do ofício, Lorraine, ossos do ofício. — Não posso acreditar que você vá ficar agarrando-se a esta mulher, vendo que estou com um problema, aqui. Bem, ela estava mesmo com um problema, Jack pensou. Carlos mantinha os olhos fixos nela. Parecia mais do que pronto a dar um pulo e agarrá-la, se Lorraine fizesse o menor gesto que fosse para fugir.
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Bestseller — Ei, foi você quem se meteu nesta encrenca — ele disse. — Vai ser muito interessante observar como pretende sair dela. — Você é pior do que um verme. Jack riu e beijou a nuca da mulher em seu colo. Embora fosse bonita o bastante, infelizmente exalava um misto de perfume barato, fumaça de cigarro e sexo. Mas Lorraine não precisava saber disso. Na cabeça de Sua Alteza, a outra mulher era um sopro de ar puro. E muito, muito tentadora. — Está bem, está bem — disse Lorraine, soando bem menos segura, agora. — Se você quer que eu peça desculpas, eu peço. Não deveria ter saído do barco. Era aquilo que ele estava esperando, desde o início. Jack afastou a mulher abruptamente e levantou-se. — Pois não deveria mesmo! Eu lhe fiz apenas um simples pedido. — Estava quente demais ali dentro... E você demorou mais tempo do que disse que levaria. — Será que é demais esperar que você aceite um simples pedido? — Eu pensei que... esperava que... Olharam um para o outro. A expressão de Jack era tão intensa e furiosa quanto pôde esboçar. Sua voz elevava-se e, embora não quisesse atrair atenção desnecessária, esperava poder tirá-la daquele apuro e salvar sua própria pele. E, a julgar pelos olhares ameaçadores que Carlos lhe enviava, não seria uma tarefa fácil. — Não grite comigo — Lorraine falou, com uma bela demonstração de realeza. — Grito quanto quiser e, neste momento, isso me dá um imenso prazer! — Nada disso teria acontecido se você tivesse a decência de... — Já chega! — Carlos rugiu, batendo o punho no balcão do bar. O som ecoou pelo salão como um tiro. Lorraine ofegou, pressionando a mão sobre o peito. Por vários aterrorizantes segundos, toda a cantina ficou em silêncio. Então, antes que ele pudesse reagir, Lorraine virou-se e encarou Carlos. — Será que não vê que estamos tendo uma discussão importante, aqui? Quando eu terminar a conversa com Jack Keller, falo com você. Enquanto isso, faça a gentileza de esperar a sua vez.
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Bestseller Carlos fitou-a boquiaberto, com uma expressão de total e completa perplexidade. — Decência? — Jack gritou, fazendo o possível para distrair a atenção de Carlos. — Se quer falar sobre decência, tenho muito a dizer. Vamos resolver tudo isso, aqui e agora. Lorraine olhou-o como se ele tivesse enlouquecido. Mas ela própria não estava muito longe disso, desde que sua pequena encenação era uma boa imitação de um ataque de loucura. Acenando os braços, ainda gritando, Jack foi guiando-a na direção da porta. Enquanto os dois trocavam insultos, ele esperava ser capaz de confundir Carlos pelo tempo suficiente de posicionar-se entre Lorraine e o sujeito. E dar a ela uma chance de escapar. No instante em que Lorraine ficou perto da porta, Jack gritou mais alguns comentários ofensivos, usando o mesmo tom de voz, esperando que ela fosse esperta o bastante para entender o que estava fazendo. — Corra — ordenou, quando ela parou na soleira. — Corra? — Desapareça daqui! Lorraine hesitou por um segundo, depois girou nos calcanhares. Tudo bem, não era um plano brilhante, mas foi o melhor que ele pôde fazer numa emergência como aquela. — E quanto a você? — Jack pensou tê-la ouvido perguntar. Mas nem se preocupou em responder, pois sua maior preocupação, agora, era Carlos. O homem disparou atrás de Lorraine e, vendo que havia pouco a fazer exceto impedi-lo, Jack colocou-se em seu caminho. Um longo tempo se passara desde a última vez em que se envolvera numa luta corpo-a-corpo. E desta vez, no entanto, suas chances deixavam muito a desejar. Carlos tinha uma faca, e ele não.
Lorraine ofegava, e seus músculos tensos tremiam depois da longa corrida até a beira-mar. Correu para o barco, com as tábuas do píer estremecendo precariamente com o súbito movimento. Sem saber ao certo o que fazer em seguida, foi imediatamente para o convés inferior e desabou no banco em forma de U, que constituía a área de refeições. Podia ouvir o coração pulsando em seus ouvidos.
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Bestseller Todo aquele episódio fora um desastre, que ela própria provocara. Tinha culpa de tudo... inclusive pelo perigo a que se expusera, e a Jack também. Quando ele voltasse, poderia apostar até seu último centavo que não estaria muito contente com o ocorrido. Não que ela não merecesse cada comentário sarcástico que, com toda certeza, ele faria... Havia feito algo incrivelmente estúpido e não tinha nenhuma desculpa a oferecer. O que poderia dizer? Que estava muito calor e que se cansara de esperar? Naquele momento, essa parecia uma desculpa muito esfarrapada. Seu pulso ainda não voltara ao normal quando ela deu-se conta de que não poderia permanecer ali embaixo. Não sem saber o que acontecera a Jack. Precisava encontrar um meio de ajudá-lo; afinal, ele se arriscara para salvá-la. Ela havia demorado mais tempo do que deveria para perceber o que ele pretendia, lá na cantina, quando a empurrara na direção da porta. Agora, tudo o que esperava era que ele soubesse como se defender. Ele sabia, pensou tranqüilizando-se, enquanto subia para o convés. As provas disso espalhavam-se por todo aquele barco. Tudo o que ele lia era sobre guerra, autodefesa e lutas. Porém, sua confiança nas habilidades de Jack diminuía com o passar do tempo. Imaginara que ele havia corrido logo atrás dela, num espaço de dois ou três minutos. Mas não era o que parecia ter acontecido. Bons dez minutos já haviam se passado. O alívio que sentiu ao vê-lo aproximar-se foi imenso. Ele não estava correndo, mas tampouco parecia estar caminhando por prazer. Mesmo à distância, ela pôde ver o sangue ensopando a manga de sua camisa e escorrer pelo seu braço até a mão. E um dos lados de seu rosto também estava inchado. — Jack... Jack. — Lorraine sentia-se doente de arrependimento, sabendo que ele fora ferido por sua causa. Assim que alcançou o píer, Jack apressou o passo, fazendo o embarcadouro balançar precariamente. Ao chegar no Scotch on Water, pulou para o convés e desamarrou a corda. Momentos depois, o motor era ligado, formando borbulhas na água. Um fluxo de palavras em espanhol foi atirado na direção deles, quando Carlos e três outros homens apareceram no embarcadouro. Jack nem incomodou-se em traduzir. Mesmo com seus poucos conhecimentos de espanhol, Lorraine captou o sentido, e não era nada que valesse a pena repetir.
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Bestseller Jack direcionou o barco e aumentou a velocidade do motor, seguindo em frente com força suficiente para afundar os pequenos barcos em seu caminho. Ainda não haviam saído da marina quando Lorraine ouviu um estranho estampido, como se fosse o estouro de um cano de escapamento. Por um instante, chegou a pensar que um dos motores do barco estivesse em pane. Olhou por sobre o ombro mas, antes que qualquer coisa pudesse ser registrada, Jack saltou por cima dela e derrubou-a pesadamente no chão do convés. O susto pelo ato repentino deixou-a atônita. — O que está acontecendo? — perguntou, quando recobrou o fôlego. — Isto, Alteza, foi seu bom amigo atirando em nós. — Atirando? Quer dizer... com um revólver? — Esta é a arma preferida dos bandidos, atualmente. — Jack saiu de cima dela e ajudou-a a levantar. Uma vez que estavam na segurança do mar aberto, Jack desligou os motores e diminuiu a velocidade. Mantinha-se de pé, com as mãos firmes no leme, olhando direto para a frente. Lorraine sabia que chegara a hora de se desculpar, de maneira irrestrita e humilhante. Infelizmente, sua língua recusava-se a cooperar. Não deveria ser tão difícil, pensou, mas Jack tinha aquela irritante expressão satisfeita de um homem que sabia que estava certo e só esperava que ela admitisse. — Você está ferido — Lorraine falou, em lugar das desculpas. Jack pressionou as costas da mão no canto da boca, e olhou para o corte no antebraço. Arqueou a sobrancelha, como se estivesse surpreso com a gravidade do ferimento. Com cuidado, tocou o local e fez uma careta quando seus dedos verificaram a profundidade do corte. — Deixe-me cuidar disso — Lorraine ofereceu. Estava prestes a descer ao convés inferior em busca do estojo de primeiros socorros que vira antes. — Não precisa — ele resmungou. — É claro que precisa! Eu sou enfermeira e sei muito bem que... — Escute, eu não quero... Por mais tentadora que fosse a idéia, Lorraine não tinha intenção de perder tempo discutindo com ele. Sem esperar pela aprovação, foi ao convés inferior e pegou o estojo.
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Bestseller Jack continuou no leme e, com muita má vontade, permitiu que ela cuidasse do ferimento. Lorraine achou que o corte precisaria de alguns pontos mas, felizmente, o estojo de primeiro socorros continha diversos tipos de curativos, que serviram bem ao seu propósito. Além de um gemido de vez em quando, Jack não disse nada enquanto ela enfaixava o corte. — E quanto ao seu rosto? — Lorraine perguntou quando terminou o curativo no braço. — Está tudo bem — ele rosnou. Um feio hematoma começava a se formar no queixo dele. Examinando-o, Lorraine engoliu o orgulho. — Desculpe-me, Jack. Ele não respondeu de imediato, e depois olhou-a brevemente. — Vejo que recuperou seu relógio. Então ele sabia. Lorraine pusera seu relógio novamente no pulso quando descera para buscar o estojo de primeiros socorros. — Devolveu o dinheiro, também? — ele indagou. — Devolvi, sim. — Ela não se sentia orgulhosa do que fizera e seu rosto ardia de vergonha. Fora uma idéia estúpida, mais uma, e Lorraine estava sinceramente arrependida. — Não tente fazer uma tolice destas outra vez. Entendeu? Ela fez que sim. Não sabia se ele estava se referindo ao fato de ter tirado o dinheiro, ou se por ter saído do barco. Provavelmente eram as duas coisas. — Espero que você perceba que está se tornando uma passageira tremendamente dispendiosa. — Eu devolvi o dinheiro — ela insistiu, exasperada. — Não estou me referindo ao dinheiro que você pegou emprestado — Jack resmungou. — Os mantimentos. Foi a segunda vez que isso aconteceu. — O quê? — Ela vira as cervejas na mesa do convés inferior e presumira que todos os suprimentos tivessem sido embarcados. — Os mantimentos ficaram no píer.
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Bestseller Ela fechou os olhos e gemeu, lembrando-se vagamente de ter visto as caixas empilhadas ao lado do barco. — Mas as cervejas... há uma meia dúzia de cervejas lá embaixo. Está querendo dizer que a única coisa que veio a bordo foi a bebida?
Quase ao entardecer, Jack ancorou numa enseada de água doce para passarem a noite. O rio Usumacinta desaguava naquela angra, que era pequena e protegida. Embora estivesse razoavelmente confiante de que Carlos não tentaria segui-los, preferia não se arriscar. Enquanto o sol mergulhava no oeste, Jack sentou no convés com os pés apoiados na amurada, bebericando sua cerveja preferida. Um sorriso tocava-lhe os lábios ao lembrar-se da reação de Lorraine quando soube que a única coisa que ele conseguira levar a bordo fora a cerveja. A expressão no rosto dela havia sido impagável. Aquela expressão de raiva e frustração quase valera por todos os problemas que ela já lhe causara. Quase. Fechou os olhos, desfrutando da sensação de calma ao final de um dia que tivera tantos desdobramentos inesperados. Quanto à sua passageira, Jack não gostava dela, não confiava nela e a considerava um transtorno monumental. Ainda assim, tinha de lhe dar um crédito: a garota era corajosa. Não era qualquer uma que enfrentaria um poderoso "chefão" das drogas como Carlos Caracol. Jack não havia descoberto imediatamente a identidade de Carlos mas, quando isso aconteceu, deu-se conta da sorte que os dois tiveram em escapar. Ele conhecia bem aquele nome. E admirava-se pelo fato de que Carlos ainda não tivesse ido parar atrás das grades... ou morto com uma bala nas costas. O sujeito tinha um pequeno bando de seguidores e conexões com uma fonte de suprimentos de drogas bem maior, que traficava cocaína de outras partes do México e da América Central. Poucos meses atrás, Jack havia falado com dois agentes do governo mexicano que trabalhavam em cooperação com os Estados Unidos, e fora nesta ocasião que o nome de Carlos viera à baila. Acreditava-se que ele fosse o responsável pela morte de um oficial de polícia mexicano, mas nada pôde ser provado. O homem era um assassino conhecido, mas esperto o suficiente para escapar da cadeia. Certamente, não era o tipo de inimigo que Jack precisava. E o que Carlos Caracol poderia estar fazendo naquela cantina em La Ruta Maya dava margens a inúmeras conjecturas. Lembrando-se agora de como Lorraine havia encarado o sujeito e, com toda arrogância e afetação, o informara de que ele teria de esperar sua vez de falar,
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Bestseller Jack emitiu um risinho. Aquele havia sido um dos momentos mais engraçados da sua vida. Jamais, a teria deixado sozinha nas mãos de Carlos, por mais atraente que fosse esta idéia. Porém, desfrutara de alguns minutos de prazer, ao deixá-la pensar que seria isso que ele faria. Jack havia passado vários anos no Caribe e no Golfo do México, num estilo de vida que causava inveja aos seus amigos. Bastante dinheiro disponível e nada com que se preocupar. No entanto, sentia-se mais vivo naqueles dois dias que passara com Lorraine do que em qualquer outro momento, desde que herdara o Scotch on Water. Aquela garota irritante, arrogante e afetada. Vá entender... Algo mais o perturbava. Ela começava a ficar bonita. Muito bonita. Um barulho na água o assustou. Jack abriu os olhos e endireitou-se na cadeira. Lorraine havia saltado na água e estava nadando em volta do barco, apenas de calcinha e sutiã, como se fosse uma alegre toninha. Mergulhou sob o barco, dando-lhe uma excelente visão de seu traseiro firme e arredondado. As pernas também não eram nada más. Bem torneadas, longas. Isso o levou a considerar outras partes do corpo dela nas quais não tinha nada o que pensar. — Ela é casada — murmurou, apenas alto o bastante para fazê-lo acordar do devaneio. Um caso com Lorraine seria o mesmo que procurar encrenca, e ele não permitiria que isso acontecesse. Afinal, não era assim tão estúpido. Envolver-se com qualquer mulher era um erro, conforme ele já aprendera, mas envolver-se com a mulher de outro homem... Balançou a cabeça. Pelo menos Marcie não era casada, na época em que se apaixonara por ela. — Está se divertindo? — Jack levantou-se e recostou na amurada, observando suas travessuras na água. Lorraine girou o corpo, os cabelos cobertos pela espuma do xampu. Deu um mergulho rápido para enxaguar a cabeça e olhou para ele, piscando rapidamente quando o xampu escorreu em seu olho direito. — Pensei que... você estivesse dormindo. Espero que não se importe de eu ter usado seu xampu. — Nem um pouco. — Ele cruzou os tornozelos e assumiu uma postura mais confortável. — Como você estava dormindo... e desde que ancoramos em água doce, achei que seria a oportunidade perfeita para lavar os cabelos. — Uma excelente idéia.
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Bestseller Jack cobriu a boca com a mão e bocejou. Mas não saiu do lugar, principalmente ao ver o quanto Lorraine sentia-se desconfortável por ser observada. De seu ponto de vista, Jack merecia alguma recompensa pelos problemas que ela lhe causara e o fato de envergonhá-la era uma atividade bastante divertida. E não podia reclamar da vista, tampouco. — Você é uma garota impressionante — ele disse. — Impressionante? — Lorraine esfregou o olho que continuava ardendo. — Talvez "destemida" seja uma descrição melhor. — Destemida? Se está se referindo ao que aconteceu esta tarde, eu... — Não é isso. — Jack não devia fazer isso com ela, mas, que diabos... — Estou falando sobre nadar em águas infestadas de piranhas. Uma expressão de puro terror invadiu o rosto de Lorraine. Ele nunca viu alguém nadar tão rápido! Sem conseguir evitar, Jack caiu na gargalhada. Thomas andava de um lado para outro no pequeno corredor. A cada vez que Azucena gemia, tinha de conter-se para não arrombar a porta do quarto. Ela estava em trabalho de parto havia quase vinte horas, muito mais do que demorara com Antônio ou Hector. De acordo com a parteira, aquele bebê estava "sentado" e o parto mostrava-se muito mais difícil. O nascimento seria complicado. Estando ele próprio completamente exausto, Thomas só podia imaginar como Azucena se sentia. Ele a amava e estava grato por ela ter-lhe devolvido o prazer de viver. Durante anos, passara incólume de um emprego insignificante para outro, convencido de que algo aconteceria para mudar sua situação. Durante anos havia acreditado que, de alguma forma, Ginny e Raine iriam encontrar-se com ele no México. Neste mundo de sonhos, acreditara que era apenas uma questão de tempo antes que tudo fosse perdoado e as acusações contra ele fossem retiradas. Então, havia se mudado para El Mirador, onde lhe ofereceram não somente um emprego, mas um trabalho que ele adorava, que significava alguma coisa. Também ficara conhecendo Azucena, então, e sua vida fora abençoada daquele momento em diante. Ele amara Ginny, sofrera com a notícia de sua morte, mas Azucena era o seu futuro. E iria casar-se com ela assim que tudo estivesse arranjado. Ela era a sua mulher, a mãe de seus filhos. E a idéia de que talvez pudesse perdê-la agora o deixava transtornado.
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Bestseller O medo parecia imobilizá-lo e Thomas mal conseguia respirar direito. Lembrou-se do ditado que diz que a morte nunca vem sozinha. Suas pernas enfraqueceram e ele teve de sentar, mergulhando o rosto nas mãos. Primeiro, fora Ginny. Depois, o corpo de Ernesto fora encontrado no hotel, com a garganta cortada. A investigação deixara Thomas profundamente abalado. Quanto mais ficava sabendo sobre Jason Applebee, mais enfurecido se sentia. De certa forma, Thomas culpava-se pela morte de Ernesto, pois fora ele quem pedira ao proprietário do hotel que vigiasse o americano. Primeiro Ginny, depois Ernesto e, agora, ele rezava a Deus para que a terceira morte não fosse de Azucena. — Papa. — Antônio subiu em seu colo e passou os bracinhos em torno de seu pescoço. Thomas compreendia a necessidade do filho de agarrar-se a algo que lhe desse esperança. No fundo, ele próprio fazia o mesmo. Estava quase louco de preocupação por Azucena, e Raine também não saía de seus pensamentos. Confiava que Jack conseguisse levar sua filha em segurança para fora do país, mas poderiam surgir problemas inesperados e imprevistos. Jason Applebee não era nenhum novato, quando se tratava de usar e abusar das pessoas. Provavelmente estava furioso por ter perdido o artefato roubado e, quanto mais furioso, mais perigoso se tornaria. As notícias divulgadas pelo rádio diziam que a metade da "Estrela de Kukulcan" que fora encontrada na valise de Raine havia sido devolvida ao museu na Cidade do México. Se Jason... O grito de Azucena rompeu o silêncio e Thomas sentiu-se gelar. Naquele momento, teria vendido a alma ao diabo, em troca de um médico e de um hospital decente. — Mama? — Antônio agarrou-se ainda mais ao pai. Thomas abraçou o menino e fechou os olhos, rezando em silêncio. Quando Azucena gritou novamente, Thomas fez o filho descer de seu colo e levantou-se. Abriu a porta do quarto, sem conseguir se conter mais. A parteira, parada aos pés da cama, olhou por sobre o ombro com desaprovação. — Ainda não. Deixe-nos sozinhas. Aqui não é seu lugar. — Ela está bem? — ele implorou. — Thomas? — A voz de Azucena era muito fraca.
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Bestseller — Quer que eu chame o padre? — Thomas perguntou. Bom Deus, pensou pela milésima vez, não posso perdê-la! — Diga-me, pelo amor de Deus; o que eu tenho de fazer? Tomado pelo pânico, ele não esperou a resposta e disparou para fora da casa, certo de que estava prestes a perder a mulher e o filho que ainda não nascera. Não parou de correr até chegar à igreja. Passou voando pelas portas da frente e encontrou o pároco ajoelhado diante do altar, rezando. — Padre! Padre! — Thomas ofegou, disparando pelo corredor central. O padre Garcia tinha bem mais de setenta anos e era incapaz de mover-se com rapidez. Mas, agora que contava com a atenção do padre, Thomas não sabia o que dizer. — O que aconteceu? — Padre Garcia indagou, ansioso. — Azucena... — Thomas falou, tentando recobrar o fôlego. — O bebê está sentado. — Cobriu o rosto com as mãos, aterrorizado pela visão de um futuro sem ela, e caiu de joelhos na frente do altar. O padre acompanhou-o de volta para casa. Quando Thomas abriu a porta, a primeira coisa que ouviu foi o choro do bebê. O alívio imenso que se seguiu fez com que as lágrimas irrompessem de seus olhos. — Azucena — ele soluçou. — Azucena... Sem importar-se com o que a parteira diria, correu para o quarto e encontrou-a cuidando do bebê. Azucena ergueu a cabeça do travesseiro. — Temos mais um filho — ela sussurrou. Thomas segurou-lhe a mão e beijoua. O padre Garcia entrou vagarosamente no quarto e, vendo que mãe e filho estavam vivos, benzeu-se e levantou os olhos para o céu. — Meu amor — Azucena murmurou, tão baixinho que ele mal conseguiu ouvila. Ela enxugou as lágrimas de seu rosto e pressionou-lhe a mão contra a própria face. Thomas olhou por sobre o ombro, dirigindo-se à parteira: — Ela... ela vai ficar boa? A mulher assentiu. — Você tem um filho muito bonito e saudável. — Graças a Deus — disse Thomas, tomado pela emoção. — Graças a Deus...
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CAPITULO VIII
Jack não se conteve e caiu na gargalhada ao ver Lorraine nadando como louca, em sua ansiedade de chegar ao barco. Seu divertimento aumentou ainda mais quando ela começou a gritar com ele, espalhando água e espuma para todos os lados, com os cabelos cheios do xampu que lhe escorria pelo rosto. A última a rir, no entanto, foi ela. Mais furiosa do que uma vespa mal-humorada, deu um impulso na água e subiu no barco com agilidade. A roupa íntima molhada e colada no corpo deixava muito pouco à imaginação. Todo bom humor de Jack desapareceu num instante e sua garganta ficou seca, diante daquela visão. Aquela era a prova de que estava tempo demais sem uma mulher, decidiu, se alguém como Lorraine era capaz de afetá-lo daquela forma. Porém, com a aliança de casada no dedo, ela era estritamente proibida. Jack não estava interessado num caso, por mais breve que fosse. Sua vida amorosa tinha sido forte e saudável por vários anos, seguindo uma única regra muito simples: nada de mulheres casadas. Nunca. Ele sabia que era um sujeito razoavelmente atraente. As garotas haviam começado a rodeá-lo desde a época do segundo grau. Jamais tivera problemas para encontrar mulheres solteiras e, francamente, ele não estava interessado em criar inimigos desnecessários. Como maridos traídos, por exemplo. Além disso, aquela era a filha de um amigo seu. Um bom amigo, que confiara nele para levá-la de volta aos Estados Unidos em segurança. Com apenas um olhar para os seios fartos de Lorraine e para a curva perfeita de seus quadris, que reluziam à luz do sol poente, sua regra simples e principal estava se transformando num mero lembrete. Não conseguia obrigar-se a afastar os olhos. Diabos, ela era mesmo bonita. Não que não tivesse reparado antes. Qualquer um poderia ver, apesar de suas atitudes arrogantes, que ela era um colírio para os olhos. Mas Jack havia se forçado a não reagir, a não perceber... até aquele momento. Tinha conseguido disfarçar muito bem o interesse que ela lhe despertava, ocultando a atração que sentia atrás de uma barreira de insultos. As perguntas que fizera acerca de sua vida amorosa tinham sido uma tentativa desajeitada de lembrar a si mesmo de que ela era "proibida".
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Bestseller O problema era que Lorraíne tinha um corpo perfeito, que lhe despertava as fantasias mais loucas. As longas e bem torneadas pernas terminavam em finos e delicados tornozelos. A cintura parecia abraçar os quadris, num contorno suave, e a barriga era quase inexistente. Enquanto que as pernas e quadris eram admiráveis, seus seios eram, possivelmente, seu dote mais incrível. Até mesmo escondidos sob o sutiã de renda, eram os seios mais tentadores que ele já havia visto em anos. Ainda pior — ou melhor, dependendo do ponto de vista — os mamilos estavam enrijecidos e pareciam apontar direto para ele. Jack já tivera armas automáticas apontadas em sua direção e experimentara menos aflição do que naquele momento. Então, deu-se conta do que estava acontecendo. Ele a desejava. Sem muito esforço de imaginação, conseguia visualizá-la em seus braços... e na sua cama. Era tão fácil imaginá-la sorrindo para ele, enquanto ia tirando-lhe rapidamente as roupas... Uma fina camada de suor frio cobriu-lhe a testa. Jack esfregou os olhos, a fim de dissipar a imagem de Lorraine em sua cama, e fez um esforço para respirar normalmente. Instruiu-se a lembrar da mulher sem nome, de Belize e de Catherina Efrain, uma garota com quem tivera um breve caso um ou dois anos atrás. Jack a conhecera quando ela passava férias em Campeche e, mais tarde, ficara surpreso em saber que ela trabalhava para o governo mexicano. Pensar em Catherina ajudou um pouco... mas não o suficiente. O fato de estar praticamente confinado com Lorraine naquele pequeno espaço do barco não facilitaria muito as coisas. Jack seria obrigado a lembrar-se, o tempo todo, de algo que até agora havia sido uma reação instintiva: Lorraine era casada e, portanto, intocável. Com os olhos semicerrados e sempre resmungando, Lorraine afastou do rosto os cabelos cheios de xampu e olhou na direção dele. De alguma forma, o efeito foi prejudicado por um rápido piscar de olhos. — Não há piranhas nestas águas, não é? — ela inquiriu. Estendeu o braço, procurando a toalha que, aparentemente, trouxera do convés inferior antes de entrar na água. — Como adivinhou? — ele retrucou, num tom enrouquecido. Toda sua força de vontade parecia abandoná-lo, enquanto lutava para disfarçar o efeito que ela lhe provocava. — Ah-h-h... — ela gemeu, andando cegamente em volta.
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Bestseller Jack não conseguia entender o que ela estava fazendo. Precisou de todo seu autocontrole para não ficar encarando boquiaberto enquanto ela passeava seminua à sua frente. Finalmente, deu-se conta de que ela estava procurando um balde. E, assim que o encontrou, inclinou-se na amurada oferecendo-lhe mais uma visão panorâmica e tentadora de seu traseiro. Jack fechou os olhos com força, enquanto ela baixava o balde pela amurada, e abriu-os apenas pelo tempo suficiente de vê-la despejar a água direto na cabeça. Uma cascata de espuma espalhou-se por todo aquele corpo delicioso. — Espero que esteja satisfeito — ela gritou, furiosa. Depois pegou a toalha e cobriu o rosto. — Extasiado. Furiosa, Lorraine girou o corpo e, em sua pressa, deu uma topada no dedo. Sufocou um grito de dor e pegou o pé, pulando loucamente com o outro, enquanto seus seios sacudiam-se com os movimentos. — Oh, droga, droga, droga! — gritava, entre gemidos intermitentes. — "Droga"? — Jack não acreditava em seus ouvidos. — Há algo errado com droga? — ela disparou, fitando-o como se ele a tivesse feito tropeçar propositalmente. — Para dizer a verdade, há, sim. Afinal, você deu uma topada no dedo, não é? Lorraine assentiu, mordendo o lábio. Recostou na amurada e, com todo cuidado, examinou os danos causados ao seu dedo. — Droga é o melhor que consegue? Ela encarou-o, confusa. — Consigo o quê? — É o melhor palavrão que consegue dizer? Lorraine continuou fitando-o. — Benzinho, acho que preciso ensinar-lhe algumas coisas. — Não preciso que você me ensine nada! — ela retrucou, irritada. Jack não sabia por que achava aquilo tão engraçado, provavelmente, porque precisava de algo que desviasse sua atenção daquele corpo sensual. Lorraine continuava olhando para ele e, quanto mais ela o encarava, mais graça ele achava. Sua risada começou como um risinho sarcástico, e foi aumentando. — Você é uma pessoa incrivelmente mal-educada, sabia?
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Ele riu ainda mais. — Droga? — Na verdade, você é insuportável. — Lorraine enrolou a toalha na cintura e afastou-se dele. — Não se preocupe, eu sou bom professor — ele gritou atrás dela. — Vamos começar com as palavras mais simples e básicas, depois trabalharemos com as frases mais complexas. Quando voltar aos Estados Unidos, estará dizendo coisas que farão os marinheiros ruborizarem. — Espero que esteja se divertindo comigo. — Muito mais do que você pode imaginar. Jack parou de rir, mas um leve sorriso permaneceu em seus lábios. Sabia que estava exagerando em sua reação, mas tinha de escolher entre rir dela ou arriscar-se a beijá-la... e isso era algo que não podia fazer. Lorraine parou e olhou-o por sobre o ombro. Então, balançou a cabeça com tristeza e desapareceu no convés inferior. Jack ouviu-a perambulando lá em baixo. Convencido de que escapara por pouco, tornou a acomodar-se na cadeira e congratulou-se pela própria força de vontade. Lorraine não conseguia entender Jack Keller. E, além do mais, não tinha a menor intenção de tentar. No que lhe dizia respeito, Jack não passava de um troglodita. Esperou que as roupas de baixo estivessem quase secas antes de vestir novamente o conjunto de linho. Depois, penteou os cabelos fazendo uma careta cada vez que tinha de desembaraçar uma mecha. Aquele sujeito era impossível, insuportável! Ele a aterrorizara de propósito, com aquele comentário sobre as piranhas. E, como uma idiota, ela acreditara! Ao que parecia, ele achava que amedrontá-la não era o bastante. Divertira-se um bocado ridicularizando-a, também. E, depois, oferecendo-se para ensinar-lhe palavrões! Sua mãe sempre dizia que praguejar era um sinal de pobreza de vocabulário, mas Lorraine sempre considerara isso apenas um sinal de maugosto. Ao lembrar-se de como ele rira, apertou o pente nas mãos e passou-o com mais força nos cabelos, fazendo com que lágrimas lhe subissem aos olhos. Justamente quando começara a achá-lo uma pessoa agradável... Era obrigada a admitir que não sabia o que teria acontecido, se Jack não chegasse a tempo de
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Bestseller salvá-la daquele homem horrível. Ele a ajudara, mesmo sabendo que ela havia tirado seu dinheiro. Mas Jack, sendo Jack, certificara-se de que ela soubesse que ele sabia sobre o dinheiro. No entanto, não fizera um escândalo sobre isso. Lorraine quase desejou que ele o fizesse, pois assim seria mais fácil odiá-lo. O mais estranho era que num momento sentia-se acolhedora e generosa em relação a ele e, no outro, ficava ultrajada e furiosa pelo seu comportamento revoltante. O sujeito era mesmo um enigma, e suas reações a ele igualmente incompreensíveis. Ela o detestava, o desprezava e, ainda assim, exibira-se deliberadamente para ele, certificando-se de que ele desse uma boa olhada em seu corpo. Sua pele ficara quente, depois fria, enquanto assumia a verdade do que fizera. Realmente desejara que ele a beijasse, que a tocasse... Não achava correto flertar com um homem daquela maneira e, na verdade, ela não era assim. E, embora não fosse casada como ele pensava, estava noiva e Gary merecia sua fidelidade. Lorraine não compreendia seu próprio comportamento, do mesmo jeito que não entendia o comportamento de Jack. Talvez tivesse algo a ver com o que acontecera na cantina. Ele a salvara de uma situação que poderia ser de vida ou morte. Sentiu um arrepio gelado na espinha, sempre que pensava nisso. Se fosse capaz de encontrar um jeito de sentir-se confortável, ela teria permanecido no convés inferior. Passar tempo demais em companhia de Jack era muito arriscado, de várias formas. Porém, assim que reuniu coragem suficiente, subiu de volta para o convés superior e encontrou-o examinando mapas marítimos com um lampião a gás. — Para onde vamos em seguida? — ela perguntou. — Pucuro. Lorraine olhou para o mapa, esperando encontrar o local que ele mencionara. — Aqui — ele disse, apontando com o dedo. — Precisamos de suprimentos, lembra-se? Desde que Jack já havia comprado os suprimentos duas vezes, provavelmente aquela não era uma boa hora para queixar-se de que ele nunca a consultava a respeito de seus planos. Se não fosse pelas sobras de peixe bem pouco apetitosas que ele deixara na cozinha, e pelo prato de comida que ele levara a bordo em La Ruta Maya, ambos estariam morrendo de fome, naquela altura.
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Bestseller — Amanhã partiremos assim que amanhecer, e chegaremos em Pucuro por volta do meio-dia. Preciso da sua palavra de honra de que fará exatamente o que eu disser, quando chegarmos lá. Quero que fique bem escondida, desta vez. — Está bem — ela resmungou. — Estou falando sério, Lorraine. Não posso correr o risco de você escapar outra vez. Não em Pucuro. — Já lhe dei minha palavra. O que mais você quer? — Quero ouvir sua promessa. Ele soava como se não confiasse nela, o que a deixou ofendida. No entanto, Lorraine sabia que lhe dera bons motivos para isso. Falando devagar e com clareza, disse: — Prometo que vou ficar no convés inferior. Não sairei de lá até que você me diga que está tudo bem. — Pucuro não é como La Ruta Maya. Já estive lá antes e... — Jack fez uma pausa, deixando o restante da frase no ar. — E? — Lorraine incitou, querendo que ele prosseguisse. Precisava saber o que os esperava. Ele balançou a cabeça. — É uma cidade perigosa. Pucuro é o último lugar para onde eu levaria uma mulher — confessou. — Mas não temos outra escolha. Seremos forçados a parar em algum lugar, e logo. — Não parecia nada contente com a idéia. — Quanto tempo você vai levar para comprar tudo o que precisamos? — Não deverá demorar muito — ele respondeu, e depois acrescentou rapidamente: — Você já atirou com uma arma? Lorraine prendeu o fôlego, diante da pergunta. — Quer dizer... com um revólver? Não, nunca. A reação dele foi um suspiro irritado. — Não precisa ficar zangado com isso — ela disse. — Na verdade, eu nunca peguei uma arma. — Era isso que eu temia. — E não tenho a menor vontade de aprender, também. Os olhos dele ficaram frios e graves.
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— Pois terá de aprender. — Está brincando, não é? — Eu posso levar muitas coisas na brincadeira, mas jamais brinco a respeito de armas. Jack desceu ao convés inferior e voltou momentos depois, trazendo um pequeno revólver. — Esta é uma Glock.22 automática. Você terá de aprender a defender-se, quando estivermos em Pucuro. Quero sair deste barco sabendo que, se algo der errado, você será capaz de cuidar de si mesma. Entendeu bem? E, depois que acabarmos com isso, vou lhe mostrar como manobrar o barco sozinha. — Você está exagerando — ela insistiu, tensa. — Primeiro, não preciso de uma arma para me defender e, segundo... — Você precisa da arma. — A voz dele não dava margem, à discussões. — Jack, isso é ridículo! — Você vai aprender a usar o revólver, e assunto encerrado. — Tudo bem — ela murmurou, olhando para a arma com repugnância. Sob protesto, ouviu atentamente enquanto ele descrevia o mecanismo da arma e explicava seu funcionamento. Depois, demonstrou como carregá-la. E esperou até que ela conseguisse fazer tudo sozinha. Lorraine finalmente cedeu, mas com evidente má vontade. Jack ignorou suas reclamações, obrigando-a a repetir os procedimentos até que estivesse convencido de que ela aprendera tudo o que devia. — Agora, quero que você atire. — De jeito nenhum! — A idéia de atirar com a arma era repugnante para ela. Além disso, nem mesmo tinha um alvo para onde apontar. — Raine, esta não é uma questão aberta a discussões. — Ah, pelo amor de Deus... — ela murmurou exasperada. Deu um passo para trás e esperou que ele lhe revelasse as técnicas mais corretas de se segurar uma arma. — Pegue a arma — ele insistiu. — Já peguei, antes. Jack cerrou os dentes e, com um suspiro profundo, Lorraine pegou o revólver.
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Bestseller — Quero que você sinta a arma nas mãos — ele explicou. — Segure-a com firmeza, acostume-se com seu peso. — Já fiz isso, antes. Na verdade, não fizera. Normalmente ela não era tão desagradável, mas Jack parecia fazer aflorar as suas piores qualidades. O fato de ele estar tão próximo também a incomodava. Seu coração batia com força e tão alto que tinha certeza de que ele estava ouvindo. E, Deus, ela estava com calor. Mesmo com os cabelos presos, sentia o suor escorrer pela nuca. Jack também estava transpirando. A pele dele reluzia sob a luz da lua. Lorraine o achava muito mais provocante do que gostaria de admitir. E, agora que ele se barbeara, reconheceu que ele era também muito mais atraente do que imaginara. — Está pronta para atirar? — ele perguntou com rispidez, arrancando-a dos devaneios. — Ah, sim, tudo bem. Se isso o deixa feliz... — Estendeu os braços e apontou para a escuridão do oceano. Jack posicionou-se atrás de Lorraine. Passou os braços em torno dos dela e as mãos apoiaram seus pulsos. Ela respirou fundo, sentindo a maneira como seu corpo reagia àquela proximidade. Por um louco instante, esqueceu completamente do revólver em sua mão. Em vez disso, sentia o calor do corpo dele contra o seu, os músculos firmes e a força sólida. Teve de esforçar-se para prestar atenção no que ele estava dizendo. Jack parecia estar perdendo a paciência, pois suas instru ções tornaram-se curtas e ríspidas: — Agora — ele disse. — Aperte o gatilho. Lorraine apertou delicadamente. E nada aconteceu. — Com mais força — ele falou, junto ao seu ouvido. Perto demais... Ela fechou os olhos e apertou novamente o gatilho. — Fique de olhos abertos! — ele rosnou. Lorraine abriu-os no momento exato em que a arma automática disparou. Perdeu o equilíbrio com a força inesperada da descarga e teria caído de costas se não fosse por Jack, que amparou-a. As mãos dele seguraram-na pela cintura, perto demais dos seus seios... e ali se demoraram bem mais do que o necessário. — Eu... eu consegui — ela anunciou, ofegante. Limpou a garganta e falou novamente: — Não foi tão ruim quanto pensei. — Quer atirar outra vez, apenas para se certificar de que se sente à vontade com isso? — A voz dele parecia um tanto diferente.
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Bestseller — Não. Eu... já entendi como funciona. — Tem certeza? Lorraine fez que sim e teve a inexplicável sensação de que, mais uma vez, tivera a sorte de escapar. Já era quase meio-dia, no dia seguinte, quando aproximaram-se de Pucuro. Jack ordenou a Lorraine que descesse para o convés inferior bem antes de chegarem ao porto, pois não queria correr o mínimo risco de alguém avistá-la. Jack não quisera ser muito claro, mas na verdade Pucuro era o esconderijo preferido dos bandidos e matadores. No entanto, ou parariam ali ou perderiam mais um dia à procura de alguma outra cidadezinha perdida na costa. — Jack? — Lorraine estava parada na escada do convés, os cabelos esvoaçando ao vento. Jack teve dificuldade em se lembrar de qualquer outra mulher que fosse mais linda do que ela estava agora. — O que foi? — perguntou, obrigando-se a parecer impaciente. — Será que você poderia... comprar-me algumas roupas, enquanto estiver na cidade? — Tem preferência de cor? — Gosto de amarelo. — Verei o que posso fazer. — Obrigada. — Ela desapareceu, fechando a porta atrás de si. Jack manobrou o barco na direção das docas, que eram muito velhas e descuidadas. Vários barcos pequenos estavam ancorados ali. Reparou em dois rapazes de aparência bastante suspeita, que observavam-no como se tentassem calcular o quão fácil seria roubá-lo. Jack encarou-os de volta, até que os dois desistiram. Uma leve sensação de medo invadiu-o, enquanto a dupla se afastava apressadamente. Como não havia mais ninguém nas proximidades que pudesse ouvi-lo, Jack bateu na porta do convés e avisou Lorraine: — Estou saindo. — Não demore muito, está bem?
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Bestseller — Não devo demorar mais do que uns trinta minutos. — Jack sabia muito bem o desconforto que ela estava sentindo lá dentro. Logo a cabine estaria quente como um forno. Estava prestes a sair, mas decidiu enviar-lhe um último aviso: — Você precisa ficar em silêncio. — Já sei disso. Vá depressa, por favor. Jack hesitou. Aquela sensação estranha invadiu-o novamente e a experiência já lhe ensinara a não ignorar seus instintos. Infelizmente, tinha de ir para a cidade, pois havia poucas alternativas. Estavam sem comer há muito tempo e não poderiam ir muito longe sem os suprimentos. — Aconteceu alguma coisa? — Lorraine perguntou de dentro da cabine, num sussurro alto. — Não aconteceu nada. Apenas fique quieta. — Ele não gostava da idéia de deixá-la, mas não tinha outra opção. — Mais um lembrete: não atire com a arma a não ser que seja absolutamente necessário. Entendeu? A última coisa que precisava era que Lorraine decidisse atirar como um sinal para que ele não esquecesse de comprar o café. Quando saltou para o embarcadouro, Jack teve de olhar muito bem onde pisava. As tábuas de madeira estavam podres e quebradas em vários lugares. Mais depressa que pôde, encaminhou-se na direção do único mercado da cidade. Os preços eram absurdamente altos mas, ao menos daquela vez, ele não iria pechinchar. Precisava sair de Pucuro o mais rápido possível, sem criar problemas. Não seria necessário dizer que Jack não gostava da cidade. Em sua primeira e única visita a Pucuro, alguns anos atrás, quase havia morrido. Na época, ele fazia parte da Deliverance Company e Murphy o enviara para uma investigação de provas. Tolo como era, Jack obtivera as informações que precisava e depois resolveu passar na cantina. Aquele fora seu primeiro erro. Havia decidido tomar uma cerveja quando reparou numa mulher, no outro lado do salão. O olhar que ela enviou-lhe não era um sinal desconhecido. Ela estava interessada e, francamente, depois de vários meses de "celibato", ele também estava. Cain sempre insistira em dizer aos seus homens que, quando estivessem numa missão, deveriam manter o zíper da calça fechado. Só que Cain não era mais o encarregado da missão, e sim Murphy, e por isso Jack cometeu o erro clássico. Acompanhou a bela sehoritá até em casa.
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Bestseller E, somente quando já era tarde demais, percebeu que havia entrado direto numa armadilha. Jack balançou a cabeça tentando livrar-se da lembrança, embora ainda tivesse as cicatrizes resultantes daquele erro. Quando finalmente foi encontrado pelo seu grupo da Companhia, estava quase morto. E a metade que ainda permanecia viva não estava nada contente. Agora, mantinha os olhos fixos à sua frente, não falou com ninguém e seguiu apressadamente pela rua de terra até o mercado. Comprou os mantimentos em tempo recorde e pagou uma quantia exorbitante para certificar-se de que seriam entregues no barco imediatamente. Isso feito, foi ao centro da cidade, onde havia uma feira na praça. Em vez de comprar roupas femininas, escolheu duas camisas e uma calça, calculando o tamanho de Lorraine. Jack começava a sentir-se um pouco mais confiante. Talvez Lorraine tivesse razão e ele estivesse exagerando em suas preocupações. Afinal, levara apenas quinze minutos para fazer tudo o que precisava. Estava voltando ao cais quando um menino de sete ou oito anos passou a correr ao seu lado. — Señor — disse o garoto, arregalando os olhos castanhos. — Sua amiga me mandou procurá-lo. — Falava em espanhol. — O quê? — Jack pretendia esganar Lorraine com as próprias mãos. — Ela precisa do senhor. — É, pois vai precisar mesmo — Jack resmungou. — Venha, vou levá-lo até ela. — O menino deslizou a mão para a de Jack. — É para este lado — acrescentou, guiando-o para uma ruazinha estreita. Um simples pedido... fora tudo o que Jack fizera a ela. Aquela garota era incapaz de seguir até mesmo as instruções mais banais. Na hora em que acabasse com ela, iria... Seus pensamentos interromperam-se abruptamente. A sensação que havia experimentado antes — como um mau pressentimento — retornou. Exceto que, agora, estava muito mais forte. Devagar, Jack virou para trás. Carlos estava parado no outro lado da rua. — Olá, amigo. Até que enfim nos encontramos novamente.
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CAPÍTULO IX
O calor na cabine era insuportável, mas Lorraine estava determinada a provar a Jack que podia seguir suas instruções. Não sairia do barco em hipótese nenhuma, conforme ele a fizera prometer. Mas Jack nem precisava ter-se preocupado com isso, pois ela aprendera bem sua lição em La Ruta Maya. Apesar do calor e do desconforto, Lorraine provaria a ele, de uma vez por todas, que era uma mulher de palavra. A espera era quase tão intolerável quanto o calor sufocante. A primeira hora foi a pior, encurralada naquele forno e ocupando-se apenas de seus pensamentos — que não eram dos mais agradáveis. Sua mãe vivera uma mentira e seu pai... Lorraine não sabia o que pensar. Sentia raiva todas as vezes que lembrava-se de como ele lhe apresentara a mulher como sendo sua governanta. Quando não estava remoendo as mágoas pelos seus pais e pelos erros que eles haviam cometido, os pensamentos de Lorraine seguiam o rumo natural para Gary. O relacionamento deles havia sofrido uma mudança considerável nas semanas que se seguiram à morte de sua mãe. E Gary também pressentira. Lorraine o amava, planejava casar-se com ele, mas depois que sua mãe morrera tudo o que desejava era estar sozinha. Gary ansiava por confortá-la, querendo que ela precisasse dele. Mas ela não precisara. Depois, havia esta indesejável atração que sentia por Jack. Entre tudo o que atormentava, agora, talvez isso fosse o pior. Seu rosto ardia de humilhação ao lembrar-se de como ficara exibindo-se para ele. Nem mesmo durante a adolescência ela havia se exposto tanto e com tal determinação para chamar a atenção de alguém do sexo oposto. Olhou no relógio. A espera parecia interminável e ela começava a sentir-se desatenta e fraca. Jack prometera ser rápido. Trinta minutos. Não fora o que ele dissera? Então ocorreu-lhe que algo poderia ter acontecido a ele. Já fazia bem mais de uma hora desde que ele saíra, apesar de ter afirmado com tanta veemência que Pucuro não era um porto onde gostaria de se demorar. Lorraine imaginou todas as tenebrosas possibilidades — ele fora atacado, sofrerá um acidente, fora preso — até convencer-se de que algo terrivelmente errado acontecera.
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Bestseller Depois ocorreu-lhe que, talvez, ele próprio tivesse decidido não voltar. Afinal, Jack não gostava dela, e não lhe deixara dúvidas quanto a isso. Nem mesmo impedira-se de lhe dizer, em todas as oportunidades possíveis, que a considerava um tremendo transtorno. Mesmo agora Lorraine lembrou-se do olhar de desprezo que Jack lhe enviara, quando seu pai levou-a para o embarcadouro. E a atitude dele não mudara muito, desde então. Não, ela refletiu, tentando afastar o medo. Jack talvez até considerasse a idéia de abandoná-la, mas jamais deixaria o barco. Ele voltaria. A não ser que — e sua imaginação voou novamente — a não ser que se deparasse com problemas. O pânico cresceu em ondas, quase sufocando-a. Se alguma coisa tivesse acontecido, talvez ele estivesse precisando de sua ajuda. Sem saber o que fazer, ficou perambulando pelo espaço exíguo, mais convencida, a cada minuto que passava, de que ele precisava que ela tomasse algum tipo de atitude. Estava com a mão na porta, prestes a abri-la, quando hesitou e considerou uma outra possibilidade. Aquilo bem que poderia ser um teste para provar que ela não era digna de confiança. Seria bem típico dele obrigá-la a demonstrar a sua dependência. Pelo que sabia, Jack poderia estar sentado no píer naquele exato instante, apenas esperando por quanto tempo ela seria capaz de manter a sua promessa. Bem, se ele precisava de provas, ela iria lhe dar. Determinada a não agir por instinto, tornou a sentar-se. O inferno poderia congelar, antes que ela saísse daquele barco. Porém, sua determinação não durou dez minutos. As dúvidas seguiram-se aos temores e, com as dúvidas, vieram as perguntas. Por quanto tempo deveria esperar pela volta de Jack? E se desmaiasse com todo aquele calor? E se ele estivesse ferido, incapaz de avisá-la? Talvez estivesse na cadeia. Ou no necrotério. A lista de possibilidades pouco confortadoras começou a crescer novamente. No minuto em que Lorraine achou que iria enlouquecer, ouviu vozes lá fora. Distantes, a princípio, e depois mais altas e distintas. Ouvindo com atenção, concluiu que havia dois, ou possivelmente três homens conversando em espanhol. Estavam no embarcadouro, bem ao lado do barco. No momento seguinte, o barco balançou e ela ouviu o barulho de passos no convés. Jack estaria com eles?
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Bestseller Estava quase chamando por ele, quando lembrou-se de que Jack a instruíra especificamente para que ficasse na cabine até que ele próprio a procurasse. Só então ela poderia abrir a porta. Lorraine não sabia com certeza quantas pessoas estavam no barco, se eram dois ou três homens. Era difícil distinguir as vozes. Dois deles pareciam estar liderando a conversa, mas ela julgou ter ouvido passos de três pessoas diferentes. E os dois que conversavam pareciam estar envolvidos em algum tipo de discussão. Alguém tentou abrir a porta que levava ao convés superior. Lorraine congelou e agradeceu a Deus por ter tido o bom senso de trancá-la. A discussão tornou-se mais acalorada. Os homens gritavam uns com os outros mas, pelo que ela pôde perceber, nada havia sido decidido. Continuou escutando e esperando. Houve mais um movimento lá em cima: o barco balançava repetidamente enquanto os homens subiam e desciam. Lorraine ouviu o barulho de caixas serem depositadas pesadamente no convés e calculou que os homens estivessem levando os suprimentos a bordo. Mas uma pergunta permanecia: onde estava Jack? Um silêncio se seguiu, então, mas ela não achou que os homens haviam saído do barco. Sua respiração ficou mais ofegante, enquanto ouvia com atenção. Depois de um momento, escutou o barulho de garrafas sendo abertas. Provavelmente tinham encontrado o estoque de cervejas de Jack e estavam servindo-se. O barco inclinou-se bruscamente para o lado quando os homens saíram e afastaram-se conversando no embarcadouro. As vozes ruidosas foram aos poucos desaparecendo no ar. Lorraine não sabia o que era pior: não saber o que acontecera a Jack, ou a espera interminável. Sentindo-se fraca e desorientada, deitou a cabeça na mesa e fechou os olhos. Talvez tivesse cochilado um pouco, mas não teve certeza. Sem saber quanto tempo se passara, ouviu passos lá em cima. Passos de uma única pessoa. Jack. Levantou-se quase num salto, sentindo uma onda de alívio invadi-la. Tudo estava bem. Ele havia voltado. Porém, quase imediatamente, a alegria transformou-se em raiva. Como ele tivera coragem de deixá-la ali esperando por
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Bestseller todo aquele tempo? Jack fizera de propósito, ela sabia. Estava castigando-a pelo que acontecera em La Ruta Maya. Pois bem, ela pretendia dizer-lhe exatamente o que pensava daquele tipo de comportamento. Quando acabasse com ele, Jack ficaria bem satisfeito em livrarse dela, mas não mais do que ela ficaria em livrar-se dele. Abrindo a porta, parou por um instante e respirou fundo, deixando que um sopro de ar fresco penetrasse em seus pulmões, e depois saiu. Foi marchando com passos duros até o convés. Podia ouvir o barulho dos dois motores do barco rosnando alegremente ao fundo. Então o troglodita estava prestes a sair do porto sem nem mesmo avisá-la de que havia voltado! Ora, e por que ela estava tão surpresa? Era típico dele, depois de tudo que fizera. — Você demorou bem mais do que... — começou, mas no instante seguinte quase engasgou de susto. Não era Jack quem estava a bordo, mas sim Carlos. Lorraine ofegou e lembrou-se, tarde demais, de que havia deixado a arma na cabine.
Gary Franklin estava preocupado. Não tivera notícias de Lorraine desde que ela partira naquela viagem maluca para o México. E, de seu ponto de vista, havia algo muito estranho em tudo aquilo. No entanto, Lorraine estivera tão desesperada para descobrir tudo o que podia sobre o pai que recusara-se a ouvir a razão. Se fosse algum tempo atrás ela teria confiado em seus conselhos, mas as coisas entre eles haviam mudado desde que a mãe dela morrera. Agora, Gary às vezes sentia que não a conhecia mais. Tentou ser paciente, embora isso se tornasse cada vez mais difícil. Com a morte da mãe, Lorraine mergulhara completamente em si mesma, bloqueando o mundo exterior — inclusive o próprio Gary. E, francamente, isso o deixara magoado. Gary quisera confortá-la, segurá-la em seus braços e ajudá-la a superar a dor. Mas Lorraine não permitira, descartando todas as suas ofertas de ajuda. Até que Gary deu-se conta de que isso não era nada pessoal. Lorraine não o quisera por perto, mas tampouco aceitara a companhia de qualquer outra pessoa. A morte de Virgínia a deixara devastada, mas fora um choque para ele, também. Gary gostava muito da futura sogra e não podia acreditar que ela mentira
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Bestseller para Lorraine. Mas isso já não tinha mais importância, agora que Virgínia se fora. O casamento continuava marcado para o fim do outono e Gary achava que quanto mais rápido acontecesse, melhor seria. Lorraine precisava dele mais do que nunca, e ele a amava. Com trinta e seis anos, havia esperado mais do que os outros homens que conhecia antes de decidir dar o passo definitivo para o casamento. Estivera procurando a mulher certa, ou, pelo menos, era isso que dissera aos seus pais. Não era mentira, embora não correspondesse totalmente à verdade. Ao contrário de seus amigos, Gary não tinha muita pressa de se "acomodar". Colocado assim talvez parecesse imaturidade sua, o que não era o caso. Ele simplesmente gostava de sua liberdade. Porém, sentia que estava na hora de casar, e ele e Lorraine eram compatíveis em todos os pontos importantes. Gostavam das mesmas coisas, acreditavam nos mesmos ideais. Ambos eram pessoas sensatas e não se deixavam levar pelas opiniões mais populares. Ele gostava de um mundo bem organizado, e ela também. Gary recostou na cadeira de seu escritório e cruzou as mãos atrás da cabeça. Lorraine lhe dera o número do telefone onde poderia ser encontrada, mas deixara bem claro que preferia entrar em contato com ele, e não o contrário. Este era um dos pequenos detalhes que o irritavam um pouco, em relação a Lorraine. Ela podia ser inflexível, às vezes. Ocasionalmente, mostrava-se apressada demais em formar uma opinião, e agarrava-se a ela com intransigência. Embora Gary admirasse seu jeito arrojado, havia vezes que desejava que ela fosse um pouco mais disposta a ceder. Ainda assim, confiava em seu bom senso. A despeito de suas preocupações, imaginava que ela se sairia bem, até mesmo num distante vilarejo mexicano. O telefone tocou e Gary atendeu. — Alô? — Gary, aqui é Marjorie Ellis. — A mulher hesitou, como se esperasse uma reação. Gary continuou em silêncio. — Estou com algumas dúvidas... Tenho umas perguntinhas para você, se estiver com tempo. Marjorie era nova no emprego e precisava de orientação. Muita orientação, para dizer a verdade. A empresa onde trabalhavam, a Med-X, vendia equipamentos e suprimentos médicos para hospitais, consultórios, casas de repouso e
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Bestseller outros. Gary estava no ramo havia dez anos e, recentemente, aceitara um cargo de gerência. Marjorie, que fora contratada para ficar em seu lugar, carecia de quase todas as habilidades que ele considerava essenciais para o trabalho. Era desorganizada, não era pontual. Sua prática com o computador era quase inexistente e ele via-se obrigado a explicar-lhe as coisas três ou quatro vezes, antes que ela conseguisse entender. O que redimia Marjorie Ellis era o fato de que os clientes da Med-X adoravam-na. Isso era um choque para Gary, mas o sucesso da nova funcionária era indiscutível. Dois meses depois de começar a trabalhar, ela já superara todos os outros vendedores que também estavam em treinamento. E isso tinha de ser levado em conta. — O que quer saber? — Gary perguntou, mantendo o tom de voz amigável. — Talvez seja melhor nos encontrarmos em seu escritório e conversarmos. Isto é, se você estiver com um tempo livre — ela repetiu. Tempo era algo que Gary tinha de sobra, agora que Lorraine estava viajando. — Sem problemas — ele disse, olhando no relógio. — A que horas? — Esta tarde, às quatro, está bom para você? Gary folheou a agenda ruidosamente, fazendo o possível para certificar-se de que ela estava ouvindo. Já sabia que estaria livre naquele horário, mas Marjorie não precisava saber que ele não era um homem ocupadíssimo. — Que tal às quatro e meia? Gary ouviu o barulho de papel no outro lado da linha, e suspeitou que ela havia derrubado um fichário. — Está bem — Marjorie falou. — A gente se vê, então. A voz dela estava abafada, como se tivesse afastado o rosto do telefone. Gary podia imaginá-la com o telefone celular preso no queixo, enquanto abaixava-se para pegar a papelada que espalhara-se no chão. Típico. — Estarei aguardando. Ao desligar o telefone, Gary deu-se conta do quanto isso era verdade. Marjorie era uma garota atrapalhada, com muitos... bem, com muitos episódios atrapalhados, mas era também agradável e simpática. Sem Lorraine, ele realmente se sentia solitário. Sentia falta dela e, por algum motivo, duvidava que ela sentia sua falta com a mesma intensidade. Uma hora em
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Bestseller companhia de Marjorie — mesmo se fosse para explicar o programa de computador pela décima vez — pelo menos seria uma distração.
Carlos pretendia matá-la. Lorraine soube disso no instante em que o viu. Olhou em volta com desespero, esperando que houvesse alguém por perto para ajudála, ou, pelo menos, para chamar a polícia. Não havia ninguém e, mesmo se tivesse, ela imaginava que ninguém se arriscaria a envolver-se naquilo. Devagar, como se desfrutasse do prazer da antecipação, Carlos avançou em sua direção. A cada passo que ele dava, Lorraine ia se afastando, até bater de costas na amurada. O hálito dele lhe provocava náuseas, mas ela se recusou a demonstrar seu terror, recusou-se até mesmo a piscar. — O que está fazendo aqui? — perguntou, com falsa coragem. — Vim ensinar-lhe uma lição. — O sorriso dele desapareceu e, com as duas mãos, Carlos abriu-lhe a blusa arrancando todos os botões. Lorraine sufocou um grito diante do ato inesperado e tentou chutá-lo com o joelho, mas não acertou. Entretanto, o joelho não era o seu único meio de defesa e, recuperando-se rapidamente, fincou as longas unhas no rosto dele, deixando uma leve trilha de sangue. Carlos deu-lhe uma bofetada, com força suficiente para cortar-lhe o lábio. O sangue escorreu de sua boca, e ela cuspiu no rosto dele. Ele poderia até estuprála e matá-la, mas ela não lhe facilitaria as coisas. Ouviu um grito no embarcadouro e teve um breve relance de Jack. Jack. Graças a Deus... Ela nao pensara nisso antes, mas se Carlos havia conseguido encontrá-la provavelmente tinha ferido ou matado Jack. Ao ouvir a voz de Jack, Carlos olhou por sobre o ombro e praguejou alto. Pegou o revólver que estava preso no cinto em suas costas e teria atirado se Lorraine não agisse rápido. Usando toda força de seu corpo, ela jogou-se por cima dele. . A arma disparou e escapuliu da mão de Carlos, indo parar no chão do convés. O projétil perdeu-se no espaço e Jack pulou a bordo do Scotch on Water, sacudindo o barco violentamente. Sem hesitação, os dois homens atiraram-se um sobre o outro como animais selvagens dispostos a matar Lorraine quase tropeçou nas caixas de mantimentos em seu esforço para sair do caminho. Braços pernas golpeavam com violência e ela se desviava, tentando não ser atingida. Fez um círculo completo em torno dos homens, buscando uma chance de ajudar Jack.
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Bestseller Sem saber o que mais poderia fazer, pulou nas costas de Carlos e passou os braços em volta do pescoço dele com toda sua força, numa tentativa amadorística de enforcá-lo. Carlos atirou-a para longe sem grande esforço Lorraine bateu a cabeça quando aterrisou no chão e viu estrelas por um momento. Atordoada, ficou sentada esperando que a vista clareassee depois levantou-se com dificuldade. Recusando se a ficar de fora e sem fazer nada, pegou o balde. Se conseguisse bater o balde na cabeça de Carlos ou, melhor ainda, enfiá-lo na cabeça dele, talvez ajudasse, infelizmente, o homem não parava quieto no lugar e ela acabou correndo atrás dele pelo convés, de balde na mão, pronta para agir na primeira oportunidade que aparecesse. Jack provou ser um lutador vigoroso e incansável, mas Carlos era bem mais pesado. Além disso, ele também parecia ser um expert em luta corpo a corpo. — A arma! — Jack gritou para Lorraine. — Pegue a arma! É claro. Aquilo fazia todo sentido e seria muito mais útil do que correr atrás de Carlos com um balde de plástico amarelo. Com a adrenalina bombeando dentro de si, Lorraine correu para baixo a fim de pegar a Glock.22 que Jack lhe dera. Assim que desapareceu, ouviu Jack dizer um palavrão. Frenética, tirou a arma do esconderijo e checou para certificar-se de que estava carregada. Então, com as mãos tremendo tanto que mal conseguia manejar o revólver, soltou a trava de segurança e subiu novamente para o convés. Somente quando ouviu um tiro Lorraine deu-se conta de que Jack não estava se referindo à arma da cabine, mas sim àquela que ela havia chutado para longe de Carlos. A mesma que acabara de ser disparada. O barulho foi como o de uma explosão, que ficou ecoando em seus ouvidos por muito tempo. Lorraine rezou com todas as suas forças para que Carlos fosse o atingido pela bala, e não Jack. Não Jack, por favor... Mas Deus não ouviu sua prece desesperada. Quando reapareceu no convés, Lorraine deparou com Jack caído numa poça de sangue. Os olhos dele fixavam-se cegamente no céu, imóveis. Jack, que arriscara a vida para protegê-la. — Não! — ela gritou. Não hesitou nem por um segundo, quando apontou a arma que segurava na direção de Carlos. Sem enxergar seu alvo, disparou a arma. Uma vez, duas vezes. Depois, outra e mais outra. A primeira bala tirou o revólver da mão dele, jogando-a para longe.
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Bestseller Carlos rosnou de ódio e girou o corpo para trás. O segundo disparo atingiu-lhe o ombro. E os outros dois tiros foram perdidos. Lorraine parou por um instante e fez a mira com mais cuidado, calculando que, se o atingira uma vez, conseguiria de novo. Sua calma determinação provavelmente assustou-o e, com um grito de raiva, Carlos saltou para fora do barco. Lorraine teria atirado nele através da água, se não tivesse visto dois homens que corriam na direção do píer, gritando e apontando suas armas. Uma bala penetrou no pilar de madeira acima da cabeça de Lorraine, quando um deles atirou do embarcadouro. Agindo por puro instinto, Lorraine correu para o acelerador de mão do barco e puxou-o com toda força. Os motores poderosos acionaram-se e rugiram, mas o barco não saía do lugar. Gemendo de frustração e medo, ela acionou-os a toda velocidade, como Jack havia lhe mostrado antes. Novamente, nada aconteceu. Então, de repente, o barco empinou-se pare frente com tal força que ela quase foi atirada para fora. O fato de agarrar-se ao leme foi o que a salvou. Algo não parecia estar certo, mas Lorraine só teve tempo de discernir o que seria quando já se encontravam na segurança do alto-mar. Enquanto o barco seguia sempre em frente, ela olhou para trás e percebeu o que acontecera. Ela não havia desamarrado o Scotch on Water. Atrás do barco, vinham rebocados o embarcadouro inteiro e todos os barquinhos de pesca da cidade.
CAPÍTULO X
Em vez de lidar imediatamente com o problema do embarcadouro rebocado, Lorraine acertou o curso do Scotch on Water através do mar aberto. Deixando o leme, correu para ver como estava Jack. A poça de sangue espalhava-se por quase todo o convés. Caindo de joelhos, Lorraine procurou o pulso dele com desespero. Uma onda de alívio e gratidão invadiu-a por inteiro ao sentir a forte e estável pulsação sob seus dedos. Ele estava vivo. — Graças a Deus — murmurou enquanto lágrimas enchiam-lhe os olhos. — Obrigada, meu Deus.
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Bestseller Lorraine recebera extensos treinamentos médicos na escola de enfermagem, mas nunca tivera de cuidar de um ferimento provocado por bala. Tremia, enquanto revisava mentalmente os procedimentos de emergência. A bala havia penetrado no ombro de Jack e, quando Lorraine rasgou sua camisa, verificou que o ferimento ainda sangrava profusamente. Viu também que Jack estava bem perto de entrar em estado de choque. Levantando-se, correu para a cabine e pegou um travesseiro, cobertores e toalhas limpas. Arrumou o travesseiro sob os ombros dele, enrolou apertadamente os cobertores desde a barriga até os pés, depois pressionou a toalha no ferimento, segurando com firmeza. Assim que o sangramento diminuiu, foi capaz de examiná-lo com cuidado. Felizmente a bala não o atingira no peito, portanto não precisava preocupar-se com os pulmões. Também não rompera nenhuma artéria. Um passo de cada vez, lembrou a si mesma. Um passo bem pequeno de cada vez. Você consegue fazer isso. Vai conseguir. Repetia as palavras como um mantra, esperando que elas lhe restaurassem a confiança. A última coisa que Jack precisava, agora, era que ela entrasse em pânico. — Ah, Jack... — soluçou, afastando os cabelos crespos da testa dele. Lorraine culpava-se pelo que acontecera. Se tivesse sido mais esperta e apanhado a arma certa, nada disso teria ocorrido. Teria salvado Jack. Mas, ao contrário, ele poderia morrer e seria por sua culpa. No entanto, recusava-se a entregar-se aos próprios medos e arrependimentos. Agora, tinha de se concentrar em cuidar dele e ajudá-lo, seguindo os procedimentos corretos... sem falhar novamente. O fato de ele estar inconsciente era uma bênção, pois assim pelo menos ela poderia fazer tudo o que fosse necessário. Forçou-se a pensar. Fechando os olhos, ajoelhou-se e continuou acariciando o rosto dele enquanto pesava suas opções. Decidiu começar examinando o ferimento, a fim de determinar exatamente onde estava a bala, e a que profundidade. Detestava a idéia de usar algo tão rudimentar quanto uma faca, mas o que mais havia por ali? Foi então que lembrou-se do estojo de costura que sempre levava na bolsa. Demorou-se por mais um instante, sem querer deixá-lo, e depois correu para a cabine. Depois de deixar uma panela com água para ferver no fogão, jogou todo o conteúdo de sua bolsa em cima da cama. Sua carteira, o passaporte, uma caneta e a bolsinha de maquiagem espalharam-se no colchão, juntamente com o kit de
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Bestseller costura em miniatura. Ela abriu a tampa do estojo e tirou uma pequena tesoura. Agora, o que realmente precisava era de uma pinça. Lembrou-se, exultante, de que tinha uma pinça na bolsinha de maquiagem. Ou, pelo menos, achava que tinha. Pegando a nécessaire, abriu o zíper e esvaziou-a sobre a cama. Um absorvente interno, o pó compacto, batons e blush espalharam-se, misturando-se com as outras coisas. Sacudiu a bolsinha e" o lápis de sobrancelha, delineador de lábios e um objeto dourado se seguiram, juntamente com a pinça. Lorraine pegou a pinça e a tesourinha e colocou-as na panela com água fervente, deixando ali por vários minutos a fim de esterilizá-las. Enquanto esperava, remexeu nos armários da cozinha, certa de que havia visto uma garrafa de uísque em suas buscas anteriores. — Está aqui! — gritou triunfante, quando a encontrou. Com a garrafa embaixo do braço, pegou a panela com água e voltou para onde estava Jack. Sentindo-se relativamente confiante de que ninguém os seguia — parecia pouco provável, desde que ela havia carregado todos os barcos da cidade — Lorraine desligou os motores. Por um instante, ficou olhando desolada para o píer a reboque e para a fileira de barquinhos. No fim das contas, sua distração acabara sendo uma bênção pois, sem querer, havia privado os bandidos de um meio de locomoção para segui-los. Não sabia se ria ou chorava quando inclinou-se na amurada e desamarrou o Scotch on Water, deixando o embarcadouro e os barcos flutuando ao largo. Em seguida, preparou Jack da melhor maneira possível e reuniu toda sua coragem para o que teria de fazer. — Vou verificar onde a bala se alojou — disse a ele, depois explicou que talvez fosse necessário deixá-la onde estava, se não conseguisse removê-la com facilidade. Tocou o rosto dele novamente. Por algum motivo, o simples ato de tocá-lo acalmava-lhe os nervos em frangalhos e a deixava mais tranqüila. Sentia a boca seca e a garganta contraída pelo medo. Com o maior cuidado, retirou a toalha ensopada de sangue do ombro de Jack e despejou no local uma boa dose de uísque. Depois, sentindo que ela própria precisava de um fortificante, bebeu um gole e engasgou. A bebida queimou-lhe a garganta, mas deu-lhe o impulso que precisava. Pegou a garrafa pelo gargalo e deixou-a de lado.
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Bestseller Respirando fundo, observou o rosto pálido e sem expressão de Jack. Tentou imaginar o que ele diria, se pudesse falar com ela. Não tinha dúvidas de que haveria alguns palavrões, um ou dois insultos — e um ríspido voto de confiança. Mordendo o lábio, Lorraine rezou por proteção e para que mantivesse a mão firme. A pinça quente ardia em seus dedos, mas Lorraine obrigou-se a segurá-la com firmeza, temendo que pudesse escorregar. Enfiou-a com todo cuidado na ferida aberta e uma golfada de sangue jorrou do ombro de Jack no mesmo instante. Limpou a ferida com uma toalha dobrada e, enquanto o fazia, reparou novamente que o ferimento estava em carne viva. Se Jack sobrevivesse àquilo — e, diabos, ele iria sobreviver! — ficaria com uma cicatriz bem feia. A pinça raspou contra o metal da bala que, exatamente como Lorraine temia, estava alojada fundo demais. O sangue jorrou mais depressa da ferida, assim que ela retirou a pinça. O suor escorria em seu rosto. Logo tornou-se evidente que qualquer tentativa de extrair a bala faria mais mal do que bem. Jack já havia perdido muito sangue. — Vai ficar tudo bem, Jack. Vou deixar a bala onde está e fechar o ferimento com um tampão, pois é o melhor que posso fazer. Não vou deixá-lo morrer, entendeu? Inesperadamente, Jack gemeu e virou a cabeça para o lado. Parecia que, mesmo inconsciente, ele ainda queria discutir com ela. — Não se preocupe, o tampão não vai fazer com que você sofra de TPM. Ela riu, ligeiramente histérica. Jack jamais saberia o que ela havia feito e seria melhor assim, pois do contrário não a deixaria em paz. Dali em diante, ela teria de esterilizar a gaze e colocá-la no ferimento até que a cicatrização começasse. E, pelo resto de sua vida, Jack Keller carregaria uma bala em seu ombro, como lembrança da tolice que ela cometera. Deixou a pinça e a tesoura de lado, voltou para a cabine e pegou o absorvente interno. No instante em que acabou de fazer o curativo, amarrando a gaze o mais forte que pôde, a reação se iniciou, e suas mãos tremiam incontrolavelmente. Passou a mão pela testa de Jack e afastou-lhe os cabelos, reparando que sua peleja não parecia tão úmida como antes. A respiração também estava melhor, mais estável e forte. Foi então que sentiu a primeira gota de chuva. Concentrada como estava em sua tarefa, Lorraine nem sequer percebera a mudança do tempo. O céu escure-
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Bestseller cera, o vento aumentara bastante. E remover Jack para o convés inferior seria impossível. Uma outra gota atingiu-a, e depois outras. Muitas, muitas mais. Lorraine não tinha escolha senão continuar ali mesmo no convés até que a tempestade passasse, e proteger Jack da melhor maneira que pudesse.
Jack estava no inferno. Ou, pelo menos, presumia que era onde estava. Sentia como se estivesse em brasas, depois percebeu que a dor era mais localizada. Seu ombro era o responsável pela maior parte do desconforto. Sua boca estava ressecada e a única coisa que conseguia pensar era em beber um copo de água gelada e refrescante. Sim, aquilo só podia ser o inferno pois do contrário não estaria tão sedento. Como se tivesse formulado o desejo em voz alta, sentiu algo frio contra os lábios. Mas foi apenas uma gota de água, como se Deus pretendesse torturá-lo concedendo-lhe uma amostra do que seria seu alívio. Apenas o bastante para lembrá-lo da intensidade de sua sede... — Beba — uma doce voz feminina sussurrou. Marcie? Ali, naquela hora? Era tudo o que ele precisava para convencer-se de que estava sendo punido. Tudo o que queria estava sendo oferecido, depois retirado. Ele havia se aventurado num lago de fogo. Seu coração doía ao som da voz dela, tão suave e adorável. Sentiu a cabeça sendo gentilmente levantada. Um copo de água sendo pressionado em seus lábios. E assim que reconheceu o que era passou a beber com ansiedade e gratidão. É o paraíso, decidiu. Havia sido guiado para um lugar de repouso mais angelical — embora não conseguisse imaginar o que teria feito para merecer um tratamento tão especial. Mas quem era ele para questionar uma decisão executiva, principalmente se inclinava-se a seu favor? Satisfeito, agora, Jack mergulhou num sono profundo e pacífico. Em seu sonho, estava visitando um vilarejo mexicano. Olhou em volta, vendo as casas de tijolos batidas pelo sol, a igrejinha, a cantina. Até ali, tudo bem. Então Marcie apareceu. A doce Marcie, a mulher do encanador. Marcie e seus filhos. Marcie e o marido.
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Bestseller Jack observou-a e admirou-se em ver que mãe maravilhosa ela era para os gêmeos. De vez em quando, ela olhava na direção dele e sorria. No entanto não podia vê-lo, e Jack sabia disso. Porque ele estava à parte, fitando tudo de longe. De repente, sentiu uma tristeza profunda, um tipo de tristeza que não deixava dúvidas quanto às suas próprias falhas e imperfeições. Observando a Marcie de sonhos com sua família, vendo seu amor e felicidade, foi como ver o quanto sua própria vida seria diferente se ele fosse um tipo de pessoa diferente. Se tivesse feito outras escolhas, através dos anos. Apanhado em meio aos seus arrependimentos, Jack não percebeu que outro homem juntara-se ao pequeno grupo. Ele piscou, certo de que devia haver algum engano. O homem era Carlos. Jack gritou uma provocação, mas o Carlos do sonho não podia ouvi-lo. Então, Carlos pegou Marcie pelos ombros e atirou-a contra a parede. Jack avançou contra ele. — O que diabos pensa que está fazendo? — gritou. Sabendo que de nada adiantaria gritar, desde que ninguém parecia capaz de ouvi-lo, Jack esperou que Clifford intercedesse. Mas Clifford não estava em parte alguma. As crianças também haviam desaparecido. Voltando a atenção novamente para Marcie, ficou olhando impotente enquanto Carlos a espancava. Não havia a menor dúvida de que Carlos iria estuprá-la. Jack tinha de impedir. Não havia tempo para deixá-la descobrir sozinha um jeito de escapar. Não havia tempo. Maldição, ele a avisara para ficar escondida, avisara tantas vezes... Com os punhos cerrados, Jack penetrou no sonho. A cabeça de Carlos foi jogada para trás com a força do seu primeiro soco. Jack começava a pensar que conseguira nocauteá-lo quando, de repente, uma arma surgiu na mão do bandido. Só que ele não a apontava para Jack, mas sim para Marcie. — Não! Com um grito desesperado, Jack saltou diante do homem a tempo de ser alvejado. Sentiu o impacto da bala, a dor lancinante e a compreensão instantânea de que, daquela vez, conseguira. Depois de todas as vezes que tivera a sorte de escapar, enganando a morte, parecia que sua boa sorte acabara. Demorara tempo demais. Dessa vez, iria morrer. Ah... agora ele entendia. Tudo estava claro para ele. Sua morte, o fato de entregar a vida para que alguém a quem ele amava pudesse viver, fora o que lhe
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Bestseller assegurara um lugar no paraíso. A dor latejante em seu ombro não parecia mais tão intensa. Ele salvara a vida de Marcie... — Ah, Jack... Você está ardendo de febre. Ele abriu os olhos, esperando ver Marcie ao seu lado. Mas, em vez disso, era Lorraine. Piscou, confuso. — Onde estou? — Não teve certeza de que realmente pronunciara as palavras, até que ela respondeu. — No meio do Golfo do México. Ah, Jack, não faço a menor idéia de onde estamos. Ficamos apenas navegando sem rumo... os motores estão desligados. Não vejo sinal de terra há dois dias, mas pelo menos não está mais chovendo. Apesar da determinação de Jack para manter os olhos abertos, eles foram se fechando devagar. Ansiava por dizer a ela que não se preocupasse, que tudo daria certo, mas sua capacidade de falar lhe fora tirada. Poderia descansar, agora. Marcie voltara para o marido e os filhos, e Lorraine também estava a salvo. A salvo de Carlos, e dele também. A chuva torrencial abatera-se sobre eles com violência. Sentada ao lado de Jack no convés, Lorraine segurava uma capa de vinil sobre eles, até que os músculos de seus braços começassem a ter cãimbras em protesto. A capa não oferecia muita proteção, mas pelo menos impedia que a chuva batesse no rosto de Jack. A tempestade durou dois dias, com intervalos espaçados. Todas as vezes que a chuva diminuía, Lorraine pensava que havia terminado, mas em seguida começava a chover novamente. Lorraine jamais passara por uma situação tão miserável. Não sabia o que era pior, o tempo ou o apuro em que se encontravam. Sem sinal de terra à vista, não fazia idéia de onde estavam, ou o que teria de fazer para descobrir. Se Jack morresse, ela não sabia qual seria seu destino. Queria que Jack vivesse — e por motivos bem mais importantes do que suas habilidades de navegação. Devia tanto a ele, mais do que seria possível lhe pagar. Sempre que se lembrava de como ele fora atingido pela bala, salvando-a de Carlos, seu peito contraía-se de emoção. Tinha medo que ele morresse. Tinha medo de ter matado Carlos. E medo de que não tivesse. Lorraine temia que estivessem tão completamente perdidos que nem mesmo Jack fosse capaz de encontrar o caminho de volta, e que acabassem morrendo no
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Bestseller meio do oceano. E temia que, se fossem resgatados, ninguém acreditasse em sua inocência e ela tivesse de passar anos apodrecendo numa prisão mexicana. Durante todo o transcorrer da tempestade, Lorraine permaneceu constantemente ao lado de Jack, recusando-se a deixá-lo enquanto navegavam sem rumo pelo mar aberto. Por algumas horas, distraía-se tentando lembrar os enredos de seus filmes clássicos favoritos, cena após cena. Brief Encounter. It Happened One Night. The Bishop's Wife. Sabrina. E, naturalmente, The African Queen. Filmes que ela e a mãe adoravam. Pensava em sua mãe, também, e tentou odiá-la depois descobriu que não conseguia. Pensou e repensou várias vezes em tudo o que sabia sobre o casamento de seus pais, até obter um certo sentido em tudo aquilo. Seus pais haviam se amado, mas as circunstâncias irreparáveis levaram-nos à separação. Pelo que seu pai lhe dissera, ele estivera em contato com elas durante anos, mesmo depois que Virgínia parou de se corresponder. Parou de visitá-lo. Ela se lembrava das viagens que sua mãe fazia dizendo que eram a trabalho. Lorraine ficava com tia Elaine naquelas ocasiões às vezes até por uma semana. Tais viagens sempre pareciam deixar sua mãe muito triste, recordou. Ela própria era ainda muito criança. Em algum ponto de sua infância, sua mãe devia ter tomado uma decisão consciente de não mudar-se para o México. Desde que era uma católica devota, o divórcio não era uma opção. Devia ter feito as pazes consigo mesma e com o passado e, por algum motivo, desligou-se para sempre da vida de Thomas. Porém, nada disso explicava o motivo porque Virgínia não lhe contara a verdade. E agora Lorraine jamais saberia, e podia apenas imaginar. Os pensamentos sobre sua mãe já eram bastante complicados, mas quando Lorraine refletia sobre o pai ficava completamente confusa. Durante todos aqueles anos, sua mãe havia permanecido fiel. Mas Thomas não. Pelo que Lorraine sabia, ele podia ter uma dezena de filhos. Não queria pensar nele, não queria ter de lidar com a questão de sua infidelidade. Não queria... Lorraine nem percebeu quando pegou no sono Quando deu por si, já era de manhã e o sol brilhava como uma bênção dos céus. Ela abriu os olhos e piscou sob a claridade — e reparou que os olhos de Jack também estavam abertos. Por um longo tempo, ficaram simplesmente olhando um para o outro, como se assimilassem o fato de estarem vivos. A vontade de tocar o rosto dele, como fizera tantas vezes antes, era quase incontrolável. Lorraine desejava passar os braços
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Bestseller em torno dele, aconchegá-lo contra si. Queria lhe contar sobre o medo que sentira de que ele morresse, e como não conseguiria sobreviver com a culpa, se isso acontecesse. Queria lhe dizer que, sob aquela fachada de rispidez, ele era um bom homem. Haveria melhor elogio do que aquele? Um homem bom e honrado. Um homem que ela estava começando a amar. Mas não lhe disse nenhuma destas coisas. Em vez disso, sussurrou: — Bom dia — numa voz incerta, como se lutasse para ocultar o alívio e a emoção que a invadiam. — Como está se sentindo? — Como seria de se esperar. — Tão mal assim? O sorriso dele foi breve. — Muito mal. E você? — Eu estou bem. — Lorraine sentia dores em lugares que nem imaginava que pudessem doer mas, naturalmente, não estava acostumada a dormir quase de pé. — O tiro — ele disse, com voz rouca. — Qual foi a gravidade? — Foi bem grave. — Lorraine não mentiria para ele. — Mas não tão crítico quanto poderia ter sido. A bala ainda está aí, pois achei que se a removesse as coisas poderiam ficar piores. Você perdeu muito sangue. — A bala ainda está aqui? — ele repetiu, arqueando a sobrancelha. — Isso significa que a partir de agora vou disparar os detectores de metal dos aeroportos? — Fez uma careta engraçada. — Isso é algo que você ainda terá de descobrir. O olhar de Jack prendeu-se ao dela. Então, ele estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. — Obrigado — murmurou. O gesto continha uma ternura e um calor indescritíveis. Lorraine tomou-lhe a mão e tentou afastar as lágrimas, desejando saber como dizer a ele que admirava sua coragem e sua honra. Que estava grata por ele haver se sacrificado por sua causa, quando teria sido tão fácil simplesmente abandoná-la à sua própria sorte. Fechou os olhos, desejando saborear aquele momento, guardá-lo para sempre na memória. Seu pulso normalizou-se. A realidade retornou.
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Bestseller Durante o pior período de sua febre, Jack havia chamado o nome de outra mulher, alguém que, obviamente, ele amava muito. Uma mulher que ocupara — ou que ainda ocupava — um lugar importante em sua vida. Por um breve instante, ela considerou a idéia de lhe perguntar quem era Marcie. E também pensou em corrigir a impressão que ele tivera de que ela era casada. Mas para o bem dele, e também pelo seu, era melhor deixá-lo acreditar que havia um marido esperando-a em Louisville. Os sentimentos entre eles eram intensos demais. E a situação já era bem difícil como estava. Aquele relacionamento não tinha a menor esperança de um futuro e, em vez de permitir que seguisse um rumo que os levaria apenas para o sofrimento, Lorraine retirou a mão que Jack segurava. Como se percebesse o que estava acontecendo, ele baixou o braço. — Eu atirei em Carlos — ela disse, pensando que uma boa notícia o animaria um pouco. — E matou o filho da mãe? — Não, mas não foi por falta de tentar. Disparei seis tiros — acrescentou, orgulhosa. Ele sorriu. — Mas pelo que pude perceber, o tiro pegou apenas de raspão no braço dele — Lorraine juntou. — Espero que esteja sofrendo mais do que eu. — Eu também. — Como conseguiu nos tirar de Pucuro? Ela virou o rosto. — Nem queira saber. — Ah, mas eu quero, sim. — Esta é uma história que ficará para outro dia — ela disse, com firmeza. De repente, sentiu lágrimas nublando seus olhos outra vez, embora tentasse afastálas. — Deixe-me ver se consigo colocá-lo numa posição mais confortável. — Raine... — Não me chame assim. — Ela fungou e limpou o rosto com a mão. — Você está chorando — ele disse, ignorando seu protesto. — Estou?
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— Está, sim. — Então são lágrimas de... de alegria. — Alegria? — A pergunta foi acompanhada de um franzir de testa. — Você vai viver, Jack. Você vai ficar bom.
Carlos Caracol praguejou e cerrou os dentes quando Camélia limpou o sangue de seu braço. — Pare! — ordenou, torcendo-se de dor. Ele passara três dias sem cuidados médicos e a infecção se instalara. A dor latejante em seu braço fora suficiente para levá-lo até Camélia, uma mulher em quem sabia que poderia confiar. — Eu disse pare! — rosnou. — Você quer perder este braço? — Não. — Então deixe-me terminar — ela disse, com toda calma. Era disso que Carlos mais gostava em Camélia — ela não se intimidava com ele. Desde que a conhecera, Carlos soubera que aquela mulher era digna de sua atenção, e não se enganara. Não importava-se nem um pouco com o fato de ela ser casada e, conforme verificou-se mais tarde, isso tampouco incomodava a ela. O filho mais novo de Camélia, um menino de três anos, parecia-se muito com ele. Carlos não queria nenhuma responsabilidade com família, mas agradava-lhe saber que tinha um filho com ela. Contorcendo-se na cadeira da cozinha da casa dela, submeteu novamente o braço aos seus cuidados. Fechou os olhos e concentrou-se no aroma tentador de carne e temperos que cozinhavam no fogão. Fazia um bom tempo que ele não comia uma refeição decente. E mais tempo ainda desde a última vez que desfrutara dos prazeres que só uma mulher pode dar. Fez uma careta de dor enquanto Camélia aplicava um tipo de líquido ardente em seu braço. O latejar constante do ferimento intensificou-se. Porém, a dor que Carlos sentia não era apenas física. Aquela cadela americana havia passado a perna nele outra vez, e sempre que a encontrava acabava deparando-se com seu amigo americano. Aqueles dois estavam se tornando um sério aborrecimento para ele, mas o que não pareciam perceber era que ninguém fazia Carlos Caracol de bobo e sobrevivia para falar a respeito.
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Bestseller — Fique quieto — Camélia falou, com voz dura. Ele abriu os olhos. — Você está tenso. Relaxe. — Dê-me alguma coisa para tirar a dor. — Carlos deslizou a mão livre sob a blusa dela e procurou o seio farto e arredondado. — Agora não — ela disse, dando-lhe um tapa no pulso. Carlos franziu a testa. Se alguém a ouvisse, pensaria que eram casados. — Por acaso está com dor de cabeça? — perguntou, irônico. O sorriso que ela enviou-lhe foi o bastante para lhe assegurar que não era este o caso. — Com você? Nunca. Ele animou-se. — Ótimo. — Mais tarde, depois que limpar o seu braço. — E depois que eu comer alguma coisa. Camélia continuou limpando o ferimento. Carlos praguejou quando ela usou uísque puro para lavar o local. Em cada parte que ela tocava, sua pele ardia. — Não vai me dizer quem fez isso? — Camélia indagou. — Não. — Foi homem ou mulher? Ele hesitou antes de responder: — Mulher. A reação de Camélia disse-lhe que deveria ter mentido. Ela desatou numa gargalhada e balançou a cabeça. — Sempre achei que uma mulher seria o seu fim, só que pensava que seria eu. Você estava atrás dela? — Não — Carlos resmungou, decidindo mentir agora. Não queria aquela vagabunda, mas apenas lhe mostrar como era estar com um homem de verdade. E para castigá-la. — Você está mentindo. O problema com Camélia era que ela o conhecia bem demais. Carlos agarrou uma espessa mecha de seus cabelos, enrolou-a no pulso e puxou com força.
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Bestseller — Ai! — Os olhos dela arregalaram-se de surpresa. — Aquela desgraçada vai se arrepender do dia em que colocou os olhos em mim. — Cada palavra foi pronunciada devagar. Carlos ficou satisfeito em ver que Camélia captou sua mensagem. — Tenho pena dela — a mulher murmurou. Ele sorriu, seu ego recompensado com tais palavras. — Vou me certificar de que ela agradeça a Deus quando finalmente morrer.
CAPÍTULO XI — O que é isso? — Jack perguntou, quando Lorraine deu-lhe uma colherada de caldo. — Sopa. Jack não era um bom paciente, mas isso ela já esperava. Ele impacientava-se com a demora em recuperar as forças. Suas queixas eram constantes. Detestava ficar incapacitado. Detestava depender dela, ou de sua ajuda. Odiava estar fraco. — Uma bela porcaria de sopa, se quer saber minha opinião — ele resmungou, abrindo a boca para mais uma colher. — Pois parece que está comendo tudo. — Tenho outra escolha? — Não. Lorraine sorriu e, para sua surpresa, viu que ele sorria também. Seus olhos se encontraram e nenhum dos dois parecia ter pressa de desviar o olhar. Isso já acontecera várias vezes, desde que Jack recobrara a consciência. Uma certa empatia, uma apreciação mútua. Lorraine ficara ao lado dele por horas incontáveis, cuidando, emprestando-lhe seu ânimo, sua força... seu coração. Jack não precisava da determinação dela para sobreviver, pois sua própria força de vontade era o bastante. Mas o coração de Lorraine... este ele guardava e, embora nenhum dos dois mencionasse a crescente atração entre eles, ambos sabiam que estava lá.
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Bestseller Os olhos de Jack passearam pelo rosto dela, e Lorraine começou a tremer sob o calor de seu olhar. Obrigou-se a continuar com a tarefa de alimentá-lo, mas suas mãos tremiam tanto que teve de parar por um instante. — Quando poderei comer comida de verdade? — Logo — ela prometeu. Sem contar com antibióticos para ajudar a combater a infecção, o organismo dele precisava de mais tempo para se curar. Precisava de muito sono, também, e Jack frustrava-se pelo fato de conseguir ficar acordado apenas uma ou duas horas, antes de adormecer novamente. O tempo demorava a passar para Lorraine, quando ele estava dormindo. Nos últimos dias, ela havia lido cada pedaço de material impresso existente no barco. Por duas vezes. Lavara todas as roupas e ajustara duas camisetas e uma bermuda dele, para que pudesse usar. Limpara, esfregara e organizara cada cantinho do barco. E, a julgar por certas coisas que encontrara durante a limpeza — pequenos presentes, cartões que não deveria ter lido, mas leu — Jack mantinha uma quantidade razoável de relacionamentos com mulheres através de todo o Caribe. Isso serviu para confirmar a decisão que já havia tomado: seria melhor se ele continuasse acreditando que ela era casada. Além do mais, não conseguia pensar numa maneira fácil de contar a ele que, afinal, não existia marido nenhum. Ele presumira isso — e ela permitira — e agora preferia deixar tudo como estava. Quanto a Gary... bem, ela aceitara seu pedido de casamento. Amava Gary, de verdade. E não tinha nada que ficar pensando, nem por um segundo que fosse, em qualquer tipo de ligação com outro homem. Passara até a usar o colar de noivado do lado de fora da camiseta. A camiseta de Jack. Jack teria ficado muito mais confortável em sua própria cama, dentro da cabine, mas havia rejeitado esta idéia, preferindo estar ao ar livre e sob o sol. Lorraine preparou uma cama para ele numa espreguiçadeira, e era ali que ele passava todo o tempo. — Você esqueceu de desamarrar o Scotch on Water do embarcadouro! — ele riu. Lorraine sabia que fora um erro contar a Jack como ela conseguira escapar de Pucuro. Ele já zombara dela a respeito disso por mais de uma vez. E estas eram as únicas ocasiões em que o rosto dele exibia sinais de cor. Ele perdera muito sangue e ainda estava mortalmente pálido e muito fraco. Assim, Lorraine supunha que deveria ser grata por ele achar tão engraçado o relato de sua fuga.
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Bestseller Jack acabou de tomar a sopa e Lorraine observou-o lutar para manter os olhos abertos. — Durma um pouco, Jack — ela incitou, pronta para também se recolher. Estava dormindo no convés inferior, na cama dele. — Quero conversar — ele insistiu, segurando-a pelo pulso para impedi-la de se afastar. — Mais tarde — ela prometeu. — Você volta logo, não é? — Volto, sim. — Só vou fechar os olhos por um momento e então poderemos... Fosse lá o que fosse que ele iria dizer perdeu-se no ar, quando adormeceu. Lorraine não sabia sobre o que ele queria conversar e, de certa forma, estava grata por Jack estar tão fraco. Temia que ele dissesse algo que seria melhor não dizer. O assunto de seu pretenso casamento era como um estopim aceso entre eles. Às vezes Lorraine desejava ter esclarecido tudo logo na primeira vez em que ele mencionara o seu "marido". Mas, então, recordava-se de Gary, ou algo acontecia para lembrá-la do quanto o mundo de Jack estava distante do seu próprio mundo. Não haveria futuro para eles. Deveria deixá-lo agora, pensou, e ir para a cabine. Ainda assim, ficou ali ao lado dele, vendo o reflexo da lua sobre a água. Talvez estivesse apenas racionalizando seus sentimentos mas, na verdade, era bastante compreensível que estivesse tão atraída por Jack, naquelas circunstâncias. Afinal, ele salvara sua vida, e ela salvara a dele. Um laço como esse entre duas pessoas não podia ser ignorado. Uma amizade verdadeira nascera entre eles, naqueles dias em que ele passara tão mal. Ou, pelo menos, era o que Lorraine acreditava. Tinham conversado sobre tantas coisas e ele lhe oferecera rápidos relances de sua vida anterior ao Scotch on Water. Lorraine não ficou muito surpresa ao saber que ele havia sido um.mercenário. Trabalhara com um grupo chamado de "Companhia de Liberação". E, aparentemente, ainda nutria uma profunda amizade com seus excompanheiros. Lorraine também falou sobre sua vida. Contou-lhe sobre a infância, como fora crescer sem o pai, e sobre sua mãe. Mas o fato de descrever sua vida com
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Bestseller Virgínia a deixou muito triste, e ela rapidamente mudou de assunto passando a falar sobre seus filmes favoritos. Jack não tivera muitas chances de ir ao cinema nos últimos anos, e Lorraine deliciou-se recordando os filmes que ela mais gostava, e que assistira várias vezes. Havia lembrado de alguns deles recentemente e, por isso, contar a história de The African Queen e Casablanca foi — ela teve de admitir — uma chance de se exibir um pouco. As reações dele foram exatamente como ela gostaria que fossem. E tais "sessões de cinema" foram as mais divertidas que tivera, desde a morte de sua mãe. O enredo que ela mais gostou de contar foi o do filme Em Busca da Esmeralda, que ele não havia assistido. De certa forma, não foi difícil imaginar os dois nos papéis principais... Trocaram histórias mais pessoais, também. Na verdade, naquela mesma tarde, Lorraine perguntara a ele sobre as cicatrizes. Jack explicou que eram resultado dos anos que ele servira na Companhia, e depois quis saber se ela tinha alguma cicatriz. Apenas uma, Lorraine respondeu, de uma fratura no braço que exigira uma cirurgia. Estava brincando com amigos, demonstrando sua perícia em descer pelo corrimão da escada. Infelizmente, havia tropeçado e caído por todo o lance da escadaria, bem em cima do braço direito. A experiência lhe ensinara a ser mais cautelosa. Lorraine esperou, observando-o dormir. A respiração dele estabilizou-se e ela começou a se afastar, mas, para sua surpresa, a pressão da mão dele em seu braço aumentou. — Não vá — ele pediu num sussurro, embora mantivesse os olhos fechados. A noite, com o luar reluzindo na água, era quase etérea em sua beleza. — Deite-se aqui comigo, só um pouco — ele insistiu. Afastou-se para lhe dar espaço. Recostando a cabeça no ombro que não estava ferido, Lorraine deitou-se ao lado dele. Jack passou o braço direito em torno dela, que aconchegou-se con tra seu corpo. Aquela tranqüila intimidade entre eles era algo maravilhoso. Sem fazer qualquer comentário a respeito, ambos pareciam reconhecer que era um momento especial. Mesmo quando teve certeza de que Jack estava dormindo, Lorraine não se afastou. Havia dias, semanas, que não se sentia tão bem. Encontrara o paraíso nos braços daquele estranho. Exceto que, agora, ele não era mais um estranho...
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Lorraine acordou e o mundo estava envolto na escuridão. O barco balançava sem rumo nas águas do golfo, seguindo para onde as correntes o levavam. Estrelas brilhavam no céu azul escuro — tantas como ela jamais vira antes. Permaneceu deitada ali por algum tempo, mergulhada na beleza e da paz daquele momento, quando percebeu que Jack também estava acordado. O braço dele a enlaçava e a cabeça de Lorraine recostava-se sob seu queixo, que ele roçou levemente em seus cabelos. Era o tipo de coisa que um amante faria. Inclinando a cabeça para trás, Lorraine olhou para ele. Seus olhos se encontraram e a maneira como ele a fitava invadiu-a de desejo. Ela queria que ele a beijasse. Ele também queria. Lorraine viu isso em seus olhos, na avidez com que ele observava sua boca. Engoliu em seco, quase gemendo pela necessidade de sentir os lábios dele nos seus. A mão dele, pousada gentilmente em sua cintura, deslizou devagar e alcançou-lhe os seios. Lorraine havia tirado o sutiã e vestido uma camiseta para dormir, e agora a mão de Jack acariciava sua pele nua. Ele fitou-a com mais intensidade, quando seus dedos encontraram o mamilo rígido, e prendeu o fôlego. Lorraine fez o mesmo. Nenhum deles fingiu que o toque não acontecera. Nenhum dos dois desviou os olhos. Jack não fez nada para disfarçar a reação de seu próprio corpo. Ele a desejava, e o coração dela alegrou-se com isso. Jack baixou o rosto como se fosse beijá-la, mas deteve-se um pouco antes de seus lábios unirem-se. — Fale-me sobre seu marido — sussurrou. Lorraine não sabia como responder. Se dissesse a verdade agora, temia que a tentação fosse maior do que qualquer um deles pudesse resistir. Ele a beijaria e ela aceitaria de bom grado suas carícias. Antes que percebessem, estariam se amando e este seria um erro que ela não podia dar-se ao luxo de cometer. Havia muita coisa que ainda não sabia a respeito de Jack, e muita coisa que não queria saber. Ele possuía um lado selvagem, perigoso, como os heróis de seus filmes preferidos. Um relacionamento com Jack não duraria muito, e ela acabaria sendo apenas mais uma mulher na vida dele. Além disso, não podia trair Gary... — O que... o que você quer saber? — O nome dele. Ela hesitou. — É Gary. Gary Franklin. — E você manteve seu nome de solteira? Dancy?
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— Sim — ela murmurou. — Ele a chama de Lorraine ou de Raine? — Lorraine. Ela não queria falar sobre Gary. Seu noivo parecia estar muito distante daquelas semanas que passara com Jack. Ali, no meio do Golfo do México, tudo sobre sua vida em Louisville, incluindo Gary, parecia algo irreal. — O que ele faz? — E gerente de uma empresa de suprimentos médicos. Lorraine sabia o que Jack estava fazendo. Tentava formar uma imagem de Gary como um homem, como uma pessoa real e não meramente um nome, num esforço para minimizar a intensidade da atração que sentiam. E não estava funcionando. Se ela tivesse lhe oferecido os lábios naquele instante, ele a teria beijado. Isso era o que ambos queriam, e era uma necessidade tão forte que parecia pulsar entre eles. — Ele ama você? Ela teve dificuldade em pronunciar a palavra, que soou hesitante, incerta. — Sim. — O bastante? Não fora fácil para Gary ficar de lado e deixá-la ir em busca de seu pai por conta própria. Ele quisera viajar com ela, mas Lorraine o desencorajara. No fim das contas, até queria que ele tivesse vindo, pois assim nada daquilo teria acontecido. — Ele a ama o bastante, Lorraine? — Sim — ela murmurou. Jack retirou a mão de seu seio, devagar, como se soubesse que nunca mais a tocaria novamente. Lorraine mordeu o lábio. A partir de agora, não havia mais como voltar atrás. Continuar com a mentira selara o futuro deles. Lorraine recusava-se a cometer os mesmos erros de sua mãe. De certa forma, isso era fácil. Quando chegasse a hora, voltaria para Louisville e iria em frente com o casamento. Teria os filhos de Gary e viveria uma vida boa e honesta. Era isso que queria. E o que sua mãe gostaria que fizesse.
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Bestseller Quando Jack acordou Lorraine não estava mais ao seu lado. Era melhor assim, reconheceu, mas não conseguiu fazer com que seu coração também acreditasse nisso. . Desde que rompera com Marcie, Jack havia evitado quaisquer laços emocionais. Tinha duas mulheres que costumava visitar ocasionalmente, mas ambas eram do tipo que não queriam nem esperavam nenhum tipo de compromisso. Jack estava satisfeito com seu estilo de vida. E não sabia por que achava necessário ficar lembrando-se disso a toda hora. Até bem pouco tempo, nem mesmo gostava de Lorraine... Considerava-a arrogante, teimosa e voluntariosa. E, acima de tudo, ela era casada. Lorraine não havia mudado. E ainda era casada. A diferença estava em como ele a encarava. Naqueles dias desde que saíram de El Mirador, ele passara a conhecê-la e percebera que era generosa, divertida, corajosa, bonita... A cada dia a lista ficava maior. Porém, ela era a mesma pessoa de sempre. As diferenças físicas eram as mais notáveis. O elegante casaquinho de linho fora substituído por uma das camisetas dele, com a barra amarrada na cintura, revelando relances tentadores da cintura. A calça comprida de linho também se fora. Em seu lugar, ela usava um velho short dele, e andava descalça. Jack mal conseguia manter os olhos afastados das pernas dela. Os cabelos, antes tão perfeitos, com cada mecha no lugar, agora eram amarrados num rabo-de-cavalo. Depois de vários dias sob o sol, ela adquirira um bronzeado dourado e uniforme. Jack pensou que raras vezes havia visto uma mulher com tantos atrativos físicos. Enquanto ele estivera indo e vindo em seu estado de consciência, Lorraine permanecera o tempo todo ao seu lado. Jack não se lembrava de nenhuma vez em que acordara e não a encontrara ali. Seu sorriso era gentil, as palavras animadoras, o toque suave. A verdade era que, em toda sua vida, Jack jamais tivera ninguém que cuidasse dele daquele jeito. E em algum momento, naqueles últimos dias, ele havia se apaixonado por ela. Estava apaixonado por uma mulher que já era casada com outro homem. Numa situação diferente, ele teria fugido. Escapado da tentação. Teria mandado Lorraine embora de sua vida, antes que o problema acabasse se tor nando insolúvel. Mas, agora, não havia para onde fugir. Estavam ambos presos naquele barco, como numa armadilha. Uma outra opção seria fazer com que ela o odiasse, dar-lhe um "gelo", ser cruel. Dizer ou fazer coisas que a mantivessem à distância. No entanto, Jack
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Bestseller descobriu que não conseguiria fazer isso. Estava um tanto inclinado a creditar sua falta de iniciativa à fraqueza física em que se encontrava, mas isso era uma mentira, e ele sabia. Estava apaixonado por Lorraine e o fato de amá-la o impedia de dizer ou fazer qualquer coisa que a magoasse. Isso incluía o que ele mais desejava fazer, que era tocá-la como um amante. Beijá-la, fazer amor com ela, acariciá-la... Resmungou baixinho, maldizendo a própria fraqueza na noite anterior, quando tocara seu seio. Queria fazer muito mais do que isso, e tinha plena consciência de que ela desejava o mesmo e que, portanto, teria permitido. Mas também sabia que, mais cedo ou mais tarde, ela se arrependeria. Quando Lorraine voltasse para o marido, Jack prometeu a si mesmo, iria impoluta, sem remorsos nem culpas. O que tornava seu amor por Lorraine tão maravilhoso, Jack refletiu, era a sua pureza. Seu relacionamento com Marcie, e com todas as outras mulheres de sua vida, fora essencialmente baseado na atração física. Mas com Lorraine não era assim. O relacionamento entre eles possuía uma dimensão física, porém, mais do que isso, tinha uma profundidade emocional, quase espiritual. Ele era um homem que sempre vivera no limite, emocionalmente distante de tudo e, agora, encontrava-se num território desconhecido. — Bom dia — Lorraine saudou-o ao aparecer no convés com o desjejum. Dez dias haviam se passado desde que ele levara o tiro. — Como está se sentindo? — Melhor. A primeira coisa em que Jack reparou foi que o tom de voz dela estava diferente. Não conseguia parar de olhá-la. A luz do sol a rodeava, dando-lhe uma aparência angelical. Refletiu vagamente se Deus planejava ensinar-lhe uma lição e enviara Lorraine a fim de atormentá-lo com todas as possibilidades do que sua vida poderia ter sido. Carregando a bandeja, ela saiu do sol. Jack estreitou os olhos ao ver-lhe o rosto. Alguma coisa estava errada. Ela não era muito boa em esconder as emoções, e esta era uma de suas características que mais o encantavam. — Raine. — Ele sempre a chamava assim, quando queria uma reação. Ela ignorou-o, ou não escutou. — Trouxe seu café da manhã. — O que há de errado? Ela franziu a testa, imaginando como ele adivinhara seu estado de espírito.
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Bestseller — Conte-me — ele insistiu, afastando-se para lhe dar espaço na cadeira. Jack percebeu que ela hesitava. Depois, com um suspiro profundo, ela sentou perto dele. — Lembra-se de quando eu lhe disse que tentei remover a bala com uma pinça? Ele fez que sim. — Bem... A pinça estava na minha bolsinha de maquiagem. Eu estava com pressa e joguei todo o conteúdo da bolsa sobre a cama. Lembro-me de ter visto um objeto estranho, naquela hora, mas não perdi tempo examinando o que era. E, depois, apenas juntei tudo e guardei novamente na bolsa. — Um objeto estranho? — Sim... um objeto dourado. Eu não sabia o que era, nem como foi parar na minha bolsa, mas na hora não me pareceu importante. Estou sempre guardando coisas na bolsa, por um motivo ou outro. Brincos, coisas assim. Pensei que pudesse ser um brinco, ou um broche quebrado, do qual eu havia me esquecido. Não pensei mais nisso. — E o que é? Lorraine tomou-lhe a mão e apertou-a com força. — Eu... não sei lhe dizer com certeza, mas acho que posso adivinhar. E tenho uma forte suspeita de como foi parar ali. — Como? — ele inquiriu. — Jason Applebee. Receio que seja o outro artefato perdido, Jack. Uma daquelas estrelas.
Uma semana já havia se passado, e ninguém vira ou ouvira nada a respeito de Jack Keller, Lorraine Dancy ou do Scotch on Water. Jason arriscara-se a ser capturado, ou coisa pior, em seus esforços para localizar a garota — ou, mais precisamente, a bolsa dela. Temia que ela acabasse descobrindo a peça Maia que ele escondera dentro da bolsinha com zíper. Se Lorraine ainda não a encontrara, então era apenas uma questão de tempo. Pelo menos ele fora esperto o bastante para não "plantar" as duas peças na bagagem dela. Isso teria sido desastroso. Perder uma parte da "Estrela de Kukulcan" fora ruim, mas perder as duas seria impensável. Intolerável. Muitas
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Bestseller pessoas já haviam morrido por isso, a maioria pelas suas mãos. Jason correra um risco atrás do outro e, agora, nada mais poderia sair errado. Esta sua propensão para o homicídio fora uma surpresa para ele. Jason jamais dera-se conta de possuir tal "aptidão". Preferia ter evitado as mortes, naturalmente, mas aprendera que quando se tratava de obter o que queria, o impulso de matar vinha com facilidade. Com mais facilidade do que ele poderia imaginar. Desde sua época de infância a arqueologia o fascinava, especialmente tudo o que se referia à cultura Maia. Ele havia estudado tal cultura exaustivamente, obsessivamente. Quando adolescente, passara a acreditar — e a ter certeza — que era o deus Maia Kukulcan reencarnado, esperando pelo momento certo de revelar sua verdadeira identidade. Kukulcan era, entre outras coisas, dotado de um enorme pênis. No entanto, ao contrário do deus, Jason não havia feito um voto de celibato. Pois, afinal, por que ele se privaria do prazer do sexo? Francamente, não via motivos para não se satisfazer, quando precisava. No final, Kukulcan rompera seus próprios votos e ficara enlouquecido pela culpa. Embarcara num bote de pele de cobra e navegara para o leste. De acordo com a lenda, o bote explodira em chamas e o consumira. Seu coração erguera-se para o paraíso e, eventualmente, mesclara-se com o sol. Um dia, dizia-se, Kukulcan retornaria, e Jason havia encontrado a chave de seu retorno prometido. Havia roubado a descoberta arqueológica do século. Sentiu a raiva aumentar ao lembrar-se de que já perdera metade da Estrela. Ficara sabendo, através dos jornais e do rádio, que a peça fora devolvida ao museu — o que significava que agora, mais do que nunca, era vital que ele encontrasse a outra metade. Porém, esta metade estava de posse de uma mulher, uma imbecil que não fazia a menor idéia do que tinha nas mãos. Jason havia recorrido a todas as fontes que lhe eram disponíveis, mas isso de nada adiantou. Era como se o Scotch on Water tivesse desaparecido da face da terra, como se Lorraine e Jack Keller tivessem sumido no ar. Talvez eles próprios tivessem se envolvido numa pluma flamejante e subido na direção do sol. Mas iriam retornar à terra algum dia e, quando isso acontecesse, Jason jurava que estaria à espera deles.
— Deixe-me ver — disse Jack. Ele resistia ao impulso de tocar Lorraine, de infundir-lhe confiança. Reparou que uma mecha de seus cabelos, tão cuidadosamente presa atrás da orelha, ha-
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Bestseller via se soltado e, descobrindo que o impulso era forte demais para ser contido, prendeu-a no lugar. Os olhos dela encontraram os seus, e Lorraine estendeu-lhe a mão. Seus dedos entrelaçaram-se e, inclinando-se para frente, ela recostou a cabeça em seu ombro bom. — Ei, por que está tão preocupada? — Jack falou baixinho. — Seu amigo não vai nos encontrar. Diabos, nem eu mesmo sei exatamente onde estamos. A única resposta de Lorraine foi um suspiro trêmulo. — Vá buscar o artefato para mim — ele pediu. — Quem sabe dando uma olhada eu possa lhe dizer o que sei. —Vivendo no México, Jack aprendera algumas coisas sobre a cultura e a mitologia Maia. Lorraine deixou-o com evidente relutância e retornou momentos depois. — Aqui está — disse, entregando-lhe um objeto dourado, com três pontas e do tamanho de uma moeda de um dólar. Jack examinou-o e sentiu a excitação aumentar à medida em que compreendia o significado do que tinha nas mãos. — Meu Deus — murmurou. — O que é? — Primeiro deixe-me lhe perguntar uma coisa: você viu o artefato que a polícia encontrou em sua bagagem? — Não. — Alguém lhe falou alguma coisa sobre isso? Lorraine pensou um pouco. — Jason ficou falando comigo o tempo todo, e todos os outros falavam em espanhol. Mas lembro-me que mencionaram um deus Maia. — Fez uma pausa, como se recordasse a conversa, depois balançou a cabeça. — Não consigo me lembrar do nome deste deus. — Por acaso era Kukulcan? Ou Quetzalcoatl? Ela franziu a testa. — Deve ter sido isso... o primeiro. Por quê? — Lorraine olhou para a peça de ouro em sua mão. — Se isto é realmente o que estou pensando, você está segurando a metade perdida da Estrela de Kukulcan. — Uma estrela — ela repetiu. Virou o objeto na mão. — Parece mesmo uma estrela... eu acho.
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Bestseller — Cada metade possui três pontas correspondentes — Jack explicou, pegando a peça. — E as duas metades se completam. — Quem foi Quetzalcoatl? — ela perguntou, o nome tropeçando desajeitadamente em sua língua. — Este outro que você mencionou? — Na maior parte do México ele é conhecido como Kukulcan, e é metade homem, metade mito. Há muitas informações conflitantes a respeito da Serpente Emplumada, como ele também é chamado. E parece que existiram dois líderes Maias que nomearam-se "Kukulcan", e eram considerados deuses. Em qualquer caso, os Maias acreditavam que este deus, o original, descendia dos céus e instaurou em sua sociedade os conceitos de amor e paciência. Diz-se também que foi ele quem uniu o povo Maia numa confederação de tribos. Jack fez uma pausa, antes de prosseguir: — Infelizmente, este estado utópico não durou muito tempo. Kukulcan foi levado a quebrar seu voto de pureza. Atormentado pela culpa e arrependimento, ele partiu para o mar, prometendo voltar algum dia. Só que desta vez ele retornaria como a Estrela da Manhã, o símbolo da regeneração e da esperança. — Então esta é a Estrela da Manhã? Por que está dividida em duas partes? — Isso eu não sei dizer mas, pelo que posso entender, ela soluciona o mistério do suposto retorno do deus. Está vendo estes símbolos? — Jack passou-lhe o artefato com cuidado. — Não sei o que significam, mas sei que quando as duas metades forem unidas o segredo deverá ser completamente revelado. Não creio que as peças já estiveram unidas alguma vez. Uma metade da Estrela esteve guardada no museu desde que foi encontrada, na década de 1930. — Ah, meu Deus! — Lorraine murmurou, cobrindo a boca com a mão. — Quando cheguei em Mérida, demorei um tempo enorme para passar pela alfândega. Alguém disse que todos os funcionários disponíveis estavam checando as pessoas que saíam do país, procurando por uma peça que fora roubada do museu. — A metade da Estrela de Kukulcan — Jack afirmou. — Você acha que esta é a outra metade? — Lorraine perguntou. — Só pode ser, se eles encontraram uma delas em sua mala. — Tem razão. — Quando forem colocadas juntas e seus símbolos decifrados, estas duas peças abrirão as portas para todos os tipos de novas descobertas sobre a cultura antiga dos Maias. — Jack balançou a cabeça. — É incrível, não acha?
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Bestseller Lorraine franziu a testa, os dedos fechando-se protetoramente em torno da metade da estrela. — Ei! — ele disse. Ergueu-lhe o queixo e seus olhos se encontraram. — O que há de errado? — Ah, Jack, você não entende o que isso significa? — Não havia como Lorraine disfarçar o medo. — Jason fará qualquer coisa para recuperar esta peça! — É verdade. — Jack não tentaria enganá-la. No entanto, Jason não era a única preocupação que teriam. Ele próprio conhecia inúmeras pessoas que seriam capazes de matar por um mero relance na metade perdida da Estrela de Kukulcan. — Mas nós temos uma vantagem. — Qual? — Em primeiro lugar, nós estamos de posse da peça... e vamos devolvê-la ao governo mexicano. — Mas, Jack... — E, quando fizermos isso, aproveitaremos para esclarecer todos os malentendidos em que você se envolveu.
CAPÍTULO XII
Thomas Dancy estava quase em pânico. Embora estivesse absolutamente convencido de que Raine já teria voltado aos Estados Unidos em segurança, ficara sabendo do contrário naquela tarde, depois de falar com um homem chamado Gary Franklin, que identificou-se como sendo noivo de Raine. Algo saíra errado, ele tinha certeza. Mas não havia nada que pudesse fazer, até ter notícias de Jack. Franklin lhe fizera muitas perguntas e demonstrara uma preocupação justificada. A conversa deixou Thomas perturbado, porém ele não sabia discernir exatamente o que o incomodava. Agora, enquanto caminhava para casa depois de um dia de trabalho, seus passos eram pesados e lentos. A aflição que sentia pelo aparente desaparecimento de Raine havia minado todas suas forças. Seus dois filhos mais velhos brincavam no quintal, empurrando os caminhõezinhos pelas pequenas
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Bestseller colinas de terra. Quando avistaram o pai, emitiram gritos de alegria e correram na direção dele. Thomas pegou Antônio no colo e ergueu-o para o alto. O menino deu um gritinho de prazer. Hector esperava impaciente pela sua vez, mas Thomas não tinha mais forças para carregá-lo também. Em vez disso, abraçou o filho e inclinou-se para beijar-lhe a testa. Dentro da casa, Azucena amamentava o bebê. Alberto sugava vigorosamente, os dedinhos minúsculos cerrados. Thomas fitou-os com amor e beijou primeiro a mãe, e depois o bebê. — O que aconteceu? — Azucena perguntou, observando-o. Thomas sentou numa cadeira ao lado dela e suspirou profundamente. — Um homem ligou para mim hoje, perguntando por Raine. Disse que é o noivo dela. Está preocupado, pois Raine prometeu entrar em contato mas até agora ele não recebeu nenhuma notícia. — Ela ainda não chegou em casa? — A surpresa de Azucena era evidente. — Ao que parece, ainda não. — Deprimido, e mais do que simplesmente preocupado, Thomas recostou na cadeira e fechou os olhos. — Não há nenhum meio de você falar com Jack? Thomas já havia explorado totalmente tal possibilidade. — Não — respondeu. — E quanto aos amigos dele da Companhia de Libertação? Talvez eles saibam de alguma coisa. Thomas considerou a idéia. — Você fez tudo o que podia para ajudá-la — Azucena assegurou-lhe, com seu jeito delicado. — Agora está tudo nas mãos de Deus. Amanhã irei à igreja acender uma vela e rezar por sua filha e Jack. Azucena podia fazer suas preces e acender suas velas votivas, mas Thomas não confiava na religião. Dera as costas para Deus num campo de arroz no Vietnã e, para ele, agora era tarde demais. Tudo o que podia fazer por Jack e Raine era preocupar-se. Mais tarde, parecia inevitável que o sonho de sempre retornasse. Thomas acordou sentado na cama, gritando. — Thomas. Thomas... — Azucena enlaçou-o em seus braços. — É apenas um sonho, meu amor, só um sonho.
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Bestseller — Desta vez, não. — A voz dele estava trêmula. — foi tão... real. — Agarrou-se a ela e mergulhou o rosto em seu pescoço. De olhos fechados, sentia as mãos carinhosas massagearem suas costas nuas. — Conte-me o que você sonhou — ela pediu. — Conte-me. Thomas mal conseguia pronunciar as palavras. — Alguém está prestes a morrer. Posso pressentir isso. Já aconteceu outras vezes. Primeiro foi Ginny, depois Ernesto. A morte sempre aparece três vezes. Era assim que acontecia, no Vietnã. Lembro-me de que perdemos dois homens num único dia, e todos ficamos apavorados, esperando para ver quem seria o próximo. E foi o meu amigo David... — Fez uma pausa. — Durante todo o tempo, fiquei com medo de que fosse eu. Eu não queria morrer. Tudo o que queria era voltar para casa, para minha mulher e minha filha. — A guerra acabou. Você não tem mais nada a temer. — É Raine — ele sussurrou. — Alguma coisa vai acontecer com ela. Posso sentir, Azucena. Aqui. — Levou a mão ao coração e pressionou-a. — Bom Deus, talvez eu até já a tenha perdido, e ainda não sei. — Cobriu o rosto com as mãos e chorou desconsoladamente, enquanto sua esposa murmurava palavras de fé e encorajamento.
Jack mal conseguia ficar de pé sem se curvar, mas insistiu em ligar os motores. Não havia nada que Lorraine pudesse dizer para convencê-lo do contrário. Como Lorraine já descobrira, Jack Keller era o homem mais teimoso que conhecera em toda sua vida. Com o vento batendo em seu rosto, ela levou uma caneca de café para o convés. Ele estava sentado ali, analisando atentamente os mapas e comparandoos com as leituras do equipamento de navegação do barco. Jack sorriu agradecido, quando ela lhe entregou a caneca. — Pelos meus cálculos, estamos a dois dias da terra firme. — Olhou novamente para o mapa e fez uma trilha com a ponta do dedo. — Está vendo? Estamos mais ou menos aqui, e navegamos em linha reta através da Baía de Campeche até Alvarado. Depois... — Ergueu os olhos para ela. — Ei, por que está preocupada? Lorraine não sabia. Tinha consciência de que deveria estar contente e feliz. Dali a alguns dias, três no máximo, o artefato seria devolvido às autoridades.
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Bestseller Depois disto feito, o amigo de Jack no governo ajudaria a limpar o nome de Lorraine. Antes mesmo que percebesse, ela estaria de volta a Louisville, com Gary. — Lorraine? — Eu... não tenho certeza. Jack diminuiu a velocidade dos motores. Com imensa delicadeza, tocou-lhe a face e fitou profundamente seus olhos. Aquele toque provocou um arrepio em Lorraine, como sempre acontecia, e ela baixou os cílios. Desde aquela noite em que haviam ficado deitados juntos, tinham evitado de se tocar, como se ambos receassem o caminho para onde isto os levaria. Uma carícia. Um beijo. Era como se uma linha invisível tivesse sido traçada, e os dois concordassem em não ultrapassá-la. — Não vou permitir que nada lhe aconteça. Ela assentiu, confiando nele como jamais confiara em ninguém. — E você não será presa, também. Em vez de explicar a verdade, Lorraine deixou-o pensar que ela estava preocupada com o confronto com as autoridades. Mas seus receios tinham pouco a ver com isso... e tudo a ver com Jack. Todas as promessas que fizera a si mesma — de evitar os mesmos erros de sua mãe, de voltar para sua vida simples e bem planejada — não pareciam mais tão importantes. Gary e sua vida em Louisville eram um mundo distante. E ela obrigava-se a lembrar-se de que estava noiva, e iria casar com ele. Não podia deixar Jack, não podia. O pensamento era insuportável. Talvez eles pudessem ficar juntos, fazer ao menos uma tentativa. Eram opostos em quase tudo, e suas vidas eram completamente diferentes mas, talvez... Assim que a idéia ocorreu-lhe, Lorraine deu-se conta de que isso não seria possível. Não havia dado certo para seus pais, e não daria certo para ela e Jack. Então, uma outra idéia surgiu em sua mente, completamente formada. Um plano. Ela voltaria para Louisville e esperaria um ou dois meses, a fim de testar seus sentimentos, certificar-se de que ficar com Jack seria a coisa mais certa a fazer. Devia isso a Gary — retornar para casa e dar-lhe uma explicação. Ele a amava, e ela também o amara. Quando estivesse absolutamente certa de que era isso que queria, voltaria para o México e encontraria Jack. Se ele sentisse o mesmo por ela, poderiam começar uma vida juntos. E só então ela lhe contaria
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Bestseller toda a verdade sobre Gary. Talvez Jack ficasse zangado, e ela não o culparia por isto, mas certamente iria entender seus motivos. — Lorraine? Ela encarou-o, inexpressiva. — Lorraine, o que foi? — Nada. Não se preocupe. — Tem certeza? — Jack inclinou a cabeça para o lado e fitou-a atentamente. Ela conseguiu esboçar um sorriso. — Absoluta. — Tudo bem. — Mas ele não parecia convencido. — Quer que eu fique um pouco no leme? — ela perguntou, sabendo que ele jamais admitiria que estava cansado, embora a sua palidez fosse evidente. Tentou fazer com que o oferecimento soasse casual. — Está bem — ele concordou com evidente relutância. Acertou o curso e passou o leme para ela. Lorraine mordeu o lábio a fim de evitar dizer a ele que fosse deitar um pouco e descansar, sabendo que a mera sugestão ofenderia seu orgulho teimoso. Mas Jack foi deitar-se assim mesmo, o que provou o quanto devia estar exausto. Desceu a escadinha que levava ao convés principal e praticamente atirou-se na espreguiçadeira. Dois minutos depois, estava dormindo. Sem nada à sua volta exceto o mar aberto, Lorraine teve toda chance de ficar observando Jack. Um pouco de cor havia retornado ao rosto dele. Era mesmo uma tola... Por instantes, achara que ele estava prestes a desmaiar.
A estimativa que Jack fizera quanto ao tempo que levariam para alcançar a terra firme fora bastante acurada. Na noite do segundo dia, aproximaram-se da cidade de Alvarado. Os estoques de alimentos, combustível e água estavam baixos, e não conseguiriam ficar em alto-mar por mais muito tempo. As luzes refletiam-se nas águas do ancoradouro e o porto tinha uma aparência alegre e receptiva. Jack manobrou o Scotch on Water até o ancoradouro e Lorraine ouviu-o rir consigo mesmo, enquanto prendia a embarcação no píer. Podia adivinhar o motivo
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Bestseller daquele riso: ele estava se lembrando do que acontecera na última vez em que amarrara o barco. Porém, ela não iria comentar novamente o incidente. — Estou saindo — ele anunciou, descendo até a cabine. Lorraine estava sentada à mesa, com os braços cruzados. Balançou a cabeça, contrariada. — Não posso acreditar que vai fazer isso por mim, outra vez. — Tenho de admitir que exige muita coragem, se levarmos em conta as experiências anteriores. Lorraine fez um esforço para não sorrir. — Você não devia ficar brincando com isso. — Devo demorar uns vinte minutos. Meia hora, no máximo — ele prometeu. — Foi isso que me disse das outras vezes! — Lorraine, darei apenas dois telefonemas. Vou falar com a dra. Efrain e... — Eu juro, Jack, se você não voltar em vinte minutos, sairei à sua procura! O sorriso dele desapareceu. — Não vai, não. — Seja razoável, Jack. — Não. É perigoso demais. — A voz dele estava firme. — E só vou telefonar. — E perigoso para você, também — ela disse, baixinho. — Pelo amor de Deus, Lorraine... — Jack ergueu os olhos para o teto. — Tudo bem. Eu lhe garanto que estarei de volta em meia hora. E foi o que ele fez. Lorraine ficara olhando no relógio a todo momento, enquanto esperava. E, exatamente vinte e oito minutos depois ele retornou ao barco, que balançou assim que ele entrou a bordo. Dolorosas experiências já haviam ensinado Lorraine a permanecer na cabine até ter certeza de que era Jack. E com um sorriso radiante ele correu para baixo a fim de encontrá-la. — Está tudo acertado — disse. — Um avião nos levará para a Cidade do México amanhã logo cedo. — Nós vamos deixar o barco? Jack colocou uma trouxa de roupas sobre a mesa. — Catherina está cuidando de tudo.
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Bestseller — Então a dra. Efrain é Catherina? Ele havia mencionado esta dra. Efrain várias vezes mas sem dizer o primeiro nome. Lorraine sentiu um frio no estômago ao lembrar-se de que, quando fizera a faxina no barco, havia encontrado cartas endereçadas a Jack numa caligrafia feminina. E o endereço do remetente informava apenas: Catherina. Eles tinham sido amantes. Lorraine sabia disso com tanta certeza como se ele lhe gritasse as palavras. Sentiu uma onda de fúria invadi-la, uma raiva provocada pelo ciúme. Porém, não tinha direito de sentir nenhuma dessas emoções. Nenhuma. Ainda assim... incomodava. Sentia-se como se ele a tivesse traído, sido infiel. Era uma tolice, mas não conseguia evitar. Virou de costas, sem querer que ele visse sua reação. — Comprei algumas roupas para você, enquanto estava na cidade. Escolhi na cor amarela. — Obrigada. — Lorraine? A voz dela devia ter traído seus sentimentos. — Pensei que você amasse Marcie. — Lorraine tentou dar um tom de sarcasmo e menosprezo à voz. Jack não retrucou imediatamente, demorando pelo tempo suficiente de Lorraine arrepender-se da sua impulsividade. — Quando foi que mencionei o nome de Mareie? — A pergunta foi feita em voz baixa, suave, perto de seu ouvido. Jack estava parado logo atrás dela, e Lorraine fechou os olhos para impedir-se de se atirar em seus braços. — Quando estava com febre, você pensou que eu fosse Marcie. Lorraine nunca lhe perguntara sobre Marcie e, depois daquela única vez, Jack também não perguntara mais sobre Gary. No entanto, fosse quem fosse a tal Marcie, Lorraine sabia que devia ser uma pessoa especial. — Eu mencionei mais alguém? — Não — ela respondeu com frieza. — Catherina é... uma ex-namorada. — Foi o que presumi. — Lorraine pegou a trouxa de roupas e pressionou-a contra o estômago.
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Bestseller — Lorraine, não é o que parece... — Você não precisa me dar explicações. Sua vida amorosa não é da minha conta. — Tem toda razão, mas... eu quero explicar. Eu amei Marcie, de verdade, mas ela casou com outro homem. Vim para o México numa tentativa de esquecê-la e, pouco tempo depois, conheci Catherina. Lorraine sentiu ímpetos de tapar os ouvidos. Não queria ouvir sobre as amantes dele, não quando ela o amava. — Foi um caso passageiro... uma bobagem, na verdade. Nós nos separamos duas semanas depois, de comum acordo. — O tom de voz dele era indiferente, desapaixonado. — Isso não é da minha conta. Desculpe, Jack, eu não deveria ter dito nada. Desviando os olhos, Lorraine concentrou-se em desdobrar as roupas que ele trouxera, e descobriu-se satisfeita com as escolhas. Ele comprara uma blusa amarela, com decote canoa, e uma saia estampada de amarelo e azul turquesa. — Achei que você se sentiria mais à vontade se estivesse usando um vestido, quando encontrar Catherina. — Obrigada — ela repetiu. Ele até se lembrara dos sapatos, trazendo um par de espadrilles de brim com solado de corda. — Falei com seu pai, também. — Boa idéia — ela disse, grata por ele não ter esperado que ela falasse com Thomas. Tudo estava chegando ao fim, Lorraine já podia sentir. Em dois dias estaria a caminho de Louisville. Logo, o tempo que haviam passado juntos não passaria de uma vaga lembrança para Jack. Tudo estava acontecendo depressa demais. — E as acusações contra mim serão retiradas? — Sim. Pelas informações que tive, quando a primeira metade da Estrela de Kukulcan foi encontrada e devolvida ao museu a polícia reconheceu que seria pouco provável que você estivesse envolvida, considerando-se a época e a maneira como foi roubada. E agora que sabem que você está com a segunda metade e que estará entregando-a às autoridades, tudo será perdoado. Mais uma vez Lorraine lembrou-se de que tinha motivos para ser grata pelo final de toda aquela experiência.
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Bestseller — Há mais uma coisa — Jack falou. — Se não estivéssemos navegando sem rumo durante todo este tempo, teríamos ouvido as notícias. — Que notícias? — Parece que a Estrela de Kukulcan foi encontrada num sítio arqueológico, um dos templos Maias perto de Mérida. O arqueólogo que a encontrou foi assassinado antes que pudesse entregá-la ao Departamento de Antigüidades do governo. — E quando isso aconteceu? — Poucos dias antes de você chegar ao México. E o roubo no museu aconteceu na noite anterior à sua chegada. Um guarda foi gravemente ferido durante o assalto, mas o corpo do arqueólogo só foi encontrado na semana passada. — Nem precisa me dizer quem é o suspeito — Lorraine murmurou. Ela já sabia que a polícia estava interessada em Jason. E ele próprio lhe dissera que estivera numa escavação recente. Jason também lhe contara uma mentira complicada, sobre como salvara um colega, a fim de explicar o ferimento em sua mão. Outra mentira na qual ela fora ingênua o bastante para acreditar... Ele conseguira obter as duas metades da Estrela de Kukulcan, mas as tivera consigo apenas pelo tempo suficiente de passá-las para ela. — E quanto a Jason? — Lorraine perguntou. — Onde você acha que ele está? — Com metade do México atrás dele, posso apostar que já saiu do país há muito tempo. Muito tempo, Lorraine pensou. Como ela própria ficaria, em breve. — A esta hora, amanhã, estarei livre para voltar aos Estados Unidos. — É o que parece. Jack ficou em silêncio, como se ele também percebesse subitamente as implicações do que estava prestes a acontecer. — Daqui há um mês você terá dificuldade em se lembrar do meu nome — ela disse, tentando brincar. Mas suas palavras não tiveram graça nenhuma. Virou as costas para ele e ocupou-se servindo o café. — Eu vou me lembrar. — De repente, Jack estava atrás dela, com as mãos em seus ombros. — Não vou esquecer nem um momento sequer. — É claro que vai. — Lorraine tentou mostrar-se divertida, mas suas palavras eram quase um gemido.
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Bestseller Ele aumentou a pressão em seus ombros. — Vou me lembrar, eu juro. — A voz dele estava rouca de emoção. Lorraine fechou os olhos e recostou contra o peito dele. — Eu... eu também não vou esquecer. — Prometa. — Prometo. Ficaram juntos assim por um longo tempo. Minutos? Ela não sabia. O tempo suficiente, no entanto, para sentir o amor dele, sua certeza, e ansiar por compar tilhar o amor que também sentia. Lorraine não atreveu-se a falar. Sabia que, no instante em que abrisse a boca, revelaria toda a verdade. Mas não podia fazer isso ainda, não podia lhe contar nada. Mais tarde, tudo seria esclarecido, ela explicaria seus motivos... Mas não agora, quando tantas situações permaneciam sem solução. Gary, seu pai, seus problemas com a polícia mexicana... Precisava manter a cabeça fria. Precisava de tempo, de distância. Tinha de estar bem certa antes de entregar seu coração para aquele homem. Porque, quando o fizesse, seria para sempre.
Jason já estava quase louco de frustração. Sentado num canto de uma sombria cantina em Campeche, ele bebericava devagar um copo de uísque. Havia seguido cada pista, cada mínimo rumor sobre uma americana loira que viajava com Jack Keller, e a cada vez acabava encontrando-se num beco sem saída. Nenhum de seus subornos valera a pena, tampouco. Ele espalhara a notícia pelas ruas, avisando todos os seus contatos e oferecendo uma recompensa generosa. Nada. Realmente, era como se os dois tivessem desaparecido da face da terra. Sua única esperança era que Lorraine não tivesse encontrado a peça e que, caso isso acontecesse, fosse esperta o bastante para não devolvê-la ao governo mexicano. Cerrava os dentes, quando pensava que a Estrela estava novamente fora de seu alcance. Assim que recuperasse a metade da Estrela que estava com Lorraine Dancy, ele teria de fazer uma nova tentativa de roubar a peça original do museu. Não havia dúvidas de que a segurança fora intensificada, o que tornaria esta tarefa bem mais difícil. Mas ele iria triunfar no final. Esse era seu destino. Estava escrito.
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Bestseller Quando conseguisse as duas peças de volta, seria o primeiro a ler as inscrições da Estrela. Ninguém mais, somente ele. Toda sua vida fora construída para aquele momento. Quando soubesse os segredos dos deuses, iria declarar-se Kukulcan III. A promessa viva cumprida no início do novo milênio. Sob sua liderança, os Maias recuperariam sua glória perdida e os peregrinos de todo o mundo se reuniriam novamente em seus templos. Uma onda de excitação percorreu-o por inteiro, diante de tal pensamento. Ah, sim, isso iria acontecer! Ele estava tão perto... A música ressoava em torno dele e uma dupla de prostitutas olhava para sua mesa, encorajando um convite. Em outras circunstâncias, Jason até ficaria interessado. Mas agora, não. — Señor? — Uma mulher rechonchuda arrastou-se na direção dele. Jason havia reparado nela antes. A mulher pousou as mãos na beirada da mesa e inclinou-se para a frente, dando-lhe uma boa visão de seus predicados. — Não estou querendo companhia — ele resmungou. — Não estou oferecendo. Jason ergueu os olhos da bebida. — Então, o que você quer? — Ouvi dizer que você procura uma americana viajando de barco. Ela está com um sujeito chamado Jack Keller. Jason dedicou-lhe toda sua atenção, agora. — Estou escutando. — Um... amigo meu teve um incidente com eles, há pouco tempo. Ora, ora. Aquilo podia ser promissor. — Há quanto tempo? — Jason perguntou, sem demonstrar qualquer emoção. O entusiasmo lhe custaria mais do que estava disposto a pagar para uma prostituta. — Pergunte a ele você mesmo — ela sugeriu, fazendo um gesto na direção do bar. Um homem estava sentado sozinho no final do balcão, com o braço numa tipóia. Era alto e forte, se comparado com os outros homens à sua volta. Feio e mal-encarado, ainda por cima. Nos Estados Unidos, Jason o teria tomado por um
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Bestseller daqueles motociclistas que andam em bandos. Certamente, era o tipo de homem que o faria atravessar a rua, a fim de evitar. Jason pegou algumas notas de pesos e enfiou-os no decote da mulher. — Obrigado, benzinho. — Você pode me chamar mais tarde, se quiser. — A mulher arqueou a sobrancelha, deixando claro que estaria à disposição para uma "rapidinha". — Parece boa idéia, benzinho — Jason mentiu. Havia outras prostitutas mais bonitas e mais jovens, por ali. Talvez até tentasse encontrar uma loira. Havia fracassado com Lorraine Dancy e achava uma pena que as coisas não tivessem dado certo entre eles. Levando a garrafa de uísque na mão, Jason encaminhou-se para o bar e sentou na banqueta vazia ao lado do homem com a tipóia. Inúmeras tatuagens cobriam os seus braços nus. — Fiquei sabendo que você conheceu dois amigos meus. — Amigos? — Bem, digamos que eu esteja procurando por eles. — Eu também — disse o homem. — E melhor rezar para encontrar seus amigos primeiro, señor, porque os dois estarão mortos se eu encontrá-los antes. — É mesmo? — Jason murmurou. — E tem algum motivo especial para isso? — Tenho muitos motivos. — O homem bateu com a garrafa no balcão. — Carlos. — A prostituta mais velha aproximou-se dele e passou um braço em torno de sua cintura. — Você prometeu não criar problemas. O homem olhou para ela e começou a rir. — A garota americana atirou nele — ela explicou a Jason. — E vai morrer por isso — Carlos rosnou. Lorraine Dancy tinha mais coragem do que Jason imaginara. Ele encheu o copo de Carlos com o uísque de sua garrafa. — Eu também não simpatizo muito com aquela americana. Carlos encarou-o com uma expressão de desafio. — E Keller? Jason encolheu os ombros.
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Bestseller — Ele também é descartável. Talvez nós dois possamos nos ajudar mutuamente, no fim das contas. Carlos ergueu o copo, num brinde silencioso. — É, talvez sim.
A dra. Catherina Efrain tinha uma beleza impecável e, talvez, uns trinta anos de idade. O diretor do Departamento de Antigüidades, dr. Marcos Molino, bem mais velho, reunira-se a ela. Com Jason ao seu lado, Lorraine estava no espaçoso escritório do departamento, na Cidade do México, e tentava não ficar olhando para a mulher de traços clássicos e cabelos elegantemente penteados. Tentava afastar da mente os pensamentos sobre Jack e aquela adorável mexicana. — Quando recebi o telefonema de Jack, ontem à tarde, relatei o problema ao dr. Molino imediatamente, e consegui um avião para vocês virem para a Cidade do México — Catherina estava dizendo. — Nosso governo está muito satisfeito e feliz por você nos entregar este artefato. — E eu estou feliz em poder ajudar. Lorraine reparou que o dr. Molino não se incomodava em permitir que Catherina fizesse toda a explanação. Ela falava sua língua quase perfeitamente, enquanto que ele tinha alguma dificuldade em se expressar. — Estamos todos muito gratos, srta. Dancy. — Fico aliviada em saber que todas as alegações contra mim foram retiradas — ela disse. Era como se um peso fosse tirado de seus ombros. O fato de o governo mexicano considerá-la inocente ou não, já não importava mais. Eles haviam conseguido o que queriam. — Você não tem mais nada a temer. Tudo já foi arranjado. — A passagem de avião — Jack lembrou. — Ah, sim, estava quase me esquecendo. — Catherine pegou um envelope sobre a mesa. O dr. Molino assentiu e sorriu. — Fizemos uma reserva para você no primeiro vôo, amanhã cedo. Primeira classe, naturalmente. — Obrigada, mas isso não é necessário. Já fico contente em saber que a Estrela de Kukulcan encontra-se no lugar a que pertence.
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Bestseller — E... — Jack olhou para Catherina. Catherina retribuiu o olhar. — Também fizemos uma reserva em seu nome num dos melhores hotéis da cidade. Você poderá passar a noite numa bela suíte. — Ah, meu Deus... — Lorraine levou a mão ao peito. — Obrigada, mas isso tudo é demais para... — Não é, não — Jack interrompeu. — Você devolveu um dos tesouros mais raros deste país. Merece um pouco de tratamento especial. — Tomei a liberdade de marcar uma limusine para levá-la ao aeroporto amanhã cedo. O motorista irá acompanhá-la até seu portão de embarque. — Catherine hesitou, depois voltou-se para Jack. — Havia mais alguma coisa? — O segurança. — Ah, sim, o segurança armado. — Vou precisar de segurança? — Lorraine olhou de Catherina para Jack, depois para o dr. Molino que, mais uma vez, limitou-se a sorrir e assentir. — Não há motivos para você correr quaisquer riscos desnecessários, a partir de agora — Jack explicou. — Você terá proteção dos seguranças pelo tempo que continuar em meu país — Catherina assegurou-lhe. — Ótimo — Jack disse, com aprovação. Catherina suspirou e inclinou-se para frente. — Agora, alguns detalhes desagradáveis. Receio que a notícia sobre a descoberta da segunda metade da Estrela de Kukulcan tenha vazado para a imprensa. Ainda não apareceu nos jornais, mas... Jack resmungou um palavrão e acrescentou, em voz alta: — Mas que diabos, como isso foi acontecer? — Tal notícia possui um interesse significativo para o povo do meu país. Peço desculpas, mas temo que seja impossível manter a história em segredo por mais de vinte e quatro horas. — Nós estamos seguros — Lorraine falou. — Na verdade, quanto mais cedo a notícia for publicada, melhor. Jason não teria mais motivos para persegui-los, agora que o artefato fora entregue às autoridades. E se caso ele já não soubesse disso, ficaria sabendo no dia seguinte.
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Bestseller Jack captou o olhar de Lorraine e ambos trocaram um sorriso. Catherine olhou significativamente para a aliança de casamento na mão de Lorraine, e depois para os dois. Parecia ter entendido toda a situação. — Então, vocês tiveram uma aventura e tanto, não é? Nenhum deles comentou. — O nome de Lorraine não será mencionado nas notícias, certo? — Não — Catherine prometeu. — Ótimo. — Jack relaxou. — Nem o nome do hotel onde ela ficará hospedada — Catherine acrescentou, estendendo a mão para Lorraine. — Mais uma vez, agradeço em nome do meu país e do meu governo, pela ajuda que nos prestou. Lamentamos muito o mal-entendido que ocorreu de início, e esperamos que aceite nossas sinceras desculpas. O dr. Molino também se levantou e todos trocaram apertos de mão. Lorraine estava encantada com a generosidade do governo mexicano. O bilhete de primeira classe era maravilhoso, mas o que ela realmente iria aproveitar era a suíte do hotel. A primeira coisa que pretendia fazer era tomar um longo banho quente. Depois, pediria um belo filé para comer em seu quarto, um copo de vinho e a maior sobremesa do cardápio. — Manteremos contato — Catherina prometeu, e Lorraine não teve certeza se estava se dirigindo a ela ou a Jack. Só podia crer que Catherina referia-se a Jack. Os três saíram juntos do prédio da administração. — Fico contente que tudo tenha terminado — Lorraine falou, com um profundo suspiro de alívio. Durante toda aquela noite sonhara com desastres em potencial. Tantas coisas já haviam acontecido que não podia evitar de pensar que algo mais poderia dar errado. Jack não disse nada. Catherina chamara um táxi, que estava à espera deles na frente do prédio. Lorraine entrou no banco traseiro, acenando um adeus para Catherine. — E agora, para onde vamos? — perguntou, exultante. Mas seu alívio desapareceu diante da súbita mudança de Jack. Ele sentou-se o mais longe dela que conseguiu.
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Bestseller — Vou acompanhá-la ao seu hotel. A rispidez na voz dele disse-lhe que aquele era o fim. No fundo de seu coração, Lorraine já sabia disso. E já podia adivinhar o que Jack faria, quando chegassem. Iria levá-la até seu quarto, certificar-se de que o segurança estava a postos e depois, com uma breve despedida, partiria. Nenhum deles falou uma palavra sequer, durante todo o trajeto do táxi. Jack esperou enquanto Lorraine preenchia os formulários necessários na recepção do luxuoso hotel. — Espero que aproveite bem sua estadia conosco, srta. Dancy. Ah, há um recado aqui para a senhorita. — O recepcionista entregou-lhe uma folha de papel. Lorraine olhou-a rapidamente, viu o nome de seu pai e guardou o bilhete no bolso. Cuidaria disso mais tarde. — Obrigada — disse, as palavras soando sem vida. De repente, sentia-se extremamente cansada. Pegando a chave do quarto, voltou para onde Jack a esperava. — Vou subir com você para confirmar que o segurança está onde deve — ele falou, com frieza. Estavam sozinhos no elevador. A emoção parecia quase palpável, a ponto de Lorraine achar difícil respirar. Estava tudo acabado, agora. Em poucos minutos, estariam dizendo adeus. Subitamente, Lorraine soube que não poderia permitir que isso acontecesse, não poderia deixar que Jack saísse de sua vida. Não sem lhe confessar o quanto o amava. — Para onde você vai? — ela perguntou. — Tenho um quarto reservado num hotel. — Aqui? — Não. — Ele não deu maiores explicações. As portas do elevador abriram-se no quinto andar e Jack saiu antes dela, numa atitude protetora. Os corredores estavam vazios. Somente quando aproximaramse da porta da suíte um homem uniformizado revelou-se. Jack e o guarda trocaram algumas palavras em espanhol. Jack hesitou por um instante, depois pegou a chave do quarto da mão de Lorraine e abriu a porta. Aparentemente, preferia falar com ela a sós.
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Bestseller Assim que entraram, ela esperou. Sabia o que viria em seguida, o que ele planejava dizer. Olharam um para o outro, porém Jack parecia incapaz de falar. Em silêncio, Lorraine implorou para que ele a beijasse. Apenas uma vez. Como se lesse seus pensamentos, Jack levantou a mão e acariciou-lhe o rosto. Ela fechou os olhos, ouvindo a respiração ofegante dele... ou talvez fosse a sua própria. — Não vá — ela pediu, num sussurro. — Fique aqui comigo. Somente esta noite. — Lorraine, não... Já é bem difícil assim como está. — Mesmo enquanto falava, Jack tomou-a em seus braços, puxando-a contra si. Com um gemido abafado, Lorraine entreabriu os lábios enquanto ele tomava posse de sua boca. Jack empurrou-a contra a parede, beijando-a com avidez e urgência. Ela agarrou-se à sua camisa, como se precisasse de apoio. Porém, o beijo longo e selvagem não parecia ser o suficiente para satisfazê-los. Jack beijou-a repetidas vezes, até que toda a razão se desvaneceu. Então, abruptamente, quando ela menos esperava, parou e afastou-se. Seus olhos perscrutavam-lhe o rosto, como se desejassem adivinhar os sentimentos dela. Lorraine devolveu-lhe o olhar com toda sinceridade, e sorriu. Não haveria mais volta para eles, agora, e ela sabia disso. E Jack também.
CAPITULO XIII
Desculpe por incomodá-lo de novo, sr. Franklin — Marjorie Ellis murmurou, com uma expressão envergonhada. Gary entrou no escritório dela e sentou diante do computador. Havia explicado o funcionamento básico daquele programa no mínimo cinco vezes, e Marjorie ainda não entendera. — Reconheço que tenho sido uma amolação para o senhor, desde que assumi este cargo — ela acrescentou, cerrando as mãos nervosamente. — Não há problema — ele disse, tentando não mostrar-se exasperado.
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Bestseller Então, Gary sorriu. Ela podia ter fobia a computadores e ser totalmente desorganizada, mas compensava isso com uma variedade de outros talentos. A quantidade de pedidos que apresentava era fenomenal. Nos últimos dois meses, ela ajudara a quebrar todos os recordes de vendas do departamento. Na verdade, Gary estava encantado em tê-la em sua equipe. Marjorie conseguira melhorar a imagem dele próprio, e de toda a divisão. — Gostaria de recompensá-lo por toda ajuda que tem me prestado — ela disse, posicionando-se atrás da cadeira enquanto observava-o corrigir o problema no computador. Batendo em algumas teclas, Gary limpou a tela. — Ah, faça isso novamente! — ela pediu, inclinando-se um pouco mais. Gary reparou que ela usava um suave perfume de rosas, que era bastante agradável. Não gostava muito de perfumes femininos, mas aquela fragrância parecia combinar perfeitamente com ela, sem embotar os sentidos. — Veja bem — ele disse, pegando um bloquinho de anotações. Escreveu uma seqüência de comandos. — Se isso tornar a acontecer, você já sabe exatamente o que fazer. — Ótimo. Muito obrigada, sr. Franklin. Parecia tolice que ela o chamasse de "senhor", quando nenhum dos outros funcionários o fazia. — Pode me chamar de Gary. Um sorriso iluminou os olhos dela. — Eu estava falando sério, sobre querer compensá-lo por toda sua paciência. Isto é, se você achar conveniente. — Não precisa me agradecer por nada. — Eu sabia que era isso que você diria. Você é uma das pessoas mais gentis e atenciosas que já conheci. LouAnn me contou que sua noiva está viajando, por isso pensei que talvez estivesse interessado em jantar comigo e com meu filho, esta noite. Gary detestava admitir o quanto se sentia solitário, sem a companhia de Lorraine. Também o afligia o fato de ainda não ter nenhuma notícia dela, mas ele também não iria ficar telefonando todos os dias. Não, senhor. Não depois da maneira como ela reagira, diante da sua preocupação. Ainda assim, com demasiada freqüência, ele tinha de afastar as perturbadoras preocupações a respeito de sua noiva. Onde ela estaria? Será que estava bem? Entretanto, no restante do tempo Gary convencia-se de que Lorraine estava apenas sendo
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Bestseller teimosa, tentando firmar sua própria independência e sua necessidade de privacidade. — É claro — ele disse, aceitando o convite de Marjorie antes que pudesse mudar de idéia. — Meu filho tem nove anos e devo avisá-lo de que é um fanático por beisebol. — Eu também gosto muito de beisebol — Gary falou. Na verdade, era apaixonado pelo esporte e decorara todas as estatísticas das dez últimas temporadas. — Pois se você mencionar qualquer jogo de beisebol, é bem provável que Brice não o deixe mais em paz. — Isso não me incomoda nem um pouco. — Gary nunca sentiu-se particularmente interessado em bebês, mas dava-se bem com crianças maiores. Especialmente com aquelas que gostavam de beisebol. — Será um prazer jantar com você e seu filho. — Ótimo! — Marjorie exclamou, exultante. — Fico tão contente que tenha aceito! De alguma forma, Marjorie soava como se ele estivesse fazendo um favor a ela. Não era uma sensação desagradável, Gary pensou. Nem um pouco. Seus dias eram cheios ali no escritório, e já fazia quase um ano que ele e Lorraine namoravam. Geralmente, encontravam-se todos os dias. No entanto, agora que Lorraine estava no México, um vazio gigantesco abrira-se na vida dele. Gary tentava manter-se ocupado, mas completara todos os projetos que tinha para as "horas vagas" no espaço de uma semana. — As seis e meia está bem para você? — Marjorie perguntou, interrompendo seus pensamentos. — Perfeito. — Tudo bem, então nos veremos mais tarde. Sorrindo, Gary voltou para seu escritório. Sentou atrás da escrivaninha e pegou o número de telefone que Lorraine lhe dera. Mais uma vez, brincou com a idéia de ligar para o México e deixar um recado, perguntando por ela. Mas não queria que seu futuro sogro pensasse que ele era o tipo de homem que se preocupava à toa. Assim sendo, resistiu ao impulso de telefonar, mas perguntou-se novamente se deveria fazer alguma coisa para tentar entrar em contato com Lorraine. Emitiu um longo e profundo suspiro, decidindo que esperaria mais alguns dias.
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Naquela noite, Gary chegou na casa de Marjorie Ellis às seis e meia em ponto. Grato pelo convite, levava um pequeno buquê de flores e uma garrafa de vinho. Marjorie recebeu-o na porta, usando calça comprida preta e uma camiseta cinza. Era a primeira vez que Gary a via fora do ambiente de trabalho. Vestida tão à vontade, ela o pegou de surpresa: ele não percebera o quanto era bonita e atraente. Marjorie abriu a porta de todo e ele entrou. A casa dela parecia muito com o escritório que ela ocupava: extremamente pessoal, com uma certa bagunça organizada. Apesar do amontoado de plantas, livros e objetos decorativos, Gary ficou impressionado com a atmosfera receptiva e confortável. — Espero que goste de lasanha — ela disse. — Adoro. — Era o prato favorito dele. Marjorie não podia ter escolhido uma refeição melhor. — Ótimo! Um garoto meio desengonçado, usando um boné de beisebol, entrou na sala com uma luva na mão direita. — Você deve ser Brice — Gary falou. — Sua mãe me disse que você gosta de beisebol. — O senhor é o sr. Franklin? — Em pessoa. Então, em que posição você joga? — Na segunda base. — Eu jogava na segunda base, quando estava na escola. — Gary já simpatizava com o menino. — É mesmo? — Brice arregalou os olhos com admiração. — Meu pai também jogava, mas ele morreu. Gary lembrou-se de ter ouvido falar que Marjorie era viúva. O marido dela afogara-se num acidente de barco três anos atrás, mas ele não conseguia recordar-se de quem lhe contara isso. Porém, era bem fácil verificar que ela fizera um excelente trabalho ao criar o menino sozinha. — Gostaria de jogar um pouco comigo? — Gary ofereceu. Brice ficou encantado. — Nós podemos, mamãe?
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Bestseller — Acabei de colocar a lasanha no forno, portanto vocês têm bastante tempo para jogar — Marjorie respondeu. No entanto, sua expressão dizia a Gary que ele não precisava brincar com seu filho, se não quisesse. O que ela não sabia era o quanto ele gostava daquele tipo de coisa. — Irei chamá-los quando o jantar estiver na mesa — ela disse quando os dois saíram pela porta da frente. Gary e o menino passaram quase uma hora jogando e falando sobre esportes, antes que Marjorie os chamasse para jantar. Além da lasanha, ela serviu uma salada César, outro prato que Gary adorava, e pãezinhos crocantes. — Há meses que não como uma refeição tão boa — Gary falou, com um entusiasmo genuíno. Um tanto surpreso, viu que Marjorie ruborizava diante do elogio, o que lhe provocou uma onda de ternura. Brice desapareceu com seus amigos assim que acabaram de tirar a mesa. Gary percebeu que estava na hora de inventar uma desculpa para ir embora, mas apanhou-se procurando um motivo para se demorar um pouco mais. Num impulso, amarrou o avental na cintura e insistiu em ajudá-la a lavar a louça. — Minha mãe sempre dizia que quem cozinha não precisa lavar os pratos. — Bobagem — Marjorie protestou. — Isso vai levar apenas alguns minutos. — É o mínimo que posso fazer. — Gary tampou a pia e, antes que ela pudesse argumentar, encheu-a com água quente. — Gary... Ela começou a protestar novamente, só que Gary silenciou-a colocando um punhado de espuma na ponta de seu nariz. Marjorie arregalou os olhos, surpresa e espantada. Ele não conseguia parar de rir, do mesmo jeito que não conseguiu impedir-se de beijá-la. Não fora algo planejado. Mas, por um instante de loucura, esqueceu-se de Lorraine, esqueceu que iria casar-se em outubro. Esqueceu de tudo, exceto da mulher linda e ardorosa em seus braços. Separou os lábios dos dela, certo de que ela ficaria zangada. Afinal, tinha todo o direito de zangar-se.
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Bestseller Marjorie encarou-o, com os lábios úmidos de seu beijo. Depois pestanejou várias vezes, parecendo confusa e... extremamente encantadora. — Devo me desculpar? — Provavelmente aquela era a pergunta mais idiota que ele poderia fazer. — Eu... eu não sei. — Vamos fingir que não aconteceu — Gary sugeriu, retirando as mãos dos ombros dela. — Tudo bem — ela disse, conseguindo esboçar um leve sorriso. — Mas eu gostaria de dizer uma coisa. Gary não tinha certeza se queria ouvir, mas assentiu. — O senhor beija muito bem, sr. Franklin. De alguma forma, Marjorie conseguira novamente. Gary agira por impulso, sem pensar. Ela deveria ter gritado com ele, repreendido seu comportamento, lhe passado uma descompostura. Mas, em vez disso, Gary saiu da casa dela assobiando, sentindo-se melhor do que se sentira em meses.
Jack não sabia o que teria acontecido para destruir sua determinação. Sua intenção fora dizer adeus e partir mas, quando chegou o momento, descobriu que era incapaz disso. Seus planos eram deixar Lorraine em segurança no quarto de hotel, dizer algumas palavras e seguir seu rumo. E, mesmo enquanto revia todos os seus costumeiros argumentos sobre porque não poderiam fazer amor, estava beijando-a com loucura. Agindo puramente por instinto, Jack prosseguiu com os beijos profundos e lentos. Sabia muito bem que aquelas poucas horas teriam de sustentá-lo pelos longos e solitários anos que se seguiriam. Ela gemeu baixinho. Ofegando, Jack separou os lábios dos dela. Sonhara com isso tantas vezes, desde a noite em que ficaram abraçados no barco. Fitaram-se por um instante e ele deixou escapar um leve suspiro. Com a ponta do dedo, traçou uma trilha em torno dos lábios dela, inchados agora pelos seus beijos. Lorraine sorriu com doçura, e ele viu-se perdido. Mergulhou o rosto em seu pescoço e espalmou as mãos em seus seios, que estavam quentes e pesados, com os mamilos rígidos. Inclinando-se, beijou cada um deles. Lorraine deixou a
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Bestseller cabeça cair para trás e apoiou-se contra a porta, os dedos afundando nos cabelos dele. A primeira coisa que Jack pensou quando entraram no quarto de dormir foi que aquilo não deveria estar acontecendo. Não podia acontecer. Se ele amava Lorraine, não permitiria que continuasse. — Não, Lorraine. Ela ergueu os olhos, muito abertos e repletos de desespero. Jack afastou-se dela e sentou na beirada da cama. Aquilo era difícil, difícil demais. Seu corpo latejava pelo desejo de aceitar o que ela lhe oferecia. Não podia suportar a idéia de abandoná-la agora. Mas tinha de fazer isso. Este era seu único meio de fazer com que Lorraine soubesse o quanto a amava. Se ele a amasse menos, já estaria na cama com ela. E, se amasse um pouco mais, morreria. — Por favor, não faça isso... — ela pediu, num soluço. — Fique... — Não podemos. Ela havia suportado tantas coisas, tinha sido tão forte. Enfrentara os ataques de Carlos, arquitetara uma fuga arriscada, cuidara dele depois que levara o tiro. Mas parecia tão frágil, agora, como se a sua recusa fosse a única coisa que ela não conseguiria suportar. Será que ela não sabia? Não compreendia? Sair daquele quarto agora era a única forma que ele tinha de provar seu amor. Jack afastou-se, exalando um profundo suspiro num esforço de recuperar o controle. Quando virou-se, viu que Lorraine aproveitara o instante para endireitar suas roupas. Estava parada aos pés da cama, encarando-o. — Você vai embora, não é? — perguntou, quase em prantos. Ele assentiu. — Assim, sem mais nem menos? Jack endureceu seu coração. — Assim — disse. Os ombros dela curvaram-se com resignação, e Jack soube o quanto ela era corajosa. Ele a amava por isso, amava tudo nela. — Adeus — ele murmurou. Deu um passo adiante quanto, de repente, Lorraine atirou-se em seus braços. Jack sabia que deveria ir embora enquanto lhe restavam forças. Em vez disso, fechou os olhos e abraçou-a, saboreando aqueles últimos instantes juntos, amando-a tanto que parecia que seu coração morreria sem a presença dela.
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Bestseller Lorraine o prendia com força, recostando a cabeça em seu peito. — Não posso deixá-lo ir embora — chorou. — Não deste jeito. Preciso lhe contar tudo sobre Gary e eu. — Não me conte nada. — A voz dele foi ríspida. Era exatamente aquilo que não queria que acontecesse. — Não me conte — repetiu. — Mas você precisa saber! — Os braços dela apertaram-no com mais força, refletindo a urgência de suas emoções. — Não. — Mas... Jack segurou-lhe os braços e sacudiu-a rudemente. — Não! Lorraine ficou imóvel. Baixou a cabeça e seus cabelos ocultaram-lhe o rosto. — Isso não é o fim — ela prometeu, num sussurro. Tinha de ser. Ele não permitiria que fosse qualquer coisa além do fim. Lorraine tinha um marido que a amava, e Jack não permitiria que a confiança dele fosse traída por nenhum dos dois. Soltou-a, afastando-se. Depois virou-se e saiu do quarto, apressando o passo ao cruzar a porta e encaminhar-se para o elevador. Estava no meio do quarteirão, fora do hotel, quando Lorraine surgiu correndo atrás dele. — Jack, espere! Ele fingiu não ouvi-la. As ruas estavam caóticas, com o tráfego pesado. Buzinas soavam no ar, as pessoas gritavam, os ônibus expeliam negras nuvens de fumaça. — Jack! Por favor! — O grito desesperado o seguiu. Ele andou mais depressa. — Não está acabado! — Lorraine gritou. — Só preciso de um pouco de tempo. Vou voltar! Daqui há uma semana, no máximo, estarei de volta. Escute-me, Jack, eu vou voltar. Por favor, escute... Ele não se virou, e continuou andando o mais rápido que podia.
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Bestseller Lorraine ficou parada no meio da calçada congestionada, vendo Jack desaparecer na multidão. Seu coração lhe dizia para correr atrás dele e obrigá-lo a ouvir a verdade, fazê-lo entender. Ele a amava. Só podia ser isso, pois do contrário a teria levado para a cama. Ela não podia ter expressado seus sentimentos e seu desejo de maneira mais clara. Fisicamente, sentia-se frustrada, ansiando pela satisfação do sexo. Emocionalmente, estava de luto — e em desespero. Os atos dele lhe disseram mais sobre que tipo de homem ele era do que qualquer outra coisa que pudesse ter feito. Jack estava certo em partir. E, para ser justa com Gary, ela o deixara ir. Precisou de alguns minutos para recuperar o controle, antes de entrar novamente no hotel. Tomaria um banho, primeiro, e depois iria direto para a cama. Sentindo-se emocionalmente exaurida, cansada até os ossos, Lorraine entrou no elevador. Enquanto subia para seu andar, rememorou a lista de coisas que teria de fazer. Ligaria para Gary, que devia estar doente de preocupação. Deixaria para retornar o telefonema de seu pai mais tarde, pensou, pegando o bilhete no bolso. Não havia mais nada escrito, além do nome dele e a hora do telefonema — aquela manhã, às 9:45. Mas Jack iria... Parou de pensar, recusando-se a permitir que sua mente voltasse para Jack. Aquele seria apenas um breve intervalo em que estariam separados, pensou. Em poucos dias, prometeu a si mesma, ela estaria de volta. Esfregou os olhos cansados, enquanto inseria a chave na trava de segurança. Fez uma pausa, olhando cobre o ombro, um tanto surpresa ao notar que o guarda não estava por ali. Que bela proteção haviam lhe prometido... A porta abriu-se com um clique e ela entrou. — Já não era sem tempo. Jason Applebee estava sentado na saleta de estar, comendo as uvas de uma linda cesta de frutas. A chave caiu da mão de Lorraine, aterrisando silenciosamente no piso carpetado. — Espero que não se importe de eu estar me servindo. Sua amiga Catherina foi muito gentil em enviar-lhe este presente. Mas você não ia comer todas estas frutas sozinha, não é?
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— O que está fazendo aqui? Ele riu diante da pergunta e balançou a cabeça lentamente. — Ora, vamos lá... Você é uma garota esperta, Lorraine. O que acha que estou fazendo aqui?
CAPITULO XIV
O choque de encontrar Jason Applebee em seu quarto deixou Lorraine estarrecida, e ela levou alguns segundos para se recuperar. — Como ficou sabendo que eu estava aqui? — perguntou, com falsa tranqüilidade. Provavelmente aquela era uma das perguntas menos importantes, mas foi a primeira que surgiu em sua mente confusa. — E quanto ao... — Engoliu a indagação sobre o guarda armado, preferindo não alertá-lo do fato de que havia um segurança por ali. Lorraine esperava sinceramente que o guarda tivesse saído para pegar um sanduíche ou algo assim, e que voltaria a qualquer instante. Jason já havia matado pelo menos uma vez, e não hesitaria em fazê-lo novamente. — Seu pai foi bastante cooperativo — Jason falou, antes de comer mais uma uva suculenta. — Meu pai jamais falaria com você. O sorriso de Jason zombava dela. — Falaria, se pensasse que estivesse conversando com Gary Franklin, o seu querido noivo que está tão preocupado porque ainda não teve notícias suas. — Ele imitou um sotaque sulista: — Tivemos várias conversas muito agradáveis. Seu pai contou-me tudo sobre como Jack Keller a trouxe para a Cidade do México, fornecendo-me até o nome do hotel. — Você disse a ele que era Gary? A idéia de Jason fazendo-se passar pelo seu noivo deixou-a furiosa. Mas Lorraine direcionou o acesso de raiva contra si mesma. Como arrependia-se de ter falado tanto, durante a viagem de ônibus de Mérida para El Mirador! Como fora tola em entregar todos os detalhes de sua vida pessoal!
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Bestseller — Na verdade, creio que fui bem esperto — Jason falou, satisfeito consigo mesmo. — Seu pai caiu direitinho na minha história. — Como descobriu o número do meu quarto? — Tenho meus meios. — Ele olhou em volta e assoviou baixinho. — Pelo que vejo, você está muito bem instalada. — Quero que você saia daqui, agora — Lorraine exigiu, fingindo uma coragem que não sentia. — Você já causou danos demais. — Sem problema — ele disse, levantando-se vagarosamente. — Apenas devolva o que me pertence. Ela sentiu-se gelar. — Não posso. — É claro que pode. — Afinal, como você conseguiu obter as duas metades da Estrela de Kukulcan? Lorraine tentava encontrar uma maneira de distraí-lo. Os telefones estavam fora de alcance, e ele a impediria antes que pudesse chegar perto de um aparelho. Sua única esperança era correr para a porta e rezar para que o guarda tivesse retornado ao seu posto. Havia uma chance, embora muito pequena, se ela conseguisse manter o controle. — Como você sabe sobre a Estrela de Kukulcan? — Também tenho os meus "meios". Jason assentiu com aprovação. — É, estou vendo. — Então, eu realmente gostaria de saber — ela disse, fingindo estar curiosa. Um homem tão convencido quanto Jason certamente ficaria encantado em gabarse dos seus feitos. — Parece impossível que você tenha conseguido realizar sozinho algo tão arriscado — murmurou, imaginando se não estaria exagerando. Mas, aparentemente, não. — Ah, mas fiz tudo sozinho. Basta dizer que estudei os livros do Professor Raventos durante anos. Quando escrevi para ele, o professor ficou impressionado com meus conhecimentos sobre a cultura Maia e com a minha admiração por Kukulcan. Iniciamos uma amizade, e ele convidou-me para acompanhá-lo nas escavações. Ele confiou em mim. Lorraine também confiara nele. Jason encolheu o ombro.
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Bestseller — Infelizmente, depois que encontrou a Estrela, o meu estimado colega tornou-se... dispensável. Lorraine estremeceu, e ele riu. — Algumas pessoas presumem que seja uma questão de sorte estar no lugar certo, na hora certa. Mas não é. Tudo depende de um planejamento cuidadoso. No entanto, até mesmo os planos mais bem esboçados às vezes fracassam. Às vezes há interferência de outras pessoas... — Jason avançou ameaçadoramente na direção dela. — Entregue-me a peça, Lorraine. Devagar, Lorraine foi afastando-se para a porta, com os braços atrás das costas. — Já tive de matar por causa desta peça. Detestaria machucá-la mas, se for obrigado, é o que farei. — O que aconteceu com você? — ela perguntou. — É uma pessoa inteligente. Por que matou aquelas pessoas? Por que roubar a herança de um país? É por ganância? — Você não sabe de nada, não é? — ele retrucou, balançando a cabeça. — Não entende nada, mesmo. — Não. Explique-me, Jason. Por que os assassinatos? Por quê? Ele deu de ombros novamente. — Na verdade, a primeira vez foi a mais difícil. — Ah, Jason... Ele estendeu a mão. — Entregue-me a minha Estrela. Ela é minha, e quando eu a tiver poderei revelar-me para meu povo. A glória retornará para os Maias. Ele estava louco. Só podia ser isso. — Eu já lhe disse que não posso. — Lorraine estava prestes a tentar sua escapada. Jason exalou um suspiro exasperado. — Era isso que eu temia que você dissesse, Lorraine. Você provou ser um grande desapontamento. — Eu? Pois foi você quem me enganou, que me fez mentir em seu favor. — Ela tinha de mantê-lo distraído. — Você "plantou" os dois artefatos na minha
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Bestseller bagagem. Sabia que não via meu pai desde que era criança e, ainda assim, conseguiu estragar a minha visita. Você é desprezível, é... — Sim, está bem, mas existem coisas piores. Como o que vai acontecer a você, se não me devolver a Estrela. — Jason balançou a cabeça com uma expressão de tristeza. — Vai ser uma pena, sabia? Eu realmente comecei a gostar de você. Em outras circunstâncias, poderíamos até ter nos tornado bons... amigos. — Creio que não. Ele riu, balançando a cabeça outra vez. — Acredite em mim, Lorraine. Você vai querer que eu fique com a Estrela, pois a outra alternativa não será nada agradável. — Acreditar em você? — Ela riu, incrédula. Naquele instante, fez um giro rápido e correu para a porta, batendo-a com força atrás de si. A primeira coisa que reparou foi que o guarda continuava ausente. Sem tempo a perder, nem mesmo considerou a possibilidade de esperar pelo elevador, e disparou na direção da escada de emergência. Assim que abriu a porta de acesso, deparou com o corpo inerte do guarda. A garganta dele havia sido cortada. Lorraine sufocou um grito diante de tal visão. O medo e o horror impulsionaram-na para agir mais rápido. Tinha de fazer alguma coisa drástica, do contrário logo estaria tão morta quando o pobre homem. Em poucos segundos Jason já estava atrás dela, porém Lorraine tinha uma vantagem. Quando estava no colégio, aprendera como escorregar pelo corrimão da escada. Era quase um ato de equilíbrio — e fora assim que quebrara o braço, certa vez. Nunca mais tentara fazer aquilo, mas agora... Que outra escolha teria? Subiu no corrimão de metal, sabendo que maior dificuldade seria manter o equilíbrio. Inclinando o corpo para o lado, com os braços estendidos à frente, deslizou pelo primeiro lance de escadas. Jason era rápido; o barulho de seus passos descendo os degraus ecoava pela estreita escadaria. Ele poderia atirar nela, Lorraine pensou, mas ela de nada lhe adiantaria se estivesse morta. Jason queria a Estrela, e não sabia que Lorraine já não estava mais de posse do objeto. No instante em que começou a descer, gritou por socorro com toda a força de seus pulmões. Infelizmente há muito perdera seu dicionário de bolso, e não sabia como dizer "socorro" em espanhol. Não que isso importasse, pois ninguém a ouvia. Estava um andar à frente de Jason, quando ele gritou:
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Bestseller — Não me obrigue a fazer algo que não quero! Pelo escândalo que ela fazia, poderia-se pensar que ela estava sendo assassinada naquele exato minuto. Ainda assim, ninguém apareceu. Ninguém escutava nada. Lorraine não queria acreditar que Jason realmente a mataria, mas depois de ver o que ele fizera com o guarda, não tinha mais dúvidas. Ele era louco. Completa e perigosamente louco. Depois disso, ela parou de pensar e concentrou-se unicamente em sua fuga. Equilibrar-se, escorregar, correr pelo pequeno saguão até o próximo lance de escadas. Fez isso três, quatro vezes. E em nenhum momento viu ou ouviu uma pessoa sequer. Exceto Jason, que continuava correndo incansavelmente atrás dela. A escadaria acabava na piscina. A área estava repleta de gente bonita e bronzeada, descansando nas espreguiçadeiras com os corpos reluzentes, bebericando seus drinques tropicais e ouvindo um conjunto de mariachi. Lorraine irrompeu naquele cenário, levou um segundo para analisar sua situação, e correu para o saguão do hotel. Estava espantada ao ver o quanto Jason estava perto. Tinha de admitir que ele era um atleta e tanto. E um ator e tanto, tamb ém. Ele ria e chamava por ela em espanhol, dizendo palavras que ela não conseguia entender. No entanto, a maioria das pessoas nem prestava atenção, ou não ouvia, concentradas na banda que tocava. Jason alcançou-a na porta que dava acesso ao saguão do hotel. Sem demonstrar o menor esforço, pegou-a nos braços e, enquanto Lorraine gritava e debatia-se, jogou-a por cima do ombro e carregou-a para fora. A força dele deixoua atônita. Ele a carregava como se ela não pesasse quase nada. Lorraine batia em suas costas, esmurrando-o como uma doida. — Socorro! — gritava, rezando para que alguém, qualquer pessoa, reparasse no que estava acontecendo. — Preciso de ajuda! Ele vai me matar! — Se você tivesse estourado os limites dos meus cartões de crédito, eu também a mataria — um homem um tanto embriagado, gritou de volta. — Isso não é brincadeira! — ela berrou. — Pois não é mesmo — o mesmo homem retrucou em voz bem alta. Os esforços que Lorraine fazia para se soltar só serviram para deixá-la cansada. Após um momento, desistiu de debater-se, convencida de que seria inútil.
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Bestseller — Pronto, agora já chega de brincadeiras, Lorraine. Onde está a Estrela de Kukulcan? — Jason inquiriu novamente, por entre os dentes cerrados. Suas mãos prenderam as pernas dela com mais força. — Não está comigo. — Tudo bem, então onde está? — No Departamento de Antigüidades do governo. — Lorraine, você nem imagina o quanto isso me deixa desapontado. — Posso imaginar, sim. E agora, você vai me matar, como fez com aquele guarda? — Não. — Jason continuou andando na direção da rua. — Gosto demais de você, para isso. — Deixou-a no chão, quando chegaram à calçada. — Além disso, já prometi ao seu amigo, aqui, que daria a ele este prazer. Assim que tocou os pés no chão, Lorraine girou o corpo e deparou-se com Carlos. O sorriso do sujeito era tão feio quanto seu rosto. — Ah, será que me esqueci de lhe dizer que fiquei conhecendo este seu amigo? — Jason falou, num tom repleto de inocência.
Jack havia decidido afogar suas mágoas numa boa garrafa de tequila. No entanto, assim que sentou na mesinha da calçada do restaurante todo desejo de embriagar-se abandonou-o, e pediu somente uma cerveja. A bebida forte serviria apenas para reforçar sua infelicidade. Lembrou-se da última vez em, que estivera numa cantina, em La Ruta Maya. Fora quando Lorraine saíra do barco e metera-se numa encrenca monumental. Ele tivera muita sorte de encontrá-la no momento exato. E ficara muito aliviado, também, embora não a deixasse perceber isso. Depois, pensou em Pucuro, aquela cidadezinha feia com seu feio ancoradouro. Ou melhor, sem o ancoradouro. Começou a rir sozinho ao imaginar a cena, e apenas sentia ter perdido o espetáculo. Várias pessoas viraram-se na sua direção, curiosas em saber o que ele estaria achando tão engraçado. Jack lembrou-se de que sua última garrafa de uísque escocês tinha sido usada para propósitos medicinais, mais especificamente para limpar a ferida de seu ombro. Lorraine não poupara esforços para cuidar dele, para ajudá-lo a recuperar a saúde. Recordou-se das longas conversas que tiveram, sobre suas vidas e ex-
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Bestseller periências, sobre filmes que haviam assistido, e daquela noite em que tinham ficado juntinhos, abraçados, admirando o reflexo da lua sobre a água. O que Lorraine lhe ensinara, durante o tempo em que ficaram juntos, era o quanto ele era capaz de tornar-se vulnerável a alguém. Ele havia lhe contado mais coisas sobre sua vida passada e sobre suas experiências militares do que jamais dissera a qualquer outra pessoa. Não iria mentir a si mesmo sobre a imensa dor que sentia. Era quase tão intensa quanto uma dor física. Separar-se dela fora a coisa mais difícil e perigosa que ele já fizera em sua vida. Perigosa porque ele não tinha certeza se seria capaz de voltar a ser o homem que sempre fora. Agora que estava sem Lorraine e sem suas antigas crenças, suas antigas atitudes... aonde isso o levaria? Ergueu o copo e ficou olhando para o líquido cor de âmbar, ansiando subitamente pelo esquecimento total. Só conseguia pensar em Lorraine. E o fato de estar sentado naquele bar, perto do hotel onde ela estava hospedada, servia apenas para tornar tais pensamentos inevitáveis. Acabou de beber a cerveja e decidiu pegar um táxi para seu próprio hotel, quando passou por uma cabine de telefone. Já dera alguns passos para frente quando parou, virou-se e voltou para trás. Entrou na cabine e discou o número da telefonista, deu-lhe os dados de seu cartão de crédito e esperou que ela completasse a ligação para a cidade de Boothill, no Texas. A esposa de seu melhor amigo atendeu após o terceiro toque. — Jack, é você? — Letty gritou. A ligação não estava das melhores. — Sim, sou eu. Murphy está por aí? — Está vacinando o gado mas, escute, foi bom você ter ligado. Um homem chamado Thomas Dancy ligou aqui hoje, perguntando por você. — Thomas? — Jack repetiu, surpreso. — Mas falei com ele ontem à noite. No entanto, pensando bem, Jack lembrou-se de que não dera a Thomas nenhuma informação sobre como encontrá-lo. Mencionara apenas o nome do hotel onde Lorraine estaria, e não onde ele própria iria ficar. E deveria ter sido fácil para Thomas localizar Murphy, pois em várias ocasiões Jack havia lhe falado sobre este seu amigo, que possuía uma fazenda de gado no Texas.
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Bestseller — Que história é essa, de você ter levado a filha dele para fora do México? — Letty perguntou. Um bebê chorou ao fundo, o terceiro filho do casal em quatro anos. — Eu lhe conto tudo mais tarde. — Você vem nos visitar? Murphy adoraria vê-lo. Eu também, é claro. — Estou pensando nisso — Jack admitiu. Uma coisa era certa: ao menos por enquanto, tinha de sair do México, afastar-se das lembranças e da dor. Recuperar seu equilíbrio emocional. — Dê um beijo nas crianças por mim — disse, obrigando-se a soar como se nada o preocupasse. — Espere um pouco — Letty pediu. — Ainda tenho outras notícias para você. Jack ouviu um ruído quando ela largou o aparelho e, quase imediatamente, o choro do bebê cessou. Notícias?, pensou. A última vez que Letty tivera notícias para lhe dar fora sobre a chegada do terceiro filho do casal. — Ainda está aí? — ela perguntou, retomando a ligação. — Estou aqui — ele disse. Pensou vagamente que estava pagando cinco dólares por minuto enquanto esperava que ela fizesse o bebê arrotar, mas na verdade não importaria-se nem se lhe custasse dez vezes mais. Letty e Murphy eram as pessoas que Jack considerava quase como se fossem da sua família e, naquele momento, precisava deles. Precisava saber que casais apaixonados ainda poderiam encontrar alguma felicidade neste mundo. — Tudo bem — Letty falou. — Voltando ao telefonema do seu amigo Nancy... — Dancy — Jack corrigiu. — Sim, este mesmo. Bem, ele estava muito preocupado com a filha. — Não há nada com que se preocupar. — Você conhece alguém chamado Gary... Ah, droga, não consigo me lembrar do sobrenome. De qualquer forma, este Gary tem alguma conexão com a filha de Dancy, mas acho que ele não me falou exatamente qual seria. Mas isso não tem importância. Jack enrijeceu. — Sei do que se trata. Mas, o que Dancy falou? A ligação piorou um pouco, mas logo voltou ao normal.
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Bestseller — Dancy disse havia recebido alguns telefonemas deste sujeito chamado Gary, mas que hoje alguém completamente diferente ligou para ele afirmando ser a mesma pessoa. Seu amigo parecia bastante preocupado com isso. A mão de Jack prendeu o fone com mais força. — Continue. — Não há mais muita coisa a dizer. Dancy deixou um recado no hotel que você mencionou, mas não havia uma reserva em seu nome, e a filha dele ainda não chegara. Ele não tinha como entrar em contato com você, e parecia bastante nervoso com isso tudo. Ele contou ao primeiro sujeito tudo o que sabia sobre vocês dois na Cidade do México. Agora está preocupado e, ao que parece, com razão. A mente de Jack disparava. Só poderia ser uma pessoa. Jason Applebee. — Preciso desligar — disse, apressado. — Não desapareça, está bem? — Irei visitá-los em breve, prometo. — Desligou o telefone, depois ficou ali pensando em tudo o que acabara de ouvir. Aquela aventura ainda não havia terminado.
Gary soube, no instante em que entrou na auto estrada, que iria para a casa de Marjorie, embora seu destino original fosse o shopping center. Tinha a desculpa perfeita para visitá-la: um cartão autografado do jogador Ken GrifFey Jr. que Brice estava louco para ver. Pretendia dizer algo como estar na vizinhança, quando chegasse. Era uma desculpa um tanto esfarrapada, mas não tinha importância. Precisava vê-la. Desde aquele beijo, não conseguira mais parar de pensar em Marjorie. Ela dominava seus pensamentos o tempo todo e, embora tivessem concordado em esquecer o incidente, ele não conseguira. Como resultado, o relacionamento entre eles no trabalho tornara-se mais tenso e contido. Seus colegas logo adivinhariam que algo estava acontecendo e, na opinião de Gary, estava na hora de esclarecer tudo. Naquela manhã de sábado, acordou inquieto e agitado. Sua intenção original fora sair para fazer compras... mas, então, por que levara o cartão autografado?
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Bestseller Não sabia a quem estava tentando enganar. Sempre achara que fazer compras era algo quase tão agradável quanto pagar impostos. Quando dirigiu para a entrada da rodovia, admitiu a si mesmo que ver Marjorie era o que, no fundo, estivera planejando desde o início. Certo, seu método não era nada sutil. Aparecer para uma visita surpresa, sem ser convidado e sem avisar, não era a idéia mais brilhante que já tivera. Por outro lado, talvez ela apreciasse aquela demonstração de espontaneidade. Parou o carro em frente à casa dela, cruzou a varanda e tocou a campainha. Marjorie apareceu na porta. E sua expressão, ao vê-lo, revelava surpresa... e satisfação. — Gary... olá! — Oi! — Ele resistiu ao impulso de dizer que cometera um erro e correr de volta para o carro. — Brice está aí? — Soava como uma criança, pensou irritado. — Eu tenho um cartão autografado de um jogador de beisebol, que mencionei a ele, e achei que ele gostaria de ver. Marjorie abriu a porta de todo, para que ele entrasse. — O autógrafo de Ken Griffey Jr.? Eu o ouvi comentando sobre isso com os amiguinhos. Ela fizera novamente o milagre de deixá-lo totalmente à vontade. Parecia uma especialidade dela. — Brice tem o treino de beisebol nos sábados de manhã — Marjorie acrescentou. Gary pensou que deveria ter-se lembrado disso, desde que o próprio Brice havia mencionado. No entanto, não estava ali para ver Brice. Deu-se conta de que estava encarando Marjorie, mas não conseguia evitar. Mesmo com aquela calça jeans desbotada e a blusa simples e sem mangas, ela estava linda. Pela primeira vez, reparou que estava usando luvas de borracha amarelas, e que trazia uma esponja de limpeza numa das mãos. — Eu ia mesmo parar um pouco e tomar uma xícara de café — ela disse. — Gostaria de me acompanhar? Gary assentiu com entusiasmo e seguiu-a para a cozinha. — Desculpe, eu não pretendia interromper sua faxina. — Pois eu deveria lhe agradecer por ter-me arrancado dela — Marjorie falou, tirando as luvas de borracha. — É a coisa que mais detesto fazer.
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Bestseller Gary tirou uma pilha de jornais de uma das cadeiras da cozinha e sentou-se. Ela serviu uma caneca de café para cada um e sentou na frente dele. Franziu a testa, com os olhos fixos no café, como se tivesse encontrado alguma coisa flutuando no líquido. Gary respirou fundo. Estava na hora de falar com franqueza. — Trazer o cartão autografado para Brice foi somente uma desculpa — disse. Marjorie desviou os olhos. — Sei que concordamos em esquecer tudo sobre aquele beijo... — E acho que deveríamos — ela disse, ainda sem olhar para ele. — Não posso. — Gary não conseguiria ser mais honesto do que isso. — Eu também não — Marjorie falou em voz tão baixa que Gary teve de fazer um esforço para ouvi-la. — Mas você está noivo. — Eu sei. Ele não precisava de Marjorie para lembrá-lo disso. No entanto, ainda não tivera nenhuma notícia de Lorraine e, quando finalmente desistira de esperar e telefonara para o pai dela, naquela manhã, a conversa o deixara ainda mais confuso. O pai de Lorraine parecia pensar que Gary havia ligado na noite anterior. Isso não acontecera, e ele dissera isso. Então Thomas Dancy ficara muito nervoso, insistindo que precisava desligar. — Gary, não acho que seja uma boa idéia você ficar aqui. — Eu sei disso, também — ele murmurou. — Não deveria ter vindo... mas ainda assim não consigo ficar longe de você. — Sei que faço uma boa lasanha, Gary, mas não é tão boa assim. Ele sorriu e a tensão entre eles suavizou-se. Estendendo o braço sobre a mesa, pegou a mão de Marjorie. — Você é maravilhosa. Marjorie retirou a mão e levantou-se, encaminhando-se para a pia. — Marjorie? Ela virou-se num giro. — Você está noivo... comprometido com outra pessoa. Eu gosto de você, Gary, mais do que deveria, mas...
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Bestseller — Você gosta de mim? — Ele sentiu o coração disparar, ao ouvir aquelas palavras. — Ora, não vá me dizer que não sabia! — Eu não sabia. — Ele esperava que sim, mas não era a mesma coisa. Marjorie fechou os olhos e balançou a cabeça. Gary aproveitou aquele momento. Levantou e aproximou-se dela. Estava cansado de toda aquela conversa, de toda aquela loucura. O beijo incrível que haviam compartilhado fora um impulso de momento, ou pelo menos era disso que ele se convencera. Nada fora tão bom, antes disso, nem com Lorraine, nem com qualquer outra mulher. Ele tinha de beijar Marjorie novamente precisava comprovar se seria possível experimentar tal sensação mais de uma vez. — Gary? — ela abriu os olhos, arregalando-os quando ele a puxou para si. — Só mais uma vez — foi tudo o que ele disse antes de beijá-la. Marjorie emitiu um leve gemido, aceitando o beijo, e era só o que Gary precisava. Em poucos segundos estavam beijando-se com um ímpeto que normalmente ele reservava para a cama. Recostando-se na pia, Marjorie agarrou-se à camisa dele como se precisasse de um apoio para não cair. No momento em que se separaram, ela ofegava baixinho e suas pernas estavam fracas. Perderam a noção do tempo que ficaram se olhando. Os lábios de Marjorie estavam úmidos e inchados pela explosão de sensualidade entre eles. Levado por um impulso de tocá-la, Gary acariciou-lhe a face, formando uma trilha até sua boca. Não sabia se pedia desculpas ou se a beijava de novo. Ela olhou-o e sorriu. Lenta e suavemente. E ele viu-se perdido. Daquela vez, no entanto, o beijo foi tão suave quanto o anterior fora incontrolável. Mas, para surpresa dele, foi muito mais sensual. — Já chega... — Marjorie interrompeu o beijo e recostou a cabeça em seu peito. Gary queria argumentar, mas estava sem fôlego. Se apenas beijá-la era assim tão fabuloso, pensou, ainda zonzo, como não seria fazer amor com ela? E Marjorie parecia estar pensando o mesmo.
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Bestseller Ignorando seu protesto, por mais frágil que fosse, Gary abriu-lhe a blusa e o sutiã. Seus seios eram cheios, rosados, e ela gemeu baixinho quando ele passou a sugar um dos mamilos. Mas impediu-o no instante em que ele começou a abrir o zíper de sua calça. — Não. Era um "não" que soava mais como um "sim". Gary fitou-a, com uma expressão de interrogação. — Não é isso que você quer dizer. — É, sim. — Ela parecia mais segura, agora. — Acho que você deve ir embora. Ele pestanejou, imaginando se teria entendido errado. Mas quando Marjorie correu para a sala e abriu a porta, não teve mais dúvidas. — Marjorie? Ela parecia prestes a chorar. — Escute, eu sinto muito... — Também sinto muito, Gary, mais do que você pensa. — Precisamos conversar. — Partir era a última coisa que ele queria. — Não posso... Já não estamos mais em condições de nos comunicar. — Pois não é isso que penso. — Estavam fazendo um excelente trabalho, poucos minutos atrás. — Vá embora, por favor. — Ela escancarou a porta. Gary não teve outra escolha se não sair. Parado no outro lado da soleira, fez uma última tentativa. — Minha carta de demissão estará na sua mesa segunda feira de manhã — ela murmurou, com os olhos cheios de lágrimas. E, depois, fechou a porta devagar.
CAPÍTULO XV
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Bestseller O brilho homicida nos olhos de Carlos indicou a Lorraine o prazer que ele an tecipava em matá-la. E soube, com toda certeza, que primeiro ele pretendia torturá-la e estuprá-la. Jason empurrou-a para o banco traseiro de um carro e amarrou-lhe as mãos, antes mesmo que ela percebesse o qUe estava acontecendo. — Não — ela implorou. — Não faça isso... Jason encolheu os ombros com indiferença. — Foi você quem fez isso a si mesma, quando devolveu a minha Estrela ao governo. Ora, Lorraine, você sabia que eu estaria à sua procura. — A Estrela de Kukulcan não lhe pertence. — Ah, pertence, sim. Ela não pertencia a você, mas apesar disso você a entregou a outros. Não tinha o direito de fazer isso. Carlos entrou no banco da frente e ligou o motor, acelerando ruidosamente. Os dois homens trocaram umas poucas palavras resmungadas em espanhol, antes que Jason saísse do banco traseiro e se juntasse à Carlos na frente. Assim que ele bateu a porta o carro saiu em louca disparada. Lorraine era atirada de um lado para outro do assento, quando o veículo derrapava nas curvas fechadas. O trânsito estava terrível. O hotel ficava situado nos arredores da cidade, próximo ao aeroporto. Sendo jogada para os lados como estava, tudo o que Lorraine conseguia ver eram os topos dos altos edifícios, muitos com luminosas luzes de néon. Num certo momento, quando finalmente foi capaz de sentar-se e olhar pela janela do carro, pensou ter visto Jack. No mesmo instante seu coração encheu-se de esperança, que desapareceu quase com a mesma rapidez. O que ela vira, concluiu, era um homem usando uma camisa parecida com a de Jack. A frágil esperança de que ele iria salvá-la morreu de morte súbita. Isso não iria acontecer. Eles tinham se despedido e não havia como Jack saber da situação em que ela se encontrava. Se sobrevivesse àquela enrascada, teria de ser pelo seu próprio esforço e vontade. Atirada brutalmente no banco traseiro de um carro que corria à toda velocidade, com as mãos amarradas, ela contava com bem poucas opções. Mas isso não a impediria de planejar um jeito de escapar. — Não existe algum meio de negociarmos a minha liberdade? — ela perguntou a Jason, pensando em apelar para seu senso de decência, se é que ele tinha um. Isso era altamente questionável, mas valia a pena tentar qualquer coisa. Estavam na estrada por mais ou menos uns trinta minutos. — Eu não tenho nada con tra Carlos — argumentou.
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— Você o envergonhou. — Não foi de propósito. Diga a ele que lamento muito. Jason passou a mensagem a Carlos, que respondeu com uma gargalhada. — A única coisa que Carlos deseja, nesta altura, é vingança. — Para onde ele está me levando? Lorraine podia ver que haviam saído dos limites da cidade e agora dirigiam através dos subúrbios extremamente pobres, que pareciam estender-se por quilômetros. Pelo menos uma hora se passou antes que alcançassem a rodovia principal, recentemente asfaltada, e que parecia levar diretamente na direção da selva. Com certeza Jason tinha alguma idéia das intenções de Carlos, e Lorraine lhe perguntou. — Não sei dizer — Jason respondeu, como se isso não o preocupasse nem um pouco. — Eu... eu sei quem está com a Estrela. — É tarde demais, Lorraine — Jason prosseguiu, num tom entediado. — A hora de entrarmos num acordo já passou há muito tempo. — Seus olhos nublaram-se ao fitá-la. — Você entregou a minha Estrela. Ela era minha. — Jason, por favor... Carlos saiu da via principal e pegou uma estrada de terra. Uma nuvem de poeira os seguia. Não tinham percorrido nem cem metros quando ele pisou nos freios. A súbita parada fez com que Lorraine fosse atirada para frente, batendo o rosto no banco. Uma dor aguda explodiu em sua face e seu nariz começou a sangrar. Jason gritou com Carlos — obviamente algo acerca de suas habilidades como motorista — e Carlos gritou de volta. Lorraine não conseguia entender quase nada, embora não tivesse dificuldade para reconhecer a palavra bastardo. O sangue jorrava profusamente de seu nariz. Carlos saiu do carro e, abrindo a porta traseira, pegou-a pelo braço e puxou-a rudemente para fora. Incapaz de manter o equilíbrio, Lorraine tropeçou, caindo direto no chão. Isso pareceu deixar Carlos ainda mais irritado e, depois de pegá-la pela segunda vez, deu-lhe um tapa no rosto. A dor deixou-a zonza e, somente quando sentiu o gosto de sangue na boca, ela percebeu que seu lábio estava novamente ferido.
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Bestseller — Ei! —Jason gritou. Abaixou-se e ajudou-a a levantar. Lorraine pressionou a língua no canto da boca. — Por favor — pediu num sussurro, implorando com o olhar. Um nariz sangrando e um corte na boca eram pouca coisa, se comparados com o que eles estavam planejando para ela, pensou, cada vez mais certa do seu fim. — Vou ajudá-lo a conseguir a Estrela de volta — disse em seguida, tremendo de medo. Sua única esperança de sobrevivência era a boa vontade de Jason. Carlos empurrou Jason para o lado e tornou a atacá-la. A força de seu golpe derrubou-a novamente no chão. Mas que diabos!, Lorraine pensou. Não iria permitir que ele a usasse como um saco de pancadas! Dobrou os pés com uma destreza que nem imaginava possuir e correu para ele com um dos ombros abaixados, como os jogadores de futebol americano fazem no campo de ataque. Carlos não estava esperando uma reação dela, e foi apanhado de surpresa. Desequilibrando-se, Carlos caiu para trás. Arrastou-se na terra e conseguiu levantar-se, com os punhos cerrados. Lorraine aproveitou o momento de distração e chutou-o na virilha. Com força. Com toda força. Recostando no carro, Jason torcia-se de rir. — Você é mesmo uma peste, garota! Ela não perdeu tempo em retrucar. Nem enviou a Carlos, que dobrava-se de dor, mais do que um breve olhar de relance. Aquele era o momento perfeito para fugir. Se conseguisse chegar até a rodovia principal, talvez encontrasse um carro passando, alguém que pudesse ajudá-la. O fato de estar com as mãos amarradas era um empecilho, mas ela ainda podia correr. A risada de Jason ecoava atrás dela. Ele não parecia ter planos de segui-la e, ao menos por isso, ela ficou grata. Carlos gritou alguma coisa para Jason, e então Lorraine ouviu o estampido inconfundível de um tiro. Olhou por cima do ombro e emitiu um grito de horror e susto. Carlos havia atirado na cabeça de Jason. O sangue se espalhava na capota do carro, e ele desabara no chão, sentado, com os olhos arregalados e fixos na direção dela. A bala seguinte passou zunindo pelo ouvido de Lorraine.
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Bestseller Ela gritou, aterrorizada, e saiu da trilha de terra, correndo na direção da selva. Abrindo caminho através dos arbustos cerrados, foi seguindo cegamente, um passo de cada vez, sem parar, sem pensar, correndo para salvar a própria vida. Um único passo em falso, e tudo estaria acabado. Tinha de apressar-se. Tinha de encontrar um meio de pensar claramente, de enganar aquele maníaco e salvar-se. Sabia que se ele atirasse e a matasse enquanto estava correndo, não teria de enfrentar o estupro, não teria de suportar a sua sádica vingança. Galhos e folhas caíram de uma árvore próxima, quando uma segunda bala perdeu-a por pouco. A adrenalina vinha em fluxos através dela, e Lorraine continuou correndo mais depressa que julgava ser possível, lutando para manter o equilíbrio quando trombava contra os arbustos e saltava sobre as raízes expostas. Já conseguia avistar a rodovia asfaltada, mas isso não a ajudaria muito, agora. Tinha de manter-se escondida, tanto quanto fosse possível. Se Carlos quisesse usá-la para praticar tiro ao alvo, não iria encontrá-la correndo a céu aberto. No instante em que seus pés tocaram o asfalto liso e macio, Lorraine sentiu como se estivesse voando. Atravessou a rodovia e correu para a mata do outro lado, sem nem mesmo fazer uma pausa. Ouviu um carro aproximando-se atrás dela e rezou para que isto distraísse Carlos, impedindo-o de perceber o local por onde ela entrara na selva. No instante seguinte, Lorraine soube que cometera um erro. Não correra mais do que vinte metros quando viu o despenhadeiro. Ofegante, com o coração disparando, olhou para baixo, onde as rochas projetavam-se sobre o rio. Se caísse, ou se fosse empurrada, morreria com a queda. — Não! Não! — chorou, em desespero. Afastou-se da beirada e recomeçou a correr em linha paralela ao despenhadeiro, na direção da luz do sol, com a esperança de que, se a luminosidade a cegava, pudesse cegar Carlos também. Continuou correndo sempre em frente, ofegando, tropeçando, lutando contra o pânico. Seu olho esquerdo começou a inchar e ela mal conseguia enxergar. Talvez isso explicasse porque não viu Carlos até quando já era tarde demais. Ele estava parado, apontando a arma diretamente para ela, os ombros sacudindose pelo esforço de respirar. Lorraine parou abruptamente. Não conseguiu respirar até que inclinou o corpo para frente, os braços estendidos desajeitadamente em suas costas, aspirando
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Bestseller profundas golfadas de ar. O que mais a surpreendeu foi a calma que sentiu. Não havia qualquer emoção. Talvez Carlos já tivesse atirado, e ela nem mesmo percebera. Então, Carlos sorriu, aquele sorriso desprezível que ela já presenciara por vezes demais, e Lorraine deu-se conta de que estava bem viva. Porém, aquela expressão triunfante nos olhos dele lhe dizia que não seria por muito tempo.
Marjorie Ellis voltou para a cozinha e afundou numa cadeira. Estava falando sério, quando disse a Gary que pretendia entregar-lhe sua carta de demissão na segunda-feira de manhã. Não queria deixar seu emprego, principalmente agora que começava a estabelecer uma nova carreira, a fazer novos amigos e ganhar mais dinheiro. Tinha orgulho do sucesso que começava a obter no mundo dos negócios. No entanto, o que mais poderia fazer? Cobriu o rosto com as mãos, tentando analisar o por quê de tudo ter saído tão errado. A atração que sentia por Gary Franklin começara logo no início, admitiu a si mesma, quase no mesmo dia em que fora contratada. Depois da morte de Mark ela continuara trabalhando no banco mas, como relacionava-se bem com as pessoas, vários amigos seus sugeriram que tentasse o ramo de vendas. Marjorie levara um ano inteiro para criar coragem de desistir da segurança de seu emprego, dos horários determinados e do salário fixo. Passara por algumas entrevistas decepcionantes, até finalmente encontrar o emprego na Med-X. Sua adaptação fora imediata; na verdade, seu sucesso fora muito além do esperado. Todos mostravam-se gentis e disponíveis, oferecendo-lhe conselhos úteis e elogios constantes. Especialmente Gary Franklin. Sim, ela gostara dele imediatamente. Naquelas primeiras semanas ele comportara-se de maneira distante e até mesmo um tanto pomposa, mas Marjorie logo descobrira que isso era apenas uma fachada. Tivera algum trabalho para arrancar dele um primeiro sorriso, e quando isso aconteceu sentiu-se como se tivesse feito uma venda de meio milhão de dólares. Depois, os sorrisos passaram a surgir com uma facilidade cada vez maior. Apenas recentemente ela descobriu que ele estava noivo. Isso deixou-a chocada, e um tanto desencorajada, também. Gary nunca havia mencionado a
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Bestseller noiva, nem uma palavra. Supunha que ele era o tipo de homem que costumava deixar a vida pessoal fora do escritório. Então, ficou sabendo que a noiva dele estava de férias, viajando fora do país. No México, de acordo com os rumores do escritório. Mas isso não fazia sentido para Marjorie. A mulher que Gary escolhera para se casar estava fazendo uma longa viagem apenas alguns meses antes do casamento. Uma longa viagem sozinha. O seu erro, Marjorie reconhecia, fora ter convidado Gary para jantar e tê-lo apresentado a Brice. Os dois haviam simpatizado um com o outro no mesmo ins tante. E não era somente Brice quem estava encantado com Gary. Ela própria abrira seu coração, mesmo sabendo que não haveria a menor possibilidade de um relacionamento sério entre eles. Ainda assim, tinha sido impossível resistir. Quando mandara Gary ir embora ele parecera perdido e desamparado, sentimentos que Marjorie entendia muito bem. Ela havia amado seu marido, chorado por ele — e agora estava tão terrivelmente sozinha. E, desde que Gary também sentia-se sozinho, parecera-lhe um simples gesto de bondade convidá-lo para jantar. Uma forma de retribuir toda a ajuda que ele lhe prestara no trabalho. Mas, no fundo, ela sabia que o convite era mais do que uma cortesia, mais do que um gesto de amizade ou compaixão. Gary estava noivo, ela deveria ter evitado qualquer envolvimento social. No entanto, desejava a companhia dele, sua presença. Antes de fazer o convite, havia debatido consigo mesma se seria a coisa mais certa durante toda a manhã. Depois, mandou a cautela para os ares e decidiu deixar para ele o peso da recusa. Mas a rapidez com que ele aceitou fez com que suas preocupações se acalmassem. Se ele achava que não havia nada errado em jantar na casa dela, Marjorie também não precisava se preocupar. Não podia ter ficado mais surpresa, quando ele.a beijou naquela noite. E, com toda franqueza, não podia ter-se sentido mais feliz. Lembrou a si mesma que era errado sentir-se assim. E quanto a Brice? Não estaria expondo seu filho a outro sofrimento, também? Ele e Gary haviam conversado sobre beisebol no decorrer de todo o jantar, e desde então Brice falava sobre Gary o tempo todo. Era Gary isso, Gary aquilo. Não que Marjorie não tivesse gostado que Gary passasse uma hora jogando com seu filho. Era quase como se ele tivesse ido até lá para visitar Brice — e Marjorie não importava-se nem um pouco com isso. — Acho que você deve casar com ele — seu filho anunciara naquela noite, quando ela fora lhe dar um beijo de boa-noite.
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— Brice, eu mal o conheço. — Então o convide de novo. Como toda esta história de namoro e casamento era fácil, para um garotinho de nove anos. — Ele já está noivo. Brice arregalara os olhos. — Quer dizer que ele vai casar com outra moça? — É o que parece. — Você precisa fazer alguma coisa, mamãe! — Alguma sugestão? — ela indagara, em tom de brincadeira.
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Brice franzira a testa, pensativo. — Faça outro jantar para ele. Gary gostou da lasanha, de verdade. Mesmo agora, Marjorie não conseguiu evitar um sorriso, ao lembrar-se do comentário. Soava como os conselhos antiquados que sua avó costumava lhe dar. — Mamãe! Mamãe! — Brice irrompeu para dentro da casa, voltando do treino de beisebol. — Onde você está? Marjorie olhou no relógio, surpresa ao ver que o treino já terminara. Mas, não, eram onze e meia, bem mais tarde do que ela pensava. — Estou aqui! — chamou. — Você nem vai adivinhar! — Provavelmente não — ela concordou, obrigando-se a sorrir. — Eu vi Gary lá fora. — Gary Franklin? — Ele estava sentado no carro e parecia bem infeliz, por acaso vocês brigaram? Marjorie não sabia como responder. — Humm... Mais ou menos. — Eu perguntei a ele se não queria entrar, mas ele disse que não podia. Pensei que pudesse jogar um pouco comigo, mas ele disse que tinha de voltar para casa. Então, você sabe o que ele fez? Será que pode adivi nhar? — Os olhinhos do menino reluziam de excitação.
Debbie Macomber
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Bestseller — Ele me deu o cartão com o autógrafo de Ken Griffey Jr.! Deu para mim, mamãe, de presente! — Brice estendia o cartão como se estivesse segurando o mapa de um tesouro escondido. — Esta é a coisa mais "legal" que já me aconteceu, em toda minha vida! — Ele lhe deu o cartão? — Marjorie queria ter certeza de que não entendera errado. — Sim, de graça — Brice assegurou-lhe. — E ele... disse por quê? — Não, apenas que queria que eu ficasse com ele. — Brice ficou quieto por um instante, antes de acrescentar: — Eu ainda acho que você deveria casar com ele, mãe. Eu amava muito o papai, sinto falta dele e tudo, mas acho que também gosto de Gary. Marjorie sentia o mesmo. — Então, você vai casar com ele? — Brice insistiu, olhando-a. Felizmente o telefone tocou antes que Marjorie tivesse a chance de responder. Brice disparou para a sala como se atender o telefone antes que tocasse pela segunda vez fosse uma questão de honra. Ouviu por um momento e falou: — É para você, mamãe. — Entregou o telefone sem fio para Marjorie. — Alô? — ela disse, desejando ter pedido a Brice que pegasse o recado para que ela retornasse a ligação mais tarde. Não estava com disposição para conversas com alguma de suas amigas do banco ou, pior ainda, para atender algum vendedor. Seu "alô" desinteressado deparou-se com um instante de silêncio. Começava a achar que não havia ninguém do outro lado da linha, quando ouviu: — Aqui é Gary. Foi a sua vez de ficar em silêncio. — Escute — ele disse. Marjorie ouvia o barulho de tráfego e achou que ele devia estar ligando do carro. — Eu não quero que você saia da empresa. Se você se recusar a trabalhar comigo, vou entender. Você poderá reportar para um outro supervisor, por isso vou... — Não é isso — ela interrompeu.
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Bestseller — Vou requisitar sua transferência na segunda-feira. Você não será obrigada a ver-me novamente. Marjorie foi imediatamente invadida por uma sensação de perda. Ela queria continuar vendo Gary, considerá-lo seu aliado e seu amigo. A intensa atração que sentia por ele não tinha nada a ver com isso. A idéia de continuar trabalhando na empresa e ver-se impossibilitada de recorrer a ele quando tivesse seus problemas com o computador deixou-a devastada. Ninguém mais era tão paciente, tão compreensivo. E não era apenas isso. Marjorie estava trabalhando na área pela qual ele era o responsável antes de ser promovido. Descobrira que os conselhos dele eram valiosos quando tinha de lidar com os clientes mais antigos. Devia a ele metade de seu sucesso. — Não faça isso, Gary — disse, baixinho. Sendo uma criança perceptiva, Brice saiu da sala. — Será que podemos conversar? — Gary perguntou. — Eu... acho que não. Na opinião dela, isso não lhes faria bem algum. Queria apenas que ele a beijasse de novo e não sabia se conseguiria disfarçar seus sentimentos se tornasse a vê-lo, especialmente fora do ambiente de trabalho. — Eu sou um idiota — Gary falou. — Nem sei lhe dizer o quanto lamento tudo isso. — Não é você, sou eu. — Não deveria ter beijado você. Marjorie fechou os olhos. — Eu queria aquele beijo. — Sonhara com isso durante semanas. — É mesmo? — Acho que não é uma boa idéia conversarmos, exceto no trabalho — ela viuse compelida a dizer. — Será melhor para nós dois se cortarmos tudo isso pela raiz e não tornarmos a nos ver. Vou redigir a carta de demissão no fim de semana. — Está falando sério, sobre sair da Med-X? — Estou, sim. — Mesmo se eu requisitar uma transferência? — Sim. A tentação de ficar era forte, mas Marjorie não podia permitir que ele transtornasse sua vida por causa dela. Gary estava na empresa há muito mais
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Bestseller tempo do que ela, e sua demissão seria uma alternativa bem mais justa. Por um breve instante considerou a possibilidade de pedir uma transferência, mas sabia que ainda o veria durante as reuniões de vendas, ou em outros eventos da empresa. De qualquer forma, não poderia tirar Brice da escola e afastá-lo dos amigos e da vizinhança conhecida, caso fosse transferida para outro lugar. — Sendo assim, creio que não há nada que eu possa fazer, não é? Se você pensar em alguma coisa, eu farei. Farei qualquer coisa, Marjorie. — Ah, Gary... — Ela estava quase chorando. — Há alguma coisa que eu possa fazer? — ele insistiu. — Não — Marjorie murmurou. E desligou o telefone.
Jack já testemunhara o terror em sua vida, o vira estampado nos rostos de outros, e até fora a causa dele algumas vezes. No entanto, nada em seu passado o preparara para o que sentiu ao ver Lorraine correndo através da auto-estrada com as mãos amarradas nas costas. Assim que descobrira que Jason Applebee enganara Thomas, levando-o a lhe passar as informações sobre Lorraine, Jack tentara alcançá-la no hotel. Quando não houve resposta no quarto dela, correu de volta para a rua. Por pura sorte, avistou-a de relance no banco traseiro de um carro preto. Havia dois homens na frente. E, embora visse o motorista apenas rapidamente, soube que era Carlos. O outro só podia ser Jason. Num instante de loucura, Jack parou um veículo que passava e pagou ao dono uma quantia absurda de dinheiro, para que pudesse usá-lo. Ainda assim, estava longe demais de Carlos e Jason para captar mais do que um breve relance do carro, enquanto este disparava pelas ruas e pelos subúrbios pobres que margeavam a cidade. Num certo ponto, durante o trajeto, perdeu o carro de vista e ficou dando voltas freneticamente, procurando sem o menor sucesso. Então, tomou a estrada para a selva e foi então que deparou-se com Lorraine. Carlos estava bem atrás. Jack viu-o correr por entre as árvores, num ângulo diferente. Pisou no pedal do freio com toda força e pulou para fora do carro, passando a correr atrás de Carlos. Estava desarmado, não tinha nem mesmo uma faca. Mas sua intuição lhe dizia que qualquer hesitação significaria a morte de Lorraine. E se a ausência de armas significasse que teria de morrer para defendê-la, então que assim fosse.
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Bestseller A selva era terrivelmente densa e fechada, e Carlos desaparecera em meio à folhagem. Logo Jack descobriu o que Lorraine devia ter encontrado: poucos metros além da vegetação cerrada, avistou a beirada de um despenhadeiro. O rio serpenteava por entre as rochas pontiagudas, lá em baixo. Jack nunca gostara muito de altura e, cautelosamente, deu alguns passos para trás. O grito de Lorraine impulsionou-o à ação, e ele seguiu abrindo caminho na direção dela. Carlos a derrubara no chão. Apesar de toda luta que ela empreendera, ele conseguira rasgar-lhe a blusa e a espancara até que ela quase perdesse os sentidos. O rosto dela estava ensangüentado, os olhos inchados e cerrados, e mesmo assim ela ainda se debatia, ainda lutava contra ele. Jack nunca a amou tanto, nem admirou tanto sua coragem como naquele momento. Com um grito que irrompeu de suas profundezas através da sua garganta, atirou-se sobre Carlos. Girando o corpo no instante em que ajoelhava-se sobre Lorraine, Carlos apontou a arma direto para Jack. Atônito, Jack viu quando Lorraine ergueu a cabeça do chão e bateu-a contra o braço de Carlos. A arma voou de sua mão, na direção das árvores. Aquilo era tudo o que Jack precisava. Atacou o outro homem, puxando-o para longe de Lorraine, mas a força do ataque deixou-o ofegante. O ferimento em seu ombro ainda não estava completamente curado, e sua força e vigor não estavam em seu nível normal. Mas o que faltava a Jack em força bruta era compensado pela sua habilidade e inteligência, e ele passou a dar socos repetidos no braço ferido do bandido. Carlos gemeu de dor e retribuiu o favor, detonando o punho maciço sobre o ombro enfaixado de Jack. Uma dor aguda percorreu-lhe o braço, e ele caiu de joelhos em agonia. Por um instante, tudo ficou escuro enquanto ele lidava com a dor lancinante. — Seu desgraçado! — Lorraine gritou, ao ouvir o gemido atormentado de Jack. Com um grito desesperado, atirou-se por cima de Carlos, fazendo-o perder o equilíbrio. Carlos vacilou, mas recuperando-se rapidamente fez um giro e jogou-a contra uma árvore. Lorraine desabou no chão, inconsciente. Porém o seu ato — e sua coragem — deram a Jack o tempo que precisava para que as estrelas se dissolvessem de seus olhos.
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Bestseller Assim que conseguiu levantar-se, atirou-se novamente contra Carlos, com toda violência. Carlos não esperava pelo ataque, mas protegeu-se com um soco, derrubando Jack no chão. Ele tinha mais força física, mas Jack estava lutando pela vida de Lorraine, e pela sua própria. Mais uma vez Jack ergueu-se e, separados como dois animais selvagens, ficaram andando em círculos, observando-se. Jack fitava seu oponente, avisandoo de que aquela luta iria até o fim. Um dos dois teria de morrer. Não haveria desistência. Enfraquecido como estava, Jack sabia que.Carlos levava vantagem. Não sabia por quanto tempo ainda agüentaria mas, se perdesse, o desgraçado mataria Lorraine. Carlos foi o primeiro a adiantar-se e, recomeçando a luta corpo a corpo, os dois aproximaram-se perigosamente da beirada do precipício. Jack podia ouvir o murmúrio da água abaixo. Um único movimento em falso, e cairia para a morte certa. Com o canto dos olhos, viu que Lorraine recobrara a consciência e arrastavase desesperadamente pelo chão, vasculhando sob os arbustos à procura do revólver. De costas para o penhasco, Jack não tinha como saber o quanto estava perto da beirada. E foi então que soube o que teria de fazer. Não havia outra maneira de salvar Lorraine. Nenhuma outra forma de deter Carlos. Já sentia as forças abandonando-o. Carlos resistia, levado pela violência, pelo ódio... Jack agiu rapidamente — impulsionado pela necessidade e pela determinação. Pelo amor. Segurando Carlos pelos braços, utilizou sua derradeira reserva de forças e empurrou a ambos na direção do penhasco. Carlos puxou os braços, num esforço desesperado de salvar-se, mas era tarde demais. Os dois homens vacilaram ali por um instante, e depois desapareceram no vácuo. A última coisa que Jack ouviu, enquanto tombava pela beirada rochosa, foi o grito horrorizado de Lorraine.
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CAPITULO XVI
O Departamento de Resgate mexicano trabalhou incansavelmente nas horas que se seguiram. Vários especialistas em emergências haviam descido pelas laterais do desfíladeiro e, agora, examinavam os corpos. Ninguém conseguiria sobreviver a uma queda como aquela, e Lorraine teve certeza disto no instante em que viu os dois homens caídos na pequena faixa de areia lá em baixo. Carlos batera contra as pedras e seu corpo jazia ali, contorcido e desfigurado. Jack — e o coração dela parava de bater cada vez que olhava pela beirada — caíra no leito do rio, com o rosto virado para cima. Lorraine ajoelhou-se no chão, sem suportar a dor intensa demais. Depois que vira Jack e Carlos caindo pelo desfíladeiro, ela correra para o meio da rodovia, quase sendo atropelada por um carro em alta velocidade. Felizmente, o jovem casal que ocupava o veículo entendia a sua língua o suficiente para compreender que um acidente terrível acontecera. E foram eles quem contataram as autoridades. — Senhorita, precisamos que responda algumas perguntas. O policial, usando um crachá que informava que seu nome era De Oro, inclinou-se ao lado dela. Sua voz era gentil, preocupada. Lorraine não pretendia ignorá-lo, mas mal entendia o que ele estava dizendo. — Pode falar agora? Por favor? — ele continuou. — Temos muitas perguntas. — Preciso saber se ele está vivo. Eu o amo. A voz de Lorraine transformou-se num soluço, e ela recusava-se a se afastar da beirada do desfiladeiro, recusava-se a parar de olhar para baixo, para onde Jack estava. Sem qualquer lógica, acreditava que seu amor poderia ajudá-lo, se ele conseguisse sobreviver. — Ninguém sobreviveria depois de uma queda assim. Ela sabia disso, sem que o policial precisasse lhe dizer, e limitou-se a balançar a cabeça. As palavras de De Oro traduziam o seu maior terror. — O que aconteceu? Lorraine não sabia por onde começar. — Quero ver o meu pai — sussurrou, trêmula, e deu ao policial o nome de Thomas. — Preciso falar com meu pai. Poderia ligar para ele, por favor?
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Bestseller — Sim, cuidaremos disso depois — disse o policial. — Agora precisamos saber quem é o homem que está morto no outro lado da rodovia — insistiu, com urgência. — Você pode nos responder isso, pelo menos? — É Jason Applebee. — Americano? Ela assentiu. — Foi ele quem roubou a Estrela de Kukulcan. Tal resposta provocou uma reação imediata. O oficial De Oro levantou-se num salto e chamou outro policial. Conversaram em tons apressados, antes que o segundo homem corresse para o rádio no carro de patrulha. — Ele não está mais com a Estrela — Lorraine informou, num fio de voz. — E com quem ela está? — No departamento de Antigüidades do governo. — Como sabe disso? — ele perguntou. — Porque eu a entreguei a eles esta manhã. — Havia sido apenas naquela manhã? — Você tem o nome da pessoa a quem entregou? — Dr. Marcus Molino. O policial afastou-se e foi novamente falar com seu companheiro. Lorraine reparou que a atividade lá em baixo havia aumentado, e que agora um dos integrantes da equipe de resgate, que mantinha contato por rádio com o pessoal de baixo, corria para falar com os policiais. Lorraine queria desesperadamente entender o que estava acontecendo. — Diga-me — pediu, virando-se para o oficial De Oro quando ele voltou apressadamente para o lado dela. — O que aquele homem está falando? — O homem que caiu nas pedras está morto. Carlos estava morto, mas Lorraine não sentiu nenhuma exultação por isso. Nem mesmo sentiu-se aliviada. Ao contrário, foi invadida por uma imensa tristeza — porque pressentiu que a próxima notícia que teria seria sobre a morte de Jack. Ele morrera por sua causa. Dera a própria vida para salvá-la. Ele a amava. Nenhum deles havia confessado seus sentimentos, nem tivera a coragem de pronunciar as palavras. Mas Jack a amara, e ela também o amava, mais do que jamais pensara ser capaz de amar.
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Bestseller O que iria fazer agora? Como viveria o resto de sua vida sem ele? Naquele momento, isso parecia algo impossível. O homem com o rádio tornou a falar com o policial. Uma intensa atividade seguiu-se a isto, com cordas e maças sendo providenciadas e instruções sendo gritadas. — O que está acontecendo? — ela perguntou, com uma chama de esperança acendendo-se em seu coração. Fez um esforço para se levantar. — Diga-me, por favor! — pediu, agarrando-se ao braço do policial. — O segundo homem está vivo. Ela quase desmaiou de alívio. — Mas está muito mal. — Então precisamos levá-lo ao hospital! O mais rápido possível! Depressa, por favor, vamos depressa! Jack estava vivo. Havia uma chance. Aquela súbita e inesperada promessa brotou de dentro dela. E teve de conter-se para não abraçar o homem que lhe dera tal notícia. A ambulância já estava a postos. O pessoal da equipe de resgate tentara arrastá-la para longe da beira do desfiladeiro, para que seus ferimentos fossem medicados, mas Lorraine recusara-se a sair do lugar. Ficaria até ouvir a palavra final sobre Jack. — Ele está vivo! — Lorraine começou a chorar abertamente. — Está vivo! — Senhorita, não quer ver o médico, agora? — Não, vou esperar que ele seja trazido para cima. — Mas, senhorita... — Vou responder todas as suas perguntas, mais tarde — ela assegurou-lhe. Manteve os olhos fixos em Jack, que estava sendo erguido pela encosta do desfiladeiro por cerca de meia dúzia de homens, em conjunto com outro tanto que ficara lá em baixo. Lorraine estava espantada com a maneira como um resgate tão difícil fora realizado, e teve o cuidado de ficar fora do caminho de todos que ali trabalhavam. A tarefa parecia ter exigido horas de esforços coordenados mas, na verdade, tudo durou apenas quarenta minutos. Assim que os homens que carregavam Jack alcançaram o topo, ele foi levado às pressas para a ambulância. Os integrantes da equipe de resgate, com o rosto vermelho pelo esforço, afastaram-se do veículo.
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Bestseller Antes que alguém tivesse a chance de protestar, Lorraine entrou na ambulância junto com o médico. Uma vez lá dentro, ela olhou para Jack. Como enfermeira bem treinada, havia trabalhado com vítimas de acidentes, mas aquele foi o pior que já presenciara. Ficou abalada com a extensão dos ferimentos. Era um milagre que ele ainda estivesse vivo. Sentiu a pulsação no pescoço dele, que estava fraco demais para ser captado. Os ferimentos internos deviam ser intensos, e era óbvio que quebrara vários ossos. Provavelmente sofrerá um ferimento na espinha. O pessoal da equipe médica trabalhava freneticamente, inserindo o soro na veia de Jack e combatendo os efeitos do choque. Lorraine limitava-se a observar, segurando a mão inerte de Jack. Observava e rezava. O gemido da sirene começou quando a ambulância entrou na rodovia.
Os dois dias seguintes passaram sem que Lorraine sequer percebesse, sua mente envolta numa névoa. Jack fora levado quase imediatamente para a sala de cirurgia. Os ferimentos provaram ser tão graves e extensos quanto ela imaginara, com grandes possibilidades de complicações e problemas. Ela recusava-se a sair de perto dele, até mesmo quando seu pai apareceu. Lorraine pôde perceber o quanto seu pai ficou abalado ao vê-la, assim que ele entrou no quarto do hospital. Ela estava com os dois olhos inchados e escuros pelos hematomas, com o nariz quebrado, e o corte em sua nuca precisara de quinze pontos. Mas era engraçado como não sentia nada, nem um minuto de dor, desde o momento em que Jack caíra no desfiladeiro. Cada grama de energia que possuía, ela passava para Jack. Toda sua força, sua vontade, tudo o que tinha para dar. Ele precisava manter-se vivo. — Raine? — Thomas parou ao lado da cama onde Jack permanecia inconsciente, ligado a vários monitores. Lorraine atirou-se nos braços dele, precisando desesperadamente de seu apoio. — Eu o amo tanto... Agora, ela entendia que nunca antes amara alguém de verdade. O que sentia por Gary era mais amizade do que paixão. Eles eram amigos, companheiros, gostavam um do outro, mas isso não era amor. De várias formas, Gary fora mais uma escolha de sua mãe do que dela própria. — Pode me contar o que aconteceu? — Thomas perguntou, num tom carinhoso.
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— Agora não. As pessoas presumiam que ela estivesse fragilizada, que seu raciocínio tivesse sido comprometido pelo choque por que passara. Talvez estivessem certas, Lorraine pensou. Ela já não conseguia avaliar muito bem os acontecimentos. Mas nada disso importava. O importante, agora, era ficar com Jack. Não podia pensar em mais nada, em mais ninguém. — Raine — seu pai pediu, — vá para o hotel. Você precisa dormir um pouco. — Não. — Ela balançou a cabeça. — Eu nunca disse a ele que o amava — falou, desviando os olhos de Jack por um instante para encontrar brevemente os de seu pai. — Não vou deixá-lo. — Ele ama você, também? — Thomas perguntou, com voz suave e hesitante. — Ah, sim — ela sussurrou, sabendo que jamais conseguiria exprimir em palavras o relacionamento especial que tinham compartilhado. Lorraine nunca duvidara, nem questionara o amor de Jack, da mesma forma que ele jamais duvidara do seu amor. Era algo que nenhum deles poderia ou iria dizer. Para Jack, o amor era uma emoção que ele não podia se dar ao luxo de expressar para uma mulher que julgava ser casada. E, quanto a ela, havia apostado na sorte, certa de que haveria tempo suficiente de lhe contar a verdade. Se ele morresse agora, ambos teriam perdido. Thomas sentou ao seu lado. Depois da primeira enxurrada de perguntas preocupadas não perguntou mais nada, e Lorraine ficou grata por isso. Era como se ele compreendesse que ela ficaria ali até o final, qualquer que fosse. O hospital estava em silêncio. A noite envolveu-a enquanto ficava ao lado de Jack, sozinha, agora. Tomou-lhe a mão entre as suas e beijou-a. — Assim que você sair daqui, nós vamos... Mas não teve chance de terminar a frase. O monitor cardíaco começou a soar, um alarme agudo que penetrou na noite e fez com que médicos e enfermeiras surgissem correndo. Um olhar de relance no mostrador eletrônico mostrava uma longa linha reta. Parada cardíaca.
Gary Franklin decidira recusar a carta de demissão de Marjorie. Não era uma decisão pessoal, convenceu-se, mas sim no interesse da empresa. Depois de meses de treinamento, a Med-X havia investido dinheiro em Marjorie Ellis e a saída dela seria em detrimento de toda a organização.
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Bestseller Exatamente como suspeitara, Gary encontrou a carta em sua mesa na segunda feira de manhã. Já sabendo o que pretendia fazer, pegou-a e encaminhou-se rapidamente para o escritório dela. Marjorie olhou para cima quando ele entrou e fechou a porta. Havia um lampejo de surpresa em seus olhos. — Não posso aceitar isso — ele anunciou. — Não pode ou não quer? — ela desafiou-o. — Os dois. — Gary fez o discurso que planejara, explicando que a empresa perderia uma soma substancial de dinheiro se ela resolvesse sair. — Então eu mesma dou o treinamento para meu substituto, antes de ir embora — Marjorie ofereceu. Ele hesitou. — Você não pode obrigar-me a continuar trabalhando aqui. Gary admitiu que ela tinha razão. — Não, mas eu consideraria como um favor pessoal o fato de você não sair da empresa assim de repente. Além disso, você tem trabalhado tão bem que seria uma pena perdê-la. Marjorie recostou na cadeira. Gary reparou que ela já guardara metade de suas coisas numa caixa de papelão. — Espero que você reconsidere. Ela não se atrevia a fitá-lo. — Eu não posso... — Se é isso mesmo que quer, tudo bem, mas... Gary não conseguia encontrar uma maneira diplomática de dizer o quanto era importante para ele que ela permanecesse na empresa. Ora, para o inferno com a empresa, pensou. Queria que ela continuasse no trabalho por motivos puramente egoístas. — Por que deixar o emprego é tão importante para você? — perguntou. No início, imaginara que fosse devido aos seus... avanços, se este fosse realmente o termo correto. Mas havia analisado cada uma das vezes em que tinham se beijado, e também as coisas que ela lhe dissera, e acabou concluindo que Marjorie queria que ele a beijasse. Ela gostara dos beijos, tanto quanto ele.
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Bestseller — Por quê? — Ela ergueu a cabeça, encarando-o. — Você está noivo, comprometido com outra mulher. Não estou disposta a ser o seu "último caso", aliás não estou interessada em ter apenas um caso, Gary. — Um caso? — Ele quase engasgou com as palavras. Nem por uma vez imaginara que ela pensasse que estava sugerindo tal coisa. — Bem, e o que mais eu poderia pensar? — Marjorie indagou, na defensiva. — Era exatamente isso que acabaria acontecendo. Gary não podia negar a intensa eletricidade que existia entre eles, nem a verdade do que ela dissera. Estavam realmente encaminhando-se na direção da cama. — Tem razão — disse, mal percebendo que falara em voz alta. — Eu não faria nada para magoar a mulher que está prestes a tornar-se sua esposa. — Lorraine — ele informou. — Além disso, eu jamais concordaria em ter algo ilícito com você. Como estes encontros rápidos na hora do almoço, que a gente vê por aí... Aquilo foi como uma bofetada no rosto de Gary. — Eu não faria... — Calou-se, embaraçado demais para prosseguir. — Faria, sim. Nós dois faríamos. — Tudo bem — ele disse, pensando rápido. — Mas agora que estamos cientes das armadilhas, teremos mais cuidado. Antes de você abandonar um bom emprego, sugiro que dê uns dois dias de prazo, pense bem se é isso mesmo que deseja fazer. Marjorie parecia estar considerando a idéia. — É fácil nos deixarmos levar pelas emoções — Gary acrescentou —, mas você é muito importante para esta empresa. — E para mim também, pensou. Franzindo a testa, Marjorie mordeu o lábio. — Está bem, darei um prazo de uma semana. — Ótimo. Um peso fora retirado dos ombros de Gary. Deixou a carta de demissão na mesa dela e voltou para seu escritório.
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Bestseller Inúmeros problemas de trabalho exigiam sua atenção, mas ele afastou-os, com a mente num turbilhão. Tudo o que Marjorie dissera era verdade. Ele estava noivo de Lorraine. A idéia de beijar outra mulher não deveria sequer passar por sua cabeça. Mas ele havia beijado Marjorie, e gostara muito. Certo, sentia falta de Lorraine. Bem mais, no início, porém ela estava fora havia tanto tempo que ele já não sabia mais o que pensar. Nem mesmo o pai dela pudera lhe dar uma resposta definitiva, sobre quando ela estaria de volta. De uma coisa Gary tinha certeza: não poderia casar com Lorraine. Não agora. Parecia uma decisão simples, mas ele não entendia por que demorara tanto tempo para chegar a tal conclusão. Se realmente amasse Lorraine, não estaria tão atraído por Marjorie. Levantou-se da cadeira e marchou pelo corredor na direção da sala de Marjorie. Quando viu que ela estava falando no telefone, sentiu um profundo desapontamento. Assim que pudesse, falaria com ela sobre sua decisão. Pouco depois disso, teve um almoço de negócios com um distribuidor importante, depois passou a tarde redigindo um relatório para a diretoria da empresa. Marjorie saíra para fazer algumas visitas e, antes mesmo que Gary percebesse, o dia de trabalho terminara. Somente quando já estava em seu carro pensou em passar pela casa dela. Provavelmente não deveria, mas a idéia de vê-la outra vez era uma tentação grande demais para se resistir. Brice apareceu correndo no instante em que Gary parou o carro na frente da casa. — Tudo bem, garoto? — Gary perguntou, puxando a aba do boné do menino sobre a testa, num gesto de brincadeira. — Tudo bem! Você veio visitar minha mãe? — Sim, ela está em casa? — Está, sim. Temendo que Marjorie não gostasse muito de vê-lo entrando sem ser anunciado, Gary pediu a Brice: — Você não quer dizer a ela que estou aqui? — É claro. Ela vai ficar contente.
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Bestseller O garoto subiu a escada da varanda em disparada e desapareceu pela porta. Meio minuto depois, Marjorie saiu. Pela maneira como ela hesitou ao vê-lo, Gary adivinhou que estava se sentindo surpresa e incerta. — Olá, Gary. — Marjorie. Ela permaneceu na escada da varanda, com os braços cruzados protetoramente. — Não vou tomar muito de seu tempo — ele disse, mantendo-se a uma distância segura. — Cheguei a uma decisão, hoje, e queria que você soubesse. Afinal, relaciona-se diretamente com você. — Comigo? Que tipo de decisão? — Como você salientou, eu estou noivo. Mas descobri uma coisa: não quero mais estar. Lorraine e eu... bem, eu não sei. Ela é uma ótima pessoa, é maravilhosa. Nós namoramos durante algum tempo e eu acabei decidindo que estava na hora de nos casarmos. Ela sentia-se da mesma forma. E foi assim que aconteceu. Mas agora estou rompendo este noivado. — Ela já voltou do México, ou de onde quer que tenha ido? — Não. — Gary também pensara nisso. Se Lorraine estivesse em Louisville, falaria com ela naquele mesmo dia. — Então ela ainda não sabe da sua decisão — Marjorie pressionou. — Ainda não, mas não creio que ficará muito desapontada. — Como pode dizer isso? — Marjorie perguntou, num tom tão ultrajado que Gary deu um passo para trás, surpreso. — Não havia paixão entre nós, Marjorie. Nenhuma... fagulha. Gary só dera-se conta disto depois que beijara Marjorie. Entre eles, havia "fagulhas" suficientes para causar um incêndio de grandes proporções. — Fagulha — Marjorie repetiu, franzindo a testa. — Não sou um homem volúvel, Marjorie. Quero que saiba disso. Ela não revelava nenhuma emoção. — Está rompendo este noivado por minha causa? Gary não soube o que responder. A melhor política era dizer a verdade, portanto fitou-a direto nos olhos, sem querer negar a intensidade dos seus sentimentos por ela.
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Bestseller — Sim, Marjorie. Esperei minha vida inteira por você, e recuso-me a perder você, agora. — Ah, Gary... — Ela começou a chorar. — Convide Gary para jantar, mamãe — Brice falou, surgindo na porta. — Obrigado, mas preciso ir embora. — Gary virou-se na direção do carro. — Gary. Ele fez um giro. Marjorie estava enxugando os olhos com a manga da blusa. — Você gostaria de ficar para o jantar? Muito mais do que ela poderia imaginar. — Você quer que eu fique? Ela assentiu, e estendeu-lhe a mão. Gary não precisou de um segundo convite. Jack não sabia onde diabos ele estava. Abriu os olhos e uma luz forte o cegou. Imaginou se estaria morto, mas concluiu que sentia dores demais para estar morto. A dor era um bom sinal, pois significava que ainda estava vivo. Havia uma enfermeira sentada ao lado da cama, juntamente com um médico idoso. — Doutor? — Jack falou em espanhol. O homem virou-se para ele e sorriu ao ver que Jack estava consciente. — Então decidiu voltar ao mundo dos vivos, não é? — Há quanto tempo estou aqui? — Uma semana. A última coisa de que Jack se lembrava era de ter pensado que iria morrer e que levaria Carlos consigo. — Como se sente, sr. Keller? — Como se tivesse despencado de um penhasco. O médico sorriu. — Como está o outro sujeito? — Esperava sinceramente que Carlos tivesse morrido. — Jason Applebee? — Sim, ele também. — Infelizmente, tanto o sr. Applebee como o sr. Caracol foram declarados mortos no local.
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Bestseller — Carlos Caracol? — Jack perguntou, desejando uma confirmação, pois não correria nenhum risco. A morte de Jason também era novidade para ele, mas não houvera exatamente tempo para fazer perguntas a Lorraine. — O senhor e sua esposa foram os únicos sobreviventes. Jack não corrigiu a suposição do médico, mas virou a cabeça para o lado, sem querer pensar em Lorraine. — Sua esposa esteve ao seu lado desde o instante em que o senhor foi trazido ao hospital — a enfermeira falou. — Não quis sair daqui nem por um minuto. — Como ela está? — A memória de Jack estava nublada, mas sabia que Lorraine fora espancada por Carlos. — Onde ela está? — Ela foi almoçar com o pai — o médico respondeu. — Um tanto contrariada, devo acrescentar. E quanto aos ferimentos, está bem melhor. Ou ficará, assim que souber que o senhor recobrou a consciência. Jack fechou os olhos. — Há poucos dias o senhor nos deu um susto e tanto. — É mesmo? — Jack abriu os olhos novamente. — Sofreu uma parada cardíaca dois dias atrás. E manteve uma luta acirrada contra a morte, desde então. O senhor tem muita vontade de viver, sr. Keller. — É a esposa dele — a enfermeira intercedeu. — Ela disse que não permitiria que o senhor morresse. Ele sorriu. Sim, aquilo realmente era próprio de Lorraine. — Há dias ela tem ficado aqui ao seu lado, falando sobre o futuro que terão juntos. Disse que quer ter um filho seu. O sorriso de Jack desvaneceu-se. Ao que parecia, Lorraine decidira pedir o divórcio. E faria isso, arruinaria a vida por causa dele. Jack até podia visualizar como seria: ela voltaria para Louisville e destruiria duas vidas. Não podia permitir que ela jogasse fora seu casamento por ele. — Doutor — disse, por entre os dentes cerrados. Mal tinha forças para falar. Agarrou a manga da camisa do médico, num esforço para comunicar sua urgência. — Quer tomar alguma coisa para a dor? — Não. — Vou chamar sua esposa — a enfermeira falou.
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— Não! — Acalme-se, sr. Keller. Seja lá o que estiver errado, nós daremos um jeito. Jack duvidava disso. — Aquela mulher não é minha esposa. Os dois fitaram-no com atônita incredulidade. — Ela está usando uma aliança — disse a enfermeira, como se tentasse anular tal afirmação. — Ela o ama, sr. Keller — o médico retrucou, franzindo a testa. — Recusou-se a sair do seu lado durante todo este tempo. A única maneira que conseguimos tirála daqui agora foi por que seu... — A aliança foi dada a ela por outro homem. A enfermeira e o médico continuavam encarando-o. — Se vocês saírem daqui e disserem a Lorraine que estou vivo, serei o responsável pelo fim de um casamento, por destruir uma família. — Segurou o braço do médico com mais força. — Entende o que estou dizendo? O olhar do médico conectou-se com o dele. — Eu a amo também — Jack sussurrou. Sentia a escuridão envolvê-lo novamente. — O que quer que eu faça? — Diga a ela que morri. — Não, sr. Keller, isso é impossível. — Diga-lhe que morri ou... ou do contrário a vida dela será arruinada. —Jack tinha dificuldade em falar. As palavras pareciam tropeçar em sua língua. — O senhor a ama tanto assim? — Amo, sim, muito. — Sr, Keller... — Por favor, faça o que estou pedindo. — Ele não era um homem que costumava implorar, mas agora estava reduzido a isso. — Ela tem um marido. Um bom homem, que a ama... que nem sabe que eu existo. O médico demorou um longo tempo pensando até que, como se achasse extremamente difícil, concordou com um assentir de cabeça.
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Bestseller — Obrigado — Jack murmurou. Podia descansar, agora. Podia fechar os olhos e mergulhar novamente no abençoado esquecimento. Ouviu o barulho suave de passos, quando o médico saiu do quarto. Jack perdeu a noção do tempo. Cinco minutos poderiam ter-se passado, talvez dez, ele não sabia. Só soube que, algum tempo depois, ouviu o grito lancinante de Lorraine: — Não, não! Por favor, não! Aquilo despedaçou seu coração. O som dos soluços que se seguiram, lamentosos, desesperados, repletos de uma agonia que emocionava a quem os ouvia. Jack fechou os olhos e desejou que pudesse parar de ouvir, também. Dali em diante, estava morto para Lorraine, e ela estava morta para ele.
CAPÍTULO XVII
Seis meses se passaram antes que Lorraine fosse capaz de dormir uma noite inteira. Cada vez que acordava, uma intensa tristeza a invadia, muito pior do que experimentara na ocasião da morte inesperada de sua mãe. Freqüentemente ficava na cama, grata pela escuridão, pelo silêncio, e guardava as lembranças de Jack em seu coração. Finalmente entendia a afirmação do poeta que dizia que era melhor ter amado e perdido do que nunca ter amado. No passado, ela zombara de tais palavras, considerando-as uma tolice romântica. Mas, agora, ela as compreendia. Mesmo pensando que teria evitado toda aquela dor se jamais tivesse conhecido Jack, sabia que seria capaz de fazer tudo novamente. Aquelas semanas que passara com ele foram as mais preciosas de sua vida e ela guardaria consigo as lembranças de cada momento como se fossem um tesouro. Porém, apesar de toda a dor, que era a mais aguda e lancinante que já sentira, Lorraine era grata pelo amor que tivera. — Você mudou — Gary lhe disse quando se encontraram para almoçar, no início do mês de novembro.
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Bestseller Ela só podia concordar com isso. — Parece mais... animada — ele acrescentou. — Por falar em pessoas que mudaram — Lorraine retrucou, voltando o assunto para ele —, mal reconheço o homem em quem você se transformou. Estavam no restaurante de comida tailandesa que costumavam freqüentar quando namoravam. Gary ruborizou levemente. — Acho que posso creditar isso ao amor. Se Lorraine jamais tivesse conhecido Jack, talvez ficasse ofendida com as palavras de Gary mas, estranhamente, ela as compreendia. O amor de Jack também a transformara. Seu ex-noivo havia se casado com Marjorie Ellis um mês depois que Lorraine retornara do México. Na época, ela estava sofrendo demais para importar-se com isso. Só mais tarde experimentou uma leve amargura, mesclada com arrependimento e alívio. Estava feliz por Gary e Marjorie, mas ressentia-se ao pensar que tentara ser fiel, enquanto que ele não lhe dedicara a mesma consideração. Porém, com o tempo superou estes sentimentos e descobriu-se contente pelo fato de seu amigo ter-se apaixonado. Sempre gostara da companhia de Gary, mas sabia que jamais o amara de verdade. Não da maneira como havia amado Jack. O que sentia por Gary não se comparava com a intensidade de seus sentimentos pelo homem que dera a vida para salvar a sua. Gary deixou o cardápio na mesa. Lorraine perguntou-se por que ele se dera ao trabalho de consultar o cardápio. Pelo que se lembrava, Gary pedia sempre o mesmo prato, todas as vezes que comiam no Thai Garden. — Marjorie deve chegar a qualquer minuto — ele disse, os olhos iluminando-se à menção da esposa. Lorraine encontrara-se com Marjorie várias vezes, e gostara muito dela. Aprovava as mudanças que a adorável Marjorie provocara em Gary. Ele estava mais relaxado e espontâneo, agora, mais sensível aos outros. Era óbvio que os dois tinham sido feitos um para o outro. — Desculpem pelo atraso — Marjorie falou, aproximando-se da mesa apressadamente. Tirando os sapatos, pulou uma das almofadas no chão e sentouse ao lado de Gary. — O médico estava atrasado e... — Parou abruptamente, como se tivesse dito algo que não devia.
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Bestseller Lorraine levou apenas um instante para discernir o significado daquela pausa. — Você está grávida! — exclamou, fitando-os. Gary e Marjorie imobilizaram-se, esperando pela reação dela. — Mas isso é absolutamente maravilhoso! — Lorraine estava realmente encantada. — Estou tão contente por vocês! — Estendeu o braço sobre a mesa e apertou a mão de Marjorie. — De quantos meses você está? — Três meses — Marjorie respondeu. Gary, que nunca demonstrara nenhum desejo ardente pela paternidade, mostrava-se simplesmente radiante. — Nós não quisemos esperar muito tempo, uma vez que Brice já está com nove anos — ele disse. — Não quisemos esperar, e ponto final — Marjorie brincou. Passou a mão espalmada sobre a barriga. — O bebê foi uma surpresa, mas muito bem-vinda. Agora Lorraine entendia porque Gary a convidara para almoçar. — Você será um ótimo pai, Gary — ela disse, e era o que sentia. — Estou um pouco nervoso com a idéia, mas Brice disse que se ele fosse capaz de lidar com fraldas sujas e bagunças de bebê, então eu também seria. — Gary e Brice se dão muito bem — Marjorie falou. — Talvez seja porque, finalmente, Gary encontrou alguém da idade dele para brincar — Lorraine provocou. As duas mulheres riram, e após um instante, Gary riu também. No fundo, Lorraine pensou, isto não estava muito longe da verdade. Gary era maluco por beisebol e, ao que parecia, Brice compartilhava da mesma mania. Pouco tempo atrás Lorraine fora visitá-los numa tarde de domingo e surpreendeu Gary e Brice colados na tevê, assistindo uma partida decisiva de beisebol. Os dois gritavam, torciam e pulavam tanto que Marjorie e Lorraine foram obrigadas a sair da sala e ir conversar na cozinha. — Prefiro pensar que Brice é maduro para sua idade— Gary resmungou. A garçonete veio anotar os pedidos. Olhou para Gary e Lorraine várias vezes, como se fosse dizer que algo não estava certo. Era um olhar que recebiam com freqüência, quando Marjorie os acompanhava a lugares onde costumavam ir. Eles haviam namorado por tanto tempo que, naturalmente, as pessoas continuavam considerando-os um casal. — O que vai fazer no feriado de Ação de Graças?
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— Marjorie perguntou. Já era aquela época do ano?, Lorraine perguntou-se, mal conseguindo acreditar. Durante meses havia lutado para sobreviver a cada dia, rezando para ter forças para suportar, para ter coragem de prosseguir sozinha. Aquela era a palavra-chave: sozinha. Agora, estava grata por não ter vendido a casa de sua mãe. Logo depois que voltara do México ela se mudara para lá, precisando estar rodeada de coisas familiares e confortadoras. — Gostaríamos que você jantasse conosco, no dia de Ação de Graças — Marjorie falou. Lorraine ouviu o convite, mas não respondeu até reparar que Gary e Marjorie esperavam sua resposta. Ambos fitavam-na com expressões preocupadas. De repente, deu-se conta de que eles haviam feito o convite levados pela culpa, além da afeição. Isso não era necessário, nenhum deles precisava sentir-se culpado em relação a ela. Se Gary não tivesse tomado a iniciativa, ela própria teria rompido o noivado. — Eu... ainda não sei — respondeu. — Está pretendendo visitar o seu pai? — Gary indagou. — Não. A rápida resposta não ocultava sua raiva, nem sua dor. Lorraine não queria pensar em Thomas Dancy e, na verdade, recusava-se a lidar com as emoções que surgiam todas as vezes que o nome dele era mencionado. Ele deveria ter-lhe contado a verdade sobre Azucena mas, em vez disso, permitira que ela descobrisse tudo por si mesma. Talvez aquilo fosse o que mais a magoava. Thomas havia falhado com ela, da mesma forma que falhara com sua mãe. Durante todos aqueles anos Virgínia o amara, o idealizara, fora fiel a ele. Nem uma vez sequer olhara para outro homem. Nem uma vez fora desleal à memória dele. Quando Jack fora levado ao hospital, Lorraine voltara-se para o pai em busca de apoio emocional, mas agora arrependia-se disso. Ele tentara confortá-la quando o médico comunicou que Jack morrera, mas então ela estava muito além de qualquer conforto. Assim que tudo se resolveu, Lorraine voltou para Louisville, que era o seu lugar. Thomas escreveu-lhe várias vezes desde então, mas ela não respondeu suas cartas. Não saberia o que dizer a ele. Seu pai construíra uma nova vida para
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Bestseller si mesmo, desposara outra mulher, tivera outros filhos. Ela fazia parte de um passado doloroso, ligado a um casamento fracassado e a uma mulher a quem ele traíra. Seria melhor para todos se ela ficasse fora do mundo dele — e o mantivesse longe do seu próprio mundo. — Lorraine? Estamos falando sobre o dia de Ação de Graças... — a voz de Gary interrompeu seus pensamentos. — Ah, sim, me desculpe — ela murmurou. — Posso lhes dar a resposta depois? — Acha que já está preparada para falar sobre o que aconteceu no México? Foi Marjorie quem fez a pergunta, num tom repleto de bondade e compaixão. Sem que Lorraine precisasse falar a respeito disso, Marjorie sabia que ela havia passado por algum terrível sofrimento. — Não — Lorraine falou, quase num sussurro. — Ainda não. E, talvez, este dia não chegasse nunca. Lorraine não compartilhara com ninguém suas lembranças sobre Jack. Nem com Gary, nem Marjorie, nem com nenhuma de suas amigas no trabalho. Gary estava certo. Ela havia mudado, e seria diferente para sempre, por ter amado e perdido Jack. Na verdade, o que poderia contar a eles? Como explicaria que havia morrido naquele dia, numa selva no México? Como explicaria que, agora, limitava-se a seguir o fluxo do dia-a-dia, que lutava para entender o sentido da vida e da morte, lutava para obter um pouco de paz e compreensão, num mundo onde estes dois sentimentos pareciam não mais existir?
Jack resistiu a seis meses terríveis. A dor era física, o sofrimento era emocional. Por duas vezes ele se apaixonara, e nas duas vezes o resultado havia sido desastroso. A cada dia que passava, deitado em sua cama de hospital, a dor era tão intensa que tornava o sono impossível. Mas ele aceitava de bom grado a agonia física. Ela distraía sua atenção, impedindo-o de pensar em Lorraine. Ficara sabendo que havia fraturado a coluna, mas isso não fora surpresa. Nem mesmo os quatro ou cinco outros ossos fraturados, mais os ferimentos internos. Os médicos não faziam promessas sobre ele voltar a andar. A maioria parecia surpresa com o simples fato de ele ter sobrevivido, embora não tanto quanto ele mesmo. Jack teria estendido a mão para a morte por diversas vezes, teria ficado contente em desistir da luta. Mesmo agora, perguntava-se por que o destino lhe
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Bestseller pregara uma peça tão cruel. Se quisesse uma recompensa pelo seu gesto nobre de ter mandado Lorraine de volta para o marido, não era esta. Na segunda semana de novembro, Jack ficou de pé sozinho pela primeira vez, desde o acidente. Ficou de pé, mas não andou. O suor escorria de sua testa, pela enorme quantidade de energia exigida para manter-se ereto. Alguém bateu palmas ruidosamente atrás dele. Jack não atreveu-se a olhar para trás, temendo perder o equilíbrio já bastante precário. — Está se saindo muito bem! — Murphy? Jack não acreditava em seus ouvidos. Os joelhos enfraqueceram e ele desabou na cadeira de rodas. Suas forças o abandonaram; do contrário, teria girado a cadeira e atirado um sonoro palavrão para o amigo. Não estava querendo companhia, e muito menos a compaixão de ninguém. Os passos largos de Murphy cruzaram a distância entre eles. — Você é um colírio para meus olhos cansados! — Murphy brincou. Jack afastou-se dele acintosamente. — O que diabos está fazendo aqui? — O que acha? Vim visitá-lo, é claro. Jack recusou-se a encarar o amigo. — Então perdeu a viagem. Murphy fez uma volta em torno dele, balançando a cabeça. — Desta vez você se meteu mesmo numa confusão e tanto. Jack ignorou o comentário. Sabia que Letty e Murphy ligavam todas as semanas para saber de seu estado, conversando com o dr. Berilo e com a equipe do hospital. Mas Jack não queria falar com nenhum deles, e esperava que tivessem captado a mensagem. Ao que parecia, isso não acontecera. — O médico disse que você poderá sair do hospital em breve — Murphy falou, olhando direto para Jack. — É, ouvi dizer. — Já decidiu o que vai fazer da vida? — Não.
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Bestseller Jack preferia não pensar no futuro. A única decisão que tomara fora de vender o Scotch on Water. Não conseguiria voltar para o barco. Todas as noites era assombrado pelas lembranças de Lorraine e do tempo que haviam passado juntos ali. — Vai voltar para o barco? — Já vendi — Jack resmungou. — Você vendeu o Scotch on Water? — Murphy estava incrédulo. — Mas você adorava aquele barco! — Esta fase da minha vida já passou. — Aquilo era tudo que Jack pretendia dizer sobre o assunto. Murphy jamais saberia qual fora seu verdadeiro motivo. — Não acha que teria sido melhor esperar um pouco, antes de tomar uma decisão tão drástica? — Deixe-me em paz! — Jack rugiu. Murphy sentou numa cadeira próxima. — É isso que veio fazer aqui? — Jack perguntou, sarcástico. — Saber notícias do barco? — Não. Letty mandou-me vir. E disse-me para levá-lo para casa. — Pode esquecer! — Jack exclamou, num tom de desprezo. — Escute aqui, meu amigo, você não conhece Letty tão bem quanto eu. E se ela diz que é para levá-lo para casa, então eu vou levar, pois sei que é o melhor a fazer. Discutir era um desperdício de energia, mas Jack não queria envolver Murphy e Letty em seus problemas. — Posso cuidar de mim mesmo — insistiu. Murphy não deu nenhuma indicação de ter escutado. — Letty me fez arrumar a velha casa do capataz. Ela pintou e arrumou tudo, depois encomendou uma cama de hospital e todos os equipamentos que o dr. Berilo sugeriu. Antes mesmo que eu percebesse, estava aumentando as portas para sua cadeira de rodas passar. — Eu planejo voltar a andar. — E vai, mesmo — Murphy apressou-se em dizer. — Tudo isso será apenas até que você consiga se movimentar sozinho. Estou lhe dizendo, Jack, você não conhece minha esposa. Aquela mulher é irredutível,
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Bestseller depois que decide fazer alguma coisa. Tanto que nem me atrevo a voltar para casa sem você. Bem, daquela vez Letty ficaria desapontada, Jack pensou. — Há mais uma coisa. Letty e Francine andaram fazendo planos. Pelo que eu soube, Francine contratou um fisioterapeuta para trabalhar com você. — É mesmo? — Jack perguntou, com uma dose pesada de sarcasmo. Agradecia todo o trabalho que Letty e Francine, a esposa de outro exmercenário companheiro de Jack, tiveram por sua causa. Mas preferia ficar no México. — Tentei explicar à Letty que conheço você, que sei que prefere ficar sozinho. Eu bem que tentei, Jack, mas ela disse que agora você precisa de uma família, e que nós somos a única família que você tem. — Não sou um caso de caridade. — Ora, mas é claro que não! — Murphy disparou. — Você vai pagar o fisioterapeuta, e tudo o mais. — Letty não tem tempo para perder comigo. — Eu sei disso, também. Com três crianças pequenas ela tem muito o que fazer além de preocupar-se com você, mas está convencida de que você irá recuperar-se mais rápido na fazenda, conosco, do que em qualquer outro lugar. Novamente, Jack guardou suas forças em vez de discutir. Murphy poderia falar o que quisesse, mas Jack não tinha intenção de permitir que seus velhos amigos bancassem "a enfermeira" para ele. No entanto, três dias depois Jack foi levado a bordo de um avião particular, totalmente equipado com os aparelhos médicos necessários, e fez a longa viagem desde a Cidade do México até Boothill, no Texas. Não estava nada contente com o fato de Murphy intrometer-se em sua vida e encarregar-se de tudo. Porém, naquele ponto, suas opções eram poucas e esparsas. Precisava reabilitar-se fisicamente, além de gente capacitada para ajudá-lo. E de tempo. Muito, muito tempo. Mas seria necessário algo mais além do tempo, para curá-lo. Jamais seria o mesmo outra vez, fosse física ou emocionalmente, e ele sabia disso.
O vôo até a fazenda deixou-o exausto e permanecer acordado pelo tempo suficiente de acomodar-se na casa do capataz foi o máximo que conseguiu.
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Bestseller Exatamente como Murphy dissera, a casa que ficava separada da residência principal, fora arrumada quase como um hospital em miniatura, com uma cama, cadeira de rodas, e equipamentos para fisioterapia. Jack caiu num sono profundo assim que deitou-se. Seus sonhos eram povoados por Lorraine. Ela em seus braços, falando sobre filmes enquanto ele tentava impedir-se de beijá-la. Os dois abraçados no convés, com os braços e pernas enroscados, olhando para a lua. Podia ouvir o som de seu riso, que ressoava em sua memória como uma melodia longínqua. Sentia a maciez de sua pele, e tudo parecia tão real. Jack abriu os olhos e viu uma silhueta sentada no escuro, movendo-se suavemente na cadeira de balanço. — Lorraine? — sussurrou. Tinha de ser ela, só podia ser ela. E, que Deus o ajudasse, não teria coragem de mandá-la embora pela segunda vez. Como ela o encontrara? Quem lhe contara que ele estava ali? — É Letty — a esposa de Murphy disse, baixinho. O desapontamento foi tão doloroso que ele quase não conseguiu suportar. — Durma — Letty murmurou. Jack ansiava por dizer a ela que já havia passado os últimos seis meses dormindo. Se existisse alguma justiça no mundo, ele iria... Seus pensamentos foram interrompidos pelo som de alguém entrando no quarto. — Como ele está? — Murphy perguntou. — Acordou por um instante. Pensou que eu fosse alguém chamada Lorraine, mas agora voltou a dormir. Jack adoraria dar-lhes um susto levantando-se da cama, mas não tinha forças para tanto. Isso exigiria mais energia do que ele conseguia reunir até mesmo para abrir os olhos. — Ele lhe falou alguma coisa sobre ela? — Letty perguntou. — Nem uma palavra. Mas dirá, quando estiver preparado. Letty parecia estar considerando a afirmação do marido. — Ele vai se recuperar. — O dr. Berilo garantiu que sim.
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Bestseller — Eu me refiro ao estado emocional — Letty explicou. — Jack amava Marcie e conseguiu refazer sua vida depois do rompimento. Ele fará isso de novo. Se ela soubesse..., Jack pensou. Teoricamente, Letty estava certa: ele havia amado Marcie. Mas o que sentia por Lorraine era muito mais forte e profundo. Ele abrira mão de uma grande parte de si mesmo, de seu coração, de sua vida, quando pedira ao dr. Berilo que dissesse à Lorraine que ele morrera. Fora um gesto nobre de sua parte, ou pelo menos era o que Jack queria acreditar. O que não pensou, na ocasião, era o quanto isto estava próximo da verdade. Sem Lorraine ele não via nenhum sentido em viver. Sem ela, ele estava vazio. Estivera disposto a morrer para que ela vivesse, e agora teria de enfrentar uma tarefa muito mais difícil: viver sem ela. — Ele deve amá-la do mesmo jeito que eu amo você — Murphy falou. Naquele momento, Jack compreendeu porque considerava Murphy como alguém da família. Murphy o conhecia como ninguém. — É, sim — Letty sussurrou. Eles estavam certos. Jack amava Lorraine com aquela mesma intensidade. O bastante para afastá-la, para transformar sua própria vida num inferno porque ela não fazia mais parte dela, e jamais faria.
Thomas Dancy dispensou seus alunos mas permaneceu na sala de aula, como acostumara-se a fazer naqueles últimos dias. Ficou sentado na escrivaninha, fingindo ocupar-se de sua agenda, embora seus pensamentos estivessem em outro lugar. Seu amigo Jack estava morto, e Lorraine parecia culpá-lo por isso. Este era o único motivo em que Thomas podia pensar para explicar o fato de que ela ignorava completamente suas cartas. Pouco mais de seis meses atrás ele recebera um telefonema quase histérico de Lorraine, falando sobre o acidente de Jack. Thomas viajara no mesmo instante para a Cidade do México, indo encontrá-la no hospital. Ao lado de Raine, permanecera em vigília constante, enquanto seu amigo lutava contra a morte. Por horas incontáveis ele falara com o pessoal do hospital, num esforço para obter o máximo de informações que podia. E fora através das enfermeiras que passara a entender a gravidade da situação, e tentara preparar Raine para o pior. Quando o inevitável aconteceu, sua filha havia chorado como ele nunca vira alguém chorar. Em seu pesar, ela buscara o apoio do pai. Sua agonia cortava-lhe
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Bestseller o coração, e Thomas reconheceu, pela primeira vez, o quanto amava sua filha. Testemunhar o sofrimento dela havia sido pior do que a perda de seu amigo. Fora ele quem a levara para fora do hospital, quem falara com o médico e tomara todas as providências para o enterro. Tivera apenas um rápido relance do corpo de Jack no quarto do hospital, e fora mais do que ele conseguiria suportar. Mais tarde, naquele mesmo dia, tentara levar Lorraine para sua casa, mas ela recusara educadamente, o que deixou-o confuso. Agora, como Virgínia fizera antes, ela não respondia suas cartas e, a cada dia que passava sem ter notícias, Thomas sentia seu coração despedaçar-se. A atitude de Raine era ainda mais cruel do que o abandono de Ginny. Thomas havia aceitado a decisão da esposa, mas implorara a ela que contasse toda a verdade quando Raine completasse vinte e um anos, permitindo que ela tirasse suas conclusões e fizesse seus próprios julgamentos. Ao que parecia, Raine fizera isso e o rejeitara. Rejeitara o seu amor. Ele jamais sentira uma mágoa tão profunda. — Thomas? Azucena estava parada na porta da classe. Estava sozinha, o que era raro, e Thomas assustou-se no mesmo instante. — Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa com as crianças? — As crianças estão bem — Azucena assegurou-lhe, entrando na sala. — Estão com minha prima Consuela. A beleza de Azucena não era evidente ao primeiro olhar, e poucas pessoas percebiam-na logo que a conheciam. Ele próprio carregava esta culpa. Durante anos havia usado o corpo dela como uma válvula de escape para seu inferno particular. Ele amava Ginny e, nas sombras da noite, fingia que era o corpo de sua esposa que mergulhava sob o seu, que era ela quem gritava de prazer ao recebêlo. Mas era Azucena quem dormia junto a ele, Azucena quem o confortava quando seus pesadelos o assombravam, quem acordava ao seu lado nas manhãs. Fora Azucena quem lhe dera uma segunda chance na vida, e o presenteara com três filhos maravilhosos. Azucena, que agora era sua esposa. Ela era a mulher mais bela que Thomas já conhecera, e seu coração enchia-se amor somente ao vê-la. Começou a levantar-se, mas ela o impediu. — Fique aí — ela disse. — Quero que escreva uma carta para mim.
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Bestseller — Ora, você não precisa de mim para escrever suas cartas. — Quero que seja em sua língua, não em espanhol. A curiosidade dele foi despertada. — Uma carta para quem? Azucena sorriu suavemente, tocando-o fundo no coração. — Para sua filha. Poucas coisas teriam deixado Thomas mais surpreso. Queria dizer a ela que isso de nada adiantaria. Ele próprio já abrira seu coração para Raine, implorando para que respondesse, mas ela se recusara sem qualquer explicação e, aparentemente, sem nenhum remorso. O silêncio dela o magoava, o deixava frustrado. Pegou uma folha de papel em branco e uma caneta, enquanto Azucena tirava do bolso um papel dobrado. — Por favor, traduza para sua língua — ela disse, entregando-lhe a carta. Thomas leu o que ela escrevera e franziu a testa. Leu mais uma vez, depois deixou a carta sobre a mesa, num gesto lento. Ele amava Azucena, mas sabia que ela era uma pessoa simples, sem instrução e sem muitos conhecimentos sobre o mundo. — Eu não creio que... — Se você me ama, faça isso por mim. Era muito raro que Azucena lhe pedisse qualquer coisa. Thomas sentiu que não tinha outra escolha. Além disso, o que teria a perder? Lorraine não res pondera às suas cartas, e ele duvidava sinceramente que respondesse ao apelo de Azucena.
21 de novembro.
Cara Lorraine Dancy, Se eu pudesse abraçá-la e oferecer-lhe conforto, era o que faria. Sua dor deve ser muito grande. Você perdeu sua mãe, depois Jack, e agora decidiu não responder as cartas de seu pai. Só posso presumir que esteja desapontada com o homem que seu pai se tornou. E, como esposa dele, sinto-me no dever de defendê-lo.
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Bestseller Seu pai é um bom homem. Ele ama você e amou sua mãe profundamente. Muitas vezes era o nome dela que ele murmurava em nossa cama. Eu fingia não perceber. Somente quando soube que eu estava grávida ele contou-me que tinha uma filha. Falava de você com tal ternura que todos os meus receios desapareceram. Você entende, até então eu não sabia como seu pai iria reagir ao saber da minha gravidez. Mas naquele momento eu soube que ele amaria nosso filho também, mesmo não amando a mãe desse bebê. Ele me ama, agora, e muito, e nós temos três filhos. Seus irmãos. Thomas tem medo de que você o esteja culpando pela morte de Jack, e que este seja o motivo porque você não responde as cartas que ele já lhe escreveu. Mas eu acho que o motivo é outro. Acho que você ignorou as súplicas dele por minha causa. De certa forma, eu entendo. Minha pele é mais escura que a sua, e eu não falo sua língua. Tampouco sou tão bonita quanto era a sua mãe. Talvez minha maior culpa seja o fato de eu amar tanto seu pai. Mas, Lorraine Dancy, você também o ama. Eu sei disso. Você não teria viajado para outro país a fim de revê-lo, se não fosse por amor. Depois da morte de sua mãe, você quis procurar seu pai. Precisava dele, então, mas me pergunto se já se deu conta do quanto precisa dele agora. Quando Jack estava no hospital, foi seu pai quem você quis chamar. Seu pai quem correu para ficar ao seu lado, que amparou-a quando você chorava, que chorou com você. Você precisa de seu pai, e ele precisa de você. Você ama Thomas. Eu amo Thomas e, em troca, ele também nos ama. Nós somos sua família, e você é a nossa. Por favor, eu imploro para que você não o expulse de sua vida. Para o seu próprio bem, e para o bem dele também. Azucena Dancy.
Thomas leu a carta duas vezes, a fim de fazer a tradução mais exata possível. Quando terminou, pegou a mão de Azucena e beijou-a. — Agradeço a Deus por ter você — murmurou. Ela enlaçou-o pelos ombros e pressionou o rosto dele em seu ventre. — Vamos para casa, agora? — perguntou. Thomas assentiu. Acostumara-se a demorar-se na escola durante as tardes, sem querer entristecer a casa com seu humor sombrio, nem perturbar sua família com seus sentimentos de fracasso e perda. — Que bom — ela disse, baixinho.
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Bestseller Juntos, passaram pela pequena agência do correio e enviaram a carta. Porém, depois de tantos meses de silêncio, Thomas não tinha muita esperança de que Lorraine fosse responder. Naquela noite ele e Azucena fizeram amor, depois de vários meses. Mais tarde, Thomas a manteve em seus braços, grato pela presença dela em sua vida. Mentalmente, libertou sua filha, tirando-a de seus pensamentos. Não podia usar a rejeição de Lorraine como uma desculpa para continuar se punindo. Tinha uma nova família, agora, e Raine seria sempre bem-vinda em seu lar, ou então continuaria sua própria vida sem eles. A escolha dependia apenas dela. Mas, para sua surpresa, Thomas recebeu uma carta de Raine uma semana antes do Natal.
CAPÍTULO XVIII
Foi a carta de Azucena que convenceu Lorraine a confrontar seus sentimentos por seu pai. E ela também desconfiava de que o clima de Natal tinha algo a ver com isso. A sua volta, as pessoas celebravam a época festiva com suas famílias. Lorraine não tinha família. E o único homem a quem realmente amara havia morrido. Ela não assistira o funeral de Jack, e agora arrependia-se amargamente disso. Mas, na ocasião, era algo que ia além do que conseguiria suportar. Caso tivesse ficado na Cidade do México, talvez tivesse sido mais fácil aceitar a idéia de que ele se fora para sempre. Mas Lorraine nem sequer quisera ver o corpo, sabendo que aquele invólucro sem vida não era mais o seu Jack, todo enfaixado e ligado aos monitores e soros. E tampouco fora capaz de suportar a idéia de ficar com seu pai, sabendo que ele a enganara. Quisera apenas ir embora do México. Lorraine jamais se sentira tanto como uma órfã quanto agora. Sentia uma imensa saudade da mãe, e as pequenas tradições que costumavam seguir nos Natais não pareciam certas, se ela as fazia sozinha. Porém, conseguiu reunir o entusiasmo suficiente para comprar uma árvore de Natal. Mas a árvore permaneceu sem enfeites durante uma semana, antes que ela se animasse a arrumá-la.
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Bestseller Justamente quando estava no meio dessa tarefa, Lorraine deu-se conta de que não havia nenhuma alegria no que fazia. Parou, então, sentou-se no computador e, sem pensar duas vezes, começou a escrever uma carta para seu pai.
14 de dezembro.
Queridos Papai e Azucena, O fato de estar sozinha diante da árvore de Natal convenceu-me a escrever. Isso e a carta que Azucena me enviou. Ela está certa, eu realmente preciso de você, papai, embora preferisse não precisar. Por toda minha vida fiquei sem você, portanto não deveria ser difícil continuar fingindo que você não existe mais, que morreu, como mamãe me contou. Mas descobri que isso é impossível. Você construiu uma vida nova, iniciou uma nova família. Depois de passar mais de seis meses sozinha, começo a entender como deve ter sido horrível para você, ficar sem mamãe e eu. Antes, eu acreditava que você havia traído minha mãe, mas já não me sinto assim. Azucena, obrigada por ter-me ajudado a enxergar as coisas com clareza. Obrigada por sua coragem de escrever-me e de defender meu pai. Ele é mesmo um bom homem. Papai, eu não o culpo pela morte de Jack. E como poderia? Pelo contrário, sou imensamente grata por você ter-me levado até ele, naquela tarde que, agora, parece tão longínqua. Na verdade, amar Jack ajudou-me a entender o que levou mamãe a fazer o que fez. Desde o dia em que encontrei a sua carta e fiquei sabendo que você estava vivo, uma pergunta atormentou-me. O que fez com que mamãe mentisse para mim? Por que ela me disse que você havia morrido? Principalmente levando-se em conta que o amor que ela sentia por você era tão evidente. Eu via esse amor nos olhos dela, sempre que mencionava seu nome. A foto do casamento ficava na cabeceira da cama dela, de modo a ser a última coisa que ela via antes de dormir, e a primeira ao acordar, todas as manhãs. Agora creio que entendo um pouco melhor. Mamãe era o tipo de mulher que ama apenas uma vez na vida. Ela nunca se divorciou, nem casou-se outra vez, porque entregou o coração completamente a você. Por que preferiu mentir para
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Bestseller mim, não sei dizer, mas não tenho dúvidas quanto à devoção absoluta que sentia por você. Compreendo isso agora porque é assim que me sinto em relação a Jack. Mas existe uma parte chocante no nosso relacionamento: eu antipatizei com ele a primeira vista, e ele sentiu o mesmo por mim. E como eu estava usando a aliança de casamento de mamãe, Jack presumiu que eu fosse casada, e eu deixei que continuasse pensando assim. Desde então, me arrependi muitas vezes de não ter-lhe contado a verdade. Mas parecia não haver uma maneira fácil de fazer isso e, quando tentei, ele não quis ouvir. Pensei que haveria tempo de sobra para as explicações, depois que eu acertasse minha situação com Gary. Como você vê, papai, Jack e eu nunca fomos amantes, mas ainda assim compartilhamos de uma intimidade que eu jamais esperei encontrar com ninguém. Ele é o único homem que amei de verdade. Mamãe e eu somos iguais, neste ponto. Portanto, papai, não o culpo pelo que aconteceu com Jack. Como já disse, sou grata por você tê-lo trazido para minha vida. Novamente, Azucena, obrigada por sua carta. Feliz Natal e muito amor, para todos vocês. Raine. .
2 de janeiro.
Querida Lorraine, Nem sei lhe dizer o quanto Azucena e eu ficamos felizes com sua carta. Foi o melhor presente de Natal que já recebemos. O tempo que passamos juntos, na última primavera, foi pequeno demais e ainda há muito o que lhe dizer, muito o que explicar. Talvez agora eu possa responder algumas de suas perguntas e ajudá-la a entender o que aconteceu entre sua mãe e eu. Eu amava Ginny, ainda amo, e no fundo do meu coração sei que ela sempre me amou. Nunca existiram dúvidas sobre o amor que sentíamos. Mas, como mencionei naquela noite em que nos encontramos, ela permaneceu nos Estados Unidos porque desejava o melhor para você. E eu também. Você sempre veio em primeiro lugar, para nós. Sua mãe
Debbie Macomber
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Bestseller queria que você recebesse a melhor educação, os melhores cuidados. E tampouco desejava afastá-la de seus avós, que a adoravam. Eu fui tolo o bastante, para arruinar minha vida, e não queria que você ou sua mãe pagassem pelos meus pecados. Como também expliquei, até você completar nove anos de idade sua mãe costumava visitar-me, enquanto você ficava com a "tia" Elaine. As visitas de Ginny eram muito breves, e geravam um enorme sofrimento para nós quando chegava a hora de partir. Muitas vezes implorei para que ela concordasse com minha volta aos Estados Unidos, mesmo que isso significasse ir para a prisão. Nenhuma sentença de prisão seria pior do que o inferno de estar longe de vocês. Porém, ela sempre me convencia a ficar aqui mesmo, no país que adotei. Confesso que não fui forte o bastante para agir como achava que devia. Agora, é tarde demais. Azucena e nossos três filhos precisam de mim. Quando você tinha cinco anos, sua mãe e eu decidimos lhe dizer que eu havia morrido. Foi uma decisão que tomamos juntos. Você estava na idade de começar a fazer perguntas sobre seu pai, e as circunstâncias da minha partida eram complexas e difíceis demais para a compreensão de uma criança. Além disso, sempre me preocupei com a possibilidade de alguém descobrir o relacionamento de vocês comigo, um homem considerado um traidor, ou coisa pior. Temia que se as pessoas ao saberem que vocês eram minha esposa e filha, passassem a desprezá-las, e isso era algo que eu não poderia suportar. Mas, felizmente, parece que minhas preocupações foram em vão. Na época em que decidimos lhe contar sobre a minha "morte", não me dei conta de que sua mãe também passaria a acreditar na mentira. Esta deve ser a única explicação. Creio que foi mais fácil para ela tentar me esquecer se pudesse convencer-se de que eu realmente havia morrido. Com o passar dos anos as visitas foram ficando mais raras, até cessarem completamente, e ela quase nunca respondia minhas cartas. Durante algum tempo fiquei vagando de uma cidade para outra, sentindo-me mais prisioneiro do que se estivesse atrás das grades. Somente quando aceitei o emprego de professor em El Mirador e conheci Azucena, tive a chance de recomeçar minha vida. Não me culpe pela minha fraqueza, Raine. Quanto ao seu amor por Jack, quero lhe dizer que sempre serei grato pela amizade dele, e que sinto sua falta profundamente. Jack era um homem honrado e foi um verdadeiro herói. Ele deu a vida por você e, sem saber, salvou-me também. Muitas vezes eram as visitas dele que me mantinham são, numa época em que o mundo parecia estar fugindo do meu controle.
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Bestseller Era um amigo de verdade, e sinto-me orgulhoso ao pensar que minha única filha entregou o coração a um homem como ele. Você irá se curar, Raine. A dor terrível que está sentindo agora vai melhorar com o tempo. Isso não significa que irá esquecer Jack, ou amá-lo menos. Mas, com algum esforço, poderá aprender a amar novamente. Eu sei. Com carinho, Seu pai.
Durante quatro meses Lorraine e Thomas trocaram cartas. Todas as noites ela verificava a correspondência ansiosamente, e enviava suas próprias longas cartas. Pela primeira vez em sua vida, passou a conhecer o pai e a valorizar sua disposição e inteligência. Ele escrevia sempre falando sobre os filhos, Antônio, Hector e o bebê, Alberto. Os dois mais velhos às vezes enviavam-lhe desenhos que tinham feito para a irmã. Lorraine os pregava na porta da geladeira e sorria sempre que os via. Thomas encorajou-a a ir visitá-lo outra vez, a dar mais uma chance ao México. Algum dia ela iria, prometeu. A medida que as semanas e meses se passavam, descobriu-se pensando seriamente em tal possibilidade. Então, no primeiro aniversário da morte de Virgínia, Alberto ficou gravemente doente. Lorraine sabia o que tinha de fazer, mas primeiro precisava falar sobre o assunto com sua mãe. No início do mês de maio, Lorraine foi ao cemitério levando um grande buquê de flores do campo. Arrumou as flores sobre o túmulo e depois ficou parada ali, diante do nome de Virgínia Dancy gravado na placa de mármore. — Olá, mamãe — disse baixinho, baixando os olhos para o gramado bem cuidado. Aquela era a primeira vez que ia ao cemitério, depois do Natal. Sentia a garganta apertada e as lágrimas comprimiam-se no canto de seus olhos. — Eu fiquei zangada com você por algum tempo — disse, com voz rouca. — Mas agora entendo o motivo de seus atos. — Ficou em silêncio, como se pensasse nisso por um instante. — Não sou mais a mesma pessoa que era um ano atrás. Lorraine sabia que estava mais sábia, agora. Mais madura, mais tolerante e corajosa, uma pessoa melhor. Graças ao seu amor por Jack, evidentemente, mas também pelo relacionamento que mantinha com Thomas e Azucena. Ela se modificara de outras formas, também, como na aparência. Cortara os cabelos, por
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Bestseller exemplo, deixando-os com um corte mais prático. Sentia que Jack teria aprovado isso. Pouco a pouco, o estilo de suas roupas também mudara, e ela trocara os conjuntos de calças e blazers e as blusas de seda por shorts de algodão e camisetas. Passara a cuidar do jardim e já fizera uma pequena colheita na horta que plantara, e naquele inverno começara a tricotar. O bebê recém-nascido de Gary e Marjorie fora o beneficiado com seu primeiro trabalho, uma linda manta de lã amarelo-claro. — Eu cresci — acrescentou suavemente. — Papai e eu nos correspondemos, agora, e costumo escrever-lhe umas duas cartas por semana. A esposa dele é uma mulher doce e adorável, e seus três filhos são lindos. Sei que você iria querer que ele fosse feliz, é por isso que estou lhe contando estas coisas. Ele é feliz, mamãe, pela primeira vez em muitos anos. Construiu uma família maravilhosa e fez as pazes com o passado. Ainda acredita que a guerra é algo errado e desnecessário, mas arrepende-se profundamente de ter-se envolvido nos bombardeios. Esperou alguns minutos e tocou no assunto sobre o qual viera falar com a mãe. — Decidi vender a casa — disse. — Esperei até agora porque... bem, porque o fato de ficar lá ajudou-me a superar a sua perda, e também a de Jack. Talvez até pudesse continuar morando ali, se Alberto não tivesse ficado gravemente doente no mês passado. Não existe nenhuma clínica médica em El Mirador, por isso papai e Azucena tiveram de levar o bebê para Mérida, a fim de consultar um médico. Quando chegaram lá, o bebê estava com quase quarenta graus de febre, e quase morreu. A cidade precisa de uma clínica e de uma equipe médica treinada. Você entende o que estou dizendo, mamãe? O que estou querendo fazer? Lorraine ficou em silêncio por um instante, e prosseguiu: — Alberto deveria ter sido medicado muito antes, e isso aconteceria se houvesse uma clínica em El Mirador. Papai e eu trocamos várias cartas falando a respeito disso. Decidi pegar todo o dinheiro da minha herança e da venda da casa e usá-lo para construir uma clínica em El Mirador. Tantas pessoas já se prontificaram a me ajudar! Gary conseguiu que a Med-X fizesse uma doação dos suprimentos, e até a Group Wellness pretende contribuir. Se você não se importa, a clínica terá o nome de alguém que você nunca conheceu, mas de quem já lhe falei muitas vezes. O nome dele era Jack Keller. É bem provável que você não gostasse dele — acrescentou, com um sorriso triste. — No início, eu também não
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Bestseller gostava, mas passei a amá-lo e tenho certeza de que o mesmo aconteceria com você. Lorraine sentiu uma paz invadi-la. Uma paz interior, que lhe disse que havia tomado a decisão certa. Não existia mais nada para ela, ali em Louisville. Seu pai, a esposa e os três filhos dele, toda a família que ela possuía, esperavam-na num vilarejo na Península de Yucatán. Ali ela construiria um memorial duradouro para Jack. Ali ela faria uma vida nova para si mesma, como seu pai fizera tantos anos atrás.
— Jack! Jack! — O garotinho de seis anos correu pelo gramado coberto das folhas secas do outono, para reunir-se a Jack junto ao cercado. Ficaram ali parados, observando as lhamas que pastavam tranqüilamente. — Como vão as coisas, Andy? — Bem. — O menino era a imagem escrita de Tim Mallory, um amigo e excompanheiro de Jack em seus tempos de mercenário. Andy subiu na cerca de madeira e apoiou-se num poste. — Ei, você está andando sem a bengala! — Estou mesmo. A resposta distraída de Jack não dava nenhuma pista do esforço maciço e de toda paciência que tal realização exigira. Jack havia morado com Letty e Murphy no Texas por quase um ano, usando este tempo para recuperar suas forças e aprender a andar novamente. Nunca tivera a intenção de ficar tanto tempo, mas sua fisioterapia fora intensiva. Recentemente, Cain e a esposa, Linette, que moravam numa fazenda em Montana, tinham ido visitá-lo e levaram consigo as duas filhas. As meninas de Cain eram quase da mesma idade que os filhos de Murphy, e as crianças deramse maravilhosamente bem. Cain havia pensado em fazer uma reunião de todos os ex-integrantes da Companhia de Liberação, mas Tim e Francine não puderam comparecer. A fazenda onde criavam lhamas, em Vashon Island, no Estado de Washington, exigia cuidados constantes e Tim Mallory possuía um rebanho pequeno, mas crescente. Quando achou que estava em condições de viajar, Jack decidiu fazer uma visita aos seus amigos Tim e Francine. A princípio, planejara ficar apenas uns dois dias, mas descobriu que adorava a paisagem de Puget Sound. O local o fazia lembrar do México e dos anos que passara a bordo do Scotch on Water, e daquelas breves semanas com Lorraine.
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Bestseller — Mamãe disse que vai chegar uma hora em que ninguém vai sequer imaginar que você costumava andar com uma bengala — Andy falou. Descansou o queixo entre as mãozinhas e exalou um suspiro profundo. — Ei, ali está Bubba! — exclamou em seguida, apontando para uma lhama no fundo do pasto. — Bubba? — Jack repetiu, sorrindo. — Papai e ele não se entendem muito bem, mas eu sei que Bubba ganha uma parte a mais de ração todos os dias. — E você perguntou ao seu pai por que ele faz isso? — Perguntei. — E o que ele disse? Andy encolheu os ombros. — Disse que Bubba lhe fez um favor certa vez, e que ele não esquece. Jack sabia tudo sobre este favor. Seis anos atrás, na mesma noite em que Andrew Mallory nasceu, dois assassinos contratados tinham feito uma "visita" à fazenda. O trabalho deles havia sido eliminar Tim e Francine. Por mais inacreditável que parecesse, o surgimento inesperado da enorme lhama assustara os bandidos, salvando a vida do casal. — E o que mais a sua mãe falou? — Jack perguntou. — Isto é, sobre eu andar sem a bengala. Antes de se casar, Francine fora uma das melhores fisioterapeutas da Costa Oeste, e estivera encarregada da recuperação de Jack desde o início. Andy suspirou novamente. — Ela falou que vai demorar mais tempo para seu coração cicatrizar do que todo o resto. Você machucou o coração quando caiu do desfiladeiro, Jack? — Virou-se e encarou Jack com curiosidade. — Sim, de certa forma. — O que isso quer dizer? — É difícil explicar. Jack não queria falar sobre Lorraine e, na verdade, ainda não falara com ninguém. Nem com Murphy, ou Tim, ou com suas esposas. Mas isso não significava que ela estivesse longe de seus pensamentos. Embora um ano e meio já tivesse se passado, não havia um dia em que ele não pensasse nela.
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Bestseller Retalhos de lembranças lhe surgiam nos momentos mais estranhos, geralmente quando ele estava menos preparado para enfrentá-las. E não podia evitar de pensar no que teria acontecido com ela, depois que voltara aos Estados Unidos. Ela seria feliz? Teria contado ao marido sobre ele? Como Gary Franklin teria reagido? Será que ela o esquecera e tivera o bebê que tanto desejava, a ponto de mencioná-lo à enfermeira do dr. Berilo? A idéia de Lorraine com um bebê fazia seu coração contrair-se de dor. Apenas há pouco tempo ele passara a dar-se conta do quanto queria ter seus próprios filhos. Quando via seus amigos com seus filhos e filhas... — Andy está "falando pelos cotovelos" novamente? — Tim perguntou, juntando-se a eles na cerca. — Nem um pouco. — Jack gostava da companhia do menino, e de sua mania de falar demais. — Coisas estranhas têm acontecido com o clima, em todo o país — Tim comentou, erguendo os olhos para o céu, que estava muito azul, com poucas nuvens altas e brancas. — Pois para mim o clima parece perfeito — Jack murmurou. Na verdade, gostava de Washington e já chegara a pensar em comprar alguns acres de terra nas redondezas. Algum lugar próximo à água. Ele havia vendido o Scotch on Water num momento de dor, sabendo que nunca mais seria capaz de dormir no barco novamente sem pensar em Lorraine. Mal sabia, então, que seria incapaz de dormir em qualquer lugar sem pensar nela. — Acho o clima daqui excelente — disse. — Estou falando sobre o que aconteceu em Louisville, no Estado de Kentucky. — Louisville? — Lorraine e Gary moravam em Louisville. — Você não ouviu as notícias? — Não. — Jack precisou fazer um grande esforço para ocultar seu interesse. — Há tornados na região, fazendo muitos estragos. O noticiário só fala sobre isso. — Tim balançou a cabeça. — É difícil acreditar que uma tempestade possa causar tantos danos. — Quantas pessoas morreram? — Cinco, até agora, mas acreditam que outros corpos sejam encontrados nos próximos dias.
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— Isso é muita coisa. — E não foi apenas uma parte da cidade — Tim continuou. — Pelo que ouvi no noticiário, muitos bairros foram afetados. É uma loucura ver uma casa inteira sendo arrancada do chão, enquanto a casa no outro lado da rua permanece intacta. Naquela noite, Jack ficou acordado até mais tarde a fim de assistir as notícias na tevê. Depois, não conseguia dormir. Bastava fechar os olhos e a imagem de Lorraine lhe surgia, e quando finalmente adormeceu, sonhou com ela a noite toda. Num dos sonhos, procurava por ela mas não conseguia encontrá-la. Ouvia-lhe a voz, que se tornava cada vez mais fraca, mais urgente e apeladora. Então encontrou-a, enterrada sob uma imensa pilha de destroços. Não importava o quanto cavasse, quanto esforço fizesse, não conseguia alcançá-la. Acordou suando frio. Quando os primeiros raios de sol espalharam-se sobre os pastos, trazendo a luminosidade típica de novembro, Jack já havia feito as malas e reservado um lugar no vôo para Louisville. — Está indo embora? — Francine perguntou, servindo-lhe uma xícara de café. Jack bebeu o primeiro gole e assentiu. — Algum motivo em especial? — Tim indagou, pegando uma xícara no balcão da cozinha. — Sim — Jack limitou-se a responder, sem oferecer maiores explicações. Viu quando marido e mulher trocaram um olhar. — E é importante? — Francine insistiu, passando manteiga numa torrada. — É, sim. Jack sabia que as perguntas de Francine eram uma forma sutil de lhe dizer que talvez não fosse uma boa idéia esforçar-se tanto. Depois de todo aquele tempo, ele ainda estava tão fraco quanto uma lhama recém-nascida. Mas Jack estava doente e cansado de estar doente e cansado. — Para onde você vai? — Tim quis saber. — Para o Kentucky? Jack ficou surpreso com a perspicácia do amigo. — E se for? Tim e Francine sentaram-se lado a lado, de frente para ele.
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Bestseller — É lá que ela está? — Francine perguntou. Ninguém fora do México sabia sobre Lorraine — e no entanto todos eles pareciam saber. Jack não conseguia entender como isso acontecera. Os dois aguardavam sua resposta. — Não sei onde ela está, mas desconfio que seja em Louisville — respondeu, de má vontade. — Então você vai descobrir — Tim anunciou com certeza, como se aquela fosse a conclusão romântica que todos esperavam. Embora Jack detestasse destruir as ilusões de seus amigos, achou melhor ser bem claro: — Só quero me certificar de que ela está bem. De que não precisa de nada. — Mas vai falar com ela, não é? — Não. — Por que não? — Tim perguntou. — Porque, então, provavelmente terei de falar com o marido dela também. Isso silenciou-os imediatamente, Jack reparou. Deveria ter esclarecido o assunto bem antes, pensou. A viagem de avião até Louisville demorou quatro horas e, felizmente, o aeroporto não tinha sofrido nenhum dano. Jack levou quarenta e cinco minutos para conseguir um carro alugado e localizar seu hotel. Assim que entrou no quarto, abriu a gaveta da mesa-de-cabeceira e pegou a lista telefônica. — Gary Franklin... — murmurou, enquanto abria a página na letra F, percorrendo a lista de nomes com a ponta do dedo. Apenas um G. Franklin. Lorraine mencionara o nome do marido somente uma vez, mas ficara gravado em sua memória. Jack o repetia freqüentemente, lembrando a si mesmo que aquele era o homem que a amava, e que esperava por ela em casa. Pegou um bloco de anotações e escreveu o endereço. Falara a sério, quando dissera a Tim e Francine que não pretendia encontrar-se com Lorraine. Porém, para sua própria paz de espírito, precisava saber se ela estava bem. Exausto pela longa viagem, Jack sabia que seria mais aconselhável esperar até o dia seguinte antes de aventurar-se pelos bairros da cidade. Mas nunca fora um homem paciente, e a tempestade aumentara ainda mais sua ansiedade. Pegou as chaves do carro e saiu. Com um mapa da cidade e as instruções que o recepcionista do hotel lhe dera, dirigiu até encontrar o bairro onde Lorraine mo-
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Bestseller rava. Quando viu a placa informando que aquela era a rua Dogwood, soube que estava perto. Jack seguiu a numeração das casas até encontrar a que procurava: 323. Parecia que aquela, em toda a vizinhança, havia escapado do pior da tempestade. Sentiu um alívio imediato. Seu propósito estava cumprido, e agora deveria passar direto pela casa e ir embora. Mas, em vez disso, parou no lado oposto da rua e desligou o motor do carro. A casa era bastante comum. Térrea, pintada de amarelo pálido. A construção era exatamente igual a centenas de outras casas erguidas pouco depois da Segunda Guerra. O tipo de residência que tem um gramado na frente, uma cerca branca e... duas crianças brincando. Havia um carro conversível parado na porta da garagem, com a capota baixada. Jack viu alguma coisa amarela no banco traseiro. Estreitou os olhos, tentando enxergar melhor, e lembrou-se de que amarelo era a cor preferida de Lorraine. Era uma manta de lã, amarela, saindo de um cesto de bebê. Lorraine devia ter tido um bebê recentemente. Um bebê de Gary. Jack fechou os olhos e esperou que a dor terrível se aplacasse. Era isso que ele queria para ela, era o que esperava que tivesse acontecido... Engolindo as lágrimas que teimavam em aparecer, Jack girou a chave na ignição. Tinha as respostas que queria, disse a si mesmo. Descobrira tudo o que precisava saber. Mais do que queria, aliás. Agora, poderia voltar à sua vida de sempre, sem que Lorraine sequer soubesse que ele estivera ali. Acabara de manobrar o carro de volta para a rua quando, vindo do nada, uma bola de beisebol bateu contra o pára-brisa. A força do impacto estilhaçou o vidro.
CAPÍTULO XIX
O senhor está bem, moço? Dois meninos correram para o lado do carro, espiando pela janela. — Eu estava bem, dois segundos atrás — Jack resmungou, um tanto zonzo.
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— Brice? O menino fez um giro e olhou por cima do ombro. — É o meu pai! — Foi você que jogou a bola — o segundo garoto falou. — Vou dar o fora daqui. — Com isso, saiu correndo. Jack deixou o carro em ponto morto e saiu para avaliar os estragos. Um homem aproximou-se, vindo do mesmo lado da rua onde ficava a casa de Lorraine. Parecia um executivo, a julgar pelo terno escuro e camisa branca. — O que aconteceu? — o homem perguntou, dirigindo-se a Brice. O menino teve uma dificuldade evidente de encarar o pai. — Todd e eu estávamos treinando e eu decidi ver se conseguia arremessar a bola com a mão esquerda, então... — Fez uma pausa, olhando para o chão. — Então a bola bateu no pára-brisa do meu carro — Jack completou. — Mas, exceto pelo vidro quebrado, não houve nenhum dano — acrescentou, minimizando o estrago. — Acidentes acontecem. — Foi um arremesso e tanto — o pai de Brice comentou, examinando o vidro quebrado. — Eu sinto muito, de verdade — Brice falou, com voz trêmula. O homem pousou as mãos nos ombros do menino e olhou para Jack. — Vamos pagar pelos danos, naturalmente — afirmou. Jack assentiu, pensando que o melhor a fazer seria pegar os dados do sujeito e ir embora o mais depressa possível. Não queria arriscar-se a ficar ali e ser visto por Lorraine. — Você se machucou? — o pai de Brice quis saber. — Não. Agora, se você me der as informações sobre seu seguro, posso cuidar de tudo pessoalmente. O homem soltou os ombros do menino, dando-lhe uma palmadinha tranqüilizadora nas costas. — Tudo bem. E obrigado por não ter gritado com o menino. Foi um acidente, mas que não deverá se repetir... certo, Brice? — Certo! Jack sorriu diante do evidente respeito que existia entre pai e filho. O homem tirou a carteira do bolso e pegou o cartão do seguro.
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Bestseller — Meu nome é Gary Franklin — disse, estendendo a mão. Jack ergueu a cabeça de repente. Então, vendo a mão estendida, aceitou o cumprimento. — Você é Gary Franklin? — perguntou, antes que pudesse evitar. Perguntouse se não teria errado o endereço. — Você me conhece? Jack balançou a cabeça. Mas foi poupado de maiores explicações quando uma mulher aproximou-se, trazendo um bebê no colo. — O que aconteceu? — ela perguntou, olhando direto para o filho. Sua expressão dizia que tinha uma idéia razoável, mas queria que Brice explicasse tudo por si mesmo. — Minha bola de beisebol bateu no carro do sr.... — Ele parou, esperando que Jack dissesse seu nome. — Jack Keller — ele falou. Esperava que não ficasse muito óbvio, mas não conseguia parar de olhar para a mulher. E para o bebê, também. A julgar pela expressão de Gary, ele havia percebido. — Esta é minha esposa, Marjorie — disse, passando o braço em torno dos ombros dela. — E a nossa filha, Alana. O fluxo instantâneo de alívio que perpassou Jack foi difícil de explicar. E ainda mais difícil de entender. Estava claro que aquele não era o Gary Franklin casado com Lorraine. E o fato de o bebê também não ser dela não deveria ser motivo de tanta alegria. Afinal, Jack a expulsara de sua vida, a libertara para que fosse viver uma vida decente com o homem que a amara o bastante para casar-se com ela, muito antes que se conhecessem. — Vocês têm uma linda filha — Jack falou. — Quantos meses ela tem? — Oito meses — Marjorie respondeu. — Escutem, não precisamos ficar conversando aqui no meio da rua. Não gostaria de entrar um pouco, sr. Keller? — Jack Keller... — Gary repetiu, pensativo. — Conheci alguém com este nome. Isto é, nunca o encontrei pessoalmente, mas ouvi falar nele o bastante para saber que gostaria do sujeito. — É um nome bastante comum — Jack comentou, enquanto encaminhavamse na direção da casa. — Pode-se dizer que Jack Keller é um amigo de uma amiga.
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Bestseller Gary abriu a porta da frente. A sala estava atulhada de coisas, embora não parecesse desarrumada. As evidências da presença do bebê estavam em toda parte: uma cadeira de balanço com uma manta dobrada nas costas, um cercadinho perto do sofá, brinquedos espalhados no chão, uma mamadeira vazia na mesa de centro. Jack não pretendera aceitar o convite para entrar na casa. Afinal, só precisava dos dados da seguradora de Franklin. Ainda assim... Sentia-se estranhamente atraído pelo jovem casal, mesmo sabendo que aquele Gary Franklin não era o marido de Lorraine. Ou, talvez, por causa disso. — Quer ver o que tem o seu nome? — Brice perguntou. Sob o olhar curioso de Jack, o menino foi até a estante onde ficava o televisor e pegou uma foto, entre os vários porta-retratos reunidos ali. — Brice — a mãe falou, impedindo-o. — Não creio que seja uma boa idéia. — Por quê? — Brice perguntou. — Porque este Jack Keller... já faleceu. — Ah... — Brice deixou a foto emoldurada novamente na estante. — Eu não me importo — Jack intercedeu, ainda mais curioso. O menino tornou a pegar a fotografia e levou-a até ele. Porém, não era o que Jack esperava ver. Muito pelo contrário. Na verdade, foi com um choque que ele compreendeu que aquilo mudaria para sempre o curso de sua vida. A fotografia não era de um homem, como ele esperava, mas sim de uma mulher. Lorraine. Seu lindo rosto sorria para ele. A visão foi suficiente para que o coração de Jack disparasse. Ela estava parada na frente de uma casa que parecia ser nova, entre Antônio e Hector Dancy, passando um braço bronzeado em torno de cada um dos meninos. Os três exibiam largos sorrisos. Por um instante, Jack quase não a reconheceu como a mulher que conhecera antes. Ela usava short caqui, uma blusa sem mangas, e os cabelos estavam curtos. E os olhos... refletiam felicidade e — ele podia sentir — uma dor muito profunda. Perguntou-se se ela teria percorrido o mesmo vale de lágrimas que ele, naqueles últimos dezoito meses. E se teria encontrado uma tênue sensação de paz, como ele encontrara. Se assim fosse, suspeitava que não tinha sido fácil. Como não fora para ele.
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Bestseller Tudo o que Jack possuía para sustentá-lo, durante aqueles longos meses, eram as lembranças. Não guardara uma foto de Lorraine, nem alguma recordação do tempo que passaram juntos. Mas nada disso era necessário, ou era o que ele pensava. No entanto... Ao que parecia, ele não a conhecia tanto quanto acreditara. Quando conseguiu afastar os olhos da foto de Lorraine com os meninos, foi atingido por mais um choque. Havia uma placa de madeira pendurada sobre a porta da casa diante da qual eles estavam parados. Jack teve de estreitar os olhos para ler os dizeres: "Clínica de Saúde Jack Keller". — Há algo errado? — Gary perguntou. Jack ergueu os olhos e balançou a cabeça. — Parece que você viu um fantasma. — É assim que me sinto — Jack não importou-se de dizer a ele. — E parece que temos mais coisas a conversar do que imaginei a princípio.
Lorraine estava morando em El Mirador havia seis meses, mas sentia-se como se sempre tivesse pertencido à comunidade. Seu espanhol ainda era bastante rudimentar, mas estava melhorando. Antônio e Hector ficavam orgulhosos por ensinar-lhe novas palavras e ela, em troca, ensinava-lhes o seu idioma. Assim que anunciara sua intenção de construir uma clínica médica em memória de Jack, ela recebera mais ofertas de ajuda dos habitantes de El Mirador do que poderia aceitar. A clínica, projetada para conter um apartamento onde ela própria moraria, fora construída em tempo recorde. Mas a construção em si fora apenas o começo. Seus amigos na Group Wellness, em Louisville, conseguiram arrecadar mais de 25 mil dólares em medicamentos, e a Med-X doara todos os equipamentos médicos, com o compromisso de fazer o mesmo no ano seguinte. A última dificuldade de Lorraine, antes de mudar-se para a clínica, fora conseguir o certificado para exercer sua profissão no México. Com a ajuda de seu pai, que preencheu todos os formulários, e da boa vontade de um governo grato pelos seus esforços em devolver a Estrela de Kukulcan, Lorraine estava pronta para abrir as portas ao público em menos de dois meses. No primeiro dia, ficou espantada com o número de pacientes que esperavam do lado de fora da clínica. A fila estendia-se ao longo das estreitas ruazinhas.
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Bestseller Ao final da primeira semana, Lorraine soube que fizera a coisa certa. Antes, toda sua vida lhe parecia sem sentido, desnecessária. Mas em El Mirador as suas habilidades médicas eram extremamente necessárias. E o fato de saber que estava ajudando outras pessoas também a ajudava; aprendeu a aceitar seu passado e seu futuro. O mesmo havia acontecido com seu pai, quando começara a dar aulas ali. Pela primeira vez desde que perdera Jack, Lorraine passou a dormir a noite toda. Às vezes, um dia inteiro se passava sem que ela pensasse nele. E quando a lembrança dele perpassava-lhe a mente, já não se sentia mais tão torturada pela dor. Sentia, com certeza, que ele teria aprovado seu retorno a El Mirador e o trabalho que estava fazendo. Às vezes, geralmente ao fim de um longo dia, Lorraine sentava-se numa cadeira, estendia as pernas e desejava que, de alguma forma, ele pudesse vê-la. Como ela estava diferente daquela mulher exigente e irritadiça que ele conhecera antes. Havia mudado tanto desde então, embora apenas recentemente começasse a compreender toda a extensão desta transformação. Durante toda sua vida, sua mãe insistira em dizer que a vida estava repleta de compensações. Quando uma porta se fechava, ela dizia, outra se abria. Lorraine não pensara muito nisso até dar-se conta do quanto passara a amar seus três meio-irmãos. Havia perdido Jack, mas seu coração enchera-se novamente de amor. Antônio, Hector e Alberto retribuíam este amor completamente. Os dois meninos mais velhos costumavam visitá-la nos fins de tarde e, quase sempre, conseguiam arrastá-la para jantar em casa. Por duas ou três noites por semana, Lorraine reunia-se com Thomas e Azucena para o jantar. E quanto mais conhecia o pai, mais o amava e respeitava. Muitas e muitas vezes desejou tê-lo conhecido antes, e ainda esforçava-se para não culpar a mãe pelos longos anos de separação. Seu relacionamento com Azucena também se transformara, crescendo para uma afeição e compreensão mútuas. Alberto, o mais novo de seus irmãos, havia se recuperado da doença completamente. Era um garotinho rechonchudo e alegre, cujo rostinho redondo iluminava-se de felicidade sempre que a via. Corria desajeitadamente para ela, sabendo que Lorraine o pegaria no colo e o ergueria até o alto, e seu riso contagiante ressoava pela casa. De certa forma, ela sentia como se aquelas crianças queridas fossem seus próprios filhos. A família que jamais teria com Jack. Ele lhe mostrara quanto amor
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Bestseller seu coração poderia conter, e agora este amor transbordava, envolvendo seus irmãos mais novos. Num fim de tarde tranqüilo e quente, Lorraine estava no escritório terminando de preencher a papelada diária. A porta abriu-se e, quase esperando que fossem Antônio e Hector, ela deixou a caneta de lado. — Estou no escritório — avisou em espanhol. Quando ninguém respondeu, Lorraine levantou-se e foi até a porta. Costumava obedecer os horários normais, mas não hesitava em atender um paciente mesmo depois de fechar a clínica. Entrou na sala de espera e viu um homem na porta, emoldurado pela luz que vinha de fora. Mas não era um homem... era um fantasma. O fantasma de Jack Keller. Mas era tão real, tão vívido, que ela teve de conter-se para não correr aos seus braços. Procurando uma cadeira, apoiou-se no encosto para não cair. E, durante todo esse tempo, embriagava-se com a visão dele. Meu Deus, parecia tão real! Seu coração disparava loucamente. O medo percorreu-a, embora ela acreditasse que aquele fantasma em particular jamais lhe faria mal algum. Sua maior preocupação era pela própria sanidade mental. Tinha medo de que, de algum jeito, tivesse enlouquecido. Que a intensidade de seu amor por Jack a tivesse feito perder a razão. Ou, talvez, estivesse trabalhando demais, pensou no decorrer daqueles segundos arrebatadores. Passando tempo demais na clínica, sem pensar em si mesma. Meu Deus, poderia ser Jack de verdade? Ele poderia estar vivo? Teria Deus, e o destino, cometido algum erro terrível, e Jack fora enviado de volta para ela? Ansiava em dizer o nome dele, chamá-lo, transformar aquele sonho em realidade. Ainda assim, temia que, se falasse, ele pudesse desaparecer. Ainda não. Por favor, ainda não. Deixe-me tê-lo por mais alguns minutos. Mas, finalmente, não pôde mais se conter: — Jack? — O nome dele tremia em seus lábios. A fisionomia dele relaxou e seus olhos suavizaram-se, quando encaminhou-se para ela. Com imensa delicadeza, pressionou a palma da mão em seu rosto. O toque foi quente, sólido e, por um instante, Lorraine achou que iria desmaiar.
Debbie Macomber
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Bestseller Precisando apoiar-se nele, segurou-lhe a mão e levou-a até seus lábios, beijando-o levemente. — Ah, Raine... — Jack pegou-a pelos ombros e beijou-a como se esperar mais um segundo fosse demais para ele. Lorraine sonhara com aquilo tantas vezes que era difícil saber se realmente estava acontecendo. Mas, se fosse um sonho, nunca mais queria acordar. Passou os braços em torno do pescoço dele e, com os corpos colados, retribuiu o beijo. Havia fome, urgência, amor e uma intensa saudade. Todas estas sensações mesclavam-se, até que qualquer pensamento coerente abandonou-a. Ela e Jack abraçavam-se com força, os lábios buscando-se mutuamente, tomados por uma paixão violenta. Lorraine mergulhou os dedos por entre seus cabelos, segurando-os com firmeza, como se isso pudesse impedi-lo de deixá-la outra vez. — Estou sonhando? — ela sussurrou, querendo desesperadamente uma resposta. — Diga-me, por favor, isso realmente está acontecendo? Jack afastou o rosto do dela e fechou os olhos. — É real, Raine, é de verdade. Eu estou aqui, estou vivo. Soluçando, engasgando, mal conseguindo respirar, ela apoiou-se nele, as mãos apertando-lhe os ombros. Aquilo não era possível. O dr. Berilo lhe dissera que Jack havia morrido. Sentara ao lado dela, oferecendo-lhe conforto. E a presença de Jack, agora, estava muito além da sua compreensão. — Desculpe-me — ele repetia, entre os beijos. — Perdoe-me, por favor. Perdoe-me — murmurava, sem parar. — O que aconteceu? — ela indagou, precisando de respostas mas, ao mesmo tempo, receando-as. Mas seu desejo pela verdade sobrepujou o medo. — Conteme tudo — implorou. — Eu preciso saber. Jack puxou uma cadeira, a fez sentar e ajoelhou-se ao lado dela. Ficou olhando-a por um longo instante, antes de segurar-lhe o rosto entre as mãos. — Jack, por favor. Conte-me o que aconteceu! Uma eternidade se passou, antes que ele começasse a falar. — Pensei que você fosse casada. Isso não explicava por que o médico lhe dissera que Jack estava morto. — Você me amava — ele disse, num sussurro. — Pensou que eu não sabia?
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Bestseller Lorraine sentia-se perdida num nevoeiro, sem entender em que lugar perdera o rumo, como aquilo poderia ter acontecido. O amor deveria tê-los unido, e não separado. O amor deveria ser um laço indestrutível. — E eu a amava o bastante para convencer o dr. Berilo a lhe dizer que eu havia morrido. — Ah, meu Deus... — Lorraine fechou os olhos para evitar que a sala continuasse girando. — Amei-a o bastante para impedi-la de destruir sua vida. — Você me amava? — ela disse. — No passado? — Não sabia a quem culpar: a si mesma por ter mentido desde o início, ou a ele, por ter sido tão malditamente nobre. A resposta de Jack foi inclinar-se para ela e beijá-la novamente. — Passado, presente, futuro e todos os tempos que possam existir. Mas eu tinha de evitar que você cometesse o maior erro de sua vida. — Eu não sou casada! — ela protestou. — Eu não sabia disso, na época. E era sua própria culpa não ter dito a verdade para Jack. — Eu não sabia — Jack repetiu. — Você usava uma aliança na mão esquerda, portanto presumi que fosse casada. E quando ele lhe perguntara o nome de seu marido, Lorraine dissera o nome de Gary. Só então a gravidade de seu ato atingiu-a. Por causa de uma mentira aparentemente inocente, eles haviam desperdiçado dezoito meses de suas vidas. A mentira dele também os prejudicara, mas Lorraine aceitava toda a responsabilidade. A culpa era toda sua. Começou a chorar, com os soluços emergindo do fundo de si. Chorou como se nunca mais pudesse parar, como se a culpa e o arrependimento a tomassem por inteiro. — Eu sei, eu sei... — Jack murmurava, puxando-a para si. Ela mergulhou em seus braços, e ele enxugou-lhe as lágrimas. Lorraine aquietou-se, exausta, e a paixão tornou a aflorar entre eles, como acontecera naquele dia na Cidade do México. Quando o beijo terminou, nenhum dos dois conseguia falar. Ficaram abraçados por um longo tempo, até que finalmente Jack disse:
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Bestseller — E quanto a essa história de você ter um marido... — Sim? — Assim que pudermos acertar tudo, pelo menos esta parte será verdade.
CAPÍTULO XX
Lorraine leu o texto pela segunda vez, tentando clarear os pensamentos. Era difícil concentrar-se em seus estudos, pois estava ansiosa pela volta de Jack. A notícia maravilhosa sobre o bebê borbulhava dentro dela, transbordando de vez em quando sob a forma de pequenos risinhos. Não conseguia evitá-los, mas realmente precisava estudar para um importante exame de química no dia seguinte. Fiel à sua palavra, Jack a levara para o altar menos de uma semana depois que chegara em El Mirador. O padre Garcia celebrara a cerimônia, que fora testemunhada por Thomas e Azucena. Depois, todos os habitantes de El Mirador participaram da comemoração. A maioria dos moradores do vilarejo era muito pobre, mas possuía amor e generosidade em abundância. O casamento de Lorraine com Jack fora a oportunidade perfeita para que eles demonstrassem o quanto valorizavam o trabalho dela e a clínica. Mesas e mesas de comida tinham sido armadas na praça da cidade, e presentes artesanais foram oferecidos a ela e Jack. A festa de casamento durara a noite inteira, e Jack fora obrigado a fugir com ela, sob os aplausos e risos de toda a cidade. A lua-de-mel fora incrível. Lorraine sentia o coração aquecer-se cada vez que lembrava-se da semana mais maravilhosa de sua vida. Jack havia ancorado o seu barco recém-adquirido perto de uma pequena ilha deserta na península de Yucatán, não muito distante de El Mirador. Tinham passado os dias nadando, fazendo pesca submarina, explorando os arrecifes de corais. E, as noites... as noites eles passavam explorando-se mutuamente. O fato de estar realmente nos braços de Jack e amá-lo tão completamente era um presente que Lorraine jamais esperava receber. Naqueles primeiros dias o amor entre eles havia sido frenético, como se temessem não ficar juntos por muito tempo. Jack a abraçava forte depois do ato de amor, e ficavam assim, abraçados
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Bestseller um ao outro por longo tempo. Muitas vezes Lorraine chorava em seus braços, de pura alegria e felicidade. Jack parecia entender sua necessidade de chorar, depois do amor. Ela chorava por todos os meses solitários que haviam desperdiçado. Pelo milagre de estarem juntos. Nas semanas que se seguiram à lua-de-mel, tinham longas conversas sobre o futuro. Cada vez mais, Lorraine convencia-se de que El Mirador, bem como os outros vilarejos próximos, precisavam de um médico totalmente qualificado. Jack a encorajara a matricular-se na faculdade de medicina, a fim de concluir o curso que ela interrompera. Foi Gary quem lhe falou sobre um clínico geral prestes a se aposentar, e que procurava algum tipo de trabalho voluntário. Lorraine escreveu-lhe uma carta, contando-lhe tudo sobre a clínica, cujo nome fora trocado para "Centro Médico Virgínia Dancy", e ele viera para El Mirador com a esposa, para uma visita de duas semanas. No instante em que conheceu o dr. Samuel Wetmore, ela soube que ele seria a escolha perfeita para substituí-la na clínica, enquanto ela estivesse estudando para ingressar novamente na faculdade. Após um curso-relâmpago de espanhol, o dr. Samuel mudara-se para El Mirador e passara a trabalhar com ela, até que Lorraine recebeu a notícia de que fora aceita no terceiro ano do curso de medicina da Universidade de Kentucky. Agora, seu curso estava quase se encerrando, e ela estava grávida. O bebê não deveria ser uma surpresa para nenhum deles, mas mesmo assim Lorraine estava encantada com a notícia. Um encanto que, em pouco tempo, transformouse na mais pura felicidade. Não sabia como poderia concentrar-se na matéria que tinha de estudar, quando tudo o que desejava fazer era dançar pela sala do apartamento. Lorraine ouviu a porta abrir, e soube que Jack finalmente estava em casa. Ele mal havia cruzado a soleira da porta quando ela correu ao seu encontro, atirando-se em seus braços. Antes mesmo que ele tivesse a chance de falar, Lorraine o empurrara contra a parede, envolvendo-o numa série de beijos famintos. Os dois estavam ofegantes, quando ela parou. — Ei, o que foi que eu fiz para merecer esta recepção? — ele perguntou, sorrindo. — Não que esteja reclamando... Lorraine beijou-o na testa. — Isto é porque você é maravilhoso.
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Bestseller — Bem, eu tenho de concordar com você — ele murmurou. — E viril — ela acrescentou, começando a abrir-lhe a camisa. — Também. — E potente. — É o que dizem. — Jack parou subitamente no ato de puxar a blusa dela. Seus olhos se encontraram, e ele franziu a testa. — O que, exatamente, você está querendo dizer com isso? Lorraine levou-o para o quarto. — Será que não sabe? Sem dar-lhe a chance de responder, Lorraine beijou-o e despiu-o ao mesmo tempo. As mãos dele ocupavam-se em remover as roupas dela. Logo estavam na cama, as bocas ávidas se buscando, os corpos ardendo de paixão e desejo. Jack moveu-se por cima dela, e Lorraine abriu-se para ele — seu coração, seu futuro, todo seu ser — e suspirou com imensa satisfação quando seus corpos uniram-se lentamente. Sob os movimentos ritmados de Jack, ela o acariciava, sentindo os músculos firmes e duros de suas costas. Seus dedos traçavam as cicatrizes remanescentes da queda do desfíladeiro, sabendo que cada uma delas era a prova da coragem dele. Mais tarde, Jack continuou abraçando-a e sussurrou em seu ouvido: — É melhor explicar aquilo que disse antes. — Quer dizer que ainda não entendeu? — Ela sorriu, com um ar misterioso. — Lorraine? — Ele engoliu em seco, antes de continuar: — Será que... há alguma possibilidade de você estar grávida? — Sim! Ah, Jack, não é maravilhoso? Ele ficou rígido. Erguendo a cabeça, Lorraine sorriu para ele novamente, desta vez sem ocultar sua felicidade. — Não me diga que não tinha adivinhado... — Não tinha, mesmo — a voz dele soava rouca, trêmula. — Ah, Jack, eu estou tão feliz! Ele mergulhou o rosto na curva de seu pescoço. — Não posso acreditar... — Beijou-a, com imensa ternura. — Mas quanto ao seu curso, o trabalho na clínica? Não havíamos planejado o bebê para já.
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Bestseller — Algumas das melhores coisas da vida acontecem sem planejamento. Ele riu alto. — Isso é verdade! — Já pensei em tudo — ela disse, aconchegando-se a ele. — Quero que você termine a faculdade. — Jack pressionou a mão contra o ventre liso de Lorraine, como se desse boas-vindas ao bebê. — Vou terminar, prometo. E estou ansiosa para começar a residência, e depois, trabalhar na clínica. — Posso ajudar com o bebê. — Estou contando com isso. Quando voltarmos para El Mirador, Azucena poderá cuidar do bebê durante o dia. Sei que o dr. Wetmore ficará mais dois anos, e enquanto isso você poderá dar início à empresa de construção de barcos, sobre a qual esteve falando. Jack riu baixinho. — E, estou vendo que você pensou em tudo, mesmo. — Tenho mais alguns planos, mas não precisamos discuti-los agora. — Quer dizer que há mais? — Ele tornou a rir, beijando-a no alto da cabeça. — Vou lhe dizer uma coisa: estar casado com você é uma aventura e tanto. Vindo de um ex-mercenário, aquele era um belo elogio.
Fim
DEBBIE MACOMBER sempre gostou de contar histórias — primeiro para as crianças de quem cuidava como baby-sitter, depois para seus próprios filhos. Como mãe e esposa em tempo integral e ávida leitora de romances, sonhava em, um dia, compartilhar suas histórias com uma platéia mais ampla. No outono de 1982, vendeu seu primeiro livro, e isso foi apenas o início. O nome de Debbie tem aparecido regularmente nas listas dos livros mais vendidos do USA Today, o que não é de surpreender, considerando-se que existem mais de quarenta milhões de exemplares de seus livros, publicados no mundo todo!