017 judith arnold a noiva errada (bestseller 17)

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Qual é a coisa mais importante que você decidiu fazer no ano 2000? Vingar-se. É o que Cassie Webber deseja ardentemente fazer no último ano do milênio. Vingar-se de Phillip Keene, o homem que quebrou uma promessa... e o seu coração. Um ano antes, Cassie e Phillip se apaixonaram e ele falou em casamento. Então voltou a Ohio, para uma rápida visita aos pais. E Cassie nunca mais ouviu falar nele. Agora, Diane, a melhor amiga de Cassie, recebe o convite de casamento de Phillip com outra mulher. A noiva errada! Com a ajuda de Diane, Cassie planeja uma terrível vingança, e as duas decidem ir à cidade de Phillip para assistir ao seu casamento. Mas há uma coisa que Cassie quer, muito mais do que vingança. Quer voltar para os braços de Phillip... como a noiva certa.

Digitalização: Marina Campos Revisão: Analice


Bestseller 17 - Judith Arnold -A Noiva Errada

PRÓLOGO — Eu amo você, Cassie. Eles estavam nus, pernas entrelaçadas, corpos brilhantes de transpiração e exaustos. A mente de Cassie ficara tão confusa com o calor da paixão que ela teve certeza de que o entendera mal. Até então ele jamais dera a menor demonstração de que a amava. Ela, no entanto, o amara desde o começo. Bem, claro, talvez houvesse começado com um simples interesse, um interesse tão inesperado e desçoncertante quanto um soco no plexo solar. Em pouquíssimo tempo esse interesse havia evoluído para o tipo de amizade em que duas pessoas parecem magicamente conectadas, ligadas de inúmeros e indefiníveis modos, enxergando o mundo através do mesmo prisma e vendo os mesmos arco-íris. Não foi preciso muito tempo para admitir que estava loucamente apaixonada por Phillip Keene. Mas, infelizmente, ele iria embora no dia seguinte. Cassie ergueu a cabeça para vê-lo sorrir. Os olhos acinzentados brilhavam de emoção. Devagar, como se relutasse muito, ele soltou-se dos braços dela e apoiou-se nos cotovelos. — Eu quis fazer amor com você desde a primeira vez que a vi — confessou, sem deixar de sorrir. — Naquele dia em que carregou a caixa para mim? —Naquele instante. Ela correspondeu ao sorriso. Também quisera fazer amor com ele desde aquele momento. — Por que esperou tanto, então? Com a ponta dos dedos ele acompanhou o contorno do rosto, nariz e lábios dela. — Como eu poderia envolver-me com você sabendo que teria de ir embora em junho? Era junho, agora. Junho significava a graduação dele no curso de administração de empresas e sua volta a Ohio para dirigir a fábrica de móveis do pai. Cassie sempre soubera desse plano. Ele nunca a enganara. Sabia desde o começo que Phillip não ficaria em Boston depois de se formar. Mas o deixara tomar conta de seu coração assim mesmo. — Está arrependido? — perguntou ela. — Disto? — Ele beijou-lhe a boca de novo. — Está brincando? — Não. Não estou brincando. — Não. Não estou arrependido. Depois de um prolongado beijo, Phillip rolou de costas, levando-a consigo e fazendo-a ficar por cima dele. PROJETO REVISORAS 2


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— Só que pode complicar minha vida — acrescentou. — Por quê? Ele suspirou. — Você sabe por quê. Vou para casa. Cassie preferia que ele não se referisse a Ohio como casa. Queria que pensasse que sua casa era em Boston, na vida dela. Se houvesse alguma coisa que pudesse dizer para fazê-lo ficar, alguma coisa que pudesse fazer... Havia. Devia aproveitar a oportunidade, expor a alma. Devia ser corajosa e lutar pelo que queria. — O que você disse antes? — perguntou. — Sobre ir para casa? — Não, antes disso. Logo depois que nós... Ela sentiu o rosto arder. — Ah, logo depois daquilo. Ele riu, uma covinha formou-se em sua face, mas os olhos eram solenes. — Eu disse que te amo, Cassie. E é verdade. — Eu também te amo, Phillip. — Ela arqueou o corpo para trás a fim de olhá-lo. — Talvez... talvez você não tenha de ir embora? Mais do que uma pergunta, erá um pedido. Uma série de emoções espelhou-se no rosto dele: frustração, desapontamento e, em seguida, resolução. E amor. Cassie viu amor em seus olhos, tão verdadeiro e honesto quanto seu amor por ele. — Tenho de ir — falou Phillip, gentilmente. — Preciso explicar a meus pais que não vou me estabelecer lá e dirigir a Móveis Keene. Mas não posso dizer-lhes uma coisa dessas pelo telefone. Tenho de vê-los, falar com eles pessoalmente. Ele estava mesmo dizendo o que ela esperava? Mais uma vez tinha medo de acreditar nos próprios ouvidos. — Você não vai ficar em Ohio? — Como poderia? Eu te amo, Cassie, e você está aqui. Cassie jamais havia chorado de alegria até então, mas queria chorar agora. Queria soluçar, cantar e rir. E depois fazer amor com Phillip de novo. — Meus pais vão ficar aborrecidos por eu resolver morar em Boston — disse ele. -— Isso vai contra tudo que sonharam para mim... — E para eles mesmos — sugeriu ela. — Para a família. Eles também têm sonhos, você sabe. — Mas você precisa seguir os seus próprios sonhos — observou ela, sentindo-se triste pelos pais dele, mas feliz por si e por Phillip. Ele emoldurou-lhe o rosto com as mãos e beijou-a. — Vou explicar tudo a meus pais. Mas não posso fazer isso daqui. Não posso desapontá-los desse jeito. Tenho de ir até em casa. — Se você acha que é melhor... — E o que devo fazer — afirmou Phillip. — Falarei com eles e voltarei para você. — Eu te amo, Phillip — murmurou Cassie. — Eu já te amava antes, e agora amo mais ainda. — Voltarei, eu prometo. Voltarei e ficaremos juntos para sempre.

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CAPITULO UM “Sr. e Sra. Jarold Riggs solicitam a honra de sua presença no casamento de. sua filha Irícia Lynn com Phillip James Keene sábado, dezessete de junho do ano dois mil, às catorze horas e trinta minutos no Linden Jíills Country Club Lynwood, Ohio”. Cassie Webber ficou olhando para as letras prateadas, em relevo, que pareciam arabescos sobre o cartão azul-marinho muito firme, muito macio e muito formal. Vira vários convites de casamento, e este não se distinguia deles a não ser por um detalhe: o nome do noivo. — Phillip Keene? — disse, tentando disfarçar o pânico em sua voz. — Oh, meu Deus, Diane! Onde encontrou isto?! — Na minha caixa de correio. Diane preferia sentar nas mesas e não em cadeiras, por isso ignorou as cadeiras livres espalhadas pela sala e acomodou-se no canto da mesa de trabalho de Cassie. Móvel grande, maltratado, feio, dava impressão de ter passado seus melhores dias na sala de visitas de um presídio de segurança máxima. No momento servia como superfície de trabalho no estúdio de produção de Rodas dos Sonhos, o show de televisão que Cassie produzia para um canal do Estado. A maior parte do tampo da mesa estava tomada por anotações, fotografias, desenhos e páginas do roteiro de um episódio referente a Alamo, a ser exibido na temporada que começava. — Eu o trouxe para o caso de você não encontrar um na sua caixa — explicou Diane. A fotografia de Alamo que Cassie olhava foi obscurecida em parte pelo convite que Diane agitava sob seu nariz e em parte pelas lágrimas que lhe encheram os olhos. — Phillip Keene vai se casar — repetia, estupefata. Suas pernas enfraqueceram. As batidas de seu coração se aceleraram. Ela estava em pé e deixou-se cair na cadeira, piscando furiosamente para impedir que as lágrimas rolassem. — Assim parece — confirmou Diane. PROJETO REVISORAS 4


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— Oh, meu Deus... — Oh, meu Deus, mesmo! Assistente de produção e melhor amiga de Cassie, Diane soubera que ela estava apaixonada por Phillip muito antes que Cassie estivesse pronta para admiti-lo a si mesma. Uma vez que ele fora embora de Boston e os dias se haviam transformado em semanas, e as semanas em meses, sem uma palavra, Diane compreendera que Phillip havia posto Cassie de lado antes mesmo que ela pudesse nem sequer imaginar a dolorosa verdade. Diane sentara-se com Cassie muitas vezes, diante de um Chianti barato, ouvindo a amiga, alternadamente, lamentar a própria loucura e falar mal do caráter de Phillip. Levara-a para sua quadra preferida de tênis, no campus da Universidade de Lexington, na esquina da rua onde seus pais moravam, e deixara que ela ganhasse um set após outro graças aos seus serviços e rebatidas propositalmente inábeis. Comprara-lhe aveludados kiwis no supermercado Pare-e-Compre e assegurara-lhe que, sim, Phillip Keene merecia arder no inferno pela eternidade. Não precisara muito para Diane imaginar o que Cassie iria sentir ao saber que ele pretendia iniciar o século vinte e um casado com outra mulher. — Não posso acreditar — a voz de Cassie soou frágil. — Claro que pode acreditar. — Diane era gentil e cáustica ao mesmo tempo. — Phillip Keene é um verme, por que não faria algo assim? — Eu quero dizer que é muito ruim ele se casar. Não, é pior do que ruim. É horrível! Desprezível! E, ainda por cima, convidar minha melhor amiga para o casamento... Por que ele fez isso, Diane? Será que é sádico? — Podemos adicionar muitas coisas à lista do que ele é — disse Diane, compreensiva. — Um verme. Uma patética imitação de ser humano. Um bandido. Um filho de Satã. Uma droga de amante. — Não, isso não — discordou Cassie. — Um mentiroso, um sem-vergonha de duas caras, um sádico. — Diane considerou a lista e assentiu. — Claro, é possível que ele tenha me convidado com algum outro propósito além de esfregar o convite na sua cara. Pode ter convidado outras pessoas daqui, também. — Por que iria convidar outras pessoas? Cassie olhou para a sua sala. Como a mesa, seu escritório era um lugar ao qual a definição de classe não se aplicava. As institucionais paredes verdes eram cobertas por quadros de avisos, quadros negros e quadros brancos com anotações, elencos de artistas, pôsteres de Rodas dos Sonhos, idéias de enredos, memorandos e meticulosos orçamentos fornecidos pelo departamento financeiro. Arquivos se amontoavam num canto. Uma das paredes era recoberta por uma estante repleta de originais. Na escrivaninha, além da papelada, uma luminária de mesa disputava espaço com uma caixa de dominós e uma estátua da Rã Kermitt e da Miss Porquinha num carinhoso abraço e um computador. O escritório da produção da Rodas dos Sonhos era nem mais nem menos elegante do que a estação de televisão em conjunto. O único motivo para Phillip ter se aventurado no humilde mundo de uma pequena empresa de tevê estatal, pouco mais de um ano antes, fora trabalhar como voluntário, algumas horas por dia, atendendo ao telefone durante um dos programas dos quais o público participava. Fora pela primeira vez à emissora com um grupo de colegas da Escola de Economia Harvard, todos determinados a realizar um bom desempenho em seu caminho para a conquista do poder econômico. Phillip detestara atender ao telefone, então a experiência o inspirara a cogitar outras maneiras de fazer o canal de tevê conseguir mais patrocinadores. Convencera tanto o diretor do departamento orçamentário da empresa quanto um de seus professores de que era capaz de trabalhar no departamento financeiro e conseguir atrair patrocinadores PROJETO REVISORAS 5


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dispostos a investir um bom dinheiro. Fizera amigos entre as pessoas com as quais trabalhava na administração do canal de tevê, mas Cassie fora a única com quem estabelecera um verdadeiro vínculo. E que vínculo, pensou ela amargamente. Um vínculo feito de sexo e traição. — Quem mais daqui ele poderia convidar? — perguntou Cassie. Diane sacudiu os ombros. — Não sei. Ele passava muito tempo com o pessoal do departamento financeiro. — Passava muito tempo comigo, também. — Bem, talvez ele estivesse com espírito magnânimo e convidou uma porção de gente. Talvez pense que se cada um der ao feliz casal de noivos um copo com o logotipo do canal, conseguirá ter um jogo completo. — É... — Cassie deu uma risada forçada. — Provavelmente ele convidou a todos, menos a mim. Só para pôr um pouco de sal na ferida. — Vamos, Cassie. Essa ferida já deve estar mais do que curada, e sal não arde em cicatriz. Cassie suspirou. Ou sal ardia em cicatriz ou sua ferida estava longe da cura porque só o fato de olhar para o convite doía tanto quanto se alguém arrancasse seu coração do peito sem anestesia. — Aliás — notou Diane —, pode ser que a mãe dele tenha me mandado o convite. — A mãe de Phil? — estranhou Cassie. — Eu a conheci quando ele a trouxe aqui. Lembra-se? Você também a conheceu... só que estava trabalhando no computador, e Phil, ocupado com o pessoal das finanças. Ele me pediu que desse atenção a sua mãe naquela tarde e levei a querida Dorothy Keene para passear pela cidade, a fim de que conhecesse a Velha Igreja do Norte, o Mercado de Faneuil, o Jardim Público. Demos uma volta de barco no rio, depois fomos tomar chá no Ritz-Carlton. Realmente, nos divertimos muito... — Eu me lembro — comentou Cassie vagamente, olhando para o convite. — Se eu soubesse que Phil iria fazer amor com você e abandoná-la, não teria sido tão amável com a mãe dele. — Diane fez uma careta engraçada. — Ela é tão simpática! E difícil acreditar que tenha úm filho tão canalha. — Ele pode ter puxado o pai... — Cassie lutou contra uma nova onda de lágrimas. — O que vou fazer? — perguntou, chorosa. — O que você pode fazer? Ei, que tal comprar um boneco vudu e enfiar alfinetes nele? Dois bonecos vudus, se quiser castigar... — Diane inclinou o pescoço para ler o nome no convite — Trícia Lynn Riggs. — Não, só Phil. Só ele merece um castigo de magia negra. Cassie passou a ponta dos dedos sobre o convite, melancólica. Como pudera acreditar que Phillip iria voltar para ela? Fora tola o bastante para ter certeza de que ele cumpriria suas promessas? Talvez ele houvesse mentido o tempo todo. Talvez já estivesse noivo de Trícia Lynn Riggs quando a conhecera. Talvez houvesse feito um monte de promessas falsas só para levá-la para a cama. Mas não seria preciso que mentisse para levá-la para a cama, pois ela não exigira coisa alguma antes de fazerem amor. A promessa tinha vindo depois. Como um pósescrito. Como um prêmio de consolação que ele se visse obrigado a dar-lhe mais tarde, como o gole de água que se dá para alguém perdido no deserto. Ela ficou olhando para o convite como um passante para um acidente, incapaz de desviar os olhos do horror. As letras elegantes, a tinta prateada, o papel de textura macia, tudo prendia seu olhar como o ímã prende o ferro. —O meu convite dá direito a acompanhante. PROJETO REVISORAS 6


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Diane mostrou-lhe o envelope que estava endereçado, com perfeita caligrafia, para "Srta. Diane Krensky e Acompanhante". — Você e acompanhante? Que acompanhante? — Não sei. Agora que Bobby pertence ao passado, creio que posso levar Howser. Diane fez cara de sonsa, sacudindo uma perna. Howser era seu gordo e malhumorado gato. — Você está mesmo decidida e ir ao casamento? Dessa vez Diane riu. — Oh, claro! Não há nada que eu queira mais do que viajar até Lynwood, Ohio, para ver aquele cretino se casar. E tenho certeza de que Howser sacrificaria seu suprimento inteiro de atum pela oportunidade de ir comigo. — Ela pensou um instante e acrescentou: — Se Howser fosse um tigre, em vez de um gato malhado, eu até que pensaria em ir e levá-lo. Aí, quando Phil estivesse prestes a dizer "sim", eu soltaria Howser e ele saltaria na garganta do noivo. Faria o rosto dele em tiras com as suas garras e... Cassie estremeceu e ergueu a mão. — Chega! — gemeu. Até podia aceitar bonecas vudu, mas a imagem violenta a chocou. Ignorando o protesto da amiga, Diane se pôs em pé, animada com a idéia. — Sabe? Creio que há uma possibilidade. Posso alugar um tigre. — Alugar um tigre? — Ou comprar um no Parque Zoológico Franklin. Então, aqui diz "e acompanhante" — enfatizou Diane, apontando para o envelope. — Por que não? Posso levar comigo um grande animal predador e soltá-lo sobre os convidados do casamento. E no momento em que fizer isso, eu sorrio e digo "Cassie não pôde vir ao casamento, mas pediu-me que lhe trouxesse isto". Era comum Diane socorrer Cassie com uma boa idéia para programas; imaginar era especialidade dela. Só que às vezes perdia as rédeas da imaginação. Era o que estava acontecendo naquele momento, pensou Cassie, não muito satisfeita. — Melhor ainda — continuou Diane, voltando a sentar-se e balançando as pernas. — Para me precaver contra qualquer possível ferimento e não ser processada pelos defensores dos animais, posso pôr a idéia do tigre de lado e plantar algumas bombas no altar. Assim, posso desaparecer de cena e no momento em que Phil estiver prestes a dizer "sim", as bombas explodirão. Imagine a carnificina! Cassie engoliu seco e levou as mãos ao estômago enjoado. — Era exatamente nisso que eu estava pensando. Diane fingiu-se desapontada com a reação negativa da amiga. — Não gosta da minha idéia? — Comercial demais... Era uma brincadeira que elas partilhavam com os colegas de trabalho: quando alguém aparecia com uma idéia que era violenta, sensacional ou que poderia despertar entusiasmo fanático na audiência, os demais sacudiam a cabeça, estalavam a língua com fingido desgosto e diziam "Comercial demais". — Está bem — sorriu Diane. — Nada de bombas. Que tal uma granada? — Não tem graça! Desistindo, Diane passou a balançar apenas uma perna. — Tem razão, eu mereço. Agora, falando a sério, o que podemos fazer? — Você pode ir ao casamento, voltar para cá e me consolar dizendo que Phillip ganhou vinte quilos, perdeu metade dos cabelos, que Trícia Lynn Riggs é de uma feiúra terminal, com voz de Pato Donald e verrugas verdes no rosto. — Não quero ir — protestou Diane. PROJETO REVISORAS 7


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— Mas eu acho que deve ir — teimou Cassie. — Você disse que a mãe dele é simpática. Diane franziu os lábios. — Ohio? — disse como se fosse algo revoltante. — Por que eu iria querer ir a Ohio? Está certo, a mãe dele é muito simpática, mas Ohio? Se ele fosse se casar em Nova Orleans eu até poderia pensar. Ou em San Francisco. Ou mesmo em San Antônio... Diane pegou um livro de viagem sobre o rio Walk, de San Antônio, que estava entre o vasto material a respeito de Alamo espalhado sobre a mesa, e a conversa imediatamente desviou-se na direção do trabalho. — Você acha mesmo que as crianças vão gostar de ver um programa que mostrará um punhado de bares e cafés ao longo do canal? — perguntou, folheando o livro. -— Alamo, com certeza, David Croc-kett e tudo isso, mas o rio Walk? — E um rio muito bonito. — E — concordou Diane. — Eu já estive lá. Todos aqueles cafés na margem, tão românticos, com velas nas mesas, música de mariachis e margueritas duplas... — Ela suspirou dramaticamente, fazendo os fartos cabelos castanhos ondularem ao redor do rosto. — Infelizmente fui lá com Bobby, e foi na época em que eu começava a descobrir que ele não valia nada. No entanto, foi muito romântico, mas não apropriado para programas de tevê infantis. — Minha idéia é que esse episódio focalize Alamo com prioridade absoluta — garantiu Cassie. Pegou o livro das mãos de Diane e recolocou-o na mesa. Não iria discutir sobre San Antônio agora. Queria falar em Phillip Keene, em seu maldito casamento e no desespero em que se encontrava. Diane pareceu ler-lhe o pensamento. — Digamos que eu vá ao casamento. E você, o que vai fazer? Cassie suspirou, tocando compulsivamente o convite, seguindo com os dedos o traço das letras, deslizando o dedo indicador pelo papel encorpado e macio. — Eu vou comprar um monte de sorvete de morango, alugar o vídeo do filme Em Algum Lugar do Passado, fechar-me em casa e me afundar na autopiedade. — Afundar-se em autopiedade é uma indulgência a que você não pode se entregar. — Diane sacudiu a cabeça. — Precisa tomar uma atitude. Cassie franziu a testa. — A respeito de quê? — Desse casamento. — Que tipo de atitude? Phil me decepcionou. Eu fui uma idiota. E agora ele se foi. Está acabado. Qual a atitude que se pode tomar num caso desses? Diane pensou com rapidez. — Talvez você possa ir ao casamento e plantar bombas-relógio. — Eu? Não fui convidada. — Já entendi tudo! Quer que eu vá e crie a confusão, enquanto você fica em casa bancando a inocente. — Confusão? Um leve sorriso começou a desenhar-se nos cantos da boca de Cassie. — Bem, você disse que não quer saber de bombas, mas o que me diz de usarmos bombas de efeito moral? Assim ninguém sairá ferido... só vão ficar meio aflitos. Um enorme sorriso iluminou o rosto de Cassie, enquanto seus olhos se enchiam de novas lágrimas. — Você tem mente doentia — repreendeu a amiga. — Não irei ao casamento. — Por quê? PROJETO REVISORAS 8


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— Eu já disse, Diane, não fui convidada. — Mas eu fui. — Diana sacudiu o envelope diante do rosto da amiga. — Diane Krensky e Acompanhante. Você vai como minha acompanhante. Cassie não se surpreendeu ao ver que considerava a idéia. — Acha que Howsen não vai se zangar por eu roubar o lugar dele? — Claro que vai. Howser zanga-se com tudo. Mas se eu deixar que ele decida o que devo ou não fazer, minha vida consistirá em dar corda no ratinho de brinquedo e encher o pratinho dele de ração. Esqueça Howser. Ele simplesmente vai ter de se conformar. Cassie tentou continuar sorrindo, mas todo o bom humor desaparecera. Talvez fosse porque sabia que, até mais do que o gato rabugento de Diane, ela é que deveria se conformar. Passara-se quase um ano desde que Phillip Keene desaparecera do seu mundo, sem lhe dar notícias, e ela achava que já se havia conformado. Mas o inesperado aparecimento daquele convite de casamento, convite que não conseguia parar de tocar, como se fosse uma espécie de fetiche, acabara com seu conformismo. — Eu não quero ir — disse tristemente. E odiou o fato de mais lágrimas subirem-lhe aos olhos. — Não quero estar lá — sussurrou —, para ver Phillip prometer eterno amor a outra mulher. — Mas poderá estar para cortar o pescoço dele com uma faca de cozinha! — Nunca pensei que você fosse tão sanguinária! — Um homem que faz com a minha melhor amiga o que ele fez — Diane apontou para o convite com um dedo acusador —, merece minha sede de sangue. Eu digo: vamos e acabemos com tudo! — Estou com o prazo curto para entregar o roteiro do programa — argumentou Cassie, olhando para a mesa como se precisasse se convencer também. — Não posso largar tudo e viajar para Ohio. — Tem razão — concordou Diane, depressa demais. — Não pode. Esqueça... Diane estava deliberadamente provocando uma reação, Cassie conhecia as artimanhas manipuladoras da amiga. No entanto, conhecê-las não as tornava menos eficientes. Sempre que Diane lhe dizia que ela não podia fazer uma coisa, não conseguia parar de pensar em fazê-la. — A menos... — começou. Os olhos de Diane cintilaram. Sabia que havia despertado o interesse de Cassie. — A menos que o quê? Cassie não queria estar pensando o que pensava. O que queria estar pensando era que Diane era uma criadora de casos que devia ser ignorada. Mas esse tipo de pensamento simplesmente não parecia tão importante quanto as idéias que se atropelavam em, sua cabeça, borbulhando e estourando como bolhas de sabão. — A menos que haja alguma coisa em Lynwood, Ohio, que se possa transformar num programa. — Um programa... A expressão de Diane era duvidosa, mas o olhar, esperançoso. A premissa de Rodas dos Sonhos era flexível: um grupo de crianças possuía bicicletas mágicas que podiam levá-las para maravilhosas aventuras. Algumas das aventuras envolviam viajar através do tempo, como voltar ao momento do episódio de Alamo em que os pequenos da Rodas dos Sonhos se juntavam a David Crockett e Jim Bowie na batalha contra Santa Ana. Às vezes as aventuras envolviam viajar através do espaço. Desde que o programa havia ido ao ar pela primeira vez, dois anos antes, os garotos de Rodas dos Sonhos haviam estado, entre outros lugares, nas Bermudas, em Hudson Bay e, graças a alguns efeitos de computador e à generosa assistência da Nasa, PROJETO REVISORAS 9


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na superfície de Marte. Não que a cidade natal de Phillip prometesse uma locação exótica. Mas se as crianças de Rodas dos Sonhos podiam encontrar-se com Crockett e Bowie, se podiam aprender tudo sobre o rio Walk e margueritas duplas, por que não poderiam fazer suas Rodas dos Sonhos girarem até Lynewood, Ohio? Diane sacudiu a cabeça. — O que se poderia focalizar lá? Vamos e venhamos, Cassie... Ohiol — Sabe o que existe bem no meio de Lynwood, Ohio? — Cassie empurrou a cadeira para trás a fim de não ter de inclinar demais a cabeça para olhar a amiga. — Móveis Keene. — Uma loja? Uau! — Uma fábrica de móveis. Cassie não queria desperdiçar sua energia criativa montando mentalmente um novo programa, mas quando tinha uma idéia não conseguia abandoná-la. — O avô de Phil fundou essa empresa durante a Depressão — explicou a Diane. — Eles fazem móveis de madeira de alta qualidade. Coisa de primeira linha, contou-me Phil. Há uma porção de marceneiros e artesãos trabalhando. Pode se transformar num incrível programa "Como". Os programas "Como" eram episódios que demonstravam como uma coisa era feita. Algum tempo atrás ela produzira um que mostrava como eram feitos os lápis, outro, como os cartógrafos faziam mapas, e outro, ainda, como funcionavam os motores a turbina. — Pense nisso — continuou, com certa consternação, ao notar que a idéia tinha sentido. — Poderemos começar com uma árvore, mostrar como ela é cortada, serrada em pranchas e como é trabalhada até se transformar numa cadeira. "Como uma árvore se transforma em cadeira", este seria o nome do episódio. — Observou o rosto de Diane, esperando que ela achasse a idéia ruim. — O que você acha? Diane ficou perturbada. Mordeu o lábio, brincou com uma mecha de cabelos e por fim, relutante, admitiu: — Parece uma boa idéia. — Poderemos voar até Lynwood e a despesa correrá por conta do orçamento do programa. Poderemos filmar as seqüências de fazer uma cadeira na Móveis Keene, cortar a garganta de Phil e voltar para casa. — E você diz que eu sou sanguinária — queixou-se Diane. Cassie ignorou-a. — Teremos de levar um câmera conosco. Que acha de Roger Beckelman? Poucos meses atrás Cassie roubara Roger de um dos canais de notícias do Maine. Ele era de natureza afável, abençoadamente desprovido de temperamento artístico. Fazia seu trabalho e sentia satisfação com isso, sem ataques de nervos e sem fazer perguntas. Cassie não tinha certeza se poderia contar com ele para plantar bombas por ela, mas se a missão fosse filmar seqüências para o programa, ele era o homem. — Roger Beckelman — contrapôs Diane —, estaria em Lynwood, Ohio, como Gúliver em Lilliput. Realmente, Roger tinha mais de um metro e oitenta de altura, ossatura fina, cabelos loiros que lhe desciam quase até a cintura e um guarda-roupa que ia desde uma calça jeans desbotada até uma calça jeans desbotada, com algumas camisetas e ca misas de flanela. Usava brinco numa orelha e tinha uma flor tatuada no antebraço esquerdo. Além da tatuagem e de sua atitude suave, Cassie não sabia muito sobre ele, mas acreditava que um temperamento meigo e respeito por flores eram o bastante para considerá-lo um bom homem. — Pelo que sabemos — observou Cassie —, Lynwood é a meca do refinamento no PROJETO REVISORAS 10


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coração de Ohio. — Pelo que sabemos, Lynwood é a meca dos campos de soja e do estéreo de vaca, com uma fábrica de móveis no meio. Cassie havia esquecido da depressão em que caíra por causa do casamento de Phillip. Estava animada com a idéia de filmar uma seqüência "Como" para seu programa numa fábrica de móveis. Tinha de obter permissão para filmar e era preciso que a conseguisse sem passar por Phillip, que jamais concordaria em fazer qualquer coisa que a pusesse no caminho de seu casamento. Mas se ela fizesse Diane entrar em contato com o departamento de relações públicas da Móveis Keene e mantivesse seu nome fora, poderia conseguir. Então, ela, Diane e Roger poderiam ir de avião até Ohio sem ter de pagar passagem, nem estadia. Poderiam conseguir fabulosas tomadas para Rodas dos Sonhos e... fazer alguma coisa. Ela não sabia por quê, mas a idéia de plantar bombas de efeito moral na igreja onde se realizaria o casamento de Phillip a atraía muito. — Está bem — concordou Cassie. — Escute, posso contar com você? Diane deslizou de cima da mesa e ajeitou a camiseta por dentro da calça jeans. — Você quer contar comigo para quê? — Para filmar como marceneiros transformam uma árvore em cadeira e para me vingar de Phil. Um sorriso malicioso iluminou o rosto de Diane. — Claro que pode contar comigo! Tenho orgulho de você. Isso não é mais divertido do que ficar tomando sorvete e assistindo a um velho filme lacrimoso? — Não sei se é mais divertido, Diane. Mas com certeza é mais produtivo. O casamento será daqui a menos de dois meses. Temos muito trabalho a fazer. O primeiro item da sua agenda é responder, como eles pedem, dizendo que vai levar acompanhante. Uma acompanhante anônima. Não se atreva a mencionar o meu nome. Cassie devolveu o convite a Diane, que o guardou no envelope e dirigiu-se para a porta. Com a porta aberta, voltou-se e mediu a amiga com o olhar. — Qual é o primeiro item da sua agenda? Depois de respirar fundo, Cassie respondeu. — Convencer a mim mesma de que essa não vai ser a maior tolice da minha vida. — Não é — assegurou Diane. — A maior tolice da sua vida foi se apaixonar por Phil. Cassie não podia negar isso. Fez um sinal de adeus a Diane, depois ficou olhando sem ver o material sobre San Antônio espalhado em sua mesa. Entregar seu coração a Phillip Keene sem dúvida fora a primeira coisa mais idiota que fizera. Viajar para Ohio com a intenção de sabotar o casamento dele provavelmente seria a segunda. Mas se sobrevivesse às bombas de efeito moral, ao corte de garganta e à demolição de seu frágil ego, realizaria um fabuloso episódio de Rodas dos Sonhos.

CAPÍTULO DOIS Parado à janela do seu escritório, Phillip olhava o rio que agora fluía livre e calmo, sem as comportas e represas de outrora. No século dezenove o edifício havia abrigado uma fábrica de tecidos, que dependia da força das águas do rio para movimentar seus teares. A fábrica fechara. Quando, PROJETO REVISORAS 11


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durante a Grande Depressão, o avô de Phillip comprara o velho edifício de tijolos, tirara tudo que havia dentro e o transformara numa carpintaria, o rio voltara ao seu curso original. A Indústria de Móveis Keene fora crescendo com o passar dos anos, e hoje em dia o rio não passava de um cenário pitoresco visto pela janela do escritório de Phillip. Aliás, era muito mais pitoresco do que os números com os quais ele tinha de lidar em seu computador no esforço de impedir que a firma submergisse num torrencial rio de dívidas. Uma batida à porta desviou sua atenção do panorama visto pela janela. Sua sala era comprida e com pé-direito alto, as paredes de tijolos, sem adornos, e as janelas estreitas, altas, tinham caixilhos envidraçados. Em outros tempos, meninas adolescentes das fazendas nos arredores transformavam algodão em linho naquela sala. Agora havia um tapete sobre o soalho de pinho, a parede do fundo era coberta por uma estante; a maciça escrivaninha ficava junto de uma das paredes, ao lado de uma mesa com computador; um sofá, várias cadeiras e uma mesinha de centro completavam a mobília. O pai dele ainda era presidente nominal da firma, mas tudo no escritório de Phillip parecia gritar: "Eu é que mando". Enquanto ele olhava para a porta, esta abriu-se e sua secretária, Edie, pôs a cabeça para dentro. — Trícia está aqui — anunciou. Antes que ele pudesse falar, Trícia passou por Edie e entrou na sala, uma visão fascinante em seda cor pastel e brilhantes cabelos ruivos. Ela atravessou a sala como se valsasse, abraçou-o, beijou-o no rosto e então inclinou-se para trás a fim de olhá-lo. — Olá! O quê? Nenhum sorriso para mim? Phillip deu um sorriso duvidoso. — Edie disse que você estava trabalhando, mas vejo que ela se enganou. — Trícia deu um sorriso por cima do ombro para a secretária, depois voltou-se para ele. — Você estava olhando pela janela, pensativo, não? Pensava em quanto está desesperado para tirar uma folga e ir tomar um pouco de ar. E almoçar comigo, é claro. Dessa vez o sorriso dele veio naturalmente. Trícia gostava de manipulá-lo e dirigi-lo, mas seus esforços eram tão evidentes que não o ofendiam. Se realmente ele não quisesse uma.folga, teria recusado o convite dela sem hesitação. Mas os problemas de fluxo de caixa da loja de vendas a varejo em Chicago eram tão desgastantes que ele ficara com dor de cabeça. Se continuasse a lidar com números durante a hora do almoço, seu crânio estouraria com a pressão. — Disponho de meia hora — respondeu. Trícia fez beicinho. — Quarenta e cinco minutos? — tentou. — Quarenta e nem mais um minuto. Ele caminhou até a escrivaninha, pegou o paletó do espaldar da cadeira e vestiu-o. — É o tempo necessário para conversarmos sobre as flores — comentou ela, enfiando o braço no dele e levando-o para a porta. Phillip não dava a a menor importância para as flores, mas Trícia queria que o seu casamento fosse o mais elegante que Lynwood, Ohio, já vira. Ela e a mãe. Tratava-se do grande momento da vida delas e, no que se referia a ele, que decidissem o que quisessem sobre as flores. — Você pode me falar sobre isso durante o almoço — sugeriu Phillip. — Mas vamos estar comendo. — Você fala com a boca cheia, mesmo. A noiva lançou-se um olhar chocado; era evidente que não percebera que ele estava PROJETO REVISORAS 12


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brincando e Phillip tentou se convencer de que a obtusidade dela o divertia. Havia coisas piores na vida, lembrou a si mesmo, do que se casar com uma mulher que não entendia suas brincadeiras oitenta por cento das vezes. Seria pior casar-se com uma que não as tolerasse. Ou ver a Indústria de Móveis Keene afundar como uma pedra no rio, depois de sessenta anos de sucesso, porque o pai de Phillip havia tentado expandir-se rapidamente demais no campo de vendas a varejo, assumindo dívidas que não poderia pagar a não ser num prazo razoavelmente longo. Phillip admirava sua noiva. Não precisava pensar demais perto dela, nem tentar demais. Trícia tinha uma disposição agradável e lindas pernas. Ele achava, honestamente, que poderia construir uma vida com ela e ao mesmo tempo devotar a maior parte de sua energia para restaurar os lucros da Móveis Keene. — Hora do almoço — lembrou-o Trícia, apertando-lhe o braço. Ela devia ter percebido que os pensamentos dele tinham voltado para os problemas de trabalho e se desviado das flores. O processo de planejar um casamento parecia muito complicado para Phillip, sobretudo porque o conjunto, cerimônia e festa, iria se prolongar por uma tarde inteira de junho. Tantas decisões, tantas exigências... Tanto dinheiro! Contudo, a maior parte era dinheiro do pai de Trícia, e do seu lado a mãe dele era quem cuidava de tudo, graças a Deus. Phillip já tinha muito em que pensar sem ter de se preocupar com os preparativos do casamento. Desceu com Trícia a escada para o pavimento térreo. Os saltos altos dela soavam nos degraus de madeira e a dor de cabeça dele começou a piorar. Nunca tivera dor de cabeça em Boston, lembrou-se. Estudar numa conceituada escola de administração de empresas e viver entre a incessante cacofonia da cidade que denominara a si mesma Centro do Universo jamais lhe dera dor de cabeça. Mas desde que voltara a Lynwood, sua sossegada e pitoresca cidade natal, com seu ar puro e sua pachorrenta paz, fora atacado por contínuas dores de cabeça, com pulsações dolorosas entre as sobrancelhas e nas têmporas. O sol da primavera refulgia quando os dois emergiram do prédio, e doeu nos olhos dele, que pegou os óculos de sol num dos bolsos do paletó e colocou-os. Parecendo indiferente à forte luminosidade, Trícia apertou mais o braço do noivo e guiou-o, através do estacionamento, para o portão que se erguia na cerca de ferro batido que rodeava a propriedade. Ela caminhava com um ar majestoso de autoridade. Não se vangloriava por ser a filha do homem mais rico e mais bem relacionado de Lynwood, mas também, como sua mãe dizia, não precisava ocultar seu brilho. Às vezes Phillip sentia como se a noiva o considerasse naturalmente dela. Quem mais, a não ser Trícia Lynn Riggs, rica.e bonita, rainha da escola e ex-capitã da torcida, poderia casar-se com o herdeiro da dinastia da Móveis Keene? Passaram pelo portão e encaminharam-se para a rua Principal. O crescimento da América parecia ter passado acima de Lynwood. Dela partia uma estrada com vinte e cinco quilômetros de extensão no fim da qual encontrava-se Columbus, caso alguém precisasse seriamente ir para uma cidade grande. Lynwood não mudara muito desde o século em que a fábrica de tecidos fora construída. A rua Principal estendia-se numa graciosa curva pelo coração da cidade, um largo bulevar ladeado por altas árvores, passeios muito limpos e lojas. Carros de luxo partilhavam a rua com bicicletas, picapes e caminhonetes. Lixo e sujeira eram confinados a latas de lixo colocadas em cada esquina. Francamente, era um tanto monótono. Mas Phillip tinha bastante agitação em sua vida para acertar as contas da Móveis Keene. Cada vez que encontrava mais um documento de empréstimo assinado por seu pai seu coração disparava e a pressão subia. Precisava de um tranqüilizante, mas na falta dele prescrevera a si mesmo um regime de Lynwood. PROJETO REVISORAS 13


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Caminhando devagar, passaram pela loja de ferragens, pelo Salão de Beleza Leona's e pela Loja Bingo para Animais, onde um cartaz enorme na vitrina anunciava Sim, Temos Grilos Vivos!, até chegarem à esquina da Principal com a Elm. Durante o caminho, o luminoso acima da entrada do banco indicava que fazia um calor de vinte e cinco graus. O Correio, um edifício quadrado que lembrava um mausoléu, erguia-se diretamente em frente ao banco e, na sua diagonal, ficava o local preferido de Trícia para almoçar, um café-lanchonete simpático, especializado em sanduíches pseudo-orgânicos com um pão que sempre parecia cheio de sementes. Se Phillip não tivesse avisado Trícia que tinha pressa em voltar para o trabalho, ela provavelmente proporia que fossem de carro até Linden Hills, o único restaurante de Lynwood que servia os pratos mais próximos à cozinha de gourmet. Mas para um lanche rápido e uma conversa sobre flores, o Harvest Bounty era satisfatório. Phillip esperava que a lanchonete não estivesse cheia. O pessoal do banco em geral tomava conta dela ao meio-dia e meia, mas passava pouco do meio-dia. Havia apenas três pessoas examinando o cardápio pendurado na janela. O homem era magricela, vestido com um jeans desbotado e uma camisa de flanela, os cabelos loiros recolhidos num rabo-de-cavalo que chegava quase ao meio das costas. Ao lado dele havia duas mulheres. Uma delas tinha jeito de atleta, ombros largos e cabelos curtos, castanhoclaros; vestia um abrigo de ginástica, tênis e parecia preparada para empenhar-se numa maratona. A outra era esguia e pequena, de cabelos lisos, castanho-escuros, que lhe desciam até os ombros. Olhando para o cardápio, ela estava de costas para Phillip, mas ele teve impressão de que a figura dela lhe era familiar. O semáforo ficou verde para os pedestres e Trícia desceu da calçada, sempre agarrada ao braço dele. Inexplicavelmente intrigado com aquela mulher, Phillip acompanhou a noiva. Seu pulso estava acelerado como quando encontrava alguma surpresa ruim na papelada da firma. E uma orquestra apenas de tambores soava dentro da sua cabeça. Conhecia aqueles ombros, sim. Sabia que conhecia, assim como a forma da cabeça da mulher que espiava para dentro do café-lanchonete. Trícia pareceu não perceber a mudança de humor dele. Andava agilmente, com um leve sorriso dedicado, aparentemente, a algum privilegiado que a conhecesse. Ao chegarem ao outro lado, Phillip perdeu a respiração quando os três se viraram. Cassie. Que diabo ela estava fazendo em Lynwood? Ele sabia de maneira vaga que conhecia a outra mulher, mas não se interessou por ela. Seu olhar fixou-se em Cassie, no rosto em formato de coração, nos escuros arcos das sobrancelhas, no sorriso hesitante. Os olhos dela percorreram o rosto dele e os dentes muito brancos morderam o lábio inferior enquanto o fitava. Oh, Deus! Cassie... — Ei, Phil! — exclamou a outra mulher. — Ei! Que bom ver você! Ele precisou de toda a sua concentração e energia para o simples ato de desviar os olhos de Cassie. — Diane? — murmurou, perplexo. O que Diane Krensky também estava fazendo em Lynwood? Por que ela ria para ele, punha-se na ponta dos pés e beijava-lhe o rosto? Quem se importava? A única pergunta importante era, o que Cassie Webber estava fazendo em Lynwood? — Quem são essas pessoas? — perguntou Trícia, os dedos apertando o braço dele e os dentes cerrados por trás do sorriso de tal modo que as palavras saíram truncadas. Phillip ignorou-a. Não deliberadamente, não por ser rude, mas porque com Cassie parada a sua frente, a alguns centímetros dele, não conseguia falar com a noiva, com PROJETO REVISORAS 14


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Diane Krensky, com o rapaz magro de rabo-de-cavalo... ou com qualquer outra pessoa. Com ninguém, a não ser Cassie. Sentiu o coração crescido no peito, denso, palpitando a cada pulsação. A dor de cabeça desvaneceu-se, assim como os tranqüilizantes efeitos de um maravilhoso dia de primavera em sua pitoresca cidade natal do Meio-Oeste. Ele queria... Que Deus o ajudasse, mas ele queria estar de volta à quente, úmida, barulhenta Boston, ao pequeno, atulhado apartamento de Cassie, com ar-condicionado barulhento e cheiro de baunilha e laranja no ar. Tudo que lhe lembrava Cassie. Queria estar nu com ela, amando-a, sentindo-a quente e molhada ao redor dele. Sentindo-a chegar ao clímax com ele. O que definitivamente não queria era estar olhando para ela numa esquina de Lynwood, a menos de uma semana do dia marcado para se casar com outra mulher. — Sou Diane Krensky — apresentou-se Diane a Trícia, quando ficou evidente que Phil não iria apresentar ninguém. — Sou amiga de Phil, de Boston. E esta é Cassie Webber, outra amiga dele de Boston — acrescentou, indicando Cassie. Era apenas imaginação de Phillip ou Diane dera ênfase à palavra amiga quando a usara em relação a Cassie? Será que ela sabia que eles tinham sido namorados? Será que Cassie lhe contava tudo? — E este é Roger Beckelman — Diane completou a apresentação. Phillip encontrou forças para apertar a mão do rapaz alto e magro. Se Roger houvesse sido também seu amigo de Boston, não se lembrava dele. E nem podia imaginar por que eles estavam em Lynewood justamente naquela semana. Não poderiam chegar na semana seguinte, quando ele e Trícia já estivessem em lua-de-mel? Ou não poderiam não ter vindo? Isso não tinha importância. Por algum motivo eles estavam ali. Cassie estava ali. Cassie Webber, a mulher mais inteligente e mais atraente que já conhecera. Reparou nas covinhas que se formavam junto aos cantos dos lábios dela, o modo como erguia a sobrancelha esquerda, o jeito que o blazer pendia de seus ombros enquanto, fazendo o possível para ser bem-educado, segurava a mão dela e a apertava de leve. Apesar do fato de Trícia ainda estar pendurada no braço dele, Cassie sacudiu-lhe a mão, seus dedos pequenos, porém fortes, ao redor dos dele. Lembrou-se do modo como sentia as mãos dela em seu corpo e reagiu à lembrança. Agradeceu por estar usando calça larga. O sorriso dela era tímido, incerto, sem calor nem confiança. Bem, como poderia confiar nele depois do que lhe fizera? Não fora sua intenção magoá-la, não quisera fazer isso, mas às vezes a vida não obedece aos mais perfeitos planos. A vida o machucara também, mas ele lutara arduamente para esquecê-la. O que o perturbava era que, um ano depois, aparentemente ela não conseguira esquecê-lo. Mas ele também não pudera esquecê-la! Não mesmo. Apenas estendera um lençol sobre ela para que ficasse invisível. No entanto ela sempre estivera ali, num cantinho de sua memória, esperando por algo que puxasse o lençol e a revelasse. Como estava acontecendo. Como a vinda dela a Lynwood, com sua boa amiga Diane e um amigo que lembrava um espantalho com um brilhante na orelha esquerda. Precisava dizer alguma coisa. Trícia olhava para ele de modo interrogador. — Hum... Esta é uma grande surpresa — disse, estupidamente. — O que os trouxe a Lynwood? — Você não achou que eu iria perder isso! — respondeu Diane, apesar de ele não ter se dirigido a ela. O olhar de Phillip estava em Cassie, na suave e branca pele do seu pescoço, nos adoráveis lábios cheios, nas curtas unhas sem esmalte, no pesado anel de sinete no anular da mão direita e no relógio com pulseira de couro no pulso esquerdo. PROJETO REVISORAS 15


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— Perder o quê? — perguntou ele. — O seu casamento! Viemos para o seu casamento. Bem, Cassie e eu viemos. Trouxemos Roger para trabalhar. — Trabalhar? Ignorando-o, Diane voltou-se para Trícia. — Você deve ser a noiva... Trícia, não é? — Sim. Trícia dirigiu outro curioso olhar para Phillip, que tentava compreender o que acontecia. Por que Diane viera para o seu casamento? E Cassie? Como elas haviam sabido? < — O convite foi uma surpresa — continuou Diane, respondendo à pergunta não formulada. — Quero dizer, nós jamais imaginaríamos que você voltaria para Ohio e arranjaria uma noiva. Essa era a última coisa que poderíamos esperar, não é, Cassie? O rosto de Cassie ficou vermelho e os olhos brilharam; Phillip imaginou que o sol do meio-dia os irritava. Pensou em emprestar-lhe seus óculos escuros, mas de que jeito, com Trícia pendurada em seu braço? Tentou livrar-se do fascínio dos lindos olhos castanhos. Tinha de dar atenção não apenas a Trícia, mas também a Diane e sua atordoante revelação de que recebera um convite. Estava mais surpreso do que ela! Quem a convidara? E quem convidara Cassie? Alguém devia tê-lo feito, pois estavam ali. Ao abaixar o olhar, ele viu as mãos dela de novo. Que mãos delicadas! Lembrou-se da primeira vez que vira Cassie, aquelas pequenas mãos de unhas curtas segurando os cantos de uma caixa de madeira tão alta que lhe escondia o rosto. Tudo que vira ao sair do departamento financeiro da emissora de tevê fora a caixa pintada de verde, e sob ela um par de esguias pernas ocultas por jeans e as pequenas mãos segurando-a. — Deixe-me ajudá-la — dissera ele. A voz de Cassie, grave e profunda, viera de trás da caixa. — Pode deixar, estou acostumada. Mais do que ajudá-la, o que Phillip quisera fora ver o rosto da mulher que tinha aquela voz tão sexy. Tirara a caixa das mãos dela e descobrira que, apesar da pouca luz no corredor, tratava-se de um rosto notável. Não de uma beleza estereotipada, mas fascinante com seu contraste da pele clara com os cabelos negros, com o nariz arrebitado, lábios de coral e cílios tão espessos e longos que não se surpreenderia se viesse a saber que ela precisava penteá-los todas as manhãs para que não embaraçassem. Naquele mesmo instante soubera que queria ser amigo daquela mulher. Mais do que amigo. Porém, agora, nem mesmo amigos eram. Se fossem, ele a teria convidado para seu casamento. Mas talvez o tivesse feito e não se lembrasse. Os últimos meses haviam sido tão tensos, com a ameaça de desastre financeiro sobre a Móveis Keene e os frenéticos preparativos de Trícia para o casamento, que, pelo que ele sabia, poderia muito bem ter incluído os nomes de Diane e Cassie na lista de convidados. Era difícil que fosse capaz de fazer coisa lao idiota, mas o fato de estar a poucos centímetros de Cassie, e nas atuais circunstâncias, o fez acreditar que era capaz de fazer coisas idiotas. Todos pareciam estar esperando que ele falasse. — O casamento só será no sábado — comentou. — Por que já estão aqui? Mesmo admitindo a bizarra possibilidade de ter autorizado alguém a mandar convites para Cassie e sua amiga Diane, não podia entender por que elas se encontravam em Lynwood quase uma semana antes. E aquele tal de Roger Beckelman? Admitindo que houvesse sido maluco o bastante para convidar Cassie e Diane para o seu casamento, quem era aquele acompanhante? PROJETO REVISORAS 16


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Amigo de Diane ou de Cassie? E por que a possibilidade de ele ser amigo de Cassie o fazia sentir uma pontada de ciúme? Nada fazia sentido. Mas por algum motivo os tambores tinham parado de soar dentro da cabeça de Phillip. O simples fato de olhar para Cassie parecia tê-lo curado. Que pensamento mais bobo! Sua dor de cabeça sumira porque ele saíra do escritório e esquecera por momentos a confusão que seu pai fizera levando a empresa à beira do abismo. Na verdade, a presença de Cassie deveria fazê-lo sentir-se pior e não melhor. — Sabe? — dizia Trícia. — Phillip não costuma falar muito do tempo que passou em Boston. Estou tão contente por ele convidar amigos de lá para o nosso casamento, assim posso conhecê-los. Tive uma idéia! — Ela dirigiu seu deslumbrante sorriso para Beckelman, que era quinze centímetros mais alto do que Cassie e oito mais do que ela e Diane. — Por que vocês não almoçam conosco e me contam a respeito de Boston? — Nós adoraríamos! — respondeu Diane. A rápida aceitação despertou suspeitas em Phillip, se bem que ele não soubesse por quê. — Eu pensei que fôssemos falar sobre flores — tratou de lembrar à noiva. — Como se você se interessasse muito! — rebateu ela. — Buquês de rosas brancas, vermelhas e cor-de-rosa, botões de rosa vermelha para a lapela dos homens. Vai custar uma fortuna. Vamos logo, assim conseguimos uma mesa antes que o pessoal do banco chegue. Trícia entrou na lanchonete e Beckelman foi atrás dela. Phillip deu um olhar perplexo a Cassie antes de lazer um gesto para que ela entrasse na frente. Ela sorriu, um sorriso que o fez lembrar-se de que essa fora a segunda coisa, depois da voz, que o atraíra fazendo-o ansiar pela amizade dela, e que agora o fazia sentir falta dessa amizade e querê-la de novo. Um sorriso que não fez nada para diminuir sua apreensão. Então, essa é a feliz noiva!, pensou Cassie enquanto colocava o guardanapo no colo. Aquela era Trícia Lynn Kiggs, a mulher com quem Phillip se comprometera, a mulher por quem ele a abandonara. Trícia parecia-se estranhamente com Fergie, a ruiva ex-esposa de um príncipe inglês. Cassie não conhecia detalhes sobre a família real inglesa, mas linha certeza de que Trícia Lynn Riggs era o tipo do mulher que se interessava por isso. Era bonita. Tinha o corpo bem-proporcionado, ao contrário de Cassie, que sempre soubera que suas pernas eram longas demais e finas, os joelhos e cotovelos grandes demais para a sua silhueta esbelta. Ela jamais ficaria bem de cores pastéis e apesar de que até poderia comprar um vestido de seda, se encontrasse algum numa das prateleiras da loja simples em que costumava comprar, a maior parte do seu guarda-roupa consistia em calças compridas e blazers. Não que Trícia fosse glamourosa, mas era... feminina. Cassie era mulher, sem dúvida, mas feminina? Não do modo elegante e magnífico das sedas em cores pastéis. Só o pensamento de que nunca ficaria bem com cores pastéis era o bastante para fazer Cassie ter vontade de chorar. Não. Não era isso. Ela jamais dera importância a cores pastéis e não iria começar agora. Queria chorar porque, ao ver Phillip lembrara-se de quanto o amara, por mais que o odiasse, por mais que quisesse vingar-se dele, por mais que afirmasse que o ano 2000 não ficaria na lembrança como o pior ano de sua vida. Olhar para Phillip despertava muitas lembranças, muita emoção. Cassie voltou a atenção para o cardápio, ganhando tempo para se recompor. As opções oferecidas eram insípidas, sendo a mais exótica uma combinação de berinjela PROJETO REVISORAS 17


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grelhada com mussarela derretida, em pão integral. Essa devia ser a idéia de Lynwood de comida italiana, pensou maldosamente. A pouco mais de mil quilômetros de Boston, sentia-se fora do país. Uma garçonete aproximou-se da mesa deles, com o lápis apoiado num bloquinho. — Boa tarde, Trícia — cumprimentou a moça. — Como vai? — Correndo — confidenciou Trícia, o sorriso doce como se tivesse sido polvilhado com açúcar. — Loucura! Muito a fazer em pouco tempo. — Mas vai ser um casamento fabuloso, tenho certeza. Doug e eu mal podemos esperar. Quero dizer, você já viu meu marido vestir terno e gravata e me levar a algum lugar? Imagine que ele me disse: "Olhe, Janelle, esse casamento vai ser justo uma semana antes do nosso aniversário de casamento, por isso não vamos precisar sair no nosso aniversário. A magnífica festa no Country Clube vai ser a nossa comemoração..." Quero dizer, ele não é um pão-duro? — Ela sorriu para Phillip. — E o que me diz, Phil? Muito nervosismo pré-marital? — Não — respondeu ele, lacônico. — Estou sendo pressionado pelo tempo, Janelle... — Claro. A garçonete ajustou o ângulo do lápis e olhou expectante para todos da mesa. Trícia e Roger pediram sanduíche de atum. Diane preferiu o de peito de peru. Cassie e Phillip quiseram o de queijo quente com tomate. Chá gelado para todos. Janelle retirou-se para fazer o pedido. — Janelle fazia parte da minha torcida no colégio — contou Trícia. — Lynwood é um mundo pequeno. Todos se conhecem. É por isso que convidamos todos para o casamento. Mas é tão bom termos alguns amigos de Phillip, de Boston, aqui! — Voltou-se para ele: — Quantas pessoas de lá você convidou, querido? Phillip sacudiu os ombros e a cabeça. — Não me lembro — murmurou, olhando significativamente para Cassie. Seu olhar informava que não se lembrava de ela estar entre os convidados. — Como vocês três se conheceram? — perguntou Trícia olhando para Roger. — Trabalhamos juntos — explicou Diane. Cassie sentiu que Diane dava-lhe uma leve cotovelada nas costelas, sinal de que ela deveria dizer alguma coisa. Sua amiga tinha razão; se ficasse em silêncio, Phillip iria pensar que estava sob pressão emocional. — Eu produzo programas para um canal de televisão do Estado — contou a Trícia, feliz por ver que sua voz soava normal. — Chama-se Rodas dos Sonhos. Diane é meu braço direito e Roger nosso cinegrafista-chefe. Ele entrou para o grupo de Rodas dos Sonhos depois que Phill veio embora de Boston. Estas últimas palavras foram acompanhadas por um olhar para Phillip, que demonstrava que ela não se perturbava com sua proximidade. — Cassie o roubou de um canal noticioso de Bangor, Maine. Foi o melhor roubo que ela já cometeu — acrescentou Diane. Roger sorriu modestamente. Pelo que sabia, o motivo principal de estarem em Lynwood era fazer umas tomadas para um programa. Phillip parecia ter se recomposto. Cassie podia adivinhar o que ele pensava: Esse indivíduo precisa ir a um barbeiro. Aparentemente, Phillip não era o noivo mais apegado que já vira e no momento parecia mais um jovem executivo preocupado em subir na vida. Em Boston ela sempre o via de jeans, velhas camisas pólo, sapatos esporte sem meias e barba de um dia sombreando-lhe o rosto. — Rodas dos Sonhos? — indagou Trícia. — E um programa para crianças — explicou Cassie. — Quando você e Phillip PROJETO REVISORAS 18


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tiverem filhos, irá assisti-lo sempre. Bom! Conseguira mencionar Phillip no contexto de casamento e paternidade parecendo imperturbável. Melhor ainda, ele ficara perturbado com o comentário. — Vocês ainda não explicaram por que estão aqui quase uma semana antes do casamento — disse Phillip. Janelle aproximou-se nesse momento. Cassie esperou que cada um recebesse seu chá, então tomou um gole do seu. Estar sentada tão perto de Phillip mexia com seu sistema nervoso. Tentar fingir que estava calma a perturbava mais ainda. No entanto, iria dominar-se e manter-se fria, digna e encantadoramente vingativa. Iria destruir a vida dele antes que Phillip percebesse o que estava acontecendo. Se conseguisse descobrir como e se tivesse coragem de fazê-lo. Essas duas possibilidades eram assustadoras, pensou com tristeza. — Viemos para filmar algumas cenas para o próximo Rodas dos Sonhos. Pretendemos visitar e filmar uma madeireira e, se houver tempo, queremos conhecer o parque de aves que a Audubon Ltda. está implantando perto daqui. — Mas, em primeiro lugar, viemos para cá por causa da filmagem na Móveis Keene — completou Diane. Phillip estremeceu. — Que filmagem na Móveis Keene? — Não diga! — exclamou Trícia ao mesmo tempo. — Um filme sobre a Móveis Keene? Para um programa de tevê? Que maravilha! Do que se trata? Cassie voltou-se para ela no mesmo instante. Vira que Phillip estava transtornado, como queria que estivesse. Queria vê-lo chorando e rastejando. — A premissa de Rodas dos Sonhos — explicou —, é um grupo de crianças da cidade que têm bicicletas mágicas. Quando as condições permitem, as bicicletas se transformam em máquinas voadoras e as levam para aventuras. As condições nem sempre são as certas e nem sempre elas podem controlar para onde as "rodas dos sonhos as levarão. Passam por todo tipo de aventuras. Misturamos desenho e imagens de computador com os filmes. Procuramos dar sempre um fundo educacional a cada programa, que pode ser sobre lugares exóticos, diferentes períodos da história do mundo... ou sobre como são feitas as cadeiras. — O que lhes deu idéia de filmar na fábrica Kee-ne? — quis saber Phillip. — Você me deu a idéia — Cassie sorriu, sentindo dor nos músculos do rosto pelo esforço. O sorriso com que Phillip retribuiu não era mais natural. — Como eu fiz isso? — Você descreveu a fábrica para mim. O departamento de criação, a marcenaria, o torno mecânico, a serragem... Como se umedecem e firmam as peças que devem ser curvas, como se preparam os encaixes... E perfeito para um programa "Como". — O que é um programa "Como"? — indagou Trícia. — E um filme que mostra como uma coisa é feita. Pensei que mostrar como se fazem cadeiras daria um programa magnífico. — O chefe do departamento de relações públicas da Móveis Keene — interferiu Diane. — Lowell... do que mesmo? Olhou para Cassie em busca de ajuda. — Lowell Henley — lembrou ela. — Isso! Ele nos deu permissão. Então, vamos passar alguns dias filmando na fábrica. O aborrecimento de Phillip era evidente. — Era só o que faltava! Uma equipe de filmagem para cima e para baixo! PROJETO REVISORAS 19


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— Uma equipe, não. Só nós três. Seremos discretos, você nem vai perceber quando estivermos lá. O sorriso de Diane não teve tamanho. Claro que ele vai saber quando estivermos lá, pensou Cassie. Ela e a amiga iriam fazer o possível para que ele percebesse, pelo menos para tornar mais difíceis seus últimos dias de solteiro. Diane tomou um gole do chá e assentiu. — Lowell Henley deu-nos permissão para fazermos o que for preciso para filmar na fábrica. Vai ser excelente publicidade para a Móveis Keene. — A Móveis Keene não está precisando de publicidade — resmungou Phillip, fuzilando Cassie com o olhar. —Por que não? — interferiu Trícia. — Acho uma ótima idéia. — Fez um adorável beicinho para o noivo. — Você nunca me contou que se dava com pessoal de tevê em Boston. Nunca me contou nada sobre Boston. — Eu... não pensei que você se interessasse. E, de qualquer modo — estudou seu chá, depois a toalha, em seguida as mãos, tudo para evitar olhar para Cassie —, não há muito que contar. Mas não há, hein?, pensou Cassie amargamente. Havia muito que contar e, se Trícia quisesse ouvir, teria grande prazer em satisfazê-la. E se nada mais resultasse daquela viagem a Lynwood, se as tomadas na fábrica ficassem ruins, se o casamento acontecesse sem empecilhos, se Phillip e Trícia fossem viver felizes para sempre... Ela assegurou a si mesma que se contasse à feliz noivinha tudo que havia para contar sobre a promessa e a traição de Phillip, sobre o que havia acontecido entre ambos, sobre as duas caras dele, talvez a viagem não seria de todo inútil.

CAPÍTULO TRÊS — Este lugar é esquisito — observou Roger. Cassie ergueu os olhos do laptop para fitá-lo. Ela estava afundada numa das confortáveis cadeiras Adirondack, na varanda da frente da Pousada Bailey's, um hotel numa construção estilo casa de fazenda, num bairro residencial alguns quarteirões ao norte da rua Principal. Ela, Diane e Roger haviam considerado situar sua base de operações num hotel que ficava na estrada, logo depois do limite da cidade, mas ele não lhes parecera confortável e o Bailey's ficava mais perto da civilização. Para começar, o Bailey's se derramava em charme, a começar pela grande varanda com cadeiras espalhadas casualmente, enfeitada por floreiras, com grade branca e janelas francesas de venezianas. Mas a verdade é que seu exterior prometia mais charme do que havia por dentro. Cassie cedera generosamente os dois únicos quartos vagos no segundo piso para Diane e Roger, ficando com o quarto do sótão, já que era menor do que eles. Mesmo porque Roger não teria sobrevivido no sótão, com suas janelas de água-furtada e teto inclinado. Ele correria o risco de bater a cabeça no teto e desmaiar, se se levantasse da cama muito depressa, Cassie não tinha visto os quartos dos companheiros, mas o do sótão era escuro e lúgubre, com o tapete desgastado e uma das janelas que não abria. Notara que seus amigos tinham acesso a um banheiro com chuveiro no andar em que estavam, enquanto o do terceiro piso tinha apenas um com uma antiquada banheira de pés em garra. Então, depois do jantar, quando quisera tomar um bom banho de chuveiro tivera de PROJETO REVISORAS 20


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se contentar com um de imersão. Às vezes as coisas aconteciam para melhor. Deitada na banheira de porcelana, olhando para o teto inclinado, sentira-se descontrair ao abraço do vapor de água e só então percebera o quanto estava tensa e cansada. Depois, limpa e refrescada, fora sentar-se na varanda. A noite caía suave, uma leve sugestão de frio frisando o ar. Faixas rosa e douradas marcavam o horizonte, e a sinfonia de insetos era pontuada de vez em quando pelo barulho de um besouro batendo contra o globo do poste prateado que ficava no meio do gramado em frente ao hotel. Retorcidas tiras de papel pega-mosca desciam do teto da varanda e vários sacos de um amarelo brilhante pendiam nos galhos dos arbustos do jardim, esperando pelos besouros. A dona do Bailey's, uma carrancuda mulher de meia-idade chamada sra. Gill, parecia ter investido mais em materiais anti-inseto do que em encanamento e decoração. Cassie olhou para Roger, acomodado em outra cadeira Adirondack junto à dela, segurando uma lata de cerveja ainda fechada e olhando para o jardim da frente e a rua, uma faixa de asfalto ladeada de grama. Não podia discordar dele; o lugar era na verdade esquisito. Se algo era capaz de competir com ele em esquisitice, esse alguém era Roger Beckelman. Definitivamente descuidado, sem nenhum estilo, ele concorria a um prêmio de o mais esquisito. No entanto, era inteligente e talentoso com a câmera de filmar. Cassie jamais o vira perder a paciência. — Você acha este lugar esquisito? — perguntou. — Acho. — Importa-se de explicar por quê? — Não há frigobar no meu quarto — justificou ele. Cassie considerava a ausência de frigobar muito menos estranha do que os chiados que emanavam dos aparelhos elétricos para torrar insetos, toda vez que algum se aproximava demais deles. — Acha que deveríamos ter ficado no outro hotel? — Não. Lá também não havia frigobar. Ele puxou a argola da tampa da lata. Uma nuvem de vapor branco saiu dela enquanto a levava à boca. Depois do jantar, ele, Cassie e Diane, ao voltar para o hotel, tinham parado numa loja de conveniências para comprar algumas coisas. Roger havia comprado batatinhas chips e cerveja. Diane comprara uma garrafa de vinho e duas garrafas de Gatorade. Cassie comprara uma embalagem com seis sodas diet e um pacote de biscoitos de chocolate, imaginando que precisaria deles tanto para se alimentar quanto para se consolar, dependendo de como decorressem os próximos dias. Comprara também algumas barras energéticas de maçã, para compensar as falhas nutritivas dos biscoitos, e uma caixa de cereais, caso não gostasse do café da manhã servido no Bailey's. — Mais algum problema com o quarto? — voltou a perguntar. — É assim tão evidente? — Ele riu. — Alguma coisa andou arranhando as paredes e acho que é um rato. Cassie estremeceu. — Pelo menos você não vai sofrer de claustrofobia como eu. — Não é só o hotel. — Roger tomou outro gole de cerveja. — E a cidade inteira. Ela me faz pensar numa monstruosa pintura de Norman Rockwell. Ela riu e concordou. — Aposto que Phil e Trícia vão tirar algumas lindas fotografias para o álbum de casamento neste cenário. Ela fez um gesto indicando as sebes densas, com botões de um azul-pálido, e as fileiras de narcisos, como soldados, ao longo do muro branco. Não estava se importando com o tipo de fotos nupciais que os noivos iriam tirar, mas procurando a opinião de Roger PROJETO REVISORAS 21


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sobre eles, e aquele era um modo de introduzir o tema. — O que acha do feliz casalzinho? — acrescentou. — Bem, eu a descreveria como madura e impaciente — respondeu Roger. — Eu acho que o seu amigo tem sorte. — Acha, mesmo? — Com uma mulher como aquela? — Ele sacudiu preguiçosamente os ombros. — Eu não a jogaria fora da minha cama. Que beleza!, pensou Cassie, irritada. Phillip Keene, um inteligente, aproveitável exemplar de altos valores e profundidade de caráter, iria amarrar seu futuro a um maduro e impaciente clone de duquesa, a uma mulher com quem até mesmo Roger gostaria de brincar. — Então, vamos filmar na serraria amanhã? — indagou Roger apontando o laptop no qual ela desenvolvera um roteiro. Cassie sacudiu a cabeça. — Não vou colocar a serraria em pauta até ver como irão as coisas na Móveis Keene. Depois daqueles momentos tensos na lanchonete, ela não tinha muita certeza de que as coisas correriam bem. Encontrar com Phillip logo depois de chegar a Lynwood a sobressaltara. Não importava quanto Diane conversara com ela em Boston e durante o vôo até Columbus, não importava quanto queria vingar-se dele por ter partido seu coração, não importava quanto queria vê-lo entrar no novo milênio vencido e humilhado; ver-se face a face com ele não exacerbara seu instinto vingativo. Ao contrário. Quando se voltara e o vira naquela rua ensolarada, precisara usar todo o seu controle para evitar de se jogar nos braços dele. Ainda o amava. Oh, claro, ela o odiara querendo vingança! Mas ele era Phillip, o seu Phillip. Era o amigo que passara sentado ao lado dela durante horas, ouvindo-a descrever sua visão de Rodas dos Sonhos, suas esperanças para programas futuros, seus medos e ambições. Ele não caçoara nem dissera que ela vivia num mundo de fantasia, como o dos personagens de seu programa. Em vez disso, dera-lhe informações de como patentear os bonecos de Rodas dos Sonhos e assegurara que tudo que ela podia sonhar podia também fazer. Phillip a respeitara, acreditara nela, insistira em que ela era um gênio; jurara que considerava a inteligência e a criatividade os mais valiosos atributos que uma mulher podia ter. E depois provara isso fazendo amor com ela, jurando que a amava, prometendo amá-la para sempre. O maldito. Ela deveria ter reagido à visão dele com uma raiva venenosa, mas, por algum motivo, ao fitar os profundos olhos cinzentos a única coisa de que pudera lembrar-se fora o amor. Horas mais tarde, mergulhada na banheira que mal cabia no pequeno banheiro do sótão, deixara que a água morna a abraçasse como um amante, só que sem a sensação arrasadora que fizera parte de sua última experiência com abraços de um amante, e levasse consigo a maior parte dessa bobagem romântica. Uma coisa estava clara: ela não tinha certeza de estar pronta para vestir a armadura e ir para a maior luta da sua vida. Como consciente da hesitação de Cassie, Diane saiu para a varanda, deixando que a porta de tela se fechasse rangendo. Estivera na cozinha explicando para a sra. Gill que uma vez que sessenta por cento de seus hóspedes pagantes eram altos profissionais da televisão de Boston, mereciam espaço na geladeira da cozinha para guardar a soda e PROJETO REVISORAS 22


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cerveja que tinham comprado. — O que está fazendo? — perguntou, dando a volta na cadeira de Cassie e apoiando-se na grade da varanda. — Um roteiro dos passos da vingança? — Não sei como fazer um roteiro de vingança — confessou Cassie, suspirando. — Estava tentando escrever um roteiro para o episódio de como fazer uma cadeira. Vingança não era o forte dela, fosse como escritora ou como mulher enganada. Cassie tinha mais tendência para a conciliação. Achava que era por ser criativa e não destrutiva. — Eu não sei lidar com vinganças — acrescentou cansadamente. — Talvez seja melhor fazermos as malas e voltar para Boston. — Não — disse Diane, com firmeza. — Nao podemos ir — argumentou Roger. — Eu trouxe muitas fitas para filmar a fabricação de uma cadeira. O rumor de pneus rodando sobre cascalho interrompeu a conversa. Cassie voltou-se a tempo de ver um Mercedes último modelo parar onde a grama encontrava a estrada, bem embaixo da tabuleta de madeira que identificava a grande casa de fazenda como Pousada Bailey's. Em Boston, Phillip tinha um Toyota de dez anos, que comprara de segunda mão. — Se você mora numa cidade grande — ele costumava dizer —, não convém ter automóvel caro. Cassie não criticara o carro dele. Uma vez que não tinha um, considerava o máximo do luxo andar pela cidade no Toyota velho de Phillip. Ali, na excêntrica terra de Norman Rockwell, claro, ele podia circular pelas ruas num carro de luxo sem se preocupar com vandalismo, furto ou os inevitáveis esbarrões quando se dirige em estreitas e curvilíneas estradas desenhadas quatrocentos anos atrás para cavalos e carroças. Em Lynwood provavelmente os motoristas paravam diante de sinais vermelhos e com certeza obedeciam aos sinais de trânsito. Um carro de alto preço podia sobreviver são e salvo naquela cidade. Ficou olhando enquanto Phillip emergia do automóvel cor de creme. Ele mudara o terno por um jeans que ela nunca tinha visto; comparado com ele, o de Roger, desbotado e sem forma, parecia ter sido apanhado numa lata de lixo; e uma alva camisa esporte Oxford, aberta na gola. A porta do Mercedes fez um clique suave quando ele a fechou. Phillip parou na calçada em frente à varanda e disse: — Olá... Ele aproximou-se da escadinha que levava à varanda mas, ao crepúsculo, Cassie não podia ver direito sua expressão. Parecia estar sorrindo, mas dava impressão de ser um hesitante, desconfortável sorriso. Seus olhos estavam solenes, escuros e desconfiados. Apesar da aparente tensão, continuava incrivelmente bonito. Não era por isso que se apaixonara por Phillip, Cassie apressou-se a lembrar a si mesma. Mas a verdade é que ao olhar para ele surgia um calor em seu ventre, seu pulso se. acelerava perceptivelmente e sua respiração se tornava um tanto pesada... Eles podiam estar conversando, discutindo, analisando o significado da vida ou considerando se Titanic era um filme melhor do que Uma Noite para Recordar, sem que o sexo fosse a coisa mais importante em sua mente, no entanto seu corpo estava sempre, mas sempre, em sintonia com o dele, recebendo sinais que Phillip talvez nem soubesse que emitia... Não era por isso que o amava. Entretanto, continuava sintonizada com ele, percebeu com uma mistura de desgosto e desalento. Enquanto Phillip chegava ao primeiro degrau da pequena escada que dava para a varanda, olhando-a, Cassie não podia deixar de receber seu sinal. Lembrando-se que dentro de poucos dias ele estaria iniciando um legal, espiritual e vitalício PROJETO REVISORAS 23


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compromisso com outra mulher não ajudava a desfazer o contato. Nem lembrar-se de que havia ido para Lynwood para tornar a vida dele o mais desagradável possível. — Você está ocupada? — perguntou ele. Ela deu um sorriso frio. — Na verdade estávamos fazendo planos para filmar na Móveis Keene amanhã. Um músculo pulsou na mandíbula de Phillip. — Eu esperava que pudéssemos conversar a respeito. — Claro — assentiu ela, fingindo que a idéia lhe agradava. — Puxe uma cadeira e junte-se a nós. Ele olhou para Roger e Diane, depois tornou a voltar-se para Cassie. — Eu quis dizer você e eu. Podemos dar uma volta no meu carro. — Com um rápido olhar para os outros, acrescentou: — Espero que não se importem... — Sem problema — disse Roger afavelmente. Cassie teve vontade de dar-lhe um chute. Olhou para Diane, que sacudiu os ombros e abriu um sorriso encorajador, que não adiantou absolutamente nada. Nenhum dos dois estava disposto a ajudá-la. Sem escolha, ela fechou o laptop e entregou-o à amiga. Então, esvaziou os pulmões do ar que estava retendo e os encheu de novo com o ar de Norman Rockwell. Talvez conversar com Phillip lhe desse alguma inspiração para os planos de vingança. Talvez passar alguns minutos em sua companhia a lembrasse de que o odiava mais do que desejava. — Está bem — disse, levantando-se. — Vejo vocês mais tarde. Se eu não estiver de volta até às dez horas, chamem a polícia. A última frase era dirigida a Phillip, avisando-o de que ela não pretendia passar mais do que duas horas com ele. Phillip assentiu, fez um aceno para Roger e Diane, então se pôs de lado para que Cassie pudesse ir à frente dele até o carro. Com maneiras impecáveis, abriu a porta do passageiro e estendeu a mão, que ela aceitou, porque não aceitar seria uma demonstra ção acintosa de hostilidade contra ele. Com um sorriso bem-educado, deixou-o ajudá-la a acomodar-se no assento estofado de couro. Era muito confortável, principalmente depois da cadeira de madeira da varanda. Assim que sentou, ela libertou a mão da dele e fechou a porta, forçando-o a recuar depressa se não quisesse correr o risco de ter os dedos esmagados. Olhou-o através do pára-brisa enquanto ele dava a volta pela frente do carro a fim de ir para o lugar do motorista. Não era tão alto e magro como Roger, mas havia nos seus modos a elegância de quem se entende bem com o próprio corpo. Ao contrário de sua noiva, ele não se mostrava muito acomodado com as circunstâncias. Ao contrário, parecia um tanto avesso a elas, apesar das atitudes refinadas. Havia uma ansiedade em seus olhos, uma inquietação em seus gestos, algo que dava a impressão de que ele estava prestes a participar de uma corrida de Fórmula Um. Phillip sentou-se no banco ao lado, e Cassie tratou de obrigar-se a não pensar na aparência dele ou no calor que aquela proximidade fazia tomar conta do seu corpo. Ele era o inimigo, o homem que partira seu coração, e ela devia fazer tudo para não lhe dar a demonstração do mal que lhe havia causado. — Lynwood é uma cidadezinha bonita — comentou, no seu tom mais açucarado. Ele deu-lhe um rápido e desconfiado olhar. Com certeza sentira a superficialidade irônica de suas palavras. Apertando os dentes, decidiu ser menos sarcástica e olhou para a frente enquanto ele ligava o motor e se distanciava da tabuleta da Pousada Baile/s. Ao contrário do barulhento e velho Toyota, o Mercedes murmurava. — Lindo carro -— disse, desta vez sem ironia. Recebeu apenas outro rápido olhar e mais nada. Então, ele não queria conversar por enquanto. Tudo bem. Ela não iria se rebaixar a PROJETO REVISORAS 24


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continuar tentando. Entraram pela rua Principal, passaram pelas lojas e árvores copadas, pela prefeitura, pela livraria, pelo colégio e seguiram rumo oeste, para o horizonte rosa-salmão. As casas que flanqueavam as ruas que iam dar no centro da cidade eram enormes e imponentes. Sem dúvida a família Riggs morava numa daquelas mansões elegantes. Com certeza a família Keene também. E quando as famílias Keene e Riggs emergissem do processo do feliz casamento, era mais do que certo que Trícia e Phillip morariam numa imponente, elegante mansão de Lynwood, só deles. Phillip continuava dirigindo em silêncio. Seu rosto mostrava-se indefinido na luz esmaecida do crepúsculo. As mãos apertavam, firmes, o volante do carro. Seu assento estava mais empurrado para trás, por causa das longas pernas. A impaciência dela começou a crescer. O que ele pretendia? Dissera que queria conversar, então por que não falava? Será que a estava seqüestrando com algum propósito inconfessável? Será que iria até uma floresta dos arredores da cidade, que a mataria e esconderia o corpo sob uma camada de folhas e galhos para que não fosse descoberto até o casamento ter se realizado? Chegaram à periferia da cidade e a estrada es-I reitou-se mais, subindo. Depois de atravessar um pequeno pomar, Phillip virou para uma estrada ainda mais estreita e sem pavimentação. O cenário para um assassinato na floresta começava a se esboçar. Por fim ele dirigiu o carro para a lateral da estrada o parou sobre uma enorme pedra achatada de onde se podia ver o panorama de campos cultivados lá embaixo, como uma colcha de retalhos. — Onde estamos? — perguntou ela. — No Mirante. Cassie soltou o cinto de segurança e inclinou-se para a frente, os braços apoiados sobre o painel. Km outras circunstâncias teria admirado o panorama, mas nessa noite estava com pouca disposição para se interessar por vistas. Mesmo assim, ficou olhando para a paisagem a fim de não olhar para o homem a seu lado. — Você trazia garotas para cá a fim de fazer sexo? Ela mais sentiu do que viu que ele estremecia. — Cassie — murmurou Phillip, num tom que implorava e ao mesmo tempo demonstrava hesitação. Incapaz de continuar olhando para fora, ela voltou-se para observá-lo. Por que ele a trouxera até ali? Com certeza não tinha intenção de fazer sexo com ela, não a menos de uma semana de seu casamento. Se, que Deus não permitisse, fosse essa sua intenção, ela o faria desistir depressa. Até com um soco no nariz, se precisasse. Ali estava uma boa idéia! Por que não quebrar o nariz dele antes do casamento? Então, em vez de lindas fotos de casamento, Phillip e Trícia iriam relembrar o dia mais feliz de suas vidas com um álbum cheio de retratos nos quais Phillip exibiria dois olhos pretos e o nariz inchado. Idéia interessante. Violenta, mas interessante. — Cassie — murmurou ele de novo. Ela tornou a voltar o olhar para o pára-brisa e imaginou até que ponto estava querendo ser violenta. — Sim? — O que você veio fazer aqui? — Não fui eu que trouxe você até este lugar isolado, portanto diga-me você — respondeu ela, fingindo entender mal a pergunta. Ele não falou logo. Pela canto dos olhos Cassie viu-o afundar no assento, o olhar fixo em algum lugar em frente. PROJETO REVISORAS 25


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— Eu a trouxe aqui porque é um lugar sossegado e achei que poderíamos conversar. Se ele quer conversar, que fale, pensou ela sem dizer uma palavra. — Por que — começou ele devagar, como se estivesse se dirigindo a uma imbecil —, você veio para Lynwood? — Para assistir ao seu casamento. Ao dizer "seu casamento" foi como se cravassem uma faca no peito dela, mas Cassie conseguiu impedir que a voz tremesse. Ele suspirou. Sentia o leve perfume dela. Cassie forçou-se a não olhar enquanto Phillip passava a mão na cabeça. Era um gesto tão familiar que não precisou olhá-lo para perceber o modo como os dedos se enfiavam nos cabelos negros, que imediatamente voltavam para o lugar. — Honestamente, não me lembro de ter incluído seu nome na lista de convidados. — Bem — a indignação dela era exagerada —, você não é um anfitrião muito acolhedor! Vai me desconvidar? — Desculpe... Você deve estar me achando muito rude. Rude é pouco!, pensou ela amargamente. — Mas, Cassie... — Ele suspirou de novo. — Vamos... Você não está mesmo pensando que eu a iria convidar para o meu casamento, não? — Você quer dizer, depois que me enganou? Para ser franca, não sei. A "resposta soara cáustica, mas ela não pudera impedir. Do lugar do peito que sentira como atingido por uma faca irradiava-se uma dor profunda. Parecia uma hemorragia. Ela poderia morrer de dor ali mesmo, no elegante Mercedes. Ficou evidente que o tom dela o aborrecera. — Olhe, nós dois somos adultos. Vamos ser razoáveis. — Claro, vamos ser razoáveis. Você me enganou e aqui estou para o seu casamento. Quem diria que eu viria para cá depois de você ter me tratado como lixo? — Cassie... Se ele gemesse o nome dela mais uma vez, Cassie iria mesmo quebrar-lhe o nariz! Talvez o queixo também. Quanto mais considerava a idéia, mais a violência lhe parecia agradável. — Quando cheguei a Ohio, no ano passado — explicou Phillip —, nada foi simples como eu esperava que seria. — Sei... E eu era o quê uma complicação? — Para ser franco, sim. — Ele a fitou. — Sinto muito, mas você era uma complicação. — E eu sinto muito por ter tornado sua vida difícil — afirmou ela, não sentindo nada na verdade. — Então, talvez concorde em simplificar a minha vida indo embora. — Oh, muito bem! — Cassie inclinou a cabeça para trás e riu. — Você acha que depois de tudo que fez eu lhe devo um favor. Como seria possível ser mais sensato? — Cassie... — A voz dele perdera a tonalidade zangada e agora soava abafada, pouco confiante. — Eu não queria que as coisas tomassem o rumo que to maram. É verdade. Sinto muito pelo que aconteceu. Maravilhoso. Ele sentia muito por ter ido para a cama com ela, tirado sua roupa e a dela, por tê-la tocado, beijado e sentido o gosto dela inteirinha. Sentia muito por ter possuído seu corpo e a amado até os dois ficarem ofegantes, gemendo e integrados um no outro num prazer indescritível. Ele sentia muito ter feito amor com ela. Sentia ter prometido que voltaria. — Afinal, o que quer de mim? Perdão? — perguntou Cassie. PROJETO REVISORAS 26


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E surpreendeu-se por sua voz ter também perdido o tom agressivo, parecendo a voz de quem perdoa. Não era o que ela queria que parecesse, mas fora impossível impedi-lo. Ele ficou pensativo, deslizando distraidamente o polegar pelo volante. Cassie ordenou a si mesma que não olhasse para a mão dele, porém não conseguia evitar. Seus dedos eram esguios, longos, juntas cinzeladas, unhas quadradas. Tinha mãos masculinas, sensuais. — Será que você não pode me perdoar? — O olhar dele se tornara curiosamente esperançosos. — Você quebrou sua promessa, Phil. Quebrou o meu coração! Você me machucou! — E não basta eu dizer que sinto muito? — Você vai se casar no sábado — retrucou ela. — Que importa se eu perdôo ou não? Que diferença faz? Sou apenas uma convidada para o casamento. Alguém que você conhece. O que lhe importa o que penso? Ela estava estragando tudo, sabia. A raiva que sentia era muito evidente. Queria conservar-se tranqüila e paciente, mas não podia. — Está bem — disse ele, por fim. — Vamos começar pelo começo. O que Phillip queria dizer com "começo"? Será que se referia ao dia em que tirara a caixa de suas mãos e seus olhos se haviam encontrado? Depois disso ele levara a caixa para o estúdio de filmagem c ficara lá, perguntando se poderia ajudá-la a ajeitar as peças e se ela achava que fazer o serviço mais pesado era um meio eficiente de economizar dinheiro l>ara o canal de tevê. Seria isso? — Não vou deixar que você filme a seqüência de Rodas dos Sonhos na Móveis Keene, Cassie. Ela estremeceu. De todas as coisas que ele poderia dizer, com toda a situação que havia entre eles, toda a dor, toda a raiva, por que falava justamente sobre Rodas dos Sonhos? Ela queria filmar a criação de uma cadeira. Apesar das muitas experiências negativas que estava tendo, precisava filmar a seqüência para o programa também para saber se ainda era capaz de alguma coisa positiva. Sim, ansiava por vingança; sim, era vingativa e estava com raiva; sim, queria que Phillip sofresse. Mas se conseguisse boas tomadas para o programa seria capaz de acreditar que ainda possuía um pouco de humanidade. Além disso, o único modo que tivera de fazer aquela viagem fora com as despesas entrando no orçamento do programa. Se não fosse pelo casamento de Phillip, nesse momento ela estaria planejando o itinerário para filmar Alamo. E mais, Roger trouxera uma porção de fitas de vídeo. Procurou manter-se calma e levar a conversa para o que interessava. — Você não me trouxe até aqui para falarmos sobre o Rodas dos Sonhos. — Para dizer a verdade, sim. -r- Seja franco, Phil. Você me trouxe aqui para me mandar embora. — E também para dizer que não quero que filme a fábrica. — Por quê? A pergunta dela soou surpreendentemente racional. De algum modo Cassie conseguia separar-se do trabalho, desvincular sua desilusão amorosa da tarefa que viera, também, desempenhar ali. — Combinei tudo com Lowell Henley — continuou, com tranqüilidade. — Ele ficou entusiasmado, pois reconhece a importância da televisão para crianças, principalmente quando é para entreter e educar, ao mesmo tempo. Ele entendeu que... — Não — interrompeu-a Phillip. — Não quero você andando pela minha fábrica com câmeras e cabos de eletricidade. Eu teria dito que não se Lowell tivesse conversado comigo a respeito antes. Ele não me consultou. PROJETO REVISORAS 27


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— E por que teria de consultar? Lowell é o responsável pela publicidade da empresa. Você é o responsável por... o quê? Por fazer com que a folha de pagamento esteja sempre em dia? O olhar de Phillip tornou-se gelado. — Sou responsável por tudo. — Bem, bem — murmurou ela. — Um diploma da Faculdade de Economia de Harvard é o bastante para qualificá-lo para o trabalho de Deus? Estou admirada! Os lábios dele ficaram tensos, demonstrando irritação. -- Não sou Deus, Cassie. Sou o diretor-proprietário da Móveis Keene e estou dizendo que você não vai filmar nela. — Tenho o projeto de filmagem assinado por Lowell. — Posso despedir Lowell — exasperou-se Phillip. Kntão olhou para a faixa escura no pára-brisa, suspirou de novo e acrescentou: — Não que eu queira. — Isso é um alívio — havia ácido em cada palavra dela. — Eu estava começando a pensar que você talvez não fosse Deus, mas que pode ser o diabo, demitindo cada empregado que se atreva a tomar uma iniciativa sem beijar sua mão primeiro. Phillip fitou-a, mas não respondeu à provocação. — Lowell é um bom homem — concedeu —, no entanto deveria ter conversado comigo a respeito da filmagem, antes de se comprometer. Realmente não me agrada ter pessoas andando pela fábrica com câmeras de filmar, interferindo com o trabalho. — Eu não sou pessoas — rebateu ela. — Sou Cassie Webber. — Exatamente. Cassie cometeu o erro de olhar para ele. Fixos nela, os olhos dele brilhavam nas sombras da noite que se aproximava e pareciam queimá-la. A expressão da boca bemfeita era amarga... e muito atraente. Teve uma repentina lembrança de como sentira aquela boca na dela, e mais dor emanou do ferimento em seu peito. — Você é Cassie — confirmou ele, em voz baixa — e não devia ter vindo. Ela percebeu a tristeza nas palavras dele, juntamente com uma espécie de aviso. — Agora é tarde — desafiou —, já estou aqui. — Sim, está. Ele inclinou-se, afastou uma mecha de cabelos do rosto dela e acompanhou com a ponta dos dedos o contorno da face. — Tem razão, talvez seja tarde demais... Enquanto falava, Phillip deslizou a costa dos dedos pelo queixo e a garganta dela. Tarde demais para quê?, perguntou-se Cassie nervosamente, sabendo que Phillip não estava se referindo a sua viagem a Lynwood para o casamento. Será que ele pensava que era tarde demais para suprimir seu desejo de vingança? Tarde demais para pedidos de desculpas e perdão? Tarde demais para pensar no que poderia ter sido e não iria ser? Tarde demais para ele impedir-se de beijá-la? Para ela não corresponder ao beijo? Foi enorme o esforço que Cassie teve de fazer para não inclinar-se para ele enquanto seus dedos tocavam-lhe a pele. Teve de reunir todo o seu poder de autocontrole para tatear a porta até encontrar o fecho e acioná-lo. A porta abriu-se de repente e ela quase caiu para fora. A noite entrou no carro, com a leve frialdade do ar agitada pelo estridente coro dos grilos. — Pare com isso — sussurrou ela, mais para si do que para ele. Queria que Phillip parasse de tocá-la, porém mais do que isso queria parar de querer seu toque. Ao sair do carro, equilibrou-se nas pernas trêmulas, cruzou os braços no peito e rezou para que o ar fresco da noite desanuviasse sua mente. Como ele se atrevia? Como se atrevia a derrubar as defesas dela, a perturbá-la PROJETO REVISORAS 28


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daquela maneira? ("orno se atrevia a deslizar os dedos em sua pele e a despertar tanto desejo em seu corpo? A coragem dele! Dizer que era tarde demais, quando ela era a única que sabia que era tarde, a única que perdera tudo menos a dignidade, e quase a perdera também, sozinha naquele carro com Phillip, num rochedo alguns quilômetros a oeste de Lynwood. Era ela que havia perdido tudo que poderia ter o estava perigosamente perto de perder a si mesma. A coisa mais importante para a qual se tornara, de fato, tarde demais era infligir um castigo a Phillip antes de ir embora. Era definitivamente tarde demais para isso. CAPÍTULO QUATRO Edie fitou Phillip por cima da escrivaninha. — Você não ouviu uma palavra do que eu disse — reclamou. — Sim, ouvi. — Ele deu um sorriso apagado. — Ouvi as últimas três palavras... Ela estalou a língua, fez um aceno de cabeça e voltou a ler as anotações em seu caderninho. — Lowell Henley disse que tomará conta de tudo e que você só tem de deixar o pessoal da tevê por conta dele — recitou, ticando cada item no caderninho. — A florista quer que você ligue para dizer se concorda com o custo total das flores que Trícia encomendou para o casamento. — Tique. — A filial de venda a varejo de Chicago quer que você vá lá para resolver os problemas deles de estoque. — Tique. — Nem por sonho! Temos telefones, faxes, e-mail e sei lá mais o quê. Podemos resolver os problemas de Chicago daqui... desde que tenham solução. Phillip suspirou. Sabia que teria de resolver a confusão de Chicago, mas vinha tentando equacionar os problemas daquela loja havia meses e não conseguira nada. — Quer eu vá ou não até lá, a administração deles deixa muito a desejar — acrescentou. — Eles querem a sua ajuda. — Vou me casar nesta semana — retorquiu ele. E tentou ignorar o arrepio que lhe percorria a espinha ao lembrar-se disso. Fechou os olhos por instantes e fez a cadeira rodar até a janela. Estava de mau humor, impaciente, sem vontade de saber quanto iriam custar as flores que Trícia havia encomendado, nem de pensar em como resolver os problemas de Chicago. Cassie Webber estava na cidade. Como é que ele podia pensar em outras coisas? Na noite passada estivera tão perto de trair sua noiva dias antes do casamento! Sentado em seu carro, passara os dedos na pele macia de Cassie e a desejara. Tão intensa e insensatamente quanto a desejara na primeira vez que a vira entrar no cor redor da estação de tevê estatal com os braços ocupados por aquela bendita caixa. Alguns homens tinham mais autocontrole do que outros. Dado o que ele sentira por Cassie na noite anterior, podia dizer que tinha mais autocontrole do que todos os homens do mundo juntos. Como explicar por que não a havia pegado no colo, tirado suas roupas, as dele também, e feito um amor louco com ela? Bem, na verdade ele não fizera o que seu coração, seus hormônios e seu cérebro gritavam que fizesse porque Cassie, ajuizadamente, saíra do carro. Ela devia ter intuído o que ele estava pensando e, se cometesse o erro de olhar na direção da virilha dele, de nada adiantaria ter percebido. PROJETO REVISORAS 29


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— Phillip. — Edie o fez voltar à realidade. — Ainda não terminei. Ele voltou a rolar a cadeira para trás da escrivaninha e tentou prestar atenção. Edie fuzilou-o com o olhar, o caderninho erguido como um escudo, mas ele sabia que, na verdade, tratava-se de uma arma ofensiva. Desde que começara a dirigir a Móveis Keene, pedia a ela, que trabalhara também para seu pai, que gravasse os recados na secretária eletrônica interna, assim não teria de perder tempo anotando mensagens num caderninho e depois recitando-as para ele. Edie respondia que preferia trabalhar à moda antiga, mas Phillip desconfiava que o verdadeiro motivo era que preferia ficar em pé diante dele, falando e ticando os itens de sua lista. — Eu sei que tem de pensar no seu casamento — censurou-o a secretária —, mas aqui também há muito que fazer. A loja de Chicago... — Pode esperar — cortou Phillip, completando a frase a sua moda. — Seja o que for que esteja acontecendo por lá, pode esperar. Edie franziu os lábios, dando a impressão de que tomara algo muito azedo; o rosto inteiro dela se contraiu. — Os músicos ligaram para confirmar. Não a orquestra para a recepção, mas sim o trio que vai tocar durante a cerimônia. Harpista, violinista e flautista. Ela foi muito clara a respeito. Frisou que era violinista e não violonista. — Está bem. Ele queria fechar os olhos de novo e voltar à noite anterior, ao instante anterior ao que Cassie saíra do carro. Ao instante em que ela estivera a poucos centímetros dele e que ele aspirara seu suave e limpo perfume, que fitara os olhos dela e se lembrara de corno havia sido maravilhoso em Boston, um ano antes, quando podiam sentar-se lado a lado e conversar, aspirando um o cheiro do outro, à espera do momento em que iriam além da conversa. — Erroneamente, eu a chamei de "violonista" — explicou Edie — e ela ficou zangada. Achei que você gostaria de ser avisado a respeito. — Gosto. Você não pode imaginar quanto — resmungou Phillip. — E outra coisa, Harry Riggs quer falar com você. Este recado chamou a atenção de Phillip. — Por que ele quer falar comigo? — Ele não disse — respondeu a secretária. — Imagino que seja porque você vai se casar com a filha dele no sábado. Provavelmente quer dar-lhe alguns conselhos finais ou fazer um daqueles sermões sentimentais sobre tomar conta direitinho de Trícia. — Claro. Uma dor nada musical começou a martelar sua cabeça em altos decibéis. Tudo percussão, sem nenhum violinista no conjunto. Phillip reconheceu a composição: "Nãoquero-ver-Harry-Riggs sonata". — Telefono para ele depois. — Harry Riggs quer que você vá visitá-lo. Para ser exata, as palavras dele foram — ela leu no caderninho: — "Diga a esse menino que passe no meu escritório". Foi muito específico. Creio que acha que você ainda é uma criança. — Esse é o modo de ele falar. Na verdade, Phillip desconfiava que seu futuro sogro realmente o via como um menino. Se a Móveis Keene não fosse tão vulnerável às manipulações de Harry, Phillip explicaria a ele que já era um homem feito, perto do fim de sua terceira década neste planeta e que seria melhor passar a dirigir-se a ele nesses termos. Mas via-se obrigado a agir cuidadosamente, pelo menos enquanto seu futuro sogro estivesse em posição vantajosa. — Você me parece um pouco zangado — observou Edie. — Fez alguma coisa PROJETO REVISORAS 30


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errada? A única coisa errada que Phillip tinha feito fora entregar-se a momentos de desejo erótico por outra mulher. Ou, mais exatamente, fora passar uma longa noite de insônia povoada por desejos eróticos. Mas duvidava que o pai de Trícia o quisesse ver por causa disso. Harold Riggs, presidente do Banco de Comércio de Lynwood, até que um banco regional maior o absorvera pagando-lhe um ordenado astronômico, e independente consultor financeiro e capitalista ousado, era rico o bastante para chamar qualquer um do que bem quisesse e não sofrer represálias. Era tão poderoso que, quando queria falar com Phillip, tudo que tinha a fazer era chamá-lo, e ele se via obrigado a atender imediatamente. j Os tambores na cabeça de Phillip soavam cada £ vez mais alto. — Diga ao pessoal de Chicago que darei uma resposta até o final da semana. Peçalhes que me mandem os relatórios de vendas e o balanço por fax, assim poderei dar uma olhada neles num momento de folga... se é que terei algum. — Seu crânio vibrou com o toque de címbalos, seguido de um soar de tímpanos. — Diga a Henley que não quero nenhuma filmagem para programa infantil na fábrica. Avise OS músicos que está tudo ótimo. E Harry? Diga-lhe que passarei por lá antes do almoço. Edie ticou vários itens no caderninho. Mais alguma coisa? Se Trícia aparecer, avisea de que não posso vê-la. As sobrancelhas de Edie ergueram-se, mas ela não fez comentários. Com um olhar de profundo descontentamento, deu a volta na mesa e saiu da sala, fechando a porta atrás de si. Phillip precisava dar uma olhada dos últimos relatórios vindos de Chicago e verificar a data do financiamento sobre o que provavelmente Harry queria falar-lhe. Deveria dar um rápido telefonema a Howell Henley para ter certeza se ele compreendera que Cassie Webber e seus colegas não eram bem-vindos à fábrica. Cassie. Só evocar o seu nome o fazia ignorar tudo que tinha a fazer. Como podia pensar em Harry e Chicago, na violinista, quando sua mente estava re pleta com as lembranças de Cassie, lembranças da amizade deles em Boston, lembranças do amor que faziam, lembranças de estar sentado no carro, sozinho com ela, menos de vinte e quatro horas antes? Lembrava-se do contorno do seu rosto, dos enormes olhos castanhos, da personalidade forte. Lembrava-se do modo como a respiração dela se interrompera quando ele lhe tocara a face. Estivera com Cassie no Mirante na noite anterior, só os dois, o carro e o crepúsculo, e imaginara tudo que queria fazer com ela, coisas que nunca mais poderia fazer. Jurou a si mesmo que não estava apaixonado por Cassie. Pelo menos, não estava mais. Não podia estar. Não podia permitir-se estar. Coisas demais haviam acontecido. Muita água ainda vai passar debaixo da ponte, pensou morosamente, erguendo-se da escrivaninha e indo até a janela para olhar o rio. Água sob a ponte. Um rio que havia prosseguido seu curso escavando aos poucos a alma dele ao passar. E que prosseguiria em seu curso não importa o que ele sentira antes por Cassie, ou o que sentia agora. Iria casar-se com Trícia Riggs. Naquele sábado trocaria votos com ela, e mais um pouco da sua alma seria levado pelo rio implacável. O rio não podia parar de correr. — Ouça, Trícia, querida... — dizia Constance Riggs — você não pode querer flores nos seus cabelos. Estavam sentadas em poltronas gêmeas, com o mesmo estofamento floral, no Leona's, o mais fino salão de beleza da cidade, decidindo qual seria o penteado de Trícia PROJETO REVISORAS 31


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no sábado. A mãe de Trícia tinha o finíssimo véu de seda dobrado no colo, com uma tiara cravejada de pérolas sobre ele. Até algum tempo antes, sua filha achara aquele o enfeite de cabeça mais lindo do mundo. Mas agora... não se sabia por que, resolvera que apenas algumas fitas de seda e flores nos cabelos ficariam muito melhor. Um toque extravagante em toda aquela formalidade. Por que não? Porque a mãe dela teria um ataque, por isso. Leona estava sentada num banquinho baixo, diante das duas mulheres. Ela não devia pesar mais do que quarenta e dois quilos e tinha um jeito de entrelaçar uma perna na outra que lembrava dois fios do linha torcidos. Seus cabelos eram curtos, bem ponteados, castanhos com reflexos dourados, e os olhos negros estavam maquiados com delineador e rimei. Mas apesar de tudo, isso era pura Lynwòod, Tipo família e cidade pequena. Ela apenas pensava que era cosmopolita. — Bem — disse, inclinando-se para a frente e locando os cabelos ondulados de Trícia —, podemos fazer um toucado muito interessante com flores. Algo muito simples. — Eu não quero que ela pareça simples — rebateu Constance. — Esse não vai ser um casamento simples. Gastamos centenas de dólares neste véu. Ninguém gasta tanto dinheiro num véu e espera que ele pareça simples. — Bem — argumentou Leona suavemente —, podemos usar o véu com algumas flores. Você com certeza quer brilhar com estilo... Constance voltou-se para Trícia, exasperada. — Tudo já estava decidido — disse com dureza. Agora não há tempo para mudar de idéia. Trícia suspirou. Sempre pensara que poderia mudar de idéia até o momento de dizer "Sim". Claro que não tinha a menor intenção de mudar de idéia quanto ao casamento. Phillip seria o marido perfeito. Todo mundo dizia que eles formavam o par ideal, e Trícia também achava. Tricia e Phillip ficavam bem juntos. Adorava imaginar os filhinhos que iriam ter, espertos bebês rechonchudos, de cabelos ruivos, covinhas e lindos olhos azuis, como os dela. Na verdade, os bebês seriam exatamente com ela. Mas teriam a confiabilidade de Phillip. E a inteligência dele, porque seu noivo era mais esperto do que ela, um acadêmico de certa maneira. E talvez seus filhos tivessem também habilidades atléticas, se fossem meninos. Phillip havia sido um grande atleta no colégio. As fotos do time dele ainda estavam penduradas na parede de troféus do saguão da escola. Muito antes de ocor rer a Trícia que poderia casar-se com ele, ela sempre o escolhia na fileira de jogadores da equipe principal do colégio. Ele sempre fora fácil de escolher, pois era o rapaz mais bonito do time. Se ela e Phillip tivessem meninos, eles também seriam os mais lindos do time da escola. Se tivessem meninas, elas seriam líderes de torcida, como ela. Não que Trícia fosse feminista ou algo parecido, mas as líderes de torcida de Lynwood eram muito melhores do que os atletas. Vestiam o uniforme mais ousado e causavam inveja a todas as outras garotas. Se Trícia tivesse filhas, elas seriam as mais lindas líderes de torcida com uniformes perfeitos. Aliás, mandaria fazer suéteres com a inicial do time quando elas ainda fossem bebês. Mas era permitido que pensasse melhor a respeito do que iria usar no dia do casamento, não? Sobretudo com aquela tiara que apertava os lados de sua cabeça. Mais ainda, ela fazia suas orelhas ficarem salientes. Iria usar os brincos de pérolas e brilhantes que o pai lhe dera no Natal e não se importava se eles esticassem um pouco suas orelhas. Mas fazê-las ficar salientes, como as orelhas do elefante Dumbo, não. Trícia olhou da mãe para Leona. PROJETO REVISORAS 32


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— Não podemos fazer uma experiência? — perguntou. — Quero dizer, mesmo com os meus cabelos assim, só para ver como fica. Eu estava pensando que com todas aquelas rosas e tudo... — Que, aliás, é Phillip que vai pagar — lembrou-lhe a mãe acusadoramente. — Você encomendou lautas flores que vai arruinar o pobre rapaz. E quer mais flores? Já pensou nas pessoas que sofrem de alergia? Quer uma porção de gente espirrando no SEU casamento? — Eu vou pagar por essas flores — contrapôs Trícia. — Se vão fazer parte do meu vestido de noiva, pagarei por elas como paguei por ele. Eu só estava pensando... Quero dizer, seria como se eu fosse, não SEÍ, uma filha das flores. — Exatamente! — exclamou Constance Riggs estremecendo. Com cinqüenta e dois anos ela poderia ter sido uma filha das flores, se houvesse escolhido esse caminho na sua juventude. Porém jamais teria nem sequer pensado em escolhê-lo. Como Trícia, era uma filha de Lynwood. Uma emérita líder de torcida. Não que Trícia renegasse sua origem. No entanto, continuava achando que talvez devesse tentar algo um pouco diferente, apenas dar-se um pequeno gosto antes de não poder mais mudar de idéia. Algo como conhecer melhor aquele rapaz de cabelos compridos e brinco. Aquele amigo das amigas de Phillip. Ela invejava o tempo que seu noivo passara em Boston. E claro que Massachusetts não era igual à Riviera, mas parecia um tanto exótico para Trícia. Ela visitara Boston uma vez, havia muito tempo, e conhecera alguns pontos históricos, assim como visitara San Francisco, a Disneylândia e Cancún. Mas morar em Boston, ter contato com uma cultura diferente, era isso que invejava. Nunca tinha morado numa cidade grande, rodeada por todo tipo de gente, inclusive homens com brincos e cabelos que chegavam até quase a cintura. No colégio vira alguns rapazes esquisitos, que usavam argolas na narina, na sobrancelha e botas negras, pesadas, mesmo quando fazia um calor de trinta e cinco graus, e que, invariavelmente, estavam inscritos na lista negra do diretor. Porém jamais tivera algo a ver com eles. Mantinha-se a salvo em sua irmandade e dedicava-se ao estudo porque queria estar à altura quando tivesse seus próprios filhos. Claro que jamais pensara na possibilidade de entrar para a lista do diretor. Nunca tivera oportunidade de conhecer de perto pessoas como os rapazes do seu colégio que usavam anéis e alfinetes enfiados na pele ou, por exemplo, como Roger Beckelman. Ela não acharia ruim conhecê-lo melhor só porque ele era diferente. Quando reparara em seus cabelos compridos, nas roupas bastante usadas e na tatuagem de flor que ele tinha no antebraço, mal encoberta pela manga, compreendeu que Roger vivera sua vida de um jeito que ela não conseguiria nem imaginar. Porém, gostaria muito de viver por um momento a vida que não conseguia imaginar, mesmo que só pudesse fazê-lo da mais trivial maneira, como usar flores nos cabelos quando caminhasse na nave da igreja. — ...E os cabelos escovados para cima — explicava sua mãe a Leona. — Nada de cachinhos miúdos e ondas. Apenas alguns cachos amplos e soltos descendo dos lados do rosto, seguros pela tiara, de maneira a emoldurarem a face. E assim que imagino. — Está bem para você? — perguntou Leona a Trícia. De novo ela suspirou. No grande esquema das coisas, supunha, os detalhes dos seus cabelos no dia do casamento não eram importantes. O que importava era que estaria se casando com Phillip, um homem bom, inteligente; o homem que dirigia a Móveis Keene, uma das empresas mais importantes de Lynwood. Não importava como Leona penteasse seus cabelos, na noite do casamento Trícia iria arrancar a tiara, retirar os grampos e deixar os cabelos soltos. Para ser franca, achava que Phillip nem iria reparar de que jeito estava penteada. Sempre PROJETO REVISORAS 33


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se vestira com apuro para ele, sempre procurara mostrar-se impecável, e seu noivo jamais mencionara isso, a não ser do modo mais casual do mundo. "Você está .bem, Trícia" ou, se estivesse num momento muito expansivo, "Você está ótima". Agora, um homem como Roger Beckelman... Será que era o tipo de pessoa que repararia no modelo luxuoso do seu vestido de noiva, na elaborada tiara e nos maravilhosos brincos? Ou repararia mais numa noiva que usasse fitas e flores nos cabelos? Sabia que não deveria preocupar-se com isso. Mas até sábado, quando diria "sim", tinha o direito de se preocupar. O escritório de Harry Riggs ocupava o segundo andar de um edifício moderno no lado leste da praça principal da cidade. O prédio era dele e os conjuntos do primeiro andar estavam alugados para um contador, um quiroprático e um dentista. O andar de cobertura, com enormes janelas com vista para a praça e a prefeitura, era todo dele. Era evidente que Harry Riggs não precisava de muito lugar para trabalhar, já que a maior parte do conjunto estava vazia: salas que davam para a parte interna do edifício. A imensa entrada, que tinha uma escadaria de granito ao fundo, poderia ser tomada por uma galeria de arte entre duas mostras; dois misteriosos quadros pendiam das duas paredes laterais e um imenso tapete com motivos abstratos cobria praticamente todo o piso. Na primeira vez que Phillip estivera ali custara a descobrir o caminho para o balcão do recepcionista. Ele achava que os móveis esparsos e os vastos espaços vazios eram simplesmente um modo de Harry intimidar seus visitantes, anunciando a quem quer que se aventurasse lá dentro que ele era uma pessoa importante e que, comparado com ele, qualquer um era insignificante. Phillip recusava-se a ser intimidado por Harry Riggs. Sempre suspeitara que o futuro sogro tentava dominá-lo, mas era teimoso o bastante para negar-lhe essa satisfação. Mesmo com o poder que Harry Riggs tinha sobre a Móveis Keene, mesmo com o andamento dos negócios dependendo de sua habilidade de trabalhar com Harry, Phillip recusava-se a se deixar impressionar. Iria casar-se com sua filha, não? O que mais Riggs queria? O pai de Phillip também nunca se impressionara com Harry, o que talvez tivesse sido bastante ruim. Se James Keene tivesse sido um pouco mais cuidadoso no relacionamento com o querido amigo Riggs, não teria pegado tantos empréstimos com ele quando a Indústria de Móveis Keene começara sua rápida expansão, nem teria feito esses empréstimos contra a empresa. Claro, o pai de Phillip havia tomado esse dinheiro todo emprestado de Harry porque as condições dele haviam sido melhores do que as do banco, e porque o banco teria recusado empréstimos a tão longo prazo. Agora a Móveis Keene estava à beira do colapso financeiro e sua integridade dependia da boa vontade de Harry Riggs em não pressionar a cobrança dos empréstimos. Phillip não sabia da verdadeira situação financeira da fábrica até voltar para Lynwood, depois de se formar em administração de empresas. Ele havia devotado muito da sua vida aos negócios da família. Trabalhara na fábrica durante os verões, quando era adolescente, aprendendo marcenaria básica e controle de qualidade, varrendo o chão e fazendo serviços de office-boy, conhecendo os operários e os que se sentavam atrás de escrivaninhas, familiarizando-se com o que eles precisavam e queriam de seus empregos. Uma vez formado, voltara para casa sabendo que seus pais esperavam que aplicasse na empresa os conhecimentos adquiridos em Harvard. Mas ao chegar ficara sabendo que, para expandir a empresa, tomando conta PROJETO REVISORAS 34


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também da venda de seus produtos no varejo, seu pai assumira uma dívida cujo montante seria capaz de abalar uma empresa das mais sólidas. E que do outro lado da dívida estava Harry Riggs. Seu futuro sogro. Não era isso que ele havia planejado para a sua vida. Mas quando descobrira o que o pai havia feito, como ele levara a empresa à beira do precipício, Phillip não fora capaz de virar as costas para a sua família. A Móveis Keene era a vida de seu pai e a sua herança. Não havia sido capaz de ignorar tudo que acontecia e ir embora. Então, passara a trabalhar sob a orientação de Harry para fazer frente aos empréstimos. E a jovem e linda filha dele sempre se encontrava por perto, seu pai demonstrando-se tão contente quando Phillip sorria toda vez que agradecia por uma bebida oferecida por ela quando as famílias estavam reunidas... De vez em quando considerava que não se formara em Harvard para imaginar o que Harry estava querendo e para compreender que se o mantivesse contente ele não pensaria sequer em levar seu velho e bom amigo James Keene à bancarrota. Mesmo antes que Cassie Webber aparecesse na cidade, Phillip se apanhara perguntando-se se haveria pedido a filha de Harry em casamento caso ele não tivesse em suas mãos o futuro econômico da sua família. Felizmente gostava de Trícia, porque se houvesse escolhido não se tornar genro de Harry, este tomaria conta da indústria de móveis. No entanto, infelizmente, casar-se com Trícia não era o bastante para satisfazer Harry. Phillip tinha também de sair correndo pela cidade para render-lhe homenagem toda vez que ele exigia, como acontecia nesse dia. Assim, em vez de ficar no seu escritório examinando os documentos que a loja de Chicago havia mandado por fax, Phillip estava subindo a maciça escadaria de granito que levava aos domínios de Harry no piso superior, a fim de beijar o anel de Sua Senhoria. — Vou avisá-lo que você chegou — disse a secretária de Riggs, quando Phillip entrou na sua sala ; quase vazia. , Ela não parecia mais velha do que seus vinte e poucos anos e poderia ser uma modelo da Playboy. Phillip não sabia se Harry estava pessoalmente envolvido com a moça, claro. Ele era bem capaz de tler contratado uma secretária com seios fartos e pernas longas, bem-feitas, apenas para provar ao mundo que era capaz de ter a seu lado qualquer pessoa que quisesse. Phillip observou com indiferença a secretária atravessar a ampla sala e desaparecer por trás da porta do escritório de Harry. Sabia que teria de esperar bastante, pois essa técnica também fazia parte do jogo de seu futuro sogro. Depois de deixá-lo esperar por cinco minutos, a secretária deu-lhe permissão para entrar no santuário. Harry recostava-se em sua ampla cadeira de couro, mastigando um charuto apagado. Seus cabelos haviam esmaecido de um loiro quase ruivo para uma tonalidade cinza-amarelada e sua pele permanecia de um rosado quase vermelho. Era poucos centímetros mais baixo do que Phillip, razão pela qual talvez preferisse permanecer sentado em sua presença. — Bem, filho — cumprimentou-o com voz possante —, como vai indo? Parecia que nesse dia o velho estava disposto a fazer um jogo amigável. — Bastante bem — respondeu Phillip, enfiando as mãos nos bolsos das calças e assumindo uma pose descontraída. — Agora restam a você só mais alguns dias de liberdade. Continua firme? As grossas sobrancelhas de Harry ergueram-se, interrogativas, e Phillip desejou que seu rosto não demonstrasse nada. Era evidente que o velho não podia saber que Cassie estava na cidade ou o que ela havia representado em sua vida. Contudo, só o fato de ela estar em Lynwood e de pensar nela causava um calor em determinada parte de sua anaPROJETO REVISORAS 35


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tomia que impedia Phillip de achar que continuava mesmo firme. — Estou esperando pelo grande dia — respondeu calmamente. Olhou para uma das várias poltronas para visitantes posicionadas em frente à imensa escrivaninha, mas resolveu permanecer em pé. Não tinha ido lá para confraternizar. Caso se pusesse numa posição confortável, seu futuro sogro pensaria que era assim que ele gostaria de ficar. — Trícia me disse que uns amigos seus estão na cidade. Velhos amigos de Boston. Droga, então ele sabia! Será que Riggs poderia adivinhar que tipo de velha amiga Cassie havia sido, aonde Phillip estivera na noite anterior e o que quisera fazer com ela? — Eles vieram para o casamento — disse, com ar vago. — Bem, tenho certeza de que você e Trícia têm uma porção de coisas com que se preocupar, por isso não vou retê-lo. — Harry mostrava-se benevolente. — Eu só queria que você ficasse sabendo que estive analisando uma papelada com o meu contador e estamos um tanto preocupados com a elevação do montante dos empréstimos. Detesto pressioná-lo num momento como este... Você adora me pressionar, pensou Phillip. — ...Mas preciso demonstrar alguma movimentação desses empréstimos. — Mas eles já foram movimentados — argumentou Phillip. — Reestruturamos a dívida e começamos os pagamentos. — De acordo com os termos com que seu pai concordou. — O que foi melhor para você do que se tivéssemos pedido concordata. — Melhor para vocês, quer dizer — a voz de Harry se tornara mais baixa e metálica. — Deveria ter havido um remanejamento dessa dívida há seis meses. Desde o começo, quando seu pai assinou as promissórias eu me preocupei, temendo que a situação chegasse a este ponto. — Se tivesse se preocupado — Phillip tratou de infundir em sua voz uma tonalidade mais metálica do que a de Riggs —, não teria concordado em fazer-lhe os empréstimos. Nenhum homem de negócios esperto faz empréstimos a empresas que considera fracassadas. Riggs abriu a boca e tornou a fechá-la sem falar. Phillip compreendeu que ganhara um ponto. — O nome Keene num móvel sempre significou alta qualidade. A empresa tem possibilidades de sair do vermelho. Meu pai exagerou, nós dois sabemos disso. Felizmente, entregou-me a direção e eu vou recolocar tudo nos trilhos, mas preciso de tempo, Harry. Preciso de tempo. Já falamos nisso antes. Se Phillip fosse paranóico pensaria que Riggs decidira pressioná-lo naquele dia porque ouvira dizer que ele levara Cassie ao Mirante na noite anterior. Era impressionante como Harry se mantinha informado sobre tudo que acontecia na cidade. Mas haviam ficado sozinhos por menos de uma hora e Cassie estava em Lynwood para filmar uma seqüência para o seu programa de tevê e assistir ao casamento, se bem que só Deus sabia como ela recebera um convite. E durante o tempo que ele e Cassie tinham estado no Mirante, nada acontecera. Nada físico, pelo menos. Nada além do que se passara em sua torturada imaginação. — Há mais alguma coisa sobre a qual você queira falar? — perguntou Phillip. A parte do charuto na boca de Harry estava molhada. Se bem que Phillip não gostasse especialmente da mãe de Trícia, teve pena dela por ter de beijar um homem que mastigava charutos. Isso se é que Constance Riggs fosse procurada para ser beijada... Harry inclinou-se para trás, relutante. — Não, no momento. Mas esta situação dos empréstimos está ficando apertada Phil. Não pretendo carregar a sua empresa nas costas por muito tempo. PROJETO REVISORAS 36


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— Não se preocupe com isso — garantiu Phillip. — Bem, preciso ir. Esta é uma semana agitada. E se eu ficar aqui por mais tempo vou querer chutar alguma coisa. Ou, quem sabe, enfiar esse charuto pela sua garganta abaixo. — Tem razão. Deve estar sendo uma semana difícil para você. Quero que esse casamento decorra sem nenhum incidente para minha filha — avisou Harry. -— E, então, você terá Trícia para sempre. Quanto aos empréstimos, é uma coisa ruim, mas entre parentes sempre se dá um jeito. Palavras sábias, pensou Phillip enquanto se despedia e saía da sala de Harry, mantendo um sorriso nos lábios para que ele não desconfiasse que o havia aborrecido. Um casamento era para toda a vida e nada deveria ter a ver com empréstimos. Ou com endividamentos. Ou com jogos de poder. Por seus pais, pela memória de seu avô, pelas excelentes pessoas que trabalhavam na Móveis Keene, Phillip iria casar-se com a filha de Harry Riggs. Mas ele não gostava disso. Não queria isso. E apenas um ano atrás jamais teria imaginado que aquilo poderia acontecer. Todavia, era como tinha de ser, se não para sempre, pelo menos por enquanto. Pelo menos até que a Móveis Keene voltasse a estar sobre chão sólido o não flutuando perigosamente num rio de dívidas i\ nas mãos de Harry Riggs.

CAPÍTULO CINCO Cassie teria gostado muito mais do banho se Diane não houvesse ficado no corredor, gritando junto à porta fechada. — Da maneira que eu vejo a situação — dizia ela —, você pode destruir o casamento de Phillip ou destruir Phillip. Mas é claro que as duas coisas podem se sobrepor, você pode Fazer ambas ao mesmo tempo. De qualquer modo, tem várias opções. Graças a Deus Cassie era a única pessoa hospedada no sótão do Baileys. Não gostaria que ninguém, muito menos a sonsa sra. Gui, ouvisse Diane. Se a dona do hotel soubesse que seus hóspedes de Boston estavam conspirando contra o filho favorito de Lynwood, colocaria veneno nos pãezinhos do café da manhã. — Eu elaborei uma lista. Elaborar listas era uma das mais importantes funções da assistente de produção de Rodas dos Sonhos e tratava-se de um talento que ela conseguia aplicar a todo tipo de aventuras. — Tem certeza de que não quer saber de violência e destruição em massa? — prosseguiu Diane. — Porque poderemos... — Não. — Cassie empurrou-se para trás até recostar-se na banheira, fazendo água cair no chão. — Não quero que ninguém se machuque. — Você foi machucada — lembrou-a a amiga. Cassie suspirou. Suas feridas eram internas e provavelmente nada tinham de fatais. Quantas fossem as cicatrizes que a traição de Phillip deixara nela, não eram visíveis. Na noite passada, assim que chegara ao seu quarto, tratara de se olhar atentamente no espelho da penteadeira. Durante a silenciosa volta com Phillip para o hotel, seu rosto parecia arder nos lugares que os dedos dele haviam tocado e ela quase espetava ver marcas vermelhas. É evidente que nada vira, mas notara que seus olhos tinham um brilho PROJETO REVISORAS 37


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febril e que seu corpo se tornara pesado depois dos momentos de alta excitação pelos quais passara. Durante aquele dia inteiro conseguira evitá-lo, apesar de ela e Roger terem ido fazer algumas tomadas externas da Móveis Keene. O dia se mantivera suave e ensolarado, perfeito para filmar o exterior da fábrica, os portões, as construções adjacentes, o estacionamento. Tinham aproveitado, também, para filmar os armazéns fora da cidade, onde a madeira era entregue e estocada. Depois de passar o dia inteiro fazendo o possível para não encontrar-se com Phillip, naquele momento estava dentro da banheira cheia de água morna. No entanto, era difícil acalmar-se pois, quase vinte e quatro horas depois que ele a tocara, não conseguia esquecer da vibrante sensação causada pelos dedos de Phillip deslizando em seu rosto. — Sei que você prefere uma ação menos violenta, mais gentil — gritou Diane através da porta —, porém se trata de uma vingança, não? — Quero destruí-lo — concordou Cassie —, mas sem violência. — Está bem — conformou-se Diane. — Que tal arruinar a empresa dele? —- Se arruinarmos a empresa arruinaremos o Rodas dos Sonhos que estamos filmando. — Primeiro levamos o programa ao ar, depois aniquilamos. — E os pais dele? E um negócio de família, você sabe. Se destruirmos a Móveis Keene, destruiremos os pais dele. Você disse que a mãe dele é boazinha. — Os pais dele o criaram, portanto têm responsabilidade por terem criado um monstro, não? Cassie sorriu. O fato de os cantos de seus lábios se erguerem pareceu erguer-lhe o ânimo também. — O que mais há em sua lista? — Fazer alguma coisa à noiva dele. — Não — foi a determinada resposta de Cassie. — Deixe-a fora disso. — Vamos! — impacientou-se Diane. — Ela sofre de orgulho terminal e só por isso merece morrer. — Trícia não tem culpa do que Phillip fez — contrapôs Cassie. — Na verdade, se quisermos castigá-la, é só deixar que o casamento aconteça. Estar casada com um homem como ele será castigo suficiente. De fato, ela sentia pena de Trícia. E gostava dela apesar de ser jovem linda e rica, e, como Roger dissera, "madura e impaciente". Pensando bem, talvez Trícia não merecesse a sua piedade. Talvez ela até merecesse algum sofrimento indireto que resultasse do seu ataque contra Phillip. Mas ele era o verdadeiro canalha. Fora ele que dissera amá-la, fizera promessas e não cumprira o que prometera. Ele é que merecia castigo. — Quer saber de uma coisa? — revoltou-se Diane. — Você não ajuda nada. Eu venho com estratégias sensacionais e você veta tudo. Se não quer demolir Phillip, o que viemos fazer em Lynwood? — Viemos fazer umas tomadas para o Rodas dos Sonhos! Com mais um suspiro, Cassie retirou a tampa da banheira. A água começou a escoar, gorgolejando e girando num redemoinho. — E, sim — continuou ela --, quero demolir Phil. Saiu da banheira e enrolou-se na toalha. — Você quer apenas machucá-lo sem sangue ou danos colaterais. Eu ainda gosto da idéia de bombas de efeito moral. Elas não vão machucar ninguém. Vão apenas causar a maior confusão. —- Não. PROJETO REVISORAS 38


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— Covarde — acusou-a Diane alto o bastante para que Cassie a ouvisse através da porta. Ela enxugou-se e vestiu as roupas que levara para o banheiro, calça comprida de linho, top, cardigã de renda, e abriu a porta. Diane estava sentada no chão, encostada na parede em frente, uma prancheta equilibrada nos joelhos. — Roger conseguiu alugar algum tempo no estúdio de retransmissão de tevê para rever as fitas que gravou durante o dia — contou Cassie. — Ele se dá bem com o pessoal da cidade. Eles pensam que é um famoso cinegrafista ou algo parecido. Quer ir assistir aos vídeos com ele? Saltando em pé, Diane franziu o nariz. — Está brincando? Desperdiçar os momentos mágicos do cair da tarde com vidiotas? Principalmente vidiotas de tevê a cabo? Ela sacudiu a cabeça de maneira veemente. Cassie pendurou a toalha úmida num prego enfiado na porta e riu. — Eu também não pretendo passar o fim da tarde e começo da noite fechada numa sala sem janelas. Estava pensando que poderíamos deixar Roger no estúdio e ir dar uma volta de carro. Diane fitou-a, intrigada. — Uma volta aonde? — Linden Hills. — No clube de campo onde vai ser o casamento? — Se virmos o lugar, talvez tenhamos algumas idéias... — Ou veremos que a idéia das bombas de efeito moral é viável — assentiu Diane. — Vamos. Cassie achou que deveria considerar-se feliz por Diane ser tão animada. Num bom relacionamento de trabalho, a assistente de produção devia apresentar todas as possibilidades existentes para a produtora, quer se tratasse de conceitos bizarros, experiência técnica ou habilidade organizadora. A obrigação da produtora era impor bom gosto, equilíbrio e julgamento ao empreendimento. Nesse caso, Diane estava sugerindo sistemas de táticas e armas. Cassie estava apta a entrar com bom gosto e equilíbrio, mas quanto ao julgamento... Bem, se ela tivesse alguma possibilidade de julgamento no caso, em primeiro lugar não teria ido para Lynwood. E talvez não teria se apaixonado por Phillip. Diane inclinou-se ao entrar no quarto. — Nossa, isto aqui é horrível! — constatou. — Como é que você consegue agüentar? — Não consigo. Agradeça por eu não querer ir dormir com você. — Por que não vai dormir com Roger? — sugeriu Diane. — Tenho certeza de que ele é mais divertido do que eu. Bobby se queixava do meu ronco. — Sim? E Howser, o que diz? — Howser não pode reclamar; ele também ronca. Cassie pegou a bolsa e a chave do carro que haviam alugado. — Se eu tivesse de seduzir alguém — disse, penteando-se diante do espelho —, não seria Roger. É um excelente rapaz e gosto de trabalhar com ele. Jamais faria algo que estragasse nossa amizade no trabalho. E de qualquer modo — acrescentou, guardando o pente —, ele não é o meu tipo. — Claro que não. Seu tipo é menino do interior que pisoteia o coração das mulheres. — Pelo que sei — ponderou Cassie —, o único coração que Phil pisoteou foi o meu. E se eu quisesse seduzir alguém... PROJETO REVISORAS 39


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— Você não está pensando em seduzir Phil, está? — Claro que não! Diane observou-a com curiosidade. — Não quero aquele homem perto de mim — garantiu Cassie. — Como vai se vingar se não chegar perto dele? — Vou destruir a sua empresa — decidiu Cassie. Ou vamos usar suas idiotas bombas de efeito moral, se as conseguirmos. Vamos embora. Cassie não queria dar a si mesma nem mesmo a oportunidade de pensar em seduzir Phillip. Seduzi-Io, ou ser seduzida por ele, era a causa de todo o seu sofrimento. Fazer amor com ele, apaixonar-se por ele: as duas coisas estavam juntas em sua mente. Ela jamais havia sido a espécie de mulher que pode fazer amor sem amar. Se Phillip a seduzira no ano passado, só o conseguira porque ela o amava. Não iria seduzi-lo agora. Sexo com ele iria destruí-la muito mais depressa do que ela o destruiria. Encontraram Roger na varanda, com uma lata de cerveja na mão e a câmera de filmar pendurada no ombro. — Tudo pronto? — perguntou Cassie, animada. — Diane e eu não podemos ir ver as fitas com você. Espero que não se importe. — Sem problema. , — Onde é o estúdio? I — Na rua dos Bordos, 220, esquina com a Principal — respondeu Roger. — Vocês acreditam nesta cidade? — riu Diane, enquanto os três se dirigiam ao estacionamento atrás do hotel. — Rua Principal, rua dos Bordos 9 vai ver que tem também rua da Mamãe, rua da Torta de Maçã... Roger sacudiu os ombros. — Em Boston temos a rua do Inverno e rua do Verão. — O mais engraçado é que é a mesma rua — assentiu Diane. E era verdade. A rua se tornava do Inverno ou do Verão de acordo com as bruscas mudanças de estação, quê se alternavam de um dia para outro. Uma vez todos acomodados no carro, Cassie rumou para a rua Principal e entrou à esquerda, passou pelo banco, por uma linda igreja branca, pela Câmara de Comércio, onde uma engomada bandeira norte-americana mal conseguia ondular à brisa do anoitecer. Um quarteirão adiante ela viu a rua dos Bordos, que se caracterizava por ter essas árvores dos dois lados em toda a sua extensão. Quando Cassie parou o carro para ele descer, Roger perguntou: — O que vocês duas vão fazer de mais interessante do que ver as fitas que filmamos? Cassie percebeu que Diane se ajeitava no assento para dizer a Roger o que iriam fazer. Ele as acompanhara a Lynewood, mas Cassie não queria envolve-lo nos nefandos motivos daquela viagem. Ela e Diane haviam sido amigas de Phillip um ano antes e' Roger não precisava saber mais do que isso, a menos que começassem a explodir bombas. — Vamos dar uma volta — respondeu, rápida. Parece-me a coisa mais certa a fazer no fim de um dia de primavera, numa cidade como esta. — Vão caçar rapazes por aí? — brincou ele. — Só se encontrarmos alguns que valham mesmo a pena. A que horas quer que a gente venha caçar você? — Isso quer dizer que eu valho a pena? — Ele riu com gosto. — Podem deixar que volto com Eddie. Disse que me dá carona, porque o Bailey's fica no caminho da casa dele. PROJETO REVISORAS 40


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— Ótimo. Divirta-se. Nos veremos mais tarde. Roger tirou as longas pernas do carro, depois o resto do corpo. Enquanto Diane passava para o banco da frente, acenou e foi para um edifício de concreto aparente, com o número 220 ao lado da porta de vidro. — Muito bem! — animou-se Diane. — Próxima parada, Linden Hills. — Onde é Linden Hills? — Em algum lugar por ai. — Diane esticou as pernas, quase tão longas quanto as de Roger. —' Acho melhor perguntarmos a alguém. — Estamos ficando sem gasolina. Vamos encher o tanque e pedir informações. — Ainda bem que somos mulheres — comentou Diane enquanto Cassie fazia o retorno na rua Principal. — Se fôssemos homens não iríamos querer perguntar nada. Rindo, Cassie abaixou o vidro. Entre suas maiores atrações, Lynwood contava com o privilégio de ter um delicioso ar puro. Ela podia sentir o cheiro do verde na brisa, o odor pungente de grama recém-cortada e de árvores florescendo. A temperatura de junho era cálida, suave. Boston tinha árvores, porém as mais saudáveis e majestosas encontravamse fechadas em parques e as das ruas eram raquíticas e retorcidas. Em Lynwood o céu parecia maior e não recortado entre altos edifícios. Mesmo nos bairros menos nobres, como aquele onde ficava a pousada, as casas repousavam no meio de um quadrado cor de esmeralda no qual se erguiam árvores e arbustos. No final da rua Principal, perto do supermercado, ela viu um posto de gasolina. Entrou nele, desligou o motor e já tinha o bico da mangueira enfiado no tubo do tanque do carro quando um adolescente de uniforme marrom aproximou-se dela. — Este é um posto que presta todos os serviços — disse, parecendo muito aborrecido. Fez com que ela soltasse a mangueira e se afastasse. — Desculpe... Afinal, por que estava se desculpando por encher o próprio tanque? — Pode voltar para dentro do carro — acrescentou o rapazinho. E ela obedeceu, sem vontade de brigar com ele para decidir quem iria colocar a gasolina. Enquanto a mangueira automática funcionava, o frentista verificava o óleo e limpou o pára-brisa. — Esse garoto precisa de entusiasmo... — comentou Diane. — Eu acho que ele é bonzinho e trabalha direito. E, comparado com o "serviço" que Phil fez, o ele não é ruim. — Não se esqueça de pedir a informação. — O mocinho demonstrou-se muito satisfeito em informar onde ficava o clube de campo. Cassie comentou, contente por ver que ele não estava mais aborrecido com ela, e saiu do posto. Enquanto rodavam pela sinuosa estradinha que u Cientista indicara como sendo o caminho mais curto para Linden Hills, Cassie perguntou: O que, exatamente, vamos fazer quando checarmos lá? Reconhecimento. Imediatamente Cassie imaginou-se com Diane num reconhecimento em combate, rastejando pelo rimo, cada qual com uma faca presa nos dentes e granadas explodindo ao redor delas. — Lembre-se — disse —, a única pessoa que quero machucar é Phil e pretendo machucá-lo emocionalmente, não fisicamente. Os ferimentos físicos saram, e eu não quero que ele fique bom. — Alguns ferimentos físicos não saram — contradisse Diane, alegre. — Ferimentos físicos nas regiões baixas, por exemplo. Ferimentos físicos que oxidem amputações... — Diane! — chocou-se Cassie. PROJETO REVISORAS 41


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— Você é mesmo uma covarde chorona, Cassie. — O que faria sem mim? — Provavelmente daria um tapa na cara de Phil e o chamaria de canalha. Depois, voltaria para casa. — Tedioso. Ainda bem que estou aqui. — Ela pensou por um minuto e voltou-se para a amiga. — Bem, imagine o casamento. Imagine o que você gostaria que acontecesse durante a cerimônia. Sem deixar de prestar atenção na estrada, Cassie visualizou um corredor longo entre bancos de igreja, coberto por um tapete. Viu Trícia Riggs encaminhando-se lentamente para o altar, onde Phillip e o sacerdote a esperavam. Talvez o organista tocando a Marcha Nupcial pudesse errar uma porção de notas. Ou Trícia poderia tropeçar numa ruga do tapete e esparramar-se no chão, com o vestido acima dos quadris. Ou... — E se encontrássemos uma menininha disposta a bancar a filha bastarda de Phil? -— sugeriu. Diane ergueu uma sobrancelha. — O quê? — Ela poderia sair correndo pelo corredor da nave gritando "Papai! Papai!" Numa cidade como Lynwood isto seria um escândalo de primeira classe. Diane torceu o nariz. — Não é má idéia, mas você trabalha com atores mirins, Cassie, e sabe que não se pode confiar neles. De fato. Ela trabalhava com talentos infantis e juvenis, mas até mesmo os mais disciplinados jovens astros podiam ser imprevisíveis. Mães e agentes sempre estavam envolvidos. O governo impunha todo tipo de regras e restrições. E, como se tudo isso não bastasse, muitas vezes a criança não funcionava. Num programa de tevê gravado até que se podia dar um jeito, mas ao vivo, num casamento e com poucos dias de preparo... Não. Não iria dar certo. No entanto era uma ótima idéia. Quem sabe em vez de uma criança que entrava correndo na igreja, poderiam arranjar um bebê de uns três meses e Cassie entraria com ele nos braços... "Eu queria que nossa filha assistisse ao casamento de seu pai", ela poderia dizer a Phillip, entregando o bebê a ele. De repente o divertimento dela acabou e a idéia deixou de ser atraente. Era algo tão próximo da realidade! Só de pensar nisso os olhos de Cassie começaram a arder. Não que ela quisesse um filho, principalmente um filho que tivesse Phil, aquele falso, como pai. Assim mesmo... O carro passava entre dois gramados tão perfeitos e tão verdes que pareciam pintados. Deviam estar se aproximando dos campos de golfe do clube. De fato, à fraca luminosidade do crepúsculo, os trechos recobertos de areia, com forma de enormes amebas, pareciam tão brancos que praticamente brilhavam. Arvores, trilhas e pontes ornamentais adornavam ;\ paisagem. Cassie diminuiu a velocidade procurando pelo que o rapazinho do posto descrevera como um muro de pedra flanqueando a entrada. Cerca de duzentos metros depois da paisagem de sonho, ela viu um muro de pedras e o elaborado portão de ferro batido sobre o qual sobressaía uma tabuleta onde estava escrito: Linden Hills. — Hum... — fez Diane. — Estou sentindo cheiro de pretensão. — O que você esperava? É um clube de campo. — Não sei se estou vestida para a ocasião, queridinha! Cassie deu uma olhada de lado para a amiga. Diane estava de short, camiseta e tênis. PROJETO REVISORAS 42


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— Pelo menos você não parece uma terrorista maluca e acho que eles não vão querer revistá-la. — Vou dizer que sou a nova professora de tênis — brincou Diane. Cassie dirigiu o carro através do portão, que estava aberto, por uma alameda pavimentada que serpenteava entre canteiros verdes antes e terminava em um canteiro circular diante da porta de entrada do edifício, onde funcionava o clube. Como o muro de pedra e os canteiros ao redor, a construção era espantosamente grande; uma extensão de branco interrompida por janelas estilo Palladio, a escadaria de entrada coberta por um tapete vermelho, como se esperasse a chegada da realeza. Uma alameda levava do canteiro circular a uma área de estacionamento limitada por uma cerca branca. Cassie parou no estacionamento e desligou o motor. — Você acha que posso estacionar aqui? Será que não estamos no lugar de algum sócio-fundador ou algo parecido? — Temos um crachá com o nome da empresa locadora — disse Diane. — Pendureo no espelhinho retrovisor e, se alguém perguntar, responderemos que o nosso Cadillac está na oficina. Cassie esperou que Diane saísse do carro e trancou as duas portas. — Nunca pensei que você fosse boa nisso. — Nisso, o quê? Em soluções? Creio que você poderia me nomear editora executiva de argumentos do Rodas dos Sonhos. — Você ganharia menos nesse cargo — brincou Cassie, observando os carros estacionados perto do dela. Não viu nenhum crachá de sócio, porém vários deles exibiam adesivos de prestigiosas universidades. Soaram risadas além da cerca e Cassie se dirigiu para lá, com Diane nos seus calcanhares. Espiando pelo estreito espaço entre duas estacas da cerca, Cassie viu uma imensa piscina. Algumas mulheres estavam deitadas em espreguiçadeiras junto à piscina, conversando. Algumas crianças brincavam mima piscina pequena, sem se importar com o sol que estava para se esconder. — Talvez possamos afogar Phil — segredou Diane. Cassie riu. Depois de Diane ter sugerido fins terríveis para ele, sentia-se comparativamente civilizada pensando que seria divertido simplesmente empurrá-lo para dentro da piscina, com a roupa de casamento. Caminharam um pouco pelo estacionamento e chegaram às quadras de tênis, limitadas não pela cerca, mas por um alambrado. Dois senhores de meia-idade, entusiasmados, os rostos brilhantes de suor, jogavam numa das quadras. — São mais bonitas do que as quadras da Universidade de Lexington, onde jogávamos — comentou Diane. — Talvez possamos atingir a cabeça de Phil com uma bola de tênis. Orgulhosa, Cassie achou que poderia ser tão cruel quanto Diane, se bem que bolas de tênis não fossem tão duras que pudessem causar um ferimento mais sério. — Acho isso violento demais — caçoou Diane. — Seu coração está endurecendo? — Esqueça o que eu disse. — Nada disso! Gostei da idéia. Uma bola de tênis vem voando pela igreja e o atinge bem antes que ele diga “sim”. Cassie não pôde deixar de rir. O entardecer era suave, e ver os jogadores de tênis suando a fez sentir-se aquecida. Voltou-se na direção do edifício principal do clube, ergueu as mangas do cardigã e, com Diane atrás, aproximou-se da entrada atapetada de vermelho. Imaginouse passando pela imensa porta dupla de vidro no sábado, às catorze e trinta. O amplo PROJETO REVISORAS 43


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saguão estaria repleto de mulheres bem vestidas e perfumadas, homens igualmente ele gantes em ternos caros, todos comentando o acontecimento social da temporada de Lynwood: o enlace matrimonial do magnata dos móveis Phillip Keene com Trícia Riggs, o clone da duquesa de York. Provavelmente haveria música, não um cansativo ar- 1 ranjo de uma das velhas canções dos Beatles soando I em caixas de som estrategicamente colocadas no saguão, mas um grupo de músicos de classe e bom gosto. Música de harpa, talvez, ou de violino. Recepcionistas de smoking escoltariam os convidados da entrada para... para onde? Cassie e Diane teriam de descobrir para onde. O local poderia sugerir idéias para a vingança. — O que eu disse sobre pretensão? — murmurou Diane. Ela olhava para uma porta aberta sob a indicação "Butique", escrita em rebuscadas letras douradas. — O que você esperava? É um clube de campo. As pessoas sócias de clubes de campo têm dinheiro para gastar em butiques e jogam golfe. Se bem que a origem de Cassie fosse de classe média, tinha alguma experiência com gente rica. Quem trabalha na tevê estatal muitas vezes tem de apresentar planos e argumentos para fundações e diante de platéias de executivos, acompanhar visitantes ilustres durante as filmagens de eventos ou escoltar importantes patrocinadores em visitas a emissora. Trabalhar num canal de tevê que não é comercial implica em esbarrar regularmente em pessoas importantes e ricas. Phillip também era rico. Ela já sabia disso desde Boston. Ele nunca falara nas finanças da família. Dirigia o velho Toyota e vestia-se simplesmente, como um estudante típico, nada de roupas vistosas ou caras. Mas tinha uma atitude de autoconfiança, uma aura de privilégio e o sólido equilíbrio de alguém que cresceu numa casa grande com os pais ao lado, alguém para quem entrar na Faculdade de Economia Harvard não consistia em desgaste ou choque cultural. Sua riqueza não significara nada para Cassie, mas estava consciente dela do mesmo modo que tinha consciência dos cabelos negros e do sorriso atraente dele. Encontraram outra porta com a indicação "Vestiários" e "Piscina", depois chegaram à parede dos fundos, uma extensão de janelas francesas de vidro e metal que se abriam para um espaçoso pátio com degraus que desciam ao jardim. — Eu acho que o casamento vai ser aqui — disse Cassie. — Por quê? — E perfeito para um casamento. Onde mais poderia ser? Diane observou o pátio que se estendia sob o céu de profundo azul, quase púrpura, e sugeriu: — Vamos começar a rezar para chover. — Tenho certeza de que armarão uma tenda. Algumas pessoas, arrumadas com indiscutível elegância, segurando copos de coquetel ou de vinho, estavam aproveitando o crepúsculo no pátio. Cassie supunha que na tarde de sábado a área seria proibida a não convidados, uma imensa tenda se ergue ria sobre o pátio e o gramado, onde haveria fileira de cadeiras. Uma passadeira de cetim, entre dois grupos separados de cadeiras, iria desde uma das janelas francesas até o extremo do jardim onde u altar estaria montado com flores em profusão. As cadeiras seriam brancas e enfeitadas com fitas de cetim. E talvez com mais flores. Ver a cena de maneira tão vivida enervou Cassie Ela imaginou que talvez Phillip e sua noiva farião alguma surpresa aos convidados. Poderiam chegar de balão ou saltar de pára-quedas, Trícia vestida de branco e ele, de preto. Não. Ela sabia que seria tudo formal, no pátio e no jardim. Essa certeza acendeu uma pequena chama em seu peito, no mesmo lugar que se sentira apunhalada no dia PROJETO REVISORAS 44


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anterior. Na tarde do casamento provavelmente iria sentir-se arrasada. — Admitindo que eles tenham uma tenda — considerou Diane —, nós podemos sabotar os pontos de apoio. Justo no momento em que o monstro estiver para dizer "sim" a tenda desabará em cima de todo mundo. Pode imaginar isso? Todos os convidados, vestidos com requinte, tentando sair de debaixo da lona pesada. Pense nos penteados desfeitos. Pense nos vestidos amarrotados. Concluindo que não conseguia pensar naquilo, Cassie olhou ao redor e viu uma porta dupla aberta na extremidade da parede que dava para o pátio. Por ela emergia o rumor de vozes e de talheres batendo suavemente contra a porcelana. Devia ser a união de jantar do Linden Hills. Assim como tinha certeza de que o casamento aconteceria no pátio, teve certeza de que a recepção seria no salão de jantar. Diane devia ter percebido aonde se dirigia a atenção de Cassie. — Uma batalha de comida — sussurrou. — Esqueça o desabamento da tenda. Vamos organizar uma batalha de comida durante a recepção. Quando Phil e Trícia estiverem para dançar pela primeira vez como marido e mulher, o soalho estará todo sujo de batatas amassadas e frutas do coquetel. Cassie não sabia se ria ou chorava. — Talvez eu tenha que promovê-la a editora de argumentos — declarou. — Você tem idéias tão originais e criativas! Foi até o salão do restaurante e sorriu para a recepcionista que se encontrava em pé num pódio logo à entrada. A cor dominante lá dentro era o branco: paredes brancas, cortinas brancas nas janelas, toalhas brancas nas bem espaçadas mesas redondas. Quem seria capaz de perceber uma noiva ali?, perguntou-se. Em seu vestido branco, ela desapareceria no ambiente. — Ratos — segredou Diane ao ouvido dela. — Lembra-se daquela loja de bichinhos de estimação, na cidade? Talvez possamos comprar alguns ratos, ou quem sabe grilos, e soltá-los aqui quando todos estiverem sentados para jantar. — Eu não quero estar no mesmo lugar que ratos - arrepiou-se Cassie. — Ou grilos, que seja. — Tarântulas, então. Ou quem sabe cobras? Você acha que há cobras em lojas de animais? Talvez uma cascavel... — Phil está aqui... Cassie ciciou como se fosse uma cobra e indicou com o queixo. As sobrancelhas de Diane quase encostaram nos cabelos. Ele estava sentado com um casal de meia-idade a uma das mesas menores. O casal estava de costas para a porta, porém podia-se ver que o homem tinha bastos cabelos grisalhos e que os da mulher eram castanho-claros. Phillip falava com eles, o garfo a meio caminho da boca e, então, ele paralisou-se ao ver Cassie. Isso não era bom. Ela não tinha certeza se era ruim, mas definitivamente não era bom. Teria de arranjar uma boa explicação para ela e Diane se encontrarem em Linden Hills. Algo que nada tivesse a ver com o fato de estarem examinando o terreno para planejar a queda dele no sábado. Phillip disse algo ao casal, colocou o garfo no prato, o guardanapo sobre a mesa e se pôs em pé. O casal afastou as cadeiras a fim de ver para onde ele estava olhando. A mulher pareceu familiar a Cassie. Diane segredou: — É a mãe dele. Aposto que o homem é o pai. Eu nunca vi o sr. Keene, mas a mãe dele jamais esquecerei. Cassie assentiu; havia sido apresentada à sra. Keene no dia em que ela fora com PROJETO REVISORAS 45


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Phillip à estação de tevê, durante sua viagem a Boston. Com passos largos, desviando-se agilmente das mesas, Phillip atravessou o salão com os olhos fixos em Cassie. De calça esporte cinza-chumbo e camisa verde-escura, ele parecia vigoroso e seguro. Mas não era seguro. Phillip Keene não era nada seguro, pelo menos no que dizia respeito a ela. Cassie respirou fundo uma vez, depois outra, recusando-se a sucumbir ao pânico ou ao olhar dele, naquele momento escurecido. — O que vamos fazer? — perguntou a Diane, com os dentes apertados. — Ser amigáveis e encantadoras. Não mencione serra de bolo ou bombas. — Obrigada pelo conselho... Phillip estava muito perto e ela calou-se. — O que vocês estão fazendo aqui? — perguntou ele, com voz baixa porém intensa. Esperando que seu sorriso parecesse mais natural do que se sentia, Cassie contraatacou: — Não vai nos dizer olá, Phil? Antes você era mais bem-educado. Ele olhou para o teto, praguejou baixinho, então falou: — Olá. O que estão fazendo aqui? Diane adiantou-se. — Bem, se quer mesmo saber, estávamos com o tempo livre esta tarde e resolvemos procurar Linden Hills. Não queremos nos perder no sábado e chegar tarde ao casamento. Até que ela se saiu bem, pensou Cassie. Talvez devesse mesmo passar Diane para a editoria de argumentos. Assistente de produção e editora de argumentos. Provavelmente poderia conseguir um pequeno aumento para ela. E sua amiga merecia, por ser tão perversamente imaginativa. — Não queríamos interromper o seu jantar — prosseguiu Diane, com voz doce. — Por que não volta para a mesa? Mais uma vez ele olhou para o teto, como se as soluções de seus problemas estivessem lá. — Meus pais querem que vocês vão juntar-se a nós — disse de má vontade. Cassie ficou indecisa, seu cérebro trabalhando a toda enquanto assimilava a informação. Será que ela e Diane deviam aceitar o convite dos pais dele? Haveria um modo bem-educado de recusá-lo? Já havia decidido que sim quando ouviu Diane responder. — Nós já jantamos, mas podemos tomar um pouco de vinho e aceitar a sobremesa. Não é, Cassie? Diane parecia saber o que estava fazendo, mesmo quando o que fazia era planejar um desastre que iria contra a lei em todos os cinqüenta Estados. Cassie não era louca o bastante para contradizê-la. — Claro — concordou. — Podemos tomar alguma coisa com seus pais. Phillip pareceu descontente, mas os pais não lhe haviam deixado alternativa, nem Diane. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas reconsiderou, e seus lábios apertaram-se a ponto de formar uma linha fina. Com todo o entusiasmo de um condenado à morte encaminhando-se para a execução da sentença, fez um sinal para Diane ir à frente dele, em seguida tocou de leve as costas de Cassie e guiou-a pelo restaurante até a mesa onde seus pais esperavam. O pai dele levantou-se imediatamente, dirigindo um amplo sorriso a Cassie. — Mamãe, papai, esta é Cassie Webber, um amiga minha de Boston — recitou Phillip mecanicamente. — E esta é... PROJETO REVISORAS 46


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— Diane! — exclamou sua mãe estendendo as mãos para Diane, que as apertou carinhosamente. — Que prazer! Estou tão contente por você ter vindo! — Eu não perderia o casamento de Phil por nada deste mundo. Será que se lembra de Cassie? — Fez um aceno para ela. — Como o convite dizia "Diane Krensky e acompanhante", e eu sabia que Cassie gostaria de vir também... Phillip olhou para Diane, depois para Cassie, a compreensão estampada em seu rosto. O sr. Keene apertou com entusiasmo a mão de Cassie. — É um prazer — disse. — Gostamos muito de conhecer os amigos de Phillip. Por favor, sente-se. A mãe de Phillip sorriu para Cassie e apertou-lhe a mão de leve. — Phil, por que não arranja mais duas cadeiras? — sugeriu. — Sentem-se vocês duas. Ela indicou as cadeiras vagas do filho e do marido, enquanto os homens saíam em busca de outras. Cassie tinha a desconfortável sensação de que a sra. Keene a observava atentamente. Será que sabia sobre Phillip e ela? Sabia que haviam tido um caso? Será que ele havia contado ou tratava-se da aguda percepção própria das mães? Ou será que a simpática senhora não sabia de nada? Os dois homens voltaram com cadeiras, que ajeitaram ao redor da mesa circular. — Sente-se aqui, James — sugeriu a sra. Keene ao marido —, e você, Phillip, sente-se ali. Perto de Cassie. Tão perto que se ela fizesse o menor, movimento, sua perna tocaria a dele. — Então, meninas, vocês são de Boston — comentou a sra. Keene enquanto seu marido virava-se na cadeira em busca do garçom. — As duas trabalham na estação de tevê, não? — Sim, nós duas trabalhamos na produção do programa Rodas dos Sonhos — confirmou Diane. — Mas a dona do programa é Cassie. Eu sou apenas uma simples executora por trás do cérebro. E daí por diante ela continuou explicando o conceito do programa de tevê aos pais de Phillip, contando-lhes que planejavam filmar algumas cenas na Móveis Keene durante os dias anteriores ao casamento. — Essa é uma grande idéia! — disse o sr. Keene ao filho, com vibrante entusiasmo. —- Você não acha? Mostrar como se fabrica uma cadeira. — É uma boa idéia, sim — resmungou Phillip. De repente seu joelho tocou a perna de Cassie. O efeito do contato não foi tão intenso quanto o toque na noite anterior, mas despertou sensações e lembranças indesejáveis nela. Lembrou-se das pernas dele enlaçadas nas suas, de seu joelho separando-lhe as coxas, de seu sexo penetrando o dela, e sentiu o rosto arder. — Desculpem-me, onde é o toalete? — perguntou. Não podia continuar à mesa com o joelho de Phillip pressionando-lhe a coxa e com o rosto em chamas. Não podia manter uma conversa agradável com os pais enquanto relembrava o ardente, porém breve, caso com o filho. — Vou lhe mostrar — respondeu Phillip, depressa. E imediatamente estava de pé, puxando a cadeira dela. Droga. Cassie esperava ficar algum tempo longe dele para se recompor. Talvez até subconsciente-mente estivesse pensando em sair do edifício e ir esconder-se no carro até que Diane terminasse de distribuir seu charme aos pais de Phillip. PROJETO REVISORAS 47


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Chegou à conclusão de que não nascera para esse negócio de vingança. Queria que Phillip sofresse pelo menos tanto quanto ela sofria, mas não via como levar adiante qualquer tipo de vingança se a visão dele completamente vestido já era o bastante para lazer seu coração disparar como doido. Ela dissera que queria ir ao toalete e os pais dele a fitavam sorridentes, esperando que fosse. Phillip lambem esperava. Diane piscou-lhe, um sinal animador, e Cassie não teve outra escolha a não ser ir ao toalete. Acompanhada por Phillip.

CAPITULO SEIS — Então Diane a trouxe a Lynwood? — perguntou Phillip no momento em que saíram do restaurante. = — Preciso ir ao toalete — disse Cassie friamente. Ele segurou-a pelo braço. — Que diabo está acontecendo aqui, Cassie? Minha mãe convida Diane, e entre todas as pessoas, que poderia escolher para trazer, ela traz justamente você? Eu não sou nem um pouco idiota! Ela o fitou e sentiu-se fascinada pela beleza de seu rosto. Como era possível estar tão furiosa com ele e, no entanto, continuar tão sensível a sua bonita aparência? Não. Não era a aparência dele, compreendeu. É claro que homens bonitos emanam um apelo estético, mas com Phillip esse apelo era diferente, mais complexo, mais profundo. Com ele havia uma ligação que se transmitia aos ossos, uma atração que corria junto com o sangue. Era por isso que ainda agora, a poucos dias do casamento dele com outra mulher, continuava a sentir-se do mesmo modo. Odiou-se por desejá-lo, e esse ódio, contra si mesma traduziu-se em raiva. — Por que eu não poderia vir ao seu casamento? Só porque você disse que me amava, que voltaria que iríamos ficar juntos para sempre? Pois bem, não se preocupe, Phil. Superei isso e é evidente que você também. Cassie jamais havia sido uma boa mentirosa. Mas na difusa luminosidade do saguão, ouvindo os acordos do arranjo orquestral de As Tears Go By fluindo no ar, poderia ser que ele não percebesse que ela era pior atriz do que a maioria das enlouquecedoras crianças que contratava para participar do seu programa. Phillip realmente acreditaria que da havia se recuperado do caso deles. Phillip não pareceu convencido, mas talvez fosse por que ela despertara algumas lembranças nele, sobretudo por sua terrível atuação. Talvez Cassie não fosse a única a não ter esquecido o que haviam partilhado. Ao mesmo tempo que a mão afrouxou o aperto no braço de Cassie, o olhar dele foi se suavizando e tornou-se mais profundo, gentil. — Sinto muito pelo que aconteceu — murmurou Phillip. — Realmente sinto. — Eu não — respondeu ela com determinação. Não queria seu pedido de desculpa. Como Diane havia dito, ela fora magoada e também queria magoar. Pedir desculpa era uma tentativa de fugir do castigo. Não iria, de modo algum, permitir que ele se livrasse do anzol. — Por favor, pode me mostrar onde é o toalete feminino? Ele a observou por mais alguns momentos, então soltou-lhe o braço e apontou para o corredor que ia dar na piscina. PROJETO REVISORAS 48


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— Fica logo ali. Phillip indicou uma porta com letras douradas, em filigrana, dizendo "Senhoras". Cassie agradeceu com um sorriso gelado, voltou-lhe as costas e dirigiu-se ao toalete, com os ombros e a cabeça erguidos, embora silenciosamente criticasse a si mesma por ser a pior atriz do mundo. Cassie Webber é a pior atriz do mundo, concluiu Phillip. Ele a machucara. Sabia disso e amaldiçoava-se pelo que acontecera, mas havia circunstâncias em que uma pessoa não tem alternativa. Às vezes alguém se vê forçado pelo destino a fazer o que não quer. Considera as opções e descobre que é obrigado a escolher não a melhor delas, mas sim aquela que irá causar menos transtornos. Phillip poderia ter deixado que a herança da família se dissipasse e que seu pai destruísse a si mesmo. Ou abandonar Cassie Webber, a brilhante, linda e sexy mulher a quem amava, esperando que ela conseguisse esquecê-lo completamente e pudesse dar seu amor a alguém que fosse muito mais merecedor do que ele. Com certeza essa era a escolha que causaria menos mal a todos. No momento em que decidira não mais voltar a Boston deveria ter telefonado para ela. Mas não o fizera porque sabia que falar com Cassie tornaria sua decisão muito mais dolorosa. Ouviria sua voz e teria se desintegrado no mesmo instante. Racionalizara a decisão de não entrar em contato assegurando a si mesmo que quanto mais brutal o rompimento, mais fácil seria para ela compreender que era melhor ficar sem ele. A idéia era que Cassie sentisse ódio dele. Mas era para ela ter mantido a si e a seu ódio em Boston, a uma distância segura. Em vez disso, Cassie encontrava-se em Lynwood para o casamento, como acompanhante de Diane, e sua proximidade o estava enlouquecendo. Ele a queria. Queria vê-la vestida de branco, andando ao encontro dele junto ao altar, no sábado. Queria que Cassie, a encantadora, luminosa Cassie que não conseguia mentir, fosse a sua noiva. E isso jamais aconteceria. Não enquanto Harry Riggs tivesse o poder de destruir tudo que sua família havia construído, tudo que havia sido e que poderia ser. Gostaria de poder explicar tudo isso a Cassie. Mas e daí? Poderia pedir-lhe que o esperasse até que houvesse pago toda a dívida e tirado Harry de suas costas? Isso poderia demorar anos e não seria justo para com ela, ou para com Trícia. Além de tudo, Cassie poderia censurá-lo por preferir a empresa da família. A única solução era fazer com que ela o desprezasse tanto que acabasse por sentirse feliz por ter escapado de casar-se com um homem como ele. Cassie saiu do toalete. Gotas de água brilhavam em suas faces e cílios, então por um instante de pânico ele imaginou que ela estivera chorando. Mas o pequeno queixo erguido de modo arrogante e a sombra de um sorriso nos lábios atraentes asseguraramlhe que fosse lá o que ela sentisse, não era frágil e chorona. — O ambiente em que ficam os banheiros tem comunicação com o vestiário da piscina — comentou Cassie. — Pena eu não ter trazido maio, poderia dar um mergulho. Phillip recusou-se a pensar como ela ficaria num biquíni. — Onde vai ser o casamento? — prosseguiu ela. — Na piscina? — Não. No pátio e no jardim. Cassie sorriu. — Aposto que a recepção será no restaurante. — É o que Trícia quer. — O que você quer, Phillip? — indagou Cassie, com uma leve acusação na voz. Você, ele quase respondeu. Quero beijá-la neste minuto, aqui mesmo, perto de onde vou trocar votos de matrimônio com Trícia dentro de poucos dias. Quero tomá-la em PROJETO REVISORAS 49


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meus braços e deslizar minhas mãos pelas suas costas. Quero você na minha cama, embaixo de mim, nua e gemendo de prazer. O cérebro dele ativou os hormônios e Phillip tratou de dominá-los afirmando a si mesmo que na verdade queria fazer Cassie ficar ressentida com ele e rejeitá-lo. Queria que ela fosse embora de Lynwood sentindo-se bem consigo mesma, pronta para continuar sua vida, pronta para esquecê-lo, se bem que soubesse que jamais a esqueceria. Mas não podia dizer-lhe isso. — Quero voltar para o restaurante e terminar meu jantar — ele respondeu. — Claro. O sorriso dela reapareceu, evidentemente forçado. Eles haviam perdido a chance de ser honestos um com o outro. Continuavam a representar, fingindo que as coisas não eram como de fato eram, fingindo que queriam o que não queriam. — Muito bem, o que conseguimos saber? — perguntou Diane enquanto Cassie tirava o carro do estacionamento. — Os pais dele são adoráveis. O clube de campo é chique, Phillip é um lixo. Cassie não se conformava. Ela era mesmo um caso perdido, querendo defender Phillip do ataque de Diane, se bem que seu próprio coração partido fosse motivo para que também o atacasse. Diane era sua amiga, sua aliada, sua cúmplice leal. E Phillip era... bem, um lixo. — Ele pediu desculpa — contou a Diane. — Grande coisa! Esse pedido de desculpa está um ano atrasado, não? Assentindo sombriamente, Cassie comentou: — De qualquer modo, acertamos onde vai ser a grande festa. O casamento será realizado no pátio e no jardim; a recepção, no restaurante. — Perfeito. Cassie não estava achando nada perfeito. — Phil desconfia dos motivos pelos quais estamos aqui. Não acredita que tenhamos vindo apenas para participar da celebração do seu casamento. — Hummm... — Diane ficou pensativa por alguns momentos, então perguntou: — E no que ele é mais vulnerável? Qual é o seu ponto fraco? — Eu — respondeu Cassie sem pensar. E ficou tão surpresa que o carro quase saiu da estrada. — Você? — duvidou Diane. Cassie lembrou-se do modo como ele lhe segurava o braço, o jeito com que fitava seus olhos, a rouquidão de sua voz quando pedira desculpa. — Eu acho que ele ainda... — sua voz soou de um modo estranho e ela pigarreou para limpar a garganta. — Eu acho que ele ainda sente atração por mim. — Em outras palavras, ele não é cego e suas gônadas estão funcionando. Estou inclinada a fazer algum tipo de cirurgia entre as pernas dele. Um simples cortezinho com tesoura bem afiada poria fim aos entusiasmos sexuais dele. Passou pela cabeça de Cassie a possibilidade de que mesmo depois de tal cirurgia, Phillip poderia continuar gostando dela. No ano anterior, em Boston, acreditara que o desejo entre eles era também emocional e não apenas físico. Quando tinham feito amor, fora com suas almas, assim como com seus corpos. Ela teria sido incapaz de corresponder com tanta intensidade, caso se tratasse apenas de sexo. Contudo, podia ser que para ele houvesse significado só isso. — Quer saber? — continuou Diane. — Até que você pode ter razão. Phil talvez a queira... — Não sou repulsiva — tentou brincar Cassie. — Não acredito que seja assim tão difícil ele me querer. Oitenta por cento dos rapazes na minha vizinhança me querem; os PROJETO REVISORAS 50


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outros vinte por cento são gays. — Não, não. — Diane acenou com a cabeça para silenciar a amiga. — Eu acho que tem razão. Você é o ponto fraco dele. Você é a arma. Não precisamos de bombas, nem de tesouras afiadas para destruí-lo. Temos você. Cassie começou a arrepender-se do que dissera. — Até que acho boa a idéia das bombas de efeito moral e... Diane ignorou-a. — Podemos colocá-la diante dele como a última tentação. Você sabe como ser tentadora, não? — Para dizer a verdade, não. Desde adolescente Cassie sempre fora esquisita. E ela era como os rapazinhos seus amigos, também esquisitos. Eles costumavam ficar na sala de aula e na quadra de ginástica escrevendo roteiros de programas e viviam com um equipamento de filmagem de vídeo-fita rodando cenas no pátio e no auditório da escola. Tiravam as notas mais altas, com louvor, no curso sobre Shakespeare e nas provas de redação criativa; reuniamse na lanchonete próxima da escola para comer à meia-noite e falar de como iriam mudar o- mundo quando tivessem programas nos maiores canais de tevê. Mas nenhum desses rapazes jamais parecera tentado por ela. — Qual é a roupa mais sexy que você trouxe? — Diane — agora Cassie estava realmente arrependida por ter falado —, não sou uma mulher fatal, não tenho roupas sexy. — Então, vamos comprar. — Em Lynwood? — Deve haver um shopping em algum lugar. — São quase oito horas. Mesmo que haja um shopping, deve fechar às nove. — Neste caso é bom você dirigir depressa. Por que não passamos no posto de gasolina? Aquele garoto é bom em informações. Com ar de desalento, Cassie perguntou: — Mesmo que encontremos alguma loja, qual é o plano exatamente? Depois que você me comprar roupas, sexy, o que deverei fazer com elas? — Usá-las. Mais do que isso eu não sei. Ainda. — Diana riu, parecendo revigorada e perigosa. — Acabaremos inventando alguma coisa. Algo menos sangrento do que bombas e cirurgias, mas tão gloriosamente destrutivo quanto elas. Para a loja, Cassie! Para a loja! Uma sensação desagradável tomou conta de Cassie, porém não encontrou nenhum argumento válido contra a expedição de compras da amiga. Usar um vestido provocante não iria transformá-la em mulher fatal. Mas enquanto fizesse essa tentativa, Diane se esqueceria de bombas de efeito moral e de cirurgias radicais. Com um suspiro de cansaço, ela foi rumo ao posto de gasolina para ficar sabendo onde era o shopping center da cidade. Na manhã seguinte, ao entrar no saguão do prédio da Indústria de Móveis Keene, Phillip encontrou em seu caminho um fio de eletricidade. Como uma cobra, o fio pareceu dar um bote em seu tornozelo quando tropeçou nele. Praguejou. Quando mais jovem, Phillip se orgulhava de sua eloqüência. Seu treinador de futebol no colégio sempre brincava, dizendo que Phillip tinha o melhor vocabulário do time, e quando ele ganhara o prêmio do Rotary Clube como o melhor orador em público, ninguém ficara surpreso. No colégio e na faculdade, sempre conseguira expressar-se com clareza e simpatia. No entanto, nos últimos dias, por algum motivo desconhecido, parecia limitado a um PROJETO REVISORAS 51


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vocabulário de palavras pouco respeitáveis. Não. Por algum motivo desconhecido, não. Por um motivo perfeitamente identificado: Cassie. Ele mal conseguira sobreviver na noite anterior. Naturalmente, seus pais haviam sido cativados por ela. Seu pai divertira Cassie e Diane com embaraçosas histórias da infância de Phillip, como daquela voz em que ele levara para casa um balde cheio de sapos que havia apanhado no rio e o derrubara no meio da sala durante uma festa que seus pais estavam dando. Ou a vez em que ele, na primeira série, ganhara um prêmio de melhor soletrador da classe e em seguida, diante das autoridades escolares, soletrara errado o nome do professor. Ou do dia em que vira Trícia pela primeira vez, quando ela estava com seis anos, ele com dez e era companheiro de fé do todos os meninos com essa idade: ódio às meninas. "Ela é a garota mais insuportável do universo", declarara Phillip, e veja, estavam para se casar. Sua mãe falara sobre o adorável dia que passara em Boston com Diane, no ano anterior, que cidade linda era Boston, como se divertira passeando pelas ruas e entrando nas lojas. Porém, na maior parte do tempo ela observara Cassie e Phillip. Seu olhar ia de um para o outro, considerando, avaliando, concluindo. Dorothy Keene não era nada boba e sempre tivera uma idéia muito clara de tudo que acontecia com seu filho. Phillip saíra de Linden Hills logo depois de Cassie e Diane terem ido embora. Preferira não tomar um licor com os pais depois do jantar e passar por um interrogatório de sua mãe a respeito de que tipo havia sido sua amizade com Cassie em Boston. Aliás, havia mais ou menos um mês Dorothy expressara dúvidas sobre o casamento do filho com Trícia. — Sei que a situação está complicada entre seu pai e Harry Riggs — dissera —, mas não quero que você estrague a sua vida. — Casar com Trícia não vai estragar a minha vida — garantira ele. — Trícia é uma mulher adorável. Isso era verdade. E outra verdade era também o fato de que sua mãe não tinha idéia de quão complicada era a situação entre seu pai e Harry e quais seriam as desastrosas conseqüências caso Harry decidisse cobrar a dívida. Ele não suportava ver os pais perderem a fábrica. Se a perdessem, perderiam também sua identidade, sua conexão com o passado, seu futuro, sua segurança, seu bom nome. Em comparação com o que aconteceria se Harry Riggs executasse a dívida, casar com Trícia não era nada. Mas o fato era que nos dois últimos dias Phillip estava dedicando pouquíssimo tempo a se preparar para desempenhar o papel de genro de Harry Riggs, a se preocupar com os problemas de organização da loja de vendas a varejo de Chicago e aos problemas financeiros da empresa. E andava dedicando muito tempo a pensar em Cassie. Por causa dela não conseguira dormir direito nas duas últimas noites. Por causa dela estava experimentando impulsos eróticos nos momentos menos adequados. Por causa de Cassie quase quebrara o pescoço porque ela, sua intrometida amiga Diane e seu cinegrafista hippie haviam deixado um fio elétrico atravessado na entrada da fábrica. Tinha certeza de que Cassie não tinha vindo a Lynwood para desejar-lhe felicidade no dia de seu casamento, e estava longe de se convencer de que se encontrava ali porque queria filmar a fabricação de uma cadeira para seu programa de tevê. Se fosse dado a apostas, apostaria que o verdadeiro motivode Cassie estar em Lynwood era vingar-se da traição dele. Sua insônia era tanto resultado do medo quanto do desejo. E nos momentos de total honestidade ele tinha de ad mitir que merecia qualquer catástrofe que Cassie desencadeasse sobre a sua cabeça, mesmo que a catástrofe fosse ele PROJETO REVISORAS 52


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tropeçar num fio de eletricidade e quebrar o pescoço ou qualquer outra coisa. Coisa muito pior. Em vez de ir para o escritório, no andar de cima, Phillip abriu a porta de vidro que dava para o hall, no qual havia as portas do estúdio de criação e dos galpões de marcenaria. Abriu a porta do estúdio e viu que estava vazio, o que era estranho. Eram nove e meia; a equipe de desenho em geral trabalhava arduamente a essa hora. Ao espiar pela porta entreaberta, viu as pranchetas vazias, as fotos e esquemas presos no quadro de cortiça na parede, o soalho de madeira desgastado. Então, sua atenção foi atraída pelo som de vozes vindo do fundo do hall. Franzindo a testa, fechou a porta e voltou-se para lá. O barulho vinha do maior galpão de marcenaria, um grande espaço com teto abobadado, onde havia muitos móveis sendo trabalhados, pranchas de madeira, equipamento e maciças bancadas de marceneiro. Em geral aquele espaço era preenchido pelo barulho de serrotes e martelos; comumente o cheiro que pairava no ar era de pinho, nogueira, cerejeira e o característico aroma do mogno. Naquele dia, no entanto, o único som que vinha de lá era o de vozes, risos, e o odor de perfume e loção após barba se superpunha ao cheiro da serragem. Phillip entrou no galpão. Lá estavam carpinteiros, marceneiros, funcionários, o chefe* do almoxarifado e o rapaz que mantinha abastecidas as máquinas de refrigerantes, salgadinhos e chocolate que ficavam no saguão de entrada. Todas as luminárias fluorescentes do teto estavam acesas, iluminando intensamente o ambiente festivo, onde o pessoal conversava e ria. Carrancudo, Phillip examinou o galpão em busca de Cassie. Não teve dificuldade em ver o loiro e alto cinegrafista, com uma filmadora na mão e outra a seu lado, afixada num tripé perto de uma das bancadas sobre a qual havia uma tábua de carvalho cuidadosamente cortada. Uma vez localizado Beckelman, ele não tardou a perceber Diane em pé, não muito longe dele, com uma prancheta na mão. Mas Cassie, menor do que eles, perdia-se facilmente entre as demais pessoas. Então ele a viu, saindo de debaixo da bancada e trazendo a ponta de um cabo. Ela endireitou-se e ele engoliu seco. Estava usando uma minissaia jeans e meia-calça de náilon; imediatamente lembrouse do passado que vinha tentando esquecer, no qual aquelas pernas longas, bem-feitas e esguias tinham tido um papel tão importante, juntamente com o restante do corpo curvilíneo. Cassie vestia uma jaqueta curta que mal cobria o que estava usando por baixo, que Phillip não tinha certeza do que se tratava. Quem sabe fosse uma blusa desenhada especialmente para parecer roupa de baixo. Tudo que ele sabia era que parecia ser feita mais de renda do que de tecido e tinha decote baixo o bastante para se perceber o início dos seios. Sua testa ficou molhada de suor e ele quis crer que ali estava desconfortavelmente quente por causa do toda aquela gente reunida e das luzes acesas. Não por causa da roupa de Cassie, de seus cabelos sedosos e da cor do batom que usava, um tom caramelo que o fez pensar na maciez dos lábios dela, na textura sensual, no prazer que sentira beijando-os... — Não é fantástico? — disse Trícia em seu ouvido. Phillip virou-se sobressaltado e seu cenho franziu-se mais. O tambor começou a soar em sua cabeça, no mesmo ritmo da pulsação. Por que Trícia estava ali? Por que ela achava "fantástico" o espetáculo que o deixava furioso? E por que estava vestida com um macacão? Claro, era um macacão cheio de estilo, bonito e elegante, justo na cintura e solto nos quadris. As tiras nos ombros eram pespontadas em azul pálido. — O que é fantástico? — resmungou. — Isso é tevê! — Trícia estava entusiasmada. — Eles estão filmando! A Móveis PROJETO REVISORAS 53


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Keene vai aparecer na televisão. Eu juro, esta é a coisa mais maravilhosa que já aconteceu em Lynwood. — É apenas um programa para crianças — lembrou ele. Enquanto falava, Phillip procurava desviar os olhos da "coisa" mais excitante que já aparecera em Lynwood. Por que Cassie estava usando uma saia tão curta? Suas pernas eram perfeitamente proporcionadas e a meia-calça lhes dava uma aparência macia e sedosa. Os olhos dela... Estava usando rimel ou seus a cílios eram assim tão escuros e densos naturalmente? Que ela estivesse ou não usando maquilagem não importava. O que importava era que a extravagância de Cassie arrastara praticamente todos os empregados da fábrica para a marcenaria a fim de apreciar o movimento e, assim, ninguém estava trabalhando como devia. Cassie perturbava o ritmo de trabalho da Móveis Keene com seus cabos, câmeras, com suas lindas pernas e sorriso brilhante. Até mesmo Edie estava entre os curiosos, os olhos redondos e a expressão usualmente azeda adoçada por um sorriso. E o rapaz que abastecia as máquinas automáticas devorava Cassie com os olhos. Será que ele não tinha nada melhor a fazer? Não tinha de pôr chocolates e refrigerantes nas máquinas? Não podia parar de olhar para ela daquele jeito? — Tudo bem, minha gente! — disse Cassie em voz alta, e todos ficaram em absoluto silêncio. — Não me importo que vocês olhem, mas vamos ficar quietos. Está pronto, Richard? Richard Bausch, o melhor marceneiro da Móveis Keene, deu um passo à frente. Seus bastos cabelos castanho-escuros, prateados nas têmporas, eram uma confusão de ondas indomáveis. Ele estava vestido como sempre: camisa de algodão e jeans desbotado, abotoado bem abaixo da cintura, deixando que a barriga se derramasse por cima da fivela do cinto. Nessa manhã ele deveria estar verificando a última entrega de madeira, determinando que tábuas iriam ser usadas para fazer mesas, frentes de armários e quais seriam usadas em peças menores, selecionando as de veios mais bonitos para os móveis de primeira linha fabricados por Keene. Foi isso exatamente que Richard começou a explicar diante da câmera no tripé e dos seus fascinados colegas. Phillip jamais imaginara que ele seria capaz de falar de modo tão fluente dos diferentes tipos de madeira, dos diferentes graus de dureza, dos riscos de usar madeira com nós e das decisões que precisavam ser tomadas sobre corantes e vernizes, baseadas nas qualidades de uma simples tábua. — Sempre digo que é preciso "escutar" a madeira explicava Richard, com uma mistura de afabilidade folclórica e misticismo. — Ela dirá o que deve ser feito. Ela lhe dirá se é um tampo de mesa, uma madeira ou porta-chapéus. E eu direi se ela precisa de um corante mais escuro para ter sua melhor aparência ou se ficará melhor com um claro. — Richard é bom — segredou Trícia no ouvido de Phillip. Ele estava pensando a mesma coisa. Se a empresa fosse à bancarrota, Richard poderia trabalhar como narrador de documentários ou, talvez, dar aulas num curso de marcenaria. Olhando para a noiva por cima do ombro, notou que ela não estava olhando para Richard. Seu olhar fixava-se no cinegrafista com rabo-de-cavalo. Beckelman encontravase junto de uma bancada, focando as lentes de sua câmera portátil no início de uma enorme tábua e percorrendo-a lentamente até a extremidade oposta; continuou para o outro lado, erguendo-se, e enquadrou Richard, que falava das qualidades inerentes da madeira. Cassie achava-se ao lado dele, com Diane, e ambas assentiam silenciosamente com a cabeça, olhando a imagem do que estava sendo filmado no pequeno monitor. — OK, corte! — anunciou ela, quando Richard demonstrou ter chegado ao fim do assunto. — Ficou ótimo! Precisamos mais, Roger? PROJETO REVISORAS 54


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— Não, peguei tudo — respondeu ele, examinando a câmera. Cassie ergueu os olhos de sua prancheta e viuPhillip. O sorriso dela fez o tambor na cabeça dele parar, e seu coração também. Era um sorriso sedutor, consciente, que dizia: Não estou fabulosa? Sem querer ele fez que sim com a cabeça. O sorriso dela ampliou-se mais, então desviou o olhar e dirigiu-se ao pessoal: —- O que vocês acham? Será que Richard é capaz de ganhar o Prêmio Emmy? Irromperam animados aplausos. O som forte pareceu despertar Phillip. Para o inferno Cassie e suas filmagens bagunçadas. Seus funcionários tinham trabalho a fazer e iriam fazê-lo nem que tivesse de forçá-la a convencê-los a voltar para seus lugares e trabalhar. Movimentou-se depressa pelo amplo galpão, abrindo caminho entre as pessoas. Antes que fosse muito longe Lowell Henley pegou-o pelo braço e sorriu. — Excelente trabalho do Departamento de Relações Públicas, não? Nervoso demais para arriscar-se a falar, Phillip libertou o braço e continuou seu caminho em direção à bancada perto da qual Cassie estava verificando a filmagem de Richard. Enquanto andava, tentava descobrir por que estava tão tenso; porque o trabalho não estava sendo feito? Porque Lowell Henley, um homem com bom discernimento, achava que era um grande relações públicas? Porque Trícia estava fantasiada de fazendeira e agindo como uma macaca de auditório de televisão? Ou seria porque Cassie parecia uma garota de programa com aquela saia reveladora e aquele top transparente? — Muito bem! — exclamou ela acima do falatório. — Richard, você é bem natural. Agora vai passar para a segunda etapa: como a tábua é cortada em pedaços... Ela estava de costas para ele quando Phillip checou perto. Estendeu o braço entre o ombro do diretor do Departamento de Recursos Humanos e a cabeça do gerente de vendas para pegá-la pelo braço. Cassie virou-se e sorriu ao vê-lo. Talvez não fosse batom, pensou ele. Talvez os lábios dela tivessem sempre aquele tom de caramelo. — Precisamos conversar — disse, recusando-se a largá-la por medo de que ela sumisse entre aquela gente toda. Ou talvez a segurasse porque a jaqueta de Cassie era de tecido leve, e sob a manga sentia-lhe a pele, e senti-la exercia um poderoso efeito sobre ele. Embora Cassie fosse pequena, seus baços eram fortes o bastante para carregar uma caixa grande, fortes o bastante para abraçar um homem e... Era melhor parar. Phillip teve de abrir caminho a fim de levá-la para fora da marcenaria. Ficaram parados no hall, que parecia frio depois de todo aquele calor humano e das luzes. Mas Phillip ainda sentia o suor em cima do lábio superior e na nuca. Ainda sentia uma espécie de febre queimando dentro de si, uma conflagração de desejo, confusão e desgosto consigo mesmo por não conseguir ignorá-la. Cassie ergueu o rosto. Seus olhos voltaram-se para ele, assim como sua boca. Phillip ainda segurava-lhe o braço e estavam muito próximos. — O que é? — perguntou ela, um tanto ofegante. — Eu lhe disse que não queria que você filmasse o seu programa aqui — começou ele. — Pensei que tivesse sido bem claro... O som de passos pesados e apressados fizeram-no olhar por cima do ombro. Joe Rénkawicz, o sessentão supervisor do serviço de manutenção, atravessava o hall em sua desajeitada, pesada e barulhenta versão de galope. PROJETO REVISORAS 55


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— Ei, chefe! — gritou para Phillip. — Ouvi dizer que estão fazendo um filme aqui. Eu quero ver! Antes que Phillip pudesse detê-lo, Joe passou por eles e entrou na marcenaria. Ele suspirou. Não podia falar com Cassie no hall, com gente indo e vindo a todo instante, principalmente porque não tinha a menor idéia do que dizer. Poderia chamar-lhe a atenção por ter desobedecido a sua ordem de não filmar na fábrica. Poderia adverti-la por estar vestida de modo tão chamativo. Ou poderia simplesmente perder o controle e... Não. Esta não era uma opção. Ia dizer-lhe que juntasse seus apetrechos e fosse embora, apesar do que o pai dele havia dito na noite anterior e de Lowell Henley ter permitido a filmagem. Ela teria de parar, apesar do que todos os seus funcionários poderiam pensar sobre o glamour e a excitação de ter um programa para crianças filmado na fábrica em que trabalhavam. Mas não podia repreendê-la em público, num lugar onde todos os seus funcionários gagás poderiam ouvi-lo e achar que ele era um monstro. Sempre segurando o braço dela, Phillip encaminhou-se para a porta mais próxima, abriu-a e fechou-a após terem entrado. Foi só depois de acionar I o trinco da maçaneta, para não serem interrompidos, , que ele percebeu que a havia levado para o banheiro dos homens. Dois mictórios sobressaíam de uma parede com ladrilhos verdes; a parede oposta tinha um par de pias sob um amplo e alto espelho. No fundo alinhavam-se várias pequenas cabinas com portas, abrigando os aparelhos sanitários. O cheiro de desinfetante pairava no ar. Phillip deixou cair a mão que segurava o braço de Cassie. Ela olhou ao redor, deu um sorriso irônico e perguntou: — Esta é sua sala de reuniões? Ele não podia permitir-se responder à provocação. Na verdade, não podia responder a nada que proviesse dela. Virou a cabeça, procurando não olhá-la, mas percebeu que assim era pior ainda, pois via o reflexo dela, de perfil, no espelho sobre as pias. Admirou a linha firme do queixo, o ângulo perfeito do nariz, a pequena covinha no canto da boca. Viu seu próprio reflexo também: um homem com terno cinza pérola presa de turbulentas emoções. Seus dentes apertaram-se pela tensão e ele virou as costas para Cassie. — Você não pode filmar aqui. — Está bem. — Ela tornou a sorrir, depois ergueu a mão, num gesto de juramento. — Prometo que não filmaremos o banheiro. — Cassie... A exasperação fervia dentro dele, fazendo-o sentir mais calor ainda. Desapertou o laço da gravata e desabotoou o colarinho da camisa. Precisava respirar para pensar. Precisava dominar-se na presença dela para não enlouquecer. — Eu lhe disse que não queria que você filmasse na fábrica. E evidente que fui voto vencido por meu pai e Henley, mas mesmo assim... Você viu a confusão que está causando. A empresa não pode passar por esse tipo de paralisação agora. Se quiser filmar na Móveis Keene, deixe para outra ocasião. — Lowell Henley disse-me que poderia filmar durante esta semana — lembrou-o ela. — Lowell Heinley não sabe sob que tipo de estresse estou neste momento. Cassie fitou-o com ar pensativo. — Eu não sabia que casar era tão estressante para você. — Bem, agora sabe. — Por que, então, não trata de ficar longe de nós? Feche-se na sua sala e acalente o seu estresse. Lowell e eu cuidaremos da filmagem. — Cassie... Ele não queria que ela ficasse andando pela fábrica. Na semana seguinte, quando já PROJETO REVISORAS 56


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estivesse em viagem de núpcias com Trícia, e Harry estivesse satisfeito por ver sua preciosa filha se tornado exatamente o que queria tornar-se, a sra. Phillip Keene, Cassie poderia filmar tudo que quisesse. Na semana próxima a Móveis Keene estaria salva. Harry jamais iria prejudicar a empresa de seu genro; jamais poria em risco o futuro de sua filha. E Phillip estaria fora da cidade, assim não se arriscaria a tropeçar em Cassie de minissaia enquanto estivesse filmando. Ela estava esperando que ele terminasse. — Por acaso você reparou em quanta gente está amontoada na marcenaria? — continuou Phillip. — Todos eles são meus funcionários. Têm trabalho a fazer. Enquanto você estiver filmando aqui, eles não vão trabalhar. Percebe o problema? Cassie ficou olhando para ele. Seus olhos eram tão escuros, a pele tão luminosa! O olhar dele moveu-se para baixo, ao longo do esguio, gracioso pescoço, até a leve sombra entre o começo dos seios insinuados sob o top rendado. Assim, o fato dos funcionários estarem parados pareceu-lhe o menor dos seus problemas. Ergueu o olhar para o rosto dela, que ainda o estava fitando com expressão solene. Seus lábios eram terrivelmente tentadores, doces e convidativos. — Percebo o problema — murmurou Cassie. — Mas não sei se é o mesmo a que você se refere. — Penso que sim — afirmou ele com a voz tão reprimida quanto a dela, sua disposição tão solene quanto o olhar dela. Phillip estava consciente apenas do perfume familiar de Cassie: uma fragrância doce, feminina. Seu problema era que se sentia exatamente do modo que se sentira no ano anterior, quando fizera amor com ela e acreditara que nada mais no mundo o interessaria como Cassie o interessava. E o problema dela era o mesmo: saber que Phillip estava se sentindo, poucos dias antes de se casar com outra, do mesmo modo que se sentira no ano passado. Voltou-se de novo para Cassie e segurou-lhe os braços. Puxou-a para si até que se encostasse nele, porque sabia que se não sentisse o gosto dos lábios dela naquele mesmo instante, toda a tensão que crescera dentro dele iria explodir. Ela não resistiu. Na verdade, foi bem ao contrário. No instante em que a boca de Phillip tocou a sua, passou os braços no pescoço dele. Suas línguas se encontraram e ele se perdeu. Mergulhava na sensação de um abismo sem fim, em erupção feito um vulcão; sentia algo profundo, envolvente e abrasador, algo que não havia sentido durante um ano, desde a última vez que a beijara. No decorrer daquele ano tentara arduamente evitar de pensar em Cassie. Conseguira sair-se bem durante a maior parte do tempo. Mas agora estava fracassando. Desastrosamente. Ele queria mais. Mais do que poderia ter. Queria mais de uma mulher que não deveria querer. Se corpo e seu cérebro a desejavam. Suas mãos, segurando-lhe a nuca e enfiando-se por entre os cabelos, queriam sentir sua sedosa textura, senti-los deslizan do entre os dedos. A pele dele queria estar em contato com a de Cassie; seus ossos queriam suportar o peso dela. Seu sexo a queria apertada ao seu redor, vibrando quando ela chegasse ao clímax do prazer. Era como a primeira vez que beijara Cassie, quando beijá-la era tão natural, tão inevitável. A boca linda e macia era como uma antiga companheira da dele, amoldando-se a ela, fundindo-se, movimentando-se como numa dança de profunda intimidade A língua dela entrelaçava com a dele, ansiosa e eroticamente. Seu corpo aninhava-se nos braços dele. Tudo naquele beijo estava certo. I Exceto que estavam fechados no banheiro dos homens do térreo e que ele iria casar-se com outra mulher no fim da semana. PROJETO REVISORAS 57


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— Cassie... I O nome dela soou distorcido, emergindo de seu íntimo como um suspiro, um gemido, uma prece. T Os braços dela apertaram-no mais e sua cabeça inclinou-se para trás. Phillip tornou a beijá-la, e quando separou a boca da de Cassie, ele viu a linha do pescoço e pousou os lábios na pele macia. No momento em que ela suspirou fundo, seus seios pressionaram-se mais contra o peito dele e Phillip soube que tinha de senti-la com as mãos só uma vez. Só uma vez antes do casamento. Abriu-lhe a jaqueta expondo o top de renda e a redondez dos seios, os mamilos enrijecidos visíveis através do tecido. Ele queria cair de joelhos. Precisava tocar os seios com os lábios, primeiro um, depois n outro, mas sabia que se fizesse isso teria de fazer amor com ela completamente. Não seria mais capaz de parar. Então, com um autocontrole sobre-humano, limitou-se a senti-los' com as mãos, envolvendo-os, apertando-os, acariciando-os até que Cassie gemeu. O baixo e torturado som de sua voz foi o bastante para persuadi-lo de que talvez não conseguisse mais parar, apesar de tudo. Ela tremia em seus braços e movimentava os quadris, esfregando-se contra ele. Ao erguer a cabeça, Phillip viu que seus olhos estavam fechados e que mordia o lábio inferior. Cassie movimentou as mãos e ele sentiu seus dedos por dentro das mangas. Será que o chão é duro demais?, pensou Phillip. Talvez pudesse sentar-se em cima de uma das pias e colocá-la sobre si. Ou poderiam amar-se de pé, encostados na parede entre os dois mictórios, com o espelho na parede oposta refletindo-os enquanto faziam amor. - Phil... Os olhos dela se haviam aberto e fitavam-no com um desejo tão profundo que ele teve de abafar um gemido. Cassie colocou as mãos sobre as dele. Por um segundo apertou-as sobre os seios e, então, retirou-as de si e suspirou. Passou a ponta da língua pelos lábios, e ele abafou outro gemido. — Eu não acho... — a voz dela soava fraca — que isso seja uma boa idéia... Se ele não se sentisse tão miserável teria rido ao ouvir aquilo. Era a pior idéia do mundo. Mas durante alguns gloriosos momentos não se importou. — Preciso voltar para a filmagem — a voz de Cassie continuava rouca e trêmula. As pequenas mãos tremiam enquanto arrumavam o top por dentro da saia e ajeitavam a jaqueta. Ela deu uma olhada no espelho e enfiou os dedos nos cabelos. Por mais que ela se arrumasse não poderia esconder o tom corado em suas faces, o brilho em seus olhos e o inchaço nos lábios. Cassie era o exemplo claro e, evidente de uma mulher excitada. Não que Phillip estivesse em posição de criticar; a excitação dele era, no mínimo, muito mais evidente do que a dela. Ele foi até uma das pias, abriu a torneira e jogou água no rosto. Não era tão eficiente quanto um chuveiro frio, mas ajudava a clarear a mente. Pensou em tomar um pouco de água, para tirar o gosto de Cassie de sua boca, mas achou que ela poderia sentir-se insultada. Por outro lado, na verdade, não queria livrar-se do gosto dela. Pegou algumas folhas de papel-toalha do dispositivo cromado entre as pias, secou o rosto, as mãos e voltou-se para ela, que permanecia onde a havia deixado, quase no meio do banheiro, olhando para ele. Cassie não era a mulher mais linda do mundo... mas possuía algo que o atraía, algo que o fazia quereramarrotar a toalha de papel, jogá-la no cesto, voltar para junto dela e recomeçar de onde haviam parado. — Talvez seja melhor não nos vermos mais — ingeriu ele, imaginando que se deixasse de vê-la deixaria de querê-la. — Isso é impossível. — Será possível se você parar de filmar na Móveis Keene. PROJETO REVISORAS 58


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Cassie deu um sorriso tentador. — Mas vou estar no seu casamento. Phillip segurou o impropério que lhe subiu aos lábios. Já iria ser bastante difícil casar-se, sentindo-se do modo como se sentia, sem ter a presença da mulher que lhe despertava aqueles incontroláveis sentimentos. — Você pode sentar-se na última fileira, onde não poderei vê-la. O sorriso dela abriu-se mais, porém não parecia divertido. — Ou posso ir com um saco de papel enfiado na cabeça. — Cassie olhou-se mais uma vez no espelho e foi para a porta. — Vou filmar a fabricação de uma cadeira — seu tom era decidido. — Não acredito que você possa nos fazer parar. Todos os seus funcionários iriam se desapontar se fizesse isso. Pelo bem do moral deles é melhor concordar comigo. O sorriso dela era melancólico quando soltou a Irava do trinco, abriu a porta e saiu. Phillip ficou olhando para a porta fechada. Sozinho naquele ambiente frio que cheirava a desinfetante, olhou-se no espelho. Seu corpo se acalmara, mas ele ainda parecia meio delirante, com os cabelos despenteados e o olhar selvagem, ' Forçou-se a pensar nas dívidas da empresa. Forçou-se a pensar no homem que controlava essas dívidas, no homem responsável por elas, seu querido e desafortunado pai, e no mal que seria feito ao segundo homem se ele não aplacasse o primeiro. Pensou em Trícia, uma amável, atraente e bem-humorada moça. Honestamente, gostava dela. Mas sua noiva não o enlouquecia como Cassie. Talvez esse fosse um bom motivo para gostar ainda mais de Trícia. Enquanto voltava à pia a fim de mais uma dose de água fria no rosto, não pôde deixar de pensar se não valeria a pena sacrificar seu pai, a empresa, Trícia e sua calma, previsível, existência pela chance de ser enlouquecido por Cassie Webber.

CAPÍTULO SETE Aquilo não iria dar certo. Seduzir Phillip seria bastante fácil — principalmente depois que Diane a persuadira a usar o cartão de crédito em duas butiques do shop ping center da cidade na noite anterior. Phillip era biologicamente incapaz de resistir a uma saia curtinha. A sedução seria fácil, exceto por uma questão: quem estaria seduzindo quem? Ele não tinha direito de seduzi-la. O canalha estava noivo! Como se atrevera a beijála do jeito que fizera, com tanta intensidade que o cérebro dela se derretera, diluindo todos seus pensamentos e transformando-os em nada? Não esperara que Phillip respondesse com tanto entusiasmo à mudança da sua aparência. Mas deveria ter se dominado, deveria ter se sentido culpado até mesmo por pensar em beijar uma mulher que não era sua amada noiva. Pelo menos, deveria ter tentado resistir a ela. Era preciso que o plano fosse reavaliado. Bombas de efeito moral e confusão no casamento pareciam ações mais aceitáveis para Cassie. A verdade é que se estava pouco inclinada a aceitar os esquemas de Diane, inclinava-se muito menos ainda a ser emocionalmente destruída por Phillip. Um ano atrás jamais teria pensado em seduzir Phillip. Haviam tido uma amizade profunda durante alguns meses depois de se conhecerem. Tinham passado parte das noites juntos comendo pizza, filosofando sobre a vida, discutindo sobre Buriel depois de assistir a um filme dele no Festival do Cinema Coolidge Corner. Cassie lhe falara sobre seu trabalho num canal de televisão estatal, PROJETO REVISORAS 59


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sobre suas idéia para o marketing de bonecas e brinquedos relacionados com Rodas dos Sonhos, sobre sua esperança de desenvolver outros tipos de programas. Ele lhe falara da faculdade, das matérias que estudava, d sua intenção de voltar para Ohio depois de se forma e colocar-se à frente da empresa da família. A única noite inteira que ele passara na casa dela fora uma vez quando, depois de jantar num restaurantezinho tailandês, haviam tido uma indisposição por causa de algum alimento estragado. Haviam sobrevivido àquela noite de pesadelo juntos, cada qual segurando a cabeça do outro sobre o vaso sanitário e consumindo copos e copos de água mineral. Não havia sido a noite mais romântica da vida de Cassie, mas de certa maneira fora a mais adorável. Ela não poderia pensar em nenhum outro homem a quem quisesse amparar ou por quem quisesse ser amparada num caso de intoxicação. A atração entre eles havia sido forte e mútua desde o começo. Porém, Boston era o lar dela e Phillip tinha intenção de ir embora. Os dois sabiam disso. As poucas vezes em que se haviam tocado, ao despedir-se com um boa-noite, e seus lábios se haviam se aproximado em busca de um beijo, Phillip sempre recuara, murmurando: — Eu quero isto, Cassie, quero muito você. Mas se nos envolvermos, vamos apenas sofrer depois. Não há futuro para nós. Ela ficava frustrada, porém frustração não era fatal. E a consideração, a sensibilidade dele, sua hesitação em aceitar o que ela alegremente lhe daria, apenas a faziam amá-lo mais. No entanto, à medida que a data da partida dele se aproximava, uma profunda frustração ia se apoderando dela. Por que o homem mais atraente que já conhecera tinha de voltar para Ohio? Por que não podia ficar e dar ao relacionamento deles a chan ce que merecia? Ela sabia que ele tinha o direito de fazer a mesma pergunta ao contrário: por que ela não podia deixar Rodas dos Sonhos nas talentosas mãos de Diane e ir para Lynwood com ele? Só porque criar e produzir um programa havia sido o sonho dela durante anos, porque conseguira realizá-lo ainda bastante jovem e porque estava às portas de um grande sucesso e de novas oportunidades, ela não podia simplesmente largar tudo e ir ficar com ele em Lynwood? Phillip a conhecia bastante bem para não perguntar isso. E assim como ela estava determinada a realizar seu sonho, ele queria realizar o seu. Cassie não esperara vê-lo na sua última noite em Boston. Ele passara o fim de semana anterior com os pais, que haviam ido para lá assistir à formatura dele na faculdade de economia. Depois de os pais voltarem para Lynwood, os últimos dias de Phillip na cidade haviam sido devorados pelos trâmites de transferir a locação de seu apartamento em Cambridge para um grupo de estudantes calouros, vendendo-lhes os móveis e passando para o nome deles as contas de água e luz. Na manhã da véspera de ir embora, telefonara para Cassie no estúdio da tevê dizendo que no dia seguinte, cedo, iria pôr no carro o que não podia despachar, depois encheria o tanque e seguiria para Lynwood, rezando para que o motor do decrépito Toyota não morresse em algum lugar da Interestadual 84. — Quero ver você antes de ir embora — afirmara ele. —Ainda não sei como as coisas vão decorrer, mas talvez passe por aí amanhã de manhã para me despedir. Mas... eu não sei. Ela compreendera: ele não sabia se vê-la não tornaria mais difícil partir. E Cassie não sabia de coisa alguma que tornasse sua partida mais fácil para ela. Mas se não vê-la fosse melhor para ele pelo menos já era alguma coisa. — Faça como achar melhor — respondera ela e desligara. Então, ficara imaginando por que o destino tinha de ser tão cruel, por que longamente acalentadas aspirações e ambições tinham de ter precedência sobre a PROJETO REVISORAS 60


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radiante possibilidade de um romance. Perguntara-se se dizer adeus a Phillip sem ter dado ao amor deles a chance de florescer seria a coisa mais certa ou a mais errada a fazer. O ar estava abafado naquela noite, tão denso de umidade que Cassie sentia-se como se estivesse nadando em vez de andando. No verão, o prédio de apartamentos em que morava parecia um forno. Allston era um bairro simples de Boston cujos residentes eram uma mistura de estudantes, operários e gente da classe média, uma mistura de raças e etnias que Cassie achava revigorante. Mas enquanto se dirigia à parada de ônibus na avenida Commonwealth, naquele calor e agudamente consciente de que aquela seria a última noite de Phillip em Boston, ressentia-se da multidão, do barulho, do tráfego. Havia lojas demais na rua, gente demais obstruindo-lhe o caminho. Tudo que queria era chegar logo ao prédio, enfrentar a escadaria até seu apartamento, ligar o arcondicionado e deixar-se cair no sofá. Aí, então, iria entregar-se ao sofrimento pelo fato de Phillip estar indo embora. Surpreendeu-se ao vê-lo sentado na porta do prédio, com uma caixa de pizza na mão. Era para ele estar do outro lado da cidade, fechado em seu apartamento, encaixotando as coisas que iria levar para Lynwood. Não era para ele se encontrar ali. Ela estava acalorada, cansada. Durante o trajeto do trabalho para casa, o sistema de ventilação do trem entrara em pane transformando-o numa verdadeira sauna sobre rodas de aço. Seus cabelos estavam úmidos e escorridos como seu ânimo. A blusa estava colada nas costas pelo suor, e o shorts jeans irritava-lhe a pele da cintura. O calor de junho acabara com seu apetite. Tão difícil de acreditar que Phillip se encontrava ali era acreditar que tivera a idéia de trazer uma pizza. Mas realmente ele se achava à porta do prédio, segurando a caixa achatada, redonda e branca, da qual emanava uma fragrância quente. — Eu não podia ir sem ver você — disse quando Cassie parou diante dele. Ele parecia tão pegajoso quanto ela. A camisa pólo pendia solta sobre a cintura do shorts; estava de sandálias e óculos de sol. Sua testa brilhava de transpiração. Cassie teve vontade de gritar com Phillip por ter trazido uma pizza. Não, não era isso... Queria gritar com ele porque iria abandoná-la, porque iria voltar para Ohio sem que ela houvesse sabido como era beijá-lo na boca. Queria gritar com ele por ser o único homem que encontrara capaz de fazê-la querer abrir sua alma, partilhar suas mais íntimas emoções; o único homem que se importava mais com o, que ela pensava e sentia do que com as chances que tinha de tirar vantagem dela. O impulso de Cassie era agarrar Phillip pelos ombros e sacudi-lo até que ele admitisse que uma amizade como a deles era preciosa e rara, que se ele voltasse para Lynwood sem saber o que aconteceria se levassem essa amizade para outra dimensão estaria cometendo o maior erro da sua vida. Porém estava quente demais para falar, gritar e sacudi-lo. — Vamos subir e ligar o ar-condicionado — disse, cansada. Ele assentiu. Ela abriu a porta da entrada, parou no vestíbulo para pegar a correspondência, e foi com Phillip para a escada. O cheiro da pizza causava ondas de transpiração que punham gotículas de suor sobre seu lábio superior e parecia acrescentar peso aos seus pés doloridos. Os degraus eram mais altos do que se lembrava. Phillip iria deixá-la, e tudo estava errado. Chegaram ao apartamento dela, no terceiro andar. Era pequeno: um cômodo principal, banheiro e uma cozinha grande o bastante para acomodar uma pequena mesa redonda de pedestal que Cassie descobrira num monte de peças descartadas de um cenário no estúdio. Enquanto Phillip punha a pizza sobre a mesa ela foi até o aparelho de ar-condicionado na sala e ligou-o. O motor zumbiu, mas ela não sentiu nenhum frescor. PROJETO REVISORAS 61


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— Pegue uma cerveja na geladeira — ofereceu por cima do ombro. Em seguida, tirou os tênis e ficou em frente do ar-condicionado com a cabeça inclinada para trás e os braços erguidos, esperando que o ventilador a refrescasse um pouco. Mantinha os olhos fechados e rezava para não desabar e chorar, fosse o que fosse que Phillip dissesse. O ar fresco agitou-se ao seu redor. Os cabelos dela flutuaram. Então, sentiu as mãos de Phillip em seus ombros, quando ele se aproximou por trás e puxou-a gentilmente para si. — Não sei como fazer isso — murmurou ele. Sua voz era tão suave que ela a escutara por causa do zumbido do aparelho de ar-condicionado. Cassie franziu as sobrancelhas. Tudo que Phillip tinha a fazer era dizer "Adeus". Ou "Coma uma fatia de pizza e seja feliz". O que ele não sabia fazer? Como se Cassie houvesse dado voz a seus pensamentos, Phillip sussurrou: —- Eu não sei como dizer adeus a você, Cassie. Eu não sei como deixá-la. Os olhos dela abriram-se mais e Cassie voltou-se de frente para ele. O arrepio que lhe passou pela espinha nada tinha a ver com o ar-condicionado. Tinha a ver com a agonia nos olhos de Phillip, com a angústia em seu sorriso. Os olhos e o sorriso de Phillip lhe diziam mais do que palavras. Diziam que ele a queria, que queria dela mais do que amizade e confiança. Que queria mais havia muito tempo e que seu coração doía por não ter tido o que desejava por tanto tempo. Diziam-lhe que se ela desse um pequeno passo para ele, seria o maior passo que já teria dado em sua vida. E ela deu esse passo. Os braços de Phillip a rodearam. Sua boca procurou a de Cassie. O único calor de que ela ficou consciente não provinha do quente mês de junho, mas da masculina voracidade dele. E para Cassie estava bem, justamente como ela queria. A língua de Phillip invadiu-lhe a boca. Ele puxou-lhe a blusa para fora do short de modo a poder enfiar as mãos por baixo. Tocou-lhe as costas, os lados do corpo, seguroua pelos ombros e beijou-a com mais intensidade. Ela agarrou-se a ele sabendo que cairia se não se segurasse. Phillip era sólido, forte, e Cassie precisava da sua força e solidez. Precisava do seu peso, da largura de seus ombros e dos eróticos movimentos da língua ansiosa dentro de sua boca. Precisava dele das várias maneiras que uma mulher precisa de um homem. Phillip encontrou o fecho do sutiã e abriu-o. As pernas dela ficaram fracas e ele deitou-a no sofá-cama, parando de beijá-la apenas para tirar-lhe a blusa e o sutiã. Cassie deveria sentir frio, nua da cintura para cima, porém sentiu-se mais quente. E quando ele sentou-se no sofá, puxando-a até que sentasse sobre seus joelhos, aqueceu-se mais ainda. Cassie enfiou os dedos nos cabelos dele. Eram longos, macios e lindos. A sensação da boca de Phillip em seus seios, os lábios tocando os mamilos, era mais linda ainda. Porém o mais lindo de tudo era por fim saber que ele precisava dela do mesmo modo que ela dele. Não fora uma louca em querer Phillip. Não se enganara sobre a profundeza da intimidade deles. E ele não sabia como deixá-la por causa disso; por causa daquela paixão, daquele desejo. Cassie não se lembrava de ter tirado a camisa dele, mas de algum jeito essa peça de roupa desaparecera. Não se lembrava de ter saído do colo de Phillip, nem de havê-lo sentido deitá-la no sofá, mas de repente estava por baixo dele, apertando-o nos braços, abrindo as pernas para que ele pudesse acomodar-se entre elas. Não se lembrava de Phillip ter tirado o short dela e o dele, mas ali estavam os dois completamente nus, nada entre eles a não ser paixão, desejo e amor. PROJETO REVISORAS 62


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Cassie pegou o sexo dele entre as mãos; Phillip colocou a mão entre as pernas dela. Phillip estava pronto para ela e Cassie estava pronta para ele. Ela sentia-se como se houvesse estado pronta a vida inteira. Vivera sonhando com Phillip, querendo-o, tentando convencer a si mesma, todas as noites depois de eróticas fantasias, de que não devia dar importância a elas porque jamais se tornariam verdade. Mas era verdade. Era real. Era Phillip, e com poderosa confiança ela soube que era amor. Cassie gozou quase imediatamente e ele gemeu, paralisando-se, para em seguida recomeçar a movimentar-se dentro dela, fazendo-a gozar de novo; desta vez chegando ao clímax juntos. Durante longos momentos permaneceram imóveis respirando ofegantes, seus corações batendo com força; depois suas mãos procuraram-se e seus corpos se tornaram pesados pela lassidão. Cuidadosamente, ele retirou-se dela e tirou a camisinha. Cassie nem sequer havia se lembrado de proteção. Não pensara em nada a não ser em tê-lo dentro de si, amando-a. — De onde veio isso? — perguntou. Phillip indicou o chão com a cabeça e ela olhou para o lado do sofá. Sobre o short dele estava um pacote aberto de seis preservativos. — Havia uma farmácia perto da pizzaria — explicou ele. — Você planejou tudo isso? — A idéia a surpreendeu. — Ao vir para cá hoje você estava pensando que nós iríamos... — Não. O que eu pensei foi "Não, seu idiota, não faça isso!" Eu achava que seria um erro terrível. E estava realmente decidido a agir de modo sensato, mas... — Ele fitou-a, acanhado. — Mandei fazer a pizza e eles disseram que iria demorar uns dez minutos, então ao lado havia uma farmácia. Talvez aqueles tenham sido os dez minutos mais cruciais da minha vida. Phillip enrolou num dedo um cacho dos cabelos de Cassie, separou os fios e observou-os à fraca claridade que vinha da rua. — Então, foi um erro terrível? — perguntou ela. — Está arrependido do que fez? — De jeito nenhum. Estou vibrando. Ela sorriu. "Vibrando" parecia uma declaração incompleta, mas Phillip não conseguia pensar em nenhuma palavra forte o bastante para descrever o modo maravilhoso como se sentia. Maravilhoso e, ao mesmo tempo, apreensivo. — Precisamos conversar — disse, sentando-se. Cassie começava a compreender as ramificações. Phillip iria embora de Boston no dia seguinte e ela sentia-se loucamente. Acabavam de fazer sexo e encontravam-se deitados no sofá, nus, as pernas ainda entrelaçadas, e o corpo dele era o mais viril e atraente que já vira. Tinham cinco camisinhas não usadas. Em torno de vinte e quatro horas Phillip estaria indo embora... a menos que conseguissem conversar a respeito, colocar as coisas nos devidos lugares e transformar um desastre potencial em triunfo. — Este sofá se abre, não? — perguntou ele, reinando a perna esquerda de entre as coxas dela. Cassie assentiu. Para seu espanto, apesar do que acabava de acontecer, ou talvez mesmo por causa disto, estava com fome. — Vou pegar a pizza. Quando ela voltou com a caixa da pizzaria, um pacote de guardanapos de papel e duas meias garrafas de cerveja, Phillip havia aberto o sofá, que se transformara em cama de casal, e colocara as roupas deles sobre a cadeira de balanço, do outro lado da sala. Acomodaram-se sobre o lençol, ajeitando as almofadas do sofá e os travesseiros para ficarem confortavelmente reclinados. Ele pegou da caixa dois pedaços da pizza, que já estava esfriando, e deu um a PROJETO REVISORAS 63


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Cassie. — Minha vida se tornaria um inferno, porém seria tudo mais fácil se eu não tivesse vindo aqui esta noite — comentou. ^ ;> — Volte tudo para trás, então — brincou ela, mas tinha noção de quanto a vida de Phillip se afetaria por terem feito amor. — O fato de você estar encarando a verdade é bom. — E qual é a verdade? — Que somos perfeitos um para o outro. Phillip deu uma mordida na pizza. — Não é assim tão simples. Durante a minha vida inteira fui orientado para ficar à frente da Móveis Keene. Acompanhei meu pai em viagens de negócios. Depois do colégio fiz a faculdade de economia e administração, agora devo voltar para Lynwood e levar a empresa para o século vinte e um. Sou filho único. Minha vida foi toda programada, e até eu conhecer você estava satisfeito com isso. — Parece-me o mais sufocante, o mais esmagador programa do mundo. Em vez de se queixar, você deveria estar me agradecendo por salvá-lo de um destino pior do que a morte. Phillip riu e inclinou-se para beijá-la na testa. — Você não me salvou de nada. Ao contrário, empurrou-me para o olho do furacão. Não fique muito orgulhosa. Mas Cassie estava orgulhosa. Enquanto a olhava, o sorriso dele desvaneceu-se, seus olhos se tornaram escuros, a respiração mais forte, e ela compreendeu, no momento em que ele pôs a caixa de pizza no chão e rolou para cima dela, que Phillip também não estava exatamente desgostoso. Mais tarde, depois de terem feito amor no chuveiro, depois de adormecerem no sofá, depois de Cassie acordar e encontrar Phillip colado às suas costas, com as mãos envolvendo-lhe os seios e sua ereção tocando-lhe o quadril, depois que ela se voltou de frente para ele e começaram a acariciar-se meio adormecidos, devagar, preguiçosamente, brincando um com o outro com toques suaves e beijos calmos, prolongados, até que não puderam mais brincar, até mie ficaram tão excitados que gemeram de alívio quando seus corpos se uniram, foi que Phillip disse: — Eu amo você, Cassie. Havia sido depois disso que Phillip prometera voltaria para ela. Prometera que ficariam juntos para sempre. Dera sua palavra. — O que você quer dizer com "precisamos de outro plano"? Diane ficou surpresa. Estava sentada diante de Cassie, do outro lado de uma mesa de piquenique de madeira pintada, no jardim da Lanchonete Tilly's, no lado leste da rua Principal. Diante de Cassie havia uma bandeja de papelão contendo um hambúrguer num pratinho também de papelão em forma de barco, batatas fritas e um copo de refrigerante diet com canudinho. Ela olhava para a comida sem ter certeza de onde viera. Provavelmente da janela de atendimento, e Roger estava encostado, empenhando-se no que parecia uma profunda conversa com uma moça que se encontrava do lado de dentro. Cassie supunha que houvesse chegado à janela, feito o pedido e parado, solicitando um recibo porque tinha direito a reembolso de todas as despesas que fizesse em Ohio. Mas não se lembrava de nada disso. Não se lembrava direito do que fizera o dia todo, a não ser que beijara Phillip. A julgar pela satisfação de Diane e pela típica tranqüilidade de Roger, o dia de filmagem decorrera bem. Apesar de se encontrar em transe, Cassie devia ter dito as PROJETO REVISORAS 64


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palavras certas e feito as coisas certas. Seus companheiros a estavam tratando normalmente. Na mesa ao lado, um grupinho de adolescentes consumia enormes sorvetes, falando e rindo sem parar. Cassie ficou olhando fixo para elas. De onde tinham surgido? Onde ela estava, exatamente? Em Lynwood, Ohio, lembrou a si mesma. Na cidade de Phillip, para o casamento dele. Phillip. Não o deixaria beijá-la de novo. Não podia correr esse risco. Ela e Diane descobririam um outro modo de vingar-se dele. — Estas são as batatas fritas mais gordurosas que comi na minha vida — observou Diane. Cassie não tinha certeza se aquilo era uma queixa ou um elogio, visto o modo guloso como a amiga comia as batatas. — Agora explique-me por que precisamos de um novo plano — continuou Diane. — Eu pensei que esse que estamos seguindo fosse ótimo. — Não. Não funciona. Cassie cruzou as pernas e imediatamente descruzou-as, ao descobrir que, com aquela saia tão curta, mostrava mais de suas coxas do que muitas mulheres mostravam na praia durante o verão. — Por que não funciona? — Eu não posso seduzi-lo. — Você não tem de seduzi-lo, precisa apenas tentá-lo. — Uma questão de semântica — resmungou Cassie. Diane pegou seu hambúrguer e deu uma mordida, sem deixar de olhar para Cassie. — Nada de semântica. São duas coisas diferentes. A idéia é deixá-lo abobado e choramingando. Reduzi-IO a um estado de insuportável nervosismo e ansiedade. Lembrálo de que você é a mulher mais sexy que ele já encontrou, porém que nunca mais poderá ter você de novo. A idéia — concluiu, depois de engolir um pedaço de hambúrguer —, é fazê-lo urre arrepender-se de ter voltado as costas para você. — Eu não quero tentá-lo — resistiu Cassie. O que ela queria era poder cruzar as pernas, comer seu hambúrguer, expulsar Phillip de seu pensamento e de seu coração, voltar para Boston e chorar. — Está bem. — Diane suspirou dramaticamente, limpou com o guardanapo um pouco de catchup do fim to da boca e tomou um pouco de refrigerante. — O segredo da vingança eficiente é acertar Phillip em um lugar que doa. E você descobriu o ponto mais vulnerável dele. Grandes cérebros pensam de modo parecido, concluiu Cassie, se bem que suspeitasse de que a idéia de Diane de atingir Phillip no ponto mais vulnerável não era a mesma idéia dela de chutá-lo no baixo-ventre. — Sabemos que um de seus pontos mais vulneráveis é o sexual. Se não basear a sua vingança em brincar com o incontrolável desejo que ele sente por você... — Não. Ele pode controlar esse desejo muito bem! Cassie lembrou-se da calma com que Phillip lavara as mãos e o rosto no banheiro dos homens, de como se recuperara rapidamente do que havia acontecido entre eles, ao passo que ela ainda não conseguira recuperar-se, sete horas depois. — Então, onde ele é mais vulnerável? Como você poderá atingi-lo? Por intermédio de Trícia? — Eu não quero magoá-la. Nada disso é culpa dela. — Cassie mordeu uma batatinha. — Pelo menos, penso que não é. PROJETO REVISORAS 65


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— Que tal atingir os pais dele? Largando a batatinha, Cassie pensou nos pais de Phillip. Haviam sido tão agradáveis na noite anterior, no clube, tão calorosos e simpáticos! Gostava deles. — Não — decidiu, sacudindo a cabeça. — Vamos deixar os pais dele de fora. — Então, de que modo você quer fazê-lo sofrer? — Que tal a empresa? — A Indústria de Móveis Keene? — Diane ar-queou as sobrancelhas numa pose clássica de quem pensa. — Hum... Talvez um incêndio... — Incêndio, não — saltou Cassie. — Nada que seja ilegal. Não tinha idéia de como poderia sabotar a empresa de Phillip de maneira legal, mas ela, Diane e Roger tinham acesso à fábrica, graças a Lowell Henley. Talvez pudessem fomentar perturbação, descontentamento. Talvez pudessem colocar cola de madeira em lugares estratégicos... — Você disse que não quer atingir os pais dele — lembrou-a Diane. — Eles não estão envolvidos com a empresa? — Penso que Phillip está à frente dela, agora — respondeu Cassie. — O plano era que ele dirigisse a fábrica depois de se formar. — Então, ele seria o único a sofrer. — Diane acenou com a cabeça, aprovando. — Como é, o que vai ser? Se não um incêndio, o quê? Antes que Cassie pudesse apresentar uma sugestão viável, Roger aproximou-se com sua bandeja. Cassie olhou para ela e fez uma careta. — Quatro cachorros-quentes? — Eu gosto de cachorro-quente — explicou ele, amável. — Rodelas de cebola e milk-shake de chocolate também! — notou Diane, com repulsa. — Talvez na volta para o hotel seja bom pararmos numa farmácia para comprar antiácidos. — Não vou voltar para o hotel — avisou Roger, ajeitando as longas pernas embaixo da mesa. Meio de lado no banco, pegou um dos cachorros-quentes e devorou metade de um na primeira mordida. — Vai a algum lugar com ela? — Diane indicou com a cabeça a moça na janela que anotava os pedidos. — Cuidado, é muito novinha ainda! Roger riu. — Vou ao estúdio verificar as filmagens do dia — informou. — Bom menino! Não queremos que você se meta em encrencas. — Roger nunca se mete em encrencas. Havia um toque de inveja na voz de Cassie. Ela estava metida numa encrenca, uma grande encrenca emocional. E Diane estava fazendo o possível para envolvê-la numa encrenca maior ainda. Como se já não fosse ruim o bastante ela estar imaginando como sabotar a Móveis Keene de algum modo, Diane recomendava um incêndio! Se não fosse a pressão da amiga, não estaria pensando em atos criminosos. Teria dado um chute em Phillip e voltado para casa... sentindo-se derrotada. Pensando bem, com um incêndio poderia passar alguns anos na cadeia, mas pelo menos teria a satisfação de marcar um ponto. Contudo, pensando melhor, talvez não. Sem dúvida a fábrica devia ter um seguro adequado. Os únicos que iriam sofrer seriam os funcionários, que ficariam sem trabalho até a fábrica ser reconstruída. Enquanto isso, Phillip estaria feliz da vida, casado com Trícia. Estariam em plena lua-de-mel comentando sobre a pobre Cassie que enlouquecera e nunca mais poderia ser deixada a sós com uma caixa de fósforos; — Quem diria que ela era uma psicopata? PROJETO REVISORAS 66


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— Incêndio, não — repetiu, balançando a cabeça. Roger ficou parado, o cachorroquente a meio caminho da boca. — Hein? Perdida nos pensamentos, Cassie esquecera que Roger estava à mesa. — Nada — respondeu. — Não tem importância. — Você está achando que vou incendiar alguma coisa? — Não. Eu só... — Cassie olhou para Diane, procurando apoio, mas ela sacudiu os ombros e riu. — — Eu estava pensando numa idéia para o programa. — Você quer que o Rodas dos Sonhos mostre um incêndio? — Esqueça isso, Roger. Antes que ele pudesse fazer mais perguntas, apareceu uma distração: Trícia Riggs. Ela entrou no estacionamento da Tilly's num cupê vermelho, conversível, fazendo voar cascalho. Ouvia-se a música vinda do aparelho estéreo do seu carro. Com óculos de sol e os cabelos presos num rabo-de-cavalo, Trícia parecia tão jovem quanto a garota que anotava os pedidos na janela e as adolescentes que tomavam sorvete na mesa ao lado. Cassie imaginou se a moça estava ali para tomar um lanche duvidoso na Tilly's. Essa era uma atividade arriscada, tão perto do casamento. E se ela comesse um hambúrguer com fritas, depois tomasse um sorvete e ficasse com espinhas no rosto ou não entrasse no vestido de noiva no sábado? Mas, pelo jeito, Trícia não tinha ido lá para comer. Anunciando sua felicidade geral num amplo sorriso, dirigiu-se para a mesa onde Cassie se encontrava com os colegas. — Olá! — cumprimentou. — Posso me juntar a vocês? Por baixo da mesa, Diane cutucou Cassie com o pé, fazendo-a olhá-la de imediato. No rosto de Diane estava estampada a pergunta O que está acontecendo?, e Cassie respondeu com um sacudir de ombros quase imperceptível. — Será um prazer — respondeu Roger, indicando o lugar a seu lado no banco. O sorriso de Trícia ficou ainda mais amplo quando sentou-se perto dele. — Não quer comer alguma coisa? — perguntou Cassie. — Aqui? — Trícia franziu o nariz. — Não quero, obrigada. Cassie riu e deu uma mordida em seu hambúrguer. — Foi maravilhoso ver vocês filmando hoje! — Trícia empurrou o óculos para o alto da cabeça. — Não se importam se a gente olhar, não é? A pergunta era dirigida aos três, porém o olhar dela estava em Roger. — Você era apenas uma que olhava entre muitos — assegurou Cassie. — Eu não pensei que tanta gente quisesse assistir à filmagem. — Como havia pessoas demais ao redor — comentou Diane —, vamos ter de verificar o som gravado para ver se não há nenhum barulho ao fundo. — O pessoal ficou bem quieto — observou Roger. — Não acredito que vá haver tanto ruído que nos obrigue a filtrar o som. Trícia riu, alegre. — Adoro ouvir vocês falando, é tão espetacular! Cassie olhou para a mulher que tinha a sorte, ou o azar, de se casar com Phillip. Trícia era agradável. Mais do que agradável, era meiga e extraordinariamente animada. Era possível entender por que os homens se sentiam atraídos por ela. Mas não Phillip. Ele era tão inteligente! Impossível imaginá-lo conversando com Trícia sobre os relativos méritos do filme de Bunuel A Bela da Tarde. Ela era muito engraçadinha, mas não tinha a menor profundidade de espírito. Por que ele a escolhera? De todas as mulheres com as quais poderia tê-la traído, por que Trícia Riggs? PROJETO REVISORAS 67


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— Estou surpresa por você ter tempo de nos ver trabalhando hoje. — Cassie falava cautelosamente, atenta à expressão de Trícia. — Não tem um milhão de coisas para fazer antes do casamento? Trícia inclinou a cabeça para trás e riu. O sol que declinava pôs reflexos de cobre nos cabelos dela. — Mais do que um milhão, mas minha mãe pode fazê-las. De qualquer modo, sei que ela prefere que eu não esteja por perto. Nós duas juntas só conse guimos discutir. — Trícia ficou séria. — Você já foi casada, Cassie? O modo pelo qual Trícia fez a pergunta fez Cassie pensar. Pelo visto ela achava que no momento não estava casada, senão teria perguntado "Você é casada?". Será que dava a impressão de ser divorciada? Talvez até nem fosse muito diferente de uma divorciada. Dera seu amor a um homem, ele prometera seu amor a ela e em seguida desaparecera da sua vida. — Não — respondeu, com uma certa veemência. — Nunca fui casada. — Então, não pode compreender... O tom alegre com que Trícia disse isso implicava que não tinha mais motivos para inquirir sobre a vida sentimental futura de Cassie. Aliás, ela parecia não ter interesse por nada que fosse futuro. Era preciso ter um certo grau de profundidade mental para conseguir pensar adiante, e Trícia nada tinha de profundo. — Minha mãe é quem decide como tudo deve ser - explicou ela. — Devo usar isso, carregar aquilo. Essas pessoas devem sentar-se aqui; aquelas, lá. Tia Lorraine não pode sentar-se perto de tio Félix porque tia Lorraine não convidou tio Félix para a festa de formatura do Joey, porque quando Joey fez doze anos tio Félix deu de presente a ele um galheteiro e havia traços de sal no saleiro e de pimenta-do-reino tipo pimenteiro, o que significava que tinha sido usado antes que o dessem de presente a Joey e, de qualquer modo, quem dá um galheteiro de presente a um menino de doze anos, pelo seu aniversário? Então, Lorraine e Félix não se falam mais e precisam ficar sentados o mais distante possível um do outro. É só com essas coisas que minha mãe se preocupa, e isso me deixa louca! Sem profundidade, porém era de fato uma moça agradável, admitiu Cassie. Gostaria que Phillip fosse casar-se com uma megera e não com alguém tão bonita e simpática. Talvez seria castigo bastante ter de passar o resto da vida com uma mulher que falava sem parar em galheteiros e entrar para uma família que incluía tio Félix, um senhor que dava presentes inúteis e usados. Qual seria o finíssimo presente que tio Félix destinara aos noivos? Copos usados? Caldeirões e caçarolas com traços de comida queimada dentro? Cassie e Diane haviam comprado de presente um jogo de argolas de prata para guardanapos com dois castiçais combinando; tratava-se de um presente inquebrável, ideal para ser colocado dentro de uma mala e transportado no avião. Cassie imaginou colocar dois tocos de velas vermelhas nos castiçais antes de entregar o presente aos noivos. Para que pensassem que haviam sido usados. Para que a julgassem igual ao tio Félix. Isso seria ofensivo para Phillip. Mas não devia ser ofensivo para Trícia. Ela parecia tão sem culpa! Não merecia ganhar castiçais usados. Tomando seu refrigerante e observando Trícia por cima do copo alto, Cassie perguntou-se se ela merecia um hipócrita como Phillip. Talvez devesse preveni-la. Talvez devesse sentar-se com Trícia e contar-lhe tudo que havia acontecido em Boston, o que ele lhe dissera, o que prometera. Essa poderia ser a vingança. Vetou a idéia. Com toda certeza, Phillip não iria quebrar a promessa feita a Trícia. PROJETO REVISORAS 68


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Era apenas ela, Cassie, que fora traída por ele, que havia sido usada como uma vela num castiçal de prata, queimada até que nada restasse a não ser um pouco de cera derretida. Preferia sabotar a empresa dele e deixar Trícia em paz. Só porque Phillip era um canalha não significava que Cassie iria esquecer seus princípios. Um pequeno incêndio, um pouco de cola de madeira bem aplicada ou qualquer outra coisa, mas protegeria Trícia, se pudesse.

CAPÍTULO OITO Trícia não conseguia acreditar que se achava sentada a uma das mesas da Tilly's com um grupo de pessoas da televisão que conversavam com ela como se fosse sua igual. Sentia vontade de inclinar a cabeça para trás e gritar "Viva Hollywood!", se bem que soubesse que eles eram de Boston, não de Los Angeles, e que um canal de tevê estatal era bem diferente das telas do cinema. Talvez, em vez disso, devesse entoar a frase "Não existe Arte como a do show business". Até mesmo programas de tevê para crianças de uma emissora do governo eram qualificados de show business. Mas, pensando bem, não iria cantar. Se o fizesse, Roger e as moças poderiam pedir que parasse. Tinha uma voz horrível. Os pássaros voavam espavoridos quando ela cantava. Filhotes de cachorro ganiam e corriam para esconder-se, e as pessoas imploravam para que se calasse. Ela apenas se imaginara cantando, porque assistir à filmagem naquele dia na Móveis Keene fora excitante demais para não entoar louvações a respeito. Vira luzes, câmeras, ação. Vira Roger filmando, Cassie dirigindo Richard e outros funcionários da fábrica que haviam trabalhado diante da câmera; vira Diane correndo para todo lado com sua prancheta, parecendo por demais importante. As câmeras, as pessoas falando sobre as áreas da marcenaria em que eram peritas e a energia rolando por toda a fábrica o dia inteiro... tudo havia sido excitante. Porém, mais excitante era ver um artista trabalhando. Roger parecia tão confiante espiando através das lentes das câmeras, tão suave movimentando a câmera manual ao redor, tão descontraído entre as várias tomadas! Dava impressão de que a câmera era parte dele, uma extensão do seu braço. Era como se tivesse corpúsculos cinematográficos misturados aos glóbulos vermelhos e brancos do seu sangue. Pelo que Trícia sabia, o espetáculo da filmagem de um programa infantil não causava a menor curiosidade em Boston; se alguém estivesse filmando alguma coisa numa das ruas da cidade, as pessoas agiriam naturalmente, sem se importar. Se os bostonianos vissem Roger numa calçada com a câmera na mão não olhariam para ele duas vezes. Seus longos cabelos loiros? Sem nenhuma importância. A aparência magra de espantalho? Comum. A camisa de flanela gasta, fora da calça e desabotoada até o meio do peito, com as mangas enroladas até pouco abaixo dos cotovelos, revelando uma parte da flor tatuada, e por baixo uma camiseta branca com a inscrição "Plus ça change..." escrita em azul-marinho no peito? As botinas negras que pareciam ter sido herdadas de um marine aposentado? Em Boston ninguém prestava atenção em nada disso. PROJETO REVISORAS 69


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Mas Trícia prestava atenção. Ele era tão diferente das pessoas que via em Lynwood! Seus olhos eram azuis, de um azul-claro, e a frase em francês, escrita em azul-marinho na camiseta, fazia sobressair a cor de seus olhos. No pulso esquerdo ele usava um relógio ] enorme. Ela imaginou se relógios grandes eram um acessório especial que os cinegrafistas precisavam, porque tinham de controlar o tempo exato de cada tomada. Cassie também tinha um bonito relógio grande. O de Diane parecia ordinário, mas bem maior do que o seu, que era de ouro e com pulseira também de ouro. Trícia não observara apenas Roger durante o dia de filmagem. Observara também Cassie e Diane. Elas eram interessantes, não exatamente do mesmo modo absorvente que Roger, pois, é claro, eram mulheres e havia um limite para o tempo que Trícia queria despender olhando para elas. Gostara de assisti-los trabalhar. Cassie era o que seu pai chamaria de "garota esperta", pequena, porém cheia de energia. Dava impressão de movimentar-se pela vida como uma bala de revólver, movendo-se tão rapidamente que fazia o ar assobiar quando passava. Diane era mais calma, mais lenta do que Cassie e agitava sua prancheta para todos os lados, de maneira que ninguém a ignorava. Trícia duvidava que pudesse ter como amigas mulheres iguais a Cassie e Diane. Eram muito diferentes dela, que podia chamar a atenção do mesmo modo que Cassie chamava, mas seu estilo nada tinha a ver com o dela. O de Cassie repousava mais na forte personalidade, dominando o pessoal na marcenaria com um sorriso, sem precisar elevar a voz ou fazer ameaças. Ela irradiava autoridade e todo mundo fazia o que mandava. Não flertava com as pessoas, como era hábito de Trícia. O estilo de Trícia baseava-se no encanto. O de Cassie na disposição, na sensatez. Sensatez. Era isso que faltava em Trícia. Tinha algumas enormes vantagens a seu favor: a beleza, a riqueza do pai, a proeminência social da mãe, seus lindos cabelos com reflexos de bronze e a encantadora meiguice. Ela havia sido a líder de torcida do colégio de Lynwood, o que realmente dizia tudo. Mas não tinha um mínimo de sensatez. Nem um pouquinho mesmo. Perguntava-se se sensatez era necessária para impressionar um rapaz da cidade grande como Roger. Ele não parecia ser o tipo de homem que se impressionava com muita coisa. Seu sorriso era simpático, sedutor, e não formidavelmente inteligente. Ele parecia... distante, porém era suave. Um tanto entediado, como se pouca coisa fosse capaz de atingi-lo. Durante o dia inteiro na fábrica ela fora como a sombra dele, ficando o mais perto que podia sem atrapalhá-lo, de modo a poder observar sua técnica. Na verdade, achava que não seria preciso muita técnica para filmar Richard Bausch discorrendo a respeito de verniz e laqueado, mas assim mesmo ela jamais seria capaz de fazer algo parecido. — Eu acho tão fascinante o que vocês fazem! Trícia falou com entusiasmo, apesar de que o que eles faziam no momento era comer na lanchonete Tiily's, que tinha a fama de ser a pior de Lynwood. Cassie sorriu. Rolando os olhos, Diane respondeu: — O que fizemos hoje não é muito mais importante do que orgulhosos papais fazem com suas minifilmadoras no aniversário dos filhos. Ou em casamentos. Você vai filmar seu casamento em vídeo? Trícia negou enfaticamente com a cabeça. — Decidimos que seria deselegante. O casamento é uma instituição muito solene. — Numa igreja, talvez — contrapôs Diane. — Ma até que ponto é solene num clube de campo? Trícia desviou os olhos para não ter de fitar Diane diretamente. Concluiu que não gostava dela. Ninguém devia questionar as decisões de uma noiva. Seria o casamento de Trícia, portanto ela e a mãe é que deviam especificar como seria, deixando uma pequena PROJETO REVISORAS 70


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porcentagem de decisão para o noivo. Cabia a elas resolver se a cerimônia seria numa igreja ou num clube de campo, se a noiva iria se vestir de branco ou de verde-amarelado, se alguém iria registrar o acontecimento num filme ou não. A noiva e a mãe dela é que decidiam e todos deviam dizer "Que idéia maravilhosa!" Estava implícito que elas não tomariam nenhuma decisão que não fosse pelo menos cem por cento fabulosa. — Eu não a culpo por não querer gravar seu casamento em vídeo — disse Cassie. E Trícia concluiu que sim, gostava muito mais dela do que de Diane. — Quando há uma câmera em ação em qualquer lugar, todos começam a representar para ela. Como Richard Bausch na fábrica, hoje. Ele não estava explicando as propriedades da madeira para mim. Estava explicando para a câmera. Isso fica bem quando você está sendo filmada para um show de televisão, mas um casamento não é um show. Nessa ocasião o noivo e a noiva devem falar um com o outro e não com uma câmera. — E verdade — concordou Trícia. Então, virou-se para Roger, querendo que ele não se sentisse fora da conversa. — Você também acha que isso é verdade, Roger? — Eu nunca pensei no assunto, nem de um jeito, nem do outro — admitiu ele. Sorriu e seus olhos brilharam. Se ele se barbeasse e cortasse os cabelos, seria outra coisa. Mas, claro, a barba e o rabo-de-cavalo faziam dele um tipo, um "alguém". Um alguém imponente. — Eu gostei demais de ver vocês filmando na fabrica — afirmou ela, esperando não parecer completamente vazia. Ele sacudiu os ombros. Seus braços pendiam soltos, como se controlados por fios invisíveis, como os de uma marionete. — Se você vir isso muitas vezes, torna-se comum, e nós já o fizemos vezes sem conta, não? Ele sorriu para Diane e Cassie, por cima da mesa. — Bem, para mim é novidade — insistiu Trícia. — Parece-me tão complicado! Quando se constrói uma cadeira, por exemplo — ela procurou considerar o objeto que eles haviam filmado o dia inteiro — É algo palpável. Uma peça vai aqui, outra peça vai ali, aplicam-se parafusos e cola de madeira, lixa-se e passa-se verniz ou cera. Já um programa de tevê... — É quase a mesma coisa — garantiu Roger, olhando para Cassie em busca de confirmação. Ela assentiu. — Realmente é. Você faz uma cena aqui, outra ali, depois as cola, juntando-as, e forma o todo. — Mas vocês não têm as peças — retrucou Trícia, — Vocês só.têm um filme. — Um vídeo não é um filme — explicou Cassie. — Nós gravamos as cenas completas é trechos com detalhes, quando editamos, cortando e colando, colocamos o vídeo na ordem que quisermos. — Então, quer dizer que não gravam tudo em seqüência? Como, por exemplo, primeiro cortar a árvore, serrar os troncos formando tábuas, depois trabalhando essas tábuas e assim por diante? — Não é como filmar um casamento — observou Diane. — Vemos a fita — esclareceu Cassie —, e verificamos onde precisamos mais de uma cena ou de outra, se alguma coisa não ficou bem filmada. Refazemos a gravação no caso de algo não sair certo, como a qualidade do som não estar boa ou se a luz for ruim; por exemplo, no caso, se o rosto de Richard tiver ficado na sombra, teremos de refilmar aquele trecho. E esse tipo de coisa. Depois de havermos verificado tudo e estarmos PROJETO REVISORAS 71


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certos de que está como é preciso, levamos o vídeo para o estúdio em Boston, onde o editamos. — É você que faz a edição? — perguntou Trícia a Roger. Ele era o câmera, afinal. Era um artista. Ela gostava de pensar que ele editava o filme, também. — Cassie faz a maior parte da edição — respondeu Roger. — Mas nós dois participamos — acrescentou Diane. — Temos editores em Boston que também trabalham nas fitas que levamos — explicou Cassie. — Roger vai assistir às fitas esta noite para ver se precisamos refilmar alguma coisa das cenas que fizemos hoje. — E verdade? Esta noite? Onde? — No estúdio de retransmissão de tevê, na rua dos Bordos — disse Roger. — Ele estão nos deixando usar seus equipamentos. — Formidável! Trícia achava sensacional que Roger pudesse ver as fitas que gravara durante o dia ali mesmo, na sua cidadezinha. — Como é que se chama? — prosseguiu. — Esperem, não digam... — Ela ergueu a mão como um policial rodoviário indicando a um carro que parasse. — "As tomadas do dia", não é isso? Vi filmes onde eles chamam isso de "as tomadas do dia". Ela adorava a terminologia do show-biz. Roger ergueu uma sobrancelha para Cassie, depois dirigiu-se para Trícia e sorriu. — Se você estiver interessada, talvez possa juntar-se a nós quando formos assistir às tomadas do dia. Tudo bem, não é? Ergueu de novo uma sobrancelha para Cassie. — Claro, tudo bem. — Posso ir mesmo? — Trícia quase engasgou. — Vão me deixar ver as tomadas do dia? — Você não está muito ocupada com os últimos preparativos do casamento? — perguntou Diane. — Esta noite, não — garantiu Trícia, firmemente convencida de que não gostava de Diane. — Está tudo planejado e correndo sem incidentes de acordo com os planos. Todos os pontos já foram verificados e reverificados. Além disso, minha avó vai receber hoje suas amigas do clube para sobremesa e café, minha mãe pode querer que eu vá ajudá-la, mas francamente, mereço uma noite de folga. A mãe dela achava que Trícia poderia ganhar um monte de pontos estando presente ao café e sendo agradável com as senhoras de Lynwood. Mas Trícia conhecia todas as associadas do clube, elas a tinham visto crescer. Já comparecera a muitas reuniões do clube e ajudara sua avó a servir os doces e o café; todas aquelas senhoras de cabelos azuis tinham feito embaraçosos comentários sobre como se lembravam de quanto Trícia tinha três aninhos de idade. Adoravam comentar como ela pronunciava o c como t e o g como d, e que quando vira o ônibus escolar pela primeira vez dissera: "Olha que tarro dande!" Se Trícia fosse à casa de sua avó nessa noite, teria de sorrir educadamente enquanto as velhas senhoras contavam a história do "tarro dande" pela milionésima vez. Além disso, quando gente de cinema iria estar na cidade de novo? Quando ela teria outra vez a oportunidade de ver as tomadas do dia de um programa de televisão? — Eu realmente gostaria de ir assistir às fitas — afirmou. — Se vocês não se importarem mesmo... —- Na verdade, isso vai ser ótimo — disse Diane, e tomou o que restava do seu refrigerante. — Cassie e eu temos uma outra coisa para fazer esta noite. Então, Trícia, se PROJETO REVISORAS 72


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não houver problema, você pode levar Roger ao estúdio no seu carro, assim Cassie e eu podemos sair no nosso. Acha que dá? — Melhor ainda — interferiu Cassie, olhando o carro de Trícia por cima do ombro. — Por que vocês dois não vão no carro alugado e você nos aluga o seu, Trícia? Trícia riu. — Vocês não podem alugar o meu carro. Se eu deixar outra pessoa dirigi-lo, meu pai tem um ataque cardíaco. Roger engoliu o último pedaço do último cachorro-quente. — Por que não vamos indo, então? Eu estava mesmo farto de andar nesse carro alugado, pequeno para as minhas pernas. — Olhou para o automóvel de Tricía e piscou para Cassie e Diane. — Pelo menos, um de nós sabe viver bem. — Não se vanglorie, Roger! — advertiu Cassie. Quem tinha ímpetos de se vangloriar era Trícia. Ter um cinegrafista profissional, vivo e real como seu passageiro era uma honra. Ninguém que conhecia havia jamais transportado um cinegrafista em um carro, nem havia passado parte da noite assistindo a tomadas do dia. Esta era, em definitivo, a coisa mais excitante que já fizera na vida. Bem, aquele era um pensamento esquisito. Ela iria casar-se no sábado, numa elegante e caríssima cerimônia, tão refinada que não haveria sequer alguém gravando um vídeo, no entanto ali estava achando que passar parte da noite assistindo a fitas do um programa de tevê para crianças era a coisa mais excitante que poderia lhe acontecer. Talvez não fosse um pensamento tão estranho assim. Todos no mundo, ou pelo menos em Lynwood, que era a definição de mundo para Trícia, casavam-se, cedo ou tarde. Todos achavam que Trícia e Phillip formavam o casal perfeito. E era verdade. Iriam casar-se e levar uma vida perfeita em Lynwood. Ela não tinha do que se queixar. A não ser... que era tudo muito sabido. Esperado, uma coisa típica de Lynwood. Quando Roger se pôs em pé e pegou suas câmeras no banco junto à janela, Trícia olhou para a própria mão esquerda. O brilhante em seu dedo piscou para eIa, lembrandoa de que fosse o que fosse que fizesse com Roger Beckelman naquela noite, não seria nem remotamente significativo em sua vida como iria ser o fato de se casar. Excitante, talvez, mas não significativo. Depois daquela noite, depois de ver as tomadas do dia e talvez aprender algumas coisas sobre o show business com Roger, iria viver o resto de sua calma e incolor vida de casada com Phillip. Essa poderia ser a sua última chance de dar um pulo para o lado selvagem da vida. Ou um passeio pelo lado selvagem com a capota arreada e Roger Beckelman no assento a seu lado, os longos cabelos agitados pela brisa. — Que coisa mais incrível! — exclamou Diane. — Espantosa! Você vê alguma possibilidade aí? Infelizmente Cassie via possibilidades que a faziam sentir-se desconfortável. — Sei o que está pensando — avisou —, e quero deixar uma coisa bem clara. Roger não vai fazer parte de nenhum plano que você e eu decidamos pôr em prática. — Ele já está fazendo parte dos nossos planos — frisou Diane. — O plano de vir para Lynwood, há alguns dias, lembra-se? O plano de usar esta viagem para rodar algumas cenas para Rodas dos Sonhos,, assim teríamos oportunidade de vir com tudo pago e não perderíamos nenhum dia das nossas férias. — Está bem. Mas não combinamos de juntar Roger e Trícia Riggs. — E não juntamos. — Diane falava bem devagar, como se estivesse lidando com uma criança pequena. — Eles se juntaram sozinhos. — Trícia é uma ingênua. — Cassie sentia o impulso de sacudir a amiga pelos ombros. — Olhe só para ela! Está a ponto de se casar e se preocupa com o modo pelo qual seu pai vai reagir se emprestar o carro a alguém. Ela é como uma menininha! Não PROJETO REVISORAS 73


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lera idéia do que está fazendo com Roger. — Claro que ela tem idéia — garantiu Diane. — O que está fazendo é dar um pequeno vôo antes de se casar. Agora, tudo que temos a fazer é ter certeza de que esse vôo irá o mais longe possível... e que Phillip fique sabendo. Diane esfregou as mãos, animada. O sorriso dela ora estranhamente maldoso. — Não quero usar Roger — protestou Cassie. — Não se preocupe com Roger. Ele não é nenhum bobo. Sabe como tirar o máximo proveito de uma situação. Lembrar-se da primeira impressão que Roger tivera de Trícia, que ela estava madura e impaciente, causou mal-estar em Cassie. Roger poderia passar bons momentos com Trícia, mesmo que tudo que fizessem fosse assistir às tomadas do dia. Que homem não gostaria de ter uma mulher madura e impaciente a reverenciá-lo como se ele fosse um deus descido do Olimpo para passar alguns momentos entre os mortais? De qualquer maneira, para Cassie era uma coisa querer castigar Phillip e outra, muito diferente, envolver Roger e Trícia no esquema. A expressão "ocasiões propícias" começou a pulsar como um anúncio de néon em sua cabeça. — Pare de se preocupar com eles — repreendeu-a Diane. — Os dois sabem se cuidar. São adultos. — Não tenho certeza de que Tricia seja — resmungou Cassie. — Vamos voltar ao Plano C. — E qual era ele? — Sabotar a fábrica. — Certo. — Diane levantou-se e foi jogar sua bandeja de papelão na lata de lixo. — Incêndio. — Eu não concordei com o incêndio. — E eu repito que você é uma covarde. — Diane pegou a bandeja de Cassie e foi também jogá-la fora. — Por que não voltamos à fábrica e vemos o que podemos inventar? Cassie entregou as chaves do carro a Diane e sentou-se no banco do passageiro. Estava nervosa demais para dirigir. Não tinha certeza do que a perturbava mais: se a perspectiva de arrasar a empresa de Phillip, de preferência de algum modo que não envolvesse latas de querosene e caixa de fósforos, ou a noção de que Roger e Trícia estariam num lugar muito aconchegante. Por um motivo que não identificava, deixar aqueles dois sozinhos e por conta própria parecia-lhe mais incendiário do que pôr fogo na Indústria de Móveis Keene. O sol estava baixo no céu, pondo uma tonalidade alaranjada no pára-brisa enquanto Diane dirigia para oeste, pela rua Principal, em direção à Móveis Keene. Cassie olhou o relógio. Quase sete horas. Provavelmente a fábrica estaria deserta, o portão fechado. Ela e Diane não poderiam entrar, a menos que o fizessem através do rio, uma vez que é impossível colocar cerca num rio. Se pudessem chegar ao rio e ir andando pela margem, entrariam com certa facilidade. Para surpresa de Cassie, quando Diane entrou pela estradinha que dava na fábrica, viu que o portão estava aberto e que ainda havia alguns carros no estacionamento. Um deles era o Mercedes de Phillip, e ela sussurrou; — Phillip está aí. — Não tem importância. O prédio é enorme. Podemos evitar de encontrar com ele, se for preciso. — Diane dirigiu até um dos locais marcados do estacionamento, parou e desligou o motor. — Você poderá usar a estratégia da tentação de novo. — Esse era o Plano D e já o abandonamos — lembrou-a Cassie. Por sua vez, lutou para não lembrar-se do que havia acontecido entre eles quando PROJETO REVISORAS 74


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os dois, ela e Phillip, tinham sucumbido à tentação. — O Plano A era causar confusão no casamento. O Plano B era castrar Phillip. O Plano C, destruir a empresa. O Plano D, seduzir Phillip... Estamos de acordo? — Sim, e prosseguiremos com o Plano C — confirmou Cassie. — No entanto, eu digo que não devemos esquecer o Plano B. Ou o Plano E, também... esse negócio entre Roger e Trícia. Eles estão bem à mão. — Diane tirou a chave da ignição e saiu do carro. — Vamos nos separar quando estivermos lá dentro e dar uma espiada. Talvez nos venha alguma inspiração. — Vai ser hoje... — resmungou Cassie. — Está bem. Você fica com o térreo e eu com o primeiro andar. Ela não queria nem sequer passar por perto da porta do banheiro dos homens do térreo, cenário da cena erótica daquela manhã. Chegaram à porta de entrada, que estava fechada, e através do vidro viram um segurança uniformizado que parecia orgulhoso em sua farda cinza e um walkie-talkie' pendurado no cinturão. Ele observou bem as duas mulheres pelo vidro, depois abriu um pouquinho a porta. Antes que pudesse, perguntar alguma coisa, Diane sorriu e disse: — Olá! Somos da equipe de tevê que esteve filmando aqui hoje. Deixamos alguns equipamentos e queremos saber se podemos pegá-los. Cassie jamais desconfiara da habilidosa dissimuladora que sua amiga era. Não tinha certeza se estava admirada ou nervosa com a evidente desonestidade de Diane. O guarda abriu inteiramente a porta. — As senhoras precisam assinar aqui — informou-as. Cassie forçou um sorriso. Ao contrário de Diane, faltava-lhe talento para mentir. Tinha certeza de que parecia tão culpada quanto um gato com penas de um canário na boca. Mas se o guarda notou alguma pena nos lábios dela, não fez nenhum comentário. Ela e a amiga assinaram os nomes no livro de visitantes e depois Diane disse-lhe: — Você vai pegar as coisas que estão lá em cima e eu pego o que ficou na marcenaria. Dada a exagerada explicação, Cassie percebeu que o recado era para o segurança. Como não confiava na própria voz, apenas fez que sim e dirigiu-se para a escada. A meio caminho para o andar de cima, olhou pelo corrimão e viu o guarda acomodar seu volumoso corpo numa cadeira estofada junto à porta e pegar um exemplar de Esportes Ilustrados. Essa atitude não a acalmou quanto deveria. Só porque ela e Diane haviam passado pelo guarda não queria dizer que poderiam passar por alguém mais no edifício, sobretudo por Phillip. Tratou de livrar-se do nervosismo e continuou até o topo da escadaria, procurando fazer o mínimo barulho possível. Uma vez lá em cima, entrou num corredor com portas dos dois lados. A maior parte delas estava fechada, mas algumas haviam sido deixadas abertas. Por uma das portas abertas vinha um facho de luz que formava um retângulo torto no tapete. Cassie aproximou-se da porta na ponta dos pés. A medida que chegava mais perto foi ouvindo vozes que vinham lá de dentro. Vozes masculinas. Uma era de Phillip. Ela prendeu a respiração e deslizou para a porta adjacente, na qual estava escrito Senhoras, e empurrou-a, esperando que não estivesse fechada. A porta abriu-se, ela entrou e recusou-se a respirar até que se fechou de novo. Aquele toalete cheirava menos a desinfetante do que o dos homens, lá embaixo, observou assim que sua respiração voltou ao normal. Não se atreveu a acender a luz; se o fizesse, poderiam ver a luminosidade entre a porta e o chão. Pelo menos não havia mictórios nos quais esbarrar quando deslizou contra a parede, procurando acalmar-se. PROJETO REVISORAS 75


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Fechando os olhos, encostou a cabeça na parede. Para sua surpresa pôde ouvir as vozes quase claramente. Phillip e seu visitante deviam estar em pé do outro lado, junto à parede. Não era bonito ouvir a conversa dos outros, mas ela estava ali em missão de reconhecimento, não estava? Então, por que perder a oportunidade? Apertou a orelha contra a parede e ouviu. — ...deveria ter sido paga no primeiro dia do ano 2000 — dizia a voz que não pertencia a Phillip. Era uma voz comum, sonora e grave. — Este realmente não é o momento — retrucou Phillip. — Quando vai ser o momento? O novo século se aproxima e... — E ele vai estar aqui no ano que vem e no seguinte... portanto, pare de me pressionar. — Eu não estou pressionando. — É exatamente o que você está fazendo. Pressão é a sua arma preferida. — Você fala como se fosse uma guerra. Somos uma família. Esqueça as armas e vamos resolver este problema. — Eu já disse tudo que tinha a dizer. Se quer ir falar com meu pai, vá. Não posso detê-lo, Harry. Você vai fazer o que achar que deve. — Seu pai é como um irmão para mim — disse a voz grave —, e você é como um filho. — Então, deixe-me em paz! Seguiu-se um silêncio longo e tenso. Cassie imaginou com quem Phillip estaria, com quem falava com tanta falta de respeito. Com um homem que o considerava como um filho? Um homem que dizia que eles formavam uma família? Phillip estava zangado, se bem que outras emoções pareciam estar misturadas em sua disposição. Pelo menos assim parecia, a não ser que a parede estivesse distorcendo sua voz. Ele poderia estar sorrindo quando dissera ao outro que o deixasse em paz. Poderia ter sorrido imediatamente depois ou murmurado um pedido de desculpas que a parede a impedira de ouvir. Mas estava a poucos dias do seu casamento e parecia, de fato, prestes a explodir. Por que Phillip encontrava-se no escritório da Móveis Keene às sete da noite? Por que não estava com a noiva? Aliás, naquele momento ela devia estar trocando olhares doces com Roger, enquanto seu noivo brigava a respeito de táticas de pressão e armas usadas em negócios com alguém chamado Harry. Isso não parecia a Cassie bom prelúdio para um casamento. O silêncio foi rompido por passos, abafados pelo tapete, diante do toalete feminino. Ela esperou durante um minuto, depois abriu um pouquinho a poria e olhou para fora. O corredor estava vazio. Contou até trinta, apenas para ter certeza, e só então saiu do banheiro. Nenhum som vinha da porta aberta, a sua direita. O facho de luz ainda incidia nobre o tapete. Phillip poderia estar lá. Cassie passou pela porta e continuou pelo corredor com uma sensação estranha nas costas, como se alguém a estivesse observando. A todo momento olhava ao redor, mas ninguém a seguia. A sensação de ser olhada era apenas imaginação, ou talvez sua consciência que lhe ordenava para sair imediatamente do edifício, antes que Phillip a pegasse. Abafando a insistente voz da cautela, olhou por uma das portas abertas: um depósito de material de escritório. Quem sabe ela e Diane poderiam roubar algumas folhas com o logotipo da empresa e escrever cartas que a fizessem parecer venal, PROJETO REVISORAS 76


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corrupta. Detestou a idéia. Detestava tudo que se parecesse com vingança. Não nascera para praticar a maldade. A sensação esquisita nas suas costas continuava; sentiu um arrepio na nuca e suas mãos ficaram molhadas de suor. Ignorando o impulso de ir embora, continuou andando pelo corredor. Uma antecâmara aberta levava a um escritório fechado; a placa sobre a porta dizia "Recursos Humanos". Lidar com os problemas dos empregados poderia dar dor de cabeça a Phillip, então os problemas eram passados para o diretor do RH resolver; ou seja, ele passava a dor de cabeça para outro. Suspirando, virou-se e começou a voltar na direção da escada. A porta do escritório onde Phillip estivera permanecia aberta. Diane teria tido coragem de espiar e ver o que Phillip estava fazendo, com quem discutia e ouvir o que discutia. Mas a amiga se encontrava lá embaixo. A espionagem no piso superior estava por sua conta e era bom que fizesse direito o seu trabalho. Erguendo os ombros e rezando para ter sorte, chegou até a porta na ponta dos pés e espiou para dentro. Ah, uma antecâmara. Uma antecâmara vazia. A porta atrás da escrivaninha da secretária estava meio aberta e havia luz na outra sala. Nenhum som vinha lá de dentro. Devia estar vazia também. Reunindo toda sua coragem, Cassie entrou. A outra sala era uma enorme expansão de paredes de tijolo a vista e janelas que davam para o rio. Ela notou poltronas, uma escrivaninha, estantes com livros, arquivos. Evidentemente, era o santuário de um executivo. De Phillip ou do homem de voz grave? Aventurou-se a entrar na sala, a curiosidade sobrepujando o pânico. O zunido baixo do sistema de ventilação harmonizava-se com o murmúrio do computador, o monitor estava ligado na tela de proteção, feita de desenhos abstratos e coloridos em constante movimento. Chegando perto da mesa do computador, tocou o mouse; a tela ficou branca e Cassie estremeceu. Notou um formulário de computador impresso sobre a escrivaninha. Colunas de números estendiam-se pela página: Semana de 5/5. Semana de 12/5. Categoria. Depósitos. Saídas. Lucro. Cassie não entendia muito de finanças, mas sabia que quando os números da coluna Lucro eram precedidos do sinal menos não era bom. Talvez um dos fornecedores da empresa estivesse em apuros. Talvez a Móveis Keene devesse um monte de dinheiro. Por que aquele homem, Harry, estava pressionando Phillip? Por que eles haviam falado em armas e guerra? — O que está fazendo aqui? — perguntou Phillip. Cassie virou-se, ficando de frente para a porta; bateu um pé numa das pernas da cadeira da escrivaninha, provocando um barulho surdo. Phillip encontrava-se no umbral, os olhos fixos nela. O colarinho de sua camisa estava desabotoado e a gravata, frouxa. A barba de um dia sombreando-lhe o rosto e os cabelos despenteados davam-lhe um ar de cansaço. Ele parecia amarfanhado, furioso... e incrivelmente sexy. Ela amaldiçoou a si mesma. Como conseguia pensar em sexo diante daquele homem que a fitava com um brilho homicida nos olhos? Phillip tinha a capacidade de anular o cérebro dela, de fazê-la esquecer-se do que era importante. Ele a fazia acreditar loucamente que amá-lo era mais importante do que qualquer outra coisa. Não. Não o amava. Não podia amar. Naquele exato momento ele a olhava como se quisesse torcer-lhe o pescoço. Não havia o menor sinal de romantismo nele. O pior é que Cassie não tinha nenhuma explicação para a sua presença no escritório dele. Ao contrário de Diane, não conseguia mentir com naturalidade. PROJETO REVISORAS 77


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— Sabe... — começou, procurando um modo de escapar à pergunta —, que estou ficando cansada de ouvir você perguntar "O que está fazendo aqui?" toda vez que me vê? — E eu estou ficando cansado de encontrá-la nos mais inesperados lugares, sem ser convidada ou anunciada. Aliás, ainda não ouvi a resposta a minha pergunta. Ele entrou devagar na sala. Recuando, ela bateu de novo com o pé na cadeira e vacilou. Veio-lhe à cabeça a explicação que a amiga dera ao segurança. — Diane e eu voltamos por que deixamos uma parte do equipamento de filmagem aqui... — Na minha sala? — Não. Eu só... Bem, a porta estava aberta, então eu pensei que poderia ver onde você trabalha. Isso é crime? Phillip se aproximou lentamente dela. Seus olhos estavam escuros, tempestuosos. Sua boca, a boca que a beijara com tanta paixão naquela manhã, estava contraída. — Que equipamento? — perguntou ele. — O que quer dizer, que equipamento? — ela tentava evitar que sua voz parecesse defensiva. — Que equipamento você e Diane deixaram aqui? — Ora, equipamento... — Cassie espremeu o cérebro procurando uma resposta melhor. — Algumas anotações e um fio... — Aquele fio ficou jogado no hall de entrada o dia inteiro. Eu quase caí e quebrei o pescoço tropeçando nele. Pedi a Beckelman que não se esquecesse de tirá-lo de lá quando vocês fossem embora, e ele fez isso. — Sim, bem... Diane e eu não vimos esse fio quando voltamos para o Bailey's, então pensamos que talvez... Não sei. Talvez esteja no quarto de Roger... — Cassie! Phillip continuava zangado e agora com uma ponta de exasperação. Ele devia ter tido um longo dia, pensou Cassie. Passava das sete e ainda estava na fabrica. Havia passado por uma dura discussão com alguém e aquele relatório cheio de sinais negativos na mesa dele... Tinha razão para estar nervoso. E era melhor ela parar de arranjar desculpas para ir, de se desmanchar perto dele, de sentir pena dele! Aquele homem a machucara, não? Era o homem que a traíra e partira seu coração. Ela apenas queria não sentir a angústia dele tão intensamente. Queria conhecê-Jo üm pouco melhor, assim quem sabe poderia entender por que Phillip eslava tão angustiado. — Não quero você por aqui — disse ele. Palavras nada delicadas, mas Cassie percebia um esforço na voz dele, como se fosse obrigado a dizer o que dizia. — Não quero você em Lynwood — continuou Phil-lip. — Não quero você no meu casamento. Não quero você no meu escritório. — Você me quis hoje de manhã... — lembrou-o ela. Phillip fechou os olhos, respirou fundo e tornou a abri-los. A raiva desaparecera e restava apenas a profunda angústia que Cassie já percebera. — Claro que eu quis — murmurou Phillip, e uma luz parecia irradiar-se de algum lugar dentro dele. — Claro que eu quis — repetiu, segurando o rosto dela com as duas mãos. Permaneceu algum tempo segurando-o, como se estivesse procurando decidir onde beijaria primeiro. Ela não podia beijá-lo. O Plano D havia sido posto de lado. Se o beijasse, seria PROJETO REVISORAS 78


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demolida antes de demolir Phillip. — Por que há tantos sinais de menos naquele papel? — perguntou de repente. Ele endireitou-se e soltou seu rosto. — Sinais de menos? -— Ali — ela indicou a folha sobre a mesa dele. Phillip olhou de relance e hesitou, pensando na resposta. — Há sinais de menos — respondeu por fim —, porque essa loja está operando em prejuízo. — Que loja? Uma loja que vende os Móveis Keene? — Uma loja da nossa propriedade, que faz vendas a varejo. Ele deu um passo para trás, dando algum espaço a Cassie. O coração dela acalmou-se um pouco. O beijo já não era iminente. "Mas você não tem nada a ver com isso", Phillip pensou em acrescentar. Como se lesse seu pensamento, Cassie falou: — Você costumava conversar comigo sobre os seus negócios, lembra-se? Em Boston, contou-me como pretendia expandir a empresa, que achava que com o incremento de construções de casas as pessoas iriam comprar mais móveis. Era tempo de crescer, uma grande oportunidade para a Móveis Keene, e você pretendia abrir lojas de vendas a varejo. — Ela mesma surpreendia-se por lembrar-se de tantos detalhes. — É o que essa loja é? — O que isso é... — Ele olhou irritado para o papel, depois afastou-se da escrivaninha. — Isso é um desastre. Uma decepção. Um fracasso. — Oh... Então, queria dizer que aqueles sinais de menos significavam que a loja da Móveis Keene estava perdendo dinheiro. Cassie aproximou-se mais da mesa e olhou o papel com mais atenção. Alguns dos números adiante dos sinais negativos eram bem altos. Realmente altos. — É mesmo tão ruim? Ele riu amargamente. — Você não pode imaginar quanto é ruim. — Claro que eu posso — disse ela instintivamente. — Somos amigos, Phil, e eu... Calou-se. Como poderiam ser amigos se ele estava determinado a se casar com outra mulher e ela, Cassie, estava determinada a destruí-lo? No entanto, antes de ele se determinar a se casar com outra e ela se determinar a destruí-lo, haviam sido amigos. Antes de serem amantes, eram amigos. Bons amigos. Amigos muito chegados. Amigos carinhosos, compreensivos. E se a empresa de Phillip estava indo mal, se esta era a pressão que o esmagava, a guerra que ele estava lutando, ela queria saber. Phillip atravessou a sala e foi até uma das janelas. Voltou-se para Cassie com a luminosidade do crepúsculo recortando sua silhueta contra o céu. Assim mesmo ela conseguia discernir sua expressão. Conhecia cada detalhe daquele rosto, cada nuança. Sabia que os olhos estavam tristes e que a boca se entreabria num seco, triste sorriso. — A Móveis Keene está afundada em dívidas — confessou Phillip. — Meu pai expandiu a empresa depressa demais e pegou muito dinheiro emprestado. O pai de Trícia foi quem emprestou todo esse dinheiro. Se não pagarmos as dívidas será a ban carrota e Harry Riggs vai ficar com tudo. As palavras eram pronunciadas umas atrás das outras com profunda calma, como a correnteza suave do rio lá fora. No entanto, aquele mesmo rio de vez em quando tinha trechos rápidos, que erodiam as margens e causavam destruição a sua passagem. — É por isso que vai se casar com Trícia? PROJETO REVISORAS 79


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— Não — respondeu Phillip, desviando o olhar; lá para~fora. — Então, por que vai se casar com ela? Um interminável minuto passou antes que ele falasse, com a voz fria e dura. — Vou me casar com ela porque a amo. As palavras ressoaram no coração dela mas não causaram mal porque Cassie não acreditou nelas. — O pai de Trícia nada tem a ver com isso? — O pai dela é um refinado canalha, mas isso é irrelevante. — E mesmo? — Vá embora, Cassie. Talvez ele estivesse querendo que ela fosse embora porque de fato amava Trícia. Talvez fosse porque não queria trair a noiva fazendo sexo com ela. Ou talvez apenas quisesse que Cassie fosse embora porque estava fazendo perguntas que ele não queria encarar, muito menos responder. De qualquer maneira, Cassie compreendeu que não iria conseguir outra resposta. Tinha de se contentar com aquela afirmação de que ele amava Trícia. Isso se ela quisesse ir embora. Mas não queria. Não ainda. Não enquanto desconfiasse que Phillip estava numa encrenca muito maior do que aquela em que ela e Diane poderiam enfiá-lo.

CAPITULO NOVE Por que contara a Cassie?, perguntava-se Phillip. Como ela o levara a dizer tudo? Mal conseguia mencionar a situação dos empréstimos de Harry Riggs quando conversava a respeito com os pais. Fora seu pai quem assinara aquelas malditas promissórias e, no entanto, assumia uma atitude que o fazia ficar zangado e frustrado toda vez que se tocava nesse assunto. Essa zanga e frustração haviam se tornado mais intensas ainda quando, numa das últimas vezes em que haviam falado sobre as dívidas que pesavam sobre a empresa, seu pai dissera: — Ora, vamos, Phil! Conhecemos Harry desde sempre. Ele não iria fazer nada contra nós. Ele sabe o que a Móveis Keene significa para a nossa família. Por isso ele não conseguia falar com o pai a esse respeito. No entanto, conseguira falar com Cassie. Deus, como ele queria poder falar com ela do modo que falavam no ano anterior, quando nada limitava a amizade deles, quando nenhum tema de conversa era proibido entre eles. Fora um tempo em que pudera dividir o peso que carregava, fosse o que fosse que o aborrecesse, desde qualquer dificuldade no estudo ou com algum professor até a relutância de seu senhorio em lidar com o inquilino do andar acima de Phillip, um homem com um potente aparelho de som e fã absoluto de Bing Crosby. Todos os dias todas as noites ele era obrigado a ouvir White Christmas, que se filtrava através do teto; quando fazia um calor de trinta graus lá fora e trinta e cinco dentro do apartamento, era uma tortura ouvir Bing Crosby cantando sobre a neve e os sinos do Natal. Phillip costumava desabafar com Cassie, que sempre o escutava de boa vontade. Às vezes dava um conselho e outras dizia alguma coisa engraçada que colocava o problema sob uma nova perspectiva. Na maior parte das vezes já lhe fazia bem só o fato de poder desabafar, dando voz a tudo que o aborrecia, sabendo que ela não iria detestálo por se queixar, os olhos de Cassie brilhavam de compaixão e afeto, enquanto fazia PROJETO REVISORAS 80


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algumas observações naquela sua voz grave e sexy, então a disposição dele melhorava. Havia ocasiões que ela não dizia nada e era o bastante para ele tê-la a seu lado, as sentindo e apertando-lhe a mão, demonstrando que se importava. Os passos dela ainda ressoavam em sua cabeça leves porém resolutos, quando saíra do escritório. Phillip tivera vontade de correr atrás e pedir desculpas pelas circunstâncias fora do seu controle que o haviam colocado naquele doloroso dilema. Queria abraçá-la e dizer-lhe que precisava dela em sua vida. Não apenas a queria: precisava mesmo dela. Mas não podia precisar de Cassie. Era impossível. A melhor coisa que poderia fazer era o que havia feito: dizer-lhe que amava Trícia, libertando-a para que deixasse Lynwood e ele para trás, para que seguisse sua vida e esquecesse de tudo que havia acon tecido entre eles. Além de ser bom para ela, Cassie estaria lhe fazendo um favor ao desaparecer. Tê-la por perto só servia para fazê-lo lamentar a escolha que tinha sido obrigado a fazer. Três dias. Em três dias estaria se casando com Trícia, e Harry não mais significaria uma ameaça o sua família. Dali a três dias seria tarde demais para se arrepender. O que soara como os passos de retirada de Cassie agora soava como um improviso de tambor em seu cérebro, em tons e semi-tons sincopados, profundos e ressonantes. Ela jamais fizera sua cabeça doer. Seu coração, sim, porém nunca a cabeça. Era a ausência dela que produzia aqueles dolorosos toques de tambor dentro de seu cérebro. Com um suspiro, Phillip foi para a escrivaninha, tentando ignorar o leve perfume de Cassie que permanecera no ar, e recolheu a papelada. Guardou-a numa pasta de arquivo, desligou o computador e saiu da sala, trancando a porta. Por que será que Cassie e Diane tinham voltado à fábrica? O que quer que tivessem esquecido lá não justificava a presença dela em seu escritório. Pelo que ele sabia, Cassie, Diane e Beckelman não tinham ido ao piso superior. Será que Edie levara alguma coisa de Cassie lá para cima? Sua secretária, sempre empertigada e sombria, animara-se e rira com todos naquela manhã, na marcenaria. Na verdade, o pessoal em peso da Móveis Keene tinha ficado fascinado pela equipe de tevê. Também Trícia. Especialmente Trícia. Phillip supunha que ter um programa Rodas dosSonhos gravado na fábrica era algo digno de entusiasmo, ainda mais quando uma pesada e constante tensão emanava do dirigente da empresa. Ultimamente Phillip encontrava- se sob uma pressão enlouquecedora e não vinha tratando os funcionários com o bom humor e benevolência de sempre. Não era culpa de Edie se a loja de Chicago estava em péssima situação. Não era culpa de Richard Bausch se Harry Riggs estava apertando os parafusos. Não era culpa de Joe Renkawicz, de Stacy McRae de Recursos Humanos, de Cal Springer da Expedição, nem de Lowell Henley do Departamento de Relações Públicas. Era culpa de Harry Riggs e do seu pai. E era culpa dele por estar tentando a duras penas proteger a propriedade dos Keene. Desceu a escada, cumprimentou o segurança com um sinal de cabeça e saiu. O céu só estava dourado e rosa numa pequena faixa do horizonte, porém ainda havia claridade bastante para ele colocar os óculos escuros. Hesitou quando viu um pequeno grupo conversando perto de um carro no estacionamento: Cassie, Diane e Harry. Maravilhoso. As três pessoas que ele mais queria ver. O carro perto do qual estavam era justamente o dele. Se quisesse sentar-se ao volante e ir embora teria de falar com eles. E não iria voltar correndo para dentro do edifício, escondendo-se como alguém culpado de alguma coisa, se bem que tivesse muita culpa. Phillip colocou os óculos e se encaminhou para o seu automóvel, fazendo o possível PROJETO REVISORAS 81


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para parecer satisfeito e confiante. Diane foi a primeira a falar com ele. — Ei, Phil! O que ainda está fazendo aqui? — Trabalhando — respondeu ele, lacônico. — É tarde demais para trabalhar, tão perto do seu casamento. Não acha, Harry? — disse Diane, usando familiarmente o prenome do pai de Trícia. — Harry e nós estávamos conversando sobre charutos. Phillip reparou que Harry tinha um de seus indefectíveis charutos apagados na boca. — Sabe? — prosseguiu Diane. — Estão fumando charuto demais em Boston. É considerado um luxo elegante. Eu já andei pensando em fumá-los também. — Eu não — murmurou Cassie, olhando para Phillip. — Charutos causam câncer. — O segredo dos charutos — pontificou Harry —, como de todas as coisas boas da vida, é usufruí-los com moderação. Por exemplo, eu aprecio um bom charuto de vez em quando. E nem sempre os acendo, li o sabor deles na língua e a textura das folhas nos lábios que oferecem prazer. Gosto das suas amigas, Phil — acrescentou Harry, dando pancadinhas no ombro de Diane. — Interessantes as pessoas com as quais você se dava em Boston. Por que não me contou que a Móveis Keene vai ser a estrela de um programa de tevê? Phillip não estava com paciência. — Isso mudaria alguma coisa? — O que quer dizer com "mudaria alguma coisa"? - Harry parecia perplexo. — É um fato digno de entusiasmo. Eu me lembro de Trícia ter dito alguma coisa sobre tevê hoje, ao café da manhã. Para dizer a verdade, fiquei surpreso por vê-la tomar café tão cedo, mas o fato é que minha filha estava toda animada com esse negócio de tevê. Não agüentava de ansiedade de ver a filmagem. —*Ele olhou carinhosamente para Diane, depois para Cassie. — O fato é que a minha pequena... não se importem de ver o pai de uma noiva todo orgulhoso dela... quando quer alguma coisa nada a faz desistir. — Entusiasmo é uma qualidade admirável — comentou Diane. — Quando ela cisma com alguma coisa, não há nada que a impeça de fazer, seja assistir a um show de tevê ou casar-se com esse rapaz aí. — Harry apontou Phillip com o charuto. — Eu ainda me lembro da primeira vez que ela o viu... Bem, é claro, Trícia o viu uma porção de vezes quando eram crianças, mas como ele é alguns anos mais velho do que ela, não lhe dava importância. Você se lembra, Phil? Você costumava ser tão rude com Trícia quando nossas famílias se encontravam! — Não, não me lembro — respondeu Phillip, friamente. — Bem, você era rude, mas eu acho que sempre foi assim entre meninos e meninas. Odeiam-se uns aos outros. Mas chega um momento em que tudo muda. Naquele dia, logo depois que você regressou de Harvard, esteve com seu pai no meu escritório para falarmos de negócios. Lembra-se? — Os olhos de Harry pareceram enevoar-se enquanto ele lembrava. — Você tinha acabado de sair da faculdade, a tinta ainda estava molhada no seu diploma. Havia voltado para casa há quanto tempo? Uns dois dias? Então, ali estava você no meu escritório, com seu pai, e Trícia chegou, não me lembro por que, mas tenho certeza de que estava querendo alguma coisa. Ela olhou para você de um modo que não me deixou dúvida. Naquele instante eu soube que a minha princesa iria fazer de você seu marido. — Soube, é? Phillip não pretendia partilhar com Harry a nostalgia daquele fatídico momento, sobretudo não com Cassie por perto. Ainda mais apenas alguns minutos depois de ele ter estado tão perigosamente perto de beijá-la. — Pois é. Naquela noite, ao jantar, não me surpreendi ao ouvir Trícia dizer que você era o melhor partido de Lynwood. Que você não era apenas um bonitão... lembro-me bem PROJETO REVISORAS 82


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desse termo — Harry piscou para Cassie e Diane —, mas também o herdeiro da empresa de maior sucesso de Lynwood. E ela quis unicamente você desde aquele instante. Sabe como Trícia é... — O orgulho transparecia no brilho dos olhos dele. — Quando ela decide que quer uma coisa, vai atrás até conseguir. Não estou ofendendo as senhoritas com minha linguagem, estou? — Droga, não! A resposta impulsiva de Diane fez Harry soltar uma gargalhada. — Gosto desta moça! — Ele bateu no ombro dela outra vez. — Talvez nós dois possamos fumar um charuto juntos enquanto você estiver na cidade. O que me diz? — Bem, eu... — Esta noite, não — interferiu Cassie. Diane notou que a amiga parecia pálida, mesmo com a luz do sol poente colocando tons avermelhados em seu rosto. Seu sorriso era apreensivo e os olhos iam ansiosos de Harry para Phillip. — Temos muito trabalho a fazer esta noite — acrescentou. , — Hum... é verdade — concordou Diane. — Mas vamos estar na cidade até o fim da semana. Posso levar seu convite a sério? — No momento em que quiser fumar um charuto comigo, é só me avisar. Cassie passou o braço pela cintura de Diane, como se tivesse que lutar com Harry pela posse da amiga. — Vamos, Diane. Temos de trabalhar. — Está bem, está bem! Qualquer hora dessas vamos fumar esse charuto, Harry. — Dirijam com cuidado — gritou Harry enquanto elas andavam pelo estacionamento. Phillip estava contente por ter posto os óculos escuros: podia olhar para Cassie sem que Harry percebesse. Ela ainda estava com a saia curta, mas não importava que suas pernas estivessem à mostra. Naquela manhã importara, mas agora não, não depois de ter tocado o rosto dela, conversado com ela; não depois de ter descoberto quanto queria falar com ela, quanto tinha a lhe dizer. Ela poderia estar usando calça grossa de abrigo, botas para neve, uma parka espessa, máscara para esquiar e ainda assim ele iria querer falar com ela. Na verdade, queria mais do que falar com ela. Muito mais. — Não posso acreditar! Eu com o pai de Trícia! — exclamou Diane, evidentemente muito orgulhosa de si. — É melhor você saber no que vai se meter — avisou Cassie. E deu marcha à ré sem olhar no espelhinho retrovisor. O risco de bater num carro importava-lhe menos do que ver Phillip no espelho, perto do seu ambicioso sogro. — No que vou me meter? Ele só quer fumar um charuto comigo. — Diane recostouse no assento do passageiro e riu. — Imagine, uma funcionária de tevê estatal fumando caros charutos, como uma milionária! — Um charuto caro não torna ninguém milionário! Cassie dirigiu através da cidade ignorando as bonitas árvores, as graciosas lojas, o cartaz "Grilos Vivos" pendurado na vitrina da loja de animais. — Preste atenção, Diane — impacientou-se Cassie. — Vamos pôr em prática o Plano E. — E qual é o Plano E? Tomar um conhaque no bar do Clube de Campo com nuvens de charuto ao redor? Cassie saiu da rua Principal e diminuiu a marcha quando a tabuleta da Pousada Bailey's apareceu mais adiante. — Lembra-se do motivo pelo qual fomos à Móveis Keene hoje ao anoitecer? PROJETO REVISORAS 83


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— Para sabotar a fábrica — respondeu Diane. — E continuo achando que a idéia do incêndio é a melhor. Com toda aquela madeira lá dentro... Eles não fazem móveis de plástico, sabia? Também não fazem estofados. Então, se a fábrica pegar fogo não precisamos nos preocupar com fumaça tóxica poluindo a atmosfera. Se vamos mesmo fazer sabotagem, eu acho que... — Pôr fogo na Móveis Keene seria o maior favor que poderíamos fazer a Phil — declarou Cassie parando no estacionamento atrás do hotel. — Como é? Cassie saiu do carro. Assim que Diane também estava fora, trancou-o e foi andando apressada pela alameda. Diane teve de correr para alcançá-la. — Do que está falando? — perguntou. — Phil quer que a fábrica de móveis pegue fogo? — Não, mas todos os problemas dele estariam resolvidos se pegasse. Ela respirava fundo, ignorando o suave perfume das flores de laranjeira e o cheiro bom de grama recém-cortada misturados com a penetrante fragrância dos lilases que floriam perto da varanda. No último degrau de cima parou e virou-se para a amiga. — A fábrica encontra-se em sérias dificuldades financeiras e o seu recente melhor amigo Harry Riggs está determinado a ficar com ela se as dívidas não forem pagas logo. Diane ficou olhando espantada para Cassie durante alguns instantes. Em seguida inclinou a cabeça para trás e riu. — Você está brincando! Verdade? Que incrível! — Não vejo motivo para rir, não é engraçado. Era quase trágico no que se referia a Cassie. Phillip poderia perder tudo para aquele homem repulsivo: a empresa da sua família, sua própria carreira e, o mais importante, sua chance de um futuro feliz com ela. Não que ele houvesse expressado interesse em qualquer tipo de futuro com ela, feliz ou não. Talvez só quisesse passar algumas horas na cama com ela, ou no sofá do seu escritório, ou até mesmo no banheiro dos homens do andar térreo. Ele dissera que iria casar-se com Trícia porque a amava, porém Cassie não acreditava nisso. Até que tivesse uma prova em contrário, no entanto, tinha de aceitar o que Phillip lhe dissera: amava a filha do homem que estava ameaçando apoderar-se da Indústria de Móveis Keene. — Falando a sério — disse Diane, apesar de ainda estar rindo —, isso tudo é empolgante! — É uma confusão — corrigíu-a Cassie, nada divertida. — Não se trata só de Trícia e Phillip. E a vida, o futuro dele. Sua herança está em perigo. Isso sem falar na loja de vendas a varejo em Chicago que está agonizando e é um sorvedouro de dinheiro. Ele e a mãe ficarão tristes e prejudicados se a firma afundar. Ela é uma senhora adorável. Aliás, podemos agradecer-lhe por estarmos aqui agora. — Isso é verdade — concordou Diane, séria. — A vida de pessoas estão em jogo e se você me perguntasse, eu diria que a vida mais importante em jogo é a sua. Dorothy Keene pode nos ter trazido até aqui, mas é a sua vida que viemos salvar. — Eu pensei que tivéssemos vindo para arruinar a vida de Phil — lembrou-a Cassie. — E a mesma coisa. Pois bem, o que temos em mãos? Trícia bancando a engraçadinha com Roger e a empresa de Phil indo à bancarrota por causa de uma loja em Chicago. Exatamente em que ponto Harry entra nessa história? — A Móveis Keene deve para ele. Toneladas de dinheiro, eu acho. Se não puder pagar, Harry vai se tornar o dono. — Mas isso é uma maravilha! Se apresentássemos um roteiro contando essa história, o pessoal da programação iria achar sensacional. — Bem, mas com certeza não é um argumento próprio para o Rodas dos Sonhos. PROJETO REVISORAS 84


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Cassie subiu o último degrau e entrou no hotel com Diane em seus calcanhares. Um recado esperava por Cassie no balcão da entrada; um dos seus assistentes do programa telefonara para saber exatamente quando ela voltaria; o técnico de som precisava falar-lhe; dois agentes de publicidade queriam marcar audições para seus clientes e o criador de uma enciclopédia on-line oferecia-se para adicionar seu patrocínio ao programa em troca de algum tipo de colaboração. Cassie enfiou o papel no bolso e continuou andando até a cozinha, onde um refrigerante diet e um pacote de biscoitos e de chocolate a esperavam. Tinha a sensação de que iria precisar de muita energia para elaborar o Plano E com Diane. A sra. Gill estava perambulando pela cozinha, reclamando de um gato da vizinhança que resolvera usar seus vasos de plantas como banheiro pessoal. Cassie cumprimentou-a, pegou duas latas de refrigerante, o pacote de biscoitos e saiu da cozinha com Diane antes que a mulher tivesse tempo de entabular conversa com elas. Foram para a varanda e acomodaram-se cada qual numa cadeira de madeira para comer e conversar. — Muito bem — disse Diane, enquanto Cassie enfiava um biscoito inteiro na boca. — Deixe-me ver se entendi... Harry Riggs emprestou dinheiro à Móveis Keene. A empresa está indo mal porque uma loja em Chicago está causando problemas... — A loja de Chicago é da empresa e está perdendo muito dinheiro — explicou Cassie. I Lembrou-se da dura troca de palavras entre Phillip e Harry quando estava escondida no toalete feminino, no andar superior da Móveis Keene. — Os empréstimos foram altos. Creio que eles deviam ter sido pagos no primeiro dia deste ano e não foram. Harry poderia ter executado a dívida, eu acho. Poderia ter dito "Feliz Ano Novo e bem-vindos ao último ano do milênio. Agora, paguem ou eu fico com a empresa". Diane assentiu e pegou um biscoito. — E, enquanto isso, a princesa de Harry, a tal filha acha Phil o mais bonitão de Lynwood, está passando a noite com outro homem. Cassie estudou o biscoito como se contasse os pedacinhos de chocolate. — Ela não está passando a noite com outro homem — discordou. — Pelo que sei, eles foram ver as tomadas do dia. Qualquer coisa mais entre os dois nos colocaria no centro do Plano D. Deveríamos estar trabalhando de acordo com o Plano C. — Eu não sei por que essa prioridade toda para o Plano D e o Plano C — reclamou Diane. — No momento é o Plano E que importa. Por que não fomentamos perturbações em todas as frentes? — Porque... Porque uma parte de Cassie, uma emocional e simpática parte, uma parte que estava se tornando cada voz maior e mais forte, ameaçava seqüestrar sua alma e voltá-la a sua condição original, que era suave e acolhedora em vez de vingativa, reconhecia que o homem que fora seu mais querido amigo estava se equilibrando à beira de um abismo. E não importava quanto ela quisesse empurrá-lo para o abismo, essa suave e acolhedora parte de sua alma queria salvá-lo. Diane conhecia bem a amiga. — Ele partiu seu coração — lembrou-a. — Não venha, com histórias tristes para cima de mim, Cassie. Esse homem é um canalha, lembra-se? — Talvez ele tenha de se casar com Trícia para manter a situação em equilíbrio entre Harry e seu pai. — É isso mesmo. — Diane pegou mais dois biscoitos do pacote e tornou a sentarse em sua cadeira. — Que tipo de homem prefere uma empresa em vez da mulher que PROJETO REVISORAS 85


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ama? — O tipo do homem que coloca a lealdade à família e a honra acima de tudo — sugeriu Cassie. — Há algo de nobre nisso, não acha? — Será possível? Um homem que nem sequer telefona para você a fim de explicar o que está acontecendo! Que não manda nenhum bilhete de explicação, "Eu sei, Cassie, que lhe prometi voltar para Boston, mas não posso. Algo muito nobre se interpõe entre nós". — Ela deu uma mordida num dos biscoitos e acrescentou: — Algo chamado Trícia se interpõe entre vocês. Ele vai casar-se com ela, pelo amor de Deus! Phil prometeu casar-se com você e vai fazê-lo com outra! — Ele não prometeu exatamente se casar comigo. Diane sacudiu a cabeça e olhou para o céu. — Você o está defendendo! — Tudo que estou dizendo é que ele foi obrigado a fazer uma escolha difícil. — E escolheu errado. Não escolheu você. — Diane devorou o outro biscoito e tomou um gole de refrigerante. — Tenho até medo de perguntar, mas qual seria o Plano E? Você está querendo salvá-lo do desastre que ele próprio preparou? — Não sei... — confessou Cassie. Mas ao ver o olhar de alarme da amiga, consertou: — Quero dizer, não sei qual é o Plano E. A surpreendente verdade era que ela havia pensado em ajudá-lo. Se Phillip era mesmo infeliz com a escolha que havia sido forçado a fazer, se mentira ao dizer que iria casar-se com Trícia por amor, se Cassie pudesse perdoá-lo por haver se recusado a contar-lhe suas dificuldades, por nunca haver tentado entrar em contato com ela, por ter desaparecido e deixado que ela ficasse no ar um ano inteiro... e teria ficado no ar para sempre se a mãe dele não tivesse mandado o convite de casamento para Diane... Havia uma porção de coisas para Cassie perdoar. Talvez devesse abafar aquele impulso compassivo e deixar livre sua parte vingativa. — A coisa é a seguinte — disse, pensando alto —, se deixarmos que esse casamento se realize, Phil resolverá os problemas financeiros da empresa, mas eu acho que ele será infeliz. Se interferirmos no casamento, ele perde a empresa, mas talvez possa ser feliz. — Você está dizendo que ele não quer se casar com Trícia? Os lábios de Cassie apertaram-se. Quem sabia se Phillip queria ou não casar-se com Trícia? Ele havia dito, com clareza, que amava a noiva. Como era possível duvidar disso? Mas acontece que o conhecia. Como poderia não duvidar? — Penso que é uma possibilidade — respondeu. — Então — animou-se Diane —, isso pode resolver um problema e criar outro para ele. Temos de decidir que problema queremos resolver e qual queremos criar. — Ela pensou um pouco sobre o que dissera e franziu o nariz. — Francamente, eu não quero resolver nenhum dos problemas de Phillip. Quero consolidar todos os nossos planos e criar mais problemas do que ele possa solucionar. — Você é muito má! — acusou Cassie e depois sorriu. — Não me entenda pelo lado errado. Não é um insulto. Diane riu. — Nesse caso, vou entender como um elogio. — Tomou alguns goles de refrigerante e a alegria sumiu. — O fato é o seguinte: você ainda gosta do Phil. Não sei por quê, depois do que ele lhe fez... — Há fatores atenuantes. — Está vendo? Você o está desculpando. Está defendendo Phil. — Com ênfase, Diane inclinou-se para a frente. — Eu não sou má, Cassie. Apenas vejo as coisas com PROJETO REVISORAS 86


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clareza. Sei o que ele fez. Sei como machucou você. Sei que você ficou mais revol tada com ele do que eu com Bobby, que nós duas sabemos que é um imprestável, porém ele não me machucou do jeito que Phil fez com você. Ao contrário de você, eu não desculpo Phil. Isso não quer dizer que sou má. Sou uma pessoa de visão clara e pragmática. — Está bem. O que significa que temos de estruturar um Plano E. Cassie tamborilou com os dedos no braço da cadeira e ficou olhando para o jardim. As cores desapareciam com o restinho de luz e o céu tornou-se mais escuro, as lâmpadas se tornaram mais brilhantes, emanando uma luz azulada que parecia sobrenatural. O barulho dos besouros voando misturava-se ao canto de grilos, que era mais agradável. "Se, pelo menos, eu fosse um besouro atraído pela luz...", pensou Cassie sombriamente. Se pudesse arrasar Phillip considerando apenas seus próprios sentimentos e não os fatores atenuantes, como a situação financeira que o pressionava e a chantagem emocional que estava sofrendo! Má ou não, Diane havia dito a verdade ao afirmar que ela ainda gostava dele. Era mais do que gostar. No momento, o que mais queria era fazer os problemas dele desaparecerem e então, quem sabe, Phillip compreenderia quanto a amava e deixaria Lynwood sem olhar para trás, indo para Boston com ela e cumprindo a promessa feita um ano antes. Cassie reconheceu que se encontrava numa situação complicada. Um olhar mais intenso de Phillip, uma carícia gentil, um segredo revelado, e ela imediatamente ficava pronta para esquecer todo o sofri mento que ele lhe causara. No entanto, não devia esquecer o que Phil lhe dissera no escritório, naquele dia, depois de contar-lhe sobre a loja de Chicago e os empréstimos que Harry fizera à empresa: que iria casar-se com Trícia Riggs porque a amava. Se estivesse mentindo, ela deveria odiá-lo por ser um mentiroso; e se estivesse dizendo a verdade, precisava esquecer a pequena fantasia de que Phillip iria cumprir a promessa que lhe fizera. — O Plano E — disse, juntando os poucos farrapos de maldade que pôde encontrar em seu coração — e fazer tudo desabar ao redor de Phil. O casamento, a fábrica, tudo. — Agora você está falando certo! — Amanhã vamos tratar de terminar a gravação mais cedo. Então, você irá fumar um charuto com Harry Riggs — Cassie estremeceu à imagem mental de Diane com um enorme charuto marrom na boca, e tire dele as informações que puder. Enquanto isso, eu irei conversar com a mãe de Phil e ver o que posso conseguir dela. — O que ela poderia lhe dizer? Você acha que Dorothy está sabendo dos problemas financeiros da Móveis Keene? Cassie sacudiu a cabeça. — Não tenho idéia do que ela sabe a esse respeito. Mas é a mãe de Phil e poderá dizer-me qual é o tipo de relacionamento dele com Trícia. Se Cassie pudesse ter certeza de que Phillip amava Trícia profunda e verdadeiramente, desistiria de prejudicar com sua vingança um casal feliz. Mas se, ao contrário, suas suspeitas fossem corretas e ele não amasse Trícia, executaria o Plano E com a finalidade de impedir que o casamento se realizasse, porque se Phillip não amasse Trícia, seu maior e mais doloroso castigo seria jurar perante Deus ser marido dela até que a morte os separasse. O Plano E deveria ser engendrado e posto em ação assim que ela soubesse qual o caminho a seguir. Não seria preciso incendiar a fábrica, nem encorajar um namoro entre Trícia e Roger, nem jogar bombas de efeito moral no clube de campo no sábado, à hora do casamento. Tudo que precisava saber é o que aconteceria se Phillip se casasse com Trícia e o que aconteceria se ele não se casasse. Então, seria só decidir que alternativa PROJETO REVISORAS 87


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causaria um sofrimento maior a ele. Parecia simples bastante quando olhava as coisas desse modo. Apenas um detalhe permanecia atravancando o caminho. — Só quero saber de uma coisa — disse Diane, trazendo esse detalhe à luz. — Você ainda ama Phil? Cassie abriu a boca e tornou a fechá-la sem falar. Tomou um pouco de refrigerante, examinou o pacote de biscoitos com exagerada atenção e tomou mais um gole de refrigerante. — Responda-me — exigiu Diane. A primeira resposta foi um sorriso incerto. — Não sei o que sinto por ele — foi a resposta. De qualquer modo, isso é irrelevante. Vamos organizar o Plano E de modo a fazer Phil se arrepender de haver me deixado. Diane assentiu vigorosamente. — Vamos fazê-lo arrepender-se até de ter conhecido você! — Isso também. Bateram as latas de refrigerante já quase vazias uma na outra. — Este é um brinde ao novo milênio que se aproxima e ao Plano E. — Ao Plano E! — repetiu Cassie e bebeu.

CAPITULO DEZ Tarde naquela noite, sozinha em seu quarto junto ao telhado, Cassie continuava a fazer a si mesma a perturbadora pergunta: ainda amava Phillip? Como podia amá-lo, depois do que ele lhe fizera? E como poderia não amar se a escolha feita por ele demonstrara tanto valor, tanta lealdade a sua família, tanta ausência de egoísmo? No entanto, se não o amava mais, por que ainda reagia tão intensamente quando Phillip a tocava? Por que um simples, porém intenso olhar a perturbava tanto? Por que ainda estava surpresa por ter encontrado forças para separar-se dele não uma, mas sim duas vezes naquele dia? Tinha absoluta certeza de que se não tivesse se afastado, teriam feito amor. Pelas janelas abertas do sótão entrava ar suficiente para amenizar o calor que fazia lá dentro. Eram quase dez horas da noite. Ela e Diane haviam desistido de esperar Roger para saber como tinham ficado as últimas gravações. — Amanhã vamos ter um grande dia — dissera Diane. — O dia do grande Plano E. Preciso dormir bem para estar bonita e apta a fumar um charuto com classe. As duas haviam ido para seus respectivos quartos vinte minutos antes. A essa altura, com certeza Diane já estava dormindo; ela nunca fora afetada pela cafeína contida nos refrigerantes. Cassie, ao contrário, provavelmente permaneceria acordada e agitada por uma boa parte da noite. E a cafeína nada tinha a ver com isso, observou em pensamento. Inquieta demais para continuar na cama, pegou a lista telefônica local na gaveta da mesinha-de-cabeceira e foi para a letra K. "Keene, Phillip", estava separado de "Keene, Jason e Dorothy". Era evidente que ele mão morava com os pais. Cassie imaginou se ele tinha uma casa ou morava num apartamento alugado, se é que havia prédios de apartamentos numa cidade como Lynwood. Anotou os endereços dos Keene e passou PROJETO REVISORAS 88


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para o R, a fim de ver se o endereço de Trícia Riggs era o mesmo de Phillip. Trícia não estava na lista. Ela devia morar com os pais, porque Harry Riggs tinha dito que ela falara sobre a gravação de Rodas dos Sonhos ao café da manhã. Cassie não deveria importar-se com isso, mas estava contente por saber que Trícia não morava com Phillip. Ainda. Fechou a lista e tornou a guardá-la na gaveta. Então atravessou o quarto para ir pegar seu laptop, movimentando-se com cuidado para não bater a cabeça no teto inclinado. Se revisasse as anotações para a gravação do dia seguinte e se certificasse para que tudo corresse em ordem, o trabalho poderia ser completado logo e com eficiência, assim ela e Diane poderiam dar os primeiros passos do Plano E. Por outro lado, se a gravação fosse até mais tarde ela não teria tempo para ir visitar Dorothy Keene e talvez até fosse bom. Cassie não tinha certeza se estava pronta para visitar a mãe de Phillip e ficar sabendo que ele, de fato, amava Trícia apaixonadamente. Seria capaz de suportar essa notícia? Ora essa! Ela deveria considerar uma excelente notícia se Phillip amasse Trícia. Se ele de fato estivesse muito apaixonado pela noiva, essa verdade libertaria Cassie para desencadear a devastação. Aí poderia vingar-se sem a menor hesitação. Se Phillip não amava Cassie, ela não se importaria de modo algum com o que acontecesse com ele, com sua fábrica de móveis e com seu futuro. — Ele não me ama — murmurou, quase tão desesperada de se convencer disso quanto estava desesperada por agarrar-se à esperança de que Phillip a amava. — Se ele me amasse não iria casar-se com Trícia no sábado. Através das janelas abertas ouviu o canto constante dos grilos e o som de vozes conversando. Foi para uma delas lembrando-se, no último instante, de abaixar-se para não bater a cabeça no teto, mas a janela basculante lhe permitia ver apenas o lado oeste da casa. A rua estava ao sul e o estacionamento, ao norte. Atravessou o quarto e foi até o banheiro. Acima da banheira havia uma pequena janela que dava para o estacionamento. Cassie dobrou os joelhos para proteger a cabeça da pouca altura do teto e abriu-a, estremecendo quando ela rangeu. Lá embaixo, Roger e Trícia não ouviram o rangido. Iluminados pelo luar e pelo luminoso do hotel, estavam parados perto da entrada do estacionamento, ao lado do carro vermelho, um diante do outro, Roger bem mais alto que Trícia. A câmera manual estava pendurada num ombro dele; as mãos de Trícia achavam-se enfiadas nos bolsos do macacão. A brisa noturna, que brincava com os cabelos dela e com os de Roger, levou a risada alegre até a janela do banheiro. Era impossível entender o que eles diziam, e permaneceram conversando ao lado do carro por muito mais tempo do que o necessário para um agradecimento e um boanoite. Não se tocavam, mas estavam perto o bastante para que tocar-se não significasse esforço algum a nenhum dos dois. E se Trícia e Rõger ficassem lá fora durante horas, olhos nos olhos? E se um deles fizesse um movimento e tocasse o outro? Para começar, Cassie perderia o respeito por Roger. Afinal de contas, Trícia estava prestes a se casar. Ele não deveria flertar com uma mulher comprometida com outro. Mas teve de admitir que Roger não estava flertando. Ele nem sabia o que era flertar; conversava com mulheres, gostava de mulheres, fazia sexo com mulheres ao que constava, mas não tentava conquistá-las nem enganá-las, não empregava nenhum dos jogos padrões e rituais de conquista em relação ao sexo oposto. Ele era decente demais, honesto demais para fazer isso. Quanto a Trícia... Bem, se ela se engraçasse com Roger, Cassie estaria numa situação de vencedora. Se Phillip amasse Trícia, Cassie iria querer que o coração dele PROJETO REVISORAS 89


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fosse partido, e se sua noiva o traísse com Roger o coração dele se partiria. Se, por outro lado, Phillip não amasse Trícia, seu casamento com ela já seria um castigo, e o castigo se tornaria mais severo ainda se ele se casasse com uma mulher que se interessava por outros homens. Então, por que estava tão perturbada pela visão de Roger e Trícia juntos numa noite de luar? Passou-se um minuto. Mais um. As vozes deles, sobretudo a de Trícia, subiam até a janela vagas e distorcidas. O que tanto tinham a dizer que não haviam dito enquanto estavam na estação de re-transmissão de tevê e no caminho para o hotel? Será que Trícia estava simplesmente prolongando os momentos juntos, conversando sobre temas triviais? Mais um minuto e, então, Trícia tirou uma das mãos do bolso e colocou-a sobre o ombro de Roger. Em seguida ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o no rosto. Cassie, então, percebeu que estava prendendo a respiração, rezando, torcendo... por alguma coisa. Por Roger tomar Trícia nos braços? Por Trícia abraçar Roger? Fosse o que fosse que ela desejava, ficou desapontada quando Trícia deu um passo atrás e entrou no carro. Roger disse alguma coisa, acenou com a mão, vírou-se e encaminhou-se para a entrada do hotel, saindo do campo de visão de Cassie. Um beijinho na face. Afeição genuína ou pura afetação? Teria sido o primeiro beijo da noite ou o último? Se Diane estivesse acordada, teria analisado cada segundo da cena. Teria calculado todos os ângulos, todas as possibilidades e entregue uma lista a Cassie. No momento em que Roger havia sumido, Diane teria pensado em todos os tipos de acontecimentos: ele e Trícia tinham feito um selvagem, louco amor na sala de recursos técnicos da sede de retransmissão de tevê. Ou teriam feito um selvagem, louco amor no carro dela. Ou Trícia tentara seduzir Roger c ele lhe dissera que ela era jovem demais ou efervescente demais ou, ainda, noiva demais para ele. Já na opinião de Cassie, eles haviam passado aquelas horas assistindo às tomadas do dia e verificando sua qualidade. Roger ensinara a Trícia um pouco sobre a arte e a técnica da produção de vídeos e ela o beijara no rosto para agradecer por ter lhe ensinado tanta coisa. Talvez até fosse mesmo bom Diane estar dormindo. Naquele momento Cassie não queria considerar nenhuma hipótese mais complicada do que essa simples e inocente explicação para o beijo que presenciara. Ela era uma sonhadora, não uma intrigante, e preferia histórias elevadas e respeitáveis a sórdidas narrativas de vingança, mesmo que a vingança fosse o princípio comum motivador da sua vida. Ela não queria pensar o pior de Roger, nem de Trícia. Até mesmo gostava daquela cabecinha-de-vento de cabelos ruivos. Se tivesse que imaginar o pior sobre alguém, esse alguém seria Phillip Keene. Phillip encontrava-se sentado na cozinha da casa que comprara para Trícia. Apesar do copo com uísque estar bem firme em cima da mesa, sem perigo de se mexer ou escorregar para longe, ele o segurava firmemente com uma das mãos, enquanto a outra, o cotovelo apoiado na mesa, segurava o queixo. Phillip odiava aquela casa. Era estilo vitoriano, com abundância de ornatos, dentro e fora. As paredes externas eram pintadas de um amarelo-gema, as internas de amarelo-escuro, a porta da frente de vermelho-escuro com a moldura branca. A casa parecia ter sido colorida por uma criança a quem tivessem dado uma caixa de lápis de cores. Trícia havia adorado a aparência exterior da casa, O interior era um pouco mais discreto, porém ela logo dera um jeito nisso. PROJETO REVISORAS 90


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Haviam comprado a casa em janeiro e Phillip se mudara para lá. Determinada a representar o papel de noivinha pura, Trícia decidira permanecer na casa dos pais até o dia do casamento. Mas ia sempre à casa vitoriana ajeitar coisas, verificar onde estavam guardadas miudezas, determinar os lugares dos tapetes novos, alterar a disposição de móveis, providenciar a instalação de uma máquina de lavar louça, de um exaustor, de uma lavadora e de uma secadora de roupas. Ela decorara as salas. Colocara uma porção de estatuetas de porcelana e dois castiçais no consolo da lareira, espalhara nas estantes vasos e porta-retratos com fotografias, em cor sépia, de seus ancestrais. Comprara poltronas da mama e do papai para a sala de estar e frágeis mesinha com tampo de cristal para espalhar por, todo canto Nem uma só peça do mobiliário da casa tinha sido fabricada na Móveis Keene. Phillip acreditava piamente que uma decoração simples durava muito tempo, porém em se tratando de decoração, a palavra "simples" não fazia parte do vocabulário de Trícia. Cada cortina tinha um festão contrastante e franjas. Cada tecido tinha um motivo evidente, às vezes dois. O toque que ele mais detestava era a moldura nas paredes. Praticamente todas as paredes da casa tinham uma moldura junto ao teto, exceto a sala de jantar, onde a moldura havia sido aplicada no meio da parede. A que Phillip mais abominava era a moldura da cozinha: folhas de videira com cachos de uva triangulares. Sentia-se sempre como obrigado a entrar na cozinha tomando cuidado onde pisava, para não esmagar bagos de uva e manchar o chão. Mas concordara em deixar a decoração por conta de Trícia porque ela se mostrara tão apaixonada pela casa! Ela adorava os remates de portas e janelas Tramas intrincadas de madeira e as laterais de veio canelado da porta de entrada. Adorava a pretensiosa janela estilo Palladio da sala de estar. Adorava o quarto principal com seus cantos e nichos, se bem que esses cantos e nichos houvessem tornado quase impossível ajeitar os opressivos móveis de canto de ébano que ela escolhera. Adorava a sala de estar afundada, dois degraus mais baixa do que de entrada. Phillip tropeçara naqueles degraus mais vezes do que gostaria de admitir. Trícia vira aquela casa pela primeira vez com um corretor de imóveis da cidade, no mês de dezembro. Dissera a Phillip que havia encontrado uma casa, para eles, a residência perfeita para se instalarem quando fossem marido e mulher. Dissera, também, que não iria descrevê-la porque queria fazer-lhe uma surpresa. E no dia em que ela e o corretor o haviam levado a ver a casa, Phillip tivera mesmo uma grande surpresa, mais do que isso, tivera um choque. Mas Trícia gostava tanto da casa que ele não se sentira com coragem de dizer não. Talvez, inconscientemente, estivesse pensando "Não posso dar-lhe amor, mas posso dar-lhe a casa que você ama". Phillip tomou um gole de uísque e o manteve na boca até que a bebida amorteceulhe a língua; a então engoliu. Não estava satisfeito com os pensamentos que o assaltavam naquela noite desde o momento em que Cassie saíra da sua sala, na fábrica. Dissera a ela que amava Trícia, e nas última três horas estivera tentando convencerse de que de fato a amava. Tomou outro gole, inclinou-se para trás na cadeira e olhou para a moldura cor de vinho junto ao teto. Se Cassie visse aquela cozinha morreria de rir. Ela achava videiras hilariantes e a mesa era horrorosa, com seu tampo de vidro e pés que eram também folhas de videira e cachos de uva de aço. Iria rir das cortinas nas janelas; eram de fundo gelo com cachos de uvas púrpuras, a junção entre o tecido liso e os babados com um debrum da cor da uvas, cordões e pompons na mesma cor. Iria rir da capa do mesmo tecido que cobria a torradeira, do lustre estilo Tiffany, também com motivos de uvas, pendurado sobre a mesa, e do pote de biscoitos que parecia um gordo porco cor-de-rosa com PROJETO REVISORAS 91


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um cacho de uvas verdes pendurado na boca. A última figura que uma pessoa poderia querer ver quando ia pegar biscoitos era um porco, sobretudo mastigando uvas. Cassie perceberia imediatamente que a cozinha e a casa inteira nada tinham a ver com Phillip. Oh, Deus, ele não queria casar-se com Trícia! Não queria passar o resto da vida com uma mulher cujo conceito de casa ideal era tão diferente do dele. Não queria se comprometer a amar, honrar e proteger uma mulher que era capaz de decorar sua cozinha daquela maneira ridícula. Esvaziou o copo, pegou a garrafa no centro da mesa, tornou a servir-se de uma dose e tentou lembrar-se se era a segunda ou terceira vez que se servia. Não importava, iria beber até que seu cérebro ficasse tão amortecido quanto sua língua ou até que o uísque acabasse; o que acontecesse primeiro. Não teria compreendido quanto não queria casar-se com Trícia se Cassie não tivesse ido a Lynwood. Era culpa dela aquele repentino ataque de dúvida e de pânico. Se pelo menos ela não houvesse surgido como uma tangível lembrança do que ele iria perder para salvar a empresa de seu pai, não teria sido obrigado a pensar quanto não queria aquele casamento. Achava que não tinha em casa uísque suficiente para parar de pensar nela. Aliás, não havia uísque suficiente no mundo. Essa conclusão o fez afastar o copo. Para que continuar bebendo? O que de bom adviria disso? Não iria modificar a verdade: uma vez havia amado Cassie. Um longo, difícil ano passara desde então e ele não tinha certeza se ainda a amava. Porém era evidente que tinha obsessão por ela. Se pudesse escolher com quem passar a noite de núpcias, ele escolheria Cassie sem hesitar. Contudo, provavelmente ela não o escolheria. Ao contrário de Trícia, Cassie não podia considerá-lo o melhor partido de Lynwood, ou mesmo que o considerasse, não iria achar que um marido de Lynwood era o mais indicado para viver ao lado dela na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. De repente ocorreu-lhe que se não fosse esclarecer as coisas para Cassie mais do que fizera na fábrica não conseguiria viver bem consigo mesmo, nem com sua futura esposa. Ergueu-se da mesa de pés de videira, verificou se as chaves estavam no bolso saiu pela porta de trás que dava direto na garagem As ruas estavam quietas. Até mesmo nos fins de semana Lynwood caía em estado de coma ali pela dez, dez e meia da noite. Numa quarta-feira, então a maioria das casas encontrava-se às escuras, o videocassetes gravando os programas que a cidade não conseguia ficar acordada para assistir no momento da transmissão. Todavia, Cassie era um moça da cidade grande e devia ainda estar acordada E se não estivesse, ele iria ao seu quarto e a tiraria da cama. Ou melhor, talvez a acordasse e não tiraria da cama. Não. Ele não iria à Pousada Bailey's para faze amor com ela, se bem que isso estivesse no topo da lista das coisas que gostaria de fazer. Iria falar com ela, explicar-lhe, pedir desculpa. Iria fazê-la ver por que ele fazia o que estava fazendo. Dependendo de como ela reagisse, iria cumprir a promessa feita havia um ano, mesmo que a Móveis Keene fosse à falência, ou se afastaria dela e a expulsaria de seu coração para sempre. As ruas estavam quase vazias. Alguns carros e empoeiradas picapes achavam-se no estacionamento da Taverna do Jake, o bar mais freqüentado da cidade. A despedida de solteiro de Phillip fora realizada no salão de trás desse bar, na sexta-feira anterior, à noite. Ele tentara escapar, mas seu padrinho de casamento e os velhos amigos e colegas de escola insistiram em organizar a festa para ele. Assim, comera um sanduíche, jogara algumas partidas de sinuca, rira das piadas sujas e havia ido para casa cedo, antes que PROJETO REVISORAS 92


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alguma garota saltasse de dentro de um bolo. O estacionamento do Jake e seu letreiro iluminado representavam os únicos sinais de atividade na cidade. Phillip passou por ele, por lojas às escuras, pelo banco, pelo correio, que naquela hora parecia-se ainda mais com um mausoléu do que de dia, com seu mastro de bandeira vazio. Entrou à esquerda na rua do hotel e diminuiu a velocidade quando viu um retângulo de iluminação azulada, uma lâmpada antiinseto. Poucas janelas do casarão de fazenda estavam acesas. Phillip imaginou qual seria a do quarto de Cassie. Será que ela estava lendo na cama? Organizando seus planos para as gravações do dia seguinte? Ou estaria sentada na sala de estar vendo tevê? Ou enrodilhada numa confortável poltrona em algum lugar, com um copo numa das mãos e uma garrafa de uísque na outra? Não. Esse vício era dele, não de Cassie. Diminuiu ainda mais a marcha, andando por cima da parte de grama, e parou. Ouviu vozes através da janela aberta do carro. Uma delas era familiar. Trícia. O que significava aquilo? Apagou os faróis e fez o carro adiantar-se mais alguns metros. A entrada do estacionamento do hotel viu Trícia e o cinegrafista hippie de Cassie, Beckelman, bem perto um do outro. Viu Trícia erguer-se nas pontas dos pés, pôr a mão no ombro do rapaz e beijá-lo. O que significava aquilo? Roger Béckelman saiu andando em direção à entrrada do hotel e Phillip imediatamente apertou o acelerador, passando diante do hotel e se afastando. Um olhar no espelhinho retrovisor mostrou-lhe que Beckelman parecia não o ter visto. Parou no quarteirão seguinte e olhou de novo pelo retrovisor. Viu os faróis de um carro que saía do estacionamento. O carro de Trícia. Seu plano original era conversar com Cassie, porém tratou de revê-lo. Em primeiro lugar precisava descobrir o que estava acontecendo com Trícia. Por que se encontrava em companhia de Beckelman? O que haviam feito até aquela hora da noite? Por que ela o beijara? Não que estivesse com ciúme. E nem mesmo estava zangado. Acontecia, apenas, que Trícia estava prestes a casar-se com ele. Um casamento de gala, daqueles com todos os requisitos, com todos os detalhes programados e determinados, que passavam por cima de tudo, até mesmo das intenções das duas figuras principais. Se Trícia quisesse desistir, ele estaria livre do anzol. Como Harry poderia culpá-lo e punir seu pai executando as dívidas da Móveis Keene se sua filha rompesse o casamento? Como Harry poderia exigir o pagamento de seus empréstimos se Trícia quisesse o rompimento, tornando-o assim a parte ofendida? Continuou a olhar pelo espelhinho até que viu o carro vermelho virar na rua Principal. Sem hesitar, fez um retorno e foi atrás dela. Manteve a maior distância possível entre os dois carros enquanto a seguia pela rua Principal; não havia como se misturar no tráfego, uma vez que só havia os dois andando pela cidade. Se Trícia o vira, não deu demonstração. Atravessou em boa velocidade a cidade adormecida em direção à casa de seus pais. Phillip ainda via o automóvel dela quando chegou à grande mansão georgiana de tijolos a vista onde morava a família Riggs. Passou pelo portão sem se preocupar em fechá-lo depois de entrar. Mais uma vez Phillip parou junto à guia e apagou os faróis. Tinha de pensar cuidadosamente no seu movimento seguinte. Se entrasse na casa da noiva e tomasse satisfações, o pai dela ouviria a discussão. Iria ficar furioso ao saber que sua princesa andava na companhia de Beckelman, não apenas porque o cinegrafista não era o tipo de homem que Harry queria ver associado a sua filha, mas também porque ele tinha seus PROJETO REVISORAS 93


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próprios planos e isso significava encontrar-se sempre no comando, puxando os cordões e exercendo o poder. Claro que seria indulgente com Trícia, mas não se essa indulgência significasse perder seu domínio sobre Phillip. Portanto, não convinha que a seguisse até dentro de casa. Em vez disso, continuou em frente por alguns quarteirões até chegar à casa de seus pais, uma construção elegante, estilo Tudor, pousada sobre um enorme quadrado de grama. Os canteiros com flores eram quase invisíveis à luz âmbar que vinha do pórtico, mas quando saiu do carro Phillip sentiu o perfume delas, uma mistura de doces e penetrantes fragrâncias. Sua mãe era apaixonada por jardinagem. Fora várias vezes presidente da Sociedade de Horticultura de Lynwood, e mesmo que depois de seu pai entregar a direção da Móveis Keene para ele, ou indiretamente para Harry Riggs, e se aposentar, Dorothy recusava-se a desistir de sua ocupação. Continuaria se ajoelhando no jardim, com um chapéu de palha, cuidando dos seus canteiros de flores e dos seus arbustos. Phillip subiu a escada para o pórtico de dois em dois degraus e tocou a campainha. Sua mãe olhou pelo visor retangular da porta, sorriu e abriu-a para que o filho entrasse. — Phillip! — ela meio exclamou, meio murmurou. — Está tudo bem? — Sim — mentiu ele, entrando no hall e fechando a porta atrás de si. — Por que está sussurrando? — Seu pai adormeceu diante da tevê. Cedo ou tarde vou ter de acordá-lo para ir para a cama, mas ele está dormindo tão gostoso que não quis incomodá-lo. Ela andou silenciosamente com sua chinelas, o robe amarrado folgadamente na cintura. Phillip conteve uma risada. Em Boston, àquela hora, ele e Cassie estariam tomando um café ou um último copo de vinho num restaurante, ou uma cerveja no apartamento. Estariam sob o desgaste e cansaço de seus respectivos dias, mas sentindo-se recompensados pela companhia um do outro e pela conversa animada. Ele estaria escutando Cassie explicar a intrincada lógica da viagem no tempo. — Não podemos deixar que as crianças do Rodas dos Sonhos mudem coisa alguma no passado porque isso teria repercussão no presente. Então, quando os enviarmos para trás até, digamos, a Colônia Plymouth, elas não poderão interferir com as vidas de nenhuma das pessoas reais, históricas. Temos de organizar o roteiro da história de modo que os personagens principais possam interagir com figuras de ficção e não com as pessoas que realmente existiram... Ele estaria ouvindo Cassie falar, assentindo e imaginando se haveria algum jeito de reorganizar sua vida para morar definitivamente em Boston depois de terminar a faculdade. Estaria olhando para ela, seu rosto animado, seu riso contagioso, suas mãos gesticulando com ênfase e pensando em como cortar as ligações dela com Boston e levála para Lynwood quando voltasse para lá a fim de dar alguma ajuda ao pai na empresa da família. Estaria absorvendo as palavras dela, suas idéias, sua luminosa beleza e desejando ter poucos escrúpulos, porque se assim fosse ele não se deteria e faria amor com ela sem pensar que estaria indo embora dentro de algumas semanas. Mas ele tinha escrúpulos. Importava-se com o fato de ter de ir embora e com Cassie. Por isso ficava apenas sentado com ela todas as noites, conversando, desejando e imaginando. A mãe levou-o através da cozinha para o solário nos fundos da casa. As paredes de vidro abrigavam vasos de plantas e mudas. No centro do aposento octogonal havia uma mesa para o café da manhã e cadeiras. Phillip sentou-se automaticamente numa delas enquanto Dorothy ia à cozinha pegar biscoitos e dois copos de leite. Desde que era menino, ele e a mãe iam para o solário tomar leite, comer biscoitos e PROJETO REVISORAS 94


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conversar. Phillip gostava muito do pai, respeitava-o, ouvia com prazer suas lembranças de treinador do time Little League e dava valor aos ensinamentos sobre marcenaria que ele lhe passara. Mas conversa era algo que associava apenas a Dorothy Keene. Quando era menino, sentavam-se à mesa, tomando leite, e ele fazia as lições de casa. Quando adolescente, o hábito era biscoitos-sanduíches, dos quais separavam as metades e comiam o creme do recheio primeiro, enquanto Phillip fazia perguntas à mãe sobre garotas, o que elas mais admiravam nos rapazes e queria saber por que toda vez que sorria para Laurie Di Luca ela o ignorava, apesar de todas as suas amigas dizerem que gostava dele. Ou, então, queria saber se a mãe achava que ele deveria continuar na escola estadual ou prestar exame de admissão para o Colégio Ivy League. A mãe sempre lhe dera bons conselhos. — Se Laurie Di Luca faz questão de demonstrar que o ignora é porque provavelmente gosta de você — dissera Dorothy. — Eu acho que você deve escolher onde quer estudar, e se prestar exame no Ivy League, espero que passe. Talvez jamais houvesse encontrado dificuldade em conversar com Cassie por causa das longas conversas que ele tinha com a mãe. Conversar com uma mulher sempre fora natural para Phillip. Dorothy colocou um prato com biscoitos de aveia e um copo com leite no meio da mesa e sentou-se em frente ao filho. Sorriu e fez um aceno de cabeça, num convite para ele começar a falar. O que podia dizer? Eu não amo Trícia. Não quero me casar com ela. Quero sacrificar você, papai, a fábrica, esta casa e tudo que construíram por uma chance de descobrir se o que senti por Cassie Webber um ano atrás é real. — Estive reconsiderando a respeito de Trícia — foi tudo que ele pôde dizer. Sua mãe tomou um gole de leite e assentiu. — Ataque de pânico dos últimos minutos, filho? Ele sacudiu os ombros, depois fez que não com a cabeça. Reviu Trícia como a vira havia pouco em frente à Pousada Baileis, beijando o rosto de Roger Beckelman. — Acredito que ela também haja reconsiderado a meu respeito. — Conversou com ela sobre isso? — Não. — Trícia era uma mulher com quem não conseguia conversar. — Eu só... não sei. Tenho impressão de que alguma coisa não está certa. Dorothy observou o rosto do filho por cima da borda do copo. — Você não a ama? — Não sei. Quero dizer, não sei o que está me incomodando. Eu só... — Ele suspirou diante da incapacidade de se explicar. — Não sei... A sra. Keene sorriu. — Bem, isso sempre acontece nos relacionamentos — comentou enigmaticamente. — Em teoria, tudo pode parecer calmo e certo, mas não ser o que se chama de um casamento por amor apaixonado... — Pensou um pouco no que havia dito e acrescentou: — Trícia é uma boa moça, você sabe. — É, sim — concordou ele. — Mas talvez ela seja... não sei, pouco sofisticada. — Isto aqui é Lynwood — lembrou-o a mãe. — Quem por aqui é sofisticado? Além de você e dos seus amigos de Boston? Phillip pensou que não houvesse reagido a essas palavras, porém devia ter demonstrado alguma reação porque sua mãe ajeitou-se na cadeira e olhou-o com maior atenção. — É a amiga de Diane, não? Cassie. Incerto sobre o que dizer, ele se manteve calado. — Teve um caso com ela em Boston? PROJETO REVISORAS 95


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Sua mãe era mesmo muito esperta! — Não foi um caso, mamãe. Eu creio... creio que foi algo real. — Agora ela está aqui e você tem dúvidas a respeito de Trícia. — Dorothy suspirou. — A culpa foi minha, quando convidei Diane para vir ao casamento. Pensei que seria uma surpresa agradável para você. Gostei tanto dela naquele dia que passamos juntas em Boston! Trocamos cartões no Natal e tudo. — Ela parecia ressabiada. — Fiz o convite com acompanhante para que não fizesse a viagem sozinha... Creio que ela escolheu a pessoa errada para trazer. — O que acha que devo fazer? — perguntou Phil-lip, sentindo-se desamparado e tolo. Lá estava ele, quase com trinta anos, tentando restabelecer a situação financeira da empresa de seu pai, administrando empréstimos e gastos para impedir que a fábrica afundasse e não sabia sequer resolver a própria vida sem o apoio da mãe! Que tipo de idiota ele era? Dorothy ergueu-se, deu a volta na mesa e colocou a mão sobre a dele. — O que deve fazer, Phil, é confiar no seu instinto. — Meu instinto me manda vender a loja de Chicago — respondeu ele, recuando para a área em que se sentia competente. — Então, faça-o. — Tenho de conversar com papai... — Siga seu instinto, Phil, nos negócios e no amor. Você não cometeu muitos erros na sua vida e não há necessidade de começar a errar agora. Sábio conselho, porém de certa maneira inútil. Ele não sabia qual seria o maior erro: romper o noivado com Trícia dois dias antes do casamento e afundar a empresa do seu pai ou casar-se com ela e passar o resto da vida perguntando-se se Cassie não seria o seu verdadeiro amor. Um ano antes tinha certeza que era. Durante aquela semana, tendo-a de volta em sua vida, ele ficara desconcertado. Excitado. Ocasionalmente louco. Porém muito mais vivo desde o dia em que deixara Boston. — Vou vender a loja de Chicago — resolveu. Quando se tratava de negócios, era competente. A decisão pareceu-lhe a mais certa assim que a colocou em palavras. Tinha de se livrar da loja de vendas a varejo antes que ela afundasse de vez levando a empresa Keene junto. Um problema a menos. Infelizmente, o problema que ele ainda tinha para resolver, o problema que agia como ácido em seu coração, não era de solução tão fácil. Não podia confiar em seu instinto a não ser quando ele dava um claro sinal, e naquele momento não havia a menor indicação clara de coisa alguma. E mais: qualquer decisão que tomasse seria definitiva e permanente. Olhou para o quintal através da parede de vidro. Tudo que viu foi seu fantasmagórico reflexo no espelho.

CAPÍTULO ONZE — Você não vai vender a loja de Chicago — declarou Harry Riggs. Phillip deu-lhe um longo e duro olhar. Quem era Harry para entrar em seu escritório e dizer-lhe como dirigir a Móveis Keene? Não tinha esse direito, apesar de ser o maior PROJETO REVISORAS 96


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credor da empresa. — Isso não está aberto a discussões — respondeu, frio. Aconselhou a si mesmo para permanecer calmo. Se Harry não houvesse passado pela mesa de Edie sem pedir licença, ele teria dito à secretária que o despachasse. Tinha muito a fazer nesse dia, muito em que pensar. E a primeira coisa a fazer era livrar a Móveis Keene do seu mais crítico dreno de capital: a loja de vendas a varejo em Chicago. Assim que chegara ao escritório naquela manhã, informara ao pai a sua decisão. James Keene não gostou muito e Phillip tratou do assunto com gentileza, explicando por que chegara a essa decisão, revendo os relatórios e contabilidade com o pai, contandolhe sobre as inúteis conversas mantidas com o gerente de Chicago, que se recusava a implementar as reformas e a aceitar as diretrizes que ele queria impor. Seu pai ficou profundamente triste com a situação. Phillip tentou persuadi-lo de que não devia sentir-se fracassado no passo que dera para expandir a empresa. Não se tratava disso. Apenas as coisas não haviam corrido como ele esperava e talvez pudessem reabrir uma loja em Chicago dali a poucos anos, quando a Móveis Keene estivesse livre das dívidas. Com certeza seu pai telefonara para Harry Riggs assim que Phillip saíra da sala dele. Não havia como censurar James Keene por ter querido partilhar a má notícia com um velho amigo, porém ele preferia que o pai não o tivesse feito. Mas já fizera, e agora Harry estava em pé diante da mesa de Phillip, dominando-o de cima porque ele não havia se levantado de sua cadeira. — Isso nada tem a ver com você — respondeu, fitando Harry de frente. — Claro que tem! Para começar, se a Móveis Keene está em pior situação do que eu supunha... — Você sabe exatamente em que situação a empresa está. Vender a loja de Chicago só poderá melhorá-la. Isso irá reduzir as perdas. Temos de fazer um inventário e modificar alguns procedimentos para procurar diminuir nosso prejuízo. Coisa que já deveria ter sido feita meses atrás. Observou o homem que dali a dois dias se tornaria seu sogro. Por que Harry não estava satisfeito ao ver que Phillip tomava providências para remediar as condições financeiras da empresa? Ele deveria estar batendo amigavelmente nas suas costas e dizendo: "Muito bem. Essa é uma decisão dura de tomar, mas você tem coragem. Talvez logo esteja m condições de começar a diminuir a dívida da Móveis Keene". Em vez disso, o rosto de Harry estava vermelho de raiva e seus lábios estavam torcidos numa expressão de desdém. Ele se dera ao trabalho de ir até ali para discutir com Phillip contra uma decisão acertada. Não fazia sentido. — Não vejo qual é o problema — disse Phillip, afinal. — Você.vai casar-se no sábado. Por que tomar essa atitude pesada tão perto do dia do seu casamento? — Eu deveria ter tomado esta atitude em janeiro — reconheceu Phillip. — Mas ainda está em tempo e estou contente por tê-la tomado. O que isso tem a ver com o casamento? — Não quero que tenha aborrecimentos desse tipo na lua-de-mel. — Harry foi até a janela que ficava atrás da escrivaninha. — O que vai fazer? Deixar Trícia sozinha na praia e correr ao hotel para saber de notícias e dar ordens pelo telefone? — Não vai haver necessidade de saber notícias nem dar ordens quando estivermos viajando. Tenho pessoas no departamento financeiro que podem cuidar da venda. E não quer dizer que a venda aconteça no decorrer da semana que vem. Estou apenas pondo as engrenagens em movimento. — Considero essa uma decisão terrível — criticou Harry. — Acho que é loucura desfazer-se de qualquer coisa agora. Pelo jeito essa formatura na Harvard inflou seu ego PROJETO REVISORAS 97


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e... — Harry, isso não é da sua conta — impacientou-se Phillip. Harry voltou para diante da mesa e encarou-o. As palavras de Phillip pairavam no ar sem nenhuma contradição, no entanto... Será que Harry queria que aquilo fosse da sua conta? Será que ele queria ter algo a dizer a respeito, queria que a Móveis Keene se tornasse sua? Por qual outro motivo ele ficaria tão irritado diante de uma decisão que iria estabilizar a empresa e fazê-la entrar aos poucos no caminho certo? Ele queria que a Móveis Keene afundasse. Queria ficar com a empresa em lugar do pagamento. Queria ser o dono da Móveis Keene. Poderia ficar mais ligado à fábrica pelo fato de sua filha casar-se com Phillip e poderia forçar James Keene a entregar-lhe as chaves da empresa uma vez que todos concordassem em que a Móveis Keene jamais poderia pagar o dinheiro que Harry havia emprestado. É claro que na ocasião em que fizera o empréstimo ele sabia que estava emprestando muito mais dinheiro do que James poderia pagar no prazo que eles haviam estipulado. Os pagamentos deveriam iniciar-se no dia primeiro de janeiro do ano 2000. Já se haviam passado seis meses e nada havia sido pago. A verdade atingiu Phillip com o impacto de um soco no estômago: Harry soubera desde o início que a Móveis Keene nunca seria capaz de pagar a dívida dentro do prazo. Era esperto demais para não ter percebido. Havia planejado as coisas desse jeito mesmo. Sabia que a empresa não iria conseguir pagar a dívida e passaria para suas mãos. Para garantir que a Móveis Keene ficasse totalmente sob seu controle, juntara sua filha com o filho de James Keene, só para suavizar o golpe, torná-lo menos feio e também como um seguro, no caso de haver um milagre e a dívida ser paga a tempo. Se não pudesse ficar com a firma mediante um processo de bancarrota, ficaria por meio do casamento da filha. Quando ela se tornasse uma Keene, ele teria uma porção de oportunidades de intrometer-se na direção. — Acredito que não temos mais nada a conversar — disse Phillip, a raiva fervendo por dentro, mas a voz fria como gelo. Harry devia ter percebido que ele compreendera. Sua expressão suavizou-se; apoiou as mãos no tampo da escrivaninha e inclinou-se para a frente, olhando para o futuro genro com paternal simpatia. — Não tome nenhuma atitude precipitada, Phil. Esse é um passo muito grande para você dar com toda a distração do casamento ocupando-lhe a mente. Case-se, faça sua viagem de lua-de-mel e nós discutiremos a situação em Chicago quando você voltar. — Nós não vamos discutir coisa alguma — retrucou Phillip. — Já está decidido. Por favor, dê-me licença agora. Tenho muito trabalho a fazer. Harry respirou fundo e expirou ruidosamente. — Vou falar com seu pai. — Se quiser... Phillip agia como se não se importasse, porém seu coração saltava no peito quando virou-se para o computador e, apertando algumas teclas, trouxe uma ficha ao monitor. Olhando a ficha sem ver, ouviu os passos de Harry indo para a porta, em seguida o clique dela abrir-se, depois o clique de se fechar. Soltou a respiração, devagar, com admirável compostura, em seguida deu um murro na mesa, com força e sem compostura alguma. Ergueu o telefone, discou o ramal do pai e quando ele atendeu, advertiu: — Não se atreva a falar com Harry. — Por quê? O que está acontecendo, Phil? — Não tenho certeza. Ele está indo aí para falar com você, pai. Vai dizer que eu sou um cabeça-quente, que sou imaturo. Ou quem sabe vai dizer que na Harvard enfiaram PROJETO REVISORAS 98


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uma porção de bobagens na minha cabeça. Não sei... mas Harry poderá dizer-lhe algo que demonstre que me acha um imbecil e que você precisa me convencer a não vender a loja de Chicago. — Bem, não posso dizer que discordo se ele... — Não me interessa se você concorda ou discorda. Apenas não lhe diga nada. Ele não é da nossa família... ainda não. Harry não tem de se meter nisso. Phillip deu ao pai uma fração de segundo para responder, então continuou: — Vou ficar fora do escritório hoje. Faça o possível para livrar-se do Harry, papai. Estou fazendo o que acho melhor... o que sei que é melhor para você, para mim e a empresa. Está bem? James Keene não disse nada por um alguns momentos. Então... — Eu confio em você, Phil. Sei que não é imbecil e nem cabeça-quente. Mas gostaria muito de saber o que está fazendo. — Estou salvando a Móveis Keene — respondeu Phillip, esperando de fato estar cumprindo bem essa tarefa. Ainda não tinha certeza de como iria salvá-la, nem por que Harry queria apoderar-se da empresa. Tudo que sabia era que sua mãe lhe dissera para confiar no seu instinto. E, na verdade, tudo que ele linha era instinto. Instinto e Cassie Webber. Os móveis eram envernizados em um edifício muito bem ventilado, uma espécie de galpão separado do prédio da empresa. Roger já gravara o mestre explicando o processo, os aparelhos usados, a luz aplicada sobre a madeira entre cada camada de verniz, o poliuretano aplicado como acabamento protetor. Apesar de estar usando a máscara apropriada que cobria nariz e boca, Cassie ficara com dor de cabeça por causa do cheiro acentuado de acetona que pairava no ar, mesmo com os vários exaustores em funcionamento. Roger e Diane insistiam em que o cheiro não os incomodava. Andavam pelo galpão, os rostos meio escondidos atrás das máscaras de um azul-claro, como cirurgiões de filmes dramáticos do horário nobre da tevê. — Vou lá fora respirar um pouco de ar puro — disse Cassie a Diane. A dor de cabeça ameaçava tornar-se pior. Duas horas na seção de envernizamento e ela parecia estar sentindo o gosto do verniz. — Claro, pode ir — a voz de Diane soava abafada pela máscara. — Ainda há muito que gravar por aqui? Diane consultou sua prancheta. — Só os detalhes finais. Eles usam uma escova especial para dar brilho ao verniz. Pode ir, Cassie. Vá lá para fora e respire bem. Você deve estar se sentindo como irei me sentir depois de fumar o charuto de Harry. Plano E, lembrou-se Cassie, satisfeita porque a amiga não podia ver seus lábios curvando-se para baixo numa expressão de desânimo. Ainda tinha na memória a raiva percebida na voz de Harry o ouvira discutindo com Phillip através da parede do toalete. Diane parecia estar encantada com a gentileza de Harry Riggs, mas Cassie sentia que o encanto dele era como o de uma cobra; suave quando as coisas estavam como ele queria, mas sempre preparado para dar o bote e cravar as presas venenosas no adversário. Bem, o fato era que se alguém poderia torná-lo amável, esse alguém era Diane. E o papel de Cassie no desenvolvimento do Plano E, visitar Dorothy Keene e tirar dela informações sobre o relacionamento de Phillip com Trícia, poderia tornar-se tão perigoso quanto o encontro com uma cobra. A simpática senhora não era traiçoeira, nem venenosa, mas também não era boba. Ela poderia escolher não dizer a verdade a Cassie. PROJETO REVISORAS 99


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E se lhe dissesse toda a verdade, o resultado poderia ser até mais doloroso do que a picada de uma cobra. Lá fora, no ar quente e úmido, ela tirou a máscara, deixando-a pendurada no pescoço, e respirou profundamente. Uma suave névoa pairava na atmosfera, e no céu havia muitas nuvens cinzentas. Trataria de prestar atenção na previsão do tempo da tevê. Talvez estivessem previstas chuvas pesadas para o sábado, e o adorável casamento no jardim seria impossível. Aspirou mais um bocado de ar puro e notou que de onde estava via o estacionamento perto do prédio principal. Reparou que havia apenas dois lugares vagos; parecia que, apesar da incrível quantidade de sinais negativos nos registros de contabilidade, a empresa funcionava ativamente. Nesse momento começou a chover. Ouviu um motor de carro a sua esquerda. Voltando-se, viu um Mercedes que se dirigia lentamente para onde ela se encontrava. O teto polido e cor de creme do carro, assim como seus vidros, estavam cobertos de pingos de chuva e o limpador de pára-brisa funcionava de modo intermitente. Cada vez que o fazia, ela via o rosto de Phillip por trás da meia-lua seca. Não sabia o que pensar quando o viu, nem o que sentiu. Raiva? Ressentimento? Amargura? Ou piedade e preocupação? Ela ainda estava sintonizada com ele e muito consciente de sua presença. Ainda respondia ao sinal dele. O Mercedes parou na frente dela e o vidro da porta do passageiro desceu. — Entre — disse Phillip. — Eu não estou... Quero dizer, eu só saí um pouco para livrar a minha cabeça do cheiro do verniz. Estava me fazendo mal. O sorriso dele era indecifrável e seus olhos, sem expressão. Não importava que ela estivesse na freqüência dele: Cassie não conseguia decodificar o seu sinal. — Entre assim mesmo — insistiu Phillip. As palavras haviam soado como uma ordem, porém o tom era amigável. Ela queria entrar, mas sabia que não devia. — Tenho de voltar lá para dentro — indicou o galpão um pouco atrás. — Estamos gravando. — Eles podem gravar sem você. — Ele deu um sorriso encantador e suplicante. — Vamos, entre. Phillip a estava convidado a entrar no carro por algo mais além de protegê-la da chuva. Queria tê-la perto por algum propósito específico que ela não conseguia desconfiar qual fosse. De algum modo Cassie compreendeu que sua decisão, entrar no au tomóvel ou ficar fora dele, molhando-se, teria importantes implicações. Mas não tinha idéia de que implicações poderiam ser. O olhar de Phillip implorava. Sua postura, sua expressão, os cabelos despenteados, a mão que acariciara o rosto dela no dia anterior e agora estava apoiada no assento do passageiro, tudo na posição dele, tudo em sua expressão dizia que precisava dela desesperadamente em seu carro. E esta era uma razão suficiente para não entrar no automóvel. Mas tratava-se de Phillip. O homem que lhe dissera que amava Trícia. O homem que mentira para ela um ano antes, ou havia mentido no dia anterior. Até que ponto poderia ser perigoso sentar-se no automóvel, ao lado dele, por um minuto antes de voltar para o cheiro de verniz? Menos perigoso do que fumar um charuto com Harry Riggs. Provavelmente menos perigoso do que interrogar a mãe dele. Cassie entrou. — Coloque o cinto — avisou Phillip, dirigindo para longe do galpão. PROJETO REVISORAS 100


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— Phil! — Ela olhou desamparadamente para o edifício que ficava para trás. — Para onde estamos indo? — Coloque o cinto. Não quero receber uma multa por estar rodando com passageiro sem cinto de segurança. O pânico começou a surgir dentro dela e estabeleceu-se. Um traidor, sim. Um mentiroso, definitivamente. Mas não um seqüestrador. Nem um homem violento. Ela é que fora levada, pela traição dele, a ter pensamentos violentos a respeito de bombas e incêndio. Phillip não queria machucá-la. Por outro lado, estava mais do que claro que pretendia levá-la para fora da cidade. Naquela primeira noite em Lynwood, quando ele fora pegá-la na Pousada Bailey's, ela chegara a pensar que Phillip planejava matá-la e abandonar seu corpo no mato. Mas daquela vez ele estava muito zangado com ela. Não parecia zangado agora; não com ela. Parecia resoluto, os lábios apertados, os dentes cerrados, o olhar fixo no asfalto diante dele. Sua atitude transpirava determinação. Enquanto Phillip colocava cada vez mais distância entre ela e seus colegas, Cassie procurou demonstrar pelo menos um mínimo de preocupação. — Para onde estamos indo? — perguntou de novo. Ele não respondeu. — Para aquele rochedo? O Mirante? Phil, não posso me ausentar do trabalho, por isso vire o carro e... — Chicago — disse ele. O pânico retornou com toda força. — Chicago? — Ela pensou que estivesse gritando, mas não; sua voz soara baixa e alarmada. — Do que você está falando? — Estamos indo para Chicago. — Estamos, coisa nenhuma! Ficou louco? — Aos poucos o medo foi dando lugar à raiva. — Vamos, Phil! Você está brincando, não? — Não. Ele acelerou quando chegaram ao limite da cidade. A estrada corria entre pomares e campos. Não havia tráfego que o impedisse de apertar o acelerador; o poderoso motor do Mercedes murmurava e a agulha do velocímetro passou dos cem quilômetros por hora. — Phillip! Ela olhou-o e procurou sinais de loucura em seu perfil. A dura determinação nos traços parecia ter-se suavizado um pouco; havia um certo brilho nos olhos dele e um leve tremor no canto da boca. Mas não parecia disposto a dar explicações, e ocorreu a ela que "seqüestro" era uma palavra capaz de descrever perfeitamente o que estava acontecendo. — Você não está falando sério, está? Phillip deu-lhe um sorriso rápido. — Estou, sim. — Mas iremos viajar de carro o dia inteiro e... — Vamos viajar de carro menos de uma hora, até o aeroporto de Columbus. De lá será uma hora e meia de avião e estaremos em Chicago em tempo de almoçar. — Você enlouqueceu mesmo. Ela recostou-se em seu assento e colocou os pensamentos em ordem, depois desmanchou-os, tornando a colocá-los em ordem, como uma criança querendo formar uma estrutura coerente com blocos. No dia anterior vira na mesa dele aquele papel com números que indicavam o enorme prejuízo que a loja da Móveis Keene em Chicago vinha dando. Pelo jeito, Phillip queria ir até lá por algum motivo. Estancar o prejuízo? Despedir funcionários? PROJETO REVISORAS 101


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Que beleza! Esse era o trabalho dele. O dela era dirigir a gravação dos estágios finais da fabricação de uma cadeira para o programa Rodas dos Sonhos. Cassie não tinha motivo algum para ir até Chicago. Por que ele a estava levando? Será que soubera do plano E e estava fazendo aquilo para impedi-la de visitar sua mãe? — Preciso de você comigo — disse Phillip. Sob a simplicidade dessas palavras havia uma profunda verdade. Ela o fitou pensativa. O rosto dele estava impassível, não revelava nada. — Por quê? — perguntou Cassie. — Vou vender a loja de Chicago. — Agora? — Vou dar os primeiros passos. Vou até lá para dizer isso ao gerente. Não posso fazê-lo por telefone. Ele sabe que estou indo. Quando chegarmos lá, eu direi a ele por quê. — Está bem. Examinar o rosto de Phillip não estava lhe dizendo nada, então ela passou a examinar os próprios joelhos. Sua meia-calça tinha manchas redondas, escuras, nos lugares em que a chuva a havia molhado. Estava usando outro conjunto novo que havia comprado quando o Plano B ou C, fosse lá qual fosse o plano segundo o qual deveria se tornar uma mulher fatal e reduzir Phillip a uma indefesa massa de agitados hormônios, ainda era operacional. A saia que usava não era tão curta quanto a do dia anterior, porém tinha botões ao longo do lado esquerdo inteiro e era tão justa que os últimos três botões tinham de ficar desabotoados para permitir-lhe andar. A blusa de seda era um pouco mais discreta do que o top de renda. Deixara a jaqueta à entrada da divisão de envernizamento. Era por pura sorte que se encontrava com a bolsa pendurada no ombro ao sair, ou também estaria sem ela. Nunca havia estado em Chicago, mas achava que não devia ser um lugar para o qual se poderia ir sem bolsa. — Então — tentou manter a voz calma —, vamos voar para Chicago, almoçar lá, você vai dar a notícia-bomba para os seus funcionários e então voaremos de volta? — Isso mesmo. — Em tempo de você se casar? Esse detalhe realmente não a interessava, mas o mencionara apenas para lembrá-lo de que ele devia estar se preparando para o casamento com Trícia. — Vou me preocupar com meu casamento depois. — Mas eu estou me preocupando com o seu casamento agora. Por que me leva para Chicago, em vez de Trícia? Se não pode ir até lá e resolver tudo sozinho, por que não a leva? Ou... Como é mesmo o nome dela? Edie, a sua secretária. — Edie é mais valiosa para mim em Lynwood, mantendo as coisas andando na Móveis Keene e tranqüilizando meu pai. Ele não está muito entusiasmado com o que vou fazer. Expandir a firma abrindo uma loja em Chicago foi idéia dele e está muito aborrecido por termos de fechá-la. Talvez possamos reabri-la algum dia, mas não agora que não conseguimos nem pagar nossas dívidas. Por que ele estava dizendo isso tudo a ela e não a Trícia? — Eu ainda não sei o que estou fazendo aqui — reclamou Cassie. — E, ao contrário de você, não tenho alguém como Edie que mantenha a gravação andando em Lynwood. — Claro que tem. Diane pode cuidar disso. Eu lhe disse desde o começo que este não era um bom momento para filmar um episódio do seu programa na Móveis Keene, mas você teimou. — Ele sacudiu os ombros como se dissesse Não me culpe. — Entre Diane e o Grande Loiro Beckelman... sem falar em Iodos àqueles funcionários da Keene que saltariam por dentro de argolas de fogo para participar da gravação... não há motivo para você ficar preocupada. PROJETO REVISORAS 102


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Grande Loiro Beckelman? Phillip não costumava ser sarcástico; devia estar cismado com Roger. Cassie acrescentou mais alguns blocos em sua precária construção: será que ele sabia que Trícia e Roger haviam estado juntos na noite anterior? Será que sabia que sua noiva estava se sentindo atraída por Roger? Será que sabia que ela beijara o rosto de Roger? No entanto, Cassie estava inclinada a pensar mais em si mesma do que em Trícia e Roger. Apesar de tudo que Phillip lhe havia dito, apesar de suas palavras e do tom convincente, ainda sentia-se perdida sobre o motivo pelo qual ele a fizera entrar no carro e a levava consigo para o aeroporto de Columbus. — Por que eu? — perguntou. — Por que eu estou aqui? — Porque confio em você. Nada entre ela e Phillip poderia ser mais simples. — Mas eu não confio em você — retrucou. — Eu sei. O limpador continuava seu intermitente passar no pára-brisa, limpando os pingos de chuva acumulados no vidro. Cassie gostaria que sua situação com Phillip pudesse também ser clareada por um limpador de pára-brisa. — Sabe que não confio em você? Então, por que está me levando nessa viagem? — Fechar a loja de Chicago vai ser difícil — explicou ele, as palavras soando devagar, quase hesitantes. — Estou indo contra a vontade de meu pai. Vou reverter a grande expansão que ele pôs em movimento. É quase como pretender que um avião pare no ar... — Phillip diminuiu a velocidade do carro, como se quisesse concentrar-se mais no que dizia. — Eu acho que Harry está querendo se apossar da empresa — revelou por fim. — Acho que ele quer que a Móveis Keene não pague a dívida para poder tomar conta dela. — Harry? Harry Riggs? — Cassie fitou-o, surpresa. — O seu futuro sogro? Phillip assentiu. — Meu futuro sogro e o mais velho amigo de meu pai. A empresa deve para ele e se não pagarmos as parcelas da dívida dentro do prazo, ele pode ficar com ela. A Indústria de Móveis Keene é a garantia do empréstimo. Querer tornar-se dono da empresa é o único motivo em que posso pensar para Harry não querer que eu faça alguma coisa para reduzir nossa dívida. Ele considerou por alguns momentos o que dissera, então pareceu convencer-se de que estava certo. — Se esse é o verdadeiro motivo de Harry — prosseguiu —, tirar a Móveis Keene da minha família, irá destruir meu pai. Para ele, perder a empresa para seu melhor amigo vai ser pior do que perdê-la para qualquer outra pessoa. Cassie teve um acesso de culpa. Ela gostara da idéia de arrasar a Móveis Keene para machucar Phillip. Mas não o pai dele. Phillip era a única pessoa que ela queria fazer sofrer. — Por que Harry Riggs quer ficar com a Móveis Keene, Phil? — Não sei. Ele era presidente do único banco da cidade, até que este foi absorvido por um desses conglomerados regionais de bancos. Fez fortuna nesse trabalho e aumentou essa fortuna, depois, como financista. Ele é uma pessoa muito... dominadora. — Phillip parecia escolher cada palavra com cuidado. — Quando estava na presidência do banco, controlava a maior parte do comércio de Lynwood. Agora está nadando em dinheiro, porém não é mais parte essencial da cidade. Só estou raciocinando, mas... faz sentindo, não? A Indústria de Móveis Keene é um dos maiores empreendimentos locais, a maior indústria. Imagino que Harry a queira porque não tem mais nada a não ser dinheiro. PROJETO REVISORAS 103


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— Olhou-a rapidamente. — O que você acha? Cassie estudou a hipótese, depois fez que sim. —- Não conheço Harry tão bem quanto você — admitiu —, mas como teoria psicológica é plausível. — O fato é que Harry tem uma das maiores mentalidades financeiras daqui. Ele conhece a natureza do risco. Sabe que se você empregar dinheiro numa empresa em má situação, não pode esperar um retorno imediato. Sabe que se trata de um investimento a longo prazo. No entanto, incentivou meu pai a tomar mais empréstimos do que seria capaz de pagar e estipulou os pagamentos em prazos impossíveis de serem cumpridos. Por que ele faria um negócio tão ilógico do ponto de vista financeiro? — Por amizade? — sugeriu Cassie. — Se ele fosse correto, se fosse totalmente escrupuloso... se eu confiasse nele, concordaria com você. Mas se Harry houvesse feito esses empréstimos a meu pai em nome da amizade, não estaria nos pressionando agora, fazendo ameaças veladas caso os prazos dos pagamentos não sejam obedecidos. Amigos não fazem isso um com o outro. Rivais em negócios, sim. Ocorreu a Cassie que Phillip e ela estavam conversando do modo que costumavam conversar um ano antes. Ele pensava alto e ela pesava e media suas idéias, contrapondo-se a elas a fim de que fossem bem dimensionadas. Ela gostava de debater com ele sobre negócios, tanto quanto gostava de debater a respeito dos temas para Rodas dos Sonhos ou das qualidades da pizza que estavam devorando. Tinham se apaixonado em meio dessas amigáveis discussões, em meio ao ritmo e entusiasmo de suas palavras, em meio às suas idéias. Mas ela não queria pensar em quanto amara Phillip. — O que acha que Trícia vai sentir quando você lhe disser que pensa que o pai dela está tentando roubar a sua empresa? O motivo principal para Cassie estar mencionando Trícia era porque lhe parecia a melhor maneira de se proteger das noções do amor. — Quem disse que eu vou dizer a ela? — Ela vai ser sua esposa. Não deverá existir segredos entre vocês, não? Ele fingiu estar ocupado demais com o trecho de muito tráfego da estrada para não responder a essa pergunta. Seu silêncio queria dizer que pretendia guardar segredos da esposa? Era essencial para um bom casamento poder discutir qualquer coisa, fossem negócios, trabalho, problemas de família ou pressões financeiras, ou o estado da mente e do coração de um deles. Pelo menos era no que Cassie acreditava. Esperou que Phillip ultrapassasse vários carros e tivesse de novo o caminho livre para insistir: — Phil, como vai se dar com Trícia se acha que o pai dela está querendo esfaquear seu pai pelas costas? — Não quero falar a respeito com Trícia — resmungou ele. — Mas ela faz parte disso tudo. — Até este momento, não. Ele acelerou de novo, pegando agressivamente a esquerda da estrada para ultrapassar outros poucos carros. Cassie suspirou. Phillip poderia teimar, porém a verdade era que estava indo a Chicago para tentar evitar um desastre que seu futuro sogro parecia querer que acontecesse. E a levava com ele, como conselheira, refém, como uma amiga. — Assim que chegarmos ao aeroporto — disse ela — vou telefonar para Diane e Roger para dizer-lhes onde estou. Eles estão pensando que me encontro perto do galpão, tomando um pouco de ar puro. PROJETO REVISORAS 104


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Phillip abriu um compartimento no console entre os assentos deles e entregou-lhe um celular. — Fale com eles agora mesmo. Ela pegou o telefone. — Creio que ainda estão na Móveis Keene. Qual é o número? — Está programado. Aperte o Auto e disque 1. Edie vai atender, e poderá dar o recado aos seus amigos. Assentindo, ela apertou os botões. Depois de dois toques a secretária de Phillip atendeu e Cassie atrapalhou-se com o que devia falar. — Por favor, pode dizer a Diane e Roger que eu... Que não vou poder... Observou o perfil de Phillip, seus traços cinzelados, o olhar firme, determinado. A voz dele ecoou na sua mente: Confio em você. E ela respondera que não confiava nele; mas se realmente não confiasse, insistiria para que virasse o carro e a levasse de volta a Lynwood. Ou teria digitado o número da polícia no celular, assim que ele o entregara. Não ter feito nada disso queria dizer que confiava nele, pelo menos um pouco. O bastante para acompanhá-lo até Chicago e fingir que ainda eram confidentes. — Por favor, diga a Diane e Roger que está acontecendo algo que explicarei depois — disse ao telefone. — Diga que só estarei fora hoje e que devem terminar a gravação sem mim. — "Vou dar o recado." Na verdade, Cassie sabia que eles não tinham muito mais a gravar nesse dia e imaginou o que os dois fariam durante a tarde. Será que Roger iria se encontrar com Trícia de novo? Se assim fosse, o problema era de Phillip e não dela. Seu problema era Diane. — E, por favor, pode dizer também a Diane... — Olhou para Phillip e decidiu-se por uma frase discretamente ambígua: — Diga-lhe que tenha muito cuidado esta tarde. — "Que tenha cuidado" — repetiu Edie. — Ela vai saber do que se trata? Provavelmente não. — Diga-lhe — elaborou Cassie —, que tenha muito cuidado se for prosseguir com o Plano E. — "Plano E?" Cassie imaginou Edie escrevendo o recado e depois tentando descobrir o que ele significava. — Ela vai saber do que se trata — garantiu Cassie, com menos confiança do que demonstrava. — Obrigada. E desligou o telefone antes qxie Edie perguntasse mais alguma coisa. — Plano E? — quis saber Phillip. — Tem a ver com o Rodas dos Sonhos —justificou Cassie. Guardou o celular no compartimento do console e fechou os olhos, tentando afastar a visão de Diane fumando um charuto com Harry Riggs. Imaginar sua amiga fumando um charuto era quase impossível. E ainda por cima com Harry? Aquele homem perverso que queria se apossar da empresa de Phillip? Diane era esperta e cuidadosa. Quando se tratava de aplicar um esquema, chegava a ser perfeita. Mas, e se Harry conseguisse manejá-la? E se ele a fizesse falar no exrelacionamento de Cassie com Phillip? Como Harry iria usar essa informação? Por mais esperta e cuidadosa que Diane fosse, ela tendia a não exercer cautela em bases regulares. Por exemplo, apaixonara-se por Bobby, o mais bonito fracassado a leste do rio Mississípi. E adotara Howser, o mais vagabundo e sarnento gato a oeste do oceano Atlântico. Como conseguiria defender-se de Harry Riggs, que.tinha mais charme PROJETO REVISORAS 105


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do que Bobby H e Howser juntos? Mais uma vez virou a cabeça para olhar Phillip. Um ano antes gostava muito das opiniões claras e firmes dele. Gostava de analisar resoluções de problemas com ele. Gostava do cheiro dele, sabonete e loção após barba, do tom profundo de sua voz e da elegante masculinidade de suas mãos, suas pernas, seus ombros. Da sua boca. Da sua mente. Gostava do modo como ele confiava nela. Vinte minutos antes achara que ele estava louco, seqüestrando-a para levá-la a Chicago. Mas agora achava que talvez ela fosse a louca por estar tão calmamente sentada naquele carro, deixando-se levar por Phillip e pensando nas várias coisas dele das quais gostava... Isso tudo dois dias antes de ele se casar com outra. CAPÍTULO DOZE Phillip não tinha certeza do que queria de Cassie. Que nada! Ele sabia muito bem o que queria dela. Além das coisas mais óbvias, como sua boca unida à dele, suas pernas e braços entrelaçados com os dele, seu corpo macio e cálido... Mas por enquanto, naquele momento em que o avião descia na pista em Chicago, o que queria dela era seu apoio. Sua sabedoria. Sua mente clara, sua consciência, sua empatia. O que iria fazer seria doloroso para todos os envolvidos e ele a queria a seu lado para reassegurá-lo de que tomara a decisão certa. Cassie se mantivera calada durante o vôo, dando uma olhada numa revista, oferecendo o saquinho de amendoim doce a Phillip e tomando um refrigerante. Mas ele a conhecia bastante bem para saber que, apesar da aparência calma, o cérebro dela estava funcionando a toda velocidade. Cassie estava pensando, tentando imaginar o que estava por acontecer. Como ele. Talvez não devesse tê-la trazido consigo. Se não o tivesse feito, teria usado o tempo da viagem para organizar o que iria dizer ao pessoal da loja de Chicago. Em vez disso, passara o tempo todo pensando nos macios e bastos cabelos negros de Cassie, no pescoço esguio e alvo, na curva dos seios. Pensara também no seu casamento, que seria dali a dois dias, na jovem amável que era sua noiva e que nunca fizera nada para aborrecê-lo. Nem mesmo ficara muito perturbado pelo beijo que ela dera na face de Beckelman. As pessoas beijavam-se no rosto o tempo todo — sobretudo o pessoal da televisão, teatro e cinema. Diane o beijara no rosto mais de uma vez e isso não quisera dizer nada. Cassie... Contudo, bastava Cassie olhá-lo e esse olhar significava para ele tudo que importava no mundo. Não podia casar-se com Trícia. Sabia disso agora. E nada tinha a ver com o comportamento do pai dela. As táticas desprezíveis de Harry não eram culpa de Trícia. O fato é que Phillip não a amava. Nem sentia alguma espécie de atração especial por ela. Já ao contrário, quer amasse Cassie ou não, sua mera presença o fazia lembrar-se de como poderiam ser o amor e a paixão. Conhecera a força desses dois sentimentos com Cassie uma vez e não conseguia conceber o futuro sem eles. Depois de resolver a situação da loja de Chicago, voltaria para Lynwood e terminaria tudo com Trícia. Chicago seria um bom treino para isso. Nesse momento encontravam-se, com a multidão de passageiros, no terminal da empresa de aviação, indo para a escada-rolante que os levaria até o saguão do aeroporto. — Phil, o que vou ficar fazendo enquanto você estiver cortando cabeças? PROJETO REVISORAS 106


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Ele deu um sorriso triste. — Acha que vai ser um banho de sangue? — Acho que você acha que vai — respondeu ela. — Essas coisas acontecem o tempo todo, Phil. Lojas fecham. Pessoas perdem seus empregos. Às vezes é preciso amputar um membro condenado para salvar o paciente. É duro, mas tem de ser feito. — Amputações. Decapitações. Você está mesmo elevando o meu moral! — E você está evitando a minha pergunta. O que posso fazer enquanto você realiza a cirurgia? Enxugar o sangue? — Não sei... Ele fez um gesto para a porta giratória, encaminhando-se para a saída do aeroporto. Quando saíram foram recebidos pela chuva, refrescante depois do ar-condicionado do terminal. — Se você quiser posso deixá-la num museu ou num cinema, caso haja algum filme que queira ver. Levou-a para o ponto de táxi, onde uma fila de automóveis amarelos esperava pelos passageiros. — Eu não viajei até aqui para ir a um museu ou cinema... Depois de dizer isso ela perguntou-se por que tinha viajado até ali, além de praticamente ter sido obrigada por ele, pois não lhe dera muita chance de recusar. Bem, o fato é que entrara no carro dele, e no que dizia respeito a Phillip isso era um "sim". E em seguida não houvera muitos "nãos" durante o caminho. Se ela houvesse dado alguma demonstração definitiva de que não queria ir, ele teria virado o carro e a levado de volta a LynWood. — Se você quiser ir à loja comigo, eu vou ficar contente, mas não acredito que vá haver tanto sangue que seja preciso enxugar. Por outro lado, também ninguém irá morrer de alegria. — Quem? Eles ou você? — Vai ser trágico para eles e apenas desagradável para mim..— Ele suspirou, sentindo na alma o peso do que iria fazer. — Eu já me sentia culpado pela maneira que meu pai fez as coisas. Agora vou ter também um punhado de gente desempregada na consciência. Ajudou-a a entrar num táxi e Cassie deslizou pelo assento a fim de dar lugar para ele. Phillip deu o endereço ao motorista, depois dirigiu a ela o que era uma fraca imitação de sorriso. Ele não estava nada feliz. A única coisa que o impedia de sentir-se arrasado era a companhia de Cassie; sua presença lhe dava coragem e força. — Talvez você possa indicar aos funcionários despedidos uma boa agência de empregos — sugeriu ela. — Isso poderá tornar a situação mais fácil para eles. — Vou pensar a respeito. Atrás dela o vidro estava cinzento por causa dos pingos de chuva e, em contraste, seu rosto parecia mais claro, seus traços mais definidos, a expressão tão bonita quanto absorta. Phillip lembrava-se da primeira vez que a vira. Naquele dia ela se mostrara apenas bonita, atraente. Lembrou-se de que conversavam a respeito dos funcionários de Chicago que estavam a ponto de ser despedidos. — Na verdade, não há muito que pensar: o seguro desemprego dará uma ajuda até que eles encontrem outro trabalho. Pelo menos para os vendedores... Phillip olhou pela janela do carro por um instante e viu que chovia mais forte. Ele estava de terno, mas Cassie não tinha nenhum agasalho. Felizmente ele sempre levava um guarda-chuva em sua pasta. A. idéia de tê-la juntinho de si sob o guarda-chuva era animadora. PROJETO REVISORAS 107


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— E o pessoal de nível mais alto? — Eles me causaram muitas dificuldades. Desde o verão do ano passado me mantive em contato constante com os dirigentes da loja, dando orientação, explicando o que deviam fazer para tirar a contabilidade do vermelho. Eles me ignoraram. Queixavamse para meu pai às minhas costas e só Deus sabe se não falavam com Harry também. Eu imagino... Será que ele estava se tornando paranóico? Ou seria possível Harry ter dirigido a queda da loja? Cassie pareceu ler-lhe a mente. Essa era uma das coisas das quais ele mais gostava nela: os dois pareciam estar sempre em sintonia. Não tinha de lhe explicar tudo do modo como fazia com Trícia que, além de tudo, raramente entendia as explicações. — Vocês conseguiriam pagar as parcelas das dívidas a Harry se não fosse essa loja? — perguntou Cassie. — Algumas delas, sim. Não todas. Mas, é claro, se a loja de Chicago não tivesse sido aberta, em primeiro lugar a Móveis Keene não teria tido de pedir tanto dinheiro emprestado. Portanto, há uma nítida relação entre as duas. — Você está nervoso, não? Ele riu. Depois fitou-a nos olhos e o riso morreu. Verificou que sempre que podia olhar para ela, falar-lhe, ouvi-la, o maldito tambor não ressoava em sua cabeça. Quando estava com Cassie não ficava nervoso, por mais difícil que fosse a situação em que se encontrava. — Eu menti — disse. — Ontem — acrescentou. — Sim? — Quando disse que amava Trícia. — Oh. Os lábios dela formaram um círculo perfeito. Ele queria tocar aquele círculo com sua boca, sentir-lhe a maciez e perfeição, mas não se atreveu. — Apenas gosto dela. E uma boa pessoa, mas não a amo. Queria pegar as mãos de Cassie também. Elas jaziam, longas e claras, sobre o tecido escuro da saia. Queria apenas segurá-las, apertá-las um pouco. Mas mesmo sem tocar Cassie, sentia a força que ela lhe transmitia. Iria ter o espinhoso encontro com o pessoal de Chicago. Depois teria uma conversa delicada com Trícia, durante a qual diria que não iria casar-se com ela. Sobreviveria às duas provações, desde que tivesse a força de Cassie dentro de si. — Neste momento você tem uma situação seria a resolver — disse ela —, não torne as coisas mais complicadas do que já são. Ele sorriu, dessa vez com alegria. — Está bem. Em seguida olhou para fora e imaginou que estava segurando a mão de Cassie. Ela ficou andando sem rumo pela loja da Móveis Keene enquanto Phillip falava com o gerente, no escritório. A loja parecia estar muito bem localizada; havia três outras lojas de móveis no mesmo quarteirão. A qualidade das peças em exposição era indiscutivelmente alta. Mas a disposição delas era ruim, tudo amontoado; cadeiras umas em cima das outras, mesas tão próximas entre si que um cliente poderia machucar-se tentando movimentar-se entre eIas. Os preços pareceram-lhe exorbitantes, mas uma vez que Cassie estava começando a juntar dinheiro para trocar os móveis do seu apartamento, todos os preços lhe pareciam caros. Um dia teria condições de mobiliar sua casa com peças bonitas como as que a Móveis Keene fabricava. As gravações que havia feito lá tinham lhe dado idéia de por que uma simples cadeira custava duzentos dólares: a madeira era cara, e a fabricação, mais PROJETO REVISORAS 108


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cara ainda. Lá fora a chuva caía de um céu baixo e nublado. Phillip já estava no escritório do gerente havia quase três horas. Ela deveria estar aborrecida e com fome, porém não estava. Não, por enquanto. Sentia-se como se houvesse viajado através do tempo para outro universo. Lynwood parecia-lhe irreal. Será que comeraçara o dia com um dos pesados pãezinhos da sra. Gill e um potinho de salada de frutas que fora feita havia tempo bastante para que tudo, as uvas, os pedacinhos de melão e de maçã, tivesse gosto de laranja? Será que terminara o café da manhã e saíra do hotel para a fábrica, com Diane sentada ao seu lado no carro alugado, falando de maneira enigmática sobre o fato de que teriam tempo de sobra naquela tarde para "cuidar de negócios" enquanto Roger permanecia tranqüilamente encolhido no assento de trás? Será que mordera mesmo o lábio para não perguntar a ele como tinha sido sua noitada com Trícia no estúdio? Tudo isso parecia ter-se passado um longo tempo antes. Agora encontrava-se na Cidade do Vento, que no momento era também da chuva, com Phillip, que confiava nela e dissera que não amava Trícia. Só de pensar nisso sentia-se ansiosa. Encostou a testa no vidro gelado de uma das vitrinas da loja. O que iria fazer agora? Esperar por Phillip, é claro. Esperar até que ele saísse daquele escritório. Então, iriam para a rua, debaixo de chuva, pegariam um táxi, voltariam para o aeroporto e depois para Lynwood. Ele decidiria o que fazer com Trícia e ela viajaria para Boston. Não devia concluir que a revelação de Phillip a respeito da noiva tinha a ver com ela. Tinha tudo a ver com o pai de Trícia, com ele próprio, com a empresa e com o futuro de sua família. Quanto a si, Cassie devia ser ajuizada e lembrar-se de conter seus impulsos emocionais. — Eu prometi que a levaria para almoçar — murmurou ele. Ela quase deu um pulo de susto e voltou-se para ver Phillip logo atrás. Ele parecia fatigado, havia afrouxado o nó da gravata e seus cabelos estavam em desalinho, como se houvesse enfiado os dedos neles. Podiam-se ver em seu rosto os sinais de aba timento e cansaço. — Você está bem? — perguntou Cassie. Não tentou sequer colocar distância entre eles, fosse física ou emocional. — Tive a tarde mais feliz da minha vida! Vamos comer. — Ele sorriu cansadamente. — Talvez beber também. Ela retribuiu o sorriso e precisou de todo o seu autocontrole para não abrir os braços, para não dar ao seu guerreiro ferido o abraço que ele merecia ao regressar do campo de batalha. — Vamos — disse apenas. Saíram da loja e Phillip tirou um guarda-chuva de sua pasta. Tinham de ficar muito juntos embaixo dele e quando Phillip passou um braço pelos seus ombros, Cassie disse a si mesma que era para mantê-la seca e talvez apoiar-se nela. Não era um abraço. Distância, tratou de lembrar-se, embora não houvesse entre eles mais do que a fina haste do guarda-chuva. Andaram depressa pela calçada, evitando as poças e mantendo-se longe do meiofio para não ser atingidos pela água espirrada pelos carros. Na esquina Phillip viu um táxi vago e fez sinal para ele. Entraram e ele deu o nome de um restaurante. O motorista ligou o taxímetro e tornou a fazer parte do tráfego. — Não conheço muitos restaurantes em Chicago — comentou Phillip —, mas comi no restaurante do hotel em que estive hospedado quando vim aqui a negócios e a comida era boa. Cassie fez que sim. Não lhe importava onde comeriam. O que lhe importava era não ser nada mais do que companheira dele, alguém que o ouvia quando quisesse falar, PROJETO REVISORAS 109


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alguém que lhe dava conselhos quando ele os pedisse. O fato era que não deveria sequer querer ouvi-lo e dar-lhe conselhos, pois segundo se lembrava Phillip pedira outra mulher em casamento; mas como parecia estar revendo sua posição em relação à noiva, tudo estava bem. O táxi parou diante do hotel. Cassie desceu, foi abrigar-se da chuva e ficou olhando a água pingar do beiral como uma cortina. O ar estava frio e úmido, gelando suas pernas, e ela cruzou os braços ao peito, procurando aquecer-se, enquanto Phillip pagava a corrida. Assim que ele saiu do táxi, entraram no hotel. Ainda era muito cedo para o jantar, porém o maitre assegurou-lhes que podiam sentar-se e seriam atendidos. Levou-os até o elegante salão, todo de linho, cristais e iluminação indireta. Lá em Boston o melhor restaurante ao qual tinha ido com Phillip era aquele tailandês, até o dia em que haviam passado mal. O maitre levou-os a uma pequena mesa junto de um banco semicircular. Puxou a mesa para que eles se acomodassem sobre o estofado de couro, depois empurrou-a; deu um cardápio a cada um e a carta de vinhos a Phillip. Ela observou o lado direito da coluna onde estavam os preços e ergueu as sobrancelhas. — O que foi? — perguntou Phillip. Cassie não sabia que ele a estava observando. — É caro demais — observou. — Não tem importância. — Então, aí está você dirigindo uma empresa à beira da falência, mas gastou dinheiro com uma passagem de avião para mim e agora quer gastar mais com... — Trata-se de almoço e jantar combinados. Dois pelo preço de um — brincou ele. — Minha empresa está de fato à beira da falência, mas tudo que estou gastando com você vai sair apenas do meu bolso. A empresa só paga por mim. — Sim, mas... o que acontecerá se a empresa afundar? Você vai ficar sem trabalho. Acho que não deveria estar gastando seu dinheiro à toa. Ele riu. — Tenho um diploma da Harvard e acho que posso arranjar emprego. Ela se descontraiu, recostou-se no macio encosto de couro e deixou que o ambiente de luxo a envolvesse. Ao ler o cardápio notou algo na lista de aperitivos. — Veja, eles têm pizza aqui! Claro, era uma pizza de queijo de cabra, ervas aromáticas, tomates secos e cogumelos grelhados, muito diferente das pegajosas pizzas de mussarela que haviam comido juntos em Boston. E um pedaço dessa pizza refinada custava mais do que a pizza inteira de Boston, também. Mas se preços não importavam para Phillip, com seu diploma da Harvard, ela também não iria importar-se. — Vamos pedir pizza, então! Quando o garçom chegou, recebeu um inusitado pedido: pizza-aperitivo, duas saladas, antepasto e uma garrafa de vinho merlot de quarenta dólares. Juntamente com o que já acontecera, o restaurante, vazio a não ser por eles e os funcionários de paletó espalhados pelo salão, contribuía para a sensação de irrealidade de Cassie. Estava longe do mundo dos planos em ordem alfabética, longe de Lynwood e do casamento de sábado, Iria saborear cada bocado dessa refeição, cada gole do vinho. Iria fazer de conta que nada existia além do cantinho daquele restaurante onde ela e Phillip se encontravam. Dois garçons aproximaram-se, um trazendo vinho e o outro copos redondos de cristal. Era evidente que estavam aborrecidos sem clientela que os ocupasse. Se queriam preencher seu tempo atendendo Cassie e Phillip, ela nada tinha a objetar. Uma vez tirada a rolha da garrafa, do vinho experimentado, aprovado e servido, os garçons afastaram-se silenciosamente da mesa. Phillip ergueu seu copo e tocou o de PROJETO REVISORAS 110


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Cassie. — Aos velhos amigos. — Velhos amigos — ecoou ela. Parecia um brinde bastante seguro. No entanto, quem estava se importando com segurança naquele momento? Lá fora a chuva caía. Lá fora uma loja de móveis iria ser fechada e uma romântica falência clamava por vingança. Lá fora escoava-se o último ano antes do século vinte e um. Ali dentro, naquela mesa isolada, havia apenas Cassie e Phillip, velhos amigos. Um dos garçons chegou com a pizza-aperitivo. Cassie levou a mão aos lábios para impedir-se de rir. Fosse o que fosse aquele delicado círculo recoberto de marrom, vermelho e branco, não se parecia com uma pizza. — Psiu! — advertiu-a Phillip. — Contenha-se. Estamos num restaurante de classe. — Onde está a mussarela? — perguntou Cassie quando Phillip colocou um quarto da pizza em seu prato. — Se não tiver tiras de mussarela derretida, não vale! — Agora você vai ter de comer o que pediu — ordenou ele, servindo-se de outro quarto da pizza. Phillip comeu um pedaço, e ela ficou observando-o. — Então? — É interessante... — disse Phillip com tato, e riu. — Na verdade, é delicioso, mas não é pizza. Cassie experimentou também. Era deliciosa, sim, mas não era pizza, pelo menos não a pizza que costumavam comer juntos. Mas, para dizer a verdade, eles também não eram como tinham sido. Por mais que Cassie tentasse esquecer isso, não conseguia. — Conte-me como foram as coisas lá na loja — pediu. Phillip o fez. Entre um prato e outro, entre um copo de vinho e outro, contou-lhe como tinha sido a reunião. Como ele e o gerente haviam examinado os livros de contabilidade verificando o valor do inventário da loja, calculando o custo do fechamento, com os encargos dos funcionários. Disse que não fora tão terrível quanto pensara, mas também não havia motivo para ficar rindo à toa. Pelo jeito o gerente já vinha contando com aquela possibilidade havia tempo e agora que acontecera estava aliviado. O gerente dissera a Phillip que recebera um telefonema do pai dele, pedindo-lhe que visse com seu filho se havia algum modo de a loja continuar. No entanto, ele próprio admitiu que o sr. Keene não estava sendo realista com as perspectivas. — O gerente disse que a loja está muito mal localizada — contou Phillip a Cassie — num lugar onde a mobília colonial não tem mercado. Contou que disse isso a meu pai, porém ele não quis ouvi-lo. E me confessou que acha que existe alguém puxando os cordéis. * Phillip lhe perguntara se Harry Riggs havia entrado em contato com ele, e o gerente respondera que não. Interessada, Cassie pediu: — Fale-me de Harry. E Phillip falou. Falou como alguém desesperado que estivesse se livrando de um peso. Contou sobre outros investimentos feitos por Harry, a maior parte deles conservadores e fora de Lynwood. Contou a longa história de Harry e seu pai; que se conheciam desde sempre e haviam crescido juntos. Falou sobre seu avô, que expandira a fábrica com sucesso até ela estar vendendo móveis para o país inteiro. Mencionou sua mãe, que o havia encorajado a confiar no seu instinto. — Foi por isso que eu trouxe você para cá — explicou Phillip, brincando com o copo, olhando o vinho balançar dentro dele. — Meu instinto mandou e eu confiei nele. PROJETO REVISORAS 111


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— Gosto da sua mãe — admitiu Cassie. Ela perdera a conta de quantas vezes seu copo havia sido enchido, mas não estava bêbada. Sentia um calor gostoso causado pelo vinho, porém sua mente estava clara, vividamente focada no homem sentado junto dela. — Eu ia visitar sua mãe hoje. — É mesmo? — Queria conhecê-la melhor. Cassie não estava revelando nada do Plano E. Para ser franca, ela não sabia mais que plano era aquele. Diane iria fumar um charuto com Harry e Cassie iria extorquir de Dorothy Keene informações sobre o relacionamento entre Phillip e Trícia. Mas o que a boa senhora poderia dizer-lhe que seu filho já não tivesse dito? Dorothy saberia que Phillip não amava Trícia? Será que tinha alguma idéia de que se o casamento acontecesse no sábado seria uma falsidade? — Minha mãe merece ser conhecida — admitiu Phillip. — Confio nela tanto quanto em você. — Não sei por que você confia em mim — murmurou Cassie. Se ele soubesse do Plano E e dos Planos A até E, aliás, compreenderia quanto ela não era confiável. — Você nunca mentiu para mim — disse ele, e sua voz era baixa, os olhos escuros e firmes. — Você nunca me decepcionou. Nunca me traiu como eu a traí. — Pôs o copo na mesa e cobriu a mão dela com a sua. — Sabe quantas vezes comecei a discar o seu número de telefone no ano passado? Centenas. Mas eu sabia que no instante em que ouvisse a sua voz minha vida inteira mudaria. Eu não iria mais querer ficar em Lynwood para salvar a Móveis Keene. Eu não iria querer mais reconstruir a empresa e salvar a herança da família. Eu teria deixado tudo e voltado para você. — Só por causa do som da minha voz? — ela riu. — Sim. — Phillip sorriu de leve. — Sua voz me faria "sentir" você. — Acariciou o dorso da mão dela com o polegar. —- Eu sabia que o único modo de fazer as coisas funcionarem seria fechar a porta e trancá-la, fingir que você e Boston jamais haviam existido e ficar onde eu estava, vivendo o presente, esquecendo o passado. O toque dele era tão bom! Cassie sabia que deveria retirar a mão, mas não podia. Não naquele tranqüilo restaurante, depois de comer coisas tão finas e gostosas, de tomar aquele vinho que fazia sua mente cantar. — Pelo bem da fábrica — continuou Phillip —, eu tive de aceitar uma situação ruim. E o fiz. E ia indo bem, até você aparecer... — Agora a situação ruim ficou pior. Cassie falara desculpando-se e sentindo-se contente por Phillip ter parado de achar que ia bem naquela situação forçada quando ela aparecera. — Você deve ter-me odiado... Ele continuava a acariciar-lhe a mão. Ela sacudiu a cabeça. — Só por algum tempo — confessou. — Mas odiei a mim mesma também. Achei que era uma péssima julgadora de caracteres por ter acreditado em tudo que você me disse naquela última noite em Boston. Achei-me a maior idiota do mundo. — Oh, Deus, não... Não, Cassie. Essa honra pertence a mim. — Bem... Ela tentou, realmente tentou libertar a mão, mas seus músculos se recusavam a obedecer. Na verdade, rebelavam-se, forçando-a a girar a mão até que ele passou a acariciar-lhe a palma. — Agora é tarde demais — murmurou. — Tarde demais. — Não é — discordou Phillip. PROJETO REVISORAS 112


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Levou a mão dela aos lábios e beijou-lhe a ponta dos dedos. O calor subiu nela como mercúrio num termômetro, líquido e prateado. Sentiu um zumbido nos ouvidos, o som do sangue correndo mais depressa pelas veias, despertando a atenção de cada célula. — Phil... Cassie não tinha certeza se estava querendo que ele parasse ou continuasse e nem sabia se a escutara, porque sua voz saíra mais baixa do que um suspiro. — Eu quero você — segredou Phillip, e beijou-lhe os dedos de novo. — Eu a quis a cada dia, a cada minuto desde que a conheci. Mesmo quando tentei esquecê-la, eu a queria. E agora você está aqui. Não posso lutar mais. Vou desistir do casamento. Vou vender a empresa e ir embora para Boston com você. Eu te amo, Cassie. Ele já fizera promessas antes, dramáticas e apaixonadas promessas, promessas para sempre, promessas de amor. E não cumprira nenhuma. Ela era a maior idiota do mundo, e não Phillip, porque decidiu acreditar nele outra vez, a despeito de tudo que ele havia feito, de tudo que soubera dele, de todas as promessas quebradas.

CAPÍTULO TREZE O quarto era pequeno, porém elegantemente decorado, estava vago e era deles. Phillip e Cassie tinham ido do restaurante para o balcão de recepção do hotel, onde ele havia entregue seu cartão de crédito e o recepcionista lhes dera a chave do quarto. Antes de subir, Phillip parará na loja de conveniências do saguão e, quando retornara, deslizando uma caixinha quadrada no bolso, estava sorrindo. O sorriso dele era capaz de derreter um iceberg. Mais facilmente derretia uma mulher. Era um sorriso que apagava tudo da memória de Cassie e a fazia consciente apenas do desejo, da paixão e das promessas que havia nele. Promessas que ela implorava que não fossem quebradas, não dessa vez. Cassie ouviu um clique quando ele fechou a porta. Estava de pé no meio do quarto, olhando para a cidade banhada pela luminosidade do crepúsculo, através da cortina diáfana que pendia sobre a janela. O carpete abafava os passos de Phillip, porém ela sentiu sua aproximação. Sua pele arrepiou-se e seu coração disparou. — Cassie... — Abraçando-a por trás ele puxou-a para si e segredou entre os cabelos: — Eu nunca mais vou deixá-la. Nunca mais. E Cassie acreditou. Phillip a fez voltar-se, por dentro de seus braços, e beijou-a. Tinham acabado de saborear uma refeição finíssima, de tomar um vinho delicioso, mas nenhum desses gostos se comparava ao do beijo deles. Ela lembrou-se do primeiro beijo, um ano antes, em Boston. Tinha sido como uma descoberta, a descoberta de si mesma, de tudo que sabia e era. De repente, todas as fantasias mágicas que havia inventado se tornaram vivas. Fora como estar viajando num sonho e chegar exatamente onde queria estar. Tinha sido como voltar para casa. Era a mesma coisa dessa vez. Beijar Phillip era como voltar para casa. Passar os braços no seu pescoço e enfiar os dedos em seus cabelos era como estar abraçando a própria felicidade. Sentir a respiração dele misturada à dela, sentir a língua exigente em sua boca, o calor, o desejo e o amor dele faziam-na reconhecer sua própria força, seu próprio calor e desejo, seu próprio amor por ele. PROJETO REVISORAS 113


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Abriu o paletó dele e Phillip soltou-a apenas pelo tempo suficiente para fazê-lo escorregar pelos braços e cair no chão. Quando ela começou a desfazer o nó de sua gravata, ele gemeu. Era incrível como Cassie conseguia excitá-lo só com o fato de estar desfazendo um nó de seda junto ao seu pescoço. Quando ela deslizou o nó para baixo da gravata e ele se desmanchou, Phillip segurou-a pelos quadris o puxou-a para si, fazendoa sentir sua rigidez. Por que ela não estava ansiosa? Por que suas mãos não tremiam ao terminar de desfazer o nó da gravata e voltar a atenção para os botões? Por que seus movimentos eram tão firmes, tão à vontade? Porque estava certo. Fazer amor com Phillip era absolutamente, inegavelmente certo. Ele beijou-a de novo, enfiou a mão no bolso da calça e pegou a caixa de camisinhas que comprara lá embaixo. Então, jogou a caixinha na cama e passou a desabotoar a blusa de Cassie, depois a saia, acariciando-a até quase fazê-la desmaiar de excitação. Ele era um homem de negócios com educação esmerada, mas tinha mãos de marceneiro. O aprendizado pelo qual passara, os verões transcorridos na marcenaria ajudando a aplainar e envernizar finas peças de móveis havia dado uma textura especial aos seus dedos e fortalecido os músculos de seus braços. Suas mãos eram as de um marceneiro, de um artesão. De um amante. Phillip parecia desinteressado da insinuante lingerie que Diane havia induzido Cassie a comprar no shopping center, três dias antes. Cetim rosa antigo e renda no mesmo tom, calcinha tipo tanga e sutiã reduzido haviam sido escolhidos para levá-lo à destruição, mas ele não fez nenhum comentário sobre o tecido delicado e o modelo ousado. Com poucos movimentos tirou-lhe a meia-calça e em seguida as duas peças, demonstrando evidente interesse apenas em Cassie. Nua. Ela ajudou-o a remover as roupas. A camisa de cambraia finíssima e a elegante calça do terno foram parar no chão, não muito longe uma da outra; meias cinza, cueca de pernas bem curtas, de seda, no mesmo tom das meias, seguiram-nas e ali estava Phillip como ela o queria: nu. E tão lindo que lhe tirava a respiração. Cassie não conseguia parar de deslizar os dedos pelo corpo dele, traçando o contorno do peito, da saliência das clavículas, dos quadris estreitos, do ventre achatado. Quando tocou mais abaixo, Phillip parou de respirar por instantes, envolveu as nádegas dela com as mãos, ergueu-a e a fez passar as pernas na sua cintura. O beijo tornou-se mais profundo e ardente, expressando um ano de desejo reprimido. Carregou-a para a cama e caíram juntos sobre ela, uma mistura de pernas, braços e lábios em deliciosa loucura. "Como consegui sobreviver sem ele?", perguntou-se Cassie. Como suportara todos os longos meses solitários sem aquele homem, sem aquele amor? Havia desafios em seu trabalho, a criação de histórias plausíveis para seu programa, mas na sua vida pessoal tinha havido apenas um grande vazio, até aquele momento. Phillip passou a língua sobre a pele cor de marfim; seus cabelos acariciavam os seios de Cassie, o queixo áspero de barba arranhava-lhe a região do estômago. Os dedos dele flutuavam, tocavam, dançavam sobre seu corpo. Ela quase chegou ao clímax só com as carícias. Porém, queria mais. Queria Phillip inteiro. Queria-o dentro de si, perdido nela, muito mais dela do que ela dele. Queria que a possuísse intimamente, que gozasse com ela de modo a nunca mais poder deixá-la, tornando-se de tal maneira parte dela que nunca mais escolheria a honra e a herança da família em seu lugar. PROJETO REVISORAS 114


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Mas no momento em que ele a penetrou, sentiu-se perdida; era uma mulher que jamais poderia escolher outro se não o amor de Phillip. Seus corpos movimentavam-se no mesmo ritmo, amoldando-se um ao outro perfeitamente, partilhando cada sensação, cada centelha e cada espasmo, cada profundo e sensual momento. As costas de Cassie arquearam-se, seu quadris ergueram-se, tensos. Ele continuou a movimentar-se, aprofundando-se dentro dela, até que chegaram juntos ao êxtase, gemendo e agarrando-se um ao outro como se suas vidas dependessem disso. E talvez dependesse mesmo, admitiu Cassie. Passaram-se minutos ou horas. Ela não sabia e nem se importava. Phillip estava meio em cima, meio ao lado dela, uma das pernas sobre suas coxas, um braço passado possessivamente sob os seios. Sua boca encontrava-se tão perto da orelha dela que ele podia mordiscar-lhe o lóbulo sem mexer a cabeça. — Eu me sinto — murmurou Phillip com voz abafada —, como se tivesse acordado de um longo estado de coma. — Você me parece mais alguém pronto para adormecer — brincou Cassie, deslizando os dedos pelo braço dele, que se estendia a seu lado sobre a cama. — Não. Só estou tomando fôlego. Dê-me um minuto e serei capaz de conquistar o mundo. Cassie riu. — Creio que você já fez isso. Phillip riu também, então ficou sério e ergueu o corpo o necessário para fitá-la. — Tem razão, Cassie. Você é o meu mundo. Só que — ele acariciou-lhe o lábio inferior com os dedos e olhou-a intensamente —, neste caso o mundo é que me conquistou. Já não havia alegria em seu rosto. Phillip estava sério, solene, o olhar tão concentrado que parecia um raio laser penetrando o íntimo dela. Cassie preferia que o sorriso houvesse permanecido, mas sabia que por mais glorioso que tivesse sido o amor que haviam feito, as implicações eram preocupantes. Talvez até mesmo terríveis. — O que vamos fazer? — perguntou ela. Ele afastou uma mecha de cabelos do rosto de Cassie. — Vamos fazer amor. Vamos passar a noite toda fazendo amor. — Eu quero dizer, depois disso. E depois que a noite terminar? — Voltaremos para Lynwood e vou dizer a Trícia que não posso me casar com ela. Depois que eu tiver feito isso, pensarei no resto. Passarei a viajar entre Ohio e Boston, se isso for preciso, até que conseguir reafirmar a situação da Móveis Keene. Depois que a empresa estiver estabilizada, irei morar em Boston. Os olhos de Cassie tornaram-se maiores, redondos. — Você não vai me pedir que more em Lynwood? — E deixar Rodas dos Sonhos? Eu jamais lhe pediria isso, Cassie. Esse programa é seu filho. — Beijou-a nos lábios, doce e gentilmente. — Eu te amo. Cassie fechou os olhos. Phillip a amava tanto que iria sacrificar seu lugar na empresa familiar que significava tanto para ele, uma carreira para a qual ele havia sido criado, a carreira que ligava gerações da sua família numa forte corrente, em vez de lhe pedir que abandonasse o seu sonho. Ela sentiu lágrimas passarem por entre as pálpebras fechadas e descer pelas faces. ! 4J — Eu também te amo — sussurrou. Phillip estava enxugando-se no banheiro quando ouviu a voz de Cassie. Abriu a porta, espiou para dentro do quarto e viu-a sentada na cama, falando ao telefone. — Sim. Pousada Bailey's — dizia. — Lynwood. Ela ouviu por um momento, pegou PROJETO REVISORAS 115


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um lápis e um bloco de papéis da mesinha-de-cabeceira e anotou um número. Ele adorava o contorno das costas de Cassie, o contraste dos cabelos negros com a pele clara, a suave redondeza dos seios. Lembrou-se de como os sentira em suas mãos, o gosto deles e percebeu que seu sexo acordava de novo. Algo dentro dele agitou-se dolorosamente. Amava Cassie Webber. Tentara ignorar essa verdade havia um ano, porém não podia ignorá-la mais. Ela era essencial para ele, e não apenas na cama. Precisava da sua presença o dia inteiro. Conseguia pensar mais claramente e lutar com maior eficiência quando ela estava a seu lado. Com Cassie perto, a comida lhe parecia mais gostosa. Era como se ela estivesse sintonizada com ele e participando de tudo em seu íntimo: dos seus pensamentos, da sua coragem, dos seus sentidos. Do seu corpo. Da sua alma. No entanto, essa constatação o perturbava, porque aceitar o fato de que a amava era infligir dor a outras pessoas, a seus pais, que ele também amava, e a Trícia, a quem não desejava o menor mal. Esperava que Trícia fosse capaz de aceitar sua decisão. Deus sabia quanto a mãe dela iria ficar furiosa, por causa da fortuna que gastara para a maior festa social que Lynwood jamais vira. Só as flores para o casamento iriam custar mais do que Phillip gastara com passagens e reserva num hotel cinco estrelas no Caribe. Não tinha importância. Seria mais uma dívida contraída por causa da família Riggs. E iria perder o depósito da reserva para a lua-de-mel, o dinheiro pago aos músicos e pelo aluguel de um smoking. Ninguém jamais dissera que o amor custa pouco... Porém uma porção de pessoas inteligentes haviam dito que um casamento sem amor era o pior dos investimentos. O dinheiro não significava nada perto de coisas importantes como felicidade, contentamento, a alegria de escolher uma companheira que estimula você tanto física quanto mentalmente, que o mantém equilibrado, que o desafia e demonstra-lhe quanto seus esforços para enfrentar os desafios são apreciados. Cassie lhe dava alegria. Ela o fazia pensar e sentir. Fazia com que se sentisse vivo. O que era o dinheiro comparado com isso? — Sra. Gill? — disse ela ao telefone. — Aqui é Cassie Webber. Diane Krensky está? Phillip já se enxugara, porém permaneceu no banheiro, não querendo interromper o telefonema. — Pode dar-lhe um recado, por favor? Diga-lhe que telefonei, que estou bem e... que estarei de volta amanhã. Diga-lhe para não se preocupar, está bem? — Cassie ouviu por alguns momentos. — Amanhã — repetiu. — Diga-lhe que esqueça o plano. Eu ex plicarei tudo quando estiver aí... se puder. — Fez uma pausa. — Não... É que não sei se vou ser capaz de explicar, porém tentarei. Obrigada. Ela desligou o telefone e tornou a recostar-se nos travesseiros. Phillip deu-se mais um minuto para admirar o corpo de Cassie a distância. Ela não era voluptuosa, não era alta e com pernas longas, mas para ele era perfeita. Largou a toalha na borda da banheira, abriu a porta e passou para o quarto. Cassie voltou-se e sorriu-lhe. — Eu telefonei e deixei um recado para Diane — disse, aparentemente ignorando que ele ouvira. — Não quero que ela se preocupe por eu não aparecer por lá hoje. Seu olhar vagueou pelo corpo nu de Phillip e seus pensamentos eram transparentes. Suspirou fundo e remexeu-se na cama. — Só vamos voltar para Lynwood amanhã, não é? — perguntou, esperançosa. — Eu gostaria que não tivéssemos de voltar nunca — admitiu ele. — Mas sim, voltaremos amanhã. Não esta noite. Phillip estava curioso a respeito do plano que Cassie pedira a Diana que PROJETO REVISORAS 116


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esquecesse. Será que era o plano que ela mencionara quando havia telefonado, a caminho do aeroporto, para Edie e deixara um recado para a amiga? Plano E? Algo que se relacionava ao trabalho, explicara. Phillip imaginou se Diane e Beckelman teriam trabalhado até tarde na noite anterior ou se Diane fora visitar sua mãe e o cinegrafista continuara o que quer que estivera fazendo com Trícia naquela noite que os vira no estacionamento do hotel. O que Trícia e Beckelman poderiam ter feito não o preocupava. Também não se importava se Diane se insinuasse junto a sua mãe. Ele estava ali, com Cassie, e não queria saber o que traria o amanhã; só lhe interessava onde se encontrava e a mulher que estava com ele. Ajeitou alguns travesseiros na cama e deitou-se ao lado dela. Cassie aninhou-se junto dele, a cabeça em seu peito, perto do ombro, e disse: — Sinto-me como se tivéssemos um ano de conversas a recuperar. E Phillip sentia-se como se tivesse um ano de fazer amor a recuperar. Mas conversar também era bom. — Você viu algum filme de Bunuel ultimamente? — perguntou. Ela riu e sua respiração aqueceu a pele dele, que a apertou mais contra si. — Os únicos filmes que vi ultimamente eram cheios de tiras, de ação e de bombas explodindo. Eu não queria assistir a nenhum filme estrangeiro emocional. Nem comédias românticas. — Por quê? — Porque romance nada tem de engraçado para mim — explicou ela. E calou-se como se temesse ter-se revelado demais. Romance também não parecia nada engraçado para ele. No último ano evitara pensar em romance. Responsabilidade havia sido seu princípio. Responsabilidade e reabilitação. Durante esse processo pusera de lado a responsabilidade para consigo mesmo. E estava mais do que claro que precisava de ajuda para reabilitar-se. Graças a Deus Cassie chegara a tempo de salvá-lo. Phillip virou-se, deitando-se de costas e levando Cassie, de modo que ela ficou por cima. Ela era leve, seu corpo esguio repousava confortavelmente sobre o dele, os olhos brilhavam quando encontravam os seus. Sentia o calor entre as coxas dela, os mamilos firmes tocando-lhe o peito, e um impulso de luxúria crua e bem masculina ameaçou dominá-lo. O sorriso dela disse-lhe que Cassie sabia o que ele sentia, o que queria. Disse-lhe também que estava pronta para o amor. — Pergunte-me sobre os acontecimentos no universo da tevê. — Ela falava preguiçosamente, uma covinha pontuando os cantos do seu sorriso. — Você jamais iria adivinhar quem eu vi na telinha. Pense nos ídolos da música rock dos anos sessenta. — Chuck Berry — murmurou ele, movimentando as mãos pelos lados do corpo dela, tentando tocar os seios. — Chuck Berry é dos anos cinqüenta — esclareceu Cassie. E ergueu-se a meio, dando-lhe acesso aos seios. Eles eram pequenos e redondos. Quando Phillip pegou os mamilos entre dois dedos, ela gemeu. — Aretha Franklin — tentou ele de novo, erguen-do-a mais para alcançar um seio com a boca. — Ela é... Ohhh... — Cassie engasgou quando Phillip tomou o mamilo entre os lábios — indescritível... Ele não teve certeza se Cassie se referia a Aretha Franklin ou ao que estava acontecendo com eles. Continuou a beijar-lhe os seios, indo de um para outro e passando as mãos no corpo dela. PROJETO REVISORAS 117


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— Elvis — sugeriu, antes de sugar com força um dos mamilos. — Não... Elvis não... —- ela começou. Mas nesse momento ele deslizou as mãos entre as pernas dela e Cassie ficou ocupada demais gemendo para falar. Abriu-se confiante para ele, os quadris ondulando, e Phillip pensou que fosse gozar só de vê-la tão excitada. O gracioso corpo vibrava inteiro. As pequenas mãos estavam fechadas em punhos dos lados da cabeça dele e a respiração dela tornava-se cada vez mais ofegante e trêmula. Phillip parou de acariciá-la para pegar uma camisinha de cima da mesa-decabeceira. Felizmente ainda conseguia pensar com bastante clareza para proteger a ambos — e esse foi o último pensamento claro que lhe passou pela cabeça antes de Cassie fazer-se penetrar e cavalgá-lo. Daí por diante tudo foi sensação, foi senti-la de uma maneira prodigiosa, aspirar seu cheiro, ouvir seus gritos abafados, acompanhar seu ritmo. O modo como o sexo dela apertava o dele, esfregava-se nele e pulsava perto do clímax não lhe deu outra escolha se não acompanhá-la. Muito tempo depois, quando o cérebro dele finalmente voltou a ser um órgão funcional, Phillip lembrou-se de que deveria agradecer a sua mãe por ter incluído Diane Krensky em sua lista de convidados. Se Diane não houvesse sido convidada, Cassie jamais teria ido a Lynwood e ele não teria sido salvo de sua nobre, bem-intencionada estupidez. — Você está bem? — perguntou Cassie quando o avião aterrissou em Columbus. As mãos dele, crispadas, apertavam os braços da poltrona traindo sua tensão. Phillip desejou que o que estava por acontecer fosse tão fácil quanto segurar a mão de Cassie, mas sabia que iria ser muito difícil. A chuva parará antes de chegarem a Columbus. A pista estava seca, o sol brilhava no céu azul da manhã. A aterrissagem foi suave. Se, pelo menos, tudo o mais fosse assim suave, dali por diante... — Claro, estou bem — respondeu Phillip, com falsa confiança. Naquele momento ele estava bem, mas não continuaria assim por muito tempo. Dizer a sua noiva que não iria mais casar-se com ela vinte e quatro horas antes da cerimônia não era o tipo de perspectiva que permitia a um homem sentir-se bem. Mas iria fazer isso porque se não o fizesse cometeria o maior erro de sua vida. — Eu me enfiei nessa situação — disse mais para si mesmo do que para Cassie. — A culpa é apenas minha. Vou resolver tudo. — A culpa não é sua — lembrou-o ela. — Sua família e Riggs o pressionaram demais. Você fez o que achou que era certo. — Mas era a coisa errada. Eu só sinto que Trícia tenha sido envolvida. O avião rodou pela pista e parou. Eles soltaram os cintos de segurança. — Tem certeza de que não quer que eu vá com você quando for falar com ela? — Não. De jeito nenhum. Cassie pareceu descontrair-se. — Então, vou ficar esperando na Pousada Bailey's. Estarei lá, se precisar de mim. Droga! Ele precisava dela agora. Precisava dela a seu lado quando fosse ver Trícia e dizer-lhe que desistira do casamento. Precisava de Cassie consigo quando enfrentasse os pais e lhes explicasse que, mesmo com o risco de perderem a Móveis Keene, não podia aceitar um casamento que era tão errado, para ele e para Trícia. Precisava estar com ela quando fosse confrontar-se com Harry, que já se infiltrara nas decisões da empresa, como ficara comprovado quando ele decidira desfazer-se da loja de Chicago. Harry era genioso e não sabia dominar seus impulsos. O que ele faria com Phillip, o homem que iria partir o coração de sua filha querida? "Seja o que for que Harry vá fazer", pensou Phillip, "não vai ser pior do que perder PROJETO REVISORAS 118


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Cassie." Ele aceitaria o castigo e pediria aos pais que o perdoassem por qualquer vingança que Harry dirigisse contra eles ou contra a Móveis Keene. De qualquer modo, não estava disposto a comprometer sua felicidade. Não mais. Cassie quase não falou enquanto rodavam do aeroporto de Columbus para Lynwood e, depois, para o Bailey's. Mantinha-se pensativa, sonhadora. Talvez fosse exaustão. Eles não haviam dormido muito na noite anterior. Ele também estava bastante cansado. — Então — disse Phillip, ao parar sob a tabuleta do Bailey's —, quer dizer que depois encontro você aqui? — Estarei esperando. — Ela inclinou-se por cima do console e deu-lhe um beijo leve, mas amoroso. — Telefone se precisar de alguma coisa. Qualquer coisa que eu possa fazer, Phil... pode telefonar. — Vou estar bem — disse ele, em outra demonstração de coragem. Nenhum homem em sã consciência poderia realmente estar bem na iminência de fazer o que ele iria fazer. Ficou olhando Cassie sair do carro e caminhar para a varanda. Lembrou-se de quando a vira diante da lanchonete Harvest Bounty, poucos dias antes. A familiaridade o surpreendera então, mas agora compreendia. Ele havia explorado cada centímetro quadrado daquelas costas com as mãos, com a boca. Acariciara Cassie de costas e de frente. Amara-a por dentro e por fora, corpo e alma. O amor lhe daria apoio na provação daquela manhã. O amor e a confiança em Cassie. Quando ela desapareceu dentro da antiga casa de fazenda e a porta de tela bateu, Phillip engrenou o motor e dirigiu-se para a mansão dos Riggs. Tentava absorver coragem da luz do sol, do vibrante verde da grama e das folhas, das vitrinas das lojas, dos passeios e da bandeira ondulando em seu mastro no Correio. Tentava ver em todas as coisas um sinal de bom presságio. Não ajudou. Estava sombrio quando passou pelo portão da propriedade dos Riggs, dirigiu até diante da porta de entrada e desligou o motor. Enquanto guardava as chaves no bolso teve uma conversa silenciosa consigo mesmo. "Será melhor para Trícia", tentou convencer a si mesmo. "Por que ela teria que se casar com um homem que não a ama? Por que iria trocar votos de amor eterno com um homem que foi manipulado por seu pai, coagido por sua riqueza e ameaças?" Talvez ela ficasse magoada naquele dia, mas depois que pensasse no assunto, depois que o choque inicial se suavizasse, agradeceria a Phillip por ter poupado a ambos de um casamento de mentira. Apesar de tudo, ele não conseguia sequer forçar um sorriso ao sair do carro e encaminhar-se para a porta. Uma empregada atendeu à campainha e imediatamente Trícia materializou-se atrás dela, vestindo short azul-pastel e camiseta de seda estampada. Seus cabelos estavam soltos e brilhantes, suas meias e tênis eram tão brancos que ele desejou estar usando óculos escuros. Comparado com ela, sentiu-se mal vestido e amarrotado, com um terno que agüentara dois vôos e uma longa reunião de negócios. — Olá, querido! — cumprimentou Trícia, enquanto a criada se punha de lado. — Entre! O que foi? Phillip entrou no saguão de teto alto e respirou fundo. Depois que falasse com Trícia ela nunca mais o chamaria de "querido". — Você está abatido — comentou ela, levando-o para uma das salas de estar da casa. A casa dos Riggs era decorada com bom gosto, sem parreiras nas molduras do teto, nem mesinhas frágeis com tampo de cristal espalhadas por todo canto. Assim mesmo, havia uma opressiva opulência nela. Phillip sempre tivera receio de sentar-se nas PROJETO REVISORAS 119


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cadeiras e poltronas da casa de Constance Riggs. Elas pareciam mais decorativas do que para uso. Ele tinha a sensação de que se um grão de poeira caísse sobre uma delas um alarme soaria. — Mamãe foi ao Leona's fazer as unhas — contou Trícia, sentando-se em uma poltrona estofada com motivo floral e que parecia desconfortável. -— Vai fazer tudo, mãos e pés. Ela vai usar sapatos fechados amanhã, mas diz que uma mulher não está completa se não for a um pedicuro profissional. Eu não concordo, mas você conhece mamãe. Sente-se, Phil. Estou contente por vê-lo aqui. Quer beber alguma coisa? Posso pedir a Mareie que lhe prepare um suco de laranja ou um café... Pode ser uísque se você preferir. Não passava das onze da manhã a Trícia lhe oferecia uísque. E falava sem parar, também. Ele não perguntara pela mãe dela, mas graças à loquacidade de Trícia sabia mais do que podia querer sobre os pés de Constance Riggs. Prestou atenção e achou que o sorriso de Trícia era forçado. Ela devia estar desconfiando das más notícias. — Onde está seu pai? — perguntou. Trícia sacudiu os ombros e riu docemente demais. — Quem sabe? Ele está fora de casa, fazendo o que quer, como sempre. Olhe, Phil... — ela deu um sorriso mais largo ainda ;— estou contente por você estar aqui. — Eu também — ele mal teve tempo de falar. — Quero dizer, porque é a véspera do nosso casamento, sabe? E... bem, eu me sinto como se não conversasse há dias. A não ser sobre flores, arranjos, essas coisas. — Precisamos conversar — concordou Phillip. — Bem... Então... Você não se barbeia há dois dias, não é? — É — admitiu ele. — Não fiz a barba. — Está parecendo um sem-teto. Mas tudo bem. Eu não me importo. Acho até que você ficaria bem de barba. Para mim, o cabelo de um homem... Oh, não interessa. Do que ela estava falando? — Trícia, olhe aqui, precisamos conversar e... — Sabe? Eu estive pensando... — Se você pudesse parar de falar um minuto... — ...e acho que minha mãe vai ter um ataque. Mas quer saber? É problema dela. — Sinto muito por sua mãe, mas não se trata dela. Trata-se de nós. — Exatamente — concordou Trícia. Phillip franziu a testa. Inclinou-se para a frente e observou a noiva com atenção. O sorriso dela era desesperado. Tomando coragem, ele disse: — Acho que não devemos nos casar. — Eu também acho. Fez-se absoluto silêncio na sala por um minuto. Phillip ficou olhando para Trícia, dando-lhe chance de corrigir o que dissera. Mas ela apenas continuou com aquele sorriso congelado no rosto. — Você acha que não devemos nos casar? — perguntou ele, por fim. — Acho. Eu... Oh, Phil, você está tão pálido! Sente-se bem? — Hum... sim — respondeu ele, contente por seu coração se acalmar. — Só um pouco surpreso. Por que acha que não devemos nos casar? — Eu sinto tanto! — Ela inclinou-se e deu uma palmadinha no joelho dele. — Você realmente é o melhor partido de Lynwood... Mas acontece que estive pensando e acho que há mais vida fora daqui. O que estava acontecendo? Quando Trícia começara com aquelas idéias? O que acontecera nos últimos dois dias para convencê-la de que escolher flores para o PROJETO REVISORAS 120


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casamento não era o máximo de aspiração que uma mulher podia ter? O que acontecera era que Cassie havia chegado a Lynwood. Cassie, Diane e... — Beckelman? — ele indagou. Trícia ficou vermelha. — O que quer dizer? — reagiu ela, na defensiva. Phillip lembrou-se do beijo que Trícia dera no cinegrafista duas noites antes. — Está havendo alguma coisa entre vocês? — Não está havendo nada comigo e Roger! Ele apenas é uma pessoa agradável. — Concordo! — assegurou Phillip. — Eu o considero um grande homem. É muito bom com a câmera. — Ele é um verdadeiro artista — entusiasmou-se Trícia. — Não duvido. — E eu só... Deus, minha mãe vai mesmo ter um ataque, mas... Bem, eu acho que preciso de verdadeiros artistas na minha vida. Sinto muito, Phil, sei que é uma coisa cruel de dizer, mas... — Não, não é cruel — garantiu ele. — ...eu sou jovem — continuou ela sem escutá-lo. — Sempre morei em Lynwood e não quero passar o resto da minha vida servindo café e chá no clube de senhoras da minha avó, entende? Quero conhecer artistas e... e rapazes com cabelos compridos. Sabe o que quero dizer? Ele não sabia muito bem, mas concordava com ela. — Sei, sim, Trícia. — Minha mãe vai acabar aceitando — concluiu ela. A mãe de Trícia poderia ficar muito zangada, mas Phil preocupava-se menos com Constance Riggs do que com Harry. Fora ele quem aproximara Phillip e Trícia. Ele é que vivia fazendo observações intimidantes sobre o equilíbrio entre a empresa da família Keene e seu empréstimo, assim como sobre as obrigações de Phillip para com Trícia. I — E seu pai? — perguntou com cuidado. Trícia ergueu os ombros. — Oh, ele... não vai ligar. Ele já conseguiu o que queria. Phillip endireitou-se na poltrona, tenso. — O que quer dizer com "ele já conseguiu o que queria"? — Bem, eu não sei. Ele e seu pai passaram juntos parte da tarde e da noite, ontem. Você não estava com eles? — Não. — Ah, bom. — Ela sacudiu os ombros mais uma vez. — Meu pai chegou aqui ontem à noite, abriu uma garrafa de champanhe e disse "Não podia ter sido melhor. Consegui o que eu queria. O contrato está assinado. E que Deus abençoe Dorothy por ter convidado aquele pessoal de Boston para vir a Lynwood!" Eu também fiquei contente por sua mãe tê-los convidado, porque Roger... Quero dizer, ele é tão interessante e... Bem, não interessa. Meu pai parece estar em outro planeta desde ontem e não me im porto com o que ele vai dizer. — Ele conseguiu o que queria? Que contrato? O coração de Phillip parecia querer saltar do peito. Sua cabeça latejava. Dentro dela ressoava uma bateria completa. O que havia acontecido no dia anterior, enquanto ele estava em Chicago com Cassie? Será que a Terra invertera seu movimento de rotação? De repente Trícia não queria mais casar-se com ele e Harry conseguira o que queria. — Que contrato? — repetiu, apertando as mãos de Trícia e obrigando-a a olhá-lo. — Como vou saber? Trata-se de negócios, acho. E papai não fala de negócios comigo. Phillip sentia-se enjoado, estava fora de si. Cheio de adrenalina e de horror. O que Harry conseguira e por que era grato a sua mãe por ela ter convidado o pessoal de PROJETO REVISORAS 121


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Boston para ir a Lynwood? O que eles tinham a ver com o que Harry queria? — Tenho de ir embora, Trícia! Ele se pôs em pé, esquecendo-se que segurava as mãos dela, e Trícia ergueu-se também. Pedindo desculpa, Phillip soltou as mãos dela e dirigiu-se para a porta. Mas não podia ir embora sem dizer nada. Voltou e abraçou-a. — Você é muito querida — murmurou. — Depois falaremos a respeito de tudo. Agora eu tenho de ir. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele a soltou, atravessou o hall correndo e saiu da casa.

CAPÍTULO CATORZE — Você fez o quê? — gritou Cassie. Diane estava placidamente sentada na cômoda em seu quarto do hotel, comendo o último biscoito de chocolate. Cassie encontrava-se sentada na beira da cama, aturdida e aflita com o que acabava de ouvir. — Estou dizendo — impacientou-se Diane. — Deu certo. Pegamos Phil e o pegamos de jeito. — Lambeu algumas migalhas dos dedos, satisfeita como uma gata ao sol. — Eu queria que você estivesse aqui. Teríamos festejado a vitória juntas. Cassie sacudiu a cabeça. Talvez não tivesse entendido direito. Talvez a noite que passara com Phillip houvesse derretido seu cérebro. — Diga de novo — pediu, esfregando as mãos para aquecê-las. O nervosismo parecia ter drenado todo o sangue das suas extremidades. — Primeiro, tem de me contar o que aconteceu com você ontem à noite. Cassie sacudiu a cabeça de novo, vigorosamente. — Nao estamos falando de mim. Estamos falando de você, Harry Riggs e o que açonteceu ontem. — Fumamos charutos. — Diané sorriu e balançou as pernas para a frente e para trás, batendo com os calcanhares na cômoda. — Charuto é a pior coisa do mundo! Não acredito como alguém possa gostar de fumar aquela coisa. Seu sabor é pior que o da tequila. — Uma porção de gente gosta de tequila — resmungou Cassie. Ela pensou que se alguém lhe desse uma dose de tequila naquele momento, não saberia dizer qual era o gosto dela. Beberia tudo de uma vez e rezaria para o álcool fazer efeito logo. — Isso é verdade — concordou Diane. — Não podíamos fumar os charutos no escritório dele porque Harry disse que alguns dos seus clientes não gostavam do cheiro, e não queria que ele impregnasse o ambiente. Imagine, Harry tem um andar inteiro do prédio para seu uso! Então, saímos do seu escritório e passamos pela secretária... Oh, você precisava ter visto a moça, Cassie! É enorme. — Ela fez um gesto de seios grandes em si mesma. — Não entendo como consegue mantê-los erguidos, mas isso é problema dela. Claro, a secretária não estava incluída na nossa seção de charuto. Cassie ardia de impaciência. — Esqueça a secretária, está bem? Então, vocês saíram do escritório... — E fomos para uma pequena e linda sala de estar. Foi lá que acendemos os charutos. Comecei a tossir no mesmo instante, mas fiz o possível para não desperdiçar meu almoço. Enquanto isso, Harry e eu conversamos. PROJETO REVISORAS 122


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— Ele fez você falar, isso sim! O que interessava a Cassie era a parte importante, que achava que entendera mal, porém Diane continuava relatando detalhes. — Comecei por fazer Harry falar. Ele contou da sua juventude, que cresceu com o pai de Phillip. James Keene sempre foi muito popular, segundo ele. Tinha habilidades de atleta e havia nascido rico. E, claro, Dorothy se apaixonou por ele. A mais linda, a mais inteligente garota da cidade. As coisas boas aconteciam naturalmente para James, correndo mansas como o rio que passa no terreno da sua fábrica. Harry tornou-se meio poético... — Diane riu. — De qualquer modo, o fato era que ele sentia que era um privilégio especial ser amigo de James Keene. Era evidente que Phillip puxara pelo pai, concluiu Cassie. Ele também tinha dons de atleta, a bênção natural da família Keene. — Harry estava mesmo disposto a falar — continuou Diane — e disse que sempre prestara atenção em Phillip, que sabia que James iria passar a fábrica para o filho e achava isso uma péssima idéia porque Phillip cursou a Harvard e estava com a cabeça cheia de teorias bobas. Ele comentou que é preciso pulso firme de comerciante para dirigir a Móveis Keene e que Phillip não o tem. Passou anos a observá-lo e não o considera capaz de assumir responsabilidades. E tudo que eu disse... Cassie endireitou-se. — ...é que ele tinha razão, que não se pode confiar em Phillip. — Por que disse isso? — afligiu-se Cassie. — Porque é verdade! E mais, contei que você e Phillip tiveram um caso em Boston e que achava desonesto ele ter ficado noivo de Trícia. Essa é uma atitude que faz a gente pensar. — E é claro que fez Harry pensar! O que mais você lhe disse? f > — Só que você veio a Lynwood para estragar o casamento. Cassie estremeceu. — E por que disse isso? — A toa... — Diane sacudiu os ombros — saiu. — "Saiu à toa" que eu queria estragar o casamento deles? — E seduzir Phillip para o coração dele também se partir. — Diane, por que não manteve a boca fechada e o deixou falar? — Bem, porque... porque ele foi tão sincero! Quero dizer, nós dois fomos. Harry me contou sobre o rapazinho inseguro que foi, que invejava James Keene e que era incrível como as pessoas podem amar e odiar umas às outras ao mesmo tempo... A história entre você e Phillip pareceu-me pertinente. E, você sabe, charutos são mais ou menos como bebida; soltam a língua. A vontade de Cassie era sacudir Diane. — Eu lhe disse para tomar cuidado com Harry. — Eu tomei. — Você lhe deu a desculpa para destruir o homem comprometido com a filha dele. Ele pouco estava se importando se Phillip seria um bom marido para Trícia ou não. Apenas tratou de envolvê-lo, e ao pai dele também, para roubar-lhes a empresa. — Bem... bem... — Diane hesitou, procurando como defender-se. — Harry não roubou a empresa. Ele não fez nada que não tivesse o direito de fazer. Contou-me que encorajou James a expandir os negócios para a venda a varejo, que o aconselhou em vários aspectos dos negócios e lhe emprestou um monte de dinheiro, tendo a fábrica como garantia. Esse empréstimo deveria ter sido pago no dia primeiro de janeiro e não foi. Harry até que esperou demais. Eu desconfio que esperou porque Phillip iria se casar com a filha dele, mas quando eu lhe disse que você e Phillip tinham sumido daqui juntos, PROJETO REVISORAS 123


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Harry decidiu que o momento havia chegado. — Então, ele executou a dívida. — E não seria eu quem iria impedi-lo! — justificou-se Diane. — Nosso plano era destruir Phillip e esse me pareceu o melhor modo de consegui-lo. Harry faria o trabalho sujo. Não haveria sangue em nossas mãos. Pareceu-me a vingança perfeita. De qualquer modo, a idéia foi de Harry e não minha — continuou ela. — Tudo que eu fiz foi pensar "Por que não?" — E dizer a ele que Phil e eu tínhamos sido amantes. — E vocês foram, não é? Phil merecia um castigo. — Só que Harry castigou o pai dele. Harry destruiu tudo pelo que Phil lutou, tudo que ele tentou proteger. Era difícil para Cassie falar com o doloroso nó que se formara em sua garganta. — Ele não fez nada mais do que tinha direito — replicou Diane. — O pai de Phil concordara em alterar os termos do empréstimo, comprometendo-se a pagar tudo no dia primeiro de janeiro de 2000. A data do acordo já passou há quatro meses e a Móveis Keene mal começou a pagar. Foi o que Harry me disse. É mentira dele? Cassie fez que não, desanimada. — Não... é verdade. Phil lutou durante todo o ano que passou tentando corrigir os erros do pai e impedir que Harry fizesse justamente o que acaba de fazer. — O pai de Phil concordou com os termos — insistiu Diane. — Ele sabia o que arriscava fazendo todos aqueles empréstimos. — O pai de Phil aceitou os termos porque supunha estar lidando com o seu melhor amigo! Harry preparou uma armadilha para James Keene! Ele é um porco! — Todos eles são porcos. Eu disse a você, antes de virmos para cá, que Lynwood estava cheia de esterco de porco! — Esterco de vaca — corrigiu-a Cassie. — Você disse que Lynwood estava cheia de estéreo de vaca. — Esterco de porco, esterco de vaca, que importa? Você queria destruir Phillip e ele está destruído. Não me acuse por ter feito o que queria que eu fizesse. Aliás, na verdade eu não fiz nada! — Você disse a Harry que Phil estava envolvido comigo. Era tudo que ele precisava saber. Cassie cobriu os olhos com as mãos, bloqueando todas as distrações a fim de poder concentrar-se no que acontecera e no que viria a seguir. Os pensamentos atropelavam-se em sua cabeça e ela tentou organizá-los pelo peso do significado. Harry Riggs havia forçado a situação do empréstimo com James Keene, que se vira obrigado a passar-lhe a empresa. Phillip concordara em casar-se com Trícia para que a empresa continuasse com a sua família. Na noite anterior ele dissera que iria desfazer o casamento, mas agora que seu pai estava encostado na parede será que Phillip iria mudar de idéia para salvar o que restava dos bens da família? Para salvar seu pai? Será que Harry insistiria em ficar com a empresa se Phillip e Trícia se casassem? Se Phillip houvesse retornado a Lynwood no dia anterior teria tido chance de evitar o desastre. Teria apoiado o pai, dando-lhe conselhos que protegessem a empresa das intenções de Harry. Mas em vez disso, estava com ela em Chicago, distraído com o amor quando deveria estar cuidando dos seus negócios. — Phil desconfiava que a verdadeira intenção de Harry era ficar com a Móveis Keene — disse, pesarosa, — e tinha razão. — E daí? — Diane amassou o pacote vazio de biscoitos e foi jogá-lo no cesto de lixo do outro lado do quarto. — Viemos nos vingar e Harry Riggs fez o trabalho por nós. Tudo que eu tive de fazer foi fumar um charuto e tudo que você teve de fazer foi... O que você PROJETO REVISORAS 124


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fez, exatamente? Estava com Phil, não? Cassie assentiu. Seu coração pesava tanto que parecia pressionar o diafragma, dificultando a respiração. — A noite inteira? — Diane inclinou a cabeça, voltando a sentar-se na cômoda. — Arriscado. — Não diga! — suspirou Cassie. — Onde vocês estavam? — Em Chicago, perto da loja de vendas a varejo da Móveis Keene. Harry convenceu o pai de Phil a abrir essa loja. Ele devia saber que se tornaria um dreno que consumiria todo o lucro da empresa. Assim seria mais fácil ficar com ela. Phil queria fechar a loja para estancar a perda de dinheiro, e Harry ficou furioso com ele por causa disso. — Bem, Harry conseguiu o que queria, mesmo sem a loja. Nós também conseguimos o que queríamos. Phil perdeu a empresa. Então, diga-me, Cassie, por que está tão perturbada? — Eu o amo — confessou Cassie. E cobriu os olhos de novo, mas desta vez para esconder as lágrimas. Ouviu Diane praguejar. Em seguida, houve o barulho dos pés dela batendo no chão e se aproximando. O colchão afundou quando a amiga sentou-se a seu lado. — Como pode amar Phil? — perguntou Diane, passando um braço pelos ombros de Cassie. — Ele a traiu. — Para salvar a empresa do pai... De qualquer jeito, não importa mais. — Claro que importa! Viemos nos vingar de Phil por ele ter feito uma sujeira com você. Não sei o que aconteceu em Chicago esta noite, nem quero saber! Sei o que aconteceu no ano passado e isso basta para mim. Phillip Keene é um lixo e não me rece o seu amor. — Phillip Keene estava tentando consertar os erros do pai, erros que ele cometeu sob a influência de Harry Riggs. — E Phil pensava que casando-se com Trícia salvaria seu pai do dela? — Sim. E neste momento em que você está me dizendo tudo isso ele está dizendo a Trícia que não vai se casar com ela. Phil não a ama, porque ama a mim. — Foi isso que ele lhe disse nessa noite? — duvidou Diane. — Sim, e eu acredito nele. — Você não tem mesmo jeito, Cassie! Sabia disso? Ainda bem que a conheço bem, se não iria achar que é uma imprestável! Cassie sabia que sua amiga não queria dizer mesmo aquilo, porém o insulto provocou novas lágrimas. Diane abraçou-a, oferecendo o ombro para ela chorar. — Vamos, vamos... — consolou-a, colocando um lenço de papel na mão de Cassie. — Acho que estamos numa bela encrenca. O que você pretende fazer? Ela não tinha idéia de nada, a não ser que não queria mais saber de conspirações e planos. — Phil vai sentir-se culpado por estar fora da cidade quando o tapete foi puxado debaixo dos pés de seu pai — previu. — Ele vai achar que tem culpa. Creio que devo ir procurá-lo e oferecer apoio. Diane escarneceu: — Isso, muito bem! Seja abnegada. Ampare o seu homem. Livrando-se do abraço da amiga, Cassie fitou-a entre lágrimas. — Não está sendo justa, Diane. — Mas você queria destruí-lo e agora quer ajudá-lo! — Porque o amo! — Achando que essa explicação era insuficiente, Cassie acrescentou; — Porque o que aconteceu com ele e o pai é pior do que uma bomba de PROJETO REVISORAS 125


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efeito moral. — Se tivéssemos executado o Plano A, isso não teria acontecido. Cassie tentou lembrar-se do que era o Plano A, depois desistiu. Também não importava. Todos os planos eram para causar sofrimento a Phillip. Mas ela o amava e não suportava o pensamento de saber que ele sofria. Dirigiu-se para a porta. — Vou para junto dele, e você não vai me impedir. — É melhor você trocar de roupa primeiro — sugeriu Diane. — Parece que dormiu com essa roupa... o que teria sido melhor do que tirá-la. Não, não diga nada. Não quero saber. — Está bem. — Cassie parou junto à porta. — Não vou contar mesmo. «r* Provavelmente lhe faria muito bem tomar um longo banho de banheira com água quente, relaxante. Poderia descansar e pensar, formular um novo plano. Mas já estava farta de planos e ansiosa demais para estar com Phillip para perder tempo. Tomou um banho de chuveiro, vestiu uma calça caqui, camiseta branca e desceu correndo a escada, com as chaves do carro tilintando na mão. Não tinha certeza de onde Phillip poderia estar, mas não iria sentar e ficar esperando, apesar de ter dito que ficaria no hotel. Isso havia sido quando eles não sabiam do que Harry tinha feito na sua ausência. Ele dissera que a primeira coisa que iria fazer era falar com Trícia, mas Cassie não queria encontrá-lo na casa de Riggs. Iria ficar sem graça diante de Trícia e teria instintos assassinos diante de Harry. Decidiu começar a procurá-lo na casa dos pais. Quando ficara decidido que iria visitar Dorothy Keene ela anotara o endereço, na fábrica. A fábrica. Reviu na memória o imenso edifício junto ao rio, todo de tijolos a vista, com uma porção de janelas. Reviu as cenas que ela, Diane e Roger haviam gravado, o entusiasmo dos funcionários da Móveis Keene, o orgulho que tinham daquilo que fabricavam. Phülip não concordara em que ela gravasse lá porque sabia que a empresa estava em dificuldades financeiras. Mas o trabalho deles produzira não apenas um excelente material para o Rodas dos Sonhos, como também era uma preciosa lembrança do que o avô, o pai e o próprio Phillip haviam construído. Representava tudo: compromisso, trabalho duro e fé. Resolveu ir para a fábrica e, quando chegou lá, o portão estava fechado, mas havia alguns carros no estacionamento. Um deles era o Mercedes de Phillip. Cassie pisou no breque, desligou o motor e saiu do carro. Havia uns dois dias, ela e Diane tinham imaginado um meio de entrar na fábrica se encontrassem o portão fechado; acharam que o melhor meio seria seguir o rio atrás da propriedade e entrar por lá. Ela precisava ver Phillip imediatamente. Precisava abraçá-lo, beijá-lo e fazê-lo saber que continuava a seu lado, não importando o que Harry houvesse feito, não importando que o pai dele tivesse desistido facilmente de lutar. Impaciente demais para procurar o caminho mais longo, porém mais fácil, Cassie enfiou os pés nos quadrados formados pela tela da cerca, determinada a escalar seus três metros de altura e descer do outro lado. Estava no meio da cerca, recusando-se a olhar para baixo e ter medo, quando viu a porta da frente abrir-se e uma pessoa sair. Reconheceu o terno bem cortado, a gravata azul-marinho e prateada, os cabelos negros agitados pela brisa. Não podia ver os olhos dele daquela distância, mas podia imaginá-los. Deviam estar tristes e frios. Sabia que Phillip não aceitaria o que Harry fizera. Ele iria lutar. Ela permaneceu onde estava, agarrada à cerca, enquanto Phillip se dirigia para o seu carro. De relance, ele percebeu que havia alguém na cerca, a um metro e meio do PROJETO REVISORAS 126


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solo, os dedos agarrados no arame, os pés precariamente enfiados nos quadrados. Parou e olhou direto para ela. Cassie não se moveu, com medo de cair. Agarrou-se ainda mais à cerca e fitíou esperando que Phillip chegasse ao portão, abrisse e fosse ajudá-la a descer. Em vez disso, encaminhou-se para ela, devagar, com passos lentos sobre o asfalto negro, depois sobre as linhas brancas que demarcavam as vagas para estacionar. Quando chegou perto, Cassie pôde ver sua expressão alterada, as sobrancelhas franzidas, a tensão na boca. Ele devia ter tido uma manhã horrível. — Desça daí — disse. Não gritou, porém sua voz soou alta na quietude do local. Cautelosamente, ela removeu o pé de um quadrado e procurou o outro, mais abaixo. Seus dedos estavam adormecidos por agarrarem a cerca com muita força, mas conseguiu movê-los, acompanhando a descida dos pés com as mãos. Quando estava a apenas trinta centímetros do chão, saltou. Phillip parou a sua frente, a tela de arame entre eles. — Phil, fiquei sabendo o que aconteceu... Queria enfiar a mão pela cerca e tocá-lo, mas a repulsa que emanava dele a impediu. — Ficou? — disse ele rígido, seco. — Diane me contou. Ela disse que enquanto nós estávamos em Chicago Harry fez seu pai entregar-lhe a empresa pelo atraso do pagamento. — Foi isso mesmo. Por que Phillip não falava direito com ela? Por que não confiava nela e lhe pedia conselhos, como fizera em Chicago? — Eu sinto tanto, Phil! Ela tentava sufocar o pânico. Phillip estava transtornado, devastado. Não podia esperar que ele lhe sorrisse como sorrira na noite passada ao dizer que a amava. — Você sente tanto! — ecoou ele, sarcástico. — Não exagere. — Phil... Ela já não conseguia controlar o pânico. A hostilidade dele não se devia apenas ao que acontecera entre seu pai e Harry. Era dirigida a ela. — Phil, o que está acontecendo? — perguntou, angustiada. — Plano E... Não foi assim que você o chamou? — Plano E? Um arrepio percorreu o corpo tenso de Cassie. Por que Phil falava num de seus estúpidos planos de vingança? O que sabia deles além do que a ouvira falar quando ela usara seu celular a caminho do aeroporto, no dia anterior? Dissera a ele que o Plano E relacionava-se com a gravação do programa de tevê. — Era esse o Plano E, não? — perguntou Phillip. — Ou esse era algum outro plano? Foi preparado para mim, não? — A voz dele era fria e cortante como uma lâmina de aço. — Harry me contou que Diane lhe disse que éramos amantes. — Phil... — E Harry achou que se sou dessa espécie de homem, não posso ser confiável para dirigir a Móveis Keene. Aí, ao saber que eu não estava na cidade, tomou providências. Eu podia ter estado de volta antes que meu pai assinasse o contrato passando tudo para ele. Mas não foi assim porque estava com você. Outra emoção misturou-se ao pânico de Cassie. Raiva. —, Sim, você estava comigo. Você me seqüestrou e me levou para Chicago. — Você entrou no meu carro. Quando eu lhe disse para onde íamos, não protestou muito. E depois, quando terminei de resolver o problema da loja... — Você disse, "vamos almoçar" — lembrou ela. Mais uma vez teve vontade de pular PROJETO REVISORAS 127


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a cerca, mas não para consolar Phillip com carinho: queria agredi-lo. Acrescentou: — Foi você que escolheu o restaurante do hotel. Se ela estava ardendo de raiva, ele estava gelado. Sua voz era baixa e contida, enquanto a dela era alta e estridente. — Quando estou com você, Cassie, não posso pensar em mais nada. Você sabe disso. Sabe que quando estamos juntos nada mais existe. — Não me culpe pela sua fraqueza! — gritou ela através da cerca. O que importava que um dos planos dela e de Diane havia sido comprar roupas, de cima e de baixo, destinadas a tentá-lo? Haviam abandonado esse plano, por isso não contava. — Enquanto eu estava com você — prosseguiu Phillip, ainda mais friamente — Harry poderia ter conquistado o mundo, meu pai poderia ter se jogado da ponte, a Móveis Keene poderia ter sido destruída por um incêndio... e eu nem teria notado. Você sabe disso. Sim, ela sabia disso. Mas Harry pressionar James Keene e ele ceder à pressão, a Móveis Keene ser a garantia do empréstimo, nada disso havia sido planejado por ela. Sim, Cassie quisera fazer Phillip acreditar que nada mais existia além dela e sentia-se da mesma maneira em relação a ele. Mas não planejara isso. Chegara a Lynwood querendo vingança, só que na noite anterior tudo que queria era Phillip. E agora ele a culpava do que acontecera. Culpava-a porque Harry lhe dissera que a conversa com Diane o motivara a tomar aquela atitude. — Eu não sabia que Diane iria contar aquilo a Harry — garantiu ela, sentindo-se mais desesperada do que enraivecida. Phillip observou-a por trás do arame. Era como uma visita a um presídio, cada qual de um lado de uma barreira, podendo ver-se e falar-se, mas não se abraçar. No entanto, Cassie não saberia dizer qual dos dois era o prisioneiro. — Por que você veio para Lynwood? — perguntou ele. Cassie não podia mentir para Phillip. Não, depois daquela noite. Não, se quisesse que o amor deles sobrevivesse. Mas se lhe dissesse a verdade, que havia ido para lá decidida a destruir a vida dele ou pelo menos seu casamento, o amor deles não resistiria. Não disse nada. — Minha mãe ensinou-me a confiar no meu instinto — murmurou Phillip. — No instante em que a vi em Lynwood o instinto me disse para fugir, porque você estava trazendo encrenca. Eu devia ter confiado nele, Cassie. — Os olhos espelhavam tristeza, mas a boca ainda estava crispada de raiva. — Por que você veio? Para me dar o troco do que eu fiz no ano passado? Ela abaixou os olhos. Não precisava dizer-lhe a verdade; ele já sabia. — Reconheço que fez um bom trabalho... — Essas palavras foram proferidas como um som estranho, rascante. — Você me pegou de jeito, Cassie. Tão de jeito que destruiu a minha família junto comigo. E isto não é o programa Rodas dos Sonhos, sabe? É realidade. Espero que esteja feliz. Phillip voltou-lhe as costas, seus passos soando no cascalho enquanto caminhava até o Mercedes e entrava nele. Não ligou o motor. Cassie compreendeu que só o ligaria depois que ela tivesse ido embora. Devagar, lutando contra as lágrimas que lhe subiram aos olhos, ela voltou ao seu carro, entrou e girou a chave na ignição. Não podia censurá-lo por acusá-la de tê-lo sabotado, porque quando chegara a Lynwood sabotagem era exatamente o que tinha em mente. A acusação dele podia ser legítima, menos em relação à noite anterior. Na noite anterior ela tivera Phillip. Ela o tivera do modo que sempre sonhara: todo PROJETO REVISORAS 128


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ele, seu coração, seu corpo, sua alma, seu amor. E agora não tinha mais nada.

CAPITULO QUINZE Phillip não costumava ir ao Jake's. Ele não bebia muito e nas ocasiões em que realmente queria tomar algumas doses de uísque não gostava de fazê-lo em público. Lynwood era o tipo da cidade onde todo mundo se conhece, e quando ele entrou no bar o próprio Jake aproximou-se para cumprimentá-lo. — Você é o homem do momento! Ele era baixote, perto dos quarenta anos de idade, com poucos cabelos e uma barriga volumosa, que sabia manter a paz e a ordem em seu estabelecimento e tratava a clientela com respeito. — Está querendo fazer outra despedida de solteiro? — perguntou. — Podemos avisar os rapazes, a sala de trás está vaga... Phillip olhou para o relógio, no alto da parede atrás do balcão. O ponteiro grande estava no cinco e o pequeno no dois. — Não vou me casar — respondeu. — Pode me dar um uísque com gelo? Jáke olhou-o com curiosidade. Phillip via seu reflexo na fileira de espelhos que ia de ponta a ponta da parede. Entre as inumeráveis garrafas de bebida que se alinhavam nas prateleiras, estudou sua aparência: camisa amarrotada, gravata frouxa, paletó torto. Continuava com a mesma roupa com que havia ido a Chicago. Naquele momento um uísque parecia-lhe mais importante do que mudar de roupa. Uma dose de uísque o limparia mais do que um banho de chuveiro. Quando o mundo desaba ao seu redor, quem se importa se a camisa está limpa? O bar estava cheio. O que parecia ser um casal de fazendeiros encontrava-se sentado na outra extremidade do balcão, seus bonés fazendo propaganda de uma marca de trator. Pela porta aberta dos fundos podia-se ouvir as pancadas e o rumor das bolas de bilhar rolando sobre a mesa verde; alguém estava jogando. Mas duas e meia da tarde de uma sexta-feira não era a happy hour no Jake's. E daí? Jake colocou um copo com uísque e gelo à frente de Phillip, depois uma cumbuquinha de plástico com salgadinhos. — Estou aqui, se você precisa falar... — ofereceu-se. Deu a Phillip um minuto para demonstrar que precisava e depois, como ele nada dissesse, Jake se afastou. Phillip tomou um gole da bebida. Um gemido vibrava preso em sua garganta e ele fechou os olhos, esperando que o uísque o afogasse. "Que dia, meu Deus. Que dia!" Será que havia estado mesmo num hotel em Chicago com Cassie? Será que tudo começara mesmo com um beijo e com a poderosa certeza de que ela era a mulher que amava, que queria em sua vida para sempre? O problema é que ainda agora, depois de tudo, não conseguia livrar-se dessa certeza. De qualquer modo, por maior que fosse aquele problema, não iria considerá-lo até que considerasse os outros problemas ou até que terminasse seu uísque, o que acontecesse primeiro. Romper o casamento com Trícia havia sido fácil: não esperava que ela estivesse pensando como ele. Ela não era idiota, não era insensível. E o fato era que Phillip PROJETO REVISORAS 129


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parecera o companheiro adequado para ela quando não havia alternativas, e Trícia lhe parecera a companheira adequada quando ele pensava que não havia alternativas. Mas quando Trícia fizera aquela enigmática observação de que seu pai já conseguira tudo que queria, sirenes de alarme haviam soado na cabeça de Phillip. Ele ultrapassara os limites de velocidade até chegar à casa dos pais, alguns quarteirões adiante, onde encontrara a mãe no jardim arrancando com ferocidade ervas daninhas dos canteiros. Sem se importar em sujar e molhar a barra da calça, ele andara pela grama molhada até chegar perto dela. — Onde está papai? — perguntou. Dorothy virou-se para olhá-lo. Como sempre, ela estava com o chapéu de palha protegendo-a do sol. Seu olhar era zangado. — Está na fábrica. Não sei o que faz lá. Provavelmente está no escritório, olhando para as paredes. Aonde você esteve? — Em Chicago, acertando o fechamento da loja. Sei que papai não queria que eu fizesse isso, mas precisamos deter a perda de dinheiro e reorganizar a empresa. Lá era o melhor lugar por onde começar. A mãe voltou sua atenção às plantas, afastando-as para verificar se havia restado alguma erva daninha. — O que aconteceu? — perguntou Phillip. — Seu pai foi apunhalado pelas costas, isso é o que aconteceu. — Arrancou uma erva com gesto brusco. — Eu queria que você estivesse aqui, Phil. Talvez pudesse tê-lo protegido. — Eu o estava protegendo cuidando da venda da loja de Chicago. Continuar a mantê-la seria mais prejuízo para a firma e... — Ora, a firma que vá para o inferno! — descontrolou-se Dorothy. — Quem se importa com ela? Ganhamos dinheiro suficiente para vivermos sossegados. Talvez devêssemos vender esta casa enorme e mudar para algum lugar quente, onde eu possa lidar com plantas o ano inteiro. — A voz dela tornou-se trêmula. — Harry Riggs era o melhor amigo de seu pai, que o adorava. E ele o traiu. Você imagina quanto pode doer uma traição? Phillip encheu a boca de uísque e segurou-o sem engolir. Ele sabia muito bem quanto doía uma traição. Fora até a fábrica e seu pai lhe contara que Harry exigira o pagamento da dívida no dia anterior e dissera que se ele não pagasse teria de entregarlhe a empresa. Depois, com um sorriso maldoso acrescentara: — Essa amiga de Phillip, Diane, é uma grande garota. Como é esperto esse pessoal de Boston, não? Ela me contou que tipo de homem seu filho é na verdade, e que ele está determinado a salvar a empresa. Se eu não agir agora mesmo vou perder o meu investimento. O sr. Keene contara que era evidente que Diane e Harry haviam passado uma tarde agradável juntos e que ele achara ótimo Phillip não estar na cidade. Assim, Phillip soubera exatamente o que era ser traído por alguém em quem se confiava, alguém a quem se amava. Tomou outro grande gole de uísque. Um cubo de gelo bateu em seus dentes e ele pôs o copo no balcão. Sim, sabia o que era ser traído. Cassie o traíra. Ela e sua amiga Diane tinham providenciado para que ele estivesse fora da cidade enquanto Harry agia. Mas Cassie também sabia o que era ser traída. Um ano antes o traidor fora ele. Será que a machucara tão profundamente a ponto de ela ter planejado com a amiga arrasá-lo daquele jeito? Com certeza ela compreendera que o melhor modo de atingi-lo seria prejudicando seus pais. Sentiu alguém atrás de si. Virou a cabeça para dar com um camarada alto, magro, PROJETO REVISORAS 130


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loiro e cabeludo. — Beckelman? O cinegrafista de Cassie sorriu e fez um gesto para o banco vago ao lado de Phillip. — Posso me sentar? — A vontade — respondeu Phillip. — Mas hoje eu sou uma péssima companhia. — Eu estava mesmo procurando uma péssima companhia... Beckelman sentou-se e, quando Jake se aproximou, pediu uma cerveja. Phillip observou Roger pelo espelho atrás do balcão. Então, Trícia gostava de homens cabeludos... — Obrigado, Beckelman — disse de repente. O outro riu baixinho. — Por quê? — Por convencer Trícia a não se casar comigo. Jake colocou um copo congelado e uma garrafa de cerveja diante de Roger, que agradeceu, tirou a tampa e bebeu do próprio gargalo. — Você não está zangado? — perguntou. — Estou agradecido. — Não que eu tenha dito alguma coisa — explicou o cinegrafista, achando que devia defender-se. — E também não fiz nada. Ela já estava no processo de se interessar pelo mundo e eu lhe mostrei algumas coisas que se podem fazer com uma câmera e um equipamento de edição. — Foi o bastante. — Phillip esvaziou seu copo e fez um sinal para Jake tornar a enchê-lo. — Trícia e eu não fomos feitos um para o outro. Precisávamos descobrir isso e ajeitar a situação. Se não fosse você, eu é que teria de fazê-lo. Você a ajudou a ver que eu não era o homem para ela. Sou-lhe grato por isso. Jake serviu outro uísque para Phillip, o olhar indo do "garoto de ouro de Lynwood" para o estranho de Boston. — Ela quer trabalhar como estagiária num estúdio de tevê — contou Roger. — Costumamos pegar estagiários onde eu trabalho, mas não há dinheiro para pagá-los. Trícia disse que dinheiro não é problema. — E não é mesmo. Sobretudo agora que o pai dela se tornara dono da maior indústria de Lynwood. — Vou ver o que posso fazer por ela em Boston. — Beckelman tomou outro gole de cerveja. — Esta cidade tem estranhas vibrações. — Estranhas vibrações? Está brincando? Esta é a mais simples, a mais normal e a mais pacata cidade do universo. Ele é que devia estar transmitindo vibrações de amargura naquele momento, porém Roger parecia não notar seu desânimo e ressentimento. — Fale-me de Cassie — implorou Phillip. — Cassie? — Beckelman pensou por um instante, então disse: — Ela é ótima. Inteligente, honesta, bondosa. Eu teria me apaixonado por ela se não fosse minha chefe. E, de qualquer modo, Cassie é decente demais para mim, se entende o que quero dizer. Decente demais? Será que Beckelman tinha idéia do que Cassie havia feito? Será que sabia que ela era capaz de manter um homem em Chicago, seduzi-lo, fazê-lo prometer-lhe o mundo, enquanto sua melhor amiga estava a quilômetros de distância destruindo esse mundo? Será que ele tinha idéia do que de fato eram honestidade e bondade? — Cassie e eu não conversamos muito — dizia Beckelman. — Quero dizer, sobre assuntos pessoais. Phillip tomou um pouco de uísque. PROJETO REVISORAS 131


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— Mas acho que o ano passado foi muito duro para ela — acrescentou Roger. — Sim? — Phillip aparentava indiferença. — Ela teve uma séria decepção com algum homem... Pelo menos é do que desconfio. Phillip ficou atento. Se Roger Beckelman, que não tinha conversas pessoais com Cassie, sabia que o coração dela havia sido partido, era porque a coisa havia sido mesmo muito séria. — Por que acha isso? — Para começar, ela não tem namorado. Uma mulher como Cassie — Beckelman deu a Phillip um olhar do tipo "você-sabe-o-que-eu-quero-dizer" — tem fila de pretendentes na porta. Ou, no mínimo,um namorado fixo. Um homem que removeria montanhas por ela. Mas nunca houve nenhum. Ela se mantém cercada por uma muralha e não deixa homem algum se aproximar. É mais do que claro que alguém a magoou muito. Uma sensação de culpa apoderou-se de Phillip. Alguém a magoara muito, de fato. — Ela é vingativa? — perguntou. — É o tipo de pessoa que magoa quem a magoou? Beckelman riu. — Cassie não saberia como machucar alguém. Ela se fechou no mundo do Rodas dos Sonhos. Já Diane — Beckelman tornou a rir e tomou mais cerveja —, ela é a planejadora. Quando há algum problema com um roteiro, Diane é que põe tudo em ordem. É a melhor amiga e a pior inimiga que se pode ter. Eu gostaria de tê-la lutando a meu lado, porque sei que é daquelas que lutam até a morte. E detestaria tê-la contra mim. — Diane... Phillip largou o copo no balcão. Seria possível que fora Diane a montar o esquema com Harry? Seria possível Cassie ser inocente? Na verdade, a idéia de ir a Chicago não fora dela. Fora dele. E fora também ele quem decidira que dormiriam juntos no hotel. Ela deveria ter imaginado que isso aconteceria, porém não sugerira nada. Cassie o deixava louco. Tinha poderes sobre sua mente e seu coração, mas não o forçara a ficar em Chicago. Tudo que fizera fora ser ela mesma, e ele não resistira. Olhou-se no espelho. Ali estava no bar mal iluminado em plena sexta-feira à tarde. Seu casamento fora desfeito. Sua mãe estava pensando em vender a casa e ir embora de Lynwood. Seu pai se decepcionara com o melhor amigo. E ele... Ele estava bebendo e culpando Cassie pela ruína de sua vida. Cassie, que até Beckelman sabia que sofrerá um ano por causa de um homem que lhe partira o coração. Esse homem era ele, Phillip Keene. — Preciso ir — disse abruptamente. Levantou-se e pegou a carteira. Pôs uma nota de dez dólares no balcão, tornou a guardar a carteira e bateu no ombro de Beckelman. — Trícia é uma excelente moça, Beckelman. Não deixe que ninguém parta o coração dela, está bem? Roger ergueu sua cerveja num silencioso brinde, Phillip assentiu, então saiu da penumbra do bar para a claridade da tarde. Colocou os óculos escuros quando sentou-se ao volante. Não achava justo o céu estar tão claro e o sol tão brilhante quando seus pensamentos eram tão sombrios. Ele partira o coração de Cassie no ano anterior e o fizera de novo nesse dia, ao concluir que ela participara do golpe de Harry Riggs. Ainda nessa manhã continuava disposto a dar o mundo a ela, mas então ficara sabendo que tudo pelo que havia lutado estava perdido. E na sua revolta acusara Cassie, em vez de acreditar nela. Será que iria perdoá-lo? Dera a ele uma segunda chance no dia anterior, será que lhe daria uma terceira? PROJETO REVISORAS 132


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Ele dirigiu o carro pela rua Principal em direção do Bailey's. Assim que parou no estacionamento da pousada, olhou para a grande casa de fazenda. Havia uma mulher sentada na varanda mas não era Cassie. Saiu do carro e a mulher saltou em pé. Ele reconheceu a compleição atlética, a expressão perturbada. Se tivesse tempo a perder pararia para estrangulá-la, porém tinha coisa mais importante a fazer. — Onde ela está? — perguntou parando à porta. Então, Phillip percebeu que Diane Krensky estivera chorando. Seu rosto estava molhado de lágrimas. — Eu te odeio, Phil! — disse ela. — Acha que fiz o que fiz por minha causa? Fiz por ela, porque você transformou a vida de Cassie num inferno. Quem quer que transforme a vida da minha melhor amiga num inferno merece o pior castigo. — Claro. Diga-me, ela está lá dentro? — E você teve sorte — continuou Diane. — O que eu realmente queria era explodir o seu casamento, mas Cassie insistiu em que não queria sangue. — Estou contente por não ter havido sangue. — Phillip falava em tom frio, pois estava mais machucado do que se tivesse havido sangue. — Onde ela está? — No entanto, pensando bem, o homem ruim nessa história é Harry Riggs. Ele iria ficar com a empresa de seu pai de qualquer jeito. Se não tivesse ameaçado executar a dívida antes do casamento, iria dar um jeito para se apoderar da fábrica depois de vocês estarem casados. Você deve pensar no caso por este ângulo. — O que você quer? Uma medalha? — Phillip aproximou-se dela. — Diga-me onde Cassie está ou acabo com você! — Eu não sei — garantiu Diane. — Ela chegou aqui, disse-me que você achava que tudo era culpa dela e saiu de carro. Phillip praguejou. Diane estremeceu e seus olhos encheram-se de lágrimas. Mas ele não tinha tempo a perder consolando-a. Precisava encontrar Cassie. Ela poderia estar no aeroporto naquele momento, prestes a pegar um avião para Boston. — Ela levou malas? — perguntou. Diane fez que não. — A única coisa que posso imaginar é... — Diane limpou o nariz comum lenço de papel —, que talvez ela ainda esteja pensando no Plano E. — Que raio é esse Plano E? — Eu iria fumar um charuto com Harry Riggs e extorquir informações dele. Ela iria visitar sua mãe para descobrir se você amava realmente Trícia. Phillip correu para o carro e saiu a toda para a casa de seus pais. — Cassie, entre — convidou Dorothy Keene. — Vamos comer uns biscoitos e tomar leite. Cassie não sabia o que dizer, mas leite e biscoitos não lhe pareceram má idéia, pois Diane devorara todos os seus biscoitos de chocolate. Estava surpresa pelo fato de a mãe de Phillip a convidar para entrar. Será que ela sabia que Diane precipitara o desastre que se abatera sobre a família Keene? Será que sabia que o motivo de Diane fora machucar Phillip como ele a machucara? A casa dos Keene era grande e de bom gosto. Flores recém-colhidas enchiam um grande vaso à entrada, espalhando uma suave fragrância no ar. — O... o sr. Keene está bem? — perguntou enquanto seguia Dorothy até o jardim de inverno pegado à cozinha. — Eu soube à que aconteceu com a Móveis Keene... Dorothy fez um gesto para ela acomodar-se à mesa. PROJETO REVISORAS 133


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— Meu marido está desapontado. Quem não estaria ao saber que seu melhor e mais velho amigo quer ficar com a sua empresa? — Sinto muito o que aconteceu — murmurou Cassie. — Sinto por ele. — Bem, a situação dele não é tão lamentável assim — sorriu Dorothy. — James não devia ter expandido a empresa tão depressa e deixado que Harry financiasse a expansão. Phillip o avisou a respeito, mas Harry insistia em que ele pensasse grande. Dorothy serviu leite em dois copos e levou-os para a mesa do jardim de inverno. Em seguida voltou à cozinha e pegou um prato com biscoitos de manteiga de amendoim. — Então, James decidiu pensar grande... Bem, há piores pecados no mundo — suspirou. — Como fazer a um amigo o que Harry fez ao seu marido. — Sim. Dorothy sentou-se à mesa em frente de Cassie, porém ignorou o copo de leite, atenta em observar a jovem. — Meu filho a ama — declarou de repente. Ao ouvir aquilo Cassie teve vontade de chorar. Porém já chorara o suficiente para toda vida durante o ano anterior e também naquele dia. Além disso, não tinha ido à casa de Dorothy Keene para chorar. Fora porque precisava saber como ela podia ter criado um filho que jurava que a amava, no entanto não fora capaz de acreditar nela quando sua vida sofrerá um abalo. — Não sei se Phillip me ama — disse Cassie, pegando um biscoito e dando-lhe uma mordida. — Ele disse que sim, mas também disse isso no ano passado e me deixou. O que há de errado com ele, Dorothy? Por que fez isso comigo? — Por que você o deixou fazer isso? — Eu... — Cassie sabia que fora apanhada numa armadilha e não iria mentir. — Eu o amo. Dorothy assentiu. — Trícia parece estar bem, apesar do casamento desfeito. Já a mãe dela... — Ela sacudiu a cabeça e riu. — Falei por telefone com ela e meu ouvido está vibrando até agora. Pelo jeito, o Clube de Campo Linden Hills não vai devolver o dinheiro pago pelo banquete. Todos nós perdemos dinheiro com essa confusão. — E vocês perderam a fábrica. — Para o marido de Constance. Eles que assumam também as dívidas da empresa. — Dorothy sorriu. — Quanto a James e a mim, vamos sobreviver. Sempre vivemos com cuidado e temos um bom dinheiro aplicado e uma boa aposentadoria. A maior preocupação dele é Phillip. Meu marido sempre quis que a Móveis Keene continuasse nas mãos da família, mas nosso filho vai arranjar um modo de sobreviver também... Pode arranjar um bom emprego. — Ela pegou um biscoito e deu-lhe uma delicada mordida. — Mas não sei se sobreviverá emocionalmente. E isso que me preocupa. Cassie não sabia o que dizer, então pegou outro biscoito. — Trícia estava certa numa coisa — prosseguiu Dorothy. — Phillip é o melhor partido de Lynwood. Isso se não for o melhor da América do Norte e até mesmo do mundo. — Você é mãe dele — observou Cassie —, tem de achar isso. — Estou dizendo porque é verdade. Qual foi sua maior falta? Creio que ser leal à família. Talvez essa lealdade o torne cego para tudo o mais. — Deu outra pequena mordida no biscoito. — Sei que ele magoou você, Cassie, mas pense nos motivos....Está bem, sei que isso não diminui a dor, mas... — Diminui, sim — admitiu Cassie. A raiva de Phillip, a indignação, o desejo de vingança haviam diminuído desde que PROJETO REVISORAS 134


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ela entendera o porquê da escolha dele. — Ah, aí está Phil! Dorothy ergueu-se enquanto um carro parava diante da casa. Franzindo a testa, Cassie olhou Dorothy, que saía rapidamente, e depois para o copo de leite intocado. Será que aquele leite era para Phillip? Será que tinha tanta certeza de que o filho viria que servira o leite para ele antecipadamente? Phillip entrou na cozinha com a mãe, então viu Cassie e parou. Estava abatido, o rosto sombreado pela barba de quase dois dias e os olhos tristes. — Sente-se — ordenou-lhe Dorothy. — Sente-se e converse. O leite já está na mesa. Phillip deu um pequeno sorriso para a mãe, que se voltou e saiu da cozinha. Mas ele não se sentou diante do copo de leite. Em vez disso, aproximou-se de Cassie e apoiou um joelho no chão ao lado dela. — Eu te amo — disse. Cassie sentiu ímpetos de abraçá-lo, queria que ele pusesse a cabeça em seu colo, queria acariciar-lhe os cabelos. Queria tocá-lo, senti-lo. Queria, também, gritar e bater nele por ter pensado o pior dela, se bem que houvesse um tanto de verdade nas acusações. Não importava por que ela havia ido para Lynwood, estava furiosa por Phillip ter duvidado do seu amor. — Diane fez o que fez porque estava lutando por você — disse ele. — Eu fiz o que fiz porque lutava por meu pai. Desculpe... Phillip estava desarrumado, exausto e era dolorosamente sincero. A raiva evaporouse. — Phil... Porém ele ainda não terminara. — Se é verdade que você veio para cá com idéia de vingar-se de mim, não posso censurá-la. Talvez eu tenha merecido. Mas meu pai, ele não merece isso, Cassie. Não merece ser atingido desse modo cruel. — Eu sei, Phil, e queria que não tivesse acontecido. Vim até aqui querendo machucar você. Mas não seu pai, não a sua família. E ontem à noite... Os olhos dele a fitavam cheios de esperança e de paixão. — Ontem à noite... — murmurou. — Eu não queria machucar você, só queria amá-lo. Ele assentiu, mas parecia achar que talvez aquele amor não bastasse. — Se ainda não estiver pronta para me aceitar na sua vida, vou lutar por isso. Vou me mudar para Boston e arranjar emprego lá. Parece que não preciso mais dirigir a empresa dos Keene... — Sorriu, triste. — Talvez seja melhor assim. Agora posso ir para Boston e me dedicar a você. Não importa quanto tempo demore, vou convencê-la de que estou sendo sincero. — Já estou convencida — afirmou Cassie. Phillip ficou parado, como memorizando essas palavras, então falou: — Case-se comigo. — Está bem. O sorriso dele tornou-se mais amplo, mais brilhante, mais esperançoso. — Já temos o clube de campo pronto para a recepção. Comida, flores e músicos. Uma violinista não violonista. — Mas era a festa de Trícia, não a minha. — É verdade. Que tipo de festa você quer, Cassie. Ela riu, maliciosa. — Acho que já tive a minha festa ontem à noite PROJETO REVISORAS 135


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Ele riu também, então beijou-lhe a mão. — Oh, Cassie! Você não pode imaginar quanto te amo. Mesmo hoje, quando fui estúpido o bastante para julgá-la mal... — Talvez você tivesse motivos para isso. Diane e eu estávamos tramando contra você. — Os planos... — Ele ergueu-se e a fez ficar em pé. — Eu acho que eles eram sem consistência, como o meu nobre plano para salvar a empresa de meu pai. — Acho que o melhor é nunca mais fazermos planos. — Só um — insistiu ele, abraçando-a. — O plano de confiar um no outro e ficarmos juntos a vida toda. — Está me parecendo um excelente plano... — aprovou ela. Phillip interrompeu o sorriso de Cassie com um beijo e ela compreendeu que não precisava de bicicletas mágicas para que seu sonho se tornasse realidade. Tudo que precisava era de Phillip, para sempre. FIM.

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