UNB
SOCIEDADE
COMÉRCIO
a ChaPa Vai ESQUEnTaR À medida que as eleições do DCE se aproximam, o debate político é polarizado em duas frentes
gênERO naS ESCOLaS Artigo do Plano Nacional de Educação causa polêmica na Câmara dos Deputados
PaSSa-SE O POnTO Alta no valor de aluguéis é a principal causa para o fechamento de lojas no Plano Piloto
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Campus BRASÍLIA, 6 A 19 DE MAIO DE 2014
PERigO na PiSTa
Com altos índices de assaltos, estradas próximas ao DF, como a BR-040, estão entre as mais perigosas do Brasil Página 8
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NÚMERO 411 ANO 44
Rômulo Andrade
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Campus
Brasília, 6 a 19 de maio de 2014
Carta do Editor
Recorte
Thomas Gonçalves
Paula Braga
Na capital com o terceiro maior PIB do país salta a pergunta: o que está acontecendo com o comércio de Brasília? Nesta edição, analisamos dificuldades enfrentadas por empreendedores que encararam o fim do sonho de ter a própria empresa. Desafios também são enfrentados por quem anda pelas ruas. Na cidade projetada para automóveis, passados mais de 50 anos, pedestres ainda lutam por espaço. Vítimas relatam acidentes causados pela má conservação de calçadas. Insegurança tornou-se rotina para quem trafega pelas estradas ao redor do Distrito Federal. Idealizadas para interligar o Brasil, as rodovias radiais deveriam ter papel central na logística do país. A realidade da BR-040 está muito aquém disso. Assaltos a caminhões e a ônibus de passageiros são parte do cotidiano dessa via. Seria a recente privatização uma resposta eficaz a esses problemas?
Os caminhos percorridos pelo Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães também estão sendo avaliados. Em época de eleição, a chapa da situação enfrenta críticas da oposição, que aglutina várias chapas, inclusive as que comandavam o DCE. Esta edição traz, ainda, a realidade de pessoas que vivem debaixo de pontes. Oficialmente, não são considerados moradores de rua. A precariedade das condições em que vivem relativiza essa dicotomia, fazendo-nos pensar se essa diferença realmente importa. Nunca é tarde para fazer a diferença. Prova disso são idosos que preferem ajudar o próximo em vez de aceitarem a velhice de maneira passiva. O relato de algumas dessas pessoas mostra que para sermos felizes devemos ser menos egoístas. Pelo menos um pouco.
Memória A edição 48, de maio de 1983, do jornal Campus trouxe a matéria especial DCE – A nova diretoria e o que fará este ano, que fazia um balanço da primeira semana de trabalho da chapa Semear, recém eleita na época. O repórter Nelson Luiz entrevistou Flávio Montiel,
presidente eleito, que rebateu as críticas feitas, na edição 47, pela chapa Transformação, a principal concorrente. O presidente defendia que o trabalho da diretoria não tinha caráter somente imediato, mas que estava voltado para o futuro do DCE. A reportagem trazia ainda uma informação histórica: pela primeira vez uma diretoria havia promovido um debate com todas as chapas.
Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília
Campus
Aos 91 anos, José Andrade é um dos frequentadores da banca de revistas da 106 Norte, que reúne interessados em trocar figurinhas do álbum desta Copa. "É uma diversão. Quando terminar o meu, vou ajudar a completar o das minhas netas", conta
Ombudskvinna* Jhésycka Vasconcelos Entre os estudantes que assumiram esta coluna ao longo da história do Campus, houve pouco consenso sobre como avaliar o jornal. Neste semestre, escolhi trazer as impressões de quem realmente interessa: o leitor. E para quem acompanha a publicação, foi notável o aumento no número de páginas e o bom uso dos espaços do jornal. As matérias são sustentadas por uma diagramação bem feita e boas fotos. No entanto, a fotorreportagem decepciona. O Assentamento Pequeno William é registrado em imagens vazias que não reforçam as informações dadas pelas legendas. Tô te ligando de um orelhão traz bons dados e óti-
mos personagens. Todavia, a chamada na capa é pouco estimulante. Se há números relevantes sobre os telefones públicos, por que não usá-los para reforçar a manchete? Foco no lixo gasta os três primeiros parágrafos com explicações que poderiam aparecer em outros momentos, mas ganha pontos positivos quando aborda a visão dos catadores sobre a coleta seletiva. Reportagens como Fraldas pra que te quero, Filas prejudicam aprendizado e Farda de descriminação são corretas, mas têm títulos inadequados. Já o relato de uma viagem em Na Amazônia com o exérci-
to quebra a tensão dos temas polêmicos com um texto leve. Entre o real e o fake traz uma história envolvente e oportuna em vista da sanção do Marco Civil da Internet. No domínio de poucos desconstrói a visão de sucesso que muitos possuem sobre o mercado sertanejo, baseada em informações sobre cachês e outros gastos. Em Fora do plano dos pilotos, relatos de quem não consegue concluir a formação em aviação civil fazem da matéria tão impactante quanto os preços cobrados pelas aulas de pilotagem. As três reportagens são o que o Campus apresentou de melhor nesta primeira edição.
*Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor. Jhésycka Vasconcelos é aluna do 7º semestre da FAC.
Editora-chefe: Thomas Gonçalves Secretária de redação: Janaina Bolonezi Editores: Bruna Furlani, Fernando Jordão, Lara Silvério, Tainá Farfan e Taise Borges Repórteres: Beatriz Fidelis, Gustavo Debastiani, Henrique Arcoverde, Isabela Resende, Karla Beatriz, Luana Melody Brasil, Mariana Pedroza, Pedro Alves, Raila Spindola,Raquel Franco, Thais Carneiro e Victor Pires Fotorrepórter: Bruna Chaves Editora de arte e foto: Laís Sinício Fotógrafos: Camila Curado, Jéssica Martins, Paula Braga e Rômulo Andrade Diagramadores: Bruna Furlani, Fernando Jordão, Janaina Bolonezi, Lara Silvério, Tainá Farfan, Taise Borges e Thomas Gonçalves
Projeto Gráfico: Hermano Araújo, Nadjara Martins, Beatriz Fidelis, Jéssica Martins e Karla Beatriz Professor: Sérgio de Sá Jornalista: José Luiz da Silva Monitores: Eduardo Barretto e Washington Luiz Gráfica: Palavra Comunicação Tiragem: 4 mil exemplares Contato: (61) 3107-6498/6501 Endereço: Universidade de Brasília, campus universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília/DF. Faculdade de Comunicação, Instituto Central de Ciências - Ala Norte CEP: 70 910-900
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URBANISMO
pedras no caminho
Descaso com calçadas no Distrito Federal dificulta o trajeto dos pedestres pelas cidades e causa acidentes
Beatriz Fidelis
“E
m Brasília falta calçada.” A sentença de Marta Marcolino ilustra a conclusão a que se chega após um passeio, a pé, pelas Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal. A falta e a má conservação de calçadas são problemas para quem precisa de espaços adequados para caminhar. Brasília tem mais de 10 milhões de m² de calçadas, segundo levantamento feito pela Secretaria de Obras do Governo do Distrito Federal (GDF). “Nossas calçadas são velhas e boa parte destruídas, pequenos contratos se tornam ineficazes”, admite Aires Soares, subsecretário de Controle Estratégico da Secretaria de Obras. Marta foi uma das vítimas da falta de calçadas. A moradora de Vicente Pires tem 75 anos e caiu enquanto caminhava para ir ao supermercado fazer compras. “Há necessidade de fazer uma calçada. Não dá para depender de carro para fazer tudo. Você cai e pode até ter uma complicação maior, na coluna, no fêmur...” Brasília foi classificada em 7º lugar de 12 capitais avaliadas pela organização Mobilize Brasil sobre a condição de calçadas do Brasil. O levantamento, que levou em conta vários aspectos de estrutura adequada de passeios, foi feito em 2012, e considerou apenas calçadas das áreas centrais do Plano Piloto e das vias W3 Sul e Norte. Nas outras RAs do DF, a situação piora. Manuela Marcelino, estudante de arquitetura, caiu, machucou o joelho e rasgou a calça devido a um desnível
Paula Braga
Marta Marcolino sofre com a falta de continuidade das calçadas. “Nós moradores é que construímos os passeios na frente dos condomínios”, diz
em uma calçada no Núcleo Bandeirante. “Fui correr até o carro, passei por uma irregularidade da calçada e, como estava correndo, fui lançada. Literalmente capotei e rolei no asfalto”, conta Manuela. “Há um desrespeito com a figura do pedestre. Em Brasília, há problemas como declividades, degraus, calçadas estreitas com totens ou postes. É um problema para cadeirantes, crianças e idosos”, explica Benny Schvarsberg, professor da Universidade de Brasília, especialista em urbanismo. Ele defende que deveria haver uma fiscaliza-
ção do governo, mas o que ocorre é a resposta dos administradores apenas quando há a cobrança da população com presença da Justiça. Foi o que ocorreu na Candangolândia com Raimunda de Santana, de 75 anos: “Eu caminho todo dia e passei por um lugar onde metade do calçamento estava quebrado e havia ferros para fora. Caí, quebrei os óculos e levei uns pontos acima da axila, mas só arrumaram depois que outra senhora da minha idade caiu no mesmo lugar e foi procurar os direitos dela”.
CULPA DE QUEM A responsabilidade pelo levantamento das condições, manutenção e criação das calçadas é de cada Administração Regional. A Secretaria de Obras também pode tomar a frente e propor reformas em passeios. No entanto, existem normas distritais que determinam que quem deve cuidar das calçadas é cada proprietário do lote, empresa ou órgão público situado na frente do passeio, o que dificulta a responsabilização. De acordo com Neuseli Santos, assessora na Regional de Vicente Pires, a administração possui engenheiros que fazem projetos, mas pedidos de reforma às vezes são feitos à Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). “Temos sempre uma equipe na rua para ver a situação. Mas a gente recebe demandas e vê a necessidade e a viabilidade da construção”, conta Neuseli. “A verba é pequena, muitas vezes é a Novacap que dá o dinheiro.” Paulo Bispo, assessor de gabinete da Regional da Candangolândia, conta que o mesmo acontece na cidade. “A administração faz um levantamento periódico da situação, quando tem um problema a gente retira e faz uma nova placa de concreto para colocar no lugar.” No final de 2013 foi liberada verba para acessibilidade que vai permitir reformar 2.500 m² das calçadas locais. Normalmente, a administração da Candangolândia faz as reformas de modo autônomo. “Entre 2011 e 2013,
2.700 m² foram executados por nossa conta”, assegura Bispo. Em nenhum dos dois locais a administração alegou receber reclamações de moradores que se machucam em calçadas, apesar de haver ouvidorias para atender a população. “Geralmente, eles fazem BO (boletim de ocorrência), mas isso não chega até a gente”, diz Neuseli. Apesar de a responsabilidade ser das administrações locais, a Secretaria de Estado de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) também é requisitada para criação e execução de projetos. “Não é nossa atribuição, mas nos usam como coringa. Nossa missão é definir padrões de acessibilidade”, explica Michel Oliveira, arquiteto da Sedhab. O órgão possui dois projetos recentes, um pronto no Setor Hospitalar Local Sul e um em execução no Setor Comercial Sul, locais de responsabilidade da Administração Regional de Brasília. Apesar de existirem atualmente seis pequenos contratos para reforma e construção de calçadas em andamento na Novacap, um maior projeto de revitalização ainda está sendo feito pelo órgão em conjunto com a Secretaria de Obras. “Vamos recuperar praticamente o valor total de calçadas. São entre 22 e 25 lotes divididos por volume e cidades próximas”, promete o subsecretário Aires Soares. O contrato é de um ano, renovável por mais quatro, em que o GDF pretende reformar e construir novas calçadas de acordo com as normas de acessibilidade existentes.
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COMÉRCIO
FECHADAS, NÃO para balanço
Paula Braga
No último ano, 480 lojas fecharam no Plano Piloto. O grande vilão é o alto preço dos aluguéis Karla Beatriz
Q
uem caminha com em vitrines anunciando lojas olhar mais atento disponíveis para aluguel. Estas pelas quadras do Plano lojas esperam um inquilino Piloto percebe mudanças há mais de um ano e os no cenário do comércio do anúncios estão empoeirando. Distrito Federal. É grande o “Os pontos continuam sendo número de estabelecimentos disputados, mas na maioria que cedem espaço às placas dos casos as lojas estão de “vende-se”, “aluga-se” ou demorando mais de 12 meses “passa-se o ponto”. O mercado para serem alugadas”, aponta imobiliário está Roberto Pantoja, desaquecido, com empresário da muita oferta e Unique Imóveis. preço nas alturas. Em outros pessoas, em média, Segundo dados pontos do do Sindicato do perdem o emprego Plano Piloto o Comércio Varejista a cada loja fechada estabelecimento do Distrito Federal está fechado há (Sindivarejista), entre fevereiro tanto tempo que poucas pessoas de 2013 e abril de 2014 o se lembram do que havia ali. número de lojas fechadas “Sempre que passo por aqui no Plano Piloto chegou a 480 tento me lembrar do que estabelecimentos, sendo 350 funcionava neste local. Acho pontos somente na Asa Sul. que era uma papelaria...”, mas O aumento dos aluguéis é o aposentado Deodoro Silva é apontado por empresários interrompido por sua esposa. de todos os setores como um “Aqui funcionava uma loja dos principais fatores que feminina, onde eu comprava impedem o crescimento do roupas”, completa a dona de comércio e leva ao fechamento casa Marisa Silva, moradora das lojas. Eles afirmam da Asa Sul. A loja, após que a maior parte dos longo período, está em inquilinos não teve fôlego reforma para receber uma para acompanhar a subida “panificadora gourmet”. dos preços. Além do aluguel, Os preços praticados para um espaço comercial ser estão distantes do que sugere usado, há casos de cobrança o Índice Geral de Preços do das chamadas “luvas” por Mercado (IGP-M), usado para parte do proprietário, o ajustar contratos de aluguel. que encarece ainda mais Segundo dados publicados os custos de quem deseja pela Fundação Getúlio Vargas montar um comércio. no dia 16 de abril, houve uma Na tradicional quadra dos desaceleração das correções tecidos, 306/7 Sul, há pelo para 0,83%, que antes era de menos sete placas afixadas 1,41%, índice praticado no
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mês de março. Entretanto, o que se tem visto é a aceleração dos valores cobrados por parte dos proprietários. De acordo com o economista Marcelo Bispo, o valor do aluguel é um dos itens fixos que mais influencia no funcionamento e fechamento das empresas. A disparidade nos cálculos pode ocasionar mais problemas ao cenário comercial. “O peso do aluguel dentro dos custos fixos é extremamente significativo e pode colocar as contas em desequilíbrio se não forem bem planejadas.” Os dados são alarmantes a respeito dos valores cobrados para a manutenção de estabelecimentos comerciais no DF. Os comerciantes alugam uma loja de 90 m² por um valor que oscila entre R$ 4 mil e R$ 11 mil por mês, o que é considerado um disparate. E, para garantir o pagamento desses valores, a empresa precisa de um excelente planejamento e equilíbrio nas vendas, gerando um lucro médio de R$ 40 mil mensais. Além disso, fatores adversos afetam ainda mais a saúde organizacional, como a expansão dos shoppings, a queda nas vendas e os constantes assaltos nas entrequadras. O empresário Leandro Keiti, dono de um salão de beleza na Asa Sul, ressalta que os vizinhos fecharam as portas por não conseguirem arcar com os valores cobrados.
O aumento no valor dos aluguéis fechou 145 lojas entre os meses de fevereiro e abril de 2014 no Plano Piloto, uma delas na 211 Sul
“Eles me contam que os proprietários dobram os valores cobrados na hora da renovação do contrato. Três estabelecimentos fecharam as portas nos últimos anos por não conseguirem pagar estes preços.” Outros pontos de grande reclamação são a insegurança e os constantes assaltos. “A loja de esportes fechou as portas porque a cada dois meses eram assaltados”, ressalta Keiti. O ponto comercial está há quase dois anos fechado e o aluguel da área de aproximadamente 140m² está custando R$ 11 mil,
segundo informações coletadas no site da W Imóveis. Existem posições contrárias aos valores cobrados. Segundo o corretor de imóveis Daniel Claudino, o preço dos aluguéis não é o principal responsável pelo fechamento do comércio das entrequadras. “Em Águas Claras, o valor médio do metro quadrado para locação tem custo que corresponde à quase o dobro do Plano Piloto. Mas o mercado da região se sustenta por carência de comércio próximo e pela grande concentração
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populacional.” Claudino ainda considera que o perfil do consumidor vem se modificando e, assim, contribuindo para o fechamento das lojas nas quadras comerciais. “Esta geração de consumidores tem carro e não percebe mais o ‘caminhar de chinelo’ como benefício de morar a duzentos metros de uma padaria. Prefere ir a lugares renomados, mesmo que distantes.” RENOVAÇÃO Com esta nova forma de consumo e os preços praticados, o comércio está mudando de perfil. Áreas antes bem-sucedidas mostram descrédito e se veem obrigadas a fechar as portas. É o caso das empresas ligadas ao ramo da confecção, que apresentam o maior número de lojas fechadas no Distrito Federal. Ludmila Lima, depois de dois anos, fechou as portas de seu comércio de roupas. “Para sustentar uma loja, é preciso muito mais que disposição. A migração do cliente para shoppings dificulta a arrecadação esperada, ou melhor, necessária para manter uma loja. Me adequei à nova realidade.” Atualmente a comerciante usa as redes sociais para vender suas peças, garantindo o faturamento com o uso destas ferramentas. Empresários até tentam, mas não conseguem resistir à concorrência, perdendo o ponto inúmeras vezes para bares, restaurantes, bancos e farmácias, que dominam o Plano Piloto. Enquanto o pequeno comerciante tem dificuldade em arcar com valores de aluguéis, estes estabelecimentos têm
apresentado maior arrecadação e, dessa forma, conseguem cobrir os custos de R$ 75 ou mais por metro quadrado, além dos valores das “luvas”, despesas com IPTU comercial e condomínio. Ronaldo Pantoja afirma que os empresários devem ter bom senso e analisar bem a viabilidade de arcar com os gastos de uma loja. “Os preços dos aluguéis impossibilitam a abertura de grande parte dos negócios, pois a conta não bate. Hoje é uma péssima escolha abrir um comércio na rua. A melhor opção são as lojas virtuais.” Outra possibilidade para driblar a valoração dos aluguéis é a dos comércios itinerantes. A empresária Mariana Gonzaga, com a mãe e a irmã, optaram por alugar um imóvel, que estava há quase um ano e meio sem inquilino, por um período de seis meses. A ideia é montar uma loja temporária e experimentar o mercado antes de se estabelecer de forma definitiva no local, evitando grandes despesas sem que haja receptividade do negócio. “Nós tínhamos um comércio na W3 Sul, mas após uma consultoria fomos orientadas a mudar para esta loja. Nosso contrato vai até junho, mas já estudamos a possibilidade de renovar. Vai depender do movimento e crescimento da loja.” Diferentemente do que acontecia há quatro anos no mercado imobiliário comercial, onde existia um déficit de espaços para montar seu negócio, encontrar uma loja bem localizada para aluguel não está difícil, desde que você esteja disposto a pagar.
Entenda mais Luvas, ou ponto, é o nome dado ao adiantamento pago pelo inquilino ao locador, para assinatura de contrato de locação. Este valor é cobrado além do aluguel mensal e funciona como garantia da locação. A lei proíbe cobrar luvas na renovação do contrato e, caso isso ocorra, o pagamento se torna nulo.
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EDUCAÇÃO
Psicologia longe das escolas
Número de psicólogos em colégios públicos do Distrito Federal é insuficiente Raquel Franco
H
á dois anos, Aldaci Paim de Lima, coordenadora pedagógica do Centro de Ensino Fundamental 2 do Guará, aguarda um psicólogo da Secretaria de Educação para acompanhar os alunos. O único profissional que visitou o colégio voluntariamente. “O diretor da escola conhecia um especialista da área que era aluno de pós-graduação e que o convidou para trabalhar de forma voluntária”, conta Aldaci. Até hoje, a coordenadora espera por atendimento do Serviço Especializado de Apoio à Aprendizagem (SEAA), que deveria atender a rede de ensino público em sua totalidade, mas não consegue suprir a demanda. O SEAA é formado por uma equipe de psicólogos e pedagogos que atuam nas escolas públicas do Distrito Federal (DF). Tem como objetivo facilitar a aprendizagem de alunos com e sem necessidades educativas especiais como descrito no Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, que direciona e orienta as ações da rede não particular de ensino do DF. Atualmente, existem 128 psicólogos que prestam esse serviço. Estes profissionais não fazem atendimento clínico e, sim, buscam a melhoria no desempenho escolar das crianças. O SEAA abrange não só estudantes com deficiências e disfunções, mas também com dificuldades cognitivas, psicomotoras
e comportamentais. O DF dispõe de 651 escolas e mais de 470 mil alunos estão matriculados na rede. De acordo com a Portaria nº 30 de 29 de janeiro de 2013, os profissionais com formação em Psicologia atuam de forma itinerante e devem acompanhar até 1,5 mil estudantes. Segundo Iracema de Oliveira, psicóloga da Secretaria de Educação, “o número não é suficiente para atender a todos”. Ela divide o tempo entre três colégios que somam mais de 1,8 mil jovens. Iracema trabalha com o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem e contribui junto com o pedagogo para a superação de obstáculos. O problema se repete em outros colégios, como é o caso da Escola Classe 5 do Guará. A supervisora pedagógica Nair Rodrigues conta que agora um profissional atende os estudantes semanalmente. Porém, no ano anterior, a realidade era outra. “A psicóloga deixou de vir à escola e demorou muito para que outra viesse substituíla. Até tudo se resolver, quem saiu prejudicado foi o aluno”, explica Nair. A falta de especialistas é nítida até para o órgão responsável. Ao ser questionada sobre o baixo número, Raquel de Alcântara, chefe do Núcleo das Equipes Especializadas de Apoio à Aprendizagem, admite “quanto aos psicólogos, ainda há carências, pois a secretaria de educação passou anos sem contratar profissio-
nais especifícios da área”. Ivoneide da Silva, mãe de aluno do 4º ano, desconhecia a presença de psicólogos no colégio. Afonso Ribeiro, pai de estudante do 5º ano, e outros pais acreditam que, se a atuação dos profissionais fosse efetiva, algumas consequências poderiam ser evitadas, como repetência e até evasão escolar. Para a coordenadora pedagógica Cassiana Gomes, a divulgação é essencial para a cobrança do serviço porque a dificuldade da criança pode não ser vista pelos parentes mais próximos. O problema é mais visível em sala de aula, já que o contato com o professor é diário. Cleyton Hércules Gontijo, doutor em Psicologia e especialista em educação básica, considera o papel do psicólogo na escola importante, pois há situações em que só o educador não consegue resolver. Gontijo ainda ressalta que “as equipes deveriam orientar os professores a intervir em casos que fogem à possibilidade de atuação.” O acompanhamento da equipe especializada se dá pela observação do professor que, ao detectar a dificuldade, encaminha ao orientador educacional. A partir daí, um pedagogo e um psicólogo realizam uma bateria de testes para chegar a um diagnóstico. Então, eles iniciam o tratamento. Em casos mais sérios, como Transtorno de Déficit de Atenção de Hiperatividade, o estudante é dirigido a outros órgãos.
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Campus
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cultura
comércioversus arte Choque com lojistas diminui manifestações culturais urbanas no Conic, local conhecido pelo jeito alternativo Luana Melody Brasil
“C
ompro ouro/vendo ouro.” Essa é uma das poucas rimas ouvidas na área externa do Setor de Diversões Sul, o Conic, desde que grupos de rap, grafiteiros e dançarinos de break foram migrando para a Praça do Museu Nacional da República. Pertencentes ao movimento da década de 1970 conhecido como hip hop, esses artistas de rua se tornaram raros no espaço, agora só aparecem em eventos esporádicos. “Perdeu a espontaneidade, o Conic era um ponto de encontro do pessoal do hip hop. Os eventos culturais foram diminuindo, e isso refletiu na diminuição do público artístico que frequentava esse lugar”, lamenta Lima Neto, sócio de uma tradicional loja de camisetas e quadrinhos. Embora não haja uma data precisa que marque o deslocamento de grupos do hip hop do Conic para o Museu Nacional, a produtora cultural Ana Carolina Albuquerque, conhecida como Nininha, acredita que foi em meados de 2011, quando ocorreu na praça do museu o Jam, um encontro de danças de rua. A partir disso, outros grupos se mudaram para o novo endereço, que se mostrou mais acolhedor. Entre os motivos para a troca está o conflito com lojistas, que dificultou a produção de eventos no local anterior. “O que perturba mais são os skates. A gente reclama, mas não tem como bater de frente. Às vezes tenho clientes que se assustam com o barulho das manobras. Peço para eles não atrapalharem minha venda. Sem contar que algu-
Camila Curado
Grafite encomendado pela prefeitura retrata as diferentes tribos que compõem a identidade do Conic, como religião, rock, hip hop, reggae e quadrinhos
Encontro de diferentes gerações do hip hop para uma “batalha de sangue”: rimas criativas, porém ofensivas, são disparadas de ambos os lados
Estranhamento entre os públicos é frequente no Conic e muitos lojistas criticam a atitude da prefeitura ao apoiar o que classificam como “pichações”
Apesar de promover encontros no Conic ao menos uma vez por mês, MCs preferem o Museu Nacional devido ao fluxo de pessoas
mas pessoas não conhecem o Conic, aí por causa da música e do jeito que o pessoal se veste, os clientes ficam desconfiados”, observa José Lima, proprietário de loja de ótica. Para outro lojista, os grupos também abusam no volume do som. “No último evento, o barulho era tão grande que atrapalhava muito o atendimento aos clientes, até para atender telefonemas era difícil. Logo depois fizemos uma reunião para reclamar disso”, lembra o farmacêutico Wanderlan Ferreira. Estudante e músico do movimento hip hop, Eric Oliveira percebe que é típico da capital a hostilidade com manifestações urbanas e com o movimento. “Pode ter 50 mil
Ela ainda acrescenta um episódio em que houve abuso do público em evento. “Eles montaram uma tenda e chamaram o Gog (cantor de rap ceilandense). Teve muita gente, e isso não foi avisado. No outro dia, um comerciante não conseguiu abrir a loja porque havia uma estrutura impedindo a passagem.”
pessoas querendo se divertir, mas se um não quer e tem poder, não vai acontecer. Os brasilienses até são bem vistos lá fora nos eventos, só que o investimento é no Entorno. Quando chega ao Plano, não querem, incomoda.” Segundo a prefeita do Conic, Flávia Portela, a área precisa dos movimentos e artistas para tirar a imagem de local perigoso, porém é necessário diálogo. “O que os lojistas e quem deseja fazer eventos precisam entender é que nesse espaço existe uma dinâmica. O pessoal às vezes quer festa quando outros estão trabalhando. Falta um consenso. E nem todos são obrigados a gostar de hip hop”, analisa Flávia.
CALOUROS DO HIP HOP Apontando outra tendência para a saída dos grupos do Conic, Eric observa que as novas gerações de grafiteiros, rappers e dançarinos de rua não conhecem a história do hip hop brasiliense. “Essa mudança de endereço é um fato social que ainda está acontecendo, pouca gente percebeu. O Conic é da
arte urbana, já virou referência fora de Brasília. O cara que deu nome ao movimento, o Afrika Bambaataa, já fez shows no subsolo”, destaca Eric. Nininha, que também é skatista e dançarina, ressalta que os novatos devem retomar os vínculos com o espaço. “O Conic é o principal ponto cultural de Brasília, porque fica ao lado da Rodoviária. Temos que instruir essa galera nova a dar continuidade e entender essa cultura. A nossa identidade está lá.” A prefeitura do Conic funciona de segunda a sexta-feira, das 14h às 18h. Mais informações: 3225-6418/3321-7100.
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Escape da rotina - Perfil
trabalho indispensável
Pensar em aposentadoria é planejar viagens e passeios, ter liberdade com horários e nada de pressão ou cobrança de chefes ou superiores. Mas para Geanne, Carlos e Murilo, a aposentadoria se tornou uma forma de manter-se ativo e ajudar o próximo. Conheça a história de aposentados que se dedicam ao trabalho voluntário. Geanne Troncoso
Thaís Carneiro (texto) Camila Curado (fotos)
A aposentada Geanne Troncoso é voluntária na biblioteca braille do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEDV), escola da rede pública localizada na L2 Sul. Ex-funcionária do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), há 13 anos resolveu procurar formas de ajudar quem precisa. Então, passou a dedicar todas segundas e quartas-feiras a aulas de português. “Procurei o Abrigo de Crianças Casas Lares, e depois participei do Projeto Tira Dúvidas da Biblioteca Demonstrativa de Brasília. Além de estar nesses dois trabalhos voluntários, sempre mantive as aulas na biblioteca.” Geanne conta por que escolheu o voluntariado. “Amo estar com eles e ressalto que somos todos iguais. Ninguém sabe mais que ninguém.” A professora diz que sua maior satisfação é receber o carinho dos alunos. “Sou grata a Deus por poder ajudá-los.” Ela destaca ainda que a relação vai muito além de professor e aluno. “Estamos aqui com o mesmo objetivo e, além de aprender, nos divertimos muito”, diz. Formada em Letras Português e Inglês, a aposentada coleciona histórias de sucesso de alunos, como a de Elisângela Oliveira, 41. Deficiente visual, ela participa das aulas com gravador e apostilas na mesa. “Graças à ajuda da professora, passei no vestibular e estou no primeiro semestre de Administração. “Sou a única deficiente visual da sala”, revela a estudante que se considera privilegiada por conviver com Geanne.
“Oi, minha linda. Cadê meu beijo?”, pergunta o aposentado Carlos de Castro às idosas sentadas na sala. Voluntário há pouco mais de quatro meses na Casa do Vovô, localizada na 603 Norte, Carlos reserva parte do seu dia para conversar, distrair e animar os idosos do lar. “Vim até a Casa e perguntei no que poderia ser útil. Me coloquei à disposição para ajudar no que fosse preciso”, relata. Além da Casa do Vovô, ele também faz parte do quadro de voluntários da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), no Hospital da Criança, e no Serviço Auxiliar de Voluntariado (Save), no Hospital de Base. “Acompanho as três etapas da vida: crianças, jovens e adultos. Aqui, estou com os idosos.” O policial federal se aposentou em novembro de 2012 e no início de 2014 começou em trabalhos voluntários. Questionado sobre o porquê da decisão, ele explica que presenciou a história do sogro, que teve câncer, e então resolveu ajudar quem precisa. “A vida é tão curta. Hoje estou aqui, saudável e forte. Amanhã não sei onde e como estarei.” Casado e pai de dois filhos, Carlos conta que certa vez foi questionado sobre o valor de suas ações. “Me perguntaram: ‘Por quanto você faz tudo isso? Você cobra?’. Eu respondi que meu serviço era muito caro. Cobraria de todos ali um belo sorriso”, brinca o aposentado ao contar o que o incentiva a continuar envolvido em ações sociais.
Murilo Escobar
Carlos de Castro
Aposentado do Banco do Brasil há 17 anos, Murilo Escobar juntou um grupo de amigos dispostos a mudar a vida de pessoas das comunidades carentes. Logo criaram o Programa Providência, localizado na 601 Sul, com objetivo de desenvolver oficinas gratuitas para a população menos favorecida, além da concessão de pequenos empréstimos a pessoas que passam por dificuldades financeiras. O grupo de fundadores contava com servidores voluntários do Senado, do Banco do Brasil, da Receita Federal e de outros órgãos da capital. Murilo compõe o Conselho de Administração do Programa e dedica-se todos os dias a realizar palestras e reuniões com membros do conselho, além dos telecentros mantidos pelo Providência todas atividades voluntárias. “Iniciamos aulas de informática nas paróquias para preparar jovens para o mercado de trabalho. Hoje, temos informática em vários pontos do DF.” Oficina de memória para idosos, alongamento e yoga são algumas das atividades. “Crescemos graças à dedicação dos nossos colegas. Temos parceria com voluntários do Corpo de Bombeiros, da polícia, advogados, psicólogos etc. Essa é uma vitória coletiva, e que tem transformado muitas vidas.” Murilo conta que nesses 16 anos sua vida gira em torno do voluntariado. “Fico indignado com a diferença entre classes sociais no Brasil”, afirma. Para ele, “é difícil mudar o país de uma só vez, mas não custa começar aos poucos, com atitudes simples e significativas”.
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VIOLêNCIA
MEDO DO QUE VEM D
Estradas da região central do Brasil são as mais perigosas em nú Gustavo Debastiani
U
ma parada repentina acordou os mais de 40 passageiros que seguiam de Uberaba para Brasília em um ônibus da empresa Real Expresso. O relógio marcava 3h30 de segunda-feira, 22 de abril do ano passado. Ainda sonolentos, os viajantes tentavam entender o porquê de o motorista ter estacionado no acostamento da rodovia BR-050, próxima à cidade de Cristalina (GO). Sentado à primeira fileira do coletivo, o estudante Vitor Corrêa, 20 anos, antecipou o que aconteceria: o ônibus seria assaltado. Muito nervosa, uma senhora sentada ao lado de Corrêa relatou ao jovem que, logo após o coletivo ter parado, ela viu, pela janela, homens armados em um carro preto. Era uma caminhonete Chevrolet S-10, que transportava pelo menos seis homens mascarados. Eles apontaram as armas para o motorista do ônibus e o obrigaram a sair da rodovia em direção a uma estrada de terra. O caminho tinha como destino um matagal, onde não haveria sinal de celular. Dessa maneira, os bandidos poderiam roubar os passageiros sem preocupação. Quatro criminosos entraram no ônibus e começaram a recolher dinheiro e pertences dos viajantes. Por estar na frente, Corrêa foi o primeiro a ser abordado. O jovem, que voltava de um fim de semana com a família em Uberaba, teve que entregar R$ 1 mil, em espécie, para os criminosos. O dinheiro estava na carteira de Corrêa e seria para pagar o aluguel do apartamento em que mora na capital federal. Na cidade, ele estuda Relações Internacio-
nais no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). Um por um, os assaltantes abordaram todos os passageiros do ônibus. Um homem de meia-idade chegou a ser agredido pelos criminosos. A violência serviu como intimidação para os demais viajantes. A mensagem era clara: eles deviam colaborar ao máximo com o assalto. Depois de fazer a limpa no coletivo, a quadrilha fugiu com os objetos roubados em malas pretas. gOiáS LiDERa RanKing O drama vivido por Vitor Corrêa é apenas um dos 99 casos de assaltos a veículos em rodovias de Goiás ao longo de 2013. O estado lidera o ranking das estradas com mais roubos a veículos. Conforme dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), somente a rodovia BR-050, na qual o ônibus com Corrêa foi capturado, acumulou 23 assaltos em 2013, 18 deles em solo goiano. A estra-
da de 1,1 mil quilômetros de extensão liga a cidade de Santos (SP) até a divisa de Goiás com o DF, passando por Ribeirão Preto (SP), Triângulo Mineiro e Cristalina (GO). Com 62 assaltos a veículos registrados pela ANTT em 2013, o DF é o segundo colocado na lista das unidades federativas com estradas mais perigosas. O terceiro lugar fica com as rodovias que cortam Minas Gerais, que somaram 44 roubos. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), as estradas do centro do país são as mais visadas pelos bandidos por possuírem uma extensa malha viária, o que dificulta o controle. Além disso, nessas rodovias circulam cargas de alto valor. As vias são importantes conexões para veículos carregados com exportações e importações. O número expressivo de roubos em estradas da região central do país, em 2013, levou a PRF a deflagrar a operação Faroeste Caboclo em se-
Rômulo Andrade
Cinco meses após ter o carro roubado, o vendedor Sandro Rodrigues ainda tem esperanças de encontrar informações sobre o veículo
tembro do ano passado. Após três meses de investigações, em conjunto com as polícias civis de Goiás e do DF, a PRF desarticulou uma quadrilha com 20 membros, que se dividiam entre os municípios de Luziânia, Cristalina e Cidade Ocidental, todos em Goiás. O agente Pedro Rodrigues participou da operação, que reuniu 200 policiais. “Era uma quadrilha muito violenta e especializada. Eles abordavam, principalmente, ônibus, e sempre em caminhonetes. Às vezes, os bandidos iam na caçamba dos veículos para serem vistos mais rapidamente pelos motoristas dos ônibus. Os roubos aconteciam com maior frequência à noite, entre 19h e 3h. Os ladrões andavam armados com espingardas calibre 12 e pistolas .40. Não raro, efetuavam disparos, agrediam passageiros ou até molestavam mulheres para intimidar as vítimas”, relata Rodrigues. A prisão da quadrilha pela PRF surtiu efeito, pelo menos, nas estradas que passam pelo DF. Segundo dados da ANTT, o número de assaltos a veículos no DF caiu de 18 para dez casos na comparação entre o primeiro trimestre de 2013 e o mesmo período de 2014. Redução de 44%. A ANTT ainda não tem os dados dos primeiros três meses deste ano nas rodovias de Goiás e Minas Gerais. Rodrigues, que trabalha no posto rodoviário da BR-040 em Santa Maria (DF), garante que
houve uma intensificação das rondas ostensivas em todas as estradas do Centro-Oeste. PiORES DO DF Em 2013, a ANTT registrou 62 assaltos a veículos nas rodovias que cortam o AA Distrito Federal. A
PERI
Estados com o maio assaltos a rodovi
GO
DF
99 casos 62 caso D F 290, que liga a BR060 a Valparaíso (GO), é a preferida entre os assaltantes de estradas. O trecho, que tem apenas 35 quilômetros de extensão, foi palco de nove assaltos no ano passado. A explicação, segundo a PRF, está na má qualidade do asfalto da rodovia. Totalmente esburacada, a pista obriga os motoristas a
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M DEPOiS Da CURVa
m número de assaltos. DF é o segundo no ranking nacional
Rômulo Andrade
reduzirem a velocidade ou, então, estraga os veículos, forçando os condutores a parar a viagem. “Isso facilita a ação dos criminosos que ficam à espera de uma boa oportunidade”, explica o agente. Procurado pela reportagem do Campus, o Departamento aade
RIGO
o maior número de odovias em 2013
DF
MG
casos 44 casos E s tradas de Rodagem do DF (DER), órgão responsável pela DF-290, limitou-se a responder que a obra de restauração do pavimento da rodovia já foi licitada em 2013, e deve começar “nos próximos dias”. Segundo o DER, o investimento será de R$ 8 milhões e a empreiteira vencedora da concorrência foi a mineira EPC.
Depois da DF-290, a rodovia mais perigosa do DF, no ano passado, foi a BR-060 – que liga a capital federal à fronteira do Brasil com o Paraguai. Na parte da estrada situada no DF, foram registrados seis roubos a veículos. A terceira via com maior número de assaltos é a BR-040, que liga Brasília ao Rio de Janeiro. Nela, foram quatro casos registrados no território do Distrito Federal. Foi na BR-040, na altura de Santa Maria (DF), que o vendedor Sandro Rodrigues, 20 anos, teve seu carro roubado. “Tava num posto de gasolina na estrada, calibrando os pneus pra ir pra Caldas Novas, quando um cara colocou uma arma na minha barriga e disse: ‘Dá a chave do meu carro, agora’. Fiquei revoltado, o carro era novinho, tinha umas rodona doida (sic)”, recorda Sandro. O roubo do automóvel VW Gol, de Sandro Rodrigues, aconteceu às 15h da sexta-feira, 15 de novembro de 2013, data do festival sertanejo Caldas Country. Era para a cidade goiana, sede do evento, que Sandro queria se deslocar. Lá o jovem tentaria vender cerca de duas mil camisetas com os dizeres “Caldas Country, Eu Fui e Sobrevivi”, que brincavam com a fama de que os frequentadores do evento consomem álcool em exagero. O próprio Sandro confeccionou as blusas, que seriam comercializadas por R$ 20
a unidade. “Liguei para um amigo meu e a gente foi pra Caldas, para ver se encontrava as camisas ou o carro. Mas a gente não achou nem as camisas nem o carro, que nunca foi encontrado”, lamenta o vendedor. nOVa aDMiniSTRaçÃO O consórcio carioca Invepar assumiu, no dia 22 de abril, a gestão de parte da rodovia BR-040, onde Sandro Rodrigues teve o carro roubado. O trecho privatizado tem 936 quilômetros de extensão e liga Brasília a Juiz de Fora (MG). A Invepar venceu a concorrência pela estrada em dezembro de 2013, após oferecer um preço médio de pedágio de R$ 3,22, valor 61% abaixo do teto fixado pelo governo. O contrato tem duração de 30 anos. Nos próximos 12 meses, porém, a Invepar não poderá cobrar pedágio dos usuários da rodovia. Isso porque, antes de ter o direito de recolher tarifas, a empresa deverá realizar uma série de melhorias no trecho que administra, como duplicação de alguns pedaços da via e a colocação de telefones de socorro mecânico gratuito à beira da estrada. Feito isso, a Invepar poderá construir até 11 postos de pedágio ao longo dos quase mil quilômetros da BR-040 que administra. Questionada pelo Campus, a assessoria da Invepar informou que colocará câmeras de monitoramento para reduzir assaltos na BR-040. Somados os trechos do DF, GO e MG da estrada, foram registrados 29 assaltos a veículos em 2013.
Diante do grande número de assaltos, motoristas de ônibus e de caminhões tentam viajar em comboios
PROTEçÃO DiVina Há quinze anos como motorista de ônibus interestaduais, Wilson Machado, 45 anos, já perdeu as contas de quantas vezes ouviu colegas de trabalho contando que foram assaltados durante viagens pela região central do Brasil. O empregado da empresa Itapemirim se sente abençoado por nunca ter sido vítima de bandidos em estradas. “Graças a Deus nunca aconteceu comigo. Devo ser sortudo, mas sempre rezo antes de viajar e peço para voltar bem para minha família. Não tenho medo da estrada. Na verdade, já estou acostumado com a sensação de insegurança”, revela. Wilson explica que ele e os colegas que pegam as mesmas estradas sempre tentam se encontrar em postos de gasolina para saírem em comboios à noite. “É uma maneira que temos para nos defender, mas acontecem muitos desencontros nas es-
tradas, na maioria das vezes não dá certo. Daí o jeito é fazer orações mesmo, não é?”, sorriu amarelado o motorista enquanto entrava no ônibus para mais uma viagem, dessa vez rumo a Araguari (MG), saindo da Rodoviária Interestadual de Brasília. Ao contrário de Wilson, Vitor Corrêa, cuja história foi contada no começo desta reportagem, não consegue mais ficar tranquilo antes de uma viagem de ônibus. “Pra começar, eu me recuso a entrar em um ônibus à noite. Sempre que vou ver meus pais em Uberaba é aquela tensão”, confessa o ainda traumatizado estudante. Enquanto autoridades e empresas privadas não se demonstram interessadas em zerar os índices de assaltos nas rodovias brasileiras, talvez Corrêa deva seguir os conselhos do motorista Wilson Machado: rezar antes de entrar num ônibus. A proteção divina parece ser a única solução.
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Violência doméstica
vítimas esbarram nas falhas da lei
Deficiências na infraestrutura do sistema judiciário e de delegacias impedem o bom funcionamento da Lei Maria da Penha Mariana Pedroza e Pedro Alves
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cada quatro minutos, uma mulher sofre violência doméstica no Brasil. Somente no ano passado, 14,8 mil inquéritos relativos à Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) foram abertos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e, desde o advento da lei, em agosto de 2006, o número de denúncias de violência doméstica cresceu 5.000% no DF. A infraestrutura policial e judicial do país, no entanto, não está preparada para atender ao aumento das queixas. Entre as deficiências, está o funcionamento insatisfatório de uma das principais conquistas da Lei Maria da Penha: as medidas protetivas.
Elas determinam, por exemplo, que o agressor mantenha uma distância mínima da mulher agredida, não estabeleça qualquer contato com ela ou que seja afastado do lar. As vítimas têm a opção de solicitar a medida ao prestar queixa de violência doméstica na delegacia. O pedido deve ser encaminhado para análise de um juiz em até 48 horas e o magistrado tem o mesmo prazo para conceder, ou não, a proteção à vítima. Se violarem a ordem judicial, os agressores recebem advertências e podem ser presos. Porém, na situação atual, os prazos nem sempre são respeitados.
Existem apenas 360 delegacias de atendimento à mulher espalhadas pelos 5.565 municípios do país. Ou seja, somente 6,5% das cidades possuem serviço de assistência policial especializado em casos de violência doméstica. No âmbito judicial, 99 varas ou juizados são responsáveis pelo julgamento desses casos no Brasil, o que corresponde a 1,8% dos municípios. A demora no recebimento da proteção judicial é uma das reclamações de Joana Carvalho*, 37 anos. Ela fugiu do Pará e veio para Brasília porque sentia que lá, as chances de conseguir segurança do Estado de maneira Jéssica Martins
Maria Luisa Gomes foi agredida pelo ex-namorado. A demora da ação judicial e o desejo por cortar todos os vínculos com o agressor motivaram a vítima a encerrar o processo que movia na Justiça
ágil eram ainda menores. Joana temia as agressões do marido e, durante um dos momentos de ira do companheiro, foi espancada e precisou sair escondida com os três filhos da casa onde moravam. “Ainda tenho medo porque, apesar da ajuda que a justiça tem me dado, ainda tem muita coisa a ser melhorada. Por exemplo, quando eu saí da delegacia, não tive uma medida protetiva concedida imediatamente. Isso deveria ser garantido a qualquer vítima”, afirma. Segundo a responsável pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, localizada na 204 Sul, Patrícia Bozolan, a demora na deliberação das medidas protetivas deixa as vítimas mais vulneráveis. A delegada comenta que, no Plano Piloto, a demora pode chegar a até dez dias e que, para evitar mais espera, “existe um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional para agilizar esse processo. A ideia é que as concessões sejam feitas pelo delegado e não mais pelo juiz”. O projeto que propõe a mudança na autorização de proteção judicial é apenas um dentre os 47 relativos à Lei Maria da Penha que tramitam no Congresso. No entanto, segundo o coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher em Situação de Violência Doméstica (CJM/DF) do TJDFT BenHur Viza, a lei ainda é muito nova para sofrer tantas alte-
rações. “A Lei Maria da Penha nem foi implementada ainda. Não temos juizados de violência doméstica em todas as cidades, nem promotorias e defensorias públicas especializadas. Por enquanto, não se pode ter um julgamento final da efetividade da legislação”, avalia. Na visão da subprocuradora-geral da República Ela Wiecko, nem mesmo as grandes cidades contam com fóruns especializados e com número suficiente de delegacias da mulher. Não bastasse, o sistema judiciário é lento e não garante soluções rápidas para vítimas que, mesmo sob medida protetiva, continuam sendo ameaçadas pelos seus agressores. Wiecko, que também coordena na Universidade de Brasília o projeto Lei Maria da Penha - Atenção e Proteção, acredita que “a [lei] Maria da Penha é eficaz porque mostra que qualquer violência é crime. Mas a eficácia dela para por aí”. CULTURA MACHISTA Outro fator que interfere no bom funcionamento da Lei Maria da Penha no país é o preconceito de gênero enraizado na sociedade. Segundo o juiz Ben-Hur Viza, “a lei por si só não é suficiente para conter a violência doméstica. Às vezes, a própria mulher acha que o marido tem direito de agredíla. A cultura machista legitimiza o agressor”. Irene Dias*, 37, sofre com os efeitos do machismo desde a infância, quando era estuprada pelo pai e vivia cenas
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cotidianas de humilhação. A falta de respeito alheio que sofria com o próprio corpo se repetiu na vida amorosa. No primeiro casamento, o marido começou as agressões com apenas três meses de namoro, a obrigava a não tomar a pílula contraceptiva e cometia atos de violência sexual para engravidá-la. Com medo das ameaças de morte rotineiras, Irene denunciou o marido em 2006 e recorreu aos benefícios da Lei Maria da Penha para se resguardar. Em algumas situações, as mulheres agredidas desistem das ações penais na Justiça. Foi o caso de Maria Luisa Gomes, 21, estudante agredida com um tapa no rosto pelo namorado em abril do ano passado. A estudante de Direito compareceu às audiências mas, depois de
alguns meses, desistiu de dar continuidade ao processo e foi criticada pela promotora de justiça que acompanhava o caso. “Ela me disse que era por conta de mulheres como eu que a violência continuava, que os homens batiam mais e que, como estudante de Direito, eu não deveria fazer isso.” Para Ben-Hur Viza, o fator que mais causa desistência de ações judiciais é a pressão social e o medo das consequências do processo porque, “com o tempo, a mulher perde a noção da violência”. O juiz acredita que, apesar dos problemas da lei, o pior que as mulheres agredidas podem fazer é ficarem caladas. “O que as deixa mais vulneráveis é o silêncio. Nós somos limitados. Se a notícia não chega ao Estado, não temos como agir.” *Nome fictício
MaRia MaRia Da Da PEnha PEnha RESPOnDE RESPOnDE Maria da Penha Maia Fernandes foi a mulher que inspirou o nome da lei de proteção às vítimas de violência doméstica. Hoje, ela coordena o Instituto Maria da Penha em Fortaleza, no Ceará.
A Lei 11.340/06 pode ser melhorada em algum aspecto? O que precisa melhorar não é a lei. É necessário que os operadores de direitos sejam capacitados para aplicá-la corretamente. Além disso, é preciso sensibilizar o poder público para que sejam implementadas políticas de atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Você concorda com o projeto de lei que propõe reduzir o tempo para a vítima conseguir uma medida protetiva? Sabemos que, quando a mulher procura uma delegacia para denunciar o agressor, ela já está no seu limite. Muitas dessas mulheres não podem esperar 48 horas para receber uma medida protetiva. Esse procedimento, se feito com mais agilidade, salvará vítimas!
A lei deveria ser mais incisiva ao punir os agressores? Se a lei for aplicada, ela já estará cumprindo seu papel. Porém, há casos em que o policial não a aplica como deveria, motivado por convicções machistas. Existem exemplos de mulheres que nunca mais foram agredidas pelo companheiro depois que o marido da vizinha foi preso em flagrante. Ou seja, quando o Estado cumpre seu papel, ele reforça o enfrentamento à violência.
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alimentação
crianças acima do peso
Alta taxa de obesidade infantil no DF gera problemas sociais e de saúde Victor Pires
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obesidade infantil é problema sério no Distrito Federal. Segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde, uma em cada três crianças de cinco a dez anos está acima do peso no DF. A má alimentação é fator crucial para as altas taxas de obesidade infantil, salientam os especialistas. A nutricionista Cássia Nery Luz, do Centro de Saúde nº 08, acredita que a qualidade dos alimentos oferecidos nas escolas públicas melhorou em relação aos anos anteriores. Segundo ela, porém, ainda existem lanches inadequados. Nas cantinas de escolas particulares, a situação também poderia ser melhor. É a opinião de Zara Fernanda Lima, cuja filha Maria Clara Cardoso sofre com obesidade. “Minha filha come o que leva de casa. A alimentação da escola não é a ideal. Eles acrescentaram frutas e alguns alimentos saudáveis na lanchonete, mas em pouca quantidade em relação aos não saudáveis”, explica Zara. Atualmente, Maria Clara passa por tratamento oferecido no Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB). Zara conta que a menina já passou por episódios de discriminação na escola. Segundo a mãe, o tratamento ajudou a criança: “A partir do momento em que minha filha elevou a autoestima, o comportamento dos outros passou a não atingi-la tanto”. Para a endócrino pediatra do Hospital Universitário de
Brasília (HUB) Fernanda Cardoso Lopes, a obesidade infantil aumenta as chances de a criança desenvolver doenças como diabetes e hipertensão. Por isso, nos centros de saúde, o foco é a prevenção. A nutricionista Cássia Luz informa que, quando a criança tem seis meses, as mães recebem palestra sobre a introdução de alimentos adequados para o bebê. Depois, os pediatras continuam o acompanhamento. Se a criança apresenta problemas de saúde ou excesso de peso, é encaminhada para o nutricionista, que pode indicar tratamento nos hospitais da Secretaria de Saúde que possuem atendimento especializado. No HCB, crianças e adolescentes são atendidos por equipe composta por psicóloga, nutricionista e endocrinologista. São formados três grupos, de acordo com as faixas etárias. Durante seis meses, os participantes se reúJéssica Martins
A má alimentação é uma das causas das altas taxas de obesidade infantil no DF
nem. Na primeira parte dos encontros, os familiares também participam, já que a inclusão da família é fundamental. Há reeducação sobre hábitos alimentares e sedentarismo, entre outros temas. O tratamento oferecido no hospital tem como principal objetivo ensinar à criança hábitos adequados para superar a obesidade. Desse modo, as reuniões, além de favorecer a troca de experiências entre crianças e famílias, focam na reeducação e não no emagrecimento em si. “Se a criança aprende o que é ensinado nos grupos, o emagrecimento vem como consequência”, afirma a psicóloga do HCB Priscila Pereira. Ela acrescenta que o uso exagerado de tecnologia pelas crianças pode contribuir para a obesidade. Como uma das responsáveis pelo tratamento, ela afirma que, nos encontros, há estímulo para as crianças realizarem atividades em que se movimentam, em substituição às horas passadas em frente a equipamentos eletrônicos. Francineire Rodrigues, mãe de Flávio Rodrigues, uma das crianças atendidas, já viu resultados: ela conta que o filho emagreceu desde que entrou no grupo. Além disso, houve mudanças de hábitos, não só da criança, como da família inteira. “O tratamento influenciou a vida da família, pois todo mundo entrou no meio. Minha outra filha, inclusive, já procurou um nutricionista”, diz Francineire.
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Sociedade
discussão de gênero
Votação do Plano Nacional de Educação gera divergências sobre o combate do preconceito contra mulheres e LGBTs nas escolas
Camila Curado
Raila Spindola e Isabela Resende
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oi aprovado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, no dia 22 de abril, o texto final do Plano Nacional de Educação (PNE). Relatado pelo deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), o projeto, que passou por diversas audiências, emendas e votações, trazia propostas referentes a vários âmbitos da educação. No entanto, um artigo mal redigido que tratava das questões de gênero e orientação sexual gerou debates entre progressistas pró-minorias e religiosos, de
maioria católica. A primeira versão do Plano dizia que deveriam “ser superadas as desigualdades educacionais com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual”. Já a devolvida pelo Senado Federal substitui o tópico e propõe “ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de preconceito”. O novo texto não agradou a todos e gerou discussões, lotando os plenários de manifestantes de ambos os lados em todas as
DOIS LADOS... “A divisão de gênero tem a ver com um modelo criado na sociedade que separa as pessoas em duas grandes categorias: homens e mulheres. A forma como se criam as crianças, os brinquedos dados, as roupas, as regras de conduta e como se expressam emocionalmente é baseada basicamente em se a criança é menino ou menina e isso dura a vida inteira. Não precisa ter aula específica sobre o assunto, mas deveria ser veiculada uma visão de que nós somos diferentes como indivíduos e não parte de dois grandes grupos. Os professores precisam ser orientados para aplicar esse conceito em sala de aula.” Maria Helena Fávaro, doutora em Psicologia e Ciências da Educação e professora da UnB “Propagar a igualdade de gênero não significa dizer que crianças nascem sem sexo, porque existem diferenças biológicas claras, e sim que a escola deve se comprometer a desconstruir preconceitos que existem contra a mulher. É preciso estimular meninas a também terem posicionamentos e opiniões. Às vezes, os professores pensam que estão passando valores para os alunos ao dizer que Maria deve ser mãe e João se impor na sociedade, mas isso é ensinar a discriminação. Homens e mulheres são diferentes, mas precisam ser tratados como iguais em dimensão jurídica, cultural, legislativa e social. O mesmo vale para a igualdade de orientação sexual.” Lucas Umbelino, universitário e membro da Cia. Revolucionária Triângulo Rosa
oito vezes em que, somente neste ano, os deputados se reuniram para debatê-lo. Durante a votação da comissão do dia 22, o placar de 15 votos a 11 deu vitória à proposta do Senado Federal e dos conservadores cristãos. Segundo o deputado Pastor Eurico (PSB-PE), em seu discurso durante a votação, não haveria por que de um movimento querer introduzir no PNE ideologia de gênero. “O texto do Senado contempla a todos”, argumentou. Ressaltou ainda que, apesar de o país ser laico, a maioria da população é cristã. Em contrapartida, a deputada Fátima Bezerra (PTRN) defendeu a versão de autoria do deputado Angelo Vanhoni. Ela afirmou que a escola não pode se omitir ou reproduzir estereótipos preconceituosos existentes na sociedade e deveria ser um espaço para combater esse tipo de prática. “Amor não combina com preconcei- Os cristãos faziam parte de um dos grupos que se manifestaram na Câmara dos to ou violência, mas sim com Deputados. A Comissão Especial se reuniu no dia 22 de abril para votar o PNE solidariedade e respeito. A escola não pode fomentar ou os preconceitos contra a mu- que vai discutir uma pauta se omitir diante dessa situ- lher e o homossexual, en- sobre o Dia do Homem, poração”, argumentou. quanto a versão aprovada põe que o homem é um guerreiPara Lucas Umbelino, uma neblina sobre o que pode ro, ou então sobre o Dia do membro da Cia. Revolu- ser considerado preconceito. Orgulho Hétero, porque os cionária Triângulo Rosa “Isso dá margem para o pro- héteros fazem sexo que gera e presente em grande fessor chegar na escola e dizer filhos. Por erradicação de toparte dos períodos de das as formas de preconcomissão do PNE na ceito, cada um entende o Câmara dos Deputados, que quiser”, explica. o problema da versão “Nós só éramos muito amigas. Segundo a doutora do Senado Federal seria em Psicologia e Ciênque ela não tipifica os Eles não nos deram alternativas, cias da Educação Maria apenas mandaram a gente se Helena Fávaro, a discuspreconceitos como faz a afastar.” primeira. Segundo ele, são da importância do enAmanda Kali Andrade, universitária colocar gênero e oriensino da igualdade de gênetação sexual significaria ro nas escolas vai além. De a obrigação de erradicar acordo com ela, um dos
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Jéssica Martins
Amanda Kali Andrade (esquerda) foi aconselhada pela administração da escola em que cursou o ensino fundamental e médio a afastar-se de uma amiga próxima por ambas serem lésbicas. Agora aluna da Universidade de Brasília, Amanda sempre anda de mãos dadas ou abraçada com a atual namorada durante os intervalos das aulas
problemas enfrentados hoje é o organismo é naturalmente fundamento científico. Introque mulheres são sempre in- mais propício a esse tipo de duzir essa questão nas escolas centivadas a ficar nas mesmas comportamento. Assim como seria uma desonestidade com áreas de atuação profissional. os homens tendem a ser mais os alunos”, afirma. O discurso do pároco é “Mesmo as que vão bem em velozes e fortes fisicamente matemática no ensino médio devido as atividades de caça. confirmado por Lenise, que escolhem áreas de humanas “É lógico que não se pode ge- explica que a ciência ainda está na universidade. Não se veem neralizar e devemos entender longe de chegar a uma conclumuitas mulheres em cursos de a pluralidade. Mas o mais im- são sobre a homossexualidade engenharia”. Para ela, a socie- portante a se fazer é ensinar a em si, o que torna o ensino dade tem hábito de classificar valorizar as características fe- de gênero um assunto delicaatividades adequadas para mininas da mesma forma que do, já que não existem provas cada gênero ao colocar a razão as masculinas, e não querer concretas sobre o tema. “Muitos estudos ainda precisam ser como qualidade masculina e a eliminar essas diferenças.” De acordo com o padre feitos até que cheguemos a emoção como feminina, o que é disseminado também pela João Vicente de Pádua, da resultados que tornem possíescola. “Diferenças entre ho- Paróquia Nossa Senhora de vel implantar alguma medida mens e mulheres são usadas Guadalupe, a Igreja Católica concreta na nossa sociedade.” para desqualificar caracterís- apoia o ensino contra todo ticas femininas. Ser emocional tipo de preconceito, visto DENTRO DA ESCOLA A professora de uma escona nossa sociedade é péssimo, que de acordo com as doutrinas da instituição todas as la particular da capital de São bom é ser racional.” Já para a bióloga Lenise pessoas devem ser amadas e Paulo Fernanda Rodrigues Garcia, essa diferenciação respeitadas. “Apesar disso, diz acreditar que os maiores profissional não é necessaria- a teoria de gênero tal como problemas na formação da mente um efeito direto socio- vem sendo posta não teria criança são fruto do que é ensinado em casa e que seria -cultural, e muito menos ineficiente atribuir certas um defeito. “São caracterísresponsabilidades à escoticas biológicas que os seres la. “Tenho um aluno que humanos desenvolveram "Valorizar as características adora brincar de boneca e, durante a sua evolução e femininas da mesma em casa, com as maquianos influenciam até hoje”. Ela acredita que o fato de forma que as masculinas, e não gens da mãe. Ela deixa, eliminar essas diferenças." mas o pai briga, então o haver mais mulheres ligaLenise Garcia, bióloga da UnB garoto é uma criança condas a áreas de cuidado está fusa”, relata. “Nós nos virelacionado à capacidaramos com o que sabemos de de ser mãe e de como
e podemos, mas a maioria de nós não é psicólogo ou psicopedagogo. Só escolas de ponta têm um profissional desses de plantão.” Com o argumento da falta de preparo de algumas instituições para lidar com a diversidade de orientação sexual, Amanda Kali Andrade, 20 anos, narra a história de como a escola particular em que estudou durante o ensino fundamental e médio orientou para que ela e uma colega se afastassem durante o horário da escola para não gerar fofoca entre os outros alunos. “Nós não fazíamos nada além de ser amigas. Eles não nos deram alternativas, não promoveram campanhas ou palestras, não conversaram e nem exigiram explicações. Apenas mandaram que nós nos afastássemos”, relembra. Na opinião da estudante católica da Universidade de Brasília Anna Luiza Lopes,
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que tem acompanhado a tramitação do PNE na Câmara dos Deputados, é muito importante ensinar e pregar o respeito mútuo entre os indivíduos. Contudo, também é preciso preservar a autoridade que os pais têm sobre a educação dos filhos e a liberdade de escolher qual tipo de ensino eles terão no que se refere à teoria de gênero. Já para a professora da rede pública do Distrito Federal Mariana Cintra, o PNE da Câmara dos Deputados poderia ser um respaldo ao combate das exclusões e violências que presencia diariamente nas escolas contra minorias que não têm tanta proteção. “Os professores que já são sensíveis à essas questões teriam um instrumento a mais para cobrar do Estado ou de um diretor que agisse de maneira negligente”, pontua.
...DA MOEDA “Nós não protestávamos contra as políticas de combate a preconceitos, e sim contra a inclusão da palavra gênero, que não era bem delimitada e abria margem para muitas interpretações. Termos relativos à questão da sexualidade ainda não estão bem claros na cabeça da maior parte da população, e deixar um artigo mal detalhado ser aprovado pode dar espaço para alguns estudos de gêneros que acreditam que as características femininas e masculinas em nada têm a ver com as nossas características biológicas, mas com o que a sociocultura nos ensina.” Anna Luiza Lopes, universitária e membro de movimentos juvenis católicos “A nossa realidade não é dicotômica. As relações sociais interferem nas nossas características pessoais, assim como algumas das nossas características inatas interferem na sociedade, criando assim indivíduos diferentes entre si. Essa variedade faz parte da natureza humana. Mas querer eliminar as diferenças biológicas vai contra a teoria da evolução. O que nós devemos buscar é uma equidade de sexos. Devemos tirar esse exagero na distinção de gênero historicamente posto pela sociedade, mas aceitar que existem características biológicas inatas, que vão, sim, nos afetar tal qual outros animais.” Lenise Garcia, professora do departamento de Biologia da Uni versidade de Brasília
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Estudantes nas urnas Às vésperas das eleições, o Campus ouviu as opiniões das duas principais chapas que concorrem à presidência do DCE Henrique Arcoverde e Iago Garcia
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o último mês de março, o movimento Aliança pela Liberdade finalizou o segundo mandato, iniciado em dezembro de 2012, à frente do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Os coordenadores-gerais do DCE repassaram a gestão da entidade à Comissão Eleitoral, que definiu os dias 14 e 15 de maio para as novas eleições. Nessas datas, a situação, que irá tentar se reeleger pela segunda vez como Chapa 1, terá outras três concorrentes, duas chapas minoritárias: Bloco na Rua (Chapa 2) e UnB Aberta para Quebrada (Chapa 3), e a principal oposição: Manifesta (Chapa 4), composta por três grupos com afinidades ideológicas, entre eles, o Honestinas, que foi segundo colocado nas últimas eleições para o DCE. O período de 15 meses da última gestão foi marcado por alguns episódios que suscitaram discussões dentro da comunidade da Universidade de Brasília (UnB). Com as eleições se aproximando, a reportagem do Campus decidiu ouvir a opinião da situação (Aliança Pela Liberdade) e oposição (Manifesta) acerca desses pontos, e como eles podem influenciar as eleições. Restaurante Universitário A mudança na forma de terceirização do Restaurante Universitário (RU) em novembro do ano passado gerou uma série de debates. “Nós deixamos de terceirizar apenas a mão de obra para terceirizar todo o serviço do restaurante”, explica Ygraine Hartmann, diretora do RU.
Ela afirma que a mudança gerou uma economia para a universidade. “Nesse novo modelo o pagamento à empresa é por refeição servida. No antigo, como apenas a mão de obra era terceirizada, o valor pago à empresa era fixo. Para se ter uma ideia, no período de férias, quando o movimento é menos intenso, chegávamos a gastar cinco vezes mais do que gastamos hoje”, argumenta a diretora. A Aliança pela Liberdade foi a favor da mudança nas reuniões do Conselho de Administração (CAD). Victor Aguiar, presidente da chapa, também defende o aumento do preço da refeição para não estudantes: passou de R$ 5,00 para R$ 10,00. “Subsidiar R$ 7,19 para cada refeição se justifica no âmbito da comunidade interna, mas não faz tanto sentido em relação ao resto da sociedade.” Para Renato Rabelo, vice-presidente da Aliança, além de melhorar a qualidade da refeição, a terceirização permite que o restaurante funcione sem interrupções. “Em tempos de greve o serviço está garantido para todos os estudantes.” A Manifesta é contra a terceirização do local. Hugo Fonseca, coordenador de comunicação da Honestinas e membro da Manifesta – o movimento não possui hierarquia definida –, alega que, ao terceirizar a alimentação no ambiente universitário, a reitoria “se isenta da obrigação de zelar pelos direitos dos funcionários e estudantes da universidade”. Hugo afirma que o RU Gourmet (refeitório selfservice do restaurante que
Rômulo Andrade
Representantes das cinco chapas que concorrem à presidência do DCE participam de debate, no campus da Ceilândia; outras discussões abertas ao público aconteceram em todos os campi da UnB
vende comida a R$ 21,58/ kg) não deveria existir, visto que “o RU deve disponibilizar comida de qualidade para todos, ao mesmo preço, e não para gerar lucros para empresas privadas”. Outra queixa da Manifesta é em relação ao preço mais alto da refeição para não estudantes. Segundo
o movimento, essa “enorme discrepância” é ruim principalmente para o servidor do restaurante e sua família, que muitas vezes não possuem o valor cobrado. Cotas Em reunião no início do mês de abril, o Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) decidiu pela redução de 20% para 5% as cotas raciais universais. A Aliança pela Liberdade era a favor da eliminação desse percentual. Desse modo o sistema de cotas da UnB se resumiria ao que é previsto em lei federal: 50%, das vagas reservadas a alu-
Campus
Brasília, 6 a 19 de maio de 2014
nos de escolas públicas, com subdivisões para estudantes de baixa renda e estudantes autodeclarados negros. Renato, da Aliança, reconhece a importância das cotas para inclusão social e diminuição das discriminações, e explica a posição da chapa. “O sistema previsto em lei já abarca cotas raciais, ou seja, não somos contra cotas raciais mas, sim, a favor de cotas raciais focalizadas, que beneficiam o estudante negro, de baixa renda.” A Manifesta defende a manutenção do montante de 20% de cotas raciais universais, além das sociais. Carolina Souto, coordenadora-geral do movimento Honestinas e uma das líderes da Chapa 4, alega que a última decisão dos 5% “foi uma vitória para a UnB, tendo em vista que evitou o retrocesso de não existirem mais cotas étnico-raciais desvinculadas do critério de renda”. Para Carolina, no entanto, essa decisão foi tomada sem a existência de um plano de metas e objetivos. “Por tudo isso, acreditamos que a luta e o debate em torno das cotas na UnB estão longe do ideal e do fim”, comenta a estudante. PM nos campi A presença da Polícia Militar no campus é um dos principais pontos de campanha da Aliança. Renato demonstra orgulho ao falar que a chapa é a única do movimento estudantil da UnB a defender um sistema de segurança integrado com a presença da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). “Nós queremos sim a polícia no campus, fazendo rondas, principalmente nos espaços abertos, como estacionamentos.” O vice-presidente reconhece que há muito a ser melhorado no treinamento da PM para que ela se adapte ao ambiente universitário, mas afirma que a Universidade não pode cruzar os braços. “Não podemos esperar trinta anos para
essa reestruturação da polícia ocorrer e, enquanto isso, tornar a universidade uma ilha separada da sociedade”, destaca Renato. Para o presidente, Victor Aguiar, a Aliança Pela Liberdade “conquistou uma aproximação com a PMDF durante a última gestão”. Segundo ele, um exemplo disso é a operação Ethos, que no inicio do semestre levou a Polícia Militar e o Detran ao Campus Darcy Ribeiro por 15 dias para tentar coibir crimes na universidade . “A Manifesta não quer a PM na UnB. Precisamos de um modelo alternativo a este que é um organismo repressor e violento”, posiciona-se Hugo Fonseca. Para ele, e a chapa da qual faz parte, a PM não é capacitada e suficiente para os moldes de uma população universitária. “Pudemos ver nas manifestações de junho passado que a polícia não está preparada para lidar com jovens como nós. No geral, eles são preconceituosos e ignorantes”, completa Hugo. A Manifesta propõe investimentos em iluminação, estrutura, transporte e a “ocupação de espaços”, para que a UnB seja segura, mesmo sem a presença da PM. “Se fizermos tudo isso, além dos estudantes se unirem para o bem da faculdade, a PM não será necessária”, justifica o coordenador da Chapa 4.
grandes conquistas do movimento. “Outras universidades já tinham esses benefícios, e vai facilitar muito a vida dos estudantes que não vão precisar sair da universidade para regularizar seus estágios ou tirar o passe estudantil, por exemplo.” Em relação à falta de postos nos outros campi, o vice-presidente afirmou que a gestão brigou pela instalação, mas a baixa demanda foi um empecilho. “Apesar de não possuírem o posto fixo, os outros campi contam com postos móveis do DFTrans no início de cada semestre”, argumenta Renato. A Manifesta mostra-se a favor de ambas as conquistas para a UnB, porém questiona a falta de postos nos outros campi, além da demora da instalação no Campus Darcy Ribeiro. “É algo que ajuda bastante, mas sendo uma coisa de certa forma simples de ser feita, surpreende-me só ter sido conquistada nos últimos meses. Além do mais, os outros campi, que abrigam aqueles que mais sofrem com a ausência dos serviços prestados pelo DFTrans, são os que mais sofrem pela ausência dos postos”, questiona Hugo.
O RU reduziu seus gastos em 18,7% em março deste ano, em comparação com o ano passado
Postos DFTrans e CIEE Para o vice-presidente, Renato Rabelo, a instalação de postos fixos do Centro de Integração Empresa e Escola (CIEE) e do DFTrans no Campus Darcy Ribeiro durante a última gestão da Aliança Pela Liberdade foi uma das
Assistência Estudantil e OCupação da Reitoria Segundo o presidente da Aliança, Victor Aguiar, o fim da contrapartida trabalhista, que obrigava os estudantes da assistência estudantil a trabalhar em tempo parcial na administração da UnB, e o acúmulo de bolsas, que permitiu que alunos em vulnerabilidade socioeconômica pudessem receber outro benefício além do auxílio moradia, foram duas importantes conquistas
do Centro Acadêmico da Assistência Estudantil (Cassis). Para Renato, a Aliança sempre esteve ao lado dos estudantes em vulnerabilidade socioeconômica, intermediando diálogos e levando demandas à reitoria, mas reconhece que o DCE foi contra a ocupação da reitoria por alunos da assistência estudantil, em setembro do ano passado. “Nunca gostamos de utilizar o instrumento de invasão como ferramenta de pressão, a gente sempre prezou muito pelo diálogo.” Para ele, as conquistas da assistência estudantil viriam mesmo sem a ocupação da reitoria. “A gente estava avançando nos diálogos. Já havia um compromisso do reitor em dar fim à contrapartida trabalhista feito quando a gente o apoiou na última eleição.” A Manifesta afirma que as últimas conquistas do Cassis foram direitos alcançados exclusivamente pelos estudantes desta classe, com apoio quase nulo da Aliança pela Liberdade, então gestão do DCE. “Sempre que a Aliança teve que optar entre defender os estudantes do Cassis ou a Reitoria, o grupo optou pelo segundo. Foi contra a ocupação da sala que deu origem ao Cassis, contra a ocupação da Reitoria, e nunca defendeu os interesses da assistência nas mesas de negociação com o reitor”, justifica Ayla Viçosa, membro do movimento Juntos! e coordenadora-geral da Manifesta. Para a chapa 4, a ocupação da reitoria, ocorrida no último mês de setembro, foi de suma importância para a conquista de direitos e voz ativa dentro do ambiente universitário. “Sem a ocupação, tenho certeza que o Cassis estaria até hoje lutando pelos mesmos direitos. Se a Manifesta estivesse à frente do DCE à época, teríamos apoiado a ocupação à reitoria. Só assim para o Cassis ser ouvido”, posiciona-se Hugo Fonseca. A reportagem do Campus ouviu o posicionamento do
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próprio Centro Acadêmico acerca de sua relação com os movimentos estudantis dentro da UnB. Sara Lindalva, representante da gestão interina do Cassis, afirma que a Assistência Estudantil é uma organização independente e autônoma, mas que não nega a participação de nenhum grupo em suas lutas diárias por direitos na UnB.
Rômulo Andrade
Fachada do DCE pichada com ofensas contra a Aliança
Posto do DFTrans foi instalado no mezanino do ICC Sul
Aluna assina termo de estágio no posto do CIEE na UnB
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Campus
Brasília, 6 a 19 de maio de 2014
Sob as pontes que ninguém vê Bruna Chaves
Brasília é conhecida por seus monumentos arquitetônicos, pelo céu que possui, pelo planejamento urbano e, agora, por ser uma das 12 cidades brasileiras a sediar a Copa do Mundo deste ano. Diferentemente desse cenário, construções improvisadas feitas com lona, papelão e madeira sustentam um mundo que passa despercebido, existente embaixo de viadutos e pontes do Distrito Federal. De acordo com pesquisa feita pelo GDF, existem aproximadamente 2,5 mil moradores de rua no DF. Para essas pessoas a Copa do Mundo é realidade bem distante e divide opiniões. Ponte entre Samambaia e Taguatinga – “Pra mim tanto faz ganhar ou perder. Não vou assistir, vou trabalhar normalmente. Até porque aqui não tem TV, nem rádio.” Antônio Carlos da Silva, 46 anos, mora há oito anos com a esposa e os dois filhos embaixo da ponte. Trabalha com reciclagem e fatura entre R$ 100 e 400 mensais. Há dias em que Antônio tem como refeição apenas um pão, dividido com a família. “O botijão de gás é emprestado, está no final e o homem já veio me cobrar.”
Ponte Costa e Silva – “Aqui em casa ninguém vai assistir à Copa. Não ligamos pra jogo porque não temos TV nem energia pra isso”. Fabiane Sales, 30 anos, mora há dois meses em um espaço improvisado com os quatro filhos e o marido. Sempre que precisa comprar algum alimento, Fabiane anda duas horas para chegar ao mercado mais próximo. Com o trabalho de reciclagem a família consegue faturar R$ 300 por mês. “Queremos sair daqui pra alugar um cômodo, é só até o meu marido melhorar. Ele é pedreiro.”
Ponte entre a cidade de Samambaia e Taguatinga– “Gosto de jogo, não perco a Copa por nada, sou flamenguista, apostei com um amigo um pedaço de terra por aqui”, diz Edson Almeida, 53 anos. Mora com a mulher e trabalha com serviços em geral. Recebeu a geladeira como recompensa após capinar a grama de um lote. Ele ainda mostra na panela o arroz mexido por ratos, comuns no local, e que será jogado no lixo.