REVISTA

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VIDA ACADÊMICA

FLÁVIO TAVARES: UM PINTOR QUE ALCANÇOU A IMORTALIDADE Equipe GENIUS

Consagrado, por críticos de arte e pelo público que lhe disputa os quadros e painéis, como um dos maiores nomes das artes plásticas na Paraíba, Flávio Tavares alcançou a Imortalidade, ao ter ingresso na Academia Paraibana de Letras, em uma das mais concorridas sessões daquele sodalício, realizada na noite de cinco de julho do corrente ano. Flávio Tavares passou a ocupar a Cadeira 14, que tem como patrono Eliseu César e que teve como ocupantes, seguidamente, Francisco Seráphico da Nóbrega Filho, Celso Otávio Novais e, por último, Ronaldo da Cunha Lima, a quem Flávio Tavares sucedeu A posse contou com o comparecimento de autoridades, colegas, amigos do empossando e com um grande número de acadêmicos, o maior que já se viu nos últimos anos em solenidades com a mesma finalidade, o que comprova o prestígio do novel acadêmico e reforça a decisão dos membros da APL em eleger o notável artista plástico para ocupar a Cadeira 14. Flávio Tavares foi saudado pela Acadêmica Ângela Bezerra de Castro. A entrada de Flávio Tavares na Academia foi, sem dúvida, um acontecimento que transcendeu os limites da intelectualidade paraibana para transmudar-se em um acontecimento de relevo na vida social do Estado, tão grande foi o número de presenças não só dentre professores universitários, médicos, advogados, servidores públicos de todos os níveis, e outros profissionais de diferentes categorias, mas também de sua grande legião de amigos e admiradores.

Acadêmica Ãngela Bezerra de Castro

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Acadêmico Flávio Tavares pronunciando seu discurso de posse.

Em face da instabilidade temporal, própria da época invernosa, dentro da qual iria ser realizada a solenidade, o Presidente da APL, Damião Ramos Cavalcanti, concordou, extraordinariamente, em dar posse ao novo Acadêmico em lugar fora do Jardim de Academos, local da APL em que se realizam os atos mais concorridos da entidade. Assim, o ato ocorreu no auditório do edifício anexo ao Tribunal de Justiça, o qual ficou totalmente lotado. Flávio Tavares abriu seu discurso com o poema “Quem sou eu” de Ronaldo Cunha Lima, seu antecessor na Cadeira 14. Em en-

trevista a um jornal local, o novo Acadêmico disse: “Escolhi esses versos, porque Ronaldo além de ser uma figura múltipla, dentro do imaginário popular, se tornou uma figura legendária e tinha um magnetismo ligado às raízes do povo”. E acrescentou: “Esse poema além de ser fantástico, é quem melhor define o poeta”. Em outro local desta edição, GENIUS transcreve o discurso de posse de Flávio Tavares e também neste número uma análise do crítico de arte Eudes Rocha sobre a arte do novo imortal. Nas fotografias aqui expostas, flagrantes da solenidade. g

Acadêmico Flávio Sátiro Fernandes, ex-governador José Maranhão, Acd. Oswaldo Trigueiro, Conselheiro Gleryston Lucena, Acd. Astênio C. Fernandes e o empossando, Flávio Tavares.


CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

1, 2, 3... e GENIUS segue sua caminhada, sempre preocupada em levar ao leitor algo que lhe seja útil e agradável, nos vários setores que formam a diversificação cultural em que o homem se insere. Antes, porém, de prosseguir, é prazeroso dar conhecimento a todos que a Câmara Municipal de João Pessoa, por propositura do Vereador Lucas de Brito Pereira, aprovou voto de aplausos ao jornalista Flávio Sátiro Fernandes, Diretor e Editor desta revista, pela decisão de lançá-la, “voltada ao jornalismo cultural, objetivando ampliar o estímulo às letras e às artes na Paraíba, por meio do trabalho de escritores de diferentes estilos e tendências, não só da Paraíba, mas também de outros Estados de nossa Federação”. A decisão da Câmara, por demais gratificante para GENIUS, é, sem dúvida, veículo de estímulo para este periódico, levando a sua direção e sua editoria a prosseguir sem desfalecimentos nessa trajetória ascendente. Reflexo de nossa dedicação para com o leitor são as colaborações que fizemos reunir nesta edição, em que se destaca a ênfase dada à Imortalidade conferida ao pintor Flávio Tavares, recebido em noite de gala na Academia Paraibana de Letras, ao redor de cuja pintura se derrama a análise percuciente e criteriosa do crítico de arte Eudes Rocha, em primoroso trabalho elaborado especialmente para GENIUS. Também se exalça dentre os textos coletados a pesquisa na área da linguística, abordando os “falares nordestinos”, de autoria da professora Maria do Socorro Silva de Aragão. Na área da bibliografia histórica, ressalta-se pesquisa do historiador José Octávio de Arruda Mello, Uma bibliografia para a Coluna Prestes, oportuníssima tendo em conta “os preparativos, pela Secretaria de Cultura da Paraíba, e outros organismos do Estado para, em combinação com o arquiteto e publicista Luiz Carlos Prestes Filho, vivenciarem, em 2013. a passagem da Coluna Prestes, pela Paraíba”. O Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes participa, mais uma vez, com trabalho que interessa à Paraíba, ao destacar a participação do jurista Epitácio Pessoa na Corte Permanente de Justiça Internacional. Outros textos de igual nível compõem, ainda, o acervo de estudos reunidos para esta edição. É oportuno destacar a abertura de uma seção denominada TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA, através da qual se apontará o que de importante existe a serlido para melhor conhecimento de nosso Estado, nos mais diversos setores (história, educação, economia, política, artes etc.). A primeira colaboração para isso é o texto O selo da perpetuidade, discurso do Reitor José Américo de Almeida, na instalação da Universidade da Paraíba, em 1955. Até breve, caríssimo leitor.

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FLÁVIO TAVARES: UM PINTOR QUE ALCANÇOU A IMORTALIDADE

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A BATALHA DE VINGT-UN ROSADO EM DEFESA DA PESQUISA DE PETRÓLEO NA BACIA POTIGUAR

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IRINEU FERREIRA PINTO – VIDA E OBRA

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LEITURA: UM UNIVERSO MÚLTIPLO

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UMA BIBLIOGRAFIA PARA A COLUNA PRESTES

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FLÁVIO TAVARES: ONTEM, HOJE E SEMPRE, O ADMIRÁVEL ARTISTA

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DUAS VALOROSAS MULHERES

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CINCO POEMAS DE WALTER GALVÃO

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CATOLE DO ROCHA DOS ANOS 40

julho/agosto/setembro 2013 - Ano I - Nº 3 Revista da Fundação Flávio Sátiro Fernandes Diretor Responsável e Editor: Flávio Sátiro Fernandes Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefone: (83) 3244.5633 / 9981-2335 CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO ACIMA

Equipe GENIUS

José Romero Araújo Cardoso Berilo Ramos Borba

CERIMONIAL E PROTOCOLO NO ESTADO PÓS-MODERNO Itapuan Bôtto Targino

Neide Medeiros Santos

O MENOR CARENTE

Marinalva Freire da Silva

FALARES NORDESTINOS: ASPECTOS SOCIOCULTURAIS Maria do Socorro Silva de Aragão

José Octávio de Arruda Mello

Eudes Rocha

Renato César Carneiro

O SELO DA PERPETUIDADE José Américo de Almeida

O CENTENÁRIO DE UM LÍDER Equipe GÊNIUS

BIVAR OLYNTHO, MEU PAI

Moema de Mello e Silva Soares

EPITÁCIO PESSOA NA CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL Flávio Sátiro Fernandes

Raimundo Nonato Batista

A SINGULARIDADE DAS PALAVRAS E DAS CORES Flávio Tavares


COLABORAM NESTE NÚMERO:

COLABORADORES

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BERILO RAMOS BORBA [Irineu Ferreira Pinto:Vida e obra]. Advogado, historiador, escritor, pesquisador, professor. Ex-Reitor da Universidade Federal da Paraíba. EUDES ROCHA [Flávio Tavares: Ontem, hoje e sempre, o admirável artista] Crítico de arte. É membro da Associação Brasileira e Internacional de Críticos de Arte - ABCA. FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [Epitácio Pessoa na Corte Permanente de Justiça Internacional] Diretor e Editor da Revista GENIUS. Membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. Autor de História Constitucional da Paraíba. FLÁVIO TAVARES [A singularidade das palavras e das cores] Artista plástico paraibano, recebido na APL. O texto com que colabora nesta edição constituiu o seu discurso de posse naquela Casa. ITAPUAN BOTTO TARGINO [Cerimonial e protocolo no Estado pós-moderno] Ex-Secretário do Município de João Pessoa. Ex-Diretor da Escola Técnica Federal da Paraíba. Ex-Presidente da Fundação Espaço Cultural. JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA – In memoriam [O selo da perpetuidade] Político e escritor. Foi senador, governador, Ministro de Estado, Ministro do TCU. Autor de A Bagaceira, o grande marco do regionalismo nordestino. JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELLO [Uma bibliografia para a Coluna Prestes] Membro da Academia Paraibana de Letras e do IHGP. Professor Aposentado da UFPB e da UEPB, atualmente é Professor do UNIPE. Autor de A Revolução estatizada. JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO [A batalha de Vingt-un Rosado em defesa da pesquisa de petróleo na bacia potiguar] Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UFRN. Escritor, Assessor da Fundação Vingt-Um Rosado/Coleção Mossoroense.

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MARIA DO SOCORRO SILVA DE ARAGÃO [Falares Nordestinos: aspectos socioculturais] Professora da Universidade Federal da Paraíba.Mestra e Doutora. Especialização em Lingüística pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. MARINALVA FREIRE DA SILVA [O menor carente] Graduação em Letras Clássicas e Vernáculas (1972) e Pedagogia (Hab. Administração Escolar, 1978) pela Universidade Federal da Paraíba (1979). Professora aposentada da UFPB (1994). Atualmente, é Professora Titular da Universidade Estadual da Paraíba. MOEMA DE MELLO E SILVA SOARES [Bivar Olyntho, meu pai]Na colaboração oferecida por Moema a GENIUS está presente o seu sentimento filial, expresso no discurso que proferiu na Câmara Municipal de Patos, na sessão em homenagem a seu pai, Bivar Olyntho de Mello e Silva, ex-Prefeito de Patos. NEIDE MEDEIROS SANTOS {Leitura: Um universo múltiplo]Crítica literária, escritora dedicada à feitura e à análise da literatura infantil. RAIMUNDO NONATO BATISTA – In memoriam [Catolé do Rocha dos anos 40] Foi jornalista, cronista, teatrólogo. Recebeu o título de “Homem da Cultura”, outorgado pelo Conselho Estadual de Cultura. Foi também homenageado pela Assembleia Legislativa da Paraíba que lhe concedeu a Medalha Ednaldo do Egypto, pelos relevantes serviços prestados ao teatro paraibano. RENATO CÉSAR CARNEIRO [Duas valorosas mulheres] Bacharel em Direito, Professor da UFPB, Especialista em Direito Eleitoral, historiador e pesquisador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. WALTER GALVÃO [Poemas] Jornalista e poeta. Atualmente, é Editor Chefe do jornal Correio da Paraíba.


HISTÓRIA

A Batalha de Vingt-Un Rosado em Defesa da Pesquisa de Petróleo na Bacia Potiguar Por José Romero Araújo Cardoso

Tendo concluído, em 1944, o curso de Agronomia na conceituada Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), no Estado de Minas Gerais, Vingt-un Rosado recebeu, no final deste ano, convocação para integrar o esforço de guerra, em declaração formal de beligerância da ditadura Vargas contra as forças do Eixo. Não chegou a embarcar para a Itália, servindo no Quartel sediado nas cidades de Ouro Fino, São João Del Rey, Três Rios e Deodoro como soldado padioleiro de número 494. Fugas constantes em todos os finais de semana, a fim de se encontrar com a namorada de Lavras, de nome América Fernandes, a qual se tornou a companheira de toda existência, tornaram-se conhecidas do então Tenente Ivan de Sousa Mendes, mais tarde General de quatro estrelas, prefeito do Distrito Federal e Ministro do Governo José Sarney. Prevenido pelo oficial para que ouvisse atentamente o Boletim da Companhia, rigorosamente divulgado às 16 horas, o soldado padioleiro Vingt-un Rosado tinha destaque na quarta parte do documento militar, sendo condenado a 15 dias de reclusão por se ausentar do Quartel sem permissão superior. Encarcerado em um antigo armazém destinado a estocar café, não faltou espaço e condições de equilíbrio ao apaixonado soldado para produzir trabalho científico,

pesquisar e descobrir coisas fantásticas, sobretudo referentes à geologia potiguar. Preparou importante monografia, devida ainda da fase discente em Lavras. Traz o título de Os Métodos de Reprodução em Zootecnia e Suas Fórmulas Matemáticas. Devido ao comportamento exemplar, Vingt-un Rosado só cumpriu oito dias da pena imposta pelos superiores militares. Era comum os alunos da Escola Superior de Agricultura de Lavras solicitarem publicações ao Departamento Nacional de Produção Mineral. Vingt-un Rosado as recebia regularmente. Importante estudo geológico lhe foi entregue, no ano de 1945, por agrônomo de nome José Paulo de Matos, o qual versa, justamente, sobre as possibilidades de fontes energéticas fossilizadas no Brasil. Quando de sua detenção por indisciplina militar, aproveitou para examinar, com mais ênfase, bibliografia de geologia, organizada por Dolores Iglesias, concentrando-se, especialmente, em dois artigos de autorias do norte-americano Jonh Casper Branner, presidente emérito da conceituada Universidade Stanford, Califórnia, EUA, e do mineiro Luciano Jacques de Moraes. Até então, Vingt-un desconhecia que em profundas camadas inferiores da bacia potiguar haviam previsto a possibilidade de existência do cobiçado ouro negro.

O trabalho de autoria de Jonh Casper Branner, publicado em fevereiro de 1922, último de sua brilhante produção na área geológica, visto ter falecido a primeiro de março do mesmo ano, intitula-se Possibilidade de Petróleo no Brasil. O cientista norte-americano admitia a existência de petróleo em Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, bem como na Bahia. Branner enfatizou que dos cinco dos horizontes geológicos que produzem óleo em outras partes do mundo, chamados Devoniano, Carbonífero, Permiano, Cretáceo e Terciário são encontrados no Brasil (In: ROSADO, 2000, p. 114). Quando se referiu ao período Terciário destacou que, nas formações costeiras, parece inteiramente possível que esta zona contém petróleo onde ela se alarga para o interior, como na Bahia, até 300 milhas, e Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte (Idem; Ibid.). A bibliografia tinha outra indicação por título Ocorrência de Petróleo no Rio Grande do Norte, elaborado por Luciano Jacques de Moraes. Tratava-se de um artigo publicado em “Nossa Revista”, número sete, por solicitação dos estudantes da cidade de Ouro Preto (MG) (ROSADO, 2004, p. 118). Nesse trabalho, o geólogo mineiro correlaciona a existência de petróleo no Cretáceo mexicano com as mesmas caracte-

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rísticas geológicas observadas na bacia potiguar, embora frisando que a formação petrolífera mexicana pertence ao Cretáceo Inferior (Calcáreo do Tamasopo), enquanto a do Rio Grande do Norte é cretáceo Superior (Turoniano) (MORAIS. In: ROSADO, Idem, p. 122). Além de enfatizar a Batalha da Cultura, empreendida concretamente a partir do ano de 1948, Vingt-un Rosado tornou-se um intransigente defensor da pesquisa petrolífera no Estado do Rio Grande do Norte e um entusiasta de sua exploração racional, constituindo profecias de promessas futuras de geração de emprego e renda para a população potiguar, bem como vantagens econômico-financeiras para o Estado do Rio Grande do Norte. Quando do regresso ao Estado do Rio Grande do Norte, Vingt-un iniciou pesquisas sobre Louis Jacques Brunet, naturalista francês que percorreu o País, e, em especial o Nordeste Brasileiro, explorando minas através de comissão organizada pelo Governo Brasileiro, em meados do século XIX, estudando, obrigatoriamente, o quadro natural da região. Vingt-un Rosado descobriu correspondências do Padre Florêncio Gomes de Oliveira a Brunet, na qual informava-lhe sobre prováveis ocorrências minerais na região oeste potiguar. Fora remetida da Vila do Apodi ao naturalista francês, aos 22 de fevereiro de 1854 (ROSADO, 2000, p. 57-58). Era a tentativa, em vão, do mossoroense de Monte Alegre de trazer Brunet para estudar as potencialidades minerais potiguares. Em Extrato da Ata da Câmara de Vereadores do Apodi, datada de agosto de 1852, Vingt-un Rosado, assessorado pelo eminente cientista Antônio Campos e Silva, encontrou indicações frisando que: “(...)em um dos recantos da lagoa desta vila, que está mais em contato com as substâncias minerais da serra tem-se coalhado, em alguns anos, uma substância betuminosa, inflamável e de boa luz, semelhante à cera em quantidade tal que se pode carregar carros dela (Idem, p. 62)”. ROSADO (Idem, p. 27), frisa que: “(...) a “substância betuminosa inflamável” referida na ata de 1852 poderia perfeitamente tratar-se de exsudação de óleo, fato não de todo desconhecido na Chapada do Apodi. Bancos fossilíferos com o odor de “querosene” são há muito conhecidos na região.” O estilo era inconfundível, com certeza esse documento fora redigido pelo Padre Florêncio Gomes de Oliveira, geólogo amador cuja obstinação era estudar e apro-

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veitar os recursos naturais da província norteriograndense. Em outro extrato de Ata da mesma Câmara, datada de seis de junho de 1853, repetem-se as mesmas preocupações socioeconômicas da anterior, primando pela mesma forma de escrever. O patrono de Jerônimo Vingt-un Rosado Maia na Academia Norte-riograndense de Ciências é justamente o esforçado sacerdote. Em seu discurso de posse, Vingt-un Rosado relacionou a quatorze ciências (Paleontologia – Mineralogia – Geologia – Espeleologia – Geomorfologia – Climatologia – Entomologia (A Cochonila) – Geografia – Botânica Econômica – Fitogeografia – Fitogeografia e Zootecnia – Piscicultura – Folclore – Astronomia) o trabalho sério e importante realizado pelo Padre Florêncio Gomes de Oliveira. O obstinado agrônomo, de saudosa memória, com plenas preocupações geológicas, descobriu ainda correspondência remetida da Vila do Apodi, datada de agosto de 1853, destinada ao Sr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho, Presidente da província do Rio Grande, enfatizando aspectos do quadro natural da região. O geólogo amador mossoroense que abraçou a liturgia católica como sacerdote, deixou escrito trabalho por título Geologia do Rio Mossoró, datado de doze de maio de 1861, embora nunca tenha sido publicado quando de sua conclusão. Foram remetidos exemplares ao Presidente da Província e à Sociedade da Indústria Nacional, a qual possuía um periódico. Vingt-un Rosado pesquisou na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e na Biblioteca Pública Mário de Andrade, na capital paulista, não tendo encontrado em nenhum volume o trabalho do Padre Florêncio Gomes de Oliveira. O cientista Antônio Campos e Silva demonstrou que a linguagem das Atas da Câmara de Vereadores de Apodi, nos anos de 1852 e 1853, era, de fato, a enfatizada no estudo geológico realizado pelo Padre Florêncio Gomes de Oliveira. Vingt-un Rosado, a partir disso, passou a considerar o vigário mossoroense o pioneiro número um no que tange ao registro acerca da existência de petróleo na bacia Potiguar. Em 1894 Manoel Coriolano de Oliveira repetiu em artigo em Almanaque no Estado do Rio Grande do Sul a constatação a que chegou o Padre Florêncio Gomes de Oliveira (ROSADO, 2000). Pesquisando edições antigas do jornal O Mossoroense, Vingt-un Rosado descobriu em exemplar datado de nove de fevereiro de 1908 que o farmacêutico Jerônimo Rosado havia constatado a existência de elaterita no

açude de Caraúbas (RN), sugerindo a utilização desse combustível fóssil para iluminar a cidade. A elaterita é um betume elástico, enquanto fresco, endurecendo quando exposto aos fatores exógenos (Idem). Outra constatação de Vingt-un Rosado foi que, até 1947, nenhum estudioso potiguar havia feito qualquer referência à possibilidade da existência de petróleo no Rio Grande do Norte. Homens lúcidos e dotados de extrema clarividência como Amaro Cavalcante, Tavares de Lyra, Juvenal Lamartine, José Augusto Bezerra de Medeiros, Cristóvão Dantas, Joaquim Inácio, Garibaldi Dantas e Manuel Dantas, de notável produção histórico-cultural e socioeconômica, ignoraram tal hipótese. A primeira indicação veio em artigo do médico Paulo Fernandes, publicado por Vingt-un Rosado no jornal O Mossoroense, no mesmo ano de 1947, o qual versava sobre petróleo e água em Mossoró, fruto de importante pesquisa realizada pelo homem que governou a capital do oeste potiguar por menos de dois anos, granjeando, no entanto, status de estadista. Logo depois, Vingt-un Rosado publicou no Boletim Bibliográfico, trabalho por título Sobre o Wildicat Mossoroense, o qual define como sendo a zona onde se supõe existir petróleo, por dados vagos ou informações superficiais, mas em que ainda não se provou a existência do combustível, caso em que se teria um “Proved Land” (Idem, p. 139). Em 1965, em tom de angústia, Vingt-un Rosado escreveu em oito de abril que, antes desse ano, tinham sido perfurados apenas três poços de petróleo na Bacia Potiguar. O trabalho traz o título de Um Dia as Torres Voltarão ao Sagrado Chão de Mossoró (2004 a). Reproduzindo Vingt-un: “Nos dias memoráveis de julho de 1960, em que Mossoró foi cérebro e coração da Geografia Nacional, um geomorfólogo eminente escreveu ligeiros apontamentos, inteiramente de improviso, sem recorrer a qualquer bibliografia. Ao final, eles vão aqui publicados, sem consulta prévia do seu verdadeiro autor, porque o Poço Rodrigues Alves, na Volta, em território assuano, limítrofe do de Mossoró, nas proximidades do Trapiá, a menos de duas dezenas de quilômetros, com as suas emanações de gases combustíveis neste ano de 1965 elevou outra vez o clamor da gente mossoroense pela pesquisa do seu petróleo, em área há 05 anos indicada pelo autor. Um dia as torres voltarão ao sagrado chão de Mossoró e dirão muito alto que


John Casper Branner, o sábio de Stanford, e Luciano Jacques de Morais, o grande geólogo patrício, estavam certos, absolutamente certos quando há quarenta e três e trinta e nove anos, respectivamente, falaram do petróleo mossoroense. Santa Luzia do Mossoró, Quinta-feira da Semana Santa, 1965”. Até aquela data, os poços perfurados não passavam não passavam de meia dúzia. Hoje ultrapassam cinco mil. Eis os apontamentos de Aziz Nacib Ab´Saber: “A bacia sedimentar costeira do Rio Grande do Norte apresenta uma série de condições estratigráficas e estruturais de importância para pesquisa de petróleo. Trata-se de uma bacia marginal, de tipo costeira, oriunda de uma subsistência ponderável efetuada nos fins do mesozóico, comportando camadas marinhas que alcançam mais de 1.000 metros na única perfuração profunda até hoje realizada (Grossos). A despeito da presença de dobras epidérmicas nos estratos da bacia, ainda não foram feitos trabalhos de geologia de campo suficientes para constatar a presença de estruturas realmente favoráveis para sondagens possíveis. A perfuração realizada em Grossos foi de todo infeliz em sua locação já que coincide com um ponto no eixo de uma das modestas sinclinais da bacia. Ali em qualquer hipótese, não poderia haver condições para o encontro de óleo, a perfuração tendo valido tão somente para uma avaliação geral de estatigrafia local e do espessamento relativo do pacote de sedimentos regionais. De certa forma, entretanto, resta em aberto o velho problema das condições da bacia no que diz respeito às suas possibilidades oleigenas. As fotografias aéreas disponíveis não adiantam informações concretas para a locação de estruturas favoráveis, porém são capazes de sugerir área bem melhores que a de Grossos, ou seja, áreas anticlinais discretas, situadas nos largos interflúvios que separam os vales dos rios epigênicos da região. Alguns focos de drenagem radial existentes nos arredores de Mossoró (para SW e NW) são suficientes para sugerir melhores pesquisas estruturais de geologia de superfície na aludida bacia, como etapa inicial de uma nova pesquisa melhor orientada. Baseados em algumas combinações de fatos fisiográficos e geológicos, existem duas áreas que deveriam ser investigadas com particular atenção: a primeira, entre o baixo Jaguaribe e o Mossoró – Apodi (Área B), junto as encostas da chamada Serra de Mossoró; e , a segunda entre o Mossoró – Apodi e o

Piranhas – Açu (Área B), próximo a Trapiá (chapada). Tais áreas de drenagem centrífugas locais sugerem a presença de discretas estruturas em forma de abóbada, dignas de alguns trabalhos de geologia e de prospecção geofísica. A locação de dois novos furos – ou pelo menos um – poderia de uma vez por todas imprimir um rumo mais seguro às controvérsias científicas a respeito da possibilidade de ocorrência de óleo nesta importante área sedimentar costeira do NE brasileiro. Tratando-se de uma bacia cretácica marinha relativamente espessa, dotado de fácies marinha e de estruturas provavelmente espessadas por subsistência técnica, além do que, possivelmente complementada por alguma tectônica quebrável (regime de fossas), é uma área que precisa de uma revisão bem feita no setor de suas possibilidades oleígenas”. Utilizamos o folheto número 64, da Série “B”, da Coleção Mossoroense: Duas áreas na Região de Mossoró de Interesse Para as Pesquisas de Petróleo, publicado em 1965. A verdade é que as torres voltaram e se perguntassem a Vingt-un, se vivo fosse, se ele teria feito uma profecia, com certeza ele responderia: era apenas a vontade louca de que Mossoró tivesse petróleo. A partir de 1979, os poços perfurados por classificação (Terra – Mar) foram modificando a paisagem da Bacia Potiguar. Em 1979 foram perfurados 31 poços, crescendo acentuadamente o número destes. Em 1990 foram perfurados 212 poços. Em 1958, quando do início da prospecção petrolífera, existiam apenas dois poços, com o da Gangorra figurando como o pioneiro. Hoje são quase 5.000 espalhados pela riquíssima bacia petrolífera potiguar (2004 a). A batalha empreendida por Vingt-un Rosado em prol da exploração petrolífera no Estado do Rio Grande do Norte o faz um dos precursores da luta em defesa de nossas riquezas minerais, tantas vezes usurpadas em razão de interesses externos que norteiam parcela significativa de nossa dependência econômica. Em 1979 o geólogo Francisco de Assis Melo objetivava perfurar poço no Hotel Thermas, intuindo encontrar água para abastecê-lo, projeto enfatizado quando do governo Tarcísio Maia. Petróleo em abundância foi jorrado, ao invés do precioso líquido para a região semiárida. Revelou-se, no entanto, a pista para o descobrimento do petróleo comercial (ROSADO, 2004 b). Vingt-un Rosado fez questão, ainda, de enfatizar que Francisco de Assis Melo, um dos eminentes geólogos do Rio Grande do Norte, foi o responsável pela descoberta do

petróleo do Hotel Thermas, economicamente explorável, no ano de 1979 (Idem). A Revista Scientific American Brazil, edição especial número 3, de dezembro de 2003, registra alguns nomes de pioneiros do petróleo no Brasil, sobretudo o nome de Monteiro Lobato. Aziz Nacib Ab´Saber publicou um trabalho sob o título: Caminhos Transversais na Descoberta do Petróleo. Ao publicá-lo naquele periódico, Aziz estava inscrevendo o nome de Vingt-un na saga dos que sonhavam com a possibilidade de sua ocorrência na Bacia Potiguar. O leitor não pode avaliar a emoção de Vingt-un ao saber que os royalties do petróleo mossoroense que seriam entregues à Prefeitura de Mossoró eram superiores a dois milhões de reais em setembro de 2004. Como se fosse num filme, ele recordou as suas pesquisas na cadeia da Companhia Escola de Engenharia, de Ouro Fino (MG), quando encontrou John Casper Branner (1922) e Luciano Jacques de Morais (1929). Agora tem a palavra o maior geomorfólogo brasileiro, um dos seus 20 sábios: “Muitos episódios não pensados acontecem na vida de um pesquisador, que, para conhecer melhor seu país, fez andanças as mais diversas. Um deles que marcou minha vida foi a ajuda que dei a Vingt-un Rosado Maia, a fim de insistir na necessidade de voltar a pesquisar petróleo na Bacia Potiguar. Aconteceu que houve uma reunião da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) em Mossoró (RN). Na época, eu ensinava geomorfologia na UFRGS. E, devido ao conhecimento desse fato, Vingt-un se aproximou de mim para solicitar um relatório sobre as possibilidades petrolíferas na Bacia Potiguar. Expliquei a ele que eu, um simples professor de geomorfologia, não era geólogo e muito menos um especialista em petróleo. “Você está escondendo o leite”, me dizia ele. Mas estava escrito que minha resistência iria ser vencida. Naquele tempo, as reuniões da AGB comportavam excursões de campo e eu fui designado para dirigir uma das equipes, desde Mossoró até a Serra de Santana, para observações geográficas e geomorfológicas, num itinerário que repetia parcialmente aquele feito pelo grande geólogo mineiro Luciano Jacques de Morais. Acontece que eu tinha vindo do Rio Grande do Sul, terra de vento frio no inverno, para o sertão do Rio Grande do Norte, terra de forte calor e luminosidade. Daí ter me sentido um tanto mal pelo calor excessivo durante a viagem, desprevenido que estava em relação a qualquer julho/agosto/setembro 2013 |

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bonezinho na cabeça. No regresso a Mossoró, Vingt-un obrigou-me a uma consulta médica com um seu parente competente, que apenas receitou uma aspirina e me liberou. No fim da tarde, em sua casa, enquanto [ dona ] América preparava o jantar, Vingt-un jogou um punhado de papel branco para que eu “pagasse a consulta”, auxiliando o Rio Grande do Norte a encontrar petróleo. Não tive mais jeito de me negar, pensando em qualquer coisa em benefício do Rio Grande do Norte. Solicitei, porém, ao meu hospedeiro, uma carta geológica do Estado, um relatório de Gilberto Osório de Andrade, e, se possível, o relato das perfurações prévias. Vingt-un mandou buscar todo o material solicitado na ESAM (Escola Superior de Agricultura de Mossoró), da qual era diretor. Por duas horas, observei o mapa geológico e os relatórios, meditei o que poderia escrever. E, para felicidade minha e nossa, descobri a noroeste de Mossoró uma drenagem radial que documentava a existência de uma deformação local semi-dômica, passível de ser considerada para perfura-

ções novas. Fiquei ciente de que as perfurações anteriores tinham sido feitas em lugares errados. Dei o pequeno relatório a Vingt-un, solicitando a ele que, por uma questão ética e profissional, não assinasse o meu nome, podendo usar meus argumentos quando e como quisesse. E, assim foi enviado o pequeno trabalho para Brasília, a fim de pressionar para o reinício das perfurações. “Malandramente”, Vingt-un assinou o relatório com o nome de Antônio Natércio de Almeida (Antônio para Aziz; Natércio para Nacib; e Almeida para Ab´Saber). A Superintendência da Petrobras respondeu que, a despeito do aval do “grande geólogo Natércio”, não podia voltar a pesquisar no Rio Grande do Norte, porque agora seu interesse estava voltado para a Amazônia. Entrementes, Vingt-un Rosado Maia não desistiu de sua idéia-chave, e numa oportunidade de procurar água subterrânea para um grande clube de campo, fez com que a perfuração atingisse mais do que 700 metros. E, assim, jorrou petróleo. Daí por diante, as autoridades passaram a concentrar sua

atenção novamente na Bacia Potiguar e, em poucos anos, multiplicaram-se descobertas em pontos específicos da Chapada norte-riograndense, e em águas semiprofundas da plataforma continental regional, incluindo nisso o Ceará. Em certos momentos, a Bacia Potiguar se tornou a segunda maior produtora de petróleo depois da Bacia de Campos (RJ), ultrapassando as bacias do Recôncavo, de Alagoas, Sergipe e de Santos. O próximo capítulo da exploração petrolífera ficaria para a distante região da Amazônia Ocidental (Urucu e entorno). Para completar a história do pequeno relatório de Antônio Natércio de Almeida, devo registrar que um dia encontrei uma Xerox do mesmo nas fichas de uma biblioteca geológica de uma faculdade do interior paulista. E soube que um pesquisador pretensioso usou a metodologia do meu pequeno trabalho para respaldar suas pesquisas sobre a Paulipetro, visando encontrar petróleo em São Paulo. Não se dá conta de que tais domos fizeram com que Monteiro Lobato dissesse que “Sempre há um diabásio no caminho da gente”. g

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANNER, Jonh Casper. Possibilidade de Petróleo no Brasil. In: ROSADO, Vingt-um. Minhas Memórias do Petróleo Mossoeroense. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2000 (Série C, Coleção Mossoroense, Volume 1109) MORAIS, Luciano Jacques de. Ocorrência de Petróleo no Rio Grande do Norte. In: ROSADO, Vingt-un. Minhas Memórias do Petróleo Mossoroense. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2000 (Série C, Coleção Mossoroense, Volume 1109) ROSADO, Vingt-un. Minhas Memórias do Petróleo Mossoroense. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2000 (Série C, Coleção Mossoroense, Volume 1109) ______________. Um Dia as Torres Voltarão ao Sagrado Chão de Mossoró. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2004 (Série B, Coleção Mossoroense, Número 2591) ______________. Um Pequeno Engano do Grande Aziz Nacib Ab´Saber. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2000 (Série B, Coleção Mossoroense, Número 2596)

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HISTORIOGRAFIA

IRINEU FERREIRA PINTO – VIDA E OBRA (*) Berilo Ramos Borba

Conforme a liturgia da posse, deve o recipiendário dissertar sobre o Patrono e sobre o Fundador ou último ocupante da Cadeira que vai ocupar. Em sendo assim, passo, agora, a traçar um perfil do Patrono da Cadeira 24, do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, o grande paraibano, IRINEU FEREIRA PINTO, que, pela sua contribuição intelectual e desvelado amor à Paraíba e pela apaixonada dedicação à agremiação que fundara, tornou-se o Patrono maior do IHGP, nominado, com muita justiça, “Casa de Irineu Ferreira Pinto.” Natural da antiga cidade da Parahyba, nome dado à nossa Capital, antes de 1930, Irineu Ferreira Pinto veio ao mundo em 07 de abril de 1881. Foram seus progenitores: Francisco Ferreira Pinto e Bernardina Ferreira Pinto que, estando, naquele período, financeiramente arrasados, em razão do desmoronamento da empresa familiar, não tiveram condições de oferecer um padrão de vida mais elevado ao seu primogênito que sempre teve de lutar com muitas dificuldades para vencer na vida. Sua situação tornou-se, ainda mais precária, quando, aos oito anos de idade, Irineu ficou órfão de pai. Após as segundas núpcias de sua genitora - casamento que não fora do agrado das antigas cunhadas - os filhos do finado foram tomados e distribuídos entre seus parentes. A Irineu coube ir morar com a avó paterna, D. Maria Tereza de Jesus e sua tia Francisca, conhecida por Dondon, no sítio Barreiras, distando três quilômetros da ponte do Sanhauá, local onde, hoje. se encontra a cidade de Bayeux. Felizmente, suas avó e tia providenciaram a educação formal do neto e sobrinho, matriculando-o, inicialmente, na escola primária e, mais tarde, no Lyceu Paraibano, onde Irineu cursou os estudos de humanidades. Sua pretensão era fazer o Curso de Direito. Entretanto, jamais realizou esse seu desejo, pois seus familiares não tinham condições de custear seus estudos supe-

riores fora de sua cidade natal. No Lyceu, IRINEU foi um aluno dedicado e criativo, que se sobressaía aos seus colegas. Desde cedo se destacou no cultivo das letras, tornando-se sócio dos grêmios literários da cidade. Em 1897, com a idade de 16 anos, conforme relata seu filho, Piragibe Pinto, no livro “IRINEU FERREIRA PINTO, Sua vida e sua obra”, Irineu entrou para o Grêmio Minerva, sociedade literária de que faziam parte Esperidião Medeiros, Frederico Neiva, Otávio de Novais, Artur Moreira Lima, Antônio Cisne, Lourenço Moreira Lima dentre outros. Fez parte, igualmente, de um Grêmio original, denominado “Plana Boêmia” que reunia, no adro da Catedral, a elite intelectual da cidade. Cada participante adotava um pseudônimo com o qual se iniciava na vida literária. O pseudônimo de Irineu era João Sacrota. Deste Grêmio surgiu a ideia da fundação do “Clube Benjamim Constant” sociedade que sobreviveu por muitos anos, da qual Irineu foi seu fundador e presidente, e que promovia uma variedade de atividades, entre: debates, passeatas, exposições de pintura e bordado, organização de cursos preparatórios para secundaristas, entre outras. A respeito do “Clube Benjamim Constant”, o Dr. Álvaro de Carvalho, em artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico fez o seguinte registro: “Essas agremiações de estudantes foram grandes escolas de civismo e de letras dos moços de minha geração. Aí estudávamos, aprendíamos a falar, a discutir, a escrever, a organizar a nossa vida social incipiente, a disciplinar-nos no convívio franco da comunidade vigilante. Aprendíamos História, discutindo a vida de grandes homens em sessões plenárias a que chamávamos júris. Havia acusadores e defensores e os debates eram sempre vigorosos.”

Dos 17 aos 21 anos, Irineu publicou na imprensa local: crônicas, sonetos, poesias, trovas. Nesta fase, como observa seu filho, na obra citada, produziu versos de grande beleza e sensibilidade poética, como: “Crianças”, “Sentimento D’Alma” e a “Volta ao Trabalho”, escritos entre 1900 e 1902. Mesmo frustrado em seu desejo de fazer curso superior, Irineu Pinto não abandonou os estudos, tornou-se, além de autodidata, um pesquisador infatigável e um estudioso das coisas da Paraíba. Precisando reforçar o orçamento doméstico, em 1900, com 19 anos de idade, assumiu seu primeiro emprego, junto ao Estado da Paraíba, passando, três anos depois, a fazer parte dos quadros dos Correios da República, na função de amanuense, cargo que ocupou por toda sua curta vida, de 37 anos, encerrada, prematuramente, com sua morte, em 27 de março de 1918, na cidade que lhe serviu de berço. Divulgou-se entre seus coetanos, a ideia de que Irineu havia falecido em consequência de uma doença pulmonar contraída no manuseio de velhos documentos existentes no Arquivo Estadual. Tal versão foi desmentida por seu filho médico que não concordava com a ideia de fazer de seu pai um “mártir da Ciência da História”, falseando a verdade dos acontecimentos. Segundo atesta Piragibe Pinto, no Cap. X, de seu precioso livro: “Irineu Fereira Pinto, Sua Vida e Sua Obra” ao referir-se à ‘Sua Causa Mortis”, apresenta a seguinte hipótese: “Depois de estudar Medicina, procurei chegar a uma conclusão a respeito do diagnóstico da doença de meu pai. Mas não consegui chegar a um resultado satisfatório. Sei que foi uma colite crônica rebelde que foi minando, ao longo dos anos, seu organismo, talvez agravado com o auxílio de dietas repetidas. Teria sido uma colite amebiana? Ou uma majulho/agosto/setembro 2013 |

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nifestação intestinal de uma esquistossomose? A intervenção cirúrgica realizada em Lisboa, que parece ter sido para curar uma hemorróida, manifestação tão comum em esquistossomose, reforça a hipótese de ter sido esta tão grave infestação, tão comum no Nordeste, a causa da colite crônica que o levou ao túmulo.” Irineu Pinto foi casado com d. Marcionila Figueiredo Pinto, de família potoense, cujo enlace se deu em 1905, quando contava com a idade de 24 anos. Desse consórcio teve três filhos: Iremar, que fez carreira militar, Ivone e Piragibe que se tornaram médicos. Com muita pertinência e justiça, o Instituto Histórico e Geográfico da Paraiba se autodenomina “Casa de Irineu Ferreira Pinto”, pois, além de um dos seus fundadores, foi ele o primeiro bibliotecário, dedicado secretário e editor dos quatro primeiros números da sua Revista. Era admirável o amor de Irineu Pinto pelo Instituto que ajudou a criar. Segundo atesta seu filho na obra já citada: “O Instituto passou a ser a sua maior paixão, a “menina dos seus olhos”, a ponto de, anos depois, sentindo a morte próxima, pedir ao seu amigo e consórcio, Flávio Maroja que não deixasse seu Instituto morrer.” (pág.24) Além do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, em que exibia a condição de Sócio fundador, Irineu Ferreira Pinto foi também sócio dos Institutos Históricos de Pernambuco, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Por sua dedicação e reconhecido trabalho de pesquisa, Irineu foi designado para representar o Estado da Paraíba em vários eventos. Esteve presente em dois congressos nacionais de Geografia realizados em Recife e Salvador, bem como foi designado pelo Governo Castro Pinto, em 1913, para estudar, nos arquivos portugueses, os limites entre os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Desta feita, ele passou cinco meses em Lisboa, consultando os arquivos existentes na Torre do Tombo e preparando o Relatório sobre as pesquisas realizadas em Portugal. A partir daí, ampliou-se sua ação no Exterior: tornando-se membro da Sociedade de Geografia de Lisboa; da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris e da Academia Real de Arquivologia da Bélgica. Foi, igualmente agracia-

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Historiador Berilo Ramos Borba ao proferir seu discurso de posse no IHGP

do com a “medalha de ouro” da Sociedade de História de Paris e com a “medalha de cobre” na Exposição de Turim, na Itália. Irineu, no curto período de sua vida, produziu uma variedade de publicações, destacando-se: “Datas e Notas para a História da Parahyba”, entre 1908 e 1910, sua obra mais importante e mais extensa. São, também, de sua autoria outros trabalhos de natureza científica, publicados nas Revistas do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, dentre os quais se destacam: “O Cólera-morbus na Paraíba”, a “Resenha dos Trabalhos Científicos”, “A Igreja do Colégio”, “A Instrução Pública na Paraíba, “A Paraíba de Lyra Tavares”, todos publicados em 1910; “A Abdicação”, “Notas para a História da Ordem 3ª de Nossa Senhora do Carmo” e “O XVII Congresso de Americanistas”, publicados em 1912. Irineu Fereira Pinto, também, produziu outros escritos: “O Heroísmo de Cabedelo”, “Capela do Senhor do Bom Jesus”; “A Bahia e o V Congresso Brasileiro de Geografia”; “Documentos para a bibliografia de Pedro Américo” e publicou, ainda, inúmeros artigos, crônicas, poesias e poemas nos jornais “A União”, “O Norte”, no “Comércio” e em jornais e revistas de outros Estados.

Sobre sua principal obra, por ocasião da publicação do volume I, o jornal “A União”, de 24 de janeiro de 1909, trouxe uma bela crônica da qual se lê o seguinte trecho: “Um livro sério, motivo de admiração de justo orgulho nosso, é esse Datas e Notas para a História da Parahyba. É um repositório completo de ensinamentos históricos sobre a fundação da Parahyba e sucessivos acontecimentos. As investigações de Irineu Pinto, no volume que temos nas mãos, datam de 1501, quando os primeiros bandeirantes portugueses, velejando às naus de André Gonçalves, dominaram a Bahia de Acejutibiró, até o martirológio dos primeiros abecerragens da Independência. É um livro que todos devemos possuir e manusear, enquanto se não consolida a obra da história da Parahyba. Com sua leitura cresce o nosso espírito de admiração a esses cento e tantos homens de admirável coragem cívica, que foram os factores do nosso engrandecimento de povo. Ao mesmo passo que ascencionamos no valor dos nossos antepassados gloriosos, sentimos um íntimo respeito por esse moço de vinte e poucos anos, batido por uma dolorosa falta de saúde que lhe cava sulcos


na face por onde parece passar a longa fieira dos annos dolorosos.“ (Citado por Piragibe Pinto, pág. 66 da obra citada). Convém destacar que o livro “ Datas e Notas para a História da Paraíba”, publicado pela Imprensa Oficial, em 1909, teve uma repercussão extraordinária nos jornais da época, não somente na Paraíba, como em outros Estados. Naquela oportunidade, registraram o importante evento os jornais: O Norte, A União, O Diário de Natal (RN), o Gutemberg, de Maceió e o Estado de São Paulo e o Capital, de Campinas. Dentre os intelectuais que, à época, escreveram artigos laudatórios sobre a obra de Irineu Pinto, destacam-se: Coriolano de Medeiros, Alfredo de Carvalho, Jader de Carvalho, Teodoro D’Albuquerque. Entre as instituições que se manifestaram e ou festejaram a obra de Irineu Pinto, acolhendo-o como Sócio honorário, estão: O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; a Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris, que, além do título de sócio, conferiu-lhe também uma medalha de ouro; a Real Academia de História de Madrid; A Real Academia de Arquivologia da Bélgica; o Centro de Ciências e Letras de Campinas, entre outras. A par da extrema repercussão alcançada pela obra prima de Irineu Ferreira Pinto, “Datas e Notas para a História da Paraíba”, mister se faz analisá-la, sob o ponto de vista de seu valor, natureza histórica e importância. Antes de tudo deve-se observar que “Datas e Notas” é uma obra duplamente inconclusa, seja porque não abrangeu todo o período de existência da Paraíba, partindo do início da colonização e chegando, apenas, até 1862; seja porque limitou-se a

transcrever, em ordem cronológica os fatos pesquisados, sem se deter na análise e interpretação histórica dos acontecimentos. Sem dúvida, a obra de Irineu Pinto, ficou inconclusa, primeiramente, por não ter sido dado ao autor o tempo suficiente para concluí-la. Como é sabido, trabalhava o autor, ainda, a terceira parte de sua obra, quando a morte pôs fim a sua preciosa existência. Doutra parte, também, não ficou claro se Irineu Ferreira Pinto pretendia, após concluída sua pesquisa, escrever ele próprio, o compêndio da História da Paraíba. Entretanto, não obstante as limitações apontadas, “Datas e Notas para a História da Paraíba” é uma obra de reconhecido valor e utilidade para quem se arvora a escrever a História da Paraíba. Valiosa é sua pesquisa, não somente por ser imparcial, como também, por ser completa, arrolando, como observou o Prof. Pedro Nicodemos todos os fatos: “políticos, administrativos, eclesiásticos, econômicos, sociais e culturais”, preservando das traças e do cupim, informações preciosas que estavam fadadas ao desaparecimento. O próprio autor, numa nota introdutória intitulada “Duas Palavras”, revela qual foi sua intenção ao trazer a lume esta obra: “Publicando a presente obra não tive outro intuito que o de reunir em volume grande, cópia de documentos relativos a história da Parahyba, apanhados por mim com grande trabalho nos archivos deste Estado. Alguns destes documentos se achavam em tal estado de ruína que me foi preciso muito cuidado na abertura dos livros e usar de lentes para lel-os. Felizmente, porém cheguei, ainda, a tempo de salvar da voragem das traças estas preciosidades históricas que, talvez, dez annos depois não existissem mais”.

Foram proféticas estas palavras de Irineu Pinto, quanto à conservação dos arquivos públicos do Estado da Paraíba. De fato, quase tudo desapareceu, destruído pela voragem do tempo, ou pelo abandono a que, muitas vezes, foi relegado o acervo, a ponto de, por descuido da Administração Pública, muitos documentos terem sido vendidos como papeis velhos. Outro aspecto que merece ser analisado, no trabalho de Irineu Pinto, é sua natureza como obra histórica. Como já foi observado, salvos alguns aspectos que mereceram alguma análise, a maior parte do livro limita-se a transcrever, em ordem cronológica, o documento base. Como observa o Prof. Pedro Nicodemos a respeito de sua obra: “A visão que ele (Irineu) nos fornece do fato histórico é fotográfica. Anota-o e, imediatamente, nos dá a transcrição do documento-fonte. Não o interpreta. Fica na observação material do fato. Não tenta a operação analítica. Nele não se completa o processo historiográfico. Para na heurística, vale dizer, na pesquisa, na investigação factual. Não se dispôs à hermenêutica. Será que não se sentiu maduro para a interpretação? Ou as suas “datas e notas” seriam a infraestrutura sobre a qual ergueria, mais tarde, o seu compêndio completo?” Como quer que seja, não resta qualquer dúvida de que a obra de Irineu Pinto, “Datas e Notas para a História da Paraíba” encontra-se entre os mais importantes e fidedignos subsídios para todos aqueles que se derem ao trabalho de escrever algo sobre a História da Paraíba. g (*) Excerto do discurso de posse na Cadeira nº 24, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em 18 de maio de 2013

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SERVIÇO PÚBLICO

CERIMONIAL E PROTOCOLO NO ESTADO PÓS-MODERNO Itapuan Bôtto Targino Academia Brasileira de Cerimonial e Protocolo

As transformações do mundo contemporâneo provocaram substanciais mudanças nas praticas do Cerimonial e Protocolo, decorrentes de novas ideias emanadas de usos e costumes da própria sociedade. Quando há participação coletiva tem-se o comprometimento dos sujeitos para o que se pretende realizar. O homem não é um ser isolado. Sozinho ele não seria capaz de realizações. Cerimonial e Protocolo são atividades que desempenham ações coletivas de relações sociais e históricas, com repercussão na sociedade. Representam a manifestação cultural da ação do homem sobre a natureza, sobre os fatos, sobre as coisas, sobre si mesmo, em seu tempo e lugar. A comunicação constituiu-se no principal instrumento dessas mudanças. Hoje, informações se espalham mundo afora em questões de minutos. A televisão, como veículo de comunicação de massa, exerceu influência positiva na educação do povo transmitindo-lhe experiências culturais em todos os setores da atividade humana. O próprio povo encarregou-se de interpretar situações surgidas com a evolução do tempo. A sabedoria popular substituiu fórmulas antigas do Cerimonial e do Protocolo. O mesmo já ocorrera com o carnaval e o futebol. Trazidos pelas elites européias, o povo se apropriou dessas manifestações e as transformou em cultura popular. Com o passar do tempo estruturas tornaram-se arcaicas, obsoletas, ultrapassadas, fora de moda. A interrupção desse processo tornou-se necessária. A ruptura, nesse caso, representou crescimento, melhorias, avanço. A continuidade levaria à mesmice, à acomodação, ao atraso. Heráclito de Éfeso (540-475 a.C.) já dizia: “Tudo o que existe está em constante mudança... O conflito é o pai de todas as coisas: de alguns, faz homens; de alguns faz escravos; de alguns, homens livres”. O que quis dizer com isso o poeta e filósofo pré-socrático? Que contradições existem e se fazem necessárias, dando origem

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a rupturas, que por sua vez, levam a novos conhecimentos, ao crescimento das pessoas e das instituições. O mestre, confrade e amigo, Professor Marcílio Lins Reinaux, sobre o assunto assim se pronunciou: “Protocolo e Cerimonial terão que conviver com a modernidade, com a tecnologia, com seus avanços e recursos disponíveis, mas nunca abrir mão de seus princípios básicos e fundamentos históricos. Que venham as ações modernas, as novidades nos equipamentos, no material usado, nas apresentações dinâmicas de encenações especiais, mas que nunca percam o respeito e a dignidade”. Hugo de Almeida, cerimonialista emérito, ex-presidente do Comitê Nacional de Cerimonial e Protocolo – CNCP Brasil, alerta para o compromisso de cerimonialistas e protocolistas com a tradição e a história, desfraldando, ao mesmo tempo, a bandeira da modernidade: “O Cerimonial deve estar comprometido com a tradição e a história. Por outro lado, deve ter a atenção voltada para o novo, ostentando a bandeira da pluralidade, alargando horizontes e propondo ações que oportunizem novos rumos para a atividade protocolar”. A nova ordem do Cerimonial e Protocolo no Brasil está arrimada em três linhas de comportamento: futuro, poder e democracia. O futuro deve ser uma preocupação permanente com vista à qualidade e atualização dos serviços, em consonância com as aspirações da sociedade. Significa a projeção de ações imediatas, adaptadas à cultura, num contexto de tempo e lugar. Ações que não se realizaram e que ainda se desejam ver realizadas. É uma condição inerente à cidadania. O Brasil tornou-se exemplo pela diversidade sócio-cultural existente no país. O futuro, “é feito por nós, cidadãos do povo, por uma decisão diária, permanente, resistente, recorrente. O Cerimonial deverá estar pronto a se rever e se converter às decisões e ponderações que envolvem o futuro” (Lins, Augusto Estellita – 2002). Poder é aqui interpretado como a faculdade de interceder no sentido do que pode

ser gerenciado no âmbito do Cerimonial e do Protocolo. Esse poder é adquirido pelo saber, por conhecimento de causa. Quem sabe mais pode mais: pode decidir e escolher alternativas, ter mais opções. Liberdade assim entendida como bem maior, como patrimônio conquistado pelo homem para o pleno exercício de sua cidadania a fim de poder conviver com adversidades e diferenças. Liberdade que garanta a inclusão de todos, sem distinção de raça, cor e credo na distribuição dos saberes, diminuindo, deste modo, as distâncias entre dominantes e dominados. Tal condição proporciona ao homem a oportunidade de acesso às conquistas da pós-modernidade. Fator condicionante e determinante para a consolidação do Cerimonial e do Protocolo é a capacitação profissional de Cerimonialistas e Protocolistas. No México, a situação está normatizada mediante a existência de cursos em nível superior, o que não ocorre no Brasil, onde tramita, há anos, no Congresso Nacional, o projeto de lei propondo a regulamentação da profissão de Cerimonialista. Torna-se evidente a evolução do Cerimonial e do Protocolo nestes últimos anos. O avanço da tecnologia desencadeou um processo de inovação. O mundo na era da cibernética tornou-se pequeno e a territorialidade sumiu. Vive-se o aqui e o agora. O uso da informática no Cerimonial e Protocolo provocou sua popularização. Sente-se que há um sentimento democrático de recusa a qualquer tipo de dogma. Cerimonial e Protocolo se ajustaram a uma nova realidade, solidificaram-se ligados a novas formas de promover a convivência humana. Isto é perceptível em programas de televisão, recepções a grandes autoridades, promoções sindicais, encontros esportivos, visitações a locais turísticos, aí incluídos antigos bolsões de pobreza transformados em ambientes condignos, etc. Há de se ressaltar as ações dos governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, responsáveis pela popularização desse conjunto de parti-


cularidades que configuram o pleno exercício da democracia. O Cerimonial e o Protocolo caracterizam-se hoje no Brasil pela simplicidade e pragmatismo de suas ações. Simplicidade que atrai cada vez mais a participação popular nos eventos. A adoção de trajes menos rigorosos e a convocação de líderes populares para compor mesas de honra, são a melhor forma de democratização do setor. A ostentação, com a exibição excessiva de riqueza, virou coisa do passado. O tão citado embaixador Augusto Estellita Lins,

homem simples, mestre, amigo e confrade, que ao lado também do mestre, amigo e confrade, Nelson Speers, considerado o cerimonialista brasileiro de maior projeção no cenário mundial da atualidade, tanto contribuiu para a consolidação do Cerimonial e Protocolo no Brasil, deixou-nos, como inexcedível contributo, a seguinte observação: “No Cerimonial e Protocolo podemos exercitar a simplicidade dos gestos. Sejam aqueles no ato de comer, de vestir e, sobretudo, de cumprimentar as pessoas, uma funcionalidade brasileira, sem fa-

zer, porém, concessões à vulgaridade, nem ao populismo demagógico”. Pragmatismo representa objetividade de ações, na busca de resultados práticos. O estrito cumprimento de agendas e de pautas, a pontualidade horária, a garantia de pronunciamentos de curta duração, entre outros, garantem o sucesso dos eventos. g Muito obrigado.

(Cidade do México, 20/06/2013)

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS • • • • • • •

CORREIA, Jack. Sem Cerimônia – a solene e divertida realidade do cerimonial. Brasília, 1966. LINS, Augusto Estellita, Evolução do Cerimonial Brasileiro. Recife. Comunigraf Editora, 2002. __________________. Etiqueta, protocolo e cerimonial. Brasília. Linha Gráfica Editora, 1991. REINAUX, Marcilio L. Planejamento e organização do Cerimonial e eventos. Recife, Editora AGN, 1996. SPEERS, Nelson. Cerimonial: Conceitos, divergências e convergências. São Paulo. Hexágono Cultural, 2005. TARGINO, Itapuan B. Manual do Cerimonial. João Pessoa. Idéia Editora, 2006. ­­____________________. Dois Irmãos - Um mesmo ideal. Recife. Comunigraf, 2009.

Conheça a HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DA PARAÍBA, do Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, segunda edição, em primorosa produção da Editora Fórum. História Constitucional da Paraíba veio a lume, em segunda edição, incorporando ao seu texto o relato das Constituintes e Constituições paraibanas de 1967 e 1989, não retratadas na sua versão primeira. À época, o Brasil se achava a debateranecessidade da convocação da Assembleia Nacional Constituinte que iria elaborar a Constituição Cidadã, assim intitulada pelo Deputado Ulisses Guimarães, no ato da promulgação. Após isso, iriam os estados se lançar à tarefa de sua constitucionalização à luz dos princípios e normas contidos na nova Carta da República. O importante desta obra é que, apesar de se voltar para o estudo e análise das Constituintes e Constituições de um estado membro da federação¸ela é da maior valia para quem se dedica ao estudo do constitucionalismo brasileiro, notadamente de sua história, haja vista o relato minudente dos principais fatos e circunstâncias que cercaram o funcionamento daquelas assembleias, as quais redundaram em diferentes constituições que, ao longo de mais de um século, disciplinaram a vida político-administrativa daquele estado, refletindo, em suma, a própria história constitucional do Brasil e, de resto, as dos demais estados brasileiros, as quais em muito se assemelham. História Constitucional da Paraíba, abarcando a construção institucional do Estado da Paraíba, de 1891 a 1989, é obra única no país, mencionada pelo constitucionalista Paulo Bonavides em seu Curso de Direito Constitucional, como uma das mais recentes contribuições à história constitucional do Brasil.

LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO - Editora Fórum. Professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba, o Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes é autor de diversos livros e artigos divulgados em diferentes revistas especializadas do campo jurídico. Em linguagem simples, ele trata de temas de grande relevância e, às vezes, polêmicos, pela maneira como os aborda¸ não deixando de emitir suas opiniões e ideias que, em diversas ocasiões, se confrontam com o que pensam alguns doutrinadores. Tribunal de Contas, fiscalização municipal, responsabilidade dos Prefeitos, ação popular, controle social, improbidade administrativa, servidores públicos, prestação de contas, gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino, crimes licitatórios, concurso público, ouvidorias, controle externo, Câmara de Vereadores, responsabilidade fiscal, são questões que ele versa, ministrando a seus leitores proveitosas lições de Direito Administrativo, com incursões pelo Direito Constitucional e pelo Direito Financeiro. “Em direito – diz o Professor Flávio Sátiro Fernandes – vale muito a confrontação de ideias e o cotejo de opiniões que não devemos temer revelar, pois, ao expô-las nada mais estamos fazendo do que contribuir para o debate que enriquece a nossa ciência e contribui para o ideal maior de justiça”. E sobre as suas ideias, opiniões e sugestões, expostas neste livro, confessa: “Elas podem parecer ousadas, umas, e ingênuas, outras, mas, afinal de contas, de ousadias e ingenuidades faz-se o mundo...”

À VENDA NAS LIVRARIAS, EDITORA FÓRUM, BELO HORIZONTE OU PELO FONE (83) 3244-5633

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LITERATURA

LEITURA: UM UNIVERSO MÚLTIPLO Neide Medeiros Santos

A leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto redimensiona seus entendimentos. (Bartolomeu Campos de Queirós. Sobre ler, escrever e outros diálogos). A reflexão sobre leitura e o ato de ler nos conduz, inicialmente, o livro de Maria Helena Martins (1984) – O que é leitura. Neste livro, a autora estabelece três níveis básicos de leitura: sensorial, emocional e racional. O primeiro nível de leitura é sensorial, fase da descoberta do mundo; a visão, a audição, o olfato e o gosto são os referenciais desse nível. Paulo Freire (1995), quando fala da leitura da “palavra-mundo”, da leitura do quintal e dos quartos de sua casa, refere-se a uma leitura sensorial, a uma leitura presa aos órgãos do sentido. A respeito da leitura sensorial, Alberto Manguell (1997) estabelece uma relação íntima, física entre o ato de ler e os sentidos quando diz que os olhos colhem as palavras; os ouvidos escutam os sons que estão sendo lidos; o nariz inala o cheiro familiar de papel, cola, tinta, papelão ou couro; o tato acaricia a página áspera ou

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suave, a encadernação macia ou dura; e até mesmo o paladar pode participar da leitura, quando os dedos do leitor são umedecidos na língua. Consideramos que o paladar pode ser também despertado pelas referências gastronômicas. Eça de Queirós, em seus romances, inúmeras vezes, faz o leitor sentir vontade de saborear as delícias da cozinha portuguesa. O mesmo ocorre com Jorge Amado, especialmente, no livro Gabriela, cravo e canela. A decantada comida baiana parece adquirir um gosto peculiar quando preparada pelas mãos de Gabriela. A leitura que nos deixa alegres ou deprimidos, que desperta a curiosidade, estimula a fantasia, provoca descobertas e lembranças, é a leitura emocional. Maria Helena Martins afirma que na leitura emocional não importa perguntarmos sobre o que o texto trata, mas sim o que ele provoca em nós. É a leitura da paixão, das emoções, lida com os sentimentos, com o subjetivismo, é a leitura que foge do controle do leitor. Na leitura racional, destaca-se o aspecto reflexivo, o leitor quer compreender o texto, dialogar com ele. Para Martins, a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento. A leitura racional questiona tanto o mundo

individual como o universo das relações sociais, amplia as possibilidades de leitura do texto. Cabe lembrar aqui Roland Barthes (1988), que, em O Prazer do texto, estabelece distinções entre o “prazer do texto” e o “texto de fruição”. Para o semiólogo francês, o texto que provoca prazer é o que contenta, enche, dá euforia, é aquele que vem da cultura, não rompe com ela e está ligado a uma prática confortável da leitura. O texto do prazer corresponde à prática bachelardiana – “ler-sonhar”. O texto de “fruição” é aquele que desconforta, que faz vacilar as bases históricas, culturais e psicológicas do leitor, a consistência dos seus gostos, valores e recordações. Barthes ainda afirma que a fruição não implica o prazer, pode até, aparentemente, causar aborrecimentos. “O texto de fruição é absolutamente intransitivo”. O escritor Bartolomeu Campos de Queirós (2012), criador do projeto “Por um Brasil Literário”, no artigo Entre silêncios e diálogos, fala sobre seu primeiro livro de leitura. Ele aprendeu a ler na cartilha O livro de Lili, de Anita Fonseca e, neste artigo, reverencia a professora que lhe ensinou a decifrar as letras e as somas. A palavra foi a grande mestra, através da palavra aprendeu a encurtar distâncias, alcançar a fantasia, ultrapas-


sar a linha do horizonte. Cada página virada, cada folha passada era uma esquina dobrada, uma montanha escalada. O livro passou a ser o porto e a porta, o cais e a sua rota. O escritor e memorialista Pedro Nava (1987) expressou muito bem a sua visão de leitor no livro Galo-das-Trevas. Ao olhar as estantes que continha os livros de que mais gostava, ele revela: [...] que oásis! Abrir minha estante e senti-los um por um nos seus couros, carneiras, pergaminhos, papéis, percalinas – como quem passa a mão, sente e palpa a pela da mulher amada. (1987: p. 51) E mais adiante, prossegue: Vejo-os nas letras de que se enfeitam: caracteres góticos, os das impressões com capitais livrescas, minúsculas carolinas, maiúsculas insulares, itálicos, caixas altas, baixas, versais e versaletes contemporâneos. (p.51) Pedro Nava revela um amor material pelo livro, um amor tocado pelos sentidos, principalmente pelo tato. O ver se associa ao sentir. Passar a mão pelos livros amados, ver as letras que enfeitam as capas lhe dá uma sensação de posse, de ser dono de um tesouro precioso – muitos livros. O poeta Elias José (1997), em um texto-depoimento – Leitura: prazer, saber e poder, publicado na revista Leitura: teoria e prática, ao falar sobre sua experiência com a leitura, assim se expressa: Somos capazes de sentir no texto, os cheiros, os gostos, os sons, as cores e as formas do mundo, quando tocados pela magia das palavras. Os bons leitores também são artistas. Artistas recebedo-

res, recriadores do texto. Eles enriquecem o jogo com suas vivências. Acrescentam sonhos aos sonhos, mistérios aos mistérios. Completam ou modificam o que lhes foi proposto. Na soma de experiências entre o que vivi e a porção diferente de vida que o poema e a ficção me trazem, como autor ou leitor, está o prazer do texto. É um prazer sensual, uma fruição. (1997: p. 69) Se tudo é leitura no universo, talvez a melhor postura a ser adotada seja a do fenomenólogo, que examina cada coisa minuciosamente, que procura tirar os véus que encobrem as palavras. Essa atitude fenomenológica conduz o leitor ao encontro de Gaston Bachelard (1994). No livro La Poétique de L´Espace, ao analisar a imagem poética, o filósofo estabelece diferenças entre o fenomenólogo e o crítico literário que merecem registro. O crítico literário ou o professor de retórica julga uma obra que não poderia fazer ou que não desejava fazer. “O crítico literário é um leitor necessariamente severo”. Distanciamento, não envolvimento, imparcialidade são marcas do crítico literário. Atitude diferente é a do fenomenólogo, ele cria a ilusão de participar do livro, é um coautor. Essa atitude de coparticipante não é assumida na primeira leitura, geralmente esta se faz com excessiva passividade. Se o livro nos agrada, devemos fazer uma segunda, uma terceira leitura e, pouco a pouco, vamos sendo envolvidos a tal ponto que chegamos à conclusão de que “devíamos ter escrito isso”. A releitura apaixonada alimenta e recalca o desejo, o sonho de ser escritor.

Quando o leitor ascende a esse matiz, ele se aproxima do fenomenólogo. A vivência de um escritor muitas vezes condiz com a do leitor. Se vivemos em uma mesma época, se participamos do mesmo espaço geográfico, se falamos a mesma língua, se ouvimos e lemos as mesmas histórias que falam do nosso povo e da nossa cultura, não obstante as diversidades individuais, os nossos sonhos, nossos devaneios se aproximam. O bom leitor complementa, recria, acrescenta sonhos, enriquece o texto-mãe. Ele participa do livro, é um coautor, sente o sabor do texto, identifica-se com ele. A professora Eliana Yunes (2012), discorrendo sobre o conceito de leitura, no texto Leitura e ética ou a ética da leitura, assegura que: A consequência maior do aprendizado da leitura reside na ampliação dos horizontes de mundo e da capacidade neurológica de pensar. A leitura é, pois, instrumento para tornar-nos efetivamente humanos, mais racionais, uma vez que a sensibilidade animal e vegetal que nos habita também precisa de refinamento e apuro. (2012: p. 13) Depreendemos, através das palavras de Eliane Yunes, que a leitura nos torna mais humanos, mais sensíveis e refinados, além de ampliar nossos horizontes. Após essas observações de escritores e de teóricos da leitura, concluímos que ler significa ver, sentir e refletir sobre o objeto da leitura. A boa leitura é aquela que apaixona, que leva o leitor ao devaneio. A leitura que não é sentida, que não proporciona uma reflexão, é incompleta. g

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHELARD, Gaston. La Poétique de L´Espace. 4 ed. Paris: Quadrige, 1994. BARTHES. Roland. O prazer do texto. Trad. Eduardo de Prado Coelho. Lisboa: Edições 70, 1988. JOSÉ, Elias. Leitura: prazer, saber e poder. In: Leitura: Teoria & Prática. Associação de Leitura do Brasil. No. 29. Campinas: São Paulo: ABL: Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Campinas: Mercado de Letras, 1995. MANGUELL, Alberto. Uma história d a leitura. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. NAVA, Pedro. Galo-das-Trevas. (Memórias). 4 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Sobre ler, escrever e outros diálogos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. YUNES, Eliana et al. Manual de reflexões sobre boas práticas de leitura. São Paulo: Editora UNESP: Rio de Janeiro: Cátedra UNESCO de Leitura PUC-RIO, 2012.

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SERVIÇO SOCIAL

O MENOR CARENTE Marinalva Freire da Silva UBE-PB. AFLAP. ALANE-PB. ALAP-RJ

“A criança de hoje é o homem de amanhã”. Será que os governantes têm consciência disto?- Não creio, e a prova está no grande número de crianças desassistidas, que perambulam pelas ruas. Par que a criança de hoje se transforme no homem de amanhã, faz-se necessário que ela tenha amor, alimentação, educação, saúde. E por que não incluir também um lar? Infelizmente, há no Brasil, mais de quarenta milhões de menores carentes e, portanto, marginalizados. Estas crianças por não terem ocupação (pois “mente ocupada é mente não tentada”),dedicamse ao submundo do crime, da violência. Atualmente, elas representam pequenos “monstros” nas grandes metrópoles. Imaginemos como será a situação do Brasil daqui a uns anos, quando estes menores passarem a maiores ou adultos?- Creio que a situação será insustentável. Adianta prendê-los, se não há escolas correcionais no Brasil? Quantos criminosos adultos, em criança, foram postos na FEBEM e sua passagem por aquele recinto “deseducacional” serviu-lhe tão somente para aprimoramento na “arte de delinquir”? Este Órgão foi substituído por outro, mas não vejo com bons olhos esta mudança, pois trocar seis por meia dúzia de nada adianta, é perda de tempo total. A novidade foi a criação do Código do Menor. E para que serve? Sendo o menor infrator isento de “punição”física por parte das autoridades policiais, que se vêem de mãos atadas sem nada poderem fazer, os maiores o transformam em escudo, o tomam por isca para “aviãozinho”do tráfico, para os furtos e assaltos, ou seja, para a prática da delinquência, o que colabora para o menor especializar-se com grande rapidez nas veredas da criminalidade. A falta de maior atenção das autoridades governamentais aos menores desassistidos está levando a sociedade a “fazer justiça”com as próprias mãos, e o extermínio das crianças de rua é algo muito preocupante porque, afinal, estes menores

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são, na grande maioria, fruto s de uma sociedade capitalista injusta, egoísta, onde a corrida em busca do ouro é tamanha;nela, o pobre é cada vez mais pobre e o rico, cada vez mais rico. A política salarial no Brasil é algo muito vergonhoso. O problema da terra nem é bom falar. A Reforma Agrária, uma das soluções para resolver o problema da fome e diminuir a miséria, é assunto dogmático, quando me refiro a este “dogma”, não estou de acordo com o patrimônio privado seja desrespeitado, em absoluto, os direitos adquiridos são sagrados e devem ser respeitados. Sempre existiu e continuará existindo rico e pobre. Mas a miséria, esta deve ser banida. Todos temos o direito de viver dignamente, alimentação, teto e assistência a saúde. E a miséria nada mais representa do que a ambição, a falta de solidariedade humana, o egoísmo desenfreado. Não defendo a delinquência e já fui vítima, como muitas pessoas, de tentativas de abordagem com arma sobre mim. Tive sorte de conseguir conversar com os menores sem ser agredida fisicamente. Mas passamos constantemente por sustos e estamos expostos à violência. Mas não tenho o direito de julgar estes pobres que vivem no submundo, sentindo pela fome física e de afeto, bem como a falta do calor humano, a falta do outro em sua vida; longe da educação doméstica e escolástica, desumanizam-se e passam a ver em cada um de nós, privilegiados com o que lhes falta, um culpado pelos seu estado de subvida. Penso que está na hora de sairmos um pouco do nosso invólucro egoísta e compartirmos um pouco que seja do que temos para reduzir tanto a fome como a violência. O curioso é que em se tratando das crianças, geralmente elas evitam de importunar quem as ajuda, lhe dá um pouco de comida. Não podemos pôr toda a responsabilidade apenas sobre os ombros dos governantes que pouco fazem pelos excluídos por nada terem a retribuir, mui-

tas vezes nem eleitores são porque não são cidadãos, não sabem ler nem mesmo assinar o nome, não têm documento de identidade; quando estão já muito conhecidos pelas artimanhas praticadas, mudam de lugar e de nome... E a vida prossegue sem o amanhã,eles mal têm o hoje, mesmo porque o amanhã é circunstancial, não existe. Existe o ontem que é passado e a única coisa que não passa, e o hoje que já foi o amanhã. Rousseau argumenta que “o homem não nasce mal, a sociedade é que o corrompe”. Sei apenas que o crack está dominando a as crianças, a juventude brasileira. Urge que algo seja feito e com rapidez se quisermos salvar os jovens, uma missão muito espinhosa, é difícil, sim, mas não impossível. Não adianta construir tantos presídios sem as medidas pedagógicas, sugiro que os governantes, aí sim, depende deles, abram escolas de artífices, com dois turnos, aulas normais, danças, jogos, todos os tipos de atividades físicas para atender o anseio de cada aluno, informática,atividades agrícolas com pequena bolsa para estimular os alunos e não esta bolsa família que muitas vezes tem outros rumos. É preciso que haja educação sexual, controle á natalidade, aulas de Filosofia, Civismo, Ética, Religião, tudo entrelaçado numa multidisciplinaridade a fim de prepararmos esta criançada e estes jovens, futuros cidadãos para um Brasil melhor. Conclamem voluntários, conclamem a sociedade para arregaçar as mangas e ir à luta em prol da Paz que todos merecemos. Isto é cidadania, é alteridade, é cristandade, é a prova de amor a Deus que arquitetou este belo Universo e nos entregou para darmos continuidade à Criação, não o fez para a destruição, para isto criou a espécie humana. Façamos, portanto, alguma coisa para salvar as crianças e os jovens excluídos, aproveitemos a campanha da Fraternidade que lança um olhar para esta massa humana que vegeta nas sarjetas da vida. g


CULTURA POPULAR

Falares Nordestinos: Aspectos Socioculturais Maria do Socorro Silva de Aragão

RESUMO As relações entre língua, sociedade e cultura são tão íntimas que, muitas vezes, torna-se difícil separar uma da outra ou dizer onde uma termina e a outra começa. Algumas variações, ditas regionais, podem ser, muitas vezes, sociais; se sociais, podem ser relativas aos falantes que têm uma determinada marca diageracional, diagenérica ou mesmo diafásica. Em se tratando de falar regional nordestino, o léxico e a fonética são os aspectos onde mais se percebem as diferenças entre esses falares e os de outras regiões brasileiras. Neste trabalho trataremos dos aspectos léxicos dos falares nordestinos, que são uma marca dessa cultura regional. A análise dos exemplos aqui apresentados mostra-nos, de forma clara, as relações existentes entre a língua, a sociedade e a cultura, reforçando, contudo, que a língua é o elo de ligação entre elas, por se reportar igualmente à sociedade e à cultura. Palavras-Chave: Língua, sociedade e cultura; variação regional; falares nordestinos. INTRODUÇÃO As relações entre língua, sociedade e cultura são tão íntimas que, muitas vezes, torna-se difícil separar uma da outra ou dizer onde uma termina e a outra começa. Além dessas relações, um outro fator entra em campo para também introduzir dúvidas quanto à linguagem utilizada por um determinado grupo sociocultural: é o fator geográfico, regional ou diatópico. Algumas variações, ditas regionais, podem ser, muitas vezes, sociais; se sociais, podem ser relativas aos falantes que têm uma determinada marca diageracional, diagenérica ou mesmo diafásica. Seriam todas essas variações próprias da língua? Condicionadas pela so-

ciedade? Ou teriam marcas de determinada cultura? São dúvidas e questionamentos que surgem com frequência quando se trabalha com o inter-relacionamento entre língua, sociedade e cultura. Ao trabalharmos com a etnolinguística, que trata das relações língua-cultura, e com a sociolinguística, que estuda as relações língua-sociedade, vemos que essas ciências têm objetivos bem delimitados, mas têm, também, uma grande área de intersecção. A língua pode ser vista, analisada ou interpretada sob diferentes ângulos ou aspectos, mas, concordamos com a visão de Fribourg, quando diz: La langue a été vue soit comme conception du monde [...], soit comme révélatrice du mode de vie d’une societé et de ses valeurs culturelles, soit comme révélatrice de la structure sociale et des changements survenus au sien de la societé, soit enfin comme une structure linguistique en corrélation avec structures de la societé. (FRIBOURG, 1978, p. 104) A etnolinguística, assim, trata dessas relações entre a língua e a cultura na sociedade a que pertencem os seus falantes. Neste contexto é importante dizermos de que cultura estamos falando. Para isso, utilizaremos a definição de Baylon (1991, p. 47) quando diz que “cultura é o conjunto das práticas e dos comportamentos sociais que são inventados e transmitidos dentro do grupo [...]”. Segundo ele, ainda, “a língua pode revelar os modos de vida e os valores culturais de uma sociedade [...]”. (p. 50). Conclui com a definição das tarefas da Etnolinguística: Apreender a cultura através da língua, estudar a mensagem através dos dados socioculturais, são as duas tarefas que apa-

recem nos trabalhos de etnolinguística. (BAYLON, 1991, p. 56) Deste modo, as relações entre linguagem regional, sociedade e cultura, estudadas pela dialetologia, sociolinguística e etnolinguística, fazem parte de um todo integrado nos estudos linguísticos. Se partirmos, como pretendemos, das variantes regionais, no caso, as nordestinas, baianas, alagoanas, pernambucanas, paraibanas, rio-grandenses do norte, cearenses, piauienses e maranhenses, e direcionarmos nosso olhar para a perspectiva cultural desses falares poderemos afirmar que a linguagem utilizada nessas variações, marca ou é marcada pelos aspectos socioculturais que revestem essas realizações. Em se tratando de falar regional nordestino, o léxico e a fonética são os aspectos onde mais se percebem as diferenças entre esses falares e os de outras regiões brasileiras. Aqui trataremos dos aspectos léxicos dos falares nordestinos, que são uma marca dessa cultura regional. 1. AS RELAÇÕES ENTRE LÉXICO, SOCIEDADE E CULTURA Ao se estudar a língua, os contextos socioculturais em que ela ocorre são elementos básicos e, muitas vezes, determinantes de suas variações, explicando e justificando fatos que apenas linguisticamente seriam difíceis ou até impossíveis de serem determinados. No caso específico do léxico, esta afirmação é ainda mais verdadeira pois toda a visão de mundo, a ideologia, os sistemas de valores e as práticas socioculturais das comunidades humanas são refletidos em seu léxico. SEGUNDO BARBOSA (1993, P. 1): [...] o léxico representa, por certo, o es-

Professora das Universidades Federal da Paraíba (UFPB) e Federal do Ceará (UFC). Membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE-PB). Membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP). Membro da União Brasileira de Escritores (UBE-PB).

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paço privilegiado desse processo de produção, acumulação, transformação e diferenciação desses sistemas de valores. Para se apreender, compreender, descrever e explicar a “visão de mundo” de um grupo sócio-linguístico-cultural, o objeto de estudo principal são as unidades lexicais e suas relações em contextos. PARA BIDERMAN: O universo semântico se estrutura em dois polos opostos: o indivíduo e a sociedade. Dessa tensão em movimento se origina o Léxico. (BIDERMAN 1978, p. 139). O léxico, enquanto descrição de uma cultura, está no seio mesmo da sociedade, reflete a ideologia dominante mas, também, as lutas e tendências dessa sociedade. Elaborar dicionários, glossários ou vocabulários regionais/populares não é tarefa das mais simples uma vez que o próprio sentido do que é regional e do que é popular é motivo de controvérsias entre os especialistas da área. Sem querer entrar em debates sobre o que é ou não regional, para nós o regional é o que tem marca de uma região, a nordestina, por exemplo, ou de um estado, o do Ceará ou o da Paraíba, em nossos corpora. A amostragem dos corpora aqui analisada refere-se a dois autores cearenses: Oliveira Paiva e Patativa do Assaré e dois paraibanos: José Américo de Almeida e José Lins do Rego. Os itens lexicais aqui estudados poderão mostrar a diversidade de visões de mundo e como cada região elabora lexicalmente esse universo. 2. MARCAS REGIONAIS NO LÉXICO PARAIBANO O estudo do léxico paraibano tem sido feito a partir de autores paraibanos que, mesmo escrevendo no registro culto, utilizam em suas obras a linguagem regional popular, na boca de seus personagens não cultos. Os exemplos aqui mostrados foram tirados das obras de José Américo de Almeida e de José Lins do Rego, alguns deles registrados no dicionário de Horácio Almeida e no glossário de Leon Clerot. Todos eles retratam em suas obras, e em seu léxico, a cultura e a sociedade paraibanas. 2.1 EXEMPLOS EM JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA José Américo de Almeida, escritor e homem público paraibano, tem como sua mais importante obra de ficção A Baga-

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ceira que, no dizer de Jackson de Figueiredo: [...] é o poema do sertão nordestino, ou melhor, o poema da humana vaga sertaneja, em seu perpétuo rolar do sertão definido, heroico e idílico, às terras mestiças, sensuais, dispersivas, cruéis, e sentimentais, que se abeiram da inconstância do mar. (FIGUEIREDO 1977, p.41). Falar de A Bagaceira, do ponto de vista linguístico, é falar, além do erudito, do regional, do popular, da cultura e da sociedade paraibana e nordestina como um todo. Os personagens de A Bagaceira têm, em sua linguagem, as marcas socioculturais que a distinguem dos demais falares regionais brasileiros. Os termos e expressões utilizados, na maior parte das vezes são de uso quase que exclusivo do falar paraibano. Vejamos alguns exemplos: Acatitar os olhos - arregalar, fixando os olhos. “Acatitou os olhos e escumava, como juá”. Expressão registrada apenas por Horácio de Almeida na variante encatitar. Andar de capas encouradas - disfarçado, dissimulado, mascarado. “Há gente que anda de capas encouradas; quando menos se pensa, bota as mangas de fora [...]”. Nenhum dos dicionários consultados registra esta forma. Brote - bolacha grande e dura. “Deitavam-se a elas nos fundos das bodegas por um rabo de bacalhau ou um brote duro”. O termo brote foi introduzido no vocabulário nordestino numa adaptação da palavra holandesa brood (pão), durante o período da dominação holandesa no nordeste. Apenas Horácio de Almeida registra o termo, mas com outro sentido. Celé - atordoado, estonteado. “Caiu ciscando, ficou celé”. Dos dicionários consultados apenas Horácio de Almeida registra. Os demais não registram o termo. Chumbergada - pancada, açoitamento, golpe dirigido contra uma pessoa ou animal. “Arrochei-lhe outra chumbergada”. Dos dicionários consultados apenas Horácio de Almeida registra. Os demais não registram o termo. 2.2 EXEMPLOS EM JOSÉ LINS DO REGO José Lins do Rego, um dos mais importantes escritores paraibanos e nacionais,

tem uma obra multifacetada que abrange do romance às memórias, passando pelos relatos de viagens, crônicas e literatura infantil. José Lins em suas obras de ficção usou a palavra de forma precisa e artística, nos seus níveis e registros e nas suas variações regionais, a partir do perfeito domínio da norma culta padrão. A temática, a estrutura literária e a linguagem de suas obras caracterizam, com rara precisão, o nosso povo, seu falar, costumes, crenças e tradições, e seu modo de ser, viver, pensar e agir, dentro do seu universo sócio-linguístico-cultural. Sua linguagem popular se manifesta, basicamente, no léxico, com um vocabulário de palavras e expressões regionais/populares. Bicha - 1. qualquer objeto que, pelo seu feitio ou seu movimento, dá ideia de um réptil; designação de qualquer coisa material. “Quem via de longe, pensava que era só soltar a jangada com o terral, deixar a bicha correr de vela aberta [...]. 2. termo depreciativo de mulher, prostituta. É mentira daquela bicha senvergonha”. Nos dicionários consultados não há estas acepções de bicha, apenas Horácio de Almeida registra o sentido de prostituta. Corumbá - sertanejo que emigra para os brejos acossados pela seca. “[...] e logo que for tempo embarca com os corumbás para o sul”. Dos dicionários consultados, apenas os paraibanos de Horácio de Almeida e Leon Clerot registram o termo, com a variante curumbas. Da Silva - locução enfática usada imediatamente após um adjetivo no diminutivo significando: inteiramente, de todo, muito, totalmente. “Nada, D. Olegária, inteirinho da silva. E alegre da vida”. Descatembada­ - desvirginada. “Tinha ainda viva uma moça, mas estava descatembada. A volante tinha feito um serviço de cangaceiro”. Apenas Horácio de Almeida registra o termo, porém com sentido diferente. Estar de Novilho - Estar com amante jovem. “A velha está de novilho”. Nenhum dos dicionários consultados registra esta expressão. 3. MARCAS REGIONAIS NO LÉXICO CEARENSE O falar regional/popular do Ceará está aqui representado por Oliveira Paiva e Patativa do Assaré, dois nomes da maior sig-


nificação para a linguagem e poesia cearenses. 3.1 EXEMPLOS EM OLIVEIRA PAIVA Manuel de Oliveira Paiva, nasceu em Fortaleza em 12 de julho de 1861 e faleceu em Quixeramobim em 29 de setembro de 1892. Tentou a vida eclesiástica e, depois, a militar, no Rio de Janeiro. Engajou-se nas lutas pela abolição e pela república. Colaborando no jornal O libertador, publicou ali, no formato de folhetim, o romance A afilhada. Devido a problemas de saúde, transferiu-se para o sertão cearense, onde escreveu seu romance mais famoso, Dona Guidinha do Poço, história de paixão e crime, baseada em fatos reais e narrada em linguagem densamente poética. Os exemplos aqui mostrados são da edição de 1997, da Universidade Federal do Ceará, do romance Dona Guidinha do Poço, do jornalista e escritor Oliveira Paiva. A obra foi escrita em 1897, mas apenas em 1952 saiu sua versão integral. Narra a história de um crime passional quando sua heroína, Dona Guida, senhora rica e orgulhosa, enfrenta os preconceitos da época ao quebrar as tradições por cometer adultério com um sobrinho do marido. Escrito em linguagem erudita, mas usando a linguagem regional popular quando dá voz a personagens das camadas populares, geralmente analfabetos, somente se tornou conhecido em todo o país a partir da descoberta dos originais feita pela historiadora de Literatura Brasileira Lúcia Miguel Pereira, sendo sua primeira edição publicada logo a seguir. Abastança - fartura. “Naquele sertão havia por esse tempo muita abastança, por modo que um grande pecúlio não era lá nenhum desses engodos”. (p. 11). Termo já dicionarizado com o mesmo sentido utilizado pelo autor. Capucho - espuma do leite recém-tirado.”Compadre, despeje esta cuia no pote, e me mande um capucho.” (p. 21). Dicionários de norma padrão registram capucho com sentidos diferentes. Nenhum deles faz referência ao sentido utilizado pelo autor. Cocar - tocaiar, espionar. “Tocaiou, cocou, e às 10 horas, bem escuro, se achou a sós com a designada vítima [...]” (p. 185). Não há registro deste termo em dicionários, sejam regionais, sejam de norma padrão. Parece-nos que foi criado a partir de cócoras, acocorado, forma nordestina de se ficar quando se está à espreita, escondido. Fonfança - fanfarronice, papo. “Toda-

via, desculpe-se-lhes a fonfança pela tendência natural que temos todos nós [...]”. ( p. 6). Este termo surgiu provavelmente de uma redução fonética de fanfarronice, o que lhe deu, além da facilidade de articulação, maior pomposidade pelo uso dos fonemas / o / e pela nasal / n /. Gaitar - apitar. “-Inhora, não. Mó de que esta noite uvi o novio gaitá pra Lagoa?” (p. 21). Termo criado a partir de gaita e utilizado com sentido semelhante, de apito, gaita. Não se encontra dicionarizado com este sentido. Lapear - bater forte, malhar. “[...] que voltara a lapear o couro molhado, sentado num pedaço de rochedo [...]”. (p. 16). Termo dicionarizado como brasileirismo do Norte e Nordeste, com sentido semelhante: cortar com o chicote ou lapo; chicotear, vergastar. Morixaba - mulher malfadada, prostituta.”Que estava sendo ela então para todo o Ceará, para todo o mundo, que a ruim fama corre mais que o pensamento, senão uma morixaba?”. (p. 177). Termo registrado em apenas um dos dicionários de termos populares do Ceará. 3.2 EXEMPLOS DE PATATIVA DO ASSARÉ Patativa do Assaré era o nome artístico (pseudônimo) de Antônio Gonçalves da Silva. Nasceu em 5 de março de 1909, na cidade de Assaré, estado do Ceará, e faleceu no dia 8 de julho de 2002 em sua cidade natal. Foi um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina. Dedicou sua vida à produção de cultura popular, voltada para o povo marginalizado e oprimido do sertão nordestino. Com uma linguagem simples, porém poética, destacou-se como compositor, improvisador e poeta. Produziu também literatura de cordel, porém nunca se considerou um cordelista. Ganhou o apelido de Patativa, aos vinte anos de idade, pois a sua poesia era comparada à beleza do canto desse pássaro. No ano de 1956, escreveu seu primeiro livro de poesias “Inspiração Nordestina”. Inúmeras são as obras de Patativa, todas utilizando uma linguagem típica da região cearense e nordestina, no seu registro popular, uma vez que o autor também era iletrado, no sentido formal do termo, mas sabia em seus versos, como ninguém, retratar sua região e seu povo. Alguns exemplos do autor podem nos mostrar o que aqui afirmamos.

Aposento - Aposentadoria. “Para fazer seu aposento”. Forma apocopada de aposentadoria utilizada pelo autor talvez para rimar. Bolo de fim de feira - insignificante, sem valor. “Tão pensando que voto é bolo de fim de feira”. A expressão não está registrada, mesmo em dicionários regionais. Botar curto - fiscalizar. “Mamãe, a senhora bote bem curto naquele louro.” Expressão semelhante a manter as rédeas curtas, registrada em dicionários regionais nordestinos. Comprar cartilha pra outro ler - ser enganado, traído. “Só porque meu casamento foi triste e foi azalado, foi mesmo que eu ter comprado cartia pra outro ler”. Expressão semelhante a fazer a barba de alguém, registrada em dicionários regionais do Ceará. Levada - artimanha. “Mas ele tem as levadas de um caboco valentão”. Palavra registrada em dicionários eruditos, porém como adjetivo: criança levada é criança travessa, traquinas, cheia de artimanhas. 4. MARCAS REGIONAIS NO LÉXICO DE OUTROS ESTADOS NORDESTINOS De alguns anos para cá tem surgido na região nordestina uma nova onda de estudos dialetais e sociolinguísticos com enfoque no aspecto léxico, mais precisamente na publicação de dicionários, vocabulários e glossários de falares regionais nordestinos, começando pela Bahia, com o do baianês, passando por Alagoas, com o do alagoanês, por Pernambuco, com o do pernambuquês, pelo Ceará, com o do cearês e pelo Piauí, com o do piauiês. Essa tendência atual segue uma tradição começada por Pereira da Costa (1937) com o Vocabulário pernambucano; Leon Clerot (1959), com o Vocabulário de termos populares e gírias da Paraíba; Raimundo Girão (1967) com o Vocabulário Cearense; Horácio de Almeida (1979) com o Dicionário popular paraibano; Raimundo Nonato (1980) com o Calepino potiguar - gíria riograndense; Tomé Cabral (1982) com o Dicionário de termos e expressões populares; Leonardo Mota (1982) com o Adagiário brasileiro e Florival Seraine (1991) com o Dicionário de termos populares - registrados no Ceará. Uma das características desses novos dicionários, vocabulários e glossários é que seus autores não são lexicógrafos ou linjulho/agosto/setembro 2013 |

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guistas. São pessoas com outras formações profissionais: jornalistas, engenheiros, médicos, folcloristas ou pessoas curiosas que resolveram listar e publicar, em forma de dicionário, palavras e expressões populares que, creem eles, são típicas daquele estado específico. Todos eles retratam o léxico, a cultura e a sociedade de seus Estados. Na Bahia temos o trabalho de Nivaldo Lariú e o de Alexandre Passos. Alagoas está representado por Elza Cansanção Medeiros. O léxico de Pernambuco tem além de Pereira da Costa seu maior representante, Mário Souto Maior e Bertrand Bernardino. Na Paraíba temos as obras clássicas de León Clerot e Horácio Almeida. O estudo do léxico do Rio Grande do Norte tem sido feito a partir de autores potiguares, especialmente Câmara Cascudo e pelo dicionarista Raimundo Nonato, entre outros. No Ceará temos, além dos clássicos como Tomé Cabral, Raimundo Girão, Leonardo Mota e Florival Serraine uma série de novos trabalhos, como os de Marcos Gadelha, Tarcísio Garcia e Carlos Gildemar Pontes, entre tantos outros. O falar do Piauí é registrado, entre outros, por Paulo José Cunha e o do Maranhão, por Domingos Vieira Filho, Ramiro Corrêa e José Raimundo Gonçalves. 4.1 O LÉXICO DA BAHIA Abrir o balaio – viúva que volta às atividades sexuais depois do luto. Bascuiar os dentes – Escovar os dentes com masca de fumo, folha de juá ou de goiabeira. Cabeça de Escapole – Diz-se da pessoa negra, com a carapinha cortada rente . Dar de comer a calango – defecar. Preceito – Virgindade, guardar o preceito: permanecer virgem.

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4.2 O LÉXICO DE ALAGOAS Abaferro – trabalho intenso, febril, agitação. Cafinfa – pessoa impertinente, ranzinza. Capote de pobre – cachaça. Entrar no chão de costas – morrer, ser enterrado. Mamparra – conversa fiada, malandragem. 4.3 O LÉXICO DE PERNAMBUCO Amulegar – apertar, machucando. “Amulegar a fruta”. Banqueta – Acostamento de rodovia. “Parar na banqueta”. Boi de Cambão – Dominado pela mulher. Cachorro de fateiro – Pessoa gorda, obesa. “Estar gordo que só cachorro de fateiro”. Catecismo – Revista de sacanagem, feita a bico de pena. 4.4 O léxico do Rio Grande do Norte Açougue – bairro do mulherio da vida dissoluta. O autor cita algumas variações de significantes para este mesmo significado, dependendo das localidades do Rio Grande do Norte: Em Mossoró, Rua do Jaburu e Rabo da Gata; em Pau dos Ferros, Rua do Vai-Quem-Quer; em Assu, Rua dos Sete Pecados; em Natal, Rua do Arame e Beco do Engole; em Areia Branca, Rua da Quizambeta. Café de parteira – café frio, choco, requentado. Outra variante é Lavagem de espingarda. “O café da casa de Manoel de Assis não passava de uma lavagem de espingarda”. Dizer missa – encher o tempo com conversa fiada. Outras variantes: Celebrar oração sem sentido. Fazer prece no Deserto.

Espingarda – concubina, amancebada. “O marchante tinha uma espingarda numa casa da Rua da cadeia, onde chegava sempre embriagado[...]. 4.5 O LÉXICO DO PIAUÍ A caldo de pinto – chateado, irritado. Arrochar o buriti – botar pra quebrar, acelerar. “Então vamos começar a quadrilha. Arrocha o buriti moçada”. Briquitar – labutar, pelejar. Eu, Maria Lopes? - Eu, hein? Furupa – farra, algazarra. 4.6 O Léxico do Maranhão Agafe – Alfinete de segurança. Chofer de Butano – Empregada doméstica. Lençol – caloteiro, mau pagador. Morredor – Local da prática sexual, motel, casa de encontros. Sulamba – Seios flácidos e caídos. Uma variante é Sulapa. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos exemplos aqui apresentados mostra-nos, de forma clara, as relações existentes entre a língua, a sociedade e a cultura, reforçando, contudo, que a língua é o elo de ligação entre elas, por se reportar igualmente à sociedade e à cultura. A visão de mundo, as crenças, as ideologias e as formas de expressão dessa sociedade com sua cultura são transmitidas de geração a geração pela língua, falada e/ ou escrita, tornando evidente que a língua representa e guarda as marcas sociais e culturais daquela comunidade que a utiliza. g


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, Maria Silvana Militão de. A linguagem regional popular na obra de Patativa do Assaré: aspectos fonéticos e lexicais. Fortaleza: 1997. Dissertação (mestrado) UFC. ALMEIDA, Horácio de. Dicionário popular paraibano. Campina Grande: Grafset, 1984. ALMEIDA, José Américo de. A bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. ARAGÃO, M. do Socorro Silva de. A linguagem regional-popular na obra de José Lins do Rego. João Pessoa: FUNESC, 1990. _____. O estudo da linguagem popular – Atlas Linguístico da Paraíba. BOLETIM DA ABRALIN, v.4, p. 67-80. Recife: UFPE, 1983. _____ et al. Glossário aumentado e comentado de a Bagaceira. João Pessoa: A União, 1984. AZEVEDO, Téo et ÂNGELO, Assis. Dicionário catrumano: pequeno glossário de locuções regionais. São Paulo: Letras & Letras, 1996. BARBOSA, M. Aparecida. O léxico e a produção da cultura: elementos semânticos. I ENCONTRO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DE ASSIS. Anais. Assis; UNESP, 1993. BAYLON, C. 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HISTÓRIA

UMA BIBLIOGRAFIA PARA A COLUNA PRESTES José Octávio de Arruda Mello1

Os preparativos, pela Secretaria de Cultura da Paraíba e outros organismos do Estado para, em combinação com o arquiteto e publicista Luiz Carlos Prestes Filho, vivenciarem, em 2013. a passagem da Coluna Prestes, pela Paraíba, impõem o presente levantamento bibliográfico. Tal decorre da circunstância de que esse acontecimento não enveredará pelo maniqueísmo ou o heroísmo. Como, pelo contrário, trata-se de refletir, criticamente, a marcha da Coluna Invicta, junto, principalmente, aos municípios por ela atravessados e escolas paraibanas do mais diverso nível, a operação inicial consiste em levantar e debater as principais publicações a ela referentes. Partindo do plano nacional para o regional, o que se pretende com essa bibliografia é irrigar a discussão, democraticamente, com a valorização de todas as tendências para, nas expressões do escritor francês André Malraux, “transformar em consciência, uma experiência – de leitura, no caso – a mais ampla possível”. PUBLICAÇÕES BÁSICAS DE ALCANCE NACIONAL - LIMA, Lourenço Moreira. A Coluna Prestes – Marchas e Combates. 3ª ed. São Paulo: Alfa Omega, 1979. Considerado o mais completo relato sobre a Coluna é de autoria do secretário desta que perfez toda a marcha, herniado, em cima de um cavalo. Para José Octávio, pode ser considerado, ao lado de A Retirada da Laguna, do Visconde de Taunay, a obra mais próxima a Os Sertões de Euclides da Cunha como “O livro da nacionalidade”. - BASTOS, Abguar. “A Coluna Prestes” in História da Política Revolucionária no Brasil. 1º vol. Rio de Janeiro: Conquista, 1969. Autor do Clássico Prestes e a Revolu-

ção Social (2ª ed., Hucitec, 1986). Abguar, revolucionário histórico de 30 e folclorista paraense, localizou a Coluna no primeiro volume de História da Política Revolucionária entre as páginas 197 e 230, sucedendo a Revolução Paulista de 1924 e precedendo “A Aliança Liberal e a Revolução de 30”. - SILVA, Hélio. 1926: A Grande Marcha. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. Integrante do chamado “Ciclo de Vargas”, iniciado com Sangue na Areia de Copacabana (1971) e concluído com 1954: Um Tiro no Coração (1978), H. S. ocupa-se da Coluna abordando seus reflexos sobre os governos Arthur Bernardes e Washington Luiz. Pelas Edições Isto É, e com a historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro, Hélio Silva também elaborou a série “História da República Brasileira”, onde o volume seis, datado de 1998, intitula-se A Marcha da Coluna Prestes – 1923/1926. FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Política (1977), Tenentismo e Aliança Liberal (1927-1930), 1978, e Tenentismo e Forças Armadas na Revolução de 30 (1989). Os livros da professora Forjaz, com o primeiro sintomaticamente subtitulado “Tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República”, perfilham a linha mestra da Historiografia paulista que enxergou no tenentismo, de que a Coluna Prestes constituiu expressão, momentos de uma classe média contida e refratária ao operariado. Daí a contenção social da Coluna e os descaminhos da Revolução de 30, filha daquela. PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. Filha do chefe de Estado maior da Coluna, a antropóloga Anita Leocádia valeu-se, principalmente, das informações do pai

para livro cuja tese consiste em desmontar o elitismo da Coluna “responsável por um Exército Popular, de organização guerrilheira”. A autora prefigurou essas colocações no artigo “A Coluna Prestes: uma proposta de trabalho” para Revista de História da USP nº 118 de janeiro-junho de 1985. PRESTES FILHO, Luiz Carlos. “Na Trilha da Coluna Prestes” in revista Manchete, Rio de Janeiro, a partir de 13 de janeiro de 1996 e em todas as edições seguintes. Durante meses e desde essa data, o filho do Cavaleiro da Esperança escreveu animadas reportagens sobre a Coluna, para prestigiosa revista nacional. Vazadas em linguagem objetiva e direta, as reportagens valorizam-se pelas fotos e gráficos que as acompanham. TÁVORA, Juarez. Uma Vida e Muitas Lutas. 1º vol. Da Planície à Borda do Altiplano. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. Nas memórias em três volumes de Juarez Távora é no capítulo segundo desse tomo – “Em Pleno Vendaval (1924-1925)” – que o sub-chefe do Estado Maior da Coluna relata suas peripécias nessa. Em João Pessoa Perante a História, Textos Básicos e Estudos Críticos (J. Pessoa, 1978), José Octávio ocupa-se largamente das memórias de Távora. MACAULAY, Neill. A Coluna Prestes. São Paulo: Difel, 1977. Na linha dos habituais estudos dos brasilianistas, Macaulay produziu livro em que a pesquisa suplanta a interpretação. Para esse brasilianista, Juarez Távora não foi capturado em Terezina porque entregou-se. MEIRELLES, Domingos. 1930 – Os órfãos da Revolução, Rio de Janeiro/S. Paulo: Record, 2005. O segmento referente a 1927 ocupa-se com penetração das repercussões da Coluna Prestes, exilada na Bolívia. Contudo, o grande livro de Meirelles sobre a

Historiador de ofício, com doutorado pela USP, em 1992. Professor aposentado das UFPB e UEPB, com exercício no UNIPÊ. Integrante dos IHGB, SECULT, IHGP e APL. Autor de História da Paraíba – Lutas e Resistência (12ª ed., 2011).

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Coluna é o anterior - A Noite das Grandes Fogueiras: Uma História da Coluna Prestes (1995). TELES, José Mendonça. A Coluna Prestes em Goiás. Goiânia: Kelps, 2008, e GOMES, Horieste e MONTENEGRO, Francisco. A Coluna Miguel Costa/Prestes em Goiás/Goiânia. Ed. do Autor, 2010. Dos Estados brasileiros por onde passou, Goiás foi onde a Coluna permaneceu mais tempo, sendo, ademais, enfrentada por experimentado oficial (Bertholdo Klinger) e milícias do potentado político (Totó Caiado). Isso explica a maneira como ela tem motivado a Historiografia goiana. As publicações de Mendonça Teles e Horieste Montenegro refletem essa particularidade com o primeiro impressionando pelo estilo e os últimos pela pesquisa. PRESTES, Luiz Carlos. “A Coluna Prestes” in Cadernos de História nº 2 do Depto. De História do IFCS da UFR – setembro de 1986, mimeo – Primando pela objetividade, essa conferência constitui importante página da Historiografia contemporânea. Nela, o principal chefe da Coluna recapitula seu engajamento no movimento tenentista da década de vinte, transferência para o batalhão ferroviário de Santo Ângelo e o levante deste e outras unidades da zona missioneira bem como a marcha de tais forças para o norte até a junção com as forças paulistanas da Revolução de 1924, sitiadas em Catanduvas. A partir daí, atravessando os rios Uruguai e Iguaçu, a Coluna, chefiada pelo Cel. Miguel Costa, da Força Pública de São Paulo, com Prestes na chefia do Estado Maior e Juarez Távora, na subchefia, dividiu-se em quatro destacamentos chefiados por Cordeiro de Farias, João Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra que optaram pela guerra de movimento, idealizada por Luiz Carlos Prestes. Foi com esse espírito que a Grande Marcha, durante quase três anos, percorreu 2 mil quilômetros de vastas regiões do interior brasileiro sem nunca ter sido derrotada, até internar-se na Bolívia a 4 de fevereiro de 1927. O final do depoimento de L. C. P. relata sua fixação na Argentina e as conversações com Getúlio Vargas em Porto Alegre, para deflagração da Revolução de 30. Enquanto a quase totalidade dos companheiros aderia à Aliança Liberal do getulismo, Prestes, optando pelo marxismo-leninismo, recusou-se a esse passo, preferindo o Partido Comunista em que ingressaria anos depois. MELLO, José Octávio de Arruda. A Revolução Estatizada – Um Estudo sobre

a Formação do Centralismo em 30. 2ª ed., com a terceira no prelo, pela ABEU/EDUEP. J. Pessoa: Editora Universitária, 1992. Prefaciado por Hélio Jaguaribe, esse livro, segundo José Honório Rodrigues, “Relaciona bem a História estadual com a nacional (...) e tem o propósito de assegurar novo entendimento do papel da Paraíba na Revolução de 30”. Data daí a análise do Estado coronelístico dos anos vinte que se compunha com bandoleirismo, cangaço e se valia da Coluna Prestes para, mesmo sem enfrentá-la, reforçar-lhe as estruturas, mediante o recebimento de dinheiro, armas e munição do poder público. Analisando a questão J.O. abriu caminho para o entendimento que se segue.

1988. Sob o título “Os Furores da Rebeldia – Pormenores da Tragédia de Piancó”, contém, entre as páginas 113 e 120, a reportagem com que Pitanga recorreu ao jornal O Rebate de Cajazeiras para sua visão dos acontecimentos de 9 de fevereiro, em Piancó. Entrando na cidade no dia seguinte à partida da Coluna, P.P. deixou-se influenciar pelo quadro dantesco com que se deparou, decorrendo daí as imprecações contra os revoltosos, secundados por historiadores como Deusdedith Leitão – que reeditou a reportagem pitanguista, em A União, décadas depois – e Terezinha Pordeus. Essa versão somente começou a ser revista, pelo Grupo José Honório, no final dos anos setenta.

_______________. História da Paraíba – Lutas e Resistência. 12ª ed. João Pessoa: Sebo Cultural, 2011. Na perspectiva de A Estatizada, funde a Paraíba com o Brasil e o plano regional com o nacional. No que aqui interessa, estabelece que “Em 1928, com a Coluna internada na Bolívia, os coronéis ainda recebiam armas e dinheiro do Governo do Estado, como indenização em face das lutas (sic) travadas contra ela. Assim, a Coluna Prestes, embora dotada da intenção oposta, terminou reforçando a estrutura do coronelismo”.

SANTOS, Agu Rodrigues dos. A Coluna Prestes Atravessa Boqueirão de Curemas. J. Pessoa: Imprell Editora, 2002. Em 1926, o açude de Coremas ainda não existia, de modo que foi o boqueirão da serra que a Coluna atravessou junto ao povoado, no caminho de Piancó. Criança, Agu recorda a presença, em Coremas, do piquete de cavalaria do capitão Ari Freyre, oferecendo cobertura ao grosso da formação e o risco de seu pai atirando contra esta. De estilo irregular, o texto não ataca a coluna, ao contrário da prefaciadora Marinalva Freire, hostil a Prestes e seus companheiros.

PUBLICAÇÕES BÁSICAS DE ALCANCE PARAIBANO OCTAVIANO, Manuel. Os Mártires de Piancó. João Pessoa: Editora Teone, 1955. Bem desenvolvido, o autor, deputado/escritor abordado pela profª. Terezinha Pordeus no IV volume da coleção Perfis Parlamentares da Assembléia Legislativa (2002), ocupa-se da passagem da Coluna por Piancó e seu entrevero com o deputado e chefe político Aristides Ferreira da Cruz, que terminou sacrificado a 9 de fevereiro de 1926. Firmando apaixonada defesa do sacerdote, deixa mal a Coluna, iniciando Historiografia contrária a esta, na Paraíba. Assim que o livro foi editado, o então coronel PM e deputado Manuel Arruda, chefe do destacamento policial de Piancó, em 1926, procurou contestá-lo, da tribuna da Assembléia. A documentação de Arruda foi transferida para o IHGP, onde se encontra. O livro de Octaviano foi reeditado, em 1980, pela Editora Acauã, com a denominação de A Coluna Prestes na Paraíba. PITANGA, Praxedes – (Memórias). Minha vida, minhas lutas. J. Pessoa:

FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. A Coluna Prestes e a Paraíba. J. Pessoa: Editora Universitária, 1980. Preparada para o Mestrado de História da UFPE, essa sintética monografia dispõe de dois eixos: frustrado levante tenentista da capital paraibana, a 5 de fevereiro de 1926, desbaratado pelo governo Suassuna, e acontecimentos de Piancó situados na perspectiva das lutas políticas locais, envolvendo a família Leite e o padre Aristides. JOFILLY, José. Revolta e Revolução, Cinquenta Anos Depois. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Testemunha dos acontecimentos de que se ocupa, focaliza a efervescência colegial dos anos vinte na capital paraibana, com destaque para o caso dos operários italianos Sacco e Vanzetti, nos Estados Unidos; morte do estudante Sady Castor e namorada Ágaba Medeiros, na cidade da Parahyba; passagem da Coluna Prestes pelos sertões e preparativos da Revolução de 30. No tocante à Coluna reserva o segundo capítulo para ressaltar a liderança do estudante José Thaumaturgo Borges, do Liceu Paraibano e Tiro de Guerra 165, no levante julho/agosto/setembro 2013 |

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de 5 de fevereiro de 1926, articulado pelos oficiais Serôa da Mota e Aristóteles de Sousa Dantas. LACERDA, Eulício Farias de. O Dia em que a Coluna Passou. Natal: Fundação José Augusto, 1952. Natural de Piancó, mas longamente radicado em Natal, reverteu para a ficção os acontecimentos de 9 de fevereiro de 1926 na terra natal. Seu estilo, singelo, aproxima-o mais de repórter que novelista. SANTOS, Juvandí de Sousa e SÁTIRO, Jardiel da Silva. A coluna Prestes: A Paraíba Armada. J. Pessoa: JPC, 2006. Apoiado em sólida bibliografia, sustenta a tese de que, em 1926, a Paraíba, dominada por coronéis, cangaceiros, jagunços e milicianos da PM, encontrava-se fortemente armada, ocorrendo nesse contexto a passagem da Coluna Miguel Costa – Prestes. Esta era enfatizada pelo governador João Suassuna para sacar dividendos políticos. CAVALCANTI, Rúbia Micheline Moreira. A Coluna Prestes em Piancó: Caso Padre Aristides. J. Pessoa: Imprell, 2004. Com prefácio do autorizado Josemir Camilo, representa monografia de final de curso de História, com as características do tipo. Apresenta capítulo sobre o “carismático” padre Aristides nas confrontações com os Leites. Relatório apresentado pelo Tenente-Coronel Comandante Geral da Força Pública ao Exmo. Sr. Dr. João Suassuna, Presidente do Estado – Subscrito pelo oficial PM Elísio Sobreira, esse documento, de 1926, relata a movimentação da Força Pública Paraibana em face das ameaças e penetração da Coluna Prestes em território paraibano. Vasado em linguagem sóbria, relaciona as providências políticas e militares adotadas. Reconhece, expressamente, que foram os batalhões patrióticos do coronelismo – e não a

Coluna, cuidadosa na requisição de víveres e mantimentos – quem saqueava as populações rurais. Em A Revolução Estatizada, José Octávio muito nele se apoiou. LUCENA, Damião. “Padre Aristides, Vida, Paixão e Morte. Uma mistura de drama e tragédia na história de Piancó” in Piancó em Revista, como publicação da Prefeitura Municipal de Piancó, na gestão do Prefeito Edvaldo Leite de Caldas s/d. Biografa em detalhes o padre Aristides Ferreira da Cruz, desde o nascimento em Pombal, estudos em Catolé do Rocha e Seminário do Crato, ordenação em 1901, na capital paraibana, em cujo seminário lecionou, e rápido vicariato no interior do Rio Grande do Norte. Auxiliar do arcebispo Dom Adauto foi por este designado vigário de Piancó em agosto de 1902, em substituição ao colega Abdon Melibeu. Ingressando na política por onde se tornaria deputado estadual, rompeu com o deputado federal Felizardo Leite, da oligarquia dos Leite, em 1913, sendo, porém, confirmado na chefia do município pelo Presidente Epitácio Pessoa, em 1922. Antes, fora suspenso de ordens por dom Adauto, devido ao relacionamento com a beata Quita. Reagindo, passou a viver maritalmente com esta de quem teve quatro filhos. Induzido pelo presidente João Suassuna a barrar a passagem da Coluna por Piancó, experimentou dúvidas atrozes quando inteirado do poderio dos atacantes. Decidindo-se pela resistência, lutou até as 15hs. de 9 de fevereiro quando se entregou com doze companheiros. Todos foram trucidados ao cabo de luta em que a Coluna também sofreu vários baixas. A reportagem de Piancó em Revista é correta mas, ao final, apela para o maniqueísmo, incriminando Luiz Carlos Prestes que nada teve a ver com o massacre. Alguns historiadores sustentam que, chegando uma hora depois ao teatro dos acontecimentos, o chefe do Estado Maior da Coluna, teria desautorizado a vingança e se empenhado para evitar, com Miguel Costa, a

repetição de fatos semelhantes durante o restante da marcha. NÓBREGA, Evandro. “Padre Aristides e Hostílio Gambarra (1)” in A União de João Pessoa, 17 de janeiro de 2010. Jornalista pertencente ao IHGP, Evandro Nóbrega decidiu-se por série de reportagens históricas, das quais a primeira aqui se assinala. No conjunto, a finalidade consiste em reabilitar a figura histórica do padre Aristides. Para tanto o autor recorreu ao depoimento de descendentes dos participantes da tragédia de 9 de fevereiro de 1926 e a livros que cobriram o tema. SA, Coriolano Dias de. Roteiro da Coluna Prestes. João Pessoa: Idéia, 2010. Embora sem novidades, evidencia técnica que o recomenda: para chegar à Paraíba perfila toda trajetória nacional da Coluna. No tocante à Paraíba apóia-se em Cordeiro de Farias para esclarecer os eventos de Piancó mas comete alguns deslizes. Nunca a Coluna que evitava o litoral, buscou aproximar-se de Campina Grande e da capital, nem suas baixas piancoenses elevaram-se a 30 ou 40 soldados, como afiançado por Cordeiro. MELO, Francisco de Assis. A Paraíba na Trilha da Coluna Prestes, mimeo, inédito. Técnico do Projeto Cooperar, entre 2003 e 2005, dedicou-se com intensidade à passagem da Coluna Prestes pela Paraíba. Para tanto, após recompor seu roteiro partiu para entrevistas, com os poucos remanescentes da época e descendentes. Com base nesse trabalho, reconstituiu traços antropológicos dos anos vinte como estradas, residências, culinária e folguedos que despontam em A Paraíba na Trilha. Como uma das maiores autoridades no assunto, Assis Melo não ficou nisso. Preparou documentário cinematográfico sobre o que viu e preparou-se para editar seu livro, com prefácio de José Octávio. Com ele, a Coluna Prestes ganha nova dimensão na Paraíba. g g

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LIVROS SILABÁRIO, Walter Galvão,Ideia, João Pessoa, 2013. O leitor entrará em contato com uma poesia que se arrisca. É ousada porque se abre sutilmente, ou talvez timidamente, aos ritos experimentalistas. Também é tradicional por se lambuzar contente nos sabores clássicos que os grandes mestres introduziram a modernidade. (Vasco Peixoto)

CENÁRIOS HISTÓRICOS E EDUCATIVOS, JucieneRicarte Apolinário (Org.), EDUEPB, Campina Grande, 2011. Os modos de fazera história apresentados nesta coletânea implicam em “cenários históricos e educativos” que traem diferentes temporalidades e espacialidades, assim como, abordagens e temas em que estão divididos nas perspectivas do “sertão, questão indígena e espaços de saber”. A obra insere-se no conjunto de estudos históricos pontuais e regionais que, nas últimas décadas, vêm ajudando a construir a pluralidade das histórias de temas, problemas e cenários múltiplos de nosso país. (Editorial)

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES ENTRE FONTES DOCUMENTAIS E PESQUISA HISTÓRICA, JucieneRicarte Apolinário e Antônio Clarindo B. de Souza (Orgs.), EDUEPB, Campina Grande, 2011. Os textos que fazem parte desta coletânea fazem parte de um leque de discussões sobre as escolhas do trabalho historiográfico nos últimos anos (situando-as, também¸ como escolhas políticas e inteerdiciplianres), de modo acompreenderos diferentes usos do passado pelos historiadores.

TURISMO, CULTURA E DESENVOLVIMENTO, Maria Dilma Simões Brasileiro, Júlio César C. Medina e

Luiz Neide Coriolano (Orgs.) EDUEPB, Campina Grande, 2012. As discussões sobre Turismo e Cultura Têm suscitado crescente interesse pela dinâmica dos processos que afetam ao desenvolvimento de regiões e lugares. O desafio posto pelos autores do livro é contribuir no debate teórico/conceitual para explicação do turismo e da cultura enquanto fenômeno e realidade empírica de forma a promover o desenvolvimento voltado ao ser humano e o aprofundamento das pesquisas nos diversos estados do Brasil. (Eduepb)

PAISAGENS HÍBRIDAS, JucieneRicarte Dantas (Org.), EDUEPB, Campina Grande, 2011. Esta obra traça uma reflexão sobre o uso das fontes no fazer histórico e a importância dos arquivos no cotidiano do historiador, configurando-se numa coletânea de textos os mais diversos, com enfoques teóricos e metodologias bem diferentes, mas cada um deles representa um convite saboroso para a leitura. (Eduepb)

ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA DA POLÍTICA, Elizabeth Christina de Andrade Lima, EDUEPB, Campina Grande,

2011. Os artigos que compõem este livro tentam trazer a política para o campo da cultura e construir uma ideia de política marcada e atravessada pelo cotidiano de práticas, nas quais se sobressaem os laços de fidelidade, de amizade, as adesões, o lugar social da mulher, a reatualização das rivalidades através das músicas de campanha e o uso de charges com mensagens subliminares a respeito da política, dos políticos e de suas práticas, esperando que tais fazeres, ao serem permeados e iluminados pela cultura, ofereçam novas e múltiplas formas de pensar as instituições e as práticas políticas. (Eduepb).

DESENVOLVIMENTO, Aspectos sociais, econômicos e político-criminais, Armando Albuquerque, Manoel Alexandre Cavalcante Belo, Rogério Magnus Varela Gonçalves e Rômulo Rhemo Palitot Braga (Orgs.), Juruá Editorial, Lisboa, 2012. A decisão institucional, somada ao esforço de um corpo de doutores integrantes do projeto de implantação do Curso de Mestrado em Direito [UNIPÊ], deu início a uma produção científica relevante, cujos resultados estão presentes na obra que agora se oferece à comunidade científica. Contando com a colaboração de professores que compõem o núcleo do projeto, bem como de colaboradores nacionais e estrangeiros, o livro dimensiona vários aspetos do processo de desenvolvimento, a partir de seus aspetos sociais, econômicos e político-criminais.

DIREITO, CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, Ana Luísa Celino Coutinho, Ana Paula Basso, Maria Áurea Baroni Ce-

cato, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa (Orgs.), Editora Conceito, Florianópolis, 2012. O título deste livro enuncia uma problemática fundamental de nosso tempo. Um tempo em que o Prêmio Nobel Amartya veio recordar ao mundo que desenvolvimento é “desenvolvimento como liberdade”. Isto é, falar de desenvolvimento não é falar de números, é falar de pessoas, é falar das pessoas como seres livres, é falar da libertação do homem de todas as servidões, é falar das pessoas enquanto cidadãos, senhores de si e construtores do seu futuro. (Antônio José Avelãs Nunes).

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ARTES PLÁSTICAS

FLÁVIO TAVARES:

ontem, hoje e sempre, o admirável ar tista Eudes Rocha*

Após receber inúmeros prêmios pelo seu sucesso nas artes plásticas e depois de ter sido recentemente honrado com o privilégio do convite oficial para pintar painéis para importantes instituições culturais do nosso Estado como a Estação Ciência e a Universidade Federal da Paraíba – Flávio Tavares foi admitido como membro da Academia Paraibana de Letras, aliás, o primeiro artista plástico a receber tal distinção na história daquele sodalício. Também antes disso, em 2005, um volumoso e expressivo livro sobre sua obra foi publicado o que levou “meia Paraíba” ao seu lançamento e a obra esgotou-se em menos de um ano. Para entendermos melhor esta verdadeira saga que é o entrelaçamento entre a vida e obra de F. Tavares, será preciso acompanharmos, com detalhes, a sua trajetória, desde as suas primeiras manifestações artísticas, seus mestres e mentores, as influências, as variações estilísticas e técnicas por ele exploradas, até chegarmos aos dias atuais onde o artista, já aos 63 anos de idade e quase 48 de efetivo exercício das artes plásticas, construiu um riquíssimo vocabulário imagético para continuar nos brindando com suas maravilhosas obras, todas elas frutos do seu inesgotável potencial criativo a serviço da arte. No ensejo, além de tecer comentários críticos sobre a obra de Tavares, me darei o luxo de registrar fatos e tópicos que conheço, ou porque testemunhei ou porque descobri através de pesquisas e depoimentos das mais diversas pessoas que “gravitaram em sua órbita”, o que, certamente, servirá de memória para melhor e maior entendimento do perfil deste singular artista. “Certos pintores transformam o sol num ponto amarelo; outros transformam o ponto amarelo em sol”. (Pablo Picasso) Criado numa família de seis irmãos, Flávio Roberto Tavares de Melo (nome artístico: FLÁVIO TAVARES) nasceu em João Pessoa-PB, aos 15 de fevereiro de 1950. O menino Flávio logo manifestou pendor artístico, segundo depoimento do renomado poeta e seu amigo de infância Sérgio de Castro Pinto. Quando ele tinha oito ou nove anos de idade, já se exercitava com pedaços de carvão vegetal, desenhando sobre o chão e sobre as paredes dos

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muros de sua rua as imagens que lhe vinham à cabeça e que queria representar. Mas, o seu aprendizado formal começaria a partir de 1962, quando passou a frequentar curso de pintura, ainda no Colégio Marista Pio X, onde fazia a sua formação escolar. Continuou o aprendizado no Setor de Arte da UFPB (COEX) para, entre os 15 e 16 anos tomar lições com o seu pai, Dr. Arnaldo Tavares que, além de conceituado médico era exímio desenhista e de quem Flávio aprenderia as linhas mestras da técnica do bico-de-pena, de desenho em geral e de representação da paisagem,sendo que essas duas últimas seriam aprimoradas quando freqüentava o curso de Pintura estética do Professor Hermano José, laureado artista paraibano, entre 1969 e 1972; na pintura, o artista ainda guardaria a matriz primitivista que o acompanha até o presente, pois, mesmo nos dias atuais quando, na pintura, já domina uma técnica mais requintada com características acadêmicas, de vez em

quando ele revisita aquela fase dos anos 1960 e, conscientemente ou não, o faz com a mesma naturalidade do início de sua carreira artística, usando uma “caligrafia” quase idêntica à daquela época. Dividido entre a formação universitária e o trabalho como artista profissional, Flávio abandonaria o Curso de Sociologia na Universidade Federal da Paraíba para mergulhar “de cabeça” no universo das artes plásticas com uma trajetória rica e fascinante em que explora a pintura, a aquarela, o desenho à bico-de-pena, o pincel seco, o pastel, a sanguínea, além da gravura em metal e a litografia e, esporadicamente, incursiona pela escultura sobre pedra ou sobre madeira, mostrando-se um artista versátil, curioso e pródigo em sua produção. Mas, será sobremodo na pintura e no desenho que o artista se destacará. Já em 1976 ele lança o Álbum “O Pavão sem Mistério” (bico de pena) em João Pessoa, Recife e São Paulo – com texto de apresentação do ilustre cartunista Ziraldo e, seguidamente, em 1978 ocorre o lançamento de mais um álbum de desenhos à bico de pena, este último intitulado “O Circo Vem Aí” (imagens 1 e 2), no Paço das Artes, também em São Paulo. Mas a pintura, apesar de ter sido logo exibida em importantes espaços do Rio de Janeiro (Galeria Celina e Galeria Studius), o seu début no cenário internacional seria na Universidade de Yale (EUA) em 1977, onde, além de expor seus trabalhos, o artista teria ocasião de ministrar curso de pintura para alunos daquela instituição e para os da universidade de Connecticut e de Simon Rock College, onde também expôs suas obras. A Europa só lhe abriria as portas em 1981 quando, por intermédio do casal Jürgen e Maria do Carmo Vogt, ela paraibana e Presidente do Centro Cultural Teuto-Brasileiro em Berlim,Alemanha, F. Tavares iria exibir suas pinturas e desenhos na Galeria Niebuhr, com texto crítico da Curadora Karoline Müller, e onde conseguiria um bom retorno de público e de vendas. Daí em diante outras mostras viriam e o artista conseguiria formar na Alemanha um grupo de colecionadores de suas obras onde se destacaria o Sr. Stahl. Outras mostras se sucederiam naquele país e em 1990 Tavares realizou uma importante Mostra Individual na Laden


Galerie, também de Berlim (imagem 6). Dois anos depois foi a vez de expor em Hamburgo e, em 1994, em Potsdam. Dez anos se passaram e Flávio só voltaria a expor em terras germânicas em 2004 quando ocupou a Galeria da Embaixada do Brasil em Berlim com uma exposição intitulada Fantasias dos Trópicos (imagem 7). Flávio incursionou também pelo mercado francês tendo exposto desenhos e pinturas em Paris (Galerie François Mansart); em Grenoble, Lion e em Marselha. Desde rapazote Flávio admirava os Muralistas Mexicanos: Orozco, Siqueiros, Diego Rivera e Rufino Tamayo - todos eles passaram por sua imaginação - e eis que já em 1970 produziu o painel de azulejos da fachada lateral da Clínica São Camilo, no centro de João Pessoa e não ficaria por aí; a vontade de soltar a pincelada num gestual maior, sobre uma superfície mais ampla e com figuras e cenários de grandes dimensões, segue-se à razão de, pelo menos, um painel a cada dois anos e sobre os mais diversos suportes, do azulejo à tela, da cerâmica esmaltada ao eucatex. Houve ocasião em que teve até que morar, por cerca de um mês, em Patos, no sertão paraibano, a fim de produzir o painel encomendado para o Fórum Miguel Sátyro, em 1973, quando, inspirado numa antiga e triste história ocorrida naquela cidade, Flávio produziu e batizou a obra de A Cruz da Menina. Por essa época, ilustrou com quatorze expressivas gravuras, além da capa, o romance Festa de Setembro, do então advogado e professor universitário Flávio Sátiro Fernandes, lançado em 1974 . (Imagens 3,4 e 5) Em 1998 seria a vez do Tribunal de Justiça da Paraíba encomendar mais um painel, desta feita para o Fórum Afonso Campos, de Campina Grande ao qual intitularia de “O Julgamento”. Vale salientar que, em cada uma dessas obras, o artista insere o tema inerente à encomenda, mas cria livremente e com os personagens de sua imaginação, os cenários mais interessantes, originais e com predominância de personagens populares ou da nossa tradição cultural, incluindo, o mais das vezes, elementos folclóricos ou da religiosidade do nosso povo, o que, de certa Imagem 3

forma, revela a sua antiga e imorredoura admiração pelo tema da pintura mural que o conquistou desde a adolescência. E nisso fez muito bem pois já disse o lendário Léon Tolstoi: Se queres ser universal canta tua aldeia! No que concerne a Flávio acredito que nessa linha de entendimento o seu exemplo mais recuado é o painel que produziu para a Secretaria de Finanças do Governo do Estado da Paraíba (Secretaria de Finanças), em 1974, pintura a óleo sobre madeira medindo 110 x 246 cm, onde elementos como bonecas de pano, ex-votos, boi-bumbá, além de tocadores de viola e vaqueiros, são inseridos na composição ao lado de colhedores de algodão e de abacaxi, vendedores de potes de barro, pescadores e feirantes numa fusão bastante pertinente e expressiva (imagem 8). Outro painel que carrega bem a expressão do homem do campo e, porque não dizer, do”matuto”, na sua composição, é um mais recente, produzido para a Escola de Música da UFPB, Campus I, em 2012. Mas, há painéis onde F. Tavares mistura perfeitamente bem a proposta de contar uma história local com os seus personagens mais notórios, acrescentando uma pitada de surreal, de realismo fantástico, como é o caso, dentre outros, da pintura produzida em 2002 para a Prefeitura Municipal de João Pessoa (imagem 9) e cuja imagem escolheríamos depois para ilustrar a capa do livro sobre a obra desse artista, em 2005. Este painel tem como imagem de fundo o pátio interno do Convento de Santo Antônio, na Igreja de São Francisco, da capital paraibana. Ao centro, Flávio se auto retrata pintando a própria cena do painel encomendado, criando destarte uma curiosa representação de metalinguagem. Mas a composição prossegue e nesta tela percebemos uma imensa gama de personagens, uns com conotações religiosas, alguns musicistas, magos, feirantes e animais, bem como cenas profanas e outras surrealistas como uma mulher nua dormindo sobre uma imensa folha de uma planta imaginária, trapezistas de circo em pleno vôo e até “cavaleiros do apocalipse” sobrevoando a cena em seus Imagem 4

cavalos alados. Há os personagens definidos e nítidos enquanto forma e expressão bem como aqueles que, além de figuração funcionam como platéia desse espetáculo e que são quase tragados pela pouca luz que os abriga mas que, de tão instigantes, o nosso olhar se esforça em percebê-lo ao sabor da nossa vontade e imaginação. Lembro-me nitidamente que ao concluir essa obra Flávio, de tal maneira se “apaixonou” por essa criação que ao final já não queria dela desfazer-se ... mas, prevaleceu a razão. Outro intrigante painel é aquele batizado A Pedra do Reino (acervo da Fundação Espaço Cultural José Lins do Rego, em J. Pessoa), pintado em parceria com o também paraibano Sérgio Lucena e em cujo cenário medieval misturam-se imagens fantásticas, criando um rico universo de elementos que fascinam o espectador (imagem 10). A riqueza de personagens e elementos em geral é surpreendente e ali vemos corcundas, guerreiros montados em animais quiméricos, cenas de mortos sendo transportados em redes como se fazia no século XIX, no Nordeste brasileiro. Há ainda tendas, cavernas e palácios, procissões e cavaleiros andantes além de aves fantásticas, tudo resultando numa instigante Babel que ora lembra o mundo de Antônio Conselheiro, ora lembra o universo das telas do medieval pintor flamengo Hierônimus Bosch – tendo inclusive tal obra merecido texto crítico com esses mesmos argumentos, do Dr. Arnaldo Tavares, pai de Flávio. O retrato seria o gênero bissexto de seu interesse muito embora o tenha experimentado desde os 18 anos quando, com pastel à óleo, autorretratou-se (imagem 11). Cinco anos depois (1973) pintaria o retrato de Rejane Medeiros (imagem 12), para o Filme Fogo Morto e, somente após mais de dez anos viria a pintar um novo retrato, desta feita o retrato de Rita e ainda um retrato de Dª Otaviana (sua genitora). Mas, é a atração pelo mágico, pelo misterioso e pelo surreal que vai guiar a ilustração das suas telas, sempre contando estórias ou criando as situações mais inusitadas, despertando no públiImagem 5

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co um irresistível magnetismo e um eletrizante interesse. A sensualidade também está presente de maneira bastante pontual em sua obra. Belas e voluptuosas mulheres povoam com frequência as telas e os desenhos de Tavares que ora mistura essas lindas fêmeas com felinos em ambientes misteriosos ora as representa em cenários com um toque selvagem ou circense (v. imagem da capa desta revista). Em 2005 Flávio veria realizar-se um antigo sonho – a publicação com direito a um ruidoso lançamento de volumoso livro sobre sua produção artística intitulado Flávio Tavares – Obras Escolhidas, fruto da nossa pesquisa e organização. Vale salientar que o nosso trabalho, com fichamento técnico de mais de 300 obras entre desenhos, aquarelas, bicos de pena, litografias, pinturas e esculturas (de coleções particulares, públicas e do próprio acervo do artista) extrapolou, em muito, o que era possível incluir naquele livro mas longe de ser um problema diríamos que é um sinal positivo porque assim não só o artista tem como localizar suas obras mas outrossim tal pesquisa enseja maiores e mais amplas possibilidades de estudo e análise das obras deste criativo e talentoso Mestre. Para Flávio Tavares, o ano de 2008 seria marcado pela produção de um enorme painel que a Prefeitura de João Pessoa encomendaria para ocupar o hall de entrada de um dos edifícios do conjunto arquitetônico da nossa Estação Cabo Branco, Ciências, Cultura e Artes (Projeto do notório arquiteto Oscar Niemeyer ) obra essa que o artista intitulou de O Reinado do Sol – uma alegoria à fundação da nossa Capital, onde ilustra índios, personagens da nossa história mais antiga e da contemporânea; nele, prédios antigos e mais recentes se misturam numa atmosfera que oscila entre o realismo e o fantástico. Aliás, o surrealismo e as imagens de um universo fantástico povoam as obras de Tavares desde sua juventude; a alegoria também é um elemento coadjuvante e podemos vê-la desde o Painel de Azulejos que se encontra na parede oeste do prédio da antiga Clínica São Camilo (imagem 13), em João Pessoa, ao painel do hall do Palácio da Assembléia Legislativa da Paraíba e há ainda um outro, este intitulado Canteiros da Imagem 8

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Memória II (imagem 14), de 1992, em que mais uma vez o artista engendra uma situação entre surrealista e cômica em que um par de recém-casados quase que se esconde sob os lençóis diante da aparição de uma ninfa que, saindo de um caracol gigante, sobrevoa a cama dos noivos. Pesquisando a trajetória artística de Flávio Tavares nos deparamos com fatos curiosos relativos ao mercado de arte na Paraíba. Já aos dez anos de idade Flávio pintava e desenhava como um profissional mas só expunha na Galeria do Setor de Arte da UFPB porque na Paraíba ainda não havia galerias comerciais. Reza a lenda que por essa época, quando contava onze ou doze anos de idade (1961 ou 1962), Flávio teria sido convidado e aceitado expor na sala de visitas da casa do Maestro Pedro Santos mas a exposição só durou algumas horas pois na mesma noite do vernissage todas as obras ali expostas haviam sido vendidas e leImagem 9

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vadas pelos seus respectivos compradores, isso porque o público local ainda não tinha o hábito das exposições de galerias comerciais onde se adquire uma obra durante uma mostra mas ela só é retirada depois do último dia da exposição, geralmente quinze a vinte dias após a abertura (imagem 15). Eis que, no ano 1970 surgiria em João Pessoa, a nossa primeira galeria comercial que se chamava Janelas Verdes – nesse espaço importantes artistas paraibanos exporiam. Além das de Flávio (em 1972), seriam exibidas obras de João Câmara, Ivan Freitas, Roberto Lúcio e vários outros. Depois veríamos surgir, em 1977, a Galeria Batik (De Conceição Serra e Madalena Záccara) que também venderia obras de F. Tavares, Miguel dos Santos, Régis Cavalcanti, José Altino e outros, mas que em 1979 fecharia suas portas. A Galeria Gamela surgiria então em 1980 onde Flávio passaria a ser um dos cinco mais prestigiados artistas dentre os expositores paraibanos, ao lado de Miguel dos Santos, Fred Svendsen, Alberto Lacet e Clóvis Júnior. Apesar de ter mudado de endereço, do centro da cidade para o bairro de Tambaú, a Gamela permanece firme no comércio de arte mesmo diante das várias adversidades da economia brasileira ao longo desses mais de 30 anos de atividades, inclusive promovendo cursos teóricos e práticos na área de artes visuais. Ao longo dessas três décadas outras galerias viriam e iriam com a mesma velocidade, mas recentemente algumas persistem no mercado e, quem sabe, proximamente serão dignas de menção em futuros textos. Concluo com o juízo que o crítico de arte Walmir Ayala faz do pintor: Flávio Tavares é sobretudo, um pintor muito bem caracterizado dentro de uma escola de pintura brasileira que floresce na região Nordeste, com apego à fantasia, ao engrandecimento das formas, ao contorno preciso e definidor da imagem, à fixação do volume, aos conceitos aventurosos e mágicos do fabulário popular. (1970) Flávio Tavares : A paixão pelo fantástico* Conheço a obra de Flávio Tavares há


cerca de 30 anos e desde então venho acompanhando suas mostras de pintura, desenho e gravura,percebendo que seu vocabulário imagético é praticamente inesgotável. . Sempre explorando temas que envolvem a dualidade da vida,ele oscila entre o humor e a tragédia, o sagrado e o profano,o real e o fantástico. Na pintura,Flávio incursiona pelos universos mais variados, indo das cenas cavalheirescas da Idade Média,passando por ambientes renascentistas,barrocos,até cenas do nosso cotidiano,na cidade ou no campo. Certa vez expondo em Grenoble (França), uma jornalista local observou que “ em suas pinturas a mulher era ilustrada como figura dominante, enquanto o homem, representado com estatura bem menor,parecia sempre à mercê das decisões da companheira”,abordagem que considero bastante pertinente pois,é como se, de alguma maneira, Flávio quisesse mostrar que,apesar da figura masculina, parecer mais forte e com espírito de comando, na intimidade o homem escuda-se na coragem e na liderança de sua parceira. Aliás, em minhas pesquisas sobre o conjunto de sua obra constatei, entre outras peculiaridades, que no chamado parentesco iconográfico, na inconsciente semelhança de alguns dos seus personagens, havia expressivo número de telas em que situações idênticas a essa foram produzidas pelo artista, nas mais diversas épocas. Cenas do mundo oriental também são constantes em sua obra, notadamente de Israel, talvez resultantes de uma memória do breve período em que morou naquele país.Mas é a atração pelo mágico, pelo misterioso e pelo surreal que vai guiar a ilustração das suas telas,sempre contando estórias ou criando as situações mais inusitadas,despertando no público um irresistível magnetismo e um eletrizante interesse. Já os desenhos, notadamente aqueles à bico-de-pena ou pincel seco , graças à rara habilidade do artista,são produzidos em números astronômicos a cada ano. Lembro-me que,certa vez, ainda nos anos 1980, havíamos conversado longamente ao telefone durante a noite e, no dia seguinte, por acaso fui visitar seu ateliê e ele me presenteou um caderno com 16 desenhos à bico-de-pena e na dedicatória me contava que esse bloco estava à sua frente enquanto me telefonava e que os desenhos foram produzidos ao longo daquela conversação noturna. Mas é na charge que o Flávio humorista revela-se, seja ela de caráter político, de crítica social ou de costumes,seu traço é refinado e sua verve é de uma perspicácia ímpar. Os álbuns O Circo Vem Aí e O Pavão Sem Mistério são fortes testemunhos disso, tanto que mereceram farto elogio da crítica, inclusive uma do célebre cartunista Ziraldo, ainda no anos de 1970. Flávio Tavares nunca temeu desafios e sempre aceitou os pedidos e encomendas mais temerários e complexos, como a pintura de cenários para peças teatrais, estandartes para

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blocos de carnaval, logomarcas para programas de governo... Sua versatilidade leva-o a conceber desde pequenos desenhos e vinhetas para ilustrar livros de poesia, contos,romances e tantos outros gêneros, até o extremo de pintar enormes painéis como os que se encontram nos fórum judiciários da capital e interior da Paraíba. Mas,é no painel para o prédio da administração da Estação Cabo Branco (2008) que Tavares vai se superar, elaborando um pintura sobre tela de proporções gigantescas, em que com pródigos recursos pictóricos e infinita criatividade ilustra,de maneira alegórica, a fundação da antiga cidade de Nossa Senhora das Neves. É interessante notar que o artista,de maneira bastante engenhosa, consegue amarrar toda uma gama de cenas já criadas e exibidas em cinco ou seis painéis de sua autoria,elaborados anteriormente em diversas oportunidades, conseguindo daí um resultado surpreendente e ,se é verdade que as obras de um artista são para ele consideradas como filhos, podemos dizer que Flávio conseguiu ali reunir boa parte de sua vasta família, para a fruição dos olhos e deleite das almas. O texto A Paixão pelo Fantástico,de minha autoria, foi produzido por encomenda da Prefeitura de João Pessoa (FUNJOPE),em 2010, para integrar o volume 4 do Projeto João Pessoas. Dissertar sobre vida e obra de F. Tavares é sempre tarefa gratificante pois sendo ele um artista multifacetado ,com uma vasta produção e uma vida rica de eventos, viagens e experiências pelo mundo afora ,isso nos permite, se quisermos, dividir por tópicos, estilos, técnicas e fases,etc. escrevendo sobre cada um deles detidamente e isso certamente resultaria num verdadeiro compêndio mas aqui nos propusemos apenas apresentar um panorama em que o leitor pudesse apreciar cada parágrafo, cada página e cada imagem como um despretensioso ensaio biográfico, absorvendo cada episódio, cada informação e apreciando cada obra com interesse e prazer. g julho/agosto/setembro 2013 |

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HISTORIOGRAFIA

DUAS VALOROSAS MULHERES (*) Renato César Carneiro

Registro a honra de, neste momento, passar a ocupar a cadeira n. 34 do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, que tem como patrona, a romancista Maria Ignez Marques Mariz e como fundadora, a professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus. Tenho com as obras de ambas, várias identificações. De Ignez Mariz, oriunda de Sousa, guardo as mesmas impressões da terra seca, maltratada não apenas pela ausência de chuvas, mas principalmente, pela falta de sensibilidade de governantes que só enxergam o sertão nordestino como curral eleitoral. Na sua obra mais conhecida, o romance regionalista intitulado A BARRAGEM, Ignez Mariz retrata a história de uma família de retirantes nordestinos que, em razão da seca de 32, vai trabalhar na construção de mais um dos mananciais de água, construídos naquela década. Assim como A BAGACEIRA, de autoria de José Américo de Almeida, A BARRAGEM, de Ignez Mariz, se insere no romance regionalista brasileiro. Aliás, ressalta aos olhos que a primeira obra serve de base literária para a segunda. Em vinte e seis capítulos de seu romance, Ignez Mariz, à moda de José Américo, em A BAGACEIRA, faz uma análise sociológica do homem e o seu meio, especificamente o sertanejo de São Gonçalo, espaço geográfico em torno do qual gira o enredo. A obra regionalista, que foi bem aceita no meio intelectual da época, também é um registro historiográfico de São Gonçalo, localizado a dezoito quilômetros da cidade de Sousa. Como

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toda

produção

regionalista,

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o romance A BARRAGEM apresenta as mesmas características daquele gênero literário, quais sejam, conteúdo sociológico, temática social, linguagem despojada e mais voltada para os aspectos orais, caráter de denúncia e descrição das personagens associadas ao seu meio social. No que mais me interessa, destaco o capítulo XIX do aludido romance, em que a escritora Ignez Mariz relata a chegada de uma caravana política no acampamento do Instituto Federal de Obras Contra as Secas/IFOCS, em Sousa. Duas facções – os “Bacuraus e os Urucubacas” - bem ao estilo coronelista da época, disputavam o poder político local. Todavia, quase toda a massa de trabalhadores de São Gonçalo, composta

de analfabetos, não votava, o que levou os caravaneiros a desistirem de prosseguir com a campanha eleitoral e resolverem partir daquele lugar. Passada a eleição, um dos personagens, Dr. Otto Muniz, tenta convencer os cassacos analfabetos a mandar os filhos para a escola, para aprenderem a ler. O discurso do Dr. Muniz é sedutor, conforme trecho, que destaco: No Nordeste, a região mais brasileira do Brasil, nós não carecemos somente dágua. Precisamos igualmente de livros. Livros! A intenção de manter aqueles potenciais eleitores no cabresto era bastante evidente nas palavras do chefe político!


Em A BAGACEIRA ELEITORAL – A História do Voto na Parahyba (De 1930 a 1965), procurei também estabelecer a relação promíscua entre o fenômeno das secas e as eleições no interior nordestino. Em sua obra, Ignez Mariz reproduz fatos históricos da época, associados à cidade de Sousa, a exemplo do grito de rebeldia que aquele bravo povo deu quando da desativação do IFOCS, durante o Governo de Artur Bernardes. A partir da ameaça iminente e sabedores de que o material da construção dos açudes seria levado de São Gonçalo, “Bacuraus” e “Urucubacas” puseram as divergências políticas de lado e, pela primeira vez, se uniram em torno de um interesse comum. Pois bem. Seguidores das duas facções políticas dirigiram-se à estação da estrada de ferro e, aproveitando a escuridão da noite, “tomaram à unha”, dos enviados do IFOCS, o maquinismo da construção da barragem de São Gonçalo. Em A BARRAGEM, Ignez Mariz ressalta ainda a importância do ministro José Américo de Almeida à frente do Ministério da Viação e Obras. Na página 321, está escrito: João Pessoa matou o cangaceirismo

na Paraíba. José Américo de Almeida desprestigiou a Seca. Os dois males piores que minavam a nossa economia desapareceram. De igual modo, em A BAGACEIRA ELEITORAL, também destaquei a trajetória de O SOLITÁRIO DE TAMBAÚ no Ministério da Viação e Obras, às vezes, usando a poesia popular como recurso de linguagem, a exemplo do decassílabo recitado por um dos irmãos Batista, Dimas, o qual cito:

De trinta a seca inconstante Não há quem mágoas não sinta Trinta e um foi como trinta Trinta e dois mais torturante enquanto o sol causticante fazia fogo no chão, apareceu um cristão apagando a labareda José Américo de Almeida o salvador do sertão.

Quanto à professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus, a sua principal obra também me serve de inspiração. Além de densa e com boa repercussão no meio acadêmico paraibano, A HISTÓRIA DA PARAÍBA EM SALA DE AULA, impresso pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado e A UNIÃO EDITORA, foi adotada pela rede

estadual de ensino e já se encontra na sua 3ª edição, que data de junho de 2003. Nas 291 páginas da aludida obra, a autora analisou com profundidade os mais importantes temas e personalidades que formam a história da Parahyba. A originalidade da obra está na metodologia empregada. Antes mesmo de conhecer esse trabalho, eu já buscava uma forma fácil de ensinar Direito Eleitoral aos meus alunos. A publicação de CABRESTO, CURRAL E PEIA e A BAGACEIRA ELEITORAL foram duas tentativas de lecionar aquela área específica da Ciência do Direito a partir do conhecimento da realidade da história político-eleitoral da Paraíba. Mas a tarefa ainda está inacabada. Talvez com a publicação de VINTE LIÇÕES DE DIREITO ELEITORAL, cuja pesquisa ainda está em andamento, irei alcançar o que a Professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus já conseguiu com a sua HISTÓRIA DA PARAHYBA EM SALA DE AULA. g (*) Excerto do discurso de posse na Cadeira nº 34, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no dia 1º de junho de 2013.

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POESIA CINCO POEMAS DE WALTER GALVÃO

Carma de panfletário

Identidade

Afaga o monstro o bardo no poema preso à sina amarga pena.

Meu corpo este palco impuro é um pouco do que so escuro sol um só a mil um par do outro.

Afoga o bardo Em veneno O poema-bazar Véu insano

Meu palco é este corpo só mil sóis em um ser ao som da vida veloz.

O bardo do veneno Amargaa sina No ódio a beber Contentamento

Geracional

Há baleia no Tâmisa

Eu potiguara sonho em cherokee umpanapaná no espelho da manhã de napalm do Vietnã.

Transborda a luz de carne

Eu nambiquara mastigo o meu hambúrguer em Tambaú de sandália japonesa estou pronto no ponto de ônibus enquanto a cai a noite sem neon. Eu fóssil vivo sem cartão de crédito sombra na porta do restaurante a quilo múltiplo a sós fúria desativada quintobeatle sem som.

A baleia no Tâmisa Harmonia perfurou o rio. Bramia. Um frio som de mar A morrer

Eternitas Para Chico César

A palavra em mim escapou besta no cio Sim, rumo, voo não sei mais quem sou. Morro enfim para mais e mais voltar.

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TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA

O SELO DA PERPETUIDADE (*) José Américo de Almeida

O que outros pretenderam fazer há 70 anos passados, como primeira e única tentativa, até hoje, de fundação de uma Universidade da Paraíba, fazemos, nesta solenidade, coroando um trabalho conjunto. Não é um luxo, uma decoração, uma falsa exterioridade do nosso progresso cultural, mas um movimento consciente que reconhece suas falhas e o vulto da responsabilidade avocada. Sabe que pode malograr-se, podendo evitar, assim, mais facilmente, o malogro. Vieram as Faculdades num ritmo revolucionário. Esses primeiros passos foram vitoriosos, obtendo o reconhecimento oficial pelo equilíbrio com que se conduziram. Isoladas, dominaram o pessimismo que descria dessas iniciativas: agora, com a fusão dos valores, terão mais segurança de vencer. Oferece a cidade seu ar acolhedor, mais vegetal do que urbano, para a vida do espírito. O clima suave, sem temperaturas extremas que deprimem e estorvam o trabalho mental, e um ambiente discreto em que o estudante se sente melhor na escola do que na rua, melhor no seu quarto de estudo do que no torvelinho social. É ainda a província, com seus silêncios fecundos e nomes que só se tornam ruidosos em plena glória ou no arranjo de outras esferas. A cúpula será a unidade com sentido próprio, acima de todas as diferenciações, em lugar do pensamento fragmentário que anula o que há de mais significativo para as interpretações coletivas: as características de um povo. Não direi que já constituís, senhores professores, uma galeria de mestres consumados, que representais a elite necessária para poder formar elites, o principal papel de uma autêntica Universidade, forja das civilizações que se organizam e renovam.

Tem sido a nossa cátedra rica de revelações. Encontram-se entre os professores dos cursos superiores figuras de estudiosos que podem rivalizar com expressões consagradas de outros centros de ensino. E minha esperança é, além do vigor intelectual, na força do caráter, o regulador da conduta em todas as manifestações da personalidade. Tenho fé que honrareis a mais alta dignidade, além da judicatura, de que a inteligência pode ser investida, menos por amor próprio, do que por um dever profissional tão exigente. Nenhum – estou certo – se disporá a fazer triste figura, decepcionando a mocidade que já não perdoa os ais velhos. Cada qual zelará por sua reputação, posta em prova, da maneira mais ostensiva e arriscada, nas lições e nos exames que se transformam, não raro, em imprevistos debates. Não é a assiduidade, o exemplo de cima para baixo, que esmaga a quem não o imita, mas a demonstração de proficiência perante aqueles que inda acreditam em respostas de oráculos. Se os alunos não estudarem, estudarão os professores – disse eu, certo dia, em tom de intimidade, rebatendo o ceticismo que se opunha à multiplicação de nossas Escolas. E, de fato, atiraram-se todos aos livros, abeberando-se em mananciais de que antes não dispunham, nas bibliotecas especializadas de cada estabelecimento. Era uma obrigação moral fácil de satisfazer por talentos já disciplinados por uma base científica. O que mais importa não é a alta cultura, ornamento das inteligências mais privilegiadas. Antes de um grande saber, já possuíam quase todos o requisito essencial para ser um bom professor: a experiência. A prática que só se alcança estudando. Uns emergiram dos autos, familiarizados com os segredos forenses; outros traziam o cheiro de sangue e de

remédio dos hospitais impregnado na própria natureza; esses tinham as mãos calejadas pelo uso dos instrumentos da técnica; aqueles sentiam os ouvidos atordoados pelas máquinas dos escritórios e a cabeça pejada de cifras; aqueles outros encantavam-se com os sorrisos salvos pela sua ciência e sua arte. Vamos fazer desta Universidade uma criação nossa, sem renunciar à experiência dos melhores modelos e sem esquecer o caminho da nossa velha metrópole, as raízes que ainda florescem na terra de nossa formação: a Faculdade de Direito do Recife. Poderá ser, desse modo, simples e modesta, porém realista e eficiente. Não terá o estudante a cabeça fatigada por uma matéria abstrusa, recheada de uma substância que se esteriliza e cria o vácuo. Será elaborada, antes de tudo, a consciência profissional. O aluno aprenderá aquilo que irá fazer; será preparado, cuidadosamente, para sua missão. Como meio de evitar os erros iniciais que desencantam e desesperam, uma experiência acidentada, uma aprendizagem que, sem detrimento das teorias, valorize os conhecimentos de aplicação imediata e oriente a maneira de proceder e a maneira de agir. A ciência evolui com as suas novas exigências, mas basta a visão geral para se operar num campo iluminado, sem o risco de se ofuscar e sem perder a noção do real, o tato das faculdades mais precisas. Bastará passar por cima das digressões copiosas, deixar de dar importância ao supérfluo, até que outra organização do ensino, tão esperada, elimine as excrescências. Assim será colhida a verdade à luz solar e não dentro dos nevoeiros. Mais valem o olho clínico, o faro jurídico, o instinto divinatório de todas as profissões, dentro das enfermarias, do fórum, das oficinas, do que obstruir inteligências com a invasão de teses ainda não cristalizadas. julho/agosto/setembro 2013 |

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Cumpre, entretanto, preparar o especialista e instalar o laboratório, orientando, dessarte, o trabalho cotidiano e criando a eventualidade das pesquisas. Os cursos não serão, dessa forma, anos estéreis de energias perdidas. Não estou sugerindo normas. Limito-me a reproduzir uma aspiração expressa pelas autoridades mais responsáveis da pedagogia moderna. Já é assim que procedeis, com lições insinuantes e diretas, sabendo que a melhor forma de fazer é ver fazer. Perdoai-me a franqueza – tendes de continuar a convocar elementos de fora, do país ou do estrangeiro, portadores de métodos mais atuais, até que se complete a nossa equipe em todas as especialidades. Sem esse concurso que os povos mais evoluídos costumam atrair só chegaríamos à perfeição se pudéssemos fazer milagres. Temos que suprir nossas deficiências com o material humano de que há seletos estoques nos países já saturados por seus centros de preparação técnica. Há um intercâmbio em todo o mundo de professores e estudantes. Não irei exagerar sua função, mas confio que nesses moldes, esta nossa Universidade não será, simplesmente, uma fábrica de doutores. Será a semeadora. Exercerá sua missão de coordenadora de estudos e ideias sem artifícios inúteis. Quero repisar: ensinará o que necessitamos saber para ajudar a viver. A Universidade é chamada também a “Alma Mater da Pátria”. Esperamos que

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se cultivará o exercício das virtudes eternas que dignificam os povos. Será, a par de um foco de irradiação espiritual, um núcleo de renovação cívica, deixando de seguir o exemplo das antigas universidades, isoladas no seu tempo, estranhas aos princípios e aos sentimentos mais atuantes, cegas e surdas na sua sabedoria solitária. Não será um museu de teorias caducas, senão a ressonância de nossas realidades mais ativas. Instrumento de uma evolução racional, será a movimentação de um progresso equilibrado, um consórcio da ciência e da técnica. Ensinará a pensar, associando o espiritual ao material, conciliando o pensamento com as atividades úteis, contribuindo, enfim, para formar uma civilização de trabalho organizado. Enriquecerá a inteligência para facilitar o discernimento dos fenômenos sociais, para não se andar no escuro, desconhecendo a própria sombra. Para se modelar uma personalidade dos remanescentes das tradições mais puras e do espírito moderno. Captando esses reflexos para uma revisão salvadora, nesta hora de perplexidades, que pode ser um processo de transição, mas pode ser também um caminho errado. A inteligência acionando a ação, valorizando a vida individual e elevando o nível coletivo. Como temos imaginação, só pensamos em grandes oradores. Não se pode ser um grande orador apenas com esse

dom, sem a substância que se adquire no estudo e na meditação. Como não se pode ser um grande democrata sem a concepção das teorias e dos problemas do Estado, sob pena de não passar de um demagogo ou de um mercador eleitoral. Também não se será um grande advogado sem esse lastro. A eloquência forense, em lugar da dialética, não passa de sofisma e chicana, ludibriando a justiça. Zelai pela vossa autonomia, isenta de subordinação política, só fiel à democracia, nas suas relações e nos seus movimentos. Incutí a coragem de pensamento, os grandes sonhos que poderão realizar-se, um patriotismo mais sólido e mais são, o entusiasmo criador, a paz entre os homens, a fé em Deus e a assistência a todas as necessidades e sofrimentos causados pela iniquidade social. Formai escola no plano cultural e no plano moral. Cada geração que preparardes será portadora desse cabedal, gerando-se, afinal, outro estado dalma e outra consciência pública. Reconhecendo essa repercussão nos nossos novos destinos, o Estado vos doará a área necessária para a construção da Cidade Universitária. Outros vos darão asas; eu vos dou as raízes. Dou o selo da perpetuidade. g (*) Discurso pronunciado na solenidade de instalação da Universidade da Paraíba, criada pela Lei Estadual nº 1.336, de 2 de dezembro de 1955.


HOMENAGEM

O CENTENÁRIO DE UM LÍDER Equipe GÊNIUS

A cidade de Patos comemorou em princípios de julho deste ano o centenário de nascimento de Bivar Olintho de Mello e Silva, que foi, duas vezes, Prefeito Municipal, deputado estadual e deputado federal, construindo, ao longo de sua existência, uma das grandes lideranças políticas da região. Nascido em 1º de julho de 1903, em Serra Negra, Estado do Rio Grande do Norte, Bivar era filho de João Olinthode Mello e Silva e Francisca Olintho de Holanda. Seu pai, no começo do Século XX, fixou-se em Patos, onde passou a exercer diferentes atividades econômicas, dentre as quais é de todo relevante citar a criação do Banco Agrícola de Patos, instalado aos 20 de outubro de 1925, tendo à sua frente os seguintes órgãos diretivos: DIRETORIA: João Olintho de Mello e Silva, Presidente; Gerson Gomes Lustosa, Gerente; Dr. Abelardo Lobo, Secretário. CONSELHO FISCAL: Cel. Miguel Sátiro e Sousa; João Marques de Almeida, Luiz de França Vieira. SUPLENTES: Dr. José Peregrino Filho, Clóvis Sátiro e Sousa, Antônio Fragoso. VOGAIS: Dr. Pedro Firmino, Pe. José Viana, Manuel Canuto Torres. Quando seus pais fixaram-se em Patos, Bivar passou a frequentar a escola pública local, tendo sido aluno, dentre outros, do Professor Alfredo Lustosa Cabral, prosseguindo os estudos em Campina Grande e João Pessoa. Na década de 40, Bivar foi nomeado Prefeito de Patos, pelo Interventor Rui Carneiro,tendo tomado posse aos 13 de setembro de 1944, permanecendo à frente dos negócios municipais até 10 de novembro de 1945. Nessa sua primeira gestão, deu início ao prédio do Mercado Público, cujas obras foram retomadas na administração Darcílio Wanderley. Com a deflagração do processo de redemocratização do país, Bivar deixou a Prefeitura e fixou residência no Rio de Janeiro. Nos anos cinquenta, voltou à vida pública, obtendo um mandato de Deputado Estadual, pela legenda do Partido Social Democrático. No pleito municipal de 1955, disputou a Prefeitura de Patos com o engenheiro Nabor Wanderley da Nóbrega, candidato da União Democrática Nacional, com o apoio de uma parcela do PSD. Não logrando êxito em sua tentativa de galgar a chefia do poder local, Bivar permaneceu na Assembleia Legislativa e, na eleição seguinte, voltou a pleitear o cargo de Prefeito, oportunidade em que vitoriou, derrotando o candidato José Cavalcanti, da UDN.

Na Prefeitura, reafirmando o espírito empreendedor que herdara do pai, Bivar realizou uma operosa gestão, notabilizando-se por dotar a cidade de Patos de dois melhoramentos de que há muito estava necessitada aquela urbe: um hotel e um matadouro.O hotel, denominado por ele de JK, uma homenagem ao seu correligionário e amigo, que ocupara a Presidência da República, dotou Patos de um moderno equipamento hoteleiro, na época, o melhor do Estado e o matadouro, provido de instalações higiênicas, foi uma contribuição para a preservação da saúde dos patoenses. Tendo deixado a Prefeitura para candidatar-se a Deputado Federal, obteve Bivar dois mandatos de representante da Paraíba na Câmara dos Deputados, tendo ocupado naquela casa diversas Comissões, tais como, Agricultura (Suplente) 1969; Finanças (Membro efetivo) 1963, 1969; Relações Exteriores (Membro efetivo) 1967-1968, e Suplente, 1969. COMISSÕES ESPECIAIS: Polígono das Secas: (Suplente) 1967, 1969. CPI: Apurar as causas da deterioração dos preços da cera de carnauba nos mer-

cados exteriores e outras irregularidades: (Suplente) 1969. Casou-se Bivar com Antônia Gomes de Mello e Silva (Nini), filha de Antônio de Sousa Gomes e Umbelina Meira Gomes (Cora), e dessa união vieram os filhos Armando, Roberto, Moema e Sandra. De uma segunda união, com Maria Helena Mendes Braga, nasceram os filhos Sumaia e Eduardo. Todos casados, possibilitaram a Bivar e a Nini uma descendência composta, até agora, além dos seis filhos, de dezessete netos, vinte e nove bisnetos e quatro trinetos. As comemorações do centenário do ex-Prefeito Bivar Olintho constaram de Missa, celebrada na vetusta igreja de Nossa Senhora da Conceição e de sessão solene promovida pela Câmara Municipal dos Patos, ora sob a Presidência da vereadora Nadi Rodrigues. A sessão solene em que Bivar Olintho foi homenageado teve proposição do Vereador Ivanes Lacerda, aprovada por unanimidade e foi presidida pela vereadora Nadi Rodrigues. O ato realizou-se às vinte horas do dia 5 de julho, contando com a participação de amigos, familiares, correligionários do saudoso líder político, além de autoridades civis. Na ocasião, falaram o Vereador proponente, o Dr. Aluísio Pereira, ex-Deputado Estadual, contemporâneo de Bivar na Assembleia Legislativa, o exDeputado Gilvan Freire, a Prefeita Francisca Mota e a filha do homenageado, Moema de Mello e Silva Soares, que agradeceu, em nome da família, as homenagens prestadas a seu pai. Nas fotos acima, cedidas pelo jornalista Damião Lucena, flagrantes da homenagem a Bivar, na Câmara Municipal de Patos. g julho/agosto/setembro 2013 |

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HOMENAGEM

BIVAR OLYNTHO, MEU PAI(*) Moema de Mello e Silva Soares

Talvez as pessoas que participam desta solenidade não imaginem o quanto foi difícil para mim aceitar esta incumbência, dada pelos meus irmãos Armando, Roberto, Sandra, Claudio e Eduardo, para agradecer aos presentes a esta Sessão Solene, pela passagem dos 100 anos de nascimento do nosso querido Pai. Fare, sim, nesta noite, não uma Oração cheia de entusiasmo, mas uma Oração feita de emoções, de tristezas e de saudades!... porque entendemos o fulgor das vidas bem sucedidas, admiramos aqueles que trouxeram um fio de luz às trevas do desconhecimento, o êxito dos que acharam a verdade e souberam proclamá-la. Na verdade, somente quem conviveu com Bivar, participou de sua intimidade, pode aquilatar a grandiosidade do seu pensamento, a magnificência dos seus atos. Era Bivar um homem de origem simples – de um coração grande e generoso, nunca faltando com auxílio ao homem doente, à velhice sem teto ou à criança sem berço. O ódio e o rancor não faziam parte do seu cotidiano, sempre passivo, brando, cauteloso, meigo, carinhoso e amigo. Foi um político autêntico e popular, sem ser notadamente populista, carismático e comunicativo. Convivia e ouvia as pessoas com atenção, assimilando, assim, o que de melhor existisse para sua caminhada, como cidadão e como político. Sonhava Bivar, constantemente, com o futuro de Patos, pensava sempre no seu progresso e no seu desenvolvimento. Era um obstinado pelo povo, por quem tinha o maior respeito e admiração. Na essência da palavra, foi um político que gostava de gente. Um ver-

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dadeiro amante do ser humano!... Ainda, o perfil do meu Pai: era um homem fácil de convivência, extremamente alegre e comunicativo – gostava da vida e vivia intensamente!... Homem católico, esta foi a brisa que sempre respirou dentro de sua casa. Homem de fé e coragem, duas virtudes que o ajudaram na vida, mas não o acudiram na morte! Meu Pai era vaidoso, gostava de usar roupas diferentes. Quem não se lembra do seu SAFARI, do seu paletó lascado atrás, primeiros a chegarem a Patos. Era uma pessoa de qualidades especiais. Perdoem-me, por extravasar tanto! Pai amoroso, atencioso e amigo, contando para isso com o apoio e colaboração de minha mãe. Mulher simples, companheira dedicada e parceira em toda a sua vida, privada e pública. Dona Nini era uma criatura humana e de muita sensibilidade. Fazia de sua

missão de esposa e mãe um verdadeiro Sacerdócio. Na sábia linguagem de Padre Assis: A Mãe pode se cansar de viver, mas nunca se cansará de amar, principalmente os filhos. A você minha mãe, Rainha do Lar, obra prima do Coração de Deus, orgulho das criaturas humanas, lhe dedicamos esta mensagem, nascida do nosso coração, quando comemoramos os 100 anos de Bivar. Meu Pai partiu desta vida muito cedo: 66 anos de idade, vítima de um acidente automobilístico no Rio de Janeiro, quando se deslocava para o Maracanã com os seus filhos Cláudio e Eduardo, para assistirem ao jogo do Flamengo, seu time preferido. Faleceu no dia 26 de abril de 1980 e seu corpo foi transladado para Patos, sua terra querida e amada, onde foi sepultado. - A morte é, de fato, um fenômeno natural, mas prematuramente só a aceitamos, cumprindo um desígnio de Deus. A separação brusca deixa uma saudade irreparável, uma dor insuportável e os corações dilacerados. Mas, a vida é assim mesmo: DE INSTANTES É FEITA, MAS NUM INSTANTE PASSA!... Resta-me agora agradecer a quantos colaboraram para a realização deste evento: À Presidente desta casa, Nadir Rodrigues, aos vereadores que aprovaram por unanimidade o requerimento apresentado pelo vereador Ivanes Lacerda, para a realização desta Sessão Solene. Ao Padre Fabrício Dias Timóteo, celebrante da Santa Missa; à Prefeita Francisca Motta; ao deputado Aníbal Marcolino; a Aloísio Pereira, Gilvan Freire e os demais oradores que encheram de luzes esta noite; à imprensa falada e escrita, na pessoa do Padre Albeni – Representante da


API. A Carlos Estevam, nosso grande amigo; a José Augusto Longo pelo seu assessoramento; ao amigo Damião Lucena que, com muita sabedoria e competência, mergulhou na história, nos arquivos fotográficos, editando esta Revista, que servirá de exemplo aos jovens no futuro; aos familiares e amigos, que vieram de várias cidades; aos genros e noras, netos, bisnetos e até tataranetos, - o exemplo fraternal dos filhos: Armando, Roberto, Sandra, Cláudio, Eduardo e Moema. SENHORES E SENHORAS AQUI PRESENTES! Decanto neste instante final, num plágio as palavras de Augusto dos Anjos: Jesus não morreu! Vive na Serra da Borborema, vive no ar de minha terra; e num arroubo de ternura fraterna, digo também: NÃO! BIVAR NÃO MORREU, MEU PAI VIVE ONDE JESUS VIVE. Muito obrigada.

Bivar Olyntho de Mello e Silva

(*) Discurso pronunciado na sessão comemorativa do centenário de nascimento do ex-Prefeito Bivar Olyntho de Mello e Silva, realizada pela Câmara Municipal de Patos, na noite de 5 de julho de 2013. g

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HISTÓRIA

EPITÁCIO PESSOA NA CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL (*) Flávio Sátiro Fernandes INTRODUÇÃO Um projeto que tenha por mira reunir em livro referências a paraibanos que atuaram em diferentes Tribunais Superiores de nosso País, haveria de incluir, é claro, a figura portentosa de Epitácio Pessoa, que foi membro do Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte brasileira. Mas não só por isso. Epitácio haveria de constar dessa coletânea também por haver integrado, com o brilho de sua inteligência e a grandiosidade de seu saber, a mais alta corte mundial de Justiça: a Corte Permanente de Justiça Internacional, com sede em Haia. A atuação, contudo, de Epitácio, como membro daquela importante corporação, é apenas capítulo, embora o mais elevado, de sua participação na esfera internacional, em que se alteou, como nenhum outro brasileiro. Falar de Epitácio Pessoa como Internacionalista é versar sobre uma das mais relevantes facetas de sua vida pública e um dos mais significativos aspectos de sua brilhante personalidade. Podem-se destacar três momentos de relevo na atuação internacional de Epitácio, sobre cada um dos quais farei breve exposição, pois, sem dúvida, é impossível um aprofundamento sobre o seu trabalho nessa área jurídica e política, em um espaço de tempo delimitado como é o de que aqui disponho para esta exposição. O meu propósito cinge-se, assim, a dar um breve conhecimento da presença do eminente patrício no cenário internacional, em que ele se projetou, pelo brilho de sua inteligência e pela abrangência de seus estudos. NA COMISSÃO INTERNACIONAL DE JURISCONSULTOS AMERICANOS PROJETO DE CÓDIGO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO O primeiro momento de realce de Epitácio Pessoa como Internacionalista foi, com certeza, a sua presença na Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos, quando teve oportunidade de revelar seus

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conhecimentos sobre o Direito das Gentes, elaborando um projeto de codificação internacional, grande sonho daquela instituição, para aplicação no âmbito dos Estados do continente. A Comissão em referência resultou de deliberação da 3ª Conferência Panamericana, com sede no Rio de Janeiro (1906), cabendo-lhe preparar dois projetos de código de direito internacional, um de direito internacional privado, outro de direito internacional público, conforme proposta do brasileiro José Higino, na 2ª Conferência Panamericana (1901), adotada por convenção de 27 de janeiro de 1902. Em decorrência do que foi resolvido em 1906, o Barão do Rio Branco, Ministro do Exterior, comissionou Epitácio Pessoa, para preparar um projeto de Código de Direito Internacional Público e o Conselheiro Laffayete Rodrigues Pereira, um projeto de Código de Direito Internacional Privado. A filosofia e a metodologia que orientaram a confecção de seu projeto, foram assim explicadas por Epitácio Pessoa: Na sua elaboração, pusemos o maior esforço em harmonizá-lo, tanto quanto possível, com os tratados concluídos pelos Estados americanos entre si e com as convenções por eles assinadas nas conferências panamericanas e nas de Haia, procurando assim escoimá-lo de toda feição doutrinária e dar-lhe “um caráter prático e positivo”. O projeto de Epitácio contém 721 artigos, abrangendo sete livros que tratam de diferentes matérias, a saber: LIVRO I – DOS ESTADOS COMO PESSOAS DE DIREITO INTERNACIONAL, disciplinando o seu reconhecimento e extinção, as modificações territoriais e seus efeitos, direitos e deveres dos Estados e responsabilidade. LIVRO II – DA SOBERANIA DOS ESTADOS, estendendo-a ao território, propriamente dito, ao mar territorial, ao espaço aéreo correspondente e às pessoas e coisas

que se acharem dentre desses limites. Também regula as questões das restrições à soberania. LIVRO III – DAS RELAÇÕES PACÍFICAS ENTRE OS ESTADOS, enumerando, de início, os órgãos a quem compete exercitar essas relações, tais como, Chefes de Estado e os Agentes Diplomáticos e disciplinando as negociações, congressos e tratados. LIVRO IV – REGULAMENTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE INTERESSES SOCIAIS E ECONÔMICOS DOS ESTADOS, compreendendo comércio, navegação, pesca, vias terrestres de comunicação, correios, telégrafos, telefones, cabos submarinos, propriedade literária, artística e industrial, repressão do crime internacional e extradição. LIVRO V – SOLUÇÃO PACÍFICA DOS CONFLITOS INTERNACIONAIS, seus principais instrumentos, tais como, os bons ofícios, a mediação, as comissões de inquérito, a arbitragem e, por fim, a suspensão das relações diplomáticas, a recusa de execução de tratados e embaraços legais às relações mercantis como únicos meios coercitivos autorizados pelo código. LIVRO VI – DA GUERRA, Contemplando as disposições a elas relativas, atinentes, por exemplo, à declaração e estado de guerra, represálias, à qualidade de beligerante, meios de ataque e defesa, respeito e tratamento devidos aos mortos, feridos, doentes e náufragos. O mesmo livro traz em seu bojo, particularizadas, normas peculiares à guerra terrestre e à guerra marítima, não deixando de normatizar a neutralidade, dispondo sobre direitos e deveres dos Estados neutros. Por fim, os artigos alusivos à terminação da guerra. LIVRO VII – DA GUERRA CIVIL, último livro, voltado para a guerra civil, notadamente as obrigações dos Estados es-


trangeiros relativamente ao Estado conflagrado. O projeto de Epitácio foi submetido à Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos, reunida no Rio de Janeiro, em 1912, sob a presidência do eminente paraibano, escolhido para isso por proposta de Alejandro Alvarez, delegado do Chile. No discurso com que assumiu a presidência daquela Comissão, na sessão inaugural de 26 de junho de 1912, Epitácio ressaltou a importância da codificação do Direito Internacional e realçou as suas vantagens, como meio de precisar e esclarecer as normas reguladoras das relações entre os Estados, assim se pronunciando: As vantagens da codificação do Direito Internacional, como meio de precisar e esclarecer as normas reguladoras das relações entre os Estados, e por esta forma diminuir, senão afastar de todo, as ocasiões e os motivos de conflitos e divergências, têm-se imposto já a todos os espíritos esclarecidos como uma necessidade inadiável no estado de cultura e civilização a que a Humanidade atingiu. E ADIANTOU: Senhores Delegados, se, no estado atual da evolução política e social das nações, não será talvez possível uma codificação geral e completa do Direito, a elaboração de uma lei comum capaz de se ajustar, de se amoldar a todos os pontos de contato da coexistência internacional, à semelhança das leis destinadas a reger as relações civis na vida interna dos Estados, com tribunais incumbidos da sua aplicação, com elementos de força ou aparelhos coercitivos capazes de garantir a execução das sentenças desses tribunais; não vejo porque, num continente como o nosso, formado, de um lado, na sua maioria, na sua quase totalidade, de povos da mesma raça, da mesma religião e, pode-se dizer, da mesma língua, unidos pelas mais estreitas afinidades de história, de tradições e de costumes, ligados pela mais íntima solidariedade, pela mais perfeita comunhão de idéias e de sentimentos, e de outro lado, por uma nação que, se discrepa étnica e historicamente, dessa uniformidade, vive, contudo, animada do mais acendrado espírito de tolerância e aproximação, de concórdia e confraternidade; não vejo porque, num continente como o nosso, onde o antagonismo dos interesses de qualquer ordem, étnicos, morais, religiosos, econômicos ou políticos, jamais assumiu o grau de intensidade e veemência que se observa alhures, nem criou jamais incompatibilidades irredutíveis ou intransigentes rivalidades; num continente como o nosso, onde

inúmeras são já as regras uniformes aceitas em tratados e convenções esparsas e numerosas também as que se podem fixar, porque vivem nas tradições e na prática diuturna dos governos e da diplomacia, e, conseguintemente, representam não mais uma criação arbitrária, mas o resultado de necessidades e interesses comuns, sancionado pela experiência e amadurecido pelo tempo; não vejo porque, repito, num continente como a América, se não possa, mais do que em qualquer outra parte, fazer obra útil, proveitosa e duradoura no sentido da codificação, se não integral, em todo o caso muito adiantada do Direito Internacional. Anteviu, porém, Epitácio a impossibilidade de proceder-se ao ambicionado sonho de codificação do Direito Americano, naquela oportunidade, notadamente, em um corpo único, ressaltando: Se pudermos coroar os nossos trabalhos com a elaboração de dois códigos integrais de Direito Internacional, teremos, senhores, prestado à civilização e à humanidade o mais assinalado serviço da época presente; mas se até aí não puder chegar o nosso esforço, bastará que do seio da Comissão surja o acordo das potências americanas sobre alguns assuntos de interesse comum, ainda não sujeitos a regras uniformes. Essa última hipótese foi a que se concretizou, efetivamente, pois a Comissão, nessa reunião de 1912, não chegou a discutir e aprovar um código internacional sistematizado, decidindo, contudo, pela aprovação, nessa oportunidade, de importante documento, dedicado à extradição. Outro, voltado para a execução de sentenças estrangeiras, foi discutido, mas, ao final, mandado à consideração da próxima reunião. Um terceiro projeto, cuja elaboração coube a Epitácio Pessoa, dizia respeito à GUERRA EXTERNA TERRESTRE. GUERRA CIVIL. RECLAMAÇÕES ORIUNDAS DE UMA E OUTRA, tendo tido sua discussão e votação adiada para outra oportunidade. Ainda na reunião de 1912, a Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos decidiu criar seis comissões, a 1ª, com sede em Washington; a 2ª, no Rio de Janeiro; a 3ª, em Santiago do Chile; a 4ª, em Buenos Aires; a 5ª, em Montevidéu e a 6ª, em Lima, conferindo-se às quatro primeiras a codificação do direito internacional público e às duas últimas, a mesma tarefa relacionada ao direito internacional privado. Àquelas competiriam as seguintes matérias: à 1ª, guerra marítima e direitos e deveres dos neutros; à 2ª, guerra terrestre, guerra civil e reclamações provenientes de tais guerras; à 3ª, estado de paz e à 4ª, solução

pacífica dos conflitos e organização dos tribunais internacionais. Às duas outras, concernentes ao direito privado, caberiam à 5ª, de Montevidéu, capacidade, condição dos estrangeiros, direito de família e sucessões; à 6ª, de Lima, tudo que não se compreendesse nesta enumeração, inclusive o Direito Penal. Feito isso, marcou-se para o ano de 1914, no Rio de Janeiro, a segunda reunião da Comissão. A eclosão, porém, da 1ª Grande Guerra Mundial faria adiar aquele conclave, cuja realização só se viria dar em 1927, no Rio de Janeiro, sob a Presidência, mais uma vez, de Epitácio Pessoa. Ao abrir, em 18 de abril de 1927, a reunião da Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos, Epitácio louvou, novamente, como o fizera na reunião anterior, a significação e a importância do movimento de codificação do Direito Internacional, observando: Espírito formado no ambiente do Direito, é sempre com fé e entusiasmo que me associo a todos os empreendimentos que visam criar um regímen de justiça e paz, seja entre os indivíduos ou entre os Estados. Dentre esses empreendimentos, nenhum sobreleva, pela sua excepcional significação moral e política, o da codificação do Direito Internacional, velha aspiração, preocupação constante e ininterrupta da América, sonho, se quiserem, mas sonho em que, desde o famoso Congresso de Panamá, reunido ao apelo clarividente de Bolívar, se embala todo o idealismo culto, liberal e humanitário da América. E MAIS: Meus Senhores, da importância, das vantagens da codificação do Direito Internacional, qualquer que seja o aspecto por que se encare o magno problema, seria hoje um truísmo falar-vos. É matéria que não desperta mais divergências, seja entre os publicistas ou entre os governos. Todos, pelo contrário, conhecem que os inconvenientes geralmente apontados, já de si insignificantes em confronto com os benefícios a colher, podem ser facilmente removidos pela sistematização gradual, progressiva e periodicamente revista e melhorada, das práticas seguidas e dos princípios em vigor. Como elementos positivos da codificação aí está, esparso pelos tratados ou convenções e vigente nas tradições dos povos cultos, o rico acervo de preceitos e regras que os Estados Americanos, desde os primórdios de sua independência, observam e respeitam invariavelmente em suas relações internacionais. Reunir desde já esjulho/agosto/setembro 2013 |

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sas regras e preceitos em um só ou alguns acordos distintos será lançar as primeiras pedras do majestoso monumento; a essas, outras se virão em breve juntar, ao influxo dos mais nobres estímulos: - de um lado, o empenho tão natural de levar por diante a realização de um ideal que germinou, cresceu, floresceu e frutificou, ao sabor das justas aspirações de paz e de liberdade do Continente Americano; do outro lado, a relativa facilidade da tarefa, dado o vulto considerável de práticas comuns já existentes, as afinidades de toda a ordem, que ligam as Nações da América, e a ausência de antagonismos históricos e econômicos que abalem a confiança recíproca ou dificultem a aproximação entre uns e outros; por último, esta inquietação, este mal-estar, este anseio de tranquilidade, de ordem, de paz e de cooperação que hoje, mais do que nunca, empolgam o mundo inteiro, ainda combalido pelas tremendas provações da última guerra. Na segunda reunião da Comissão Internacional de Jurisconsultos, as Comissões designadas na reunião anterior, valeram-se dos subsídios extraídos de vários trabalhos que lhes foram oferecidos, sobretudo, o alentado Projeto de Código de Direito Internacional Público, de autoria de Epitácio Pessoa, para a elaboração de doze projetos versando sobre as seguintes matérias: - Bases fundamentais do Direito Internacional; - Estados, sua existência, igualdade, reconhecimento; - Condição dos estrangeiros; - Tratados; - Troca de publicações; - Intercâmbio de Professores e Alunos; - Funcionários Diplomáticos; - Cônsules; - Asilo; - Deveres dos Estados em caso de guerra civil; - Solução Pacífica dos Conflitos Internacionais. A Comissão, entendendo que, destas proposições, algumas não haviam alcançado o grau de madureza necessário para serem incorporadas à codificação, e outras, dados os termos em que se achavam redigidas, poderiam ser consideradas mera manifestação do seu entendimento, decidiu por transmitir umas e outras à apreciação da Sexta Conferência Internacional a reunir-se, na cidade de Havana. No discurso com que encerrou a reunião de 1927, Epitácio Pessoa enalteceu o trabalho da Comissão, ao preparar uma Convenção Geral de Direito Internacional Privado e doze projetos de Direito Internacional Público, tratando das matérias acima indicadas.

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É uma obra considerável, Senhores; é uma obra benemérita. Dela temos o direito de nos envaidecer. É a mais valiosa contribuição que até hoje tem sido prestada à conquista desses nobres ideais de paz e de confraternização que enchem a alma da humanidade e que, há mais de um século, constituem a aspiração contínua dos povos da América, destes povos que, no dizer de Lincoln, se geraram no seio da liberdade. É o mais belo atestado de cultura jurídica que poderíamos dar ao mundo; e se todos esses projetos forem afinal aceitos e ratificados pelos Estados, como espero que o sejam, será o mais eloquente testemunho da nossa energia moral, da sinceridade do nosso propósito de banir dos domínios e das cogitações do Direito Internacional os problemas temerosos da intervenção e da guerra, e consolidar, nesta parte do mundo, um regímen inalterável de ordem jurídica, de justiça e de paz. O encerramento dessa segunda reunião dita, igualmente, o fim desta apreciação sobre a participação de Epitácio Pessoa na Comissão Internacional de Juristas Americanos, não nos cabendo falar sobre os desdobramentos que teve a partir daí a ideia de codificação do direito internacional nas Américas. O que desejo deixar ressaltado é, pois, o gênio de Epitácio, na confecção de um projeto de Código de Direito Internacional Público; a sua dedicação a esse ideal, presidindo, por duas vezes, as reuniões da Comissão Internacional de Jurisconsultos destinadas a esse fim; a contribuição por ele dada à feitura dos vários projetos saídos da Comissão, quer na primeira reunião, em 1912, quer na segunda oportunidade, em 1927, oferecendo, em favor do Brasil e das Américas o brilho de sua inteligência e a força de seu trabalho. NA CONFERÊNCIA DE PAZ Passemos ao segundo momento de relevo de Epitácio no cenário internacional. Em dezembro de 1918, foi ele convidado pelo Ministro Domício da Gama, das Relações Exteriores, para fazer parte da Delegação com que o Brasil iria à Conferência de Versalhes, Delegação essa que seria chefiada por Ruy Barbosa. Epitácio respondeu aceitar o convite, desde que houvesse a aquiescência de Ruy à sua participação naquela Comissão. Poucos dias depois, porém, Ruy Barbosa desistiu de ir à Conferência e Epitácio Pessoa foi instado a ocupar o seu lugar. Recusou-se, de início, a aceitar o convite.

SOBRE ISSO DIRIA: Hesitei muito diante dessa nova prova de confiança: servir sob a direção de um homem da capacidade do Sr. Rui Barbosa, mesmo em missão de tanta responsabilidade, não me parecia tarefa superior às minhas forças; mas, inspirar, dirigir e Chefiar essa missão, era encargo que me enchia de apreensões e de temores. Só ao cabo de alguns dias e diante da insistência do Governo, resolvi anuir aos seus desejos. Uma vez manifestada a sua concordância com a designação, procedeu-se à sua formalização, partindo a delegação no dia 2 de janeiro de 1919, com destino a Paris, sede da Conferência. Como membros da Comissão brasileira, além do Chefe e sua família, estavam, entre outros, o Embaixador Raul Fernandes, o consultor jurídico Rodrigo Otávio, o consultor naval Armando Burlamarqui, além de secretários, adidos e jornalistas. Ao chegar a Lisboa o navio, foram os membros da Delegação surpreendidos com a notícia da morte do Presidente Rodrigues Alves. Como é natural, todos faziam especulações sobre quem seria o futuro dirigente da nação brasileira, sem saberem, evidentemente, que a pessoa que haveria de suceder ao Presidente falecido estava tão próxima deles. De Lisboa, o Curvelo prosseguiu até o Havre, de onde a Delegação seguiu de trem para Paris. Duas importantes questões interessavam ao Brasil que se discutissem e resolvessem: uma, relativa a cerca de 1.850.000 sacas de café que o Estado de São Paulo tinha nos portos de Antuérpia, Bremen, Hamburgo e Trieste, dadas em garantia de dois empréstimos contraídos na Europa, por intermédio de bancos de Londres, Berlim e Paris. Declarada a guerra, o Governo alemão manifestou o propósito de confiscar o produto, mas a isso opôs-se o Governo brasileiro. Tendo o Estado de São Paulo ordenado a venda do café, o valor de 125 milhões de marcos, resultante da operação, foi depositado na Casa Bleischroeder, de Berlim, de acordo com o contrato de venda. Posteriormente, o Estado de São Paulo quis retirar aquela soma para resgatar os títulos do empréstimo mas a isso se opôs o Governo alemão. Para a solução do impasse empenhou-se a Delegação do Brasil à Conferência de Paz, destacadamente o seu Chefe, Epitácio Pessoa. A questão era bastante complexa e foram marcantemente dificultosas as negociações, embora ultimadas com êxito, conforme registra a história. Mas não é este, com certeza, o momento e o local para expor todo o trâmite das conversas e disputas ocorridas naquela ocasião.


A outra matéria que também interessava ao nosso País era atinente aos navios que o Brasil apreendera dos alemães durante o conflito, embora algum tempo antes da nossa declaração de guerra à Alemanha. Era, sem dúvida, questão bem mais complexa do que a do café. Basta referir que nada menos de setenta navios de bandeira germânica foram objeto daquela medida de polícia e segurança, excluída de sua adoção a ideia de confisco que tanto repugna ao espírito da nossa legislação e ao sentimento geral do país, conforme manifestado na Mensagem ao Congresso Nacional de 26 de maio de 1917. Se mais complexos eram os diferentes aspectos da disputa, mais difíceis, evidentemente, se mostraram os embates jurídicos, diplomáticos e jurídicos, até porque a matéria não interessava apenas ao Brasil e à Alemanha, mas também a outros partícipes da conflagração que reivindicavam direitos em relação aos navios apreendidos pelo Brasil. O certo é que a Delegação e, mais uma vez, de maneira significativa, o seu Chefe, Epitácio Pessoa, se desdobraram no sentido de obter uma solução favorável ao Brasil, o que foi alcançado, como demonstrou o ex-Presidente em seus relatórios e comunicações ao Ministro das Relações Exteriores. Evidentemente, não cabe, aqui, uma explanação mais abrangente e completa do que foi o trabalho da Missão brasileira em relação a essa questão. Mas a participação de Epitácio Pessoa na Conferência de Paz não se resumiu à solução das duas questões a que me referi, alusivas ao café de São Paulo e aos navios apreendidos, o que já seria extraordinário. Além das negociações em torno das duas acirradas pendências, Epitácio Pessoa destacou-se igualmente nas conversações que se estabeleceram para a assinatura do Tratado de Paz e para o surgimento e organização da Liga das Nações, sonho dos Estadistas ali reunidos, sobremodo a figura do Presidente Wilson, dos Estados Unidos, ao lado de Clemenceau, Lloyd George, Balfour e outros. Epitácio Pessoa, em todas essas matérias, ombreou-se com as grandes figuras do momento, assumindo posição de liderança na busca de assegurar uma maior participação das pequenas nações, tanto nas questões relativas à paz, quanto na formulação do novo organismo internacional. Com isso, prestou, sem dúvida, Epitácio Pessoa significativo serviço ao Brasil, ao Direito Internacional, à paz mundial e ao movimento de congraçamento dos países, objetivado na criação da Liga das Nações. NA CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL Por fim, o terceiro momento de grandeza

de Epitácio Pessoa no cenário internacional, especificamente, no que tange ao Direito Internacional, de que ele, durante vários anos, se vinha mostrando largamente conhecedor. Refiro-me ao seu ingresso e atuação na Corte Permanente de Justiça Internacional, com sede em Haia, a mais alta Corte de Justiça do mundo. Epitácio foi eleito para integrá-la em 1923, tendo obtido a unanimidade dos votos no Conselho. À época em que ali ingressou, a Corte se compunha de onze juízes e quatro suplentes, representando as chamadas grande potências, em número de cinco – Inglaterra, França, Itália, Japão e Estados Unidos, este oficiosamente – e mais seis países, a saber: Suíça, Cuba, Espanha, Holanda, Dinamarca e Brasil. Participavam também do Conselho, na qualidade de suplentes, Noruega, Sérvia, Rumânia e China. Ao tomar assento em seu plenário, Epitácio ladeou-se com figuras exponenciais do direito mundial, tais como, Max Huber, da Suíça, Presidente do organismo; André Weiss, da França, Vice-Presidente; o magistrado Lord Finlay, da Inglaterra; John Basset Moore, dos Estados Unidos, reconhecido como grande autoridade em direito internacional; Dionísio Anzilotti, professor de direito na Itália; Rafael Altamira, também professor de direito, na Espanha; Oda, professor da Universidade de Tóquio; Loder, juiz do Supremo Tribunal da Holanda e primeiro presidente da Corte Permanente; Antonio Sanchez de Bustamante, professor de direito em Cuba; Nyholm, magistrado na Dinamarca. Como suplentes, estavam presentes à Corte, Beichman, da Noruega; Jovanovich, da Sérvia; Negulesco, da Rumânia; Chunghui, da China. Vale salientar que, antes, integrara aquela Corte o insigne brasileiro Ruy Barbosa, que, por motivos de saúde, jamais chegou a exercer efetivamente o elevado cargo, cabendo a Epitácio sucedê-lo. No desempenho de suas altas funções, Epitácio Pessoa tomou parte no julgamento de importantes questões levadas à apreciação da Corte. Entre elas, o caso dos empréstimos-ouro, relativo ao pagamento, em ouro, dos empréstimos federais brasileiros contraídos na França. O voto de Epitácio, embora vencido, representa uma peça que deve ser conhecida por todos que se interessem pelo direito das gentes. É claro que não posso aqui dissecar o entendimento do representante do Brasil, tendo em vista a sua longa extensão. Ressaltaria, apenas, que Epitácio, preliminarmente, suscitou a incompetência da Corte para julgar a questão, visto que segundo o Pacto da Sociedade das Nações e o Estatuto da Corte, para que esta “se tenha por competente não basta que as partes sejam Estados ou Membros da Sociedade das Nações (arts. 34 e 36 do Estatuto); é ainda

indispensável que a questão, por sua própria natureza, tenha “caráter internacional” e seja regulada pelo direito internacional. Segundo o eminente patrício, a questão diria respeito exclusivamente a relações entre o Estado que contraiu os empréstimos e pessoas particulares, isto é, relações que, por si mesmas, são do domínio do direito interno, devendo ser deixada, portanto, aos cuidados dos tribunais nacionais. Outras questões de que participou Epitácio e cujos votos, opiniões ou comentários se acham transcritos em um dos volumes de suas OBRAS COMPLETAS, foram, sem maiores indicações de seu conteúdo: - Caso da competência da Organização Internacional do Trabalho quanto ao trabalho pessoal do patrão. - Caso da usina de Chorzow, entre a Alemanha e a Polônia - Caso das concessões Mavrommatis - Caso do Lotus, entre a França e a Turquia, relativo à colisão dos navios mercantes Lotus e Boz Court, da qual resultaram algumas mortes - Caso do Mosteiro de S. Naoum, entre a Sérvia e a Albânia - Caso franco-sérvio - Caso das zonas francas - Caso do Oder - Caso Greco-búlgaro, referente às comunidades gregas minoritárias residentes em território búlgaro. A ação de Epitácio não se fazia presente apenas na relatoria e julgamento dos feitos submetidos à Corte Permanente. Quando se discutiu a reforma do Regulamento daquele órgão, Epitácio não se mostrou desinteressado. Ao contrário, apresentou propostas, ofereceu sugestões, sugeriu emendas, de forma a, como se diria hoje, tornar mais transparentes os posicionamentos da Corte. Epitácio permaneceu na Corte Permanente de Justiça Internacional até 1930. Vários de seus pares chegaram a instar para que ele aceitasse a sua recondução às honrosas funções, com o que ele não concordou. Permaneceu resoluto na sua decisão de voltar ao Brasil. Assim, encerrou-se este terceiro momento do internacionalista Epitácio Pessoa, quando deu, mais uma vez, demonstrações de arraigado sentimento de brasilidade, de espírito público, de extrema dedicação à causa do direito pátrio e do direito internacional. g (*) Este trabalho foi publicado, originariamente, no livro Ministros Paraibanos nos Tribunais Superiores, organizado e editorado pelo Publisher Evandro Dantas da Nóbrega e publicado pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, em 2012. julho/agosto/setembro 2013 |

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MEMÓRIA

CATOLE DO ROCHA DOS ANOS 40 Raimundo Nonato Batista

Catolé do Rocha, nos anos 40, era uma cidade com pouco mais de 3.000 habitantes, com ruas largas e sem calçamento, de casas conjugadas e calçadas altas, alguns sobrados, com varandas de ferro trabalhado, quebrando a monotonia do casario uniforme, as portas e as janelas abrindo sempre para largos arenosos, a prosperidade dos seus habitantes podendo ser medida pelo número de portas e janelas dos imóveis. Naquela época eu me despedia da infância e começava a viver uma pré-adolescência cheia de indagações, quase todas sem respostas e, por isso, se auto-construía sobre bases inseguras que haveriam de me acompanhar por toda a vida. A cidade era apenas uma perspectiva urbana plantada às margens do riacho Agon, um pedaço da Paraíba incrustado no coração do Rio Grande do Norte, pouco mais que uma vila, porém uma metrópole deslumbrante nos devaneios dos sonhadores. Eram poucas as ruas, convergindo todas para alguns largos espaçosos, territórios onde se desenvolviam todas as atividades sócio-recreativas de um povo alegre e tranqüilo: as disputas futebolísticas, as retretas musicais, os passeios vespertinos, as festas religiosas tradicionais e, acima de tudo, as brincadeiras ruidosas das crianças que conseguiam, pelo milagre da imaginação, transformar os espaços arenosos em cenários miríficos para as suas aventuras. Eram quatro largos e uma praça: o Largo da Igreja; o Largo do Mercado; o Largo da Bela Vista; o Largo da Intendência e Praça da Rua de Cima – que de praça só tinha o nome – para onde convergiam todos os caminhos da cidadezinha. O espaço principal, o mais nobre certamente, era a Praça da Rua de Cima, um quadrilátero cercado por casas baixas e geminadas, portas e janelas dando para o átrio comum, todas cobertas com telhas “canal” trepadas na altura desproporcional dos pés direitos, projetados para facilitarem a ventilação e a iluminação dos imóveis, uma arquitetura rústica e sem detalhes, porém basicamente funcional no referente às necessidades dos seus habitantes. Todas as casas prolongavam-se em quin-

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tais – ou muros como eram chamados – longos, maiores, quase sempre, que a área das edificações, quase todos se limitando com terrenos vazios e cobertos de mato, quando não com sítios e fazendolas, plantados de fruteiras, com roças de milho e de feijão durante o inverno, a se integrarem numa paisagem bucólica, num abraço do urbano com o rural, insinuando os traços de uma civilização que, aos poucos, chegava ao sertão, a cidade ainda constituindo-se num prolongamento das antigas fazendas plantadas pelos desbravadores vindos do sul conduzindo os primeiros rebanhos de gado para os vales verdes, próximos dos cursos das águas, para as ribanceiras de uma região onde as estiagens ainda eram raras, a floresta derramando-se pelas serras e descendo para a planície, a garantir a umidade do solo, a perenidade das águas, a fertilidade da terra rica e generosa. Descendo para o Norte, saindo do que orgulhosamente era chamado de “Centro”, a cidade ia se encontrar com o “Corrente” – o riacho Agon – um curso perene que vinha de nascentes das serras do João Dias e do Martins, no Rio Grande do Norte, cortando as fronteiras potiguares, dotando a região com um cinturão verde exuberante a marcar o espaço urbano: ao sul, subindo a encosta, o casario, ao norte e noroeste, os sítios, as chácaras, os engenhos de rapadura, os pomares de goiabeiras, mangueiras, cajueiros, pinheiras, bananeiras e o canavial a estender-se pelas margens, caminhando pelos baixios, a anunciar fartura e riqueza e, de entremeio, as copas dos coqueiros a marcarem os caminhos e a direção dos ventos que desciam das serras e refrescavam as tardes-noites de um povo que era feliz e sabia que era. As ruas sem calçamento eram hospedeiras de redemoinhos que chegavam pelo meio das tardes, conduzindo, na sua corrida de rodopios, todas as folhas secas que encontravam pelos caminhos, misturando-as com o pó que levantavam do chão, um visitante desabusado a bater portas e janelas, a entrar pelas salas sem pedir licença, a derrubar móveis e enfeites, a quebrar os quadros das paredes, atapetando os pisos com areia e folhas secas, e, de repente, partindo, sem despedidas, volúveis e desaforados, para o destino que só os ventos conhecem.

Quebrando a monotonia das casas sempre iguais, os sobrados dominavam os largos, com as suas fachadas imponentes, com as suas varandas de ferro afirmando e confirmando a riqueza e o poderio de seus proprietários, apesar da rusticidade dos pisos de madeira lavrada, das escadas de degraus separados e do mobiliário pesado que os decorava. Entre a Praça da Rua de Cima e o Largo da Boa Vista havia uma distância enorme para os olhos aventurosos das crianças. Uma distância construída pela interrupção do alinhamento das casas. É que, depois da casa de Cícero Anselmo, na esquina oeste da Praça, havia um longo muro descendo rumo à casa de Benevides e logo chegava-se a uma nova esquina e à casa de Pacífico José de Almeida e Ernestina Pires de Almeida, em frente à Igreja, um descampado abrindo-se em um novo largo, ainda sem nome, limitado pelos fundos do templo católico, o sítio de Chico Nunes, a ladeira de Cirino Fernandes e, fechando o espaço, na direção do distrito do Cajueiro, a casa dos meus pais: João Luiz Batista e Cecília Alves Nogueira, uma construção alta, moderna para a época, todo o espaço livre sendo cortado pela “Levada”, um canal para escoamento das águas de chuva, com cerca de 1,20 m de largura por 1,00 m de profundidade, construído com tijolos e cimento, atravessando toda a cidade, no sentido leste / oeste. Depois do quarteirão que tinha como referências a casa de Cícero Anselmo, a Igreja e a casa de Pacífico José de Almeida, começava o Largo da Bela Vista, limitado também pelo Hotel de dona Ana e a Padaria de Dilô, um conjunto de quatro casas isoladas, em frente, pintadas de branco e azul, com bem cuidados jardins fronteiros e muros altos a separá-las. Fechando o Largo, ao norte, situava-se a Rua da Bela Vista, trepada numa pequena elevação. Desse largo partiam dois caminhos; um que se dirigia para a região do “Corrente” e o outro que conduzia às encostas do Monte Tabor, passando por uma pequena lagoa que servia de lavanderia para a cidade e, na seqüência, pelo “Poço do Vigário”, fonte de água potável, guardada por uma pequena casa


de tijolos e telhas, que também servia de residência para Maria Boneca, uma garota meio lesada que exercia com discreta eficiência o ofício de prostituta, desejada musa de todos os adolescentes que se iniciavam nos mistérios deliciosos do sexo, tendo como parceiros animais domésticos, principalmente as cabras e as jumentas. Um pouco além da casa de “Maria Boneca”, o Agon descia, espremendo-se entre margens barrentas e espraiava-se numa represa natural, contido por um lajedo projetado do sopé do Monte Tabor, uma pedra longa e batida, quase um balde, a conter o caminho das águas que arrepiavam-se diante do importuno, erguiam-se em incontida revolta, venciam e lavavam a pedra e se precipitavam numa pequena queda, transformando-se numa espumosa cachoeira, onde iam todos, adultos e crianças, nas manhãs de verão e nos fins de tarde, gozar as delícias da água limpa e fresca e afugentar o calor, a canícula que teimava em castigar a cidade somente fugindo quando a noite convocava as cheirosas brisas que desciam do círculo de serras que enfeitavam os horizontes de Catolé do Rocha. Transposta a pequena cachoeira, iniciava-se a subida do Monte, pouco mais que uma colina, a dominar a cidade, com uma igrejinha branca coroando o seu topo, um atestado da fé dos catoleenses, um símbolo construído sobre a rocha, a pedra que inspirou Pedro nos primórdios do cristianismo transposta para os sertões nordestinos, numa demonstração da capacidade do povo vencer obstáculos e afirmar-se pela preservação dos símbolos. Na igrejinha do Tabor estão sepultados os restos mortais do padre Belizário Dantas, idealizador e construtor do modesto monumento e venerado líder espiritual do município, amado e quase idolatrado pelos habitantes, a exceção ficando por conta de uma meia dúzia de infiéis, anticlericais ou ateus, amantes das leituras dos jornais que chegavam com o atraso médio de 30 dias e de alguns livros condenados pela Igreja, emprestados das estantes do “velho” Sá Leitão, respeitado rábula, intelectual admirado, a reunir em torno de si a inteligência catoleense, mestre e mentor de uma juventude que ansiava por conhecimentos, pelo alargamento dos horizontes que asfixiavam os costumes sertanejos na metade do segundo quartel do século XX, filósofo e poeta – por onde andarão os seus poemas? – vindo da Capital para chefiar a agência dos Correios e Telégrafos naqueles confins da Paraíba. As ideias novas que começavam a sensibilizar os centros mais civilizados, chegavam a Catolé do Rocha pelos livros cuidadosamente selecionados por Otávio de Sá Leitão, pelos jornais e revistas que assinava e repartia com os interessados, além dos noticiários captados no receptor de rádio existente na sua reparti-

Otávio de Sá Leitão, respeitado rábula e intelectual admirado, disseminava junto à mocidade de Catolé do Rocha as ideias novas, que começavam a sensibilizar os centros mais adiantados.

ção, maravilha que ele compartilhava com os seus conterrâneos por adoção, colocando o aparelho numa das janelas do prédio dos Correios, aberta sobre a Praça, em frente da qual aglomeravam-se as pessoas para ouvirem os noticiários, os comentários e, acima de tudo, aplaudirem os programas de música popular, com destaque para os que apresentavam como estrelas os cantores Chico Alves, Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Augusto Calheiros e Aracy de Almeida. E dos livros recomendados e emprestados, dos jornais, das revistas, dos noticiários e dos programas radiofônicos, nasciam conhecimentos que iriam, mais adiante, chocarem-se com os hábitos e costumes de uma população tradicionalista, apegada à religião e à propriedade, o respeito, a honra e a dignidade limitados pelos mandamentos que falavam em virtudes e pecados, prêmios e castigos, céu e inferno. O padre Belizário, que vivia modestamente, tendo como únicos pecados veniais a mesa farta e o cuidadoso apego às terras e aos animais que agradecidos fiéis ofereciam à Paróquia e aos seus santos, quase sempre em retribuição a graças alcançadas ou promessas atendidas, gostava de cultivar amizades, fazendo-se íntimo conselheiro dos poderosos e dos ilustres, mas amava também, sempre que podia, vestir uma batina surrada e sozinho, dispensando até a companhia de Chico Rocha – sacristão e confidente – sair em peregrinação pelas ruas mais pobres, os “cantos de rua”, a conversar com os seus humildes habitantes, saltitando sobre poças de lama, sempre com uma pequena vara na mão que, além de lhe

servir de apoio, prestava-se também para espantar cachorros sarnentos, porcos enlameados e moleques sujos, remelentos e atrevidos que teimavam em beijar as suas mãos. Jamais entrava nos casebres, certamente para não constranger os seus habitantes, tão pobres que nem teriam uma cadeira decente para lhe oferecer, nem uma xícara de café quente ou mesmo um copo limpo para um gole de água. Gostava de puxar um dedo de prosa com Bié, o líder do “Rabo da Gata”, com Isabel Fateira, com Possidônio, com Cutelo, com “Pai Véio”, com Valentim, com “Eu Calada” e com outros posseiros descalços, pessoas a esbanjarem inteligência e argúcia, a maioria a exercer as profissões e tarefas menos usuais: um contador de estórias e casos impossíveis; outro pedinte de esmolas; um terceiro limpador de latrinas; alguns vagabundos assumidos; todos amantes de Deus e da Religião, porém independentes e livres, curiosamente sem compromissos com os ritos e os sacramentos da Santa Igreja Católica e sem qualquer temor ou preocupação com os castigos do inferno. Essas visitas do santo homem aos confins do “Rabo da Gata”, do “Tambor”, do “Bairro de Barrela”, do “Corrente” e de outros aglomerados periféricos, serviam para aumentar e consolidar a fama do Pastor de Almas, que, no sermão dos domingos imediatamente posteriores às maratonas, exaltava a magnitude do amor de Deus, que consentia em abençoar e considerar seus filhos pessoas da mais íntima condição social, até mesmo aqueles recalcitrantes e rebeldes, amantes do ócio e da esbórnia, eternos ausentes da Casa de Deus e do seu Confessionário. A Capelinha do Monte e o túmulo cavado na pedra eram a vaidade do Padre, uma vaidade que enternecia e emocionava a cidade, reforçando a sua aura de santidade e nobreza religiosa. Aos domingos, depois da Missa, subiam romarias até a Capela, as beatas contritas fazendo da subida um sacrifício ao santo homem; os casais mais velhos levando pequenas e ambiciosas preces para mais perto do Céu; as donzelas casadoiras e os ansiosos mancebos buscando, na peregrinação, pretextos para furtivos namoros que muitas vezes se transformavam em abençoados e felizes casamentos. E a meninada, que fazia da subida uma sempre renovada aventura, buscava os caminhos mais difíceis e íngremes, vasculhava capões de mato, locas de pedras e insuspeitadas cavernas, escolhendo cuidadosamente recantos e esconderijos de onde pudessem pregar divertidos sustos nas irmãs, parentas e conhecidas que, nervosas e emocionadas, atreviam-se a caminhar ao lado de namorados ou pretendentes. Assim era Catolé do Rocha nos anos 40. g julho/agosto/setembro 2013 |

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VIDA ACADÊMICA

A SINGULARIDADE DAS PALAVRAS E DAS CORES(*) Flávio Tavares

Os caminhos que espelham o universo da arte, também reveladores da minha forma de ser e de perceber o mundo, são os mesmos caminhos de encanto e musicalidade que me fizeram chegar até aqui. Caminhos que me trazem ao adorável convívio desta Casa, onde se encontra guardada a memória dos personagens que fazem a história de nossa inteligência. Lugar que abriga o melhor da convivência intelectual e artística de nossa terra. Por essas paredes dou um passo à frente, a avançar na caminhada que vislumbra um horizonte de luz, cores e sonhos. Pesa-me nos ombros a responsabilidade maior de suceder uma das figuras mais emblemáticas da política e da oratória paraibanas: o poeta Ronaldo Cunha Lima. Venho ocupar a cadeira de número 14, que tem como patrono Eliseu Cezar, misto de poeta, jornalista e jurista. Cadeira que se enriqueceu com a privilegiada presença do professor Francisco Seráfico da Nóbrega como seu fundador. Também foi meritoriamente ocupada pelo advogado e poeta, Celso Otávio de Novais, recebido em alto estilo pelo imortal Juarez da Gama Batista. Mais que a política, a poesia foi a essência da biografia a habitar o cotidiano de Ronaldo Cunha Lima. Poeta do mar e dos amores, entendia, como poucos, a alma do povo e suas dores. Aqui, nesta Casa, deixou plantado o seu coração. E ninguém melhor que o próprio Ronaldo para falar de si mesmo, sintetizando, em tom confessional, a complexidade humana. Traduzindo-se múltiplo e paradoxal no poema Quem sou eu. Sou platéia e personagem, sou multidão, sou sozinho, sou bloqueio, sou caminho, sou verdade, sou miragem. Sou passatempo, sou vida,

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sou cisma, sou acalanto, sou regozijo, sou pranto, sou chegada, sou partida. Sou abandono, sou ninho, sou desamor, sou amante, sou eterno, sou instante, sou desconforto e carinho. Sou amparo e abandono, sou revide, sou perdão, sou inverno ou verão, sou primavera e outono. Sou fome, sou mesa e pão. Chego à Augusta Casa de Coriolano de Medeiros não como um poeta que senta na cadeira de outro poeta, como se caracterizou Ronaldo no seu discurso de posse. Chego na condição de artista plástico que anseia, a todo tempo, transformar o tempo e o espaço da cor na forma simbólica que é razão e sentido do meu estar no mundo, síntese da minha compreensão dos seres e do universo. Com a cumplicidade dos pincéis à minha volta, posso afirmar que tenho vivido para a pintura e pela pintura. De tal forma que minha identidade se confunde com o mundo imaginário a que tenho dado forma e cor e que representa a essência do meu olhar e do meu ser. Conforme a lição de Clarice Lispector, “O processo criador de um pintor e do escritor são da mesma fonte. O texto deve se exprimir através de imagens e as imagens são feitas de luz, cores, figuras, perspectivas, volumes, sensações”. Nesse entendimento superior, minha candidatura encontrou a acolhida desta Casa onde Pedro Américo, expressão da nossa arte universal, figura como um dos prodigiosos patronos. Foi como pintor que os meus pares me escolheram, identificando em meu processo criador uma concretização legítima da legenda Estética e Trabalho. “Fonte dos objetivos que estruturam e

direcionam a existência da Academia Paraibana de Letras” na lição da professora Ângela Bezerra de Castro. Mais do que tudo, a arte é o caminho do sincero conhecimento. Porque devolve ao homem a sua interminável fome de viver. “Só a arte é útil e só a arte fica”, como escreveu Fernando Pessoa. Relembro nesse instante a fábula A máscara, o espelho e a imaginação, por nos contar que “durante 10 anos, o pintor fez um nu feminino esperando ser esta a sua grande obra de arte. No final, todos olharam o quadro por ele revelado e viram uma tela enorme e escura. Então fizeram a pergunta esperada: onde está a imagem? O artista assim respondeu: ela estava tão linda, tão nua, que o frio e o sono fizeram com que eu apagasse a luz. Todos acreditaram em suas palavras e passaram a imaginar aquela mulher nua na escuridão”. A pintura é uma ponte misteriosa entre a alma dos personagens e a apreensão do expectador. A máxima motivação do homem para a arte é o medo de se perder no infinito. É através do desenho que procuro fundar o vôo pelos meus desertos e abismos. Diante dos vazios da alma, é impossível imaginá-la sem o espelho silencioso da imagem em sua transfiguração. O merecimento da arte consiste em assimilar e assinalar o sentimento humano como fonte de sua história. As buscas do homem, suas revelações, sua emoções, seu pensamento, tudo se transfigura na expressão criadora. Assim a arte liberta o homem da sua finitude. O tempo a mover as cores da arte é fruto da experiência de vida, da essência do sonho vivido. Maior será o horizonte do artista por sua capacidade de sonhar. Somente sabemos que vivemos porque sonhamos. Somente sabemos que sonhamos porque a cada dia acordamos. No meu acordar, me vejo diante dos meus pares para viver mais um sonho. O da imortali-


dade acadêmica, que me alimenta a ilusão de ser menos só, menos frágil, menos vulnerável ao tempo. Recorro ao pensamento dos mais íntimos gestos para ordenar o caminho das minhas palavras. Começo com minha formação. A lembrança dos meus avós, dos meus pais, dos meus irmãos, permanentemente, se acha guardada nos rios que correm em direção à minha memória. Recordo-me dos amigos que frequentavam nossa casa, para viver uma coreografia que dividia o discurso político com o diálogo entre a arte e a poesia. Festa para os nossos ouvidos, riqueza para os nossos olhos, motivação para nossos sonhos. Martinho Moreira Franco que participou desse tempo, eternizado em convivência e amizade, a ele se refere como “quadra luminosa de nossas vidas”. Nas palavras do cronista o sentimento que é meu e de tantos que se incluem nessa preciosa evocação: “Quadra que possuía até uma quadra de verdade: o quarteirão compreendido entre as ruas José Peregrino e Minas Gerais, tendo como ponto de referência a Rua Rodrigues de Aquino, nossa inesquecível Rua da Palmeira, ali entre o centro da cidade e o bairro de Jaguaribe, imaginária divisão demarcada pela Avenida João Machado. E Martinho continua: Ah, a gloriosa turma da Rua da Palmeira! Os Melquíades, os Fernandes, os Tavares, uma tribo da paz e do amor, garotos e garotas que

amavam os Beatles e os Rolling Stones, um banquinho, um violão, Pablo Neruda, Jorge Amado, Jean-Luc Godard, Glauber Rocha, Diego Rivera... Sim, Diego Rivera, o muralista mexicano que seduzia o então menino quando ele começava a se encantar com as formas e as cores”. O mesmo canto do passado também é revelado por outra vertente. Dessa vez, ainda mais íntima. Acolho nas palavras do meu irmão Carlos Tavares igual pensamento, como se dele extraísse o meu próprio sentimento. Talvez sejam as traições do tempo as mais verdadeiras tradições a correr em nossas veias, sempre cheias de tintas, que tornam a pintar o silêncio da vida com a cor da emoção. Palavras ditadas por semelhantes e reveladoras sensações. Porque tradutoras de nossas almas irmãs, porque provedoras de nosso presente e de nosso futuro, extensão de nossas próprias vidas. Encontro em Carlos Tavares a tradução exata do meu processo criador. Vivo para dar vida, forma e cor ao “silêncio branco e áspero” a que ele se refere e que, em sua linguagem poética, encontra sentido e ressonância: “As vozes já cessaram, não se escuta mais o burburinho da infância, barulho de festas juninas ou o cheiro das noites de natal. Palmas e risos na sala, ecos de antigos folguedos nos quintais também emudeceram. Agora resta um silêncio branco e áspero que acaricia a superfície amarelada de velhas fotografias.

O mesmo silêncio que protege a face muda dos rostos ali estampados invade invariavelmente nossa memória. Funde-se ao fluxo do sangue que circula em nossa carne e acena de algum modo para a continuidade do formidável ciclo da existência: começo, meio e fim. Esta memória, cuja matéria que a alimenta nasce das perdas, dos sonhos e das conquistas que acumulamos ao longo da vida, produz por si própria, como fonte de inspirações, cores e formas que se não forem represadas por algum impulso artístico, aos poucos acabarão se diluindo no vazio que o passado instala no presente”. Aqui, nesse ponto, faço uma pausa toda especial para lembrar a figura do meu pai Arnaldo Tavares. Por seu olhar de simplicidade, pude compreender a dimensão plástica de um artista. Por suas mãos voltadas para o infinito, foi possível observar o objetivo da arte em deter o movimento do tempo. O mundo sendo percebido na recriação das imagens ou resgatado pelo silêncio que habita os objetos. Carrego essa preciosa convivência como a essência mística e intuitiva de toda minha vida. As mais antigas lembranças de quando me encantei com o desenho e a pintura, vem dos anos 1956. Via meu pai desenhando, fazendo ilustrações para jornais e livros. Ao mesmo tempo meu avô, Pedro Tavares, fotógrafo e aquarelista, exercia grande influência nos meus princípios de estética. Os dois, meu pai e meu avô, fojulho/agosto/setembro 2013 |

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ram responsáveis pela minha inclinação para a pintura e para o desenho. Hoje a fotografia ainda me acompanha, na cumplicidade estabelecida com o amigo David. Entre os livros ilustrados por meu pai, os que mais me marcaram foram: Caminhos, Sombras e Ladeiras, do professor Juarez da Gama Batista e Monumentos Históricos e Artísticos da Paraíba, do Cônego Florentino Barbosa. Nos anos 1962 a 1965 conheci vários amigos do meu pai, entre eles, José Lyra, Hermano José, Ivan Freitas, Olívio Pinto e Archidy Picado, todos grandes pintores. Esse grupo do qual meu pai fazia parte, foi o fundador do primeiro centro de arte da Paraíba, em 1947. Devo reconhecer e confessar que, antes de qualquer influência externa, antes mesmo da descoberta dos grandes nomes universais da pintura, foi o ambiente da minha aldeia, do “meu quintal maior que o mundo” que interferiu definitivamente no despertar de minha imperiosa vocação pouco a pouco transfigurada em destino. Quando, em 1963, foi fundado o Setor de Artes Plásticas da Universidade Federal da Paraíba tive a oportunidade enriquecedora de uma aprendizagem dirigida para as técnicas de pintura e desenho. Então adquiri uma consciência maior daquilo que em mim era mais tendência natural alimentada por um ambiente propício. Fui aluno da professora Lourdes Medeiros e do professor Raul Córdula Filho, nesse importante período que marcou o início de minha formação como artista plástico. Na reconstrução de meus primeiros passos, preciso salientar as grandes lições recebidas de Hermano José que, sem a formalidade da cátedra, foi e continua a ser meu mestre, na permanência da admiração e do respeito que lhe devoto. Identifico nas palavras de Hermano José, em seu pensamento sempre atual, a melhor definição sobre o exercício da arte, ou sobre o objetivo maior do artista: “Resgatar a imagem aprisionada no vazio e devolvê-la à luz do tempo”. Creio que os confrades, poetas ou narradores, também se identificam nesse “Fiat lux” que é a luta obstinada dos que se fazem criadores, em qualquer forma de expressão. Não é outra a compreensão do grande José Lins do Rego quando afirma que “o romancista é rival de Deus”. A parceria infindável que o tempo estabeleceu entre minha concepção plástica e os escritores conterrâneos reforça-me a certeza de que as artes nascem de fontes comuns e buscam os mesmos objetivos.

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De muitos que hoje me recebem como confrade, tornei-me coautor, na configuração de outro nível de expressão para suas construções poéticas ou narrativas: Gonzaga Rodrigues, Sérgio de Castro Pinto, Hildeberto Barbosa Filho, José Jackson de Carvalho, Manuel Batista de Medeiros, Jomar Morais Souto e Luiz Augusto Crispim. Também me fiz terno e eterno parceiro de poetas que romperam o fio de sua época, a exemplo de Marcos Tavares, Lúcio Lins, Juca Pontes, Chico Lino Filho, Ligia Cunha e Vera Medeiros. Pude enxergar e exaltar os bem-aventurados escritos assinados pela exímia pena de Marília Carneiro Arnaud, Wellington Pereira, Aldo Lopes, Carlos Pereira e Neno Rabello, que me faz manter o bom humor toda semana.

De muitos que hoje me recebem como confrade, tornei-me coautor, na configuração de outro nível de expressão para suas construções poéticas ou narrativas Dessa convivência apaixonante sobreveio o diálogo bem mais próximo com a literatura de José Lins do Rego, Euclides da Cunha e Ariano Suassuna. Recentemente, me encantei pelo fabuloso universo dos engenhos, casarões e canaviais, totalmente envolvido pela força da representação imagética de José Américo de Almeida. Com a professora Ângela Bezerra de Castro, através de seu ensaio iluminado, Releitura de A Bagaceira, descobri um processo construtivo, uma estrutura narrativa, uma simbologia a que jamais teria acesso sem a indicação de suas interpretações e críticas inovadoras. Antes de conceber o painel que pintei para a Universidade Federal da Paraíba em homenagem a José Américo, tornei-me leitor assíduo da formidável grafia originada pelas insignes e conexas reflexões da amiga que hoje me recebe nesta casa das ciências, das letras e das artes. Amiga que completa com sua ternura a felicidade desse instante que faz vibrar

minha alma agradecida. Volto o olhar para os espaços mágicos desta casa, como se fosse possível divisar a imortal figura de Luiz Augusto Crispim. Mas é na memória do meu afeto que a sua presença se concretiza. Em 1985, exercendo a Presidência da Academia Paraibana de Letras, Crispim me fez o convite para pintar a vida e a obra de Augusto dos Anjos. Decidira que uma tela com essa temática deveria constar do memorial do poeta, criado em sua administração. O afeto e a generosidade eram traços marcantes da personalidade de Crispim e, ligados pela nossa amizade passamos a discutir os possíveis caminhos para a obra ser executada. Depois de muitos estudos cheguei ao desenho final do painel: Augusto de costas para o expectador, se olhando em um espelho oval, símbolo do cosmo. Em volta do espelho flutuam familiares do poeta e personagens por ele criados, como numa via láctea de sombras, orbitando o ventre dos horrores, a configurar um verdadeiro relicário das agonias do EU. Luiz Augusto sabia que toda obra de arte é uma dádiva. Foi um trabalho que abracei em um só fôlego, doando-me de corpo e alma. E é indescritível o sentimento de haver compartilhado com meu nobre amigo este projeto cuja realização significou ter incorporado meu trabalho estético a esta casa da memória e da cultura. Dois Augustos enriquecendo os silêncios e contorno da minha linguagem de luz e sombra, desenho e cor. Antes de encerrar essas palavras, presto uma homenagem especial àquela que tem sido cúmplice e parceira dos meus dias, minha amada Alba. Esperança viva a alimentar o maior dos meus desejos, o melhor dos meus sonhos. Alma que dá vida à minha vida. Aos meus filhos Marieta, Marcelo e Eduardo, mar sereno de minhas pulsadas águas, dedico o legado imponderável desse reconhecimento que me enleva e gratifica. A Sérgio, Zezinho, Paulo, Tereza e Ademar, meus outros irmãos, assim como a Ana Maria Farias, irmã do coração, ofereço a safra mais pura que, amealhada no rio do tempo, preenche todas as medidas do meu coração. g

(*) Discurso de posse na Cadeira 14, da Academia Paraibana de Letras, cujo patrono é Eliseu César, no dia 5 de julho de 2013, no Auditório do Anexo do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.




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