CAPA
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Uma tela de Antônio Parreiras A RENDIÇÃO DE PEREGRINO Flávio Sátiro Fernandes
Antônio Diogo da Silva Parreiras, nascido em Niterói, RJ, em 1860 e falecido na mesma cidade, em 1937, pintor, desenhista e ilustrador, figura entre os nomes de maior relevo, nos últimos 25 anos do século XIX, ao lado de Victor Meireles, Pedro Américo, Aurélio de Figueiredo, Henrique Bernadelli, Rodolfo Amoedo e Oscar Pereira da Silva, de formação à antiga, dedicando-se, por vezes, a uma pintura de registro e de monumentalização de momentos heróicos da história do Brasil, de que são exemplos maiores, sem dúvida, as monumentais telas O GRITO DO IPIRANGA e A BATALHA DO AVAÍ, ambas de Pedro Américo. Pintor Antônio Parreiras Dedicando-se à pintura histórica e sob o incentivo de Victor Meireles, Antônio Parreiras elaborou a pintura de vários acontecimentos da história pátria, sendo de ressaltar
os quadros Proclamação da República de Piratini, Frei Miguelinho, José Peregrino, Anchieta, Felipe dos Santos, Primeiro passo para a Independência da Bahia,1 contratados, respectivamente, pelos Governos do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraíba, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. Pintou, igualmente, contratado por órgãos oficiais, as telas Fundação de Niteroi, Morte de Estácio de Sá e Fundação do Rio de Janeiro, Fundação de São Paulo e Instituição da Câmara de Santo André e Jornada de Mártires, destinados às Prefeituras de Niteroi, do antigo Distrito Federal, de São Paulo e de Juiz de Fora. Também pintou Prisão de Tiradentes e Morte de Fernão Dias Paes Leme, para as Bibliotecas Públicas de Porto Alegre e São Paulo.2 Iniciou os estudos artísticos como aluno livre na Academia Imperial de Belas Artes
Roberto Pontual , Entre dois Séculos, Editora JB, 1987, Rio de Janeiro Roberto Pontual., Dicionário de Artes Plásticas, Civilização Brasileira, 1969, Rio de Janeiro
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- AIBA, no Rio de Janeiro, em 1883, onde permaneceu até meados de 1884. Neste período freqüentou as aulas de paisagem, flores e animais, disciplina ministrada por Georg Grimm (1846 - 1887). Por discordar do ensino oferecido, desligou-se da AIBA e seguiu seu antigo professor, passando a integrar o Grupo Grimm ao lado de Castagneto (1851 - 1900), Caron (1862 - 1892), Garcia y Vasquez (ca.1859 - 1912), entre outros, dedicando-se à pintura ao ar livre. Em 1888, viajou para a Itália e durante dois anos frequentou a Accademia di Belle Arti di Venezia [Academia de Belas Artes de Veneza], tornando-se discípulo de Filippo Carcano (1840 - 1910). De volta ao Brasil, em 1890, deu aulas de paisagem na AIBA, mas após dois meses de seu ingresso, desligouse da instituição por discordar da reforma curricular promovida em novembro daquele ano. No ano seguinte, fundou a Escola do (continua na página 5)
CARTA AO LEITOR
SUMÁRIO
Revolução Pernambucana de 1817, Revolução dos padres, José Peregrino Xavier de Carvalho, Francisco José da Silveira, Amaro Gomes da Silva Coutinho, Vila Nova da Rainha, Pombal, Sousa, Pilar, Itabaiana, índios da Bahia da Traição, Conde e Alhandra, Lei Orgânica, Constituição de 1817, são nomes, expressões, locais, denominações que povoam a história desse movimento revolucionário irrompido em Pernambuco, é verdade, mas que se espalhou por quatro outros Estados nordestinos, de tal modo que perdeu sentido a expressão “revolução pernambucana” para denominar um movimento sedicioso, que proclamou a República entre nós e instituiu um documento que é por muitos considerado a primeira Constituição brasileira, embora se lhe tenha sido dado o nome de Lei Orgànica. Para alguns historiadores, a Revolução de 1817, vista, hoje, à distância do tempo – exatamente duzentos anos – põe-se acima da revolução mineira, de Tiradentes, restrita a um movimento de ideias, sem uma concretização, como foi a de 1817. O historiador José Honorio Rodrigues diz com todas as letras que 1817 “é muito mais importante que a Conjuração Mineira”. E enumera suas razões: 1817 ”foi uma revolução que tomou o poder durante três meses (6 de março de 1817 e 2 de maio de 1817). Foi a primeira revolução com combates e mortes e que lançou a Lei Orgânica discutida em Conselho, aprovada por este e pelo governo, só lhe faltando a aprovação das Câmaras (de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe) para ser posta em prática”. Justificando o epíteto de Constituição dado à Lei Orgânica de 1817, enfatiza ainda José Honório: “Esta foi a primeira Constituição feita no Brasil, por brasileiros, afirmando no preâmbulo a “soberania do povo em quem ela só reside”, “decreta e tem por decretada esta Lei Orgânica”. Ela é a primeira Constituição. Afirmava os direitos dos homens, fim e alvo dos sacrifícios sociais, a garantia às liberdades de opinião, da imprensa, religiosa, embora reconhecesse como religião do Estado a Católica Romana. Outorgava aos europeus naturalizados, aderentes ao partido da regeneração e liberdade, e aos estrangeiros que se naturalizassem o direito aos empregos e cargos da República”. Acontecimento tão significativo qual seja a passagem do bicentenário da Revolução de 1817, não poderia passar despercebido aos que fazem genius, veículo da cultura paraibana, negando aos seus leitores e assinantes a lembrança de tão heróica efeméride, na qual são exaltados os vários personagens dessa história, nos diferentes Estados em que atuou o ânimo revolucionário de 1817. A comemoração não seria possível sem o espírito de colaboração dos que, prestimosamente, enviaram seus textos para divulgação neste número, o que agradecemos.
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1817 - A ciumeira dos republicanos de Pernambuco: a carta do Padre João Ribeiro Josemir Camilo de Melo
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BÁRBARA DE ALENCAR, DE INIMIGA DO REI A HEROÍNA NACIONAL: PERCURSOS DA MAGINAÇÃO HISTÓRICA E MODELOS DE REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA Cláudia Luna
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Memórias da Insurreição de 1817 na Paraíba: O Diário do Sargento Francisco Inácio do Valle Serioja R. C. Mariano
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CANCIONEIRO DA REVOLUÇÃO Diversos
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A primeira lei orgânica brasileira: 1817. José Honório Rodrigues
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O PROCESSO HISTÓRICO DE 1817 EM PERNAMBUCOA Vamireh Chacon
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A REVOLUÇÃO DE 1817 NA PARAÍBA: VELHAS E NOVAS INTERPRETAÇÕES José Octávio de Arruda Mello
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O despertar de uma memória esquecida e aviltada: Revolução de 1817 na Paraíba Eliete de Queiroz Gurjão
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ARTES PLÁSTICAS Quatro telas de Antonio Parreiras
Novembro/Dezembro/2017 - Ano V Nº 28 Uma publicação de LAN Edição e Comercio de periódicos ltda. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 99981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora
CAPA: Fragmento da tela "A rendição de Peregrino, do pintor Antonio Parreiras.
CARTAS E LIVROS para o endereço OU E-MAIL acima
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colaboram neste número: 4
CLÁUDIA LUNA [Bárbara de Alencar, de inimiga do Rei a heroina nacional] Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Tem artigos publicados em periódicos diversos. Tem capítulos em livros no Brasil e no exterior.
JOSEMIR CAMILO DE MELO [1817 – A ciumeira dos republicanos de Pernambuco: a carta do Padre João Ribeiro] Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Sócio fundador do Instituto Histórico de Campina Grande, Presidente da Academia de Letras de Campina Grande.
ELIETE DE QUEIROZ GURJÃO [O despertar de uma memória esquecida e aviltada: Revolução de 1817 na Paraíba] Professora Mestre, aposentada da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), coordenadora do projeto “Antes que se apague completamente: memória e patrimônio da Revolução de 1817 na Paraíba” .
JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELO [A revolução de 1817 na Paraíba: Velhas e novas interpretações] Historiador de ofício, com doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, como professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de várias obras que abordam a história da Paraíba.
FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [Uma tela de Antônio Parreiras] Membro da Academia Paraibana de Letras e do IHGP. Autor dos livros História Constitucional da Paraíba e História Constitucional dos Estados Brasileiros, este em parceria com o Professor Paulo Bonavides. Diretor e Editor da revista GENIUS. Romancista, poeta, historiador. JOAQUIM DO AMOR DIVINO CANECA, Frei (In Memoriam) (Recife, 1779 – Recife, 1825) [Entre Marília e a Pátria, poema] Religioso carmelita. Engajou-se em dois movimentos revolucionários que grassaram no Nordeste brasileiro em 1817 e em 1824. Neste último foi processado, preso e morto por enforcamento, conforme decisão tomada pela comissão militar que o processou. JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES (In Memoriam) (Rio de Janeiro, 1913 - Rio de Janeiro, 1987) [A primeira lei orgânica brasileira: 1817] Historiador brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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MARIANE BIGIO [Um cordel para Bárbara] Cordelista pernambucana, com destacada produção.
SERIOJA R. C. MARIANO [Memórias da insurreição de 1817 na Paraíba: O diário do Sargento Francisco Inácio do Valle]. Doutora em História UFPE, Pos-Doutora em História - UFMG. Membro do Departamento de História da UFPB.
SEVERINO ALVES DE SOUSA [A revolução pernambucana de 1817, poema] Poeta pernambucano.
VAMIREH CHACON [O processo histórico de 1817 em Pernambuco] Professor Emérito da Universidade de Brasília, integrante do IHGB e autor de vasta obra histórico-político-cultural, com destaque para a História das ideias socialistas no Brasil (1965) e História dos Partidos Brasileiros (1981). Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra, em 2014.
A RENDIÇÃO DE PEREGRINO (continuação da página 2)
Ar Livre, em Niterói, Rio de Janeiro. De 1906 a 1919 viajou frequentemente a Paris, onde manteve atelier. Recebeu, em 1911, o título de delegado da Sociéte Nationale des Beaux Arts, raramente concedido a estrangeiros. Em 1926, lançou seu livro autobiográfico História de um Pintor Contada por Ele Mesmo, com o qual ingressou na Academia Fluminense de Letras. Fundou o Salão Fluminense de Belas Artes, em Niterói, em 1929. Em 1941, sua casa-ateliê, na mesma cidade, foi transformada no Museu Antônio Parreiras, com o objetivo de preservar e divulgar sua obra. Comentário Crítico O pintor e desenhista Antônio Parreiras ingressou na Academia Imperial de Belas Artes - Aiba em 1883, primeiro como aluno livre e depois como aluno regular. No período em que frequentou a escola, dedicouse sobretudo às aulas de pintura de paisagem, flores e animais, com o pintor alemão Georg Grimm (1846 - 1887). O professor estimulava os alunos a pintar fora dos ateliês da academia. Em 1884, Grimm se desligou da instituição, e seus alunos mais próximos, entre eles Parreiras, Caron (1862 - 1892), Castagneto (1851 - 1900), Garcia y Vasquez (ca.1859 - 1912) e Francisco Ribeiro (ca.1855 - ca.1900), o acompanharam. Grimm deu aulas de pintura ao ar livre ao grupo - que seria conhecido como Grupo Grimm - na região de Boa Viagem, em Niterói, Rio de Janeiro. O coletivo representava uma renovação na pintura de paisagem brasileira. Tratava o tema com autonomia, fugia dos modelos acadêmicos e procurava a especificidade do panorama natural brasileiro, com base na observação direta da natureza. Em 1885, Parreiras realizou suas primeiras exposições, nas quais mostrava as paisagens que fez durante as expedições do Grupo Grimm. Com a desarticulação do coletivo, o artista prosseguiu o aprendizado como autodidata. No ano seguinte, excursionou com o pintor Pinto Bandeira (1863 - 1896) pela serra de Petrópolis, Rio de Janeiro. Lá, realizou paisagens em que o céu é pintado de maneira encrespada, a atmosfera é carregada e a vegetação, selvagem. A partir daí, sua pincelada torna-se mais espessa e seus temas, mais dramáticos. Parreiras pintou cenas em que a natureza aparece com força incontrolável. Essas pinturas obtive-
Pintor Antonio Perreira (1860, Niteroi - 1937, Niteroi)
ram sucesso crescente. Em 1886 o imperador Dom Pedro II (1825 - 1891) adquiriu o quadro Foz do Rio Icarahy (1885), e no ano seguinte a Aiba comprouas telas A Tarde e O Rio de Janeiro Depois da Tempestade. Esse reconhecimento permite que o artista viaje à Europa em 1888. Desembarca no porto de Gênova e depois de estabelecer-se por um curto período em Roma, fixa residência na cidade de Veneza, matriculandose como aluno livre da Accademia di Belle Arti di Venezia onde estuda por dois anos, tendo aulas com o professor Filippo Carrano (1840 - 1910). Por meio deste contato Parreiras se entusiasma com a possibilidade de pintar a natureza em mutação, figurando processos efêmeros, como as transformações produzidas pela neblina e pela mudança das condições atmosféricas na paisagem. Suas telas tornam-se mais cheias de figuras e com a pasta de tinta ainda mais espessa. O artista se aproxima de técnicas impressionistas da pintura italiana. É na temporada européia que ele começa a interessar-se pela figura humana e toma contato com a poesia clássica. Em seu retorno ao Brasil, em 1890, Parreiras é nomeado professor interino da cadeira de paisagem da Aiba, permanecendo no cargo por apenas dois meses. Nesse mesmo ano, a reforma curricular proposta por Rodolfo Bernardelli (1852 - 1931) e Rodolfo Amoedo (1857 - 1941) extingue a disciplina de paisagem e altera o nome da instituição para Escola Nacional de Belas Artes - Enba. No ano seguinte, Parreiras passa a lecionar na Escola do Ar Livre, por ele fundada, em
Niterói, com orientação contrária à do ensino oficial. Mantém contato direto com a paisagem e se dedica a capturar a especificidade da paisagem brasileira. Por volta de 1894, suas pinturas se tornam mais claras, demonstrando interesse pela luminosidade tipicamente nacional. Na pintura Sertanejas (1896), aproxima-se da natureza virgem e distante da presença do homem. Nesse trabalho o pintor pretende figurar o vigor de uma flora intocada e tipicamente brasileira, descoberta em seus estudos em expedição nas matas de Teresópolis, Rio de Janeiro. Entre o fim do século XIX e o início do século XX, Parreiras tornou-se um artista consagrado. Ele ampliou o leque de temas e deixou de dedicar-se exclusivamente às paisagens. A partir de 1899, recebe encomendas de execução de painéis em alguns palácios e prédios públicos. Incentivado por Victor Meirelles (1832 - 1903), executa pinturas de cenas históricas para o poder público. Entre elas se destacam Proclamação da República, Morte de Estácio de Sá e Prisão de Tiradentes, trabalhos que aumentam sua notoriedade no Brasil. O sucesso lhe proporciona uma vida mais confortável. A partir de 1906, Parreiras vive entre Paris e Niterói. Mantém ateliê na França, onde trabalha e expõe com regularidade. Em 1909, mostra seu trabalho com nu feminino Fantasia, no Salon de la Societé National des Beaux Arts. A repercussão é muito positiva, e esse gênero de pintura se torna um dos principais filões de sua produção. Parreiras é eleito, pelos leitores da Revista Fon Fon, o maior pintor brasileiro vivo em 1925. O artista falece em 1937, em Niterói. O episódio da rendição de José Peregrino de Carvalho foi imortalizado no quadro de Antonio Parreiras, pintado em 1918. Trata-se de uma tela encomendada ao artista no governo de Camilo de Holanda e exposta, até hoje, na sede do governo estadual, que retrata a cena de rendição na qual o pai de Peregrino, Augusto Xavier de Carvalho, com a imagem de um crucifixo na mão, peddo para que o filho se entregasse. Diante do apelo do pai, Peregrino cede e é levado preso. Essa cena é reforçada pela historiografia paraibana que consegue, assim, mitificar um dos heróis de 1817, como ressalta Serioja Marianao, ao qual, segundo a promessa do governo português, seria dado o perdão e nenhuma represália sofreria. Mas não foi o que se viu... g
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EM TORNO DE UMA CARTA 1817 - A ciumeira dos republicanos de Pernambuco: a carta do Padre João Ribeiro Josemir Camilo de Melo
A Revolução de 1817 na Paraíba A notícia de uma “insurreição” ocorrida, no Recife, em 6 de março, chegou no dia seguinte à capital da Paraíba, e já havia agitação do coronel Amaro Gomes Coutinho, bem como do Capitão André Dias de Figueiredo e de Manoel Clemente Cavalcante, estes, para invadir Itabaiana. O Ouvidor fugiu, deixando os outros dois membros da Junta, que resolveram entregar o Governo ao Tenente-coronel Estevão Carneiro da Cunha e ao Coronel Amaro Gomes Coutinho, pensando que seriam contra os republicanos de Pernambuco (PINTO, 1908, p. 252/3). Em 14 de março, Amaro Gomes Coutinho e Estevão Carneiro da Cunha proclamaram a República e levantaram a bandeira branca da liberdade, distribuindo fitas brancas para serem levadas no braço. A Junta provisória republicana recebeu o apoio de milícias armadas vindas do Pilar, sob o comando do Padre Ignacio Leopoldo e de Antônio Pereira, que entraram na cidade, no dia 15, com mais de 2.000 homens comandados pelo sargento-mor das Ordenanças, Antônio Galdino Alves da Silva, do Pilar e o Capitão Manoel da Costa Lima. A Junta republicana ficou formada com o Padre Antônio Pereira de Albuquerque, Ignacio Leopoldo de Albuquerque Maranhão, o mineiro e militar, Francisco José da Silveira, Francisco Xavier Monteiro da Franca e. Antônio Manoel da Silva Coelho (Idem, p. 254 e p. 257/8). Índios foram usados como massa de manobra por ambos os lados políticos. Os republicanos receberam mais de 100 índios da Bahia da Traição, trazidos por seu comandante, enquanto que a reação monarquista, dias depois, receberia o apoio dos índios das vilas do Conde e Alhandra, através de seus capitães. Um ou outro trabalhador negro escravizado foi usado como bucha de canhão na briga dos brancos, por suas liberdades ou manutenção de poder. Em Pernambuco, chegou-se até a aventar a libertação dos escravizados se pegassem em armas pela Re-
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pública. Tal ideia, lá, foi abafada e os negros que pegaram em armas buscaram sua própria luta, a formação de quilombos. Na Paraíba, os trabalhadores negros devem ter sido incorporados às tropas republicanas por ameaças e obrigação dos e aos senhores, como parece ser o caso de um escravizado de Amaro Coutinho, o cabra Joaquim de Santa´Anna, que participou das lutas, como alferes. No entanto, entre os seus 22 escravos, dois outros já se encontravam livres (“fugidos”) do engenho do republicano, o que demonstra que o regime era idêntico, sob o chicote de republicanos e monarquistas brancos. A Vila Nova da Rainha (Campina Grande) aderiu, sob a liderança do vigário Virgínio Campello e o português José Nunes Vianna, comandante das Ordenanças que, esperava, com sua adesão, indo à capital, obter alto cargo com os republicanos, mas, com a queda da Revolução, mudou de lado, entregando alguns revolucionários (PINTO, p. 260; ALMEIDA, 1978, p. 72). Em Sousa, o Padre Luiz José Correia de Sá e o Padre José Martiniano de Alencar combinaram planos para levar a Revolução ao sul do Ceará; em Pombal, o Padre José Ferreira Nobre aderiu (PINTO, Op. cit., p. 260/1). No plano militar, a Junta conclamou voluntários ao serviço militar pelo prazo de 5 anos e fez do Mosteiro de São Bento o seu quartel. Proibiu a prisão por simples denúncia e proclamou uma lei, perdoando os criminosos. Para expandir a Revolução, a Junta fez seguir, para o Rio Grande do Norte, uma tropa de 50 homens, sob o comando do Ajudante do Batalhão de Linha, José Peregrino Xavier de Carvalho. Uma vez, no poder, os revolucionários começaram a emitir leis republicanas, muitas vezes, sem contatos diretos com os correligionários de Pernambuco, o que lhes valeria uma reprimenda do líder Padre João Ribeiro. A Junta aboliu novos impostos sobre
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carne verde, lojas, tavernas etc., extinguiu as bandeiras e insígnias reais portuguesas, trocando-as por fitas brancas da liberdade; reduziu pela metade os direitos da Alfândega; declarou a igualdade entre estrangeiros e nacionais; instituiu o tratamento ‘vós’. Esse documento foi assinado de “Pacatuba (engenho) a 24 de março de 1817, o 1º da Independência” (negrito nosso). Trata-se, aqui, talvez, do primeiro registro desta expressão comemorativa, antecipando-se à derivada de 1822 (Idem, p. 258). Outras leis foram promulgadas, mandando que os emolumentos da Secretaria do Governo entrassem para os cofres do Tesouro Público; removeu a criação de gado para o interior, em benefício da agricultura; perdoou metade dos impostos sobre o algodão exportado, e reservou, ao governo republicano, a venda de pau brasil (Ibidem). A carta do Padre João Ribeiro Não se fez esperar e surgiram algumas dissensões políticas entre os revolucionários das capitanias vizinhas, através de uma carta enviada pelo Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, membro do Diretório Republicano de Pernambuco, aos líderes paraibanos e ao governo republicano da Paraíba, nas pessoas dos colegas, padres Antônio Pereira e Ignacio Leopoldo. Esta carta se encontra transcrita no primeiro volume do livro de Irineu Ferreira Pinto, Datas e Notas para a História da Paraíba, numa nota de rodapé extensa (Op. cit., p. 259-263). O missivista escreveu a carta dizendo ter recebido, em 30 de março de 1817, um maço com 17 decretos promulgados pelo Governo Provisório da Paraíba e foi logo direto ao assunto: “tomo a liberdade, pela nossa amizade de já e já dizer-vos o que sinto, por ser a bem da Republica; e perdoareis a minha franqueza, que é a de um republicano”. Dizia, em seguida, que: “A Paraíba é tão vizinha de Pernambuco, os hábitos e costumes dos seus habitantes são tão semelhantes, que as leis,
que convierem a uma, convirão necessariamente a outra Província (sic). Para se ter uma ideia desta mobilidade entre as duas capitanias, nesta região limítrofe (antigas terras da Capitania de Itamaracá) é bom que se diga que, dos 17 revolucionários pernambucanos que participaram da Revolução, na Paraíba (18, se se incluir Amaro Gomes Coutinho, sobre quem pairam dúvidas, ou confusão, já que havia,na Paraíba, e não na Revolução, dois com o mesmo nome, pai e filho), oito eram procedentes de Goiana. Continuando o discurso acima, o padre João Ribeiro criticava o Governo republicano da Paraíba, perguntando-se: “que precipitação tem, pois, sido a vossa em promulgar tantos decretos? Ao menos se nos consultásseis! E passava a explicar como funcionava o governo republicano em Pernambuco: “(...) compõe-se de cinco pessoas; (...) assim mesmo, nada e nada legislamos e nem podemos legislar, sem consultar o Dr. Caldas, e o Dr. Antônio Carlos, (...) Gervásio Pires Ferreira, os Secretários, Padre Miguel Joaquim d´Almeida e Castro, e José Carlos Mayrink”, para concluir dizendo: “a vista destes nomes posso, sem ofender a modéstia, dizer, que esse governo (da Paraíba) melhor faria, copiando-nos do que inventando precipitadamente, em risco de errar: demos um golpe de vista pelos vossos decretos (PINTO, p. 259/260). Condenava a abolição das Câmaras, o que lhe parecia ser um absurdo, e elogiava a lei que mandava recolher as patentes portuguesas e acabava com as insígnias Reais, porque “é enérgica e justíssima: se for obedecida, grande passo se deu para a Liberdade!”. Também elogia a lei que abolia os tributos do novo imposto sobre carne fresca, lojas e tavernas etc. e acrescenta que eles, lá, em Pernambuco, “já tínhamos feito o mesmo”.
Já sobre a lei que igualava os direitos da Alfândega, entre as nações estrangeiras e reduzindo à metade o que dantes pagavam, o Padre João Ribeiro criticava, perguntando-se sobre a segunda parte dela: “(...) com que dinheiro pretende sustentar as tropas da Paraíba?” E ia mais adiante, na crítica, no que parecia sensato, mas não aceitava o que propunha a lei que tinha em vista o aumento dessa cidade, “chamando para aí os estrangeiros”. Advertia que isto era para a paz; e não para o momento, “em que os cidadãos da Paraíba devem cuidar tão somente na defesa de suas pessoas, e não em aumentar por ora, a cidade (negrito nosso), porque não nos convém tê-las muitas (sic) grandes a beira-mar” (Idem, p. 261). Concordava com a proibição de “que alguém seja preso por denúncia etc. Bravo! Esta Lei é muito liberal e tendente a pacificação: louvores sejam dados a quem a propôs, porém deve haver grande vigilância sobre os desgostosos”. Do mesmo jeito, se animava com o decreto para que cidadãos assentassem praça pela Revolução, principalmente, pelo prazo de cinco anos. Muito bem calculado, dizia. Seu estilo é direto, às vezes, condescendente, mas também, duro e, até, irônico. Por exemplo, quanto ao decreto perdoando criminosos, ele dizia que a lei começava bem mas acabava mal, pois o Governo não devia ser Juiz e que esta lei era uma mixórdia, e que se devia suspendê-la e esperar o que Governo Provisório, em Pernambuco, estava montando com a divisão dos três Poderes, legislativo, executivo e judicial (Idem, p. 261/2). Ao criticar os ordenados da Secretaria do Governo, dizia que o ideal era que fossem mais altos, mas, devia-se atender a economia de guerra, para que se pudessem ter tropas e armas, “que é o essencial” (Idem,
p. 262). Também rechaçava o decreto que perdoava metade dos direitos da exportação do algodão etc., e sobre isto o Padre João Ribeiro, parece se munir de uma ciumeira: “Eis outra vez a balda de querer fazer da Paraíba uma grande cidade (negrito nosso) antes de estar decidida a questão de quem ela será”. Em seguida, pergunta:“não era melhor a medida já proposta por este Governo (de Pernambuco?), de haver aqui (no Recife?) quem receba esses direitos por conta da Paraíba? E sugere que“(...) Esta Lei, bem como a outra, deve ser revogada já e já; é o remédio que há: (...) e vós, meu Padre, não subscreva tais Leis a torto e a direito” (Ibidem). O padre parece perder a calma a respeito do decreto de 27 de Março sobre o pau brasil, explodindo a frase: “Esta Lei foi feita de um murro, perdoai-me a expressão!” Em seguida, com paciência, tenta mostrar a fórmula com que todos lucrarão: “Vós, que tão pródigos vos tendes mostrado com direitos de importação e exportação menos gravosos, quereis recuperar o que ali havíeis perdido, com o pau brasil alheio?” E pede que os revolucionários paraibanos esperem que o Diretório pernambucano decida, pois “Sobre estes objetos temos sobre a mesa um Decreto, que vai ser publicado; o qual restitui o pau brasil aos donos das terras que o criam, pagando um direito de exportação que o Estado lucra e lucra o proprietário;” (Ibidem). Finaliza a consulta que os membros da Junta paraibana lhe enviaram, pleiteando uma consciência política de se criar uma República regional, para que se obtenha o sucesso: “Eis o que tenho a dizer sobre os vossos decretos de bem e de mal: segundo penso o nosso governo talvez sobre eles vos faça reflexões, que não deveis desprezar: a inco-
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erência dos vossos decretos (falo dos que me parecem tê-la) me confirma na opinião, de que Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará devem formar uma só República, devendo edificar uma cidade central, para capital (negrito, nosso): cá, no nosso conselho, há quem seja de voto contrário: mas eu tenho experiência do país; e há grande falta de políticos e sábios; de sorte que, para haver alguma coisa é necessário que se reúna o bom de todos, enquanto se não propagam as luzes; além disto estas Províncias (sic) estão tão compenetradas e ligadas em identidade de interesses e relações que não se podem separar; e para que não penseis, que digo isto afim (sic) de engrandecer Pernambuco, sujeitando-lhe as outras províncias, como antigamente, vede que proponho, como condição essencial, o levantamento de uma cidade central, que pelo menos diste 30 a 40 léguas da costa do mar, para residência do Congresso e do Governo; tomai isto em séria condição; um obstáculo acho eu, que é, em semelhante distância e proporção, um local fértil, sadio e abundante de boas águas para semelhante fundação; o certo é que tenho viajado pouco! E cumpria que esta capital fosse na Paraíba; esse governo deve manter para aqui uma correspondência ativa de dois correios por semana; este governo pagará metade da despesa (Idem, p. 263). Em seguida, como se fosse um post scriptum (que o faz mais abaixo), informa à Junta que “A 28 deste começou a trabalhar a nossa imprensa; e vos remeto o seu primeiro trabalho para espalhardes e mandardes para o sertão; a Deus (sic), meus amigos. Recife, 30 de Março de 1817, uma hora depois da meia noite, ou 31 de Março; sou todo vosso. João Ribeiro”. No PS, rogava aos bravos republicanos, correligionários da Paraíba, que fossem “mais circunspectos em promulgações de decretos que vos podem comprometer e comprometer-nos estragando a boa causa; vede, que a nossa situação é assaz melindrosa; parai um pouco e consultai-nos”. E se lamentava de que não “(...) Não vos podemos mandar o Dr. João de Deus, porque infelizmente está no Rio, ele vos seria útil, como político, que é do que vós precisais, e não de Jurisconsulto, salvo se persistirdes em ser Juízes”, nem o Doutor Antônio (trata-se de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva), “por nos ser de absoluta necessidade
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e não o podermos dispensar”. Em seguida, saudava que “Alagoas está por nós”, e mandava dar parabéns ao Estêvão (Carneiro da Cunha – o padre não sabia que ele rejeitara a Revolução e se escondera), alegando que o irmão do Estêvão, lá, em Pernambuco, se portara de tal maneira que fora promovido a Coronel. Mandava, junto com aquela carta, 409 ‘precisos’, os panfletos revolucionários, “que repartireis com os membros do governo, com Estêvão José Carneiro e com o Coronel Amaro, 5 a cada um, e 10 para o Rio Grande do Norte; cada um espalhe o seu para o interior. Nós não podemos mandar um membro para lá persistir; mas irá para arranjar” (Ibidem). O destino das cabeças cortadas No entanto, todo esse sonho de se libertar do jugo repressor absolutista emanado de Portugal começou a ruir. Em fins de abril, já começava a contrarrevolução, liderada pelo coronel Mathias da Gama Cabral, em que as forças republicanas, sob o comando de Amaro Gomes Coutinho, no cerco de Tibiri, se recusaram a obedecê-lo; já estavam aliciadas pelos monarquistas. Levando o líder republicano a se render (PINTO, Op. cit., p. 264). Em seguida, caiu o quartel da fortaleza de Cabedelo, quando a tropa monarquista matou o comandante republicano (Idem, p. 265 a 268). No dia 5 de maio, começou a capitulação e, no dia 7, restabeleceu-se o governo português. Dois dias depois de caída a República, chegava o jovem José Peregrino Xavier de Carvalho, com tropa. O pai de Peregrino, o advogado Augusto Xavier de Carvalho, lhe pede que deponha as armas, a quem obedece e segue preso para Cabedelo (Idem, p. 269). Em maio, vêm as ordens de prisão para José Peregrino Xavier de Carvalho, José Maria de Mello e Albuquerque; Antônio de Oliveira, Joaquim Baptista Avundano, Amaro Gomes Coutinho. Joaquim Manoel Carneiro da Cunha. Padre Virgínio Roiz (Rodrigues) Campello, Padre Veríssimo Machado Freire; Francisco José da Silva, Felippe Maria Callado da Fonseca; João de Albuquerque Maranhão, o preto Estêvão de Lima, do regimento dos Henriques, o cabra Joaquim de Santa´Anna, escravo de Amaro Gomes Coutinho; e Antônio Quintiliano (Idem, p. 275/6). Foram presos e enviados para Pernambuco 78 revolucionários, entre padres (10) e militares (29), por serem cabeças de revolta. Enquanto isto, boa parte dos civis
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e moradores (40 deles) ficaram presos na cadeia da cidade. Julgados no Tribunal, em Pernambuco, foram condenados à morte por enforcamento, em 21 de agosto, no Recife, José Peregrino Xavier de Carvalho, Francisco José da Silveira e Amaro Gomes da Silva Coutinho. Em 26 de agosto é lido o sumário dos outros implicados, entre eles, o Padre Virgínio Rodrigues Campello, pernambucano e vigário de Campina Grande, que foi condenado a 10 anos de prisão, com degredo em Angola. Em 6 de setembro são ‘justiçados’ (Pinto não diz como) no Recife, o padre Antônio Pereira de Albuquerque, e Ignacio Leopoldo de Albuquerque Maranhão, tendo ambos, cabeças e mãos decepadas e expostas (Idem, p. 288/9 e 293). Em setembro de 1818, depois de mais de um ano, 13 paraibanos ainda mofavam nas cadeias do Recife, quando foram mandados, num lote de 104 presos políticos, para os cárceres da Bahia, de onde, a maioria só saiu em 1821. Alguns que foram tomados como cabeças do movimento, a exemplo do advogado Augusto Xavier de Carvalho, pai de Peregrino de Carvalho, que pedindo clemência ao Rei, em breve, já ocupava cargo político local. Três ex-presos políticos foram eleitos para a Assembleia Constituinte Portuguesa de 1821: Padre Virgínio Rodrigues Campello (e para a brasileira de 1822), Joaquim Manoel Carneiro da Cunha (Filho), de Pernambuco (em 1822, também), e o Padre José da Costa Cirne. Os fugitivos da revolução, como José da Cruz Gouvêa, anistiado, foi eleito à Constituinte de 1822. Estêvão Carneiro da Cunha, refugiado em Londres, talvez para justificar seu apego à monarquia, foi quem mais obteve sucesso na política imperial. Negou sua participação como liderança e que fora coagido por José Peregrino de Carvalho, bem como por seu cunhado, Amaro Gomes Coutinho. Rastejara-se diante da restauração da monarquia, prontificando-se até a servir como simples soldado (Documentos Históricos, Op. cit., p. 44/5). Anistiado, elegeuse à Assembleia Constituinte de 1822; e, em 1823, era Presidente da Província da Paraíba e, depois, Senador. Outro, o senhor do engenho, Manoel Lobo de Miranda Henriques, liberto, foi eleito presidente da Paraíba. Enquanto isto, entravam, no limbo da memória, cabeças decapitadas e mãos decepadas e salgadas (salpresas, se dizia), expostas em cada praça, em que pregaram os bravos republicanos. g
ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES OAB Nº. 17.131/PB
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Conselheiro Aposentado do Tribunal de Contas do Estado Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba Especialista em Direito Administrativo ISSN: 2357-833
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REVOLUÇÃO NO CEARÁ BÁRBARA DE ALENCAR, DE INIMIGA DO REI A HEROÍNA NACIONAL: PERCURSOS DA IMAGINAÇÃO HISTÓRICA E MODELOS DE REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA Cláudia Luna
RESUMO: Durante a tarefa de resgate da participação feminina nas lutas pela independência do Brasil, nos deparamos com a figura ímpar de Bárbara de Alencar. Matriarca do Crato e ativa na Revolução de 1817, será considerada inimiga do Rei pela historiografia oficial. No entanto, sob o viés do imaginário popular e regional, será progressivamente enaltecida e valorizada como heroína. Neste trabalho, apresentaremos uma visão geral das obras literárias em que foi representada, destacando alguns processos de construção do mito, a partir da figura da mártir cristã e da transculturação com figuras-chave do imaginário de matriz africana. Ao mesmo tempo, destacaremos alguns elementos do diálogo entre discurso historiográfico e relato ficcional, em especial o romance de extração histórica. PALAVRAS-CHAVE: Bárbara de Alencar – independência –- poder – imaginário – literatura e história ABSTRACT: Searching for women participation in the fights for the independence of Brazil, we find the unique figure of Bárbara de Alencar, a matriarch from the city of Crato, in Ceará, who participated in the Revolution of 1817 and was considered the King’s enemy by the official historiography. However, with time she became appreciated as a heroine by the popular and regional imaginary. This paper will present an overview of her representation in Brazilian literature and will analyze some processes of the construction of her as a myth, through her association with the Christian martyrs and by the transculturation process with the African imaginary. It will also present some elements of the dialogue between the historiographic discourse and some literary works, especially novels with historic impregnation.
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KEYWORDS: Bárbara de Alencar – independence – power – imaginary – literature and history MINICURRÍCULO: Cláudia Luna é Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Coordena o Diretório de Pesquisa MAR (Modernidade/alteridade/representação), certificado pelo CNPq. Tem artigos publicados em periódicos como Gragoatá, Ipotesi, Excavatio, Anuario de Estudios Hispánicos, Versus, entre outros. Publicou (em coautoria com Suely Reis Pinheiro) o livro Do riso e da luta: ensaios sobre Manuel Scorza; tem capítulos em livros do Brasil e do exterior. Participa como pesquisadora da REDE DE ESTUDOS ANDINOS e do CEMHAL (Lima); é membro do GT Mulher e Literatura, da Anpoll. BÁRBARA DE ALENCAR, DE INIMIGA DO REI A HEROÍNA NACIONAL: PERCURSOS DA IMAGINAÇÃO HISTÓRICA E MODELOS DE REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA Cláudia Luna Universidade Federal do Rio de Janeiro O SOLDADO: Sob as ordens do Rei, Senhora, o Capitão-Mor impõe-vos prisão por alta traição. DONA BÁRBARA: Do que seja traição não tendes noção. Se traí, sim, ao Rei, não traí à Nação. O SOLDADO: Pouco importa, Senhora, vossa austeridade: Sofrereis punição por lesa-majestade! Álvares Aquino Um dos mais férteis campos de estudo, atualmente, tem sido o do resgate da participação feminina em momentos chave da história, revisando os padrões da historiografia
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oficial, que as relegava a figurantes. Entre 1809 e 1825 se tornaram independentes as principais nações do continente latino-americano. De nossa independência, emergem algumas “heroínas”, como Joana Angélica ou Maria Quitéria, figuras de exceção num universo masculino. No entanto, outras mulheres tiveram participação ativa nas lutas de emancipação do Brasil, embora sua atuação tenha ocorrido em outras trincheiras. Neste trabalho vamos examinar a figura de Bárbara de Alencar, as formas como passou à posterioridade, na historiografia, e como tem sido representada em termos literários. Matriarca do Crato (Cariri) participou na Revolução de 1817, no Nordeste brasileiro, um movimento que antecipava os anseios de libertação da metrópole, preconizando o modelo republicano em pleno período colonial. Como analisa o historiador Denis Bernardes: Ao quebrar um dos pilares secularmente construídos da identidade portuguesa, o da tradicional fidelidade dos vassalos de sua Majestade Fidelíssima, 1817 foi a mais ousada e radical tentativa de enfrentamento até então vivido pela Monarquia portuguesa em toda a sua história (2006, p. 205). Funda-se uma nova soberania em solo real, e “uma parte importante da monarquia funda uma outra soberania e lança-se no crime de separar-se do corpo do Rei, de não ser mais simbólica e praticamente, parte dele” (ibidem, p. 205). Por esta razão, embora a República tenha durado poucos dias, sua repressão durou cerca de quatro anos e a “consequente restauração da ordem monárquica” somente se fecha em 1821, com a revolução do Porto. Em 1817, Bárbara, já viúva, administrava os negócios da família e tinha grande influência na vida política e cultural da região do Cariri. Portanto, seu apoio ao movimento terá grande repercussão. Trazido por seu fi-
lho, José Martiniano, o movimento rebelionário proclamará a República, no Crato, em três de maio, com adesão de parte do clero e da elite local. No entanto, em poucos dias a repressão avança sobre a região, liderada pelo Capitão-mor José Pereira Filgueiras, inimigo político da família Alencar. Primeiramente são presos os filhos de Bárbara; dias depois, ela é aprisionada e levada para o calabouço do Forte, em Fortaleza. Daí, penará em prisões de Recife e Salvador. Libertada em fins de 1820, somente em inícios de 1821 os tribunais declaram nula a devassa contra os insurgentes. Em nossas pesquisas sobre a personagem, não encontramos documentos de sua lavra. No entanto, vários estudiosos fazem referência a seu letramento e cultura, como Irineu Pinheiro, um dos principais historiadores cearenses, que comenta sobre correspondência trocada entre Bárbara e o filho; ao mesmo tempo, é sabido que ela tinha contato estreito com o padre maçom Manuel de Arruda Câmara e com os ilustrados pernambucanos, em Olinda. Talvez a queima dos documentos no Crato, logo após as prisões, para impedir a devassa (o que, afinal, permitiria o perdão real, anos depois), tenha destruído material importante de sua autoria. De toda forma, como observa Ariadne Araújo, “De rica, com prestígio moral e político, Bárbara de Alencar retorna envelhecida, sem os bens que herdara e comprara e com a alcunha de traidora da pátria” (2002, p. 33). Além disso, seus inimigos políticos começam a acusá-la de adúltera. Em 1824, ocorre a Confederação do Equador, da qual participará novamente a família Alencar, com o saldo de nove mortos, dentre eles seu filho Tristão Gonçalves. Com a abdicação de Pedro I, em abril de
1831, partidários da Restauração lideram revolução violenta no Nordeste, liderada pelo caudilho Pinto Madeira, inimigo pessoal dos Alencar. Dona Bárbara, temendo a violência que costumava rondar a família nos períodos de turbulência política, abriga-se no Piauí, mas não resiste às agruras da viagem e morre, em 1833. Em suma, a participação de Bárbara é registrada em diversos documentos, lembrada e reivindicada por muitos de seus parentes, descendentes e correligionários. Evidentemente a notável carreira política do filho fará com que a família mantenha íntima relação com a vida pública do país. Afinal, José Martiniano, pai do autor de Iracema, foi presidente da Província do Ceará e Senador do Império, considerado o político de maior prestígio em todo o Nordeste, segundo Capistrano de Abreu. É certo que a presença dos Alencar e dos Araripe se estende até hoje no país, incluindo políticos e intelectuais, artistas e pesquisadores. De certa forma, poderíamos associá-los a uma vertente da historiografia brasileira que não foi a vitoriosa, nos inícios do IHGB, ao contrário do projeto de Varnhagen, baseado nos grandes feitos dos grandes homens. Como já vimos, se vincula a outra linhagem, à de Capistrano de Abreu, que propõe um modelo de história que contempla o regionalismo e a diversidade, acolhendo a memória oral e as culturas populares. Se a voz do povo é, afinal, a voz de Deus, será através deste viés que se perpetuará dona Bárbara de Alencar. Como lembram Raquel de Queiroz (uma de suas descendentes) e Heloisa Buarque de Hollanda, no já mencionado estudo: “A Corte não perdoou a ousadia de Bárbara. Durante cerca de quatro anos, ela, bem como os filhos, andou pre-
sa, algemada, constantemente transferida de uma capital para outra, do Ceará à Bahia. (…). A matriarca, avó do escritor José de Alencar, morreu na década de 60 do século XIX” ( QUEIROZ, s/d). O emprego do termo não é casual. Se investigamos a figura da matriarca e sua linhagem chegamos à matriz bíblica. No Antigo Testamento, mais precisamente, no Pentateuco, utilizam-se com frequência os termos “patriarca” e “matriarca” como referência aos ancestrais fundadores. Como explica John Baldoch, “devido às repetidas promessas dadas por Deus às matriarcas de que seus filhos se tornariam ‘uma grande nação’, as histórias das matriarcas provêm das origens genealógicas dos grupos tribais e nações que povoaram o Oriente Médio” (p. 22). Ao mesmo tempo, algumas das maiores matriarcas, como Sara, Rebeca e Raquel eram estéreis, e somente concebem por atos da vontade divina. É notório que o Nordeste brasileiro é uma região marcada por intensa religiosidade e por uma grande influência cultural de modelos populares advindos da Península Ibérica, como os autos ou festas populares. Ao lado da cultura letrada, grandes manifestações populares e um extenso calendário religioso se processam. Da mesma forma, pode-se imaginar a leitura da Bíblia como ato coletivo, unindo as famílias e agregados, após as lides do dia. Pois o modelo retórico ali está, repetidamente. Trata-se de dado de identificação pessoal, através da genealogia. O recurso é quase uma constante, por exemplo, nos artigos da Revista Itaytera, publicação do Instituto Cultural do Cariri, e nos prólogos de alguns das obras aqui analisadas. Da Bíblia também podemos recolher os
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primeiros relatos sobre as mártires. Em Macabeus (BALDOCK, p. 186) há referência a uma mulher martirizada pelo governador selêucida Antíoco IV, que combatia os judeus e ataca Jerusalém no século II A.C. Ante a recusa da mulher e de seus sete filhos em profanar sua religião, mesmo após tortura, o governador executou seis de seus filhos na frente da mãe. Quanto ao último filho, ele propôs a ela que o convencesse a renunciar a sua religião, mas ela, ao contrário, o encorajou ao sacrifício. Furioso, o governador ordena que mãe e filho sejam trucidados de forma cruel. Temos, portanto, também, o padrão retórico da mãe valente, da mãe coragem, que não se intimida ante o sacrifício de seus filhos. Examinando a santidade feminina na Antiguidade e na Idade Média, delineiam-se alguns perfis, como as duas Macrinas, a Velha, viúva caridosa, e a Nova, modelo de virgem consagrada. Finalmente, o da rainha santa, cujo modelo fundador foi a da imperatriz Elena, mãe de Constantino. Explica a medievalista Miriam Impellizieri Silva que “são três os papéis da mulher, não apenas na sociedade, mas também na santidade. Virgem, viúva, mãe.” (ibidem, p. 179-180). Sob este prisma, podemos perceber o quanto a figura de Bárbara assimila diversos aspectos destes modelos hagiográficos, associando-se a personagens e situações bastante comuns ao universo popular. O certo é que em 1917, quando se comemorou o Centenário da Revolução de 1817, organizaram-se festas cívicas em Belém, das quais participou o autor José Carvalho, com o drama “D. Bárbara”. Em artigo de 1920, para a Revista do Instituto do Ceará, Carvalho refuta as críticas à honra de Bárbara, assegurando sua virtude através do testemunho de sua própria bisavó: “D. Luísa, que sempre conviveu com D. Bárbara, foi toda a vida, no seio da família, uma calorosa defensora das austeras virtudes de sua sogra” (CARVALHO, 1920, p. 297). No decorrer do século XX o nome de Bárbara de Alencar será reivindicado como modelo e exemplo de mulher guerreira, símbolo da resistência e luta pela liberdade. Nos anos setenta do século passado, o poeta Caetano Ximenes de Aragão publica o Romanceiro de Bárbara, conjunto de poemas em que exalta a heroína da liberdade, obra que dialoga claramente com o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Um dos mais belos poemas é “Dia da libertação”, onde canta que: “(…) pelas vertentes da noite/ a manhã já se fazia/ quando Iansã abriu as grades/ das cadeias da Bahia/ pra ver Bárbara passar/ por dentro da luz do dia// dia pleno de orixás/cavalgando a ventania/Ogum Oxum Olorun/ vento alvo alvenaria/ de cabelos cor
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de cal/ que de seu rosto escorria// do corpo dos encantados/ a noite se fez em dia/ tocaram todos os sinos/ das igrejas da Bahia/ pra ver Bárbara passar/ por dentro da luz do dia” (1975, p. 66). Percebemos aqui, outro tópico que colabora na construção do mito Bárbara de Alencar. Trata-se do processo de transculturação que ocorre entre a pernambucana e duas homônimas: Santa Bárbara e Iansã. A hagiografia da santa, expressa em autos, como o Auto de Santa Bárbara, de Afonso Álvares, se detém nos martírios e vexames que sofre a donzela por sua fidelidade ao nascente Cristianismo. Quanto a Iansã, Orixá dos raios e das tormentas, era divindade africana do Rio Niger, que chega ao Brasil nos navios negreiros. Os exemplos de transculturação estão presentes em diversas manifestações culturais, como na arte santeira, onde ocorre a representação de imagens dos ibeiji com anatomia de anjos barrocos, ou peças articuladas de madeira, onde ocorre o sincretismo entre a figura africana e a católica. Tais elementos ocorrem na maioria das obras em que será retratada e representada, nas artes plásticas (como o belíssimo quadro “Bárbara de Alencar: heroína do Ceará/ Mãe da Independência e da República do Brasil”, de Oscar Araripe) ou no cancioneiro popular (vide a canção “Passeio Público”, do compositor Ednardo), entre outras manifestações. Em termos literários, pudemos encontrar uma série de obras que transitam entre o histórico e o literário, o biográfico e o ficcional. Sua biografia será apresentada em diversos gêneros, que têm em comum o caráter laudatório, e busca do efeito de fidelidade histórica, através das listagens bibliográficas que finalizam a maioria delas; ou a vinculação da heroína a um dos estados brasileiros do Nordeste. Ela será reivindicada em Pernambuco, onde nasceu; no Ceará, onde viveu os grandes episódios revolucionários e foi presa; no Piauí, onde se abrigou no final da vida e morreu. É evidente ocaráter de resgate que tais obras apresentam, reivindicando para o panteão nacional dos heróis da pátria a figura de Bárbara, o que, aliás, se concretizou há poucos anos, a partir de projeto de lei de Ana Arraes. Dentre tais obras, destacaríamos algumas. No MemorialdeBárbaradeAlencar, de Alves Aquino, escrito trinta anos após o Romanceiro, de Aragão, o autor faz sua sequencia simbólica, associando elementos intertextuais com a dramaturgia, em especial Morte e vidaSeverina, de João Cabral de Mello Neto, e a estética da cinematografia de Glauber Rocha, em especial, DeuseoDiabonaTerradoSol, com quem dialoga nos poemas de sua “Glauberiana” (2011, p. 91-
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92). O Memorial consta de 64 poemas, em que o autor enfatiza o sofrimento nas prisões, como no poema 38, em que Bárbara fala aos insetos: “Irmãos de exílio e de gueto/ Sabei que vos tenho afeto:/não difere em nada quem/ se sente inseto também” (p. 54); ou no poema 48: “1-2 passos e a baliza./ 1-2 passos e barreira./ (Tão circunscrita a fronteira/ quanto a mente monarquista)” (p. 60). Em 1992 é publicado O romance de Bárbara, de Luciana Barbosa Nobre. Nele, através do recurso ao onírico, a narradora dialoga com a própria Bárbara que lhe narra a história, relatando sua luta e os ideais que movia seu grupo. No dizer da personagem: “não era a Coroa que nos seduzia, mas a possibilidade de podermos escolher livremente os nossos mandatários” (NOBRE, 1992, p. 30). Ao final da narrativa há bibliografia, atestando a veracidade dos dados ficcionalizados. Quanto ao romance Bárbara de Alencar, a guerreira do Brasil (2001), de Roberto Gaspar, merecem destaque dois episódios. Um deles é a versão para a queima dos documentos, que teria sido feita por Dona Mathilde Teles, antiga inimiga e senhora do sítio Miranda, que, no entanto, acolhe Bárbara em sua fuga e manda recolher os documentos: “Meu filho, diz Mathilde, traga estes documentos: os Proclamas, os Decretos e a Ata assinada por todos os presentes àquela sessão. Não quero que ninguém do Crato seja morto por causa desses papéis” (GASPAR, 2001, p. 48). O outro é o relato do nascimento de Bárbara: “O silêncio da noite foi quebrado por um choro muito fraco de criança. Uma estrela vermelha brilhou no céu, ofuscando o dia. Haveria em tudo isso uma predestinação?” (p. 72). Batizada Bárbara em homenagem à Santa, “Bárbara ou Barbinha, chorava, sem grandes chances de sobreviver, mas, resistiu e sobreviveu” (p. 72). O narrador relata o ataque dos índios Açus liderados por Itamaragibe à fazenda Caiçara, local onde se situara no passado a taba de seus antepassados. A casa de taipa foi incendiada, mas o bebê foi resgatado por Maria Preta, que fugiu com Teodora. Posteriormente os fazendeiros derrotaram os índios, e “no local da casa de taipa da fazenda Caiçara, ergueu-se uma casa de pedra, com paredes colossais, resistentes ao fogo, à bala e até, ao próprio tempo, a fim de que servisse de testemunha secular às gerações vindouras” (p. 73). Outro texto a mencionar é o libreto BárbaradeAlencar (avódoromancistaJosédeAlencar): vida e mortenosertãodoPiauí, impresso em 2011, na cidade de Fronteiras. O padrão retórico aqui é o bíblico, como já vimos. Na obra se exalta a heroína, ressaltando seu exílio forçado no Piauí, no fim da vida, e sua morte na cidade de Fronteiras.
Ao mesmo tempo, destaca a grande descendência ali deixada: Alencar, Arraes e Antão, em suas palavras, uma “prole imensurável”. Exalta-a como grande guerreira, grande heroína, grandiosa Nordestina, orgulho local. Neste poema narrativo apresenta o relato da vida da heroína e seus feitos, sob modelo épico. No caso, o regional, o Cariri. Constam os seguintes tópicos: a luta pela independência em relação a Portugal; a figura do herói perseguido e sofredor; a passagem da glória à execração e à solidão. O narrador assume a função de um justiceiro, do vate popular, que resgata para a história a figura da heroína. Insere-se claramente no modelo do cancioneiro popular: trata-se de relatos paralelos à história oficial. Pode-se observar a semelhança, por exemplo, com o CantoGeneral, de Neruda. Finalmente, em fevereiro de 2014 é publicado o romance Semíramis, da escritora Ana Miranda. Podemos considerá-lo uma narrativa de extração histórica. Nela, o romancista José de Alencar torna-se personagem do relato da personagem-narradoraIriana. Através das cartas trocadas entre esta e
sua irmã, Semíramis, recria-se a trajetória romanesca de Alencar, ali tratado como o Cazuzinha, que Iriana conheceu ainda no berço. A autora estabelece diálogo tanto com a série literária, no caso, os romances de Alencar, como com outros gêneros discursivos, como as cartas e os diários. Na verdade, a estrutura da obra dialoga com os processos de verossimilhança típicos do romance do século XIX: o efeito de fidelidade e o efeito do real. A obra elabora versões para a gênese de alguns romances, em um processo de espelhismo em que se simula dissolver as fronteiras entre história e imaginação, revelando a invenção dentro da invenção.Iriana, a mediadora entre os acontecimentos e o leitor, destaca atenção especial a uma certa figura: dona Bárbara de Alencar, caracterizada como figura de poder na região e objeto da devoção de seu avô, para desgosto da avó da menina. Através do olhar enternecido e respeitoso do avô, desenha-se a homenagem da autora. Neste cenário em que “as lembranças ainda galopavam pelas ruas, dando tiros” (p. 15), mencionam-se a chegada de Arruda Câ-
mara à vila do Crato, em 1810, e fragmentos de sua carta testamento. Destaca-se a bravura e o caráter excepcional da matriarca: “Dona Bárbara flanava num mundo de grandes tramas” ou “Dona Bárbara estava acima de qualquer desdita política” (MIRANDA, 2014, p. 15). Representante da “aristocracia guerreira” local,é descrita como afável e seca, franca e impressiva; capaz, experimentada, rude e corajosa. Nada acontecia na região sem passar por seu crivo. O perfil idealizante se acentua: “Dona Bárbara não era só poderosa na região; ela atraía, tinha uma força estranha” (ibidem, p. 29). Seguramente a figura da pernambucana tem canalizado o interesse de escritores e intelectuais do Nordeste Brasileiro, servido de referencial para perseguidos políticos e movimentos de resistência ao longo do século XX e no presente. Nesse cenário, ocorre um de diálogo permanente entre os documentos históricos, os relatos orais e as memórias familiares, formas da cultura popular e textos de perfil literário. Cada um deles contribui, a seu modo, para a exaltação da personagem histórica e a construção do mito Bárbara de Alencar.1 g
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MEMÓRIAS DE UM DIÁRIO Memórias da Insurreição de 1817 na Paraíba: O Diário do Sargento Francisco Inácio do Valle1 Serioja R. C. Mariano
Neste texto pretendo discutir, a partir do Diário do Sargento Francisco Inácio do Valle, as memórias sobre a insurreição de 1817 na Paraíba. Publicado em 1912, pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.2 O diário é um documento rico em informações e descreve o movimento desde a eclosão, em março, até o término, em maio, com um olhar voltado para as práticas cotidianas dos militares. Intitulado “Memória – ou Diário dos Successos da Revolução e Contra Revolução da Capitania da Pahaiba do Norte desde o dia 13 de março até 6 de maio e deste dia até 12 de junho, dia da posse do governo actual”, o diário foi publicado originalmente no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e, depois, enviado ao IGHP pelo sócio correspondente, o Capitão de Artilharia Dr. Frederico Cavalcanti Carneiro Monteiro. O Diário ou Memória, como o próprio militar intitula, é um instrumento que deve ser entendido dentro do contexto histórico em que foi escrito. Para recordar, lembrar e, eu diria até, denunciar os participantes da “Revolução”. O diário, com as memórias do militar, foi usado como um espaço legítimo, para denunciar uma “desordem”, e relatar a “verdade”, ou seja, os “sucessos” da contra revolução. Um discurso revestido de uma “veracidade”, que é legitimado pelo lugar social ocupado pelo Sargento Francisco Inácio do Valle. Um discurso que tem como base “uma realidade concreta”, enquanto testemunha ocular dos acontecimentos de 1817, “há uma nítida preocupação com o concreto e com o sumário de observações objetivas” (D’ARAÚJO, 1996, p.188). Uma maneira de comprovar legalmente e de registrar, a partir do vivido, seguindo uma tradição do direito romano. Portanto entender
as razões, as intenções da produção do documento é parte fundamental do trabalho do historiador, como chama a atenção Regina L. Moreira: Ora, a essência do trabalho de um historiador pressupõe sempre sua natureza de “estrangeiro”, seja em relação às fontes das quais se serve, seja em relação ao seu objeto de pesquisa. “Estrangeiro” ainda em relação ao tempo por ele analisado. Podemos assim fazer uma analogia entre o olhar do visitante estrangeiro e o do historiador, entre os habitantes locais e um diarista. Será com esse olhar que o pesquisador deverá tentar analisar e compreender as relações existentes entre o cotidiano e a mudança, entre o cotidiano e os grandes acontecimentos (1996, p.183). Portanto, na preservação da memória, o diário é visto como sendo um meio, um instrumento de legitimação de uma fala, escrito na terceira pessoa, para conservar certas informações consideradas relevantes pelo militar. No Brasil, a partir das últimas décadas do século XX, o diário vem ganhando cada vez mais espaço entre os estudiosos, com trabalhos que mostram as transformações e os sentidos dados ao diário, como fonte histórica e objeto de estudo. Até pouco tempo os diários eram, apenas, de interesse do campo da literatura. Desde o século XVIII eles passaram a ter uma função de conexão do mundo privado com o público, bem como serviam para os relatos de viagens, descobertas, e como um espaço literário de interação com o mundo exterior. Segundo Alain Corbin (1991) o diário passou a ter a função de recuperar a memória, adentrando, inclusive no espaço privado, nas famílias burguesas; no século XIX, as moças rece-
biam diários para registrarem as ações das suas vidas, por exemplo. Diferente de um romance que cria um mundo ficcional e de uma autobiografia que olha para trás a partir de um ponto fixo, o diário representa um tempo presente contínuo, acompanhando o destino imprevisível e imponderável. E tanto para o diarista, como para o leitor cada dia seguinte será sempre uma surpresa (D’ARAÚJO, 1996, p.187). E o tempo presente de escrita, do diário do Sargento, é o início do século XIX, no contexto de um movimento de contestação política. Portanto, analisar o documento, na tentativa de entender a representação construída a partir do olhar de um militar, sobre o dia a dia do movimento de 1817, no antigo Norte, é o objetivo deste texto. Considero a escrita do diário como uma representação de uma linguagem simbólica, carregada de sentidos, um campo de forças de uma dada construção histórica que é datada (1817), dentro de um contexto. A narrativa dos discursos do Sargento está marcada por um poder simbólico que legitima o movimento, a partir de um enredo construído por uma testemunha ocular do movimento, o que garante, nos discursos, a credibilidade da escrita. Portanto, entender a maneira como o militar deixou a sua impressão sobre a insurreição é parte constitutiva da análise desse texto. Lembrando que a memória é seletiva e que é também um “instrumento e um objeto de poder” (LE GOFF, 1994, p.476-477) Português de nascimento, ou seja, “europeu”, como eram conhecidos os estrangeiros no Brasil do século XIX, o Sargento morava na cidade da Paraíba e ocupava um cargo de status e poder na sociedade do início do Oitocentos. O relato sobre a “revolução”3 tem início no dia 7 de março e o militar mostra
Versão apresentada e publicada nos Anais do VI Seminário Nacional de História Cultural – Escritas de História: Ver, Sentir e Narrar – Teresina/UFPI 2012. Criado logo após a proclamação da República, em 1905, aquela instituição tinha como modelo o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), que cumpria o papel de “construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos” (SCHAWARZ, 1995, p.99). Na Paraíba, o Instituto transformou-se no foco de produção da história local e, por conseguinte, de um saber que, gradativamente, adquiria o poder de escrever sobre a história paraibana com o propósito de indicar os caminhos e os sentidos da sua identidade, isto é, da paraibanidade (MARIANO, 2003). 3 Neste trabalho, tratarei do movimento como uma insurreição, entendo como uma oposição à ordem vigente. Mas, também, utilizarei o termo “revolução”, não no sentido de uma transformação radical da sociedade, mas como diria Mota, “um processo mental”, ou seja, “uma viragem mental” do início do século XIX. Os insurretos utilizavam o termo “revolução” e pensavam como sendo um processo revolucionário, este era o vocabulário da época (MARIANO, 2005). 1 2
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como, nesse dia, vieram fugidos de Pernambuco, “vários europeos”, que não queriam participar de um movimento contra o Rei, com o objetivo “de instituir uma República Nacional Brazileira”. O momento era de “desordem” em Recife, pois estavam “decapitando todos os Europeos habitantes (...)” (RIHGP, 1912, p.119-120). De início, já se percebe o tom do discurso que o militar quer passar, de acusação e de denúncia. O diário enquanto fonte histórica, e objeto de estudo, permite que possamos compreender o lugar social de produção da escrita, o contexto, a trajetória da vida do Sargento, naquele momento em que estava escrevendo, isso porque não é um diário íntimo, no sentido de acompanhar o militar por toda a sua vida pessoal, mas são as suas memórias sobre um momento específico, a “Revolução de 1817”, no espaço de trabalho, na Paraíba. Ou seja, um texto do seu próprio tempo, e apresenta a sociedade de início do Oitocentos, a partir de sua ótica, enquanto agente de uma memória. Um tempo vivido, como chama a atenção Le Goff, “o velho tempo da memória, que atravessa a história e alimenta” (1994, p.13). A tônica da história é o cotidiano dos militares, em uma capitania/província marcada por convulsões e mudanças, que não é ficcional, mas diferente do conteúdo do romance o “diário representa um tempo presente contínuo acompanhando uma história de vida imprevisível e imponderável” (FERREIRA, 1998, p.8). Um texto rico, tendo em vista que ainda são poucos os diários deixados por militares.4 No relato, a Paraíba é apresentada aderindo ao movimento de insurreição, assumindo a liderança uma grande parte da elite local. Insatisfeito com o rumo dos acontecimentos, e por se negar a apoiar a “causa dos revolucionários”, o Sargento recebeu ordens de prisão na Sala do governo, juntamente, com outros os militares: o Capitão João Soares Neiva e o Secretário Antonio Manuel da Silva Coelho, todos ficaram sob a custódia do Tenente Coronel de Milícias de Branco Alexandre Francisco de Seixas Machado. Em seguida foram postos em liberdade, mas o Sargento ficou preso em sua residência, sendo vigiado por um guarda, posto na porta da casa. (RIHGP, 1912, p.122). A narrativa prossegue com uma minuciosa descrição do cotidiano dos militares: com titulação, valor dos soldos, entre outras
especificidades que fazem parte do contexto militar. O diarista reclama do “perigo” que era ter dois batalhões comandados, um, pelos Pardos e o outro, por Negros, naquele momento o medo do exemplo haitiano ainda estava bem vivo no cotidiano da sociedade paraibana. Vejamos o que ele diz: Deve notar-se que essas duas Companhias [de Cassadores Pardos e Pretos], no que respeitava os seos Officiaes e Officiaes Inferiores e Soldados herão os mais temíveis porque elles aleciavam todos dos cativos de uma a outra cor para ficarem libertos, huma ves que se unissem as Bandeiras da Pátria (...), (RIHGP, 1912, p.130, grifos meus). Brancos, negros, mulatos e índios compunham as tropas. Era uma clientela ativa e predisposta que engrossava as fileiras do movimento. Os escravos eram instigados a se juntarem às tropas com a promessa de alforria, pensamento comum entre a pequena ala mais progressista. Mas a maioria dos proprietários rurais não tinha a intenção de mudar a estrutura econômica, basicamente escravista, e temia a “enchente escrava”. Na perspectiva indígena, ficar de um lado ou de outro poderia garantir a posse da terra. Este foi o caso dos que lutaram, no primeiro momento, com os patriotas e receberam a garantia de suas propriedades, como por exemplo, na vila de Alhandra: “(...) outras duas léguas de patrimônio dos índios serão ocupadas pelos mesmos (...) eles têm preferência para as suas moradias e agriculturações (...)”. Garantia assegurada no documento de reinstalação da Câmara, desativada desde a eclosão do movimento.5 O aumento do pagamento do soldo fora utilizado como estratégia para garantir um maior número possível de homens nas tropas. Essas ofertas eram atrativas e bem vistas, principalmente pelas péssimas condições que os soldados enfrentavam, uma situação que não era nova: pouca comida e um soldo miserável, quando o recebiam; muitas vezes uma pouca ração era a única fonte de pagamento. O diarista, enquanto militar de carreira, se choca com as mudanças que estavam acontecendo na estrutura militar, a exemplo da abolição do Regimento de Cavalaria Miliciana: quando o Coronel Amaro Gomes Coutinho, um dos insurretos e líder do movimento, mandou recolher todas as patentes daqueles que fossem considerados realistas, defensores do rei. Criou-se um novo Re-
gimento de Milícias de Branco “dalém do Rio”. Inclusive com homens “sem modos militares” (RIHGP, 1912, p.133). Outra estratégia utilizada pelos patriotas para conseguir braços para a luta foi à doação de patentes a pessoas que não tinham condições financeiras para possuir um cargo, já que, para ser militar, principalmente do alto escalão, era necessário ter bens. Ou ainda, ter o posto de militar elevado na hierarquia. Naquele contexto, para um homem da elite que não dependia financeiramente do soldo para sobreviver, ter prestígio e status social era muito mais importante, pois obter uma patente de Coronel tinha um alto significado na manutenção das bases do poder local. O que mostra uma herança do Antigo Regime. A doação de patentes de oficiais a pessoas que não haviam passado pela hierarquia militar, ou seja, pelo posto de soldado - principalmente aqueles que não se enquadravam no status quo, caso de um liberto de Amaro Gomes Coutinho - desgostou alguns moradores da vila de Pilar, em especial, Francisco José de Ávila Bintencourt, que preferiu servir em Pernambuco, pois considerava a quebra de hierarquia como uma “extravagante presunção”. Queixou-se o militar, reclamando da mudança súbita de posição.6 As hierarquias militares, nessa nova ordem social que estava se ajustando e em definição, foram abaladas, repercutindo diretamente nas estruturas de poder. Portanto, as ordens militares constituem elemento de prestígio social, eram sinônimos de poder os títulos militares nas famílias abastadas da Paraíba. O texto é todo escrito na terceira pessoa, talvez por ser um documento que, na perspectiva do Sargento, pudesse ser usado como documento contra os revolucionários, bem como deixar o diário com um aspecto mais formal, oficial. Apresenta um relato do cotidiano da “Revolução” para mostrar a dimensão que a mesma havia tomado, quando, por exemplo, invadia o espaço urbano. O caso teria acontecido no momento em as tropas dos revolucionários desfilavam nas ruas centrais da capital, com uma bandeira branca, símbolo do movimento. Esses rituais podem ser percebidos como parte constitutiva de um capital simbólico que legitimava o movimento (BOURDIEU, 2007). Seguindo o seu relato, o diarista vai apresentando os personagens dessa trama: alguns considerados “os vilões” e outros os
4 “Diário do Tenente-Coronel Albuquerque Bello. Notas extraídas do caderno de lembranças do autor sobre sua passagem na Guerra do Paraguai.” Documentos Históricos - Anais da Biblioteca Nacional (vol.125). SALLES, Ricardo e ARRAES, Vera (orgs.). Vol. CXII. Rio de janeiro, 2011. 5 “Termo de reinstalação da Câmara da vila de Alhandra, Paraíba do Norte, tendo a seu cargo o cuidado da arrecadação do rendimento das terras do seu patrimônio, que é uma légua e que as duas léguas do patrimônio dos índios serão ocupadas pelos mesmos índios” (27/04/1817). Documentos Históricos, v. CI, doc.nº. 111. p. 166-175. 6 “Carta de Francisco de Ávila Bitencourt ao padre Antônio dizendo que assentou praça no Recife” (12/04/1817). DH, v. CI, doc. nº 81, p. 116.
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“heróis” de 1817. Alguns adjetivos são usados em um tom irônico quando se reporta aos líderes do movimento, todos com títulos militares: o valentão, o grandeBrigadeiro. Nas suas memórias o que se percebe é que, mesmo criticando o movimento, faz elogios, por exemplo, ao Tenente Peregrino de Carvalho, refere-se como o mais valente dos insurgentes, o jovem herói da liberdade.7 Mas, os outros líderes aparecem como traidores, brutos, furiosos, malditos chefes revolucionários. Uma memória que cria e consolida essa visão, na qual o personagem histórico e o herói se confundem, e, nesse contexto, os heróis são aqueles que derrotaram os revoltosos de 1817 (MARIANO, 2003). Nesse sentido, a memória, pensada como presença do passado: É uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional. Portanto, toda memória é, por definição ‘coletiva’ (...). (ROUSSO, 1996, p.94-95) Como mostra Vavy Pacheco Borges, “a memória tem um papel fundamental também porque os fenômenos da cultura política são compreendidos em uma devoção mais longa e não no tempo curto” (1992, p.17). Uma memória que é socialmente construída proporciona a composição de uma memória nacional que reforça e cria determinadas datas, fatos e marcos. Relata o que considera uma cena impor-
tante, a entrada da tropa realista na cidade da Paraíba: cerca de três mil homens, dentre eles os índios das vilas de Alhandra, Conde e Pilar, todos com arco e flecha, carregando a bandeira com as insígnias reais. Abre uma exceção e fala da vida privada quando descreve como sua mulher, da janela de casa, apresentou a bandeira real, em um ato de respeito e honra. Segundo o diarista, a primeira bandeira que se viu “alvorada na caza do Sargento Mor Francisco Inácio do Valle por sua mulher, D. Barbara Francisco Lobo”. Ainda aparecem as cenas do cotidiano da contra revolução, quando a bandeira real volta a tremular nas principais ruas da cidade da Paraíba: “(...) em todas as cazas que as Senhoras tinhão feito particularmente (ainda mesmo as escondidas, de seos maridos, que hoje estão em desgraça)” (RIHGP, 1912, p.144).. Zomba da cena em que as mulheres dos patriotas abriram as suas janelas e levantaram a bandeira real. Uma cena considerada patética porque, em momentos anteriores, essas mulheres hastearam a bandeira da revolução. Ainda ridicularizou o fato do advogado, Augusto Xavier de Carvalho, sair montado a cavalo pelas ruas da cidade, com um crucifixo na mão, pedindo para que as tropas realistas não matassem seu filho, Peregrino de Carvalho, que ainda resistia no Comando das forças armadas dos patriotas. O diarista achou a situação “indecente”. Após se entregar, Peregrino de Carvalho seguiu para o Convento de São Bento, e junto com sua tropa teria dado vivas ao Rei.8
No início do mês de maio, após várias demonstrações de que o governo realista voltou ao poder, o diarista começa a fazer as suas despedidas com uma narrativa mais “positiva” para um futuro: “Deve ter um fim aqui esta Memória, porque de hoje em diante, já este Orizonte mostra outra face, e as deliberacoens são de outra natureza (...)”, (RIHGP, 1912 p.155. Grifos meus). Nas entrelinhas do seu texto o Sargento revela para quem está escrevendo. A narrativa é direcionada aos realistas, quando aponta que vai descrever a derrota dos revolucionários, delatando quem eram os líderes, os culpados, o papel de cada um no movimento. Em uma narrativa orientada, a escrita trás para a cena principal, nesse teatro da revolução, os militares. Portanto, a razão de escrever as memórias ou o diário é o tom de denúncia, de mostrar o quanto ele próprio, personagem desse momento relevante, foi herói quando os patriotas o aprisionaram, quando o mesmo resistiu à criação de uma República no Norte do Brasil. Como assevera Ângela de Castro Gomes: “toda essa documentação de ‘produção do eu’ é entendida como marcada pela busca de um ‘efeito de verdade’” (2004, p.14). Portanto, nessa perspectiva, o que interessa é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu autor a expressa. Isto é, o documento não se trata de ‘dizer o que houve’, mas dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um acontecimento. Um tipo de discurso que produz uma espécie de ‘exces-
É interessante observar como é tratada a figura de José Peregrino de Carvalho na história da Paraíba: militar de carreira, foi imortalizado no quadro de Antonio Parreiras, pintado em 1918. Trata-se de uma tela adquirida no governo de Camilo de Holanda e exposta, até hoje, na sede do governo estadual, que retrata a cena de rendição que apresenta o pai de Peregrino, Augusto Xavier de Carvalho, com a imagem de um crucifixo na mão, pedindo para que o filho se entregasse. Diante do apelo do pai, ocorre o inevitável e, aos prantos, Peregrino é levado preso. Essa cena é reforçada pela historiografia paraibana para mitificar um dos heróis de 1817. 8 Ao final do movimento, Peregrino de Carvalho foi condenado a morte por “Crime de Lesa-Magestade”. RIHGP, 1912, p.145. 7
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so de sentido do real pelo vivido’, pelos detalhes que pode registrar, pelos assuntos que pode revelar pela linguagem intimista que mobiliza. Algo que pode enfeitiçar o leitor/ pesquisador pelo sentimento de veracidade que lhe é constitutivo, e em face do que certas reflexões se impõem (GOMES, 2004, p.15. Grifos meus). Esse “efeito de verdade”, que busca o diarista, é justificado quando o Sargento afirma, ao longo do diário, que sempre esteve na defesa da “Boa Cauza”, em defesa do Rei, contra o governo provisório, e que teria sido, acima de tudo, “um Realista verdadeiro”. Na repressão ao movimento o diarista foi nomeado Comandante chefe das tropas realistas. Uma nomeação que Inácio do Valle fez questão de registrar. Ao longo da narrativa se apresenta como contrário aos patriotas, e defensor ferrenho dos realistas. Elege os culpados por toda a “desordem que se instala na Paraíba”, dentre eles, chama atenção para os “pedreiros livres” (RIGHP, 1912, p.158). A referência aos “pedreiros livres” é uma alusão à maçonaria presente
no Brasil, e especificamente no Norte, desde o final do século XVIII, com os chamados clubes ou lojas, os mais conhecidos sendo Paraíso e Cabo, em Pernambuco. E em 1817, no processo de Devassa era grande o número de acusados de pertencerem à maçonaria: dos 317 réus defendidos pelo advogado Aragão e Vasconcelos, 62 eram vistos como maçons (MARIANO, 2005). Na sua concepção, a sucessão dos fatos é relevante para um melhor entendimento da trama histórica, numa sequência processual que dá maior veracidade aos seus argumentos, por isso desde o início do texto narra os acontecimentos, tomando como ponto de partida o momento da eclosão da insurreição em Pernambuco, até o término. Mas, o grande final da narrativa é composto por um documento, uma Portaria de 08 de maio, em que o governo realista reconhece a “grandeza” dos serviços prestados do Sargento e o nomeia Sargento Mor de Linha e Ajudante de Ordens, por “consideração e merecimento”, “zelo e fidelidade”. Um militar que mesmo sendo perseguido nunca abandonou “a
Causa Real”.9 Portanto, um “herói” que lutou até o fim para resguardar a legitimidade do poder real, e foi reconhecido pelos seus superiores que lhe concederam um cargo tão “honrado” no governo. Um reconhecimento da fidelidade desses “europeus” que se mantiveram firmes em defesa e lealdade ao Rei. Relato da vivência de um militar, o diário foi escrito em um contexto de crise, de um movimento de contestação política do Brasil, no início do século XIX. Escrito na terceira pessoa do singular, o documento é único, acerca do cotidiano dos militares na Paraíba em 1817. Interessante, nos dois documentos que fecham o relato das Memórias (a Portaria, e uma carta, enviada para Pernambuco, relatando quem eram os chefes do movimento), percebe-se a vontade do diarista em preservar esses momentos. Uma memória que cria e se consolida na memória coletiva. Uma memória que é socialmente construída, proporciona a composição de uma memória nacional que reforça e cria determinadas datas, fatos e marcos (POLLACK, 1992). g
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CANCIONEIRO DA REVOLUÇÃO A Revolução Pernambucana de 1817 Severino Alves de Sousa Tenho por vosso ato o primeiro canto de independência, Através dos teus arquitetos, construtores dos teus ideais Que duraram alguns dias de paz e liberdade, Produzindo em nossos corações um sentimento de pátria, Sobre a vossa conquista governaste por alguns dias, Perante a vossa realização legislaste por poucos dias, Através da criação da primeira república Brasileira, Construída pelos Nordestinos em solo Pernambucano. Tenho por vosso feito um marco histórico e social, Consolidado pelo nascimento da pátria Brasileira, Construída por um verdadeiro sentimento de nação, Através do sacrifício da própria vida, Aqui foi erguido o primeiro pavilhão da liberdade, Através da criação da Bandeira de Pernambuco, Que resplandecia a liberdade do povo Brasileiro, Construída com muito amor, coragem e luta. Tenho por vossa realização o orgulho de ser Pernambucano, E por vosso destino uma grande perda nacional, Por serem todos punidos de forma perversa e cruel, Sacrificando as suas vidas por todos nós, Sobre este solo um mar de sangue varreu Pernambuco, Perante todos aqueles que lutaram pela liberdade do Brasil, Que sacrificaram as suas vidas pelo interesse da nossa pátria, Nunca esqueceremos o vosso feito pela nação Brasileira!
Um Cordel para Bárbara Mariane Bigio
Lá no Ceará viveu Esta matrona aguerrida E levou de Pernambuco A voz da gente insurgida Durante a Revolução* E foi parar na prisão Numa ocorrência sofrida Liberdade reprimida Bárbara então foi condenada Primeira Presa Política Cruelmente injustiçada Mas nunca desanimou Logo à luta retornou Bravura a ser copiada!
Já não foi a reclusão O mal que se sucedeu Muitos parentes mortos Para desespero seu Um dos filhos em combate Se livrou do disparate Ao menos sobreviveu
Eu quero homenagear A Bárbara não só na alcunha Enfrentou a Tirania E à Monarquia se opunha Articulou alianças Foi potente liderança E a tudo se predispunha
E destaque recebeu O José Martiniano Entrou na vida política Bárbara em segundo plano Não foi bem reconhecida Uma valente escondida Vítima do mais puro engano
Mas lhe faltou testemunha E espaço na nossa História Pois foi mulher de vanguarda De atitude mui notória Matriarca Sertaneja Que viveu sua peleja Memorável trajetória | Novembro/Dezembro/2017
Pernambuco é seu estado Foi aqui que ela nasceu Lá na cidade de Exu E um conterrâneo seu O famoso Gonzagão A lembrou numa canção E à memória embeveceu
A guerreira obstinada Chamou de novo a atenção Ladeada por seus filhos Na tal Confederação Do Equador, mui resistente A alma da combatente Sofreu vil mutilação...
A verve da poesia Agora quero evocar Uma mulher de verdade Hoje é quem vai me inspirar Uma Heroína real Lutadora sem igual Que foi Bárbara de Alencar
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Não viveu pra ver a Glória Do Brasil ser libertado Do Rei Luso-brasileiro Mas ficou o seu legado: Ideais Republicanos Algo que após tantos anos Ainda é tão almejado!
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Sua vida agora ufano Lembro seu neto escritor Que foi José de Alencar Com merecido louvor Por sua literatura Mas Bárbara não é figura De papel inferior Este Cordel com fervor Quis somente destacar As proezas da mulher Que foi Bárbara de Alencar Saudando outras Heroínas Expoentes Femininas Exemplo a nos inspirar! Unidas vamos gritar E bradar por igualdade Na batalha por direitos Na luta por liberdade Tal qual a Bárbara de outrora Sejamos bárbaras agora Com garra e voracidade!
Padre Miguelinho 1768 - 1817
Cheio de amor até o fim, Divina luz no seu rastro. Padre Miguel Joaquim, o amigo de Almeida Castro. Da cidade de Natal é natural, Rio Grande é louvor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Da alma mais infinda, o tempo todo em comunhão. Do Seminário de Olinda, Grande Mestre bom irmão. Na Pregação do divinal, de pelo próximo todo amor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Eclesiástico bom Cristão, para formar a irmandade. 1817 a Revolução, da Pernambucana Comunidade. Com a visão professoral, no movimento Libertador. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. O manifesto ele redigiu, explicando a proclamação. Por ele todo povo aderiu, de peito aberto na ação. Por um Brasil especial, sem escravidão ou desamor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Com sua bondade infinda, preparava a comunidade No Seminário de Olinda, formava a nacionalidade. Foi um Mestre celestial, por uma Nação de Valor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Grande seca atingiu a região, pobreza de arrebentar. Aumentam a tributação. a Fazerem o povo quebrar. Um sacrificio sem igual, pro povo tortura e horror. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. . Frei Caneca seu amigo, Domingos Martins a liderar. Tudo estava dicidido, pra liberdade se implantar. Tomou Governo Provincial, Pro Povo ser o Senhor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Com povo em comunhão, República proclamada. Unidos pela Revolução e nossa Pátria foi libertada. A Liberdade fundamental, pra nossa vida ter valor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor.
O Patriotismo crescia, o povo ficava consciente. Se intendia da soberania, do bem pra toda gente. Uma ordem mais igual, sem ter o vil explorador. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. A Assembléias funcionando, e Poderes separados. Com o cidadão participando e Tesouro controlado. Manteve a religião Oficial, do Cristo Nosso senhor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Liberdade construindo, na igualdade e fraternidade. Ao seu povo instruindo, diminuindo a obscuridade. Nossa Olinda foi colossal, e se aplicou com valor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. E houve muita deleção, com reveses por todo lado. Na Bahia muita prisão, e o Padre Roma fuzilado. Conde dos Arcos Infernal, vai reprimir com terror. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Um exército bem equipado, reprime o insurgir Na Bahia e Rio formado, preparado pra reprimir. Vence o sistema imperial, e perde o povo lutador. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. 6 de março é consagrado, data magna pernambucana. Do Sacrifício ofertado, pra uma sociedade soberana. Venceu o império colonial, Passou rolo Compressor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Herói e Mártir na História, homem bem considerado. Maravilhoso na Memória, corajoso e determinado Decidido e intelectual, nosso inspirado Educador. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Um Herói verdadeiro, animando não esmorecer. O Orgulho do Brasileiro, incita avançar sem temer. Foi um ser celestial, ensinando pelo próximo amor. Padre Miguelinho ideal, Revolucionário Professor. Azuir Filho e Turmas: Do Social da Unicamp e, de Amigos, de: Rocha Miranda, RJ e, de Mosqueiro, Belém, PA.
Entre Marília e a Pátria
Joaquim do Amor Divino Caneca (Frei) Entre Marília e a pátria Coloquei meu coração: A pátria roubou-me todo; Marília que chore em vão. Q u e m passa a vida que eu passo, Não deve a morte temer; Com a morte não se assusta Q u e m está sempre a morrer . A medonha catadura Da morte fria e cruel, Do rosto só muda a cor Da pátria ao filho infiel. Tem fim a vida daquele Que à pátria não soube amar; A vida do patriota Não pode o tempo acabar O servil acaba inglório Da existência a curta idade: Mas não morre o liberal, Vive toda a Eternidade!
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BASES LEGAIS DA NOVA REPÚBLICA A primeira lei orgânica brasileira: 1817. José Honório Rodrigues
Todos os manuais, tratados e todos os constitucionalistas citam sempre – até o “Jornal da OAB” – as Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969. Esquecem-se da primeira, a de 1817 – tal como a de 1824 – outorgada. Esta por D. Pedro I e a outra pelos revolucionários da Revolução Pernambucana de 1817, que foi a primeira revolução pró-Independência. Tomou o poder por mais de três meses, formou exército, combateu tropa vinda do Rio de Janeiro e por isso é muito mais importante que a Conjuração Mineira, que não combateu, não tinha armas, a não ser um bacamarte sequestrado na casa de Tiradentes, no Rio, duas navalhas em Minas e duas outras no sequestro do Rio. Por isso não é surpresa que ela tenha sido suprimida nos Capítulos de História do Brasil de Capistrano de Abreu. E não foi uma atitude somente de Capistrano, pois Francisco Adolpho de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, afirmou em sua História Geral do Brasil que a Conjuração Mineira foi uma “cabeçada e um conluio”. A Conjuração mineira nunca adquiriu uma arma nem passou de conversas ociosas. Capistrano de Abreu não valorizava o movimento da Inconfidência, nem lhe dava a importância que em época costumava atribuir-lhe. A Conjuração não foi um fato, um acontecimento; foi um pensamento quase sem ação e, como tal, pertencia à História das Ideias formadoras da consciência nacional. Sua importância lhe foi atribuída em detrimento de 1817 que foi uma revolução que tomou o poder durante três meses (6 de março de 1817 e 2 de maio de 1817). Foi a primeira revolução com combates e mortes e que lançou a Lei Orgânica discutida em Conselho, aprovada por este e pelo governo, só lhe faltando a aprovação das Câmaras (de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,
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Alagoas e Sergipe) para ser posta em prática, como escreveu Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, seu autor, de Boa Vista, a 29 de março de 1817. Esta foi a primeira Constituição feita no Brasil, por brasileiros, afirmando no preâmbulo a “soberania do povo em quem ela só reside”, “decreta e tem por decretada esta Lei Orgânica. Ela é a primeira Constituição. Afirmava os direitos dos homens, fim e alvo dos sacrifícios sociais, a garantia às liberdades de opinião, da imprensa, religiosa, embora reconhecesse como religião do Estado a Católica Romana. Outorgava aos europeus naturalizados, aderentes ao partido da regeneração e liberdade, e aos estrangeiros que se naturalizassem o direito aos empregos e cargos da República. Era a primeira vez que se procurava garantir a todos os brasileiros estes direitos individuais proclamados pelo liberalismo muito antes de ser adotado no Brasil a 21 de abril de 1821 a Constituição Espanhola de 19 de março de 1812. A Lei Orgânica de março de 1817 é, assim, o primeiro ensaio de Constituição do Brasil, e sete anos antes da primeira e única Constituição do Império (1824). Foi publicada pela primeira vez na Coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro, 1954, pp. 16-23). Os documentos sobre a Revolução de 1817 ocupam dez volumes daquela coleção, que forma um conjunto de 110 volumes. Os relativos à Revolução de 1817 ocupam os volumes 101 a 109. O volume 110 reune documentos sobre a Conjuração dos Suassunas (1789) e sobre A Conjuração Mineira. Todas formam elos na cadeia da conspiração nacional contra o domínio colonial de Portugal. Todas pretenderam libertar o Brasil do regime colonial. Sobre a Conjuração de 1801 e a dos Suassunas pouco se sabia. A defesa dos revolucionários coube ao
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advogado Antônio Lins de Brito Aragão e Vasconcelos, baiano nascido em 1775 e que forma com José de Oliveira Fagundes e Sobral Pinto os advogados dos revolucionários brasileiros, mesmo que não pensassem como seus clientes. E nem eram clientes, porque deles nada receberam. A defesa de Frei Caneca conta brevemente a vida, os serviços e os encargos dele, num documento biográfico de extremo interesse. A Revolução de 1817 não é provincial e local, pois expande-se pelo Nordeste, desde o Ceará até Sergipe e em quase todos os documentos fala-se sempre em Pátria, patriotismo e patriotas. Patriota é pela primeira vez usada. Nem se falava em Brasil como Pátria livre e independente. Ela é a primeira revolução que firma uma Lei Orgânica, que se autolimita. O artigo 2º declara que “o presente governo e suas formas durarão somente enquanto não se ultimar a Constituição do Estado. E como pode suceder o que não é esperar e Deus queira, não permita o governo para conservar o poder de que se acha empregado frustre a justa expectativa do povo. Não se achando convocada a Assembleia Constituinte, dentro de um ano da data desta, ou não se achando concluída a Constituição no espaço de três anos, fica cessado de fato o dito governo, e entre o povo no exercício da soberania para delegar a quem melhor cumpra os fins de sua delegação”. Seu autor era o juiz Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, irmão de José Bonifácio e Martim Francisco. Havia claro apoio dos partidários de Napoleão aos revolucionários e de muitos americanos. A Revolução de 1817, como todas as revoluções, tem sempre a ajuda dos simpáticos às suas ideias. Mas seu grande triunfo é ser autora da primeira Lei Orgânica do Brasil. g
ETAPAS DE UMA HISTÓRIA O PROCESSO HISTÓRICO DE 1817 EM PERNAMBUCO Vamireh Chacon
A história de Pernambuco atinge seus pontos cruciais de definições para o futuro em dez sucessivas etapas: 1648 e 1649, 1710, 1800, 1817, 1821, 1824, 1825, 1827 e 1848. Delas vêm os seguintes séculos de Pernambuco. Nos ano de 1648 e 1649 são as continuadas batalhas nos mesmos Guararapes semeando a independência do Brasil. Em 1710 o grito já é independentista e republicano de Bernardo Vieira de Melo em Olinda. Em 1800 é instalado o Seminário de Olinda pelo Bispo Azeredo Coutinho, inovando a formação do clero pelo aprendizado também de francês, ao lado do tradicional latim, e de filosofia ao lado da teologia, abrindo-lhe possibilidades para direto aprendizado de autores do então recente século dezoito além dos tradicionais autores cristãos. O viajante francês Tollenare, em visita ao Pernambuco pré-revolucionário de 1817, surpreendeu-se com o direto conhecimento dos textos de Rousseau e dos iluministas pelos padres recém-egressos do Seminário de Olinda. Em 1817 Pernambuco e vizinhos nordestinos proclamam e instalam independência e república antes das outras regiões brasileiras. Muniz Tavares, um dos sobreviventes líderes da insurreição de 1817, logo principal fundador e primeiro presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, diz que os rumores sobre as intenções destes revolucionários querem incluir a abolição da escravatura entre suas reivindicações, são uma suspeita que muito os honra. Abolição ainda não realizada pela grande dependência de Pernambuco e do Brasil diante da escravidão porém com seu término já então desejado. Um ano antes da independência do Brasil, 1821, o levante popular em Goiana chega ao Recife e em Beberibe é assinada a Convenção determinando a retirada das tropas portuguesas de Pernambuco, afirmando
e firmando a factual independência sob a chefia de Gervásio Pires Ferreira antes do Brasil. Em 1824 foi a vez da precedência pernambucana e nordestina no federalismo pela Confederação do Equador, nome usado antes da independência deste país realizada em 1830. O posterior Equador hispânico antes era parte do vice-reinado de Nova Granada com sede em Bogotá; Nem 1817 nem 1824 eram separatistas. Esperavam e combatiam pelas adesões de outras regiões, que não aconteceram, mesmo com o sacrifício dos líderes locais. Barbosa Lima Sobrinho demonstra-o muito bem. Nem o jacobino Frei Joaquim do Amor Divino Caneca no seu jornal-revista O Typhis Pernambucano, evocação do nome do piloto dos argonautas na mitologia grega, o próprio Frei Caneca nunca foi separatista com todo seu jacobinismo de democrata liberal radical. Em 1825, surge o Diário de Pernambuco pelas mãos de Antônio José de Miranda Falcão, de início uma folha de comércio, logo jornal diário. Pernambuco ainda estava quente pelas chamas da insurreição da Confederação do Equador de um ano antes. El Mercurio de Valparaíso, Chile, vem de 1827. Portanto o Diário de Pernambuco é o mais antigo jornal em circulação na América Latina. Logo ia se consagrar a maior tribunal da liberdade e cultura de Pernambuco para o Brasil. O ano de 1827 é o da simultânea fundação das Faculdades de Direito de Olinda, depois no Recife, e São Paulo. Ambas no centro da preparação de sucessivas gerações de intelectuais e políticos do Norte e Sul do Brasil. A instalação de uma delas em Pernambuco era clara resposta às ideias insurrecionais de 1817 e 1824. A Faculdade em São Paulo, outra clara resposta ao centralismo da capital Rio de Janeiro. A maioria dos seus alunos terminava os
estudos onde começara. Outros principiavam numa e concluíam em outra. Rui Barbosa iniciou-se no Recife e terminou-os em São Paulo; o futuro Barão do Rio Branco fez o percurso inverso de São Paulo ao Recife. Castro Alves foi do Recife a São Paulo falecendo sem os terminar. Tobias Barreto e Sílvio Romero principiaram e concluíram seus cursos no Recife. Tobias vindo à cátedra na Faculdade do Recife e Sílvio na logo seguinte no Rio de Janeiro. Da Faculdade de Direito de São Paulo vem a Universidade de São Paulo e da Faculdade de Direito do Recife a Universidade do Recife depois Universidade Federal de Pernambuco. Ambas têm motivos para continuar nos centros das respectivas capitais, nas suas antigas casas históricas. Desde os seus cursos anexos Júlio Frank preparou os primeiros políticos liberais do império em São Paulo e Antônio Pedro de Figueiredo nos do Recebe os pioneiros socialistas da insurreição praieira de 1848. I estudantil Centro Acadêmico Onze de Agosto sempre foi um núcleo de resistência democrática na Faculdade de Direito de São Paulo. Na do Recife permanece a lembrança dos estudantes vindo com Gilberto Freyre e alguns professores para o comício na sacada do Diário de Pernambuco em 1945, quando tombou o estudante Demócrito de Souza Filho sob as últimas balas do ditatorial Estado Novo. Pernambuco saúda em 2017 o bicentenário de 1817 pioneiro na independência e república brasileiras. O espírito de 1817, vinda da colina do Seminário de 1800 em Olinda, ao federalismo de 1824, à fundação da tribuna livre do Diário de Pernambuco em 1825 e da Faculdade de Direito do Recife em 1827 formando também gerações e gerações até hoje, e ao 1848 dos democratas sociais radicais. Todos condignos das sementes plantadas nos Guararapes em 1648 e 1649 e na Olinda de 1710. g
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HISTÓRIA A REVOLUÇÃO DE 1817 NA PARAÍBA: VELHAS E NOVAS INTERPRETAÇÕES1 José Octávio de Arruda Mello*
SUMÁRIO: 1.1. A questão do processo histórico. 1.2. As dez datas de Vamireh. 1.3. Igreja e Maçonaria na Revolução dos Padres. 1.4. Ação da Maçonaria e Imprensa. 1.5. O pólo do Recife e a outra Independência. 1.6. Convenção de Beberibe e jacobinismo. 1.7. Antônio Carlos, a Paraíba e os Andradas. 1.8. Fontes para 1817 na Paraíba. 1.9. Fontes primárias e Diário de Valle. 1.10. Do bloqueio à contra-revolução. 1.11. A documentação oficial – Irineu Pinto. 1.12. Primeira Constituição brasileira. Bibliografia pela ordem das referências. 1.1. A questão do processo histórico – A Revolução de 1817, na Paraíba, deve ser considerada em dupla perspectiva – de processo histórico e regionalização. Em termos de processo histórico, 1817 insere-se no que o historiador pernambucano Amaro Quintas, analisando a Praieira de 1848/9, considerou parcela de “O maligno vapor pernambucano”, isto é, a sequência de insurreições em 1801-1817-1824-1848, que se espraiaram pela região, da Bahia ao Ceará, *
alcançando a Paraíba. Se bem que, na visão de José Honório Rodrigues, como responsável, através da série “Documentos Históricos”, palas melhores fontes da insurreição de 1817, o movimento dos Suassunas, em 1801, na fronteira de Pernambuco com a Paraíba, fosse apenas uma conspiração, aquela sequência histórica, responsável pela “ardência natural dos pernambucanos”, tem sido considerada e até ampliada pelos analistas. Alguns destes, considerando 1817 não como fato mas como devenir, amplificaramna para, nas raízes mais remotas, incluir 1710, com os mascates olindenses, e 1649, com a insurreição pernambucana da libertação do jugo holandês, nos montes Guararapes. 1710 entra aí, em razão do grito de Bernardo Vieira de Melo, proclamando república aristocrática, análoga à de Veneza, e 1649 por ensejar a primeira e discutível manifestação da nacionalidade. 1.2. As dez datas de Vamireh – É o caso de Vamireh Chacon. Culturalista e também historicista, o pu-
Estudo elaborado para Terra de Sol, como revista da ACL, coordenada pelo escritor Melquíades Pinto Paiva.
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blicista pernambucano aproveitou os atuais duzentos anos de 1817 para, em conferência nos IHGB e Academia Pernambucana de Letras, sintetizadas em artigo para o Diário de Pernambuco, sistematizar as “Dez Datas” de um mesmo processo histórico, a saber, 1648/9, 1710, 1800, 1801, 1817, 1821, 1824, 1825, 1827 e 1848. Acompanhando tal raciocínio, temos nessas efemérides acontecimentos do maior significado histórico, tais como, além de Guararapes e Mascates, a criação do Seminário de Olinda, em 1800, Conspiração dos Suassunas em 1801, primeira Constituição Brasileira de 1817, Convenção de Beberibe em 1821, Confederação do Equador, de Frei Caneca, em 1824, fundação do Diário de Pernambuco, em 1825, criação dos Cursos Jurídicos de Olinda, em 1827, e a Revelação Praieira de Antônio Pedro de Figueiredo e Nunes Machado, em 1848. Embora a visão de Chacon, predominantemente não radical, ressalte 1825 e 27, deixando de lado os movimentos sociais de 1823 (motim do Pedroso) e 1831/2 (setem-
brizada, novembrizada e abrilada), com estes últimos, enfatizados por Manuel Correia de Andrade e José Octávio, evoluindo para a Guerra dos Cabanos, ela é muito feliz ao destacar 1800. Este, como ponto de partida da pregação do Seminário de Olinda do arcebispo Azeredo Coutinho, enseja a compreensão do impulso enciclopedista subjacente à fase mais dinâmica da cadeia, com a vantagem de, ainda mais, neutralizar as restrições de José Antônio Gonsalves de Melo Neto. Isto porque este último, pesquisando Manuel Arruda Câmara, demonstrou que o naturista paraibano, natural de Pombal e tido como fundador do Areópago de Itambé, nem fundou essa inexistente instituição, imaginada por Maximiano Machado, nem residiu em Itambé e, muito menos, partidário do despotismo esclarecido, pode ser considerado liberal. A questão, todavia, torna-se supérflua, quando se leva em conta que, a julgar pelas informações do viajante francês Tollenare, invocado por Vamireh Chacon, o Nordeste da época fervilhava de ideias liberal-maçônicas, particularmente rousseaunianas, incentivadas pelo Seminário de Olinda. A este pertencia um dos principais líderes de 1817, o padre João Ribeiro, ex-aluno de Arruda Câmara e preceptor de Frei Caneca, como uma das mais salientes expressões de 1817 e 24. Para o historiador Carlos Guilherme Mota, em Nordeste, 1817 (1972), Arruda Câmara tornou-se precursor da libertação dos escravos, como reivindicação pouco presente às revoluções liberais. 1.3. Igreja e Maçonaria na Revolução dos Padres – As referências a Câmara, Ribeiro e Caneca concedem razão a Oliveira Lina que, em proêmio para o principal livro sobre a Revolução de 1817, que é o do monsenhor Francisco Moniz Tavares (3ª ed., 1917), como inclusive, participante do movimento, denominou-a de “Revolução dos Padres”. Desenvolvendo esse conceito, um dos mais modernos intérpretes paraibanos de 1817 – o general médico Alberto Martins e Silva – relacionou os sacerdotes constantes da devassa de 1817. Entre estes, a Paraíba avulta com elevado número: “Albano Monteiro de Sá (vigário na Paraíba), Antônio Félix Velho Cardoso (sacerdote na Paraíba): Antônio Monteiro (sacerdote na Paraíba), Antônio Pereira de Albuquerque (sacerdote de Pilar/PB), Francisco da Costa Medeiros (pároco da Vila de Pilar/PB, José da Costa Cirne (sacerdote na PB), José Gonçalves Ourique (coadjutor do vigário de Campina Grande/PB), Luís José Correia de Sá (sacerdote em Sousa/PB), Venâncio Henrique de Resende (coadjutor do vigário do Pilar de Taipu/PB), Veríssimo Machado Freire (vigário de Mamanguape/PB) e Virgínio Rodrigues de Campelo (vigário de Campina Grande/PB)”. Biografando o padre guerrilheiro e jorna-
lista João Baptista Fonseca, Alberto Martins não se limitou àquela relação. Evoluindo para consequente interpretação, o historiador médico alcançou a atuação do clero e sua aliança com a Maçonaria: “As ideias insurrecionais vinham, aos poucos, tomando a consciência da elite politizada. A Maçonaria, facilitando os contatos, e a Igreja, atingindo todas as camadas sociais, foram fatores importantes na divulgação do surto revolucionário pelo nordeste. (...) A atuante participação do clero se fez sentir não somente pela quantidade de sacerdotes que se viram envolvidos, como também por terem sido os dirigentes e articuladores do movimento. O clero participava abertamente, em todo Brasil, dos problemas políticos, pois grande parte dos jornais permaneceu, sob a sua direção, por vários anos. Assim, era intensa a atividade que dominava nos púlpitos, nos jornais, nas fazendas, nas escolas, nos quartéis e nas reuniões maçônicas, em prol das causas libertárias”. Foi, porém, Pandiá Calógeras quem melhor precisou a original aliança brasileira entre Igreja e Maçonaria. Se a composição não se tornava possível na Europa onde essas instituições se alinhavam em campos opostos, com a Igreja escorando absolutismo monárquico, contestado pela anticlerical Maçonaria, pregoeira das matrizes do liberalismo rigorosamente contrário ao absolutismo, a realidade brasileira revestia-se de outros matrizes. Aqui, como o regime metropolitano não recorria à Igreja, os padres aderiram ao liberalismo não antirreligioso da Maçonaria, em razão do que os católicos tornavam-se maçons e os maçons, católicos. Pelo menos, até a Questão Religiosa de 1875, quando as duas entidades se separaram, por conta da ação de Dom Vital que, ordenado na Itália, trouxe para o Brasil o maniqueísmo liberal-religioso da Europa do papado de Pio IX. 1.4. Ação da Maçonaria e Imprensa – A sensível presença da Maçonaria na Revolução Nativista de 1817 significou a entronização de outros elementos no caldo insurrecional da região. Uma delas, a influência dos Estados Unidos cujo cônsul Joseph Ray e cujo secretário Jorge Fleming Holdt frequentavam lojas maçônicas no Recife. Se a França, com a Grande Revolução de 1789, fornecia o fermento ideológico do liberalismo enciclopedista, os norteamericanos vinham com o exemplo prático, uma vez que sua Independência, em 1776, se processara sob inspiração da Maçonaria a que pertenciam os Pais Fundadores. Ao contrário do Recife, onde elas se multiplicavam, a Paraíba ainda não dispunha de lojas maçônicas. Contudo, as ideias das lojas pernambucanas do Cabo e do Paraíso proliferavam na vizinha capitania, por conta dos padres egressos do Seminário de Olinda e senhores de engenho com elas identificados.
Por outro lado, essa dinâmica trazia consigo instituição até então embargada pela censura reinol – a Imprensa! Era com essa que se consorciava o púlpito dos clérigos. Atento à questão, Alberto Martins relacionou entre 1821 a 24, os jornais que circulavam no Recife, Bahia, Rio de Janeiro, Ceará, Maranhão e Pará. Nestes lugares, o Tiphis Pernambucano, de Frei Caneca, e A Idade D’Ouro do Brasil do Padre Inácio José de Macedo, na Bahia, sendo este reinterpretado por Maria Beatriz Nizza da Silva, merecem especial relevo. No Ceará, saliente-se o padre Mororó, alcançado pela repressão de 1824, como um dos primeiros jornalistas da Província. Na Paraíba, cujo primeiro jornal, anotado por Eduardo Martins e Fátima Araújo, é de 1826, à falta de tipografias, somente surgidas em 1823, não havia Imprensa. Isto não quer dizer, todavia, ausência de publicações impressas – panfletos, boletins, circulares, folhetos, prospectos, avisos – competentemente levantados por Kátia Queiroz Matoso, com relação à Revolução Bahiana dos Alfaiates, em 1798, sendo alguns sintomaticamente escritos em francês. Apenas os da Paraíba ainda não foram levantados. Tal não significa dizer que “a sombra das origens” não se insinuasse junto à sociedade paraibana. Um de seus primeiros jornalistas – o bravo e intimorato Borges da Fonseca – cujas atividades se iniciaram em 1829, foi contemporâneo, ainda criança e adolescente, dos eventos de 1817 e 1824. 1.5. O polo do Recife e a outra Independência – Buscando as estruturas e argumentos do Nordeste de 1817, Carlos Guilherme Mota percebeu que “Num plano regional, Pernambuco ocupava posição dominante em relação aos vizinhos. Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe eram áreas articuladas através do polo dinamizador localizado no porto do Recife. (...) As hinterlândias dessas capitanias estavam direta ou indiretamente subordinadas aos estímulos e movimentos de conjuntura que se faziam sentir no porto principal da região, que funcionava como escoadouro das produções de algodão, açúcar e, em menor escala, couros, pau-brasil, aguardente, mel e arroz”. Temos então o que foi denominado por Vamireh Chacon de hansa nordestina, ou seja, a sub-região eixada pelo porto do Recife, dentro do qual existia uma cidade e não o contrário, segundo José Octávio. O movimento do ancoradouro recifense torna-se fundamental para a tese de Celso Furtado segundo a qual a economia nordestina, apoiada no açúcar, declinou durante o século XVIII, em razão da concorrência da congênere antilhana, a que se seguiria a europeia, extraída da beterraba. Perfilando-a no instigante Engenhos do Açúcar na Colônia e no Império (2ª ed.,
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2012), Mary del Priore anotou que a baixa tecnologia do açúcar nordestino não se poderia medir com o caribenho e o próprio brasileiro que se deslocava para a região de Campos, no vale do Paraíba do Sul, cidade do Rio de Janeiro e, em seguida, São Paulo. Conforme ainda a profª. Del Priore, a insurreição haitiana de Toussain-Louverture e as campanhas napoleônicas melhoraram um pouco a posição do açúcar nordestino, no início do século XIX, mas o surto era passageiro. Tanto assim que os senhores de engenho, de fausto ilusório e deficiente alimentação, estavam recorrendo ao algodão que, procedente do sertão, descia para a zona, da mata. O fenômeno, presente a estudos do antropólogo Aécio Aquino, foi percebido pelo visitante inglês Henry Koster, “mais arguto que Tollenare”. A Revolução mais nordestina que pernambucana de 1817 situa-se, pois, em contexto de crise e onde o eixo econômico do Brasil, assim delineado no século XVIII, já se transferia para o centro-sul. O acontecimento serviu para lastrear as renovadoras teses de Maria do Socorro Ferraz em Liberais & Liberais – guerras civis em Pernambuco no século XIX (1996) e Evaldo Cabral de Melo com A Outra Independência – O federalismo pernambucano de 1817 a 1824 (2004). Consoante estes historiadores, em franco retrocesso econômico e social, o Nordeste, sob a liderança de Pernambuco, buscava emancipação própria – “A outra independência” de Evaldo – fora do modelo centralizador de predominância do centro-sul, de José Bonifácio. Daí a visceral diferença entre os dois esquemas. Enquanto o arquétipo bonifaceano apelava para o centralismo, o nordestino era federalista. Se o primeiro inspirava-se no monarquismo, o segundo tornava-se republicano. Enfim, se a tipologia centrosulista revelava-se conciliadora, seu antípoda, afinado com a soberania popular do Terceiro Estado
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do abade Sieyès, projetava-se como radical. 1.6. Convenção de Beberibe e jacobinismo – Foi com a Convenção de Beberibe, em 1821, que os liames federalistas, republicanos e radicais de “a outra independência” encontraram a mais consumada expressão. Proclamada em Goiana, em seguida ao que marchou sobre o Recife, a Convenção, liderada por Gervásio Pires Ferreira, expressou a posição de Pernambuco que não enviou representantes ao Conselho de Procuradores – célula mater da Independência de 1822 – criado por decreto de José Bonifácio, a 16 de fevereiro daquele ano. A ausência pernambucana devia-se à tendência de proceder a independência em separado. Quem remeteu delegado foi a Paraíba, considerada pelo Patriarca “o bom e leal povo da Paraíba”. Seu representante foi o próprio Bonifácio que a atrelou ao modelo centralista das províncias do centro-sul. Cabe aí uma indagação: como isso se deu? – Como a Paraíba, ligada a Pernambuco em 1817, separou-se, anos depois, do irmão siamês? – A resposta condiciona-se ao que procuraremos sumariar. Poucas capitanias declinaram tanto, econômica, financeira e socialmente, no Brasil do século XVIII, quanto a Paraíba. Nela, a rapacidade do fisco português combinou-se com o monopólio da Companhia de Comércio Paraíba-Pernambuco, confisco de bens acarretado pela Inquisição e perda, até, da autonomia administrativa, de 1755 a 99, para significar crise mais estrutural que conjuntural. O documento que melhor exprimiu essa realidade foi o relatório do governador Fernando Delgado Freire de Castilho, quando da retomada da autonomia paraibana de 1799. Dependência da própria dependência, no sentido de que não apenas se subordinava externamente à metrópole, como internamente a Pernambuco, em razão da supremacia do
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porto do Recife, a Paraíba, em 1817, tendeu ao jacobinismo, quando seu governo adotou providências mais avançadas que as de Pernambuco. Tal se verificou quando pretendeu suprimir o judiciário, subordinado à ditadura revolucionária do executivo. A considerarmos as colocações de Albert Soboul, foi essa, na França de junho a agosto de 1793, a postura dos jacobinos de Robespierre, logo objetados pelos girondinos de Louvet. 1.7. Antônio Carlos, a Paraíba e os Andradas – Os protestos contra esse radicalismo paraibano manifestaram-se através do padre João Ribeiro para quem os paraibanos não se deveriam apartar dos irmãos pernambucanos, de tantas afinidades históricas. O afastamento, porém, já se verificara. Para nós, derrotada a revolução, a separação acentuou-se devido ao comportamento de Antônio Carlos, ouvidor de Olinda, mas representante da Paraíba no Conselho de Estado revolucionário, constituído por Antônio de Morais e Silva, José Pereira Caldas, Deão Bernardo Luís Ferreira Portugal, Gervásio Pires Ferreira e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Na devassa decretada pelo conde dos Arcos, os realistas não perderam de vista a Antônio Carlos, recolhido às masmorras da Bahia por crime de alta traição. Todavia, anistiado, passou a compor com os irmãos José Bonifácio e Martim Francisco, principalmente o primeiro, considerado “o grande chefe das forças nacionais”, o triunvirato motor (e mentor) da Independência de 1822. Alentada por dona Leopoldina, mais que Pedro I, essa formação tinha como modelo a monarquia representativa e constitucional, à qual aderiu a Paraíba. Observe-se que em José Bonifácio o centralismo era instrumental para implantação das grandes reformas embaraçadas pela camarilha portuguesa da marquesa de Santos que envolveu o Impera-
dor, conduzindo-o ao absolutismo. Com o fechamento da Assembleia Constituinte de 1823 e a Constituição outorgada de 1824, os ideais liberal-democratas de 1817 viram-se postergados, em razão do que sobreveio, em 1824, a Confederação do Equador que, em parte, procurou retomá-los. 1.8. Fontes para 1817 na Paraíba – Pela própria natureza de nossas colocações, temos procurado na Revolução de 1817 sua etiologia, isto é, as linhas mestras e interpretação. Resta, porém, seu lado episódico, ou seja, como a Revolução de 1817 se processou na Paraíba, e suas respectivas fontes. Entre os livros, as Datas Campinenses (1947), de Epaminondas Câmara, e a História de Campina Grande (1962), de Elpídio de Almeida, tornam-se fundamentais. Como a Paraíba já havia integralizado seu território, eles se ocupam da progressão revolucionária, além do litoral. Câmara refere-se a Campina Grande onde os padres Virgínio Campelo e José Gonçalves Ourique, bem como o comandante das ordenanças José Nunes Viana, efetivaram ações revolucionárias. O mesmo verificou-se com o senhor de engenho José Martins Torres, em Alagoa Nova. Um pouco mais amplo, Elpídio tematizou as repercussões campinenses de Itabaiana e Pilar, assim como da capital. Na então Vila Nova da Rainha, entre as personalidades enunciadas por Epaminondas Câmara, História de Campina Grande ocupa-se do português Nunes Viana que se arrependeu do
edital republicano que afixara no pelourinho e desertou, aderindo à contra-revolução. Temos aí, nesse comportamento individual, a essência da peça Flor da Terra que, a respeito de 1817, os teatrólogos Altimar Pimentel e Elpídio Navarro encenaram, em outubro de 1985, durante o IV Centenário da Paraíba. Já Elpídio de Almeida também alude à ação revolucionária do vigário de Pombal, José Ferreira Nobre. Cidade do sertão da Paraíba particularmente marcada pelo movimento de 1817 foi Sousa onde os padres Luiz Antônio e José Antônio Correia de Sá reuniam-se, na fazenda Acauã, com seu colega cearense José Martiniano de Alencar, para conflagrar o sul do Ceará. De acordo com levantamentos do escritor sousense Eilzo Matos, para a revista Letras do Sertão, a base revolucionária de Sousa comportava os cidadãos Narciso da Costa Gadelha, Antônio Ferreira da Nóbrega, Luiz José Benevides e Patrício José de Almeida. 1.9. Fontes primárias – o Diário de Valle – Entre as fontes primárias da Revolução de 1817, na Paraíba, registre-se o Diário da Revolução de 1817, pelo sargento-mór Francisco Ignácio do Valle, cujo original, existente no IHGB, foi incorporado à Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, de número quatro (1912), juntamente com as “Notas Históricas da Revolução de 1817”, de Francisco Barros. Dele se valeu o jornalista Adelson Barbosa dos Santos para segura reportagem, alusi-
va aos duzentos anos da Revolução de 1817, no jornal Correio da Paraíba, de 5 de março de 2017. No Diário, Valle alude às primeiras informações sobre a revolução, procedentes do Recife, a 7 de março de 1817, em razão do que, a nove, o Governo constituído convocava os Corpos de tropa e procurava enviar emissário ao Rio de Janeiro. A 10, 11 e 12 de março, os comandantes de Camaratuba, Baia da Traição e Mamanguape, no litoral norte, anunciavam o controle do Rio Grande do Norte, pelo Governo revolucionário de André de Albuquerque Maranhão, com o que a Paraíba, espremida entre aquela capitania e Pernambuco, “ficava entre dois fogos”. O ouvidor real da Paraíba resolveu fugir, em razão do que se descobriam os chefes do movimento – Amaro Gomes da Silva Coutinho, do Regimento de Milícias de Homens Pardos, e José Peregrino Xavier de Carvalho, ajudante de ordens das tropas de linha. Os dois sinalizaram para Governo Provisório e de Liberdade, “porque não queremos ter mais Rei e sim a nossa República”. Hasteada a bandeira branca da Revolução, são dados vivas à pátria, religião e liberdade, ao tempo em que se formam patrulhas para cumprimento da recomendação de Amaro Coutinho – “vamos unir-nos à causa de Pernambuco”. Enquanto a Fortaleza de Cabedelo era tomada a 13 de março, com sacrifício de seu comandante, ocorriam bem sucedidos levantes em Itabaiana e Pilar, “por adeptos da
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maçonaria”. A 14, sobrevêm dificuldades nas vilas de Conde e Alhandra e engenho Pacatuba, mas dois mil homens de Pilar e Itabaiana chegam para dominar a situação, na capital. Nesta, os conventos são convertidos em quartéis. A conjuntura pende para os revolucionários que, a 15 de março, retiram de circulação as insígnias, laços e distintivos reais e realizam “lauta ceia”, no refeitório do convento de São Bento. A formação do governo revolucionário ocorre aí com Estevão José Carneiro da Cunha e Amaro Gomes Coutinho designados chefes militares. Dois dias depois, a 17 de março, as formações de Pilar e Itabaiana são retiradas para substituição pelas de Mamanguape, Serra da Raiz e Bananeiras. A 19 de março, Amaro Coutinho instala Conselho de Guerra para deter os recalcitrantes e a 21 chegam de Pernambuco, por meio de jangadas, peças de artilharia, metralha e pólvora. Constitui-se, então, o Estado Maior revolucionário com seções de infantaria, cavalaria, artilharia e caçadores. Dois dias depois, o governo revolucionário do Rio Grande do Norte pede socorro, em razão do que a Paraíba, sob o comando de Peregrino de Carvalho, envia por mar cinquenta homens, enquadrados por quatro oficiais. Essa formação será reforçada, a 7 de abril por dinheiro, pólvora e quinze homens que, todavia, seguem “contra a vontade”. Pelo testemunho ocular do sargento Valle verifica-se que as providências revolucionárias são quase todas militares, incluindo-se, entre elas, a prisão do abade de São Bento “por dar mostras de realista”. As dificuldades financeiras tanto avultam que de 8 a 16 de abril, os homens mais abonados do interior são convidados a subscrever donativos à pátria, “porque as finanças do Tesouro Público estavam diminutas”. 1.10. Do bloqueio à contra-revolução – A 16 de abril, as coisas começam a mudar. Recorrendo a navios da Bahia, o bloqueio naval torna-se tão eficiente que para a Paraíba não passam nem petrechos militares nem mantimentos. A contra-revolução, então, levanta a cabeça, com planos de ataque estabelecidos contra a capitania revolucionária. Mesmo assim, esta reage. Sumaca realista é capturada por jangadas que conduzem dois contos de réis em dinheiro para o combalido tesouro revolucionário. A primeiro de maio, Amaro Coutinho, puxando um tambor, engrena passeata para comemorar a adesão das capitanias de Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Pará à causa insurgente. Trata-se, porém, de rebate falso. A realidade consiste no avanço dos realistas pelo vale do Paraíba. Amaro Coutinho decide enfrentá-los no engenho Tibiri, mas a três léguas da capital faz alto. Como suas tropas, desertando, não o acompanham, os realistas alcançam
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o engenho dos Reis. Enquanto Amaro fracassava no Tibiri, os legalistas, progredindo pela praia, desde o Rio Grande do Norte, retomavam a Fortaleza de Santa Catarina cujo comandante revolucionário foi fatalmente golpeado, vivando a Pátria. Adotando providências como alforria para os cativos e libertação de criminosos, os insurretos tentaram estabelecer linha de defesa que não funcionou. Os vigários de Mamanguape, São Miguel e Baia de Traição abandonaram a Revolução e as temidas forças da ilha de Fernando de Noronha, equipadas com artilharia e mosquetões, avançaram sem encontrar resistência. Ante o colapso revolucionário, todo dinheiro público foi transferido para o convento de São Bento, com barris de pólvora que levaria tudo pelos ares. Confiado em socorro do Recife, Amaro Coutinho e Estevão Carneiro da Cunha logo desistem do intento, bem como obter veneno nas boticas para envenenamento (sic) das fontes públicas. É o desespero da derrocada. A 4 de maio, os cidadãos abastados refugiaram-se nos conventos e três mil realistas ingressaram na cidade, iniciando a captura dos chefes revolucionários, inclusive Peregrino de Carvalho que regressara, vencido, do Rio Grande do Norte. “Com alguma gente armada”, o corregedor André Alves regressa do sertão para consolidar a vitória. Nas janelas, a população apressa-se em exibir bandeiras e insígnias reais. O final do diário do sargento Francisco Inácio do Valle que, mesmo preso pelos revolucionários, a primeiro de maio, juntamente com o irmão, não o interrompeu, é patético. O velho (e controvertido) revolucionário Augusto Xavier de Carvalho aparece montado a cavalo, e desfilando com imagem de Cristo Senhor Nosso, com apelo “para que não matassem o filho”. A súplica não adiantou visto que, como se verá, Peregrino de Carvalho será executado no Recife. 1.11. A documentação oficial – Irineu Pinto – Uma outra fonte primária de primeira ordem para conhecimento da Revolução de 17 na Paraíba é o primeiro volume do livro de Irineu Pinto – Datas e Notas para a História da Paraíba (2ª ed., 1977). A diferença para o Diário do sargento Valle consiste em que enquanto esse firmou depoimento sobre o que viu, o dedicado pesquisador e posterior patrono do IHGP ocupase da documentação oficial, desde os oitenta ou cem mil habitantes de que dispunha a Paraíba. Segundo essa documentação, a partir da tomada do poder pelos revolucionários, a nove de março, determinou-se o recrutamento de todos os homens, de doze a cinquenta anos. Visando a atrair o povo, convencionouse que “ao toque de rebate ou a um tiro de peça, todos acorram ao Páteo do Palácio”.
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No dia seguinte, o Governo revolucionário ordena que “a pólvora existente no Pilar, Itabaiana, Areia e Bananeiras, seja apreendida e trazida ao armazém da capital”. O segmento econômico não foi descurado, daí porque, a 13 de março, de posse da administração da capitania, o tenente coronel Estevão Carneiro e o Cel. Amaro G. Coutinho dirigem-se à Câmara da capital “comunicando o que se passava e pedindo sua intervenção para que se conservassem no mesmo preço os gêneros de primeira necessidade e intimando suavemente (sic) os taverneiros e vendilhões para isto”. A 14 e 15 de março verificam-se importantes acontecimentos. Enquanto na primeira dessas datas, Amaro Coutinho e Estevão Carneiro proclamam a República, levantando a bandeira branca da liberdade, e as forças insurgentes do Pilar alcançam a capital, no dia seguinte é procedida eleição para o governo provisório. Este é constituído pelos padres Antônio Pereira de Albuquerque, Ignácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão, Francisco José da Silveira e Francisco Xavier Monteiro da Franca. A 16, essa administração publica sua primeira resolução, “abolindo as Câmaras e Ouvidorias e anulando patentes, hábitos e disfunções do anterior regime”. Que a inspiração ideológica da Revolução de 1817 provinha dos movimentos anglofranco-americanos comprovam-no as leis de 13 de março de 1817. Por meio delas, e na linha do liberalismo econômico, ficam abolidos os novos impostos sobre carnes verdes, lojas e tavernas, e os direitos das alfândegas são reduzidos à metade. Celebrada a igualdade entre nacionais e estrangeiros, o tratamento entre os cidadãos passa ser o de vós. De 24 a 27 de março, o governo revolucionário continuou dedicado à problemática econômica. Decreto, remetendo a criação de gado para o interior, a fim de separá-la da agricultura, foi assinado, juntamente com o perdão de metade dos direitos sobre o algodão exportado, e preservação do monopólio oficial do comércio de pau- brasil, riqueza datada da colônia. Nesse mesmo período, os revoltosos exultam com as notícias de adesão revolucionária em Campina Grande, Sousa e Pombal. Logo em seguida, Amaro Coutinho viaja ao Recife, em busca de armas e munições, mas ante o descontentamento que grassa na cidade da Paraíba, inicia-se a contrarrevolução. O mulato Bastos, Senhor de engenhoca no Pilar, é contido, mas o senhor de engenho de Pacatuba, João Alves Sanches Massa, logra sucesso na interceptação de gado e gêneros do comércio destinados aos litorais de Paraíba e Pernambuco. O governo revolucionário remete batalhões para as vizinhanças da capital porém, ante a defecção de padres como Manoel Lourenço e Manoel Anselmo, sua situação vaise tornando difícil. Como Amaro Coutinho
é abandonado pelos seguidores no Tibiri e a Fortaleza do Cabedelo vê-se retomada pelos realistas, os republicanos capitulam, mediante documento assinado a seis de maio, no convento de São Bento. A 13 de maio, a população presta obediência e vassalagem ao rei D. João VI, com o que, oficialmente, se encerra a Revolução de 1817 na Paraíba. Os chefes desta e os principais implicados têm seus bens sequestrados, a partir de 17 de maio, sendo que, a nove de junho, o governo passa a ser exercido por triunvirato composto pelo ouvidor Geral André Alves Pereira R. Cirne, oficial de maior patente, coronel Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos, e vereador mais antigo da Câmara Manoel José Ribeiro de Almeida. É, todavia, durante o exercício do novo Governador da Capitania, Thomas de Sousa Mafra, desde nove de junho, que principia o funcionamento das comissões militares reunidas em Pernambuco. São estas que determinam o enforcamento, no Recife, de cinco paraibanos, sendo eles José Peregrino Xavier de Carvalho, Francisco José da Silveira e Amaro Gomes da Silva Coutinho,
executados a 26 de agosto, e os padre Antônio Pereira de Albuquerque e civil Ignácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão, justiçados a 6 de setembro. 1.12. A primeira Constituição brasileira – Formando Governo, ao longo de movimento armado que subverteu a ordem colonial portuguesa, durante setenta dias, a Revolução de 1817 dispôs de uma particularidade. Elaborou Lei Orgânica como a primeira Constituição do Brasil. A questão foi percebida pelo historiador José Honório Rodrigues que a transcreveu em um dos volumes dos Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, cujos tomos, de 101 a 109 representam a principal fonte para o estudo da insurreição nordestina. Deles se valeu Carlos Guilherme Mota para construção do maiúsculo Nordeste, 1817 – Estruturas e Argumentos (1972), como tese de doutoramento transformada em livro pela Perspectiva. O preparo da Constituição de 1817 coube, em grande parte, a Antônio Carlos Ribeiro de Andrada que, como ouvidor de Olinda,
representava a Paraíba no Governo revolucionário da região. No preâmbulo, aludia-se a “soberania do povo em que ela só reside”, o que sugere a influência de Frei Caneca, também revolucionário de 17, como partidário da soberania do Terceiro Estado do abade Sieyès. A Lei Orgânica preceituava os direitos dos homens, fim e alvo dos sacrifícios sociais, e garantia da liberdade de opinião, da Imprensa e religiosa, embora reconhecesse como religião de Estado a Católica Romana, Outorgava aos europeus, naturalizados aderentes ao partido da regeneração e liberdade, e aos estrangeiros que se naturalizassem, o direito aos empregos e cargos da República. Conforme ainda José Honório, “era a primeira vez que se procurava garantir a todos os brasileiros esses direitos individuais, proclamados pelo liberalismo, muito antes de ser adotada no Brasil a 21 de abril de 1821 a Constituição Espanhola de 12 de março de 1812”. Esta última é a chamada Constituição de Cadiz, tema de oportuno estudo do constitucionalista paraibano Flávio Satiro Fernandes. g
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SALVANDO DE DOLOROSO ESQUECIMENTO O despertar de uma memória esquecida e aviltada: Revolução de 1817 na Paraíba Eliete de Queiroz Gurjão 1
O Projeto: “Antes que se apague completamente: memória e patrimônio da Revolução de 1817 na Paraíba” A motivação que impulsionou este projeto foi o inconformismo de sua coordenadora, professora de História, com o enfoque exclusivo de Pernambuco na historiografia sobre a Revolução de 1817. Todas as publicações sobre história do Brasil, são praticamente unânimes em apresentar esse fato como “Revolução Pernambucana” e quando se referem à participação da Paraíba colocam apenas como um prolongamento do movimento de Pernambuco, sem nenhuma importância. A obra mais referenciada sobre este fato foi escrita pelo pernambucano Francisco Muniz Tavares. Na condição de participante, ele descreve detalhadamente todos os momentos dessa rebelião, que denominou “Revolução de Pernambuco em 1817”. Nesta obra, que até hoje é a maior fonte para o estudo deste acontecimento, o autor reiteradamente, enaltece Pernambuco e pernambucanos. Para ele o mérito da revolução cabe aos pernambucanos. Quando fala sobre a participação de paraibanos atribui à educação que tiveram em Pernambuco. Sobre o inicio da revolução na Paraíba, comentou: “ [...] a povoação de Itabayanna teve a primazia, uma circunstancia particular ocasionou esta honra: era ahi, e na sua vizinhança, que habitava a mór parte dos jovens educados em Pernambuco, [...] “ (TAVARES: 1917, p. CXXVII). Excetuando-se algumas obras escritas por paraibanos, os historiadores em geral reproduzem a concepção exclusivista de Pernambuco. Faz-se necessário, portanto, uma revisão historiográfica no sentido de fazer justiça aos outros participantes de 1817. O movimento se estendeu por quatro capitanias do norte: Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas. Como exceção na historiografia relativa a 1817, pode-se indicar o trabalho de Carlos Guilherme Mota, cujo título “Nordeste 1817” já indica sua abrangência, não se restringindo
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ao movimento em Pernambuco. Realizou extensa pesquisa documental, objetivando analisar a mentalidade das lideranças nordestinas naquele contexto, sem enaltecer pernambucanos. Mostra a importância desse fato e seu pioneirismo como primeiro movimento radical de descolonização ocorrido no “mundo luso-brasileiro” e lembra que, apesar de ter sido derrotada, ela exerceu tanta influência sobre o contexto político que se seguiu, impedindo-o de manter-se pacificamente. (MOTA: 1972) É importante lembrar também a repercussão que a rebelião de 1817 teve no âmbito internacional. Pesquisa feita por Gonçalo de B.C. e M. Mourão(2009) com base na correspondência diplomática e na imprensa da época, demonstra como este fato acarretou preocupações na Europa. Todos os dias os principais jornais traziam noticias sobre a rebelião; em suas manchetes anunciavam: “ Uma perigosa revolução no Brasil”. Os diplomatas demonstravam temor, pedindo aos seus governos proteção para os seus súditos. Temiam que a rebelião pudesse reeditar no Brasil o movimento de libertação ocorrido no Haiti. O maior temor, portanto era o de uma rebelião escrava. Após Pernambuco, a Paraíba foi a primeira capitania a iniciar a rebelião;a república foi proclamada nove dias após Pernambuco. O novo governo foi exercido por uma junta que, durante um mês e vinte dias, iniciou a montagem do novo estado, ao mesmo tempo que enfrentava a reação do poder imperial. Tropas da Paraíba foram enviadas para apoiar a rebelião no Rio Grande do Norte que também proclamou a república. Porém, o contingente republicano teve que se render face à superioridade absoluta das tropas imperiais. A concepção da superioridade de Pernambuco sobre os demais estados do Nordeste não se limita à historiografia de 1817, perpassa por toda história e deita raízes nos primórdios da colonização. Foi de lá que partiu a ideia de criação da capitania real da
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Paraíba, transformando a “indomável” capitania de Itamaracá em território “dócil” à conquista, após vencerem a resistência dos potiguaras (nativos que ocupavam o litoral, desde Itamaracá até o Maranhão) com a indispensável ajuda dos tabajaras (indígenas recém chegados) . Na condição de polo açucareiro e controlador do comércio de exportação dos produtos da região, graças às condições favoráveis de seu porto, Pernambuco manteve a hegemonia no norte e nordeste. A Paraíba, também pela proximidade geográfica, foi a capitania mais vinculada a Pernambuco, chegando, no século XVIII, a ser anexada oficialmente, permanecendo sob domínio pernambucano durante quase meio século. Mesmo após emancipada, a Paraíba continuou sob influência política e econômica de Pernambuco, cujo comércio controlava a produção agroexportadora paraibana. Por conseguinte, a mentalidade do paraibano foi construída mediante tais condições adversas que não favoreceram sua autoestima. Durante o governo provisório, instalado na Paraíba em 1817, seus líderes demonstraram preocupação referente à dependência da economia paraibana, incluindo no projeto de governo medidas para fortalecer seu comércio. No decorrer da história da Paraíba ocorreram outras tentativas pontuais neste sentido. Porém, nunca conseguiram vencer as forças oligárquicas cujos interesses estão atrelados aos setores políticos e econômicos predominantes em Pernambuco. É evidente que a memória de 1817 não foi cultivada na Paraíba, diferentemente da de Pernambuco que sempre foi enaltecida através dos livros didáticos e todos os meios de comunicação, os paraibanos nunca ouviram falar em tal revolução. Revolução na Paraíba? Somente a de 1930! Esta sim foi tão importante que resultou até na mudança do nome da capital! Todavia, alguns guardadoresda memória de 1817 na Paraíba: o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGB) e a Fundação
Cultural do Estado, por ocasião do centenário da revolução, fizeram uma homenagem através de placas de mármore, colocadas nos lugares da capital onde foram expostas cabeças e mãos de seus líderes e no local onde ocorreu a rendição: As placas foram colocadas há um século e, até hoje, são conhecidas e apreciadas apenas por raríssimas pessoas. De uma amostra de 360 pessoas entrevistadas pela equipe do referido projeto, apenas 9% declarou conhecê-las! Mediante a marcha inexorável do tempo, a ação destrutiva das intempéries e a absoluta falta de manutenção, assim como a memória de 1817, as placas estavam se apagando. Daí porque o título do projeto: “Antes que se apague completamente: memória e patrimônio da Revolução de 1817 na Paraíba”. Perante este lamentável estado de coisas, o projeto buscourecuperar a memória e o patrimônio histórico relativo à Revolução de 1817 na Paraíba, alguns “lugares de me-
mória” que sobreviveram, por meio de duas ações: restaurar as placas e executar um trabalho de Educação Patrimonial. A etapa inicial do projeto foi realizada em 2011.2. Consistiu na seleção e capacitação de 12 alunos-bolsistas. Foi ministrado, pela coordenadora do projeto, um curso sobre a fundamentação teórica e oficinas de Educação Patrimonial. Em seguida, foi realizado um trabalho de campo para reconhecimento e registro da área de atuação. No semestre seguinte (2012.1) foi feito o mapeamento do entorno das placas e da Praça 1817 e realizadas entrevistas junto a uma amostragem desse contingente, perfazendo o total de 360 entrevistados, cujos resultadosforam transcritos e consolidados seus dados. Em 2012.2 foram realizadas quatro Estações Patrimoniais. Nestas, a equipe do projeto realizou plantões em tendas montadas nas praças mais frequentadas da cidade e, durante dois dias seguidos, interagiu com os transeuntes com base nos objetivos do pro-
jeto. Nestes dias foram distribuídos folders e panfletos informativos sobre o patrimônio, memória e identidade, apresentados banners referentes à questões pertinentes a essas temáticas e realizada uma exposição de fotos antigas da cidade.Este trabalho foi muito gratificante, possibilitando interação com centenas de pessoas. Durante 2013.1, a ação educativa foi realizadaem cinco escolas públicas de nível médio, por meio de palestrasministradas para professores e alunos. Ao mesmo tempo, foi elaborado um livro paradidático que foi distribuído nas escolas públicas de nível médio intitulado: “Antes que se apague: memória, patrimônio e identidade da Paraíba”. A restauração das placas foi realizada e colocada uma cobertura de vidro, encontrando-se à disposição de visitantes e interessados. A fachada onde se encontra a placa em homenagem a Amaro Coutinho, antes em ruína, foi devidamente recuperada. Com este trabalho de restauração do pa-
foto 1: placa 01 Placa indicativa do local em que os revolucionários paraibanos de 1817 renderam-se às tropas imperiais.
LOCALIZAÇÃO: Fachada do Mosteiro de São Bento, situado na Rua General Osório, no. 36, centro, João Pessoa-PB.
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FOTO 2 - PLACA: Amaro Coutinho Placa indicativa do local em que foram expostas cabeça e mãos de Amaro Gomes Coutinho, um dos líderes da Revolução de 1817 na Paraíba.
LOCALIZAÇÃO: Fachada em ruínas situada no Varadouro, na ladeira São Pedro Gonçalves às margens da ferrovia, Centro, João Pessoa, PB.
FOTO 3 - PLACA: Peregrino de Carvalho Placa indicativa do local em que foram expostas cabeça e mãos de José Peregrino de Carvalho, um dos líderes da Revolução de 1817 na Paraíba.
LOCALIZAÇÃO:Fachada da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, situada na Av. João Machado, Jaguaribe, João Pessoa-PB.
FOTO 4 - PLACA: Francisco José da Silveira Placa indicativa do local em que foram expostas cabeça e mãos de Francisco José da Silveira, líder da revolução de 1817 na Paraíba.
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LOCALIZAÇÃO: Fachada do prédio da FUNAPE (Fundação de apoio à pesquisa - UFPB), situada na Praça Rio Branco, Centro, João Pessoa-PB.
trimônio físico associado aos contatos diretos com parte da população da cidade, espera-se que a relação com o patrimônio mude paulatinamente. A partir da descoberta e valorização do patrimônio de 1817, é evidente que o elo entre parte da comunidade local e ele seja reforçado. Por outro lado, o conhecimento e a sensibilização sobre a importância do patrimônio local certamente será reproduzido e contribua para reforçar a autoestima de parte da população paraibana. O Patrimônio na boca do povo: entre desabafos e denúncias Tratando-se de um projeto com base na Educação Patrimonial, a participação da comunidade de João Pessoa em suas atividades foi de fundamental importância. Durante as Estações Patrimoniais, realizadas em praças públicas, centenas de pessoas abordaram e foram abordadas pela equipe do projeto, realizando-se, assim, uma interlocução e troca de saberes a cerca do patrimônio local. A pesquisa de campo foi realizada no entorno da Praça e das placas de 1817, com uma amostra de 360 pessoas que responderam entrevistas semiabertas, cujo objetivo foi o de traçar um diagnóstico do conhecimento que a população de João Pessoa tem do seu patrimônio cultural, particularmente no que se refere a 1817. Essa pesquisa demonstrou ogrande desconhecimentoque a população de João Pessoa tem sobre a Revolução de 1817 na Paraíba e seus lugares de memória. A maioria dos entrevistados, representada por 73% da amostra, afirmou ignorar totalmente este fato, enquanto 90% declarou ser necessária sua divulgação. As falas de alguns entrevistadossão muito eloquentes, revelando o estranhamento relativo à memória e patrimônio de 1817. Em contrapartida, no decorrer de todos os contatos foi demonstrada a força da memória de 1930. Neste aspecto, as falas que se seguem são exemplares:”1817 não...o nome da praça é praça João Pessoa, não? 1817 é um apelido”. (10E5) “Não. Agora estou curioso. Essa Revolução tem a ver com a que ocorreu em Princesa Isabel?” (4E20) Tal confusão demonstra concretamente que a memória coletiva é uma construção social. Neste caso, a correlação de forças no contexto da sociedade paraibana, dos anos trinta, foi favorável ao bloco político no poder local, que, associado à reformulação do estado por Getúlio Vargas e do culto à memória da “Revolução de 1930”, criou os alicerces e fortaleceu a memória desta revolução. A receptividade e o entusiasmo de parte dos entrevistados demonstram que existem
FOTO 5: Estação Patrimonial realizada no dia 10/08/2012 no Ponto de Cem Réis, no centro da cidade de João Pessoa.
FOTO 6: Livro paradidático elaborado pela equipe do projeto “Antes que se apague completamente: memória e patrimônio da Revolução de 1817 na Paraíba”.
interlocutores dispostos a refletir e focar um novo olhar sobre o patrimônio cultural, conforme demonstram os depoimentos que se seguem: Eu acho que todo lugar tem que ter a sua cultura né? Todo lugar tem a sua história e isso vai fazer com que ela apareça dentro do todo e que ela tenha força. A história daquele lugar, dá a ele força em meio ao todo e a Paraíba é bem esquecida, bem deixada pra trás, então eu acho que tem que fortalecer bastante esse aspecto, mostrar essa importância até para o Brasil... (5 E30) É importante porque é história da gente [...] a Paraíba sempre foi muito ativa nas revoluções [...] agora, é pouco divulgada enquanto a história de Pernambuco é divulga-
da em todo lugar [...] eles divulgam com o maior orgulho é o maior orgulho ser o leão do norte é o maior orgulho e a Paraíba tem muita história, muita coisa bonita que não é divulgada e precisa ser divulgada pra gente ter orgulho dessa Paraíba ... ( 6E4) No que se refere à preservação do patrimônio cultural local, 85% dos entrevistados manifestou opinião negativa, e alguns fizeram sugestões: Acho importante não só o movimento de 1817 como preservar o patrimônio como um todo. Se você observar na Europa, o patrimônio é acima de tudo, então você preserva literalmente. Aqui a gente não tem nada disso, a gente nem lembra, como o povo fala né, a gente nem lembra de quem votou na última eleição, quanto mais nosso patrimônio.” (9E9) De forma alguma, você tira pelos prédios aqui do Centro Histórico né, tudo abandonado, caindo, sem preservação nenhuma. Deixa eu te mostrar um negócio aqui. Pra tu ver, aqui no Google Maps aparece tudo, o Banco do Brasil, o Santander, aparecem as farmácias, mas não aparece o endereço, que é a Praça 1817. (1E11) Se eu dissesse que o patrimônio fosse realmente muito bem preservado seria mediocridade da minha parte, ou seja, 70% dele é preservado, 30% deixa a desejar.[...] Por exemplo, a praça 1817 ela mereceria ser bem preservada. [...] o bem público por um tempo tentou restaurar os prédios, fizeram reformar, restauraram luminárias e tudo, mas infelizmente essa preservação não é contínua. Claro que não depende somente do poder público, depende das pessoas também, tanto das pessoas que moram aqui ou as que vêm visitar.
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[...] melhorar com um cuidado nosso, e o poder público cuidando no sentido de mais segurança, manter vigilantes [...] Se você ver algumas praças já tão danificadas, algumas pichadas, e bancos quebrados. [...] Isso só mostra que as pessoas não têm cuidado com a cultura, enfim com a história, com o patrimônio histórico... (1 E22) Eu acho que a classe média baixa através do poder público, não sei de que forma, deveria ser alocada nesses imóveis e a Prefeitura cobraria um aluguel, através de um contrato...
E não ficar o poder público a cada dez anos reformando algo abandonado. Acho que o centro histórico deveria ser habitado. (4 E18) Não à altura que João Pessoa merece, [...] João Pessoa a terceira cidade mais antiga do Brasil, o patrimônio arquitetônico e histórico grande, [...] acho que existem aí iniciativas pontuais, iniciativas, é, sei lá, cosméticas, assim até eu diria, mas o processo estrutural de reestruturação do nosso patrimônio histórico, [...] eu acho que ainda é carente, aqui, assim, é só andar, [...] no centro da cidade que a gente
percebe o quanto ainda há pouco reconhecimento da população, pouca identidade, é, daquele patrimônio...” (7E As falas registradas, por sua importância e representatividade, evidenciam uma relação de afeto pela cidade e, ao mesmo tempo, uma preocupação com seu patrimônio. Tais testemunhos reforçam a necessidade de ressignificar o patrimônio cultural, de modo que ele seja visto como testemunho de histórias de vida e parte integrante do processo de formação da identidade paraibana e da própria cidadania. g
FOTO 7: Placa da rendição
FOTO 8: Placa em homenagem a Amaro Gomes Coutinho
FOTO 9: Placa em homenagem a José Peregrino de Carvalho
FOTO 10: Placa em homenagem a Francisco José da Silveira
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COLABORADORES
A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – 9, 11 Abelardo Jurema Filho – 5, 11 Adalberto Targino - 25 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – 12 Ailton Elisiário - 25 Alceu Amoroso Lima (In Memoriam) – 15 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto (D.) – 8 Aldo Lopes Dinucci – 9 Alessandra Torres – 9 Alexandre de Luna Freire – 1 Aline Passos - 21 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – 13 Aníbal Freire (In Memoriam) - 24 Álvaro Cardoso Gomes – 5 Américo Falcão (In Memoriam) – 9 Ana Isabel Sousa Leão Andrade – 15 André Agra Gomes de Lira – 1 Andrès Von Dessauer – 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 24, 25,26, 27 Ângela Bezerra de Castro – 1, 11, 25 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Anna Maria Lyra e César – 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – 8 Antônio Mariano de Lima – 4 Ariano Suassuna (In Memoriam) – 14 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – 13 Austregésilo de Atahyde (In Memoriam) - 23 Berilo Ramos Borba – 3 Boaz Vasconcelos Lopes – 7 Camila Frésca – 5 Carlos Alberto de Azevedo– 4, 6, 11 Carlos Alberto Jales – 2, 12, 14, 16, 23, 25 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – 2, 5 Carlos Pessoa de Aquino – 5 Celso Furtado - 16 Coriolando de Medeiros (In Memoriam) – 27 Chico Pereira - 16 Chico Viana – 1, 2, 4, 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 10, 13, 14, 22, 24 Ciro José Tavares – 1, 23 Cláudio José Lopes Rodrigues – 5, 6, 27 Cláudio Pedrosa Nunes – 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – 10 Damião Ramos Cavalcanti – 1, 11 Deusdedit de Vasconcelos Leitão - 24 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – 6 Durval Ferreira – 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – 14 Eilzo Nogueira Matos – 1, 4, 7, 13 Eliane de Alcântara Teixeira - 6 Eliane Dutra Fernandes – 8, 14 Elizabeth Marinheiro – 12 Emmanoel Rocha Carvalho – 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - 1, 9, 27 Erika Derquiane Cavalcante - 24 Ernani Sátyro (In Memoriam) –EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, EE/Epitácio Pessoa/ Maio/2015, 11, 15, 16 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 8 Evandro da Nóbrega- 2, 4, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 15, 21 Everaldo Dantas da Nóbrega – 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - 8 Fábio Franzini – 7 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Fernando Gomes (D.) (In Memoriam) - 25 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - 4 Flamarion Tavares Leite – 8 Flávio Sátiro Fernandes – 1, 2, 4, 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 26 Flávio Tavares – 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - 2 Francisco Gil Messias – 2, 5, 14 Gerardo Rabello – 11 Gustavo Rabay Guerra – 27 Giovanna Meire Polarini – 7 Glória das Neves Dutra Escarião – 2 Gonzaga Rodrigues – 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 11 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – 4, 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015 Humberto Fonseca de Lucena - 23 Humberto Melo – 16 Ida Maria Steinmuller - 24 Inês Virgínia Prado Soares - 23
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Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – 3 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – 4 Joaõ Cabral de Melo Neto (In Memoriam) – 27 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – 6 Joaquim Osterne Carneiro – 2, 4, 7, 9, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 25 José Américo de Almeida (In Memoriam) – 3, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 15 José Jackson Carneiro de Carvalho – 1 José Leite Guerra – 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – 16, 21 José Mário da Silva Branco – 11, 13 José Nunes – 16, 25 José Octávio de Arruda Melo – 1, 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 9, 13, 15, 21, 24, 25 José Romero Araújo Cardoso – 2, 3, 10, 11 José Romildo de Sousa – 16 José Sarney – 15 Josemir Camilo de Melo – 11 Josinaldo Gomes da Silva – 5, 10 Juarez Farias – 5 Juca Pontes – 7, 11, 27 Ivan Linas – 27 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, 7, 13, 15 Lucas Santos Jatobá – 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – 13 Luiz Fernandes da Silva- 6 Machado de Assis (In Memoriam) – 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) (In Memoriam) – 13 Marcelo Deda (In Memoriam) – 4 Márcia de Albuquerque Alves - 23 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 23 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – 1 Marcus Vilaça - 25 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – 3, 10, 15 Maria José Teixeira Lopes Gomes – 5, 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – 3, 9 Mário Glauco Di Lascio – 2 Mário Tourinho – 13 Martha Mª Falcão de Carvalho e M. Santana - 22 Martinho Moreira Franco – 11 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – 4 Milton Marques Júnior – 4 Moema de Mello e Silva Soares – 3 Neide Medeiros Santos – 3, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015, 15, 23, 27 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - 6, 15 Octávio de Sá Leitão (Sênior) (In Memoriam) - 23 Octávio de Sá Leitão Filho (In Memoriam) – 16 Osvaldo Meira Trigueiro – 2, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 25, 27 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/ Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - 14 Otávio Sitônio Pinto – 7 Patrícia Sobral de Sousa - 21 Paulo Bonavides – 1, 4, 5, 9, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 12, 14, 15, 16, 22,23, 25, 27 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Peregrino Júnior (In Memoriam) - 22 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – 3 Raúl Gustavo Ferreyra – 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – 4 Regina Célia Gonçalves – 22 Regina Lyra - 24 Renato César Carneiro – 3,6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,7,9 Ricardo Rabinovich Berkmann – 5 Roberto Rabello – 11 Ronal de Queiroz Fernandes (In Memoriam) - 21 Rostand Medeiros – 12 Ruy de Vasconcelos Leitão – 16 Samuel Duarte (In Memoriam) – 21 Sérgio de Castro Pinto - 22 Severino Ramalho Leite – 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 13, 15, 16 Socorro de Fátima Patrício Vilar – 10 Thanya Maria Pires Brandão – 4 Tiago Eloy Zaidan – 11, 13, 21, 23 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Vicente de Carvalho – 16 Violeta Formiga (In Memoriam) - 21 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – 3, 9, 15 Wills Leal – 2, 7 EE=Edição Especial
ARTES PLÁSTICAS QUATRO TELAS DE ANTONIO PARREIRAS
Primeiros passos para a Independência da Bahia
Morte de Fernão Dias Paes Leme
Prisão de Tiradentes
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