CAPA
(corel x8)
POESIA CINCO POEMAS DE WANDECY MEDEIROS Por que?
Existo!
Eu procurei amor nos assassinos e encontrei. Não procurei maldade nos santos mas encontrei.
Ensinaram-me a levar o mundo a sério mas a sério nunca o mundo me levou. Ensinaram-me o amor incondicional Nas nem condicional o mundo me amou.
Eu procurei moderação nos exagerados e encontrei. Não procurei exagero nos moderados mas encontrei.
Eu vivia só porque o mundo tinha vida, meu coração não se importava de bater. Abandonado num cadáver ambulante esperando, apenas, o fim do meu viver.
Eu procurei paz na guerra e encontrei. Não procurei discórdia na igreja mas encontrei.
Mas, numa esquina, bruscamente Frenou um carro para não me atropelar. Olhei para mim e vi que me via, Pensei: “eu existo” – Preciso me amar.
Procurei uma verruga num corpo perfeito E encontrei beleza num corpo malfeito. Olhei o errado e lembrei do direito E ao olhar o largo encontrei o estreito.
Massacre A indústria dos idiotas Nunca para de crescer Investir nos borra-botas É certeza de vender
Rascunho
Meu signo – sagitário – disse: Em casa hoje deves ficar E o livro de álcool-estima me falou: Se quiser emprego, vai procurar
Um homem não é só um homem, É um pouco demônio, um pouco anjo. O homem não é um ser acabado, É um rascunho, bem projetado Às vezes Diabo, às vezes Arcanjo. Um homem não é só um homem, É minério vivificado, espírito matéria. O homem é uma representação, Da Criação, da Evolução, da Confusão. Portanto, o homem não é coisa séria.
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Mimetismo Uma guerrinha aqui Uma bombinha acolá Um sequestrozinho em São Paulo Um assassinatozinho no Ceará Um maniacuzinho no parque Um psicopatazinho no Catar Uma fominha na África Um diluviozinho no Amapá Um terremotozinho no Japão UM furacãozinho no Japão UM estrupuzinho em Patos Uma pedofiliazinha no Paraná Uma corrupçãozinha no Pará Um terremotozinho em New York Uma explosãozinha no Panamá A gente vai suportando Até um dia se acostumar.
Minha garota é garota propaganda Faz reclames e mostra a bunda na TV Mostra os seios para todo o país Mas não me deixa apalpá-los, podes crer Oator famoso mudou o corte do cabelo E isso aumentou a tiragem da revista Fiquei acordado até alta madrugada Para assistir do jogador a entrevista Fique doente hoje mesmo E comprove se é mesmo bom O remédio que a TV Anuncia em alto som.
CARTA AO LEITOR
SUMÁRIO
A gravura que se estampa na capa desta edição de GENIUS é obra de grafiteiro anônimo presente na parte exterior da Fundação Espaço Cultural, em João Pessoa, uma das poucas manifestações dessa arte entre nós, mas que, ultimamente, tem suscitado debates e discussões, notadamente após a insana ação ou encenação do prefeito paulistano que, de uma só pincelada, apagou grande parte das figurações desse gênero que ladeavam a Avenida 23 de Maio, em São Paulo. A capa vem acompanhada de expressivo trabalho dos professores paranaenses Igor Halter Andrade, Jonathan França Ribeiro e Marcelo Conrado, este último também artista plástico paranaense, todos vinculados à Clínica de Direito e Arte, instituição criada na Universidade Federal do Paraná, para oferecer suporte jurídico a artistas, em diferentes aspectos de suas atividades profissionais, o que dá bem uma ideia de como os problemas relacionados à arte vêm sendo ali tratados na área acadêmica via extensão, diversamente do que se fez na capital paulista. Além desse tema relevantíssimo, trazemos ao leitor o discurso com que o escritor mineiro Afonso Arinos de Melo Franco tomou posse na Academia Brasileira de Letras, fazendo o elogio do seu antecessor naquela Casa, o paraibano romancista José Lins do Rego. É peça que eleva o imortal dos engenhos e sobreleva o imortal das minas gerais. Também relembramos a figura notável de João Lélis de Luna Freire, transcrevendo uma de suas páginas mais autênticas como crítico literário, ao analisar a obra de uma destacada figura da história da República – o coronel João Alberto Lins de Barros, intrépido lutador de 30 – Memórias de um revolucionário. O leitor de GENIUS terá oportunidade de ler o que disse José Octávio sobre Eilzo Nogueira Matos, escritor, romancista, historiador, publicista, também político, agora afastado das lides correspondentes, mas sempre pronto a empunhar as armas da dialética com as quais defende suas ideias e seus propósitos. O perfil de Eilzo foi traçado por José Octávio quando da posse daquele na Academia Paraibana de Letras, saudando-o. Além de outras matérias, fazemos saber ao leitor que a Paraíba acaba de ser distinguida com a escolha do Conselheiros Fábio Túlio Filgueiras Nogueira para presidente da ATRICON, que é uma entidade de âmbito nacional destinada a congregar os membros dos Tribunais de Contas do Brasil, apta a proceder como tal na defesa das Cortes de Contas e das pessoas que as compõem, conforme reconhecido judicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, em memorável decisão. Nesta edição, damos não apenas a notícia do magno evento, ocorrido em Brasília, como transcrevemos o discurso do ilustre campinense, ao tomar posse no cargo.
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Sensualidade no Limite Andrès Von Dessauer
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Nas Proximidade de Lisboa Ailton Elisiário
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Angústia Conto de Anton Tcheckov
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História De Um Revolucionário João Lélis de Luna Freire
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José Lins Do Rego, O Homem E O Escritor Afonso Arinos de Melo Franco
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A Rede Folkcom E O Centenário De Luiz Beltrão Osvaldo Meira Trigueiro
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Paraibano Assume A Presidência Da Atricon Equipe Genius
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A Esperança Não Murcha, Ela Não Cansa Fábio Túlio Filgueiras Nogueira
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Muito Antes De Cabral Thiago Andrade Macedo
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Eilzo Matos: Das Letras Do Sertão À Apl José Octávio de Arruda Mello
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Nossos Grafites Estão Ameaçados Igor H. Andrade, Jonathan F. Ribeiro e Marcelo Conrado
Muito obrigado, boa leitura e até a próxima edição.
Março/Abril/2018 - Ano VI Nº 30 Uma publicação de LAN Edição e Comercio de periódicos ltda. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 99981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS para o endereço OU E-MAIL acima
Capa: Equipe GENIUS
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colaboram neste número: 4
AFONSO ARINOS DE MELLO FRANCO (In Memoriam) (Belo Horizonte, 1905 – Rio de Janeiro, 1990) [José Lins do Rego: o escritor e o homem] Uma das mais expressivas figuras da literatura e da política nacionais, tendo sido Deputado Federal por várias legislaturas, Senador da República e Ministro de Estado. Foi um dos esteios do movimento revolucionário de 1964. Ingressou na Academia Brasileira de Letras sucedendo José Lins do Rego. AILTON ELISIÁRIO [Nas proximidades de Lisboa] Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Nordeste (1987), em Ciências Econômicas pela UFPB (1968), mestrado em Economia pela UFPB (1983) e especialização em Direito Civil pela Universidade Estadual da Paraiba (1987). É professor titular da Universidade Estadual da Paraíba e membro da Academia de Letras de Campina Grande. ANTON PAVLOVITCH TCHEKHOV (In Memoriam) (Taganrog, 1860 – Badenweiler, 1904) [Angústia) Médico, dramaturgo e escritor russo, considerado um dos maiores contistas de todos os tempos. IGOR HALTER ANDRADE [Nossos grafites estão ameaçados] Bacharel em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (UNESPAR) e é aluno do curso de Direito da UFPR, membro do Grupo de Estduso de Direito Autorial e Industrial.(GEDAI), da UFPR.É filiado à Clínica de Direito e Arte, instituição criada pela Universidade Federal do Paraná, para dar suporte jurídico a pessoas engajadas nas artes, em seus diversos aspectos. JOÃO LÉLIS DE LUNA FREIRE (In Memoriam) (Alagoa Nova, 1909 – João Pessoa., 1954) [A história de um revolucionário]. Escritor, historiador, crítico literário, ensaísta, biógrafo, jornalista. Foi Diretor do jornal A União, atuando em outros periódicos. Publicou O garimpo de S. Vicente, Maiores e Menores, Perilo Doliveira. Pertenceu à Academia Paraibana de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.
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JONATHAN FRANÇA RIBEIRO [Nossos grafites estão ameaçados] Graduando do Curso de Direito da UFPR. Ligado à Clínica de Direito e Arte, instituição criada pela Universidade Federal do Paraná, para dar suporte jurídico a pessoas engajadas nas artes, em seus diversos aspectos. JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELO [Eilzo Matos: das Letras do Sertão, Madeiras do Rosarinho e Norberto Bobbio à apl] Historiador de ofício, com doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, como professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de várias obras que abordam a história da Paraíba. MARCELO CONRADO [Nossos grafites estão ameaçados] Natural de Prudentópolis (PR), 1976. Artista plástico. Pós-graduado em Sociologia Política pela UFPR. Mestre em Ciência Jurídica pela FUNDINOPI. Professor universitário. Coordenador da Clínica de Direito e Arte, instituição criada pela Universidade Federal do Paraná, para dar suporte jurídico a pessoas engajadas nas artes, em seus diversos aspectos. Vive e trabalha em Curitiba-PR Osvaldo Meira Trigueiro [A Rede Folkcom e o Centenário de Luiz Beltrão] Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Folkcomunicação. Autor de várias obras nas áreas do folclore e afins. THIAGO ANDRADE MACEDO [Muito antes de Cabra] Segundo ele próprio, “escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, articulista do jornal A União, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também edita o site CULTURA-E (www. revistaculturae.com.br); filho de pernambucanos, nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa. Wandecy Medeiros [Cinco poenas] Autor de vários livros de poesias dentre os quais Um penetra no banquete dos filósofos, de onde foram transcritos os poemas divulgados na página 2, Wandecy se inscreve, com fidelidade e inteireza na linhagem dos poetas malditos, sem se desgarrar de suas origens sertanejas.
CINEMA SENSUALIDADE NO LIMITE
Andrés von Dessauer
Debaixo dessas três palavras, a 7ª Arte abre um leque gigantesco de obras que exploram tal tema em muitos sentidos. Dependendo do grau de evolução de uma sociedade, a compatibilidade entre sensualidade – e seus limites – e os bons costumes vigentes atinge patamares bem díspares. Já nas fantasias sexuais e nos sonhos de cada um, o grau da liberdade sempre perde as correntes impostas pela sociedade. As duas obras escolhidas talvez não tenham, à primeira vista, um denominador comum quanto ao roteiro e às mensagens, mas, em um ponto, convergem: tanto no LUA DE FEL (Polanski, 1992) como no NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO (Eyre, 2006), os atores primam por uma performance tão qualificada, que as películas passaram a ser consideradas atemporais. LUA DE FEL – transpondo limites Único satélite natural da Terra, a Lua, em uma perspectiva metafórica, seria uma espécie de esponja, por sua capacidade de absorver sentimentos positivos ou amargos (Lua de Mel ou de Fel). Esse catalisador de emoções inspira, também, mistério, pois, jamais se revela por inteiro durante seu breve reinado noturno. E, nem mesmo o gênero desse astro é incontroverso, já que, a depender da cultura, não só varia do feminino ao masculino como pode ser recepcionado como neutro. Suas fases possuem influência direta sobre o comportamento das marés e, segundo crenças, teria poder para afetar o próprio homem. No filme de Polanski, ‘LUA DE FEL’ (‘BitterMoon’, 1992) a suscitada correlação não se estabelece de forma expressa, exigindo, assim, um certo esforço interpretativo. Mas, apesar de tácita, não há como negar essa vinculação, materializada, por exemISSN: 2357-833
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plo, na relação de ascendência e declínio do casal protagonista (interpretado por Peter Coyote e Immanuelle Seigner) Tal qual ‘O PORTEIRO DA NOITE’ (filme de Liliana Cavani – 1974) esse trabalho tem como argumento principal o sadomasoquismo, especificamente, no que tange a humilhação social e sexual. Misto de romance, suspense e drama, ‘LUA DE FEL’ é um ‘case study’ sobre os limites de uma relação na qual, após o exaurimento do romantismo e, da infiltração do tédio, chega a vez da crise emocional e, em conseqüência a ‘sexual bankrupcy’ (‘bancarrota sexual’). E sob esse aspecto fica fácil equiparar uma terapia matrimonial à fase da recuperação judicial de uma empresa, pois, em ambos os casos o objetivo é redefinir prioridades a fim de continuar existindo. Sem falar que a obra funciona ainda como meio de advertência sobre a necessidade de se estabelecer, através do diálogo, uma forma de ‘contrato social’ para encarar os desafios da vida em comum e impedir o germinar da semente da decadência. No entanto, a alegação de que ‘a separação deveria ocorrer no auge da paixão’, parece pouco realista, já que, nesse momento, falta aos envolvidos tanto o pessimismo do desgaste como o elemento coragem. Isso, contudo, não ofusca, em nada, o brilho incandescente de ‘Lua de Fel’, obra capaz de fazer reflexionar até mesmo os mais lunáticos. Notas sobre um escândalo Quando atrizes como Judi Dench e Cate Blanchet, ícones da cinematografia, entram em combate, o resultado se torna imprevisível. E, no filme ‘NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO’, de Richard Eyre (2006), esse encontro se materializa em um espetáculo de alto teor dramático. Aliás, em uma interpretação mais lírica, poder-se-ia dizer que o termo ‘notas’ mantém expressa relação com a marcante trilha sonora de Phillip Glass, atreladíssima às ações e emoções do longa. O roteiro segue a tradicional sequência de um drama: apresentação dos personagens, conflito e solução. As etapas são intercaladas por um assento a céu aberto do qual se tem uma visão sobre Londres e que, alegoricamente, representaria a solidão. Outra alegoria é o trem que, em movimento, faz as vezes da desenfreada libido instigada pelo proibido. O tema ‘pedofilia’ perde espaço talvez porque a vítima, um rapazote de 15 anos, aluno de uma escola inglesa, já demonstre ter uma vida sexual ativa. Mas, provavelmente o fator determinante para o sutil desinteresse nessa relação proibida seja a crescente pressão psicológica imposta às protagonistas.
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Com efeito, o confronto entre as duas professoras é visceral, pois, enquanto a mais jovem (Blanchet) é movida por idealismo, sua colega já na terceira idade (Dench) encontra no niilismo o apoio intelectual e emocional que, por vezes, extravasa para o sarcasmo (‘fala-se de progresso, quando de fato, tudo piora’). Não existe, como se vê, qualquer denominador comum entre essas mulheres e isso fica claro na visão ambígua que cada uma tem sobre o termo ‘traição’. De fato, o assédio sexual sofrido pelo personagem de Blanchet não passa de um sobressalto em sua existência. Mas, o mesmo não se pode dizer em relação à amargurada figura vivida por Dench, que faz do ato de assediar uma forma de sobreviver à so-
lidão, bem como à frustração sexual. Aliás, no tocante à sexualidade a obra trás à luz o difícil dilema de conciliar o desejo que insiste em quedar-se jovem com o corpo cada vez mais limitado pelos sinais do tempo. Na psiquiatria, os perseguidores obsessivos são denominados ‘stalkers’. Esses indivíduos buscam claramente uma vítima para preencher suas carências afetivas, mas, já se sentem menos isolados pelo simples fato de caçar. Nesse passo, para Dench, a aquisição de um novo diário, marca o início de uma nova perseguição. Porém, além de marco inicial, o mencionado caderno ainda empresta fundamento ao título da película, uma vez que, serve de suporte para as anotações de cada novo escândalo. g
TURISMO
NAS PROXIMIDADES DE LISBOA
Ailton Elisiário
Nesta recente viagem a Lisboa para a curtição da defesa da tese doutoral de minha filha Danielle, na Universidade Nova de Lisboa, aproveitamos para fazer um passeio pelas proximidades da capital lusitana. Estendemos nossa viagem a Cascais, Estoril e Sintra. Um bate e volta que valeu a pena, realizando um tour em apenas um dia por essas cidades, na companhia de Marcos, um paulista residente em Lisboa, que nos guiou e com quem muito conversamos. Cascais é chamada de Riviera Portuguesa pela beleza do mar, clima leve e traços parecidos com a Riviera Francesa. Era a cidade onde a nobreza de Portugal mantinha suas residências de verão. Tem belas paisagens dentre as quais a Boca do Inferno, uma formação rochosa na qual a água do mar se altera entre o verde e o azul e o centro histórico com muitos prédios barrocos, tais como o Palácio do Marquês de Pombal e o Museu Conde de Castro Guimarães. Já Estoril, que é uma freguesia de Cascais, tem o privilégio de fazer acontecer todos os anos o Grande Prêmio Mundial de Motociclismo. Sua atração maior é o seu famoso cassino, o Cassino de Estoril. Um lugar versátil, com mesas de jogos de poker, black jack e roletas, um teatro espaçoso e restaurantes. É o maior cassino da Europa e a mais antiga casa de jogos e entretenimentos de Portugal. Mas é Sintra que se destaca, tida pela UNESCO como Patrimônio Mundial da
Humanidade. Lá está o Cabo da Roca, o ponto mais ocidental de Portugal, tal qual nossa João Pessoa, o ponto mais oriental do Brasil. De belíssimas paisagens tem inspirado escritores principalmente portugueses, a exemplo de Eça de Queiroz, Almeida Garret, Castelo Branco, Alexandre Herculano, Aquilino Ribeiro, Fernando Pessoa, Vergílio Ferreira e Ferreira de Castro. Eça de Queiroz perpetuou Sintra em “Os Maias”, “O Primo Basílio”, “A Tragédia da Rua das Flores”, “A Relíquia” e “O Mistério da Estrada de Sintra”. Vergílio Ferreira a eternizou em “Louvar Amar” escrevendo: “Sintra é o único lugar do país em que a História se fez jardim”. Ferreira de Castro, que se encontra sepultado alguns metros abaixo do Castelo dos Mouros, fez em 1970 um único pedido às autoridades portuguesas: que “desejaria ficar sepultado à beira de uma dessas poéticas veredas que dão acesso ao Castelo dos Mouros, sob as velhas árvores românticas que ali residem e tantas vezes contemplei com esta ideia no meu espírito”. O castelo foi construído entre os séculos VIII e IX sobre o local de uma fortificação árabe e foi abandonado no Século XII pelos seus defensores, perante a aproximação do exército de Dom Afonso Henriques, durante a época da Reconquista e da fundação de Portugal. Por este lado cultural tivemos também o ensejo de visitar o Palácio Nacional de
Queluz, que foi residência de duas gerações de monarcas, inclusive de Dom Pedro I do Brasil. Situado a cerca de 12 km de Lisboa, no caminho para Sintra, lá ele faleceu em 1834, no Quarto Dom Quixote, que contém cenas da vida dessa figura visionária de Cervantes. Dom Pedro I faleceu com 36 anos de idade, vítima de tuberculose, depois de uma vida agitada e até mesmo quixotesca O passeio foi muito bom e coroamos a visita saboreando produtos típicos da região. Depois de caminharmos pelas ruas enladeiradas e estreitas de Sintra degustamos doces e na vila velha, o centro histórico de Sintra, em especial a “piriquita”, docinho produzido por uma fábrica de queijadas e travesseiros desde 1862, criação de Dona Constança Gomes Piriquita. E brindando à alegria sorvemos taças de “sangria”, uma mistura de vinho com cachaça, de muita preferência popular em Portugal. Dali tomamos rumo para Barcelona, na Espanha. Antes que me esqueça, outro evento em que juntos estivemos – eu, Socorro e Danielle – foi a vernissage de Sarah Ferreira, desta feita no Hotel do Chiado, em Lisboa. Uma jovem pintora francesa nascida em Paris, que apresentou sua coleção Amore, um conjunto de 35 telas pelas quais reinterpreta esculturas do Século XVII ao Século XIX, com o intuito de mostrar que o tempo passa e com ele podemos mudar a matéria e a cor, mas não podemos mudar os sentimentos. g ISSN: 2357-833
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LITERATURA RUSSA ANGÚSTIA(*) Conto de Anton Tchekhov
Crepúsculo vespertino. Uma neve úmida, em grandes flocos, remoinha preguiçosa junto aos lampiões recém-acesos, cobrindo com uma camada fina e macia os telhados das casas, os dorsos dos cavalos, os ombros das pessoas, os chapéus. O cocheiro Yona Potapov está completamente branco, como um fantasma. Encolhido o mais que pode se encolher um corpo vivo, está sentado na boleia, sem se mover. Tem-se a impressão de que, mesmo que caísse sobre ele um montão de neve, não consideraria necessário sacudi-la… Seu rocim está igualmente branco e imóvel. Graças a sua imobilidade, à angulosidade das formas e à perpendicularidade de estaca de suas patas, parece mesmo, de perto, um cavalinho de pãode-ló de um copeque. Seguramente, ele está imerso em meditação. Não pode deixar de meditar quem foi arrancado do arado, da paisagem cinzenta e familiar, e atirado nessa voragem, repleta de luzes monstruosas, de um barulho incessante e de gente correndo… Faz muito tempo que Yona e seu rocim não se mexem do lugar. Saíram de casa ainda antes do jantar, e, até agora, não apareceu trabalho. Mas, eis que a treva noturna desce sobre a cidade. A palidez das luzes dos lampiões cede lugar a cores vivas e a confusão das ruas torna-se mais barulhenta. - Cocheiro, para a Víborgskaia! - ouve Yona. — Cocheiro! Estremece e vê, através das pestanas cobertas de neve, um militar de capote com capuz. - Para a Viborgskaia! — repete o militar. - Está dormindo? Para a Víborgskaia! Em sinal de consentimento, Yona puxa as rédeas, e a neve cai em camadas de seus ombros e do dorso do cavalo… O militar senta-se no trenó. O cocheiro faz ruído com os lábios, estende o pescoço à feição de cisne, ergue-se um pouco e agita o chicote, mais por hábito que por necessidade. O cavalinho estica também o pescoço, entorta as pernas, que parecem
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estacas, e desloca-se com indecisão… - Onde vai, demônio?! - ouve, logo depois, Yona exclamações partidas da massa escura de gente, que se desloca em ambos os sentidos. - Para onde te empurram os diabos? Mantenha-se à direita! - Não sabe dirigir! Olha a direita - zanga-se o militar. O cocheiro de uma carruagem solta impropérios; um transeunte, que atravessou a rua correndo e chocou-se com o ombro contra a cara do rocim, lança um olhar rancoroso e sacode a neve da manga. Na boleia, Yona parece sentado sobre alfinetes e aponta com os cotovelos para os lados; seus olhos tontos perpassam pelas coisas, como se não compreendesse onde se encontra e o que está fazendo ali. - Que gente canalha! - graceja o militar. Eles se esforçam em chocar-se contra você ou cair embaixo do cavalo. Combinaram isso. Yona volta-se para o passageiro e move os lábios… Sem dúvida, quer dizer algo, mas apenas uns sons vagos lhe saem da garganta. - O quê? — pergunta o militar. Yona torce a boca num sorriso, faz um esforço com a garganta e cicia: - Pois é, meu senhor, assim é… perdi um filho esta semana. - Hum!… De que foi que morreu? Yona volta todo o corpo na direção do passageiro e diz: - Quem é que pode saber! Acho que foi de febre… Passou três dias no hospital e morreu… Deus quis. — Dá a volta, diabo! - ressoa nas trevas uma voz. - Não está mais enxergando, cachorro velho? É com os olhos que tem que olhar! - Anda, anda… diz o passageiro. - Assim, não chegamos nem amanhã. Mais depressa! O cocheiro estica novamente o pescoço, ergue-se um pouco e agita o chicote, com uma graciosidade pesada. Depois, torna a olhar algumas vezes para o passageiro, mas este fechou os olhos e parece pouco disposto a ouvir. Depois de deixá-lo na Víborgskaia, para diante de uma taverna, encurva-se sobre a boleia
e fica novamente imóvel… A neve molhada torna a pintá-lo de branco, juntamente com o rocim. Decorre uma hora… outra… Três jovens passam pela calçada, fazendo muito barulho com as galochas e trocando impropérios: dois deles são altos e magros, o terceiro é pequeno e corcunda. - Cocheiro, para a Ponte Politzéiski! - grita o corcunda, com voz surda. - Damos vinte copeques… os três! Yona sacode as rédeas e faz ruído com os lábios. Vinte copeques são um preço inadequado, mas, agora, pouco lhe importa o preço… Tanto faz seja um rublo ou cinco copeques, contanto que haja passageiros… Empurrando-se e soltando palavrões, os jovens acercam-se do trenó e sobem para os assentos, os três ao mesmo tempo. Começam a discutir a questão: dois deles irão sentados, e quem vai ficar de pé? Depois de uma longa troca de insultos, manhas e recriminações, chegam à conclusão de que o corcunda é quem deve ficar de pé, por ser o menor. - Bem, faz o cavalo andar! - grita com voz trêmula o corcunda, ajeitando-se de pé e soprando no pescoço de Yona. - Dá nele! Que chapéu você tem, irmão! Não se encontra um pior em toda Petersburgo… - Hi-i… hi-i… - ri Yona. - Assim é… - Ora, você assim é, bate no cavalo! Vai andar desse jeito o tempo todo? Sim? E se eu te torcer o pescoço? - Estou com a cabeça estalando… - diz um dos moços compridos. - Ontem, em casa dos Dukmassov, eu e Vaska tornamos quatro garrafas de conhaque. Não compreendo para que mentir! - irrita-se o outro moço comprido. - Mente como um animal. - Que Deus me castigue, é verdade… Tão verdade como um piolho tossindo. - Hi-i! - ri Yona entre dentes. - Que senhores alegres! - Irra, com todos os diabos!… - indigna-se o corcunda. - Você vai andar ou não, velha peste? É assim que se anda? Estala o chicote no cavalo! Eh, diabo! Eh! Dá nele! Yona sente, atrás de si, o corpo agitado e a voz trêmula do corcunda. Ouve os insultos que
lhe são dirigidos, vê gente, e o sentimento de solidão começa, pouco a pouco, a deixar-lhe o peito. O corcunda continua os impropérios e, por fim, engasga com um insulto rebuscado, descomunal, e desanda a tossir. Os moços compridos começam a falar de uma certa Nadiejda Pietrovna. Yona volta a cabeça para olhá-los. Aproveitando uma pausa curta, olha mais uma vez e balbucia: - Esta semana… assim, perdi meu filho! - Todos vamos morrer. - suspira o corcunda, enxugando os lábios, após o acesso de tosse. - Bem, bate nele, bate nele! Minha gente, decididamente, não posso continuar andando assim! Esta corrida não acaba mais? - Você deve animá-lo um pouco… umas pancadas no pescoço! - Está ouvindo, velha peste? Vou te moer o pescoço de pancada! Não se pode fazer cerimônia com gente como você, senão é melhor andar a pé! Está ouvindo, Zmiéi Gorínitch*? Ou você não se importa com o que a gente diz? E Yona ouve, mais que sente, os sons de uma pancada no pescoço. - Hi-i… ri ele. - Senhores alegres… que Deus lhes dê saúde! - Cocheiro, você é casado? - pergunta um dos compridos. Eu? Hi-i… que senhores alegres! Agora, só tenho uma mulher, a terra fria… Hi -ho-ho… O túmulo, quer dizer!… Meu filho morreu, e eu continuo vivo… Coisa esquisita, a morte errou de porta… Em vez de vir me buscar, foi procurar o filho… E Yona volta-se, para contar como lhe morreu o filho, mas, nesse momento, o corcunda solta um suspiro de alívio e declara que, graças a Deus, chegaram ao destino. Tendo recebido vinte copeques, Yona fica por muito tempo olhando os pândegos, que vão desaparecendo no escuro saguão. Está novamente só e, de novo, o silêncio desce sobre ele… A angústia que amainara por algum tempo torna a aparecer, inflando-lhe o peito com redobrada força. Os olhos de Yona correm, inquietos e sofredores, pela multidão que se agita de ambos os lados da rua: não
haverá, entre esses milhares de pessoas, uma ao menos que possa ouvi-lo? Mas a multidão corre, sem reparar nele, nem na sua angústia… Uma angústia imensa, que não conhece fronteiras. Dá a impressão de que, se o peito de Yona estourasse e dele fluísse para fora aquela angústia, daria para inundar o mundo e, no entanto, não se pode vê-la. Conseguiu caber numa casca tão insignificante, que não se pode percebê-la mesmo de dia, com muita luz… Yona vê o zelador de uma casa, carregando um embrulho, e resolve travar conversa. - Que horas são, meu caro? - pergunta. - Mais de nove… Por que você parou aqui? Passa! Yona afasta-se alguns passos, torce o corpo e entrega-se à angústia… Considera já inútìl dirigir-se às pessoas. Mas, decorridos menos de cinco minutos, endireita-se, sacode a cabeça, como se houvesse sentido uma dor aguda e puxa as rédeas… Não pode mais. “Para casa”, pensa, “para casa”. E o cavalinho, como se tivesse compreendido seu pensamento, começa a trotar ligeiramente. Uma hora e meia depois, Yona está sentado junto ao fogão grande e sujo. Há gente roncando em cima do fogão, no chão e sobre os bancos. O ar é abafado, sufocante… Yona olha para os que dormem, coça a cabeça e lamenta haver voltado tão cedo para casa… “Não ganhei nem para a aveia”, pensa. “Daí essa angústia. Uma pessoa que conhece o ofício… que está bem alimentada e tem o cavalo bem nutrido também, está sempre calma…” Num dos cantos, levanta-se um jovem cocheiro, funga, sonolento, e arrasta-se para o balde de água. - Ficou com sede? - pergunta Yona. - Com sede, sim! - Bem… Que lhe faça bom proveito… Pois é, irmão, e eu perdi um filho… Está ouvindo? Foi esta semana, no hospital… Que coisa! Yona procura ver o efeito que causaram suas palavras, mas não vê nada. O jovem se cobriu até a cabeça e já está dormindo. O ve-
lho suspira e se coça… Assim como o jovem quis beber, assim ele quer falar. Vai fazer uma semana que lhe morreu o filho e ele ainda não conversou direito com alguém sobre aquilo… É preciso falar com método, lentamente… É preciso contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de morrer e como morreu… É preciso descrever o enterro e a ida ao hospital, para buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia… É preciso falar sobre ela também… De quantas coisas mais poderia falar agora? O ouvinte deve soltar exclamações, suspirar, lamentar… E é ainda melhor falar com mulheres. São umas bobas, mas desandam a chorar depois de duas palavras. “É bom ir ver o cavalo”, pensa Yona. “Sempre há tempo para dormir…” Veste-se e vai para a cocheira, onde está seu cavalo. Yona pensa sobre a aveia, o feno, o tempo… Estando sozinho, não pode pensar no filho… Pode-se falar sobre ele com alguém, mas pensar nele sozinho, desenhar mentalmente sua imagem, dá um medo insuportável… Está mastigando? - pergunta Yona ao cavalo, vendo seus olhos brilhantes. - Ora, mastiga, mastiga… Se não ganhamos para a aveia, vamos comer feno… Sim… Já estou velho para trabalhar de cocheiro… O filho é que devia trabalhar, não eu… Era um cocheiro de verdade… Só faltou viver mais… Yona permanece algum tempo em silêncio e prossegue: — Assim é, irmão, minha eguinha… Não existe mais Kuzmá Iônitch… Foise para o outro mundo… Morreu assim, por nada… Agora, vamos dizer, você tem um potrinho, que é teu filho… E, de repente, vamos dizer, esse mesmo potrinho vai para o outro mundo… Dá pena, não é verdade? O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão de seu amo… Yona anima-se e conta-lhe tudo... g (*)
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UMA PÁGINA DE JOÃO LELIS História de um revolucionário
João Lelis de Luna Freire
SHOSTAKOVSKY assinala a importância do “ter o que dizer” quando na sua “História da literatura russa”, examina os caracteres que diferenciam os escritores russos dos ocidentais considerando aqueles não como orientais e sim como eurasianos, isto é, de uma categoria ou posição intermediária ou intercadente entre as duas grandes correntes. Para os eurasianos, alude Shostakovsky, nada importa senão aquilo que constitui a substância da literatura, isto é, a matéria, o assunto, a essência. O resto é detalhe. Só aquilo importa, só aquilo tem valor caracterizante. Esse “ter o que dizer” é o mais significante, é o mais importante, uma espécie de alma da obra literária, a sua razão de ser, de viver e de sobreviver. E se tornou, por tanto, uma característica, uma identificação, uma coloração de toda uma literatura, e através da qual, somente através da qual, o crítico poderá compreender alguma cousa do espírito profundo e complexo dessa gente e dessa literatura. Mas, o que nos interessa, neste momento, é o “ter o que dizer” como força animadora de uma obra literária ou, de um modo geral, de um livro. Não se pode deixar de considerar em alto plano essa condição quando se toma conhecimento de uma obra, menos a de ficção do que aquela que objetiva revelar e fixar fatos, ideias e tipos de uma época. Nesta categoria incluem-se as “memórias, forma atualizada ou estilizada de “confissões” ou “denúncias” e de que já se tem abusado senão pelo número mas pela ausência desse “ter o que dizer” imprescindível. Sim, porque nada valerá confes-
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sar ou recordar o que não se viveu ou se sentiu, pois deixaria de ser o que pretende para revestir-se de fantasia pura ou de mera peraltice da imaginação. Mas, no meio de muitas “memórias” que nos têm aparecido uma está cheia desse “ter o que dizer”, de um homem que realmente viveu uma vida interessante. Refiro-me às “Memórias de um revolucionário”, do Sr. João Alberto Lins de Barros – um ex-oficial do exército e famoso participante das revoluções até 1930. Na realidade, dos homens da última geração política, o Sr. João Alberto é um dos que “têm o que dizer”, se bem que os movimentos políticos no Brasil se venham ressentindo de profundidade para compensar-se num extensionismo que lhe fornece uma multiplicidade de facetas e uma variedade impressionante de colorido. A profundidade que desejaríamos se contivesse em nossos “pronunciamentos” de 1889 a 1930 nunca chegou a alcançar as raízes subconscientes da nacionalidade e creio mesmo que isto ocorreu por faltar-nos existência história. De 1922, quando uma nova geração começou a se interessar e penetrar na vida pública, até 1930, quando ela se decidiu agir em função de uma tendência generalizada e facilitada pelo fato da geração de 89 ter entrado no seu período de climatério, foi que os fatos começaram a ter uma feição mais espraiada, mais geograficamente desenvolvida e comprometer, de modos variados, os homens de dessemelhantes regiões do país e integrados em setores distintos da vida nacional. De sorte que, participando do movimento de 1930,
qualquer das suas figuras de vanguarda, militar ou civil, teria que se encontrar ou desencontrar com outras contrárias ou a favor, e disso resultar acontecimentos que tiveram, na sua maioria, significado relevante. De 1930 para cá o mundo político ainda está nos arquivos. É a nebulosa que as gerações futuras irão estudar... Mas, os fatos que antecederam a convulsão popular de outubro, têm tido, vez por outra, os seus reveladores, alguns de significado incomum outros secundários, e nem todos modelados por esse pensamento de equidistância que deve presidir as revelações que hão de constituir elementos fundamentais do julgamento histórico. O livro do Sr. João Alberto revela, em primeiro lugar, um escritor; um homem que tendo sensibilidade tem, também, uma história a contar. E conta-a a seu modo, revelando-se nas suas páginas como, realmente, se colocou diante da vida ao tempo dos fatos que expõe. Em um estilo sóbrio, não deixa, contudo de mesclar sua narrativa com umas tintas de tristeza, com um certo desalento que nos faculta a impressão de que o autor talvez não quisesse repetir a vida se isto lhe fosse permitido... Terminamos a leitura do livro do Sr. João Alberto com uma certa piedade pelo idealista de 1922. Porque seu livro denuncia o desiludido, o desencantado, um homem rudemente tratado pela realidade, maltratado pelos fatos, massacrado pelos acontecimentos dos quais só tivera, no início de sua carreira reivindicadora, os melhores prenúncios. Seu estilo é uma surpresa pela sobriedade porque de um
modo geral os militares não são escritores sóbrios; geralmente lacônicos na sua literatura profissional, comumente se desatam em um estilo tonitroante ou descosido em que tomam parte saliente tropos abusivos quando penetram nos setores estranhos à carreira. E geralmente se tornam ou enfadonhos ou áridos. /Educado numa escola militar era de se presumir que o autor se filiasse ao estilo das ordens do dia ou dos relatórios de campanha, constritos numa terminologia técnica que despreza o tom e as cores que avivam a arte de escrever. Sobre os acontecimentos narrados pelo escritor João Alberto já nos têm aparecido contribuições fixadoras e esclarecedoras, principalmente daquela que se atêm a episódios que produziram maior retumbância e despertaram a curiosidade de observadores e estudiosos. Lourenço Moreira Lima, um bacharel que tomado de um entusiasmo frenético integrou-se ao movimento de 1924 e seguintes até quando se concluiu o ciclo das lutas militares com a internação dos revolucionários na Bolívia, deixou-nos extenso e minucioso relatório da vida da coluna do antigo capitão Prestes, que é um modelo clássico no gênero em nossa literatura. O Sr. João Alberto, contemporâneo e companheiro do bacharel Lourenço se não chega a suplantá-lo pelo volume dos acontecimentos narrados, sobreleva-o no estilo, estilo mais literário e, sobretudo, pela homogeneidade do seu trabalho, da sua obra. Há outros autores que poderíamos citar como ilustrativos desse aspecto literário, mas isto faz parte de um outro exame que tencionamos fazer
sobre nossa literatura militar e paramilitar. Neste momento só nos prende a atenção o depoimento do Sr. João Alberto que revela uma faceta apreciável desse nordestino intrépido, inteligente e possuído de um agudo senso da realidade brasileira. Pois não é de estranhar que entre os homens de 30, sobretudo daqueles “tenentes de galão ou paletó saco”, o antigo comandante do 2º Destacamento se coloque entre os mais perspicazes e agudos observadores dos nossos problemas coletivos, sabido ser ele um espírito prático e dirigido por uma irredutível objetividade. Não cheguei a conhecer pessoalmente o Sr. João Alberto. Recordo que, certo dia, pouco depois de 1930, em companhia desse não menos notável lutador que é o cel. João Costa, cruzamos uma Repartição do Governo, na Capital da República, com o “capitão” João Alberto. Alguém, ao meu lado, m´o indicou e, nesse instante, mal lobriguei o vulto anguloso do revolucionário. Fora um cruzamento mais rápido do que aquele que houvera, em 1925, entre ambos esses oficiais, em Piancó. Meu dever de ler o que se tem escrito sobre a Revolução me vai informando do que seus escritores dizem, de si e dos outros. Por isto tomei conhecimento do que o Sr. Silo Meireles, em artigo no “Diário de Notícias” do Rio, logo após o lançamento das “memórias” do Sr. João Alberto, diz sobre o livro. E recordo-me, bem ou mal, que seu ex-colega de lutas, se antepõe, entre outras coisas, ao que ele chama, se não me engano, de “espírito de destacamento”, uma espécie de psicose do autor por falar,
insistentemente, da tropa que esteve em seu comando. Sobre o demais não vem ao caso; o que eu friso aqui é que o “espírito de destacamento” é aquele “ter o que dizer” do escritor e que tanto anima seu livro. Tire-se o 2º Destacamento e ficará pouco de original para dar vida àquelas páginas comedidas, sérias e tristes. Quanto à exatidão dos fatos o autor é quem corre os riscos. Ao leitor o que interessa é o tema, e ao crítico a maneira como esse tema é usado. E por falar em exatidão quero anunciar que o Padre Manuel Otaviano, da Academia Paraibana de Letras, está escrevendo um livro sobre os fatos de Piancó. E desde logo indico a sua contestação à afirmativa existente no livro do Sr. João Alberto quando coloca na boca do padre Aristides Ferreira aquela frase oferecendo votos em troca da vida, momentos antes de ser imolado. A versão do Sr. João Alberto é inexata, segundo o Sr. Manuel Otaviano que lá por perto estava naqueles dias perigosos; certamente a nota lhes fora transmitida por alguém de sua coluna e ouvida dos elementos que tomara pare nos acontecimentos de Piancó, Com o anunciado livro de Manuel Otaviano a verdade se irá consolidando. O que é fato incontestável é que o Sr. João Alberto Lins de Barros disse e disse -o de um modo atraente, o que tinha para dizer. Seu “Memórias de um revolucionário” é uma boa contribuição para o estudo do nosso evoluir tumultuário, desse nosso desejo comum de realizar, mesmo sem sólidos preparativos, um sistema de vida que atenda às nossas aspirações mais imediatas e mais razoáveis. g
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PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
José Lins do Rego, O Homem e o Escritor (*)
Afonso Arinos de Melo Franco Por um desses contrastes comuns no funcionamento das associações como a nossa, um expoente social como Ataulfo de Paiva foi sucedido, por alguém que era, de certa forma, a sua contradição viva; por um poderoso escritor, para quem a sociedade nunca foi outra coisa senão a massa dócil em que as suas mãos robustas iriam modelar vastos e sofridos relevos humanos. Na nossa geração, ninguém foi mais totalmente escritor do que José Lins do Rego. Quem o visse, sedento de vida, interessado até à paixão pelas manifestações fugazes e às vezes miúdas do quotidiano, poder-se-ia iludir sobre a íntima natureza do seu espírito e considerá-lo um simples transeunte da existência, amoroso das formas, degustador de emoções e sensações. A verdade era, porém, muito outra. O impulso profundo que o tornava participante de tantas manifestações de vida traduzia, apenas, a necessidade de uma acumulação contínua de experiências. E essas experiências vitais serviam para enriquecer-lhe o conhecimento da realidade que, transubstanciada pelo mistério da criação artística, se fixava nas situações, paisagens e tipos dos seus romances. Havia qualquer coisa de rabelaisiano na maneira pela qual a criação literária em José Lins do Rego se abeberava diretamente nas fontes mais genuínas da vida. E o fazia da única maneira possível, dentro do quadro indicado, que era o da experiência pessoal. Este processo de criação literária era nele tão profundo e natural que se desenvolvia sem vir à tona da consciência. Era convicto que José Lins do Rego afirmava ser um homem mais da vida do que dos livros, quando a verdade é que ele só vivia intensamente para transformar, para fixar a vida nos livros. Esta era a sua força, e este o destino que Deus lhe reservou. Seus sentimentos, paixões, gostos, ambições e súbitos terrores
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eram os de um homem, mas, também, nunca deixavam de ser os de um escritor, e como escritor os vivia e sofria. Esta verdade, que é geral, mais clara se torna quando a particularizamos no terreno das ambições. Posição, prestígio, dinheiro não interessavam a José Lins do Rego senão na medida em que servissem ao seu destino de escritor. Em matéria de poder, de honrarias e de bens ele não era um desprendido, mas um distraído. Sem recusar as vantagens sociais por que tantos se matam, não era ele capaz de se aperceber dos aspectos mais agradáveis da vida que não fossem suscetíveis de conduzir à criação literária. Não se confunda, aliás, este traço psicológico com a simples rusticidade sertaneja, de que José Lins nunca se desprendeu. O que havia nele era a entrega de todo o ser a uma vocação dominadora, a vocação do escritor. De resto, o que estou aqui dizendo roça pela banalidade, pois se aplica a todos os tipos de vocação absorvente, espiritual, intelectual ou profissional. Mas há banalidades que devem ser ditas e repetidas no estudo das personalidades humanas, pois elas são indispensáveis à interpretação dos caracteres. Colocada a questão nestes termos, poderemos integrar harmoniosamente o homem e o escritor José Lins do Rego penetrando a contradição que havia entre o otimismo sadio e desbordante da vida de um e o pessimismo sombrio e tantas vezes trágico da obra do outro. Aliás, a contradição estava nele mesmo, no homem, e se revelava a quem o observasse atentamente. O seu otimismo, sem ser fingido, era falso. Mantinha-se graças ao esforço da tensão nervosa, necessário à captação das impressões ambientes, material de que se nutria a imaginação do romancista. Mas, de repente, o falso otimismo esboroava-se em crises de melancolia e depressão.
A sua saúde tremenda de glutão agitado sombreava-se, de vez em quando, com temores inopinados: o medo de doença, o medo da morte. E o seu prematuro e absurdo fim demonstrou com que acerto a fina sensibilidade lhe denunciava as frinchas daquela aparente fortaleza. Rústico nos hábitos e no convívio, chocava-se externamente com os requintes da civilização brasileira e europeia, em cujo meio viveu durante tantos anos. Mas o choque era só externo, porque, internamente, ele era não propriamente sutil, mas extremamente sensível; sensível pelo gosto e pela inteligência, capaz, portanto, de receber e assimilar, no espírito, as riquezas da História, da Literatura e das Artes plásticas, que tão distantes poderiam parecer da sua rude formação infantil e adolescente. Este enriquecimento constante da experiência cultural, captada por uma sensibilidade sempre alerta e emotiva, vinha se transformar na criação literária, que exprimia, contudo, outros ambientes e paixões; outra realidade. O homem adulto, instruído e viajado, utilizava os materiais da cultura para aplicá-los na reconstrução de um mundo perdido e, no entanto, real: o seu mundo terno e bárbaro de menino de engenho. Ele próprio identifica, com sagacidade, este fenômeno, em página de um dos livros que publicou com impressões de viagens. Escreve, dizendo adeus à França: Vi terras do sul, o mar Mediterrâneo, o mar da História, o mar dos gregos, dos egípcios, dos fenícios, dos romanos. Mas o nordestino tinha que voltar à sua realidade... Desde logo tudo o que vi e senti se refugia no fundo da sensibilidade, para que a narrativa corra, como em leito de rio que a estiagem secara, mas
que as águas novas enchem, outra vez, de correntezas... Adeus, doce França. Agora os espinhos me arranham o corpo e as tristezas me cortam a alma. Eis por que as contradições do homem se fundiam na riqueza complexa do escritor. Assim como os requintes da cultura eram substância que ele transformava no mundo quase primitivo que fez ressurgir da memória, e que durará tanto quanto durar a Literatura brasileira, assim também era na ânsia de viver que ele colhia a inspiração para exprimir, para marcar, na sua obra, a inanidade e a falta de sentido da vida, a marcha incessante e fatal de toda espécie de vida para a negação, a gratuidade e o nada. Além desta impressão geral de negativismo e amargura, a sua obra possui, é claro, em aspectos mais particulares, outra significação que precisa ser reavaliada pela crítica. AUTONOMIA E SUBORDINAÇÃO DA CRÍTICA Muito se escreveu sobre os romances de José Lins do Rego. É provável, mesmo, que nenhum outro escritor contemporâneo tenha sido mais estudado e discutido. Isso não impede que, periodicamente, se proceda a uma revisão dos julgamentos sobre o conjunto dos seus escritos, já agora, infelizmente, fixado para sempre pela morte. Quando relemos os estudos críticos – mesmo os mais felizes e brilhantes – publicados sobre os livros de José Lins do Rego, à medida que estes apareciam, observamos que quase todos eles se desatualizaram. Este fato, aliás, ocorre habitualmente com a crítica jornalística, que é, salvo raras exceções, obra de circunstância. A crítica só permanece viva e fresca quando é, ela própria, uma criação literária autônoma, independente da obra que se propôs analisar. Nestes casos a obra criticada serve de motivo à critica, mas não a domina nem a esgota. Serve de motivo como a paisagem à descrição, como a paixão ou a emoção à análise psicológica, como a situação dramática à cena teatral, como o tema ao romance. A autonomia do gênero literário consiste, precisamente, na capacidade de insuflar vida própria à composição, fazendo com que ela exista literariamente por si, tornando-se independente do seu motivo determinante. Sem esta autonomia a crítica não é gênero literário, não vive, e a sua condenação à morte fica patenteada pelo envelhecimento progressivo que a põe em contraste com a perene juventude da obra sobre que versou. Quando viva, a crítica chega a conhecer, às vezes, um destino maior do que o da obra criticada, e, então,
vemos como ela permanece atual, colorida e poderosa, enquanto a outra se esfuma num relativo esquecimento. O exemplo clássico desta situação pode ser encontrado nas páginas de crítica que Boswell dedicou, na trama cerrada do seu livro, à obra do Dr. Johnson. A crítica existente sobre a obra de José Lins do Rego, quase sempre feita na forma de revista jornalística e de apreciação impressionista, hoje nos parece, como já disse, na sua maior parte, inatual, exatamente porque não adquiriu quase nunca a autonomia literária indispensável, ficando, via de regra, presa ao valor e ao significado imediatos que os livros apresentavam, ou pareciam apresentar, no momento em que vinham a público. Se acompanharmos as datas das primeiras edições dos romances de José Lins do Rego, penetramos melhor o sentido dos principais artigos que sobre eles escreviam os nossos mais reputados críticos. E, hoje, nos parece que o tratamento crítico dos romances estava, talvez, mais subordinado aos valores gerais extraliterários vigentes na data dos livros do que, propriamente, ao conteúdo literário destes. Por isto a crítica quase toda se desatualizou, enquanto o que havia de substancial na obra literária permaneceu vivo e raramente coincide com o que era posto em relevo pelos críticos. PRESENÇA DO SOCIAL Uma das idéias dominantes na fase em que iam sendo publicados os romances de José Lins do Rego, chamados do ciclo da cana-de-açúcar, era a de que eles se destinavam a descrever e a interpretar a desagregação e decadência de uma certa estrutura social. O próprio romancista, em dado momento, pareceu convencer-se desse papel, ou, antes, dessa missão que a crítica dominante lhe atribuía: a missão de escrever, senão um roman-fleuve de tese, pelo menos uma série de livros que apresentasse uma realidade sociológica. Na nota introdutória ao romance Usina, datada de 1936, observa ele: A história desses livros é bem simples – comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço de vida o que eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior. Já este trecho mostra como José Lins do Rego, na época da publicação de Usina,
parecia consciente da função que incumbia à sua obra desempenhar. Os livros deviam deixar de ser “pedaços de vida” para obedecer a outras forças, as quais não estavam, porém, como supunha o romancista, “escondidas no seu interior”, mas, ao contrário, pressionavam-no vindas do exterior, vindas da interpretação temporal que a crítica, desde havia algum tempo, discernia no conjunto da sua obra. Isto se torna ainda mais claro com as seguintes linhas, extraídas à mesma nota introdutória: “Depois do Moleque Ricardo veio Usina, a história do Santa Rosa arrancado às suas bases, espatifado, com máquinas de fábrica, com ferramentas enormes, como moendas gigantes devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas várzeas.” Antes de Moleque Ricardo e de Usina, já em Bangüê, que é de 1934, a preocupação social aflora em certos pontos. A propósito da situação dos cabras de A Bagaceira escreve, por exemplo, o narrador: Concordava, vendo em tudo uma espoliação, como se não fosse a minha gente que viesse há anos vivendo daquele regime monstruoso, como se eu não tivesse sido criado com o suor daqueles pobres diabos, e os nove engenhos do meu avô, a sua riqueza, não proviessem daqueles braços e da fome de todos eles. Não se pode dizer até que ponto esta e outras tiradas correspondiam aos acenos da crítica do tempo. Mas José Lins, memorialista lírico e evocador poderoso, não seria nunca um romancista de tese. Para felicidade nossa, ele não quis, ou não pôde, desviar do curso natural a torrente impetuosa de sua inspiração. É inegável que os romances de José Lins do Rego, de Menino de Engenho a Usina, constituem um grande painel da transformação social e econômica imposta pelo progresso técnico da indústria açucareira. Mas esses livros exprimem, também, qualquer coisa de diferente. Exprimem uma realidade emotiva e poética muito mais ampla, nas quais as paixões eternas que sacodem o ser humano se apresentam poderosas e deixam em indiscutível segundo plano o complexo social que serve de pretexto à sua eclosão. Por outro lado, certos tipos de personalidade, como o de Vitorino Carneiro da Cunha, só muito relativamente se prendem ao meio social em que vivem, porque são figuras principalmente humanas. Admito que um sociólogo ou um político possam considerar como documento social o conjunto de romances do ciclo da cana. Mas este é um aspecto parcial da obra, que não deve monopolizar a visão totalizadora ISSN: 2357-833
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do crítico literário. Diz-se que Lênin considerava o romance de Balzac Les Paysans como uma espécie de panfleto da revolução camponesa, e talvez o seja. No entanto, para o escritor Balzac, socialmente um reacionário confesso, o seu livro era o estudo da cobiça e do ódio que corroíam o coração e envenenavam a inteligência de um grupo de seres humanos. O Cousin Pons, aliás, representa o mesmo estudo, transportado para um bairro pobre da cidade de Paris. Portanto, a crítica que visse no livro apenas o significado que lhe emprestou Lênin estaria atrasada, hoje, quando as condições de economia agrária são tão diferentes, na França, do que eram ao tempo da Restauração ou da Monarquia de Julho. José Lins poderia também dizer que a piedade estava no cerne dos seus romances, e não a revolução. Ele não era, nunca foi um revolucionário, embora fosse freqüentemente um revoltado. Em Doidinho o narrador desvenda cruamente o fundo conservador do seu espírito, conservadorismo orgânico de neto de senhor de engenho, de menino de casa-grande. Refiro-me à passagem em que o professor Maciel, logo depois de surrar impiedosamente um aluno, atraca-se em luta com outro, o forte Elias, que não aceitava a pedagogia da palmatória. Observa o memorialista, no caso José Lins do Rego: E eu, que era um dos mais seviciados pelo mestre – para que dizer o contrário? – odiava Elias. Não disse a ninguém. Mas, no íntimo, julgava-o um selvagem, incapaz de submissão, de satisfazer-se nos limites marcados pela autoridade... Pode ser que me julguem mal, mas a verdade merece este depoimento.
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Esta confissão é corroborada por toda a composição de Moleque Ricardo, o livro em que mais agudamente se revela o panorama revolucionário da luta de classes no Nordeste. O herói, Ricardo, tipo admirável de mestiço brasileiro, nunca se interessou propriamente pela revolução, embora se sacrificasse por causa dela, mas por amizade aos companheiros. Sua paixão era o amor das mulheres, seu grupo social não era o sindicato obreiro, foco de agitação, porém o clube carnavalesco que trazia o nome simbólico de “Paz e Amor”. E o próprio líder da revolta não era um revolucionário, senão um ambicioso demagogo. Retrato, aliás, voluntariamente contrafeito e infiel, porque o modelo do personagem, de todos conhecido, é dos mais puros e desprendidos espíritos de sábio que o Brasil já produziu. O REGIONAL Passando do social para o regional, poderemos acentuar, em outro campo, a amplidão da mensagem literária que nos legou José Lins do Rego. O regional funciona na obra do romancista da mesma maneira que o social, isto é, como pretexto para a fixação do humano e do universal. De resto, a obra verdadeiramente literária não pode ser, nunca, regionalista, precisamente porque ela é, antes de tudo, humana. Regionais são os materiais de que se nutrem certas grandes obras, desde Homero e Cervantes até Proust. O exíguo território de Micenas é tão região como o das andanças do esquálido Cavaleiro, ou o quarteirão dos Guermantes. Região é o território material ou social onde o escritor vai buscar, em certo tipo de obras, o infinito horizonte humano. O texto que é intrinsecamente regional deixa de ser
Literatura para se tornar folclore. José Lins do Rego não é mais regionalista, no sentido literário, do que foram, são e serão, antes e depois dele, outros autênticos ficcionistas brasileiros, incluídos pela crítica na classificação formal de escritores regionalistas. Porque a obra dele é, antes de tudo, literária. Parece-me certo que a consciência do sentido regional que, durante algum tempo, marcou a concepção que José Lins do Rego teve da sua própria obra resultou da sua amizade para com o mais ilustre intérprete e historiador da cultura e da civilização patriarcais no Brasil, Gilberto Freyre. Na verdade, a obra de Gilberto e a de José Lins se aparentam mais do que se aproximam. Pelos próprios objetivos do seu trabalho de crítico, historiador e sociólogo, Gilberto Freyre valoriza literariamente manifestações culturais que ficariam deslocadas nos livros de um romancista. Foi, por isso, benéfico ao romancista não haver abandonado o seu próprio caminho pelos do ensaio ou outro tipo de Literatura que não é de ficção. De resto, o significado regional dos romances de José Lins do Rego aparece, igualmente, como elemento ilustrativo e secundário nas obras dos maiores escritores nordestinos de sua geração, as quais, é claro, não me compete analisar nem mesmo referir pormenorizadamente neste discurso. A prova de que o regionalismo nordestino era apenas um palco sobre o qual o escritor armava o drama da sua Literatura, temo-la em Água Mãe, cuja ação se desenrola em Cabo Frio. Os tipos e situações dos romances nordestinos se transpõem em grande número para este livro meio frustrado, mas intenso e dramático, que retrata ambiente
social e geográfico tão diferente do nordestino. Há uma repetição quase monótona de planos. A preocupação da negra Felipa, de Água Mãe, com o neto, Joca, é a mesma da negra Aninha com o neto Nô, de Riacho Doce. As histórias contadas pelas velhas amas aos meninos se repetem no Norte e no Sul. De passagem, quero observar que estas histórias contadas na Paraíba e em Cabo Frio são aquelas que, em menino, me repetia a querida e saudosa Cândida, como já deixei relatado no meu livro Um Estadista da República. Continuando a comparação, veremos que a decadência das lavouras de café da província fluminense corresponde a idêntico fenômeno ocorrido com os engenhos de cana no massapé do Nordeste. Em latitudes geográficas e ambientes sociais tão diferentes, à beira dos canaviais que se estendiam como águas imensas ou à margem da lagoa de Araruama verde como um infinito canavial, o que dá força e qualidade à realização artística é o dom de penetrar as paixões e o gosto amargo diante da tristeza irreparável da vida. O tio Juca, na usina paraibana, vai se arruinar da mesma forma que o milionário Mafra nas especulações do Rio de Janeiro. A frustração do intelectual Paulo é parente da indecisão do estudante Carlos de Melo. Tanto na região nordestina quanto na fluminense vemos a destruição das famílias, o desaparecimento das fortunas, o horror da morte ou da loucura, a fúria das paixões carnais, o trânsito das crendices e superstições do nosso confuso psiquismo brasileiro. Porque os fatos são aparências para o escritor, simples exemplos do real. A realidade é outra e paira sobre essas aparências, acima das regiões e das criaturas. A realidade, para José Lins do Rego, era o sentido absurdo, a fatalidade, o vazio, o escoamento perene, o nada permanente da vida. Esvoaça nos seus livros, sobre tudo e sobre todos, uma ameaça constante de destruição e de morte. Secundários são os aspectos regionais ou mesmo nacionais do grande afresco. O que fica, o que subsiste, é a criação literária, é a presença de José Lins do Rego e a sua visão dolorosa da vida. FONTES DE INSPIRAÇÃO José Lins do Rego pertence ao gênero dos romancistas que fundem a criação com a memória. Colocando-se no centro da própria obra, o escritor não apenas preside ao seu desenvolvimento, mas participa de todo ele. O romancista brasileiro procura, como Proust, o tempo perdido, para eternizá-lo na obra de arte, mas, como em Proust, esse tempo perdido é vivido em toda a intensidade literária. Quero dizer com isso que, no
tempo literário, a matéria do passado se mistura com os sentimentos e a maneira de ver do presente, formando uma trama uniforme e inseparável. A memória evoca o fato, mas o espírito criador o transforma, o conforma com esta nova realidade, muito mais forte e significativa do que a histórica: a realidade criada pela ficção. A passagem do tempo perdido para o tempo vivido ou literário, no qual o escritor insufla o fogo do seu gênio, faz com que o fato particular, colhido na memória, se transfigure na situação exemplar ou na reação emocional, que nos varrem a alma como rajadas. Assim, os romances de José Lins do Rego têm a feição de memórias, enquanto as suas memórias poderiam ser consideradas como um romance. José Lins do Rego, na sua prodigiosa vocação de narrador, se apercebia bem que a fusão do tempo histórico com o literário dava em resultado uma realidade incorruptível, mais duradoura do que a da vida. O fato de ser seu poder criador dos mais espontâneos de toda a Literatura brasileira não impedia que ele obedecesse, desde o início, aos imperativos de uma técnica consciente. No segundo livro que publicou, Doidinho, o romancista faz, de passagem, uma afirmação que mostra como ele procedia deliberadamente ao pequeno milagre que era a transformação da água do tempo perdido no vinho do tempo literário. Doidinho, o colegial desajustado, ouviu certo dia uma explicação simbólica da universalidade de Deus que o impressionou profundamente. E o romancista observa a respeito, numa frase que desvenda todas as fontes da sua inspiração: “Pela primeira vez, naquelas preparações para o conhecimento de Deus, uma coisa me ficava clara, numa evidência de dia sem nuvens. Valia, por esta forma, o poder intenso da imagem.” Este poder intenso da imagem, esta ficção criada pela memória, este mundo vivo e diferente saído das entranhas de um mundo morto e conhecido são todo o tesouro que nos legou José Lins do Rego. O processo de reconstrução criadora atinge ao esplendor no livro que, sendo o menos fielmente memória, é, no entanto, o mais vivamente realidade, o maior livro do romancista, um dos mais importantes da nossa Literatura, Fogo Morto. Com a publicação de Usina, parecia – e alguns críticos o declararam – que José Lins do Rego atingira aos limites das suas possibilidades no gênero. Terminara, harmoniosamente, o ciclo da cana. Do engenho do menino Carlos de Melo, o fluxo caudaloso da narrativa chegara ao ponto terminal da
evolução: à usina faminta que devorava os restos do engenho, que triturava gentes e almas antes de se devorar a si mesma, numa autofagia final e implacável. Supunha-se que persistir na mesma linha seria, para o romancista, repetir-se, isto é, diminuir-se. Mas foi o inverso que sucedeu, e isto pelas razões que acima procurei identificar ao sugerir a fórmula da evolução do tempo histórico para o literário. De Menino de Engenho até Usina como que o elemento memória prendia um pouco o elemento criação, e, por isso, a composição literária mostra-se, às vezes, um pouco constrangida e indecisa. Não se percebia a indecisão nem o constrangimento até que, em Fogo Morto, o escritor, sem abandonar a contribuição da memória, passou a subordiná-la, inteiramente, à liberdade criadora. Fez como o pintor que, usando os dados da realidade visível, os utiliza submetendo-os a uma disciplina estética e racional que está nele e não nas formas objetivas nem na lógica visual. Eis por que Fogo Morto, sendo menos fiel à realidade histórica, é, ao mesmo tempo, o mais real dos romances da zona da cana, a obra-prima, chave de cúpula de todo o conjunto arquitetônico. Nesse livro memorável (do qual alguns trechos ainda hoje não posso ler sem me virem lágrimas aos olhos), temos uma verdadeira fonte de ensinamentos para desvendar a inspiração do escritor. José Lins do Rego, a partir do segundo romance, publicado em 1933, sem praticar propriamente, como já deixei acentuado, a Literatura de tese, o que seria chocante com o seu temperamento, adotou, contudo, o que se poderia chamar uma atitude de escola em face da tese social. Isto, sem dúvida nenhuma, limitou a sua liberdade no desenvolvimento dos romances que ele mesmo chamou do ciclo da cana, levando-o, até certo ponto, a exprimir, na sua narrativa, algo que se encontrava fora do que veio a se revelar, com Fogo Morto, ser a mais fiel representação literária da realidade, porque a mais artística. No ciclo da cana os aspectos sociais do grande drama humano são fixados conscientemente, ou deliberadamente, o que dá ao conjunto, como disse há pouco, se não o feitio de romance de tese, pelo menos o de romance de escola. Já em Fogo Morto José Lins do Rego se liberta completamente da escola social. Confiante, pelos êxitos sucessivos, na própria força criadora, produziu um livro que, vindo depois de tantos outros do mesmo gênero, é precisamente o mais original. E é o mais original porque é o mais livre. Sucedeu ao escritor brasileiro algo do que ocorrera com o seu confrade português, Eça de Queirós, que foi, como José Lins, o mais expressivo romancista de sua geração. ISSN: 2357-833
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Eça de Queirós filiou-se – mais disciplinadamente do que José Lins – a uma escola literária, o realismo. No fim da vida, porém, com A Ilustre Casa de Ramires, libertou-se dela, e construiu, embora inacabado, o seu mais típico e original romance, o mais saborosamente português. É que o Eça de A Ilustre Casa e o José Lins de Fogo Morto foram, então, autenticamente eles mesmos, escreveram o que lhes vinha brotando limpidamente do mais íntimo do ser, despreocupados das interpretações alheias. TÉCNICA DE COMPOSIÇÃO Para terminarmos com esta apreciação crítica da obra de José Lins do Rego, devemos salientar os aspectos mais marcantes da sua técnica de composição. Em primeiro lugar, o estilo. Muito se falou – e esta observação foi diminuindo com o tempo – da imperfeição gramatical do estilo de José Lins do Rego. Lembro-me até de um articulista português que aludia à sua “tocante incorreção”. Creio que, hoje, tais restrições encontrariam pouco eco. O problema do estilo do romancista me parece, no Brasil, país onde tudo se acha em formação, inclusive o idioma nacional, ser sobretudo o da adequação do mesmo estilo à substância da obra. O estilo de Machado de Assis era o instrumento ajustado ao tipo de obra literária que ele praticou: instrumento preciso, despojado e rigorosamente fiel aos cânones. Já Nabuco, em Minha Formação, mas principalmente em Um Estadista do Império, carecia de outro tipo de linguagem, freqüentemente incorreto e trabalhado pela influência francesa, porém colorido, plástico, às vezes solene.
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José Lins do Rego tinha o estilo apropriado para exprimir o mundo do seu romance: limitado, mas não pobre; terno, florido, ocasionalmente turvo, mais sugestivo do que lógico. As grosserias que às vezes irrompem só chocam quando desnecessárias, isto é, quando não reproduzem a fala do povo, e hoje até chocam menos, porque nos habituamos todos à personalidade opulenta e natural do escritor. Na linguagem do povo há diferenças sutis. Não é a mesma coisa, por exemplo, dizer-se “ele é alto” e “ele tem altura”. Poderíamos empregar a mesma sutileza tratando de José Lins do Rego: ele não é estilista, ele tem estilo. Um dos defeitos salientados na sua maneira de escrever é a repetição. Alguns vêem nesta técnica pobreza e monotonia. Eu não. A mim me parece que a repetição, em José Lins do Rego, é natural e coerente com o gênero da sua narração. Talvez nem se trate, propriamente, de repetição, mas de qualquer outra coisa como sucessão ou ressurreição. As flores não se repetem, nem as manhãs. O estilo natural é como a Natureza: ressurge, renasce, continua. Aliás, esta continuidade não é somente do estilo, mas da arquitetura mesma da obra. A narrativa toda ela se encadeia na maior parte dos romances de José Lins do Rego. O enredo do ciclo da cana é contínuo. Pedra Bonita se desdobra em Cangaceiros e, dentro desta técnica, é natural que os personagens figurantes em um livro reapareçam naqueles que servem de continuação. Alguns dos personagens do ciclo da cana, depois de atravessar toda a série de romances , encontram a materialização final em Verdes Anos, o livro de memórias da meninice. Aliás, esta
materialização nos decepciona um pouco no caso de Vitorino Carneiro da Cunha, muito maior personagem do que a figura real. A própria expressão “verdes anos”, que serve de título ao livro de memórias, já aparece, de relance, em uma passagem de Doidinho, para designar a idade infantil. Não apenas o enredo é seguido, não apenas os personagens acompanham o seguimento do enredo. Há motivos que também voltam, como na música. Por exemplo, o motivo da loucura. José Lins do Rego tinha uma espécie de obsessão da loucura; assaltava-o, às vezes, o medo inteiramente infundado da insanidade. Lembro-me bem de uma vez em que ele me disse isto quando subíamos a pé a Avenida Rio Branco, saídos da Livraria José Olympio. Cabeça forte, juízo perfeito, vinha-lhe de chofre aquele horror da loucura. Esse medo aparece, aliás, em Carlos de Melo freqüentemente. O pai do “menino de engenho” cometeu crime por loucura. A louca D. Olívia, irmã da mulher de Lula de Holanda, é uma figura trágica, que acompanha todo o ciclo da cana. O romance Doidinho, já pelo título, mostra a preocupação obsessiva. Neste livro o pai do menino Heitor era doido, foi para Recife, contava o filho, amarrado na corda. Em Pedra Bonita o chamado santo era um louco, como Antônio Conselheiro, e o drama se desenrola em torno de uma espécie de loucura coletiva. Em Riacho Doce a velha Aninha era uma feiticeira meio doida, e o seu neto, Nô, herói do livro, atravessa um acesso de loucura. Em Fogo Morto, a cena da captura e transporte da doida filha de José Amaro é das mais terríveis e provoca profunda impressão em Mário de Andrade. Finalmente, em Cangaceiros te-
mos o temível fantasma de Siá Josefina, a mãe suicida e louca dos cruéis bandidos. Outro motivo que poderíamos acompanhar em toda a trama dos romances é o medo da morte. José Lins do Rego não tinha a curiosidade filosófica de Montaigne em face do nosso fim inevitável. Reagia contra a idéia com uma força espontânea e invencível. Por isto mesmo a sombra da morte surgia amiúde nas suas páginas. Enterros, agonias, exposições de defuntos merecemlhe descrições admiráveis. Uma das mais fortes de toda a sua obra é a do enterro do avô, José Paulino. Faz-me lembrar outra página, que guardei na memória e cujo autor não sei mais quem seja, descritiva da procissão sepulcral de Carlos V, com o transporte do corpo, à noite, pelas estradas. O trecho de José Lins é um quadro assim espanhol. Lembra Goya. Em O Menino de Engenho, escreve: “Tinha um medo doentio da morte. Aquilo da gente apodrecer debaixo da terra e ser comido pelos tapurus me parecia incompreensível... Esta horrível preocupação da morte tomava conta da minha imaginação.” Já no colégio, o Doidinho remoía os seus pavores: O medo da morte envolvia-me nas suas sombras pesadas. Sempre tivera medo da morte. Este nada, esta destruição irremediável de tudo, o corpo podre, os olhos comidos pela terra – e tudo isto para um dia certo, para uma hora marcada – me faziam triste no mais alegre dos meus momentos. E a morte prossegue o trânsito pelos livros de José Lins do Rego, como um dos personagens principais. Em Bangüê, é o
fim do velho José Paulino, como disse, uma das páginas mais pungentes do escritor. Em Moleque Ricardo é o triste fim dos pobres, do amigo Florêncio, acabando num catre da Rua do Cisco; de Odete, escarrando os pulmões junto aos passarinhos do pai. Em Usina, a morte horrível do negro feiticeiro Feliciano determina uma reação dos trabalhadores do eito, que é uma espécie de pequena jacquerie. Pureza é a narrativa de certa fase da vida de um rapaz com medo de morrer; Pedra Bonita, a tragédia da crença primitiva levando ao genocídio. Em Riacho Doce, a presença da morte e de um Deus obscuro e vingativo alimenta as paixões humanas do poder e do amor. Em Água Mãe, a morte é a ameaça contínua e o desfecho final. Eurídice é a história de um criminoso de morte. Cangaceiros está sujo de sangue dos mortos. Poucos são os momentos de consolo e remissão que o romancista nos oferece. Um destes refrigérios da alma, na áspera e absorvente caminhada da sua leitura, são, sem dúvida, alguns caracteres femininos. D. Dondon, de Usina, D. Mocinha, de Água Mãe, D. Adriana, de Fogo Morto, que doces, que genuínas, que grandes mulheres brasileiras. Sente-se nelas a força delicada, o instinto de retidão, a presença oportuna, a resistência inquebrantável das figuras femininas que cercaram a nossa infância ou mocidade e que, na idade adulta, nos fazem tantas vezes encarar a vida com menos desilusão e maior coragem. Da preta velha contadora de histórias à avó, à mãe de sobressaltados enlevos, à esposa que cicatriza com o bálsamo da compreensão as feridas da sorte, algumas
mulheres brasileiras de José Lins do Rego redimem a humanidade trágica dos seus romances e são o único raio de luz que entra no ambiente sombrio da sua alma. E, por mais estranho que pareça, a impressão de conjunto recolhida pelo leitor da obra de José Lins do Rego não é, afinal, de amargura e nojo da vida. Não sei bem explicar por que, mas se desprende do seu grande legado literário uma ternura humana, uma robusta e ingênua pureza, uma força vital tão caudalosa que arrasta, em redenção triunfante, os males retratados sem ódio, abrindo no horizonte uma clareira de fé. Talvez a razão seja esta, que acabo de enunciar sem querer: a ausência de ódio no espelho do mal. A obra de José Lins do Rego, tão brasileira no conteúdo, é, também, brasileira nos fins. Embora puramente literária, ela nos convida não a descrer do Brasil, mas a nos desvelarmos para minorar os sofrimentos do nosso povo. A glória do escritor está, hoje, perene. Os seus livros vão durar tanto quanto possa durar a nossa língua mestiça e saborosa. Mas não é o romancista mais glorioso da nossa geração que desejo evocar nesta saudação final. É o homem puro, solidário e bom, o amigo forte, o menino de engenho encanecido, mas não envelhecido; o menino de engenho tocado pelas sombras e luzes da vida, que terá entrado, no seu jeito simples, sem cerimônia, como a preta Irene do poema de Manuel Bandeira, pelas portas do céu. g (*) Excerto do discurso de posse, na Academia Brasileira de Letras, em 19 de julho de 1958, substituindo José Lins do Rego.
ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES OAB Nº. 17.131/PB
Fone: (83) 99981-2335
Conselheiro Aposentado do Tribunal de Contas do Estado Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba Especialista em Direito Administrativo ISSN: 2357-833
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FOLCLORE A Rede Folkcom e o Centenário de Luiz Beltrão
Osvaldo Meira Trigueiro
A comunidade acadêmica das Ciências da Comunicação celebra em 2018 o centenário de nascimento de Luiz Beltrão, jornalista, professor e pioneiro nas pesquisas em Comunicação Social no Brasil. Beltrão nasceu na histórica cidade de Olinda no Estado de Pernambuco no dia 8 de agosto de 1918, mas não vou descrever aqui o vasto perfil do fundador da teoria da folkcomunicação porque dispensa apresentação. Luiz Beltrão será homenageado numa das mesas temáticas na XIX Conferência Brasileira de Folkcomunicação – Folkcom 2018, que será realizada em Parintins-AM nos dias 25, 26 e 27 de junho no período do festival folclórico, da grande festa dos bois Garantido e Caprichoso, em plena floresta Amazônica. O Folkcom 2018, tem como objetivo reunir professores, pesquisadores, estudantes e o público interessado nos diferentes processos de transformações e de atualizações da comunicação nas culturas populares. Durante o evento científico em Parintins, serão realizadas diferentes mesas temáticas e oficinas que possibilitarão aos participantes refletir sobre o desenvolvimento dos estudos e das pesquisas no campo da folkcomunicação no contexto sociocultural brasileiro e latino-americano. Eu, como não poderia deixar de ser, estarei presente nos principais eventos científicos que celebram o centenário do mestre Beltrão: junho, em Parintins no Folkcom; julho, em
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Juazeiro da Bahia, no INTERCOM/Nordeste e setembro em Joinville no Estado de Santa Catarina no 41º Congresso Brasileiro de Comunicação/INTERCOM. Como conheci Luiz Beltrão Aproveitando as homenagens a Luiz Beltrão, não posso deixar passar em branco este momento para contar do pouco, mas importante, tempo de convivência pessoal, recebendo alguns aconselhamentos para os avanços teóricos e práticos nos estudos e pesquisas da folkcomunicação, além da aproximação com a sua vasta referência bibliográfica. Foi através do professor Roberto Benjamim, em 1974, quando era seu aluno na graduação de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e assistente nas pesquisas em comunicação e cultura popular, que conheci Luiz Beltrão. Até aí não conhecia a folkcomunicação, mas já tinha feito uma breve incursão no campo da comunicação e do folclore depois de ter lido os textos publicados na revista Comunicação & Problemas. O primeiro, de Luiz Beltrão “O Ex-Voto Como Veículo Jornalístico” que é sem dúvida um dos textos fundadores da teoria da folkcomunicação e o segundo, de Luís da Câmara Cascudo “Carta Sobre o Ex-voto”. O artigo de Cascudo foi um endosso importante para que Luiz Beltrão aprofundasse as bases da folkcomunicação, demons-
trando seu interesse e entusiasmo com as ideias de Beltrão sobre a comunicação e a cultura popular, enxergando uma nova frente de estudos e de pesquisas no campo da comunicação, aqui no Brasil. E quem se interessa pela folkcomunicação sabe perfeitamente que esses artigos foram fundamentais para o desenvolvimento da teoria fundada por Luiz Beltrão. Os textos recomendados por Roberto Benjamim abriram novos horizontes e não tive dúvida de que algo de novo emergia no campo da pesquisa em comunicação e na cultura popular. Os estudos e as pesquisas que estávamos desenvolvendo na segunda metade dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 tinham como objetivo compreender o impacto da cultura de massa na cultura popular e no folclore e, principalmente, nos conteúdos da televisão que chegavam aos mais longínquos recantos do Nordeste brasileiro. Havia uma grande preocupação, nos meios acadêmicos e nos meios dos folcloristas, com o provável desaparecimento das culturas tradicionais e do folclore, provocado pelas invasões dos novos consumos e novos costumes veiculados pela televisão e principalmente pelas novelas. A cultura de massa e a indústria cultural eram sinônimos de culturas alienantes e devastadoras das culturas regionais e locais e, como não poderia deixar de ser, eu também fazia parte do time que
acreditava que com os avanços da cultura de massa e da indústria cultural, teríamos o fim das nossas culturas tradicionais e do folclore o que provocaria o seu “extermínio”. Mas, com os ensinamentos e os aprendizados de Roberto Benjamim e com os contatos com Luiz Beltrão passei a ver que nem tudo estava perdido. Foi nesses encontros que tomei outros rumos, outras observações para compreender que as tradições culturais populares e o folclore, nos diferentes períodos da história, passaram e continuam passando por importantes ressignificações operadas pelos seus agentes (inter) mediadores, capazes de modificarem os conteúdos da cultura de massa e que as culturas regionais e locais não eram apenas sobreviventes a tudo isso, até porque há uma diversidade de manifestações tradicionais vinculadas a religiões, a festas, aos trabalhos e à economia local. Portando, foi estudando e pesquisando a folkcomunicação que comecei a enxergar que não existia uma única tradição, mas diferentes manifestações culturais tradicionais, passadas de geração a geração e com suas diversidades de expressões passei a compreender, a interpretar as ressignificações das culturas populares e do folclore e os processos de atualizações no contexto da cultura de massa. Com a orientação de professor Roberto Benjamim, caímos em campo percorrendo cidades, vilarejos e áreas rurais dos estados de Pernambuco e Paraíba, os dois territórios das nossas pesquisas e aqui e ali uma invasão em territórios do Rio Grande do Norte. Nesse período desenvolvíamos duas frentes de observações e de recolhimento de dados de bens culturais materiais e imateriais. Uma frente sobre as festas religiosas e profanas com foco nas festas do Ciclo de Nossa Senhora do Rosário e nas festas do Ciclo do Carnaval; a outra frente nos locais de peregrinações populares e suas respectivas casas de milagres onde são deixados os ex-votos. Foi uma experiência magnífica para um jovem iniciante. Posteriormente, esse material deu origem a uma série de publicações, inclusive a minha dissertação de mestrado e a tese de doutorado1.
Não foram tempos fáceis para levantar alguns questionamentos contrários às tendências teóricas predominantes no meio acadêmico. Melhor dizendo, as culturas tradicionais não desapareceriam com a invasão da cultura de massa e com a indústria cultural, até porque os agentes populares não eram consumidores passivos dos bens culturais veiculados, principalmente, pela televisão como apregoava o núcleo duro dos seguidores da teoria da Escola Frankfurt. Nós, seguidores da folkcomunicação, ficamos entre a cruz e a espada, de um lado o patrulhamento ideológico dos frankfurtianos que nos rotulavam de funcionalistas e de outro pelos folcloristas conservadores que não aceitavam os processos de atualização das manifestações culturais tradicionais em tempo de grandes mudanças sociais e tecnológicas. Foi um período de recuos, de avanços, e também de novas conquistas no campo de estudo e pesquisa da folkcomunicação.2 Não era fácil romper os paradigmas reinantes nos anos de 1980, quando defendi a minha dissertação de mestrado e não concordava com a recepção passiva da audiência aos conteúdos da comunicação de massa. Defendi a minha dissertação sem ter acesso a obras de pesquisadores como Jésus Martín-Barbero, Guillerme Orozco, Jorge Gonzáles, Néstor Garcia Canclini, entre outros. Mas comungava com o pensamento de Luiz Beltrão, que já naquela época percebia e chamava atenção para a existência de uma ampla rede de comunicação cotidiana, pela qual os grupos populares operam as suas interações (inter) mediadas, quase sempre por negociações do sistema de folkcomunicação. No meu doutorado, com a orientação do professor Antônio Fausto Neto, a “coisa” já era muito diferente e os caminhos foram abertos para o desenvolvimento da pesquisa teórica e empírica com base nos autores que citei e na folkcomunicação. Os tempos eram outros e não mais existia o patrulhamento dos que acreditavam na passividade dos constituintes das audiências na recepção, principalmente dos programas televisivos. O legado de Luiz Beltrão na Paraíba Em 1976, já como professor da Uni-
versidade Federal da Paraíba/UFPB encaminhei à Pró-reitora para Assuntos Comunitários/PRAC e à Coordenação de Extensão/COEX um projeto para promover o I Encontro de Folclore da Paraíba, que foi aceito imediatamente e o evento se realizou com grande repercussão e muitos desafios para a época em que vivíamos. Durante o encontro reunimos importantes estudiosos e pesquisadores da comunicação e da cultura popular e, atendendo ao nosso convite, Luiz Beltrão foi um dos conferencistas. O I Encontro de Folclore da Paraíba, aconteceu em outubro de 1976 na cidade de Pombal durante o período da Festa de Nossa Senhora do Rosário que é tradicionalmente celebrada no primeiro domingo do mês. Pombal está localizada no semiárido paraibano cerca de 380 quilômetros de João Pessoa e, com os nossos convidados, viajamos de carro por mais de cinco horas eu, Roberto Benjamim, Bráulio Nascimento (a época diretor da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro), Altimar Pimentel (professor da UFPB), e Luiz Beltrão. Foi uma viagem inesquecível do litoral ao sertão trocando informações sobre comunicação e folclore. Nos dias em que ficamos na cidade de Pombal, realizamos vários encontros paralelos à programação oficial do evento, inclusive com coparticipação do então Pró-reitor da PRAC professor Iveraldo Lucena, e nesses encontros surgiram as primeiras ideias para a criação do curso de comunicação social e de um setor para pesquisar e documentar a cultura popular e o folclore na Paraíba. A conferência de Luiz Beltrão sobre O Folclore como sistema de comunicação popular3 foi sem dúvida a grande novidade do encontro de folclore e estimulou ainda mais o propósito da criação do Curso de Comunicação Social. Pouco tempo depois do encontro em Pombal, reencontrei Luiz Beltrão no II Encontro Cultural de Laranjeiras, realizado em janeiro de 1977 na histórica cidade sergipana, onde, mais uma vez, fez a conferência sobre O Folclore como Discurso4[4], uma abordagem sobre a semiologia e folclore, que foi mais um estímulo às minhas pre-
A dissertação de mestrado orientada por Roberto Benjamim: A audiência da TV Globo em duas comunidades rurais da Paraíba, defendida em 1987 na Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. A tese de doutorado orientada por Antônio Fausto Neto: Quando a televisão vira outra coisa, defendida em 2004 na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS. Leia o prefácio de José Marques de Melo do livro, Osvaldo Meira Trigueiro. Folkcomunicação & ativismo midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008. 2 Leia o prefácio de José Marques de Melo do livro, Osvaldo Meira Trigueiro. Folkcomunicação & ativismo midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008. 3 Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 1 - João Pessoa, 1979 4 Ver Anais comemorativos dos 20 Anos do Encontro Cultural de Laranjeiras – Aracaju – Governo do Estado/SE. 1
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tensões de estudar a comunicação e o folclore num período que a cultura de massa e a televisão se consolidavam como indústria cultural dos entretenimentos e do turismo no Brasil. Os professores Luiz Beltrão e Roberto Benjamim tiveram participações importantes na elaboração e implantação da Divisão de Estudos do Folclore e da Comunicação criada logo em seguida ao I Encontro de Folclore e que depois veio dar origem ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular – NUPPO. Fui pesquisador e coordenador dos dois setores por alguns anos e com toda a equipe realizamos seminários, congressos, pesquisas, exposições, cursos, oficinas e tantos outros eventos técnicos científicos promovidos pela PRAC/COEX/ UFPB. Em maio de 1977 coordenei, como chefe da Divisão de Folkcomunicação/ COEX/UFPB, a primeira exposição de ex-votos na UFPB. Em julho de 1979, já como Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/ NUPPO/COEX/UFPB, realizamos o simpósio: Os diversos aspectos do ex-voto do qual participei como um dos expositores com a conferência: O Ex-voto como veículo de comunicação popular, com referências fundamentadas nos artigos de
Luiz Beltrão e Câmara Cascudo5 Luiz Beltrão teve uma forte ligação com a Paraíba, nos anos de 1950. Na qualidade de militante da Associação de Impressa e do Sindicato dos Jornalistas em Pernambuco, colaborou na estruturação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba. Como professor, participou ativamente da elaboração e criação do primeiro Curso de Jornalismo em João Pessoa que funcionou de 1957 a 1964, no Instituto Nossa Senhora de Lourdes. Portanto, conhecia bem a importância de um curso de Comunicação Social na Universidade Federal da Paraíba/UFPB. Fui membro da comissão que criou o Curso de Comunicação Social da qual faziam parte, entre outros professores, os ex-alunos de Luiz Beltrão: Arael Menezes da Costa, no curso de Jornalismo da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes em João Pessoa e Altimar Pimentel, no Curso de Comunicação Social do Centro Unificado de Brasília/ CEUB. Luiz Beltrão e Roberto Benjamim eram constantemente consultados na elaboração do currículo básico, inclusive na ementa e conteúdo da disciplina Folkcomunicação da qual fui o primeiro professor. O curso foi criado em 1977 e reconhecido pelo Conselho Federal de Educação em 1979.
Em novembro de 2006 o Departamento de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação/ PPGC/UFPB, realizaram um seminário de caráter científico e cultural sobre O Pensamento Comunicacional de Luiz Beltrão no Ensino da Comunicação no Brasil: a presença de Luiz Beltrão na Paraíba.6 O seminário teve como objetivo celebrar a presença do professor e pesquisador pernambucano na Paraíba. O evento aconteceu 30 anos depois da realização do I Encontro de Folclore da Paraíba. Portanto, o pouco mas importante tempo de contato pessoal com Luiz Beltrão chega ao seu final quando, em 1980, o visitei em sua residência em Brasília e, recebido por ele e por sua esposa dona Zita Beltrão de Andrade Lima, no final do nosso encontro ganhei do mestre da folkcomunicação o seu livro Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados, com a seguinte dedicatória: Ao Osvaldo Meira Trigueiro, pesquisador da sabedoria do povo com a estima de Luiz Beltrão. Brasília, 1980. E assim foi a minha convivência pessoal com Luiz Beltrão, experiência que continua viva com as lembranças e com suas obras referenciais em ciências da comunicação. g
Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 2 - João Pessoa, 1979. Ver artigo de Trigueiro, Osvaldo Meira, In: Luiz Beltrão: pioneiro das ciências da comunicação no Brasil/José Marques de Melo, Osvaldo Meira Trigueiro, organizadores. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB; INTERCOM, 2008. P. 171-1776.
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CONTROLE EXTERNO PARAIBANO ASSUME A PRESIDÊNCIA DA ATRICON Equipe GENIUS O Conselheiro Fábio Túlio Filgueiras Nogueira, paraibano de Campina Grande e ex-Presidente do TCE/PB, assumiu a presidência da ATRICON – ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL, em solenidade realizada no auditório do Tribunal de Contas da União (TCU), em Brasília. Ele sucede ao Conselheiro Valdecir Pascoal, membro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, que falou, na ocasião, enaltecendo as qualidades de seu substituto, “cujos atributos de personalidade o credenciam para o novo mister, a exemplo do seu compromisso inarredável com a causa do fortalecimento dos Tribunais de Contas, da sua inteligência e idoneidade moral, da sua imensa capacidade de diálogo, de conciliação, lastreada por serenidade e firmeza de caráter.” O novo dirigente do órgão representativo das cortes de contas foi saudado pela Dra. Sheyla Barreto Braga de Queiroz, Procuradora do TCE/PB, que em sua saudação salientou que a designação de um membro do Ministério Público de Contas para saudar o empossado mostrava-se simbólica e sensível, devendo abrir caminho para uma aproximação institucional. Frisou também que “o Conselheiro Fábio Nogueira há de orquestrar e afinar idéias que pareçam justas e adequadas à confirmação do imprescindível papel das Cortes de Contas para a preservação do erário”. A solenidade de posse do Conselheiro Fábio Nogueira, em Brasília, foi bastante prestigiada, contando com o comparecimento de autoridades do Poder Executivo Federal e do Poder Legislativo – Senado e Câmara dos Deputados, notadamente das bancadas paraibanas naquelas duas Casas, além de Ministros do TCU e representantes de diversos Tribunais de Contas estaduais. Antes de chegar ao TCE-PB, Fábio Nogueira foi vereador em Campina Grande, por três mandatos, e secretário de várias pastas
Conselheiro Fábio Nogueira
da Prefeitura Municipal daquela cidade. Foi eleito deputado estadual para a legislatura 2003/2006. Pela Assembleia Legislativa foi indicado, por unanimidade, conselheiro do TCE-PB, encabeçando a lista tríplice encaminhada ao chefe do Poder Executivo, para preencher a vaga aberta com a aposentadoria do conselheiro Gleryston Holanda de Lucena. Depois de sua posse, de regresso à ca-
pital paraibana, o Conselheiro Fábio Nogueira, falando à revista GENIUS destacou que “para continuar avançando no processo de aprimoramento do Sistema de Controle Externo Nacional, o parâmetro é o Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas (QATC), em que o Marco de Medição de Desempenho das Cortes figura como instrumento essencial de transformação. Disse também que outro ponto de relevância ISSN: 2357-833
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nas ações dos Tribunais de Contas é o papel pedagógico que eles assumem para assegurar a legalidade e a qualidade dos serviços públicos.” Ressaltou, igualmente, como o fez em seu discurso de posse, cujo inteiro teor publicamos em outro local, a imprescindi-
bilidade de uma ação coordenada entre os Tribunais e as demais instituições representativas dos agentes do controle, tais como, Instituto Rui Barbosa, Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios, Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos TCs e Associação
Nacional do Ministério Público de Contas, Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, além, evidentemente, do reconhecido trabalho das Escolas de Contas, que mantêm programas de formação de agentes públicos voltados à boa governança. g
Grupo de autoridades e convidados presentes à posse do Conselheiro Fábio Nogueira, na presidência da ATRICON, em Brasília.
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CONTROLE EXTERNO A Esperança não murcha, ela não cansa(*)
Fábio Túlio Filgueiras Nogueira
Trago comigo lembranças do XXIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, em Goiás, em que o Ipê Amarelo despontava como um símbolo: “aprimoramento na adversidade”. O Ipê Amarelo, como os que florescem no cerrado brasileiro, poderia ser os Ipês rosa, brancos, roxos, como os que enfeitam as avenidas da minha Campina Grande; ou, ainda, os que matizam o entorno da Lagoa do Parque Solon de Lucena, na Capital da Paraíba. Não importa a cor, nem a flor. Imagino a luz e o vigor dos cenários primaveris do nosso Brasil. Assim como vislumbro a força imanente do nosso povo, tão calejado pelas adversidades, mas, tão resiliente em perseguir o sol. No seio da Atricon há uma primavera. Há um sentimento de entusiasmo que se traduz em “Uma nova primavera para os Tribunais de Contas”. Não, amigo Valdecir Pascoal, não me aproprio do título do seu livro, apenas o pego por empréstimo. Utilizo-o para ilustrar quão desafiadora é a missão de manter vivas as flores que simbolizam grandes e profícuos avanços nas ações do controle externo brasileiro. É uma primavera, devemos admitir, que destoa dos tempos acres que o país tem vivido; mas, abandonemos os infortúnios e dediquemos esta ocasião às flores sem que, contudo, nos esqueçamos da nossa imensa responsabilidade para a conquista de um Brasil justo, igual, ideal. Mantenhamos o entusiasmo e ele alimentará o nosso compromisso diário com a cidadania. A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil vive tempos de inegáveis conquistas. A Atricon é uma instituição absolutamente imprescindível à moralização da vida pública nacional. Sob as mãos honradas e operosas do Conselheiro Valdecir Pascoal, sem olvidar daqueles que o antecederam e de tantos quanto se dedicam à entidade, preparou-se o terreno, plantaram-se sementes, irrigaram-se os canteiros.
Posse do Conselheiro Fábio Nogueira
Permitam-me expressar a certeza de que as Cortes de Contas do País nunca se fizeram tão necessárias à vida e ao destino dos brasileiros. Dos sentimentos, que agora me afloram, devo revelar que domina a percepção do nosso papel neste momento de tão grandes e graves preocupações. Impossível não constar: a nossa responsabilidade se avoluma nesse cenário adverso. A nossa função institucional se amplifica. O acompanhamento, a quatro lentes, dos atos e gastos públicos, em todas as suas esferas, é o mínimo, certamente, que de todos nós exige uma sociedade atônita e já quase desesperançada. É preciso agir com a perseverança, a firmeza e o empenho requeridos pelo conjunto da população. Mas, não menos, pela nossa própria consciência. Felizmente, a Atricon desapegou-se do seu cômodo ofício corporativo para desafiarse, para protagonizar um papel relevante e histórico de contínuo aprimoramento do controle exercido pelos Tribunais de Contas. A entidade assumiu a incessante busca pela excelência
institucional. Não há como retroceder. A sociedade brasileira não nos perdoaria. É preciso avançar no processo de aprimoramento do Sistema de Controle Externo Nacional. E o parâmetro, sem dúvidas, é o Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas (QATC), em que o Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas figura como instrumento essencial de transformação. Aperfeiçoando os procedimentos, as formas de controle, evidentemente, caminhamos para a efetividade da gestão pública. Os Tribunais de Contas a isso se propõem. Em virtude da elevada qualificação dos seus quadros técnicos, jurídicos e administrativos e em razão, ainda, das ferramentas tecnológicas, tem-se alcançado o êxito. As nossas Cortes de Contas, asseguro, estão cada vez mais ágeis, modernas e eficientes. Ressalte-se, nesse contexto, a importância do acompanhamento concomitante da gestão pública. Esta é uma vertente do controle que age preventivamente e, natuISSN: 2357-833
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ralmente, anula qualquer possibilidade de emprego da máxima “chorar sobre leite derramado”. É igualmente imperioso o papel pedagógico que os Tribunais de Contas assumem para assegurar a legalidade e a qualidade dos serviços públicos. Os Tribunais que fiscalizam e controlam são os mesmos que orientam e capacitam. Temos, em favor desses objetivos, o itinerário aplainado e as boas realizações daqueles a quem sucedemos, e a capacidade e o empenho indiscutíveis daqueles que, ao meu lado, dirigirão a Atricon e a parceria de entes não menos importantes para o País. Refirome, neste caso, às virtudes dos operosos e eficientes Instituto Rui Barbosa, Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios, Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos TCs e Associação Nacional do Ministério Público de Contas, Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, parceiros indispensáveis nessa jornada; além, evidentemente, do reconhecido trabalho das Escolas de Contas, que mantêm programas de formação de agentes públicos voltados à boa governança. É imprescindível, portanto, reconhecer que as Cortes de Contas do País avançam, não apenas a passos largos, mas, sobretudo, a passos firmes, graças ao comprometimento das mulheres e dos homens que as integram. A Atricon tem, em sua essência, a força do denodo e do empenho dos seus dignos e honrados dirigentes. Essencial, neste processo de consolidação, é a manutenção de laços que presidam uma harmoniosa relação entre os Poderes Públicos destacando, em meio aos quais, o emanado da vontade do povo, o Poder Político. Fundamental, também, é a preservação da união que nos trouxe até aqui. Com a mais absoluta certeza, o modelo, em que se assegurou a representatividade de todos os Estados brasileiros, adotado quando da formação da chapa única, que agora se transforma em diretoria da Atricon, revela o espírito de unidade; corrobora o nível de comprometimento; robustece a convicção de que estaremos diuturnamente empenhados em transportar a primavera dos Tribunais de Contas para cada recanto do Brasil. A primavera da educação ampla e de qualidade; da saúde preventiva, bem equipada, curativa; do meio ambiente protegido; da segurança pública precavida; da mobilidade urbana estendendo e respeitando espaços; da infraestrutura penetrando nas periferias das nossas cidades; enfim, a primavera da cidadania respeitada. A primavera que sepultará a corrupção. Posso até estar sonhando, um sonho demasiado alto. Então que não seja sonho, seja um ideal. Vamos persegui-lo. Vamos conquistá-lo. É uma conclamação, que ilustro pela poesia de Augusto dos Anjos:
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Procuradora Shwyla Barreto Braga de Queiroz, quando saudava o novo presidente da ATRICON
Aspecto da mesa diretora dos trabalhos e da plateia, vendo-se ainda o Conselheiro Fábio Nogueira ao discursar.
“A Esperança não murcha, ela não cansa, Também como ela não sucumbe a Crença, Vão-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da Esperança”. Por fim, falei anteriormente dos sentimentos que trago comigo. Nessa mescla de sensações, que agora me invadem, há a gratidão. Chego aqui pela calçada da confiança e do estímulo, que me foram oferecidos pelo Conselheiro Valdecir Pascoal, amigo estimado, a quem agradeço de modo peculiar. Alicerçaram os passos, que me conduziram à condição de presidente da Atricon, os meus dignos pares, igualmente, estimuladores, essencialmente confiantes. Agradecer é o mínimo que me ocorre. À Procuradora Sheyla Barreto Braga de Queiroz, expresso a mais escolhida gratidão e o mais consagrado respeito. É imperioso reco-
nhecer o incondicional apoio que encontrei no Tribunal de Contas da Paraíba. Agradecendo, naturalmente, a cada um dos seus membros, aos setores técnico e administrativo, o faço revelando a forma zelosa, e imediata, pela qual o TCE da Paraíba, sob o comando do presidente André Carlo Torres Pontes, dispensou em todos os instantes. Ao agradecer ao essencial apoio do TCU para o bom êxito desta solenidade o faço com a mais especial saudação ao Ministro Presidente Raimundo Carreiro e aos demais membros deste Colendo Tribunal. Aos amigos de sempre, à minha família e a Deus, a minha mais reverenciada gratidão. g Muito obrigado! Discurso de posse como Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, no dia 06 de fevereiro de 2018.
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HISTÓRIA Muito Antes de Cabral Thiago Andrade Macedo
Ainda que estejamos em pleno século XXI, nossos laços com a nação que nos colonizou ainda são muito fortes, por mais que não consigamos perceber isso. A influência histórica e cultural de nossa antiga metrópole, por mais que a vida contemporânea tenha afastado os dois países, reverbera em nosso povo de forma avassaladora. Nossos costumes, nossas práticas, nossa forma de ser, enfim, nosso caráter ainda muito deve aos lusos. Para entendermos o processo de formação do Reino de Portugal, precisamos contextualizar um pouco a sucessão de alterações que, no final do século IX, levou o império árabe, o Califado do Bagdá, a entrar em decadência e fragmentar-se em diversos pequenos reinos. No ano de 476, quando houve a derrocada do Império Romano do Ocidente, a província romana da Hispânia, situada na península Ibérica, era habitada mormente pelos visigodos, povo bárbaro de origem germânica. Já então cristianizados, criaram seu próprio reino, cuja capital era a atual e belíssima cidade espanhola de Toledo. Cerca de mais de dois séculos depois, no ano de 711, o general árabe Tarik (ou Tariq/Tárique), cujo exército estava aquartelado no atual território de Marrocos, no norte da África, atravessou o estreito de Gibraltar, derrotando os visigodos e ocupando o seu território, à exceção de uma estreita faixa de terras de difícil penetração, por conta de intempéries climáticas e relevo acidentado, no extremo norte da península, onde se formou o reino cristão das Astúrias. Durante quase oito séculos de lutas, a partir das Astúrias, deu-se a Guerra de Re-
conquista, na qual os cristãos foram lentamente reconquistando o território ocupado pelos muçulmanos. Nesse processo de retomada, formaram-se os reinos de Castela, de Leão, de Navarra e de Aragão - os quais, mais tarde, uniram-se, dando origem à Espanha moderna -, bem como o Condado Portucalense, do qual se originou Portugal, que viria a colonizar a nossa abençoada Terra Brasilis. Na segunda metade do século XI, os Reinos de Leão e Castela, como também o Condado Portucalense, estavam reunidos sob a égide do governo de uma só pessoa: o hábil e visionário Afonso VI. Dispondo de muito poder e de um vasto território, esse soberano pôde organizar um pujante exército, atacando incessantemente os muçulmanos e expandindo o domínio cristão em direção ao sul da Península Ibérica. Muitos nobres oriundos de outros países europeus auxiliaram Afonso VI em sua luta contra os mouros. Entre eles, Henrique de Borgonha destacou-se sobremaneira em combate, obtendo grandes triunfos. Em retribuição, o rei Afonso VI lhe concedeu, como feudo, o Condado Portucalense. Após a morte de Henrique de Borgonha, seu filho Afonso Henriques venceu os castelhanos e reconquistou terras que se encontravam em mãos dos muçulmanos, proclamando, assim, a independência do Condado, em 1140. Dá-se, portanto, com Afonso Henriques, a origem do processo de formação do reino de Portugal, iniciando-se também a dinastia de Borgonha. Os reis dessa casa dedicaram-se à expansão territorial, envolvendo-se em lutas contra os muçulmanos. A longa fase bélica proporcionou o fortalecimento do poder real, que, por
sua vez, promovia o povoamento e a agricultura nas áreas reconquistadas. Houve, por conseguinte, uma precoce centralização monárquica em Portugal, curioso fenômeno que se opunha à descentralização existente na estrutura feudal de outros países. Esta fragmentação de poder foi objeto de estudo do sociólogo alemão Max Weber, ao passo que aquela unificação foi abordada pelos nossos Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, quando de seus estudos sobre o processo histórico de formação do Brasil, evento que abordaremos mais adiante. Formava-se, dessa maneira, o primeiro Estado nacional europeu, a primeira grande nação da era moderna. As transformações pelas quais Portugal passava, porém, não param por aí. Os lusos se preparavam para sua revolução política mais profunda e duradoura, com o engendramento da dinastia de Avis, bem como para se lançarem aos mares e oceanos, em uma das mais maravilhosas, ambiciosas e sangrentas aventuras do gênero humano. Observa-se, por conseguinte, no então jovem Reino de Portugal, que a consolidação do poder real, fortalecido pelas vitórias em sucessivas guerras e pela centralização política, chegou a seu ponto extremo com a Revolução de Avis. Devido à posição geográfica privilegiada do Reino, o comércio foi desenvolvido a passos largos, enriquecendo o grupo mercantil luso, uma das peças-chave no processo da citada revolução. Com a morte de D. Fernando, último rei da dinastia de Borgonha, surgiu um problema crucial sucessório, que colocou em choque a nobreza e o grupo mercantil português: os nobres e a Rainha Leonor, ISSN: 2357-833
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viúva do rei, queriam anexar Portugal a Castela, alegando que a filha do rei falecido era casada com o rei de Castela. A partir desse momento, começou uma insurreição popular firmemente apoiada pelo grupo mercantil. Era a Revolução de Avis (1383-1385), certamente a mais profunda e permanente das revoluções portuguesas. Após exaustivas batalhas entre portugueses e castelhanos, estes foram vencidos. D. João, mestre da Ordem Militar de Avis, foi então proclamado rei de Portugal, tornando-se D. João I, “regedor e defensor do Reino” e fundador da Dinastia Avis. A extensa cronologia de contendas contra árabes e castelhanos limitaram em Portugal a implantação de um feudalismo mais autêntico: com a Revolução de Avis, o já frágil regime feudal português desmoronou, e o poder monárquico fortaleceu-se cada vez mais. Como bem observado por diversos estudiosos, entre eles o fundamental Max Weber, antes citado neste ensaio, o patrimonialismo teve em suas origens relações feudais. No caso do feudalismo luso, se comparado ao inglês ou francês, um modelo sui generis vinha à tona: entre o rei e os súditos não havia intermediários, logo o poder político exercido era centralizado. Á frente de todo o macrocosmo social, pairava, soberana, a poderosa figura do rei. Isso é um dos trunfos utilizados pelo já mencionado Sérgio Buarque de Holanda, em outro momento, para entender o processo de formação da sociedade brasileira, em obras fundamentais como Raízes do Brasil e Visão do Paraíso. Raymundo Faoro, a seu turno, valeu-se dessas interpretações históricas e sociológicas para investigar as origens da
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burocracia e corrupção brasileiras. Em sua obra magna Os Donos do Poder, a análise de nossa realidade busca compreender a formação de um Estado patrimonialista brasileiro, marcado por um forte dirigismo em que as esferas pública e privada se confundem, caracterizando, não raro, uma espécie de capitalismo politicamente orientado, que não trouxe, por óbvio, benefícios para todas as camadas de nossa sociedade. Voltando ao contexto luso, observa-se que, apoiado pelo grupo mercantil, que ampliou sua influência sobre os negócios do Reino, o Estado passa a incentivar com afinco as atividades comerciais, o que caracterizou sobremaneira o período da expansão marítima portuguesa, gerando muitas divisas ao Reino e desembocando no processo de “descobrimento” de nossa pátria amada e idolatrada Brasil. A formação precoce, portanto, do Estado nacional de Portugal, o primeiro da Europa, e a posterior centralização do Estado lusitano, promovida pela Revolução de Avis em 1385, muito contribuíram para as aventuras dos lusos pelos mares. Aliás, a expansão marítima portuguesa está umbilicalmente ligada a esse processo de centralização de poder. Apoiada pela burguesia mercantil, a Casa de Avis apoiou o desenvolvimento de tecnologia ligada à navegação. Em pouco tempo, a coroa portuguesa começava a colher os frutos da empreitada: em 1415, embarcações lusas atracaram na África setentrional, dando-se a conquista de Ceuta, no atual Marrocos, com início da conquista do litoral africano, o chamado “périplo africano”; entre 1415 e 1460, foram ocupados Madeira, Açores, Cabo Verde e Guiné, o que deu a Portu-
gal a chance de explorar ouro, marfim, algumas especiarias e o comércio bastante lucrativo de escravos negros; em 1487, Bartolomeu Dias atingiu o sul da África, ligando o Oceano Atlântico ao Índico, dobrando o Cabo da Boa Esperança; em 1498, por fim, Vasco da Gama faz o caminho das Índias, e as primeiras naus aportam em Calicute, dando aos portugueses acesso direto às especiarias orientais (cravo, pimenta, canela etc). Uma década depois, Goa torna-se capital do Estado lusitano da Índia. Mas havia ainda o acontecimento que mais nos interessa: o “descobrimento” do Brasil. Com uma frota de treze naus, partindo do Rio Tejo, em Lisboa, aparentemente com o objetivo de perfazer as rotas inauguradas por Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, um fidalgo de pouco mais de trinta anos, após suplantar as ilhas de Cabo Verde, decidiu tomar rumo oeste, afastando-se da costa africana até encontrar as terras brasileiras, no litoral da Bahia, mais precisamente em Porto Seguro. Existe a probabilidade de navegantes europeus, sobretudo portugueses, terem circulado pela costa brasileira antes de 1500. Colombo, a serviço da Espanha, descobrira a América em 1492, ratificando a circularidade da Terra. Teria sido a esquadra de Cabral surpreendida por ventos muito fortes, que acabaram por jogá-la em outra direção? Teria sido o “descobrimento” do Brasil algo intencional? Nas palavras do historiador Boris Fausto: “De qualquer forma, trata-se de uma controvérsia que hoje interessa pouco, pertencendo mais ao campo da curiosidade histórica do que à compreensão dos processos históricos.” g
SAUDAÇÃO EILZO MATOS: DAS LETRAS DO SERTÃO, MADEIRAS DO ROSARINHO E NORBERTO BOBBIO À APL(*) José Octávio de Arruda Mello SUMÁRIO: Introdução. 1. APL e cultura interiorana. 2. O sertanismo de Eilzo Matos. 3. Recife e o outro lado da moeda. 4. Na política de Sousa. 5. Grupo José Honório e resistência democrática. 6. Onde entra o intelectual. 7. De Virgínius da Gama e Mello à literatura. 8. Na visão crítica de uma produção. 9. Demais incursões e o que esperamos de Eilzo. INTRODUÇÃO – Uma das características de nossos dias consiste na eliminação das distâncias socioculturais entre litoral e interior. Com efeito, estradas e eletrificação, multiplicação de escolas superiores e sindicatos rurais, presença da Nova Igreja e derradeiras projeções das obras contra as secas fazem com que o sertão do presente não mais constitua o homizio de que falava Euclides da Cunha, A referência a Os Sertões (1902) não fica mal porque se nos encontramos no centenário de morte do autor que esta Casa não esqueceu, graças a meu Terra, revisionismo e cultura em Euclides da Cunha, como ponto de partida de palestras, seminários e artigos, seu universo é o da antiga região de jagunços, cangaceiros, beatas, milenarismo messiânico e literatura de cordel. Esse é um hinterland que não nos envergonha, mas ficou para trás. Em seu lugar emergiu o das mais conscientes reivindicações sociais, centro de cultura, integração regional, projetos modernizadores, mulher emancipada, artesãos e escritores ajustados ao mercado, bem como turismo e cultua de massas. A própria democracia, inobstante as contrafações, anima-se diante do esforço dos que buscam ultrapassar as limitações da primazia dos notáveis e classe média das primeiras fases. 1. A APL E CULTURA INTERIORANA – Visando a, presentemente, substituir o bovarismo dos chás e reuniões festivas, pelos fóruns do autor e articulação com a sociedade civil, esta Academia de Letras nãos e parta dessa realidade.
Data daí a maneira como o interior nela se afirma, por meio de inúmeros integrantes. Joacil Pereira, que provém de Caicó, no Rio Grande do Norte, é hoje um homem de Alagoinha, tanto quanto Evaldo Gonçalves deriva de Puxinanã; José Rafael, de Monteiro; Juarez Farias, de Cabaceiras; Flávio Sátiro, de Patos; Carlos Romero, Gonzaga Rodrigues e Wills Leal, de Alagoa Nova – este o Município de mais numerosa delegação – Humberto Mello, de Teixeira, e Antônio Sobrinho do binômio Cajazeiras/São José de Piranhas. Pouco importa que alguns desses não hajam rigorosamente nascido aí, é por esses municípios que lutam. José Loureiro levou o UNIPÊ a celebrar convênios com a Prefeitura de Catingueira. Dorgival modernizou Taperoá, com rodovia asfaltada e hotel. Jackson Carvalho implantou em Caiçara uma das melhores escolas do Estado. Hildeberto Barbosa tem atualizado a biblioteca de Aroeiras, da mesma forma que Wills conduziu a Festa da Galinha a Alagoa Nova, Flávio Sátiro fortalece as instituições culturais de Patos, Sérgio de Castro Pinto tornou-se Secretário de Cultura de Guarabira, terra da mulher, Alda, e Damião Ramos empenha-se pelo patrimônio histórico de Itabaiana e Pilar. Indo mais longe, Luiz Nunes Alves chegou a disputar a Prefeitura Municipal de Água Branca. Essa dimensão converteu-se em algo tão alvissareiro que eu mesmo, bicho da praia, como a colega Adyla, também me interiorizei. Isso para ajudar Alagoa Grande, por onde iniciei, há quase cinquenta anos atrás, a condição de professor. Sem imaginar que o destino me incorporaria a município dos mais consistentes historiadores paraibanos - Oswaldo Trigueiro de A. Mello, Hélio Zenaide, Elza Régis de Oliveira e José Avelar Freire. 2. O SERTANISMO DE EILZO MATOS – A presença, hoje, nesta Academia do publicista, novelista, ensaísta, orador, poeta e
ex-deputado Eilzo Nogueira Matos situa-se no âmago dessa fermentação criadora. Porque ninguém tão sertanejo quanto o mais novo colega. Nesse particular, seu acento telúrico ultrapassa nossas fronteiras em lição de vida que não custa evocar. De raízes fincadas no velho Piancó dos Leites e Cajazeiras dos Matos, sem falar em Sousa, onde se radicou, São José de Lagoa Tapada a que representou e Coremas onde ora reside, à beira do açude desse nome, Eilzo ligou-se aos vizinhos Rio Grande do Norte e Pernambuco, ambos inseparáveis da respectiva condição existencial. Seu pai, tendo concluído curso ginasial em Cajazeiras, migrou para Mossoró, onde freqüentou a academia de Comércio e conheceu a futura esposa. De volta a Sousa, já com Elzira e Elzir a tiracolo, aí localizou-se como representante da poderosa firma F. L. do Monte, a mesma que, em 1932, conseguiria desalojar o segundo Irineo Joffily da Interventoria do Rio Grande do Norte. Apesar das origens, vinculadas a potentados do comércio de algodão, cereais, cera de carnaúba e material de construção, Eilzo albergou-se do lado oposto, do setor não patrimonial, mas público, da sociedade. Tal como os irmãos, Elzir, modernizando Piancó, e Elzira, professora do Estado graças a ato assinado pelo governador e acadêmico Oswaldo Trigueiro. 3. RECIFE E O OUTRO LADO DA MOEDA – Foi dentro desse quadro de vinculações à nascente classe média sousense, de lideranças sindicais como Gilberto Nabor, estudantes Mozart Gonçalves e Johnson Abrantes, populistas também rábulas como Zu Silva, e ainda intelectuais e serventuários da justiça, que Eilzo, no limiar dos anos sessenta, repartiu-se entre Sousa e a cidade onde despontou para as letras e a boemia. Refiro-me ao Recife, onde não apenas estudou Direito, na turma do poeta Jomar ISSN: 2357-833
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Souto e do publicista Flávio Sátiro, mas se associou, como estudante e médio funcionário da Previdência Social, às reivindicações sociais da época. Vivia-se, no período anterior a abril de 64, a trepidação das reformas de base, impulsionadas na capital pernambucana, pela Frente do Recife, herdeira das arrancadas sociais dos séculos XIX e XX. Antagonista, dentro da Faculdade, da corrente conciliatória do comedido Marco Maciel, não pensou duas vezes. Integrou-se à ala esquerdista, por via da qual participou de reuniões no Teatro do Parque, juntamente com David Capistrano, Abelardo da Hora, Paulo Cavalcante, Joaquim Ferreira Filho e Hiram Pereira – a fina flor do Partidão, engajado, em sua maioria, no primeiro governo Miguel Arrais. A ressonância dessa fermentação não tardou a alcançar Sousa onde, se contrapondo aos Gadelhas da UDN e Pires de Sá, do PSD, os Abrantes do velho Manuel Gonçalves avançaram, para colher o jovem promotor Antônio Mariz, eleito prefeito em agosto de 1963. Para muitos, entre os quais, a certa altura equivocadamente me incluí, gerava-se certa ambivalência, com Eilzo, arraisista no Recife e gonçalvista em Sousa. 4. NA POLÍTICA DE SOUSA – O aparente paradoxo dissipa-se quando se constata que o PTB dos Abrantes oferecia sustentação à nascente liderança de Antônio Mariz. Com efeito, assegurando os comícios, em termos de palanque, som, gambiarras, fogue-
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tório e banda de música, além de generoso dispêndio financeiro, Manuel Gonçalves tornouse o protótipo do coronel progressista, sensível às reivindicações sociais. De mais a mais, tratava-se do pai de Augusto Abrantes, suplente de senador pelo trabalhismo, em 1958, e responsável pela entronização da publicização administrativa de Sousa. Tal se verificou quando, prefeito entre 1951 e 1955, descarregou, em plena via pública, o caminhão da Prefeitura que, desde o Lastro, conduzia madeiras pertencentes ao pai. Assim, como já proclamei não existir o quinquênio JK sem o segundo governo Vargas, de quando datam os projetos daquele, não se pode entender a vitoriosa escalada de Antônio Mariz sem os Abrantes e, em especial, a dupla Manuel Gonçalves/Augusto Abrantes. A essa formação foi-se incorporando Eilzo Matos. Ele provinha do Recife onde testemunhou a derrocada do primeiro de abril em seguida à qual travou patético diálogo com Joaquim Ferreira, na ponte Duarte Coelho:
- Ferreira, rapaz, e agora?
- Estou indo para o campo. Dito isso, Ferreirinha marchou para as bandas da Estação Ferroviária. Com escritório de advocacia vizinho ao velho Manuel Gonçalves que diariamente lhe perguntava “por esse tal de Sindicato”, Eilzo infiltrou-se no gonçalvismo marizista juntamente com outros jovens de igual orientação.
Eram eles o promotor Sabino Ramalho, o economista Alcindo Rufino, o Dudu, futuro marido da consagrada Tânia Barcelar, o padre João Cartaxo, o procurador fiscal Aloísio Bonavides – cérebro do grupo – e o futuro Secretário de Educação Francisco Arruda Fontes, de saudosa memória. Embora não dispusesse de cargos e mandatos, tornava-se ativista tão ousado que, certa feita, em quermesse da Festa da padroeira arrebatou por dez contos de reis galinha assada também pretendida pelo usineiros e chefe político José Gadelha. Ante a reformulação bipartidária de 1965, a política de Sousa acentuou a exaltação. Se pelo lado do PMDB, onde pontificava Marcondes Gadelha, como parlamentar autêntico, no plano federal, o eciano José Gadelha “abria o saco” para denunciar o que considerava “os ladrões de Sousa”, do lado oposto, o deputado Romeu Abrantes, também inflamado, “descascava a jurema”. Nesse contexto, o caminho de Eilzo tornou-se mais pessoal que familiar ou grupal. Tanto assim que, aproximando-se do prefeito Clarence Pires, do antigo PSD, habilitou-se a substituir Romeu, quando da cassação deste, em 1949. Deputado estadual eleito no ano seguinte, mas derrotado em 1974, voltou à Assembleia, em 1979, já conhecido como deputado de cultura, Seus pronunciamentos nunca desmereceram a casa, bastando dizer-se haver sido de sua iniciativa, juntamente com Virgínius da Gama e Melo, a criação do Festival de Arte de Areia,
oficializado pelo governador Tarcísio Burity e responsável pela ressurreição da cidade, na década de setenta. A iniciativa valeu-lhe as graças do ministro José Américo. 5. GRUPO JOSÉ HONÓRIO E RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA – Foi aí que nos encontramos. Também perseguido em 1964 e 69, eu permanecera aqui com acesso vedado à Universidade onde somente ingressaria, por concurso, em 1976. Juntamente com Otinaldo Lourenço e outros companheiros, convertemos a Rádio Arapuan dos programas Antena Política e Mandando Brasa, em trincheira da resistência contra o generalismo autoritário. Artigos de Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Castelo Branco e Hélio Silva, estudos de José Honório, Paulo Cavalcante, Vamireh Chacon e Cândido Mendes, declarações de Breno da Silveira, Cleantho de Paiva Leite e Manuel Correia de Andrade, bem como acolhimento à Drª Terezinha de Jesus Zerbini, quando esta aportou à Paraíba, em 1977, para fundar a seção local do Movimento Feminino pela Anistia, depõem a favor dos que verdadeiramente combateram o arbítrio. Estes não foram os que aderiram ao Governo nas eleições de Campina Grande de 1968, sustentadas contra nosso bravo companheiro Ronaldo Cunha Lima, ou migraram para enriquecer, lá fora, mas os que içaram entre nós recorrendo aos instrumentos de que dispunham, na Imprensa, na cátedra, no parlamento, mediante a palavra que liberta(va), consolidando essa diretriz, o Grupo José Honório foi constituído, por iniciativa nossa e com Eilzo dentro, em 1967. Eu e Eilzo, em quem passei a votar, juntamente com o democrata Aluízio Afonso Campos, amigo/irmão do acadêmico Oswaldo Trigueiro do Vale, estivemos entre os que não se curvaram. Eilzo, partidário, como autêntico político, pronunciou-se em 1973, na Assembleia, sobre os candidatos Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, mas observando que “peço a transcrição dos discursos do Jornalista Barbosa Lima, sem poder fazer o mesmo, com relação a Ulysses, candidato de partido adversário”. Quanto a mim, declarado adepto da Política Externa Independente, do policentrismo italiano de Togliati e Berlinguer e da experiência chilena do presidente Allende, tornei-me um dos que primeiro transportaram para a Historiografia o período brasileiro 1958/1964 – tabu na época - e sobre o qual produzi nada menos de cinco livros. Neles, inicialmente, tive de recorrer às inicias dos entrevistadores, não para denunciá-los, como malevolamente propagado por ressentida megera, mas para poupá-los. Daí que, redemocratizado o país e encerrado o ciclo de resistência ao autoritarismo, perseverou na política, fosse candidatando-se a deputado federal pelo PT e apoiando a can-
didatura municipal Célio Figueiredo, contra o próprio sobrinho - no que reafirmou congênito antifamilismo. Mais recentemente, coube-lhe fomentar a candidatura a deputado federal de Miquika Leitão, mais como amigo de longas datas que mais recente sogro. 6. ONDE ENTRA O INTELECTUAL – Seria natural que tão movimentada trajetória se voltasse para o campo intelectual. Em Eilzo tal se verificou sob a inspiração de Virgínius da Gama e Melo, escritor que esta Academia se encontra na obrigação de reestudar – em dois diferentes momentos e cenários. O primeiro foi o Recife dos anos cinquenta onde Virgínius pontificava como apreciado colunista do suplemento literário do Jornal do Commércio. O segundo ocorreu na João Pessoa dos anos setenta a que o novo acadêmico chegou como deputado de primeiro mandato, encontrando o autor de O Alexandrino Olavo Bilac (2ª Ed., 1985) na condição de guru da cultura paraibana. Se no Recife do Savoy e do bar “A Portuguesa”, Eilzo abriu-se a outras influências como o contraparente Manuel Mariz, graças a quem se afeiçoou ao bairro do Rosarinho com o seu Madeiras de famosa canção carnavalesca – “[...] Nós somos madeira de lei que cupim não roi” – na capital paraibana sua devoção a Gama e Melo tornou-se exclusiva. Essa condição encontra-se nas Memórias escolhidas, digitadas mas não sei porque não publicadas. Como nas crônicas de Sindulfo Santiago, o sujeito de parte delas é o Recife. Verdade que ao aqui chegar, Eilzo já trazia experiência cultural. Em Sousa, colaborara na revista Letras do Sertão, uma das mais longevas de nossa história e cuja trajetória rememoraria em ensaios de 2014, por mim prefaciado. Essas produções trazem a marca do esquerdismo. Nos jornais acadêmicos e mesmo na grande imprensa recifense publicara esparsos sonetos e contos, um dos quais lhe valeu premiação em concurso do Correio da Paraíba, de Afonso Pereira. O dinheiro do prêmio foi todo consumido em cerveja. 7. DE VIRGÍNIUS DA GAMA À LITERATURA – Dessa maneira, foi por iniciativa de Virgínius da Gama e Melo que as atividades culturais de Eilzo Matos vieram a sistematizar-se. Articulista dos principais jornais pessoenses, levou tão a sério o cometimento que reuniu seus artigos na coletânea Prosa caótica (1983). É esse um dos mais típicos livros de Eilzo – pela amplitude e diversidade do conteúdo. Os temas variam entre Augusto dos Anjos, José Américo, Abelardo Jurema, Vargas Llosa e Ascendino Leite, Teatro e Projeto Araponga, IV Centenário da Paraíba, Getúlio Vargas em Sousa, Ascensão e Decadência de Campina
Grande, desobediência civil e crítica de Elizabeth Marinheiro. Nele, “Stendhal e o Grupo José Honório” me perfilha tão precisamente, que o parente Celso Leite sustentava que eu deveria colocá-lo num quadro. Progredindo na burocracia estatal, onde passou de diretor da Rádio Tabajara à Secretaria de Segurança Pública e Conselheiro do IPHAEP, a tônica de Eilzo consistiu em permanente vinculação às letras. Estas não lhe tornaram prolongamento da atividade parlamentar ou qualquer outra. Ganharam vida própria, daí porque, rapidamente, abrigaram o poeta, contista, novelista e romancista. 8. NA VISÃO CRÍTICA DE UMA PRODUÇÃO - Apesar da força de algumas passagens de A face do tempo (1986) – “Salve palavra/Que consumiste os meus desejos/E transformaste os meus pensamentos em eventos/Avançando e retrocedendo/escondendo e revelando os meus segredos”/ eu não falarei do poeta. É que no ficcionista Eilzo prefiro o prosador. Situado na linha do teórico da literatura José Antônio Urquiza, produziu criações de menor porte, médio e maior, positivando-se, então, em rigorosa sequência, o contista, o novelista e o romancista. Na área do conto, As horas trágicas, subtituladas “histórias do campo e da cidade” (1979) refletem a pós-modernidade para quem a estória curta – densa, concisa e trágica – não conhece enredos, mas situações. Tendo no mar, por exemplo, não fonte de devaneios líricos, mas de angústias, aproxima-se mais do uruguaio Onetti e do curitibano Delton Trevisan que do paraibano José Leite Guerra, mestre no ofício. De segunda edição datada de 1999, a novela A superquadra expressa o engajamento político de Eilzo que nele se torna panfletário, daí porque algumas passagens beiram a denúncia. Com ações transcorrentes entre Sousa, Recife e Brasília, o autor investe contra a tecnoburocracia dos militares encastelados em Brasília do Hotel Nacional dos políticos, e opíparos churrascos de fim de semana. Daí que personagens como Gama e Silva, Delfim Neto e Roberto Campos se fazem nominalmente referidos. Quando re(li) essa novela, lembrei-me instintivamente, de O sobrinho do general (1964), de Ledo Ivo, mas posteriormente evoluí para Festa de setembro (1974), de nosso Flávio Sátiro, isso devido ao tom caricatural de ambos e porventura o deputado Hermano Sales, de Flávio, não é o mesmo governador da Paraíba que, em Eilzo, “chegava em atropelada marcha com o seu séquito”, o qual “ria alto, batia copos, arrastava cadeiras”? Dos romances a crítica tem realçado A invasão das cobras (1996), mas Viajantes do purgatório é o que mais me agrada. ISSN: 2357-833
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Justo que a feição histórico-social de A invasão das cobras lhe permite, um pouco à Inês Mariz em A barragem (2ª Ed., 1994), sendo a técnica estilística de Eilzo, superior – reconstituir a construção de um grande açude, em todas as implicações. Nesse particular, os sitiantes que se deslocam para a festa e a jogatina do arruado evocam Fabiano e Sinhá Vitória de Vidas secas (1938) de Graciliano Ramos, ao tempo em que o novenário da nascente cidade o aproxima de José Lins do Rego, no Pilar. Ainda assim, fico com Viajantes do purgatório, resumido às páginas 117 e 118 da edição de A União Editora: [...] Assim era a cidade, era a vida, eram suas contingências [...] Assim, uma ganhavam e muitos perdiam. Era uma sociedade sensual, enfim, parecendo regredir a métodos primitivos, como nos primeiros tempos, competindo com a realização do instinto. Apenas, entrevista a meta, o objetivo ambicionado, seguiam em avanços e recuos, conduzidos, imperceptivelmente, por forças que desconheciam, buscando saídas nos momentos de crise. De personagens mais amadurecidos, Viajantes, dotado de ambiência local, mas alcance universal, apresenta como tema a realidade local dos sitiantes, afetada pelo rádio que os aproxima do mundo, a transição urbano-rural da sociedade sertaneja emerge claríssima, tanto quanto a intensa sexualidade dos personagens. Duas são então as fontes eilzeanas: tecnicamente, os novelistas latinoamericanos do realismo mágico e, sociologicamente, os valores destilados por Djacy Menezes em O outro Nordeste (3ª ed. 1995). 9. DEMAIS INCURSÕES E O QUE ESPERAMOS DE EILZO – Escritor essencialmente plural, Eilzo Nogueira Matos também enveredou pela oratória, a história, o ensaio, a crítica e a biografia.
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Dos discursos ressaltem-se a saudação aos homenageados da VII Noite da Cultura, em dezembro de 1975 e o de paraninfo da turma da Faculdade de Direito de Sousa, em julho de 2017. Os títulos falam por si – “Conhecer e transformar o mundo” e “Nosso Tempo, nossa vida”. Para o novo acadêmico, a cultura jamais deve ser diletante, mas posta a serviço das transformações da sociedade. Foi com essa intenção que se pôs à frente da criação da Faculdade de Direito de Sousa, federalizada por Reitor de inspirações democráticas e interioranas – Linaldo Cavalcante! No caso de Eilzo, o cometimento valeu-lhe dois ensaios históricos – Faculdade de Direito em Sousa – da criação do curso ao campus VI (documentos para sua história), sendo a segunda edição ampliada, em 2001, autêntico novo livro. Seus estudos críticos, disseminados por publicações da Paraíba e do Nordeste, contam-se às dezenas. Um dos que mais aprecio, inserido no Correio das Artes, de maio de 2018, intitulado Ariano Suassuna, Milan Kundera e George Luckács expressa três vertentes do aparelhamento conceptual do autor – telurismo do teatrólogo, inovação ficcional de Kundera e o marxismo aberto e criativo de Luckács. Daí para a biografia foi um passo. Eilzo dela se ocupou em Dr. Firmino Leite – médico e humanista (2002) e ainda abordagens acerca de Elzir Matos e Salviano Leite. Não por acaso todos agentes da modernização sertaneja – humanismo de Firmino, como médico do DNOCS, poeta e sogro de José Urquiza, Elzir, modelar prefeito de Piancó. E Salviano como o piancoense de mais altos vôos no século passado, em face da condição de Secretário de Estado, suplente de Senador e presidente da Caixa Econômica Federal.
*** Para encerrar, direi que estas considerações refletem não apenas longa e verdadeira amizade, mas identificação cultural, política e ideológica, acentuada nos dias que correm. ase tanto quanto Eilzo, provenho do estatismo nacionalista dos anos cinquenta/sessenta, sendo ele militante da Frente do Recife e eu seguidor do modelo bismarquista/napoleonista do professor Hélio Jaguaribe. Há alguns anos, porém, mudamos. Foi assim que nos transportamos para o liberalismo social de Hannah Arendt, Ralph Dahrendorf, John Rawes e no meu caso, Marco Maciel. Se foi dentro dessa linha que construí História do direito e da política (2008), saudado por Eilzo em comunicação enviada ao Tribunal de Justiça, tal se consolidou com a morte do pensador Norberto Bobbio, em 2004. Como foi às colocações de Eilzo que recorri, para conceituá-lo expoente da Filosofia do Direito e da Política, saímos os dois, Paraíba afora, pelas Faculdades de Direito de Cajazeiras, Sousa, Patos, Campina Grande e João Pessoa, para discussão das teses do mestre peninsular. Este representa acurada síntese, pluralista e democrática, entre o liberalismo dos Direitos Humanos e o socialismo das conquistas sociais. E é em nome deles que aqui nos reencontramos. Esperamos de Eilzo que, como legítimo honoriano, proceda, urgentemente, o que José Américo de Almeida perfez, em 1923, com A Paraíba e seus problemas. Ou seja, a construção que sistematize a atual problemática paraibana, em todos os níveis e em bases estaduais, nacionais e internacionais. Não vejo ninguém tão apetrechado para a empreitada. Eilzo Matos ingressa, assim, nesta Academia, não apenas pelo que fez, mas pelo que seguramente fará. g Muito Obrigado!
ARTES PLÁSTICAS Nossos grafites estão ameaçados: novos desafios do direito para a proteção do patrimônio artístico
Igor Halter Andrade, Jonathan França Ribeiro, Marcelo Conrado
INTRODUÇÃO A prática de inscrever em paredes com inscrições acompanha a história desde o Império Romano e do Egito Antigo (BAIRD; TAYLOR, 2011). Apesar disso, foi a partir da década de 1970, época em que surgia o graffiti nas ruas de Nova Iorque, que a arte urbana se consagrou ao redor do mundo, o que transformou a configuração visual e estética das cidades e estreitou a dinâmica entre espaço público e as manifestações culturais. Com traços apressados e pouca precisão, a conotação subversiva e transgressora do graffiti, combinada com a provável falta de posse legal dos locais marcados, provocava em seus observadores “uma sensação de violação e anarquia” (BARROS, 2002, p. 387), além de romper os limites até então impostos à manifestação artística e ao campo cultural. Temas como o questionamento da realidade consensual, da propriedade e do consumo eram levantados de forma recorrente nas pinturas. (REIFSCHNEIDER, 2015) 1
Tradicionalmente, no Brasil, o graffiti norteamericano possui duas principais vertentes: o grafite-arte e a pichação. Cabe ressaltar, contudo, que essa distinção não é pacífica e possui controvérsias. As pichações seriam as assinaturas (ou tags) quase ilegíveis, inscritas em fachadas de edifícios, muros ou monumentos, geralmente com tinta preta, podendo acompanhar frases de insulto ou protesto. São consideradas ato de vandalismo pela legislação brasileira. O grafite, por sua vez, possui clara intenção artística, propondo a comunicação com a sociedade através de imagens coloridas e traços complexos. Também possui forte conotação política, mas, ao contrário da pichação, encontra apreço social e relevância no meio artístico, sendo exibido em museus e galerias do mundo todo. Apesar de descriminalizada pela Lei Federal nº 12.408/2011, é quase nula a discussão política acerca da proteção da autoria da obra e até mesmo da legitimidade do grafite enquanto bem cultural e agente pro- motor de apropriação dos espaços públicos pela população, o que gera uma omissão por par-
te do Poder Público quanto à regularização da arte do grafite. (BRASIL, 2011) Em São Paulo, o maior mural a céu aberto da América Latina, com quase cinco quilômetros de extensão e obras de mais de 200 grafiteiros, na Avenida 23 de Maio, foi apagado com tinta cinza em ação da prefeitura. (SANTOS, 2017). Além disso, diversos murais da região central da cidade também foram alvos da restauração, como os grafites dos Arcos do Jânio, de grande importância histórica. Em Curitiba, cidade considerada um dos centros culturais do país e que sedia um dos maiores eventos de cultura urbana das Américas, o Street of Styles,1 foi aprovado, em segundo turno, projeto de lei que, dentre outras sanções, aumenta para R$ 10.000,00 a multa por pichação em imóveis do patrimônio histórico e em outros bens públicos, independentemente do valor das despesas com a restauração, que podem sofrer grande variação a depender do bem a ser alterado. (LEAL, 2017). Essas medidas de higienização não determinam, contudo, quais tipos de sinais gráficos devem ser alvos da atuação poli-
Street of Styles. Disponíveis em: <http://www.streetofstyles.com/>. Acesso em: 17 set. 2017.
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cial, nem tampouco reconhecem o grafite enquanto atividade legal. Ocorre que, mesmo atuando sob autorização ou até mesmo por encomenda dos proprietários do imóvel, os artistas de rua se veem reféns de uma política intransigente no combate ao “vandalismo”. Nesse desentendimento, murais autorizados são banalizados e apagados de forma recorrente, causando prejuízo aos artistas, patrocinadores, proprietários dos imóveis, produtores e à cultura urbana como um todo. Nesse contexto que surge, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), frente às demandas dos artistas de rua e à omissão legislativa sobre o tema, um estudo sobre as possíveis maneiras de garantir a tutela dos direitos autorais dos grafiteiros – tanto em sua dimensão econômica quanto na proteção contra arbitrariedades estatais –, entendendo a importância do grafite na aproximação entre os suportes urbanos e a arte livre, acessível e gratuita, além do papel fundamental que este desenvolve na revitalização de espaços negligenciados e na valorização da cultura local. Cria-se, então, a Clínica de Direito e Arte, cuja natureza desdobra-se em duas modalidades, sendo um grupo de pesquisa e também um projeto de extensão acadêmica, que pretende fazer uma ponte entre o Poder Público e os grafiteiros, investigando as soluções mais eficientes para o problema apresentado, priorizando a análise empírica e a atuação direta no campo social, de forma a criar um diálogo aberto com os protagonistas da pesquisa: os artistas de rua. O grupo é formado por estudantes do curso de graduação em Direito da UFPR que se propõem a fazer um exame da relação entre a ciência jurídica e o universo da Arte, reconhecendo o fundamental papel do ordenamento jurídico na proteção e tutela da autoria dos artistas mais vulneráveis. Diante disso, o grupo se reuniu com autoridades legislativas interessadas para atuar conjuntamente na elaboração de um projeto de lei que, em sua totalidade, seja capaz de regularizar a atividade do artista de rua, reconhecer a sua legitimidade para interferir nos espaços públicos, garantir os direitos autorais da obra e incentivar e promover a arte urbana local. Particularmente envolvido com a questão é o gabinete do vereador Jorge Brand do Partido Democrático Trabalhista (PDT), popularmente conhecido como Goura, que possui assessoria específica voltada para a relação da cidade com a cultura de rua e para as demandas nascidas dessa dinâmica.
Feitos os primeiros contatos, o vereador firmou colaboração com a Clínica de Direito e Arte para elaboração conjunta de um projeto de lei, estabelecidos os ritos e métodos de atuação e de pesquisa das demandas a serem solucionadas. A partir do entendimento de que ao campo jurídico cabe a absorção das vivências dos sujeitos – construídas individualmente ou coletivamente – de forma a ser apenas um mecanismo a colaborar com a natural fluidez do corpo social, a regularização proposta não pretende definir e limitar a atuação dos artistas de rua, nem ao menos ditar quais são suas demandas prioritárias. Resta somente a observação da realidade e o diálogo com o público-alvo do projeto, de modo a construí -lo conjuntamente e causar um real impacto na configuração da arte de rua atual. Para alcançar tal resultado, foi necessário o agendamento de um encontro entre os grafiteiros (e demais artistas), agentes culturais (como produtores e curadores) e os responsáveis pelo projeto, a fim de ampliar as formas de diálogo e de definir quais devem ser as prioridades do programa, a partir das opiniões e sugestões dos próprios artistas. Entendeu-se, igualmente, que seria necessário o suporte de outras instituições interessadas para que o projeto fosse frutífero. Nesse sentido, uma das etapas do processo foi o contato com organizações de referência na cidade e no país, que logo se mostraram interessadas em apoiar o projeto. Além do evento com os agentes receptores da lei, os organizadores acharam por bem planejar um segundo encontro, dessa vez convidando outras instituições, tais como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Fundação Cultural de Curitiba, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Associação Comercial e a Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. Os dois eventos, aliados, possuem a finalidade de embasar o projeto, contribuir para o enriquecimento da pesquisa e elevar a precisão técnicojurídica da redação, além de atrair a atenção midiática para uma questão de tamanha importância em um momento crucial de aumento das estratégias políticas de higienização das cidades brasileiras. A partir da relação entre a realidade dos artistas de rua na cidade Curitiba, do diálogo entre instituições políticas de referência, dos esforços do gabinete do vereador Goura e da pesquisa e planejamento dos estudantes, a Clínica de Direito e Arte traça um projeto político para incentivar e valorizar os grafiteiros e a classe artística curitibana como um todo, protegendo o
patrimônio artístico da cidade e os direitos autorais dos artistas de rua. EXEMPLOS DE PRESERVAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO GRAFITE NO BRASIL A prática do grafite permanece ilegal em praticamente todos os países. Contudo, o reconhecimento paulatino de seu valor artístico, turístico e cultural tem transformado a postura do mercado e da administração pública com relação ao incentivo e preservação das obras – que carregam marcas importantes de diferentes períodos históricos tanto em seu conteúdo quanto em sua estética. Por esse motivo, foram buscados exemplos de medidas implantadas em favor do grafite no Brasil, com o objetivo de contribuir para a elaboração de um projeto de lei que assimile perspectivas múltiplas sobre o tema. Uma ação que tem ganhado popularidade em diversas cidades pelo mundo2 é a abertura de espaços públicos para a livre intervenção de artistas de rua – a ideia central é a delimitação de um local onde os grafites seriam expostos e utilizados como atrativos turísticos. Apesar de aceita como forma de incentivo, parte dos grafiteiros critica a medida por conta da vontade implícita de repressão da atividade em outros espaços da cidade, uma vez que seu potencial sociocultural está intrinsecamente ligado à presença difusa das intervenções no contexto urbano. Os primeiros grafites do Brasil surgiram durante o período da ditadura militar, entre o fim da década de 1970 e o início da década de 1980, na cidade de São Paulo, com forte caráter subversivo. A elevada densidade demográfica e o benefício do anonimato frente à censura favoreceram a propagação dos grafites pela cidade. A atividade ganhou força no decorrer das últimas décadas na capital paulista, os autores saíram do anonimato e tiveram os seus trabalhos reconhecidos artisticamente inclusive fora do país.33 São Paulo passou a ser referência mundial para a arte de rua, o que movimentou o turismo em regiões como do Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo (MAAU-SP),44 o Buraco da Paulista, e o Beco do Batman, na Vila Madalena, locais conhecidos pelo valor histórico e pela grande variedade de intervenções e murais. (PAIXÃO, 2011) No ano de 2013, o vereador Nabil Bonduki propôs um projeto de lei para o reconhecimento do grafite enquanto manifestação artística de valor cultural com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado. (SÃO PAULO, 2008) Dessa forma, as manifestações estariam autorizadas – desde que não fossem
Alguns exemplos de cidades que adotaram a medida no plano internacional são: Melbourne (Austrália), Varsóvia (Polônia), Praga (República Checa), Taipei (Taiwan), Zürich (Suíça), Paris (França), Copenhague (Dinamarca), Burghausen (Alemanha) e Califórnia (EUA). 3 Artistas como Eduardo Kobra, os gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo, Alex Senna, Binho Ribeiro, Zezão e Crânio começaram seus trabalhos na cidade de São Paulo e hoje possuem obras em diversos países. 4 Primeiro museu aberto de arte urbana do mundo. Constituído por um conjunto de 66 paineis de grafite instalados nos pilares que sustentam o trecho elevado da Linha 1- Azul do Metrô, na Zona Norte de São Paulo. 2
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executadas em patrimônio protegido, não fizessem referências a marcas ou produtos comerciais, nem contivessem mensagens de cunho pornográfico, racista, preconceituoso, ilegal ou ofensivo a grupos religiosos, étnicos ou culturais – em espaços públicos e privados como postes, túneis, muros, paredes cegas, bancas de jornal e tapumes de obras, além de serem protegidos contra possíveis danos causados pela ação pública ou privada. O projeto continua em tramitação. Ao apagar os grafites da Avenida 23 de Maio, o prefeito João Doria atuou em sentido contrário ao projeto de revitalização e valorização de espaços urbanos através da arte de rua que vinha sendo implantado na cidade. A repercussão negativa de suas ações alimentou a discussão a respeito da preservação de obras previamente autorizadas pelo poder público. Em resposta a uma ação popular, o juiz Adriano Marcos Laroca, da 12ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, proibiu o prefeito de apagar os grafites sem prévia autorização do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), o que representaria um avanço jurisprudencial no que diz respeito à contenção de arbitrariedades da administração municipal contra os grafites, no entanto, mais tarde, a decisão liminar foi suspensa pela desembargadora Maria Olívia Alves, da 6ª Câmara de Direito Público. Após a polêmica, a prefeitura anunciou a criação de um “grafitódromo” na região da Mooca, onde os grafites seriam permitidos. (GIL, 2017) Por sua vez, a cidade do Rio de Janeiro – conhecida como a capital turística do Brasil – possui uma das abordagens mais progressistas e inovadoras com relação ao grafite no mundo, em razão dos programas de valorização da cultura popular e periférica que promovem manifestações de arte urbana pela cidade há décadas. (MOEN, 2009) No ano de 2014, o então prefeito, Eduardo Paes, assinou o decreto GrafiteRio (RIO DE JANEIRO, 2014) – elaborado pelo instituto EixoRio55 em parceria com grafiteiros – que autoriza a prática do grafite em postes, colunas, muros cinzas – desde que não considerados patrimônio histórico –, paredes cegas – sem portas, janelas ou outra abertura –, pistas de skate e tapumes de obras, além do muro da Linha 2 do Metrô entre os trechos São Cristóvão – Pavuna, nos dois sentidos; criou o Conselho Carioca do Grafite – instituição que atua como mediadora entre o poder público e esta manifestação cultural –; estabeleceu a implantação de Células de Revitalização (espaços públicos com alto potencial turístico para serem revitalizados
com a arte), o apoio à ferramenta web Street Art Rio e a instituição do Dia do Grafite em 27 de março. Em junho de 2017, teve início também na capital fluminense o projeto “Rio Big Walls” – cujo objetivo é enriquecer ainda mais espaços da cidade através da arte de rua – com a inauguração do mural da artista Luna Buschinelli, de 2.500 m², reconhecido pelo Livro Guiness dos Recordes como o maior grafite do mundo pintado por uma mulher. (GAYOSO, 2017) Em Fortaleza, o grafite se tornou um assunto de interesse do poder público e do mercado criativo a partir do programa “Fortaleza Bela Quero Te Ver”, iniciado pela prefeitura em 2004, onde a gestão se comprometeu a revitalizar regiões degradadas da cidade. As ações compreenderam incentivos públicos à produção e parcerias com empresas privadas, que passaram a investir na produção de murais, no aperfeiçoamento de artistas e na especialização de jovens vindos de comunidades periféricas para o ensino da arte. (RODRIGUES; BESSA, 2015) Em 2017, a vereadora Larissa Gaspar elaborou uma proposta de projeto de lei inspirada no PL de Nabil Bonduki, para regulamentar a atividade dos artistas de rua seguindo as mesmas diretrizes do projeto base, dessa forma, o grafite po deria ser realizado em diversos espaços públicos e privados e seriam protegidos contra possíveis danos causados pela ação pública ou privada. A regulamentação do grafite também tem sido alvo de discussão em Uberlândia (MG). Foi aprovado na Câmara e sancionado pela prefeitura projeto do vereador Felipe Felps, que reconhece o grafite como manifes tação artística e cultural, incentivando a arte e protegendo os direitos dos artistas. (ALEIXO, 2017) O projeto, entretanto, tem sido alvo de duras críticas pela classe artística, já que, ao mesmo tempo em que reconhece o grafite como parte do patrimônio público, criminaliza a pichação e aumenta a multa por inscrições em espaços públicos privados para até R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Além disso, a nova legislação pretende delimitar espaços específicos para a realização das obras, o que gera estabilidade para os artistas, mas também possui uma clara intenção de restringir os espaços e as possibilidades da arte de rua. Coisa similar acontece na capital da Bahia, Salvador. Um dos principais centros da arte urbana do país, a cidade sediou, nesse ano, a terceira edição do Festival de Grafite Bahia de Todas as Cores, evento que pretende incentivar a arte local além de revitalizar espaços em decadência, principalmente no
centro da cidade. (WENDEL, 2017). Ainda nesse ano, a vereadora Ireuda Silva apresentou um projeto de lei que pretende regularizar a atividade, além de criar mecanismos de incentivo à arte. A partir desses exemplos, pode-se afirmar que a arte urbana tem alcançado um espaço diferenciado em sua relação com o poder público e autoridades políticas. A regulamentação do grafite, agora captado pelo mercado e iniciativa privada, tem se tornado pauta em diversas cidades brasileiras e ao redor do mundo, garantindo a participação da população na construção dos espaços e limitando a repressão estatal a partir de políticas de higienização. CONSIDERAÇÕES FINAIS As relações entre a arte e o Direito tornam-se cada vez mais conflituosas e o grafite não está imune a esses desafios. O cenário jurídico aponta para algo absolutamente atípico no direito: a judicialização da arte ou a judicialização do acesso à cultura. O poder judiciário é chamado para pronunciar-se sobre a possibilidade, ou não, de uma exposição de arte ser aberta, ou assim permanecer, ao público. Processos judiciais semelhantes se repetem para inibir a execução de peças de teatro e demais manifestações artísticas. Sem precedentes, os casos que chegam ao Judiciário desenham uma nova realidade e solicitam o aprofundamento de reflexões nas fronteiras da arte e do Direito. O debate em torno de tais questões é intensificado com a opinião pública e esse contexto requer cautela: a arte não necessita de unanimidade ou de aprovação majoritária do público. A história da arte é constituída de inúmeros exemplos de rejeição da arte pelo público. A liberdade de expressão, enquanto um direito previsto na Constituição Federal, deve prevalecer e a decisão sobre os rumos da arte devem ser confiados às instituições da arte e somente casos extremos devem ser corrigidos pelo Poder Judiciário. Isso porque a liberdade de expressão não é um direito absoluto e o artista também está adstrito a limites éticos e jurídicos. Se um dos termos mais destacados do momento, no diálogo entre a arte e o Direito, é a liberdade de expressão, o grafite tem espaço central na efetividade dessa garantia constitucional. Foi por meio dos grafites que tivemos voz em diversos momentos da história, a exemplo durante a repressão da ditadura. Com o passar dos anos a prática do grafite foi institucionalizada. Grafiteiros passaram a integrar rol de galerias, a exe-
Segundo descrição disposta na aba EixoRio no site da prefeitura, disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/eixorio>, acesso em 27 de setembro de 2017. “O Instituto EixoRio é uma plataforma de articulação criada pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro para potencializar a cena urbana da cidade.”
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cução dos grafites exige o atendimento a regras administrativas tais como solicitação de alvarás, autorizações formais, exigência de segurança para redução de acidentes de trabalho, captação de recursos por meio de leis de incentivo à cultura, dentre outras iniciativas. Ao lado de tudo isso ainda há espaço para o grafiteiro que decidiu por atuar na clandestinidade. Em outras palavras há o grafite institucional e o grafite informal. A pichação, ainda que considerada como um crime ambiental, também já teve seu lugar reconhecido na arte, a exemplo da sua inclusão em uma das edições da Bienal de São Paulo. O artista Anish Kapoor, por exemplo, ao ter uma de suas obras públicas pichadas na França reconheceu a interven-
ção como ato integrante da obra, decidindo pela manutenção da pichação. Essas considerações aqui são feitas para revelar algumas camadas de complexidade do tema e apresentá-las ao Direito. A intenção disso é evidenciar a urgente necessidade da criação de leis para assegurar e proteger a prática do grafite. Foi diante de tais desafios que surgiu a Clínica de Direito e Arte da Universidade Federal do Paraná: a academia deve assumir sua responsabilidade de transformação social e cultural. Primeiro identificouse a insuficiência de legislação adequada na cidade de Curitiba para regular os grafites e, após rodadas de estudossobre a importância do grafite no ambiente urbano, foram convidados artistas, a sociedade ci-
vil e dirigentes de órgãos de proteção do patrimônio cultural para coletar relatos de experiências para ao final entregar à Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei que, se aprovado, oferecerá segurança jurídica tanto aos grafiteiros como aos órgãos da administração pública. A atuação da Clínica de Direito de Arte é balizada por uma cuidadosa análise comparada de leis já existentes sobre o grafite – ou em tramitação –, bem como do impacto dos grafites na recuperação e na revitalização de áreas urbanas de diversas cidades. Após tantas ameaças aos grafites, e que integram o nosso patrimônio artístico urbano, caberá ao Direito encontrar meios adequados que permitam a sua proteção e conservação. A arte deposita essa confiança no Direito. g
REFERÊNCIAS ALEIXO, C. Novas regras regulamentam e delimitam espaços para a arte do grafite em Uberlândia. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/novas-regras-regulamentam-e-delimitam-espacos-para-arte-do-grafite-em-uberlandia.ghtml>. Acesso em: 23 set. 2017. BAIRD, J.; TAYLOR, C. Ancient Graffiti in Context. Nova Iorque: Routledge, 2011. BARROS, S. T.de.“Out”-Arte?.Rizoma.net, p. 386-394, 2002. Disponível em: <http://um.pedrofbg.com/wp-content/uploads/2015/06/Rizoma-Artefato. pdf>. Acesso em: 24 set. 2017. BRASIL. Lei n.° 12.408, de 25 de maio de 2011. Altera o art. 65 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para descriminalizar o ato de grafitar, e dispõe sobre a proibição de comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol a menores de 18 (dezoito) anos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ ato2011-2014/2011/lei/l12408.htm>. Acesso em: 24 set. 2017. GAYOSO, L. Escola carioca ganha primeiro grafite gigante do projeto ‘Rio Big Walls’. Estadão, São Paulo, 2017. Disponível em: <http://brasil.estadao.com. br/noticias/rio-de-janeiro,escolacarioca-ganha-primeiro-grafite-gigante-do-projeto-rio-big-walls, 70001848959>. Acesso em: 23 set. 2017. GIL, A. Sob pressão, gestão Doria antecipa programa de grafite e se contradiz sobre 23 de Maio. El País. SãoPaulo, 2017. Disponível em: <https://brasil. elpais.com/brasil/2017/01/26/cultura/1485454560_642798.html>. Acesso em: 23 set. 2017. LEAL, R. Multa contra pichação em Curitiba sobe para até R$10 mil. Metro, Curitiba, 2017. Disponível em: <https://www.metrojornal.com.br/ foco/2017/09/12/multa-contra-pichacao-em-curitibasobe-para-ate-r-10-mil. html>. Acesso em: 17 set. 2017. MOREN, A. A vida dos muros cariocas: o grafite e as apropriações do espaço público de 2007 a 2009. 2009. 162 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
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COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – 9, 11 Abelardo Jurema Filho – 5, 11 Adalberto Targino - 25 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – 12 Ailton Elisiário – 25, 29 Alceu Amoroso Lima (In Memoriam) – 15 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto (D.) – 8 Aldo Lopes Dinucci – 9 Alessandra Torres – 9 Alexandre de Luna Freire – 1 Aline Passos - 21 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – 13 Aníbal Freire (In Memoriam) - 24 Álvaro Cardoso Gomes – 5 Américo Falcão (In Memoriam) – 9 Ana Isabel Sousa Leão Andrade – 15 André Agra Gomes de Lira – 1 Andrès Von Dessauer – 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 24, 25,26, 27, 29 Ângela Bezerra de Castro – 1, 11, 25, 29 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Anna Maria Lyra e César – 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – 8 Antônio Mariano de Lima – 4 Antônio Parreiras (In Memoriam) - 28 Ariano Suassuna (In Memoriam) – 14 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – 13 Austregésilo de Atahyde (In Memoriam) – 23 Bartyra Soares - 29 Berilo Ramos Borba – 3 Boaz Vasconcelos Lopes – 7 Camila Frésca – 5 Carlos Alberto de Azevedo– 4, 6, 11 Carlos Alberto Jales – 2, 12, 14, 16, 23, 25 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – 2, 5 Carlos Pessoa de Aquino – 5 Celso Furtado - 16 Coriolando de Medeiros (In Memoriam) – 27 Chico Pereira - 16 Chico Viana – 1, 2, 4, 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 10, 13, 14, 22, 24 Ciro José Tavares – 1, 23 Cláudia Luna - 28 Cláudio José Lopes Rodrigues – 5, 6, 27 Cláudio Pedrosa Nunes – 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – 10 Damião Ramos Cavalcanti – 1, 11 Deusdedit de Vasconcelos Leitão - 24 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – 6 Durval Ferreira – 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – 14 Eilzo Nogueira Matos – 1, 4, 7, 13 Eliane de Alcântara Teixeira - 6 Eliane Dutra Fernandes – 8, 14 Eliete de Queiroz Gurjão - 28 Elizabeth Marinheiro – 12 Emmanoel Rocha Carvalho – 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - 1, 9, 27 Erika Derquiane Cavalcante - 24 Ernani Sátyro (In Memoriam) –EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, EE/Epitácio Pessoa/ Maio/2015, 11, 15, 16 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 8 Evandro da Nóbrega- 2, 4, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 15, 21 Everaldo Dantas da Nóbrega – 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - 8 Fábio Franzini – 7 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Felizardo de Moura Jansen - 29 Fernando Gomes (D.) (In Memoriam) - 25 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - 4 Flamarion Tavares Leite – 8 Flávio Sátiro Fernandes – 1, 2, 4, 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 26, 28 Flávio Tavares – 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - 2 Francisco Gil Messias – 2, 5, 14 Gerardo Rabello – 11 Gustavo Rabay Guerra – 27 Giovanna Meire Polarini – 7 Glória das Neves Dutra Escarião – 2 Gonzaga Rodrigues – 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 11 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – 4, 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015 Humberto Fonseca de Lucena - 23 Humberto Melo – 16 Ida Maria Steinmuller - 24 Inês Virgínia Prado Soares - 23 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – 3 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – 4
João Cabral de Melo Neto (In Memoriam) – 27, 29 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – 6 Joaquim do Amor Divino Caneca - 28 Joaquim Osterne Carneiro – 2, 4, 7, 9, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 25 José Américo de Almeida (In Memoriam) – 3, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 15 José Honório Rodrigues (In Memoriam) - 28 José Jackson Carneiro de Carvalho – 1 José Leite Guerra – 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – 16, 21 José Mário da Silva Branco – 11, 13 José Nunes – 16, 25 José Octávio de Arruda Melo – 1, 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 9, 13, 15, 21, 24, 25, 28 José Romero Araújo Cardoso – 2, 3, 10, 11 José Romildo de Sousa – 16 José Sarney – 15 Josemir Camilo de Melo – 11, 28 Josinaldo Gomes da Silva – 5, 10 Juarez Farias – 5 Juca Pontes – 7, 11, 27 Krishnamurti Goes dos Anjos - 29 Ivan Linas – 27 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, 7, 13, 15, 29 Lucas Santos Jatobá – 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – 13 Luiz Fernandes da Silva- 6 Machado de Assis (In Memoriam) – 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) (In Memoriam) – 13 Marcelo Deda (In Memoriam) – 4 Márcia de Albuquerque Alves - 23 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 23 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – 1 Marcus Vilaça - 25 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – 3, 10, 15 Maria José Teixeira Lopes Gomes – 5, 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Mariane Bigio - 28 Marinalva Freire da Silva – 3, 9 Mário Glauco Di Lascio – 2 Mário Tourinho – 13 Martha Mª Falcão de Carvalho e M. Santana - 22 Martinho Moreira Franco – 11 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – 4 Milton Marques Júnior – 4 Moema de Mello e Silva Soares – 3 Neide Medeiros Santos – 3, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015, 15, 23, 27 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - 6, 15 Octávio de Sá Leitão (Sênior) (In Memoriam) - 23 Octávio de Sá Leitão Filho (In Memoriam) – 16 Osvaldo Meira Trigueiro – 2, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 25, 27 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/ Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - 14 Otávio Sitônio Pinto – 7 Patrícia Sobral de Sousa - 21 Paulo Bonavides – 1, 4, 5, 9, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 12, 14, 15, 16, 22,23, 25, 27 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Peregrino Júnior (In Memoriam) - 22 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – 3 Raúl Gustavo Ferreyra – 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – 4 Regina Célia Gonçalves – 22 Regina Lyra - 24 Renato César Carneiro – 3,6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,7,9 Ricardo Rabinovich Berkmann – 5 Roberto Rabello – 11 Ronal de Queiroz Fernandes (In Memoriam) - 21 Rostand Medeiros – 12 Ruy de Vasconcelos Leitão – 16 Samuel Duarte (In Memoriam) – 21 Sérgio de Castro Pinto – 22 Serioja R. C. Mariano – 28 Severino Alves de Sousa - 28 Severino Ramalho Leite – 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 13, 15, 16, 29 Socorro de Fátima Patrício Vilar – 10 Thanya Maria Pires Brandão – 4 Tiago Eloy Zaidan – 11, 13, 21, 23, 29 Vamireh Chacon - 28 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Vicente de Carvalho – 16 Violeta Formiga (In Memoriam) - 21 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – 3, 9, 15 Wills Leal – 2, 7
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