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TURISMO

NOS CAMINHOS DA CHINA Eliane Dutra Fernandes PEQUIM Que Pais é esse? China, China! Quanta diversidade, quão diferenciada é sua cultura, se relacionarmos à dos paises ocidentais. Maravilha foi conhecer um pouco da China, andar pelas terras de Mao Tsé Tung, passear em Pequim, Xangai, Xi´an e Hong Kong. Vamos procurar descrevê-la, partindo dos encantos, de devaneios, de projeções e alucinações do pensamento que se arraigaram nos quadros reais, na beleza e pureza que encheram a grande e pequena viagem. Saindo de Dubai, em vôo de oito horas, sem escala ou conexão, depois de termos viajado quatorze horas, ininterruptas, no trecho Rio de Janeiro-Dubai, desembarcamos no grande Aeroporto de Pequim, em um grupo de camaradagem, alegria e disposição. Um grupo de dezoito pessoas, cada uma com as suas expectativas, opiniões, vontades, desejos e a liberdade de percorrer os caminhos da China, com olhos curiosos, com olhos brilhantes, querendo reter nos nossos arquivos mentais tudo que íamos visualizando. O Aeroporto Internacional de Pequim é belíssimo, considerado o maior e mais movimentado do mundo, tem um centro médico que funciona 24 horas, tem bastantes lojas e restaurantes, a imigração é rápida e tem trens que conectam entre si os vários terminais. Lá, a doutrina expressa é a comunista que serve como fundamento em todas as áreas, política, religiosa ou filosófica. Seu povo é regido pelo partido comunista e tudo muito bem controlado. PRAÇA DA PAZ CELESTIAL Dentre os vários pontos turísticos de Pequim não podemos deixar de incluir a Praça da Paz Celestial (Tian’anmen) principal área pública da cidade, conhecida pelos grandes eventos da China, inclusive o do estudante que se colocou frente a um tanque de guerra em um protesto estudantil. Há vários locais importantes na Pra-

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A monumental Praça da Paz Celestial. Ao fundo, retrato de Mao

Um dos pavilhões da Cidade Proibida

ça, tais como, o local que guarda o corpo embalsamado de Mao Tsé–Tung, o grande mastro com a Bandeira Nacional, o Monumento dos heróis combatentes comunistas.. Avistamos um bonito jardim, ao lado, colorido pelas flores que invadem o verde dos arbustos, tudo bem cuidado. CIDADE PROIBIDA A cidade proibida, antigo Palácio Imperial de Pequim, é talvez a mais importante atração turística, tem arquitetura de uma antiga civilização, capaz de impressionar quantos a conhecem. Um pavilhão atrás do outro, localizados bem no centro dos sucessivos pátios. O Pavilhão da Harmonia Suprema, conhecido como o Pavi-

lhão do Trono, o Pavilhão da Harmonia Central, este reservado para um descanso ou ensaios de discursos do Imperador e o Pavilhão da Harmonia Preservada, destinado aos eventos. Apreciamos algumas figuras mitológicas decorando os telhados, assim como grandes vasos arredondados, com bordas largas, expostos nos pátios, que eram usados como depósitos de água, com a finalidade de proteger a cidade em caso de incêndio. Compunha essa cidade o Centro decisório do poder Chinês. São 750 mil metros quadrados que eram ocupados por toda a família do imperador e seus auxiliares. Vamos andando por ela e descobrindo, (Continua na página 20


CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

Ao apagar das luzes do ano de 2014, nada mais oportuno do que constatar que GENIUS tem sabido ser o veículo da cultura paraibana, divulgando em suas páginas fatos, vultos, idéias e estudos que, mesmo não dizendo respeito ao nosso Estado, contribuem, porém, para o aprimoramento cultural de nossa gente. Nos seis números saídos no ano que se encerra, correto é ressaltar a importância dos temas divulgados, nas diversas áreas, a saber: CIÊNCIA POLÍTICA: Os três universos da liberdade na evolução do Estado; Kant e o idealismo alemão; O direito natural de Tomás de Aquino como categoria jurídicometodológica contemporânea. PARAIBANOS: Elpídio de Almeida, uma reserva moral; José Elias Borges; Nivalson Fernandes de Miranda; Romero Nóbrega: um jurista de várias faces; De Lyra e César – um poeta universal nos sertões da Paraíba; Ernani Sátyro e o Direito Eleitoral Brasileiro; Dom Fernando Gomes dos Santos – Pastor et Magister. HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA: A presença dos Franciscanos na Paraíba, através do Convento de Santo Antônio; A Inquisição na Paraíba no final do Século XVI e sua recrudescência no Século XVIII; A construção da ferrovia Patos-Campina Grande; Patos e a vizinhança ecológica do Teixeira; Juscelino redivivo. FOLCLORE: A viagem na literatura de cordel; As festas populares da Idade Média à Idade da Mídia. TURISMO: Stowe e Eden Mountain, duas interessantes cidades norteamericanas; Nos caminhos da China. DESTAQUES DA BIBLIOGRAFIA PARAIBANA: Diálogos das grandezas do Brasil; Pela Verdade; Dicionário Corográfico da Paraíba; A Paraíba e seus problemas. POESIAS: Francisco G. Messias, Luiz Fernandes Silva, Ernani Sátyro, Carlos Jales. DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA: Lei Estadual 1.366/1955; Lei Federal 3.835/1960; 1ª Constituição Estadual (1891); 2ª Constituição Estadual (1892); Legislação pré-revolucionária (1930). TEMAS RELEVANTES: Beaudelaire e a correspondência das artes; A importância dos contos de fadas para a educação em direitos humanos; Memórias de meus tempos no O POVO; Coleção Documentos Brasileiros – um marco na historiografia nacional; Los comentários de Carlos Maximiliano Pereira dos Santos; Erro crasso no Brasão d´Armas de Cajazeiras. CENTENÁRIOS – GENIUS noticiou e ressaltou os centenários de nascimento comemorados em 2014 alusivos às figuras de Abelardo Jurema, João Agripino Filho, Emílio de Farias, José Joffily Bezerra e Napoleão Laureano. FALECIMENTOS – Duas perdas lamentáveis foram assinaladas por GENIUS: a do designer gráfico Milton Nóbrega e a do escritor e historiador Wellington Aguiar. Finalmente, a destacar a grande iniciativa de GENIUS, de promover duas edições especiais, com matérias em torno, exclusivamente, dos homenageados: Pedro Moreno Gondim e Augusto dos Anjos. Feito este balanço, resta a GENIUS, render Graças ao Divino Mestre e desejar a todos um FELIZ NATAL e um PRÓSPERO ANO NOVO, pleno de realizações.

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NOS CAMINHOS DA CHINA Eliane Dutra Fernandes

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DUAS VEZES OSCAR Andrés von Dessauer

outubro/novembro/dezembro de 2014 - Ano II Nº 8 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 3244.5633 / 9981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA

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A PRESENÇA DOS FRANCISCANOS NA PARAÍBA ATRAVÉS DO CONVENTO DE SANTO ANTONIO † Aldo di Cillo Pagotto

ELPÍDIO DE ALMEIDA: UMA RESERVA MORAL Astênio César Fernandes NIVALSON FERNANDES DE MIRANDA Evaldo Gonçalves de Queiroz O BACHAREL LUSO-BRASILEIRO NO BRASIL COLONIAL Maria José Teixeira Lopes Gomes CINCO POEMAS DE CARLOS ALBERTO JALES MEMÓRIAS DE MEUS TEMPOS NO O POVO Anníbal Bonavides DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA DOM FERNANDO GOMES DOS SANTOS: PASTOR ET MAGISTER Flávio Sátiro Fernandes

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LOS COMENTARIOS A LA CONSTITUCIÓN DE CARLOS MAXIMILIANO PEREIRA DOS SANTOS Y LA REPERCUSIÓN DE LA CULTURA JURÍDICA ARGENTINA EN EL BRASIL DURANTE LA PRIMERA MITAD DEL SIGLO XX Ezequiel Abásolo

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DESTAQUES DA BIBLIOGRAFIA PARAIBANA IV A PARAÍBA E SEUS PROBLEMAS Flávio Sátiro Fernandes

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A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA NO FINAL DO SÉCULO XVI E SUA RECRUDESCÊNCIA NO SÉCULO XVIII Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins

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LIVROS TURMA DO APAGÃO COMEMORA CINQUENTA ANOS Equipe GENIUS UM BACHAREL DE 64 Equipe GENIUS MORRE O ESCRITOR E HISTORIADOR WELLINGTON AGUIAR Equipe GENIUS KANT E O IDEALISMO ALEMÃO Flamarion Tavares Leite COLABORADORES


COLABORAM NESTE NÚMERO: 4

ALDO DI CILLO PAGOTTO [A presença dos franciscanos na Paraíba através do convento de Santo Antonio] Arcebispo, Titular da Arquidiocese da Paraíba. ANDRÈS VON DESSAUER [Duas vezes Oscar] Mestre em Economia e Ciência Política pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematrográfico no triângulo Rio de Janeiro, São Paulo e João Pessoa sobre filmes “cult”. Articulista em vários periódicos brasileiros.

EZEQUIEL ABÁSOLO [Los Comentarios a la Constitución de Carlos Maximiliano Pereira dos Santos y la repercusión de la cultura jurídica argentina en el Brasil durante la primera mitad del Siglo XX] Advogado (Universidade de Morón). Doutor em Direito (Universidade de Buenos Aires). Doutor em Ciências Políticas (Universidade Católica Argentina). Profesor Protitular de Historia del Derecho Argentino, com Dedicação Especial em Investigação (Universidade Católica Argentina).

ANNÍBAL BONAVIDES - In Memoriam [Memórias dos meus tempos no O POVO] Jornalista paraibano radicado no Ceará, com grande participação na imprensa alencarina, tendo sido repórter, revisor, redator e secretário do jornal UNITÁRIO e, posteriormente, ocupando idênticas funções no jornal O POVO. Deixando este periódico, dirigiu por vários anos o jornal O DEMOCRATA, que marcou época na imprensa daquele Estado. Foi Deputado Estadual, pela legenda do PST, até 1964, quando teve seu mandato cassado pelo movimento militar que se implantou naquele ano. Faleceu em 1983.

FLAMARION TAVARES LEITE [Kant e o idealismo alemão] Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).

ASTÊNIO CÉSAR FERNANDES [Elpídio de Almeida: Uma reserva moral] Médico oftalmologista, escritor, poeta, membro da Academia Paraibana de Letras e da Academia Paraibana de Medicina.

GUILHERME GOMES DA SILVEIRA D´ÁVILA LINS [A Inquisição na Paraíba no Final do século XVI e a recrudescência no século XVIII] Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP) e do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica (IPGH). Membro da Academia Paraibana de Letras (APL).

CARLOS ALBERTO JALES [Cinco poemas de Carlos Alberto Jales] Professor de Filosofia da UFPB, poeta e cronista. ELIANE DUTRA FERNANDES [Nos caminhos da China] Graduação em Pedagoga pela Universidade Federal da Paraíba, com especialização em Psicopedagogia, pela Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo. Coautora do livro Transtornos e Dificuldades de Aprendizagem, organizado por Simaia Sampaio e Ivana Braga de Freitas, publicação da WAK EDITORA, Rio de Janeiro, 2014, 2ª edição. EVALDO GONÇALVES DE QUEIROZ [Nivalson Fernandes de Miranda] Membro da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras de Campina Grande. Foi Deputado Estadual, Presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, Deputado Federal em duas legislaturas. Colunista de vários jornais locais, é autor de diversos livros.

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FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [D. Fernando Gomes dos Santos – Pastor et Magister] Escritor, romancista, poeta, historiador, pertence à Academia Paraibana de Letras, ao Instituto Hitórico e Geográfico Paraibano e à Academia de Letras de Teófilo Otoni, Minas Gerais (Sócio Correspondente).

LUIZ TASSO DE BRITO DANTAS [Combatemos o bom combate, cumprimos nossa missão e guardamos a fé]. Bacharel da Turma, este ano cinquentenária, da Faculdade de Direito do Recife, que colou grau aos 19 de dezembro de 1964, Luiz Tasso, em nome de seus colegas, interpretou o sentimento de todos eles, na comemoração dos 50 anos, em Olinda (Pe). MARIA JOSÉ TEIXEIRA LOPES GOMES [O bacharel luso-brasileiro no Brasil Colonial] pertence à Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba, à Academia Paraibana de Filosofia, à Academia Paraibana de Letras Jurídicas e ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.


HISTORIOGRAFIA

A PRESENÇA DOS FRANCISCANOS NA PARAÍBA ATRAVÉS DO CONVENTO DE SANTO ANTONIO (*) † Aldo di Cillo Pagotto

Há três décadas a historiadora Dra. Glauce Maria Navarro Burity, em sua forma habitual, obstinada e humilde, encetou um trabalho ingente e minucioso, dando-se à garimpagem de dados históricos sobre a fundação franciscana e a vida comunitária desses frades missionários na Paraíba. De uma forma singularmente corajosa, demonstrou não apenas alguns florilégios e curiosidades da vida interna do convento, restritos a uma situação tópica. As pesquisas de Glauce apresentam uma magnânima visão estrutural da vida da cidade. Perpassam as sucessivas etapas de construções em marcantes epopéias que se desenvolvem ao redor de um epicentro histórico paraibano. Das análises do dia-a-dia corriqueiro, brota a vitalidade das etapas construtivas de uma história da qual somos os herdeiros. Através das amostragens minudentes do cotidiano do centro histórico, Glauce descortinou o contexto social, político, econômico, cultural religioso que fundamentam a vida da sociedade que aqui se constituíam. A partir desse contexto vital, se sobressai o misto do dinamismo da fé cultivada pelos franciscanos, e alguns valores éticos que decorreram da visão da fé, vista pelos padrões da época. O nó de relações políticas e sociais foi se estabelecendo e se entremeando nessa visão de cristandade. Numa palavra, aquele estilo de vida comunitária, de alguma forma, influenciou a formação da índole de um povo que, então, começa a esboçar os traços de seu rosto e o perfil de sua vocação. Com uma invejável competência e exímia precisão no resgate da história de nossas raízes paraibanas, Glauce Maria comprova que recebeu uma dádiva sobrenatural, pelo dom da sabedoria divina. A tal dom acrescentam-se ainda as habilidades e sua perspicácia científica. A vida de Glauce se identifica com muitos e grandes dons, colocados a serviço da comunidade. Com isso nossa artista da história demonstra o quanto ama a nossa terra e a nossa gente. Glauce parece nos oferecer uma ‘chave de leitura’da realidade da época,

a partir da vitalidade expressa pela vida do convento de Santo Antônio. Hoje, ao folhear a estupenda Obra de Glauce Maria, nos sentimos desafiados a reinterpretar os eventos do passado, desdobrando as construções e as destruições, as atitudes intempestivas de domínio político e as tentativas de restauração de ambientes sólidos de convívio fraterno. Contemplemos o complexo artístico e cultural do convento de Santo Antonio. Debrucemo-nos sobre cada pormenor através dos ângulos das fachadas, dos torreões, dos pretórios, das alçadas, das capelinhas, dos jardins, das espetaculares minudências de entalhes esculpidos como trabalho de rendas mimosas. Veremos, enfim, que em cada particularidade assenta-se um fato, uma vida, uma história, um memorial de vivências. Reflitamos sobre a vida provinciana, cheia de contrastes entre senhores, protegidos, plebe e, por fim, os escravos. O que diria a suntuosidade dos monumentos e as condições precárias de um povo simples, inferiorizado, subserviente, que entanto, deveria ser convocado para desbravar novos horizontes do porvir? O estilo de vida na “Parahyba” de então acumulou sobre os nossos ombros, o peso de uma hipoteca social tricentenária. Carregamos no sangue e na cultura uma dívida social imensa, de cuja cobrança devemos nos desincumbir. Hoje a ufania da identidade paraibana nos impulsiona à conquista incontinente de desenvolvimento pleno, para além da vida bucólica, superando os limites dos ares provincianos e dos condicionamentos das estruturas sociais atreladas à Metrópole. A provocação da Obra de Glauce evidencia alguns contrastes. O fausto glorioso da vida dos nobres foi representado em nosso conjunto arquitetônico e acervo artístico e cultural riquíssimo. O prestígio da fina arte se fixou nos espaços dos conventos, onde os monges viviam despojados de si, afastados dos prazeres mundanos, praticando austero regime de obediência, a leveza da pureza singela e

casta, a parcimônia da mesa, desprovida de excentricidades, fazendo jus ao burel do irmão Francisco de Assis. No regime de padroado, os nossos colonizadores europeus por certo investiram pesadamente no vasto conjunto arquitetônico eclesiástico. Hoje visualizamos as reminiscências do estilo de vida social subseguida àqueles que sempre mantiveram o poder de decisão. Emblematicamente a consignação do poder das elites se estampa nas linhas arrojadas do glamour barroco. Longe do fausto da corte, ao menos nos monumentos de fé espelha-se certa magnificência mística. Ah, se esse investimento místico fosse destinado à educação da plebe! Ah, se a arregimentação de forças em nossas terras se destinasse não apenas para provar a força política da Colônia, mas à necessidade de prover uma infraestrutura indispensável para a vida do povo sofrido, - garantindo a inclusão social dos empobrecidos e da coletividade enquanto tal! O contraste entre o ideal místico da fé e uma vida de abundância de bens expressa fartura no barroco abrasileirado, “sui generis”, Suas linhas lapidadas e esculpidas em “contorces e volteretas” encarnam a alma renascentista, emoldurada nas searas brasileiras, tropicais, nordestinas. Talvez o nosso barroco queira redesenhar o sonho de uma sociedade menos sofrida e mais feliz, porque mais desenvolvida. O convento de Santo Antônio, hoje renomeado “Centro Cultural São Francisco” oferece uma série de transições de épocas, incluindo em seu imenso acervo as filigranas de detalhes artísticos e preciosismos das hagiografias bíblicas e catequéticas. Um digno destaque deve ser dado à metodologia pedagógica com a qual os nossos antepassados transmitiam a fé e os bons costumes à população, servindo-se de configurações variadas, finalmente representadas no conjunto arquitetônico, com a ilustração de ícones, afrescos, painéis, azulejos, enfim, privilegiando os melindres detalhistas, ocupando todos os ângulos e espaços. Não menos privilegiadas, foram as peoutubro/novembro/dezembro de 2014 |

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dras calcárias e outras similares, absorvendo uma carga imensa de minudências esculturais, marcando a perpetuidade das estirpes das casas nobres e das cepas de heróis ou conquistadores das plagas do novo mundo. Nossa cidade, Filipéia de Nossa Senhora das Neves, Frederica, Parahyba, nascida e criada sob a tutela da Coroa, passada sob as controvérsias e disputas não tão venturosas de conquistadores e invasores, experimentou em seus monumentos arquitetônicos não poucas delapidações e arbítrios. O que hoje temos no complexo artístico do convento Santo Antônio e Centro São Francisco alcança apenas uma pequena parte da sua real grandiosidade. Pior ventura – comparada ao vandalismo, é reconsiderar o por quê do destrato deletério pelo qual passou a dispersão do conjunto harmônico, perfazendo além do convento de Santo Antonio em questão, o Mosteiro de São Bento, a Praça do Carmo com ambas as Igrejas da ordem Carmelitana e por fim a antiga casa dos filhos de Santo Inácio, os jesuítas. Hoje, o centro histórico está sendo revi-

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talizado graças a um sério esforço dos poderes constituídos conjuntamente com algumas entidades, dentre as quais se destaca necessariamente a Arquidiocese da Paraíba, que se abre às parcerias para a preservação do patrimônio do povo de quem é servidora. O convento de Santo Antonio articulado ao complexo do centro histórico abriga o berço da cultura paraibana. Enseja a retomada da nossa vocação como um povo de bravos. Nascemos sob a égide da cruz e da espada. Por um lado a cruz da fé, da esperança, do amor, do serviço ao próximo. De outro, a espada que à fina força quis se impor com a arbitrariedade da dominação, da escravatura, da apartação e da exclusão. As sagas e as glórias dos grandes senhores, quer se servindo do povo, quer servindo o povo, superando a submissão, a subserviência, nos prepararam para desbravar novos horizontes de amor e justiça, de desenvolvimento e paz social, sem que a humilhação nos intimide, tal que os desafios que se nos agigantam sejam enfrentados. A história também se encontra em nos-

sas mãos! Vimos nos abeberar nas fontes originais dessa história, cujas contradições sejam superadas e cujos estímulos do porvir sejam abraçados como nos sugere o dístico da fidalguia: “Non ducor, duco”. Não sou conduzido, conduzo” Obrigado, Doutora Glauce Maria, pelas provas de sua delicadíssima coragem de nos impulsionar nas sendas da excelência da história, da arte, da cultura e, sobretudo, da concidadania. Dos multíplices talentos com que Deus dotou o seu amado esposo, aclamado e eternizado pelo povo paraibano como Governador Burity, a senhora foi uma das grandes depositárias de imorredoura herança. Milagrosamente esse tesouro contendo valores transcendentes do infinito, que tão bem Tarcísio de Miranda Burity soube frutificar, perpetuar-se-á na memória do nosso povo, engrandecendo-o nas sendas da sua trajetória. g (*) Palavras pronunciadas quando do lançamento, em 09 de Outubro de 2008, em João Pessoa, do livro A Presença dos Franciscanos na Paraíba através do Convento de Santo Antônio, de autoria da historiadora Glauce Maria de Navarro Burity.


CINEMA

DUAS VEZES OSCAR Andrés von Dessauer A juventude seja física ou espiritual é, inegavelmente, objeto de cobiça. Talvez por isso o ponto de vista infantil acerca do mundo seja um tema tão frequente na cinematografia. Os filmes o TAMBOR e TÃO FORTE, TÃO PERTO, tratados nesta edição, contam não só com essa visão juvenil como também possuem semelhanças intrínsecas. E, no que tange a tal afinidade, é de notar que esses dois trabalhos utilizam, como pano de fundo, cenários de beligerância (a Segunda Guerra Mundial e o atentado às Torres Gêmeas em N.Y), valendo destacar que, além da proximidade sonora de seus nomes (Oscar e Oskar), ambos protagonistas usam instrumentos musicais como apoio emocional. Contudo, não obstante suas similitudes os longas possuem, cada qual, sua própria atmosfera, consoante destaco nos artigos a seguir. O TAMBOR – o som de uma época O longa ‘DIE BLECHTROMMEL’ (‘O TAMBOR’, 1979) de Volker Schloendorff, baseado no livro homônimo (1959) de Guenter Grass, logrou Oscar de melhor filme estrangeiro daquele ano. Esse trabalho mostra a visão de um menino sobre o fenecer da República de Weimar e da segunda guerra mundial. A estória está ambientada em Gdansk ou Danzig que foi domínio alemão entre 1793 e 1945 e que, por imposição do tratado de Versailles, tornou-se ‘cidade livre’. Inconformado com a vida adulta que testemunhava, Oscar, o garoto dessa trama, freia, deliberadamente, seu crescimento e se refugia na infância. Vale dizer que tal opção em nada se confunde com a ‘Síndrome de Peter Pan’, pois, não é que para esse protagonista a infância seja um ideal a ser seguido, mas, que a vida adulta se revela intolerável. Tanto é assim que, quando o nazismo se desintegra (simbolicamente, por meio da morte de seu suposto pai), Oscar retoma o crescimento físico e mental. O título em alemão, ‘Tambor de Lata’, também se mostra sugestivo por fazer referência a um metal de pouca resistência, o que parece explicar a fácil e sucessiva destruição do dito brinquedo. Com efeito, a efê-

mera vida desse instrumento matizado com as cores nacionais da Polônia (vermelho e branco), e sua reiterada substituição indicam uma clara alusão à trajetória desse país tantas vezes invadido. Aliás, a família plural de Oscar, composta por dois homens e uma mãe, é mais uma alegoria à diversidade social da Polônia. E, portanto, não mantém qualquer relação com a concepção moderna de família, presente, por exemplo, no filme ‘3’ do cineasta alemão Tom Tykwer. Assim como a antiga Yugoslávia, a Polônia era uma verdadeira torre de babel na qual várias etnias (alemães, judeus, cassubianos, pomerianos e outros grupos eslávicos) conviviam de forma harmônica até a chegada dos nazistas que a consideraram território exclusivamente alemão. Quando a onda hitleriana atinge seu apogeu, Oscar se refugia em uma companhia circense de anões, que devido sua pouca estatura, parece não representar ameaça ao agigantado ego nazista. E, ao uniformizar esses “liliputianos” com a indumentária nazista, Schloendorff zomba da magnitude do ‘Terceiro Reich’ e do nanismo intelectual da época. Mas, a ironia mor se dá quando al-

guns militares, em clara referência ao desenvolvimento da bomba atômica, vislumbram uma ‘arma secreta’ (=‘Wunderwaffe’) na habilidade que Oscar possui para estilhaçar vidros aos berros. Para alguns intérpretes, Oscar representaria a grande massa da população que se mostrou indiferente à ascensão do totalitarismo alemão. Contudo, um olhar mais atento mostra que, apesar de aparentemente apático, ele é subversivo o bastante para dissolver com seu enervante tambor uma manifestação popular, organizada pelo partido de Hitler (NSDAP), e convertê-la em um baile de valsa. Enquanto em casa era mais tolerado que amado, fora dela o percursionista mirim conta, apenas, com a atenção de Markus, o dono judeu da loja de brinquedos. Até ai nada estranho, já que, tanto esse fornecedor de tambores quanto Oscar representam nítidas minorias e essas, via de regra, costumam se aglutinar. A atenção de Markus para com o menino, entretanto, era motivada essencialmente pelos sentimentos românticos que nutria por sua mãe. Essa, mesmo tendo dois homens à sua disposição, após uma cena agônica de descontrole alimentar morre de depressão. Uma enfermidade comum em uma época na qual as mulheres além de não terem voz (sendo, inclusive, impedidas de votar), não contribuíam com sua força laboral para o PIB de um país. Em um contexto histórico, pode-se dizer que o ciclo iniciado, em 1977, com o ‘OVO DA SERPENTE’ de Bergman foi fechado dois anos mais tarde com ‘O TAMBOR’ no qual o ‘Weihnachtsmann’ (Papai Noel), em uma espécie de presságio sinistro, se converte no ‘Gasmann’ (o Homem do Gás). TÃO FORTE E TÃO PERTO - e tão injustiçado Em todas as edições do Oscar nos deparamos com pelo menos um filme notoriamente injustiçado. No ano 2011 tivemos o filme ‘127’ horas e, em 2012, sem fugir à regra, foi a vez do longa ‘TÃO FORTE E TÃO PERTO’ de Stephan Daldry que, tal qual ‘A INVENÇÃO DE HUGO CAoutubro/novembro/dezembro de 2014 |

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BRET’, de Martin Scorcese (vencedor de 5 estatuetas) conta a estória de um pré-adolescente órfão à procura de algo que possa preencher a ausência paterna. As semelhanças entre essas duas películas, todavia, cessam por aí, até porque se na primeira o objeto da busca se materializa em uma fechadura, na segunda, ao reverso, se procura a chave. Ademais, a denominação do filme de Scorcese não é das mais felizes, haja vista que o pequeno órfão, nele retratado, não inventa coisa alguma, mas, tão somente, se esmera em consertar um velho autônomo (versão pré-histórica do aclamado R-2 de Star Wars). E tamanha incongruência alcança o próprio roteiro que, sem qualquer motivação lógica se distancia da estória do referido órfão e desaba na vida de Georges Méliès – o pai dos efeitos especiais do cinema mudo. Por óbvio, não se desconhece a importância de Méliès para a Sétima Arte. Tanto que, a melhor parte desse filme é, sem dúvida, as cenas que remontam seu estúdio cinematográfico. Mas, o tempo despendido com o pequeno órfão torna a aparição desse importante cineasta um acontecimento abrupto e quase surreal. Sem falar que o longa abre diversas vias inexploradas, criando no espectador um sentimento crescente de insatisfação. Exemplo disso é o romance descontextualizado entre uma florista e um policial, dois personagens nitidamente perdidos na trama. Já em ‘TÃO FORTE E TÃO PERTO’ o protagonista Oskar, vivido por Thomas Horn (considerado por muitos como ‘a revelação do ano’) dá um show de interpretação

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na pele de uma criança portadora da síndrome de Asperger, distúrbio que dificulta a socialização e, de outra banda, exacerba a lógica. O que, por sua vez, explica o extremo raciocínio matemático/logístico empregado na busca dos ‘Blacks’ residentes em New York. Aliás, como o único livro na mochila desse garoto é, justamente, da autoria de Stephan Hawking, fica patente a analogia do referido sobrenome com os buracos negros da cosmologia. Com um roteiro consistente e ações altamente correlacionadas, TÃO FORTE E TÃO PERTO faz do atentado às Torres, mero pano de fundo para uma obra sur-

preendente, na qual, mesmo em silêncio, Max von Sydow, como ator coadjuvante, foi de uma eloquência ímpar. No que tange ao conteúdo, além do fascinante jogo de oxímoros (paradoxos), vale observar que o tamborim é utilizado por Oskar como uma espécie de metrônomo, capaz de marcar seu ritmo e diminuir sua ansiedade (ideia, certamente, inspirada no romance e filme alemão ‘O TAMBOR’ (Grass / Schloendorff). Sem falar que, ao saltar do balanço em movimento seu pai antecipa, de forma positiva, sua última ação. E os oito minutos necessários à percepção humana sobre uma explosão solar fazem paralelo com os instantes que precedem o desabar das Torres. De fato, com sua corrida frenética pelos cinco distritos de N.Y., Oskar parece ter herdado a dinâmica do ‘CORRA LOLA, CORRA’. Mas o resultado de sua busca deixa claro que, a investigação é tão importante quanto a solução, que, nesse caso, importa em sua própria superação. Talvez o único ponto negativo desse longa seja o excesso de suavidade empregada na comparação entre as 3.000 vítimas ao atentado às Torres nos USA e, a morte de 30.000 pessoas, na cidade de Dresden (Alemanha), vítimas por um bombardeio desnecessário promovido pelos americanos, no final, da Segunda Guerra Mundial. Mas, quem sabe, tenha sido, exatamente, essa crítica subliminar, o bastante para negar a Daldry as merecidas estatuetas. Afinal, em concomitância com a bilheteria, a ideologia sempre teve papel relevante nessa premiação. g


MEMÓRIA

ELPÍDIO DE ALMEIDA: UMA RESERVA MORAL Astênio César Fernandes

“Valorizando a razão, a ciência e o realismo acima de tudo, Belínski sabia que, na raiz de todas as coisas, estavam os princípios morais” (Fiódor Dostoiévski, em citação do biógrafo Joseph Frank). Há homens que, no redemoinho do seu tempo vivido, ocupam espaços largos. Assim ocorreu com Elpídio Josué de Almeida. Arraigado a Campina Grande, o médico, historiador e político foi, antes de tudo, um homem ético, elegante. De natureza austera, ele execrou a perfídia, a inverdade, enfim, a abjeta anomia moral. Sua presença inspirava respeito e transpirava dignidade, legado de seus antepassados. Na comemoração dos cem anos do nascimento de Elpídio, em conferência memorável, o médico Maurílio Augusto de Almeida cita o Armorial Luzitano: “Provêm os Almeidas de Fernão Canela da Freguesia de Mangualde [...]. Foi a dos Almeidas uma das mais preclaras famílias do reino, deixando imorredoura memória nos feitos do vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida, e na bravura do alferes-menor, Duarte de Almeida, na Batalha de Toro”. Elpídio de Almeida, originário dessa estirpe, nasceu no refrigério de Areia, cidade cultural do brejo paraibano, um sítio que se permite galhardear através de seus filhos Pedro Américo, Coelho Lisboa, José Américo de Almeida, Dom Adauto de Miranda Henriques, Horácio de Almeida e muitos outros. Obteve formação superior no Sudeste brasileiro. Desistindo do curso de engenharia, iniciado em São Paulo, graduou-se em Medicina, no Rio de Janeiro, em 1918. Retornou à Paraíba em 1924 e radicou-se em Campina Grande. Instalando consultório na Avenida Marechal Floriano, passou a exercer seu sublime ministério, seu sacerdócio. Atendia os pacientes que podiam pagar honorários. Todavia, numa época em que os pobres, sem quaisquer atenções públicas, careciam da assistência médica, Elpídio de Almeida prestava-lhes efetivo amparo. Assim, relutou, por vocação, em atender

generosamente ao chamamento de amigos concidadãos, quando se iniciou na política. Adentrando-a, elegeu-se conselheiro municipal de Campina Grande; depois foi prefeito da cidade por duas vezes, exercendo, ainda, o cargo de deputado federal pelo Estado da Paraíba. Foi gestor probo e competente. Sua administração privilegiou, sobretudo, a saúde e a educação. Incentivou também as atividades comercial, tecnológica, industrial e cultural da cidade. Seus auxiliares, escolhidos por mérito e probidade, a exemplo do legendário Felix Araújo, Evaldo Gonçalves, Auxiliadora Borba, Lynaldo Cavalcanti e Adalberto Cesar, muito colaboraram. Sua carreira política se encerrou com o mandato de deputado federal, retornando à sua grande paixão: a medicina. Humanista erudito, Elpídio é patrono da Cadeira nº. 11 da Academia Campinense de Letras e da Cadeira nº. 05 do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Destacando-se nos campos das letras e da historiografia, publicou obras importantes, podendo-se citar as seguintes: “Pedro Américo: seu torrão natal”; “D. Pedro II na Paraíba”; “Coletânea de autores campinenses”; “Reminiscências I: Francisco de Castro”; “Reminiscências II: Miguel Couto”; “O ensino na Paraíba no pe-

ríodo colonial”; “A ação dos jesuítas”; “Padre Gabriel Malagrida: algumas notificações históricas”; “Epitácio em Campina”; “A viagem de um cronista ao sertão do século passado”; “Um mestre de campo esquecido”. “Areia e a abolição da escravatura: o apostolado de Manuel da Silva” e “História de Campina Grande”, sua obra fundamental. Editado pela Livraria Pedrosa, em 1962, o livro “História de Campina Grande” constroi representações, inscrevendo a identidade da cidade desde o seu nascedouro, a antiga Aldeia Velha. Limita-se à década de 1930, anterior à sua própria história política, evitando autocrítica. O título representa valiosa contribuição ao centenário de Campina Grande, ocorrido em 11 de outubro de 1964. Dedicado à esposa Adalgisa, esse livro inicia destacando a importância da “Capitania da Paraíba”, a qual, no princípio do século XVII, restringia-se à faixa litorânea. Somente na segunda metade do século, haveria penetração aos sertões, propiciando criação de gado e cultivo da agricultura de subsistência. Esse dado histórico é ratificado por Djacir Menezes em seu “O outro Nordeste”, referenciado em “Nordeste” de Gilberto Freyre. Numa exegese singela, “História de Campina Grande” representa pesquisa criteriosa. Suas reflexões críticas encerram, entre outras valiosas incursões, os movimentos que aconteceram em Pernambuco. Inscrevem, ainda, em viagem histórico-literária, referências a instituições públicas e privadas, a edificações e outros elementos significativos, explicitando aspectos sociológicos e políticos, evocando o progresso de Campina Grande. Enfim, num apurado estilo, o autor revela fatos com objetividade e harmonia. Do ponto de vista pessoal, doutor Elpídio, como era tratado pelos campinenses, retratava a elegância de um lorde inglês. Era sóbrio e, ao mesmo tempo, solene. Tinha por hábito usar paletó e gravata, despojando-se do paletó, apenas, nas refeições em casa ou em quaisquer recintos sociais. Nunca se permitiu à sedução de paixões subalternas. outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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Dotado de beleza física, manteve conduta conjugal irrepreensível, sendo esposo fiel e amoroso, além de pai de família exemplar, embora severo. Na referida conferência em sua homenagem centenária, o escritor Maurílio de Almeida traça o perfil fiel de Elpídio e, também, de sua esposa Adalgisa. Alguns belos trechos merecem ser transcritos: “Elpídio foi um homem de casa e do trabalho. Rua, somente dela se utilizava para os objetivos de sua vida. Era mais da leitura, do estudo do que da conversação [...]. Por temperamento, por natureza e formação, era um tímido. Escondia essa timidez no excesso de reserva a que se impunha onde estivesse [...]. Não exalava sua intimidade. Discreto, nada de afetação. Simples [...]. De poucos afetos. Esta disposição de espírito era trancada, escondida [...]. Defeito cultivado por muitos Almeidas. Ranço herdado e preservado por gerações, como se patrimônio e identidade fossem [...]. Ria mais com os olhos do que com os lábios. Riso de pouca sonoridade, sem gargalhar. E, quando o fazia, cingia-se a uma demonstração rápida, recompondo-se apressadamente, como se estivesse a se penitenciar de uma infração cometida”. Sobre Adalgisa, anota Maurílio de Almeida: “Era uma mulher inteligente, bonita, olhos cintilantes de alegria, riso espontâneo, solto, sonoro, vivo. Traduzindo a fes-

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ta constante de sua alma generosa, cativou o marido, amou-o [...]. Adalgisa entrou-lhe na vida como o ar que está em toda parte, sem ser visto. Não é sentido, mas é indispensável [...]. Turguêniev nos adverte em seu livro “Primeiro amor”, ao afirmar: “Os homens são como que marcados por certo tipo de mulher, encontrada ou imaginada na adolescência, que eles buscam durante toda a vida”. A busca de Elpídio não se estendeu ao longo de sua existência. Interrompeu-se e fixou-se em Adalgisa”. Sendo minha mãe Ninita irmã de Adalgisa, eu posso atestar, sem receio, a descrição de Maurílio. Adalgisa era sobrinha do escritor José Américo de Almeida, também nascida em Areia e aparentada de Elpídio. Foi esposa dedicada e zelava desde as prendas domésticas aos problemas familiares. Seus filhos Humberto, Orlando, Antonio e Elza, toda sua prole e os parentes próximos têm o privilégio dessa progênie. A história de Elpídio se finda em 26 de março de 1971, embora sua legenda permaneça viva. A doença agravada (cor pulmonali) o obrigou a deixar a casa onde viveu para ir, sem volta, ao hospital onde faleceu. Naquele momento, empreendeu sua comovente despedida. O seu olhar passeou por todos os recantos da casa e pousou, saudoso, em preciosidades de sua memória afetiva. Maurílio de Almeida também captou esse

momento de despedida com esmero, registrando: “Nenhuma lamentação. Talvez, preferisse à extinção a existência [...]. Cala-se. Nada diz. Veste-se. Uma inquieta expressão ganhou o seu semblante. Caminha resoluto, sem pressa, na direção da porta [...]. Dirige-se ao retrato da mãe, beija-lhe o rosto e diz na sua voz apressada: chego já. Repete: chego já. Atinge o jardim, volta-se, porém, e, de novo, relanceia a residência”. Na descrição de Maurílio, relembro Elpídio e me sinto partícipe, emocionado, da cena. Avoco o homem especial. Em mim ficou plantada, semeando princípios éticos, a sua existência modelar. Ele faz parte de minhas marcantes admirações e referências. Vale lembrar um trecho do poema de Drummond de Andrade:

MEMÓRIA (...) As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.

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HOMENAGEM

NIVALSON FERNANDES DE MIRANDA(*) Evaldo Gonçalves de Queiroz

É excelente a praxe: a cada sucessão ocorrida nas Casas da Memória – Academias de Letras, Institutos Históricos, - e demais associações congêneres - o empossando se obriga a produzir, em discurso, trabalho escrito, livro ou em quaisquer outros meios de comunicação, o perfil dos seus antecessores, afim de que os respectivos Anais guardem, em seus acervos, depoimentos sobre suas vidas e obras. Estariam os antecessores, com esse salutar expediente, com a imortalidade assegurada, se não a eterna, legitimamente desejada, pelo menos, também, a única ao alcance das nossas humanas e limitadas pretensões. Represento na Academia Paraibana de Letras, Pedro Américo, Patrono da Cadeira 24, e seus eminentes sucessores, Horácio de Almeida e José Joffily Bezerra. Foram, respectivamente, Artista Plástico, Historiador e Político. No IHGP, sem quaisquer influências pessoais, ou justificáveis méritos, estou representando um Artista Plástico, Nivalson Fernandes de Miranda, um Historiador, Ambrósio Fernandes Brandão e um Político, Sabiniano Maia. Deus haverá de suprir minhas naturais deficiências para honrar tamanhas responsabilidades e cumprir bem a Missão estatutária. Para tanta coincidência, só tenho a louvar, sem esquecer as graças advindas dos Céus, o Acaso, que até agora tem me surpreendido com generosas bênçãos, muito acima dos meus méritos, o que me faz cada vez mais me conscientizar de que hei de aumentar as reservas de bom-senso e de equilíbrio emocional, de que porventura tenha sido beneficiado, e que me têm assegurado, - assim imagino, - o bom combate em proporções suficientes para evitar os desvarios, as vaidades desnecessárias e as ambições sem limites. Aristóteles já reconhecia as virtudes da Áurea Mediocridade, ou seja, o ideal é evitar os extremos e preservar o benfazejo meio termo, sem confiar demasiadamente nas potencialidades dos avanços, nem se submeter às imposições e às surpresas dos insucessos. Possibilitado esse difícil equilíbrio emocional, teríamos cumprido a nossa parte, com a consciência tranquila de que não desafiamos os im-

ponderáveis, nem nos acovardamos perante os desafios da vida. E me pergunto: a) não foi certamente por acaso que ensinei História nos Cursos Secundários e Geografia Humana na Universidade da Paraíba?; b) como explicar que fui político enquanto vereador, deputado estadual e federal, e exerci funções administrativas nas Secretarias da Administração, do Trabalho e Ação Social, Casa Civil do Governador, e Secretaria de Educação, em Campina Grande? Teria sido a compatibilização dos desafios do Acaso com a consciência plena de que teria que emprestar todas as forças do meu desempenho e as disponibilidades da minha cota de sensatez, e total desapego quanto às vaidades pessoais? Perguntaria ainda: teria me amedrontado perante o desconhecido? Estaria preparado para o desempenho de todas essas missões? Nem sim, nem não. Importante foi não enfrentar os desafios. E como responderei a pergunta: onde o artista plástico entra nessa história toda? Não é fácil responder. Em crônica divulgada alhures, insinuei que nessas funções de político e professor nunca pintei o sete, tendo nelas me saído razoavelmente, de acordo com os meus limites como pessoa humana, que são imensos, certamente. Todavia, quanto às minhas plausíveis afinidades culturais com os meus eminentes predecessores, Artistas Plásticos, Pedro Américo e Nivalson Fernandes de Miranda, tanto na Academia Paraibana de Letras quanto no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, apresso-me em justificar o desafio, lançando mão do único argumento que justificaria essa minha presumida afinidade. Teria sido comtemplado com uma das seguintes conjecturas, sobretudo no que diz respeitos aos inexistentes talentos artísticos, responsáveis por uma possível afinidade do empossando com seus antecessores, Pedro Américo e Nivalson Fernandes de Miranda. Porventura, os recursos pelos quais tive que lutar, no desempenho das tarefas, sobretudo na área do serviço público, foram todos submetidos aos critérios da moral, da ética e da honradez? Soube afastar os tentadores desvios de comportamento ético quando da captação

desses mesmos recursos públicos para investimentos segundo o interesse coletivo nas suas mais variadas formas? As corretas diretrizes escolhidas para as soluções dos problemas suscitados pela comunidade beneficiária, jamais foram abandonadas, às vezes nem sempre coincidentes com os interesses pessoais dos demandantes? A atuação do Político e do Professor de História se revestiu de equilíbrio e responsabilidade, mesmo em detrimento de pretensões pessoais dos eleitores e alunos? Enfim, a arte final de saber conviver com diferentes conjunturas que me impuseram criar e executar soluções, adequando-as aos limites das possibilidades, e submetendo-as aos crivos da racionalidade e plausibilidade, o foram em favor sempre do bem–estar social e comunitário, consubstanciada na construção de obras e ações em favor da Educação, da Saúde, do Desenvolvimento Econômico e Social, transformando paisagens naturais em vitoriosas realidades humanas, expressas em toda a minha ação política, administrativa e docente, mantendo, em tudo, numa palavra, a fidelidade necessária aos compromissos impostos pela vida, pela honra e pelo correto cumprimento das missões recebidas? Tais pressupostos me aproximam dos verdadeiros e honrados Artífices de todas as Artes, tudo para poder testemunhar, agora e sempre, com limitação, é certo, mas a necessária autoridade, para falar sobre a vida e obra de Pedro Américo, Nivalson Miranda, Horácio de Almeida, Ambrósio Brandão, Sabiniano Maia e José Joffily? Então, pergunto: não teria demonstrado alguma aptidão nessa convivência conflituosa, múltipla, diversificada, sem parâmetros pré-estabelecidos, para criar situações novas, pintar paisagens, fixar realidades e supri-las racionalmente com soluções próprias dos artistas plásticos, criadores de cenários os mais surpreendentes para eternizar o Belo e as Virtualidades humanas? As circunstâncias destacadas não autorizariam a minha inclusão, mesmo de forma arbitrária e aleatória, na Escola de Pintura do Impressionismo Abstrato? Destacaria, simplesmente, nessa conjugação de esforços de outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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todos nós, ocupantes da Cadeira 32, a nossa preocupação superior para justificar o aproveitamento dos nossos talentos, uns mais, outros menos, - nesta hipótese está o empossando em favor dos outros, ou seja, da Sociedade, como um todo, e da Cultura, em particular, que é iniludivelmente nobre patrimônio social. Não significa dizer, em nenhuma hipótese, que os Acasos, ou Coincidências, como queiram chamar, dispensem os valores e predisposições pessoais, nem muito menos a força do trabalho produtivo, da importância da inteligência e da racionalidade humana. Realçada assim a força da Coincidência e do Acaso, sem desprezar a presença, nesse cenário, de Deus e a suposta participação do Homem-Homem, como conceituara o Padre Vieira, nesta tentativa de explicar o imponderável, deixo esta Profissão de Fé, ao ingressar em tão escolhido Plenário, assumindo a Cadeira no. 32, cujo Patrono, é Ambrósio Fernandes Brandão, fundador, Sabiniano Maia e antecessor, Nivalson Fernandes de Miranda. Todos esses meus predecessores, desempenharam com desusado brilhantismo suas missões como cidadãos e homens públicos, o que me deixa sumamente orgulhoso e compensado por este momento de gratas emoções. Registro, nesta ocasião, o meu melhor agradecimento pela generosidade da minha escolha para integrar este Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, guardião intemerato da Memória da Paraíba, procurando, nos depoimentos que se seguem sobre o Patrono e meus Predecessores, e dentro dos inexoráveis limites de tempo reservado para estes Elogios, ser justo, e fiel à História. Reconheço, de antemão, que estou muito aquém dos superiores méritos daqueles eminentes pares deste IHGP, dados os meus naturais limites intelectuais, eterno aprendiz da convivência humana e recalcitrante beneficiário dos Acasos. Estes, sim, sempre presentes, até injustificadamente, para me ajudar na luta e no enfrentamento aos desafios da vida. Há mais uma afinidade entre o empossando e o seu último antecessor, que deve ser ressaltada pelo seu conteúdo histórico. Esta não é, nem muito menos poderá ser arrolada como integrante do Quadro da Escola do Impressionismo Abstrato, porventura imaginado pelo empossando, antes, para justificar sua afinidade artística com os imortais Nivalson Fernandes de Miranda e Pedro Américo. Esta afinidade é real e não virtual, Nossas famílias foram vítimas da Revolução de Trinta, desvirtuada em seus objetivos, e responsável por um rastro de ódio e perseguição que muito mal fez à Família da Paraíba e aos Anais da nossa História. Os pais de Nivalson Fernandes de Miran-

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da, fugindo das perseguições resultantes dos excessos de 1930, tiveram que se mudar para Recife, enquanto o meu pai, professor primário em São João do Cariri, foi demitido da humilde função do Estado, e teve que se deslocar para Serra Branca, onde trabalhou como balconista das Lojas Paulistas durante três longos anos de exílio político. O Professor José Gonçalves de Queiroz, readmitido por força de dispositivo constitucional, foi reintegrado na função e removido para Sumé, onde lecionou em sua Escola Primária por mais de trinta anos, e tem seu nome no frontispício do atual Colégio Estadual daquela cidade, num reconhecimento das novas gerações sumeenses ao seu inestimável serviço prestado à Educação do Cariri paraibano. O único crime praticado pelo Professor José Gonçalves de Queiroz foi ser genro de Mariano Limeira de Queiroz, meu avô materno, modesto proprietário de terra na Jaramataia, município de São João do Cariri, e o seu sobrenome Queiroz era a única justificativa para a perseguição encetada contra ele por ser da família Queiroz, do Cariri paraibano, e seu sogro pertencia ao partido Liberal, ou seja, era adversário politico dos Britos, que, a partir de 1930, se tornaram força majoritária ali. Por força dessa mudança de residência, ou seja, de João Pessoa para Recife, Nivalson Fernandes de Miranda fez seus primeiros estudos, ali, no Colégio Padre Azevedo, e, regressando mais tarde à Paraíba, frequentou a Escola dos Artífices, graduando-se em Encadernação e Tipografia. Com essas habilitações, viajou, em seguida, para São Paulo, onde trabalhou nos Jornais Ultima Hora e O Dia, por um período de 12 anos. Ao final dessa experiência regressou a João Pessoa, estudando no Lyceu Paraibano e, depois, concluiu na Universidade Federal da Paraíba o Curso Superior em Bioquímica, e de Análise Química na Universidade Federal de Minas Gerais. Afora a conjunção das circunstâncias adversas, em termos de exilados da Revolução de Trinta, que nos uniram, e as conjecturas imaginárias, arquitetadas para que mantivéssemos algumas afinidades artísticas anteriormente realçadas, Nivalson Fernandes de Miranda, e o empossando, não tiveram nenhum desempenho profissional, em comum no que diz respeito ao exercício das Artes Plásticas. Ele, Farmacêutico e Químico, estudioso das fórmulas e das potencialidades das riquezas da nossa flora, quer in natura ou industrializada, fez o bem que pôde à Medicina e à Saúde. O empossando, por outro lado, enveredou pelos caminhos mais suaves das ciências sociais, quer quanto ao Direito, quer quanto à Historia e à Geografia.

Tais circunstâncias não impediram a Nivalson Fernandes de Miranda a percepção exata das suas propensões para as Ciências Exatas e para a mais sofisticada prática da Arte Plástica, seja em Bico de Pena, Xilogravuras ou Desenhos de Monumentos Históricos, em ruínas, sem cuja ação do Artista teriam já desaparecido sem deixar quaisquer resquícios e registros de sua grandeza e valor historiográfico para a Paraíba. Esses Painéis contendo esses tesouros da Várzea do Paraíba e do Sertão paraibano, imortalizados em Cerâmicas Vitrificadas, Xilogravuras, Aquarelas, Azulejos, Madeira, Linólio e Couro Pirografados, de autoria de Nilvalson Fernandes, com a estreita e indispensável parceria do Historiador Adauto Ramos, deste IHGP, hoje, adornam a Fortaleza de Santa Catarina, a sede da Associação dos Plantadores de Cana da Paraíba, as Galerias da Prefeitura Municipal de João Pessoa e a Fundação José Américo. Valiosíssimos, por outro lado, seus trabalhos na difícil Arte da Heráldica, de que era, igualmente, profundo e talentoso conhecedor, razão pela qual foi eleito para o Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica da Paraíba, onde deixou precioso legado, que, por si só, fala bem alto de seus conhecimentos, em área de tão difícil acesso e desempenho. Muitos Municípios da Paraíba tiveram que recorrer a Nivalson Fernandes de Miranda no sentido da feitura de suas Bandeiras e Brasões, no que ele atendeu sempre com a melhor e maior disponibilidade e competência. Neste livro, em que estou enfeixando, este e outros textos de conotação autobiográfica e memorialista, junto fotos desses seus trabalhos de Heráldica e outras suas manifestações artísticas, apenas como mostras de seu talento, regozijado em poder reproduzir parte desses Brasões e Bandeiras de municípios do Cariri da Paraíba, subsídios esses que contaram, na pesquisa, com a valiosa colaboração do Historiador João Bosco Pereira, enciclopédico e abalizado informante das melhores Histórias e da própria História daquela Região. Inúmeras foram as Exposições realizadas por Nivalson Fernandes de Miranda com suas obras, aqui e no exterior, devendo-se ressaltar as seguintes: a) 1ª. Amostra Paraibana de Heráldica Gentílica Brasileira, com 102 peças; b) A Paraíba no IV Centenário com 103 peças em Cerâmica Vitrificada; c) miniatura dos bens tombados do Brasil com 241 peças, em Bico de Pena; d) Brasões de famílias paraibanas com peças em madeira e linóleo; e) Engenhos, Casas Grandes e Capelas com 41 peças em cerâmica vitrificada; f) Frontispícios de igrejas do Brasil Colonial com 55 peças em cerâmica vitrificada; f) Brasonamento


do Nordeste Holandês com nove peças em couro pirografado; g) Hans Staden com 40 painéis em azulejo e cerâmica vitrificada; h) 54 peças em cerâmica vitrificada e azulejo, intituladas Sertão Histórico Monumental em Bico de Pena, enfeixadas em álbum, em exposição permanente na Fundação Casa José Américo, nesta capital, cujas fotos que registrarei em livro foram gentileza do então Presidente, Flávio Sátiro Filho; j) Relicário Religioso com 42 quadros em bico de pena, exposto em Lisboa; e, finalmente, k) Felipeia de N.S.das Neves, aquarela queimada sobre azulejos vitrificados, em policromia. Visando a dar repercussão a estudos e trabalhos de Nivalson Fernandes de Miranda, e graças à colaboração inestimável do Presidente do IHGP, Joaquim Osterne Carneiro e a valiosa participação do historiador Adauto Ramos, estão permeando as folhas deste pronunciamento, dele fazendo parte, fotos ilustrativas desse formidável acervo, sobretudo a coleção de Brasões Familiares e de Painéis sobre Monumentos e Igrejas do Sertão da Paraíba, de valor histórico inestimável. Portador de uma modéstia encantadora e de uma índole profundamente introspectiva, Nivalson Fernandes de Miranda não se preocupou muito com a publicidade dos seus talentos, recebendo homenagens e elogios muito aquém de sua inteligência privilegiada e de sua capacidade criativa como artista plástico. Ilustram igualmente este depoimento trechos pinçados do artigo intitulado Nivalson Miranda e o Patrimônio Histórico, de autoria do Historiador e Antropólogo Carlos Alberto Azevedo, publicado em o Jornal A União de 06 de setembro de 2013, do teor seguinte: ... ¨Conheci Nivalson Miranda. Tive a honra de acompanhar de perto muitos de seus projetos. Uns mirabolantes outros bem viáveis. Era fascinado pelo Brejo. Tanto é que elaborou um belíssimo Álbum, Areia e seu Entorno. Neste estudo retratou através de desenhos a bico de Pena o patrimônio arquitetônico, histórico, paisagístico do Brejo. O referido trabalho foi editado pelo IPHAEP e patrocinado pela CHESF. Guardo assim uma grata recordação daquele jovem de 86 anos, vitalíssimo, lucidíssimo e, naturalmente, muito humano. Demasiadamente humano. Por uma estranha coincidência, Nivalson faleceu num sábado de agosto. Era exatamente a data em que se comemora no Brasil o Dia do Patrimônio Histórico: 17 de agosto, como observou Piedade Farias, uma velha amiga do nosso saudoso Nivalson¨. Inúmeros outros depoimentos de conterrâneos seus e

companheiros de trabalho cultural poderiam ser destacados, todos reconhecendo os talentos e a genialidade de Nivalson Miranda. Todavia, por questão somente de espaço, o Autor se reserva, para outra oportunidade destacá-los, e coligir mais observações, comentários unânimes em louvar e exaltar suas produções artísticas e culturais. A exposição por ele preparada de brasões de famílias paraibanas dentro dos melhores princípios da Heráldica, com 50 Painéis, conforme registro anterior lamentavelmente não aconteceu. Este contratempo não esmaece a importância e valor de sua obra como artista plástico quer na recomposição dos monumentos da nossa História Colonial, quer na sua trajetória vitoriosa de Mestre da Heráldica e da Genealogia. Impõe-se, por essas razões, o registro aqui das famílias objeto dos Brasões de Armas, num trabalho minucioso de pesquisas, em exposição permanente no primeiro andar do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Ali estão os Brasões de muitas famílias, destacando algumas poucas para efeito de demonstração, a seguir: Gonçalves, Chaves, Fernandes, Carneiro e Brandão. Todo esse seu legado cultural há de ser um testemunho de sua interação irresistível com a Arte e a História, capazes de acolher e desenvolver seus talentos diferenciados, de que a Paraíba muito se orgulha. Foi digno dos valores intrínsecos de que foi dotado, consagrando-se de corpo e alma à nobre missão de educar, ensinar e perpetuar valiosas conquistas em favor da coletividade, desprezando o egoísmo e a vaidade e se colocando a serviço do Bem-Querer e do Bem-Estar Social. A posteridade através de seu exemplo de vida e de trabalho produtivo tê-lo-á sempre lembrado e cultuado. Com esse seu desempenho exemplar, como cidadão e homem, paradigmáticos, se constituirá sempre numa das melhores e mais honrosas referências da Cultura paraibana. Não é sem razão que Nivalson Fernandes de Miranda, ao longo de sua trajetória de vida, recebeu a admiração dos seus contemporâneos, e sua presença no Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, e neste Instituto Histórico, é a evidência mais ululante de sua Imortalidade! Foi Artista Plástico, inegavelmente Historiador completo, que, usando as ferramentas mais sofisticadas, emprestou uma maior dimensão à sua Arte. Político teria sido, sim, com certeza, na medida em que protegeu a tradição histórica, cultivou e preservou a cultura da sua terra e da sua

gente e preocupou-se com os interesses superiores da civilização, e seus bens imateriais, abdicando de vantagens pessoais em nome dos valores éticos. Todos os aplausos serão insuficientes para dimensionar seus méritos, sua vida e sua obra!!! Nivalson Fernandes de Miranda ocupou, na vida, os lugares certos, no tempo certo; fez o que pôde de melhor em favor da sociedade, do seu Estado e do seu País; usou os seus talentos na medida certa, em nome dos compromissos com o Bem-Comum. Cultivemos, pois, agora e sempre, a sua Memória! De minha parte, por outro lado, alegra-me agradecer todo o apoio logístico e cultural que foi propiciado pelo eminente confrade, Adauto Ramos, seu companheiro de viagens culturais em busca das ruínas dos monumentos erigidos às margens do Rio Paraíba, seus engenhos e capelas, das Igrejas e Monumentos do Sertão da Paraíba, inspiração maior de sua Arte. Agradecimentos que estendo aos seus familiares pelas achegas, fotos e subsídios outros, que muito ajudaram na composição deste Perfil. Igualmente me confesso devedor das desveladas atenções que me dispensaram, Flávio Sátiro Fernandes Filho, Guilherme D`Avila Lins, Adauto Ramos, Ângela Bezerra de Castro, quando da elaboração deste Elogio aos meus antecessores no IHGP, e renovo os meus agradecimentos aos caríssimos Companheiros, Presidente Joaquim Osterne Carneiro, - a quem agradeço sua generosa saudação – o Vice-Presidente, Humberto Fonseca de Lucena, dos confrade Guilherme Gomes da Silveira d Ávila Lins, Osvaldo Trigueiro do Vale, e da confreira Natércia Suassuna, bem como da Professora Letícia Maia, neta do fundador da Cadeira 32, Sabiniano Alves do Rego Maia, que me disponibilizaram subsídios valiosos para que eu pudesse conhecer melhor a trajetória de vida, de trabalho e a produção artística de Nivalson Fernandes de Miranda, de Sabiniano Maia e de Ambrósio Fernandes Brandão. Sem essas colaborações indispensáveis, sob todos os aspectos, minha tarefa de hoje teria sido muito mais difícil, pois até meus parcos e limitados conhecimentos teriam sido insuficientes e se quedariam diminutos, diante da grandeza intelectual dos eminentes Predecessores, nesta tentativa de esboço dos seus alentados Perfis. g (*) Excerto do discurso de posse do Historiador Evaldo Gonçalves de Queiroz no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, na noite de 31 de outubro de 2014, para ocupar a cadeira 32, na vaga ocorrida por falecimento de Nivalson Fernandes de Miranda

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HISTÓRIA

O BACHAREL LUSO-BRASILEIRO NO BRASIL COLONIAL Maria José Teixeira Lopes Gomes

Por ocasião da primeira Assembleia Constituinte, os brasileiros egressos das escolas superiores europeias lutaram com afinco para que fosse inserido no bojo da 1ª Constituição Brasileira, a criação dos cursos jurídicos no Brasil. No entanto, não surtiu efeito essa reivindicação, em virtude da política imperialista que Portugal desenvolvia na Colônia, frustrando os jovens que pretendiam fazer cursos superiores. Assim, só uma pequena elite brasileira tinha condições de atravessar o Oceano Atlântico em busca do titulo de bacharel. Historiadores da era colonial consideram que a colonização portuguesa foi totalizante, excludente e desordenada; o interesse que a corte portuguesa tinha pelas terras descobertas era unicamente usufruir de nossas riquezas e tudo fizeram nos primeiros séculos de nossa colonização para impedir que frutificasse qualquer manifestação que almejasse nossa emancipação ou desenvolvimento. Quem desejasse estudar, tinha que se educar na Europa; os cursos jurídicos eram os preferidos pelos brasileiros. Segundo Gilberto Freyre, à época era secundário se o jovem fosse vocacionado para as lides forenses. A vocação como traço da personalidade se rendia ao apelo do pai, à orientação do padrinho, ao conselho do parente magistrado, pois lhes acenavam a ideia de que o bacharel teria um futuro promissor e, assim, os jovens oriundos de famílias ricas rumavam à Europa. Os egressos das escolas de Direito de Coimbra, de Bolonha ou de Montpellier, aqui chegavam valorizados; além dos esquemas intelectuais absorvidos pelos cursos, eram portadores de outros saberes adquiridos na convivência da sociedade europeia. O diploma de significativo valor social e simbólico representava e fortalecia as classes dominantes do Brasil Colonial. Prestigiado pela sociedade, os recém-formados chegavam à Colônia com itinerários mais ou menos traçados para o cenário político cultural tupiniquim. De fraque e cartola, com o verbo fluente, eram levados a proferir, quase sempre, belos discursos nos

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júris, nas solenidades ou nas reuniões sociais e saraus, onde declamavam poemas. Bafejados pela Corte, eles ganhavam espaços sociais, administrativos e políticos privilegiados na Colônia. Sua importância era tanta, na estruturação das províncias que, segundo Gilberto Freyre, em Sobrados e Mocambos, Dom Romualdo de Seixas, político influente no Pará, depois senador do Império, solicitou ao monarca português que mandasse para aquela província indinoide “carne, farinha e bacharel”. Quase sempre, com a visão múltipla dos fatos, os bacharéis brasileiros formados na Europa, ostentavam um estilo de vida cosmopolita, tomando uma forma de refinamento social, de sua condição intelectual manifesta na forte inclinação pelo diletantismo. Era uma procura consciente e inconsciente da distinção do bacharel que se emoldurava nas terras coloniais. Escrevendo com desenvoltura, mecanismo eficiente resultante da educação europeia, difundiam a ideia de uma pátria soberana e um sentimento antilusitano, ganhando simpatia do povo nas praças e nos espaços públicos, onde discursavam. A distinção dos bacharéis era, então, produzida e reproduzida através da relação de saber, de poder e de prestígio; e parecia aos olhos da sociedade que o Curso de Direito os tinha preparado para tudo, tendo mesmo que entender de quase tudo, pois além de advocacia, poderiam atuar na magistratura, na política, no magistério ou jornalismo, nos quais as oportunidades eram excelentes. E, segundo o escritor Nilo Pereira, o bacharel era uma espécie de denominador comum das profissões liberais e de elite, de cujos saberes, a ciência do Direito funcionava como uma síntese. Emerge, assim, a categoria do bacharel no Brasil Colonial, onde o aparato augusto era necessário para operar: julgando, em palácios e se envolvendo em togas e peles de arminho, refletiam admiração social pela atuação profissional. Logo no segundo século após o descobrimento, por volta de 1609, a Bahia, devido

a sua posição geográfica, foi escolhida para sediar o primeiro Tribunal da Relação no Brasil, dando configuração à Justiça Colonial, isto é, a aplicação do direito português nas terras brasileiras. Devido às circunstancias da época, o órgão funcionou precariamente e foi extinto em 1626, para ser restabelecido em 1652, com todo o prestígio outorgado pelo monarca português. Após ser reativado o da Bahia, em 16 de fevereiro de 1751 foi criado o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, instalado no ano seguinte, com pompa e ritual copiados da velha Europa. A inserção nestes Tribunais dos primeiros bacharéis nascidos na colônia de Vera Cruz e titulados na Europa era feita de maneira rigorosa. O candidato para o cargo de magistrado deveria passar por um processo de inquirição na Colônia que evidenciava a vida pregressa do candidato, sua etnia, isto é, a não existência de sangue judeu, mouro, escravo, cigano, negro ou mulato. Era observada a religião que o candidato professava. Não era permitido o ingresso na magistratura do bacharel cujos pais ou avós tivessem exercido ou exercessem atividades manuais como artesão, mecânico, açougueiro, alfaiate, carpinteiro ou sapateiro. Além desta avaliação havia a leitura dos bacharéis, importante prova que consistia em informações sobre a vida estudantil nas universidades europeias. Os historiadores observam que os brasileiros se laureavam jovens, em torno de 22 a 27 anos. Os recém-formados, logo que voltavam da Europa, em geral dedicavam-se por algum tempo ao exercício da advocacia nas diversas instituições jurídicas, e esta condição facilitava comprovantes de atuação para a realização “da leitura dos bacharéis”, quando eles precisavam comprovar o exercício nos Tribunais. Esses Tribunais foram criados para resolver demandas que surgiam na Colônia, pois as regulamentações das Ordenações do Reino não surtiam mais efeitos. Inexistia a separação de poderes na Colônia, e em decorrência as instâncias judiciais e admi-


nistrativas se entrelaçavam, provocando conflitos, tanto de interesses como de competências e hierarquias; órgãos polivalentes, com competência judicial, política e administrativa, foram instituídos em razão da necessidade de reafirmar a posse e a autoridade régia no que se refere ao solo e às riquezas da Terra de Santa Cruz. Os interesses do rei configuravam uma esfera que exigia exclusividade da Coroa Portuguesa. As instâncias judiciais na Colônia eram a partir do Procurador dos Feitos da Coroa; em seguida, dos juízes ordinários, juízes de fora, e por último os ouvidores das comarcas - todos com atribuições estabelecidas nas Ordenações do Reino. Em principio, só os bacharéis portugueses tinham oportunidade de atuar como advogados ou chegar à magistratura; posteriormente o bacharel brasileiro conseguiu alçar a estes cargos. A eleição dos juízes ordinários, era feita pelos homens bons da localidade e estes poderiam ser leigos, havendo renovação anual

de seus mandatos, não recebiam salário, mas apenas um bônus de 100 réis por sentença proferida; com competência administrativa e judicial, aplicavam a justiça aos colonos com base no direito costumeiro e nos forais. Já os juízes de fora tinham atribuições de fiscalizar os ouvidores e juízes ordinários; sendo-lhes exigido o título de bacharel, ser estranho ao lugar em que deveria atuar, com mandato trienal, devendo portar uma vara vermelha para se identificar. Os ouvidores tinha competência de vigiar o acoitamento de criminosos, coibir abusos dos colonos e promover nomeações dos tabeliães para as Câmaras Municipais. À época e nos primeiros Tribunais implantados, foram constatados vícios burocráticos portugueses, pois repetiam não só as normas e atos lusitanos, mas igualmente, as mazelas e os vícios dos tribunais portugueses, como a ausência de impedimentos de juízes e desembargadores; havia morosidade na tramitação dos processos, as sentenças eram exaradas com brocardos

de difícil entendimento para o colono e traços evidenciados de vaidade acerbada de seus titulares. O ingresso dos bacharéis brasileiros na magistratura da Colônia foi ascendente; vejamos do século XVII ao século XVIII: um total de 21 bacharéis entre 1635 e 1700. De 1700 a 1750, já serão 72 bacharéis. Na época seguinte de 1750 a 1800, foram a 187 bacharéis. E, de 1800 a 1820 o fluxo diminuiu para 68 bacharéis. Após a instalação da Corte Portuguesa no Brasil e para suprir as necessidades dos Tribunais, em 11 de agosto de 1827, por ordem de D. Pedro I, os primeiros cursos de Direito foram autorizados a funcionar no solo brasileiro: um, na cidade de Olinda, em Pernambuco, e o outro, em São Paulo. Já naquele ano as vagas para tais cursos foram disputadas e preenchidas pelos alunos de melhores notas nos exames e, também, por jovens de Portugal e Angola. Com o passar do tempo o ciclo se amplia e os cursos de direito ganham notoriedade. g

BIBLIOGRAFIA : FAORO, Raimundo, Os Donos do Poder: Formação do patronato político brasileiro. Editora Globo. 4 ed. Rio de Janeiro. 1973. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mocambos. 9ªed. Rio de Janeiro: Record,1996. GOMES, Maria José Teixeira Lopes, Meandros da Memória: da Faculdade de Direito ao Centro de Ciências Jurídicas da UFPB – 19492006. J. Pessoa. Ideia. 2007. PEREIRA, Nilo. A Faculdade de Direito do Recife (1927-19770) - volume 1 e 2. Ensaio Bibliográfico. Recife - UFPE. 1977. WEHLING, Arno e Maria José, Direito e Justiça no Brasil Colonial: O Tribunal de Relação do Rio de Janeiro (1751- 1808 ) Rio de Janeiro. Renovar, 2004.

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POESIA CINCO POEMAS DE CARLOS ALBERTO JALES

Fragmentos de poema Nesta velha casa

Adélia Prado disse num poema, que a poesia é maior que o poeta Por isto planta palavras no meio dos oceanos, por isto as aprisiona como fazemos com pássaros em suas gaiolas, por isto os despoja das sandálias e as deixa morrer de sede nos desertos A poesia é maior que o poeta. Por isto os poetas se calam e têm vida tão curta. Por esta razão pensam que são indestrutíveis e se apegam aos oráculos da noite Maior do que o poeta, a poesia pensa que é Deus, pensa que nada a vencerá e mesmo cansada e desiludida, veste uma máscara de rainha e adormece na memória das chuvas

Nesta velha casa manchada de ausência, o vento é um mensageiro que nada diz Nas paredes, antigos retratos mostram homens e mulheres pensando no futuro, mas seus olhos pedem socorro aos que ficaram. Entenderiam os pósteros este olhar? As portas dos quartos guardam segredos invioláveis, promessas nunca cumpridas, anseios soterrados, acordes de bandolins em noites sufocadas Nesta velha casa manchada de ausências, mendigo o perdão das vilanias e percorro seus corredores, ungido pela contemplação de um tempo pretérito e suas mágoas

Musica Envelhecida

Elegia

Uma música envelhecida comanda a noite

Na noite lúcida os pássaros não são fantasmas encantados Na noite lúcida os campos se disfarçam de florestas e fenecem ao amanhecer Na noite lúcida lagunas se recompõem e vão festejar o oceano Na noite lúcida as palavras se metamorfoseiam e seguem fiéis aos apelos dos vencidos Na noite lúcida a palidez dos ventos é como argonautas afogados Na noite lúcida luminosos rostos se mostram às horas perdidas Na noite lúcida vagalumes viajam pelo tempo à procura das memórias da alma

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Momentos Nas tardes marmóreas os bandolins não se calam São vozes de inverno clamando pelo sol São vozes de crianças sonhando com passado São efêmeras muralhas cercando os homens e seus destinos São alongados desejos prisioneiros de suas loucuras Nas tardes marmóreas os bandolins não se calam mas sofrem exaustos as lembranças reinventadas

Não vem dos telhados nem das íngremes ladeiras nem nasce dos ígneos desejos A música envelhecida é irmã da noite e trança seu manto das vozes do passado A música envelhecida traz consigo os ecos das frutas maturadas na madrugada e colhidos por fantasmas Uma música envelhecida comanda a noite e vai perder-se sem querer nas rotas do silêncio


MEMÓRIA

MEMÓRIAS DE MEUS TEMPOS NO O POVO Anníbal Bonavides

Em abril de 1935, quando cheguei a Fortaleza, transferido do Liceu Paraibano para o Liceu do Ceará, havia dois jornais chamados de combate de oposição na capital cearense. Eram O POVO, de Demócrito Rocha e UNITÁRIO, de Luís Brígido. Sendo eu estudante rebelde, intérprete de legítimas reivindicações da classe, tive de me haver, logo de saída, com a figura austera do dr. Otávio de Farias, diretor do estabelecimento. Fui suspenso por três dias, simplesmente por ter me apresentado, na sala de aula, desabotoado. O diretor não tolerava o mínimo desleixo na farda dos alunos. Houve protestos e gestões junto ao dr. Otávio para que relaxasse a medida, sem qualquer resultado. Nesse tempo, o Liceu funcionava no mesmo lugar onde se ergue atualmente o prédio da Secretaria de Polícia e Segurança Pública. Para desabafar, recorri a UNITÁRIO, cuja redação localizava-se na rua Barão do Rio Branco, a dois quarteirões da Praça do Ferreira. Foi lá, na agitada redação do órgão fundado por João Brígido, que conheci Rui Facó, Marcos Botelho, Américo Barreira e outros líderes da juventude alencarina de então. Acolheram-me bem, ouviram com atenção a denúncia que tinha para fazer. Rui Facó, o Secretário, simplificou as coisas: - Olha, meu caro, senta ali junto àquela mesa e baixa o pau no Otávio, que ele está a merecer. Escrevi a seguir, como FOCA, a primeira catilinária de minha vida como jornalista. Afirmei que o diretor do Liceu exorbitara de suas funções, cometendo injustiça. Devidamente assinada, a denúncia obteve repercussão, enquanto permanecemos na expectativa de nova punição. Mas o diretor fez ouvidos de mercador ao meu protesto ou teve receio de espicaçar a virulência verbal de Luís Brígido que, a esta altura, já estava querendo comprar a briga. Em 1938, engajei-me a UNITÁRIO com armas e bagagens. O jornal funcionava nos baixos de um velho edifício situado na Praça José de Alencar. Luís Brígido conferiu-me responsabilidade, sucessivamente, de repórter, revisor, redator e, finalmente, de secretário. Rui Facó já estava militando na imprensa da Bahia. Mais tarde, quando o histórico vespertino foi vendido aos Diários Associados,

Luís Brígido impôs uma condição para que a transação se consumasse em cartório – a de que eu continuasse no quadro profissional. E foi assim que pude permanecer nas fileiras de UNITÁRIO em sua nova fase “associada”, já agora um jornal menos combativo e mais promocional e sensacionalista. Virei cronista esportivo, com o pseudônimo de Jack Tunney. Um belo dia, decidi mudar a temática da coluna assinada que sustentava no jornal, transformando-a numa trincheira de luta contra o nazismo. Vivíamos os dias tumultuosos da Segunda Guerra Mundial. Durante mais de um ano, a tônica do meu rodapé foi a defesa das liberdades fundamentais do homem. A direção do jornal tolerava o meu comportamento político embora demonstrasse que me preferia como cronista esportivo. A situação foi se tornando insustentável até que a direção do matutino adotou uma decisão, dando-me o bilhete azul. Em disponibilidade jornalística, continuei lutando contra o nazismo no plano das liças estudantis, uma vez que cursava a Faculdade de Direito, escola superior que erguia bem alto, no Ceará, a bandeira da redemocratização do País, pois vivíamos em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas. Demócrito Rocha ainda era vivo. Ele e Paulo Sarasate mantinham posição destacada na grande batalha da liberdade em nossa terra. De ambos recebi convite para comparecer à redação do O POVO. Mal os havia cumprimentado, Sarasate interpelou-me: - Você quer ser secretário do O POVO? No dia seguinte já o meu nome constava do expediente do jornal. Passei a firmar coluna na última página. Asseguraram-me ampla liberdade na abordagem de problemas sociais e na formulação de críticas. A bem da verdade, devo registrar que tal compromisso foi rigorosamente cumprido. Pude, assim, fazer da coluna assinada, um aríete na luta geral que a humanidade sustentava contra a agressão que o hitlerismo desencadeara na Europa e que ameaçava alastrar-se por todos os continentes. Quem se der ao bom trabalho de pesquisar as coleções de nossos jornais poderá constatar o brilhante papel que O POVO desempenhou durante a guerra. A firme orienta-

ção do jornal confundia-se, como era natural, com a conduta desassombrada de seus diretores no tablado da resistência contra a ditadura. Tratava-se de uma luta centralizada em dois segmentos principais: contra a barbárie nazista e sua ativa quinta-coluna, de um lado; e pela redemocratização do País, por uma Assembleia Nacional Constituinte e pala anistia geral e irrestrita, por outro. Recordo a personalidade singular de Demócrito à frente da reação, a mão direita espalmada para o alto, a condenar, em oração inflamada, o covarde torpedeamento de navios brasileiros por submarinos nazistas. A voz do grande jornalista e poeta já não apresentava o conhecido timbre de pretéritas jornadas, mas emitia um cunho profundamente humano e patriótico. Seu protesto refletia a indignação da massa popular que desfilava em passeatas pelas ruas centrais da cidade. Na ocasião, ninguém podia conter a avalanche represada pelo Estado Novo. Tanto assim é que, após o discurso de Demócrito, foi o que se viu, o que a história guarda em seus anais. No mesmo dia, na mesma hora, explosões semelhantes sacudiram todo o País. Outra recordação, esta de tristeza, é a que conservo da morte de Demócrito, do seu sepultamento no cemitério de São João Batista. Foi numa manhã de sol aberto. Corria um vento leve, quase sussurrante, por entre as sepulturas do campo santo, agitando as copas de velhas árvores da alameda central. No instante do primeiro baque soturno, olhei pela última vez para o negro esquife de Demócrito que havia baixado, e fui tocado por um fio de reminiscências que ultrapassava minha própria experiência vivida. Pude rever, espiritualmente, no cenário do cemitério, grandes vultos da história cearense, gigantes do seu tempo, heróis do povo, precursores dos adventos, batalhadores da causa da democracia, poetas, sonhadores, jornalistas, escritores boêmios de envergadura moral e filosófica, tribunos, professores, todos os que foram progressistas em relação à época em que viveram com honra e dignidade e que sobretudo souberam ser fieis ao seu povo, à sua Pátria e à causa da liberdade real. Demócrito Rocha, que acabava de baixar ás entranhas da terra-mãe, soubera viver, defendera a liberoutubro/novembro/dezembro de 2014 |

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dade, condenara as tiranias, travara em seu jornal o bom combate da vida. E era por isto que eu via, como se fosse numa bendita alucinação dos sentidos as figuras históricas de Bárbara de Alencar e de seus companheiros da Confederação do Equador; via João Cordeiro defendendo os escravos; Elvira Pinho, a velhinha heroica, à frente de uma passeata de mulheres pelas ruas de Fortaleza; João Brígido, na sua banca de panfletário virulento; o cangaceiro Jesuíno brilhante distribuindo o pão com os flagelados na seca de 77, e até os taumaturgos, eu vi, os taumaturgos da caatinga ardente, com Antônio Conselheiro à vanguarda, na marcha apocalíptica das massas camponesas, clamando por uma redenção qualquer, nos sertões de Euclides da Cunha. E, por fim, vi Delmiro Gouveia, natural de Ipu, cujo exemplo de bravura, na resistência ao truste estrangeiro, ilumina o caminho de todos os patriotas da atualidade. Sarasate havia jurado, à beira do túmulo, continuar sempre na mesma linha traçada pelo líder desaparecido. Um jornal para as multidões. No dia seguinte à viagem de Sarasate para o Rio, onde demoraria algumas semanas, assumi a direção. Senti o gosto de preparar aquelas manchetes quase retumbantes que enchiam as vistas dos leitores na Praça do Ferreira, nos lares da cidade, nos trens e ônibus de passageiros, por todo o interior do Estado. Os alemães, apavorados, batiam em retirada. Mordendo o pó da derrota nas estepes da União Soviética, iam entregando de volta, uma a uma, as cidades que haviam ocupado e praticamente destruído. As manchetes iam se tornando fáceis em sua formulação: bastava escrever a palavra CAIU e acrescentar o nome da cidade. Caiu Karkov. Caiu Varsóvia. E, finalmente, em maio de 1945, o mundo exultava, pois era a própria casamata do gênio do mal, quartel-general do nazismo, que também se rendia diante dos exércitos aliados. A redação e as oficinas, sob o comando de Paulo Sarasate, pareciam uma colmeia de abelhas produtivas que se agitavam para dentro e para fora do jornal, no afã quotidiano. Mencionarei nomes de companheiros daqueles tempos, mas o faço com receio de possíveis omissões. Abelardo Francisco Montenegro era um deles, o principal noticiarista, espécie de oráculo dentro do jornal, para as questões teóricas mais controvertidas. João Jacques, irmão de Sarasate, rivalizava com Caio Cid, cada qual mais cronista e mais apreciado. J. C. Alencar Araripe, atual diretor do O POVO, chefiava a Revisão, fazia uma ponte entre a Redação e as Oficinas, exercendo o papel de vigilante que nada deixava escapar no campo dos deslizes gramaticais. José Raimundo Costa já

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pontificava como gerente, acumulando tais funções com as de cronista esportivo, apaixonado pelo Fortaleza F. C. Oscar Pacheco Passos engatinhava como repórter policial, para depois transformar-se no cronista político mais lido da cidade. Meus irmãos Paulo e Aloísio Bonavides exerciam a redação de forma promissora. Entre os colaboradores, lembro-me bem de Jader de Carvalho, com as suas produções de sabor romanesco e sociológico; dr. Fernandes Távora, pai de Virgílio, estilista da língua portuguesa; Ubatuba de Miranda, grande e saudoso amigo, cuja memória reverencio, um dos melhores cronistas do O POVO, em toda a sua história, o velho Ubatuba, saudosista, oposicionista sistemático, estudioso de nossas tradições, homem de bem. Que os omitidos me perdoem, de onde estão agora, os lapsos de memória de um ex-colega de profissão. Outras figuras daquela época, embora sem serem colaboradores ou profissionais, transitavam constantemente na Redação. Eram os amigos da casa, tais como monsenhor Quinderé, o Capitão Edynaldo Weyne, Daniel Carneiro Job. E as Oficinas? Que dizer das Oficinas do O POVO nos anos da Segunda Guerra Mundial? Eis aí um capítulo à parte. Tratava-se de um conjunto de operários esclarecidos, de gráficos intelectuais. Eles influíam, direta ou indiretamente, na feitura do jornal. Davam palpites e sugestões os mais pertinentes à matéria. Faziam críticas, faziam sobretudo muito barulho quando entendiam que algo estava errado e a merecer urgentes reparos. O verdadeiro líder dessa colmeia de gráficos era Antônio Louro, um tipógrafo de mão cheia, consciente paginador do jornal. Outro vulto inconfundível foi o linotipista negro Domingos Gusmão de Lima, um dos maiores tribunos que abalaram a acústica do teatro José de Alencar bem como os espaços das principais praças republicanas e abolicionistas do Ceará, a do Ferreira e a de José de Alencar. Ah! se Domingos Gusmão ainda pudesse, nos dias de hoje, clamar bem alto pela convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Havia outros, nas oficinas, que não eram líderes nem tribunos, mas que guardavam uma postura de classe tão digna quanto a de seus comandantes. Quero referir-me a Casuquer, Piloto, Otávio Josino e Mário Josino. Este Mário Josino foi um dos melhores linotipistas da imprensa cearense. Juntamente com Mário Josino, Domingos Gusmão e o poeta Aluísio Medeiros - poeta de gênio e dimensões telúricas – editamos em Fortaleza, nos idos de 1944, a revista ITINERÁRIO, a qual acreditamos ter ficado na história da cultura alencarina, tal o nível de suas colaborações literárias e políticas. Todos os números de ITINERÁRIO foram confeccionados nas oficinas do O POVO. Desejo re-

gistrar, aqui, a contribuição decisiva de Paulo Sarasate para que pudéssemos àquele tempo e com tantas dificuldades editar um órgão a serviço da cultura e da democracia. Além de propiciar concretas condições materiais e técnicas para que ITINERÁRIO circulasse, a direção do O POVO emprestou franco apoio a todas as campanhas realizadas no Ceará em favor de uma maior participação do Brasil na guerra contra o nazismo. Os núcleos irradiadores do movimento democrático foram o Centro Acadêmico Clóvis Bevilaqua, da Faculdade de Direito, promotor da Semana Antinazista e um dos mais ativos organizadores da campanha das pirâmides de metal; a Liga de Defesa Nacional, a Sociedade dos Amigos da América, as lojas maçônicas de Fortaleza e alguns sindicatos operários, Gráficos, Motoristas e Metalúrgicos. Nas primeiras semanas de 1945, a vitória dos aliados sobre as hordas hitleristas foi se definindo cada vez mais. Nos horizontes do Brasil delineava-se também, sempre mais próximo, o advento da redemocratização. Surgiram, no piche dos muros e em pronunciamentos ainda clandestinos, como o chamado Manifesto Mineiro, as palavras de ordem da Assembleia Nacional Constituinte e da Anistia, geral e irrestrita. Por outro lado, no quadro político, as posições ideológicas, como se fossem fruto do próprio amadurecimento da situação iam se tornando imperativas. Na gama da frente única nacional e democrática, as reivindicações primordiais do povo brasileiro, no esforço de guerra e no apoio à Força Expedicionária que lutava nos campos da Itália, viam diferentes correntes de opinião e diversas perspectivas. A nova situação impunha, portanto, as necessárias definições ideológicas e políticas. Pela primeira vez, em nossa história, estávamos desembocando num estuário tão grandioso de vida democrática, como se fosse o encontro das águas da imensidão da Amazônia, cantado na poesia épica de Quintino Cunha. Todos os partidos políticos, representativos de todas as tendências existentes na sociedade brasileira, arregimentavam-se para a conquista de sua legalidade e a livre participação no processo democrático. Todos os jornais abriam suas colunas ao debate. Estava à vista um novo Congresso Nacional, passaríamos antes pelo caminho construtivo de uma Quarta Assembleia Constituinte. A soberania popular selaria o seu triunfo sobre a outorga daquilo que a Nação inteira batizara de “Polaca”, ou seja, a espúria carta que o expert Francisco Campos engendrara e a ditadura nos impingira como sendo a lei máxima para todos os brasileiros. Nesse cenário de definições eu também me defini publicamente. Não iria esconder as minhas legítimas convicções filosóficas,


políticas e ideológicas. Não iria fantasiar-me com as vestes da hipocrisia, do disfarce, do oportunismo. Sempre eu pudera trabalhar na redação do O POVO, fiel aos meus princípios essenciais, mantendo a linha de dignidade que todo ser humano deve preservar para que possa dormir de consciência tranquila. O POVO tinha uma diretriz política que representava um denominador comum para todas as forças democráticas nacionais, interessadas na derrota do nazismo e na redemocratização do País. Mas a partir de abril de 1945, as coisas iam mudar de figura, as cartas seriam lançadas na mesa, as tomadas de posição tornar-se-iam inelutáveis sob pena de tartufismo. O jornal O POVO passaria a defender os postulados da UDN e eu, de sã consciência, não concordava em gênero, número e grau com

a estratégia, as táticas e a temática social e econômica do nascente movimento brigadeirista. Outros postulados, diferentes daqueles da UDN eram colocados no tablado da política brasileira. Incluíam a reforma agrária e a denúncia aberta e firme disto que, hoje em dia, todo o mundo convencionou chamar de “multinacionais”, ou seja, os monopólios, trustes, carteis e holdings internacionais, sequiosas empresas estrangeiras que se alimentam do lucro máximo e do saque dos países em desenvolvimento. Procurei o Dr. Paulo, apresentei o problema sem tergiversações. Não poderia continuar emprestando minha colaboração ao seu jornal. Não havia propriamente incompatibilidade fundamental, porém, havia, sem dúvida, uma questão de consciência e até de ética profissional.

Paulo Sarasate comoveu-se, entendeu a minha situação, mas enfrentou com realismo a devolução do cargo de secretário que lhe fiz, com simplicidade e tristeza. Ele ainda lamentou que eu não pudesse permanecer. Quis encontrar uma solução nitidamente profissional. Fiz-lhe ver, com sinceridade, que uma tal acomodação, mais cedo ou mais tarde, seria posta em cheque, ao embate dos conflitos de opinião e de nossas futuras atitudes, face aos problemas sociais, econômicos e políticos, no que ele concordou. E foi assim que deixei, com muita saudade, a banca de jornalista profissional na redação do O POVO. Dali, parti para dirigir, um ano depois, o jornal popular O DEMOCRATA, órgão que durante onze anos encheu de vida e esperança o ambiente político e cultural de nossa terra. g

UM JORNALISTA INTEMERATO E INTIMORATO Equipe GENIUS ANNÍBAL FERNANDES BONAVIDES, filho de Fenelon Bonavides e Hermínia Fernandes Bonavides (Minu), nasceu em Patos, neste Estado, onde fez os estudos primários e residiu até a adolescência. Frequentou o Liceu Paraibano, onde deu prosseguimento aos seus estudos. Em 1935, com a transferência de sua família para Fortaleza, matriculou-se no Liceu do Ceará, ingressando, posteriormente na Faculdade de Direito daquela Capital, por onde se bacharelou. Logo cedo ingressou no jornalismo, aliando-se às correntes que pelejavam por transformações na vida política nacional, sobretudo pela libertação do País, acorrentado aos grilhões da ditadura Vargas. Trabalhou nos jornais UNITÁRIO e O POVO, terminando por fundar sua própria folha, O DEMOCRATA, que marcou uma nobre e vibrante fase do jornalismo alencarino. Foi, também, correspondente dos jornais NOVOS RUMOS e VOZ OPERÁRIA, além de fundador e diretor de uma revista cultural intitulada ITINERÁRIO. Anníbal Bonavides foi o único jornalista brasileiro a ter um artigo seu publicado no célebre jornal bochevique PRAVDA , de Moscou, edição de 7 de setembro de 1963. Sentindo que a tribuna jornalística era pequena para pregação de suas ideias, lançou-se em busca da tribuna parlamen-

tar, obtendo um mandato de deputado à Assembléia Legislativa do Ceará, onde o foi encontrar o movimento militar de 1964, que lhe cassou o diploma, perseguiu-o e o prendeu, logrando, contudo, libertar-se por meio de um habeas-corpus impetrado em seu favor. Em toda a sua vida profissional, quer como jornalista, quer como advogado, Anníbal Bonavides jamais se permitiu desviar daquela linha que traçou como diretriz de sua reta conduta, sempre preso aos compromissos éticos, de justiça, de dignidade, de correção, de coerência, de pureza, linha essa seguida, com coragem, com altivez, com destemor, o que o torna merecedor dos epítetos aqui lançados em epígrafe: um jornalista intemerato e intimorato. O trabalho que GENIUS publica foi por ele elaborado dentro das comemorações dos cinquenta anos do jornal O POVO, tradicional matutino cearense, onde ele trabalhou, sob a direção de Paulo Sarasate, uma figura luminar da política alencarina. Algumas situações nele referidas podem se manifestar desatuais, pois, afinal, o texto data de 1978, mas, em suas linhas principais, contém um relato preciso de uma fase histórica da imprensa cearense e um pouco da vida daquele grande paraibano que, lá fora, ergeu-se como um dos grandes nomes do periodismo brasileiro.

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NOS CAMINHOS DA CHINA (Continuação da página 2) com uma sensação de que estamos vivendo aquele tempo, ora como imperatriz, ora como súdito, ora sentindo as dificuldades, os medos, as responsabilidades com o poder ou não. Os risos que chegam ou os choros que imaginamos. Procuramos um cantinho nas portas de um dos salões cheias de turistas, querendo visualizar os tronos e peças belíssimas, e outras várias relíquias desse período imperial que durou até o ano de 1912. É considerado o maior Palácio do mundo, com 9.999 cômodos. Sua construção se deu de 1406 a 1420. TEMPLO DO CÉU Importante também é conhecer o Templo do Céu, onde na época o Imperador rogava por boas colheitas. Formado por um conjunto de edificações, foi construído em 1420 na dinastia Ming (1368-1644). Considerada pela UNESCO desde 1998 patrimônio Histórico da Humanidade. Na realidade, é um complexo de templos taoístas, o maior do seu gênero da China. Ao norte fica a sala da Oração pelas boas colheitas e ao sul, o Altar Circular e a Abóboda Imperial Celestial. Todo o conjunto é rodeado de uma muralha interior e outra exterior, uma simbolizando a terra e a outra o Céu MERCADO DA SEDA O Mercado da Seda é a atração de muitos estrangeiros, tem lojas boas e em algumas delas encontramos produtos falsificados com tanta perfeição que se torna difícil distinguir dos produtos originais.

Ao fundo, a grandiosa Muralha da China

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Templo do Céu

Casulos do bicho da seda

O Mercado da Seda se situa na Avenida Dong Chamg´na e atrai a muitos pelos seus produtos de seda. Encontramos todo tipo de lojas, de sapatos a roupas, joias, bolsas, lençóis, colchas, leques, espelhos, eletrônicos e outros. O mais interessante é o pechinchar, que é comum na China. Com isso o preço pode baixar conside-

ravelmente, pois, quando se desiste, os vendedores vêm correndo atrás, e aceitam seu preço. Nas ruas encontramos também lojas de grifes famosas e boas. Um outro ponto que chama a atenção é o que leva ao ateliê da seda, propriamente dito. A maneira como se processa a seda é bem mais complexa do que se imagina. Os chineses fabricam a seda, aliás foram os pioneiros nessa arte, através dos casulos dos bichos da seda. Visitamos um desses locais que são impactantes, o cultivo começando com a coleta de ovos do inseto adulto. Depois de levados para incubadeiras especiais passam ao estado de larva, trocam de pele quatro vezes e começam a tecer o casulo e daí são transportados para um lugar todo especial. Quando prontos, os casulos vão para estufas, onde as lagartas morrem e secam ou chegam preservadas para completar a metamorfose. Secos, esses casulos são lavados em bacias com água quente e com escovas especiais são esfregados. Um único fio de seda que é o que contém cada casulo, mede 900 metros e um quilo é equivalente a 6 mil casulos aproximadamente. Ficamos sabendo como conhecer se a seda é legítima. Com um isqueiro em mãos eles encostam no tecido queimando, se a seda for legítima o fogo não queima e sai uma fumaça branca, o contrário acontece se a seda for falsificada, a fumaça é escura. Continuamos nossa visita passando para as salas onde são vendidos diversos produtos em seda. Vimos roupas prontas, a exemplo de quimonos, blusas, robes e outros tipos de roupas, bem características deles, também, écharpes, lenços, almofadas, As peças de tecido quase não vimos, com ex-


ceção para colchas, edredons e lençóis de bonitas sedas, tão macios ao ponto de provocar sua compra. Apreciamos no local quadros lindos, bordados com linhas de sedas coloridas, uma maravilha. A GRANDE MURALHA DA CHINA Chegamos à Muralha da China. São muros construídos com grandes pedras somando milhares de quilômetros de extensão e 7 metros de altura em suas paredes, cuja finalidade era a de conter as invasões por outros povos. O impressionante é que essa muralha começou a ser erguida por volta de 220 a.C. na Dinastia do Imperador Chinês Qun Shihuang tendo a continuidade dessas muralhas por várias dinastias, levando dois milênios para seu término. Hoje ela é um símbolo para a China e um dos mais importante pontos turísticos. Só em olhar de longe já percebemos sua imponência e grandeza, comprovando a força de um povo e sua cultura milenar. Pode-se pegar o teleférico fazendo um passeio histórico. Não o fizemos por estar em manutenção na época. A Muralha da China é uma das 7 maravilhas do mundo e que maravilha! CASA DE CHÁ Não podemos dispensar a visita a uma casa de chá. Vale a pena conhecê-la. Tem todo um ritual que no ocidente desconhecemos. Foi apreciado por todos do grupo. Uma chinesa com traços finos e delgada explicava com voz pausada e muito convencimento o benefício do chá e o desenvolvimento de todo o ritual, o que o torna mais apreciável. O ritual do chá na China implica não só na parte social de beber o chá, mas também, sentir o seu sabor, a cor, a fragrância, conhecer os chás mais fracos e os mais fortes. Existem sabores variados, o de frutas é maravilhoso, o chá verde, o chá de flores e outros. Na preparação foi utilizada uma bandeja de madeira com estrado por cima, para receber a água que cai do bule e que serve para aquecer os potes e tigelinhas, essas, azuis, pequenas, decoradas com motivo chinês, uma graça. Terminando de servir um sabor de chá, a apresentadora passava a preparar um outro, todos de sabores e cheiros maravilhosos. A sala muito bem decorada, com banquinhos em torno da mesa. Tem-se, querendo, a oportunidade de conhecer ou fazer compras de chás e utensílios apropriados, no próprio recinto. CASA DE JOIAS E PEÇAS EM CERÂMICAS O passeio por esse recinto específico em jóias e peças em cerâmicas vale a pena ser feito, seja para comprar e até mesmo

O passeio por esse recinto específico em jóias e peças em cerâmicas vale a pena ser feito, seja para comprar e até mesmo só para conhecê-lo. O lugar é muito bom, seletivo, calmo com bom atendimento e toaletes boas.

Aspecto da decoração de uma Casa de Chá

Mesa de preparação de chás

só para conhecê-lo. O lugar é muito bom, seletivo, calmo com bom atendimento e boas toaletes. ATELIÊ CLOISONNÉ Um passeio que encanta os olhos é ao Ateliê Cloisonné, onde temos a oportunidade de apreciar os trabalhos feitos à mão,

pura arte em peças belíssimas. O Cloisonné é uma técnica em que é feito o desenho em tiras de metal e após colagem na peça é preenchido por esmalte vitrificado. PALÁCIO DE VERÃO Construído pelo imperador Quialong em homenagem a sua mãe, numa região de outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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montanhas e que continha água no ano de 1750. Depois de 15 anos, em 1764, o jardim Qingyiyuan foi concluído. Porém, em 1860, os invasores das tropas anglo-francesas o destruíram, e em 1888, quando a imperatriz mãe tomou o poder, começou a reconstrução e passou a se denominar Palácio de Verão. Muito agradável conhecer e andar em volta desse Palácio. Pela sua imensidão, a impressão que se tem é a de que a Imperatriz passava meses sem passear em muitos dos arredores do Palácio. O lago existente que, dizem, foi ampliado, tem água poluída, parecendo mal cuidado. Porém, compensa conhecê-lo e transformá-lo em sonho. O NINHO DE PÁSSARO Bonito Estádio, em forma de ninho de pássaros, onde se observa uma arquitetura leve e bem estudada. De longe, parece um entrelaçado de fitas, no meu entendimento, as fitas da união olímpica e do desafio dos esportistas. O local recebeu poucos eventos. E segundo dizem existe o temor de virar um “elefante branco”. O Estádio tem capacidade para 80 mil pessoas. CULINÁRIA CHINESA A comida chinesa é muito boa, o pato laqueado é um dos pratos mais sofisticados e bons. O café da manhã tem de tudo que se imaginar, até feijão doce e no almoço e jantar os pratos são mais leves. BAIRRO ANTIGO DE PEQUIM Tivemos incluído no nosso programa uma visita ao bairro mais antigo de Pequim. Curiosamente percebe-se a influência das famílias na cultura daquele povo. Chegamos até lá de triciclo, um passeio muito divertido por aquelas ruas, o condutor, um chinês alegre e muito risonho, dava rodadas e risadas que animava a qualquer sisudo ou de pouco entusiasmo. Andamos por corredores estreitos de casas mal pintadas e fomos até a um pequeno pátio, onde visitamos a casa de uma família, casa dos pais, filhos, tios e avós. No pátio, fomos recebidos por um senhor de uns 60 anos que nos falou sobre essa cultura antiga. Um lindo caramanchão enfeitava parreiras e trepadeiras que eram misturadas com flores e lanternas de cor vermelha com detalhes em dourado o que proporcionava, fora a sombra, um agradável ambiente de integração. Sentamos nos tamboretes, apreciamos as plantas, as casas pequenas ao seu redor e ali íamos imaginando. Chapéus chineses pendurados nas janelas, um coelho branquinho

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O Ninho de pássaro

Jardim de uma casa típica do antigo bairro chinês

com orelhinhas bem pretas, preso em uma gaiola, certamente para não devorar as plantas. Numa sala preparada estava ali a casa dos noivos, para quem quisesse tirar fotos, tudo uma graça. DE PEQUIM A XIAN Xi´an já foi a capital da China no decorrer de várias dinastias. Tem história de mais de 3.100 anos e era conhecida como Chang´an até a dinastia Ming. É considerada evoluída nas áreas da educação, pesquisas e desenvolvimento de segurança nacional e programa de exploração espacial. Visitamos as esculturas do exército de terracota, Guerreiros de Xi´an, cenário que é de paralisar os músculos e a respiração. São esculturas do século III a.C. e só foram descobertas em 1974, por agricultores locais. Portanto a data registra de 210

a 209 a.C. é uma espécie de arte funerária enterrada com o imperador Qin Shihuang, com a finalidade de protegê-lo em sua vida após a morte. Estes guerreiros variam em altura de acordo com as suas funções. Estima-se que nos três poços onde fica o Exército de Terracota, existiam 8 mil soldados, 130 carruagens com 520 cavalos e 150 cavalos de cavalaria, a maioria ainda enterrados nas covas perto do Mausoléu do Qin Shihuang. Foram desenterradas outras com perfis de funcionários, acrobatas e músicos. Olhar para esses guerreiros é como vê-los em vida, suas expressões são perfeitas e fica a dúvida, será que são cópias ou formas de cada um desses guerreiros em vida. Xi´an tem uma população de 8. 07 milhões, sendo a população um pouco maior de homens do que de mulher. Tem Xi´an uma fortificação, que é uma


muralha construída no século IV por Zhu Yuanzhang, imperador considerado o primeiro imperador da dinastia Ming. É um passeio que pode ser estendido para se conhecer e andar por dentro da muralha e representa um dos maiores sistemas antigos de defesa militar. ENTRANDO EM SHANGAI A cidade de Shangai, é fascinante, possui mais de 17 milhões de habitantes e 4000 arranha céus. Seu Aeroporto é tido como o 3º mais movimentado do país e considerado também um dos mais agitados e modernos da Ásia. É uma cidade portuária com referências de maior centro financeiro da China. A cidade tem sua beleza refletida pelas luzes em todos os cantos. É muito iluminada e bonita. Iniciamos com um tour na cidade e visita ao templo do Buda de Jade, não deixando antes de entender um pouco da escrita chinesa. A oportunidade de vivenciar os caracteres da escrita chinesa foi única e interessante. O guia que nos acompanhou em Shangai nos orientou quanto a isso e cada um do grupo exercitou a escrita, seguindo as suas explicações. Papel, pincel e tinta foi o que utilizamos. Verdadeiras artes da escrita reproduzimos. O TEMPLO DO BUDA DE JADE O Templo de Buda é impressionante, a entrada do templo já se mostra especial. Um grande monumento, em frente, serve para os pedidos e orações, as pessoas acendem feixes ou velas e ficam postas a orar. O templo consta de 1882, e é considerado um local sagrado. As duas estátuas de Buda esculpidas em jade branco são abrigadas nesse templo, construído com esse objetivo de protegê-las. O Buda principal de Jade incrustado de pedras que fica sentado em uma sala no 2º andar, esse não se pode fotografar. Vemos na câmara do Buda de Jade, o Grande Buda Reclinado, uma estatua magnífica de cor branca, representando o Buda na entrada do Nirvana. O templo abriga cerca de 100 monges. Seguindo para os jardins Yu Yuan, passamos pela cidade velha, conhecida também pelo BazarYu Yuan, um labirinto com várias casas, que servem de lojas e onde encontramos variados souvenirs, tudo muito interessante. JARDIM DE YU YUAN Destaque do Jardim: dragões com quatro patas, para não causar fúria ao Im-

Guerreiros de Terracota

Lição de escrita chinesa

Entrada do Templo do Buda de Jade

perador, já que os dragões imperiais tem características de cinco patas. O jardim tem várias áreas, todas muito bonitas, com lindos lagos cheios de carpas coloridas. Sua construção data de 1559, sob a dinastia Ming, ordenada pelo governador de Shangai Pan Yudan, para presentear o seu pai.

RUA NANJING A expectativa é andar pela avenida Nanjing, a mais comercial do mundo. É uma área de muito movimento e grande trânsito, com vários centros comerciais de luxo, onde encontramos as melhores marcas. Um pouco mais adiante estão os restaurantes e cafés. outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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RIO HUANGPU Um dos grandes passeios de Shangai é o realizado no rio Huangpu. O rio mede 400 metros de largura e 9 de profundidade média. Grande parte dessa água abastece a cidade de Shangai, tornando-o ainda mais importante. O passeio de barco à noite torna-se inesquecível, pela imensidão de luzes iluminando os diversos prédios ao longo do rio, algo assim extraordinário. A imagem que descrevemos é de que cada prédio daquele empenha-se da melhor forma para prestigiar a cidade e impressionar os turistas, o que na verdade consegue. São quadros vivos de arte contemporânea com coloridos colossais, o que não cansa a nossa vista e ainda tem o efeito de amaciar a nossa alma e dar mais luz a nosso olhar. HONG KONG Hong Kong nos surpreende pela grande metrópole cosmopolita que é, com 7 milhões de habitantes, diferenciando-se do restante da China, por ter sido seu território de 1898 até 1997, administrado pelo Reino Unido. Toda a área foi retornada em 1997 para China, tornando-se uma região administrativa especial. Conhecida como o lugar onde o “Oriente encontra o Ocidente.” Recebe pouca intervenção do Governo central, sua economia é de livre mercado e os impostos são baixos, Tem um custo de vida alto e é considerada como o principal centro comercial da China. O regime que prepondera é o capitalista, com o dólar Hong Kong. E os carros seguem o padrão do Reino Unido em relação a direção, contrária à dos nossos carros. A sua Constituição determina que Hong Kong tenha “auto grau de autonomia em todas as esferas, exceto nas relações exteriores e na defesa militar”. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e da organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que Hong Kong, a expectativa de vida é a segunda maior do planeta. A maioria da população, assim como em toda a China, é adepta da filosofia religiosa do Taoísmo, desenvolvido por Lao-tse (séc. VI a.C.) e Tchuang-tseu (séc. IV a.C.) ou a Budista, fundada por Siddhartha Gautama, o Buda (Asia Central) e uma outra linha filosófica religosa Confucionista, fundada por Confúcio (Kung Fu-tze) filosofo chinês, (551- 479 a.C).Apesar dessas três linhas religiosas dominantes na China, constata-se a diversidade de religião. Registram-se dados de que existem 4.600 igrejas ca-

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Dragão do Jardim Yu Yuan

Rua Nanjing, de grande comércio

Visão noturna de Shangai, pelo rio Huangpu

tólicas na China e mais de 12.000 igrejas protestantes no país. A visão panorâmica de Hong Kong é fascinante, avistando-se muitos prédios, numa paisagem sem fim, o que é posssibilitado do Victoria Park, um passeio muito interessante, com uma subida de 550 metros de altura. Encontram-se, lá, bons cafés restaurantes, lojas, souvenir e boas toilets.

REPULSE BAY O Repulse Bay, é muito bonito, e vale a pena conhecê-lo e ficar admirando-o, repousando a mente e absorvendo muito daquela cultura estampada no tempo e espaço. Muitos souvenirs, como sombrinhas de rendas, transparecendo os passeios de moças e meninas românticas, paninhos bordados que parecem de papéis bem finos, brinquedos e muito mais. O bonito no


entanto é a linda praia que aparece e o jardim temático religioso, bem colorido, com divindades e figuras lendárias. ABERDEEN HARBOUR Passamos para o passeio na Baia de Aberdeen, Harbour, onde vemos as embarcações de luxo e os barcos tradicionais de pescadores, que ali mesmo vivem. Pequenos barcos são disponibilizados para os passeios de turistas pela Baía. Esses barcos parecem rir pra

Jardim de Repulse Bay

todos, são aconchegantes, cobertos e decorados com lindas lanternas chinesas, chapéus de sol, flores coloridas de papel, bandeirinhas multicores, um tambor de água, cesta com souvenirs, chaleira de cozinha, panelas e outros mais. O passeio é bom, possibilita fotos bem reais da Baía e vale a pena fazê-lo. Para finalizar o nosso passeio na China e especificamente em Hong Kong, fomos ao passeio em outro estilo de barco, à noite, onde presenciamos as luzes projetadas

com raios entre os arranha-céus de Hong Kong, Todos os prédios ficam iluminados e isso é proporcionado às vinte horas todos os dias, numa visão estonteante. Este último dia de passeio, terminou com um bom jantar no próprio barco, com excelente banda e cantores que animavam a todo instante e instrumentos que clamavam por nossos pés na pista e incendiavam os nossos corações de alegria. Bela festa com todos dançando. g

Festa de confraternização, para marcar o encerramento de passeio

Vista panorâmica de Hong Kong, do alto do Victoria Park

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DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA

SEGUNDA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO, DE 20 DE JULHO DE 1892(*) CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAHYBA DO NORTE Nós, os representantes immediatos do povo parahybano, aqui reunidos em congresso ordinario com atribuições constituintes, consultando os princípios de justiça, utilidade pública e interesse do nosso povo, em nome de Deus decretamos a sua Constituição de Estado autonomo, federativo da República Brazileira. TÍTULO I DO ESTADO Art. 1º - A Parahyba do Norte, com seus antigos e conhecidos limites, fazendo parte integrante da República Federativa dos Estados Unidos do Brazil, constitue-se em Estado autonomo, com a denominação de Estado da Parahyba do Norte, nos termos da Constituição Federal da União Brazileira. Art. 2º - O seu governo é o republicano, constitucional, representativo, exercitado por tres poderes independentes e harmonicos entre si — o legislativo, o executivo e o poder judiciário. Art. 3º - Os tres poderes constitucionaes de que faz menção o art. 2º são delegações da soberania popular. TÍTULO II CAPÍTULO I DO PODER LEGISLATIVO Art. 4º - O poder legislativo, emanado immediatamente da soberania popular, compõe-se de uma assembléa legislativa de deputados com a sanção do presidente do Estado. Art. 5º - As reuniões da assembléa terão logar todos os annos na capital do Estado em dia marcando pela mesma assembléa em sua primeira reunião annua. Art. 6º - Cada legislatura durará quatro annos e cada sessão annuadousmezes, contados do dia de sua installação. Art. 7º - As sessões da assembléa poderão ser prorogadas, adiadas e convocadas extraordinariamente. Art. 8º - Tem competencia para exercitar a attribuição do artigo antecedente o presidente do Estado, a mesma assembléa, e o presidente desta, no caso de convocação extraordinaria. §1º - O adiamento da sessão, antes de reunida a assembléa, somente será decretado depois de ouvida a mesa desta, seguindo-se o seu parecer, vencido por maioria. §2º - Neste caso considerar-se-há mesa da assembléa o seu presidente e vice-presidente, o 1º e 2º secretarios. §3º - Installada a sessão legislativa, somente terá logar o adiamento, se, indicado pelo presidente do Estado, for approvado pela assembléa. §4º - Os adiamentos, prorogações e convocações extraordinarias, somente serão realisados quando o bem público e utilidade do Estado o reclamarem. §5º - A prorogação em caso algum poderá exceder de 30 dias. Art. 9º - As deliberações da assembléa serão tomadas por maioria absoluta de votos dos deputados presentes, salvo: 1º - Nas sessões preparatorias para verificação e reconhecimento de poderes. 2º - Na votação das leis não sanccionadas, quando precisa a votação de dous terços dos deputados presentes. Paragrapho único - As suas sessões serão públicas e secretas, quando ella assim o determinar por motivo de alta indignação popular.

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Art. 10º - O deputado, ao tomar assento, prestará juramento formal de bem cumprir os seus deveres, salvo se pertencer a seita que véde o juramento, caso em que tomará compromisso nos mesmo termos do juramento. Art. 11º - O deputado é inviolavel por suas palavras e votos no exercício de seu mandato. Art. 12º - O deputado, d´esde que for investido do mandato, até realisar-se nova eleição, não poderá ser preso nem processado criminalmente, sem previa licença da assembléa, salvo flagrante em crime inafiançavel. Neste caso, preparado o processo até pronuncia exclusive, será remettido a assembléa para resolver sobre a procedencia da accusação, se o accusado não preferir ser julgado immediatamente. Art. 13º - O deputado perceberá um subsídio e ajuda de custo, fixados pela assembléa, no fim de cada legislatura para a seguinte. §1º - Não é permittida a accumulação de subsídio e outro qualquer vencimento, caso em que poderá o deputado optar. §2º - Durante a sessão legislativa cessa o exercício de qualquer emprego publico. Art. 14º - O deputado, uma vez eleito, não pode acceitar emprego de qualquer natureza, emanado de nomeação do poder executivo, nem acceitar eleição de presidente ou vice-presidente do Estado, sob pena de perder o mandato neste último caso. Art. 15º - É permittida a renuncia do mandato. Art. 16º - O deputado eleito na vaga de outro, exercerá o mandato pelo tempo que falta para completar a legislatura. Art. 17º - São condições de eligibilidade à assembléa legislativa: 1º - Ser cidadão brazileiro nato, ou naturalisado desde dousannos, pelo menos, antes da eleição. 2º - Ser maior de vinte e um annos. 3º - Ser eleitor ou alistavel. 4º - Estar no goso de seus direitos políticos. Art. 18º - São inelegíveis: 1º - O presidente e vice-presidente do Estado; 2º - O commandante da força pública do Estado; 3º - Os magistrados, salvo os aposentados, os avulsos e disponiveis; 4º - Os cidadãos pronunciados em qualquer crime. CAPÍTULO II DAS ATRIBUIÇÕES DA ASSEMBLÉA LEGISLATIVA Art. 19º - Compete à assembléa legislativa: §1º - Verificar e reconhecer os poderes de seus membros; §2º - Eleger a mesa; §3º - Nomear os empregados de sua secretaria, marcando-lhes os vencimentos; §4º - Regular a sua polícia interna, promovendo as necessidades do seu serviço, inclusive a publicação dos debates e leis; §5º - Fazer lei sobre todos os assumptos de interesse do Estado, interpretal-as, suspendel-as, revogal-as e derrogal-as; §6º - Orçar e fixar a despezaannualmente; §7º - Decretar os impostos necessarios; §8º - Tomar as contas da receita e despeza de cada exercício financeiro; §9º - Regular a arrecadação e distribuição das rendas do Estado; §10º - Legislar sobre a dívida pública e estabelecer os meios para o seu pagamento; §11º - Crear e supprimir empregos, marcar-lhes os vencimentos e fixar-lhes as atribuições;


§12º - Auctorisar o governo e celebrar com os Estados e convenções, sem caracter político, submettendo-o à approvação da assembléa na sua primeira reunião; §13º - Determinar os casos e regular o processo de desapropriação por utilidade pública estadual e municipal; §14º - Auctorisar o governo a contrahir empréstimos e fazer quaesquer outras operações de credito que o bem do Estado exigir; §15º - Estabelecer a divisão administrativa e judiciaria do Estado; §16º - Tomar conhecimento dos actos do governo, sendo este obrigado a fornecer os esclarecimentos e informações que lhe forem exigidas; §17º - Regular o processo da eleição para os cargos públicos electivos do Estado; §18º - Velar pela fiel observancia da constituição e das leis; §19º - Legislar sobre terras e minas do dominio do Estado; §20º - Mudar a capital do Estado, quando a conveniencia pública o exigir; §21º - Legislar sobre o serviço do correio do Estado; §22º - Fixar annualmente o effectivo da força pública, regulando as condições e modo de sua organização; §23º - Auctorisar a acquisição e a venda dos bens do Estado; §24º - Commutar e perdoar as penas impostas aos funccionarios públicos por crime de responsabilidade e ao presidente do Estado por crimes comuns; §25º - Decretar as leis organicas para a execução completa da constituição; §26º - Julgar os membros do Superior Tribunal de Justiça, nos crimes de responsabilidade; §27º - Julgar o presidente do Estado nos crimes de responsabilidade e decretar a sua accusação nos crimes communs; §28º - Decretar, no caso de rebellião ou invasão de inimigo, a suspensão de algumas das formalidades que garantem o direito de liberdade individual dos cidadãos, em bem da segurança do Estado; §29º - Legislar sobre o ensino em todos os seus gráos; §30º - Prorogar e adiar suas sessões, quando o bem público o exigir; §31º - Annular as leis, actos e decisões dos conselhos municipaes que forem contrarios aos federaes, do Estado e dos outros municípios, dada, neste caso, a reclamação destes assignada, pelo menos, por cem municipes contribuintes; §32º - Decidir os conflictos de jurisdição entre os conselhos municipaes e entre estes e o poder executivo do Estado; §33º - Representar ao congresso e governo federaes contra toda e qualquer invasão no territorio do Estado, e bem assim contra as leis da União e as dos outros Estados, que attentarem contra os seus direitos; §34º - Conceder subvenção, isenções e garantias a quaesquer companhias ou empresas que tenham por fim promover o desenvolvimento industrial; §35º - Garantir, por tempo limitado, aos autores e inventores o direito exclusivo sobre suas obras e invenções; §36º - Conceder licença ao presidente do Estado; §37º - Marcar os vencimentos do presidente do Estado no último anno de cada periodo governativo; §38º - Legislar sobre organisação judiciaria e processual; §39º - Legislar sobre hygiene pública e particular; §40º - Verificar a legitimidade e regularidade da eleição do presidente e vice-presidente do Estado; §41º - Legislar sobre assistencia pública, casas de caridade e distribuição de socorros. CAPÍTULO III DAS LEIS E RESOLUÇÕES Art. 20º - Os projectos de lei podem ser propostos por qualquer dos membros da assembléa. Art. 21º - Os projectos de lei soffrerãotres discussões em dias diversos. Art. 22º - O projecto de lei approvado pela assembléa será remettido ao presidente do Estado que, acquiescendo, o sanccionará e promulgará. §1º - Se o presidente o julgar contrario a esta constituição, à federal ou aos interesses do Estado, recuar-lhe-há a sancção dentro de dez dias, a contar daquelle em que recebeu o projecto e o devolverá neste mesmo praso à assembléa com os motivos da recusa. §2º - Se até o último dia do referido praso não for devolvido o projecto nos termos e pelo modo prescripto neste artigo, considerar-se-hásanccionada a lei e como tal será publicada e no caso de ser a sancção negada quando

já estiver encerrada a assembléia, o presidente dará publicidade às razões de sua recusa; e caso não o faça considerar-se-á a lei sanccionada. §3º - O projecto devolvido será sujeito a uma só discussão, considerando-se approvado se obtiver dois terços dos votos presentes, e neste caso será, como lei, promulgado pelo presidente da assembléa. §4º - A sancção e a promulgação effectuam-se por estas formulas: 1º - A assembléa legislativa do Estado decreta e eu sancciono a seguinte lei (ou resolução); 2º - A assembléa legislativa do Estado decreta e eu promulgo a lei (ou resolução). §5º - A formula da promulgação feita pelo presidente da assembléa é a seguinte: F, presidente da assembléa legislativa do Estado da Parahyba do Norte, faço saber que a mesma assembléa decreta e eu promulgo a seguinte lei (ou resolução). Art. 23º - Os projectos de lei regeitados pela assembléa e os não sanccionados, salvo n’este caso o de orçamento e fixação de força, não poderão ser submettidos a discussão nem votados na mesma sessão. Art. 24º - O projecto de lei não pode ser sanccionado somente em parte. Art. 25º - O projecto não sanccionado poderá ser modificado no sentido das razões allegadas pelo presidente e voltar a sanção. Art. 26º - Os projectos de lei que versarem sobre interesse particular, auxilio a empresa e concessão de privilegios e os não sanccionados só serão votados, achando-se presentes, pelo menos, dous terços dos membros da assembléa; salvo os de orçamento e força pública em que se poderá deliberar com maioria absoluta, adoptando-se o que for vencido por dous terços desta. TÍTULO III DO PODER EXECUTIVO CAPÍTULO I DO PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE Art. 27º - O poder executivo é delegado a um presidente, como chefe do Estado. Art. 28º - São condições essenciaes para ser eleito presidente: 1º - Ser parahybano nato; 2º - Estar na posse dos direitos de cidadão brazileiro; 3º - Ser maior de 30 anos e menor de 60. §1º - O presidente será successivamentesubstituido em seus impedimentos temporarios, ou falta, por um primeiro e um segundo vice-presidentes, eleitos na mesma occasião que o presidente, pelo mesmo espaço de tempo e com os mesmos requesitos. §2º - No impedimento ou falta dos vice-presidentes será o presidente substituidosuccessivamente pelo presidente e vice-presidentes da assembléa e pelo do conselho municipal da capital. §3º - No caso de vaga do presidente, por fallecimento, renuncia ou perda do cargo, preencherá o periodo governamental successivamente o primeiro e segundo vice-presidente, somente procedendo-se a nova eleição, no caso de vaga aberta pelo presidente e vice-presidentes. §4º - O periodo governamental será de quatro annos e começará no dia seguinte ao último do periodo anterior. Art. 29º - O presidente não poderá ser reeleito para o periodo governamental immediato, nem tambem o vice-presidente que tiver estado em exercício dentro dos doze mezesultimos do periodo governativo. §1º - O presidente deixará o exercício de suas funções no mesmo dia em que terminar o periodo de seu governo, succedendo-lheimmediatamente o recem-eleito. §2º - Se o recem-eleito estiver impedido ou ausente, a substituição se fará nos termos dos §§1º e 2º do art. 28. Art. 30º - O presidente ou vice-presidente em exercício não poderá sahir do Estado sem permissão da assembléa e, não funccionando esta, sem licença do Superior Tribunal de Justiça, sob pena de perder o cargo. Art. 31º - O exercício do cargo de presidente é incompatível com o de outro qualquer emprego. Art. 32º - São inelegiveis para o cargo de presidente e vice-presidentes os parentes consaguineos ou affins até o 3º gráo civil, do presidente ou vice-presidente que se achar em exercicio, no momento da eleição ou que tenha deixado até 12 mezes antes. Art. 33º - O presidente eleito, por occasião de entrar em exercicio, pronunciará perante aassembléa, se esta estiver funccionando, ou, no caso outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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contrario, perante o conselho municipal que se reunirá, se for preciso, em sessão extraordinaria, o seguinte juramento: juro cumprir com lealdade os deveres inherentes ao meu cargo, observando e fazendo observar fielmente a constituição e leis do Estado, salva a excepção da segunda parte do art. 1º da presente constituição. Art. 34º - A assembléa em sua primeira reunião marcará os vencimentos do presidente do Estado, regulando o modo de sua percepção, quando deixar o exercício por motivo legal e a parte que deve ser percebida pelo vice-presidente em exercicio, quer na substituição temporaria, quer na definitiva. Art. 35º - O presidente não poderá acceitar o lugar de representante da União, ou de qualquer Estado, sob pena de perder o cargo. CAPÍTULO II DAS ATTRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE Art. 36º - Compete ao presidente do Estado: §1º - Sanccionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções da assembléa, expedindo ordens, decretos, instrucções e regulamentos para sua fiel execução; §2º - Fazer arrecadar e applicar as rendas do Estado, de accordo com o orçamento; §3º - Dispor da força pública, conforme o exigir o interesse do Estado; §4º - Nomear, remover, suspender e demittir os funccionarios públicos, respeitadas as restricções expressas nesta constituição; §5º - Contrahir empréstimos e fazer quaesquer outras operações de credito autorisadas pela assembléa; §6º - Convocar extraordinariamente a assembléa, quando o bem público o exigir, respeitados os preceitos do art. 8º e seus paragraphos da presente constituição; §7º - Indicar em sua mensagem à assembléa as providências e reformas que julgar convenientes; §8º - Commutar e perdoar as penas nos crimes sujeitos à jurisdição do Estado, salvo a disposição do §24 do art. 19º. §9º - Promover o bem geral do Estado; §10º - Mandar proceder a eleição, no caso de vaga de deputado, no praso máximo de dousmezes; §11º - Decretar soccorros ou despezasextraordinarias em caso de calamidade ou perigo públicos, sujeitando o acto à approvação da assembléa em sua primeira reunião; §12º - Decidir os conflictos de jurisdição administrativa; §13º - Dispensar, nos intervallos das sessões do poder legislativo, nos casos de que trata o §28º do art. 20º, as formalidades que garantem a liberdade individual dos cidadãos, convocando immediatamente a assembléa para que esta resolva sobre seu acto; §14º - Suspender na ausencia da assembléa as resoluções e decisões municipaes, nos casos previstos no §31º do art. 19º da presente constituição, levando ao conhecimento da mesma assembléa em sua primeira reunião. Art. 37º - Incumbe ao presidente: 1º - Prestar as informações e esclarecimentos que lhe forem exigidos pela assembléa. 2º - Apresentar annualmente à assembléa um relatorio minucioso do estado dos negocios públicos, com os dados precisos para que esta possa organisar o orçamento e fixar a força pública. CAPÍTULO III DA RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE Art. 38º - O presidente do Estado será submettido a processo e julgamento, nos crimes de responsabilidade, perante aassembléa e, nos crimes communs, ante o Superior Tribunal de Justiça, depois que a assembléa declarar procedente a accusação. Paragrapho único - Quer n’um, quer n’outro caso, uma vez decretada a procedencia da accusação, ficará o presidente suspenso de suas funções. Art. 39º - São crimes de responsabilidade do presidente os actos que attentarem contra: 1º - A constituição do Estado; 2º - O livre exercício dos poderes políticos; 3º - O goso e exercício legal dos direitos políticos e individuaes;

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4º - A segurança interna do Estado; 5º - A probidade da administração; 6º - A guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos; 7º - As leis orçamentarias votadas pela assembléa. Paragrapho único - A assembléa em sua primeira reunião ordinaria regulará a forma do processo de responsabilidade presidencial. TÍTULO IV DAS ELEIÇÕES Art. 40º - Os deputados à Assembléa serão eleitos por voto directo em todo o Estado. Art. 41º - O modo, processo dessa eleição e o alistamento dos eleitores serão regulados em lei ordinaria especial. Art. 42º - É vedado ao deputado desde o dia da eleição: 1º - Celebrar contractos com o poder executivo do Estado ou federal. 2º - Ser presidente ou director de bancos e companhias ou emprezas que gosem de favores do Estado ou da União. Art. 43º - A eleição de presidente e vice-presidentes será feita por suffragio popular directo e terá lugar no último anno do periodo governamental, em dia designado pelo presidente em exercicio, nunca excedente nem anterior a 6mezes da terminação do mesmo período. §1º - Cada eleitor votará em uma só urna com duas cedulas rotuladas, uma para presidente e outra para vice-presidentes do Estado. Do trabalho eleitoral lavrar-se-há uma acta circunstanciada da qual serão remettidas duas copias authenticas, uma ao Conselho Municipal e outra à Assembléa Legislativa; §2º - O Conselho Municipal fará a apuração limitando-se a sommar os votos recebidos no município e da acta que lavrar-se extrahirá duas authenticas que serão enviadas, uma ao presidente do Estado e outra à assembléa legislativa; §3º - Reunida esta sessão ordinaria ou extraordinaria, se for preciso, elegerá uma comissão de cinco membros, que, verificando as authenticas dos conselhos, com as dos collegioseleitoraes, fará a apuração definitiva, emittindo parecer sobre a legitimidade ou não da eleição. Este parecer será discutido e votado em uma unica sessão; §4º - Decidindo-se por maioria absoluta dos membros presentes pela legitimidade da eleição, o presidente da Assembléa proclamará presidente do Estado da Parahyba do Norte, o cidadão que houver obtido a maioria absoluta dos suffragioseleitoraes, 1º e 2º vice-presidentes os que na respectiva eleição reunirem aquella maioria; §5º - Se nenhum tiver obtido essa maioria, ou se somente um ou dous a tiverem attingido, a assembléa elegerá por maioria de votos presentes o presidente do Estado ou cada um dos vice-presidentes, d’entre os cidadãos que occuparem os dous primeiros lugares na respectiva votação; §6º - Em caso de empate decidirá a sorte; §7º - O processo de que trata este artigo nos §§3º e 4º começará e findará na mesma sessão da Assembléa; §8º - A commissão de que falla o §3º apresentará o seu parecer dentro de tres dias improrogaveis. TÍTULO V DO PODER JUDICIÁRIO Art. 44º - O poder judiciário é independente e será composto de juízes e jurados, assim no civel como no crime. Art. 45º - Para julgar as causas em segunda e ultima instancia, haverá um Superior Tribunal de Justiça, com sede na capital do Estado. Art. 46º - Os membros do Superior Tribunal de Justiça e os juízes de direito serão vitalicios e só por sentença irrevogavel perderão o seu logar. Art. 47º - A lei determinará o modo de provimento dos juízes, dos membros do Superior Tribunal de Justiça e mais funccionariosdella, ou seu numero, attribuições, vencimentos e a maneira porque há de exercer os seus logares. Art. 48º - Para representar os interesses do Estado, da justiça, dos interdictos, dos ausentes e das massas fallidas, perante os juízes e tribunaes, fica creado o Ministério Público que se comporá: §1º - De um procurador-geral, como chefe; §2º - De promotores públicos nas comarcas; §3º - De curadores geraes de orphãos, ausentes, interdictos, massas


fallidas e de residuos, nos municípios. Art. 49º - Os juízes de direito nos crimes de responsabilidade responderão perante o Superior Tribunal de Justiça; e os demais funccionarios desta perante o respectivo juiz de direito. Art. 50º - Os membros do Superior Tribunal de Justiça responderão nos crimes de responsabilidade perante aAssembléa Legislativa. Art. 51º - A lei marcará a forma do processo desses funccionarios. Art. 52º - Quando as partes convencionarem o julgamento por arbitros, será este admittido, salvo quando na questão forem interessados menores, orphãos, interdictos ou a fazenda pública do Estado ou do município. Art. 53º - A Assembléa fixará e não mais poderá reduzir os vencimentos dos magistrados. Paragrapho único - Somente consideram-se magistrados os desembargadores e os juízes de direito. Art. 54º - Os tribunaescorreccionaes serão organisados, quando julgar opportuno a Assembléaordinaria. TÍTULO VI DO MUNICÍPIO Art. 55º - O Estado será dividido administrativamente em municípios, cuja sede, numero, limites, attribuições e deveres serão determinados em lei ordinaria. Art. 56º - Na direcção de seus negociospeculares será autonomo, uma vez que não infrinja as leis federaes e do Estado. Art. 57º - O governo do Estado, somente pode intervir nos negócios do município: §1º - Quando as deliberações dos funccionariosmunicipaes forem contrarias à constituição e às leis federaes e do Estado; §2º - Quando essas deliberações offenderem direitos de outros municípios que reclamem; §3º - Nos casos do art. 19º, §31º e §14 do art. 36 da presente constituição. Art. 58º - Cada município terá um Conselho Municipal eleito por quatro annos pelo systema eleitoral que for adoptado em lei ordinaria, mas sempre por voto directo. Paragrapho único - Na sua primeira reunião ordinaria a Assembléa promulgará a lei definidora das attribuições do Conselho Municipal, forma e ordem de seu governo, seus deveres e responsabilidade, assegurando a garantia de suas rendas, bens e concedeno-lhe a ação executiva para a cobrança de rendas de qualquer natureza que sejão o bem assim a faculdade de lançar impostos. Art. 59º - A Assembléa em sua primeira reunião ordinaria descriminará por uma lei especial as rendas do Estado e do município. TÍTULO VII DOS CIDADÃOS E DAS GARANTIAS DE SEUS DIREITOS Art. 60º - São cidadãos parahybanos todos os que tiverem nascido no territorio do Estado da Parahyba do Norte. Art. 61º - A Constituição assegura a brazileiros e estrangeiros, residentes no Estado, a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e de propriedade, nos termos prescriptos pela Constituição federal da República brazileira. TÍTULO VIII DA REFORMA DA CONSTITUIÇÃO Art. 62º - Esta Constituição só poderá ser reformada por iniciativa da Assembléa ou dos Conselhos municipaes. §1º - Considerar-se-há proposta a reforma quando o pedir uma terça parte pelo menos dos membros da Assembléa ou quando for solicitada por dous terços do município, representando cada município pela maioria de votos de seu Conselho. §2º - Em qualquer dos casos acima, a proposta será no anno seguinte submettida a tres discussões, considerando-se approvada, se obtiver cada uma dellasdous terços dos votos dos membros da Assembléa. §3º - A proposta assim approvada será publicada com as assignaturas do presidente e secretarios da Assembléa, ficando de accordo com ella modificada a parte reformada.

TÍTULO IX DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 63º - Nenhum dos tres poderes do Estado será exercido cummulativamente com qualquer dos outros. Art. 64º - Todos os funccionarios públicos são responsaveis pelos abusos e omissões que commetterem no exercício de suas funcções, assim como pela indulgencia ou negligencia em não responsabilisaremeffectivamente os seus subalternos. Art. 65º - Continuarão em vigor as actuaes disposições legaes de direito privado, a legislação processual, administrativa, financeira e policial, e bem assim as leis, regulamentos e contractos da antiga provincia e do governo provisorio do Estado, no que implicita ou explicitamente não forem contrarios a esta Constituição, até que sejam revogados, alterados ou rescindidos pelos poderes competentes. Art. 66º - O serviço de segurança do Estado é um ramo de administração superior, a quem incumbe a manutenção da ordem, da paz e tranquilidade pública. Paragrapho único - Para esse serviço terá o Estado uma polícia com a organisação que for dada em lei ordinaria. Art. 67º - Não se poderá, sob pretexto algum, fazer deducção nos vencimentos dos funccionarios. Art. 68º - Terão fé pública no Estado os documentos officiaes devidamente authenticados do governo federal ou dos outros Estados. Art. 69º - Quando não tiver sido votada a lei do orçamento, vigorará a do exercício anterior Art. 70º - Todas as vezes que a Assembléa funcionar como Tribunal de Justiça, será presidida pelo presidente d’este Tribunal. Art. 71º - Quando em algun município se perpetrarem crimes, que, por sua gravidade, numero de culpados ou patrocinio de pessoas poderosas, tolhão e acção regular das autoridades locaes, o presidente do Estado determinará que algum magistrado para alli se transporte temporariamente, a fim de proceder oinquerito e formação da culpa, inclusive a pronuncia dos criminosos com recurso necessario para o Superior Tribunal de Justiça. Art. 72º - É concedida a extradicção de criminosos reclamados pelas justiças dos outros Estados ou Districto Federal, de accordo com as leis. Art. 73º - As condicções para o cidadão ser eleito são as mesmas prescriptas na Constituição Federal. Art. 74º - O representante da Assembléa do Estado que for eleito para o congresso federal, optará por um dos dous mandatos. Art. 75º - Qualquer funccionario público prestará juramento formal de bem cumprir os deveres inherentes ao cargo, antes de entrar em exercicio, respeitada a excepção da segunda parte do art. 10º da presente Constituição. Art. 76º - A Assembléa em sua sessão ordinaria reverá a divisão dos actuaes municípios, para o fim de adaptal-os à organisação estadual, segundo o melhor plano de divisão judiciaria do territorio do Estado. Art. 77º - É garantida a divida do Estado. Art. 78º - Nenhum empregado poderá accumular vencimentos, ou sejãoelles pagos pelos cofres da União, do Estado ou município, salvo tratando-se de funcções em materia de ordem puramente profissional, scientifica ou technica, que não envolva autoridade administrativa, judiciaria ou politica na União ou o Estado. Os aposentados ou reformados que exercerem qualquer cargo remunerado optarão pelo vencimento da reforma ou aposentadoria, ou pela remuneração do que exercerem. Art. 79º - Fica reconhecido o direito de aposentadoria dos funccionarios públicos, quer estaduaes, quer municipaes, regulando-se a causa e o modo em lei ordinaria. Art. 80º - É da competencia dos Conselhos municipaes a divisão dos municípios em districtos, de maneira que nenhum districto seja comprehensivo de menos de 500 fogos. Art. 81º - Na lei de orçamento não poderão ser incluidas disposições que não se relacionem com a receita e despeza ou que tenham caracter individual. Art. 82º - São garantidos em toda a sua plenitude os direitos adquiridos dos funccionariosvitalicios e inamoviveis.

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DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS Art. 1º - Promulgada a Constituição o congresso constituinte dará por terminada esta sua primeira phase legislativa e marcará o dia para fazer-se a eleição de presidente e vice-presidente do Estado; e trinta dias depois de realisada a eleição reunir-se-há em sessão ordinaria da Assembléa Legislativa para occupar-se com as leis complementares da Constituição e verificar a eleição presidencial. Art. 2º - No dia da eleição presidencial se procederá a eleição do deputado ou deputados que preencham a vaga ou vagas existentes no actual congresso. Art. 3º - Na investidura do poder judiciário, quanto aos magistrados, não é o governo obrigado a respeitar as condições constitucionaes, aproveitando quanto for possivel ao bem do serviço público os actuaes magistrados sem olhar a condição de antiguidade e attendendo, sobretudo, ao merecimento. Art. 4º - Até que a Assembléa decrete a lei eleitoral do Estado, vigorará a lei federal de 26 de janeiro do corrente anno com alterações estabelecidas no decreto da junta governativa nº 15 de 15 de fevereiro do mesmo anno. Art. 5º - A primeira reunião da Assembléa Legislativa durará trezmezes, a fim de serem votadas as leis complementares da Constituição. Art. 6º - Depois de votada a Constituição e antes de sua promulgação, o congresso elegerá todas as suas commissoes permanentes completando a eleição da mesa nos termos do regimento approvado pelo mesmo congresso. Art. 7º - A promulgação d’esta Constituição será feita pelo congresso constituinte, assignada por todos os deputados presentes. Art. 8º - Não terão effectividadeas incompatibilidades differidas n’esta Constituição, relativamente à primeira eleição presidencial e durante a primeira legislatura. Sala das sessões do congresso constituinte, em 20 de Julho de 1892.

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Vigario Antonio Ayres de Mello Presidente Antonio da Trindade Antunes Meira Henriques 1º Vice-Presidente Antônio Bernardino dos Santos 2º Vice-Presidente José Joaquim do Rego Barros 1º Secretario Felisardo Toscano Leite Ferreira 2º Secretario Thomaz de Aquino Mindello Augusto Alfredo de Lima Botelho Gercino Martins de Oliveira Cruz Francisco Emilio Paes Barreto João Tavares de Mello Cavalcante Appolonio Zenaide Peregrino de Albuquerque João Lourenço Porto Valdevino Lobo Ferreira Maia Bento José Alves Vianna José Antonio Maria da Cunha Lima José Fernandes de Carvalho Padre Walfredo Leal Pedro Velho do Rego Mello Manoel Florentino Carneiro da Cunha Pedro Baptista Gomes Gambarra Belarmino Alvares da Nóbrega Pinangé Chateaubriand Bandeira de Mello Abdon Odilon da Nóbrega Miguel Santa Cruz d’Oliveira Rodolpho Galvão Augusto Gomes e Silva Ascendino Candido das Neves g (*) O relato de todo o processo de elaboração desta Constituição, assim como dos motivos da convocação de uma nova Assembleia Estadual Constituinte, há pouco menos de um ano da promulgação da primeira Carta Política do nosso Estado, estão contidos no Capítulo II do livro História Constitucional da Paraíba, do historiador Flávio Sátiro Fernandes.


MEMÓRIA

DOM FERNANDO GOMES DOS SANTOS: PASTOR ET MAGISTER (*) Flávio Sátiro Fernandes

Ao falar sobre Dom Fernando Gomes, sou levado a destacar duas dimensões entre tantas que é possível assinalar em sua personalidade e em sua ação. Refiro-me a Dom Fernando como pastor e como mestre. Pastor et Magister, diríamos como dístico latino de sua figura eclesial, lembrando, aqui, outra divisa que a respeito dele elaborou Leonardo Boff: Defensor et Procurator Populi. Na atividade pastoril, quem toma conta do rebanho exerce duas funções: ensinar e proteger. Ensina ao gado o caminho do cercado, da manga, da água de beber e vigia, protege, defende o rebanho do lobo e de outros predadores. Dom Fernando em toda a sua vida sempre fez isso: ensinou e protegeu suas ovelhas. O apostolado de Dom Fernando teve início nos sertões paraibanos, logo após ordenar-se presbítero, em Roma. Ao retornar à pátria, foi designado Diretor do Colégio Diocesano de Cajazeiras, cargo exercido por três anos, iniciando-se como mestre. Logo depois foi chamado pelo Bispo D. João da Mata Amaral para assumir a Paróquia de Cajazeiras, passando à condição de pastor de almas, com o que vê concretizar-se o grande ideal de sua vida - ser vigário, - conforme ele próprio confessa.2 No ano seguinte, foi transferido para esta cidade, com a mesma função e durante seis anos dedicou-se à Paróquia de Nossa Senhora da Guia “com o vigor da juventude e o ardor de quem se sente plenamente realizado”, conforme suas próprias palavras.3 A designação de Dom Fernando como vigário de Patos foi saudada com efusão pelos seus conterrâneos e sua chegada aqui foi cercada de um carinho que os patoenses há tempos já demonstravam pelo filho de Seu Chico Gomes e Dona Veneranda. Aqui ele plasmaria o seu perfil de sacerdote, de vigário e, posteriormente, de Bispo, notabilizando-se pelas ações apostolares,

pelas práticas educativas, pelas realizações materiais, e, sobretudo, pelas atitudes morais, reveladoras de coragem, de destemor, de desprezo pelos poderosos e de amor aos pobres e desvalidos. Tudo isso, que ele manifestaria já nos começos de sua vida evangelizadora, e que manteria ao longo de sua existência, nos demais cargos que ocupou, ensejou a Leonardo Boff, já citado, fazer de Dom Fernando Gomes o seguinte julgamento: Dom Fernando nos faz recordar, seja pela sua figura imponente, seja pelo seu denodo, seja por sua impressionante força de persuasão, os grandes bispos do passado, como Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e São Gregório Magno.4 A designação do Padre Fernando para vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Guia deu-se por Provisão do então Bispo de Cajazeiras, Diocese a que pertencia a Paróquia de Patos, firmada em de 1º de janeiro de 1937, data mesma da posse do novel cura. Logo após sua investidura, o novo pároco deu início ao seu vicariato, fazendo um balanço das condições em que encontrou a Matriz, o que lhe pareceu “pouco consoladoras”, segundo suas palavras, não só do ponto de vista material, mas, sobremodo, pela apatia religiosa que se mostrava palpável “ao observador menos interessado” e que, malgrado a existência de associações religiosas, tais como o Apostolado da Oração, Liga Eucarística, Ordem Terceira de São Francisco e Pia União das Filhas de Maria, era de notar-se que “todas estavam desarticuladas, sem entusiasmo e sem vida” e que “de obras sociais católicas existe apenas a Sociedade de São Vicente de Paula, na Matriz, bem concorrida e bastante operosa”.5 Não obstante esse quadro desanimador, observava o vigário recém empossado que “no meio de tudo isto, de toda esta frieza,

havia elementos magníficos para um soerguimento. Almas cheias de boa vontade e dispostas a trabalhar pela causa de Deus. E se por um lado senti todo o peso de minha responsabilidade tremenda, por outro lado um grande entusiasmo me veio, na esperança de melhores dias com a confiança inabalável de que Deus estaria comigo para que o seu nome fosse glorificado no meio deste meu novo rebanho”.6 Aqui, é fácil detectar a capacidade do Padre Fernando, como administrador e como pastor, ao proceder a um balanço da situação da Paróquia e constatar as dificuldades materiais e espirituais da Freguesia, manifestadas na pobreza da Matriz, de um lado, e, de outro, na apatia ou indiferença dos paroquianos, mas sendo capaz de, ao mesmo tempo, perceber a existência de almas cheias de boa vontade e dispostas a trabalhar pela causa de Deus e de ajudá-lo em sua missão paroquial, manifestando em face disso a certeza de que dias melhores viriam, pois essa era a vontade divina. Esse foi um instante primordialmente decisivo na ação pastoral do Padre Fernando, porquanto, a partir dessa constatação, ou seja, partir do momento em que verificou que, apesar das deficiências da Matriz e da cidade, ele poderia contar com o auxílio de pessoas verdadeiramente interessadas na causa de Deus, e a vontade divina, segundo sua fé lhe ensinava, era que ele fosse vencedor, teve início a grande arrancada de seu paroquiato em Patos. E no seu exercício, iria demonstrar, sem dúvida, ser talhado para a missão de pastor e a missão de mestre a que aludimos antes. Como exemplo disso, desejaríamos nos referir a três eventos ocorridos durante a sua estada em nossa cidade, como administrador eclesiástico, reveladores de suas preocupações com o seu rebanho, do seu espírito democrático e da sua firmeza e coragem,

Texto básico de Palestra proferida na noite de 28 de maio de 2010, na cidade de Patos (PB). na sessão comemorativa do Centenário de Dom Fernando Gomes dos Santos, promovida pela Fundação Ernani Sátyro, presidida, à época, pelo historiador José Romildo de Sousa. “A vida e as lutas de um Bispo que chegou aos 75 anos”, por Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia, GO, in Revista Eclesiástica Brasileira, Fasc. 177, Março, 1985, pág. 6 3 Idem, pág. 6 4 Idem, pág. 3 5 4º Livro de Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Guia. 6 Idem. (*) 2

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diante do arbítrio e da intolerância dos donos do poder, e, por isso, configuradores de sua condição de pastor e de mestre. Refiro-me à criação e instalação dos ginásios para moças e rapazes, em nossa cidade. Aludo, também, à construção da nova Matriz, hoje Catedral de Nossa Senhora da Guia, bela e imponente. Por fim reporto-me a um episódio de natureza política em que se viu envolvido e através do qual é possível, também, ver em Dom Fernando o delineamento daquele perfil traçado por Leonardo Boff: “Defensor et Procurator Populi”. A primeira lembrança que trago nesta noite está voltada para a fundação e instalação do Ginásio Diocesano de Patos e do Colégio Cristo Rei, aquele destinado à educação dos rapazes e este à instrução das moças de nossa cidade. No meu livro Subsídios para a história do Ginásio Diocesano de Patos, pude proceder a uma narrativa quase completa do surgimento daqueles educandários, fazendo, aqui, breve retrospecto da participação do Padre Fernando Gomes dos Santos naquela iniciativa. Ao ser lançada a campanha para a criação de um colégio para o sexo feminino, o Padre Fernando ainda residia em Cajazeiras, mas esteve presente à solenidade de implantação e bênção da pedra fundamental do estabelecimento, em 25 de outubro de 1935. Quando aqui chegou, como vigário, encontrando sedimentada a idéia de criação dos dois ginásios, a ela se engajou, inteiramente, emprestando toda a sua capacidade de luta em prol da concretização daquele ideal comunitário. Ao mesmo tempo em que continuavam os trabalhos de construção do educandário feminino, que já funcionava em um casarão na rua principal da cidade, o Vigário iniciava os trabalhos de implantação do ginásio masculino que, à custa de muitos esforços pôde ser posto a funcionar em 1º de julho de 1937. Todos os avanços que se podiam obter no funcionamento dos ginásios decorriam de lutas, canseiras, decepções, contando o vigário com a colaboração decisiva do Bispo Diocesano, Dom João da Mata Amaral. De todos os passos dados no caminho da educação de seus paroquianos dava o vigário registro nos assentamentos da igreja, como este em que assinala o desânimo que o cercou em determinado instante: A história da vida é cheia do encanto dos contrastes. Decepções, entrechoques, incompreensões, desilusões, são condições indispensáveis às empresas humanas, mesmo que tragam o selo da providência 7 8

divina. Mas todas essas vicissitudes são substituídas, de novo, pelo entusiasmo, pela coragem, pelo desejo de vencer. Mas a vitória, quando virá? O mês de fevereiro se foi, as aulas dos colégios estão começando e, no entanto, os alunos não vieram. As matrículas estão resumidíssimas. O fato se torna mais difícil de explicar quando se põe diante dos olhos o entusiasmo e dedicação do povo pela construção destes colégios. E por que este recuo, esta falta de cooperação, agora, que eles estão aí, esperando pelos alunos que não querem vir? Até então tínhamos lutado contra muitos obstáculos, mas pensávamos contar com a boa vontade de todos. E a luta era, por isso, um estímulo. Mas lutar agora contra a vontade daqueles que não querem receber o benefício é, realmente, muito mais difícil ou talvez impossível. 7 Mas a decepção não toldou o ânimo dos responsáveis pelos ginásios. Vindo à cidade, o Bispo de Cajazeiras, ao celebrar missa na Igreja Matriz, falou aos seus diocesanos de Patos, exortando-os a uma maior colaboração aos estabelecimentos em funcionamento, dando-lhes até um prazo de trinta dias para que a população se definisse a favor ou contra os ginásios, valendo como indicador dessa vontade, pró ou contra, o número de matrículas efetuadas no período. Também Padre Fernando não deixou por menos e do púlpito paroquial fez incisiva conclamação aos seus fieis, fazendo ver, inclusive, a responsabilidade que caía sobre seus ombros de pastor da comunidade, diante do apelo que fizera ao prelado cajazeirense em favor de Patos. Valeram as prédicas feitas pelo Bispo e pelo vigário, pois, diz Padre Fernando, em registro no livro da Paróquia, que a partir daí: Houve uma reação, um verdadeiro movimento de apreço e simpatia para os colégios, como se até então não se tivesse notado a existência dos novos educandários. A matrícula foi aumentando rapidamente. Foram aparecendo os boatos de que elementos pouco escrupulosos e despeitados teriam feito certa campanha surda de descrédito ou menosprezo contra os colégios. Mas, graças a Deus, outra vez os horizontes se enchem de luz e novas esperanças brilham na estrada.8 Ultrapassadas as dificuldades iniciais para o funcionamento dos ginásios, a luta se transmudou para outra esfera, de natureza burocrática, visando à obtenção do ato de

Flávio Sátiro Fernandes, Subsídios para a história do Ginásio Diocesano de Patos, João Pessoa, 2008, João Pessoa, 2ª edição. 4º Livro de Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Guia.

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equiparação dos estabelecimentos ao Colégio Pedro II, parâmetro ao qual se deviam adequar todos os estabelecimentos ginasiais e colegiais do país, para que fossem admitidos a funcionar legalmente. Tal empresa obrigou até ao afastamento do Padre Fernando da Paróquia, para o fim de acompanhar, no Rio de Janeiro, a tramitação do processo de equiparação, período em que foi o vigário substituído pelo Padre Acácio Cartaxo Rolim. A permanência do Padre Fernando na Capital Federal se deu por quase três meses, só retornando a Patos após alcançar o grande objetivo. Os ginásios criados naquela ocasião se sedimentaram até a atualidade, mantendo-se o Ginásio Cristo Rei, sempre sob a orientação da Congregação Filhas do Amor Divino, transformando-se o Ginásio Diocesano de Patos em Colégio Estadual de Patos, por força de transação entre a Diocese de Patos e o Governo do Estado. O segundo evento a que desejo me referir á a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia que, hoje, é a nossa Catedral. No local em que se ergue o majestoso templo, elevava-se, antigamente, a segunda igreja da cidade, construída para substituir a “igreja velha”, que tomou a invocação de Nossa Senhora da Conceição, após a ereção do novo templo. Aqui, não quero me deter no relato dos acontecimentos referentes à construção da nova Matriz, que se transformou em Catedral, cujas obras tiveram início aos 2 de junho de 1940, estendendo-se até a sua inauguração, em 1942. Também não vou aludir às características arquitetônicas da nova igreja que iria surgir como objeto próprio da missão do Pároco que a ela emprestaria a sua inteligência e seu coração, conforme as palavras com que se dirigiu aos paroquianos, dando-lhes ciência do propósito de que estava imbuído, contando para isso com a autorização do Bispo Diocesano. Pretendo fazer menção, aqui, a um fato que dá a dimensão da conduta de Dom Fernando Gomes, ao longo da sua existência, no exercício da cidadania e da democracia. Quando se dispôs a levantar a nova igreja, o Padre Fernando, em “Mensagem aos filhos e habitantes de Patos sobre a reconstrução da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia”, deixou claro aos fieis a quem se dirigia que três problemas cercavam a execução do projeto. A primeira questão era se se deveria construir um novo templo ou reconstruir-se o antigo. O vigário, na sua comunicação aos


fieis, manifestava-se favorável à reconstrução, por motivos diversos que enumerou: a sua localização, no centro da cidade e na rua principal; a maior economia que se obteria com a reconstrução; a necessidade, com o crescimento da cidade, de uma nova paróquia e o surgimento de problemas para a localização de sua matriz, se o novo templo se localizasse em área distante do centro; o fato de que, mesmo com a construção de um templo em outro local, preservando-se o atual, não haveria como fugir a obras de reformas neste, principalmente quanto ao piso, teto e forro. O segundo óbice girava em torno das possibilidades financeiras para execução do projeto. A terceira e última dificuldade dizia respeito à maneira como os recursos materiais poderiam ser obtidos. Embora tivesse um entendimento firmado sobre os três pontos, o Vigário não tomou por si nenhuma das soluções por ele antevistas. Ao contrário, em vez de adotar, de maneira discricionária, qualquer das respostas possíveis, resolveu debater e discutir com os seus paroquianos qual a melhor opção, manifestando com isso o espírito democrático que o acompanharia por toda a existência. Obediente a tal orientação, convidou um grupo de cidadãos para discutir todas as questões relacionadas com a concretização da idéia. Ao encontro, ocorrido em um domingo de páscoa, compareceram setenta paroquianos, que, juntamente com o Vigário, discutiram, debateram e analisaram todos os prós e os contras em torno de cada uma das propostas apresentadas. Ao final, como resultado do diálogo, ficou assentado que a igreja antiga seria reconstruída, haja vista a vantagem que isso, segundo a conclusão a que chegaram, tinha sobre a ideia da construção de um novo templo. Também se resolveu, democraticamente, a respeito das diversas formas de arrecadação dos recursos financeiros indispensáveis para levar a obra avante. Com essa forma de proceder, deu o Padre Fernando uma demonstração de seu espírito democrático, largamente discrepante do cenário político que se espalhava pelo Brasil, vivendo sob a longa noite do Estado Novo, regime que seria contestado, na época, pelo Vigário local em episódio a que nos referiremos a seguir. Em maio de 1941, anunciou-se a transferência do Bispo Diocesano de Cajazeiras, Dom João da Mata Amaral, o grande benfeitor de Patos, para a Diocese de Manaus. O Pe. Fernando Gomes entendeu oportuno, aproveitando também o encerramento das festividades do mês de maio, expressar em uma reunião solene todo o reconhecimento da Paróquia de Patos pelos benefícios rece9

bidos do zelo apostólico do Bispo e de sua amizade devotada ao povo de Patos, notadamente na criação dos dois ginásios em funcionamento. Das programações constaria uma manifestação pública na qual se fariam ouvir vários oradores. Em nome da cidade, por sugestão do vigário, falaria uma figura jovem, mas dotado de reconhecidos e inegáveis dons oratórios. O Vigário deu conhecimento ao Prefeito local de toda a programação planejada, inclusive do nome escolhido para manifestar o pensamento do povo patoense, tendo o dirigente municipal concordado com tudo o que fora planejado, inclusive a pessoa convidada para saudar o querido antístite, muito embora lembrasse o Prefeito que a figura em referência era seu adversário. A pessoa escolhida pelo Vigário para falar era o advogado e ex-Deputado estadual, Ernani Sátyro, grande amigo de Padre Fernando. o qual, na ocasião, não detinha mandato algum, e, ao invés, achava-se no ostracismo, em decorrência da queda de Argemiro de Figueiredo, alijado do cargo de Interventor e a quem Ernani Sátyro se aliara. O Prefeito, por sua vez, era Pedro da Veiga Torres, homem de bem, dotado dos atributos de honradez, honestidade, dinamismo e bons propósitos de administrar a cidade, da qual não era natural, mas que, chegando a Patos, a esta se afeiçoara, inclusive por contrair matrimônio com jovem da sociedade local e de família tradicional. Não obstante a concordância manifestada pelo Prefeito, na ocasião já aludida, dias depois, Sua Excelência procurou o Padre Fernando, na própria sacristia paroquial, e lhe comunicou que o Delegado de Polícia lhe anunciara não seria permitido à referida personalidade usar da palavra em praça pública, salvo se seu pronunciamento fosse previamente censurado. O Prefeito, ao mesmo tempo em que transmitiu ao Vigário o veto, procurou convencê-lo da necessidade de atender-se à medida, visto ter a ordem partido do Delegado. “E que Delegado”, interferiu o Vigário, observando, com sarcasmo, que o Prefeito, “compenetrado de sua alta missão”, esclareceu que somente o discurso de seu convidado seria censurado, pois sobre os demais não havia suspeitas. Indagado sobre que suspeitas seriam essas, o Prefeito respondeu que eram suspeitas contra o regime.9 A conversa prosseguiu, com o Prefeito sustentando seu entendimento e o Pároco rebatendo-o, até que este a uma referência do chefe Municipal, em tom de ameaça, disse-lhe não ter medo do Delegado, autorizando o Prefeito a dizer isso àquela autoridade e

também que o discurso do orador em nenhuma hipótese seria censurado. “Assim terminou - escreveu o Pe. Fernando - o primeiro ato desse drama político-policial. Os dias se passaram e a cidade se tomou de apreensão porque pouco a pouco ficara sabendo de que alguma coisa de anormal estava acontecendo. Movido pela prudência, o pároco esteve quatro vezes ainda com o prefeito, tentando mostrar não haver necessidade para exigência daquela natureza, “relembrando toda uma história de harmonia e cordialidade entre a Igreja e as autoridades do Município”. Dá conta, ainda, o vigário de que os ânimos estavam exaltados e que o Prefeito afirmara que o orador se arriscaria a ser publicamente desacatado se ousasse subir à tribuna, sabendo o Pe. Fernando que se isso ocorresse teria conseqüências muito dolorosas, em vista do que deliberou cancelar a realização do tríduo solene programado, não sem antes comunicar ao povo a decisão, dizendo com franqueza e clareza os motivos da medida e mandando ao Prefeito protesto escrito em que disse da não realização do tríduo festivo com que se faria o encerramento do mês de maio e a despedida de Dom João da Mata Amaral, esclarecendo como motivo de sua decisão o comportamento do Prefeito, impedindo a palavra do orador escolhido. Em sua nota de protesto, o vigário enfatizou que não lhe competia censurar nem comentar os atos do prefeito, mas não podia fugir a algumas considerações sobre o fato, para, ao final, afirmar que “para evitar maior desgosto da população católica e não proporcionar a V. S. maiores apreensões, achei que a melhor maneira de agir era abrir mão das solenidades já projetadas e amplamente divulgadas. Deixo, porem, aqui o meu protesto, como legítimo representante da família católica deste Município, aguardando melhores dias para a liberdade suficientes de agir naquilo que me compete, sem interferências odiosas dos poderes que poderiam renunciar aos preconceitos partidários, ao menos por atenção aos sentimentos religiosos de um povo profundamente católico que quer ver na pessoa do seu Vigário, um homem fora e acima das competições partidárias, para paz e harmonia da família e pleno desenvolvimento de sua missão”.10 E assim encerrou-se esse segundo ato. Malgrado a disposição do vigário em colocar um ponto final na querela, inclusive não divulgando o seu protesto ao prefeito, alguns áulicos do poder local, “acharam de fazer alarde com uma propaganda indigna de que Vigário tinha acabado a festa com medo ou para fazer política”. Diante disso resolveu Pe. Fernando dizer de público algumas verdades,

Idem Idem.

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porque “o meu silêncio poderia parecer aprovação às cavilosas denúncias”. No último dia do mês de maio, quando do encerramento das homenagens à Virgem Santíssima, e ao final da grande procissão, com altar armado perto da Prefeitura Municipal e perante grande multidão, diante de grande silêncio, decorrente da ansiedade com que se aguardava a palavra do Pastor e Mestre, o Padre Fernando “com palavras fortes, claras e tanto quanto possível, prudentes”, esclareceu os seus pontos de vista “fazendo o mais veemente protesto contra todos que tinham tido a ousadia de interpretar indignamente os atos do vigário, ferindo a alma católica da família patoense”.11 E passou a narrar de forma candente todos os fatos ocorridos recentemente. Com suas palavras, frenIdem.

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te aos seus paroquianos, o Pe. Fernando deu por finda uma questão em que ele, com desassombro, com veemência, embora com prudência, enfrentou o poder, sem violência e sem medo, como o faria ao longo de toda a vida. Em 1943, depois de entregar aos fiéis, no ano anterior, o magnífico templo de Nossa Senhora da Guia, o Pe. Fernando, a essa época Monsenhor, viu-se galgado a elevadas posições dentro da hierarquia católica: Bispo de Penedo (AL), Bispo de Aracaju (SE) e Arcebispo de Goiânia (GO). Em todas essas funções, Dom Fernando Gomes dos Santos, cujo centenário de nascimento foi comemorado, em grande estilo, tanto em Patos, sua terra natal, como em Goiânia (GO), em cuja Catedral está sepultado, saiu a semear a palavra de Deus, exercendo

os seus papéis de Pastor e Mestre, multiplicando tudo aquilo que já fizera em sua terra, ou seja, criando escolas e até mesmo uma Universidade; pregando e exercitando a democracia; e afrontando o poder, como fez no lamentável episódio em que sua Catedral e sua residência foram cercadas pela Polícia Militar do Estado de Goiás. A conclusão que podemos tirar do que aqui dissemos é que a árvore frondosa que foi a ação de Dom Fernando lá fora, como Pastor e Mestre, na educação, no exercício da democracia, na defesa do seu povo, na afronta ao poder, essa árvore frondosa, repetimos, teve suas sementes lançadas aqui, na terra que o viu nascer e junto ao povo que nunca o deixou de admirar, como um dos filhos mais ilustres de Patos, da Paraíba e do Brasil. g


CIÊNCIA POLÍTICA LOS COMENTARIOS A LA CONSTITUCIÓN DE CARLOS MAXIMILIANO PEREIRA DOS SANTOS Y LA REPERCUSIÓN DE LA CULTURA JURÍDICA ARGENTINA EN EL BRASIL DURANTE LA PRIMERA MITAD DEL SIGLO XX Ezequiel Abásolo RESUMEN: Como parte de una línea de investigación enmarcada en el PICT Bicentenario 2010 2821 “Experiencias jurídicas en el derecho privado entre América Latina y Europa en la primera mitad del siglo XX (1901-1945)” (patrocinado conjuntamente por la Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica de la Argentina y el Max-Planck-Institut de Alemania), en este trabajo se aborda la recreación de un aspecto del proceso de aceptación y difusión de la cultura jurídica argentina que tuvo lugar en el Brasil entre finales del siglo XIX y la primera mitad del XX. Recurriendo a una variedad de fuentes doctrinarias y legislativas de época, y tras hacer varias referencias a la situación general del flujo horizontal de ideas, experiencias y productos normativos entre Argentina y Brasil durante la época, la atención se centra en el examen de los contenidos argentinos, y los motivos de su incorporación, reflejados en los Comentarios a la Constitución brasileña que publicara el jurista Carlos Maximiliano Pereira dos Santos en 1918. PALABRAS CLAVES: Historia del derecho iberoamericano - Circulación de ideas jurídicas - Historia constitucional – Cultura jurídica - Derecho brasileño. ABSTRACT: As part of a research framed by the PICT 2010 2821 Bicentennial “Legal experiences in private rights between Latin America and Europe in the first half of the twentieth century (1901-1945)” (co-sponsored by the National Agency of Science and Technology of Argentina and the Max-Planck-Institut in Germany), the essay studies a part of the process of acceptance and dissemination of argentinian legal culture that took place in Brazil during the late nineteenth and midtwentieth century.

Drawing on a variety of doctrinal and complementary legislative sources of the time, we will focus on the examination of the Brazilian Constitution Comments published by Carlos Maximiliano Pereira dos Santos in 1918. KEYWORDS: History of Latin American law - Constitutional history - Legal Culture -Brazilian law. Sumario: 1. INTRODUCCIÓN. 2. APROXIMACIONES TEÓRICAS. 3. LA IMAGEN DE LA CULTURA JURÍDICA ARGENTINA EN EL BRASIL, ENTRE FINALES DEL SIGLO XIX Y COMIENZOS DEL XX. 4. TRAYECTORIA INTELECTUAL Y OBRA DE CARLOS MAXIMILIANO. 5. LAS EXPRESIONES DE LA CULTURA JURÍDICA ARGENTINA EN LOS COMENTARIOS DE CARLOS MAXIMILIANO. 6. CONSIDERACIONES FINALES. 1. INTRODUCCIÓN Durante la primera parte del siglo XX dos episodios singulares, acaecidos en el Brasil con quince años de diferencia y en dos puntos geograficamente distantes entre sí dos mil kilómetros, pueden considerarse, empero, adecuada expresión del clima intelectual y de los intereses y preocupaciones que, respecto de la Argentina y de lo argentino, entonces permeaban la cultura jurídica del país hermano. Y no sólo eso. De dichas manifestaciones intelectuales, la primera se vinculaba expresamente con la obra que constituye el principal objeto de interés de este ensayo. Vale decir, los Comentarios a la Constitución de Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, publicados por primera vez en 1918. En cuanto a la segunda, si bien no podemos decir que ésta derivase inevitablemente de los Comentarios, lo cierto es que lo que se volcó en su oportunidad coincidía

en gran medida con el elenco de referencias doctrinales utilizadas por Carlos Maximiliano. Pero no nos adelantemos y comencemos ocupándonos de los episodios en cuestión. El primero, datado en noviembre de 1925, tuvo lugar en la Asamblea Legislativa del nordestino estado de Paraíba. Sucedió que por aquellos días la Comisión de Constitución y Poderes del referido cuerpo - integrada por António Botto, José Pereira y Pedro Firmino - emitió un dictamen respecto de lo que la memoria colectiva terminaría por bautizar como “Memorial de los abogados”. Fue éste un escrito elevado por juristas locales, en el cual se planteaba la necesidad de reformar la constitución estadual. Lo que nos interesa destacar ahora es que en abono de su punto de vista los legisladores opinantes invocaron, entre otros argumentos, la idea de que “el municipalismo es libertad y escuela de la libertad” conforme lo enseñaba José Manuel Estrada en su obra Política liberal bajo la tiranía de Rosas1 El segundo episodio, por su parte, tuvo lugar en Río de Janeiro en julio de 1940, y su protagonista fue el abogado Levi Fernandes Carneiro (1882-1971). Oriundo de Niteroi, graduado de bacharel en Río de Janeiro, convencional constituyente en 1933-1934, activo participante en la vida de la Ordem dos Advogados Brasileiros, nuestro jurista también estuvo muy vinculado a la vida de la Universidade Federal Fluminense.2 Lo que ahora nos interesa es que con motivo de presentarse en la entonces capital federal brasileña la Exposición del Libro Argentino, Levi Carneiro pronunció una interesantísima conferencia titulada “El libro jurídico argentino”.3 En ella, tras rendir homenaje a la “pléyade de constitucionalistas eximios que tanto inspiraron nuestra doctrina y nuestra jurisprudencia de los tribunales durante los primeros años de la República”, mencionó expresamente a José Manuel Estrada, Julián Barraquero, Amancio Alcorta, Ma-

Se transcribe la parte pertinente del dictamen en FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES, História Constitucional da Paraíba, 2da. ed., Belo Horizonte, Forum, 2009, p. 135. ROBERT PECHMAN, verbete “Levi Carneiro”, en ISRAEL BELOCH y ALZIRA ALVES DE ABREU, Dicionário histórico-biográfico brasileiro pos-1930, 3ra. ed., Rio de Janeiro, Fundaçâo Getulio Vargas-Centro de Pesquisa e Documentaçâo de História Contemporanea do Brasil (CPDOC), 2010. Disponible en (www.cpdoc.fgv.br). 3 Mariana de Moraes Silveira ha llamado la atención recientemente sobre el contenido de esta conferencia en “Em busca da ´vinculaçâo internacional pela inteligência e pela cultura: a Revista Forense e as trocas intelectuais entre Brasil e Argentina na passagem dos anos 1930 aos anos 1940”, original mecanografiado que he podido consultar por gentileza de lá autora. 1 2

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nuel Augusto Montes de Oca, Perfecto Araya, Agustín de Vedia, Luis V. Varela, Joaquín V. González, José Nicolás Matienzo y Juan A. González Calderón4.4 ¿Qué nos dicen ambos testimonios? Que para el segundo cuarto del siglo XX la aceptación y conocimiento de la doctrina constitucional argentina en el Brasil era una realidad tangible y extendida. Ahora, dado mi actual grado de conocimientos en la materia, entiendo que uno de los grandes responsables del entusiasmo y atención suscitados en el Brasil por lo argentino y por los autores de nuestro país fue Carlos Maximiliano, merced a sus ya varias veces referidos Comentarios, cuya página 660 de su primera edición, por ejemplo, sería el “canal” de acceso de los legisladores paraibanos de 1925 a la obra del argentino Estrada. Tal es el asunto en el que se centra este ensayo, el cual, dicho sea de paso, se vincula al PICT Bicentenario 2010 2821 “Experiencias jurídicas en el derecho privado entre América Latina y Europa en la primera mitad del siglo XX (1901-1945)”. 2. APROXIMACIONES TEÓRICAS Antes de seguir avanzando, sin embargo, me parece oportuno detenerme en algunas consideraciones teóricas, derivadas de la línea de investigación que vengo desplegando en el ámbito del PICT mencionado arriba. Así, si nuestra tarea científica en tanto que iushistoriadores nos insta a indagar sobre el subsuelo oculto de ese campo de producción y circulación simbólica más o menos autónomo5, que en función de ideas, valores y categorías propios6, modela los criterios de los operadores jurídicos, no podemos soslayar que, muchas veces es a partir de las prácticas mismas que lo jurídico termina asumiendo su real dimensión7. En este orden de cosas, debe evitarse pensar en la construcción del capital jurídico de cada comunidad como un fenómeno autárquico, o sea, ajeno a elementos foráneos. Todo lo contrario. Junto con las experiencias propias, y el concurso de las propuestas que deriven de reflexiones más o menos meditadas, las culturas jurídicas se alimentan de una infinidad de aportes exógenos. De allí que resulte preciso examinar con cuidado los fenómenos relacionados con la circulación de ideas, experiencias y productos normativos. Al respecto, lo cierto es que los desplazamientos simbólicos no se

producen ni de cualquier manera ni en cualquier ambiente. Por el contrario, existen mecanismos y situaciones concretos de difusión, cuyas modalidades ameritan nuestra atención. Ello así, en la medida en que mucho nos ilustrará acerca de la modulación en la circulación de las ideas, experiencias y productos normativos, determinar las formas concretas de transmisión en cada época; su importancia relativa; su velocidad; y su impacto. En este orden de cosas, por ejemplo, la escuela iushistoriográfica florentina ha hecho mucho en las últimas décadas por recrear el papel de las revistas en la formación del pensamiento jurídico occidental. Ahora bien, además de las revistas, para finales del siglo XIX y comienzos del siglo XX la circulación intelectual en el campo del derecho terminó siendo el resultado de una pluralidad de modalidades concurrentes, muchas de ellas novedosas. Entre ellas cabe considerar las visitas personales de profesores y de estudiantes; el mantenimiento de una nutrida correspondencia epistolar científica; la organización de congresos académicos; el conocimiento de las noticias vertidas por la prensa genérica; y la celebración de exposiciones. Ello no significa, empero, que entonces perdiese significación um recurso añoso. Me refiero al impacto que suscitado por el acceso a uno o más libros singulares, a los cuales se les atribuyese el carácter de “autoridad” o de “modelo”. En el caso de la vinculación horizontal entre las culturas jurídicas argentina y brasileña de la primera mitad del siglo XX8, entiendo, precisamente, que esto es lo que aconteció con Carlos Maximiliano y sus Comentarios. 3. LA IMAGEN DE LA CULTURA JURÍDICA ARGENTINA EN EL BRASIL, ENTRE FINALES DEL SIGLO XIX Y COMIENZOS DEL XX. Para el segundo cuarto del siglo XX había quedado sepultado el relativo desconocimiento brasileño de la producción normativa y doctrinaria argentina, amén, también, del correlativo desinterés argentino por divulgar en el Brasil los criterios jurídicos nacionales. Así, por ejemplo, mientras que al fundamentar en 1934 un proyecto relativo a la unidad jurídica brasileña, el convencional constituyente bahiano y graduado en derecho Homero Pires

recurrió, entre otros fundamentos, a la posición doctrinaria de los argentinos Perfecto Araya, Julián Barraquero y Agustín de Vedia9, casi diez años antes, en 1926, en la Cámara de Diputados del Brasil se reconoció que, “comúnmente”, los legisladores del país vecino recurrían a los ejemplos de la República Argentina para formar su opinión10. Lejanos parecían, entonces, los días de la más que discreta participación de la doctrina argentina en la Exposiçâo de Trabalhos Juridicos que organizó la Ordem dos Advogados Brasileiros en septiembre de 1894. Téngase presente que en esa oportunidad el catálogo de la producción nacional librada al conocimiento del público curioso se limitó, en lo esencial, a cuatro autores, ninguno de los cuales cultivaba específicamente el derecho constitucional. Me refiero a Carlos Calvo, Baldomero Llerena, Manuel Obarrio y Lisandro Segovia11. Sin embargo, el austero panorama había comenzado a mudar unos años antes, con motivo de la reunión de la asamblea constituyente brasileña de 1890-1891. Ello así, en la medida en que esta convención supuso en el país hermano una renovación profunda en los elencos jurídicos utilizados en la argumentación legislativa, forense y doctrinaria. ¿Su causa? Las fuentes de la constitución aprobada. Al respecto, Amaro Cavalcanti, constituyente oriundo de Rio Grande do Norte, graduado en derecho por Albany (Estados Unidos de América) en 1881 y futuro ministro del Superior Tribunal Federal durante los años 1906 a 191412, aclararía que el proyecto discutido - y luego aprobado -, lejos de pretender ser una “obra original”, era una “elaboración de política experimental” que combinaba la constitución norteamericana com disposiciones de las constituciones suiza y argentina, a los efectos de acomodar el texto constitucional brasileño a las circunstancias locales13. Se produjo, en consecuencia, una singular recepción de la orientación constitucional argentina, sobre todo en materias tales como el estado de sitio - asunto específico sobre el cual ha llamado la atención en un profundo ensayo el profesor Christian Edward Lynch14. De allí que surgiese en el Brasil un inusitado interés por la doctrina constitucional argentina, e incidentalmente por su jurisprudencia. Así, por ejemplo, a la hora de argumentar sobre la

Cfr. Revista Forense (Rio de Janeiro), vol. LXXXIV, num. 449 (noviembre de 1940), p. 503. PIERRE BOURDIEU, “Sur le pouvoir symbolique”, en Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, año 32, núm. 3 (1977), p. 409. 6 RAYMOND VERDIER, “À l´occasion du centenaire de la naissance de Jean Carbonnier”, en Droit et Cultures, núm. 56 (2008), § 24. 7 Cfr. JACQUES CAILLOSSE, “Pierre Bourdieu, juris lector: anti-juridisme et science du droit”, en Droit et Societé, 56/57 (2004), p. 26. 8 Sobre la circulación horizontal entre culturas jurídicas, véase lo que digo en “Aportes del comparatismo jurídico al estúdio de la circulación de ideas y experiências normativas en Europa y América durante lá primera mitad del siglo XX”. en EZEQUIEL ABÁSOLO [dir.], La cultura jurídica latinoamericana y la circulación de ideas durante la primera mitad del siglo XX. Aproximaciones teóricas y análisis de experiencias, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, 2014, pp. 20 y 21. 9 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934, vol. 17, p. 246. 10 Diario do Congresso Nacional. Estados Unidos do Brasil, año XXXVII, núm. 103, sesión de 2 de septiembre de 1926, p. 2821. 11 Cfr. Relatorio da Exposiçâo de Trabalhos Juridicos realizada a 7 de setembro de 1894 pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brazileiros apresentado por Deodato C.Vilella dos Santos, diretor Geral da mesma exposição, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1895, pp. 37, 40 y 41. 12 EDUARDO JUNQUEIRA, verbete “Amaro Cavalcanti”, en ALZIRA ALVES DE ABREU [coord.], Dicionário da Elite Politica Republicana (1889-1930), Rio de Janeiro, Fundaçâo Getulio Vargas-Centro de Pesquisa e Documentaçâo de História Contemporanea do Brasil (CPDOC). Disponible en (www.cpdoc.fgv.br.) 4 5

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materia, Leopoldo de Bulhoes, senador por Goias y graduado en derecho por Sao Paulo en 188015, citó y reprodujo ante sus colegas de la cámara amplios fragmentos del Espíritu y Práctica de la Constitución del jurista mendocino Julián Barraquero, en tanto que el senador Quintino Bocayuva decidió cubrirse con la autoridad de Amancio Alcorta, Domingo Faustino Sarmiento y Nicolás Avellaneda16. Asimismo, a la hora de componer unos comentarios sobre la constitución brasileña, el diputado y antiguo magistrado bahiano Arístides A. Milton no sólo invocó en más de médio centenar de oportunidades la normativa argentina sino que apoyó sus puntos de vista en los criterios de Domingo Faustino Sarmiento, José Manuel Estrada, Nicolás Avellaneda y Julián Barraquero y se remitió a algunos pronunciamientos de la Corte Suprema de Justicia argentina, como el que ésta pronunció en 1893 en la causa «Alem».17 Apesar de todo lo dicho, empero, todavía para finales de la última década del siglo XIX no abundaban en el Brasil quienes acompañasen al legendario Rui Barbosa, quien entonces instó a sus compatriotas a interiorizarse en las “coisas literarias” de los argentinos. Así, fue casi en soledad que el inmortal bahiano se preocupó por difundir el pensamiento y la obra del por entonces desconocido – por aquellos lares - Juan Bautista Alberdi,18 autor a quien no trepidó en calificar como el “mayor de los publicistas americanos”19.19 4. TRAYECTORIA INTELECTUAL Y OBRA DE CARLOS MAXIMILIANO Conocido entre los juristas argentinos contemporáneos -al punto que Juan Antonio González Calderón lo calificó como un “eminente constitucionalista brasileño, con notable actuación política”, a quien se le debían unos “sábios comentarios” a la ley fundamental de su país, que no admitían “réplica alguna”2020 -, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos – más conocido, simplemente, como Carlos Maximiliano - fue un personaje público de significativa relevancia durante la tercera década

de la denominada Republica Velha brasileña (1911-1920), y también durante el primer gobierno de Getulio Vargas (1930-1945). Para sus compatriotas era uno de los “intérpretes togados de vocaciones magníficas que, tanto en el pasado como en el presente de Brasil, formaron como forman ahora una recta conciencia nacional”21.21 Nacido en 1873 en el estado de Rio Grande do Sul y fallecido en 1960, en Río de Janeiro, estudió derecho en Minas Gerais. Allí comenzó su aprendizaje en la Escola de Direito de Ouro Preto, que concluyó en 1898 en la Faculdade Livre de Direito cuando se instaló en Belo Horizonte, por aquellos días flamante capital estadual. Luego de retornar a su tierra natal, Carlos Maximiliano alternó el ejercicio de la abogacía con la administración rural, hasta que para 1911 su militancia en la política riograndense lo catapultó a una banca de diputado federal, sitial que ocupó durante el período 1911-1914. Al decir de Regina da Luz Moreira, en el ejercicio de este mandato rápidamente “se destacó por sus pareceres”.22 Cabe imaginar que fue este brillante desempeñó el que lo condujo a ser escogido por el presidente Venceslau Brás para asumir la titularidad del ministerio de justicia federal entre los años 1914 y 1918. Al término de esta experiencia volvió al congresso como diputado, cargo que mantuvo hasta que su enfrentamiento con el líder gaucho Borges de Medeiros, acaecido a comienzos de la década de 1920, lo obligó a abandonar momentáneamente la escena pública nacional. Su retorno se produjo de la mano de la revolución de 1930, liderada por el también riograndense Getulio Vargas. Entonces fue designado Consultor General de la República. Luego actuó como miembro de la Comisión de Itamarati - redactora del anteproyecto de constitución de 1934 - y en la asamblea constituyente de 1933-1934. A mediados de 1934 fue designado Procurador General de la República. En 1936, ministro del Superior Tribunal Federal, cargo que ocupó hasta que se retiró del cargo por edad, en junio de 194123.

Además de sus Comentarios - a los cuales nos referiremos a continuación -,Carlos Maximiliano escribió otras sólidas contribuciones, como su Direito das sucessoes, o su Teoria da retroatividade das leis. Ahora, me parece oportuno dedicarle cierto espacio a su Hermenéutica e aplicaçâo do direito, publicado por primera vez en 1924, y que para 2001 alcanzó su décimo novena edición por parte de la Editora Forense de Río de Janeiro. Ello así, en la medida en que en esta obra Carlos Maximiliano explica algunos de sus puntos de vista sobre cómo entiende la normatividad. Así hace suya la idea de que “el derecho constituye apenas un fragmento de nuestra cultura general, que está particular e inseparablemente ligada a corrientes de ideas y necesidades éticas y económicas”. Cultor práctico del derecho comparado y dotado de una curiosidad que lo lleva a consultar la producción erudita en lengua francesa, italiana, inglesa y alemana, en su Hermenéutica… resuenan una y otra vez los apellidos de Geny, Saleilles y Lambert. Entre los argentinos, por su parte, se mencionan Raymundo Salvat y su Tratado de Derecho Civil Argentino, y Olegario Machado y su Exposición y comentario del código civil argentino24. Lo que lo consagró, sin embargo, fueron sus Comentarios a constituição brasileira, que le permitieron alcanzar un reconocimiento que sobrevivió al sucessivo reemplazo de las constituciones de 1891, 1934, 1937, 1946 y 1967. Es más, todavia hoy, con la vigencia de la de 1988, sus puntos de vista continúan siendo considerados en los pronunciamientos del Superior Tribunal Federal del Brasil.25 Tal como lo expresara Eduardo Espínola al despedirlo como ministro del tribunal el 18 de junio de 1941, con la aparición de sus Comentarios, Carlos Maximiliano pasó a ocupar de inmediato una posición destacadísima entre los más reconocidos especialistas brasileños.26 Con formidable coherencia intelectual, su libro integra una unidad conceptual con los criterios que desplegó como legislador y ministro. Bastante avanzada su redacción ya para

CAMARA DOS DEPUTADOS, Annaes do Congresso Constituinte da Republica, 1890-1891, 2da. ed., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1924, t. 1, p. 530, sesión 7, de 13 de diciembre de 1890. CHRISTIAN EDWARD CYRIL LYNCH, “O caminho para Washington passa por Buenos Aires. A recepção do conceito argentino do estado de sítio e seu papel na construção da República brasileira (1890-1898)”, en Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 27, núm. (febrero de 2012). 15 DEMIAN DE MELO y ADRIANNA SETEMY, verbete “Leopoldo Bulhoes”, en ALVES DE ABREU [coord.], Dicionário..., cit. 16 Annaes do Senado Federal, año 1894, vol. I, 7 de julio de 1894, pp. 162 y 167. 17 ARISTIDES A. MILTON, A constituição do Brazil. Notícia histórica, texto e comentário, 2da. ed., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1898, p. 9. Para las citas de Sarmiento, ver p. 163. Para las de Amancio Alcorta, pp. 155, 163, 372, 453 y 457. Para las de Nicolás Avellaneda, pp. 27 y 163. Para las de José Manuel Estrada, pp. 27, 132 y 310. Para las de Julián Barraquero, pp. 29, 157 y 459. Para las de la Corte Suprema de Justicia de la Argentina, pp. 413, 463 y 467. La sentencia de autos «Alem» se pronuncio el 15 de diciembre de 1893, y se reprodujo en el tomo 54, pp. 453 a 466 de la Colección de Fallos de la Corte Suprema de Justicia de la Nación. Disponible en http://www.csjn.gov.ar/jurisp/jsp/fallos.do?usecase=mostrarHjFallos&falloId=141943. 18 RUI BARBOSA, “A convenção fatal”, en Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXVI (1899), “A imprensa”, t. VII, Rio de Janeiro, Ministerio da Educaçâo e Cultura, 1967, p. 56. 19 Cfr. BARBOSA, “O voto do estrangeiro”, en Obras Completas..., cit., vol. XXVI (1899), “A imprensa”, t. III, p. 239. 20 JUAN A. GONZÁLEZ CALDERÓN, Derecho Constitucional Argentino. Historia, Teoría y Jurisprudencia de la Constitución, t. III, Lajouane, 3ra ed. corregida, 1931 [primera, de 1923], pp. 329 y 330. 21 Convencional constituyente por Minas Gerais, Wellington Brandâo, proyecto sobre “Líneas fundamentales del município”. Sesión 40, 4 de abril de 1946, en Annais da Assembléia Constituinte de 1946, vol. VI, p. 8. 22 23 Para el desempeño como integrante del máximo tribunal brasileño, puede consultarse ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY, Memória jurisprudencial: Ministro Carlos Maximiliano, Brasilia, Supremo Tribunal Federal, 2010. 24 CARLOS MAXIMILIANO, Hermeneutica y aplicação do direito, 19 ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001, pp. 8, 9, 29, 37, 49, 80, 130, 199, y 224. 25 Véase, v.gr, el despacho del ministro del Superior Tribunal Federal brasileño Celso de Mello de 1 de febrero de 2011, citando los Comentarios en el processo AI 631276. 13 14

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1914, el ejercicio de la titularidad de la cartera de justicia hizo que tardase casi cuatro años más en concluir la obra, en la cual, a diferencia de sus predecesores, como Joao Barbalho, la dogmática constitucional y los eventuales pronunciamientos jurisprudenciales no desfilaban desnudos sino acompañados por los fructíferos aportes del derecho comparado y las perspectivas política, histórica y sociológica. Por otra parte, cabe consignar que aún no habían transcurrido seis meses desde su publicación en Brasil, que ya la obra no sólo era conocida en Buenos Aires sino que se la empleaba en los debates parlamentarios argentinos. Es más, el entusiasmo de Joaquín V. González con ella fue tal, que el 5 de septiembre de 1918 aseguró en el Senado que la jurisprudencia brasileña había “venido a incorporarse, aumentando el caudal de interpretación de nuestra propia carta, que ya la Constitución de los Estados Unidos, nos ofrecía, y con mayor ventaja aún, porque la constitución del Brasil, que es federativa, representativa y republicana, en su artículo 64, tomado exactamente del artículo 6° de la Constitución argentina, según la declaración de sus propios comentadores, ha venido a dar a nuestro país la ventaja de tener dos tribunales más, fuera de la Suprema Corte Nacional, para aclarar, estudiar e interpretar sus preceptos” 27. 5. LAS EXPRESIONES DE LA CULTURA JURÍDICA ARGENTINA EN LOS COMENTARIOS DE CARLOS MAXIMILIANO Ya en el pórtico mismo de su obra, Carlos Maximiliano confiesa que sus criterios se enriquecieron transitando, entre otras, por la vereda recorrida por “eximios publicistas argentinos”.28 Una lectura cuantitativa de los Comentarios confirma el aserto. En efecto, considerando las referencias individuales -que pueden ser una o más por nota al pie de página-, se contabilizan en el libro un total de 3.053 citas. De todas éstas, 266 (8,7% del total) se integran en un elenco de escuelas nacionales minoritarias, provenientes, en orden decreciente, de Bélgica, Alemania, Portugal, Reino Unido y Suiza; con setenta citas, en el caso belga, y treinta y cuatro en el suizo. Fuera de esto, se hacen menciones a Aristóteles, al derecho romano, al mexicano y al chileno, en poco más de una veintena de oportunidades. El resto del 91% de las referen-

cias efectuadas son, en cambio, de origen brasileño - 1.024, norteamericano - 961, francés 346, argentino - 232 e italiano - 221. Ahora bien, este 7,6% de referencias argentinas se integró, casi en su totalidad, con expresiones de índole doctrinaria. En efecto, excepto tres o cuatro casos, que en buena medida parecen ser citas de citas, la jurisprudencia nacional casi no constituyó objeto de interés. En cuanto a la doctrina, y con la única excepción de una mención de la obra de Lisandro Segovia, los autores que se mencionan son constitucionalistas. Se trata de José Manuel Estrada y su Curso de Derecho Constitucional y su Política liberal bajo la tiranía de Rosas; Julián Barraquero y su Espíritu y práctica de la Constitución Argentina, Joaquín V. González y su Manual de la Constitución Argentina; Amancio Alcorta y sus Garantías constitucionales; Agustín de Vedia; Perfecto Araya y sus Comentarios a la constitución; José Nicolás Matienzo y El gobierno representativo federal, y Juan Antonio González Calderón y su Derecho Constitucional Argentino. Si bien las referencias argentinas son omnipresentes - al punto que los nombres de Juan Manuel de Rosas, Bartolomé Mitre, Domingo Faustino Sarmiento y Carlos Pellegrini se repiten aquí y allá, con sorprendente familiaridade -, lo que predomina de la presencia argentina es su aparición aclarando tópicos constitucionales de dimensión “política”. Vale decir que resulta más contundente en temas tales como intervenciones federales, estado de sitio, amnistía, o inmigración. No es raro, entonces, que la doctrina argentina se codee y comparta protagonismo con “autoridades” norteamericanas como Story o Paschal. Por otra parte, en tanto que hombre joven y generacionalmente ajeno a los constituyentes de 1891, los interlocutores de Carlos Maximiliano también son autores nuevos o antiguos en nuevas ediciones o versiones. Así las cosas, no resulta tan sorprendente que Juan Bautista Alberdi sólo aparezca mencionado en los Comentarios una sola vez, y sólo debido al hecho de haber sido mencionado por uno de los constitucionalistas argentinos. ¿Cuáles son los motivos del interés brasileño y del prestigio asignado a la doctrina argentina por parte de Carlos Maximiliano? Uno es el hecho de que esa doctrina está explicando una constitución a la que se considera “fuente

subsidiaria” de la brasileña de 1891,29 en la medida en que resultó inspiración de los constituyentes locales,30 y sus cláusulas fungieron de modelo respecto de ciertas instituciones concretas.31 Así, por ejemplo, nuestro autor advierte: “no se olvide que es de la República Argentina que el legislador constituyente importó el actual sistema de suspensión de las garantías constitucionales”.32 Lo mismo se afirma respecto de la unidad jurídica del país, frente al criterio de pluralidad normativa estadual norteamericana.33 Ahora, además de tratarse de la existencia de constituciones “congéneres”,34 lo cierto es que Argentina y Brasil tenían otra cosa en común: los dos eran países “nuevos”.35 Aún más importante que eso resultaba, para Carlos Maximiliano, advertir el potencial de la libertad practicada por los argentinos respecto del modelo norteamericano, y la posibilidad de que al igual que en la Argentina, los precedentes del país del norte no encorsetasen al intérprete brasileño.36 Así, más de una vez, admite que lo argentino había servido de alternativa al modelo puro norteamericano.37 En este sentido, Carlos Maximiliano dice, refiriéndose a la designación de diputados: “la constitución brasileña se separó del modelo norteamericano cuando le concedió representantes, en el Congreso, al Distrito Federal. Prefirió el ejemplo argentino, inspirado por Alberdi”.38 De allí, también que se tenga la convicción de que la doctrina argentina servía para entender los alcances de la constitución brasileña. 6. CONSIDERACIONES FINALES Aunque resulte paradójico, los interlocutores argentinos de Carlos Maximiliano fueron, antes que nada, juristas. Vale decir que en una época signada por la primacía del estatalismo normativo, la legitimidad de lo jurídico continuó, más allá de los discursos, en manos de los operadores particulares, y no del Estado. En este sentido, nuestro autor terminó haciendo las veces de divulgador y legitimador de una doctrina argentina cuyos integrantes, según creo, nunca terminaron de ser verdaderamente conscientes del reconocimiento que sus criterios suscitaron en el país vecino. Por cierto, el recurso a la Argentina y a lo argentino no fue ajeno a um clima de época. Em rigor de verdad, lo excepcional fureon La densidad de su consideración y lãs repercusiones de sus enseñanzas. g

Véase, v.gr, el despacho del ministro del Superior Tribunal Federal brasileño Celso de Mello de 1 de febrero de 2011, citando los Comentarios en el processo AI 631276. Las palabras del doctor Eduardo Espinola se reproducen en MAXIMILIANO, Hermenéutica...,cit., p. 314.27 JOAQUÍN V. GONZÁLEZ, Estudios Constitucionales, t. III, Buenos Aires, La Facultad, 1930, p. 32. Joaquin V. González, Estúdios Constitucionales, t. III, Buenos Aires, La Facultad, 1930, p. 32. 28 Prefacio de los Comentarios, p. 4. 29 Comentarios, pp. 172 y 390. 30 Ídem, p. 322. 31 Ídem, p. 276. 32 Ídem, p. 380, nota 7. 33 Ídem, p. 394. 34 Ídem, p. 185. Véase también p. 208. 35 Ídem, p. 689. 36 Ídem, pp. 172 y 182. 37 Véase un ejemplo en Comentarios, p. 330. 38 Cfr. Ídem, p. 321. 25 26 27

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DESTAQUES DA BIBLIOGRAFIA PARAIBANA IV

A PARAÍBA E SEUS PROBLEMAS Flávio Sátiro Fernandes Trata-se, sem dúvida, de um dos mais importantes e mais emblemáticos livros de quantos já se escreveram sobre a Paraíba, tentando abordar seus mais diferentes aspectos, tais como, a terra, o clima, as secas, sua história, sua vida político-administrativa, as águas, as distâncias, sua economia, a geografia e demais características que fazem de nosso Estado uma unidade federativa singular. É trabalho que se veio incorporar a tantos outros que procuram entender a Paraíba e que, juntos, dão-nos um conhecimento, o mais completo possível, da realidade física, política, econômica e social do nosso Estado. O historiador José Honório Rodrigues, ao analisar a obra de José Américo de Almeida, não se conteve e declarou, peremptoriamente, ser A Paraíba e seus problemas um livro exemplar: A Paraíba e seus problemas é um livro exemplar, pela amplitude da pesquisa, pela correção metodológica, pela capacidade crítica, pela informação bibliográfica, pelo uso das fontes, até mesmo relatórios de província e discursos no Parlamento - o que não era usual na sua época -, pela elaboração do plano, sistemático, ordenado, orgânico, e pelo resultado obtido, frutífero, cheio de originalidade e novidades, não só fatuais, mas sobretudo interpretativas. Josué de Castro, cientista social de renome, ao prefaciar a segunda edição do livro, surgida em 1937, observou: Obra amplamente documentada, elaborada com amor por um homem que observa

e que pensa, e, por isso, conhece admiravelmente a sua terra e a sua gente, A PARAÍBA E SEUS PROBLEMAS constituiu o primeiro estudo sólido, de conjunto, sobre a estrutura física e cultural desta região do Brasil, ainda tão mal conhecida cientificamente. Ademais, por suas diretrizes científicas, pelos processos de indagação utilizados e pelas tentativas de interpretação de certos fenômenos nitidamente regionais, este livro veio abrir horizontes novos à Geografia Humana entre nós, inaugurando o método profícuo dos estudos monográficos, tão de gosto de geógrafos da envergadura de um Jean Brunhes, de um Pierre Deffontaines. Para José Rafael de Menezes, citado por José Octávio na orelha da terceira edição da obra (João Pessoa, 1980), Pela primeira vez, à luz de uma metodologia sociológica, sensível às conquistas interpretativas dos fenômenos históricos sociais que a Escola Monográfica divulgara, uma unidade da federação brasileira é estudada minuciosamente, levantando-se um quadro antropogeográfico de estilizada e realista síntese. A Paraíba e seus problemas é um livro de antecipações, como reconhecido e ressaltado por vários estudiosos, com destaque para Tarcísio de Miranda Burity que depois de expressamente mencionar essa característica do trabalho, observa com exatidão: Hoje, quando anunciamos o que todo mundo aceita, que o problema do Nordeste faz-se, presentemente, mais um problema político do que uma questão de subdesen-

volvimento econômico, de seca ou, ainda, de pretensa incapacidade do homem nordestino, nós não estamos senão repetindo José Américo, que também imaginava a necessidade de mudança de mecanismos de política econômica, financeira e fiscal exigidos pelo país, como necessário se faz, no bom sentido, uma maior agressividade dos homens que são responsáveis pelo desenvolvimento do Nordeste, junto ao poder central para mudança dos diversos mecanismos da política existente. E mais: como bem observou o ex-Governador paraibano, José Américo antecipou-se a algumas das teses desenvolvidas por Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala, no ano de 1933: Isso porque, dez anos antes dessa última publicação, José Américo demonstrava que o subdesenvolvimento da Paraíba não residia no homem nordestino e muito menos na mestiçagem, pois o mestiço era exatamente o tipo ideal de homem adaptado à civilização tropical. A obra compreende quatorze capítulo, a saber: Terra ignota (I), Clima (II), O martírio (III), O abandono (IV), O homem do Norte (V), A redenção (VI), O problema das distâncias (VII), Política hidráulica (VIII), O porto (IX), O saneamento (X), A ação dispersa (XI), Consequências sociais (XII), Consequências econômicas (XIII), Impressão geral (XIV). A última edição de A PARAÍBA E SEUS PROBLEMAS foi patrocinada pelo Senado Federal, que incluiu a obra em uma das coleções de seu plano editorial. g

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HISTÓRIA

A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA NO FINAL DO SÉCULO XVI E SUA RECRUDESCÊNCIA NO SÉCULO XVIII(*) Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins

Entendo que a Inquisição, instituição emanada da Igreja Católica, sob seus mais variados modelos evolutivos (Medieval, Espanhol, Português e Romano), delineou um dos capítulos mais negros da história ocidental ao longo de novecentos anos (Século XII ao Século XIX), deixando nas populações por onde atuou um rastro de ódio, discriminação, intolerância, perseguição, impiedade, cinismo, tirania e morticínio. Ao meu ver, reservadas as proporções, esse rastro só tem paralelo no Holocausto levado a cabo pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Ademais, por muito tempo a Inquisição promoveu o obscurantismo ético, moral e intelectual da sociedade abarcada pela influência e poder da Igreja Católica. Enfim, a Inquisição cerceou também o desenvolvimento científico, assim como a liberdade de consciência e o cultivo das letras que foram sumariamente censuradas sob pena de excomunhão, mediante a inclusão de inúmeros autores e seus respectivos textos no Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos) em suas dezenas de edições sucessivas (desde 1564 até 1948), somente abolido no ano de 1966 pelo Papa Paulo VI. A nós no Brasil tocou mais de perto a Inquisição Portuguesa, em particular o Tribunal do Santo Ofício – Inquisição de Lisboa (1536-1821), de onde procedeu sua atuação nesta terra. Aliás, a título de curiosidade, o primeiro Auto da fé de Lisboa só ocorreu em 20 de setembro de 1540 e a Inquisição veio a ser oficialmente extinta em Portugal através de um decreto datado de 31 de março 1821. De todo modo, ainda hoje o Vaticano alberga oficialmente uma instituição sucedânea da Inquisição (bastante diluída e circunscrita) sob o nome de Congregação para a Doutrina da Fé (1965). Dessa maneira, de um modo geral, quando se fala do duradouro poder da Inquisição e das paralelas relações da Igreja Católica com o mundo ocidental sob seu alcance, a história da humanidade cumpriu uma deplorável e triste ironia: o catolicismo parecia ter esquecido que o próprio Cristo disse “Amai-vos uns aos

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outros, assim como Eu vos amei” e também esqueceu que nos primeiros tempos os neoconversos cristãos foram transformados em presas favoritas do politeísmo do Império Romano até Constantino, todavia mais tarde a Inquisição, exercendo a função de defensora da fé cristã e da Igreja Romana, veio a se constituir durante séculos na grande predadora dos convertidos compulsoriamente ao catolicismo ou dos católicos pecadores. A Inquisição no Brasil, ainda no primeiro século da sua colonização, independente de alguns poucos casos preliminares e isolados, envolvendo moradores dessa terra, marcou o início propriamente dito de suas atividades regimentais através da Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (15911595) que se estendeu então às Capitanias da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Com esse objetivo o Arquiduque Cardeal Alberto de Áustria, Inquisidor Geral do Reino e Vice-Rei de Portugal e seus Senhorios, através de Comissão datada de 26 de março de 1591 (Lisboa), nomeou para o cargo de Visitador o Licenciado Heitor Furtado de Mendoça (à espanhola), Capelão Fidalgo do Rei e do seu Desembargo, Deputado do Santo Ofício. Este ficou responsável pela colheita e condução de todos os depoimentos prestados pelos moradores nas terras visitadas do Brasil, depoimentos estes devidamente lavrados em ata pelo respectivo notário. Nessa ocasião o poder do Visitador (assessorado por religiosos que formavam um tribunal local) não foi ilimitado. Para os pecados ou “crimes” mais graves ele deveria abrir o Processo, prender o “culpado” e enviá-lo ao Tribunal do Santo Ofício – Inquisição de Lisboa para julgamento “em final”. Nessa primeira Visitação os julgamentos “em final” com suas respectivas sentenças atingiram apenas os “crimes” de menor gravidade, que se enquadravam na chamada abjuração de leve, tais como frases heréticas, blasfêmias, bigamia, práticas sodomíticas além de outras, configurando os Processos sem Penitência Pública (com sentenças cumpridas perante a Mesa do Santo Ofício) e os Processos com Penitência Pública (cujas sentenças seriam

cumpridas em dias santificados ou ainda aos domingos, além dos Autos da Fé reservados aos casos mais graves da abjuração de leve). A propósito, a então Vila de Olinda, cabeça da Capitania de Pernambuco serviu de palco para esses espetáculos públicos dantescos entre 1594 e 1595, realizando-se aí ao menos dois Autos da Fé (em 9 de outubro de 1594 e 10 de setembro de 1595). Lembremo-nos que os depoimentos relativos à Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil já estão disponíveis em letra de forma desde a primeira metade do Século XX, pois as Confissões da Bahia 1591-92 foram inicialmente publicadas por iniciativa de João Capistrano [Honorio] de Abreu (1.ª ed. 1922; 2.ª ed. 1935), a que se seguiu uma nova edição em 1997 organizada pelo Prof. Ronaldo Vainfas. Por sua vez, as Denunciações da Bahia 1591-593 foram igualmente publicadas por Capistrano de Abreu (1925). Com a morte de Capistrano coube a Rodolpho [Augusto de Amorim] Garcia publicar em 1929 as Denunciações de Pernambuco 1593-1595 (abrangendo as Capitanias de Itamaracá e da Paraíba). Anos mais tarde, em 1970, o Prof. José Antonio Gonsalves de Mello [Neto] editou as Confissões de Pernambuco 1594-1595 (incluindo também as Capitanias de Itamaracá e da Paraíba). Por fim, estes dois últimos títulos foram novamente impressos em 1984 constituindo uma edição conjunta sob o título de Denunciações e Confissões de Pernambuco 1593-1595 (contendo igualmente as Capitanias de Itamaracá e da Paraíba), cujo editor foi o próprio Prof. José Antonio Gonsalves de Mello [Neto]. Atualmente uma gama de documentos originais da Inquisição de Lisboa referentes ao Brasil (em boa parte manuscritos, além de outros mais tardios já então impressos, abrangendo os Séculos XVI, XVII e XVIII, arquivados na Torre do Tombo - Lisboa), se encontram já digitalizados e estão, portanto, acessíveis para estudo. Vê-se aí grande número de Processos do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, inclusive os relativos ao Brasil que estão sendo igualmente digitalizados, o que significa um


incomensurável avanço para a pesquisa nesta área. O mesmo pode ser dito das Listas dos Autos da Fé da Inquisição de Lisboa. No que diz respeito à Capitania da Paraíba os seus moradores, naturais ou não daí, foram atingidos pelas garras da Inquisição num crescendo de perseguição ao longo daqueles três séculos, tendo atingido o auge durante o Século XVIII. Não seria justo prosseguir esta exposição sobre a Inquisição na Paraíba e, de um modo geral, no Nordeste, sem antes destacar alguns nomes de primeira grandeza que a partir da segunda metade da centúria passada vêm oferecendo substanciais contribuições neste sentido, ao contemplar o período que vai desde o final do Século XVI até o Século XVIII (inclusive). Dentre eles nomino o já mencionado Prof. José Antonio Gonsalves de Mello [Neto], a Prof.ª Anita [Waingort] Novinsky, o Prof. José Gonçalves Salvador, a Prof.ª Sonia Aparecida de Siqueira, o Prof. Arnold Wiznitzer, o Prof. Ronaldo Vainfas, o Prof. Bruno Feitler, o Prof. Luiz [Roberto de Barros] Mott, o Prof. Carlos An-dré Macedo Cavalcanti e o historiador Flávio Mendes Carvalho. Também não se pode esquecer aqui o nome de Zilma Ferreira Pinto, estudiosa dedicada da Inquisição na Paraíba. Cumpre assinalar ainda que já na primeira metade do Século XIX o então futuro Barão e Visconde de Porto Seguro, Francisco Adolpho de Varnhagen, fez publicar no Brasil na hoje chamada Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (então denominada Revista Trimensal de Historia e Geographia, Tomo VII, N.º 25, 1845, p. 54-86) uma pes-quisa pioneira no Brasil, intitulada EXCERTOS de varias listas de condemna-dos pela Inquisição de Lisboa [nos Autos de Fé], desde o anno de 1711 ao de 1767, comprehendendo só os Brazileiros, ou Colonos estabelecidos no Brazil . Nestas listas de cristãos-novos verifica-se que cerca de 219 moradores do Brasil foram cruelmente atingidos pela Inquisição (Este pesquisador não achou a parte que vai de 9 de Julho de 1713 até 17 de Fevereiro de 1716) tendo sido aí assinalados 44 moradores da Capitania da Paraíba (dois dos quais foram atingidos duas vezes e nesta soma pude acrescentar mais 3 pessoas que haviam passado despercebidas na mesma fonte utilizada), representando assim mais de 21% de toda a amostragem aí arrolada. Além disso, a ilustre Prof.ª Anita Novinsky também adicionou mais 106 pes-soas à mesma relação de cristãos-novos atingidos e condenados pela Inquisição na Paraíba ao longo do Século XVIII (Anita Novinsky – Inquisição. Rol dos Culpados. Fontes para a História do Brasil/Século XVIII. Rio de Janeiro, 1992; Idem – Inquisição. Inventários

de bens confiscados a cristãos novos/Século XVIII. Lisboa, 1976). Por sua vez o destacado pesquisador Flávio Mendes Carvalho conseguiu aumentar ainda mais essa relação com outros 11 cristãos-novos da Paraíba durante o mesmo período (Flávio Mendes Carvalho – Raízes Judaicas no Brasil. O Arquivo Secreto da Inquisição. São Paulo, 1992). Só no Século XVIII essa lista chegou a mais de 160 cristãos-novos e aí se vê inúmeras famílias abrangentemente atingidas, incluindo seus descendentes, ascendentes e colaterais condenados a penas perpétuas e degradantes ou ceifados em vida por professarem a Lei de Moisés. Enfim, durante o Século XVIII as sentenças desses cristãos-novos (Paraíba) foram em geral muito mais severas do que as aplicadas no final do Século XVI. Começo a passar em revista aqui a Primeira Visitação do Santo Ofício à Paraíba (1595), que corresponde à investida menos feroz da Inquisição a esta terra, apesar de certas vozes pouco fundamentadas afirmarem diferentemente. Depois de terminar a Visitação na Bahia e tendo resolvido interromper naquela ocasião a de Pernambuco a comitiva do Licenciado Heitor Furtado de Mendoça dirigiu-se por terra (e não por mar, como já tenho visto algures) para a Capitania de Itamaracá e daí, também para a Capitania da Paraíba. Enfim, chegaram a esta terra no dia 06 de janeiro de 1595. Dois dias depois foi celebrado o Auto da Santa Inquisição na Capitania da Paraíba e no dia 09 seguinte os depoimentos dos moradores começaram a ser prestados até o dia 24 do mesmo mês. Dessa maneira, com menos de quatro semanas de permanência na Paraíba, a comitiva do Visitador já havia encerrado aí seus trabalhos, retornando a Pernambuco em 29 de janeiro de 1595 para dar continuidade à sua Visitação. Devo já explicitar que não pretendo aqui esmiuçar em toda a extensão a questão referente ao título da minha alocução, nem isto seria possível no espaço de tempo dis-ponível. Ater-me-ei, sim, apenas a determinados aspectos substanciais da Inquisição na Paraíba a partir do final do Século XVI, aproveitando inclusive a oportunidade para também assinalar alguns importantes senões bastante recorrentes sobre esta matéria, os quais têm sido observados nos últimos anos, divulgados principalmente por autores autóctones munidos de discutível rigor metódico __ em que ou não interpretaram de maneira adequada as fontes necessárias ou até as dispensaram __ preferindo a mera repetição de certas notícias pouco fidedignas de penúltima água, procedimento, sem dúvida, bem mais cômodo. A esta altura considero bastante oportuno não perder de vista que, em janeiro de 1595

quando a Inquisição chegou à Paraíba, a conquista formal do seu território ainda não tinha completado dez anos e já contava com sete engenhos de açúcar situados na várzea do rio Paraíba, onde se concentrava o grosso da população da Capitania durante a maior parte do ano. Por sua vez, a cabeça dessa Capitania, a Cidade Filipéia de Nossa Senhora das Neves (assim denominada a partir de 1588), era uma pequena urbe cuja população permanente atingiria então algo em torno de 150 moradores distribuídos em cerca de cinco ou seis diminutas ruas. Isto nos permite dizer, por aproximação, que a população total dessa Capitania (excetuando os índios) deveria orçar seus 700 a 750 habitantes. Nesse cenário é que exatas 16 denunciações foram prestadas por 15 denunciantes ao Licenciado Heitor Furtado de Mendoça, já que uma das depoentes, Maria Salvadora, cristã-velha, casada, de 45 anos de idade, que estava degredada no Brasil, denunciou duas vezes. A propósito, contam-se aí 4 mulheres, todas cristãs-velhas, e 11 homens, dos quais 10 cristãos-velhos (2 deles religiosos, sendo um secular e outro regular da Ordem dos Frades Menores) além de um meio cristão-novo chamado Antonio Tho-maz, solteiro de 25 anos de idade que, aliás, também foi aí denunciado pelo cristão velho Domingos Ferreira, soldado, solteiro de 25 anos. Foram assim denunciadas cerca de 30 pessoas de ambos os sexos em que se contam pelo menos 8 cristãos novos, dentre eles a famosa Branca Dias (que havia morado em Pernambuco e que já era defunta desde cerca de 1580). De todo modo considero adequado, portanto, excluir dessa relação de denunciados os já então falecidos e os que não mais residiam nem jamais vieram a residir na Capitania da Paraíba. Assim procedendo, restam apenas 14 pessoas denunciadas, as quais na-quela ocasião estavam realmente vivas e moravam efetivamente nessa terra. Neste último grupo (autêntico) de denunciados há 11 homens (3 cristãos-novos além de 8 cristãos-velhos) e 3 mulheres (1 cristã-velha além de 2 cristãs-novas, mãe e filha com cerca de 10 anos de idade). Quanto às ditas 3 mulheres denunciadas, a cristã-velha Maria Simões foi acusada de bigamia da mesma forma que seu marido, adiante assinalado; já as outras duas cristãs novas (mãe e filha), estas foram alvo de uma remota presunção de judaísmo sem prova cabal. No que toca àqueles 11 homens denunciados, temos 2 casos de sodomia (sendo 1 cristão-velho e 1 índio), 3 casos de bigamia (sendo 2 cristãos-velhos e 1 outro que nada sabia informar a respeito) 6 casos de heresia (sendo 1 cristão-velho, 3 cristãos-novos outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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e 2 outros sem a dita qualificação). Dentre os homens denunciados na Paraíba sobressai o cristão-velho Antonio da Costa de Almeida, Escrivão da Fazenda Real da Capitania (casado com a cristã-velha Maria Simões, já mencionada e também alvo da mesma acusação), o qual só na Paraíba foi denunciado seis vezes por conta da bigamia. Aliás, no seu caso há uma respeitável porém equivocada informação, segundo a qual Antonio da Costa de Almeida era “Governador” da Paraíba, cargo que na realidade ele jamais exerceu; nesse tempo o Governador Capitania da Paraíba era Feliciano Coelho de Carvalho (1592-1600) [Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins Governantes da Paraíba no Brasil Colonial. Uma revisão crítica da rela-ção nominal e cronológica (1585-1808). 2.ª ed. João Pessoa, 2007]. Enfim, é possível constatar que mesmo depois de tantas acusações de bigamia, Antonio da Costa de Almeida continuou a exercer seu cargo de Escrivão da Fazenda Real nessa terra (1596, 1598, 1599), portanto, parece ter conseguido uma sentença bastante suave ou até teria se livrado dessas acusações (Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da Paraíba. Recife, 1947, fól. 88v., fól. 89, fól. 89v., fól. 106v., fól. 142v.). O mesmo pode ser dito em relação à sua esposa, igualmente bígama. Ademais nessa mesma Visitação, durante o período de quinze dias de Graça concedidos à Capitania da Paraíba, o Licenciado Heitor Furtado de Mendoça ouviu também 9 confissões feitas por 2 mulheres (as cristãs-velhas Maria Simões e Cecília Fernandes) e 7 homens, dos quais 5 cristãos-velhos (Manuel Barroso, Pedro Álvares, Antonio da Costa de Almeida, Fulgêncio Cardoso e Domingos Ferreira), além de 1 cristão-novo e mameluco (Francisco Lopes da Rosa) e 1 soldado castelhano que não sabia dizer se era ou não cristão-velho. Dentre estes há 4 confitentes que também figuram entre os de-nunciados (sendo 1 mulher, a cristã-velha Maria Simões, e 3 homens, dos quais 2 cristãos-velhos, Antonio da Costa de Almeida e Pedro Álvares e 1 cristão-novo e mameluco, Francisco Lopes da Rosa). No que diz respeito à Primeira Visitação da Inquisição à Paraíba (1595) é oportuno já retificar uma determinada afirmativa (tão conhecida nessa terra quanto equivocada), a qual já tive a oportunidade de trasladar anteriormente: “a primeira visitação do Santo Ofício fez-se tão rigorosa [???] que alcançou o vigário da freguesia de N. S. das Neves [???]. Acusado de ascendência árabe [???] e práticas judaizantes [???], o padre João Vaz de Salem [Leia-se padre João Vaz Salem], homem rico [?] e influente [?] teve seus bens confiscados [post-mortem e não pelo Santo Ofício].

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Vários [???] desses rever-teriam [???] à ordem beneditina [???]” (Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins - Uma apreciação crítica do período colonial na HISTORIA DA PARAÍBA LUTAS E RESISTÊNCIA. João Pessoa, 2006, p. 303 e seg.). Pois bem, por mais discutível que fosse o caráter do primeiro vigário da Paraíba (e o era), o padre João Vaz Salem não pode ser absolutamente visto como se representasse “uma espécie de síntese insólita do ecumenismo neste País, configurando, ao mesmo tempo, um sacerdote católico com origem moura e além disso judaizante”. Aliás, se o autor a que me reporto tivesse tido o cuidado de ler o depoimento desse vigário da Capitania da Paraíba ao Licenciado Heitor Furtado de Mendoça no dia 23 de janeiro de 1595 veria que o padre João Vaz Salem era ali tão somente um denunciante, jamais um denunciado. Tampouco ele foi denunciado por quem quer que fosse noutro local daquela Visitação. Ali ele, ex-pressamente, “dixe seer christão velho sem ter raça de christão novo [,] natural da Villa de Loulé do Reino do Algarve ...”. Nesta sua denunciação dois foram os acusados por ele: Manoel Dias, beneficiado da Igreja do Salvador, Matriz da Vila de Olinda (Per-nambuco), além de Antonio da Costa de Almeida, cristão-velho e Escrivão da Fazenda Real da Capitania da Paraíba. Continuando, se o autor daquela afirmativa ora questio-nada tivesse consultado as fontes competentes perceberia que o padre João Vaz Salem não era então um “homem rico e influente” na Paraíba, mas sim um homem inescru-puloso e de comportamento irresponsável pois costumava abandonar sua paróquia, às vezes por até seis meses num mesmo ano, a fim de prear índios com o propósito de vendê-los como escravos. Essa sua atitude muito pouco recomendável para um clérigo tornou-se insuportável nessa terra e “disto Se queixaram os officiais da Camera (da Cidade Filipéia de N. S. das Neves) a Sua Magestade, e ao Perlado (Prelado) Diogo de Coutto [Ouvidor da Vara Eclesiástica em Pernambuco]” (Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da Paraíba. Recife, 1947, fól. 92). Diante disso ele veio a sofrer sanções eclesiásticas, o que lhe valeu post-mortem o confisco do único bem de raiz que possuía (um terreno urbano com morada na Paraíba) por ordem da Câmara Apostólica de Pernambuco, em torno de 1599, e não por ordem da Inquisição. Tampouco esse único bem reverteu à Ordem Beneditina na Paraíba pois o padre João Vaz Salem jamais havia feito negócio com esta Ordem. O que ocorreu foi que a Câmara da Cidade Filipéia de N. S. das Neves veio a comprar aquela sua antiga morada à Câmara Apostólica de Pernambuco com o objetivo de doá-la à Ordem de São Bento e com isso tentar

apressar o seu tão necessário estabelecimento efetivo na Paraíba. Por outro lado, sabemos muito bem que aquela célebre cristã-nova Branca Dias, antiga moradora de Pernambuco (já falecida desde cerca de 1580, bem como seu marido, o cristão-novo Diogo Fernandes (igualmente finado muito tempo antes dela), da mesma maneira que seus descendentes de primeira e segunda geração, constituíram talvez a família de cristãos-novos mais seriamente perseguida pela Inquisição no Brasil em fins do Século XVI e nos primeiros anos do Século XVII. Dessa maneira, não deixa de causar certa estranheza o fato de até hoje não se conhecer qualquer depoimento do Santo Ofício incriminando um filho da dita Branca Dias, o mercador e cristão-novo Jorge Dias da Paz, casado com a cristã-velha Maria de Góis, moradores na Paraíba em 1594. Ademais, em 1595 ele até esteve em Pernambuco para tentar ajudar sua irmã, a cristã-nova Brites Fernandes (aleijada e retardada mental), que recentemente havia sido presa pela Inquisição em Olinda. Enfim, Jorge Dias da Paz já era falecido em 1601. Agora é preciso esclarecer certos aspectos relativos a um particular morador da Paraíba no final do Século XVI. Trata-se do cristão-novo Diogo Nunes [Correia], irmão do opulento cristão-novo João Nunes [Correia] que residia em Pernambuco embora tivesse até atuado nas lutas de conquista da Paraíba, vindo depois a possuir bens de raiz nessa terra. O fato é que, juntamente com João Nunes e com outro irmão que residia em Portugal, Diogo Nunes era co-senhor da segunda fábrica de açúcar da Paraíba, onde morava, fábrica esta que tive a oportunidade de restituir a sua correta identidade, na verdade o engenho Santo André (1587-1588) e não a um dos dois engenhos que existiram à margem do rio Tibiri, como havia suposto Rodolpho Garcia sem muita convicção (Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins - Páginas de História da Paraíba. Revisão crítica sobre a identificação e localização dos dois primeiros engenhos de açúcar da Paraíba. João Pessoa, 1999). Além disso, pouco antes da chegada da Inquisição na Paraíba Diogo Nunes estava edificando um novo engenho em que era igualmente seu co-senhor. Pois bem, da mesma maneira que João Nunes, Diogo Nunes foi também atingido pela Inquisição, acusado de blasfêmia em Pernambuco nos anos de 1593 e 1594. Foi então preso e sentenciado a sair em Auto da Fé na Vila de Olinda no dia 9 de outubro de 1594, “desbarretado, cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão” para fazer abjuração de leve suspeito na fé. Ademais ele deveria ser instruído por um religioso a ser nomeado (José Antonio Gonsalves de Mello [Neto] – Gente da Nação. Recife, 1989, p. 191).


Analisemos, pois, aquela lista de denunciados na Paraíba em 1595. Embora os respec-tivos dados possam ainda admitir algum eventual reparo, cumpre citar aqui o cristão velho Braz Francisco, carpinteiro, acusado de blasfêmia na Paraíba em 9 de janeiro de 1595, o qual foi preso pelo Visitador e sentenciado a sair no Auto da Fé celebrado em Olinda no dia 10 de setembro de 1595, desbarretado e descalço, cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão para fazer a abjuração de leve suspeito na fé (José Antonio Gonsalves de Mello [Neto] – Gente da Nação. Recife, 1989, p. 194). Mencione-se agora, por necessidade, o meio cristão-novo Salvador Romeiro (Proc. 28--11519) acusado de sodomia (e também de bigamia) por Joana Afonso, moradora na Paraíba, a 9 de janeiro de 1595, e que desde cerca de 1577 vivia degredada no Brasil por crime de adultério; tanto ela quando o denunciado eram oriundos de ilha de São Tomé (atualmente República Democrática de São Tomé e Príncipe). Pois bem, segundo um pesquisador hodierno de nomeada que rastreou importantes fontes primárias nessa área e até escreveu sobre a Inquisição na Capitania da Paraíba, o referido meio cristão-novo Salvador Romeiro foi sentenciado a sair em Auto da Fé “... descalço, em corpo, com a cabeça descoberta, cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão e [que] seja açoitado publicamente por esta vila [Ver-se-á adiante que esta vila é a de Olinda e que a data deve ser 9 de outubro de 1594] e [que] vá degradado oito anos para as galés do Reino, para onde será embarcado na forma ordinária” (Luiz Mott – A Inquisição na Paraíba, in: RIHGP, 1999, N. 31, p. 71-96). Neste caso em particular é preciso retificar algumas interpretações textuais equivocadas por parte do ilustre autor em tela. Na verdade, mediante a leitura do Processo 28-11519 em epígrafe verifica-se primeiramente que o meio cristão-novo Salvador Romeiro, embora denunciado no dia 9 de janeiro de 1595 na Cidade Filipéia de N. S. das Neves, não era morador dessa terra e tampouco “Viveu algum tempo na Paraíba”. Ele apenas havia estado lá, incidentalmente, em determinada ocasião, onde encontrou Joana Afonso, sua conterrânea da ilha de São Tomé, a qual veio a denunciá-lo mais tarde naquela última data. Aliás, em 9 de janeiro de 1595 ele, então já condenado, devia estar muito perto de cumprir sua sentença nas galés do Reino pois seu Auto de Entrega em Lisboa é do dia 12 de março de 1595. Enfim, observa-se que Salvador Romeiro, proveniente do Reino, chegou a Pernambuco na Urca Jonas a 19 de abril de 1594 (portanto bem antes da-quela denunciação de Joana Afonso). Mediante denúncia em Pernambuco

foi lavrada uma ordem de prisão para ele no dia 27 de junho de 1594, tendo sido preso no dia 28 de junho de 1594 (já no dia seguinte). Sua sentença foi assinada em Olinda pelo Licenciado Heitor Furtado de Mendoça no dia 4 de agosto de 1594. Registre-se a seguir o padeiro cristão-velho Balthazar da Lomba (Proc. 28-6366), cujo Processo também consultei, que foi acusado de sodomia praticada com diversos índios na Paraíba, entre eles o de nome Acauhy. O fato é que o denunciado mostrou-se então muito arrependido e a Mesa do Santo Ofício foi bastante benevolente determinando que ele “... vá degradado sete anos para as galés do Reino, para as quais será embarcado preso na forma ordinária para nelas servir sem vencer soldo ... sendo proibido de retornar à Paraíba por justos respeitos e pague as custas dada na mesa da Visitação do Santo Ofício em Olinda de Pernambuco aos 16 de Março de 1595 ” Quanto aos demais denunciados daquela lista da Paraíba, temos o carpinteiro cristão-velho chamado Pedro Álvares acusado de bigamia, cuja sentença deve ter sido tão suave quanto a de outro cristão-velho já assinalado, Antonio da Costa de Almeida (Escrivão da Fazenda Real), acusado do mesmo crime, incluindo-se aí sua esposa, a cristã-velha Maria Simões, que recebeu a mesma acusação. Estendo ainda o mesmo raciocínio para Jerônimo Monteiro, igualmente acusado de bigamia. Mencione-se agora os seguintes denunciados: o marinheiro Gonçalo Francisco acusado de blasfêmia, o pescador Diogo Lopes também acusado de blasfêmia, o cristão-novo Leônis de Pina acusado de blasfêmia, o meio cristão-novo Antonio Thomaz, acusado de blasfêmia, além do cristão-novo e mameluco Francisco Lopes da Rosa (Tabelião do Público, Judicial e Notas da Capitania da Paraíba), igualmente acusado de blasfêmia, cujas respectivas sentenças devem ter ficado circunscritas à abjuração de leve (pro-vavelmente sem penitência pública, como se pode ver adiante por alguns indícios), levando em consideração que este tipo de falta era de menor gravidade, bem como pelo fato de eles não figurarem entre os que cumpriram sentença com penitência pública. Por fim temos nessa mesma relação de denunciados a cristã-nova e mameluca Gracia Luis (esposa do cristão-velho João Afonso Pamplona, Tesoureiro dos Defuntos e Ausentes na Paraíba) e sua filha menor chamada Maria com nove ou dez anos de idade, as quais haviam sido alvo de uma suspeita pouco consistente de judaísmo. Não encontrei notícia sobre o resultado da sua denunciação mas é difícil acreditar que tivesse havido aí uma sentença mais significativa.

Vejamos agora a lista de confitentes na Paraíba em 1595 (os quais não figuraram tam-bém como denunciados), onde se podem observar as respectivas sentenças. Temos, por exemplo, o cristão-velho Manuel Barroso, o qual se confessou blásfemo e foi “man-dado confessar (seu pecado) e que traga por escrito”. Segue-se o soldado castelhano João de Paris, bombardeiro do forte do Cabedelo, que não sabia se era ou não cristão-velho, tendo confessado uma blasfêmia, após o que “foi-lhe mandado que se vá con-fessar e traga escrito e que seja mui atentado em suas palavras como bom cristão”. Em seguida vem o cristão-velho Domingos Ferreira que confessou uma blasfêmia, tendo sido “admoestado pelo Senhor Visitador com caridade e que as cousas que não enten-de as pergunte a pessoas doutas e religiosas que o encaminhem bem, e lhe mandou que se vá confessar e traga escrito a esta Mesa e quando o trouxer se lhe dirá o mais que há de fazer”. Continuando, o cristão-velho Fulgêncio Cardoso de 35 anos confessou um único ato de sodomia aos 13 anos de idade, tendo sido “mandado que se vá confessar e traga escrito a esta Mesa e admoestado que se afaste de ocasião tão abominável e qualquer outra semelhante”. Para finalizar temos a confissão da cristã-velha Cecília Fernandes que havia proferido uma blasfêmia cerca de 10 ou 12 anos antes, por conta do que “foi admoestada pelo Senhor Visitador [e] que não diga mais tais nem outras semelhantes blasfêmias e mandada que se vá confessar e traga escrito” (Confissões de Pernambuco 1594-1595. Recife, 1970, p. 129, 133, 136, 137, 140. Como se pode constatar através desses dados aqui expostos, diferentemente do que hoje se vê publicado várias vezes na Paraíba (sem critérios metódicos) não há como entender a Primeira Visitação do Santo Ofício a essa terra como muito “rigorosa”. Considerando-se sua índole, ela foi até razoavelmente branda na época. O fato é que terminada a Primeira Visitação à Paraíba, ao longo do século seguinte a atuação do Santo Ofício se fez sentir ali de forma continuada porém sem chegar à per-seguição dramática da população local que foi vista na centúria subseqüente. A partir da terceira década do Século XVIII a Inquisição protagonizou na Paraíba um papel muito mais trágico e cruel, colocando esta terra em triste destaque perante todo o restante do Brasil. Para se ter ideia da truculência do Santo Ofício na Paraíba ao longo do Século XVIII, a quase totalidade dos aí atingidos era acusada de judaísmo, embooutubro/novembro/dezembro de 2014 |

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ra se possa também ver casos de bigamia e feitiçaria. Dentre aqueles mais de 160 cristãos-novos, atrás assinalados, ilustrarei com mais atenção 45 pessoas desse grupo (16 homens e 29 mulheres), sendo que também acessei aí 29 processos. Aliás, 1 deles que não figura naquela relação de 45 pessoas, o cristão-novo Diogo Nunes Tomás, o velho (Proc. 28-196), com 83 anos de idade, natural de Serinhaém (PE) e morador no engenho Novo (PB) foi acusado de judaísmo e preso em 6/10/1729, vindo a falecer a 5/12/1730 no cárcere em Lisboa. A sentença mais pesada nesses casos analisados recaiu sobre a judaizante e cristã-nova Guiomar Nunes (Proc. 28-11772) com 37 anos em 1729, natural de Pernambuco e moradora no engenho Santo André (PB), filha de Antonio Dias e de Clara Henriques, e casada com o latoeiro cristão-novo Francisco Pereira (que recebeu a sentença de cárcere e hábito perpétuo), enquanto que sua esposa veio a ser relaxada em carne (queimada na fogueira) como convicta, negativa e pertinaz no Auto da Fé de 17 de junho de 1731. Observa-se também que, sob a acusação de judaísmo vieram a falecer no cárcere, por certo em função de maus tratos e torturas, os seguintes 5 cristãos-novos (3 homens e 2 mulheres) presos nas enxovias de Lisboa: José da Fonseca Rego (Proc. 28-8039) Ambrósio Nunes [da Fonseca] (Proc. 28-6288), Luiz de Valença Caminha, o moço (Proc. 28-298), Joana Gomes da Silveira [Bezerra] (Proc. 28-2325) e Tereza Barbalha de Jesus (Proc. 28-9397). Pode-se verificar ainda que, dentre aqueles 45 cristãos-novos, encontrei apenas dois acusados de “culpas menores”, ou seja, obrigados apenas à abjuração de leve em Auto da Fé e, mesmo assim, um deles, o bígamo e cristão-novo Sebastião de Azevedo (Proc. 28-5579) recebeu uma sentença adicional de açoites pelas ruas de Lisboa além do degredo de 5 anos nas galés e outras penitências. Os demais dentre aqueles 45 cristãos-novos foram submetidos à abjuração de vehemente em Auto da Fé com sen-tenças de cárcere e hábito (sambenito) perpétuo ou a arbítrio do tribunal, além de outras penitências e do confisco dos bens, pagamento das custas processuais etc. Ao se procurar interpretar com mais detalhes o grupo em epígrafe salta aos olhos o fato de que ao longo desse período a Inquisição de Lisboa cuidou de atingir cruelmente diversos membros de várias das famílias de cristãos-novos da Paraíba, as quais ficaram assim dilaceradas e desestruturadas além de extorquidas no seu parco patrimônio material

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(na maioria dos casos), bem como estigmatizadas indelevelmente por conta do ostracismo público, da perda da liberdade individual, do direito de ir e vir, do habitual convívio social e da liberdade de consciência. O que acabo de dizer pode ser caracterizado na subsequente ilustração de dez famílias de cristãos-novos da Paraíba ao longo do Século XVIII, cujos respectivos componentes atingidos pela Inquisição consegui recompor com bastante trabalho. Em primeiro lugar temos a família do já citado cristão-novo Diogo Nunes Tomás, o velho (casado com a cristã-velha Vitória Barbalha [Bezerra, a velha]). Além dele pró-prio, o Santo Ofício atingiu os seguintes 6 filhos seus, além de 1 neta, na Paraíba: as duas filhas já citadas Joana Gomes da Silveira [Bezerra] (Proc. 28-2325), e Tereza Barbalha de Jesus (Proc. 28-9397), além de Guiomar Nunes Bezerra (Proc. 28-11773), Luiza Barbalha Bezerra (Proc. 28-816), Mariana Páscoa Bezerra (Proc. 28-3514) e Diogo Nunes Tomás , o moço (Proc. 288177), cuja filha Vitória Barbalha Bezerra, a moça (Proc. 28-3613) com 19 anos foi igualmente atingida pelo Santo Ofício. Em segundo lugar sobressai também a família do cristão-novo Luiz de Valença Ca-minha, o velho, já então falecido, casado com Filipa da Fonseca, cujos 5 filhos se-guintes foram atingidos pela Inquisição: Estêvão de Valença Caminha (Proc. 28-2296) Maria de Valença, Guiomar de Valença (Proc. 28-4059), presa duas vezes, José da Fonseca Caminha (Proc. 28-298) e Luiz de Valença Caminha, o moço (Proc. 28-298). Em terceiro lugar registro a família do cristão-novo Manoel Henriques da Fonseca, casado com a cristã-nova Joana do Rego, a moça (Proc. 28-09164), ambos presos por ordem do Santo Ofício, juntamente com os seguintes 3 filhos seus: José da Fonseca Rego (Proc. 28-8039), já citado há pouco, falecido no cárcere em Lisboa, Dionísia da Fonseca (Proc. 28-02422) e Isabel da Fonseca Rego (ou Isabel Henriques). Em quarto lugar assinalo a família do cristão-novo Luiz Nunes Fonseca, o velho, casado com Maria Tomás, aparentemente já então falecidos, cujos 3 filhos seguintes foram alcançados pelo Santo Ofício: Luiz Nunes da Fonseca, o moço (casado com Guiomar Nunes Bezerra (Proc. 28-11773), já citada), Ana da Fonseca e Clara Henriques da Fonseca, casada com Antonio Dias Pinheiro (são os pais da inditosa Guiomar Nunes, relaxada em carne em Lisboa). Em quinto lugar menciono a família do cristão-novo Diogo Nunes Chaves, casado

com Joana Nunes do Paço, aparentemente já então falecidos, cujos 3 filhos seguintes foram presos pela Inquisição: Antonio Nunes Chaves (Proc. 28-10475), Florença da Fonseca (Proc. 28-00013) e Maria Franca da Fonseca. Em sexto lugar lembro ainda a família do cristão-novo André Lopes, casado com Maria Henriques, aparentemente já então mortos, cujas 2 filhas seguintes também foram atingidas pelo Santo Ofício: Isabel Henriques e Filipa Gomes Henriques (Proc. 28-0001). Em sétimo lugar pinço a família do cristão-novo Gaspar Nunes Espinosa, casado com Joana do Rego, a velha, já então mortos, ao que parece, cujos 2 filhos seguintes foram alcançados pela Inquisição: Joana do Rego, a moça (Proc. 28-09164), já citada há pouco, casada com o cristão-novo Manoel Henriques da Fonseca, e João Nunes Tomás (Proc. 28-08033). Em oitavo lugar registro a família do cristão-novo João Álvares Sanches, casado com Isabel da Fonseca, provavelmente já então mortos, cujos 2 filhos seguintes foram condenados pelo Santo Ofício: Cipriana da Silva (Proc. 28-4218) e Luiz Álvares. Em nono lugar arrolo a família do cristão-novo Tomás Nunes, casado com Serafina Rodrigues, ao que parece já então mortos, cujas 2 filhas seguintes foram igualmente condenadas pela Inquisição: Floriana Rodrigues (Proc. 28-12) e Filipa Nunes (Proc. 28-0009). Em décimo lugar, finalmente, mostro a família do Escrevente cristão-velho Diogo Chaves, casado com a cristã-nova Luiza de Chaves, aparentemente já então falecida, cujas 2 filhas seguintes foram também condenadas pelo Santo Ofício: Joana do Rego (Proc. 283938) e Filipa Mendes. Diante dessa pequena amostragem de cristãos-novos da Paraíba aqui analisada, ao longo do Século XVIII, comprova-se o efeito devastador do Santo Ofício sobre as suas famílias, como um todo, nessa terra. Além disso, não se deve esquecer que em geral cada uma dessas famílias de cristãos-novos estava entrelaçada com as outras por via do casamento entre seus respectivos membros. Isto posto, espero ter aqui salientado alguns dos aspectos mais patentes da truculência e da gravidade com que o Santo Ofício tratou a população de cristãos-novos na Paraíba ao longo do Século XVIII, dando aí todas as demonstrações de que esse Ofício nada tinha de Santo nem jamais veio a ter. g *Este texto corresponde à conferência de encerramento do 2.º CONGRESSO INTERNACIONAL DE ANTROPOLOGIA E HISTÓRIA DA RELIGIÃO realizado no Recife – PE, pronunciada no dia 09 de outubro de 2014 e também no IHGP em 28 de novembro de 2014.


LIVROS O DIABO CHEGA PRIMEIRO – José Ronald Farias, São Paulo, Biblioteca 24 horas- 2013. – A humanidade pode erradicar a varíola, mas não consegue acabar com a ignorância – protestou o velho advogado, enquanto impava uma melecada fedorenta ainda grudada em seu paletó. Há séculos que é assim: o ativismo começa com uma causa nobre e termina virando um monstro. Veja, por exemplo, o caso do cristianismo. Começou com os ensinamentos extraordinários de Cristo... o perdão, a tolerância, a humildade... Mas, vê no que deu! Assim começa esse romance que representa a estreia do autor no campo da ficção, ele que era afeito, até então, aos procedimentos forenses e magistério jurídico. Ao leitor cabe conferir que José Ronald Farias se inicia bem em seu novo habitat literário.

GALLUS

– Surgimento e evolução das línguas românicas – Tarcísio Dinoá Medeiros, Brasília, Academia de Letras de Brasília, 2014. O acadêmico Tarcísio Dinoá Medeiros assumiu a difícil tarefa de explorar e projetar luz sobre tema de grande interesse literário e científico. E o fez com precisão, com mãos de cirurgião, protegido com luvas de mestre e, assim, com grande competência. Denominou esta sua inovadora produção intelectual de Gallus: surgimento e evolução das línguas românicas, e discorre sobre estas e sobre a etimologia do termo galo, anima “útil relógio natural”, segundo sua arguta observação, lembrado também por haver sido citado nas Sagradas Excrituras. (Francisco Adalberto Nóbrega (da Academia de Letras de Brasília).

MEMÓRIAS DE GUARANY – Guarany Marques Viana, João Pessoa, Ideia, 2014. Este livro “Memórias de Guarany: Engenheiros de 1964 – Jubileu de Ouro” do Professor Guarany Marques Viana, não se trata de sua autobiografia mas revela ao mesmo tempo todo um contexto de tempo e lugar em que ocorreu a formação e a construção de sua cidadania. Nele transparece a sua linha do tempo, construída nas relações humanas, pedagógicas, físicas, temporais e ideológicas que integram e contribuíram na trajetória de sua vida. O livro é escrito com uma linguagem fácil e simples, mas não menos profunda de detalhes e sentimentos. Guarany, ao escrevê-lo, incorpora também relatos, lugares, fatos, pessoas, casos, acontecimentos e eventos que fizeram parte de sua história. (Do Posfácio de Regina Rodriguez Botto Targino) A BOTIJA DE CAMUCÁ – e outros assuntos aleatórios – Severino Ramalho Leite, João Pessoa, s/e, 2014. Neste

livro de Ramalho Leite, contendo suas crônicas publicadas no decorrer de dois anos, em “A União” e na mídia eletrônica da Paraíba, há de tudo, ou seja, dificilmente escapou assunto que não merecesse sua atenção de instigante cronista. Da botija de Camucá até as traças devoradoras de jornais e livros, os assuntos diversos tiveram vez, até os aleatórios, segundo seu subtítulo. São fatos e experiências por ele vividos, ao longo de sua trajetória de jornalista e homem público, narradas de forma objetiva, obedecendo a estilo inconfundível de humor, sem concessões ao caricato. E com um diferencial: abrangência de temas e circunstâncias que excedem em muito o limitado espaço reservado para crônica. (Evaldo Gonçalves de Queiroz).

UM DEDO DE PROSA –

escritos de aldeia. Francisco Gil Messias, João Pessoa, Ideia, 2014. O presente volume reúne, em sua maior parte, textos publicados no jornal “Correio da Paraíba”, no período de 2009 a 2014. Para a edição deste livro, as datas foram atualizadas, quando necessário, sendo feitas algumas alterações, quando cabíveis. O subtítulo do livro, “Escritos de aldeia”, deve-se ao fato de que é assim que os vejo. De fato, são textos produzidos a partir da aldeia e dirigidos primordialmente aos leitores aldeões, meus conterrâneos. É claro que podem ser lidos por qualquer um, seja ou não aldeão. No entanto, creio que meus conterrâneos, por suas circunstâncias, estão naturalmente habilitados a melhor compreendê-los e, se for o caso, apreciá-los. (O autor).

FORÇA DO ACASO & PODER DA MEMÓRIA – Evaldo Gonçalves, João Pessoa, Ideia, 2014. O livro em epígrafe é mais um que sai da pena privilegiada de Evaldo Gonçalves, cuja bibliografia se enriquece a cada dia, facilitada pela fluidez com que o autor faz deslizar a sua pena, vencendo o desafio feito a quem escreve, de encher a folha em branco, a que um poeta já se referiu como “desafiadoramente branca”. Neste FORÇA DO ACASO & PODER DA MEMÓRIA desfilam perfis literários de autores vários; recordações pessoais de figuras e fatos que marcaram o escritor, o parlamentar, o político; homenagens a vultos de nossa história e de nossa política também são prestadas ao longo das páginas desse livro que, como já foi dito, vem enriquecer a bibliografia do autor e merece ser lido por quem admira o cotidiano político-social da Paraíba. (GENIUS) SAMUEL DUARTE – Perfil Parlamentar. Organizado por José Octávio de Arruda Melo. Brasília, Câmara dos Deputados, 2014. Este livro é mais um volume da célebre coleção PERFIS PARLAMENTARES, idealizada pela Câmara dos Deputados e traz a público a atuação parlamentar de um dos mais brilhantes representantes da Paraíba naquela Casa, da qual chegou a ser Presidente no período 1947/1949, tamanho era o seu brilho e o seu prestígio, perante seus colegas Deputados. A seleção dos discursos, feita criteriosamente pelo historiador José Octávio, demonstra a contento a atuação do nosso ilustre representante, bem como a sua sólida formação humanista e seus conhecimentos de ciência política, os quais alicerçaram a sua elevação à presidência da Câmara dos Deputados, em cujo exercício comprovou igualmente sua capacidade de liderança e seu tino administrativo. As manifestações de Samuel Duarte incluídas no livro são antecedidas de um sólido estudo biográfico e de análise política desenvolvidos pelo organizador José Octávio. Vale salientar que outros paraibanos já foram inseridos na importante coleção Perfis Parlamentares, quais sejam, pela ordem cronológica, Epitácio Pessoa (José Octávio). Antônio Mariz (Inaldo Leitão e Cláudia Lisboa) e (Ernani Sátyro (Flávio Sátiro Fernandes). (GENIUS). outubro/novembro/dezembro de 2014 |

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COMEMORAÇÃO

TURMA DO APAGÃO COMEMORA CINQUENTA ANOS Equipe GENIUS

A turma concluinte de 1964, da Faculdade de Direito do Recife, comemorou, aos 19 de dezembro do corrente ano, cinquenta anos da colação de grau, ocorrida no Teatro Santa Isabel, da capital pernambucana. A turma é assim chamada por ter visto transcorrer a solenidade de formatura à luz de velas, em face de um apagão que ocorreu na oportunidade, em área urbana que incluiu o local do evento, privando de energia a velha casa de espetáculos recifense. A turma daquele ano foi a primeira colar grau após a deflagração do movimento militar de 31 de março de 1964 e, segundo se comentava, como a Faculdade de Direito era reconhecidamente um local de arregimentação esquerdista, temiam os militares que o ato desse lugar a manifestações antigolpistas, inclusive quanto ao teor do discurso do orador da turma, Roberto Figueiredo, por sinal, paraibano de Campina Grande. Tanto assim é que somente algum tempo após o mencionado orador terminar o seu discurso, a energia retornou e a solenidade prosseguiu em seu pouco tempo restante. TURMA SÉRGIO LORETO FILHO A turma de 1964 foi denominada Sérgio Loreto Filho, numa homenagem ao Professor de Direito Internacional Privado que naquele ano completou setenta anos de idade, sendo, portanto a turma a última a que ele lecionou. O Quadro de Honra, conforme constou o Convite de formatura, esteve assim composto: Reitor: Prof. Dr. Murilo Humberto de Barros Guimarães Diretor: Prof. Dr. Lourival Vilanova Secretário: Bel. Gilerto Marques Paulo PARANINFO: Prof. Dr. José de Brito Albuquerque Veiga Patrono: Prof. Dr. Everardo da Cunha Luna

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Honra ao Mérito: Prof. Dr. Nilzardo Carneiro Leão Homenagem Póstuma: Prof. Dr. Arnóbio de Sousa Graça REPRESENTANTES: 1º Ano: Prof. Dr. Mário Neves Baptista 2º Ano: Prof. Dr. Gustavo Cintra Passhaus 3º Ano: Prof. Dr. Torquato da Silva Castro 4º Ano: Prof. Dr. Gentil de Carvalho Mendonça 5º Ano: Prof. Dr. José de Moura Rocha HOMENAGEADOS: Prof. Dr. Luiz Maria de Souza Delgado Prof. Dr. Ivan Campos de Souza Prof. Dr. Abgar Soriano de Oliveira Prof. Dr. Ladislau Domingues Porto Prof. Dr. Antônio Persivo Rios Cunha Prof. Dr. Luiz Pinto Ferreira Prof. Dr. Lourival Vilanova Prof. Dr. José Joaquim de Almeida Prof. Germano de Vasconcelos Coelho ORADOR: Roberto da Silveira Figueiredo SAUDADE: Audir Maciel Soriano de Oliveira Agradecimentos aos inspetores de alunos: Isaías de Araújo e João Cecílio da Silva Também foi homenageado o bedel ARMANDO VASCONCELOS, que tinha na Turma de 1964 a sua última participação, haja vista a sua aposentadoria compulsória naquele ano. A programação dos atos de formatura, em 19 de dezembro de 1964, foi estabelecida da seguinte forma: Dia 13 – 20 horas – Culto Evangélico na Igreja Presbiteriana do Recife – Cais José Mariano, 188 - Celebrante: Pastor Israel Gueiros. Dia 18 – 18 horas – Missa em Ação de Graças e Bênção dos Aneis, na Basílica de N.

S. do Carmo, celebrada por D. Helder de Barros Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife. 20 horas – Aposição da placa comemorativa no páteo interno da Faculdade de Direito – Coquetel. Orador: Ciro José Tavares da Silva. Dia 19 – 16 horas – Solene Colação de Grau no Teatro Santa Isabel. Orador: Roberto da Silveira Figueiredo. 22 horas – Baile no Clube Internacional do Recife. Traje: RIGOR. A turma de 1964 da Faculdade de Direito do Recife teve a integrá-la vários paraibanos, dentre os quais assinalamos o nosso Diretor, Flávio Sátiro Fernandes e mais os acadêmicos Agnaldo Agra, Carlos Hermano Mayer, Eilzo Nogueira Matos, Jader Soares Pimentel, Jomar Morais de Souto, José Epaminondas Segundo, Lácio Alves Cavalcanti, Mário Silveira, Roberto da Silveira Figueiredo (orador da turma). Romero Ábdon Queiroz da Nóbrega. A comemoração do histórico acontecimento ocorreu no hotel 7 Colinas, situado em Olinda. Apesar de ter sido uma turma numerosa, contando cento e trinta e dois (132) concluintes, o número de participantes das comemorações de seu cinquentenário girou em torno de quarenta (40), haja vista que considerável número deles já faleceu, outros não puderam estar presentes por motivo de doença e alguns residem distante, não podendo se deslocar até o local das comemorações. À noite do dia 19 de dezembro último, um jantar nas dependências do mencionado hotel assinalou a passagem da efeméride, ocasião em que o concluinte Luiz Tasso de Brito Dantas usou da palavra para, em nome de todos os seus colegas, dizer da alegria de que estavam eles imbuídos, naquela oportunidade. GENIUS publica, a seguir o pronunciamento do bacharel Luiz Tasso:


Caros colegas e amigos: Inicialmente, eu gostaria de externar minha enorme emoção por estar aqui reunido, nesta noite, com vocês. Para mim - creiam-me - é realmente uma forte e profunda emoção, principalmente, pelo fato de que: Primeiro: muitos de vocês, meus colegas da turma de bacharelandos de 1964, da Faculdade de Direito da Universidade do Recife, eu não os via há décadas; Segundo: é esta a primeira oportunidade, onde tenho a imensa satisfação de encontrá-los após todos esses anos que se seguiram à nossa formatura para, juntos, relembrarmos o passado e aqueles anos inesquecíveis de nossa juventude universitária. Volto o olhar para o tempo passado não somente eu, mas creio que todos nós, e nos damos conta de que foi exatamente naquele 19 de dezembro de 1964 que se realizou a cerimônia de nossa formatura, quando cada um de nós recebeu o diploma de bacharel em Direito, cerimônia essa ocorrida no belo e tradicional Teatro Santa Isabel do Recife. Ali estavam presentes pais, familiares, amigos e convidados de cada um dos bacharelandos. 50 ANOS ....... !!! MEIO SÉCULO DECORRIDO .....!!! Éramos então um punhado de jovens que recebíamos a nossa diplomação com a mente e o coração imbuídos de sonhos e projetos para a nova vida que se descortinava à nossa frente. Quantos planos e anseios tínhamos para o futuro!!! Um futuro que se abria para nós com uma profusão de caminhos a serem trilhados, desafiando nossa escolha e os nossos ímpetos de recém-formados. Nós éramos jovens e a juventude traz em si própria essa vontade e intrepidez para encarar desafios e lutar pela realização de objetivos traçados. O Direito tem essa vantagem sobre as demais carreiras. Ele nos proporciona conhecimentos e desenvoltura necessários para seguirmos vários caminhos em nosso desenvolvimento profissional. Assim é que muitos escolhem seguir a advocacia,

O bacharel Luiz Tasso

especializando-se em um de seus múltiplos ramos; outros escolhem o Ministério Público; uns a Magistratura; outros a administração de negócios; outros, carreira na administração pública; alguns escolhem atuação na política - enfim, é vasto o leque de opções que se apresentam ao jovem bacharel que está pronto para iniciar e enfrentar as oportunidades do mercado de trabalho. Éramos jovens e pulsava em nossas veias e em nossas mentes o desejo de enfrentar os desafios futuros sempre confiantes e sem temores. Acreditávamos em nós próprios, em nossa capacidade e tínhamos como mola propulsora para a conquista de um futuro promissor a tenacidade e a bravura inerentes à nossa juventude. E assim fizemos. Cada um de nós escolheu o seu caminho, travou batalhas, enfrentou obstáculos, sofreu decepções, festejou vitórias, combateu tristezas e dissabores, alegrou-se e sorriu em comemoração a feitos realizados. Nem sempre é fácil esse caminho do desenvolvimento profissional. Todos nós sabemos disso. Mas são justamente esses obstáculos e dificuldades que transformam o homem e fazem dele um ser disposto a superar barreiras e proporcionar-lhe as vitórias almejadas. MEUS CAROS COLEGAS ....!!! MEUS AMIGOS ....!!! Olho para cada um de vocês e torno a vê-los com feições jovens, como éramos todos nós, nos idos dos anos 60. Quase escuto novamente o riso alegre de nossas conversas nos bancos do pátio interno da Faculdade, nos intervalos entre as aulas. Naquelas

amplas salas da tradicional Casa de Tobias ainda ecoam em meus ouvidos as vozes dos nossos mestres em suas esclarecedoras preleções. Hoje, registramos e sentimos o fato de que vários de nossos colegas já se foram. Partiram em sua última viagem e já não estão entre nós. Nesta ocasião, não podemos deixar de lembrá-los e sentir sua ausência. É certo que também expressariam sua alegria em estar nesta noite no meio de nós. Fisicamente, já não estão mais aqui, mas vivos estarão sempre em nossa memória. Não podemos deixar de reconhecer que somos um grupo privilegiado. Sim ... privilegiados somos por estarmos aqui neste ambiente de congraçamento, de recordações imorredouras dos melhores anos de nossa juventude, de agradecimento a Deus pela bênção de nos ter permitido chegar até aqui para esta celebração que será lembrada como um marco deste momento presente. Sim... porque para nós que chegamos ao denominado crepúsculo da vida é o presente momento que mais importa em nossa atual existência. O que tínhamos de construir já o fizemos. Para isso, lutamos e abrimos os caminhos para colher os frutos de nosso trabalho executado ao longo de todos esses anos iniciados naquela longínqua tarde de 19 de dezembro de 1964. O futuro agora pertence àqueles que nos sucederam. Agora são eles os desbravadores dos novos caminhos, caminhos esses que que podem ser semelhantes ou talvez mais árduos do que aqueles que trilhamos. Sim ... e isso porque o mundo está em constante mutação e diariamente novos métodos e processos passam a exigir novas abordagens e soluções mais complexas para a resolução de conflitos. Mas para nós que agora já cedemos lugar aos novos protagonistas, deixamos um legado de valor único e inestimável: o exemplo de retidão de conduta, de solidez de caráter, de valorização da justiça, de integridade e de princípios baseados nos valores da ética e da moral. Se assim todos nós nos sentirmos podemos, parafraseando o Apóstolo Paulo, dizer: “COMBATEMOS O BOM COMBATE, CUMPRIMOS NOSSA MISSÃO E GUARDAMOS A FÉ” Muito obrigado!

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Grupo de concluintes da turma de 1964, vendo-se, da esquerda para a direita, Volgran Correia Lima, Romildo Ramos da Silva, Jader Soares Pimentel, Flávio Sátiro Fernandes, Roberto da Silveira Figueiredo, Luiz Tasso de Brito Dantas..

Bacharela Yara Bastos Portela

Três dos paraibanos que concluíram o curso de Direito, em 1964, no Recife. Da esquerda para a direita, Jader Pimentel, Flávio Sátiro Fernandes e Roberto Figueiredo

Grupo de concluintes de 1964, reunido no hotel 7 Colinas, vendo-se, sempre da esquerda para a direita, na primeira fila, Ana Maria de Lyra e César, Carmélia Maria Bezerra Coutinho, José Osman, Jakson Zeferino Vieira de Melo; na segunda fila, Flavio Sátiro Fernandes e Hilton Cavalcanti de Albuquerque; na terceira fila, Givaldo Bernardo de Oliveira, Romildo Ramos da Silva, Roberto da Silveira Figueiredo e Gerdt Weber; na fila seguinte, Ciro José Tavares, Cícero José Martins da Silva, Jader Soares Pimentel, Volgrand Correia Lima, Alberlita Maria da Silva; por último, Marco Antônio de Sá Dowsley, Luiz Tasso de Brito Dantas, Wellington Dantas

Bachareis Flávio Sátiro Fernandes e Hilton Cavalcanti

Bacharelas Alberlita Maria da Silva, Arimá Maranhão e Neide de Godoy e Vasconcelos

Bacharel e poeta Ciro José Tavares e sua esposa Zuleide

Bacharelas Miracy Miranda Domingues e Marily Nóbrega Sial

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Advogado Fernando Melo e sua esposa, com o nosso Diretor Flávio Sátiro Fernandes

Mesa integrada pelos Bachareis Givaldo Bernardo de Oliveira, Volgrand Correia Lima, Romildo Ramos da Silva, Marco Antônio de Sá Dowsley e Desembargador Eloi d´Almeida Lins e esposas


GENIUS relembra, abaixo, todos os nomes que compuseram a TURMA CINQUENTENÁRIA: ABEL DE SÁ BEZERRA CAVALCANTI FILHO AGUINALDO AGRA ALBERLITA MARIA DA SILVA ALBERTO ALCEBÍADES DE ALMEIDA PORTELLA NETO AMARO JOSÉ DE ARAÚJO ANNA MARIA LYRA E CÉSAR DA CUNHA ANTÔNIO BERNARDINO DE SENA NETO ANTÔNIO FIRMO DE ARAÚJO ANTÔNIO NELSON OLIVEIRA DE ANDRADE LIMA ARIMÁ MARANHÃO DE ANDRADE PESSOA ARMANDO FERNANDES GARRIDO ARMANDO JOSÉ FERNANDES DE AZEVEDO MELLO CARLOS ALBERTO BORGES CARLOS ALBERTO GOMES DE OLIVEIRA CARLOS HERMANO MAYER CARMÉLIA MARIA BEZERRA COUTINHO CELSO DE ALVARENGA CÍCERO JOSÉ MARTINS DA SILVA CIRO JOSÉ TAVARES DA SILVA DAYSE CORREIA DE VASCONCELOS DEOCLECIANO OLIVEIRA LIMA DIOGO DE ANDRADE LIMA DIVANI QUEIROZ ALVES DJALMA MENDES DE SOUSA EDEGAR ALVES DA ROCHA EDNA DA COSTA SILVA EDSON WANDERLEY NEVES EILZO NOGUEIRA MATOS ELIANE MARIA VALENÇA MORAIS ELIZABETH BEZERRA DE MENEZES ELOY D´ALMEIDA LINS EROS CARVALHO JORGE DE SOUZA EUNICE DE LIMA RAMOS EUTRÓPIO GONÇALVES DE LIMA FERNANDO GOMEZ LYRA FERNANDO JOSÉ DE MELO CORREIA FERNANDO ZISMAN FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES GERALDO AZOUBEL GERALDO DE FREITAS CALADO GERALDO DE LIMA ROCHA GEÍZA CINTRA DE PAIVA GENIVAL MIGUEL SULTANUM GERDT WEBER GETÚLIO DE ALBUQUERQUE GIVALDO BERNARDO DE OLIVEIRA GUIDO CHAVES FEITOSA HILMA ANTUNES DOS SANTOS HILTON CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE IDAILZA TOZER RAMOS ISAURA RITA CAMPOS COX JACKSON ZEFERINO VIEIRA DE MELO JÁDER SOARES PIMENTEL JOÃO AUGUSTO FILHO JOMAR MORAIS DE SOUTO JONAS PEREIRA NETO JORGE EDUARDO DA SILVA ALVES JOSÉ ALVES DE SOUSA JOSÉ CLÓVIS CORDEIRO DE CARVALHO JOSÉ DAVID GIL RODRIGUES JOSÉ EPAMINONDAS SEGUNDO JOSÉ FELICIANO DE BARROS NETO JOSÉ FERNANDO MENDONÇA DE SOUZA JOSÉ GERMANO RIBEIRO JOSÉ GOMES DE BRITO JOSÉ HERBERTO LUCENA DE ALBUQUERQUE COUTINHO

JOSÉ NAPOLEÃO BATISTA DE NAZARÉ JOSÉ NOVAIS LOPES JOSÉ OSMAN JOSÉ RABELO DE ARAÚJO PIMENTA JOSÉ SOBREIRA DE ARAGÃO JOSÉ VIEIRA DA SILVA FILHO JOSUÉ CUSTÓDIO ALBUQUERQUE LÁCIO ALVES CAVALCANTI LENICE VALE SOARES LENITO MOREIRA DE CARVALHO LÍGIA GALHARDO BANDEIRA DA CRUZ LINDOLFO CASTELO BRANCO LOURIVALDO DA CONCEIÇÃO LUIZ ARSÊNIO CALDAS TAVARES DA SILVA LUIZ CARLOS FRANCO LUIZ CORREIA ALVES LUIZ GONZAGA DOS SANTOS LUIZ JOSÉ DE GÓES CAVALCANTI LUIZ MENEZES DE LIMA LUIZ TASSO DE BRITO DANTAS MANUEL AMARO DA SILVA MARCO ANTÔNIO DE SÁ DOWSLEY MARFISA CYSNEIROS DE BARROS MARIA CELESTE DE ARAÚJO PEREIRA MARIA DÉBORA DE HOLANDA VASCONCELOS MARIA DE LOURDES MATEUS HORTAS MARIA DE LOURDES SOUZA LINS DE ALBUQUERQUE MARILY NÓBREGA SIAL MÁRIO SILVEIRA MARIÚSA MOREIRA LIMA DO REGO BARROS MILTON MALTA DE ALENCAR MIRACY MIRANDA DOMINGUES MIRIAN TORRES GALINDO NANCY DE CASTRO TOLEDO CABRAL NEIDE DE GODOY E VASCONCELOS NELSON MEIRELES RIBEIRO DE CASTRO ODIR COELHO PEREIRA DA SILVA OLGA MARIA CLEMENTINO DE ALBUQUERQUE OSWALDO OLIVEIRA DO NASCIMENTO PAULO GALHARDO BANDEIRA DA CRUZ PAULO TENÓRIO MARANHÃO PLAUTO MOREIRA RINALDO RUY DE CARVALHO LIMA ROBERTO DA SILVEIRA FIGUEIREDO ROMERO ÁBDON QUEIROZ DA NÓBREGA ROMERO DE ALBUQUERQUE MELO ROMILDO RAMOS DA SILVA RUBEM ALVES GOMES RUY MOREIRA CALHEIROS SEVERINO DE SOUSA PEDROSA SÍLVIO DE ARAGÃO MELO SÍLVIO NEVES BAPTISTA TEOBALDO JOSÉ MACHADO TITO AURELIANO URBANO VITALINO DE MELO FILHO VALMERINDO LAURIANO DE OLIVEIRA VANILDO ALVES DE MOURA VITAL MARIA GONÇALVES RANGEL VOLGRAN CORREIA LIMA WALDENÍCIO TAVARES DE MELO WALTER PAIXÃO FRANÇA DA COSTA WALTER SANTOS GALVÃO WANILDO LISBOA WELLINGTON DANTAS YARA BASTOS PORTELA ZÊUXIS DE ARROXELAS GALVÃO

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MEMÓRIA

UM BACHAREL DE 64 Equipe GENIUS

Conforme assinalado no corpo da matéria principal, a turma de bachareis da Faculdade de Direito do Recife, ano de 1964, teve a integrá-la o nosso Diretor e Editor, Flávio Sátiro Fernandes. Nascido em Patos, aos 13 de janeiro de 1942, recebeu, portanto, o grau de bacharel em direito aos 22 anos, sendo, por conseguinte, um dos mais jovens concluintes daquela turma. Após colar grau, ocupou, durante dez anos, o cargo de Advogado de Ofício da Comarca de Patos. Ainda em Patos, foi fundador e diretor, durante cinco anos, da Faculdade de Ciências Econômicas, além de Secretário de Educação e Cultura do Município. Em 1974, foi nomeado Secretário do Interior e Justiça do Estado. Deixando esse cargo, foi designado para exercer em comissão o cargo de Procurador Geral do Tribunal de Contas do Estado. Achando-se nessa função e dando-se uma vaga de Conselheiro daquela Corte, foi para ela indicado pelo Governador Ivan Bichara Sobreira, permanecendo no exercício do cargo por trinta e seis anos, ao fim dos quais aposentou-se. Exerceu a Presidência do TCE por três vezes. Também foi Professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, lecionando as disciplinas Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Municipal. Fez, entre outros, os cursos de doutorado em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP); de Mestrado em Filosofia na Universidade Federal da Paraíba; de Especialização em Metodologia do Ensino Superior, pela UFPB. É membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. É também membro corres-

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pondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni (MG). É autor de diversas obras literárias e jurídicas, destacando-se entre elas os romances Festa de Setembro e A Cruz da Menina; os livros de poesia Geografia do Corpo e O Passarinho e a Flauta; os livros jurídicos Aspectos do Direito Público, Lições de Direito Administrativo e Conheça a Constituição; no campo da história do direito publicou História Constitucional da Paraíba e História Constitucional dos Estados Brasileiros, este último em parceria com o grande constitucionalista Paulo Bonavides, Professor Emérito da Faculdade de Direito do Ceará. Ainda como historiador escreveu o interessante livro Na Rota do Tempo (Datas, fatos e curiosidades da história de Patos). É detentor, entre outras, das medalhas Epitácio Pessoa, a maior comenda da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba; da comenda José Maria de Alckmim, do Tribunal de Contas de Minas Gerais; da medalha Elísio Sobreira, da Polícia Militar do Estado da Paraíba; da Medalha Aristarcho Pessoa, do Corpo de Bombeiros da Paraíba. Participou da Comissão Nacional de Elaboração de Projeto de Processo Unificado dos Tribunais de Contas do Brasil. Aposentou-se como Decano dos Tribunais de Contas do Brasil e do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Em 2013, criou esta revista, GENIUS, que se vem firmando como veículo de cultura, não só da Paraíba, mas de outras regiões, haja vista a diversidade de matérias divulgadas através de suas páginas. Neste local duas fotos colhidas quando da formatura de Flávio Sátiro Fernandes, publicadas, aqui, em comemoração aos cinquenta anos do evento. g


PESAR

MORRE O ESCRITOR E HISTORIADOR WELLINGTON AGUIAR Equipe GENIUS

Faleceu, aos cinco de dezembro do corrente ano, o escritor e historiador Wellington Hermes Vasconcelos de Aguiar, 79, membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica. Nascido em João Pessoa, Wellington Aguiar era filho de Hermes Ferreira de Aguiar e Rosa Dalva Vasconcelos de Aguiar. Wellington fez seus estudos primários e secundários em João Pessoa, Nazaré da Mata (Pe), Natal (RN). Concluídos tais estudos, transferiu-se para o Rio de Janeiro, prestando vestibular e matriculando-se na Faculdade Nacional de Direito, da antiga Universidade do Brasil, por onde se bacharelou, no ano de 1960. Durante os tempos estudantis, exercitou-se na política, tendo sido Presidente da União Paraibana de Estudantes Secundários e secretário de imprensa da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro. Voltando à Paraíba, licenciou-se em Letras, pela Universidade Federal da Paraíba, foi Presidente da Loteria do Estado da Paraíba, ingressou no Ministério Público, com lotação inicial na Comarca de Malta. Ingressou também no magistério jurídico, exercendo o cargo de Professor do atual Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ) e da Universidade Federal da Paraíba (Campus VI, em Sousa). Em 1971, foi transferido para o Tribunal de Contas do Estado, ocupando o cargo de Procurador daquela Corte. Foi Presidente da Academia Paraibana de Letras e da Fundação Cultural do Estado da Paraíba. Jornalista, escritor, historiador, notabilizou-se Wellington Aguiar pelas diversas pesquisas que empreendeu acerca da história da Paraíba e da cidade de João Pes-

Wellington Aguiar - Jornalista, escritor, historiador

soa, as quais redundaram na publicação de livros e plaquetas de inegável valor literário e histórico. Empreendeu a publicação do famoso relatório de Elias Herckmanns, governador da Paraíba, ao tempo do domínio holandês, intitulado Descrição Geral da Capitania da Paraíba, redigindo-lhe o respectivo prefácio. Com o desaparecimento de Wellington Aguiar desaparece também o último dos paraibanos com tendência para a polêmica. A ele se aplica o entendimento popular de que era capaz de dar um boi para não entrar numa briga, mas se nela entrasse

daria uma boiada para dela não sair. Ouvi-o, várias vezes, declarar que abrindo uma polêmica, só ele a faria cessar, porque enquanto o contendor falasse ele não deixaria de refutá-lo. Em outras palavras, só a ele caberia a última palavra. Dentre as obras historiográficas deixadas por Wellington destacam-se Um radical republicano contra as oligarquias, biografia do senador paraibano Coelho Lisboa; Deputado Miranda Freire: Um oposicionista na trincheira, apanhado biográfico do ex-Prefeito de João Pessoa; A velha Paraíba nas páginas de jornais; Acidade de João Pessoa: A memória do tempo; Uma cidade de quatro séculos, estes três últimos um mergulho nas origens e na história da capital paraibana. Publicou também O passageiro do dia, crônicas divulgadas na imprensa local. Tomou parte igualmente em várias antologias, João Pessoa, perante a história; A Paraíba, das origens à urbanização; Paraíba – Conquista, patrimônio e povo; Poder e política na Paraíba; Antologia literária da Paraíba, Coletânea de autores paraibanos e História e debate na Assembleia Legislativa da Paraíba. Admirador incondicional do Presidente João Pessoa, a mais importante obra de Wellington Aguiar é, sem dúvida, João Pessoa, o Reformador, em que não só traça um perfil humano do saudoso estadista, mas também revela variados aspectos da obra administrativa daquele governante e, sobretudo, empresta uma grande colaboração para o estabelecimento da verdade histórica, destruindo fantasias, esclarecendo fatos, dando a algumas notas particulares da história a sua verdadeira versão, enfim contribuindo para que se desmistifiquem alguns dos aspectos daquela turbulenta fase da história da Paraíba. g

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FILOSOFIA

KANT E O IDEALISMO ALEMÃO Flamarion Tavares Leite

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A gênese do idealismo. 3. O idealismo alemão. 4. Considerações finais. 5. Referências Resumo: O presente estudo toma como fulcro a resposta de Kant ao empirismo cético e ao determinismo de Hume, encontrada na obra que inaugura o período crítico – Crítica da razão pura -, bem como na Crítica da razão prática, cujo objeto é a análise da liberdade. Examina e expõe a evolução da filosofia kantiana, que culmina no criticismo e seu consectário – o idealismo transcendental -, para postular que o surgimento do idealismo alemão se deu a partir da Crítica da razão pura. Este idealismo perpassa por Fichte e Schelling, encontrando seu desfecho em Hegel. Palavras-chave: Hume. Kant. Fichte. Schelling. Hegel. Empirismo. Idealismo. 1. Introdução Immanuel Kant, conhecido como o filósofo das três Críticas – Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo –, nasceu no dia 22 de abril de 1724, em Königsberg (Prússia oriental), na rua dos seleiros, onde seu pai exercia esse ofício. Filho de Johann Georg Kant, homem laborioso, honesto, que tinha horror à mentira, e de Anna Regina Reuter, mulher profundamente religiosa, que lhe ministrou sólida educação moral e, antes de morrer, o internou no Collegium Fridericianum, dirigido por Francisco Alberto Schultz, fervoroso adepto do pietismo,1 Kant afirmava que seus antepassados provinham da Escócia e que seu pai escrevia o sobrenome com C (Cant), razão por que o filósofo decidiu adotar o K inicial, evitando que se pronunciasse Tsant.2 Kant permaneceu no Fridericianum pelo espaço de nove anos, de 1732 a 1740, ano em que ingressou na Universidade, onde foi profundamente influenciado por Martin Knutzen, conhecido por seus bem acolhidos escritos, pietista como Schultz e discípulo

de Wolff, cujo método é um racionalismo sistemático, que se esforça por julgar tudo à mão de princípios – e não de sentimentos – e por deduzir logicamente cada proposição. Tal será a atitude de Kant.3 Não por outro motivo, quando penetramos no frio castelo de mármore do pensamento kantiano, percebemos a argumentação estrita e o proceder científico de Wolff, o maior dos dogmáticos, nas palavras do metódico e pouco romântico professor Kant. A Knutzen deveu Kant o conhecimento das obras de Newton, que constituíram a prova experimental da possibilidade de uma ciência a priori da natureza. É nesse período que Kant publica sua primeira obra – Pensamentos sobre a verdadeira avaliação das forças vivas (1747) –, em que procura conciliar as ideias de Descartes com as de Leibniz no tocante à medida da força de um corpo em movimento. Após a morte do pai (1747), Kant, para ganhar a vida, torna-se preceptor, função que exerceu durante nove anos. Todavia, prossegue com seus estudos e, em 1755, publica História universal da natureza e teoria do céu, na qual trata do sistema e da origem mecânica do universo segundo os princípios de Newton, preludiando a teoria sobre a formação dos astros, que Laplace iria apresentar quarenta anos depois. Em 1755, tendo obtido da Universidade a “promoção” – espécie de diploma de conclusão de curso –, graças a uma dissertação sobre o fogo, e a “habilitação” – que lhe dá direito a abrir um curso livre –, por uma dissertação sobre os primeiros princípios do conhecimento metafísico, Kant torna-se Docente Livre (Privatdozent), ou seja, dá cursos livres, financiados diretamente pelos próprios estudantes, ensinando matemática, lógica, moral, física, pirotecnia, teoria das fortificações, enciclopédia filosófica, teologia natural, antropologia, a doutrina do belo e do sublime. No decurso desses anos (1755-1770)

Kant lê Rousseau, de quem sofre profunda influência, sobretudo nas questões morais, tendo aprendido a não depreciar as inclinações naturais do homem. A ciência física a priori como fato, eis o que tinha encontrado em Newton; a moralidade como fato, eis o que Rousseau lhe fez ver.4 Em 1770, com a Dissertação sobre a Forma e os Princípios do mundo sensível e do mundo inteligível, Kant conquista o posto de Professor Titular na Universidade de Königsberg. Desde então, preleciona lógica e metafísica, no curso público, e direito natural, moral, teologia natural, antropologia, geografia física, matemática, pedagogia, nos seus cursos privados. Após a Dissertação de 1770, Kant é absorvido pelo problema da crítica do conhecimento humano, mas levará mais de dez anos para dar forma à sua filosofia. Assim, em 1781, em Riga, faz publicar a Crítica da razão pura, um dos monumentos do espírito humano. Em 1788, surge a Crítica da razão prática. Com a publicação da Crítica do juízo (1790), a filosofia kantiana pode considerar-se completa. A partir de 1790 suas forças começaram a declinar e em 1797 deixou a cátedra. Continuou a escrever e trabalhou até os últimos dias numa obra inacabada em que queria explicar a passagem da metafísica da ciência da natureza à física. Morreu num domingo, em 12 de fevereiro de 1804, às onze horas. A sua última frase foi: “Es ist gut” (está bem). As obras de Kant podem ser classificadas, distinguindo-se três períodos: 1) De 1755 a 1770. Neste período, as ideias pessoais de Kant ainda não haviam tomado forma. Comunga das ideias filosóficas predominantes na Alemanha, a saber, o racionalismo dogmático de Leibniz, tal como fora desenvolvido e divulgado por Wolff. Entretanto, como o próprio Kant declara no prefácio aos Prolegômenos, a leitura de Hume pôs fim a seu “sono dogmático”.5 2) De 1770 a 1790. É só em 1770 que se começa a divisar um primeiro esboço da fi-

1 O pietismo, que se desenvolveu especialmente na Alemanha na segunda metade do século XVII e cujo chefe foi Filipe Jacó Spener (1635-1705), pretendia voltar às teses originárias da Reforma protestante, sobretudo a livre interpretação da Bíblia e a negação da teologia. Teve importante ligação com o Iluminismo. 2 Cf. L.E. Borowski, R. B. Jachmann, E.A. Wasianski, Kant intime, 1985, p.35. 3 Cf. Georges Pascal, O Pensamento de Kant, 1985, p. 14. 4 Cf. Émile Boutroux, Kant, 1983, p. 14. 5 Prolegomena, Bd. 5, p. 118 (A 12, 13).

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losofia kantiana. Com efeito, na Dissertação de 1770 já se estabelece a distinção entre o mundo dos fenômenos e o mundo dos númenos, como resultado de uma concepção inteiramente original do espaço e do tempo.6 Entre 1780 e 1790 vêm a lume as grandes obras de Kant, aquelas que caracterizam o criticismo: Crítica da razão pura (1781), Prolegômenos (1783), Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Crítica da razão prática (1788). 3) De 1790 a 1800. A Crítica do juízo, mantendo de pé as premissas fundamentais da filosofia kantiana, confirma a postura contra a metafísica dogmática e o empirismo cético, contida na Crítica da razão pura e na Crítica da razão prática, encerrando a obra crítica e estabelecendo uma doutrina de filosofia especulativa e moral. Após 1790, outras obras fundamentais, que não alterarão o fio condutor do pensamento kantiano, serão publicadas: A religião dentro dos limites da simples razão (1793), À Paz Perpétua (1795), A Metafísica dos Costumes (1797), Antropologia do ponto vista pragmático (1798), Lógica (1800). 2. A gênese do idealismo O criticismo kantiano – que culmina no idealismo transcendental - é a confluência de duas direções fundamentais do pensamento filosófico: o racionalismo dogmático (Descartes – Spinoza – Leibniz – Wolff) e o empirismo cético (Bacon – Locke – Hume).7 Para o racionalismo, o conhecimento seria produto de uma simples faculdade: a razão. Para o empirismo, o conhecimento derivaria de outra faculdade: a sensibilidade. Kant, que se educou sob a influência do racionalismo de Wolff, declara que o ceticismo de Hume o fez despertar do seu sono dogmático e deu às suas investigações no caminho da filosofia especulativa uma orientação totalmente diversa, impelindo-o a indagar sobre as condições e os limites do conhecimento humano, bem assim suas possibilidades.8 Destarte, Kant diferencia a filosofia das ciências, pois, enquanto cada uma destas últimas tem objeto próprio, o objeto da filosofia é o conhecimento mesmo, a análise da ciência.9 Por esta via, o criticismo permite chegar à conclu-

são de que o conhecimento é produto de uma faculdade complexa, o resultado de uma síntese da sensibilidade e do entendimento.10 Para isto, começa por dizer que todo conhecimento implica uma relação – melhor: uma correlação – entre um sujeito e um objeto. Nessa relação, os dados objetivos não são captados por nossa mente tais quais são (a coisa em si), mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Assim, a coisa em si, o númeno, o absoluto, é incognoscível. Só conhecemos o ser das coisas na medida em que se nos aparecem, isto é, enquanto fenômeno. Mas, como atuam no conhecimento dos fenômenos a sensibilidade e o entendimento do sujeito cognoscente? Aqui, Kant recorre a uma distinção fundamental, segundo a qual todo fenômeno, tudo quanto existe, inclusive o conhecimento, se integra por dois ingredientes: matéria e forma.11 Aquilo que depende do próprio objeto constitui a matéria do conhecimento. O que depende do sujeito constitui a forma do conhecimento. Assim, temos uma primeira definição: conhecer é dar forma a uma matéria dada. A matéria é a posteriori. A forma é a priori. A matéria do conhecimento é variável de um objeto a outro, visto depender dele, do objeto. Por sua vez, a forma, sendo imposta ao objeto pelo sujeito, será reencontrada invariavelmente, em todos os objetos, por todos os sujeitos. Existem, pois, conhecimentos a priori e conhecimentos a posteriori. Todo objeto a ser conhecido a priori o será conforme as formas que o espírito lhe impõe no ato de conhecer. Como corolário dos conhecimentos a priori, os juízos podem ser analíticos – aqueles em que o predicado constitui uma representação ou explicitação do que já se encontra no sujeito (todos os corpos são extensos) – ou sintéticos – aqueles cujo predicado acrescenta alguma coisa ao conceito do sujeito (todos os corpos são pesados). Todo juízo de experiência é sintético, porque a experiência nos ensina a acrescentar certos atributos aos nossos conceitos (o peso ao conceito de corpo). Os juízos analíticos são a priori, pois não há necessidade de recorrer à experiência para determinar o que pensamos num dado conceito (todos os

solteiros não são casados). Os juízos sintéticos são a posteriori, porque supõem a descrição de experiências particulares observáveis. Demais disso, um juízo é analítico quando sua negação constitui contradição, ou seja, é logicamente impossível. Inversamente, o juízo sintético é aquele cuja negação não supõe contradição. Mas a grande descoberta de Kant é a da existência de uma terceira classe de juízos: os juízos sintéticos a priori, que são universais e necessários, como os analíticos e, no entanto, permitem ampliar nossos conhecimentos. É aos juízos sintéticos a priori que a matemática e a física devem o seu caráter de certeza. O problema é saber se tais juízos são possíveis em metafísica.12 Feita a distinção entre matéria e forma, Kant caracteriza as formas a priori do espírito. Por formas a priori devem-se entender os quadros universais e necessários através dos quais o espírito humano percebe o mundo. Assim sendo, distinguem-se, em nossa faculdade de conhecer, uma receptividade (a sensibilidade ou faculdade das intuições) e uma espontaneidade (o entendimento ou faculdade dos conceitos). O objeto, dado à sensibilidade, é pensado pelo entendimento e seus conceitos. Temos uma segunda definição: conhecer é ligar em conceitos a multiplicidade sensível.13 As formas a priori da sensibilidade ou intuições puras são o espaço e o tempo, que tornam exequível a parte passiva do conhecimento. As formas a priori do entendimento são as categorias, as quais possibilitam a parte ativa do conhecer: as operações lógicas, a formação de conceitos, com os quais se podem imaginar os objetos sem necessidade de captá-los concretamente. A intuição permite tomar contato com as coisas, porém só é possível dar conta de suas diferenças por meio de conceitos. As formas da razão são as ideias. Enquanto os conceitos, para valer como conhecimento, devem estruturar-se sobre o material que fornecem as intuições, a razão tem uma tendência para ultrapassar os limites do conhecimento.14 Ao transpor as fronteiras da sensibilidade e buscar o incondicionado, a razão penetra num mundo puramente inte-

6 Cf. Georges Pascal, op. cit., p. 16. Como veremos, Kant procura demonstrar que o espaço e o tempo derivam da experiência de objetos particulares, uma vez que esta experiência os pressupõe, concluindo que ambos são formas a priori da sensibilidade. 7 Como sublinha Jonathan Bennett, essas duas tradições filosóficas juntam-se na filosofia kantiana não como uma mescla inconsistente, mas como uma síntese coerente de verdades extraídas de cada uma delas (cf. La Crítica de la Razón Pura de Kant, 2, Dialéctica, p. 21). 8 Prolegomena, Bd. 5, p. 118 (A 12, 13). Will Dudley afirma que a causa filosófica imediata do Idealismo alemão foi o ceticismo de Hume e que o ataque ao princípio da causalidade, que leva mais diretamente ao ceticismo e ao determinismo, é o que inspira o desenvolvimento e a defesa da alternativa ao empirismo que o Idealismo alemão começa (Idealismo alemão, 2013, p. 14 e 19). 9 A filosofia moderna – especialmente a partir de Kant – conquistou seu objeto e método próprio, de tal modo que, ao mesmo tempo em que se constitui como conhecimento rigoroso, separou-se das ciências particulares, evitando toda superposiçao recíproca de métodos e objetos. Enquanto as ciências, na atitude dogmática, ocupam-se de seus objetos próprios, a filosofia ocupa-se das ciências mesmas e do conhecimento. Este é o segredo do ceticismo metódico de Descartes e depois do criticismo de Kant (cf. nosso “O cogito em Kant e Husserl”, Revista Brasileira de Filosofia, p. 141). 10 Como observa Kant, existem dois troncos do conhecimento humano: a sensibilidade e o entendimento. Através da primeira se nos dão os objetos. Através da segunda, os pensamos (cf. KrV, Transzendentale Ästhetik, § 1, Bd. 3, p. 69) (B 33). 11 Cf. Aftalión, Olano, Vilanova, Introducción al Derecho, p. 839. 12 Kant afirma que a quase totalidade das proposições da matemática, que não é uma ciência experimental, consiste de juízos sintéticos a priori e que esses juízos constituem os pressupostos fundamentais das ciências naturais e do pensamento moral. “A resposta de Kant ao ceticismo de Hume no que se refere à possibilidade da metafísica diz respeito a se ela pode ou não produzir conhecimento sintético a priori sem cair de volta no racionalismo dogmático. A metafísica precisa ser a priori porque ela procura verdades necessárias e universais, enquanto o conhecimento a posteriori pode oferecer somente generalizações contingentes. A experiência pode nos dizer como o mundo é, mas não como ele precisa ser. E a metafísica precisa ser sintética porque ela procura nos informar sobre o mundo, enquanto os julgamentos analíticos nos informam somente sobre os significados dos nossos conceitos. A principal tarefa da Crítica da razão pura é determinar as condições de possibilidade da experiência e, por decorrência, restaurar e completar a metafísica como uma rigorosa disciplina filosófica, capaz de resistir e responder ao escrutínio de Hume. Kant denomina as condições que tornam a experiência possível de ‘transcendentais’ e o exame destas condições de ‘filosofia transcendental’” (cf. Will Dudley, op. cit., p. 35). 13 KrV, Transzendentale Logik, Einleitung, I, Bd. 3, pp. 97-98 (B 74,75). Cf. tb. Georges Pascal, O Pensamento de Kant, p. 40. 14 Cf. Aftalión, Olano, Vilanova, cit., p. 842.

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ligível. Estaremos no mundo das ideias, não no conhecimento de objetos; não em presença de fenômenos determinados, mas de númenos, acerca dos quais não se pode cogitar de experiência possível. No afã de buscar o incondicionado, a razão incorre em erros ou paralogismos e, no seu discurso dialético, em antinomias.15 Kant estuda as antinomias da razão pura na dialética transcendental, tornando-se patente no terceiro conflito16 das ideias transcendentais a causalidade por liberdade, de onde surgirá, fora dos limites da experiência, a ideia moral e concepção ética que se traduzirão na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da razão prática. A terceira antinomia trata da oposição entre liberdade e necessidade da natureza, cuja solução abre o espaço de possibilidade para a reflexão prática. O exame da liberdade será objeto da Crítica da razão prática, através da realidade da obrigação moral. Assim, o exercício da liberdade é condição necessária da ação moral.17 De fato, se a razão teórica, em sua dialética transcendental, nos faz vislumbrar o caminho de uma causalidade por liberdade, trata-se, com a razão prática, de penetrar o mundo moral – universo inteligível, distinto da natureza. É a liberdade que abre este cosmos, onde a razão, agora autodeterminante, é vontade produtora de seus próprios objetos – sem necessidade de vinculá-los aos sentidos – e de suas próprias leis, posto que autônoma. Por isso, cabe distinguir as ideias da razão teórica ou cognoscitiva das ideias da razão prática ou atuante, que se refere à conduta, ao agir propriamente dito. As ideias da razão teórica não podem ser resolvidas no plano teorético, científico. Entretanto, se a metafísica, enquanto conhecimento teórico não se pode realizar, diversamente se dá quando se trata da filosofia prática, onde as ideias são princípios de ação, ocupando-se a

razão dos princípios determinantes da vontade, tendo a ideia de liberdade por fundamento. 3. O idealismo alemão O idealismo alemão surgiu em 1781, com a publicação da Crítica da razão pura, de Kant, e terminou cinquenta anos mais tarde com a morte de Hegel.18 O florescimento filosófico19 que a Alemanha vive no contexto cultural que abarca o meio século que vai de 1780 a 183020 resulta no idealismo alemão, fundado por Kant, desenvolvido por Fichte e Schelling e levado à culminância especulativa por Hegel. O nome idealismo alemão é atribuído por conta da índole de sua postura filosófica, em consequência da revolução copernicana,21 realizada por Kant no campo da teoria do conhecimento, bem como ao seu idealismo transcendental, frente ao realismo anterior próprio do pensamento antigo e medieval.22 A crítica kantiana ao conhecimento aponta o contraste entre os contínuos progressos da ciência físico-matemática e os claudicantes passos da metafísica. De fato, tornou-se moda à época de Kant testemunhar o maior desprezo àquela que antes era chamada a rainha de todas as ciências e “a nobre dama, repudiada e desamparada, lamenta-se como Hécuba: modo maxima rerum, tot generis natisque potens – nunc trahor exul, inops (Ovídio, Metamorfoses).”23 Para Kant, impõe-se aplicar à metafísica o método a priori que apresentou exitoso resultado na física e na matemática, garantindo-lhes o seguro caminho da ciência. A aplicação deste método ao problema do conhecimento conduz à revolução copernicana, cuja denominação se deve ao fato de que Kant toma como analogia a mudança introduzida por Copérnico na concepção do sistema solar.24 Essa revolução, em Kant, significa a substituição da hipótese realista pela hipótese idealista. O realismo admite que uma realidade nos é

dada, seja de ordem inteligível (racionalismo), seja de ordem sensível (empirismo), e que o nosso conhecimento deve modelar-se sobre essa realidade. Assim, conhecer é simplesmente registrar o real, e a nossa mente, nesta operação, é meramente passiva. O idealismo considera que a nossa mente intervém ativamente na elaboração do conhecimento e que o real, para nós, é resultado de uma construção. O objeto, tal como o conhecemos é, em parte, obra nossa e, portanto, podemos conhecer a priori, em relação a todo objeto as características que ele recebe da nossa própria faculdade cognitiva.25 A revolução copernicana abriu o pensamento kantiano para uma dimensão inédita do conhecimento: a do conhecimento transcendental e a priori. Kant define o termo transcendental ao afirmar: “Eu denomino transcendental todo conhecimento que se ocupe não tanto com os objetos, mas com o nosso modo de conhecer os objetos, na medida em que estes devam ser possíveis a priori26.” Assim, transcendental é o que torna possível um conhecimento a priori. E idealismo transcendental é a doutrina segundo a qual todo objeto de conhecimento é determinado a priori pela própria natureza da nossa faculdade de conhecer.27 Isto não quer dizer, entretanto, que Kant duvide da existência das coisas fora de nós – como o idealismo clássico -, mas que os objetos não são conhecidos senão através das formas que a nossa faculdade de conhecer lhes impõe. Destarte, o seu idealismo não é ontológico, pois não se refere à existência ou à natureza das coisas, mas à nossa maneira de conhecê-las, sendo, pois, um idealismo gnosiológico e crítico, ao admitir a independência das coisas em relação à consciência, mas postulando que estão condicionadas pelas formas a priori da consciência. O conhecimento objetivo exige, pois, como condição de possibilidade, os elementos a priori da faculdade de conhecer. Assim, não há objeto senão para um sujeito,

15 As antinomias examinadas por Kant são quatro e têm sua origem no fato de se considerarem os fenômenos como coisas em si, aplicando-se a eles o princípio de que o condicionado exige a totalidade incondicionada das suas condições. As antinomias só serão resolvidas se se distinguirem os fenômenos das coisas em si. 16 Kant dá especial atenção à terceira antinomia, que diz respeito ao problema da liberdade. A tese diz: “A causalidade segundo as leis da natureza não é a única a partir da qual os fenômenos do mundo possam ser deduzidos em seu conjunto. Para explicá-los é também necessário admitir uma causalidade por meio da liberdade.” A antítese rebate: “Não há liberdade, e tudo no mundo acontece segundo as leis da natureza.” (CRP, B 472/473, p. 377). Kant apresenta a solução desta antinomia ao afirmar que se os fenômenos fossem coisa em si não se poderia salvar a liberdade, porque para eles vige o determinismo. Mas se não são coisa em si, devem ter causas que não são fenômenos. E essas causas podem ser causas livres. 17 Depois de estudar as obras de Kant, Fichte impressionou-se principalmente pela afirmação da liberdade e numa carta a Achelis do final de 1790 escreve: “Devo confessar-lhe que agora acredito plenamente na liberdade do homem, e vejo claramente que só pressupondo a liberdade é possível o dever, a virtude e, em geral, uma moral” (cit. por Medicus, I, p. 23, apud Sofia Vanni Rovighi, História da Filosofia Moderna: da revolução científica a Hegel, São Paulo, Loyola, 1999, pp. 634-635). 18 Cf. Will Dudley, Idealismo alemão, 2013, p. 13. O idealismo alemão abrange um arco que se estende de Kant a Hegel, passando pelos românticos (Schlegel, Novalis, Schleiermacher, Hölderlin, Schiller, Goethe) e por Fichte e Schelling, dentre outros. Os pensadores desse período, bem como os temas que desenvolveram, revolucionaram a filosofia e tiveram impacto, até hoje sentido, nas ciências humanas e sociais. Kant, Fichte, Schelling e Hegel – os mais importantes idealistas alemães – sedimentaram o caminho para Marx, Kierkegaard, a fenomenologia, o existencialismo, a teoria crítica e o pós-estruturalismo. 19 Este florescimento não se deu apenas na filosofia, mas também nas letras, na música, na filologia e na historiografia. 20 Nesse contexto, desenvolve-se na Universidade de Jena, durante mais de duas décadas, e, depois da batalha de 1806, na Universidade de Berlim, o grupo de filósofos designados por idealistas alemães. O ponto de partida para todos eles é a filosofia kantiana, cuja inesgotável riqueza produz novas tentativas de solução para os problemas propostos (Cf. Nicolai Hartmann, A filosofia do idealismo alemão, 1983, p. 9). 21 No Prefácio à Crítica da razão pura, Kant afirma sua pretensão de fazer uma revolução copernicana na epistemologia, pois julga que somente ela pode salvar a metafísica do racionalismo dogmático e do empirismo cético. Esta revolução é iniciada com a redefinição da classificação de Hume, que admite apenas dois tipos de conhecimento: a relação das ideias e as questões de fato. A estes Kant opõe, como vimos acima, os conhecimentos a priori, a posteriori e os juízos analíticos, sintéticos e sintéticos a priori. 22 Cf. Truyol y Serra, op. cit., vol. 3, p. 10. 23 “Ainda há pouco a maior de todas, poderosa entre tantos genros e filhos – e agora exilada, enfraquecida.” Citado por Kant em Crítica da Razão Pura, Prefácio à Primeira Edição (1781), A IX, 2012, p. 17. Cf. Ovídio, Metamorfoses, “O sacrifício de Políxena e a metamorfose de Hécuba, sua mãe”, Livro XIII, 429-575. Bocage traduz: “Dantes tantas grandezas possuindo,/Tantos genros, e filhos, c’roa, esposo,/Hoje em desterro, na indigência agora (Ovídio, Metamorfoses, 2006, p. 104). 24 “Até hoje se assumiu que todo nosso conhecimento teria de regular-se pelos objetos; mas toda tentativa de descobrir algo sobre eles a priori, por meio de conceitos, para assim alargar nosso conhecimento, fracassaram sob essa pressuposição. É preciso verificar pelo menos uma vez, portanto, se não nos sairemos melhor, nas tarefas da metafísica, assumindo que os objetos têm de regular-se por nosso conhecimento, o que já se coaduna melhor com a possibilidade, aí visada, de um conhecimento a priori dos mesmos, capaz de estabelecer algo sobre os objetos antes que nos sejam dados. Isso guarda uma semelhança com os primeiros pensamentos de Copérnico, que, não conseguindo avançar muito na explicação dos movimentos celestes sob a suposição de que toda a multidão de estrelas giraria em torno do espectador, verificou se não daria mais certo fazer girar o espectador e, do outro lado, deixar as estrelas em repouso. Pode-se agora, na metafísica, tentar algo similar no que diz respeito à intuição dos objetos.” (CRP, B XVI/XVII, p. 29-30). 25 “Nós só podemos conhecer a priori das coisas aquilo que nós mesmos nelas colocamos” (CRP, Prefácio, B XVIII, p. 31). 26 CRP, B 25, p. 60. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão traduzem: “Chamo transcendental a todo o conhecimento em geral que se ocupa menos dos objectos, que do nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve possível a priori” (CRP, p. 53, edição da Calouste Gulbenkian, 1985). 27 CRP, B 80-81, p. 99-100. Cf. tb. Georges Pascal, op. cit., p. 44. Ver, ainda, nosso 10 Lições sobre Kant, 2013, 7ª edição, p. 18, onde, discutindo a oposição racionalismo-empirismo, afirmamos: o idealismo transcendental é aquela posição filosófica que resolve “ judicialmente” as disputas nascidas em torno das pretensões da razão de possuir determinados conceitos legitimamente – de não havê-los usurpado -, afirmando que tese e antítese são verdadeiras, desde que sejamos capazes de assumir a perspectiva que faz verdadeira uma e outra. Permanecer aprisionado em uma só delas conduz irrevogavelmente a antinomias.

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consumando-se a revolução copernicana, posto que, agora, os objetos do conhecimento são regidos pelo sujeito. A unidade do objeto tem origem na unidade da consciência, ou seja, no eu penso. O eu penso consiste no ato de restituir à unidade da apercepção a síntese do diverso dado na intuição, devendo-se notar que apercepção é um termo de Leibniz. À relação entre o sujeito e a diversidade de representações, que o eu penso deve ser capaz de acompanhar,28 Kant chama de apercepção pura ou apercepção originária, contrapondo-se ao sentido que apercepção tinha para Leibniz.29 É noção cediça que o eu penso converte-se na pedra angular das correções que Kant estabeleceu entre a primeira edição (1781) e a segunda edição (1787) da Crítica da razão pura. De fato, na primeira edição a apercepção pura é definida como “o eu estável e permanente que constitui o correlato de todas as nossas representações, com respeito à simples possibilidade de ter consciência delas”; desta forma, “todo o conhecimento pertence a uma apercepção pura e omnicompreensiva, assim como toda a intuição sensível, enquanto representação, pertence a uma intuição pura interna, isto é, ao tempo.” Na segunda edição, o caráter subjetivo da unidade transcendental30 é definido principalmente em relação à sua pura formalidade, por meio do contraste, que se repete frequentemente, com o caráter intuitivo de uma problemática inteligência divina. Mas se o eu estável e permanente (1ª edição) é uma realidade psicológica, o eu formal (2ª edição) não passa de uma possibilidade originária da unificação da experiência. Nas considerações repetidas através dos parágrafos 16, 17, 21, da Crítica da razão pura, Kant insiste no caráter finito do entendimento humano e do ato originário

em que se exprime. Se na primeira edição a dedução31 conduzia ao eu penso, na segunda partirá dele. Por isso, o eu penso constitui não apenas o núcleo do pensamento kantiano, o princípio supremo do conhecimento (nada pode ser conhecido se não estiver em relação com o eu penso), mas, sobretudo, o ápice do subjetivismo moderno. O sujeito já não é – como em Descartes – simples ponto de partida, mas se converteu em centro (sua percepção constitui os objetos). Vê-se que é inevitável retornar à problemática cartesiana quando se pretende falar do cogito (eu penso). Com efeito, é no filósofo francês que vamos encontrar uma preocupação inicial com o cogito (sob a forma cogito ergo sum) que iria ser desenvolvida mais tarde – embora com alcance distinto – por Kant. Todavia, entre o cogito cartesiano e o cogito kantiano há uma diferença radical. Enquanto em Descartes, para o acesso à realidade em si, há que se estabelecer um critério de certeza com base na intuição – a apreensão de mim por mim -, em Kant o conhecimento das coisas torna-se verdadeira condição do conhecimento de si: não me conheço, senão conhecendo as coisas. O eu penso acompanha todas as minhas representações, mas, diversamente do cogito cartesiano, ele não pode se destacar delas e tornar-se para si mesmo seu próprio objeto. Deste modo, se Descartes significa historicamente a juventude, Kant significa a maturidade do moderno subjetivismo. Depois dele só poderia vir a orgia romântica de Fichte: o eu como autoposição.32 4. Considerações finais De tudo o que precedentemente se explicitou, podemos inferir que o idealismo alemão se desenvolveu a partir da refuta-

ção kantiana do empirismo cético de Hume, bem como do determinismo. Como vimos, a pretensão de Kant era a de salvar a racionalidade e a liberdade, empregando o método transcendental no seu exame crítico do processo de conhecimento que culmina no idealismo transcendental, para o qual os objetos da experiência devem se conformar às nossas condições cognitivas, que se limitam às aparências (fenômeno), sendo a coisa em si (númeno) totalmente inacessível a nós. Mas, a razão pretende conhecer o incondicionado e, ao intentá-lo, se perde em paralogismos e antinomias. A terceira antinomia trata da oposição entre liberdade e necessidade da natureza, cuja solução abre o espaço de possibilidade para a reflexão prática. O exame da liberdade será objeto da Crítica da razão prática, através da realidade da obrigação moral. Isto porque se a razão teórica nos faz perceber o caminho de uma causalidade por meio da liberdade, trata-se, com a razão prática, de penetrar o mundo moral. É a liberdade que abre este cosmos, onde a razão, agora autodeterminante, é vontade produtora de seus próprios objetos e de suas próprias leis, posto que autônoma. Com a Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática, Kant refuta tanto o empirismo cético como o determinismo de Hume, opondo ao primeiro a sua revolução copernicana e o idealismo transcendental, e ao segundo o fato de que não obstante tenhamos eventos sujeitos à necessidade causal, isto não obstaculiza a possibilidade de que algum evento seja produto da liberdade. Esta refutação será, pois, a base do idealismo alemão, cujos desdobramentos ocorrerão nas filosofias de Fichte, Schelling e Hegel. g

28 “O eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representações; se assim não fosse, algo se representaria em mim que não poderia, de modo algum, ser pensado, que o mesmo é dizer, que a representação ou seria impossível ou pelo menos nada seria para mim. A representação que pode ser dada antes de qualquer pensamento chama-se intuição. Portanto, todo o diverso da intuição possui uma relação necessária ao eu penso, no mesmo sujeito em que esse diverso se encontra. Esta representação, porém é um ato da espontaneidade, isto é, não pode considerar-se pertencente à sensibilidade. Dou-lhe o nome de apercepção pura, para a distinguir da empírica ou ainda o de apercepção originária, porque é aquela autoconsciência que, ao produzir a representação eu penso, que tem de poder acompanhar todas as outras, e que é una e idêntica em toda a consciência, não pode ser acompanhada por nenhuma outra. Também chamo à unidade dessa representação a unidade transcendental da autoconsciência, para designar a possibilidade do conhecimento a priori a partir dela” (CRP, § 16, B 131-132, 1985, p. 131-132). Ainda sobre o eu penso, ver nosso “O cogito em Kant e Husserl”, Revista Brasileira de Filosofia, cit., p. 135. 29 Apercepção é um termo introduzido por Leibniz para designar a apreensão reflexiva que a mente tem de seus próprios estados internos, ou seja, consciência das próprias percepções. Para Kant essa é a apercepção empírica que deve ser distinguida da apercepção pura. A apercepção pura ou transcendental é o eu penso que deve poder acompanhar todas as minhas representações (CRP, § 16). 30 “A unidade transcendental da apercepção é aquela pela qual todo o diverso dado numa intuição é reunido num conceito do objeto” (CRP, § 18). 31 Trata-se da dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento ou das categorias (CRP, § 15 ss.). 32 Eusebi Colomer, El pensamiento alemán de Kant a Heidegger, 1986, vol.1, p. 121.

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COLABORADORES Abelardo Jurema Filho – Nº 5 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/maio/2014 Aldo Di Cillo Pagotto – Nº 8 Alexandre de Luna Freire – Nº 1 Álvaro Cardoso Gomes – Nº 5 André Agra Gomes de Lira – Nº 1 Andrès von Dessauer – Nº 7, Nº 8 Ângela Bezerra de Castro – Nº 1 Anna Maria Lyra e César – Nº 6 Anníbal Bonavides – Nº 8 Antônio Mariano de Lima – Nº 4 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/novembro/2014, Nº 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/novembro/2014 Berilo Ramos Borba – Nº 3 Boaz Vasconcelos Lopes – Nº 7 Camila Frésca – Nº 5 Carlos Alberto de Azevedo – Nº 4, Nº 6 Carlos Alberto Jales – Nº 2 Carlos Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5 Carlos Pessoa de Aquino – Nº 5 Chico Viana – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, – EE/Augusto dos Anjos/ novembro/2014 Ciro José Tavares – Nº 1 Claúdio José Lopes Rodrigues – Nº 5, Nº 6 Cláudio Pedrosa Nunes – Nº 7 Damião Ramos Cavalcanti – Nº 1 Diógenes da Cunha Lima – Nº 6 Durval Ferrreira – Nº 7 Eilzo Nogueira Matos – Nº 1, Nº 4, Nº 7 Eliane de Alcântara Teixeira – Nº 6 Eliane Dutra Fernandes – Nº 8 Érico Dutra Sátiro Fernandes Nº 1 Ernani Sátyro – EE/Augusto dos Anjos/novembro/2014, Nº 7 Eudes Rocha – Nº 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Nº 8 Evandro Nóbrega- Nº 2, Nº 4, Nº 6 Ezequiel Abásolo – Nº 8 Fábio Franzini – Nº 7 Firmino Ayres Leite – Nº 4 Flamarion Tavares Leite – Nº 8 Flávio Sátiro Fernandes – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, EE/Augusto dos Anjos/2014, Nº 7, Nº 8 Flávio Tavares – Nº 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - Nº 2 Francisco Gil Messias – Nº 2, Nº 5 Giovanna Meire Polarini – Nº 7 Glória das Neves Dutra Escarião – Nº 2 Gonzaga Rodrigues – Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins – Nº 4, Nº 8 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/2014 Itapuan Botto Targino – Nº 3

João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – Nº 4 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) – Nº 6 Joaquim Osterne Carneiro – Nº 2, Nº 4, Nº 7 José Américo de Almeida (In Memoriam) – Nº 3 José Jackson Carneiro de Carvalho – Nº 1 José Leite Guerra – Nº 6 José Octávio de Arruda Melo – Nº 1, Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/2014 José Romero Araújo Cardoso – Nº 2, Nº 3 Josinaldo Gomes da Silva – Nº 5 Juarez Farias – Nº 5 Juca Pontes – Nº 7 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Nº 7 Luiz Fernandes da Silva- Nº 6 Luiz Tasso de Brito Dantas – Nº 8 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/2014 Marcelo Deda (In Memoriam) – Nº 4 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – Nº 1 Maria do Socorro Silva de Aragão – Nº 3 Maria José Teixeira Lopes Gomes – Nº 5, Nº 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – Nº 3 Mário Glauco Di Lascio – Nº 2 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – Nº 4 Milton Marques Júnior – Nº 4 Moema de Mello e Silva Soares – Nº 3 Neide Medeiros Santos – Nº 3, Nº 6 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/2014 Neroaldo Pontes de Azevedo – Nº 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz - Nº 6 Oswaldo Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5, Nº 6, Nº 7 Otávio Sitônio Pinto – Nº 7 Paulo Bonavides – Nº 1, Nº 4, Nº 5 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/2014 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – Nº 3 Raúl Gustavo Ferreyra – Nº 5 Raul Machado (In Memoriam) – Nº 4 Renato César Carneiro – Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Nº 7 Ricardo Rabinovich Berkmann – Nº 5 Severino Ramalho Leite – Nº 4, EE/Pedro Moreno Gondim/2014 Thanya Maria Pires Brandão – Nº 4 Verucci Domingos de Almeida – Nº 5, EE/Augusto dos Anjos/novembro/2014 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/2014 Walter Galvão – Nº 3 Wills Leal – Nº 2, Nº 7 EE=Edição Especial

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