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CARTA AO LEITOR
SUMÁRIO
Saudamos os leitores de GENIUS, à chegada da primavera, com suas flores, embelezando nossas praças, e ao aparecimento de mais um número de nossa revista, o décimo-primeiro de uma caminhada seguida com o propósito único de servir à cultura, com a ajuda dos leitores, assinantes, anunciantes que nos têm sabido apoiar, inclusive com ideias, propostas, sugestões, em torno de matérias, apresentação, colaborações, que possam ou devam se inserir em suas páginas. Daí, a multiplicidade de assuntos que a cada exemplar são oferecidos, a exemplo dos que aqui se expõem, tais como, aqueles firmados por Ernani Sátyro e Damião Ramos Cavalcanti, reverberando as comemorações do sesquicentenário do nascimento de Epitácio Pessoa; o ousado texto de Evandro da Nóbrega, desmitificando a figura de Barlaeus, relativamente à sua suposta presença no Brasil, levando o nosso cronista a conclamar a todos para repetir com ele ”Barlaeus nunca esteve no Brasil” – Barlaeus jamais visitou o Nordeste holandês...”; os textos de Joaquim Osterne Carneiro e Josemir Camilo de Melo, em torno da figura mansa, austera e culta de Elpídio de Almeida, o médico, o historiador, o administrador capaz, nascido em Areia e “naturalizado” campinense; a profunda análise filosófica de Carlos Alberto Azevedo, mediante uma aproximação entre Engels e Morgan, fazendo para tanto uma leitura antropológica de A origem da família; a augusta prosa de Ângela Bezerra de Castro que revoluteia ao redor do “Augusto para todos os séculos”. Outros mais temas ocupam as páginas deste periódico, tudo contribuindo para que GENIUS persiga sempre o objetivo de ser o ponto alto de nossa cultura. Mas, em meio à alegria que nos move, ao anunciar temas tão edificantes, perpassa uma nota de tristeza, representada pela notícia do falecimento de uma das personalidades mais marcantes da vida intelectual paraibana – Adylla Rocha Rabello, integrante da Academia Paraibana de Letras, da Academia Paraibana de Poesia, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP) e outras instituições culturais de nosso Estado, desaparecida aos 20 de julho do corrente ano, autora de vários trabalhos historiográficos e literários, inclusive no campo da poesia, onde deixou uma coletânea de produções, intitulada O verbo amar em três tempos. Cronista de grandes recursos, Adylla revestiu-se de historiadora, de biógrafa e de pesquisadora, elaborando valiosos trabalhos, tais como, Pareço-me comigo: uma aventura carnavalesca de José Américo de Almeida, em que analisa a obra do autor de A Bagaceira, à luz da Ecdótica, ou seja, da crítica genética. No campo biográfico elaborou um substancioso relato da vida do Ministro Abelardo Jurema, que tanta importância teve numa fase turbulenta da história pátria. Durante vários anos escreveu, na última página da revista A Semana, crônicas condizentes com a beleza de sua alma. A propósito de Adyla, sua personalidade, sua obra, disse o jornalista Evandro da Nóbrega, em trabalho divulgado em seu blog:
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A COMPARAÇÃO A SERVIÇO DA ANÁLISE CINEMATOGRÁFICA Andrés Von Dessauer
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EPITÁCIO, ANTES DE TUDO UM ÉTICO Damião Ramos Cavalcante
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ASPECTOS RELACIONADOS COM A PRESENÇA DE ELPIDIO DE ALMEIDA NO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO Joaquim Osterne Carneiro
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JUSTIFICATIVA PARA REEDITAR HISTÓRIA DE CAMPINA GRANDE, DE ELPÍDIO DE ALMEIDA Josemir Camilo de Melo
Fomos todos hoje nos despedir da inesquecível dama Adylla Rocha Rabello, nossa antiga companheira no Conselho Estadual de Cultura, que docemente entregou a alma à Indesejada das Gentes, depois de longa luta contra o diabetes e outros males que ainda desafiam a Medicina. Mas, de fato, como se lê na Primeira Epístola aos Coríntios, escrita na Páscoa, de Éfeso, por Paulo de Tarso, já no ano 57 de nossa Era Comum, “Oh, morte, onde está o teu aguilhão? Oh, túmulo, onde está tua vitória?” Porque Adylla segue vivendo em todos nós: vive nos filhos que sempre a adoraram como a representação da Mãe Eterna; vive nos leitores de seus livros, de suas crônicas, de seus ensaios, de seus artigos; vive na lembrança dos confrades e confreiras, no afeto dos colegas e das colegas, na pertinaz memória dos alunos & alunas; vive nos que, de alguma forma, cruzaram os seus caminhos com os da Grande Dama da Gentileza, da Educação, da Classe, da Sensibilidade, ela, que tanto podia nos presentear com uma obra de sua própria autoria, quanto com um livro de receitas culinárias francesas — em francês mesmo!… E Paulo de Tarso prossegue em sua Primeira Epístola à Igreja de Corinto: “Pois é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade; mas quando este corpo corruptível se revestir da incorruptibilidade, e este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: ‘Tragada foi a morte na vitória’.”
Julho/Agosto/Setembro/2015 - Ano III Nº 11 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 9981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora
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REPITAM COMIGO: “BARLAEUS NUNCA ESTEVE NO BRASIL” – “BARLAEUS JAMAIS VISITOU O NORDESTE HOLANDÊS”... (Especial para GENIUS)
ENGELS & MORGAN: UMA LEITURA ANTROPOLÓGICA DE A ORIGEM DA FAMÍLIA Carlos Alberto Azevedo
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ENTRE AUGUSTO, DIONISO E PARFENO:UMA CARTA-ENSAIO AO ERUDITO EVANDRO DA NÓBREGA Hildeberto Barbosa Filho
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O FUNDADOR DA CADEIRA 21 Flávio Sátiro Fernandes
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MESTRE EPITÁCIO SOARES José Mário da Silva Branco
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TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA A Constituição de 20 de Outubro de 1945
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AUGUSTO PARA TODOS OS SÉCULOS Ângela Bezerra de Castro
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POESIA Cinco Poemas de Tarcísio Meira César
MARINHEIROS DO BRASIL: A RELÍQUIA QUE LEVAIS É DIGNA DE VOSSA GLÓRIA Ernani Sátyro
PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS Discurso de recepção a Múcio Leão
AOS 83 ANOS, MORRE A PROFESSORA E ESCRITORA PARAIBANA ADYLLA ROCHA RABELLO Equipe GENIUS O HISTORIADOR REINALDO DE OLIVEIRA SOBRINHO Equipe GENIUS OS DESAFIOS DOS USUÁRIOS DE BIBLIOTECAS Tiago Eloy Zaidan JORNALISTA PARAIBANO MORRE EM BRASÍLIA AOS 92 ANOS DE IDADE Equipe GENIUS
JOÃO PESSOA E A REVOLUÇÃO DE 30, DE ADEMAR VIDAL Flávio Sátiro Fernandes O MATE DO JOÃO CARDOSO Conto de Simões Lopes Neto A IMPORTÂNCIA PRETÉRITA DO ALGODÃO PARA O NORDESTE BRASILEIRO José Romero Cardoso / Marcela Ferreira Lopes
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COLABORAM NESTE NÚMERO: 4
A. J. PEREIRA DA SILVA – In Memoriam (1876-1944) [Discurso de saudação a Múcio Leão] Jornalista e poeta, foi o primeiro paraibano a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Publicou: Voe Solis (1903), Solitudes (1913), Beatitudes (1919), Holocausto (1921), O pó das sandálias (1923), Senhora da melancolia (1928), Alta noite (1940), Poemas amazônicos (1958). ABELARDO JUREMA FILHO [Exemplo de mulher] Jornalista, escritor, mantém há anos a Coluna de Abelardo, que “todo mundo lê”. Atua, igualmente, na Televisão, com programa próprio, levado ao ar semanalmente. ANDRÈS VON DESSAUER – [A comparação a serviço da análise cinematográfica] Mestre em Economia e Ciência Política, pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematográfico no triângulo Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa, sobre filmes “Cult”. Articulista em vários periódicos brasileiros. ÂNGELA BEZERRA DE CASTRO [Augusto para todos os séculos] Professora aposentada da Universidade Federal da Paraíba (Teoria da Literatura). Ocupante da Cadeira nº 31, da Academia Paraibana de Letras. CARLOS ALBERTO AZEVEDO [Engels & Morgan – Uma leitura antropológica de A origem da família] Trabalhou durante alguns anos no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, na companhia de Gilberto Freyre, de quem se faz amigo e colaborador. DAMIÃO RAMOS CAVALCANTI [Epitácio, antes de tudo um ético] Professor universitário, escritor, Presidente da Academia Paraibana de Letras e da Fundação Casa de José Américo. DIANA CARMEM MARTINS DE ASSIS FERREIRA [O historiador Reinaldo de Oliveira Sobrinho] Professora, historiadora, é membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. ERNANI SÁTYRO - In Memoriam (1911-1986) [Marinheiros do Brasil: A relíquia que levais é digna de vossa glória] Bacharel em Direito, advogado, político, deputado federal em oito legislaturas, Ministro do STM, Governador da Paraíba. Membro da Academia Paraibana de Letras e do IHGP. Romancista, poeta, ensaísta. EVANDRO DA NÓBREGA [Repitam comigo: “Barlaeus nunca esteve no Brasil”. “Barlaeus jamais visitou o Nordeste holandês”.] Jornalista, escritor, historiador, pesquisador, Publisher consagrado, poliglota, membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [O fundador da Cadeira 21] Escritor, romancista, poeta, historiador. É Membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Ottoni (MG) e do Instituto Histórico de Campina Grande. É autor da História Constitucional da Paraíba e da História Consti¬tucional dos Estados Brasileiros, este último elaborado em parceria com o Professor Paulo Bonavides. GERARDO RABELLO [Tempo de gratidão] Jornalista, é detentor de uma coluna, denominada Coluna de Gerardo, que se constitui no “bom dia da sociedade paraibana”. GONZAGA RODRIGUES [A lição de Adylla] Jornalista e escritor, é considerado o cronista maior de nossa imprensa. A modéstia é a amarra que lhe impede maiores voos. HILDEBERTO BARBOSA FILHO [Entre Augusto, Dioniso e Parfeno] Professor, Escritor, Ensaísta, Crítico Literário. Membro da Academia Paraibana de Letras.
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JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO [Aspectos relacionados com a presença de Elpidio de Almeida no Instituto His¬tórico e Geográfico Paraibano] Engenheiro Agrônomo. Escritor, historiador, membro do Instituto Histórico e Ge¬ográfico Paraibano, do qual é, atualmente, Presidente. JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO [A importância pretérita do algodão para o Nordetes brasileiro] Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UERN). JOSÉ MÁRIO DA SILVA BRANCO [Mestre Epitácio Soares] Pro¬fessor de Literatura, escritor, crítico literário e membro da Academia Paraibana de Letras. JOSEMIR CAMILO DE MELO [Justificativa para reeditar História de Campina Grande, de Elpídio De Almeida] PhD em História pela Universidade Federal de Pernambuco, professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba, ex-professor visitante da Universidade Estadual da Paraí¬ba. Membro da Academia de Letras de Campina Grande, sócio fundador do Instituto Histórico de Campina Grande e membro do Instituto Histórico Geográfico Paraibano. JUCA PONTES [As doces flores de Adylla] Poeta, publicitário, ativista cultural, é responsável pelo maior projeto de cunho cultural que ora se desenvolve, a cada mês, em João Pessoa, com palestras, debates, recitais, lançamentos de livros etc. – O PÔR DO SOL LITERÁRIO. MARCELA FERREIRA LOPES [A importância pretérita do algodão para o Nordetes brasileiro] Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos com ênfase em Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/ CFP. Membro do grupo de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição. MARTINHO MOREIRA FRANCO [Lembranças à beira-mar] Jornalista, publicitário, articulista. NENO RABELLO [Minha professora favorita] Jornalista, diretor-proprietário de uma das mais importantes revistas da Paraíba – A SEMANA -, infelizmente fora de circulação, desde inícios deste ano. A deficiência visual que o acometeu, não lhe toldou o ânimo, nem o priva do prazer de conduzir um talk-show em uma das emissoras de televisão de nossa capital. ROBERTO RABELLO [Eu, minha mãe e os planos de Deus] Empresário. TARCÍSIO MEIRA CÉSAR – In Memoriam (1941-1988) [Cinco poemas] Poeta, jornalista, professor universitário, atuou na imprensa pernambucana, carioca e brasiliense. Publicou: Poemas da terra estranha (1969), Poemas grotescos (1983), O espelho em que terminas (1986). A Fundação Ernani Sátyro, por sugestão do Acadêmico Flávio Sátiro Fernandes, publicou, sob o título Poesia Reunida, toda a obra poética de Tarcísio. TIAGO ELOY ZAIDAN [Os desafios dos usuários de bibliotecas] Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, coautor do livro Mídia, movimentos sociais e direitos humanos (Organizado por Marco Mondaini, Ed. Universitária da UFPE, 2013) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB).
CINEMA A COMPARAÇÃO A SERVIÇO DA ANÁLISE CINEMATOGRÁFICA Andrés Von Dessauer
O ato de comparar é, por excelência, o arqui-inimigo dos paradigmas porque quase sempre implica na sua substituição por outros modelos. E a cinematografia não é imune a esse confronto que não se debruça sobre uma obra, mas, sobre a capacidade inventiva de quem a executa. Assim, trilhando esse raciocínio, os dois artigos a seguir disponibilizados tratam da execução de dois trabalhos. No primeiro texto tem-se uma análise comparativa de duas obras que dissertam sobre o ambiente social das pré-guerras mundiais. Já o segundo escrito lança luzes sobre as duas versões cinematográficas do aclamado romance ‘Anna Karenina’ de Liev Tolstói. Espera-se, então, que em ambas as dissertações, o leitor experimente as nuances de cada trabalho. AS NAVES INSANAS DE KRAMER E FELLINI O humanista alemão Sebastian Brant, com seu satírico poema ‘Das Narrenschiff’ (‘A Nau dos Insensatos’) e Hieronymus Bosch, precursor do surrealismo, com o quadro ‘A Nave dos Loucos’, se tornaram fonte de inspiração de inúmeros artistas, filósofos e escritores. Mas, foi no século XX que esses ícones desencadearam uma verda-
deira reação em cadeia, já que, em alusão às referidas obras, Katherine Anne Porter publicou, em 1962, o romance ‘A Ship of Fools’, o qual motivou o cineasta americano Stanley Kramer a montar o filme ‘A Nau dos Insensatos’ (1965) e, por sua vez, impulsionou, em 1983, a filmagem de ‘E La Nave Va’ de Federico Fellini. A Nau dos Insensatos Vale destacar, todavia, que enquanto os loucos da embarcação de Bosch são conduzidos para fora da civilização, como em uma espécie de pena de ostracismo ateniense, o avanço da medicina e, em especial, da psiquiatria no século passado, tornou possível o convívio com a loucura – até porque de ‘louco todo mundo tem um pouco’. Assim, por mais excêntricos que pareçam, os passageiros retratados nas naves de ambos os cineastas não são considerados insanos, mas, pelo contrário, representam um microcosmo das sociedades que antecederam as duas guerras mundiais. A NAVE italiana, ambientada em 1914, retrata uma sociedade estritamente ligada à cultura, com uma finalidade especifica. Já a NAU alemã é composta por um grupo heterogêneo, com objetivos diversos. Apesar disso, as duas naves têm semelhanças, que
vão desde seus nomes femininos (GLÓRIA ‘N’ e VERA), à extrema relevância da música que, por vezes, ganha vida própria, e parece conduzir o roteiro. Na NAVE o embarque se dá com arrolamento de todos os passageiros em um movimento de ascensão, aproveitando a subida de uma longa escadaria, em meio ao canto lírico, já que estamos no mundo da ópera. O filme se inspirou na morte da cantora Maria Callas, cujas cinzas foram jogadas, em 1977, no mar Egeu. Os embarcados tinham, assim, um propósito pré-determinado: o funeral de uma famosa cantante lírica. Mas, o que vai a pique é a aristocracia europeia, pois, com a primeira guerra mundial essa sociedade perde, para sempre, seu poder político. E, com a dissolução dos reinados e impérios, vai abaixo todo um mundo ligado às Belas Artes. O filme, em questão, foi rodado, integralmente, no famoso Studio 5 da Cinecitá, feito que revolucionou o jeito de fazer cinema e, que hoje parece se repetir diante da substituição do estúdio pela computação gráfica. Na NAU os passageiros são apresentados após o embarque, mas, sua individualização propriamente dita só ocorre em seu destino, no porto de Bremerhafen, onde a vida apresenta uma nova bifurcação para cada um. Aliás, como estamos em 1933, os degraus descendentes do desembarque poderiam ser recepcionados como um mau presságio político, já que, nesse mesmo ano, a Alemanha de Weimar se encontrava em dissolução e o partido nazista subia ao poder. E la nave va O narrador de Fellini sobrevive, de forma surreal, ao naufrágio da NAVE dividindo um bote salva-vidas com um rinoceronte – animal que, desde a xilogravura de Albrecht Duerer (1515), é sinônimo de autoridade, tenacidade e vigor. Nesse passo, fica quase evidente a mensagem subliminar de que a Arte sobrevive a qualquer guerra. Já o judeu-anão da NAU não é um sobrevivente, mas, uma testemunha da despreocupação de uma socieJulho/Agosto/Setembro/2015 |
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dade pré-guerra, que pensa, essencialmente, de forma egoísta. E, ao concluir que nada daquilo que foi apresentado é relevante, a obra sublinha o sentimento de alienação da época. A ironia é o fio de ouro que conduz as duas obras. E, a indiferença da classe dominante, para com os menos abastados, é a tesoura que separa, em partes desiguais, o tecido social. O povo passa a ser, por si, uma ameaça. Assim, na NAVE, qualquer interferência externa é recebida como algo negativo, mesmo que se trate de uma inofensiva gaivota na sala de jantar. Na NAU, de igual forma, essa aversão fica clara na exclusão de passageiros judeus da mesa do capitão, composta, exclusivamente, por alemães antissemitas e um cão. Em resumo, a obra de Fellini é essencialmente estética. Até porque a ‘cultura’ atua como um mecanismo capaz de alçar a âncora possibilitando o deslocamento de um verdadeiro gigante. Tem-se, assim, uma clara metáfora para a força da música, que se impõe sobre as picuinhas pessoais-sociais-políticas. De outra banda, na obra de Kramer, ‘A NAU DOS INSENSATOS’, menos vinculada às notas musicais, a mensagem resta sintetizada na afirmação de que, ‘a alienação e a indiferença são as portas de entrada da insensatez’. ANNA KARENINA – Um Tema Inesgotado Sabe-se que a literatura é uma conhecida fonte de inspiração para a cinematografia. Mas, nenhum personagem literário conseguiu tanto espaço audiovisual como Anna Karenina de Liev Tolstói que, desde 1910, sem contar inúmeras series de TVs, foi remontada no cinema, pelo menos, dezenove vezes (!) no transcorrer de 105 anos. Tanta atenção, possivelmente, encontre razão na forma como essa obra, banhada de romance, tratou das profundas mutações do papel feminino na sociedade. Sem falar que, com seus oito capítulos distribuídos em 900 páginas, esse romance também prima pela qualidade, sendo classificado, por William Faulkner (1897-1962) como uma das obras literárias mais bem escritas até hoje, razão pela qual a obra conta com versões que vão do cinema mudo até a variante metalingüística dirigida por Joe Wright (2012) e sobre a qual trataremos a seguir. Mas, antes de adentrar ao filme de Wright, considerado, comumente, um longa ‘conceitual’, cabe tecer alguns comentários sobre a penúltima versão desse trabalho, sob a ótica do cineasta Bernard Rose (1992). Nessa película, o elenco é tão pouco convincente que só se salva a figura do conquista-
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dor, Vronsky (interpretado por Sean Bean). Até a atuação do personagem de Levin (que remete diretamente a Liev Tolstoi) chama a atenção pela apatia. A protagonista é vítima de um roteiro descosido que a transforma em uma débil mulher seduzida pelas banais investidas do galã Vronsky. Os cortes são brutais, implicando em transferências de cenas mal resolvidas que transmitem a impressão de que o principal objetivo era compactar todos os capítulos do romance em 1:43 minutos. E, a tudo isso, se agregue que o resultado final não traz nenhuma inovação técnica ou contextual. Já a ANNA KARENINA de Wright, com apenas 20 minutos a mais, é outro cantar. E sua ousadia é tamanha que a estória tem início nos bastidores de um teatro que, rapidamente, se converte em tomadas externas garantindo, desde logo, a fusão entre a linguagem teatral e a cinematográfica. Ao teatro cabe, assim, o papel de articular, ou
seja, fazer a ponte entre uma ação e outra. E esse recurso é empregado com maestria. Vale lembrar que a combinação entre teatro e cinema já foi utilizada, por exemplo,em ‘DOGVILLE’ de Lars Von Trier. Mas, nesse trabalho o teatro serve, tão somente, de cenário e não há qualquer composição com tomadas externas. Em sua primeira alegoria, um inofensivo trem de brinquedo que, se transforma em uma máquina real é prova da capacidade criativa de Wright. Isso porque para o filho da protagonista a locomotiva não passa de algo lúdico. Mas, essa máquina que une St. Petersburg a Moscou, poderia representar a crueldade de uma sociedade, capaz de esmagar qualquer indivíduo que se coloque moral ou fisicamente em seu caminho. E ainda no plano das interpretações também poderia representar a força irrefreável das paixões. Sem falar que, o trem de Wright é uma constante e seu ritmo cronometrado parece conduzir o roteiro do início ao fim. As transferências de linguagem entre teatro e cinema viabilizam, em segundos, a troca de cenário ou ação, fazendo com que o filme ganhe tempo para desacelerar quando necessário. A cena montada entre palco e takes abertos, na qual o cavalo de Vronsky sofre um acidente, é um exemplo dessa regência temporal que chega a embaralhar as realidades. Outra prova dessa singular capacidade de gerir o tempo é a cena em que Anna (Keira Knightley) e Vronsky (Aaron Taylor-Johnson) se aproximam fisicamente a pretexto de uma dança. Nessa tomada a câmera acentua os sentimentos dos protagonistas congelando o bailar dos demais pares. Valendo acrescentar que tal estática também poderia ser recepcionada como o repúdio social àquela latente paixão. Mas, para não dizer que não falamos dos espinhos..., vale frisar que a escolha da figura quase metrossexual de Aaron TaylorJohnson para o papel do másculo Vronsky mitiga bastante a química desse par. No romance que dá ensejo a essa obra, Tolstói deixa clara sua convicção de que a felicidade está no campo. E as cenas finais da obra de Wright rodadas em um imenso milharal dourado, onde as imposições sociais de um regime absolutista não têm vez, estão visíveis em harmonia com essa veneração do autor. Segundo Tolstói ‘Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes são cada uma à sua maneira’. Wright, não fez menção a esse pensamento e, para que o mesmo não venha a cair na vala do esquecimento, poderíamos dizer que, todos os filmes ruins são iguais. Os filmes excelentes são cada um à sua maneira’.
HISTÓRIA EPITÁCIO, ANTES DE TUDO UM ÉTICO Damião Ramos Cavalcante
Senhoras e Senhores ! Feliz a terra que, como Umbuzeiro, serve de berço a tão ilustre pessoa, Epitácio. Umbuzeirenses! Todos que aqui estamos, em comitiva, liderados pelo Presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque, e juntos com vossos conterrâneos, historicamente, vimos render homenagem a esta cidade, pródiga de homens ilustres, à cidade de Umbuzeiro, que deu ao nosso Estado um cidadão que nos honra e nos propicia orgulho cívico. Em 1865, precisamente no dia 23 de maio, indo daqui do centro da cidade, em direção da Fazenda Marcos de Castro, encontraríamos nascendo na casa do Coronel José da Silva Pessoa, e da sua segunda mulher Henriqueta de Lucena, irmã do Barão de Lucena, a criança Epitácio, que se chamaria Joaquim, se não fosse a indicação onomástica ao pai do Martyrologium Romanum, livro fonte das nações católicas para o costume de escolher, do “santo do dia” o nome para a filha ou para o filho que nascesse. Assim, Epitácio recebia o nome do mártir Santo Epitácio, bispo espanhol queimado numa fogueira em defesa da fé, no século II, na cidade espanhola de Burgos. Nascia o caçula de cinco irmãos, cujos avós paternos e maternos vinham do vizinho Estado de Pernambuco. Em 1873, sua família deixou Umbuzeiro para morar em Recife. Epitácio cresceu mais brincando no pomar, atrás da sua casa, do que no centro desta cidade, aonde era trazido pelo seu genitor para passear nas suas ruas, enveredar pelos seus becos, rezar na sua Igreja e descansar em sua praça. Já em Recife, somente o prematuro falecimento da mãe, seguido, após poucos dias, pelo do pai, deixando-o órfão, afastou a criança Epitácio das confortáveis paisagens bucólicas do alto desta serra, para entregá-lo definitivamente à vida da metrópole, trocando ele forçosamente o frio do campo serrano pelo calor da grande cidade.
Desses tempos em diante, em todos os sentidos, não parou precocemente de crescer. As coincidências, as circunstâncias, aliadas ao determinismo de um jovem corajoso, fizeram da então criança de Umbuzeiro, jovem estudante de Recife, bacharel na Paraíba, advogado no Rio, Deputado, enfim, Senador, e em Versailles, nas alturas do voo da Águia de Haia, membro da Suprema Corte de Justiça Brasileira; enfim, guindado quase como escolha do destino, à Presidência da República, bem poderia ele repetir o que dissera Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Se há pessoas que encarnam a explicação hegeliana do que é o individuo na história ou o individuo histórico, Epitácio Pessoa é exatamente a encarnação de uma delas; de criança de Umbuzeiro a cidadão do mundo; de menino com vista à beleza serrana a uma perfeita “weltanschauung”. Visão do mundo? Sim, inteligente, culta, prática, valorativa, e sobretudo ética, com respeito e valoração ao bem comum. Sintetizaríamos, nesta peroração, episódios e mais episódios da vida desse grande homem paraibano e vulto nacional, mas também isso já foi tanto dito nos discursos e publicações ao se comemorar o festejo desses seus 150 anos de existência! Existência? Qual existência? Sim, contraponha-se ao existencialismo a existência efêmera para reafirmar, ainda nessa mesma filosofia, a concepção e a intuição metafísica do “ser e existir” dos antigos e medievais filósofos, e, na contemporaneidade, do Sein und Zeit, de Heidegger que definiu a essência humana à sua existência; do L’être et le Néant, de Jean Paul Sartre que teorizou o ser individual precedido da essência individual. Os valores humanos e especialmente os individuais, caros confrades imortais Fátima Bezerra Cavalcanti, Itapuan Botto e Marcos Cavalcanti de Albuquerque, dão-nos a confiabilidade de que o que assim é assim existe. Daí, a imortalidade de Epitácio Pessoa, através dos seus feitos, das suas obras, ditas e escritas em inumeráveis títulos. Epitácio Pessoa não era, não foi,
ele é, e se ele é, então imortalmente existe... Sobretudo enquanto nos honra como um dos patronos na nossa Academia Paraibana de Letras. Prezado sobrinho do nosso agraciado, Roberto Pessoa Filho, que acompanha o ilustre Embaixador Carlos Pessoa Pardellas, que, vindo de tão distante, pelo caminho do amor que Epitácio tinha por esta terra, está aqui e agora, entre nós; demais familiares da família Pessoa! Epitácio da Silva Pessoa existe enquanto paraibano que nasceu em Umbuzeiro; criança que presenciou os sofrimentos da mãe e logo depois do pai, ambos falecendo aos 36 anos de idade; existe na separação dos irmãos e irmãs pelas casas dos parentes, ficando ele aos cuidados do tio, o Barão de Lucena; enquanto bolsista interno no Ginásio Pernambucano de Recife, dirigido rigidamente por eclesiásticos, onde, pelos resultados escolares, o Governo de Pernambuco o manteve, em tempo de crise, como único bolsista daquele educandário, lá ficando como aluno “interno”, disciplinado «pelos irmãos Arcoverde». Abro parênteses para me alongar sobre esse fato que merece ser notório: Esses irmãos Arcoverde, disciplinadores de Epitácio, foram exímios indisciplinados, ambos enquanto alunos do Padre Rolim em Cajazeiras. Tendo três filhos de comportamento insuportável , o capitão Budá Arcoverde, fazendeiro pernambucano, levou-os a Cajazeiras para interná-los no Colégio do Padre Rolim. Chegando lá, conversou com o padre sobre as condições do internamento. Depois da conversa, pediu-lhe licença e carregou os filhos a terreno descampado, onde começou a surrar os meninos com cipó de marmeleiro. Vendo aquilo, padre Rolim correu em socorro das crianças e indagou o motivo daquele inesperado trato. Esclareceu o capitão Budá: - “O Reverendo Padre Rolim não sabe como são essas três peças. Sei o que eles vão pintar aqui no seu Colégio, depois que eu for embora. Por isso, estão a merecer, logo agora, essa sova. Daqui a uns dias, merecerão muiJulho/Agosto/Setembro/2015 |
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to mais”. Mais tarde, educados pelo padre Rolim, esses irmãos traquinas seriam o famoso doutor Leonardo no Rio de Janeiro, e os educadores de Epitácio: monsenhor Antonio, e o cardeal Joaquim Arcoverde, que chegou a ser o primeiro Cardeal Primaz do Brasil; e, na Paraíba, o primeiro a sofrer “pena antecipada”... Esses irmãos Arcoverde, então indisciplinados e depois disciplinados, citavam Epitácio como um deles... Diziam que não diferente era seu aluno Epitácio, citado pelo Cônego Antonio Arcoverde entre “os mais insubordinados”, rebelde diante do regulamento quando injustamente aplicado, porém, jamais com falhas morais. Sobre o que penso, com minhas palavras, como Epitácio Pessoa interpretaria essas situações: Na justiça deste mundo existe de tudo: pessoas castigadas sem culpa alguma, apenas por perseguição ou inveja; outras punidas por antecipação; muitas são punidas justamente porque merecem; outras tantas merecem, mas nunca são punidas, sendo, às vezes, até agraciadas depois do mal que cometeram, como são os casos atualmente de “denúncia premiada”... Ora, o prêmio a quem denuncia o mal ao bem comum é a felicidade de cumprir o dever de denunciar, o que deve fazer em defesa do bem coletivo e não ser parcialmente compensado em relação ao crime que cometeu... Ensina-nos a Ética Filosófica que o bem agir, seguindo-se das leis, normas ou valor moral, afirma-se quando é reconhecido e aprovado. Há a teoria de que se é feliz depois da boa ação, por ser o prêmio da virtude ela mesma. Pois, a boa ação, por si só, é compensatória ao ser parte daquilo que é bom. Do outro lado da moeda, a ausência de punição ou a diminuição dela para com isso se premiar, diante da má ação coercível, de certo modo gratifica o malfeitor. A má ação compensada provavelmente se repetirá. Ao contrário, a punição justa da má ação exerce uma força de coercitividade para inibi-la. A ética nos esclarece essa intrínseca relação entre a felicidade e a moralidade; vincula a integridade da aspiração da felicidade à aspiração do bem honesto. Como consequência disso, há também a correlação entre a sanção, o mérito e a felicidade. Enfim, não se deve praticar a punição por antecipação, nem tampouco agraciar o delator culpado, como aconteceu a Joaquim Silvério dos Reis ao delatar Tiradentes e os “inconfidentes mineiros”... Para fechar esse parêntese, contudo, já nos ensinava Cesare Beccaria que não é a crueldade da pena que freia o delito, mas a infalibilidade da punição; assim também pensava e agia Epitácio Pessoa. Tempos penosos esses do interna-
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to; foi quando Epitácio se sentiu só, sem pais, jovem pobre, sem bens materiais e poder aquisitivo, e também sem carinho. Contudo, depois dos conselhos do novo disciplinante Cônego Tranquilino, Epitácio se tornou um exemplo de aluno, quase perfeito, não só nos resultados escolares, como também na disciplina sem “prêmios compensatórios”. Epitácio existe enquanto aprendeu método e aplicação aos estudos, nesse “Colégio de padres”, que lhe renderam o conhecimento de latim, grego, francês, língua portuguesa, literatura, filosofia e de uma boa formação humanista. Associou-se a isso a época de ideias, de efervescência filosófica, política e ideológica que nutriam, em todos os sentidos, clamor à justiça. Certa vez, Epitácio assumiu a insatisfação dos colegas sobre a má alimentação do internato, manifestando crítica ao Bedel ao mostrar-lhe “as bolachas duras”; o Bedel retrucou, insultando o bolsista: “Estuda de graça e ainda reclama”. Epitácio não se conteve diante da injusta humilhação e atirou a bolacha dura na cara do Bedel, causando-lhe ferimento . O caso foi levado ao Monsenhor Joaquim Arcoverde que, no refeitório e na frente de todos, usou a palmatória que pendurava no pescoço como ostensiva advertência; ainda determinou oito dias de prisão para Epitácio, na desconfortável cafua do Colégio. Epitácio tinha concluído os estudos, faltava-lhe apenas o diploma, então decidiu fugir pelo respirador da cafua e nunca mais voltou ao Ginásio. Encontrando-se muito posteriormente com o Bedel, na Secretaria Geral da Paraíba, sem rancor, demonstrou-se uma pessoa equilibrada e justa, atendeu os pedidos do Bedel e ainda deu-lhe colocação no Estado. Epitácio existe enquanto, a partir de 1882, realizou brilhante Curso na Faculdade de Direito de Recife, fase áurea dessa escola superior de ensino, celeiro do “bacharelismo”, que tanto alimentou e se alimentou do “humanismo brasileiro”. Basta dizer que, com destaque, as famosas Faculdades de Direito no Brasil eram a de São Paulo e a de Recife. Esta última acolheu Epitácio Pessoa, Cotegipe, Eusébio de Queiroz, Zacarias, Nabuco de Araújo, Tobias Barreto, Franklin Távora, Sylvio Romero e abrigou o “Movimento literário, filosófico e jurídico”, ali organizado, denominado “Escola do Recife”. Criou-se uma substanciosa deferência literária ao pensamento e às obras de Victor Hugo, retroalimentada pelos “hugoanos” Tobias Barreto, Guimarães Júnior, Plínio de Lima, e especialmente por Castro Alves. Via-se também em Tobias Barreto um afeiçoado à doutrina filosófica monista de Haeckel, Noiré, Hartmann, e do genial Schopenhauer. Ora, Tobias, tri-
buno de brilhante inteligência, ganhou lugar na Congregação da Faculdade de Direito do Recife , em cuja cátedra passou a pregar essas ideias e esses pensamentos filosóficos; encheu a Faculdade de debates filosóficos e jurídicos, perambulava pelos corredores e recreio da Faculdade. Durante suas férias, geralmente Epitácio se hospedava na casa da sua irmã Miranda, aqui em Umbuzeiro, algumas vezes na casa de outros parentes e amigos. Quando longe das responsabilidades, mostrava-se uma pessoa gentil, poética e romântica . Enfim, nessa ambiência e nesse meio universitário, Epitácio fez um brilhante Curso de Direito. A ponto do severo Professor Tarquínio de Souza, catedrático de Direito Constitucional, que nunca tinha aprovado alguém com elogiosa menção, ter conferido nota 10 a Epitácio, com o seguinte comentário: “Não é prova de estudante, é prova de mestre”. Ao lado de Pires e Albuquerque, Graça Aranha e de Castro Pinto, patrono da cadeira 33 que ora ocupo na APL, em 13 de novembro de 1866, Epitácio Pessoa colou grau na Faculdade de Direito do Recife. Esses foram os momentos que muito influenciaram na vida intelectual de Epitácio Pessoa. Três anos após, acontece a queda da monarquia no Brasil e começa a República a que tanto se dedicou esse vulto nacional. Epitácio Pessoa existe enquanto entusiasta do cumprimento do dever. Não somente do dever como obrigação, mas como sentimento que discerne, em juízo, a ação humana, aquela ação que bem explicita Blondel, na sua obra L›Action ; aquele dever que tanto define Immanuel Kant na precisão da língua alemã, quando diferencia o intuir na linguagem do «dever» do verbo «zu müssen» enquanto necessidade (Eu devo beber o remédio) , o que se diferencia do dever do verbo zu sollen (Eu devo pagar a conta). Epitácio agia conforme esse segundo verbo ou seja pelo juízo e comando do dever moral. É o que li nos pensamentos, nas ideias tão claras dos escritos epitacianos: uma conduta secundada pela Moral, pelos princípios do «mos , mores», da Ética Geral. O que tenho a dizer é que Epitácio é antes de tudo um ético, enquanto «vir civis», enquanto «vir philosoficus», enquanto «vir juridicus». Se Epitácio é antes de tudo um ético, que não se procure imitar o homem que galgou os poderes maiores do país; que foi autoridade plenamente na cultura política da nação; que vestiu a toga das mais altas cortes da magistratura. E sim, imite-se o ético. Todas as honras e honrarias vieram como consequência; o causal desse efeito é sua «eticidade» ou o «ethos» do seu «ón-
tos» ou em outras palavra, o protótipo é o ético. E hoje, para ser ético é preciso ter coragem, ser corajoso como Epitácio o foi, comportou-se assim em todos os sentidos. Alcides Carneiro, excelso da Academia Paraibana de Letras, intitula Epitácio como «Um lidador sem medo e sem mácula (...) dotado da fé dos apóstolos e da energia dos guerreiros (...)». Diz esse tribuno sobre esse valente paraibano, ao pronunciar sua oração no recebimento pela Paraíba dos restos mortais de Epitácio, hoje no seu Mausoléu, situado no egrégio Tribunal de Justiça do Estado: «Foi a justiça que te deu a grandeza, vigor ao espírito e relevo ao caráter; a inteligência deu o brilho; a Paraíba, a coragem; a coragem, a audácia; a política, as posições; e a diplomacia, a universalidade.» A todos esses fatores do sucesso de Epitácio, a ética foi sangue que lhes deu vida. Agora eu me pergunto como, hoje, comportar-se-ia Epitácio diante dos que maquinam a destruição dos gêneros a pretexto de acabar com a discriminação contra a aceitável decisão daqueles ou daquelas que desejam viver plenamente o homossexualismo? Se assim optaram, que assim vivam. Contudo , a neutralidade de todos os gêneros seria igual a que para acabar com a discriminação racial fôssemos consi-
derados todos de única raça... Ou seja: para acabar com o «machismo», fossem todos os homens considerados mulheres... Ainda, atribuir à união, à convivência num mesmo lar e leito, com todos os direitos sucessórios de duas pessoas do mesmo gênero, o conceito de casamento, quando acasalar significa em todas as culturas, o que dita a natureza: reunir em casal macho e fêmea para procriar, para se obter substancialmente o objetivo finalístico de procriar. Tenho escutado de alguns, no âmbito dos três poderes constitucionais, o percalço da linguagem dúbia, o medo, a ausência da firmeza dos conceitos e da coragem epitaciana de afirmar o que deve afirmar, ou, ao contrário de Epitácio, sem a coragem de ser ético. Até se tolera inovar coisas mutáveis na cultura porque ela é dinâmica e se adapta à mutabilidade humana, mas jamais adulterar o naturalmente imutável ou o que só a natureza pode transformar. Enfim, o que sempre se preservou como princípio da natureza dos homens e da própria natureza criada por Deus. Sem discriminação, sem elaborar «ego» e «alter» coletivos, ainda Kant: «Somos todos iguais perante o dever moral». Para dizer o que eu disse , fundamentei-me nos discursos ouvidos e nos escritos durante a Comemoração centenária de Epi-
tácio; no rico livro de Laurita Pessoa Raja Gabaglia sobre a vida do seu augusto pai; no que escreveram Alcides Carneiro e José Américo de Almeida sobre Epitácio, e também nas obras de Leda Boechat Rodrigues sobre a participação de Epitácio no Supremo Tribunal Federal e no historiador José Octávio de Arruda Mello quando discorre sobre «Epitácio, republicanismo e federalismo». Mas também refleti sobre as conversas que tive com o povo desta terra, onde o encontrasse. Finalmente, Epitácio partiu daqui de Umbuzeiro para a Paraíba; da Paraíba para o Brasil. Mas, a contar seus primeiros passos, Epitácio, no «navegar é preciso» de Fernando Pessoa, navegou deste Município para o além mar, como se houvesse um só caminho ou uma só pátria; distanciou-se dessas vistas serranas para a já citada «Weltanschauung» , obtendo e comunicando ampla cosmovisão e consciente mundivivência. Termino como comecei, louvando Umbuzeiro. g Umbuzeirenses! Nós vos devemos e rendemos gratidão pelo filho que destes à Paraíba e que, cidadão, ao Brasil! Bem-aventurada a terra que tem Epitácio Pessoa como filho. Tenho dito!
(*) Discurso comemorativo dos 150 anos de Epitácio Pessoa, na sua terra, Umbuzeiro, em 17 de julho de 2015, em nome da comitiva que para ali se dirigiu para comemorar a efeméride.
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HISTÓRIA REPITAM COMIGO: “BARLAEUS NUNCA ESTEVE NO BRASIL” – “BARLAEUS JAMAIS VISITOU O NORDESTE HOLANDÊS”... (Especial para GENIUS) Evandro da Nóbrega Versão bastante reduzida deste nosso pequeno ensaio já saiu no Correio da Paraíba. Esta versão mais fornida nos é solicitada pelo notável editor e acadêmico paraibano Flávio Sátiro Fernandes, internacionalmente premiado por suas realizações editoriais. O artigo, porém, não foi escrito apenas para apontar uma ou duas falhas do historiador Ronaldo Vainfas. Vainfas é bom historiador? Sim, é um de nossos melhores historiadores — e vem dando boa contribuição à Historiografia, com obras relevantes: Economia e sociedade na América espanhola (1984); Ideologia e escravidão (1986); América em tempo de conquista (1992); A heresia dos índios (1995); Dicionário do Brasil Colonial (2000); Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição (2008); Jerusalém colonial: judeus portugueses no Brasil Holandês (2010) etc etc etc. Vainfas pode errar? Claro — como qualquer de nós. E, se ele se equivoca, temos por dever corrigi-lo. Não estamos aqui, óbvio, à cata de enganos alheios. Contudo, não podemos calar quando, em obra recente, Vainfas afirma que Barlaeus(1584-1648) esteve no Brasil em viagem bancada por conde de Nassau. Equívocos que se leem no 4º capítulo («Tempo dos flamengos: a experiência colonial holandesa»), elaborado para o volume 2 da trilogia Brasil Colonial: 1580-1720[organização de João Fragoso e Fátima Gouvêa, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2014, págs. 227-265]. O Judeu e o Capelão Consabido é que Barlaeus NUNCA esteve no Brasil. Que o digam autoridades no assunto, como João Peretti, Gonsalves de Mello, Honório Rodrigues, Evaldo Cabral de Mello, Guilherme d’Avila Lins, Mota Menezes, Leonardo Dantas, Paulo Herkenhoff, Justus Guedes, Dante Martins, Marcos Galindo, Pedro Corrêa do Lago et alii. Se Barlaeus escreveu uma das obras mais relevantes sobre o Brasil Holandês, Rerum per octennium in Brasilia, isto se deve a que
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João Maurício de Nassau-Siegen - já de volta à Europa, depois de governar a possessão holandesa no Nordeste - mandou lhe entregar todo o acervo que reunira sobre seu período (1637-1644). Como João Maurício prosseguia mui ocupado (governador de Wesel, comandante da Cavalaria holandesa etc) e também porque morava em Haia (depois em Cleves), enquanto Barlaeus residia em Amsterdam, quem intermediou os contatos entre o ex-preposto batavo no Nordeste brasileiro e o poeta-historiador antuerpiano de nascença foi o judeu Gaspar Dias Ferreira, que com Maurício seguira para a Holanda, em julho de 1644, ao terminar a estada nassoviana em Pernambuco. Zarpando de Cabedelo Como quase ninguém desconhece, João Maurício partiu de Cabedelo, na Capitania da Parahyba, em seu navio Zuphen (o mesmo que o trouxera ao Brasil), com destino a Texen, na Holanda, e guarnecido por uma frota de 13 outros grandes barcos. Ia carregado não só de pau-brasil, açúcar e outros produtos do Nordeste holandês, como também de quadros de Frans Post e demais produções artísticas, culturais e científicas da notável equipe de auxiliares que trouxera da Europa, a suas expensas (menos Barlaeus, claro, que, como já sabemos, nunca pisou por aqui). Uma Prova Irrefutável Há muitas provas de que Barlaeus jamais veio ao Brasil. Uma delas é a carta em latim do judeu Ferreira a Maurício, estando o original nos arquivos reais da Holanda e constando sua tradução para o português no tomo V da Revista do IAHGP (Recife). Outros ajudariam nos contatos do conde com Barlaeus, inclusive o capelão e secretário de João Maurício, Franciscus Plante. Esse Plante foi o mesmíssimo que assinou a) o epicédio e o epitáfio de Barlaeus, em 1648; e b) um livro de 1647 sobre João Maurí-
cio, a Mauricíada, que também temos, no original neolatino: Francisci Plante Brugensis Mavritiados libri XII, hoc est rerum ab illustrissimo heroe Ioanne Mavritio, comite Nassaviæ &c. in Occidentali India gestarum descriptio poetica. Título Au Grand Complet Assim é que, em 1647, da pena de Barlaeus, surgiu aquele notável livro sobre o Brasil Holandês: Caspari Barlaei, Rerum per octennium in Brasilia et alibi nuper gestarum, sub Praefectura Illustrissimi Comitis I. Mauritii, Nassoviae, &c. Comitis, nunc Vesaliae Gubernatoris & Equitatus Foederatorum Belgii Ordd. sub Auriaco Ductoris, Historia. Amstelodami, Ex Typographeio Ioannis Blaeu, MDCXLVII [A tradução vai mais adiante]. Tão valioso epinício, elencando os feitos de Nassau como “vice-rei” holandês no Nordeste brasileiro, traz portentosa coleção de textos em verso e prosa, mapas, quadros, gravuras, relatórios etc. Para abreviar, diz-se Rerum per octennium in Brasilia ou, simplesmente, “a História do Brasil de Barlaeus”. Segunda edição neolatina: Cleves, 1660; tradução alemã, por Tobias Silberling: 1659; tradução holandesa, por Honoré Naber: 1923; a partir de 1940, várias edições brasileiras. Sem Sair da Holanda Barlaeus escreveu tudo sem tirar os pés da Holanda. Baseou-se nos dados do conde, cartas e depoimentos de terceiros. Como escritor de recursos, embora perissológico, não precisaria ter vivenciado in loco tudo o que relatava: sua poderosa imaginação de humanista cultivado nos clássicos e no Século de Ouro neerlandês (Gouden Eeuw, 1588-1702) complementaria o que faltasse. Mais: face sua idade e saúde, Barlaeus dificilmente aguentaria uma viagem ao Brasil. Recorrente depressão fazia-o supor-se feito de vidro, açúcar, barro ou louça, não podendo expor-se aos elementos... De todo modo, sucumbiu ao esforço de escrever o panegírico do conde: agravando-se-
como a da Universidade de Utrecht, onde se acham obras do respeitado autor.
-lhe o estado mental, suspeita-se que se suicidou, em 1648, pulando em fundo poço d’água, por se julgar então feito de palha... e estar em chamas. Maurício & João Maurício Também não é apropriado anotar as datas de nascimento e morte de Barlaeus como Vainfas o faz («1584-48»), com evidente impropriedade - é óbvio que deveria ser “1584-1648”. Outra coisa com que não concordamos: chamar apenas de «Maurício de Nassau» ao conde João Maurício de Nassau-Siegen, em holandês Johan Maurits van Nassau-Siegen e, em alemão, Johann Moritz von Nassau-Siegen. O outro, Maurício de Nassau (15671625) ou Maurício de Orange-Nassau (em holandês, Maurits van Oranje-Nassau), era filho e herdeiro de Guilherme, o Taciturno, e príncipe soberano de Orange, além de PRIMO de João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679). João Maurício, “o Brasileiro” A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais contratou João Maurício em 1636 e ele chegou a Pernambuco em janeiro de 1637. Pouco a pouco, estendeu o domínio holandês de Sergipe ao Maranhão. Tinha atenções especiais com a Paraíba. Já o stadhouder Maurício de Nassau, príncipe de Orange, comandava os exércitos dos Países-Baixos. É conveniente esforçarmonos para que o leitor não confunda Maurício de Nassau, príncipe de Orange, com João Maurício, a partir de 1674 príncipe de Nassau-Siegen e conhecido na própria Holanda como “de Braziliaan” [“o Brasileiro”]. Nosso Estudo de Barlaeus Mas o fito deste artigo não é corrigir eventuais erros de outrem. Quer também dar contribuição positiva, por pequena que seja, à memória de Barlaeus, em prol da ilustração do leitor. Mesmo porque ele, Barlaeus — notável polígrafo neerlandês, escritor humanista, teólogo, latinista, historiador, poeta, médico, cartógrafo amador, poliglota, orador, tradutor, polemista, professor de Lógica e Filosofia — tem sido (e não só para nós) um dos mais fascinantes personagens da Historiografia. De fato, ao longo dos anos, vimos consultando tudo quanto é fonte sobre Barlaeus, inclusive a Encyclopedia Britannica (a original, em inglês, tanto em suas versões em papel, quanto as online e em CD-ROM). Mas a Britannica, surpreendentemente, traz pouquíssimos dados sobre o grande humanista flamengo. Universidade de Leiden É diferente o caso de três ciclopédias vir-
Mil Textos-Chave Trata-se de iniciativa da Associação de Literatura Holandesa (Maatschappij der Nederlandse Letterkunde), com apoio da Organização para a Pesquisa Científica (Nederlandse Organisatie voor Wetenschappelijk Onderzoek) e, entre outros órgãos, da União para a Língua Holandesa (Nederlandse Taalunie). Esta magnífica realização cultural e educacional mantém-se no ar graças a um “exército” de 80 pessoas. A biblioteca básica contém cerca de mil textos-chave da História cultural holandesa e flamenga
Barlaeus escreveu obras sobre a aventura holandesa no Nordeste brasileiro, inclusive poemas sobre a Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte etc — alguns dos quais ainda não devidamente traduzidos do neolatim e do neerlandês do século XVII.
tuais: 1) a Wikipedia neerlandesa; 2) a Wikipedia anglo-americana; e 3) a Wikipédia luso-brasileira, que apresentam as mais profusas informações, nesta ordem de precedência. A melhor fonte de pesquisa sobre Barlaeus, porém, é de longe a Biblioteca da Universidade de Leiden, que mantém vários sites online, em holandês, neolatim e inglês, mostrando praticamente TUDO sobre Barlaeus — inclusive com transcrições em hipertexto de suas obras. Há também informações valiosas (embora algo repetidas) nas Wikipedias em africânder, tcheco, alemão, esperanto, espanhol, francês, latim, polonês, português, russo, esloveno e sueco. Barlaeus escreveu obras sobre a aventura holandesa no Nordeste brasileiro, inclusive poemas sobre a Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte etc — alguns dos quais ainda não devidamente traduzidos do neolatim e do neerlandês do século XVII. Biblioteca Digital Holandesa Um site sobremodo rico, na Internet, é o da Biblioteca Digital da Literatura Holandesa [DBNL - Digitale Bibliotheek voor de Nederlandse Letteren, no URL www.dbnl. org]. Para os brasileiros, é quase inacreditável reunir-se num só lugar da web toda uma biblioteca digital contemplando miríades de textos e outras facilidades. É assim essa biblioteca holandesa, online desde 1999. Além dos livros originais com seus textos literários digitalizados, o website excele em bibliografias, biografias, literatura secundária, fotos, informes adicionais e hiperlinks para outras bibliotecas de respeito,
Os Nomes de Barlaeus Sendo o neolatim o idioma universal da época, tornou-se natural que as pessoas adotassem nomes latinos. Kaspar Baerle (nascido em Antuérpia a 12/02/1584 e falecido em Amsterdam a 14/01/1648) tornou-se Casparus Barlaeus (genitivo Caspari Barlaei). Quando o sábio Cláudio Brandão traduziu sua principal obra para o português, no Brasil, transformou o sobrenome Baerle/ Barlaeus em Barléu. Nos estudos internacionais, seu nome e sobrenome assumem as formas Caspar, Kaspar, Gaspar e Casparus — e Baarle, Baerle, Barlaeus, Barleu, Barléu, Barleus, Barléus... Se preferimos a grafia Barlaeus é porque se universalizou, sendo ele assim citado em obras do mundo inteiro. Na Tradução Brasileira A tradução de Brandão chamou-se História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes, sob o governo do ilustríssimo João Maurício, conde de Nassau etc, ora governador de Wesel, tenente-general de Cavalaria das Províncias-Unidas sob o príncipe de Orange [Serviço Gráfico do Ministério da Educação, Rio de Janeiro, 1940]. Brandão responsabilizou-se também pelas valiosas 360 notas, mais tarde enriquecidas por Mário Guimarães Ferri. No Ateneu Ilustre Quando as tropas espanholas invadiram Antuérpia, perseguindo os protestantes, os genitores do menino Kaspar van Baerle tiveram que fugir com ele para as Províncias Unidas dos Países-Baixos. Seu próprio pai (homônimo) já era professor de latim. Kaspar estudou Filosofia e Teologia na Universidade de Leiden. Tornou-se pregador numa aldeia, mas logo retornou a Leiden (1612), como regente auxiliar de um colégio. A partir de 1617, foi também professor de Filosofia na dita Universidade. Como era remonstrante (apesar de manter bom relacioJulho/Agosto/Setembro/2015 |
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namento com os demais cristãos e com os judeus), perseguiram-no — e viu-se demitido em 1619. Refugiou-se em Caen, França, onde se graduou em Medicina, embora nunca tenha exercido especialidades médicas. Retornando em 1631, passou a lecionar Filosofia e Retórica no Athenaeum Illustre, liceu de Amsterdam que originaria o Ginásio Barlaeus e a própria Universidade local. Muitas Outras Obras Costuma-se atentar apenas para Rerum per octennium in Brasilia — mas Barlaeus deixou numerosas obras, particularmente em latim, neerlandês, alemão e francês. Fizemos dessas obras uma verdadeiramente extensa lista, a tomar várias páginas. Nosso interesse maior é encontrar, em meio às obras de Barlaeus, aqueles versos e outros escritos que digam respeito diretamente ao Nordeste brasileiro, em especial à Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, para não falar do Ceará, Alagoas, Sergipe et alia. Interessamo-nos, objetivamente, pelos poemas e demais trechos que ainda não foram traduzidos — e não são poucos: antes de escrever Rerum per octennium (e antes mesmo da vinda de João Maurício para o Recife), Barlaeus já produzira livros e outras obras sobre as conquistas holandesas no Nordeste! Por míngua de espaço, damos só um exemplo. Em 1630, lançou ele o volume Casparis Barlaei Triumphus super captâ Olinda, Pernambuci Urbe, Brasiliae Metropoli, Facti ducibus, Viris fortissimis, Lonckio, & Waardenburgio, armis opibusque Societatis Indiae Occidentalis, auspiciis Potentissimi Federati Belgii Ordinum & Illustrissimi Principis Auriaci Frederici Henrici, &c. Lugduni Batavorum, Ex Officinâ Godefridi Basson. Mesmo o leigo em latim vê tratar-se de livro enaltecendo o papel
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dos agentes do príncipe Frederico Henrique e da Companhia na captura de Pernambuco. Poemas Desconhecidos Em vários tomos de suas obras poéticas [Poemata], Barlaeus publicou versos citando a Paraíba, Pernambuco etc. Nosso trabalho tem sido justamente localizar esses trechos, perdidos numa mole de escritos — e traduzi-los, tanto do neolatim como do neerlandês do século XVII, para os interessados paraibanos. Enfim, temos faiscado, nos últimos anos, esses poemas e outros textos por aqui até o momento pouco conhecidos de Barlaeus, seja em neolatim, seja no neerlandês de seu tempo, traduzindo-os para serem apresentados ao leitor, com comentários pertinentes. Trabalho que demanda tempo, paciência e conhecimento do entorno histórico, literário e linguístico em que Barlaeus atuava. Não é uma Biografia Há, em holandês e outras línguas (inclusive em português), excelentes biografias de Barlaeus, de modo que nosso eventual livro sobre “o poeta do Brasil Holandês” não se pretende novo texto biográfico. Pende mais para o biobibliográfico. E, especificamente, busca trazer ao conhecimento do leitor comum versos (e outros textos) produzidos por esse escritor neerlandês do século XVII sobre a Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e outras paragens nordestinas. Mas... ainda há o que dizer sobre Barlaeus, tão estudado no Brasil e alhures? Há, sim. E a razão é justamente esta: em memorável feito editorial e tecnológico, concluiu-se em 2004 a disponibilização on line, no portal da Universidade de Leiden, de sua
obra COMPLETA. Para se avaliar a extensão desse trabalho, basta saber que toma diversas páginas só a mera enumeração dos títulos das obras dele. O latinista holandês era um portento, produzindo incessantemente poemas, textos em prosa, relatos históricos... O Açúcar da Paraíba No quase-poema que abre Rervm per octennivm, Barlaeus, ao explicar o desenho da folha-de-rosto, já cita a Paraíba:”[...] Próxima, a fecunda Itamaracá exibe seus nectários racimos e os magníficos dons do próprio solo. Junto a ela, a Paraíba põe nas formas o dulcíssimo açúcar e o torna grato aos povos. O avestruz [ema], errante habitador do Rio Grande [do Norte], foge correndo, e falsamente imagina que se lhe dá de comer”... É a Paraíba citada repetidas vezes, no livro. Mas não foi isto, fato já bem conhecido, que nos moveu à atual pesquisa. O que mais objetivamente nos interessa? O já explicitado: compulsando demoradamente a obra COMPLETA de Barlaeus, no portal da Universidade de Leiden, constatamos que, em poemas e outras obras ANTERIORES a Rervm per octennivm, o vate refere-se em várias oportunidades às coisas da Paraíba. Elias Herckmans, “nosso” terceiro governador holandês, também era poeta, e dos bons. Franciscus Plante igualmente manejava bem os versos. Contudo, Barlaeus, por méritos próprios, ficou para nós como o “poeta do Brasil Holandês”. Barlaeus escreveu obras sobre a aventura holandesa no Nordeste brasileiro, inclusive poemas sobre a Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte etc — alguns dos quais ainda não devidamente traduzidos do neolatim e do neerlandês do século XVII. g
MEMÓRIA ASPECTOS RELACIONADOS COM A PRESENÇA DE ELPIDIO DE ALMEIDA NO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO Joaquim Osterne Carneiro Conforme GUIMARÃES (1998) às fls. 19, em 1905, o Engenheiro Militar Álvaro Lopes Machado, no seu segundo mandato como Presidente do Estado da Paraíba, pacificou a política estadual e “foi capaz de gerar ambiente para a criação de uma instituição de elevado nível intelectual, mais além dos clubes literários existentes, que sempre tiveram vida efêmera”, No dia 07 de setembro daquele ano, objetivando comemorar a Independência do Brasil, foi realizada uma sessão na Sala da Congregação do Liceu Paraibano, com a presença de 71 personalidades do mundo político, intelectual e profissional, sob a presidência de Álvaro Lopes Machado “a quem coube declarar fundado o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, após ponderações de João Pereira de Castro Pinto em seu discurso na solenidade”, de acordo com o trabalho anteriormente aludido. Foram realizadas mais três sessões, sendo então elaborado o Estatuto e eleita a primeira Diretoria. No dia 12 de outubro de 1905, em Sessão Solene, ocorrida na sede da Assembleia Legislativa, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano foi definitivamente instalado, “tendo assinado a ata de instalação 48 associados, sendo também considerados sócios fundadores mais três associados, que, embora ausentes daquela sessão magna, tinham sido eleitos para ocuparem cargos diretivos” de conformidade com Luiz Hugo Guimarães na sua obra acima citada. Constituindo-se na entidade cultural mais antiga em funcionamento no Estado da Paraíba, o IHGP tem por finalidade “a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, especialmente da Paraíba e do Brasil, assim como a promoção da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico e artístico”, sendo integrado por Sócios Efetivos, Beneméritos, Honorários, Correspondentes e Colaboradores. Possui igualmente uma biblioteca - Biblioteca Irineu Pinto - contando com mais de 40.000 títulos, dentre livros, periódicos e folhetos; uma Seção de Obras Raras, perfazendo um total de 1.465 títulos, publicadas nos séculos XIX e
Elpídio Josué de Almeida - 01.09.1893 – 26.03.1971
XX; uma Hemeroteca, um Museu, além de Arquivos Privados que pertenceram aos ilustrados paraibanos, Adhemar Victor de Meneses Vidal, Alcides Vieira Carneiro, Antonio da Silva Pessoa, Antonio da Silva Pessoa Filho, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, Manuel Arruda de Assis, Osias Nacre Gomes e Sebastião Sinval Fernandes. Ao longo de sua existência e objetivando cumprir sua finalidade, promove reuniões, quando são levantados assuntos de natureza científica relacionados com a sua especialidade; faz a coleta, classificação e a conservação de documentos; de livros, mapas e de outros objetos de interesse histórico, geográfico e artístico; adota medidas visando à publicação de revistas, boletins informativos, monografias e obras do próprio Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e dos seus associados; mantém intercâmbio com instituições congêneres, nacionais e estrangeiras, além de firmar convênios e acordos com entidades privadas e organismos da administração pública. É de fundamental importância assinalar que, personalidades que
dignificam o Estado da Paraíba nos seus mais distintos campos do conhecimento, participam do IHGP. Dentre os paraibanos que honram o Instituto, lugar de destaque é conferido a Elpidio Josué de Almeida, eminente e ilustrado homem público, que se notabilizou, não somente como Médico, Administrador e Político, mas principalmente como Historiador dos mais fecundos e dos mais acreditados. A Revista do Instituto Histórico e Geográphico Parahybano – Vol. nº 9 (1937), às fls. 143, em 10 de maio de 1936, informa que os Historiadores Florentino Barbosa Ferreira Leite, José Batista de Mello e José d`Ávila Lins apresentaram à Direção do IHGP a seguinte proposta: “ Propomos para sócios effectivos do Instituto Histórico e Geográphico Parahybano, as seguintes pessoas: Padre Carlos Coelho, Dr. Elpidio de Almeida, Dra. Neusa de Andrade e d. Alice Monteiro. São nomes bastante conhecidos no nosso meio intellectual. Quasi que nos dispensamos de comentários em torno dos mesmos. O padre Carlos Coelho é um moço de vasta cultura, director de um matutino em João Pessoa, jornalista de largas possibilidades. Dr. Elpidio de Almeida é médico em Campina Grande. É um dedicado estudioso da nossa historia. Agora mesmo acaba de enviar para a nossa revista um trabalho bem cuidado sobre a cidade de Areia.”. A referida proposição foi aprovada em sessão realizada no mesmo dia em que foi apresentada. Posteriormente, em reconhecimento aos seus indiscutíveis méritos e ao seu trabalho como Historiador, Elpidio de Almeida foi escolhido Patrono da Cadeira nº 05 do IHGP, de conformidade com o que consta às fls. 195 e 196 do livro História do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, de autoria de Luiz Hugo Guimarães, editado em 1998, pela Editora Universitária - João Pessoa - PB, que transcrevemos: “Na Presidência de Antonio Vitorino Freire é de se louvar sua iniciativa em adotar nomes de pessoas ilustres do passado que se notabilizaram nas letras, nas artes, no jornalismo, na historiografia, na administração e nas atividades políticas, para patronos das Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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cadeiras numeradas de 1 a 40. Dentre mais de uma centena de nomes foram selecionados em três sessões quarenta nomes, tendo a Presidência editado a Resolução 01/79, em 25.08.79, relacionando os seguintes patronos, pela ordem de numeração das cadeiras: José Maria dos Santos, Irineu Ceciliano Pereira Joffily, Alcides Bezerra Cavalcanti, Elpídio Josué de Almeida, João Rodrigues Coriolano de Medeiros, Manoel de Arruda Câmara, Oscar de Oliveira Castro, Manoel Octaviano de Moura Lima, João Ribeiro Pessoa da Veiga Junior, Francisco Soares Retumba, José Gomes Coelho, Fernando Delgado, Antonio Borges da Fonseca, Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire Rohan, José Leal Ramos, José Rodrigues de Carvalho, João Lelis de Luna Freire, Florentino Barbosa, Apolônio Carneiro da Cunha Nóbrega, Irineu Ferreira Pinto, João de Lira Tavares, Diógenes Caldas, Leon Francisco Rodrigues Clerot, Maximiano Lopes Machado, Carlos Gouveia Coelho, Francisco Lima, Cândido Firmino de Melo Leitão, Ambrósio Fernandes Brandão, Elias Herckmans, Maria Ignez da Silva Mariz, Eudes Barros, Clóvis dos Santos Lima, Manoel Tavares Cavalcanti, Francisco Hugo de Lima e Moura e João Baptista de Mello. As cadeiras de N º 6, 8 e 40 tiveram seus nomes indicados posteriormente, uma vez que elas naquela data estavam vagas. A de Nº 4, ocupada por Beatriz Ribeiro da Silva, também teve seu patrono escolhido posteriormente pela própria consócia. Em sessão extraordinária de 08.09.93, foram definidos os novos patronos das seguintes cadeiras, com parecer favorável da comissão
BIBLIOGRAFIA
constituída por Deusdedit Leitão (presidente), Humberto Mello e Rosilda Cartaxo: Cadeira 06- Aníbal Victor de Lima e Moura; cadeira 08 – Lopo Curado Garro; Cadeira 17 - Francisco Seraphico Nóbrega (sênior); Cadeira 44 - Celso Mariz; Cadeira 46 - Adhemar Victor de Meneses Vidal; Cadeira 49 - Raul Machado; e, Cadeira 50 - José Américo de Almeida”. O centenário de nascimento de Elpídio de Almeida, ocorrido em 1º de setembro de 1993, foi condignamente comemorado pelo IHGP, que promoveu no dia 27 de agosto de 1993, uma Sessão Solene em sua homenagem. Na supracitada solenidade, o Historiador Fernando Melo do Nascimento que ocupava a Cadeira Nº 05, que tem como Patrono, Elpídio de Almeida, pronunciou uma conferência, sob o titulo “O ECOLOGISTA ELPÍDIO JOSUÉ DE ALMEIDA”, tendo o ex-Deputado Estadual Orlando Almeida, filho do homenageado agradecido em nome da família. A obra de Elpídio de Almeida é diversificada e chama a atenção pelos assuntos tratados: “Contribuição ao Estudo do Eschistosomose Mansonica” (These, 1919); “A Lepra na Paraíba” (1925); “Fragmentos da História de Areia” (1937); “Areia e a Abolição da Escravatura – o Apostolado de Manuel da Silva” (1946); “Félix Ferreira de Albuquerque – Dados para sua biografia” (1946); À Margem do livro Brejo de Areia – os filhos de Manuel de Cristo Granjeiro e Melo” (1961); “História de Campina Grande” (1962); “Os Primeiros Versos do Prof. Odilon Nestor” (1964); “Reminiscências I: Francisco de Castro” (1964); “Reminiscências II: – Miguel Couto” (1964); “D. Pedro II na Paraíba”
(1964); “O ensino na Paraíba no Período Colonial – A ação dos Jesuítas – O Padre Gabriel Malagrida – Algumas retificações históricas – Sugestões” (1965); “Epitácio em Campina” (1965); “À margem de um cronista do sertão no século passado” (1965); “Um mestre de Campo esquecido” (1965); “Copaoba-Borborema” (1966); “Governo de Antônio de Albuquerque na Paraíba” (1966); “Pedro Américo - Torrão Natal” (discurso, sd). Discurso de recepção ao primeiro Bispo de Campina Grande, D. Frei Anselmo Pietrulla, O.F.M (não proferido). De outra parte, quando das comemorações alusivas aos 107 anos de sua criação, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano promoveu no dia 13 de setembro de 2012, Sessão Solene, oportunidade em que concedeu o titulo de Sócias Honorárias do IHGP, a Margarida de Oliveira Cantarelli, Presidente do Instituto Antropológico, Histórico e Geográfico Pernambucano; a Maria Ida Steinmuller, Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande; e a Juciene Ricarte Apolinário, Vice - Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande. Concomitantemente, fez a aposição da fotografia de Elpídio de Almeida, na galeria de seus imortais. Na ocasião, seu filho, o Médico e Empresário, Humberto César de Almeida, Presidente de Honra do Instituto Histórico de Campina Grande, falou em nome da família do homenageado. Pelo visto, fica totalmente comprovado o interrelacionamento existente entre o inolvidável Historiador Elpidio de Almeida e o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a secular “Casa de Irineu Pinto”. g
BORGES, José Elias Barbosa e ALMEIDA, Humberto de. 100 Anos de Elpídio de Almeida. EPGRAF, Campina Grande, 1995. GUIMARÃES, Luiz Hugo. História do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. João Pessoa. Editora Universitária, 1998. 300 p. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁPHICO PARAIBANO. Revista do IHGP. Vol. n0 9, 1937. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO. Revista do IHGP. Vol. 43, 2014. VASCONCELOS, Amaury. Elpidio, o Intelectual. (Discurso de posse na ALCG). Plaqueta, 1984.
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HISTORIOGRAFIA JUSTIFICATIVA PARA REEDITAR HISTÓRIA DE CAMPINA GRANDE, DE ELPÍDIO DE ALMEIDA Josemir Camilo de Melo
As datas cívicas têm sido momentos de reflexão sobre nossa identidade, seja municipal, estadual ou nacional. 11 de outubro de 1864 é a data do nascimento de Campina Grande como cidade, que se tornou peça chave do desenvolvimento, principalmente do hinterland do Brasil. Como uma aldeia e povoação do início do século XVII tornaramse, hoje, a cidade mais pujante do interior da região Nordeste? Como se conhecer a história dos fortes tropeiros e dos audazes guerreiros Cariris, a resistência do trabalhador escravizado, a tenacidade dos plantadores e colhedores de algodão e de mandioca que providenciaram renda e alimentação básica das populações do Planalto da Borborema (o que seria usado como argumento, quando de sua elevação à categoria de Vila, em 1790)? Como saber desse passado? Como construir a identidade campinense, para manter viva a chama de empreendimentos que têm constituído o ethos desse povo que se agrupou nas suaves colinas em torno dos poucos riachos, os quais alimentaram nossos ancestrais indígenas e tropeiros, trabalhadores (infelizmente) escravizados, plantadores e criadores de gado? Em 1962, prevendo celebrar essa memória campinense, o médico, ex-prefeito e ex-deputado federal, membro do Instituto Histórico Geográfico Paraibano e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Elpídio de Almeida, lançou seu livro História de Campina Grande. Ao chegar ao seu sesquicentenário, Campina Grande se vê sem sua memória histórica. Três edições anteriores de História de Campina Grande não foram suficientes para alimentar o conhecimento e a espiritualidade cívica de seus habitantes, visitantes, forasteiros, turistas, e paraibanos de outras municipalidades que se inspiraram no modelo de Elpídio de Almeida para confeccionar suas histórias municipais. A primeira entidade, fora do município, a reconhecer o valor historiográfico de História de Campina Grande foi a Universidade Federal da Paraíba, que incluiu o livro em sua coleção 1
“Documentos Paraibanos” (Nº 8), lançando, portanto, a 2ª edição, fac-similada, em 19791, uma iniciativa da reitoria de Lynaldo Cavalcanti. Uma homenagem póstuma, justa, a quem tinha deixado um legado tão rico, ainda no começo daquela década. Em 1993, por ocasião do centenário de nascimento do Dr. Elpídio de Almeida, a cidade, através de parentes, amigos e estudiosos renderam uma homenagem ao autor, fazendo reeditar, também fac-similada, a obra História de Campina Grande, que já fazia grande falta no cenário local para os seus munícipes e para estudiosos paraibanos. Embora as comemorações do centenário tenham ocorrido à época, a 3ª edição, levada a efeito pelo empreendimento de seu filho primogênito, Humberto César de Almeida, só saiu em 1995, tornando-se, em pouco tempo, esgotada. Caiu o silêncio sobre o passado, não só da cidade, mas sobre também seu emérito prefeito e erudito historiador. Urge, portanto, como fez o próprio Elpídio de Almeida, com relação ao centenário da cidade, para receber sua maior data cívica, esse reatamento com o conhecimento do seu passado, com a passagem do sesquicentenário da cidade, em 2014. A proposta, aqui, não é de uma mera reedição da obra, o que já seria de grande mérito, principalmente por estar esgotada e por ser Campina Grande, hoje, uma cidade universitária, com duas universidades públicas e quase uma dezena de Instituições de Ensino Superior privadas. O que se faz necessário é editar, isto sim, as interferências que o autor fizera em seu próprio texto original, prevendo uma edição crítica, haja vista sua habilidade em explorar documentos manuscritos e impressos, principalmente dos tempos da colônia e do Império. Antes e após o lançamento da edição de 1962, o autor mostrou uma faceta até agora escondida: a revisão e a crítica historiográfica, guardando-se o padrão da época. Trata-se, pois, de um exemplar da primeira edição, ricamente alterado, tanto por sua escrita miúda, como por textos datilogra-
fados, além de recortes e papéis avulsos que guardara nesse volume, como algo para si, que permaneceu desconhecido para muitos dos que o cercavam. Sua morte, em 1971, parecia também ocultar para sempre a reedição dos seus sonhos e de suas críticas. Mas, o que vem a ser essa História de Campina Grande? Lançado em 1962, pela Livraria Pedrosa, que fez as vezes de editora, mas impresso no Recife, na Gráfica Mousinho, História de Campina Grande foi lançado em torno às comemorações do I centenário da cidade, realizado em 1964. Para muitos, parecia ser a única produção de um historiador bissexto. Engano. Aqui, veremos que Elpídio de Almeida, na ‘escola’ do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, do qual era sócio fundador, e nas visitas aos arquivos da cidade, aprendeu o ofício de historiador, como se pensava, à época, o bastante para legendar seu nome como sócio correspondente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Elpídio de Almeida nasceu em 1893, na ‘cidade cultural’, Areia, filho de um senhor de engenho brejeiro (e não do litoral canavieiro – o que não é o mesmo status), tendo mais três irmãos (Pedro, José Rufino e Horácio) e uma irmã (Maria Eugênia). Sendo o primogênito dos homens, teve direito de ir estudar fora, dentro da lógica das famílias que ainda traziam forte presença de patriarcado/primogenitura. Formou-se em medicina, no Rio de Janeiro, em 1918, com a tese “Contribuição ao Estudo da Esquistossomose Mansônica”, trabalho esse que seria de pronto reconhecido pela ciência: “Em 1924, Elpídio de Almeida chamou a atenção dos poderes públicos para três grandes focos dessa doença no Estado da Paraíba, nos municípios de Guarabira, Alagoa Grande e Campina Grande. Em Guarabira, segundo verificou o Dr. Silvino Nóbrega, quase todos os habitantes das proximidades do açude velho, o de maior serventia pública, eram infestados
A folha de rosto dá a edição como 1979; a ficha catalográfica indica 1978.
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pelo Schistosoma mansoni” (PINTO, Cesar; ALMEIDA, Antônio Firmato de. A schistosomosemansonica na Paraíba. Brasil Médico, Rio. 38, I (22): 307-308)”. Aqui parece haver um engano dos autores, pois o Açude Velho existe, mas em Campina Grande. Sua atuação como médico e pesquisador também será registrada por outro médico e colega do IHGP, Dr. Humberto Nóbrega, sobre descobertas de prática médica (NÓBREGA, Humberto. Achegas à Historiografia Médica do Nordeste, especialmente na Paraíba. Revista do IHGP, nº 35, 2002, p. 64). Logo, em seguida, foi indicado para cargos na Saúde, na capital da Paraíba, e em sua cidade, mas fixou residência em Campina Grande, onde se casou com Adalgisa César de Almeida, e tiveram os filhos, Humberto Cesar, Orlando Augusto, Antônio Américo e Elza Maria. Foi de sua nova cidade que escreveria seu primeiro artigo, no jornal A União “A Lepra na Paraíba”, em 1925. Além de assumir a clínica médica, lecionou no Instituto Pedagógico (do Tenente Alfredo Dantas), onde colaborou com a revista Evolução, daquele educandário, produzindo dois pequenos artigos, um sobre estética e higiene, “Mais cuidado com os cabelos. Conselhos às Moças” (Ano I, Nº 1, setembro 1931, p.14); e, no mês seguinte, (Ano I, Nº 2, outubro 1931, p.3 e 29) “Um mal que nos ameaça”, sobre doenças vindas da África, no bojo da escravização. Aqui, ainda, era o médico que falava. Elpídio: o político Logo cedo, começou uma pequena experiência como Conselheiro Municipal (vereador) em 1929, mas com a Revolução de 30, o Conselho foi dissolvido. Também foi nomeado, em 1932, para o Conselho Consultivo de Campina Grande (criado pelo dec. estadual nº 109 de 12//1931), em que deve ter permanecido até 1934. Com o fim da II Guerra Mundial e a redemocratização, num clima de alianças, Elpídio de Almeida foi eleito prefeito em 1947, sendo sua maior obra a construção da maternidade que leva o seu nome, inaugurada em 05 de agosto de 1951 e transformada em Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (ISEA), em 27 de abril de 1992. Em 1951, foi eleito deputado federal e voltou a se reeleger prefeito (1955-59) e, dentro do espírito desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubistchek, criou uma Comissão para o Desenvolvimento Econômico da cidade, apoiou a primeira reunião dos Bispos do Nordeste, realizada nesta cidade, inaugurou o serviço de abastecimento de água, e o de energia de Paulo Afonso, e criou ainda a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e da Técnica (FUNDACT). Para ser transparente na administração, criou o Sema3
nário, espécie de Diário Oficial do município. Retirou-se, em seguida, da vida pública, destinando-se a pesquisar a história local, com que nos brindaria, em 1962, com a primeira edição de História de Campina Grande. Elpídio: o historiador Em 1936, paralelamente à vida de político local e médico, tornou-se membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde publicou o artigo “Os Fragmentos da História de Areia” (Revista do IHGP, nº 9, de 1937). Voltaria a publicar no nº 10, em 1946, o artigo “Félix Ferreira de Albuquerque – dados para sua biografia”. Nesse mesmo ano, publicou, nas gráficas do Jornal do Commercio de Recife, a plaqueta de 40 páginas, o seu discurso “Areia e a Abolição da Escravatura – o apostolado de Manuel da Silva”. Estava apenas a um ano de se eleger prefeito de Campina Grande. Sua contribuição às letras históricas iria hibernar por três quatriênios, dois de prefeito e um de deputado federal. Só voltaria à lida historiográfica em 1961, quando publicou À Margem do Livro Brejo de Areia – os filhos de Manuel de Cristo Granjeiro e Melo, na Revista do IHGP, n◦ 14. Como coordenador da Comissão das Comemorações do Centenário da cidade e da Comissão da Revista Campinense de Cultura, o autor aprofundou algumas leituras que o levaram a corrigir sua obra. Ali, ensaiaria sua crítica revisionista historiográfica, contribuindo com excelentes artigos sobre a história paraibana, através da edição dos oito números daquela revista, onde publicava a nata da intelectualidade campinense e paraibana, pois lá estavam José Américo de Almeida, Lauro Xavier, Everaldo Lopes Ferreira, Ernani Sátiro, Virgínius da Gama e Melo e Horácio de Almeida, para citar os que atravessaram fronteiras regionais. Ao mesmo tempo, a Comissão também publicou o livro “Coletânea de Autores Campinenses”, em que Elpídio pontificava com o seu D. Pedro II na Paraíba (Edições da Comissão Cultural do Centenário, Prefeitura Municipal de Campina Grande - Paraíba – 1964, p. 63-66). Na Revista Campinense de Cultura (1964-1966), seu artigo era sempre o carro-chefe. Lá escreveu sobre memória dos seus tempos de estudante da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, registrando a atuação dos médicos Francisco de Castro e Miguel Couto, este, seu professor naquela Faculdade; Os Primeiros Versos do Prof. Odilon Nestor (Ano 1, nº 1. Campina Grande, outubro de 1964, p. 5-7) e Reminiscência.(parte I) Francisco de Castro (Ano 1, nº 1. Campina Grande, outubro de 1964, p. 47-503. Na edição seguinte, Elpídio de Almeida retorna com Reminiscência (parte II). Miguel Couto.
Ainda nesse número há o mesmo título Reminiscência, mas se trata de um poema escrito por Lourdes Ramalho (p. 32).
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Revista Campinense de Cultura, Ano 1, nº 2. Campina Grande, dezembro de 1964, p. 5-11. Em 1965, Elpídio, como coordenador da Comissão e editor da Revista deve ter proposto e foi aceito, um número exclusivo sobre o centenário de Epitácio Pessoa, onde surgem os artigos de Everardo Luna, Lopes de Andrade, José Gaudêncio de Brito, Octávio Amorim, Stênio Lopes, Virgínius da Gama e Melo e José Américo de Almeida. Liderando a publicação, vinha o artigo de Elpídio de Almeida Epitácio em Campina. Revista Campinense de Cultura, Ano II, nº 4. Campina Grande, junho de 1965, p. 9-25. Esse artigo, de 16 páginas, merece, agora, pelo Sesquicentenário de Epitácio, ser republicado na íntegra. Na Revista, publicou Elpídio “À Margem de ‘Um Cronista do Sertão no Século Passado’”, de Geraldo I. Joffily (Ano II, setembro de 1965, p. 3-7); “O Ensino na Paraíba Colonial – A Ação dos Jesuítas – o Padre Gabriel Malagrida – Algumas Retificações Históricas – Sugestões” (Ano II, nº III, 1965), No número 6, pratica historiografia revisionista, bem ao modelo do historiador pernambucano, José Antônio Gonsalves de Mello e do historiador José Honório Rodrigues, ao reabilitar a figura do mestre de campo, José de Araújo Soares, nascido na povoação de Campina Grande “Um Mestre de Campo Esquecido”. Elpídio de Almeida contribui, não só para a história local, como a do Ceará, no que diz respeito ao Cariri cearense, onde o personagem foi fazer fortuna e fundar família. No número 8, Elpídio de Almeida busca, mais uma vez, a história ainda não escrita. Faz revisão do passado colonial para tirar do esquecimento o “Governo de Antônio de Albuquerque na Paraíba” sobre o período pré-guerra holandesa. Para isto, vai se valer do pai da histografia brasileira, Francisco Adolpho Varnhagen e de Frei Vicente do Salvador, além de consultar História da Paraíba, de seu irmão Horácio de Almeida. Elpídio carimbava, assim, seu passaporte de historiador, ao resgatar dos acervos, obras de destaque. Publicou ainda “Copaoba – Borborema”, no nº 7, (Ano III, de março de 1966, p.5-11), fazendo uma revisão históricogeográfica do registro das duas denominações espaciais da Paraíba colonial. Elpídio de Almeida e a crítica historiográfica Demonstrando um arguto senso de pesquisador, Elpídio de Almeida foi a cartórios, se utilizando de processos-crimes, e a arquivos da prefeitura e da Câmara. Sentindo que a sociedade campinense conhecia pouco do seu passado, não desperdiçou informações genealógicas que encontrava, mais das vezes, destoando da narrativa. Talvez seja o primeiro genealogista da cidade.
Embora seu estilo não seja de todo positivista, o da neutralidade, deixando transparecer opiniões ou comentários pessoais, e até ser irônico, num curto parágrafo, ao comentar o arrombamento de cadeias, quando do Quebra-Quilos: “Os presos entram em férias” (p.148), o autor busca divulgar a verdade do fato histórico como o faz na crítica a Mauro Luna que, ao fim, escreve “Essa é a verdadeira história da passagem de Frei Caneca pela então vila de Campina Grande” (p. 89). Aí, acreditava ele estar fazendo sua profissão de fé como historiador. O autor também faria a autocrítica e não só essa, mas até a autocensura. No primeiro caso, ao rasurar os valores monetários, antes postos em cruzeiros, reconverte-os a mil réis, pois todas as suas informações são sobre o período até 1930, evitando anacronismos. Quanto à autocensura, o autor retirou palavras como ‘insana’, ao se referir a uma pessoa de certa família local, bem como rasurou a palavra ‘degenerado’, substituindo-a por ‘fraco e astuto’, ao se referir a um ouvidor-mor, durante as revoltas de 1817. Noutra passagem, ao se referir à revolta Praieira (1848/9), substitui a palavra ‘acintosamente’ por ‘contrário aos seus interesses políticos’ (p. 97). Mas nenhuma dessas autocríticas é mais severa e também subliminar que a que fez com a expressão ‘luta de classe’, uma expressão que poderia ser tomada como maldita, frente à situação política então vigente, à época de sua correção, em que o prefeito Newton Rique havia sido cassado pelo regime militar. O autor rasurou “onde a luta de classe (negrito nosso) aguardava momento oportuno para explodir”, e escreveu, à mão, nas entrelinhas, o texto: “onde a propagação da reforma se vinha fazendo com intensidade por líderes já impregnados de ideias nacionalistas”. Renunciava, assim, seguir o historiador pernambucano, Amaro Quintas (p. 97), perseguido pelo regime militar. História de Campina Grande e sua revisão pelo autor Elpídio de Almeida, com certeza, lera os livros do autodidata Epaminondas Câmara Alicerces Campinenses (1943) e Datas Campinenses (1947), descobrindo algumas desinformações daquele autor, o que lhe deve ter impulsionado a (re) escrever a história da cidade. Além do mais, recebeu influência do irmão, o historiador Horácio de Almeida, que lançara, em 1957, “Brejo de Areia. Memórias de um Município”. Assim, em 1962, antecipando-se às comemorações do Centenário da cidade de Campina Grande (1864-1964), o autor publicou História de Campina Grande. Tanto a segunda edição de História de Campina Grande (1979), como a terceira (1993), ambas como reprodução fac-similada da de 1962, ocorreram sem as modificações que o autor havia feito na primeira, pois não
se tinha conhecimento desse volume rasurado. Sua crítica historiográfica só será devidamente percebida nos rascunhos e anotações que o autor fizera no exemplar de 1962, para uma posterior edição crítica. Foi graças ao empenho da senhora Maria Ida Steinmuller, viúva do médico Humberto Almeida (filho do autor), que a obra revisada foi encontrada no acervo da família e, desde então, preparada para uma edição, visando às comemorações do sesquicentenário da cidade, em 2014. O livro não segue a linha evolutiva clássica do positivismo. O autor trabalhou a História local com grandes quadros municipais, obedecendo a certa ordem cronológica, em que cada quadro, per si, tem uma linha evolutiva. Elpídio parte para a descrição das origens de Campina, começando com “Entradas”, passando a “Aldeia, Freguesia, Vila” e, daí, dá um salto para a sequência cruenta: “1817”, 1824” e “1848”. A essa ordem dos quadros (que ele denomina de ‘capítulos’), vem “Açude Velho”, seguido de “Açude Novo”, “Cidade”, “Rapto”, “Quebra-Quilos” e a “Seca de 1877”. Em seguida, o autor passa ao “Paço Municipal”, segue com as “Câmaras Municipais” (1877-1889) e estuda a “Abolição”. Depois, vem “República”, “1º Conselho de Intendência”, “2º Conselho de Intendência”, “1º Conselho Municipal”, “2º Conselho Municipal”. Afastando-se dos temas políticos, parcialmente, analisa o evento “Rasga-Vales”, as “Feiras”, o “Relógio da Matriz”, o “Cemitério Velho”, os “Correios e Telégrafos”, o “Ensino Primário”, o “Grêmio de Instrução”, a “Estrada de Ferro”, o “Açude Bodocongó”. Volta à política municipal, ao historiar o quadro “Vida Política, Administrativa e Social (1901-1930)”, complementando com o quadro dos distritos “Puxinanã” e “Fagundes”, e para fechar seu livro, com uma homenagem ao administrador e político que admira “Cristiano Laurtizen”. O autor procedeu a sua revisão em três instâncias, através de correções manuscritas, correções feitas com textos datilografados e aquisição de material (pequenas notas e textos datilografados e manuscritos) que guardou dentro do exemplar para futuras inclusões. Suas correções manuscritas o levaram a rasurar 204 páginas, das 424 editadas (48% das páginas), em 1962, o que demonstra seu afã em fazer uma nova edição, crítica, sob seu ponto de vista. Ao todo, o autor acrescentou 21 textos datilografados, num total de 44 parágrafos (incluindo notas de rodapé) como corrigendas ao texto impresso de 1962. Algumas revisões ampliavam de três para cinco os parágrafos, além das notas de rodapé. Algumas revisões são redacionais e, até, de semântica; outras são historiográficas. O autor substituiu termos, buscando um sen-
tido adequado. As revisões historiográficas terminam por criticar autores ou desmontar informações, antes aceitas como corretas, como com o nome “Paupina”, que se pensou ser atribuído a Campina (Grande), mas era o nome de uma aldeia no Ceará. O autor dialoga com Rocha Pita e historiadores paraibanos, ora baseado em Taunay, ora em Varnhagen. Para quem era médico e não historiador acadêmico, Elpídio de Almeida soube se conduzir como um discípulo de Clio. Buscou o que de melhor estava disponível no momento, como a coleção Documentos Históricos, do Arquivo Nacional, e a Documentação Histórica Pernambucana. Visitou cartórios, manteve correspondência com vários arquivos históricos (BA, PE, PB e PI), adquirindo cópias de documentos históricos. Teve acesso a livros da Câmara de Vereadores de Campina Grande, ao Livro de Classificação de escravos de Campina Grande (1876), bem como o Livro de Atas da Câmara Municipal de Campina Grande (1878 e 1889). Consultou, ainda, o Livro de Atas do Conselho Municipal de Campina Grande, existente no arquivo da Prefeitura; e o Livro de escrituras, notas, etc, existente no 1º Cartório de Campina Grande. Além disto, consultou jornais de época, como Diário de Pernambuco, Estado da Paraíba, Gazeta do Sertão, A Razão, e Voz da Borborema. Buscou documentos pessoais da família Lauritzen, no acervo particular da viúva de Ernani Lauritzen, e outros, no acervo particular da viúva de Hortênsio de Sousa Ribeiro, este que foi testemunha ocular de momentos históricos vividos pela sociedade campinense; bem como teve acesso à documentação particular de Dona Esmeraldina (Passinha) Agra. Também acrescentou à sua pesquisa, relatórios, como o de Antônio da Trindade Meira Henriques, Resposta ao Relatório do Chefe de Polícia Manuel de Caldas Barreto, sobre os Movimentos Sediciosos havidos nesta Província; e o do Dr. Manuel de Caldas Barreto: Relatório Apresentado ao Presidente da Província, em 23 de fevereiro de 1875. Consultou a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; a do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e a Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. Procurou cercar-se de uma ampla bibliografia pela necessidade de enquadramento dos temas no cenário nacional. Consultou Taunay, Capistrano de Abreu, José Antônio Gonsalves de Mello, Pedro Calmon, Rocha Pombo e Rocha Pita, Brandônio, Varnhagen, Basílio de Magalhães, Koster e autores paraibanos, Pinto, Machado, e Joffily. O autor, em sua prática historiográfica, não ficava a dever aos demais membros do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. O médico tinha se transformado em historiador. g Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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FILOSOFIA ENGELS & MORGAN: UMA LEITURA ANTROPOLÓGICA DE A ORIGEM DA FAMÍLIA Carlos Alberto Azevedo
Na segunda metade do século XIX, surgiram obras de antropologia significativas que, de certa forma, influenciaram Marx e Engels. Henry Summer Maine publicou Ancient Low (1861), Johan Jacob Bachofen, Das Mutterrecht (1861), Fustel de Coulanges, La Cité Antique (1864), Edward Burnett Tylor, Primitive Culture (1871) e, finalmente, o etnólogo americano Henry Lewis Morgan lançou Ancient Society (1877). Nessa época, ou talvez um pouco antes, Marx e Engels já tinham desprezado a teoria hegeliana da natureza: Para Marx, a humanidade começa com a própria natureza. Ela é a matéria-prima a partir da qual fazem nossas vidas. Nossa evolução social não consiste em avançar da consciência perse, mas na nossa capacidade crescente de criar um mundo de artefatos a partir da natureza, primeiro pedra e cerâmica, depois sistema agrícola, vida urbana e, finalmente, a Revolução Industrial, que representa uma vasta aceleração em nossa capacidade de criar trecos (MILLER, 2013: 89). Eles (Marx e Engels) faziam a distinção entre história natural e história humana (1), enfatizavam o papel do trabalho humano em relação à natureza; não se esqueceram de que as “leis da história natural e da história humana são as mesmas”, como observou Lawrence Krader em Evolução, revolução e Estado: Marx e o pensamento etnológico (1980). Talvez por isso, o evolucionismo biológico e social de Lewis Henry Morgan tanto influenciou Marx e Engels: Quando Marx, quase no fim de sua vida, descobriu Morgan, ele e seu companheiro Friedrich Engels tentaram integrar as ideias
de Morgan em sua própria teoria evolucionária, pós-hegeliana. Os resultados incompletos dessa tentativa publicados por Engels em The Origen of the Family, Private Property and the State, em 1884, o ano seguinte à morte de Marx (ERIKSEN, 2013: 31). De fato, pouco antes de morrer, Karl Marx se debruçou sobre a teoria de Morgan, deixando um texto inédito: noventa e duas páginas de notas sobre A sociedade antiga(2). Veio à luz em 1974 – graças ao resgate feito pelo marxista Lawrence Krader, editando Marx’ Ethnological Notebooks (3). Em 1976, o mesmo Krader publica pela editora alemã Ullstein Ethnologie und Anthropologie bei Marx, obra fundamental para entender as relações entre antropologia e etnologia no pensamento de Marx (4). Saliente-se, a bem da verdade, que A importância intrínseca de Morgan na história da teoria antropológica fortalece-se muito pela circunstância de terem Karl Marx e Friedrich Engels adotado seu esquema. Isso não foi mero acaso. Marx anunciara a concepção materialista da história em 1859 – (Contribuição à crítica da economia política), o mesmo ano que presenciou a publicação da Origem das espécies (...) Marx voltar-se-ia para o trabalho de Morgan, pois não dispunha de experiência pessoal no campo da etnografia (CHILDE, 1961: 18). Vale a pena mencionar também que Marx nos Grundrisse(5) aborda diversas vezes a pré-história. Ajusta-a à sua teoria materialista, “e embora ele e Engels se tornassem cada vez mais interessados em antropologia histórica, Marx jamais desenvolveu plenamente um estudo desse comunismo primitivo” (cf. Shaw, 1979: 109).
Engels, de fato, foi quem desenvolveu o estudo desse comunismo primitivo. Assim, centramos a nossa análise em A origem da família, da propriedade privada e do Estado (Der Ursprung der Familie, des Privateingentums und des Staats, 1884), de Friedrich Engels(6). Trabalho relacionado com as pesquisas de L.H. Morgan. A origem da família: uma leitura antropológica Os dois prefácios à Origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Friedrich Engels – um à primeira edição (1884) e o outro à quarta edição (1891), ambos escritos pelo próprio Engels, são bastante ricos em informações complementares. O prefácio de 1891 tece vários comentários sobre suas fontes – cita Bachofen e Mc Lennan. Mas Engels faz severas críticas à obra de John Fergusson Mc Lennan. Tido na época por todos “como fundador da história da família e a primeira autoridade na matéria” (ENGELS, 1987: 13). O matrimônio primitivo, de Mac Lennan, apesar de ter sido duramente criticado por F. Engels, desempenhou um papel importante em A origem da família. Não se podem negar as três formas de matrimônios: a) poligamia, b) poliandria, c) monogamia. Toda pré-história da família resume-se a essas formas de união. Ainda no prefácio à primeira edição de A origem da família, Engels acentua que O grande mérito de Morgan é o de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse fundamento pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas uniões gentílicas dos índios norte-ame-
Ver a esse respeito o tópico 1 do artigo de L. Krader, publicado por Eric Hobsbawm, em História do marxismo, 1978. Devo essa informação a Jean-Marie Auzias: A antropologia contemporânea, São Paulo: Cultrix, 1978, p. 30. 3 Ver The Ethnological Notebooks of Karl Marx. Org. com uma introdução de Lawrence Krader. Assen, Holanda, 1972. 4 Para entender melhor as relações entre antropologia e etnologia no pensamento de Marx e Engels, ver Emmanuel Terray: O marxismo diante das sociedades primitivas, Rio de Janeiro: Graal, 1979. 5 Sobre os Grundrisse, ver as considerações de Ernest Mandel em A formação do pensamento econômico de Karl Marx. De 1843 até a redação de O Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 104. 6 Utilizamos no presente estudo a edição brasileira de A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trata-se da 11ª edição (1987), traduzida por Leandro Konder. Todas as citações são dessa edição. 1 2
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ricanos, a chave para decifrar importantíssimos enigmas, ainda não resolvidos da história antiga da Grécia, Roma e Alemanha. Sua obra não foi trabalho de um dia. Levou cerca de quarenta anos elaborando seus dados, até conseguir dominar inteiramente o assunto. E seu esforço não foi em vão, pois seu livro é um dos poucos de nossos dias que fazem época (ENGELS, 1987: 3). Não discordamos da apologia que Engels faz ao trabalho de L.H. Morgan. Realmente, Ancient Society é, de fato, um dos poucos livros que fizeram época no panorama da antropologia do século XIX. Sua atualidade é reconhecida por muitos estudiosos – marxistas e não marxistas. Massimo Quaini diz que A recente redescoberta de Morgan tenta definir conceitos que o conduzem a caminhos que “são aqueles que a antropologia social percorreu até agora e também aqueles nos quais ela hesita em se aventurar” – e o enxerto do marxismo – operações coligadas na medida em que, como escreveu Engels, na Ancient Society de Morgan, encontram “a concepção materialista da história que quarenta anos antes tinha sido descoberta por Marx” – vão se revelando particularmente úteis para o desenvolvimento científico da antropologia econômica (QUAINI, 2002: 102). Nos estágios pré-históricos de cultura – primeira parte de A origem da família, - Engels recorre aos “períodos étnicos” de Morgan, ou seja, três “períodos étnicos” identificados: barbárie, selvageria e civilização. Esse esboço dos “períodos étnicos” é, na verdade uma sequência, para, como notou o próprio Engels, “introduzir uma ordem precisa na pré-história da humanidade” (ENGELS, 1987: 21). Lamentavelmente, Engels não se aprofunda nos estágios pré-históricos da cultura. Apenas no segundo estágio (a barbárie) é que se detém mais um pouco, detalhando as diversas fases da mesma. Somente no capítulo IX (Barbárie e Civilização) é que temos o confronto entre essas fases. Mas deve-se frisar que Friedrich Engels publicou em 1884 uma reelaboração do esquema de Morgan, à luz da concepção marxista das formações econômico-sociais, definidas como tipos históricos de sociedades caracterizadas pela combinação de um modo de produção (tecnologia + divisão do trabalho) como uma forma determinada de organização social e com um corpo particular de concepções ideológicas. Nesse estudo clássico, Engels distingue cinco formações: o comunismo primitivo, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo
que se sucederiam historicamente, sempre nesta ordem, para todas as sociedades (RIBEIRO, 1991: 31). F. Engels consegue transformar completamente o modelo de Morgan, mostrando-nos a importância das forças produtivas, aliadas à tecnologia + divisão do trabalho. A esse respeito o arqueólogo Vere Gordon Childe explica que Engels conseguiu brilhantemente estabelecer uma correlação na transição de um status para o seguinte, no esquema de Morgan, com as modificações nas forças produtivas à disposição da sociedade. E conclui: Na prática, certamente, Engels teve de modificar o esquema de Morgan, não para enquadrá-lo em teorias já formuladas, mas à luz de seu conhecimento mais profundo dos resultados relevantes da arqueologia pré-histórica na Europa (CHILDE, 1961: 19). A propósito da observação de Childe (1961), no item VI de A origem da família (Barbárie e Civilização), F. Engels revela-nos que não desconhecia as pesquisas arqueológicas que se realizavam na Europa: (...) Assim, foram encontradas em muitos lugares restos de oficinas para a fabricação de instrumentos de pedra, procedentes dos últimos tempos da Idade da Pedra (ENGELS, 1987; 180). E ainda: Os broches de bronze, por exemplo, mostram-nos com que uniformidade nasceram e se desenvolveram tais indústrias; os exemplares achados na Burgándia, na Romênia e nas margens do Mar de Azov poderiam ter saído da mesma oficina que os broches ingleses e suecos, e são sem dúvida de origem germânica (ENGELS, 1987: 160). *** As fontes de A origem da família ainda não foram devidamente estudadas. São ricas e bastante variadas – vão da antropologia à história. A fonte histórica se baseia em historiadores clássicos, de Marcelino Amiano a Públio Cornélio Tácito, autor de Germânia. Dos historiadores mais modernos destacam-se John Fergusson Mac Lennan, historiador da família e do matrimônio, Georg Ludwig Maurer, historiador alemão que fez vários estudos sobre o regime social da Alemanha na antiguidade e na Idade Média(7), Theodor Mommsen, autor de vários estudos
sobre a história de Roma, Alexis Giraud – Teulon, discípulo de Bachofen; destacou-se, porém, como historiador da sociedade primitiva. O objetivo de rastrear as fontes de A origem da família é para mostrar que F. Engels não se deteve apenas nos autores clássicos do pensamento evolucionista na antropologia, ele foi, de fato, muito além do evolucionismo cultural. Mas uma coisa é certa: Engels escreveu A origem da família sobre a base de Ancient Society de Morgan (cf. Krader, 1979: 282). Stedman Jones em Retrato de Engels (1979), diz que a intensidade de ódio de Engels pela propriedade privada, pelo governo, pela miséria da “civilização” transparecem nitidamente na Origem da família, da propriedade privada e do Estado (JONES, 1979: 420). A nosso ver, no texto de Engels não transparece nenhum sentimento negativo. Sua análise é fria e imparcial. Somente, às vezes, tem um quê anedótico, quando se refere ao adultério na família: “Com a monogamia, apareceram duas figuras sociais constantes e características, até então desconhecidas: o inevitável amante da mulher casada e o marido cornudo. Conclui assim: Os homens haviam conseguido vencer as mulheres, mas as vencidas se encarregaram, generosamente, de coroar os vencedores” (ENGELS, 1984: 72). Voltando à doutrina evolucionista de Morgan e a sua visão de mundo. Teria sido Lewis Morgan um socialista utópico? Ou, mais precisamente: um materialista ingênuo. Esse questionamento foi feito por Alexander Krader em História e Marxismo (1979). Na cosmovisão materialista “o movimento da história se deu num nível material, não no nível espiritual” (cf. Eriksen, 2007). Nota-se que Marx e Morgan se envolveram com explicações materialistas. Apesar do escopo e os objetivos da obra de Marx constratarem agudamente com os de Morgan (cf. Eriksen, 2007). Mesmo assim, há afinidades entre os dois: A afinidade das teorias de Morgan com as de Marx seria completa: “Na América, Morgan descobriu de novo, e à sua maneira, a concepção materialista da história – formulada por Marx quarenta anos antes – e, baseado nela, chegou, contrapondo barbárie e civilização, aos mesmos resultados essenciais de Marx”. Numa carta a Kautsky, do mesmo ano, Engels repetiria que Morgan
Ver a esse respeito o tópico 1 do artigo de L. Krader, publicado por Eric Hobsbawm, em História do marxismo,
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redescobriu espontaneamente, nos limites que lhe traçava seu objeto, a concepção materialista da história de Marx, e suas conclusões relativas à sociedade atual são postulados absolutamente comunistas (CASTRO, 2005: 14). No prefácio de Morgan à Sociedade Antiga ele afirma categoricamente que “A história da raça humana é uma só – na fonte, na experiência, no progresso” (MORGAN, 2005: 44). A experiência e o progresso na história do Homosapiens transformam completamente o bicho homem. Tornando-o assim senhor absoluto do meio onde vivia, modificando-o a seu modo(8). Essa superioridade do homem sobre a natureza foi analisada argutamente por F. Engels, num trabalho pouco conhecido: O papel do trabalho na transformação do macaco em homem(9). Diz Engels: Os animais só podem utilizar a natureza e modificá-la apenas porque nela estão presentes. Já o homem modifica a natureza e a obriga a servi-lo, ou melhor: domina-a, analisando mais profundamente não há dúvida de que a diferença entre os homens e os outros animais está na força do trabalho (ENGELS, 1990: 33). Engels, quando detalha os estágios pré-históricos da cultura, no início de A origem da família, refere-se a Morgan no que diz respeito aos progressos obtidos na produção dos meios de existência – leia-se trabalho. Ou seja: o homem dominando a natureza bruta. Eis a observação de Morgan, citada por Engels: “A habilidade nessa produção desempenha um papel decisivo no grau de superioridade e domínio do homem sobre a natureza: o homem é, de todos os seres, o único que logrou um domínio quase absoluto da produção de alimentos. Todas as grandes épocas de progresso da humanidade coincidem, de modo mais ou menos direto, com as épocas em que se ampliam as fontes de existência” (ENGELS, 1987: 21). A segunda parte de A origem da família, - sistemas de parentesco e formas de família, baseia-se em A história do matrimônio humano, de Erward Alexander Westermarck e, naturalmente, nas ideias de Bachofen, desenvolvidas em Das Mutterrecht (1861).
Nota-se neste capítulo que a influência de Morgan é mínima. Domina em todo o texto as teses de Maxím Kovalévski, esboçados no Quadro das origens e da evolução da família e da propriedade. No final do capítulo, introduz um novo elemento: a comunidade familiar patriarcal, isto é, a vitória do direito paterno sobre o direito hereditário materno que, segundo Engels, resultou na “derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo”: O desmoronamento do direito materno, a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução (ENGELS, 1987: 61). Essa forma de família, conforme Engels (1987), “assinala a passagem do matrimônio sindiasmático à monogamia”. (10) Com ela surgem a escravidão, o adultério e a prostituição – a origem histórica e manifesta desses “males”. E Marx acrescenta: “A família moderna contém o germe da escravidão como também a servidão”, citado por Engels (1987: 62). É exatamente nesse ponto (ponto de mutação?) que encerramos a nossa leitura antropológica de A origem da família; praticamente, o próprio Engels, reconhece que se afastou das ideias de Morgan, na segunda parte de sua análise. Os próximos capítulos são A gens iroquesa, A gens grega, etc. Com exceção da Gens iroquesa – um capítulo inútil e desnecessário no contexto de A origem da família; os outros tratam apenas da civilização que, certamente, excede os limites de Ancient Society, como notou Engels (11). Assim, então, concluímos a analise e interpretação da primeira parte de A origem da família, da propriedade privada e do Estado – o restante está completamente fora dos objetivos e limites deste estudo, pois não há mais nenhum diálogo entre o texto de Engels e as ideias de Morgan. Considerações Finais A antropologia marxista ainda não descobriu A origem da família, da propriedade privada e do Estado – as várias possibilida-
des que se tem de interpretar esse texto de Friedrich Engels. Com a leitura dos estudos de Lawrence Krader sobre Marx, Engels e o pensamento etnológico, principalmente Etnologie und Anthropologie bei Marx (1976) revelou-nos a riqueza antropológica (etnológica?) de A origem da família. Assim, partimos para estudá-la à luz da antropologia: o papel do evolucionismo biológico e social de L. H. Morgan (18181881) nessa obra de Engels. É notório que “Morgan exerceu influência considerável sobre a antropologia posterior, especialmente sobre os estudos relacionados com parentesco, mas também sobre os materialistas culturais americanos e outros antropólogos evolucionistas no século XX” (cf. Eriksen, 2007: 31). Rastreamos as fontes de A origem da família, para determinar o jogo intertextural implícito no texto de Engels. São vários autores citados. A fonte histórica, baseia-se em historiadores clássicos: Marcelino Amiano e Públio Cornélio Tácito – este último escreveu Germânia. Obra bastante citada por Engels e utilizada na elaboração dos seguintes capítulos: A gens entre os celtas e entre os germanos (VII) e A formação do Estado entre os germanos (VIII). Vê-se, pois, que F. Engels não se deteve apenas nos autores clássicos do pensamento evolucionista. Indo muito além do evolucionismo cultural. Naturalmente, A origem da família foi escrita tomando por base Ancient Society de Morgan, como frisou L. Krader (1976). Mas a segunda parte de A origem da família, onde trata de sistema de parentesco e formas de família, aparecem dois autores novos que são evidenciados no discurso textural. São eles Erward Alexander Westermarck (1862-1939) e Johann Jakob Bachofen (1815-1877). Prevalecem no discurso textural vozes vivas: vozes de Westermarck e de Bachofen, ou seja, História do matrimônio humano, de Westermarck e O direito materno, de Bachofen. Obras importantes para interpretação da família humana. Por outro lado, domina em todo o texto as teses do sociólogo e historiador russo Maxím Maxímovich Kovalévski (1851- 1916),
Sobre essa questão ver o conceito de natureza e a relação natureza-história em Messimo Quaini: Marxismo e geografia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 42. Ver também T. I. Oiserman (Die Entfremdung als historische Kategorie): “O homem cada vez mais se apossou das forças espontâneas da natureza, e simultaneamente está cada vez mais sujeito às forças espontâneas da evolução social” Citado por Ernest Madel em A formação do pensamento econômico de Karl Marx, p. 184. 9 Trata-se de uma publicação da Global Editora, na Coleção Universidade Popular (4ª edição, 1990). Além do estudo de Engels, há dois outros textos: O homem como ser que fabrica utensílios, de Kenneth B. Oakley e A evolução da mão do homem, de Bernard Campbell. 10 As feministas e os estudiosos da antropologia das relações de gênero, deveriam ler A origem da família. Especialmente o texto sobre a família monogâmica, onde Friedrich Engels diz textualmente que “o primeiro antagonismo de classe que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino (A origem da família, p. 70). 11 Ver sobre o assunto: Morgan e a antropologia contemporânea, de Emmanuel Terray, em O marxismo diante das sociedades primitivas, p. 15 e seguintes. 8
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considerado pelos seus trabalhos sobre revelações gentílicas primitivas. Note bem: quando Kovalévski escreveu Quadros das origens e da evolução da família e da propriedade, publicado em Estocolmo (1890), Engels já tinha publicado A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884). Assim, somente na quarta
edição de A origem da família (1891) entra em cena Kovalévski – está de corpo inteiro no texto de Engels. Esses novos autores (atores?), como se diz, roubaram a cena de Morgan que, infelizmente ficou “esquecido”na avalanche textural que domina toda A origem da família. Chegando até Engels confes-
sar ao final do capítulo II: “Voltemos, todavia a Morgan de quem nos afastamos muito”. E inicia o capítulo III: A gens iroquesa. Terminamos a nossa análise e interpretação de A origem da família, quando cessou o diálogo entre esta obra e A sociedade antiga, de Lewis Morgan. g
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LITERATURA ENTRE AUGUSTO, DIONISO E PARFENO:UMA CARTA-ENSAIO AO ERUDITO EVANDRO DA NÓBREGA Hildeberto Barbosa Filho
Caro Evandro: É evidente que as diversas razões de ordem teórica, reunidas em Augusto dos Anjos & o Mistério de Parfeno, obra mais recente de sua atividade de erudito e pesquisador incansável, não constituem, a rigor, o que entendo por crítica literária.À crítica, diretamente não interessam os aspectos periféricos do texto, assim como as notações paraliterárias que o conformam historicamente enquanto resultado prático e material. Não dispensando, sobretudo em certas situações do labor exegético, elementos culturais, biográficos, linguísticos e científicos peculiares a uma “demanda extrínseca”, para me valer da expressão de René Wellek e Austin Warren, em seu indispensável manual de Teoria da Literatura, procura focar o valor estético, isolando-o, no âmbito específico da tarefa judicativa, como o elo que preside o fluxo e a conexão dos outros valores que palpitam na tessitura da obra. A mathesis, isto é, o conjunto de saberes; a mimesis, isto é, o vigor da representação, e a semiose, isto é, o jogo especial dos signos, conforme a lição barthesiana, tendem a se mesclar e a se fundir sob o regime da qualidade estética do texto, que a crítica literária, em seus simultâneos procedimentos de análise, interpretação e julgamento, intenta examinar e compreender. Ora, se digo que seu trabalho intelectual não é propriamente crítica literária, não quero dizer que ele não tenha valor, não tenha méritos, não tenha serventia. Ao contrário: sou dos que vejo, em esforços dessa natureza, uma grande e imprescindível contribuição aos estudos literários, na medida em que empreendimentos que tais podem abastecer o olhar do crítico, a posição do historiador, o compromisso do teórico, que têm, todos, na Literatura, o núcleo de seus respectivos interesses. Seu trabalho de investigação cognitiva me parece enquadrar-se no elenco das peças
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ancilares, no acervo variado das disciplinas auxiliares que, atentas a pormenores e particularidades do fenômeno em estudo, terminam por abrir portais de acesso na percepção da complexidade do empenho criador. De certa maneira, reside aqui, nesta sinalização que você promove, insinuando-se, qual um Sherlock Holmes das hipóteses, índices, rastros e pistas literários, pelo emaranhado enigmático da transfiguração poética, o primeiro ponto que me chama a atenção na riqueza e ousadia de suas premissas metodológicas. Antes de qualquer coisa, afirmo que seu livro aponta para um fato fundamental, para um vetor decisivo, um dado seminal, a que a crítica literária, em especial no caso de Augusto dos Anjos, não pode ficar indiferente: a complexidade dos ingredientes mobilizados no seu processo de criação poética. Pois bem: ao analisar o detalhe retórico do segundo quarteto do poema “Gemidos de Arte”, materializado no recurso da comparação metafórica, envolvendo as figuras de Parfeno e de Dioniso, você remete para o fato de que, entre tantos outros que se atritam e se harmonizam na matéria vocabular e vérsica da poesia de Augusto, a sua poética é, sobretudo, uma poética da leitura, o que me leva a supor que, só por isto, a sua poética já é rigorosamente uma poética moderna. Não são somente os personagens Parfeno e Dioniso (e claro, você, como ninguém, sabe isto!) que, frutos de sua experiência de leitura, terminam por habitar seu lírico casarão, quer na redoma encantatória de uma metáfora visionária, quer no ritmo excessivo e dilacerado de uma redundância ou de uma hipérbole, quer no espesso quadrilátero de uma arquitetura sintática de todo heterodoxa.Em Augusto, reina, por entre as estrofes dos seus sonetos e de seus poemas longos, toda uma humanidade estranha e surpreendente, ora extraída da realidade vital, biológica e metafísica; ora da pura liberdade de imaginação, ou seja, da fantasia criadora;
ora da mitologia, da ciência, da filosofia, da literatura, da arte, enfim, do caleidoscópio simbólico que reflete os multifários prismas da aventura cultural e humana. Diria que, ao lado de Parfeno e de Dioniso, e com eles estabelecendo sinuosas correspondências semânticas e estéticas, uma vez que o Eu e outras poesias, mas, principalmente o Eu, o de 1912, pode ser lido como um longo, tortuoso, dilacerado e unitário poema, habitam outros seres reais e imaginários, ocupando os vastos espaços da engenhosa máquina lírica de Augusto dos Anjos. Permita-me enumerá-los caoticamente, a título de exemplo probatório: o verme, a membrana, o cão, o corrupião, a prostituta, o bêbado, o filósofo, a mônada, a morte, o canivete, a lagartixa, o cupim, a dor, a podridão, o sexo, a lama, a mosca, a moeda, a garrafa, o caixão, a lua, o doente, o louco, a babugem, a gosma, os ossos, o pus, o sangue, a cal, a resina, a tapera, a cinza, o esqueleto, a caveira, finado Tôca, Guilhermina, Elias, Platão, Spencer, Darwin, Schopenhauer, Dante, Shakespeare, Haeckel, Aristóteles, Tales de Mileto, Augusto Comte, Rembrandt, Ugolino, Rei Lear, Hamlet, Dioniso, Parfeno etc. etc. etc. Observe que o percurso odisseico que você traça e enfrenta para elucidar o “mistério de Parfeno”, Parfeno que arrancou os olhos a Dioniso, desvendado quando da leitura do romance A morte dos deuses: Juliano, o Apóstata, do escritor russo Dmitry Sergueyévitch Merejkóvsky, pode seguir a mesma lógica rastreadora diante de todas as outras personas que falam e dialogam na polifonia dos versos anjelinos. Veja, por este aspecto, a relevância de sua pesquisa. Observe que o seu livro, estribado na preocupação de esclarecer um enigma, sugere, por sua vez, a elaboração de outros livros, na procura e na sondagem de outros enigmas, a compactar um acervo de obras de referência, dicionários, enciclopédias. A propósito, por ser enciclopédica, a poesia de Augusto
merece um dicionário, dicionário de grande porte e politemático, com amplos verbetes acerca de seus personagens, conceitos, ideias, teorias e outras solicitações. Você não põe em discussão – aliás, não é o seu propósito – o caráter livresco da poesia do autor de “Monólogo de uma sombra” e, mais detalhadamente, o quanto este caráter pode trazer insumos ideativos para sua densidade estética e filosófica. Não obstante, a energia intelectiva e perscrutadora do erudito que você é, com seus instrumentos linguísticos, filológicos, mitológicos e científicos em geral, vai, direta e indiretamente, ao encontro desta singularidade, devassando pistas preciosas no que concerne à sua riqueza intertextual, metatextual e transtextual. Não há um só poema de Augusto que não revele o leitor que ele foi, leitor ansioso e onívoro, disperso e circular, enciclopédico e erudito, ao modo de certos personagens borgeanos, perdidos e realizados no eterno labirinto de uma biblioteca de Babel. Não há um só poema de Augusto que não trave, em sua intrínseca tensão verbal, uma batalha aguerrida com um ou vários antecessores poéticos, sobremodo os mais “fortes”, na arena inadiável da “angústia da influência”, para referir Harold Bloom, cristalizando, assim, seus matizes intertextuais, sua cadência dialógica, seus sortilégios referenciais, suas transposições simbólicas. A melancolia da criatividade na poesia de Augusto dos Anjos (você conhece; você, como São Tomás de Aquino, leu tudo!), de Sandra S. Fernandes Erickson, publicado pela Editora Universitária/UFPB, em 2003, aproveita o famoso crítico norte-americano para, socorrendo-se das estratégias analíticas do seu Mapa da Desleitura, penetrar fundamente nas entranhas verbais de três sonetos (“A um mascarado”, “Solilóquio de um visionário” e “Versos íntimos”), descortinando-lhes as diversas camadas e subcamadas que levam o lirismo agônico do poeta a se confrontar, no corpo do texto, na liberdade do eu poético, com as mais ricas e remotas tradições do pensamento filosófico e da criação literária. Em certo sentido, ela, a Professora Sandra (augustóloga da gema e da melhor cepa) me ensina a sempre perceber, em qualquer texto do poeta do Pau d’Arco, um metatexto, um transtexto, um arquitetxto em que as dores do mundo, com seus suseranos e vassalos, seus deuses e demônios, seus títeres e suas vítimas, são vividas e encenadas com refinada maestria. Ora, seu livro também me fala destas largas possibilidades. Por isto mesmo já ocupa lugar de destaque numa estante especial de minha biblioteca, estante que denominei de
“Ilha de Cipango”, e na qual consta tudo que possuo (até agora) sobre nosso amado poeta. Um segundo tópico do seu trabalho também me estimula a reflexão. Vou chamá-lo, como fariam os teóricos da literatura, de o “desnudamento do processo”. E lhe adianto: este desvestir-se, este revelar-se, este despir-se nos bastidores da criação, demonstrando o método, os conceitos e as teorias, conforme diria Horácio, o latino, ensina e deleita, deleita e ensina... Seu ponto de partida é a pergunta chave: Quem é Parfeno?, desdobrada em outras: Parfeno é personagem real, mítico, fictício? Se real ou mítico, donde Augusto o retirou? Ou é pura invenção de poeta, como sugeriu um professor norte-americano, em quem você pespega merecido piparote? Para organizar meu pensamento, transcrevo, acostado à minha edição preferida, a trigésima primeira, da Livraria São José, de 1971, a quadra que lhe desafiou na leitura do poema “Gemidos de arte”, uma das peças centrais do Eu: Tenho estremecimentos indecisos E sinto, haurindo o tépido ar sereno, O mesmo assombro que sentiu Parfeno Quando arrancou os olhos de Dionisos! Você deixa claro, desde o início de sua empreitada cognitiva, que sabe alguma coisa acerca de Parfeno, embora não consiga lembrar o contexto desta remota informação, o que me faz pensar num daqueles típicos casos de criptominésia a que alude Umberto Eco, numas das conferências reunidas em Interpretação e superinterpretação. O fato de lermos, e lermos muito e continuamente, ao longo da vida, faz com que nossa mente arquive informações que, por esta ou aquela razão, ficam como que incubadas, só vindo à tona, quando se cria um contexto propício à sua emersão. E quando isso ocorre, experimentamos a sensação de que já vimos ou já conhecemos aquele nome, aquela coisa, aquele personagem, enfim, aquela situação etc. Logo que você estabelece suas hipóteses, em certo sentido arrumadas dentro da lógica dedutiva, isto é, do geral para o particular, não tive dúvidas de que estava diante de um exemplo que encheria os olhos do grande semiólogo italiano. Procedendo por eliminação das possibilidades que não se confirmam perante as provas da pesquisa textual, você vai revelando a nós, estupefato leitor, os passos ziguezagueantes de um percurso intelectual dos mais sofisticados, uma vez que seu repertório cultural acolhe os mais variados setores do saber especiali-
zado, numa prática interdisciplinar que não dispensa, entre outros, os utensílios essenciais da linguística, da filologia, da mitologia, da história, da literatura, da tradução, da bibliografia, da etimologia, da religião e da filosofia. Nas suas andanças livrescas e nas suas navegações pelo ciberespaço, pois o vejo como aquela rara espécie de intelectual que alia as matrizes eruditas do século XVIII aos meios de ponta das novas tecnologias, você vai descartando, item por item, as possíveis suposições no sentido de saber e provar quem foi este Parfeno que arrancou os olhos de Dioniso, ao mesmo tempo em que ostenta, entre humilde e irônico, seu método de trabalho, em todas as suas minudências. Fico sabendo, a princípio, e depois que você repassa as páginas de tantas obras antigas e modernas, inclusive o livro Miserável Dioniso, do poeta e prosador romeno, Mihai Eminescu, que nem Dioniso, o deus do vinho, nem os Dionisos históricos nunca tiveram seus olhos arrancados. Ora, como explicar, portanto, o gesto de Parfeno? Como interpretar a imagem utilizada por Augusto? De outra parte, também não existe nenhum personagem mítico com o nome de Parfeno. Eis que a etimologia, ciência que estuda a origem do significado das palavras, entra em cena e vai apontar-lhe a pista mais segura, uma longa e estafante pista, culminada no prazer da descoberta e da resolução do problema, numa oferta de dados textuais que me parecem relevantes ao exercício da crítica literária. Verificando que na primeira edição do Eu, Parfeno está escrito com PH (“Parphéno”) do grego TH, e que PH em russo corresponde a F, começa a se desenhar a hipótese de que Parfeno seria um personagem da literatura russa. Daí em diante, e a partir de cada detalhe linguístico e filológico que você disponibiliza, como um virtuose do poliglotismo e como um leitor voraz, bibliômano e bibliófilo, o quebra-cabeça começa a se encaixar e a indagação primeira, motivo de tantas discussões, será, afinal, respondida. E esta resposta reside na figura do grande leitor que foi Augusto dos Anjos. A passagem do romance de Merejkóvsky, que você reproduz, sinaliza, sim, para as correspondências intertextuais entre a prosa do escritor russo e os versos do poeta paraibano, demonstrando, por assim dizer, que este se apropriou daquele, como, de resto, tantos de tantos, no espaço aberto e ambivalente da criação literária. Seu argumento me parece irrefutável. O “assombro”, que envolve o eu lírico nos versos de Augusto, tem tudo a ver com o “caJulho/Agosto/Setembro/2015 |
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lafrio de horror” que sentiu o monge Parfeno, depois de extrair os olhos da estátua de Dioniso, na verdade duas safiras roubadas ao patrimônio do mosteiro a que pertencia. É importante conhecer este detalhe? É óbvio que sim. Mas, ainda mais importante é saber que sua explicação pode demandar o esforço de uma longa pesquisa que só a paciência dos eruditos consegue realizar, abrindo, cada vez mais, o leque de opções face aos objetos literários de estudo. Meu caro Evandro, li com prazer todo o seu texto, e com ele, aprendi tanto! Aprendi, por exemplo, que ele não é somente um pequeno manual de introdução à literatura russa, como você insinua em certa passagem, mas também uma propedêutica à filologia e à etimologia, assim como um tratado de história bibliográfica, um ensaio de investigação literária, uma inscrição novelesca cuja trama fulcral reside na vontade de saber e cujos protagonistas aparecem nas figuras de Augusto, de Dioniso e dos múltiplos e desgarrados Parfenos da literatura universal. Aprendi também, nas sugestões oblíquas que figuram, aqui e ali, no seu texto desafiador, que Augusto dos Anjos, a par do homem e do poeta, pode virar personagem de ficção, vindo a ampliar tendência marcante da narrativa contemporânea, preocupada em
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inserir, no estatuto da ficcionalidade, ou da poiesis, como queiram, personalidades literárias, situações estéticas e experiências históricas. Assim, por exemplo, como fez, com o próprio Augusto, a escritora Ana Miranda, em seu romance A última quimera; como fez Rubem Fonseca, com Getúlio Vargas, em Agosto; como fez J. J. Veiga, com Antonio Conselheiro, em A casca da serpente, e o húngaro Sándor Márai, com Veredicto em Canudos. Que os ficcionistas possam explorar, na malha de seus enredos e na sua geografia imaginária, qual seria a reação de Augusto dos Anjos face ao suicídio de Maiakóvsky, assim como sua posição teórica frente ao dialogismo e à polifonia de Mikhaíl Bakthín, estudando Dostoiévski. Como seria, por exemplo, uma conversa de Augusto com Nabokov, de Augusto com Borges, de Augusto com Baudelaire! Imaginemos quantas páginas deliciosas poderiam ser escritas! Pois bem: é seu livro que me entrega, na sua poliédrica gramática epistemológica, na germinal irradiação de todo um temário novo e flexível, estas incríveis possibilidades. Você mesmo, que já se deu à proeza de escrever o caleidoscópico romance A glândula pineal do urubu, bem que podia tentar uma travessura estética como esta. Só mais um breve comentário: se “Ge-
midos de arte” está datado de 4 de maio de 1907, um dia de sábado, e no poema “Tristezas de um quarto minguante”, publicado em 5 de julho deste mesmo ano, aparece com a data de 03 de maio, talvez seja, de fato, como você defende, por força da métrica, e eu acrescentaria, também, da rima. Talvez, talvez. Segundo Órris Soares, primeiro Augusto mentalizava, numa espécie de transe delirante e repetitivo, todos os versos de seus poemas, para, somente conclusa a fatura mental, pô-los na página em branco do papel. Quem sabe, Augusto não tenha começado o poema na sexta-feira, quando de suas costumeiras caminhadas noturnas pelos ermos do engenho Pau d`Arco, vindo a concluí-lo, e a escrevê-lo, no entanto, no dia de sábado. Eu não sei. Creio que você não sabe. Como sabê-lo? Antes de qualquer resposta definitiva, devo me recolher: esta carta já vai longa. De qualquer maneira, não me entregarei aos braços de Morfeu, sem ler e reler, com prazer e espanto renovados, esses dois grandes poemas de Augusto dos Anjos, com a convicção de que a poesia é o ápice da linguagem e toda linguagem é possuída de mistério. Abraço forte de quem o admira, HBF.
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HOMENAGEM O FUNDADOR DA CADEIRA 21(*) Flávio Sátiro Fernandes
Antes de tudo, quero dizer que a explanação que aqui faço caberia melhor a um Juarez Farias ou a um campinense ligado ao homenageado cujo centenário de nascimento hoje comemoramos. Cito Juarez Farias, haja vista a aproximação que dele podemos fazer à figura de Lopes de Andrade, tendo em vista ambos se terem dedicado aos estudos econômicos, com atuação na SUDENE, nos primórdios da criação daquela agência de desenvolvimento. Não obstante, como preencho a cadeira 21 cujo primeiro ocupante foi Lopes de Andrade e a incumbência me foi dada pelo Presidente atendendo a essa circunstância, não houve como escapar a essa determinação do nosso dirigente maior. Peço-lhes, apenas, compreensão para este improvisado palestrante ou, melhor dizendo, este modesto comentarista. José Lopes de Andrade foi o fundador da cadeira 21. Paraibano de Campina Grande, mais propriamente, de Queimadas, que então pertencia à Rainha da Borborema, Lopes de Andrade iniciou seus estudos em sua cidade natal, dando-lhe continuidade na sede municipal, para onde seus pais se transferiram. Ali foi aluno do professor Clementino Procópio, em cujo colégio estudou. Posteriormente, frequentou o Colégio Pio X, na capital paraibana, matriculando-se, em seguida, na Faculdade de Direito do Recife cujo curso, porém, não chegou a concluir. Seus pendores maiores se voltariam para os estudos sociológicos e econômicos, em que se exercitou como autodidata. Tal vocação nota-se até mesmo em sua vasta colaboração à imprensa paraibana, na qual sobrelevam os artigos que tratam de economia, sociologia, política, educação e outros temas afins. Alguns deles foram enfeixados no livro Uma Militância na Imprensa, coletânea póstuma, publicada pela Bolsa de Mercadorias da Paraíba, com ajuda do CNPq, dentro das comemorações do IV Centenário da Paraíba. Clássicos são os seus trabalhos sobre seca, um dos quais editado, há algum tempo, pela Universidade Federal da Paraíba, sob o título Oligarquias, Secas e Açuda-
gem. Outro importante estudo de sua autoria – As Migrações no Nordeste do Brasil – foi traduzido para o francês e publicado como separata dos Cahiers Internationaux de Sociologie, editados pela Universidade Sorbonne. Como foi dito, Lopes de Andrade é autor de um livro que constitui uma reunião de artigos por ele divulgados na imprensa local, os primeiros dos quais compõem o capítulo Temas campinenses, em que são abordados diversos aspectos da vida daquela cidade, notadamente, aqueles ligados ao seu desenvolvimento econômico, mas sem esquecer uma breve análise da política local. Os assuntos sobre os quais o cronista se debruça são o cosmopolitismo campinense, o desenvolvimento da cidade, sua crescente industrialização, o abastecimento dágua, a modernização dos equipamentos turísticos, sem esquecer alguns problemas cruciais, tais como a estagnação econômica apregoada por alguns e o que ele chama de ilhamento econômico de Campina Grande. Como se vê, capítulo todo voltado para sua terra, pontilhado, às vezes, de um certo ufanismo por meio do qual revela seu amor à cidade. Outro capítulo do livro contém artigos agrupados sob o título Política e Economia. No primeiro tema, voltado para os cenários nacional e internacional, estão incluídos artigos que abordam, por exemplo, a coexistência pacífica entre os Estados Unidos e a União Soviética, matéria então de grande atualidade e o bloqueio naval de Cuba. Também são tratados, entre outros, a “delegação de poderes” pretendida pelo Gabinete do então Primeiro Ministro Brochado da Rocha e a prorrogação do mandato do Presidente Castelo Branco. As abordagens econômicas estão voltadas para o crédito ao pequeno produtor, a revolução industrial nas fazendas, inflação e custo de vida, capitais europeus para a América Latina etc. O terceiro capítulo, direcionado para a sociologia regional, contempla análises sobre as secas, matéria sempre recorrente em seus escritos, a agitação camponesa na várzea paraibana, ciclo das migrações nordestinas e outros.
Os artigos do capítulo Educação e mudança social dizem respeito, exemplificativamente, a mobilidade social, povo e educação, ênfase à pesquisa econômica e social etc. Finalmente, no capítulo Estudos críticos, desgarra-se o autor de suas preocupações econômicas, políticas e sociológicas, para dedicar-se a breves apreciações críticas, muito embora não seja um crítico literário, o que não impede de comentar livros e autores. Nessa linha, suas abordagens cobrem, por exemplo, a obra Suicídio ou Sobrevivência do Ocidente? do Padre Lebret; a Encíclica Pacem In Terris, do Papa João XXIII; o livro Temas da Paraíba, que ele chama de “um livro antiprovinciano”, do advogado Alfredo Pessoa de Lima. Figuras como Gilberto Freyre, José Américo, Clóvis Lima, Hortêncio Ribeiro, Lino Fernandes de Azevedo, são por ele apreciadas. Outro trabalho de grande importância de Lopes de Andrade é, sem dúvida, Oligarquias, Secas e Açudagem, tratados sob um enfoque sistêmico. A ideia central é a de que as Oligarquias, aproveitando-se da ocorrência das Secas, beneficiam-se mais da Açudagem (pública ou em colaboração com os governos) embora nem sempre sejam as famílias importantes ou pequenos grupos no Poder os mais carentes do benefício. O livro contém uma introdução, uma definição de conceitos, interação e interdependência, conclusão, bibliografia sumária e apêndice, com textos legais (criação da SUDENE, delimitação da área do polígono das secas). Escreveu, ainda, Lopes de Andrade Breve discurso sobre a sociedade e as secas no Nordeste, 1943; Introdução à sociologia das secas, 1948; A província, essa esquecida, 1949; Forma e efeito das migrações do Nordeste, 1952. A obra mais importante, porém, de Lopes de Andrade é, com certeza, Introdução à Sociologia das Secas, editado no Rio de Janeiro, em 1947 e prefaciada por Gilberto Freyre, o que lhe valeria o reconhecimento como sociólogo. Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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Entender a seca no Nordeste além de fenômeno natural, sobretudo, social é, sem dúvida, o objetivo do autor nas abalizadas páginas que escreveu sobre o grande tema. No texto que antecede a obra, Gilberto Freire observa: “O que o senhor Lopes de Andrade procurou estudar sociologicamente foi o fenômeno das secas dentro dos seus limites brasileiros ou nordestinos. E se é certo que esse seu estudo realizou-o o jovem estudioso paraibano, mais no seu gabinete, e cercado de seus livros, do que através de pesquisas de campo, é também certo que conseguiu iluminar o assunto com novas e boas luzes: as que lhe proporcionaram as muitas, ainda que um tanto desordenadas leituras de sociólogos, antropologistas e geógrafos modernos, principalmente franceses e norte-americanos. Pôde, assim, aproximar-se do problema, esclarecido por uma variedade de conhecimentos sociológicos e antropogeográficos, e não apenas pelas informações que conseguiu recolher de historiadores e cronistas es-
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pecializados na descrição da paisagem e do passado da região.” O livro do nosso confrade e um dos meus antecessores na cadeira 21 contém três partes: uma intitulada A TRIBO INDÍGENA, outra denominada A COROA PORTUGUESA e a terceira, e última, chamada O MÉTODO DAS MIGRAÇÕES REGIONAIS E DAS “ENTRADAS” E “RETIRADAS”. Na breve leitura que empreendi do trabalho, impressionou-me o estudo que o autor fez do período precabralino, em que discorre com profundidade sobre a vida indígena, em vários de seus aspectos. Igual análise é feita em torno da fase de nossa história, a partir da chegada dos portugueses à Bahia. Do período indígena são estudados os costumes, a organização social, os institutos jurídicos, dos quais sobressaltam a família e a propriedade, além dos aspectos religiosos. Tocante à fase da Coroa Portuguesa, Lopes de Andrade não se limita à fase propriamente do domínio lusitano, mas, ao contrário faz preceder sua análise de um também profundo estudo sobre os povos ibéricos, assinalando, de início, que “os povos
ibéricos se distinguem dos demais povos europeus por uma larga série de singularidades de caráter que não encontramos em nenhum daqueles outros povos.” E passa a dissertar sobre os caracteres que, segundo sua análise, são inerentes aos habitantes da lendária península. São conhecimentos prévios ao conhecimento do fenômeno das secas que, como foi dito, não é apenas um fenômeno natural, mas também social, a ser debelado ou minorado mediante ações sociais, ações que, como diz o Professor Ivan Targino Moreira, ao lado dos programas de transferência de renda efetivados pelo poder público, têm mudado os impactos da seca sobre a organização do espaço rural do semiárido. Eram estas as considerações que tinha a fazer sobre a figura excepcional de sociólogo que foi José Lopes de Andrade, a quem tive a honra de suceder, mediatamente, na Cadeira 21 desta Academia. g (*) Breve palestra proferida na Academia Paraibana de Letras, quando das comemorações do centenário de nascimento do Sociólogo Lopes de Andrade.
MEMÓRIA MARINHEIROS DO BRASIL: A RELÍQUIA QUE LEVAIS É DIGNA DE VOSSA GLÓRIA(*) Ernani Sátyro
Ao entregar os restos mortais de Epitácio Pessoa à Marinha de Guerra do Brasil, não quero estudar-lhe a personalidade em todos os ângulos em que se projetou, no cenário de nossa Pátria. Vários estudos têm sido feitos, por homens de responsabilidade em nossa política e nossas letras. Cada um, de acordo com as suas inclinações, o seu gosto, a sua especialidade, vem encarando uma faceta dessa figura tão rica em sugestões. E surge então o parlamentar, o jurista, o advogado, o magistrado, o político, o chefe de família, o homem internacional. Até eu mesmo, ao longo dos anos, já apreciei Epitácio em múltiplos aspectos, através de artigos de jornal, de discursos, de pareceres e até de prefácios. Diante de uma fonte como essa, o trabalho é mais captar, selecionando, do que procurar para descobrir. Basta percorrer os volumes de sua obra, relembrar as etapas de sua vida, para trazer as mãos cheias de documentos, a inundarem páginas e páginas de admiração e de espanto. Não é esta, porém, numa solenidade tão breve quanto expressiva, a missão que me cabe cumprir. O que venho fazer é confiar às nossas forças do mar, para que levem à Paraíba, o que resta em matéria daquele que foi no Brasil, durante meio século, uma presença sugestiva e ousada, uma afirmaçpão forte e luminosa. E não falarei senão do paraibano, do homem que, em toda a sua vida, carregou no pensamento a imagem de sua terra. Filho do Município de Umbuzeiro, misto de sertão e catinga, com suas chapadas e com seus contrafortes, com seu cenário a um tempo belo e agressivo – dádivas e negações, avanços e recuos – Epitácio viu ali, desde muito cedo, uma representação do próprio mundo. De Umbuzeiro, de sua paisagem, haveria de trazer mais tarde uma planta característica da região que passou a dominar o jardim da casa onde vivia com a família e os livros. Vista hoje, a história do grande paraibano parece um cume de montanha. Mas cumpre não esquecer que toda montanha tem o seu sopé, inclinações e precipícios, quedas e ascensões. E tudo isso Epitácio teve. Foi o menino pobre, protegido por um tio generoso. Foi o estudante necessitado. Foi o promotor público do interior. Foi o político,
caído em ostracismo, nos primeiros impulsos de sua carreira. Foi o homem castigado por todas as tempestades do ódio, da inveja, da injustiça. Mas a tudo resistiu, como a terra que lhe serviu de modelo à vida. Os revezes e dificuldades viriam, apenas, mais tarde, emoldurar-lhe a escalada. Sim, insisto em pintar, em Epitácio Pessoa, o paraibano. O nordestino que não apagou nunca na memória as cenas de seca e miséria, de fome e nudez, de seca e retirada, que presenciou em menino. A essas impressões voltaria ele muitas vezes, com o colorido da palavra, com a iniciativa dos projetos de lei, com as providências de Presidente da República. Não foi outro senão ele quem primeiro procurou organizar o plano das obras do Nordeste. Foi ele também, na Presidência, quem iniciou as grandes barragens, melhorou os portos, abriu as estradas de rodagem. Sua obra ficou inacabada. Muitos dos recursos foram mal aplicados. Mas estava dado o grande passo, que seria retomado depois. O que importava era começar; e ele começou. Começou, enfrentando as críticas mais furiosas, daqueles que teimavam em ignorar o drama nordestino. Manteve-se imperturbável, enérgico, direi até heróico. Marinheiros do Brasil: A relíquia que levais é digna de vossa glória. Quantas vezes Epitácio não cruzou este oceano por onde volta agora para o solo natal. Quantas vezes não partiu por este mesmo mar, para levar a outros povos o testemunho de nossa inteligência e nossa cultura. A Marinha, que agora o acolhe, é a mesma que ele procurou equipar e aperfeiçoar. É a Armada de que ele, como Presidente, foi o comandante supremo. É pelas vossas mãos, na vossa companhia, sob a vossa guarda, que ele retorna ao torrão sagrado. Não podia haver depositário mais fiel que vós, mensageiro mais seguro e mais honroso. O que levais não são apenas as urnas funerárias de um estadista e de sua companheira digníssima. O que conduzis é uma partícula da Pátria. É um homem e uma família, o que vale dizer, uma representação do próprio Brasil. No silêncio destes restos inanimados está todo o mistério de uma vida
palpitante. Estas urnas tão pequenas diante do mar por onde vão seguir, estas urnas encherão o mar de luminosidades, como os seus portadores encheram a História de realizações. E inundarão a Paraíba, não de uma sensação de morte, mas de um frêmito de ressurreição, entre as flores e os hinos das festas centenárias. E então, a Paraíba pequenina e boa, da frase lapidar de Epitácio, deixará de ser pequena, continuando a ser boa, engrandecida por esta dádiva, pelo recebimento destes restos que passarão a ser um começo. O começo de uma peregrinação. A retomada de um curso que a morte interrompeu para renascer. Quanto de tenacidade, de estudo, de vitórias e sofrimentos, não palpita nestas cinzas gloriosas. De agressividade e perdão. De humanidade. Ide, levai os restos imortais. Mortais e imortais. A contradição será resolvida por Deus no dia derradeiro das Escrituras. Eles só pertencem à morte por uma contingência da vida. Sendo matéria, é espírito. Sendo pó, pertencem à matéria que os espera. Ficarão no Palácio da Justiça, guardados pelo carinho dos homens, velados pela Justiça do Criador. Ide, Marinheiros do Brasil. Ide pelo mar que tem a cor do nosso pendão. O que lhe falte de azul será completado pelo céu. O doirado estará no sol. E no sombrio da noite, já sabeis que as estrelas se reacendem mais fortes no verde de nossa bandeira. Ide, e recebereis como paga o sorriso da Paraíba, que por Epitácio já deixou de chorar, e agora vos espera, a vós e a ele; a ele para venerar, a vós, para agradecer. Quando voltardes, não voltareis sozinhos. Haveis de trazer a imagem da Paraíba, engalanada e orgulhosa. Conduzis o que ela tinha de maior, e que agora volta para ela. (*) Discurso pronunciado no Rio de Janeiro, na solenidade de entrega dos restos mortais de Epitácio Pessoa e de sua esposa, D. Mary Saião Pessoa, para serem conduzidos à capital paraibana, a bordo do contra-torpedeiro ACRE, da Marinha de Guerra do Brasil, nas comemorações do centenário de nascimento do grande paraibano, em 23 de maio de 1965. Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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MEMÓRIA MESTRE EPITÁCIO SOARES José Mário da Silva Branco
Para Machado de Assis, sempre muito lúcido em suas observações, “o cronista é como um colibri: beija um assunto aqui, outro ali”. E, arremato eu, desse lúcido ziguezaguear sobre as múltiplas camadas do cotidiano, o cronista se alimenta em seu peculiar processo de transfiguração do real. E o faz libertariamente, flertando com outras modalidades manifestativas da literatura, sem aderir a nenhuma delas, antes, delas extraindo o que lhe convém e se ajusta ao seu jeito leve e despretencioso de cartografar a existência. Nesse sentido, poesia, ficção, ensaio, artigo, dentre outras formas de constituição da linguagem estética, são convocados pelo cronista para a confecção do seu texto cotidiano, híbrido de literatura e jornalismo, os quais se acumpliciam e, juntos, rastreiam os espetáculos da vida que se delineia “ao rés do chão”, de conformidade com o acertado juízo crítico exponenciado por Antonio Candido. A cidade de Campina Grande, pensada literariamente, é mais do que pródiga na existência de cronistas que, percorrendo caminhos distintos, vão escrevendo as suas histórias e estórias, na singular condição, ainda com Machado de Assis, de “beneditinos da história mínima”, catadores das miudezas do real, daquilo que, aparentemente desinteressante e intranscendente, oculta, em suas entranhas, insuspeitadas belezas. Dentre os componentes do diversificado cronicário campinense, relevamos a destacada figura de Epitácio Soares, mestre Pita como o chamavam os que de mais perto lhe privaram do convívio e com ele assinaram os afetivos pactos da amizade e da convivência mais duradoura. Natural da cidade de Boa Ventura, Epitácio Soares fez de Campina Grande a sua segunda cidade, pátria afetiva onde firmou os passos profissionais, construiu os seus laços de convivência mais efetiva, escreveu, enfim, as páginas que compuseram o romance da sua singular existência. Autodidata, Epitácio Soares, por meio
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de uma vida inteiramente dedicada ao hábito da leitura paciente e sistemática, amealhou uma sólida cultura humanística, refletida, exemplarmente, nas crônicas que escreveu e publicou, com regularidade, nos periódicos campinenses e, de igual modo, nas conferências que proferiu, nas diversas intervenções realizadas no tecido da cultura e do pensamento. O cronicário de Epitácio Soares, sem pretensões classificatórias rígidas, ancora-se numa perspectiva composicional que roça o ensaísmo, evidentemente sem a verticalidade doutrinária que, no limite, desfiguraria o gênero e o faria desembocar naquela “vocação suicida” a que certa feita aludiu Eduardo Portella ao reportar-se à espécie literária em foco. Na crônica de Epitácio Soares, flagramos, de pronto, uma inarredável consciência acerca do ato/processo da criação literária, encarados pelo cronista não como um mero diletantismo passageiro do espírito, mas sim como uma irreprimível necessidade do ser; que confere plenitude ao espírito humano; lenitivo para as horas em que a vida se ensombrece e o tédio insiste em querer se impor como o companheiro mais permanente e indesejável da alma. Dir-se-ia aqui, irretocavelmente, que mestre Pita esculpe a figura do escritor como uma espécie de ser fadado à imperiosa necessidade de criar, a fim de em sua criação habitar com muito mais felicidade do que a que porventura possa ser degustada no convívio concreto com os seres humanos. Já o grande poeta português Mário de Sá-Carneiro no poema “Partida”, peça inaugural do seu livro Dispersão, sentenciava: “A vida, a natureza,/Que são para o artista?/Coisa alguma./O que devemos é saltar na bruma,/Correr no azul à busca da beleza”. Assim, para mestre Pita, a crônica configurava-se como esse salto no azul de uma existência que se pretendia mais luminosa e plenificadora. É exatamente desse modo que Epitácio Soares concebia a vocação para fazer do desafio proposto pela página em branco, uma
espécie de Guerra sem Testemunhas, para nos valermos da bela imagem com a qual o notável escritor Osman Lins aludiu ao ofício fascinante e trabalhoso de quem escreve e faz do embate diuturno com a palavra a sua ração diária e pasto inafastável de sobrevivência estética. Em “Da necessidade de escrever”, crônica matizada por acentuados pendores metalingüísticos, Epitácio Soares flagra na escritura literária uma utopia contra a inevitabilidade da morte e, de igual maneira, um antídoto contra a implacável aferição que o tempo exerce sobre todas as coisas em sua irrefreável passagem, ele que é um consumado tecelão da impermanência e artífice da provisoriedade de tudo. Tanto quanto um modo peculiar de conhecimento da realidade, a literatura aparece aqui para Epitácio Soares como “ânsia de evasão e elemento liberador do eu”, cumprindo, assim, relevantemente, duas das suas mais importantes funções, conforme as teorias postuladas por Raul Castagnino e Nelly Novaes Coelho. Para o filósofo Emerson, “o homem é apenas metade de si mesmo, a outra metade é a sua expressão”. Em mestre Pita, a expressão atendia pelo nome de literatura, arte na qual o notável cronista se consumiu e consumou. Outro ponto que emblematiza o atilado cronicário de Epitácio Soares é o seu acendrado enraizamento geográfico, traduzido pelo inescondível viés de nordestinidade que o perpassa, em cujo estuário emerge um cronista sempre preocupado com a realidade sócio-econômica da sua região. Releve-se aqui a atenção dispensada pelo escritor a paradigmáticos nomes da cultura brasileira que vicejaram no fecundo solo nordestino, a exemplo de Gilberto Freire e Josué Montello, por quem Epitácio Soares sempre nutriu viva e crescente admiração. No sociólogo de Apipucos, destacava a incomum grandeza de Casa Grande & Senzala, mescla admirável de ciência e arte na compreensão detida da sociedade patriarcal brasileira, numa época em que a rigidez po-
sitivista propugnava por um reducionista e explícito divórcio entre os discursos que se propunham a pensar a realidade. Na refinada e poética escrita do grande criador de Vida, Forma e Cor, o que se diz e o modo como se diz acasalam-se, brilhantemente, gerando um signo polissêmico e cercado de esteticidade por todos os lados. Mestre Pita via nesse conúbio entre o dizer e o dito uma das mais emblemáticas marcas do pensamento de Gilberto Freire. No romancista do Maranhão, autor de
obras-primas como Cais da Sagração, Labirinto de Espelhos, Os Tambores de São Luís e aplaudido por críticos do porte de um Jacinto do Prado Coelho, consagrado crítico português, constatava Epitácio Soares, como constatamos todos, o refinado estilista da língua portuguesa, mestre consumado na arte de arquitetar enredos envolventes e ricos em densidade existencial. Homem do rádio, da presença quase obrigatória na Livraria Pedrosa, ponto de confluência da intelectualidade campinense
durante muitos anos, jornalista de batente, membro da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras de Campina Grande, cronista exímio das cenas e cenários de Campinha Grande, Epitácio Soares, decerto, é tema para exegeses mais aprofundadas. O que se consigna aqui, assumidamente, é um olhar afetivo e um registro breve do que mestre Pita representou e representa para as letras paraibanas, com especialidade as que foram escritas no território da sempre Grande Campina. g
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PARAIBANOS NA ABL DISCURSO DE RECEPÇÃO A MÚCIO LEÃO
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A. J. Pereira da Silva
SEDE bem-vindo, Sr. Múcio Leão! Sois, em verdade, um escritor, um jornalista, um crítico, um romancista, um contista, um poeta, um homem de letras completo. Alguém já me havia falado de vossa infância dedicada aos estudos. Principiastes a aprender estilo aos doze anos de idade. Preludiastes versos, tentastes contos, perpetrastes críticas, fizestes literatura de todo gênero. Tudo isso para vós e para os vossos íntimos. Essa biblioteca manuscrita ainda a conserva a ternura maternal da Sr.ª dona Ceci Carneiro Leão, como preciosa relíquia que é dos primeiros surtos e estremecimentos do vosso espírito. Como vedes, mesmo que não o houvésseis confessado agora, já era conhecida a vossa vocação. Não sei por que esse horror à primeira pessoa, a que aludis em vosso discurso. Deixemos Oscar Wilde com os seus paradoxos. Aliás, não creio na sua sinceridade. Era muito formoso, esse Narciso inglês e genial, para não gostar de falar de si. Não. Em arte, o Eu é que é tudo. Orgulho ou miséria, só o Eu é que é uma afirmação da consciência humana. Tudo o mais não passa de matéria-prima para a retorta mágica desse alquimista ridículo ou sublime. Hugo disse a verdade: nenhum de nós tem honra de ser uma vida à parte. Minha vida é a vossa; vossa vida é a minha; viveis o que eu vivo. O destino é uno. Quando vos falo de mim, falo de vós. Como não o sentis?. Fizestes bem revelando a vossa infância, porque se vê que, de origem, o próprio do vosso espírito é a curiosidade. Filho de pai tão ilustre, é possível que a tivésseis herdado já assim tão ponderada, mesmo na adolescência. Faço a conjetura, porque vos noto trabalhado de idéias e sentimentos profundos desde os vossos primeiros escritos. Talvez houvesse também concorrido para tanto o curso de vossos estudos superiores, nessa Faculdade de Direito do Recife, tão merecidamente orgulhosa de suas tradições didáticas, e sob cujos influxos de-
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correram, de 1914 a 1918, os dias aurorais da vossa adolescência e da vossa mocidade. Passastes uma e outra entre uma colméia alvissareira de belos espíritos: Barbosa Lima Sobrinho, Edmundo Jordão, Orlando Sete, Manuel Sete, Oliveira e Silva, Maviael do Prado, e tantos outros, que hoje fulguram nas letras, no jornalismo, na magistratura. Bebestes, como eles, naquela faculdade, cujo prestígio mental, como a de São Paulo, tanto acelerou, entre nós, o futuro das gerações sucessivas, as lições de grandes mestres da cultura jurídica, tais como Aníbal Freire, Henrique Milet, Gondim Filho, Odilon Nestor, Meira de Vasconcelos e a figura de relevo de vosso pai Laurindo Leão, adorado pelas gerações que ensinou, filósofo e homem de letras de tão marcante e notória atuação, e cujo perfil acabais tocantemente de traçar em página de tanto esplendor e viva justiça que ficará sendo, entre as vossas, a de mais sensível e irresistível beleza. Chegara o momento de virdes à publicidade, e foi no Diário de Pernambuco, de Carlos Lira Filho, dirigido por Manuel Caetano, que ensaiastes, em iterativa colaboração, os primeiros vôos, estudando Graça Aranha, Eça de Queirós, Oliveira Lima, Afrânio Peixoto, Machado de Assis, Afonso Arinos, Assis Chateaubriand e outros. Esses ensaios atraíram, para logo, a admiração dos espíritos de elite. Apenas, quando chegavam à redação – deveis estar lembrado – causavam um verdadeiro alvoroço. Traçáveis os vossos ensaios em caligrafia de tão difícil leitura que os redatores do Diário se agrupavam em torno à grande mesa do chefe (nem sempre os homens de letras são de letra), para descobrirem o que havíeis escrito. Paciente, Manuel Caetano reproduzia em sua letra perfeita os vossos trabalhos, para tranqüilidade da pobre gente da tipografia e da redação. Com Barbosa Lima Sobrinho e Edmundo Jordão, formáveis uma trindade tão cordial e tão íntima, que residindo este último a dezesseis léguas de distância do Recife, e dando expansão a esta vossa inata inquietude e amor pelas caminhadas – andarilho
terrível que sois vós! – arrastáveis Barbosa Lima Sobrinho por todas essas léguas, para Goiana, a cidade da legenda e do sonho, a cidade que tão gratamente ressoa ao ouvido do nosso querido Adelmar Tavares – “Minha Bruges pernambucana” – como ele o diz, como um Rodembach, nos seus poemas evocativos – “Minha Bruges pernambucana com os seus verdes canaviais, as suas usinas de açúcar, as suas velhas igrejas cinzentas do tempo, os seus canais adormecidos, onde os barcos pousam como cisnes”, cidade onde certamente ele viu partirem aquelas barcaças, “Rosa Branca”, “Luz do Dia”, “Navegantes”, “Flor do Mar”, levando trigo para os enfermos, vinhos e jóias para os felizes, madeiras para tálamos e ataúdes. Dessas caminhadas à Cidade Gloriosa há várias páginas por vossa obra. Uma delas, e das mais lindas, é a Poesia do Nordeste, na qual estudais as produções do nosso folclore, e outra, a daquela procissão descrita na Promessa Inútil. É da primeira este trecho tão sentido e tão comunicativo: Há recordações que nos ficam eternas. A memória das nossas emoções é longa e consoladora. E tudo aquilo que embalsamou de poesia e sentimento a doçura da nossa infância continua, através dos tempos, a brilhar em nossa alma, sobre-dourado de um infinito encanto, de uma divina graça. O feitiço da terra é um desses filtros prestigiosos. Nós, aqueles que nascemos nos Estados, e fomos forçados, pela vida, a emigrar, nós bem sabemos as solicitações dessa voz antiga quanto são ardentes e fortes. Os mais ilustres e os mais humildes, todos ouvimos a delícia dessa voz, e todos a ela cedemos. Joaquim Nabuco, que escreveu em ouro livros de pensamento e de meditação, narrou esse poema, suave e ao mesmo tempo amargo, da saudade da terra natal. E o escritor confessava, com uma encantadora ingenuidade, que, longe embora, em cortes pitorescas, entre homens finos e mulheres belas, tinha, sempre, diante dos olhos, a visão das terras da infância, e nos ouvidos, a música dos canaviais balançados pelo vento. Mercê des-
se mesmo sentimento, que Nabuco definia, é que todos guardamos, pela vida adiante, a recordação dos quadros onde formamos a alma e o espírito, e a lembrança do mundo onde lentamente nos iniciamos nos sofrimentos e nas delícias do Universo. Vindo para o Rio, aqui chegastes em 1919, e, logo depois, aos 21 anos, já éreis o crítico literário do Correio da Manhã, função essa que deixáveis mais tarde, substituído por Humberto de Campos, para ingressardes no Jornal do Brasil, no qual, provisoriamente, indicado pelo próprio mestre João Ribeiro, o substituístes no “Registro Literário”, e, depois, de maneira definitiva, quando ele se partiu para o “Reino das Sombras”. O vosso primeiro livro, Sr. Múcio Leão, os Ensaios Contemporâneos, é de uma gravidade admirável em estréias literárias. É possível que houve concorrido para isso o momento em que apareceu. A Grande Guerra vinha absorvendo todas as inteligências. Surpreendeu a vossa em plena juventude. Consciente ou subconsciente, a calamidade memorável deveria ter influído em vossa psicologia. Deveria, não. Influiu, decerto, como aconteceu a todos nós, os espectadores de uma civilização, que se acreditava fundamental e irredutível, e abatia, de vez, como um teto, sobre nossas cabeças. Era impossível que vossa imaginação, educada pelo gênio clássico, mantivesse o equilíbrio num mundo que ruíra de fato e não mais logrou até hoje o ritmo que lhe imprimira no espírito, durante vinte séculos augurais de esperanças, o gênio messiânico de cristianismo. Uma justa apreciação sobre os Ensaios notará que foi considerável a reserva de vossas energias íntimas contra os embates da nova mentalidade. Resististes até certo ponto aos delírios iconoclásticos da hora, e o trabalho inicial – Das Condições de Cultura no Brasil – é uma prova deste asserto. Digo até certo ponto, atendendo ao cepticismo do livro, que é, a meu ver, um reflexo mental daquela hora expectante. Daí, certamente, as vossas apreensões de noviço depois da leitura das obras e da observação dos caracteres morais e espirituais das nossas duas últimas gerações de autores. Estudando-as, aliás com simpatia e discernimento, acabastes quase desolado; pois só vos ficou, de nossa atualidade intelectual, uma impressão de desarmonia e da anarquia de alma, de pensamento e de ideal, numa hora de tanto pragmatismo científico e tecnicismo utilitarista. Essa impressão talvez não seja injusta. A verdade, porém, é que uma nação obedece a leis naturais de desenvolvimento. Essas leis são demasiado complexas e por isso po-
dem admitir interpretações diversas. A nossa sociogenia, a nossa e a de todos os povos da América, processou-se em circunstâncias tão inextrincáveis que qualquer estudioso dos nossos assuntos históricos encontra elementos para as suas ilações pessoais. Daí a variedade de critério filosófico dos comentaristas de nossa evolução indígena. Para uns parece insignificante o que, para outros, é um motivo de ufania. Questão de pontos de vista ou de opiniões, igualmente meritórias, porque visam, cada qual a seu modo, ao mesmo objetivo: a verdade. Por isso não leveis a mal que eu tenha, nestes assuntos, o meu modo de sentir, um pouco diferente do vosso em 1923 – modo de sentir que hoje talvez já não seja o mesmo. Quer-me parecer que, nos defeitos geralmente atribuídos à nossa psicologia, deve ser levada em linha de conta a falta de experiência e conhecimentos, que não tínhamos, nem podíamos ter, justamente nas épocas em que nos envolveram os episódios mais significativos do destino de povo ainda em estado embrionário: a Independência, a Abolição e a República. Não obstante, penso que os homens dessa fase da vida nacional revelaram qualidades excepcionais no desempenho dos seus papéis históricos. Idealismo, inteligência, coragem, espírito de sacrifício, virtudes heróicas, encontraram neles figuras vivas e reais, nos momentos de propaganda e das realizações, por vezes dramáticas, das suas idéias e dos seus sentimentos cívicos. Considerado assim, do alto, abstratamente, parece que somos um povo de contemplativos, alheios à sua própria destinação. Mas a realidade dos fatos da nossa história, e a galeria que já possuímos de homens eminentes em todas as ordens de ação cultural, não justificam o cepticismo teórico, ainda que bem intencionado, do comum dos nossos críticos e etnologistas. Em regra, esses argumentam baseados em comparações com outros povos europeus. Mas esse método de verificação de valores é rigoroso demais aplicado às gentes americanas. A balança será sempre contra nós. Nada mais natural: em um dos pratos da balança figuram, apenas, alguns séculos, que não são nada contra os milênios do outro. O que é admirável é que o fiel da balança, mais de uma vez, já tenha oscilado em nosso sentido. Não é isto uma prova de que, apesar de todas as contingências de nossa origem, temos vencido de tal forma o tempo e o espaço que já nos libramos – Deo gratias! – nas mesmas esferas superiores dos outros povos? Este é o meu modo de pensar. Talvez seja critério de poeta. Talvez sejam razões sentimentais as que me levam a ser
tão otimista. Mas não seria nobre nem justo que as recalcasse no espírito e no coração. O vosso livro inicial é digno da estima dos estudiosos porque é todo inspirado no verdadeiro sentimento da imparcialidade. Quereis advertir, e advertis, de fato, em vários capítulos, os homens e os moços das novas gerações, dos prejuízos morais que vós mesmo sofrestes, na formação do vosso espírito, e que entravavam, e ainda entravam, o desenvolvimento harmônico da nossa cultura. Vossos conceitos são de tal modo elevados que se impõem à simpatia daqueles que apreciam as coisas de outra maneira. Há, porém, nos Ensaios, páginas de evidência tão bela que serão unanimente admiradas. Tal, entre outras, o estudo sobre Machado de Assis. Nele, discreta, mas profunda, palpita a vossa emoção íntima diante dessa figura tão impressionante, que dificilmente se compreende como houvesse levantado, em ouro e luz, e numa raça tão nova, a mais fulgurante das obras literárias que ainda foi concebida e vivida na mais sábia e pura ourivesaria do estilo. A análise a que submetestes o homem e a sua obra ofereceu a mais feliz oportunidade ao vosso espírito crítico e à vossa plasticidade expressional. Não resisto ao desejo de ler, pelo menos, um trecho de ouro desse estudo tão comovido e comovente: Machado de Assis teve um destino singular. Nascendo num lar humilde, passou a existência sem nenhum desses traços fortes, crespos, que parecem assinalar os homens de gênio. Vindo de uma extrema pobreza, teve ocasião de contemplar e analisar a vida, no que a vida tem de mais doloroso e de mais absurdo. Dotado de um senso de observação interior incomparável, capaz de discernir com a mais clarividente das precisões o universo de dúvidas, de amarguras, de sofrimentos, que é cada um espírito, ele se deliciou em vasar, nos seus livros, essas observações que somente a retina de um homem de gênio seria capaz de recolher. Mas não nos iludamos: nada há nele de frívolo nem de superficial. Nesse poeta, nesse psicólogo, sábio na arte de animar com uma vida suprema as visões mais impalpáveis não há a menor das exterioridades. Suas análises são tão-somente de almas; suas anatomias são de espíritos. Lendo-o, muitas vezes cerramos as páginas de seus romances e nos perguntamos: – “Aonde foi esse homem buscar essas impressões, em que abismo de coração, em que silenciosa profundidade de almas”? – Tal de suas páginas narra o estado de espírito de um sacristão que, tendo recebido para as almas uma cédula de dois mil réis, fica a lutar consigo mesmo no desejo de Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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guardar essa espórtula. E que análise minuciosa, horrivelmente torturante, Machado de Assis fez, com esse episódio tão simples! É que ele teve o segredo único do gênio: adivinhou o mecanismo dos sentimentos alheios. Ibsen, descrevendo um anormal, transmite-nos a impressão de ter sido, ele próprio, um anormal; Dostoievski narra o crime de Raskolnikoff e o seu terrível mundo cerebral, como se fosse, ele próprio, esse celerado. Flaubert sofre, com Madame Bovary, todas as torturas do envenenamento por arsênico; e o maior de todos, Shakespeare, como é alternativamente louco com Hamlet, apaixonado e terno com Romeu, apaixonado e sofredor com Otelo, e doce com Miranda, e puro com Ofélia! É que esses homens têm o poder divino; eles veem desenrolar-se o quadro doloroso e pungente da alma humana. Único, no Brasil, esse desventurado, esse singularíssimo Machado de Assis possuiu a chave do segredo maravilhoso. O capítulo dedicado a Raimundo Correia é outro lindo retrato, inciso e conciso, do poeta perfeito. Falando de Raimundo Correia, dizeis: “não posso deixar de me sentir fascinado. Esse poeta era complexo e profundo”. Como se vê, o cepticismo teórico do primeiro capítulo dos Ensaios não resistiu ao exame direto das grandes figuras das nossas letras. Ao contrário, estimulou e aprofundou as vossas faculdades de apreciação justa. Outro sentimento não me inspiram as páginas sobre Renan, isto é, – “sobre a vida e pensamento de um filósofo harmonioso, cuja sabedoria era temperada pelas belas luzes trêmulas de uma poesia sem fim e o idealismo fecundado por uma paixão ardente da razão e da verdade”. Muito haveria que dizer de vossa atividade de jornalista, crítico literário, romancista, novelista e contista. Como poderia fazê-lo? Faltam-me duas coisas essenciais: a acuidade analítica e o tempo. Não seria justo, porém, que na hora em que a Academia proclama a vossa consagração, deixasse eu de destacá-la, ainda que sem o brilho merecido. A curiosidade, que é a dominante de vosso temperamento, não podia deixar de conduzir-vos, como conduziu, às lides da imprensa. Não lhe bastariam os livros. Como Humberto de Campos e tantos nomes gloriosos na literatura propriamente dita, tendes dedicado a ela a inteligência, a cultura e a presteza de estilo que ela impõe, nesta hora de precipitação, ao dinamismo sensacionalista dos seus servidores. O artigo de fundo, o comentário político do momento, o suelto, a entrevista ocasional com as individualidades de exceção, a crônica do dia sobre as idéias e sobre os acontecimentos mais
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controversos, o registro social encontram, na agilidade de vossa pena, a vida e o movimento indispensáveis ao êxito profissional. Por isso mesmo, apesar do vosso feitio retraído, gozais dos vossos contemporâneos esse prestígio que só se conquista pelo mérito real e pelas vitórias incontestadas. O jornalista tem que ser o intérprete instantâneo de todas as idéias e sensações transitórias. Vivê-la, pois, diariamente, a todo instante, é uma prova de exuberância mental, é fazer da própria vida nervosa dos nossos dias matéria plástica ao arbítrio de nossa inteligência. O jornalista, o repórter e o escritor se confundem nessa azáfama de verdadeiro paroxismo intelectual, que é a imprensa diária. A vossa obra, Sr. Múcio Leão, é uma prova evidente deste conceito. Que nos apresentais, na sua variedade, senão o reflexo da tragicomédia que vivemos? As diferenças que ela oferece são outros tantos modos de ver da vossa personalidade. Mudam os aspectos, muda o estilo. E o plumitivo de há pouco cede a pena ao crítico de agora. Vem a serenidade, a reflexão, a consciência, a sondagem da análise nas correntes subterrâneas das ações e dos sentimentos humanos. E nas linhas e entrelinhas dos livros que a crítica vai buscar a sua razão de ser, a sua nobre razão de ser: – “estudar, como diz Ernest Hello, as idéias mesmas, interrogar, no escritor, a verdade que ele serve ou deveria servir e o erro que adotou e devera ter combatido”. – É uma espécie de exame da consciência alheia, uma arte difícil, porque implica qualidades excepcionais, não só inatas como adquiridas na escola viva da própria experiência. Pela sua causa e finalidade, é ela a mais alta função espiritual. Tendes desempenhado essa função com a tolerância e emulação que dignificam o mister e acrisolam as intenções incipientes dos verdadeiros temperamentos estéticos. Vê-se bem, na vossa maneira, que tendes o vinco espiritual dos vossos mestres. Vosso espírito crítico se plasmou sob o influxo de Renan e Sainte-Beuve, de Lemaître e Anatole France, de Machado de Assis e João Ribeiro. O entusiasmo discreto pelos mais privilegiados, e um sorriso, que é um misto de benignidade e ironia, pelos outros. Procedeis, sem dúvida, como uma força de estímulo e de incentividade, cujos propósitos imprimem aos espíritos novéis o ânimo para os triunfos certos ou prováveis ou impossíveis. Para provar a sutileza e a penetração de vossa crítica não me seria preciso mais do que referir-me ao vosso livro João Ribeiro. É uma justa apologia ao homem, ao poeta, ao professor, ao sábio, cuja memória deve ser exaltada como exemplo de vida ilus-
tre. De trinta anos para cá nas escolas, nas Academias, nos livros, as gerações estudiosas não encontraram melhor guia. Todo o Brasil contemporâneo se abeberou nessa fonte inesgotável de saber. João Ribeiro foi além do professor. Foi um missionista. Na imprensa, na cátedra, nas livrarias, em toda a parte e por toda a parte, encontrávamos, sempre, essa bondade humanista, essa erudição estimuladora, essa inteligência dadivosa, essa cultura enciclopédica, esse milagre vivo de memória, de método, de vontade, de raciocínio, – de todas as prerrogativas de um educador e orientador de gerações. O tributo de discípulo amado, que vindes prestando à memória desse Mestre de princípios e normas tão nossas, pela benevolência e desinteresse, é a melhor prova do quanto a sua influência foi real e enobrecedora. Vosso convívio de espírito e coração com esse Doutor das belas e boas letras vos deu o senso da medida, a paixão da beleza, o equilíbrio no juízo crítico. Não lhe exagerastes, num átomo, as excelências de caráter, nem procurastes as sombras ou os entretons para atenuardes, na expressão dessa fisionomia, os defeitos que porventura tivesse a sua humanidade. Fizestes obra de uma consciência que procura refletir outra. Para tanto, além do afeto, era mister que estimulásseis em vós mesmo as idéias e emoções que definiram o modelo, ou melhor, o ídolo de vossa admiração. O labor, apesar de árduo, não vos arrefeceu o anelo. Tão forte foi este que, ainda sob a impressão recente do luto da grande perda, iniciáveis aquela série de conferências que atraíram para a sua biografia e a sua psicologia a admiração de quantos ainda ignoravam o que numa e noutra havia realmente de singularidade e beleza. Essas conferências constituem obra de tocante probidade intelectual. A afeição e a verdade ajustam-se na forma e no fundo das apreciações, dos conceitos ou dos comentários. Viveis com o pitoresco do estilo anedótico ou com as sutilezas da crítica psicológica os múltiplos aspectos dessa inteligência, tão peregrina nos seus dons especulativos e na sua própria afabilidade intimista. A vossa minudente interpretação da obra de João Ribeiro, prismática e complexa como a sua psicologia, ficará sendo um verdadeiro elucidário para os futuros críticos dos espíritos de elite, cujas associações e dissociações de idéias precipitam a caracterização específica do gênio brasileiro. Do contista e romancista que sois falam mais alto que a minha palavra os aplausos que tem alcançado o aparecimento de cada um dos vossos livros – Promessa Inútil, Prêmio de Pu-
reza, No Fim do Caminho, Castigada. Promessa Inútil deu-vos a coroa, concedida pelo Instituto de Cooperação Intelectual de Genebra ao melhor livro no gênero. Em Castigada, romance de ação e de paisagem, usos e costumes cariocas e nordestinos, revelais vivas qualidades de observador, descritor e fixador de caracteres humanos. Estudais a vida da mulher moderna no Brasil e os sérios problemas que ela suscita, e que, no entanto, são encarados “com esse sorriso de fútil ironia com que recebemos tudo quanto vá além de uma dourada exibição de talento”. Se, em Castigada, fizestes, com perfeito conhecimento de técnica, o romance social, não fostes menos afortunado na fatura, isto é, na forma e no estilo do romance psicológico, o romance de análise sutil e silenciosa, que é No Fim do Caminho. Era de esperar que tal acontecesse a quem já havia burilado aquele impressivo estudo “O Idealismo no Romance”, um dos melhores capítulos dos Ensaios. O gênero é o de Machado de Assis, e Humberto de Campos lhe fez o paralelo com o Memorial de Aires, demonstrando as afinidades de técnica e pensamento entre os dois livros, e de caráter e de destino entre as figuras principais de um e outro, o Conselheiro Aires, ministro aposentado em Viena, e Antônio Pedro, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. Esse confronto, por si só, com um livro de tal excelência vale pelo mais invejável encômio aos vossos justos desejos a um lugar nesta Casa, que é de Machado de Assis, modelo vosso e de quantos aqui lhe veneram a glória tutelar. Mas, não satisfeito com uma comparação tão significativa, Humberto de Campos assim confessa, no mesmo estudo, completando-a, a sua admiração ostentosa pela vossa obra: Romancista, contista, ensaísta, ou poeta, o que aparece, em cada um dos seus livros, ou das suas criações, é sempre o Sr. Múcio Leão, isto é, o escritor elegante e sóbrio, o artista em que se fundem a graça, a palavra e o encanto do pensamento. Cada livro seu é um desdobramento, apenas, da mesma personalidade – circunstância que, impedindo a variedade da obra dentro do mesmo gênero, é uma garantia certa contra a vulgaridade. E é por isso mesmo que certa vez, perguntado na Academia, qual dos nomes novos escolheria se fosse permitido ao acadêmico indicar o seu sucessor, isto é, o herdeiro da sua poltrona, respondi sem tergiversar: – O Sr. Fernando de Azevedo ou o Sr. Múcio Leão! Esta confissão, que ficará valendo aqui por um bilhete póstumo aos acadêmicos que nos sobrevieram, dirá ao criador do Minis-
tro Pedro o que é, intimamente, a minha admiração pelas suas virtudes literárias, pela graça do seu estilo, pelas tendências da sua cultura e do seu gosto, pelo equilíbrio, em suma, da sua palavra e do seu pensamento. Se é verdade, como creio, que os mortos velam pelos espíritos que amaram e deixaram no mundo, Humberto de Campos certamente vos está aqui aplaudindo conosco, embora com a sua presença invisível. Consenti que colabore também na justiça com que acabais de pronunciar o memorável elogio dessa figura tão estranha pela inteligência e pelo infortúnio que não pude ver morta sem proferir esta apóstrofe: HUMBERTO DE CAMPOS De corpo exausto e de alma combalida, Após um longo dia de canseira, Vim de deixar na terra derradeira Os despojos mortais da tua vida. Toda a cidade estava encandescida Sob a luz deste dia de soalheira, Luz sonora, luz cálida, vívida Como a luz da tua alma, Humberto, em Poeira. E agora, à noite, penso a sós comigo: A glória, o sol dos mortos, grande amigo, Trouxe-te, presta, o láureo galardão. Teu destino foi mau como Procusto. Mas a dor nos redime, Deus é justo, E não há gênio sem consagração! Além das credenciais de prosador, trazeis as de poeta. Os Ensaios já vos indicavam como tal. Nos capítulos – “O espírito da nova poesia”, “A poesia do Nordeste”, “Raimundo Correia” e outros – a emoção do estilo trai, a cada instante, o poeta latente do Tesouro Recôndito. Só mesmo um poeta versaria tais assuntos como o fizestes. Os sentimentos que inspiraram essas páginas não teriam brotado tão espontâneos de vossa alma, se esta não fosse naturalmente inclinada às solicitações do ritmo. Sem uma tal receptividade íntima, não teríeis compreendido tão bem o nosso folclore, sentido tão intimamente as correntes poéticas de emoção nova, e interpretado de alma tão afinada os frêmitos dos corações musicais. Por tudo isso, era de esperar o Tesouro Recôndito que já estava nos rumores imperceptíveis de vosso sangue. Cada um de nós tem o seu senso íntimo. Eu diria: o seu prelúdio interior. Ouvimo-lo em certos estados de alma, que alguém define assim: inconsciente, latente, ativo. Mas não é isso que é
a inspiração, a poesia? Qualquer que seja a explicação teórica do fenômeno, o certo é que em alguns temperamentos ele se manifesta na espontaneidade rítmica das estrofes, tal como se manifestam os gorjeios na efusão lírica dos pássaros. Ouçamos a vossa Musa, em um dos seus estados de graça: Todos vós, todos vós, só viveis meditando Nas coisas que possuís. E nem vedes que, assim, ides a alma entregando A sonhos vãos e vis. Olhai, porém, para essas várzeas flóreas; Vede os lírios dos campos viridentes, Que os vales enchem, na sazão vernal. Nem o rei Salomão nas suas glórias, Nas suas glórias mais resplandecentes, Teve uma pompa igual... É a linda parábola bíblica. Como, aqui, a instintiva afinidade da Poesia e da Religião se ajustam na letra e na harmonia do verso! Como as duas liturgias, a da Natureza e a do Espírito, se confundem no mesmo ato de contrição e desejo de que os homens ascendam, pelo desprendimento dos sonhos vãos e vis, à vida perfeita, isto é, à vida sem preocupações de riquezas ou inquietações de consciência! Pouco importa que essa visão superior da alma humana pareça fora das cogitações atuais. O nosso destino interior no-la impõe a todo momento como a única razão de ser da nossa própria inteligência, cuja origem e finalidade cada vez mais se nos afiguram imperscrutáveis e divinas. Os místicos têm toda a razão. Há uns claros-escuros intelectuais que somente os temperamentos dos artistas, votados, por desígnio secreto, à Perfeição, logram viver nos seus momentos eucarísticos de concepção e composição estéticas. A simplicidade é o que mais me agrada, Sr. Múcio Leão, nos vossos poemas. Os versos vos surgem das próprias inclinações. Sentis a necessidade de vos integrardes à beleza visível ou aos estremecimentos íntimos da nossa natureza imortal. Os estremecimentos de um coração de poeta! O seu mundo inexprimível de impressões, refrações, reflexões, sentimentos, idéias, formas substanciais que não logram nunca vir à luz das realizações plásticas! Muitos dos vossos versos revelam as origens de onde emergem, isto é, as fontes vivas de onde correm, transparentes, o seu rumor e a sua frescura. Nada de requintes Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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em vossa composição. Estesia natural, sem artifícios, vibrando como um instrumento acústico. A Natureza é ainda quem vos sugere aos sentidos todos os entusiasmos ou apreensões. Estais identificado a ela como uma planta – planta humana, cujos conceitos rebentam como frutos. Entrai a porta menos nobre. Bebei do mais humilde vinho Que der a mais humilde mão. Lembrai-vos, sempre, que o caminho Que for mais árido e mais pobre É que conduz à perfeição. Para a vossa musa, em plena graça dos primeiros módulos, tudo é emotividade. Ouvir e ver basta-lhe às vibrações. Não lhe faltam nem claridade ambiente, nem motivos de ternura, condições essenciais à verdadeira poesia. Esse estado de alma, ou, melhor, de harmonia perfeita das duas realidades, a subjetiva e a objetiva, ou seja, a estética e a especulativa, ou melhor ainda, a mística ou imanente e a lógica ou racional, é que imprime à poesia o seu duplo mistério de expressão humana e divina: o verso e a música. O fascínio desse mistério varia em cada autor, vindo em uns do sentimento, em outros dos sentidos: neste, dos instintos, naquele das idéias ou das intuições puras. Ouçamos ainda essas lindas estrofes do vosso Tesouro Recôndido, já que o tempo não nos permite ouvir outras e outras não menos significativas do vosso numen poético: “Quem diz que a felicidade, Jardim de meandros subtis, Não seja a simples vaidade De quem pensa que é feliz?” “Eu também, meu irmãos, como vós, perjurei! Ante o altar do meu Deus piedosamente orei,
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Cheio de crença o olhar, de esperanças o peito, E não cumpri, depois a palavra que dei!” “É noite. Os céus fulguram, silenciosos. Novas constelações desabrocharam Como jardins ardentes, num tremor. Eu sonho, sob os astros generosos, Como um dia, há milênios, já sonharam Meus primeiros avós na terra em flor.” Tendes, Sr. Múcio Leão, a vossa maneira autêntica de sentir e pensar como poeta e prosador. Melhor do que eu, sabe a Academia apreçar os vossos méritos. Nela encontrareis o vosso ambiente. Mantemos aqui a crença generosa de que o sentido da vida é o da inteligência. Foi a lição que nos confiaram os gênios protetores deste cenáculo. Temo-la como verdadeira, e todas as nossas energias profundas são para bem interpretá-la, senti-la, vivê-la no fundo e na forma das palavras eternas. Mercê da força viva da fé, eles, os mestres, nos animarão a nossa apetência de mais luz e beleza na estilização do que pensamos e sentimos. Não é o senso alegórico da vanglória que aqui nos reúne, mas o fervor recíproco por nossas letras e por todas as vocações literárias do Brasil, – deleite para nós e dever de consciência para com as juventudes que se devem suceder melhorando, aperfeiçoando, sublimando os atributos étnicos; pois, só assim, um dia estaremos à altura dos nossos desígnios, se o destino cíclico das civilizações porventura deslocar a glória mediterrânea do gênio latino para os povos adolescentes do Novo Mundo. Afigura-se-me que os dois instrumentos mais poderosos para levar uma nação à plenitude de sua forças harmônicas são a Política e a Literatura, isto é, a ação direta dos estadistas na realização das idéias úteis, e a influência dos intelectuais na formação educacional do espírito coletivo. É esta correlação, acorde necessária,
que desejamos ver bem compreendida. Há uma visível inquietude e um vivo espírito de renovação no Brasil deste momento. São sintomas de revivescentes impulsos propulsores, que não podemos nem devemos recalcar em estado latente. Ao invés disso, impõe-se o dever de trazer à tona essas aspirações surdas, orientando-as no fio do pensamento da raça. Tal foi sempre a nossa orientação. “A Academia, disse-o a Comissão de Poesia em 1926, – a Academia não tem, nem pode ter, preocupações de escolas ou pautas, como se lhe tem procurado atribuir. Não! A Academia tem em mente a legenda de Santos Chocano: Na arte cabem todas as escolas, como num raio de sol todas as cores. Se bem que seja dos seus princípios fundamentais velar pela pureza da língua e defender o sagrado patrimônio dos nossos antepassados clássicos, ela não marcha às avessas, como aqueles Matuiús de que nos fala Bilac no seu Tarde, que ‘quem os segue vai para o passado, quem os imita foge do futuro’. A Academia procura, apenas, nas escolas onde se encontre a beleza em sua plenitude e serenidade. Ela pode estar em todas as escolas, como estão num raio de sol todas as cores.” Para a Academia, como vedes, só há uma distinção: a do culto da verdade e da beleza como a concebe, compreende, sente e vive a expressão imperecível da nossa língua. Tudo quanto obedece, na ordem especulativa e emotiva, a esse impulso finalístico, a Academia admira e exalça, como obra aceleradora e cristalizadora das nossas energias. Lendo-vos, sentindo-vos, acompanhandovos, Sr. Múcio Leão, vemos que esse é o espírito que também vos solicita e orienta. Vinde, pois, com a glória da vossa juventude e da vossa inteligência, colaborar em nossa ação, de equilíbrio e de estímulo às virtudes imortais. (*) Discurso de recepção ao Acadêmico Múcio Leão, na sessão especial da ABL, realizada em 16 de novembro de 1935, para ocupar a Cadeira nº 20, sucedendo ao escritor Humberto de Campos. g
TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA
A CONSTITUIÇÃO DE 20 DE OUTUBRO DE 1945(*) O INTERVENTOR FEDERAL NO ESTADO DA PARAÍBA, confiante em Deus e usando da atribuição que lhe confere o artigo 181 da Constituição da República, DECRETA a seguinte CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAIBA TÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES CAPÍTULO I Disposições Preliminares Art. 1º - O Estado da Paraíba faz parte integrante da República dos Estados Unidos do Brasil. Seu território é o da antiga Província com os limites reconhecidos na legislação em vigor, só podendo ser alterado por assentimento da Assembléia Legislativa, em duas sessões anuais sucessivas e aprovação do Parlamento Nacional. Art. 2º- São poderes constitucionais do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e coordenados entre si. Art. 3º- Todos os poderes emanam do povo, sendo exercidos em seu nome, nos limites da Constituição e das leis. Art. 4º- Compete privativamente ao Estado: I - decretar a Constituição e as leis por que de reger-se; II - prover a expensas próprias às necessidades de sua administração, sem prejuízo da assistência financeira da União nos casos de calamidade pública ou execução de serviços de interesse comum; III - exercer todo e qualquer poder que lhe não for negado expressa ou implicitamente pela Constituição Federal. Art. 5º- Compete ainda privativamente ao Estado: I - decretar imposto sobre: a) a propriedade territorial, exceto a urbana; b) transmissão de propriedade “causa mortis”; c) transmissão de propriedade imóvel “inter-vivos”, inclusive a sua incorporação ao capital de sociedade; d) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido em lei ordinária; e) exportação de mercadorias de sua produção até o máximo de dez por cento “ad valorem”, vedados quaisquer adicionais; f) indústrias e profissões; g) atos emanados de seu governo e negócios de sua economia, ou regulados por lei estadual. II - cobrar taxas de serviços estaduais. § 1º- O imposto de venda será uniforme, sem distinção de procedência, destino ou espécie de produtos. § 2º- O imposto de indústrias e profissões será lançado pelo Estado e arrecadado por este e pelo município em partes iguais. § 3º- Em casos excepcionais e com o consentimento do Conselho Federal, o imposto de exportação poderá ser aumentado temporaria-
mente além do limite de que trata a letra “e” do inciso I. Art. 6º- No caso de haver lei federal sobre a matéria, pode o Estado legislar, para suprir-lhe as deficiências ou atender a peculiaridades locais, desde que não dispense ou diminua as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta os regule, sobre os seguintes assuntos: a) riquezas do sub-solo, mineração, metalurgia, águas, energia hidroelétrica, florestas, caga e pesca e sua exploração; b) radiocomunicação, regime de eletricidade, salvo o disposto no nº XV do art. 16 da Constituição Federal; c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; d) organizações públicas, com o fim de conciliação extrajudiciária dos litígios ou sua decisão arbitral; e) medidas de polícia para proteção das plantas e dos rebanhos contra as moléstias ou agentes nocivos; f) credito agrícola, incluídas as cooperativas entre agricultores; g) processo judicial ou extrajudicial. Art. 7º- O Estado poderá criar outros impostos além dos já mencionados no art. 5º, ressalvado o disposto no art. 24 da Constituição Federal. Art. 8º- É vedado ao Estado e aos Municípios: a) criar distinções entre brasileiros natos ou descriminações ou desigualdades entre os municípios; b) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; c) tributar bens, rendas e serviços da União, dos outros Estados, do Distrito Federal e dos municípios; d) recusar fé aos documentos públicos; e) denegar a extradição de criminosos reclamados de acordo com a lei, pela Justiça de outros Estados do Distrito Federal ou dos Territórios; f) estabelecer discriminação tributária ou de qualquer outro tratamento entre bens e mercadorias por motivo de sua procedência; g) tributar direta ou indiretamente a produção e o comércio inclusive a distribuição e a exportação de carvão mineral nacional e de combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem; h) contrair empréstimo externo sem prévia aprovação do Conselho Federal; i) cobrar sob qualquer denominação impostos interestaduais, intermunicipais, de viação ou de transporte, que gravem ou perturbem a livre circulação de porte, que gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou de pessoas e dos veículos que os transportarem; j) conceder pensões e subvenções sem lei especial que as regule; k) alienar e adquirir imóveis, dar privilégios e conceder exploração de serviço público sem lei especial de autorização. Parágrafo único - Os serviços públicos concedidos não gozam de isenção tributária, salvo a que lhes for outorgada, no interesse comum, por lei especial. Art. 9º- São do domínio do Estado: a) os bens de sua propriedade nos termos da legislação em vigor, com as restrições estabelecidas na Constituição Federal; Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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b) as margens dos rios e lagos navegáveis, destinados ao uso público, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular; c) os lagos e correntes em terreno do seu domínio ou que banhem mais de um município ou sirvam de limite entre municípios; d) as ilhas fluviais e lacustres cortadas pela fronteira dos municípios. Art. 10 - O Estado tem por base o município, organização de forma a ser-lhe assegurada autonomia em tudo quanto respeite a seu peculiar interesse. TÍTULO II Do Poder Legislativo Art. 11 - O Poder Legislativo é exercido por uma Assembléia composta de trinta e seis representantes do povo, eleitos noventa dias antes do término da legislatura mediante sistema proporcional, sufrágio universal, igual, direto e secreto. Parágrafo único - O número de deputados poderá ser elevado na proporção de um por cinqüenta mil habitantes acrescidos à atual população do Estado. Art. 12 - São elegíveis para a Assembléia, os brasileiros natos, alistados eleitores e maiores de 21 anos. Art. 13 - A Assembléia instalar-se-á independentemente de convocação, na capital do Estado, no dia 5 de agosto ou noutra data que a lei designar, e funcionará durante três meses, podendo as sessões ser prorrogadas ou adiadas. Parágrafo único - Poderá ser convocada extraordinariamente por um terço de seus membros ou pelo Governador do Estado e nessa hipótese a Assembléia somente deliberará sobre a matéria que houver motivado a convocação. Art. 14 - Cada legislatura durará quatro anos. Art. 15 - Aos membros do Poder Legislativo é vedado: a) celebrar contrato com a administração pública federal, estadual ou municipal; b) aceitar cargo, comissão ou emprego público, remunerado, salvo missão diplomática de caráter extraordinário; c) acumular mandato com outro de caráter eletivo; d) patrocinar causas contra a União, os Estados, Municípios, autarquias ou empresas beneficiadas com isenção, privilegio ou favor do poder público; § 1º- No período das sessões, aos membros da Assembléia é vedado: a) exercer cargo, comissão ou emprego público remunerado; b) ser diretor, proprietário ou sócio de empresa beneficiada com privilégio, isenção ou favor em virtude de contrato com a administração pública. § 2º- A infração deste artigo importará na perda do mandato legislativo. Art. 16 - Durante os trabalhos da Assembléia, o deputado que for funcionário público só percebera ajuda de custo e subsídio, sem qualquer outro provento do cargo ou posto que ocupar. Art. 17 - Os deputados não poderão ser presos ou processados criminalmente, sem licença da Assembléia, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Parágrafo único - A autoridade que lavrar o auto de prisão em flagrante por crime inafiançável, fará imediatamente remessa do processo ao Presidente da Assembléia para que esta resolva sobre a sua legitimidade e conveniência e autorize ou não a formação da culpa. Art. 18 - É livre ao deputado a renúncia do mandato, presumindo-se esta apos uma ausência de quarenta dias consecutivos durante os trabalhos da Assembléia, sem licença. Parágrafo único - Presumir-se-á também a renúncia se o deputado, sem justificação, deixar de tomar posse dentro dos trinta dias seguintes à instalação da Assembléia ou à convocação de seu nome no caso de suplência. Art. 19 - A Assembléia pode convocar qualquer Secretário de Estado
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para prestar esclarecimentos sobre matérias da respectiva Secretaria e sujeitas à sua deliberação. O Secretário independentemente de convocação pode pedir à Assembléia, ou a qualquer de suas comissões, dia e hora para ser ouvido sobre questões sujeitas ao exame do legislativo. Art. 20 - Os deputados perceberão uma ajuda de custo por sessão legislativa, além de um subsídio pecuniário mensal no período de funcionamento da Assembléia. Parágrafo único - O subsídio e a ajuda de custo serão fixados na última sessão de cada legislatura para a legislatura seguinte. Art. 21 - Ocorrendo vaga por perda de mandato, renúncia ou morte do deputado, será convocado o suplente na forma da lei eleitoral. Parágrafo único - Não havendo suplente proceder-se-á a eleição, salvo se faltarem menos de três meses para o encerramento da última sessão da legislatura. Art. 22 - A Assembléia designara comissões de inquérito para apurar fatos determinados, a requerimento da terça parte pelo menos dos seus membros. Parágrafo único - Na escolha das comissões será observada, tanto quanto possível, a representação proporcional das correntes políticas definidas na Assembléia. Art. 23 - Após a instalação dos seus trabalhos, a Assembléia examinará e julgará as contas do Governador relativas ao exercício precedente. Parágrafo único - Não prestadas as contas, a Assembléia elegerá uma comissão a fim de organizadas determinando providências para a punição dos responsáveis, conforme o resultado. Art. 24 - Será secreto o voto da Assembléia nas eleições a que proceder a deliberações que tomar sobre vetos e contas do Governador. SECÇÃO II Das atribuições do Poder Legislativo Art. 25 - Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador: 1º- decretar as leis orgânicas para completa execução desta Constituição; 2º- fixar anualmente a despesa e orçar a receita do Estado; 3º- fixar anualmente o efetivo e a despesa da Força Policial; 4º - decretar os impostos, taxas e contribuições indispensáveis ao funcionamento dos serviços públicos; 5º- autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos e a celebrar operações de crédito; 6º- dispor sobre a dívida pública do Estado e os meios necessários a seu pagamento. 7º- decretar a divisão civil, administrativa e judiciária do Estado; 8º- criar e suprimir cargos públicos estaduais, fixando-lhes as atribuições e vencimentos; 9º- legislar sobre: a) licenças, aposentadorias e reformas; b) organização judiciária; c) organização dos municípios; d) pensões e subvenções; e) exercício dos poderes estaduais. 10º- autorizar contratos de concessões; 11º- autorizar isenções tributárias e favores de que possam resultar vantagens para o Estado; 12º- legislar sobre as demais matérias não excluídas da competência do Estado pela Constituição Federal. Art. 26 - Compete privativamente à Assembléia Legislativa: 1º- eleger sua mesa; 2º- elaborar seu Regimento Interno; 3º- regular a sua própria polícia; 4º- organizar a sua Secretaria; 5º- julgar as contas do Governador; 6º- fixar a ajuda de custo e o subsídio dos deputados e o subsídio do Governador;
7º- prorrogar as suas sessões, suspendê-las e adiá-las; 8º- mudar temporariamente a sua sede; 9º- autorizar o Governador: a) a celebrar com a União, os outros Estados e os Municípios, acordos e convenções relativas a tudo quanto seja de interesse público; b) a ausentar-se do Estado, quando a ausência exceder de trinta dias. Parágrafo único - As leis, decretos e resoluções da competência privativa da Assembléia Legislativa serão promulgados e mandados publicar pelo seu Presidente. SECÇÃO III Das leis e resoluções Art. 27 - A iniciativa dos projetos de lei compete a qualquer membro ou comissão da Assembléia e ao Governador, ressalvado o disposto no artigo seguinte. Art. 28 - Cabe exclusivamente ao Governador a iniciativa dos projetos de lei que fixarem o efetivo e a despesa da Força Policial, aumentarem os vencimentos de funcionários, ou criarem empregos em serviços já organizados. Parágrafo único - Ficam ressalvadas à competência da Assembléia Legislativa quanto aos seus serviços administrativos e a faculdades assegurada ao Tribunal de Apelação no artigo 60, inciso II. Art. 29 - Aprovado o projeto de lei será enviado ao Governador, que o sancionará e promulgará. § 1º- Se entender que o projeto é inconstitucional ou contrário ao interesse público, o Governador, dentro de dez dias úteis contados da data em que o receber, o vetará, no todo ou em parte, devolvendo-o à Assembléia, no mesmo prazo e com as razões do veto. § 2º - Importa em sanção o silêncio do Governador durante o decênio. § 3º- Devolvido à Assembléia, será o projeto dentro de dez dias submetido, com ou sem parecer, a uma só discussão, considerando-se aprovado se obtiver o voto de dois terços da totalidade dos deputados. § 4º - Na hipótese do parágrafo precedente, o projeto será enviado, como lei, ao Governador para a formalidade da promulgação. Art. 30 - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Governador, nos casos dos § 2º e § 4º do artigo antecedente, o Presidente da Assembléia a promulgará, usando da fórmula seguinte: “O Presidente da Assembléia Legislativa faz saber que o Poder Legislativo do Estado decreta e promulga a seguinte lei (ou resolução)”. Art. 31 - O Governador sancionará e promulgará as leis usando das seguintes fórmulas: 1º- “O Governador do Estado da Paraíba: Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte lei”. 2º- “O Governador do Estado da Paraíba: Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu promulgo a seguinte lei”. SECÇÃO IV Do orçamento do Estado Art. 32 - O orçamento do Estado será uno, incorporados à receita todos os tributos, rendas e suprimentos de fundos e incluídas na despesa todas as dotações necessárias ao custeio dos serviços públicos. Art. 33 - A discriminação ou especialização da despesa far-se-á por serviços, departamentos, repartições e estabelecimentos. Art. 34 - O orçamento não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa para os serviços anteriormente criados por lei, exceto: a) a autorização para abertura de créditos suplementares e opera-
ções de crédito por antecipação da receita; b) a aplicação do saldo à cobertura do déficit. Art. 35 - A proposta do orçamento será enviada pelo Governador à Assembléia dentro do primeiro mês da sessão legislativa. Art. 36 - Será prorrogado o orçamento em vigor se até o encerramento da sessão legislativa à Assembléia não houver enviado o Governador o orçamento vindouro. Art. 37 - Nenhum encargo se criará ao Tesouro sem atribuição de recursos suficientes para lhe custear a despesa. Art. 38 - Nenhum imposto poderá ser elevado além de trinta por cento do seu valor ao tempo do aumento. Art. 39 - É vedado à Assembléia conceder créditos limitados. Art. 40 - Na organização e execução do orçamento serão atendidas as seguintes normas: 1º- nenhum crédito será aberto sem expressa autorização do Poder Legislativo, salvo para acudir a despesas urgentes e imprevistas em caso de calamidade pública ou alteração da ordem; 2º- a abertura de crédito suplementar autorizado em lei orçamentária só se verificará no segundo semestre do exercício; 3º- é proibido o extôrno de verbas. CAPÍTULO III Do Poder Executivo SECÇÃO I Do Governador Art. 41 - O Poder Executivo é exercido pelo Governador, cujo mandato durará 6 anos. Parágrafo único - A eleição do Governador realizar-se-á, em todo o território do Estado, por sufrágio direto e secreto, 60 dias antes de encerrar-se o mandato em curso, ou 60 dias depois de aberta a vaga. Art. 42 - São condições de elegibilidade para o cargo de Governador ser o candidato brasileiro nato, maior de 35 anos, alistado eleitor e estar em pleno gozo de seus direitos políticos. Art. 43 - O Governador será substituído, nas suas faltas e impedimentos pelo Presidente da Assembléia Legislativa, e na falta deste, pelo vice-presidente. Art. 44 - A posse do Governador terá lugar perante a Assembléia Legislativa quinze dias depois de proclamado eleito, prestando ele o seguinte compromisso: “Prometo cumprir a Constituição da República e a do Estado, observar as leis, promover o bem estar social da Paraíba e desempenhar o meu cargo com dignidade e patriotismo”. Art. 45 - Compete ao Governador: I - Sancionar, promulgar e fazer públicas as leis; II - Vetar, no todo ou em parte, os projetos de lei aprovados pela Assembléia; III - Expedir decretos, regulamentos e instruções necessários ao cumprimento das leis; IV - Nomear e exonerar os Secretários de Estado e os Prefeitos dos Municípios; V - Nomear, aposentar, por em disponibilidade, exonerar e licenciar os funcionários do Estado, e impor-lhes penas disciplinares, respeitado o disposto na Constituição e nas leis; VI - Autorizar a admissão de extranumerários aos serviços públicos do Estado; VII - Convocar extraordinariamente a Assembléia Legislativa; VIII - Relatar anualmente, em mensagem à Assembléia, as ocorrências administrativas do ano precedente, sugerindo as providências necessárias ao desenvolvimento dos serviços públicos e ao progresso do Estado; IX - Prestar à Assembléia as contas do exercício anterior; X - Dispor da Força Policial para o perfeito preenchimento de seus fins; XI - Celebrar acordos e convenções com a União, os outros EsJulho/Agosto/Setembro/2015 |
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tados, o Distrito Federal e os Municípios, com autorização da Assembléia; XII - Representar o Estado perante o Governo da União e das outras unidades federativas; XIII - Praticar todos os atos necessários à administração e à guarda da Constituição e das leis. SECÇÃO IV Da responsabilidade do Governador Art. 46 - São crimes de responsabilidade do Governador os atos que atentarem contra: a) a existência da União; b) a Constituição da União e do Estado; c) a execução das leis e tratados federais; d) a execução das decisões judiciárias; e) a boa arrecadação dos tributos; f) a probidade administrativa, a guarda e o emprego dos dinheiros públicos. Art. 47 - O Governador será julgado pelo Tribunal de Apelação. SECÇÃO V Dos Secretários de Estado Art. 48 - O Governador será auxiliado por Secretários de sua confiança, nomeados em comissão, maiores de 21 anos e alistados eleitores. Art. 49 - Além das atribuições fixadas em lei compete aos Secretários: a) referendar os atos do Governador; b) expedir instruções para a boa execução das leis e regulamentos; c) apresentar ao Governador o relatório anual dos serviços de suas Secretarias; d) dar à Assembléia Legislativa ou às suas Comissões, as informações que lhes forem solicitadas. Art. 50 - Os Secretários de Estado são responsáveis pelos atos que praticarem ou subscreverem, ainda que o façam com o Governador ou em cumprimento de ordens deste. CAPÍTULO IV Do Poder Judiciário SECÇÃO I Disposições preliminares Art. 51 - São órgãos do Poder Judiciário: a) o Tribunal de Apelação; b) os Juizes de Direito; c) o Tribunal do Júri; d) outros Juizes e Tribunais que a lei instituir. Art. 52 - Salvo as restrições expressas na Constituição, os juizes gozam das seguintes garantias: a) vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão em virtude de sentença judiciária, exoneração a pedido, ou aposentadoria compulsória aos 68 anos de idade ou em razão de invalidez comprovada, e facultativa nos casos de serviço público prestado por mais de 30 anos, na forma da lei; b) inamovibilidade, salvo por promoção aceita, remoção a pedido, ou pelo voto de dois terços dos juizes efetivos do Tribunal Superior competente, em virtude de interesse público; c) irredutibilidade de vencimentos. Art. 53 - Os juizes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qualquer outra função pública, exceto nos serviços eleito-
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rais, sob pena de perda do cargo judiciário e de todas as vantagens correspondentes. Art. 54 - É vedado ao juiz o exercício de atividade político-partidária. Art. 55 - O Poder Judiciário não conhecerá de questões exclusivamente políticas. Art. 56 - Não se atribuirá aos juizes percentagem, em virtude de cobrança de dívidas. Art. 57 - A lei de divisão e organização judiciária determinará a constituição, jurisdição, alçada, competência e condições de exercício dos diversos órgãos do Poder Judiciário. Parágrafo único - Nessa lei poderão ser criados Juizes com investidura limitada no tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor, preparo das que excederem da sua alçada e substituição dos juizes vitalícios. SECÇÃO II Do Tribunal de Apelação Art. 58 - O Tribunal de Apelação, com sede na Capital do Estado e jurisdição em todo o seu território, compõe-se de nove desembargadores, só podendo esse número ser alterado por proposta motivada do Tribunal. Art. 59 - Os vencimentos dos desembargadores serão fixados em quantia não inferior à que percebem os secretários de Estado. Art. 60 - Compete ao Tribunal de Apelação: I - Processar e julgar originariamente o Governador, os Secretários de Estado, o Chefe de Polícia, os Juizes de instância inferior e os órgãos do Ministério Público; II - Elaborar o seu regimento interno, organizar seus cartórios e serviços auxiliares e propor ao Poder Legislativo a criação ou suspensão de empregos e a fixação dos vencimentos respectivos; III - Conceder licença, nos termos, da lei a seus membros, aos Juizes e serventuários que lhe são imediatamente subordinados; IV - Exercer as demais atribuições estabelecidas em lei. Art. 61 - Os membros do Tribunal serão nomeados pelo Governador dentre os juizes de direito propostos pelo voto da maioria dos desembargadores, ressalvado o disposto no artigo 62. § 1º- As indicações ao cargo de desembargador se farão por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurando-se quer a antiguidade quer o merecimento, entre os juizes de direito da entrância mais elevada. § 2º - Quando se tratar de promoção por antiguidade de classe, o Tribunal indicará ao Governador o juiz cujo nome esteja em primeiro lugar na lista respectiva. § 3º - Na composição do Tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por advogados ou membros do Ministério Público, de notório saber e reputação ilibada, indicados em lista tríplice. SECÇÃO III Dos Juizes de Direito Art. 63 - O provimento de cargo de juizes de Direito na entrância inicial, se fará mediante concurso de provas e títulos, organizado pelo Tribunal de Apelação. Parágrafo único - Para cada vaga o Tribunal organizará uma lista tríplice dos candidatos classificados, enviando-a ao Governador para efeito de nomeação. Art. 64 - O acesso aos graus imediatamente superiores obedecerá ao critério de antiguidade de classe diferença maior de trinta por cento de uma para outra entrância, nem o vencimento dos de classe imediata à dos desembargadores será inferior a dois terços dos vencimentos destes últimos.
CAPÍTULO V Do Ministério Público Art. 60 - A lei de organização judiciária determinará a composição do Ministério Público atribuição, direito e deveres dos seus órgãos, observados os seguintes princípios: a) o Procurador Geral, que e o chefe do Ministério Público, será nomeado em comissão dentre os graduados em direito, de notório merecimento e reputação ilibada com seus anos no mínimo, de prática forense; b) será creada a carreira do Ministério Público provida a classe inicial mediante concurso no qual só poderão inscrever-se graduados em direito, e preenchidas às classes superiores por promoção, atendido o critério de antiguidade e merecimento. Parágrafo único - A lei regulará as funções dos adjuntos ou auxiliares do Ministério Público, dispensadas as exigências estabelecidas na letra “b” deste artigo. CAPÍTULO VI Da Organização Municipal Art. 67 - O Estado compõe-se de Municípios autônomos. Art. 68 - Os municípios serão organizados por lei ordinária, que fixará as condições de sua criação, anexação, desmembramento e supressão, e as normas reguladoras da cooperação entre uns e outros, naquilo que respeitar a seus interesses comuns. Art. 69 - Além da parte que lhes cabe no imposto de indústrias e profissões, pertencem aos municípios: I - O imposto de licença; II - O imposto territorial e o predial urbanos; III - Os impostos sobre diversões públicas; IV - As taxas sobre serviços municipais. Art. 70 - Os municípios da mesma região podem agrupar-se para instalação, exploração e administração dos serviços públicos comuns. O agrupamento assim será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. Art. 71 - O órgão executivo do município é o Prefeito, nomeado pelo Governador do Estado. Art. 72 - O órgão legislativo é a Câmara Municipal, composta de vereadores eleitos por quatro anos. Parágrafo único - A lei orgânica do Município fixará o número de vereadores, limitando o mínimo em sete e o máximo em quinze. TÍTULO II Da família Art. 73 - A família está sob a proteção especial do Estado, que dispensará, a de prole numerosa, compensações na proporção de seus encargos. Art. 74 - O Estado velará, particularmente pelos destinos da infância e da juventude, tomando as medidas destinadas a lhes assegurar uma formação física, moral e intelectual de acordo com os princípios da ciência e da democracia. Art. 75 - Aos pais indigentes, o Estado assistirá nas condições que a lei estabelecer. Art. 76 - Para a defesa dos menores, moral e materialmente abandonados, o Estado tomará medidas adequadas através dos órgãos competentes. Art. 77 - Os serviços de assistências, mantidos por particulares, terão o amparo do poder público que os fiscalizará. TÍTULO III Da saúde, da educação e da cultura Art. 78 - Os serviços de saúde e educação constituem atividades
fundamentais do Estado. Seu desenvolvimento obedecerá a planos técnicos, visando o melhor rendimento dos órgãos responsáveis. Art. 79 - A administração pública, na execução dos planos a que alude o artigo antecedente, distribuirá os recursos que lhes forem destinados, na proporção das necessidades das diversas zonas do Estado. Art. 80 - O ensino primário e o secundário são gratuitos, sendo aquele obrigatório. A gratuidade porém não exclui a solidariedade dos menos para com os mais necessitados, assim por ocasião da matrícula será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não poderem alegar excassês de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. Parágrafo único - O Estado organizará institutos técnicos profissionais, ou auxiliará os de iniciativa privada, nas condições que a lei determinar. Art. 81 - O ensino religioso poderá figurar como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias não constituindo, porém, objeto de obrigação dos professores nem de freqüência compulsória por parte dos alunos. Art. 82 - A arte, a ciência e as letras são valores substanciais da civilização. O Estado às protegerá, estimulando as vocações daqueles que não disponham de meios para o adestramento de suas faculdades. Art. 83 - As instituições culturais terão o amparo do Estado na medida e pela forma que a lei determinar, desde que seu programa e objetivos não sejam contrários aos postulados da democracia. Art. 84 - O Estado velará pela conservação dos monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como paisagens e locais particularmente dotados pela natureza. TÍTULO IV Da ordem econômica e social Art. 85 - O Estado reconhece, como fundamental, o direito do homem à subsistência. Nesse pressuposto organizará serviços sociais a fim de remediar o problema do desemprego, fomentando atividades úteis e mantendo instituições apropriadas àquela finalidade. Art. 86 - As fontes econômicas serão exploradas, tanto quanto possível, mediante critérios e métodos racionais de pesquisa, aproveitamento e melhoria quantitativa e qualitativa dos produtos, mantendo-se órgãos aparelhados para esse fim. Art. 87 - O latifúndio improdutivo, considerado fator antieconômico, será objeto de medidas tendentes a corrigir seus nocivos efeitos. Art. 88 - O Estado manterá, por si ou em regime de cooperação com a União e os municípios, tanto quanto possível, a regularidade dos serviços rodoviários, em plano que consulte as necessidades de suas diversas regiões. Art. 89 - As normas da Constituição da República, quanto aos temas da ordem econômica e social, são adotadas pelo Estado, nos limites de sua competência. TÍTULO V Dos funcionários públicos Art. 90 - Os funcionários públicos do Estado terão seu Estatuto, que obedecerá aos seguintes preceitos: a) o quadro dos funcionários públicos compreenderá todos os que exerçam cargos públicos criados em lei, seja qual for a forma de pagamento; b) a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á mediante exame de sanidade e concurso de provas ou de títulos; c) os funcionários públicos, depois de dois anos quando nomeados em virtude de concurso de provas e, em todos os casos, depois de Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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dez anos de exercício em caráter efetivo, só poderão ser exonerados em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo no qual lhes será assegurada plena defesa; d) serão aposentados compulsoriamente os funcionários que atingirem a idade de 68 anos; e) a invalidez para o exercício do cargo ou posto determinará a aposentadoria ou reforma, que será concedida com vencimentos integrais se contar o funcionário mais de trinta anos de serviço efetivo. O prazo para concessão de aposentadoria ou reforma com vencimentos integrais, por invalidez, poderá ser excepcionalmente reduzido nos casos que a lei determinar. f) o funcionário inválido em conseqüência de acidente, agressão não provocada no exercício de suas atribuições, doença profissional, ou quando atacado de tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra ou paralizia que o impeça de locomover-se será aposentado com vencimentos integrais, seja qual for o seu tempo de serviço; g) as vantagens da inatividade não poderão em caso algum exceder as da atividade; h) os funcionários terão direito a férias anuais, sem descontos, e a gestante a três meses de licença com vencimentos integrais; i) a lei poderá conceder aos extranumerários todas ou algumas das vantagens estabelecidas neste artigo, atendendo as condições de tempo de serviço e a natureza dos trabalhos por eles executados. Art. 91 - Os servidores públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Estadual por qualquer prejuízo decorrente de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos e funções. TÍTULO VI Da segurança interna do Estado Art. 92 - Por intermédio de instituições civis e militares, o Estado garantirá a ordem pública, na medida de suas atribuições constitucionais. Art. 93 - Em colaboração com os órgãos de segurança civil, funcionará a Força Policial, reserva do Exército Nacional, competindo-lhe: a) exercer as atividades de vigilância e garantia da ordem pública; b) assegurar o cumprimento da lei, a estabilidade das instituições e o exercício dos poderes constituídos; c) atender a convocação do Governo Federal, nos termos da lei de mobilização. Art. 94 - A lei ordinária regulará o funcionamento dos serviços da Força Policial, respeitado o disposto na Constituição Federal. TÍTULO VII Da reforma da Constituição Art. 95 - A Constituição poderá ser emendada ou revista, por iniciativa do Governador ou da Assembléia Legislativa. § 1º- Quando de iniciativa da Assembléia, o projeto de reforma será subscrito por um terço, pelo menos, dos seus membros; § 2º- O projeto de reforma, de iniciativa do Governo ou da Assembléia, será submetido a três discussões; § 3º- Para ser aprovado, o projeto de reforma exige o voto da maioria absoluta dos membros da Assembléia, quando se tratar da emenda, e de dois terços, em caso de revisão. § 4º - Quando de iniciativa da Assembléia, uma vez aprovado, será o projeto enviado ao Governador que o sancionará ou o vetará, no todo ou em parte. Vetado o projeto, transmitirá de novo na mesma sessão legislativa, se se tratar de emenda, ou no curso da sessão legislativa seguinte em caso de revisão. Em qualquer hipótese o projeto só prevalecerá se obtiver o voto de dois terços dos membros da Assembléia, em discussão única e sem apresentação de emendas.
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TÍTULO VIII Disposições Gerais Art. 96 - Só os brasileiros natos ou naturalizados poderão exercer funções ou cargos públicos ou emprego dos Estados e municípios ou de entidade por ele criadas ou mantidas ou de cuja manutenção sejam responsáveis, ressalvado o disposto na legislação federal, quanto aos contratos de cientistas e técnicos estrangeiros. Art. 97 - A bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais são de uso obrigatório no Estado e Municípios, proibidos quaisquer outros símbolos de caráter local. Art. 98 - Ninguém poderá tomar posse de cargo ou função pública do Estado e dos Municípios sem prova de quitação com o serviço militar, na forma da lei. Art. 99 - Continuam em vigor as leis, decretos, regulamentos e resoluções do Governo do Estado e Municípios em tudo quanto não for contrário a esta Constituição. Art. 100 - Esta Constituição entrará em vigor na data em que for promulgada. Disposições transitórias Art. 1º- A Assembléia Legislativa, eleita em 2 de dezembro de 1945, instalar-se-á trinta dias após a proclamação dos deputados eleitos, e nessa reunião: a) elegerá a sua mesa; b) organizará o seu regimento interno; c) votará as leis mais urgentes consideradas necessárias ao andamento dos serviços públicos; d) votará a lei orgânica dos municípios, fixando a época das primeiras eleições municipais; e) fixará a ajuda de custo e o subsídio dos deputados para a primeira legislatura; f) fixará o subsidio do Governador para o primeiro período governamental. Parágrafo único - Essa reunião especial não prejudicará a primeira sessão ordinária, a qual será presidida pela mesma mesa. Art. 2º- A primeira legislatura terminará no dia 5 de agosto de 1950. Art. 3º- O Interventor Federal fixará, em decreto-lei, a ajuda de custo dos deputados à Assembléia Legislativa para a reunião especial de que trata o artigo 1º destas disposições. Art. 4º- O Governador, eleito em 2 de dezembro de 1945, tomará posse perante o Tribunal Regional Eleitoral, quinze dias depois de proclamado eleito. Art. 5º- Somente a partir de 15 de janeiro de 1946 passará o Tribunal de Apelação a integrar o número de desembargadores previsto no artigo 58 desta Constituição. Parágrafo único - O Tribunal regulará, em seu regimento a distribuição dos novos juizes pelas respectivas Câmaras, até que a lei ordinária disponha sobre a matéria. Art. 6º- A administração do Estado e Municípios continuará regulada pelo decreto-lei federal nº 1202 de 8 de abril de 1939 e leis subsequentes até a instalação da Assembléia Legislativa. Joao Pessoa, 20 de Outubro de 1945, 56º da Proclamação da República. RUY CARNEIRO, Samuel Duarte, José Joffily Bezerra, João dos Santos Coelho Filho
Para melhor conhecimento do processo de aparecimento desta Constituíção, outorgada pelo Interventor Ruy Carneiro, consultar o Capítulo V do livro História Constitucional da Paraíba, de autoria do historidor Flávio Sátiro Fernandes.
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LITERATURA AUGUSTO PARA TODOS OS SÉCULOS(*) Ângela Bezerra de Castro O centenário é da morte de Augusto dos Anjos, mas o tema é a vida. O tema é “o Futuro em diferentes / florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,/ cumprindo-se a antevisão do eu, na certeza com que se irmana ao Tamarindo: “Depois da morte, inda teremos filhos!”Fugindo à tradição editorial, que se fixou no EU e outras poesias, a Biblioteca Mário de Andrade preferiu o EU original, seleção e edição do autor, lançado no Rio de Janeiro em 1912. Essa escolha confere um significado bem particular à publicação e à homenagem que representa. Fixando-se na primeira e única edição contemporânea do poeta, traz Augusto por ele mesmo. Redivivo. Numa apropriação e livre tradução dos versos de Walt Whitman, pode-se repetir que “este não é apenas um livro. Quem toca nele, toca no homem.” Pois a configuração do EU condensa o sentido maior da existência de Augusto, sendo de toda propriedade afirmar que o poeta se impôs o sacrifício extremo para salvar do estreito horizonte provinciano sua criação original e antecipadora de concepções modernas. Tinha a exata consciência de que, sem chegar ao eixo onde se concentrava o prestígio da visibilidade cultural do país, seus poemas dificilmente conquistariam a repercussão a que estavam predestinados. Sem condições financeiras favoráveis, sem renda certa que lhe garantisse a subsistência, lançou-se ao desconhecido para uma luta obstinada. Deixou a Paraíba e foi morar no Rio de Janeiro, determinado a sobreviver com a precária remuneração obtida pelas aulas particulares que ministrava. Em Notas Biográficas para a 30ª edição do EU, Francisco de Assis Barbosa registra que o poeta “residiu em dez casas de diferentes bairros, quase sempre em quartos de pensão”, durante os anos de permanência no Rio, entre outubro de 1910 e julho de 1914. O escritor José Oiticica, vindo de Minas, compartilhou com Augusto dos Anjos essa fase que classificou de “horrível”, de “penúria”. E revela: “o que mais o amargurava era a injustiça social em premiar os ruins, dourar as falcatruas, entronar os endinheirados, iludir os honestos, os sonhadores, os retos de entendimento e de coração. Essa revolta íntima o
levava a descrer do mundo, a ver em tudo podridão física e moral”. Parece natural a presunção de que o organismo frágil se debilitou nesse processo de desgaste físico e emocional. De tal forma que Augusto, já instalado em Leopoldina como diretor do grupo escolar Ribeiro Junqueira, não resistiu a uma pneumonia, deixando a vida com apenas 30 anos, em 12 de novembro de 1914. Nunca mais voltou à Paraíba. Nem mesmo os seus restos mortais. E um documento firmado em cartório pelos filhos Guilherme e Glória proíbe que isso possa acontecer. Os filhos ratificam a decisão altiva do poeta ante a mediocridade burocrática que negou ao erudito professor, Augusto dos Anjos, uma licença para viajar ao Rio, onde trataria da publicação do EU. A morte do poeta paraibano teve pouca repercussão na imprensa. Destaque para o artigo de José Américo de Almeida, no trigésimo dia, e para o ensaio de Antônio Torres, no qual se insere o tocante perfil que define Augusto como um idealista “na mais nobre, na mais vibrante e, digamos, na mais dramática acepção do vocábulo”. A crítica, desorientada pelo choque, pelo desconhecido que a poesia do EU representava, oscilou inicialmente entre a aceitação e a recusa dos recursos de expressão que caracterizavam a criação lírica sem precedentes. De modo que o livro pelo qual o poeta sacrificou a própria vida permaneceu algum tempo numa espécie de limbo, incompreendido. Nem os modernistas ensimesmados alcançaram a poesia predeterminada “Para cantar de preferência o horrível”. Do observatório em que estavam situados, não perceberam que, em 1912, comparada a “um paralelepípedo quebrado”: a lua de Augusto é uma lua nova
uma lua cheia de modernidade a lua de Augusto é uma pedrada
em Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac
(Sérgio de Castro Pinto)
Em 1920, o jornalista paraibano Órris Soares, contemporâneo e amigo de Augusto, toma a iniciativa de organizar e prefaciar a segunda edição do EU. Acrescentou novos poemas, selecionados sobretudo entre os escritos após a primeira edição, e colocou o subtítulo (obra completa). Sem dúvida, o mais marcante de Órris Soares em relação à poesia de Augusto foi o gesto. A iniciativa de publicá-la, quando o poeta já não existia e parecia tão esquecido quanto seu livro único. Implícita, nesse gesto, a capacidade de compreender, antecipadamente, que, sem se filiar a nenhuma escola, o EU, em “seu individualíssimo sentir” representava “riqueza e glória das letras brasileiras”. É o que se lê no prefácio histórico, entre outras assertivas acolhidas pela crítica contemporânea. A ética da “obrigação intelectual da verdade” motivou esta publicação póstuma, “como uma sagrada dívida” que Órris se impôs. Ele era movido por valores dessa ordem, segundo o testemunho de Carlos Drummond de Andrade que considerava o amigo Órris “um dos homens mais livres, mais conscientes e mais fieis à inteligência”. Numa perspectiva semelhante, o grande Houaiss também reconheceu “a suma importância da segunda edição feita por amor e devoção”, como um instante decisivo na História do EU. Essa publicação paraibana despertou o interesse da Livraria Castilho, responsável pela terceira edição, em 1928, com o título EU e outras poesias, que se tornou definitivo. Foi tal o fenômeno da recepção que os jornais da época chegaram a registrar 5500 exemplares vendidos em menos de dois meses ou “3000 volumes escoados em 15 dias”. A partir de então, o sucesso de público não abandonaria jamais a poesia de Augusto dos Anjos. Equiparando-se o poeta aos mais populares do Brasil, recitado de cor pelos admiradores dos mais diferentes níveis culturais. Assim, as edições se sucederam através de selos consagrados: Livraria Castilho, Bedeschi, Livraria Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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São José, Companhia Editora Nacional, José Olympio, Ática, Paz e Terra, Civilização Brasileira, Nova Aguilar, Bertrand Brasil, Martins Fontes, etc. O grande número de publicações e a pluralidade de editoras que as representam corresponderam ao crescente interesse do público pela poesia de Augusto dos Anjos. Mas este fenômeno, que tem na recepção um dado positivo, também deu margem a que muitas gralhas ou alterações gráficas passassem a interferir nos originais do poeta. Somente a partir da 29ª edição, comemorativa do cinquentenário de lançamento, o texto do EU começa a receber a atenção especializada. O filólogo Antônio Houaiss e Francisco de Assis Barbosa foram os pioneiros que se dedicaram à correção dos erros acumulados em meio século de publicações. No entanto, foi a 30º edição, com a nota editorial de Houaiss que atingiu a confiabilidade reclamada para o texto poético de Augusto dos Anjos. Em 1977, Zeni Campos Reis acrescenta, com absoluta segurança, novo cuidado ao estabelecimento do texto. Publica Augusto dos Anjos: poesia e prosa, ampliando, com sua pesquisa exaustiva e competente, informações sobre a obra do poeta do EU, tornando-se fonte de consulta indispensável para os estudiosos. Enfim, em 1994, com a publicação da Obra Completa de Augusto dos Anjos pela Nova Aguilar, temos a mais ampliada edição, depurada dos antigos e persistentes erros. A organização, fixação do texto e notas, sob o critério de Alexei Bueno, impõem às próximas iniciativas uma responsabilidade maior em relação à fidedignidade do texto de Augusto e à coerência das leituras críticas. Diante do EU a morte se desfigura, perde sua força dominante. Resume-se a um episódio, um traço biográfico, uma data. Nada mais. E já não sabemos dizer se é homem ou mito este singularíssimo poeta que, tendo testemunhado menos de duas décadas do século XX, foi por ele consagrado como criador de uma linguagem, de um ritmo, de uma concepção poética que surpreendeu a Literatura Brasileira e a ela se acrescentou como renovação e sinalização de outras formas de sentir, compreender e dizer. Se, do ponto de vista do processo mimético,
é verdade, como entende o mestre Eduardo Portella, que o poeta “só é poeta quando converte imaginariamente o horizonte, quanto morre na vida da obra”, também não é menos verdadeiro que, do ponto de vista da continuidade histórica, o poeta se perpetua na obra, como o criador na criatura, como o homem particular no universal. O poeta continua na obra, não no equivocado entendimento de que esta seja a sua biografia em versos, ou a mera confissão de particularidades sentimentais. Continua porque na obra está a sua compreensão do mundo, a sua forma escolhida de participação no projeto humano, a complexidade do seu tempo transubstanciada na linguagem que corporifica o gesto inaugural da expressão lírica. A Biblioteca Mário de Andrade ergue um monumento ao poeta, tornando acessível o livro de Augusto no formato que se fez uma preciosidade bibliográfica. Um monumento vivo, o EU, na plenitude do reconhecimento. Constituindo um fenômeno editorial sem termos de comparação. Mantendo uma popularidade que levou o autor a ser eleito o paraibano do século XX, por uma diversidade de admiradores que é “transcendentalíssimo mistério”. Acumulando em sua trajetória uma elevada compreensão crítica que destaca a obra de Augusto dos Anjos “como a mais patética indagação já feita, na poesia brasileira, acerca da existência do mundo e do sentido da vida humana”. Com a ressalva de que “jamais, antes dele, essa indagação se fizera em tal nível de urgência existencial e de expressão estética”. É a conclusão do poeta Ferreira Gullar, em sua leitura plena de descobertas e elucidações. “Salvo pelo povo” e consagrado pela crítica, há muito o lugar do poeta do EU está definido com propriedade, no quadro da Literatura Brasileira. O mestre Eduardo Portella explicita que Augusto “se localiza numa peculiar encruzilhada do pós e do pré, entre elaborações retardatariamente românticas, parnasianas, simbolistas, a essa altura debilitadas, e esboços ou manifestações discursivos, prenúncios do modernismo. O EU se projeta como avatar de radicalização da modernidade. Ele desidealizou o conceito do gosto para dessacralizar a linguagem e, com isto, verbalizar despreconceituosamente a experiência humana. A precoce, e não raro prematura, desestetização
BIBLIOGRAFIA PORTELLA, Eduardo. Confluências, Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1983. CASTRO PINTO, Sérgio. A flor do gol. Escrituras. São Paulo, 2014. ANJOS, Augusto dos. EU. Livraria São José. 30ª edição. Rio de Janeiro, 1964. VIANA, Chico. O evangelho da podridão. Editora Universitária – UFPB. João Pessoa, 1994. ANJOS , Augusto dos. Obra completa. Nova Aguillar. Rio de Janeiro, 1994.
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corresponde ao programa de descarte do sublime.” O ensaio do professor João Adolfo Hansen, escrito especialmente para esta edição do EU, integra-se à tradição da crítica que ilumina o texto do poeta. Retoma importantes aspectos sobre os quais fixa precisos fundamentos. Chega a elencar as múltiplas razões dos estudiosos que o antecederam e reconheceram a poesia ou “a boa poesia”, no realismo mágico da linguagem criada por Augusto. Um estudo erudito e atual que valoriza de modo superlativo a homenagem da biblioteca Mário de Andrade ao poeta do EU. A Leitura do Monólogo de uma sombra, como “a profissão de fé poético-científica do autor”, é original e prepara o leitor para absorver a tradução da teoria do conhecimento implícita na obra de Augusto dos Anjos, integrada poeticamente pela representação metafórica. A marca original de conciliar o gosto popular e o erudito não se apagará da poesia de Augusto. Ela continuará encantando o povo e desafiando os críticos. O poeta já é febre entre os internautas, com milhares de vídeos e páginas de acesso. Enquanto a crítica universitária, à luz de diversos postulados teóricos, projeta cada vez mais a sombra incandescente do EU. Vale registrar a tese O Evangelho da Podridão, em que o professor Chico Viana analisa a tematização da culpa como elemento estruturante da poesia de Augusto. E mais uma hipótese se acrescenta como justificativa para a popularidade do EU. Além do estranhamento e da estrepitosa musicalidade da linguagem, a possibilidade da catarse para a civilização da culpa. A construção fantástica de palavras misteriosas, estranhas ou íntimas demais, que transita sem limite entre a realidade, a fantasia, o sonho, a loucura e os tempos imemoriais, expandindo-se em ásperos sons, agônicos e dissonantes, fascina e haverá de atrair sempre um público de características culturais extremamente diversificadas. É o homem universal vencendo o homem particular, cumprindo-se o credo existencial do poeta. g (*) Texto de apresentação do facsímile da primeira edição (1912) do livro EU de Augusto dos Anjos, de iniciativa da Biblioteca Mário de Andrade, Edições Nerval, São Paulo, 2015.
HOMENAGEM AOS 83 ANOS, MORRE A PROFESSORA E ESCRITORA PARAIBANA ADYLLA ROCHA RABELLO Equipe GENIUS Vítima de diversas complicações de saúde, causadas pelo diabetes, faleceu no último dia 20 de julho, aos 83 anos de idade, uma das mais expressivas figuras da intelectualidade paraibana, a Professora Adylla Rocha Rabello, escritora, historiadora, poetisa, integrante, entre outras instituições, da Academia Paraibana de Letras, da Academia Paraibana de Poesia e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Nascida em João Pessoa, aos 5 de dezembro de 1934, filha de Francisco Soares da Rocha e Ana de Abreu da Rocha, iniciou os estudos no Grupo Escolar Tomás Mindelo, prosseguindo-os no Colégio Nossa Senhora das Neves, até concluir o ensino médio. Cursou o ensino superior, graduando-se em Letras, pela Universidade Federal da Paraíba, por onde também obteve especialização em Língua e Literatura Francesa, bem como conquistou o título de Mestra em Literatura Brasileira. Além dessas distinções acadêmicas, Adylla obteve diversos certificados de proficiência em língua francesa e em língua inglesa, com ênfase para os alcançados na Aliança Francesa de João Pessoa e na Cultura Inglesa desta Capital. Municiada do aprendizado haurido nessas instituições e nos cursos de formação e especialização que empreendeu nos bancos acadêmicos, Adylla engajou-se nas atividades do magistério, primeiramente, no ensino público estadual e privado, como professora de Português e Francês, colimando-as, posteriormente, com seu ingresso no quadro docente da Universidade Federal da Paraíba, como Professora de Língua Francesa no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas daquela Universidade. No serviço público, exerceu Adylla funções diversas, com destaque para os cargos de Diretor do Museu da Fundação Casa José Américo e Diretor de Programação Cultural da mesma instituição; Pesquisadora colocada à disposição do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade
Federal da Paraíba; membro do Conselho Estadual de Cultura; durante dez anos, foi Chefe de Gabinete do Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, e Chefe de Gabinete do mesmo Conselheiro, após ele deixar a Presidência daquela Corte. Pertenceu Adylla Rabello à Academia Paraibana de Letras, ocupando a Cadeira de nº 2, vaga com a morte do Professor Sindulfo Guedes Santiago; â Academia Paraibana de Poesia e ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde foi saudada pelo historiador Flávio Sátiro Fernandes. Dentre seus trabalhos destacam-se: - Pareço-me comigo: uma aventura carnavalesca de José Américo de Almeida (Brasília: Senado Federal, 1987); - 60 anos de A Bagaceira (FCJA, 1988); - José Américo de Almeida nos bastidores (Senado Federal, 1994); - Abelardo Jurema, da Prefeitura de Itabaiana ao Ministério da Justiça, João Pes-
soa, A União Editora, 2000 - O verbo amar em três tempos Coleção Literatura Paraibana Hoje, 2000. Casou-se com o empresário Humberto Lins Rabello, tendo nascido da união os filhos: Célida, Humberto Flávio (Neno), Roberto Cláudio, Gerardo e Celeida, que lhes deram doze netos. Adylla teve seu corpo velado na Central de Velórios Morada da Paz, o qual foi conduzido, no dia seguinte ao Cemitério Parque das Acácias, no bairro José Américo, desta Capital. Em homenagem à querida amiga e ilustrada intelectual, GENIUS publica neste número alguns dos textos produzidos por filhos e amigos, para a edição do folder que se fez para a missa de 7º dia em sufrágio de sua alma, celebrada na Igreja de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos, no Jardim Oceania, aos 29 de julho de 2015, edição desenvolvida pelo jornalista Juca Pontes, a quem agradecemos a gentileza da sua remessa. Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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DEPOIMENTOS SOBRE ADYLLA RABELLO TEMPO DE GRATIDÃO Gerardo Rabello O relógio marcava pouco mais das 9 horas, quando recebi a notícia: Aconteceu... Entendi imediatamente. Olhei para os lados. Vi minha mulher, meus filhos, uma das minhas cunhadas, uma tia querida e amigos. Comuniquei a todos o que já era uma realidade e chorei. Vivo dias de lágrimas, emoções e lembranças. Sorrisos e saudades. Numa dose gigantesca de sentimentos variados. Com mensagens, palavras e lamentos. Tudo a um só tempo... Tudo como sempre se imagina que vá acontecer, quando a despedida maior está consumada. Lembrei-me do último momento com a professora Adylla, na tarde do último dia 16, quando estava saindo de casa para um passeio programado com minha família. Fui até seu leito, peguntei como estava e disse: mãe vou
ali e volto logo – não queria que sentisse minha ausência. Beijei-a com ternura, disse, como de costume, que a amava, encostei meu rosto em sua face, senti seu perfume e o calor de uma pele que nunca perdeu a maciez...
Eram os primeiros instantes das saudades que agora envolverão o meu coração para sempre... Não há mais o que se falar, há o que se reconhecer e sentir. Na Igreja de Nossa Senhora das Vitórias – vejam como Deus nos fala! – no mesmo instante de seu derradeiro, e solene momento neste mundo, lá de longe, elevei a voz e fiz uma prece de agradecimento ao amor e à ternura. Aos exemplos, sorrisos e também lágrimas. Louvei a retidão de caráter e o profundo conhecimento das coisas da vida que recebi. Agradeci à brava guerreira, que lutou ferozmente por melhores dias para os filhos e a família. À vitoriosa mulher, pesquisadora, escritora, pintora e acadêmica que tanto nos orgulhou com seu brilho pessoal. Obrigado minha querida! Deus a proteja e a tenha no melhor lugar!
EU, MINHA MÃE E OS PLANOS DE DEUS Roberto Rabello Deus nos prega surpresas que somente ele pode explicar. Ao longo da enfermidade de minha mãe, me fiz presente no tempo em que ela passou 86 dias interna no Hospital da Unimed. Lá estava eu, todos os dias, sempre pronto para tudo e tomando decisões em nome da família. Quando ela deixou o hospital e se transferiu para a casa de Gerardo, onde foi montada toda a infraestrutura para acompanhar o seu tratamento, desde então, fui me afastando do seu convívio, por perceber sua fragilidade diante do ocorrido. Eu dizia a todos e a mim mesmo que queria guardar a lembrança de minha mãe jovem, saudável e bela. A exemplo da imagem marcante que tenho dela, quando era chamada por D. Maria Bronzeado, diretora do colégio Presidente Epitácio Pessoa, para fazer alguma queixa do meu comportamento. Quando ela passava no corredor ao lado da minha sala de aula e
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eu a via, olhava para meus colegas também admirados com seu porte de nobreza. Tão bela quanto a personagem dos contos de fadas. E eu cheio de orgulho, com o peito todo estufado, dizia e repetia: é a minha mãe. Na madrugada de segunda-feira, 21/07, recebo uma ligação de Celeida, ao me informar que ela não estava bem. E como Gerardo e toda sua família não se encontravam no Brasil, eu prontamente me levantei e fui de imediato ao seu encontro. Cheguei e pude constatar que o quadro era realmente crítico, pois a encontrei respirando com dificuldade, com os batimentos baixos e a oxigenação também, além dos olhos permanecerem fechados. Pensei comigo, acho que já não existe lucidez. Mesmo assim, a beijei e coloquei a mão em sua testa e falei: “mamãe, chegou o bonitão, o seu filho belo” (era como ela a mim se reportava). De imediato, ela abriu os olhos,
me fitou com um olhar de muito carinho e despedida. Entre os seus cílios, começou a verter lágrimas, mas sem demostrar sofrimento algum. Me olhou mais uma vez e fechou os olhos, segurou sem muita firmeza minha mão e eu com um estetoscópio fiquei acompanhando os últimos batimentos do seu coração. Tudo isso presenciado apenas por D. Irene, fiel escudeira de Patrícia e Gerardo, e os anjos do Senhor. Naquele momento, a tranquilidade era tamanha, dava para sentir a presença deles, acompanhando aquela que, em um ato sublime de amor para com o seu venerado Humberto, me proporcionou o dom da vida. Para quem evitara presenciar aquela situação, Deus me legou acompanhar seus últimos momentos e compartilhar da sua tranquila passagem para a dimensão divina. Um beijo do “filho mais bonito”.
A LIÇÃO DE ADYLLA Gonzaga Rodrigues
Era sofrida, forte e doce a minha amiga Adylla. Soube ser feliz com o capital do espírito, independente das variações que afetam tão fortemente os que apostam a vida e a glória na bolsa de outras vaidades. Na idade em que estamos, há coisas de quatro ou três anos, deixamos uma reunião de conselheiros da Academia, o sol se pondo, e estacamos num congestionamento da Epitácio, de fronte a mansão que ainda hoje, semiabandonada, lembra o fastígio de uma classe e o prestígio do seu arquiteto, o grande Borssoi. Ocorreu-nos, rápido, a lembrança de Acácio Borssoi, do que permanecia de vivo e distinto em meio ao amontoado de velhos painéis de outdoor e tufos de carrapateira. Digo “ocorreu-nos”, mas foi de Adylla o reparo: “Olha para ali, o dono sumiu no tempo, poucos sabem que foi ele, mas o risco de Borssoi como o de todas as artes, sempre resiste. Tem fortuna maior? A outra fortuna só nos faz sofrer. Sofrer pela busca, com alguns instantes de gozo ilusório, e sofrer por nunca encontrá-la ou por um dia chegar a perdê-la. Não faz mal que a gente se contente com as nossas artinhas”. E me toquei do que, verdadeiramente, venho fazendo. As minhas artinhas costeiras, na escala do Sanhauá, mal chegando a Cabedelo, onde Altimar é e continua rei.
Para Adylla pouco importava esse pequeno curso das nossas letras e das nossas artes. O nosso mundo é aqui, na medida do nosso gênio. Até Fernando Pessoa pode encalhar no Tejo, como me revelou, um dia, Ângela Bezerra de Castro, espantada por ouvir de um ensaísta literário francês aqui aportado que desconhecia a obra de Pessoa. Outro dia recorri a um dos trabalhos da paixão de Adylla, escrito com amor, fruto de uma admiração de adolescente, a biografia de Abelardo Jurema. E como aprendi com a sua renúncia aos apelos da vaidade autoral, da autossuficiência, cedendo espaço ao testemunho dos outros, dos contemporâneos mais próximos do biografado. Importava-lhe, como se vê em epígrafe colhida em Henri Bergson, filósofo de sua constância, “Nossas lembranças, em um momento dado, formam um todo solidário, uma pirâmide, cujo cimo, incessantemente móvel, coincide com nosso presente e mergulha com este no futuro”. Não bastou a sua visão particular, sua própria leitura, do personagem múltiplo de público e de talentos que foi o comunicador, o político e o homem cultural Abelardo Jurema. Era e continua sendo um personagem de diferente biógrafos, de diferente modos de ver. Com essa consciência, a autora soube
escolher as almas gêmeas de Abelardo, trazendo-as para conviver com ela em cenários e perfis que só o convívio e a intimidade autorizam. Soube cultivar os heróis de sua admiração, entre eles José Américo, fazendo a sua parte na propagação desse culto. g
UMA MULHER FORTE Damião Ramos Cavalcanti
Testemunham seus filhos e filhas, genros e noras, netos e netas, irmãos e irmãs, cunhados e cunhadas, enfim, familiares, amigos, amigas, confreiras e confrades que Adylla Rabello sempre foi a mulher bela, sábia, alegre, forte e carinhosa, “perfeita senhora de casa”, como descrevem as Sagradas Escrituras, serem esses valores “muito mais do que pérolas. Nela confia seu marido, e a ele não faltam riquezas. Trazlhe a felicidade, não a desgraça, todos os dias de sua vida. Adquire a lã e o linho, e trabalha com mãos hábeis. É como a nave mercante, que importa de longe o grão.
Noite ainda, levanta-se, para alimentar os criados. E dá ordem às criadas. Examina um terreno e o compra, com o que ganha com as mãos planta uma vinha. Cinge a cintura com firmeza, e emprega a força dos braços. Sabe que os negócios vão bem, e de noite sua lâmpada não se apaga. Lança a mão ao fuso, e os dedos pegam a roca. Estende a mão ao pobre, e ajuda o indigente. Se neva, não teme pela casa, porque todos os criados vestem roupas forradas. Tece roupas para o seu uso, e veste-se de linho e púrpura. Na praça o seu marido é respeitado, quando está entre os anciãos da cidade. Tece panos para vender,
e negocia cinturões. Está vestida de força e dignidade, e sorri diante do futuro. Abre a boca com sabedoria, e sua língua ensina com bondade. Acompanha o comportamento dos criados, e não come pão no ócio. Seus filhos levantam-se para saudá-la, seu marido cantalhe louvores: “Muitas mulheres ajuntaram riquezas, tu, porém, ultrapassas a todas. Enganosa é a graça, fugaz a formosura! A mulher que teme a Iahweh merece louvor! Dai-lhe parte do fruto de suas mãos, e nas portas louvem-na suas obras.” g Provérbios 31:10 — 31 Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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EXEMPLO DE MULHER Abelardo Jurema Filho
Ela era mãe de cinco filhos – Célida, Celeida, Roberto, Gerardo e Neno Rabelo – e os criou , igualmente, com muito amor, proteção e carinho. Ensinou-lhes lições preciosas de respeito, integridade e caráter. Como esposa, foi companheira inseparável e solidária do seu marido, Humberto Rabelo, um guerreiro que enfrentou a vida e a venceu com dignidade, oferecendo aos seus filhos exemplos de coragem, de luta, de responsabilidade com a familia e, sobretudo, de muito trabalho. Amigo dos seus filhos, freqüentei a sua casa, conheci de perto as suas virtudes, uma delas a de superação e perseverança, quando, já na idade madura, voltou-se aos livros e aos estudos que haviam-lhe sido retirados por conta de suas obrigações como esposa e mãe.
Graduou-se em Letras, já avó de netos, e empenhou-se numa pesquisa peculiar sobre a obra do ministro José Américo que lhe valeu o seu primeiro trabalho literário. Mais na frente, debruçou-se sobre a vida do ex-ministro Abelardo Jurema de quem havia se aproximado através do seu marido e por conta da minha amizade com os seus filhos. Durante meses levantou dados biográficos, reuniu cartas, fotos e documentos de familia, e produziu um livro sobre a extensa trajetória que meu pai cumpriu na vida pública, exaltando a suas qualidades como homem e como político. D. Adylla também fez parte do meu primeiro livro, Paraíba Feminina, em 1997, em que tracei o perfil de 50 mulheres com presença ativa na sociedade paraibana na cultura, na política, na
economia e em todos os segmentos produtivos do Estado. A revisão da obra também foi dela, que realizou trabalho minucioso de correção ortográfica e gramatical, garantindo a integridade do trabalho. Pessoalmente, sempre me tratou como um filho, me dando conselhos, me estimulando em meu trabalho, aplaudindo as minhas conquistas e me acolhendo em minhas vicissitudes. Uma mulher admirável em sua serenidade, em seu equilíbrio, na garra como sempre se comportou no enfrentamento de todas as situações. A professora Adyla Rabelo, que por méritos próprios tornou-se membro da Academia Paraibana de Letras, escreveu uma história que é exemplo de doação, de renúncia, de amor e solidariedade humana.
MINHA PROFESSORA FAVORITA Neno Rabello Perdi a minha mãe que eu achava que era imortal. Deus a chamou e hoje tenho certeza que ela está muito melhor do que estava aqui entre nós. Embora sofrendo, deve ter já reencontrado o grande amor da sua vida.
E o nome dela ADYLLA quer dizer A de Amor – D de Dedicação – Y de Yesterday (eu convivi com ela durante muitos anos) – L de Lisura – L de Linda (e amor) e A de À frente do seu tempo. Ela foi uma pessoa que
até meus últimos dias de vida será minha querida professora. Tudo que eu sei sobre cultura, foi ela quem me ensinou. Porque participei ativamente da sua vida, toda ela dedicada à arte.
LEMBRANÇAS À BEIRA-MAR Martinho Moreira Franco
A minha filha Maria Amélia foi quem me deu a notícia. Com uma menção que me tocou ainda mais: “Ela falava sobre o senhor com tanto carinho...”. As duas se encontravam vez ou outra no salão de beleza, e eu imagino o que naqueles momentos não passava pela cabeça de Adylla Rabello, além dos pentes, rolos, escovas, papelotes, secadores. Ali, em eventuais encontros entre gerações tão distintas, tenho quase certeza de que passavam pela cabeça de Adyla as
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mesmas imagens que me vieram à mente quando recebi a notícia do seu passamento: o casario da beira-mar da Praia do Poço, nos tempos em que os Rabelo eram veranistas e eu me agregava à vizinhança. Não cheguei a ser frequentador assíduo do chalé em que veraneavam, é verdade. Mas estive lá algumas vezes, levado por amigos de Humberto, o pai, e de Neno, um pouco mais novo do que eu. Gerardo era então uma criança, não entendia nada, como na canção de Erasmo.
Gerardo e Celeida. E me lembro como se fosse hoje de Adyla a tratar os amigos dos filhos como se seus filhos fossem. Nada lhes faltava, da atenciosa recepção à cuidadosa saideira, tendo como cenário o alpendre voltado para a beiramar. E como principal ingrediente, o instinto maternal da dona da casa. São essas as melhores lembranças que guardo de Adylla Rabello. Acho que o carinho com que ela falava de mim a Maria Amélia tinha muito a ver com isso.
HOMENAGEM O HISTORIADOR REINALDO DE OLIVEIRA SOBRINHO Diana Carmen Martins de Assis Ferreira
É realmente um presente receber um convite tão especial: a incumbência de pesquisar, escrever e contar para as pessoas, a história de um homem que teve vida longa e a aproveitou desde cedo. Vamos recordar e homenagear nesta data o Historiador Reinaldo de Oliveira Sobrinho. Nasceu nesta capital, no dia 03 de fevereiro de 1914, terceiro filho do casal José Clementino de Oliveira e América Pinho de Oliveira. Seus irmãos: José Clementino de Oliveira Júnior, Maria do Carmo Oliveira Silveira, Celeste Pinho de Oliveira, Geraldo Pinho de Oliveira, Maria de Lourdes Pinho de Oliveira e Antônio Américo Pinho de Oliveira. Reinaldo casou-se com Darcila Gadelha de Melo, em 1951 e dessa união nasceram os filhos: Leonardo Gadelha de Oliveira, Maria Carolina de Oliveira e Tarcísio Gadelha de Oliveira. Para alegria da família chegaram os netos: Matheus, Martina, Roberto, Darcila e Reinaldo Neto. Nosso homenageado iniciou seus estudos primários com as professoras Emerentina Coelho e Ana Lianza. Continuou-os na escola modelo do Estado, depois, no Liceu Paraibano, fez o curso de Humanidades e o Pré-jurídico em Recife, no Ginásio Pernambucano. Na Faculdade de Direito de Recife fez o primeiro ano, mas não concluiu o curso. Estudou o Curso de Jornalismo da Associação Educacional de São Paulo onde obteve distinção no concurso de eficiência intelectual, com a tese “A Fazenda – Fator de Povoamento dos Sertões”. Fez concurso e ingressou na vida pública como funcionário federal e exerceu os cargos de Secretário do Instituto de Física da Universidade Federal da Paraíba, Secretário do IBAM-PB, Operador do Instituto do Açúcar e do Álcool. Residiu em Belém, onde exerceu o cargo de oficial de gabinete do Governo do Estado. De volta à Paraíba, foi Secretário da Prefeitura Municipal de Areia e depois foi Prefeito da cidade. Sua aposentadoria deu-se como Técnico da Justiça Federal. Ingressou no jornal A Imprensa como revisor, já na década de 30. Esse jornal pertencia à Diocese da Paraíba e o Diretor era o
No IHGP participou como 2º Secretário, em 1965, tendo como Presidente o Cônego Francisco Lima. Por motivo de saúde renunciou ao cargo, que foi ocupado por Deusdedit Leitão. Foi eleito 1º Secretário no período de 1983 a 1986, quando era Presidente Lauro Pires Xavier. Também foi Diretor de Relações Públicas na Presidência da Historiadora Rosilda Cartaxo e ocupou a 2º Secretaria na Presidência de Humberto Cavalcanti de Melo. Depois, não participou da Diretoria do IHGP, mas fazia parte das Comissões Permanentes de Estudos. Na revista do Instituto colaborou com os seguintes trabalhos: • Arthur Achiles – O Gigante da Pena, Revista nº 24, 1984; • A Fazenda, Revista nº 25, 1991; • As Bravatas do Coronel Zuza, Revista nº 27, 1995; • A República nasceu em Olinda, Revista nº 29, 1996; • Cangaceiros, Revista nº 30, 1998; • Paraíba – Quatro décadas sem autonomia – Revista nº 31, 1999; • A “Noite das Garrafadas”, Revista nº 34, 2001; • O Provincianismo em Ribeiro Couto, Revista nº 35, 2002. Pe. Carlos Coelho. Em seguida foi repórter e depois redator. Sua vocação era o jornalismo. Escreveu para os jornais da capital e também para os periódicos de Recife. Era Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano o Cônego Francisco de Lima, quando, em 08 de março de 1965, Reinaldo de Oliveira Sobrinho passou a ser sócio efetivo, fundador da cadeira número 16, cujo patrono é Arthur Achilles. Na oportunidade foi saudado pelo historiador Deusdedit de Vasconcelos Leitão, que traçou o perfil biográfico do jornalista. Reinaldo leu em seu discurso de posse um trabalho com o título: Arthur Achilles – O Gigante da Pena.
Fazia palestras e conferências, tinha trabalhos publicados em jornais e revistas, como o texto “Lampião e seu mundo”, divulgado no jornal O Norte, em 1992. Publicou oito livros que agradaram muito aos intelectuais da Paraíba: • Esboço de Monografia do Município de Areia, 1958. • Terras de Massapê. Um estudo sobre a civilização do Açúcar na Paraíba, 1ª ed. 1968, 2ª ed. 1986. • Sertões de Bruxaxá, 1980; • Variações do Folclore na Paraíba. João Pessoa, 1990; • Prosa Paraibana. Da Escola clássica Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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ao Modernismo, 1993; • Anotações para a História da Paraíba, 1º Tomo, 2002; • Anotações para a História da Paraíba, 2º Tomo, 2004; • O Negro Açucarou o Nordeste. João Pessoa, 2007; Além do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Reinaldo de Oliveira Sobrinho fazia parte da Associação Paraibana de Imprensa, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais, da União Brasileira dos Escritores - Seção da Paraíba, do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, da Comissão Paraibana de Folclore. Como sócio correspondente participou do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, da Academia de Letras de Campina Grande e da Academia Cabofriense de Letras do Rio de Janeiro. Foi um pesquisador, um historiador reconhecido pela crítica, respeitado e admirado pelos colegas, um homem de bem com a vida, embora duas grandes dores tenham mutilado seu coração de esposo e de pai. Sua esposa aos 47 anos, teve morte súbita e ele ficou viúvo aos 58 anos. Na falta da sua inesquecível Darcila passou a ser bem acompanhado pela filha Maria Carolina de Oliveira Lins, em todos os eventos culturais e sociais. Sofreu outro grande golpe, quando sua filha Carol, aos 52 anos também teve a morte como a de sua mãe, durante uma atividade religiosa com a presença de toda a família no domingo da ressurreição. Reinaldo de Oliveira Sobrinho dedicou seu livro Terras de Massapê à memória de sua esposa com linguagem de poeta:
Também homenageou a filha na lembrança da missa com o texto:
dariedade e amor que nunca me faltaram. Hoje eu sou um homem emocionalmente morto, porque você, Carol, levou contigo, para sempre, a alegria, o encanto e a felicidade que me restavam na vida. Seu Pai”
“Escrevo essas palavras com a alma úmida de lágrimas, que o tempo jamais poderá enxugar. A princípio acreditava ser apenas um sonho mau. Logo depois, porém, veio a dor da mais triste verdade. O doce Jesus de Nazaré a chamou em estado de graça, na Casa do Pai, no seu dia maior – o da Ressureição. Alguém já disse que os mortos são felizes. É a filosofia dos sábios. Infelizes pois somos nós os que ficamos. Oh, Jesus por quê não me levastes no lugar dela? Você, Carol, foi o meu carinhoso anjo da guarda de todas as horas. Filha maravilhosa, pela dedicação tão constante a soli-
O historiador Reinaldo de Oliveira Sobrinho nesses dois momentos de perda e grande dor externou seus sentimentos como um grande poeta. Pessoas que mereceram fazer parte da sua homenagem na dedicatória de seus livros: • Exmo Sr. Governador Flávio Ribeiro Coutinho (1958). • Sua esposa Darcila (1986). • Saudoso amigo Damásio Barbosa da Franca (1993). • À memória de Luis Câmara Cascudo, à Carol (2007). • Em Variações do Folclore da Paraíba
dedico este livro, com o sentimento da minha grande e infinita saudade. Carinhosamente, Teu Pai”
“À memória de minha esposa Darcila, vida do meu coração, coração da minha vida”. Consagrou a saudade de sua filha, na dedicatória do livro O Negro Açucarou o Nordeste: “À Carol, que foi o meu precioso anjo da guarda de todos os momentos da vida,
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Lançamento do Livro Anotações para História da Paraíba, 2002.
Tarde de autógrafos
Homenagem dos netos
foram homenageados os amigos: José Joffily, Ascendino Leite, Pedro Gondim e Dorgival Terceiro Neto. • Com Prosa Paraibana ele homenageou os filhos: Leonardo, Carol e Tarcísio. A Câmara Municipal de João Pessoa o homenageou em 10 de outubro de 1981 com o título de Cidadão Benemérito da Cidade, proposta feita pelo vereador Mário da Gama e Melo. Também o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano o homenageou com a Medalha e Comenda do Mérito Cultural “José Maria dos Santos”.
Em 2006, o escritor Reinaldo de Oliveira Sobrinho recebeu a medalha Mérito Jornalístico Assis Chateubriand, da Assembléia Legislativa, propositura da Deputada Iraê Lucena. Os reconhecimentos foram mais além. O historiador Reinaldo de Oliveira Sobrinho, em 1999, teve seu nome incluído no Dicionário de Folcloristas Brasileiros, de autoria do saudoso confrade Mário Souto Maior, da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, por sua participação no campo da cultura popular na Paraíba. Na oportunidade das comemorações de seus 90 anos, recebeu do amigo Luiz Hugo
Guimarães, sua primeira biografia, em 2004. Segundo seu filho, Dr. Leonardo, Reinaldo adorava o convívio social e todos os seus aniversários foram festejados em família. Até o seu centenário ele tinha plena consciência de todos os acontecimentos. Reinaldo de Oliveira, faleceu aos 101 anos em 4 de abril de 2015. Agradeço a todos pela presença nesta homenagem ao historiador Reinaldo de Oliveira Sobrinho, que deixou exemplos para as próximas gerações e muito orgulho para os seus descendentes. g
Recebendo homenagem da Assembleia Legislativa
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BIBLIOTECONOMIA OS DESAFIOS DOS USUÁRIOS DE BIBLIOTECAS Tiago Eloy Zaidan
Leitores aos montes, folheando livros e revistas, acomodados em sofás, encostados na parede, no chão. É assim, especialmente nos finais de semana, em bookstores de João Pessoa. O acervo da livraria está disponível para venda. Enquanto isso, espalhadas pela cidade, as bibliotecas com acervos disponíveis para empréstimo, gratuitamente, experimentam um desolador ostracismo. Os visitantes de muitas delas se restringem a colegiais, em busca de fontes para pesquisas escolares. Este é um cenário corriqueiro na Paraíba e, de resto, de grande parte do Brasil. As bibliotecas existentes dependem, maiormente, do Estado, em suas diversas esferas – principalmente dos municípios, uma vez que as bibliotecas públicas estaduais se concentram nas capitais (BORGES a, 2010). Dados do 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais, apurados pela Fundação Getúlio Vargas para o Ministério da Cultura, divulgados em 2010, apontavam que, dos 5.565 municípios brasileiros, 1.152 não possuíam bibliotecas municipais. Entre os espaços existentes, a média de volumes no acervo variava de 2 mil a 5 mil volumes. 36% dos espaços com mais de 10 mil volumes estavam concentradas na região sudeste (BORGES a, 2010). Mesmo quando há biblioteca municipal em funcionamento, limitações significantes são impostas aos usuários. O horário de funcionamento certamente consiste em um dos entraves ao acesso. Somente 24% dos espaços funcionavam à noite. 12% abriam as suas portas aos sábados, e apenas 1% estava disponível aos usuários aos domingos (BORGES a, 2010) – justamente os dias em que as pessoas possuem mais tempo livre. Ainda mais difícil é a situação dos usuários portadores de necessidades especiais, como os deficientes visuais. Apenas 9% das bibliotecas públicas municipais possuíam em seu acervo audiolivros ou livros em braile, relegando,
assim, um segmento do target à marginalização (BORGES b, 2010). Em Recife, aliás, o sucateamento das bibliotecas municipais vem sendo noticiado na imprensa. Reportagem do portal G1 Pernambuco chama a atenção para o fato de que, na capital pernambucana, as bibliotecas estão sob gestão não da pasta de Cultura ou Educação, mas sim da Secretaria de Segurança Urbana (BIBLIOTECAS PÚBLICAS, 2015). As dificuldades de acesso são, portanto, realidade. Somado a isto, a falta de infraestrutura adequada e de um acervo atualizado e sedutor também possuem seus nacos de responsabilidade para afastar os leitores. Não por acaso, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-livro, encetada com 5 mil pessoas em 315 municípios, entre junho e julho de 2011, revelou que, dentre aqueles que reduziram os seus volumes de leitura, apenas 4% atribuíram a retração à dificuldade de acesso aos livros, o que abrange não apenas a falta de bibliotecas nas proximidades da residência, como, ainda, a ausência de livrarias ou o alto preço dos livros. Já 78% daqueles dentre os quais passaram a ler menos, admitiram que o motivo foi o desinteresse, o que abrange a alegação de falta de tempo, falta de paciência para ler, ou, ainda, a preferência por outras atividades (CIEGLINSKI, 2012). O estudo citado quebra paradigmas ao apontar que as políticas para a formação de leitores não devem passar apenas pela disponibilização de espaços como muitos dos que existem hoje, incapazes de seduzir potenciais leitores. Tão importante, ou mais, que a acessibilidade aos livros, deve ser os esforços para se gerar interesse, para se conquistar a atenção e a preferência das pessoas, as quais possuem uma miríade de outras opções. Para se ter uma ideia, há bibliotecas que não permitem a circulação dos livros: a consulta só pode ser feita no próprio ambiente, sendo que estes, em alguns casos, não oferecem o mínimo de conforto ao leitor.
Isso me remete a uma experiência pessoal. Por volta de 2009, resolvi me aventurar pela Biblioteca Pública de Alagoas, em Maceió. Um prédio histórico – imponente, mas mal conservado – abrigava o acervo. Logo fui avisado que a biblioteca não emprestava os livros. Eu e os demais usuários deveríamos “derrubar” os livros ali mesmo, em cadeiras escolares recostadas a velhas mesas coletivas. Os poucos ventiladores antigos presos à parede não eram suficientes para aplacar o afamado calor da capital alagoana. Superados todos os pequenos inconvenientes, fui surpreendido por batucadas eufóricas, cantorias coletivas, flashs de máquinas fotográficas e pela estridente voz de um mestre de cerimônias ao microfone. Na ausência de um hall, ou de um auditório, teria inicio ali mesmo, no apertado salão de livros da biblioteca, uma animada apresentação folclórica. É sintomático que as livrarias recebam centenas de visitantes, muitos dos quais sem necessariamente ter o compromisso de comprar um livro, enquanto as bibliotecas abertas ao público não conseguem o mesmo sucesso. Em muitas bookstores, os visitantes estão a passeio, e entregam-se aos títulos sem a mesma objetividade com a qual costumam acorrer aqueles que frequentam o acervo das bibliotecas. Em livrarias, é comum ver pessoas sentadas, lendo ou apenas folheando um livro. Atividades que poderiam ser realizadas em uma biblioteca. A reversão do quadro passa por um reposicionamento dos espaços culturais como áreas para a prática do lazer cultural, para a consulta descompromissada ao acervo, para o passeio mais demorado, e não apenas para a pesquisa objetiva, ou para a retirada de um título préselecionado. Muitas das bibliotecas precisam ser atualizadas e ressignificadas, para que, efetivamente, possam cumprir as suas missões de romper tabus, quebrar paradigmas e difundir mensagens de cultura e cidadania. g
INFORMAÇÕES ADICIONAIS BIBLIOTECAS públicas do Recife sofrem com situação de abandono. G1 Pernambuco. 27 jan 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/ pernambuco/noticia/2015/01/bibliotecas-publicas-do-recife-sofrem-com-situacao-de-abandono.html. Acesso: 23 jun 2015. BORGES a, Priscilla. Mais de mil municípios estão sem biblioteca pública. Último Segundo, 30 abr. 2010. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/mais-de-mil-municipios-estao-sem-biblioteca-publica/n1237601002057.html. Acesso em 06/04/2015. BORGES b, Priscilla. Bibliotecas municipais não atendem deficientes. Último Segundo, 30 de abr. 2010. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/bibliotecas+municipais+nao+atendem+deficientes/n1237601667300.html. Acesso em 07/04/2015. CIEGLINSKI, Amanda. Ver TV é atividade preferida pelo brasileiro no tempo livre, leitura fica em sétimo. Agência Brasil, Brasília, 28 mar. 2012. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-03-28/ver-tv-e-atividade-preferida-pelo-brasileiro-notempo-livre-leitura-fica-em-setimo. Acesso em 07/04/2015.
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HOMENAGEM JORNALISTA PARAIBANO MORRE EM BRASÍLIA AOS 92 ANOS DE IDADE Equipe GENIUS
Faleceu no último dia quatro de setembro, em Brasília, Distrito Federal, onde passara a residir, há algum tempo, o jornalista Aloísio Fernandes Bonavides, 92, paraibano, natural de Patos, mas radicado, há muitos anos no Ceará. Filho de Fenelon Bonavides e Hermínia Fernandes Bonavides, o jornalista fez os estudos primários em sua cidade natal, aluno, dentre outros mestres, do Professor Anésio Leão, que ali mantinha uma escola. Em 1935, com a transferência, por motivos políticos, de sua mãe para o Departamento dos Correios e Telégrafos do Ceará, Aloísio acompanhou sua genitora que, àquele tempo já enviuvara. Ali deu prosseguimento aos seus estudos, matriculando-se no Liceu Cearense e, posteriormente, na Faculdade de Direito do Ceará, por onde se graduou. A essa altura, já se engajara no jornalismo alencarino, trabalhando nos jornais O POVO e UNITÁRIO, formando, curiosamente, com seus irmãos Anníbal e Paulo Bonavides, um trio paraibano no jornalismo cearense.
Aloísio exerceu o magistério superior, no curso de administração da Universidade Federal do Ceará. Foi Chefe do Gabinete Civil do Governador Faustino de Albuquerque, em 1947. No jornalismo, além das atividades levadas a efeito nos órgãos de imprensa já referidos, foi correspondente, em Fortaleza, do jornal O GLOBO, do Rio de Janeiro. Em Brasília, onde se achava
radicado, Aloísio atuou no Correio Braziliense e foi Chefe de Gabinete do Deputado Paes de Andrade, quando este exercia a Presidência da Câmara dos Deputados. Sem se deixar abater pela idade, atualmente prestava serviços ao Gabinete do Senador Eunício Oliveira, da representação cearense, o qual encaminhou à Presidência do Congresso um requerimento de manifestação de pesar pelo infausto acontecimento. Nos anos 50, idealizou e pôs em execução um projeto de edição e publicação de uma revista, denominada PANORAMA, de cunho noticioso, inserindo em suas páginas, vez por outra, notícias da Paraíba, como fez em relação ao desenvolvimento de Patos sua terra natal. Aloísio deixou viúva a sra. Terezinha de Jesus Cavalcante Bonavides e os filhos Aloísio Bonavides Junior, médico ortopedista e Cristina Maria Bonavides, Odontóloga, residentes em Brasília. O seu sepultamento ocorreu no mesmo dia do seu falecimento, no cemitério Campo da Esperança, na capital federal. g
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POESIA CINCO POEMAS DE TARCÍSIO MEIRA CÉSAR Augusto os Anjos Escuto a tua voz paraibana manchada de atávicos segredos, cheia toda de enigmas, de medos, em busca do suavíssimo Nirvana. E sobre as ruínas de um Pau d´arco sonha uma cegonha nos teus olhos quedos, que feita anchova escapa por teus dedos como o enterro do meu Eu que te acompanha. Ó Pai do esquisitíssimo soluço Sacodes a lene alma brasileira Num cantochão, assim, místico, avulso. Gaguejas a canção que a morte medra Nas cordas de uma harpa agoureira Que, ressoando, dá emoção à pedra.
Sob um tema de Marcel Proust ou variações em torno de um candeeiro da infância Ainda está lá, aceso, proustiano, preso à parede do pequeno quarto. Sua vela de vidro, o bojo farto tinha a impressão de um gordo ventre humano. Iluminava c´oa delicadeza de uma lua tímida e amarelenta dando ao quarto diáfana, nevoenta atmosfera de uma alcova inglesa. À noite toda, tênue, ele velava, uma lembrança esguia se movendo na chama que o pavio alimentava, até sumir a sombra, amanhecendo. Velho Marcel, ao vê-lo, que farias, Que vivas lembranças mortas tecerias?
Farto da linguagem de antes, que exercia, despiu-se da imagem que, oca, construía.
que o sol fazia, ardente, sem saber das tecelãs que no Recife iam às fontes da manhã, para aquecer as fábricas do campo. E com os macios cabelos de avelã, à tarde, vinham baronesas tecer dentro dos rios.
D. Pedro I Por sobre o sonho que crestou teus lábios, o rubro sangue, rei, de tuas veias consome a vasta pátria que receias perder entre os amores e alfarrábios. Transposto o passo que te move o corpo a pisar o mistério e as terras brancas, no teu corcel, insatisfeito, estancas como tombasse ao chão um grito morto. Deliras no teu sonho incauto e vasto. Teu cetro, rei, é sombra e vão lamento. Acordas pela noite e a voz do vento Vem zumbir e apagar-te o estranho rastro. Infiel foi teu sono e o claro dia aportou muito além da tua rota. Ressurgiste, do alto, em ira ignota, À glória que de há muito em tempo havia.
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Miniteoria do poema
De uma tela de João Câmara Mais do que forma ou, antes, movimento, a cor prendeu, sanguínea, nas figuras. Não que permanecesse na espessura ou que ausentasse as nuvens, sem do vento prescindir, pois não há qualquer vestígio de sombra, só o silêncio inalterável, profundo, que restava sob o espaço por curvilíneos faunos habitável. Por fim a geografia se elabora E ainda que haja chão sob os artelhos, as curvas se exercitam, muito embora Permanecessem quedas na espessura, Onde não há mais membros nem joelhos Que dormem sob a cor, não mais figura.
Artificial, externa, mais morta que viva, fê-la mais interna, árdua, convulsiva. Com a dor morando - tanto como o amor – penas vai portando, como o espaço a cor. Sem medo da rima, sem medo do verso, mesmo que a obra-prima saia pelo inverso. Que o poema seja Novo, mas eterno (sem a moda andeja), Nobre como o inverno
DESTAQUES DA BIBLIOGRAFIA PARAIBANA JOÃO PESSOA E A REVOLUÇÃO DE 30, de Ademar Vidal Flávio Sátiro Fernandes
Auxiliar de João Pessoa, na Presidência do Estado, e participante ativo na administração estadual, Ademar Vidal, julgou-se no direito justíssimo de dar seu depoimento sobre os tumultuosos dias pré-revolucionários da década de 30, sobretudo quanto ao comportamento privado e público do malogrado Presidente. Para tanto, elaborou substancioso relato do que foi o Governo que, iniciando-se em 1928, estendeu-se até 26 de julho de 1930, quando o Presidente foi assassinado no Recife, sem querer significar que o livro se encerre aí, pois, como dito antes, a obra contém um depoimento sobre aquele período, indo além da tragédia da Glória, na capital pernambucana e se prolongando até a deflagração do movimento revolucionário
e seu triunfo, em princípios de outubro de 1930. Tendo sido auxiliar de João Pessoa e destacado prócer aliancista, não se podia esperar um trabalho isento ou imparcial. Contudo, isso não tira o valor do depoimento, notadamente, pela gama de informações, de dados, de referências a fatos, acontecimentos, diálogos ocorridos entre líderes da Aliança Liberal, sobretudo quanto às démarches que se fizeram visando à deflagração do movimento revolucionário, quando ficou patente a manifestação do Presidente João Pessoa, contrária à derrubada do Governo: “Prefiro dez Júlio Prestes a uma revolução”. João Pessoa e a revolução de 30 contém sete capítulos antecedidos de uma Introdu-
ção e dois capítulos precedentes, em que o autor traça um retrato do Presidente e de seus antecedentes, para só depois mergulhar no relato da administração, descrevendo-a em I – Promessas e realizações; II - A campanha política; III – Princesa; IV - O desenrolar da tragédia; V – Semana trágica; VI – Desespero; VII – A revolução. O livro termina com um Apêndice, contendo documentos, entrevistas, cartas, telegramas etc. João Pessoa e a revolução de 30 tem merecido apreciações de professores, estudiosos, estudantes, que o veem como obra imprescindível para o conhecimento da Paraíba e do Brasil, naquela tumultuada fase de sua história, merecendo ser destacada entre os títulos que compõem a bibliografia paraibana. g
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FICÇÃO O MATE DO JOÃO CARDOSO Conto de Simões Lopes Neto
- A la fresca! ... que demorou a tal fritada! Vancê reparou? Quando nos apeamos era a pino do meio-dia... e são três horas, largas! ... Cá pra mim esta gente esperou que as franguinhas se pusessem galinhas e depois botassem, para depois apanharem os ovos e só então bater esta fritada encantada, que vai nos atrasar a troteada, obra de duas léguas... de beiço!... Isto até faz-me lembrar um caso... Vancê nunca ouviu falar do João Cardoso? ... Não? É pena. O João Cardoso era um sujeito que vivia por aqueles meios do Passo da Maria Gomes; bom velho, muito estimado, mas chalrador como trinta e que dava um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de novidades. Também... naquele tempo não havia jornais, e o que se ouvia e se contava ia de boca em boca, de ouvido para ouvido. Eu, o primeiro jornal que vi na minha vida foi em Pelotas mesmo, aí por 1851. Pois, como dizia: não passava andante pela porta ou mais longe ou mais distante, que o velho João Cardoso não chamasse, risonho, e renitente como mosca de ramada; e aí no mais já enxotava a cachorrada, e puxando o pito de detrás da orelha, pigarreava e dizia: - Olál amigo apeie-se; descanse um poucol Venha tomar um amargo! É um instantinho... crioulo?!... O andante, agradecido à sorte, aceitava... menos algum ressabiado, já se
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vê.
- Então que há de novo? (E para dentro de casa, com uma voz de trovão, ordenava:) Oh! Crioulo! Traz mate! E já se botava na conversa, falava, indagava, pedia as novas, dava as que sabia; ria-se, metia opiniões, aprovava umas cousas, ficava buzina com outras... E o tempo ia passando. O andante olhava para o cavalo, que já tinha refrescado; olhava para o sol que subia ou descambava... e mexia o corpo para levantar-se. - Bueno! são horas, seu João Cardoso; vou marchando!... - Espere, homem! É um instantinho... Oh! crioulo, olha esse mate! E retomava a chalra. Nisto o crioulo já calejado e sabido, chegava-se-lhe manhoso e cochichava-lhe no ouvido: - Sr., não tem mais ervas... - Traz dessa mesma! Não demores, crioulo! E o tempo ia correndo, como água de sanga cheia. Outra vez o andante se aprumava: - Seu João Cardoso, vou-me tocando... Passe bem! - Espera, homem de Deus! É enquanto a galinha lambe a orelha! ... Oh! Crioulo! ... olha esse mate, diabo! E outra vez o negro, no ouvido dele: - Mas, sr.! ... não tem mais ervas! - Traz dessa mesma, bandalho! E o carvão sumia-se largando sobre o paisano uma riscada do branco dos olhos, como escarnicando...
Por fim o andante não agüentava mais e parava patrulha: - Passe bem, seu João Cardoso! Agora vou mesmo. Até a vista! - Ora, patrício, espere! Oh crioulo, olha o mate! - Não! não mande vir, obrigado! Pra volta! - Pois sim... porém dói-me que você se vá sem querer tomar um amargo neste rancho. É um instantinho... oh! Crioulo! Porém o outro já dava de rédea, resolvido à retirada. E o velho João Cardoso acompanhava-o até a beira da estrada e ainda teimava: - Quando passar, apeie-se! O chimarrão, aqui, nunca se corta, está sempre pronto! Boa viagem! Se quer esperar... olhe que é um instantinho... Oh! crioulo !... Mas o embuçalado já tocava a trote largo. Os mates do João Cardoso criaram fama... A gente daquele tempo, até, quando queria dizer que uma cousa era tardia, demorada, maçante, embrulhona, dizia está como o mate do João Cardoso! A verdade é que em muita casa e por muitos motivos, ainda às vezes parece-me escutar o João Cardoso, velho de guerra, repetir ao seu crioulo: - Traz dessa mesma, diabo, que aqui o sr. tem pressa!... - Vancê já não tem topado disso? ...g
ECONOMIA A IMPORTÂNCIA PRETÉRITA DO ALGODÃO PARA O NORDESTE BRASILEIRO José Romero Cardoso Marcela Ferreira Lopes
A utilização do algodão (Gossypium sps.) para diversos fins foi constatada quando da descoberta do Novo Mundo pelos Europeus, pois nativos do continente americano aproveitavam a fibra para a fabricação de utensílios usados no cotidiano. A rede de dormir é exemplo da herança indígena no que tange ao uso dessa planta da família das Malváceas para a confecção de bens que no presente participam ativamente na geração de emprego e renda de diversos municípios nordestinos, como São Bento do Brejo do Cruz (Estado da Paraíba). O algodão foi responsável pela revitalização agrícola brasileira após a expulsão dos holandeses e a decadência da cultura canavieira no litoral oriental nordestino, proporcionada pela concorrência efetivada pelo açúcar batavo produzido nas Antilhas. A industrialização pioneira que se originou na Inglaterra teve no setor têxtil o carro-chefe do complexo processo surgido com o advento das máquinas, exigindo matéria-prima abundante a fim de atender a demanda crescente, tendo em vista que vestir-se é um dos requisitos da vida em sociedade. O algodão mocó, provavelmente nativo do Seridó Norte-riograndense, arbóreo, chegando a mais de dois metros de altura (em alguns casos houve registros de plantas com mais de cinco metros) dotado de fibras longas, adaptado às condições edafoclimáticas do semiárido e considerado por muitos como a melhor variedade do mundo, passou a ser cultivado em todos os Estados Nordestinos. O binômio gado-algodão passou a definir a importância econômica da hinterlândia nordestina, sendo que em diversos momentos o segundo chegou a superar a
própria razão da ocupação das terras interioranas. O cultivo do algodão ocorreu, sobretudo, em grandes latifúndios, motivado por agentes econômicos que dispunham de condições e contatos que viabilizaam a venda do produto. Depois de algum tempo o algodão transformou-se numa cultura infinitamente mais democrática que a da cana-de-açúcar, tendo em vista que pessoas pobres, mas detentoras de pequenos pedaços de terra, passaram a cultivá-lo e comercializá-lo em praças especializadas, como Campina Grande (PB), Recife (PE) e Mossoró (RN), formando uma elite enriquecida com o ouro branco do sertão. Negros alforriados que, a duras penas conquistaram pequenos lotes de terra, galgaram degraus na rígida e inflexível sociedade sertaneja agropastoril, graças ao algodão. A introdução de descaroçadores foi de suma importância para a dinâmica econômica da região sertaneja. Para o algodão mocó indicava-se o de rolo, enquanto para as espécies herbáceas utilizava-se o de serra. Campina Grande, localizada no Estado da Paraíba, foi beneficiada economicamente, de forma espetacular, quando Cristiano Lauritzen introduziu descaroçador de algodão e passou a aproveitar-se da produção sertaneja que demandava a Pernambuco, cujos tropeiros que conduziam fardos de algodão antes tinham na cidade apenas ponto de parada obrigatória. No presente, experiências genéticas que resultaram no algodão colorido denotam a invectividade dos pesquisadores da EMBRAPA a fim de revitalizar o produto na economia local. O colonialismo inglês ocupou terras possuidoras de histórias milenares, como a Índia e o Egito, transformando-as em
imensos algodoais, bem como aproveitando áreas geográficas próximas a fim de fomentar transações comerciais, a exemplo das que foram efetivadas com o sul dos EUA escravocrata e monocultor, dedicado de forma extraordinária à cultura algodoeira. A distância separando o sul dos EUA da Inglaterra minimizava extraordinariamente os custos com o transporte da matéria-prima indispensável ao funcionamento de suas orgulhosas indústrias têxteis. A guerra de secessão que ensanguentou o território norte-americano no início da década de sessenta do século XIX privou os ingleses de se abastecer com o algodão produzido no sul dos EUA. O drama conjuntural interno vivido pelos EUA suscitou a necessidade de buscar em áreas próximas o algodão de que tanto necessitavam, fazendo com que o sertão nordestino vivesse dias de glória. A demanda externa mostrou-se tão proeminente que diversas áreas dedicadas ao plantio da cana-de-açúcar passaram a cultivar o algodão. Os ingleses interessaram-se de tal forma pela qualidade do algodão produzido no sertão nordestino que diversas iniciativas foram fomentadas, a exemplo da construção de ferrovias, levadas avante pela Great Western Company. O objetivo era minimizar a depreciação do produto, transportado em tropas de burros. Mesmo depois que a situação de beligerância nos EUA tranquilizou-se, em razão da qualidade do algodão sertanejo houve ênfase à procura externa pela excelente matéria-prima produzida na região nordestina. A desaceleração da demanda externa deu ênfase ao surgimento de indústrias têxteis de pequeno porte, cuja produção visava atender ao mercado interno. O Julho/Agosto/Setembro/2015 |
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tecido de chita, popularizado no nordeste brasileiro, exemplifica a forma alternativa que se exponencializou para absorver a produção algodoeira local. A atenção do governo também se destacou quando da instalação de diversas Estações Experimentais, ligadas de início ao Ministério da Agricultura e depois à EMBRAPA, sendo que a do Seridó norte-riograndense era uma das mais importantes, tendo em vista os estudos de melhoria genética levados avante pelo agrônomo Carlos Faria, entre outros estudiosos. O algodão passou a ser sinônimo de melhor qualidade de vida, principalmente
no semiárido. A colheita e comercialização do algodão eram sinônimos de melhores alentos para boa parte da sofrida população de ermos esquecidos localizados no Nordeste Brasileiro. As quermesses, períodos juninos e festas de padroeiros espalhadas pelo interior do Nordeste eram mais animados quando a população sertaneja que se dedicava à cotonicultura contava com o dinheiro apurado com a venda do algodão. Era uma festa quando os pais chegavam em casa, sorridentes, alegres, contando o que haviam conseguido com a venda da safra. Exemplo da importância do algodão para
a economia regional observou-se no Estado da Paraíba no século XX, pois quando das discórdias envolvendo o “Coronel” José Pereira Lima e o Presidente João Pessoa, a tributação exorbitante sobre a produção sertaneja, sobretudo a referente ao algodão, determinou um dos motivos para a deflagração da guerra de Princesa em 1930. O algodão esteve presente, de forma indissociável, na vida social e econômica sertaneja, até meados da década de oitenta do século XX, quando a praga do bicudo acabou com a importante atividade cotonicultora e definiu uma das maiores crises enfrentadas pela região. g
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COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – Nº 9, Nº 11 Abelardo Jurema Filho – Nº 5, Nº 11 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Aldo Di Cillo Pagotto – Nº 8 Aldo Lopes Dinucci – Nº 9 Alessandra Torres – Nº 9 Alexandre de Luna Freire – Nº 1 Álvaro Cardoso Gomes – Nº 5 Américo Falcão (In Memoriam) – Nº 9 André Agra Gomes de Lira – Nº 1 Andrès Von Dessauer – Nº 7, Nº 8, Nº 9, Nº 10, Nº 11 Ângela Bezerra de Castro– Nº 1, Nº 11 Anna Maria Lyra e César – Nº 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – Nº 8 Antônio Mariano de Lima – Nº 4 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, Nº 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Berilo Ramos Borba – Nº 3 Boaz Vasconcelos Lopes – Nº 7 Camila Frésca – Nº 5 Carlos Alberto de Azevedo– Nº 4, Nº 6, Nº 11 Carlos Alberto Jales – Nº 2 Carlos Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5 Carlos Pessoa de Aquino – Nº 5 Chico Viana – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, – EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014, Nº 10 Ciro José Tavares – Nº 1 Claúdio José Lopes Rodrigues – Nº 5, Nº 6 Cláudio Pedrosa Nunes – Nº 7 Cristovam Buarque – Nº 10 Damião Ramos Cavalcanti – Nº 1, Nº 11 Diógenes da Cunha Lima – Nº 6 Durval Ferrreira – Nº 7 Eilzo Nogueira Matos – Nº 1, Nº 4, Nº 7 Eliane de Alcântara Teixeira – Nº 6 Eliane Dutra Fernandes – Nº 8 Érico Dutra Sátiro FernandesNº 1, Nº 9 Ernani Sátyro (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014, Nº 7, Nº 11 Eudes Rocha –Nº 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/ Maio/2014, Nº 8 Evandro da Nóbrega- Nº 2, Nº 4, Nº 6, Nº 11 Ezequiel Abásolo – Nº 8 Fábio Franzini – Nº 7 Firmino Ayres Leite – Nº 4 Flamarion Tavares Leite – Nº 8 Flávio Sátiro Fernandes – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, EE/ Augusto dos Anjos/Novembro/2014, Nº 7, Nº 8, Nº 9, Nº 10, Nº 11 Flávio Tavares – Nº 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) Nº 2Francisco Gil Messias – Nº 2, Nº 5 Gerardo Rabello – Nº 11 Giovanna Meire Polarini – Nº 7 Glória das Neves Dutra Escarião – Nº 2 Gonzaga Rodrigues – Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 11 Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins – Nº 4, Nº 8 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – Nº 11 Itapuan Botto Targino – Nº 3 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – Nº 4
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Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – Nº 6 Joaquim Osterne Carneiro – Nº 2, Nº 4, Nº 7, Nº 9, Nº 11 José Américo de Almeida (In Memoriam) – Nº 3, Nº 10 José Jackson Carneiro de Carvalho – Nº 1 José Leite Guerra – Nº 6 José Mário da Silva Branco – Nº 11 José Octávio de Arruda Melo – Nº 1, Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 9 José Romero Araújo Cardoso – Nº 2, Nº 3, Nº 10, Nº 11 Josemir Camilo de Melo – Nº 11 Josinaldo Gomes da Silva – Nº 5, Nº 10 Juarez Farias – Nº 5 Juca Pontes – Nº 7, Nº 11 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Nº 7 Luiz Fernandes da Silva- Nº 6 Machado de Assis (In Memoriam) – Nº 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Marcela Ferreira Lopes – Nº 10, Nº 11 Marcelo Deda (In Memoriam) – Nº 4 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – Nº 1 Maria do Socorro Silva de Aragão – Nº 3, Nº 10 Maria José Teixeira Lopes Gomes – Nº 5, Nº 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – Nº 3, Nº 9 Mário Glauco Di Lascio – Nº 2 Martinho Moreira Franco – Nº 11 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – Nº 4 Milton Marques Júnior – Nº 4 Moema de Mello e Silva Soares – Nº 3 Neide Medeiros Santos – Nº 3, Nº 6 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – Nº 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – Nº 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - Nº 6 Oswaldo Meira Trigueiro –Nº 2, Nº 5, Nº 6,Nº 7, Nº 9, Nº 10 Otávio Sitônio Pinto – Nº 7 Paulo Bonavides – Nº 1, Nº 4, Nº 5, Nº 9, Nº 10 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/ Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – Nº 3 Raúl Gustavo Ferreyra – Nº 5 Raul Machado (In Memoriam) – Nº 4 Renato César Carneiro – Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/ Maio/2014, Nº 7, Nº 9 Ricardo Rabinovich Berkmann – Nº 5 Roberto Rabello – Nº 11 Severino Ramalho Leite – Nº 4, EE/ Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Socorro de Fátima Pacífico Vilar – Nº 10 Tarcísio Meira César (In Memoriam) - Nº 11 Thanya Maria Pires Brandão – Nº 4 Tiago Eloy Zaidan – Nº 11 Verucci Domingos de Almeida – Nº 5, EE/ Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/ Novembro/2014 Walter Galvão – Nº 3, Nº 9 Wills Leal – Nº 2, Nº 7 EE=Edição Especial
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