REVISTA

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A IMPORTÂNCIA DO COMPLEXO CUREMA MÃE D´ÁGUA Emmanuel Rocha Carvalho

ORAÇÃO AOS BACHAREIS DO OESTE POTIGUAR Paulo Bonavides

A MORTE DE JOÃO SUASSUNA Rostand Medeiros

ADYLLA, SEM MAIS NADA Flávio Sátiro Fernandes

DISCURSO DE POSSE NA ABL

Assis Chateaubriand

Boas Festas e Feliz Ano Novo

ISSN: 2357-8335

R$ 15,00

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AndrĂŠ Vidal de Negreiros Um Heroi da PĂĄtria

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CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

A cada final de ano, renovam-se as esperanças de todos, quanto à chegada de uma nova era de paz, de tranqüilidade, de bem estar e de progresso para toda a humanidade, longe das contrariedades sofridas no período findo, tais como as que estamos vivendo, presentemente, quer nos países estrangeiros quer entre nós, com a ameaça terrorista pairando indistintamente sobre os povos, ou os desastres naturais, às vezes, não tão naturais, como o que sofreu o Brasil e, mais particularmente, a gente mineira, de Mariana e municípios vizinhos, quando se viu a destruição total ou parcial de pequenas povoações, com acentuados prejuízos materiais, assim como de vítimas humanas, como igualmente o desaparecimento de animais. Porém, menos do que de desespero, o tempo é de esperança; menos do que de desalento, o tempo é de confiança; menos do que de depressão, o tempo é de afirmação. Daí a mensagem que estampamos em nossa Capa, almejando a todos os nossos leitores, a todos os paraibanos, a todos os brasileiros, um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo, plenos de desejos realizados, de sonhos concretizados, de ambições conquistadas. GENIUS publica neste número matérias, como sempre, da maior significação e do maia acendrado interesse para todos que se dedicam ao estudo de nossa Paraíba e do nosso Brasil, em diversos aspectos, tais como, economia, ciência política, literatura, cinema etc. cuja leitura nos parece atraente, útil e agradável. Assim temos, dentre outros textos, notas sobre a importância do complexo Curema-Mãe D´Água, responsável pelo abastecimento de um grande número de cidades paraibanas; a página de cinema, assinada pelo crítico Andrès Von Dessauer; as palavras dirigidas aos Bachareis do Oeste potiguar, concluintes da Faculdade de Direito de Paus dos Ferros, no Rio Grande do Norte; o episódio histórico e dramático da morte do Ex-Presidente João Suassuna, no Rio de Janeiro. Esperamos que todos façam bom proveito da temática aqui inserida, renovando os votos de Boas Festas e Próspero Ano Novo.

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EGO E ALTER EGO NAS TELAS Andrès von Dessauer

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TESSITURAS Elizabeth Marinheiro

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A IMPORTÂNCIA DO COMPLEXO CUREMA-MÃE D’ÁGUA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOECONÔMICAS Emmanoel Rocha Carvalho

Muito obrigado.

Outubro/Novembro/Dezembro/2015 - Ano III Nº 12 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 9981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora

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A CONSTITUIÇÃO DE 11 DE JUNHO DE 1947

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FRAGMENTOS IMPRESSIONISTAS Carlos Alberto Jales

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DIÁRIO DE BORDO – O LEGADO DE JACQUES DROUVOT: UM ROMANCE DE AVENTURAS? Neide Medeiros Santos

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ORAÇÃO AOS BACHAREIS DO OESTE POTIGUAR Paulo Bonavides

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A MORTE DE JOÃO SUASSUNA Rostand Medeiros

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ASSOMBRAMENTO - HISTÓRIA DO SERTÃO Afonso Arinos

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ADYLLA, SEM MAIS NADA Flávio Sátiro Fernandes

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DISCURSO DE POSSE Assis Chateaubriand

CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA

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COLABORAM NESTE NÚMERO: 4

AFONSO ARINOS – In Memoriam (1868-1916) [Assombramento – História do sertão] Célebre escritor mineiro, autor de Pelo sertão e Histórias e Paisagens, conjunto de narrativas que retratam o “sertão”, que, tempos depois seria o palco das estórias de João Guimarães Rosa, de quem foi, com certeza, precursor. ANDRÈS VON DESSAUER [Ego e Alter Ego nas telas] Mestre em economia e ciência política, pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematográfico no triângulo Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa, sobre filmes “cults”. Articulista em vários periódicos brasileiros. ASSIS CHATEAUBRIAND – In Memoriam (1892-1968). [Discurso de posse na ABL] Jornalista, professor, Embaixador brasileiro em Londres, chefiou a maior cadeia brasileira de jornais, rádios e TV, até os anos 60. Idealizador e criador do Museu de Arte de São Paulo (MASP). CARLOS ALBERTO JALLES [Fragmentos impressionistas] Professor de Filosofia da UFPB, poeta, ensaísta. ELIZABETH MARINHEIRO [Tessituras] Professora Emérita da Universidade Federal da Paraíba. Especializada em Linguística, é, na atualidade, o maior nome da Crítica Literária em nosso Estado. EMMANOEL ROCHA CARVALHO [A importância do complexo CuremaMãe D’água: Considerações históricas e socioeconômicas] Professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba, escritor, historiador, biógrafo, é autor de livro sobre o tema abordado neste trabalho.

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FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [O fundador da Cadeira 21] Escritor, romancista, poeta, historiador. É Membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Ottoni (MG) e do Instituto Histórico de Campina Grande. É autor da História Constitucional da Paraíba e da História Consti¬tucional dos Estados Brasileiros, este último elaborado em parceria com o Professor Paulo Bonavides. NEIDE MEDEIROS SANTOS [Diário de Bordo – o legado de Jacques Drouvot: um romance de aventuras?] Professora, ensaísta e autora de inúmeros estudos literários, com ênfase na literatura infanto-juvenil. PAULO BONAVIDES [Oração aos Bachareis do Oeste Potiguar] Professor Emérito do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará. Doutor Honoris Causa por Universidades de vários países. Autor de uma ampla bibliografia em que se destaca o CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, em 30ª edição, pela Editora Malheiros. Por essa mesma editora lançou, recentemente, História Constitucional dos Estados Brasileiros, em parceria com o Professor Flávio Sátiro Fernandes. ROSTAND MEDEIROS [A morte de João Suassuna] Historiador e pesquisador norteriograndense, dedicado a pesquisas sobre a participação da aviação brasileira na segunda guerra mundial, notadamente em Natal (RN) e sobre cangaço e outros aspectos históricos do seu Estado e do Nordeste.


CINEMA EGO E ALTER EGO NAS TELAS Andrés von Dessauer Muito já foi escrito sobre o ‘ego’ e o ‘alter ego’. Há, inclusive, quem diga que alguns escritores, como Monteiro Lobato por meio de sua Emília, alforriaram, na literatura, seus respectivos alter egos. Na Sétima Arte a relação entre o eu (ego) e o outro eu (alter ego) também foi bastante explorada, mas, talvez nunca tenha estado tão explícita quanto nos filmes ‘CLUBE DA LUTA’ (1999) e ‘ A GAROTA INTERROMPIDA’ (2000). O curioso é que, apesar da temática freudiana em comum, esses dois trabalhos trazem consigo características próprias. Tanto que, se no CLUBE ‘ego’ e ‘alter ego’ restam consolidados em um mesmo indivíduo (Norton e Pitt), na GAROTA essas vertentes da psique se subdividem em duas personagens completamente distintas (Ryder e Jolie). E como os dois textos a seguir intitulados: “Clube da Luta X Consumo” e “A Garota Interrompida e seu Alter Ego ” dissertam sobre os referidos filmes, espera-se que o leitor possa, do cotejamento dessas redações, se deleitar com as peculiaridades de cada longa. A GAROTA INTERROMPIDA e seu alter ego Baseado no ‘best-seller’ da escritora Susanna Kaysen, internada em 1967 em um hospital psiquiátrico, ‘A GAROTA INTERROMPIDA’ (de James Mangold, 1999) se revela um drama biográfico, tendo como argumento o ‘transtorno borderline’ (CID-10). O filme tem como pano de fundo a quase sempre tumultuosa passagem da adolescência para a vida adulta. E interromper a vida de uma jovem via seu ingresso em um hospital psiquiátrico é uma forma de tornar mais caótico esta transição. Nesse caso, a protagonista Susanna (Winona Ryder) descobre na psicopata Lisa, interpretada por Angelina Jolie (Oscar e Globo de Ouro), seu alter ego, e se deixa levar por esta forte personalidade até o limite (‘borderline’) da sociabilidade. Mas alter egos possuem, quase sempre, corações frios e a indiferença de Lisa acaba sendo responsável pela segunda interrupção de Susanna. Essa última ruptura seria a reconquista do ego como sujeito de suas ações e traz Susanna de volta para a sociedade. Interessante observar que junto com a segunda interrupção, o hospital,

até então uma ameaça, se transforma em aliado. No entanto, vale destacar que ‘A GAROTA INTERROMPIDA’ perde em dramaticidade e originalidade contra ‘O CLUBE DA LUTA’, lançado no mesmo ano (1999), pois, para os que aceitam que o ego e alter ego vivem realidades distintas, o referido ‘CLUBE’ aborda essa dicotomia com mais profundidade. O CLUBE DA LUTA X consumo Recepcionado como um trabalho de apologia à violência o filme “CLUBE DA LUTA’ de David Fincher (1999) em realidade tem, como argumento principal, uma crítica mordaz ao consumismo. Com efeito, resta evidente, nesse longa, a construção de uma filosofia voltada à rejeição do supérfluo. E, para defesa dessa corrente de repulsão, tem-se a criação de um exército forjado pela dor, comandado pelo ‘ego’ e ‘alter ego’ de Jack (protagonizados por Edward Norton e Brad Pitt). Como personagem principal Jack, fragmentado em dois, descobre que participar, na qualidade de voyeur, da dor alheia já não lhe traz satisfação. E, só com a entrada do seu ‘alter ego’ (Tyler), esse personagem consegue, através da dor física e da rejeição à ditadura do consumo, encontrar sentido na vida. Assim, embora não economize em sangue e torções, vê-se que o referido ‘CLUBE’ não tem qualquer pretensão de servir como estudo analítico sobre a violência (tal qual ocorre com o alemão ‘A ONDA’ - 2008). No Brasil, todavia, o rótulo de ‘violento’ se tornou quase inamovível após o trágico episódio, com vítimas fatais, no qual um jovem armado, atirando a esmo, irrompeu em uma das salas que exibia a película em um shopping paulista. Porém, quem consegue ultrapassar esse estigma vê que o trabalho se revela um verdadeiro manifesto visual contra a sociedade de consumo. Em seu imprevisível roteiro, o cineasta Fincher trabalha com extrema ironia, ao transformar o sonho de se tornar rico e poderoso em um pesadelo do qual Jack só ‘acorda’ após receber um soco de seu próprio ‘alter ego’. E, de tão efetivo, esse procedimento, a princípio bestial, passa a ser compartilhado com um número crescente de indivíduos que, igualmente, não encontram satisfação no consumo. Até porque, por mais desejo que tenham despertado, os

bens adquiridos não costumam, sem prévia programação, interagir com seu possuidor. Sem falar que, ao estar sujeito aos modismos, o prazo de validade desses objetos é, invariavelmente, curto, impedindo, assim, o surgimento de qualquer vínculo emocional ou mesmo a construção de uma memória afetiva. Nesse ‘Clube’, aliás, uma simples viagem de metrô possibilita momentos de pura iconoclastia quando, em baixo da terra, os dois rebeldes sublinham a distância entre os modelos masculinos que habitam outdoors da moda e os homens reais moldados pela dor. Mas, talvez ser inalcançável explique o fato de ser desejável e essa interpretação traz à tona a filosofia do hegeliano Ludwig Feuerbach, para quem “o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado”, ou seja, ficção e religiosidade bebem da mesma fonte. Ademais, considerando que a produção do sabão tem como matéria prima o corpo humano, as pessoas estariam consumindo parte de sua própria individualidade. Mas, a veia irônica vai além, pois, esse mesmo produto, mais tarde, passa a ser matéria prima para a produção de dinamite, deixando evidente a capacidade humana de autodestruição. Única mulher na película, Helena Bonham Carter (no papel de Marla Singer) apesar de ser a rebelde mais extremista é, também, a mais coerente. Além disso, em nenhum momento Marla questiona seu comportamento e só se junta ao núcleo protagonista para efetivar o ‘Projeto Destruição’. Batalha que tem como solução final (‘Endloesung’) a destruição da moeda de plástico, instigadora, por excelência, das ilusões mercantis. De fato, a violência física presente no filme se mostra menos invasiva que a agressão de criar falsas necessidades e induzir pessoas a comprarem aquilo que não precisam. E o mais irônico é que essa mensagem chega por meio de uma película que, não deixa de ser uma fonte de consumo. g Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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LITERATURA

TESSITURAS Elizabeth Marinheiro

Faz um ano que Quaderna foi descobrir outros Impérios! Mas, se perdi um dos meus melhores Amigos, contento-me com vê-lo traduzido mundo inteiro. Quero homenageá-lo com este Posfácio que me honrará “ad infinitum”: “Prezada Elizabeth Marinheiro/Recife, 4 de julho de 1976. Li com atenção a tese que você escreveu sobre “A Pedra do Reino”. Gostaria de discutir pessoalmente com você todas as observações e sugestões que me ocorreram na leitura. Infelizmente não temos tempo para isso, de modo que me limito, agora, a relacionar, para você, os tópicos que mais me agradaram: o resto fica para depois. É claro que aquilo que passo a dizer tem origem unicamente no gosto arbitrário do autor — e dizem os entendidos, ao que parece, que o autor é quem menos entende de seu trabalho. Feita esta ressalva aos entendidos, passo, porém, a externar minhas arbitrárias opiniões de autor sobre o que você disse a respeito do meu livro. Não acho que o Movimento Regionalista de 26 tenha se interessado pelos ciclos temáticos da Literatura de Cordel. O estudo do Romanceiro Popular do Nordeste já vinha sendo feito, muito antes, principalmente por Sylvio Romero e nisso os regionalistas, ao contrário, passaram de lado por um assunto de enorme importância para mim, o que fizeram por causa do neo-naturalismo sociológico, colocado em moda por Gilberto Freyre e que, por natureza, se opunha à visão “mitopoética” de um Guimarães Rosa, por exemplo. Assim, na sua tese, o que me pareceu admiravelmente bem apanhado foram observações como, por exemplo, a de que o mundo do “Romance d’A Pedra do Reino” é um mundo “em que a aparência afirma-se como realidade, onde a ilusão é recebida e é expulsa... onde os jogos do ser e do parecer eliminam as horizontalidades e acabam por instaurar os para-baixo e os para-cima”.

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É verdade, também, que eu quis «mostrar o homem em toda sua dimensão» — e é por isso que jamais meu universo pode ser bem entendido por um crítico que use viseira, seja ela qual for, política, psicológica, religiosa, filosófica, jornalista etc. Para entender e aceitar meu universo, o crítico só pode usar uma viseira: a caleidoscópica, isto é, a que seja, ao mesmo tempo, sociológica, mítica, psicológica, poética, política, filosófica; religiosa, jornalista, etc. É o que você chama, muito bem, de “simultaneidade”, tendo eu achado excelente a observação de que, no meu mundo, “o esplendoroso e o grotesco parecem esconder um propósito mítico”. Gostei muito, também, da observação de que, na minha visão de mundo, “busca-se Deus em postura de triunfo ou em atitude de miséria”. Já escrevi, certa vez, que, de fato, meu assunto único é Deus e a traição contínua que minha vida constitui a ele. Na página em que você se refere a uma possível “comparação de Suassuna com outros representantes neo-regionalistas”, acho que a palavra outros pode induzir a crer que eu seja um dos “representantes neo-regionalistas” — o que não acredito: Aliás, você parece estar de acordo comigo, pois fala em que uma das minhas tentativas é “conferir à realidade a perfeição e beleza de que ela necessita — embelezando-a ou enfeando-a até as fronteiras da irrealidade”. Isto me pareceu muito bem observado, e não acredito que seja aplicável a nenhum regionalista ou neo-regionalista. Acho que de fato o que eu tento é exacerbar a beleza e a feiura para intensificar o real através de uma integridade mais alta, onde a beleza e a feiura sejam antes complementares do que contraditórias. Gostei também da observação sobre a “Ars Poética” e a “assimilação da literatura popular pela literatura erudita”: um dos motivos pelos quais fiz isso foi para tentar o exercício e a fusão de tantas “tendências estilísticas simultâneas quantos são os diversos “suportes de cultura” brasileira, nos

termos do que li na sua tese. Excelente a observação sobre o meu processo de “colagem” (pg. 7). Um amigo meu, que é entendido em crítica e outras agudezas, me disse que eu, sem querer e sem saber, fiz, com isso, do “Romance d’A Pedra do Reino”, inclusive e entre outras coisas, um romance formalmente “de vanguarda”. Será verdade? Não sei, e você saberá avaliar melhor do que eu, que não sei o que é sintagma nem paradigma. Concordo em que eu tento “decifrar mistérios: o mistério da terra e do homem brasileiros”, ou melhor, o mistério da terra e do homem através da terra e do homem brasileiros. É por isso que achei ótima a observação de que tenho “uma visão dramática do mundo” e quero “comunicá-la”. No meu teatro, é clara a intenção moralizante: no romance, acho que não. Excelente a observação de que Antonio Morais, personagem de “A Pedra do Reino”, já aparecia no “Auto da Compadecida”, escrito cm 1955. Um personagem como Frei Roque, de “O Casamento Suspeitoso”, peça escrita em 1957, reaparece em “A Coveira e a Catarina” e n’0 Rei Degolado”: como você vê, o universo mítico do Taperoá poético e literário já vinha sendo levantado desde 1947, quando escrevi minha primeira peça, pois a ação de toda a minha obra teatral e novelística tem esse Taperoá real e mítico como palco. Por isso achei ótimas as observações sobre o “Sertão enquanto partícula do Universo”, “rotunda que esconde uma cosmovisão em que trágico e cómico são faces do mesmo signo». Certos críticos de viseira curta afirmam que eu «embelezo» ou «enobreço» o Sertão para esconder sua pobreza e feiura. Foi por isso que “fiquei profundamente tocado por você enxergar que, em mim, a esperança não é gratuita e irresponsável, é posterior à agonia.” Há, em mim uma visão trágica e pessimista do mundo e do homem — o que só não me leva ao desespero porque, como você viu


muito bem, eu me proponho «à modificação da realidade», entre outras coisas pelo messianismo castanho, político, profético e mítico da Rainha do Meio-Dia. A respeito da página 16, a “pureza” de Clara tem uma contraface, um reverso, mas isso só aparecerá nitidamente depois, nos romances posteriores, e você não podia adivinhar. Sobre aquela espécie de supra-Iógica do “Romance d’A Pedra do Reino” — supra-lógica subjacente em toda obra poética — gostei muito quando você diz que, no livro, “o fascínio do alógico nos mostra o mito e a iluminação como formas de pensar e dizer atemporais”. Como contrapartida a essa visão supra-lógica, acho que existe, em mim, na ironia crítica que me traz de vez em quando àquelas “constatações da realidade” que você observou. Outro dado a examinar sobre isso seria o seguinte: o fato de a história ser narrada por Quaderna, e não por mim, confere ao livro uma possibilidade real, uma quantidade de real, muito maior, a meu ver, do que aquela que aparece nos romances do “realismo mágico”, os de fala espanhola, com os quais tenho pouco a ver. Nós, os brasileiros, somos mais realistas do que mágicos, ocorrendo o contrário com

eles. Quem narra a ação de «Cem Anos de Solidão» é seu autor, que, assim, assume as «mágicas» que nela aparecem. Quem narra “Grande Sertão” é Riobaldo; quem narra “O Coronel e o Lobisomem” é Ponciano; quem narra “A Pedra do Reino” é Quaderna: assim, o que aparece de mágico, aí, pode ser sonho, ou alucinação, ou astúcia dele — e é isso que, a meu ver, permite-lhe a bi-polaridade entre o realismo fantástico e o realismo crítico. Talvez nisso eu me aparente com um dos mestres a quem mais amo e admiro — Gógol. Foi por isso que achei excelente a interpretação sobre o uso do fantástico, entre outras coisas como “instrumento de combate e proposta de denúncia”. A meu ver, o fantástico, em mim, não tem uma das três funções referidas na página 29: tem as três ao mesmo tempo. Mas esta carta já vai muito longa, de modo que vou terminá-la dizendo que se fosse comentar tudo o que você me sugeriu de bom, terminaria eu próprio fazendo uma tese; e bastariam as observações que você fez interpretando o livro como “uma viagem sem ponto de partida, nem ponto de chegada”, uma “trajetória labiríntica”, que leva

os personagens e o leitor para “depois da curva, depois da reta”, “depois da vida, depois da morte” — “enfim, a vida transfigurada pelo homem e com o homem em seu centro”, para justificar todo o seu trabalho de interpretação. Da mesma qualidade, do mesmo nível, são observações como a das páginas 85 e 92 sobre o sentido religioso da saída para o lajedo e o significado do tesouro. Muita coisa teríamos a conversar sobre as virações horripilantes da “gente agredida pelo sol que seca a terra”, sobre o Quinto Império, sobre a Utopia, sobre “o grande e último mito do Terceiro Mundo Global”, sobre a Rainha do Meio-Dia, coisas cujo alcance me admirou você ter entrevisto com tanta agudeza. Mas, como disse, seria um não acabar nunca. Assim só me resta agradecer o que você descobriu e escreveu e desejar que você receba, no concurso, da banca examinadora, a justa recompensa que merece por seu trabalho. Com o abraço grato de Ariano Suassuna.” E ao meu leitor, a saudade de ARIANO.

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(Transcrito do Jornal da Paraíba, edição de domingo, 09 de agosto de2015)

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HISTÓRIA/ECONOMIA A IMPORTÂNCIA DO COMPLEXO CUREMA-MÃE D’ÁGUA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOECONÔMICAS Emmanoel Rocha Carvalho

No ano de 1911 o Presidente Hermes da Fonseca – eleito pelo Partido Conservador-PRC, para o período 1910/1914 – autorizou a elaboração do mega projeto do empreendimento. Era Governador do Estado da Paraíba João Lopes Machado, eleito para o quadriênio 1908/1912. O projeto foi elaborado à época da antiga IOCS-Inspetoria de Obras Contra as Secas, criada em 1909 e tida como a mais adequada instituição para o enfrentamento dos problemas trazidos com as frequentes secas no Nordeste semiárido brasileiro durante longos anos. Contribuíram para a sua elaboração técnicos americanos ligados ao US Bureau of Reclamation, criado em 1902, agência americana voltada para abastecimento, irrigação e hidrelétrica no Oeste dos Estados Unidos. Cabia à IOCS os estudos, predomínio de levantamentos e reconhecimentos da área, de suas potencialidades e recursos naturais, missão de que se desincumbiu muito bem, chegando, na sua curta existência, a construir algumas obras estruturantes como estradas, pontes, pequenos açudes, perfuração de poços, dentre outras. Foi ela sucedida pela IFOCS - Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, através do Decreto 13.687/1919, com atividades ampliadas, a exemplo de construção de grandes reservatórios, de campos de pouso (aeroportos), portos, vilas operárias, escolas, além de serviços de eletrificação. Foi durante sua existência que grandes açudes públicos da região Nordeste foram construídos, marcados com a atuação de dois grandes presidentes, Epitácio Pessoa (eleito pelo Partido Republicano Mineiro PRM, período 1919/1922, em cujo governo autorizou-se a construção dos açudes Boqueirão de Piranhas e São Gonçalo, na Paraíba, cujas obras somente foram realizadas nos anos de 1932 a 1936) e Getúlio Vargas (eleito no primeiro governo pela Aliança Liberal - AL, período 1930/1945 e, no segundo governo, pelo Partido Traba-

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lhista Brasileiro - PTB, período 1951/1954, quando se suicidou). O PROJETO CUREMA-MÃE D’ÁGUA Por motivos até hoje não bem esclarecidos, o governo de Epitácio Pessoa não foi o responsável pela partida inicial da implementação do projeto, o maior elaborado para a região Nordeste, contemplando, em especial, represamento de águas, perenização de rios e irrigação. A sede do projeto – hoje Coremas (PB), no alto sertão – dista 403 km da capital. Elaborado no governo de Hermes da Fonseca, durante muitos anos o projeto esteve arquivado. Somente no governo de Getúlio Vargas ele foi lembrado e enquadrado no Plano de Ação do presidente, assim mesmo, de forma tardia, certamente por força do volume de recursos que demandaria a sua execução, uma vez que outros projetos menores, no estado, foram ali contemplados (Boqueirão de Piranhas, atual Barragem Engenheiro Ávidos, com capacidade nominal de represamento de 255 milhões de m3, iniciado em 1932 e concluído em 1936, no então município de Cajazeiras, e São Gonçalo, com capacidade nominal de represamento de águas de 44,6 milhões de m3, iniciado em 1932 e concluído em 1936, no município de Sousa). No meu entendimento, a inclusão do projeto do complexo Curema-Mãe d’Água no Plano de Ação do presidente Getúlio Vargas deveu-se ao empenho do grande estadista paraibano José Américo de Almeida, que era Ministro da Viação e Obras Públicas. O projeto Curema-Mãe d’Água era gigante, formado por dois grandes açudes, o de Curema, com quatro barragens de terra (a maior, com l.550 ms, com uma proteção interior de uma cortina central de concreto armado, e revestimento de cimento em toda extensão, a montante; e com capacidade nominal de represamento de águas de 720,0 milhões de m3) e o de Mãe d’Água, com uma única barragem, de concreto ciclópico

(com capacidade nominal de represamento de 638,0 milhões de m3), sendo que esta seria o sangradouro do referido complexo hídrico. Para se ter uma ideia da dimensão do referido complexo (1,36 bilhão de m3) é bastante reportar-se à capacidade da barragem Gramame/Mamuaba, no município do Conde, de 56,9 milhões de m3, e que abastece cerca de 60% da região metropolitana da capital do estado, aqui entendida como João Pessoa, Cabedelo e grande parte de Bayeux. Vale esclarecer que a referida barragem recebe águas, também, de rio perenizado. DADOS TÉCNICOS DA BARRAGEM DE CUREMA O coroamento (extensão) da barragem principal, como foi visto, é de 1.550ms; a bacia hidráulica é de 5.950 ha; a bacia hidrográfica é de 6.840 km2 e a altura máxima é de 47ms; o volume de terra zoneada com cortina central de concreto armado é de 2.687.530 m3. Com a inclusão das três barragens auxiliares, são acrescentados – embora dispersos - ao coroamento 945ms e ao volume, 76.040m3 de terra; o rio barrado é o Rio Piancó. Os dados sobre a bacia hidrográfica – área captadora das chuvas, cujas águas são direcionadas para a barragem - vêm sendo hoje contestados, havendo informações oficiais que levaram o escritor Francisco Teotônio de Sousa a registrar no seu livro PIANCÓ – O Pequeno Grande Rio - edição da Editora Universitária, da UFPB, João Pessoa, 2008 - que a mesma é de 9.242,75 km2. Entendo que o atual desenvolvimento tecnológico concernente confere mais credibilidade aos atuais instrumentos de medição (o projeto data do início do século passado). A bacia hidráulica é aquela formada pela lâmina d’água represável/represada, de medição pouco menos complexa. OBJETIVOS DO PROJETO DO COMPLEXO

Dentre tantos objetivos, o projeto do complexo focava a perenização dos rios


Piancó, Aguiar e Piranhas, na Paraíba, e Açu, no Rio Grande do Norte, bem assim a irrigação das várzeas de Sousa, na Paraíba, então estimadas em 20.000ha, e das várzeas do baixo vale do Açu, no Rio Grande do Norte, estimadas em 25.000 ha. O foco central do plano era dirigido para o barramento do Rio Piancó, com nascente no riacho Santa Inês, ao sopé da serra da Baixa Verde, no hoje município de Santa Inês (PB), a 120 km do local onde seria construída a primeira grande barragem, de Curema, no boqueirão do mesmo nome, na Serra de Santa Catarina; numa segunda etapa, seria barrado o Rio Aguiar, com nascente no local Timbaúba, no então município de Itaporanga (PB), a 80 km da barragem de concreto a ser construída no boqueirão de Mãe d’Água, na mesma serra de Santa Catarina, a cerca de 3,7 km do boqueirão de Curema. Com a construção das várias barragens (quatro no açude Curema e uma no açude Mãe’dÁgua), as águas represadas destinarse-iam à dessedentação humana e de animais, irrigação, e perenização dos referidos rios, com o que se produziria alimentação barata, inclusive peixes, para as comunidades adjacentes e carentes, além de manter a população no interior dos sertões envolvidos (Paraíba e Rio Grande do Norte). Como a irrigação principal seria dirigida às várzeas de Sousa (e do baixo Açu), o projeto previa a construção de um canal para o açude de São Gonçalo, que alimentaria as necessidades aquíferas das referidas várzeas. Seria uma obra de elevado custo, mesmo porque contemplava construção de longo canal, de 45 km, com elevação e construção de túneis no percurso, estes com 15 km de extensão. A LONGA EXECUÇÃO DO PROJETO A história da IFOCS é rica de feitos marcantes, de estudos e obras estruturantes na região do semiárido do Nordeste brasileiro, por longo tempo esquecida. Para o êxito do seu grande papel, aquela inspetoria criou várias comissões técnicas, a exemplo da Comissão Técnica de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste, e Comissão Técnica de Piscicultura, em 1932. No ano de 1935 criou a Comissão do Alto Piranhas, para construir os açudes Curema e Mãe d’Água, e as primeiras obras de irrigação do açude São Gonçalo, além de trechos de estradas de Curema a Catolé do Rocha e Sousa a Curema, via São Gonçalo. Sua sede foi fixada em Curema. A execução do amplo projeto foi entregue ao Dr. Estevam Marinho, rio-grandense

do Norte, nomeado Chefe da Comissão do Alto Piranhas. Diferentemente do que muitos pensaram por longos anos, ele era geógrafo. Graduou-se engenheiro civil somente em 1948, juntamente com o seu filho Luciano Marinho, em Recife (PE), em pleno exercício da chefia daquela referida Comissão. O local escolhido para a construção do primeiro dos dois grandes açudes foi o boqueirão de Curema, juntinho do povoado Boqueirão de Curema. Acredito que o nome Curema se traduza numa homenagem à valente tribo Coremas, da nação Cariri, que teria povoado, nos séculos XVI e XVII, parte do estado de Pernambuco e extensa região do Vale do Piancó, chegando até os boqueirões da Serra de Santa Catarina. No capítulo I, “Da povoação de Curema ao início da construção da barragem”, do livro BARRAGENS DE CUREMA E MÃE D’ÁGUA – Nos bastidores da construção, edição do Autor, João Pessoa, 2013, de minha autoria, procurei mostrar, claramente, que o nome da barragem é Curema. Pelo Decreto-Lei 1.164, de 15 de novembro de 1938, o distrito de Curema tem sua denominação alterada para Coremas e este nome foi mantido na Lei 1.005, de 30 de dezembro de l953, que criou o município, cuja instalação se deu em 04.04.1954. A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE CUREMA – 1ª. ETAPA OPERACIONAL DO COMPLEXO Grandes dificuldades foram enfrentadas para a construção da grande barragem (local pobre, de diminuto povoamento (estimei, para o ano de 1935, uma população de 500 pessoas, com argumentos expendidos na minha obra citada), de estradas carroçáveis precárias e, como consequência, um pequeno comércio, desprovido de quase tudo, o que, de início, já se constituía num grande desafio para o Dr. Estevam Marinho. O Dr. Estevam Marinho partiu para as primeiras e acertadas providências. Logo instalou à margem esquerda do Rio Piancó, juntinho do boqueirão da Serra de Santa Catarina, o acampamento que abrigaria o sistema IFOCS-Curema, separado da sede do povoado, que ficava à margem direita do mesmo rio. Não pensou duas vezes, deu celeridade, entre as construções de obras de infraestrutura, à edificação de casas que viriam abrigar as famílias dos engenheiros e dos funcionários técnico-administrativos, além de 113 casas na vila operária, para pessoal semiqualificado; ao lado desses serviços, em 1936 foi criada a Cooperativa de Consumo dos Funcionários do DNOCS, e iniciados os trabalhos de escavação profun-

da no boqueirão, para a formação da base principal de fundação do açude Curema, no local onde hoje está a galeria. Em março de 1937 – às vésperas do início da construção da barragem, ocorrido em abril seguinte - estavam concluídos o projeto urbano e o de obras estruturais (construção do almoxarifado, casa de força, do escritório central, redes elétrica, hidráulica e sanitária, hospital e maternidade, grupo escolar, hotel, casa de hóspedes e grandes prédios e galpões para abrigar garagens e oficinas, instalação de serviços de radiotelegrafia e telefonia, além de linda capela, devotada a Santa Terezinha, para aliviar as carências espirituais dos moradores do acampamento. Na parte sócio-desportiva, segundo antigos moradores que residiram no citado acampamento, fazia gosto ver funcionar aquilo tudo previsto no projeto, mas de uma forma muito melhorada, graças à visão e o sentimento do Administrador Chefe: parque esportivosocial constituído de grande piscina, campo para tênis (segundo o tenista José do Patrocínio de Oliveira Lima, meu saudoso amigo e ex-colega no BB, o acampamento da IFOCS chegou a sediar, na década de 1940, campeonato Norte-Nordeste, na modalidade, o que me levou a admitir que o esporte chegou a Curema bem antes de chegar a João Pessoa), campo para vôlei e basquete, e clube social. O campo de futebol foi construído em espaço diferente, junto ao final da vila operária, nem por isso deixando de ser um primor. Ah, como deve ter sido bom aquele tempo! Faço tal juízo porque eu cheguei a utilizar os mesmos equipamentos comunitários a partir de 1947, já contando seis anos e frequentando a escola (Grupo Escolar Arrojado Lisboa). Ali vivi uma infância e adolescência feliz, junto dos meus pais, irmãos e amigos, estudando, brincando, pescando, caçando e criando pássaros. AS VANTAGENS DA CONSTRUÇÃO TARDIA DA BARRAGEM DE CUREMA

Como foi visto anteriormente, o projeto Curema-Mãe d’Água só foi desarquivado quando os projetos de Boqueirão de Piranhas e o de São Gonçalo estavam em adiantada execução, já próximos da finalização. Estes foram concluídos em 1936, e puderam liberar mão-de-obra experiente para a grande barragem de Curema (topógrafos, auxiliares de topografia, mecânicos, serralheiros, carpinteiros etc.). De outro lado, os projetos de Boqueirão de Piranhas e de São Gonçalo contrataram, no início da construção dos açudes, um número elevado de operários, porquanto foram utilizados trabaOutubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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lhadores atrelados a animais no transporte de materiais, durante boa parte da execução dos serviços. Esse transporte foi substituído nos dois últimos anos das construções por patrulhas mecanizadas, que foram parcialmente liberadas para o início da construção da barragem de Curema. Por isso, embora a execução do projeto tenha sido iniciada tardiamente, a barragem de Curema foi significativamente beneficiada, ao contar, de partida, com mão-de-obra qualificada e experiente, além de equipamentos modernos. Com os serviços de infraestrutura e de fundação concluídos - iniciados em 1935 e terminados em março de 1937 -, foi a construção da barragem iniciada, efetivamente, em 08 de abril de 1937, segundo o historiador Cristovam de Abreu, no seu livro CONJUNTO ESTEVAM MARINHO, edição dos familiares (sob a minha coordenação), João Pessoa, 2014. Na obra, são tratadas, em versos, as construções das barragens Curema e Mãe d’Água, sendo de destacar que o Sr. Cristovam exerceu, com competência, a função de topógrafo nas citadas barragens, tendo sido grande servidor da IFOCS/DNOCS por longos anos. De outro lado, considerada a grande dimensão do empreendimento, a IFOCS chegou a utilizar, conjuntamente, seis engenheiros, espalhados pelas diversas frentes de trabalho, no início da grande obra. Pelo gigantismo do empreendimento e dificuldades financeiras enfrentadas pelo país, com uma então economia focada, consideravelmente, na exportação de commodities agrícolas, a obra caminhava lentamente, mesmo porque, antes e durante muitos anos, o Nordeste semiárido do Brasil não era uma prioridade nacional. Era sempre lembrado – e quase somente isso – nos períodos de grandes estiagens, de mortes de pessoas e animais, dentre outras ocorrências nefastas. Somente na seca de 1877, que se estendeu a 1879 e que foi chamada de a “Grande Seca”, morreram mais de 500.000 pessoas no estado do Ceará e regiões circunvizinhas. A construção do complexo foi iniciada sob a administração da IFOCS, com o aparelhamento singelo, mas com a forte atuação em favor da referida região, calcada na competência dos seus servidores. A referida IFOCS recorria sempre ao US Bureau of Reclamation, dos Estados Unidos, para obter cooperação na solução de problemas técnicos enfrentados, já que aquele país contava com experiência no trato com região semiárida semelhante em alguns estados daquela grande Nação. E, o que é mais importante, socorria-nos e nos oferecia tecnologias novas na área. Um exemplo disso é sua participação na elaboração do projeto

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do complexo e o socorro que nos prestou no açude de Boqueirão de Piranhas, em 1972, para solução de problemas técnicos na barragem e no sangradouro. Em 1938, a IFOCS autorizou a instalação de um Laboratório de Solos e Concreto, no acampamento em Curema, que chegou a prestar serviços a obras da autarquia em outros estados do Nordeste brasileiro. Teria sido o primeiro laboratório da espécie no país, o que não consegui comprovar em pesquisas efetuadas. Instalou, também, um lindo e confortável prédio (para os padrões da época), onde eram exibidos filmes interessantes, em sessões noturnas, sem nada dever aos mostrados em regiões desenvolvidas do país. Era o Cine CAP (Comissão do Alto Piranhas), que muito frequentei na minha infância/adolescência. A barragem de Curema mereceu visitas de pesquisadores, turistas e autoridades nacionais, dentre elas os Presidentes Getúlio Vargas, em 16 de outubro de 1940, e Eurico Gaspar Dutra, em 01 de outubro de 1949; em Julho de 1955 visitou-a o Marechal Teixeira Lott, em campanha eleitoral para a presidência da República. Este a conheceu, quando veio inaugurar a barragem de Mãe d’Água e a hidrelétrica de Coremas, em 15 de janeiro de 1957. Com muitas dificuldades, a barragem de Curema foi concluída em 08.05.1942, sem festas e sem inauguração. Uma tristeza! Naquela época o país se encontrava envolvido com interesses, no meu entender, muito delicados, diante da ocorrência da 2ª. Guerra Mundial (1939/1945). Em fevereiro de 1942 o Brasil teve embarcações comerciais torpedeadas pelos países do Eixo, em represália à sua adesão aos compromissos da Carta do Atlântico, que previa o alinhamento automático com qualquer nação do continente americano que fosse atacada por uma potência extracontinental. Entendo importante registrar que ao término da construção da barragem, Coremas contava com população urbana em torno de 2.500 pessoas, bem superior ao número de 500 pessoas estimado por mim no início da obra, por ocasião da pesquisa realizada para a produção do livro Barragens de Curema e Mãe d’Água, já citado. De outro lado, como citado no mesmo livro, a Revista Brasileira dos Municípios (no. 30, ano VIII, 1955) informa que a população de Coremas era de 2.982. A justificativa que entendo para o número de 2.500 em maio de 1942, é que as obras do complexo estiveram paralisadas durante sete anos. Ao reinício das obras, com a construção do açude Mãe d’Água, pouca gente foi recrutada, cerca de 130

pessoas, segundo escreveu Raimundo Carvalho (mestre de obras naquela barragem, 1949/1957), em relatório manuscrito que produziu para mim, a partir da sua prodigiosa memória, aos 91/92 anos, informações contidas no meu livro citado. Por fim, registro que os insumos adquiridos pela autarquia responsável pela construção eram adquiridos, na expressiva maioria, em centros comerciais do estado e de estados vizinhos. É possível que tudo isso, naturalmente, tenha impedido um crescimento significativo da população entre 1942 e 1955. PARALISIA NA CONSTRUÇÃO DO COMPLEXO CUREMA-MÃE D’ÁGUA O projeto esteve paralisado durante vários anos, por motivos já conhecidos. Nem por isso o acampamento da IFOCS foi dissolvido. As casas permaneciam ocupadas, com o engenheiro Chefe e auxiliares qualificados e experientes, aguardando o reinício das obras do complexo, ou seja, a construção da barragem de Mãe d’Água. Foi um período de mansidão, de descanso para aqueles que deram tudo de si para verem construído o primeiro açude, que soltava águas pelas comportas, no período seco, e pelo Riacho Seco, afluente do Rio Aguiar, em tempo de chuvas – quando a barragem enchia -, para irrigar culturas ribeirinhas, da Paraíba ao Rio Grande do Norte. Os serviços de piscicultura eram ampliados; o açude recebia novos alevinos, com o que o povoamento total era composto de pirarucu, tucunaré, curimatã, piau, traíra, cangati, cascudo, apaiari e até (não sei porque) piranha. Tilápias e pescadas, só décadas depois. Caía por terra a esperança de levar águas do complexo para as Várzeas de Sousa, mesmo a longo prazo, em decorrência do enfraquecimento, durante a segunda Guerra Mundial, de várias nações compradoras de produtos da pauta das exportações brasileiras. Sob o ponto de vista técnico, até que foi válida a interrupção da construção do complexo. O projeto foi revisto e se chegou à conclusão que o encaminhamento das águas para as várzeas de Sousa, a partir da conclusão da barragem de Mãe d’Água, seria inviável, pela forma com que fora inicialmente planejado - via açude São Gonçalo -, devido ao alto custo das obras do canal e as dificuldades financeiras do país durante a guerra mundial antes referida. BARRAGEM DO AÇUDE MÃE D’ÁGUA – 2ª ETAPA OPERACIONAL DO COMPLEXO Dados técnicos da barragem


O coroamento (extensão) é de 175m; a bacia hidrográfica é de 1.128 km2; a bacia hidráulica é de 3.844 ha; a altura máxima é de 35 m; o volume de concreto ciclópico é de 95.100m3 e o rio barrado é o Rio Aguiar. O relatório produzido por Raimundo Carvalho, já citado, registra 45m para a altura da barragem e 95.000 m3 para o volume de concreto ciclópico, enquanto o relatório de Cristovam de Abreu - que serviu de base central do seu livro publicado, Conjunto Estevam Marinho – registra 49,05m para a altura e 91.242m3 para o volume de concreto ciclópico, isso tudo depois da barragem concluída. Sobre a bacia hidrográfica, fineza considerar as justificativas apresentadas logo após os dados técnicos da barragem de Curema. A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE MÃE D’ÁGUA “... em outubro de 1941, teve início a locação; em 1943, início da barragem em fundação e; e em 10 de outubro de 1948, a concretagem em ação”. Foi com esses três versos que o escritor e topógrafo Cristovam de Abreu ofereceu importantes informações à história da construção da barragem, no seu livro, já citado, Conjunto Estevam Marinho, informações essas não fornecidas nem tampouco confirmadas por antigos funcionários da IFOCS, em Coremas, à época da construção, nem no Distrito do DNOCS (que sucedeu à IFOCS), em João Pessoa, nem, ainda, na Sede do Órgão, em Fortaleza, em 2013, quando pesquisei bastante para a elaboração do meu livro já citado. Uma lástima! Não duvido das palavras do incansável e competente topógrafo Cristovam de Abreu. Pelo contrário, tenho muita crença nelas e louvação em tudo que ele fez. Isso tanto é verdade que incluí o seu nome numa diminuta e muito bem selecionada lista de HOMENS ÍNTEGROS, no meu último livro, recém editado, VANDONY DANTAS – Um exemplo de integridade. Era Cristovam de Abreu um homem honrado, competente e simples. Muito respeitado. Era também, sem fazer alardes, sobrinho do grande historiador Capistrano de Abreu, de muitas obras publicadas e um dos mais respeitados e antigos escritores sobre a história do Brasil. Pelo espaçamento das datas citadas pelo Sr. Cristovam, há de se imaginar que a obra também foi atingida por paralisações, certamente por escassez de recursos financeiros. Em 28 de dezembro de 1945, pelo Decreto-Lei 8.486, é criado o DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, sucedendo à IFOCS. O DNOCS nasceu com enriquecido acervo de obras e estudos técni-

cos e científicos das antigas IOCS e IFOCS. A novel Instituição (considerada secular, computando também os anos de funcionamento de suas antecessoras), outrora prestigiada e atuante no semiárido nordestino, encontra-se hoje sem o necessário apoio governamental. A primeira concretagem da barragem foi iniciada em 1948, tendo como mestre de obras o Sr. João de Paiva, sobre quem Cristovam de Abreu registrou muito boas referências no seu livro já várias vezes citado. Naquela época, continuava no comando da Comissão do Alto Piranhas o Dr. Estevam Marinho. Os serviços de concretagem eram realizados em reiterados espaços de três dias e três noites, ininterruptamente, fato que exigia a presença do mestre de obras na empreitada, chamada, naquele tempo, de “virada”, numa alusão à virada do dia para noite, trabalhando. Surpreendentemente, meu pai, Raimundo Carvalho – que havia prestado relevantes serviços na construção da barragem de Curema -, foi procurado em casa, em setembro de 1949, por emissário do Dr. Estevam Marinho, que solicitava a presença dele no seu Gabinete. Da conversa, resultou um convite para acompanhá-lo numa viagem à obra. No dia seguinte, uma séria conversa no trajeto de ida e volta (cerca de 8 km), com intervalo para mostrar a construção. Na oportunidade, Dr. Estevam Marinho lhe segredou que não estava satisfeito com o andamento dos serviços, que liberava muito dinheiro e que os serviços não correspondiam ao esperado. Finalizou, dizendo, “preciso do senhor para assumir a função de mestre de obra da construção da barragem do Mãe d’Água”. Meu pai, surpreso, disse: “como, logo eu que estou exercendo função de almoxarife e que pouco conheço sobre cimento armado?” Dr. Estevam Marinho, arrematando falou: “o senhor, sim! Venho acompanhando seus serviços há anos e tenho informações que o senhor já esteve várias vezes no Laboratório de Solos e Concreto, no afã de conhecer os serviços ali praticados. Pense sobre o meu pedido”. Semanas depois o Sr. João de Paiva se afastou da condução da obra, alegando necessidade de ir morar em Natal e dar educação aos filhos. Diante disso, Raimundo Carvalho foi guinado à função de mestre de obras da grande barragem de Mãe d’Água, em dias de outubro de 1949. Com isso, estava sepultada a vida mansa de almoxarife e diminuídas as atividades de lazer que tanto amava, a caça e a pesca. Em contrapartida, ganhava carro com motorista, telefone e uma grande área para plantio, nos fundos da

casa onde morávamos, com cerca de 3 ha. Foi muito bom para a família, e para o Dr. Estevam Marinho, acredito. Os trabalhos em ação faziam Raimundo Carvalho e o Dr. Estevam Marinho felizes. O Dr. Estevam Marinho, que padecia de problemas cardíacos, convenceu o médico Dr. Firmino Ayres Leite - que morava em Piancó - a vir residir em Coremas, assegurando-lhe residência confortável no acampamento do DNOCS, ao tempo que invocava a necessidade de cuidados especiais, já que sua sede residencial era em Recife, onde permanecia a sua esposa, conduzindo mais de perto a educação dos filhos. Dr. Firmino também era político e escritor. Quando tudo corria bem, em 1952 o Dr. Estevam Marinho foi nomeado Chefe do 2º. Distrito do DNOCS, em João Pessoa-PB, sendo substituído pelo adjunto, Dr. Egberto Carneiro da Cunha, seu fiel amigo, que conhecia bem a capacidade do mestre de obras e tinha por ele grande admiração; por isso, manteve Raimundo Carvalho no cargo. Em 23.02.1953 faleceu Dr. Estevam Marinho em João Pessoa, cujo corpo foi sepultado em Recife (PE), onde morava sua família. Dr. Egberto, fiel aliado do Dr. Estevam Marinho era, como ele, portador de problemas de saúde. Em decorrência disso, retornou em 1955 para Fortaleza – de onde viera há anos – para cuidar da sua precária situação de saúde. Foi substituído por um engenheiro jovem, Dr. Ivanildo Marinho Cordeiro Campos, egresso da sede do DNOCS, em Fortaleza, com pouca ou quase nenhuma experiência em concreto. Talvez por isso, manteve Raimundo Carvalho no cargo de mestre de obras da barragem. Sua passagem por Mãe d’Água foi meteórica; não consegui apurar os motivos. Foi ele substituído por um outro jovem engenheiro, Dr. Vitoriano Gonzalez y Gonzalez, também inexperiente em serviços de concreto e em administração de grandes obras. Vinha, em 1955/56, do pequeno açude Escondido, com barragem de terra, no município de Brejo do Cruz-PB, com capacidade nominal de armazenamento d’água de apenas 16,6 milhões de m3. Certamente uma promoção. De cara, via-se diante da administração da maior barragem de concreto em construção pelo DNOCS, projetada para 640 milhões de m3, o que se constituía em grande desafio. Talvez por isso, meu pai, já amadurecido conhecedor dos serviços de concreto e de condução da obra, permaneceu no cargo de mestre de obras, dando a sua indispensável colaboração. Por ato ministerial, a barragem de CureOutubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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ma passou a se chamar barragem Estevam Marinho, conforme ofício do Sr. Diretor Geral do DNOCS, de número 636 T, de 03 de junho de 1955, o que foi traduzido como homenagem merecida ao saudoso construtor, respeitável administrador e acreditado engenheiro. É uma tristeza que a barragem continuasse a ser chamada de Curema depois da homenagem. Ele não merecia isso! Hoje, até o DNOCS, quando se reporta à barragem Estevam Marinho traz, entre parênteses, a expressão “ex-Curema”. Com as sucessivas mudanças de engenheiros na direção da construção da barragem de Mãe d’Água, Raimundo Carvalho era cada vez mais exigido, explorado diante dos seus conhecimentos em concreto. A sorte dele veio com a execução do plano governamental do Presidente Juscelino Kubitschek (eleito em1955), denominado Plano de Metas, que previa ações de cinquenta anos em cinco. Nesse diapasão, foi incluído o açude de Mãe d’Água entre aquelas grandes obras inauguráveis em 1956, com o que recursos financeiros para a obra passaram a aportar celeremente. Acreditava o meu pai que isso lhe exigiria muito mais, todavia, em compensação, após o ato inaugural poderia descansar longamente. Esse seu desejo não foi satisfeito. Após a inauguração, com serviços de acabamento ainda em curso, foi ele convocado pelo DNOCS para realizar serviços de concreto na adutora de Campina Grande e, depois, nos açudes Banabuiú e Orós, no Ceará, onde se aposentou na autarquia. Segundo me afirmou Raimundo Carvalho, mestre de obras da barragem de Mãe d’Água, no período de 1949 a 1957, muitos engenheiros e acadêmicos de engenharia visitaram a barragem durante o período da sua construção, sendo ele, a partir de 1949, sempre indicado para prestar esclarecimentos e informações sobre a respeitável obra de cimento ciclópico, a maior do DNOCS. Entendo até que aquela obra era vista como um centro tecnológico de concreto do Nordeste, pelo muito que instruiu centenas de estudiosos e pesquisadores que por lá passaram. No final de 1955, a barragem de Mãe d’Água, em construção, já barrava o Rio Aguiar, afluente do rio Piancó, desaguando neste antes do encontro do rio Piranhas com o Piancó, nas proximidades de Pombal (PB). Diante da impossibilidade da construção do canal partindo da barragem de Mãe d’Água para o açude São Gonçalo, a Diretoria do DNOCS mandou elaborar projeto de construção/instalação de uma hidrelétrica na barragem de Curema, já que a água que estava sendo solta com destino ao Rio Grande Norte era suficiente para fazer funcionar

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a referida hidrelétrica. Ela foi imediatamente construída e inaugurada juntamente com a barragem de Mãe d’Água. Do seu funcionamento, resultou fornecimento de energia elétrica para várias cidades do sertão, a partir de Coremas; depois, Piancó, São Gonçalo, Sousa, Cajazeiras, Patos, Catolé do Rocha e Itaporanga, segundo Cristovam de Abreu, no livro já citado, Conjunto Estevam Marinho. Para realização dos serviços de distribuição da energia, foram gastos consideráveis valores com aquisição de transformadores, postes e linhas de transmissão de alta tensão. No final de 1969, esses serviços, à exceção dos de Coremas, foram absorvidos pela CHESF, segundo o engenheiro Evandro Souza Araújo, Chefe do Órgão em Coremas (a referida hidrelétrica foi desativada em 2014, quando produzia energia só para o município). Paralelamente à realização dos serviços finais para a inauguração da barragem de Mãe d’Água, foi construído o canal vertedouro na região Riacho Seco, através do qual as águas do açude Curema se interligam com as do açude de Mãe d’Água. Na verdade são dois reservatórios distintos, barrando rios distintos. Só com abundância de chuvas nas suas cabeceiras os açudes se interligam, na cota 237, formando um imenso reservatório, com capacidade nominal de 1,36 bilhão de m3. Essa capacidade está hoje reduzida, efetivamente, para 1,16 bilhão de m3, segundo serviços de batimetria realizados nos dois açudes em Dez/2013, de que resultou uma capacidade nominal de 591,6 milhões de m3 para Curema e 568,0 de m3para Mãe d’Água, tudo por força de assoreamento de muitos anos. Esses serviços de batimetria (determinação do relevo do fundo da área lacustre) tornaram-se necessários a partir da inclusão dos dois reservatórios dentre aqueles que, espera-se, receberão águas do Rio São Francisco, com a transposição de suas águas para reservatórios receptores nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Pessoalmente e diante das gravíssimas dificuldades financeiras por que passa o país – com possibilidades de se manterem e/ou se a agravarem nos próximos semestres – e as hídricas no Nordeste, não acredito que as águas do São Francisco cheguem aos açudes de Curema e de Mãe d’Água nem tão cedo, ainda mais porque a crise hídrica por que passa a região do semiárido nordestino vem ocorrendo desde 2012 e já há registros midiáticos de estudos sobre a possibilidade do seu prolongamento. Finalmente, depois de inaugurada a barragem, com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek, em 15 de janeiro de 1957,

estava concluído, em termos de represamento de águas, o complexo Curema-Mãe, que se constituía no maior reservatório público construído pelo DNOCS, no Nordeste, então com capacidade nominal de represamento de 1,368 bilhão de m3 . Outros grandes reservatórios lhe seguiram, também construídos pelo DNOCS, tomando a sua hegemonia: açude Orós (barragem Juscelino Kubitschek de Oliveira), no Ceará, com 2,1 bilhões de m3, concluído em 1961; açude Açu (barragem Armando Ribeiro Gonçalves), no Rio Grande do Norte, com 2,4 bilhões de m3, concluído em 1963; açude Banabuiú (barragem Miguel Arrojado Lisboa), no Ceará, com 1,7 bilhão de m3, concluído em 1966; e o último – resultado de uma parceria do governo do Ceará/DNOCS -, o açude Castanhão (barragem Padre Cícero), no Ceará, com 6,7 bilhões de m3, concluído em 2002. Todos esses reservatórios, inclusive os que integram o complexo Curema-Mãe d’Água, apresentam baixos níveis de represamento, devido à prolongada estiagem na região semiárida do Nordeste, desde 2012. A barragem do açude Mãe d’Água, anos depois, em data que não consegui apurar, passou a ser denominada de Barragem Egberto Carneiro da Cunha, homenagem do DNOCS a um dos seus construtores. Para minha tristeza, tal como ocorreu com a homenagem prestada ao Dr. Estevam Marinho, que emprestou o nome à barragem do açude Curema, os nomes dos engenheiros construtores foram esquecidos. As duas barragens continuam conhecidas, no âmbito externo do DNOCS, como Curema e Mãe d’Água, sendo, apenas oficialmente, Barragens Estevam Marinho e Egberto Carneiro da Cunha, respectivamente. Registro que o cuidadoso povoamento de peixes no reservatório de Curema – tão bem executado e acompanhado pelo saudoso Estevam Marinho – foi um sucesso até poucos anos depois do falecimento do grande construtor Chefe. Não sei se sua decadência deveu-se à omissão e/ou desinteresse da Chefia da Comissão do Alto Piranhas, ou pela falta de recursos para manter ativo e equilibrado o referido povoamento. O fato é que o município de Coremas se tornou grande produtor e distribuidor de peixes durante muitos anos, incluindo os dois açudes. A pesca predatória ali exercida era afrontosa, sem fiscalização na década de 50. Lembro-me bem, quando adolescente e antes de deixar o município em 1957, para residir em Campina Grande, presenciei nos reservatórios centenas de pescadores do local, do Ceará e do Rio Grande do Norte,


atuando livremente, sem atropelos de quaisquer fiscalizações. Isso foi um grande mal. Aos poucos o município de Coremas ia passando da condição de produtor e exportador para a de importador e distribuidor de peixes, como hoje se encontra, adquirindo pescados no Ceará, provenientes, na maioria, do açude Castanhão, já que os reservatórios do complexo Curema-Mãe d’Água - outrora comprovadamente piscosos - encontram-se praticamente despovoados das diferentes espécies. PROJETO DE IRRIGAÇÃO DAS VÁRZEAS DE SOUSA-PIVAS Com a eleição do sousense Antônio Marques da Silva Mariz para governador do estado (1995-1999), o projeto de irrigação das várzeas de Sousa voltou à tona. Ele assumiu os primeiros estudos e encaminhamentos, contudo, em vista do seu falecimento precoce em 17 de setembro de 1995, as ações iniciais pareciam caminhar para o esquecimento. Não foi isso o que aconteceu; com a posse do seu vice, o Dr. José Targino Maranhão, o desejo de Antônio Mariz foi honrado e o canal que levaria águas da barragem de Mãe d’Água para o município de Aparecida (PB), praticamente nos portões das várzeas, de 37 km, foi construído. Com isso, finalmente as várzeas de Sousa receberiam as tão esperadas águas do açude Mãe d’Água. Em 2004 – quando já existia a grande barragem de Açu, no município do mesmo nome, no Estado do Rio Grande do Norte, e não se vislumbrava o período de longa estiagem que enfrentamos -, foi editada pela ANA-Agência Nacional de Águas, a Resolução no. 687, de 03 de dezembro, que dispõe sobre o Marco Regulatório para a gestão do Sistema Curema-Açu e estabelece parâmetros e condições para emissão de outorga preventiva e de direito de uso de recursos hídricos e declaração de uso insignificante. A referida resolução cita, nos “considerados”, o Convênio de Integração celebrado entre a ANA , os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, e o DNOCS, para a gestão integrada , regularização e ordenamento dos usos dos recursos hídricos na bacia do rio Piranhas-Açu, em particular, do Sistema Curema-Açu. No Art. 2º estabelece a vazão máxima disponível de 27,30 m3/s considerada para o Sistema Curema-Açu, sendo 6,4 m3/s na Paraíba (o Conselho Gestor posteriormente criado para gerir as águas do Sistema CuremaAçu limitou as vazões de Mãe d’Água para as várzeas de Sousa em 2,0 m3/s e em 4,4 m3/s a vazão do açude Curema para a Paraíba e o Rio Grande do Norte, através

dos rios Piancó e Piranhas) e 20,9 m3/s no Rio Grande do Norte. O parágrafo único do Art. 5º estabelece que a ANA deverá delegar para os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte competência para emitir outorgas no Sistema Cure ma. Esse sistema é compartilhado com o Sistema Piranhas-Açu, pelo encontro dos rios Piancó e Piranhas, na região do Areial, bem próxima da cidade de Pombal (PB). Apenas no parágrafo único do Art. 1º da citada Resolução 687, no item I, o açude de Mãe d’Água é citado, nestes termos: “Trecho no. 1: Curema. Corresponde ao perímetro da bacia hidráulica dos reservatórios Curema e Mãe d’Água. Trecho localizado integralmente no Estado da Paraíba”. Durante a fase de pesquisa, feita nos primeiros meses de 2013, para produção do livro Barragens de Curema e Mãe d’Água, constatei que em Dez/2012 a vazão do açude Mãe d’Água era de 1,9 m3/s e a estimada do açude Curema estava em torno de 3,5 m3/s. Recentemente, obtive informações extra-oficiais junto à Coordenadoria Estadual do DNOCS, na Paraíba, de que a vazão autorizada para as várzeas de Sousa, a partir do açude Mãe d’Água, é de cerca de zero m3/s, inclusive cerca de 0 m3/s para a adutora de Sousa, a ser inaugurada; a do açude Curema, de cerca de 2,0 m3/s, é destinada aos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte. O que é mais grave e me preocupa bastante, é que essas vazões atuais ocorrem num momento muito difícil, diante de: a) perspectivas de prolongamento da atual e preocupante estiagem na região das bacias hidrográficas dos dois açudes, Curema e Mãe d’Água; b) baixo nível de disponibilidade de águas nos dois reservatórios, respectivamente de 15,1% e de 18,6% (posição em 10.09.15, fonte AESA-PB). Com a realização da pesquisa, em 2013, para a produção do meu livro citado Barragens de Curema e Mãe d’Água – que trata, também, sobre o PIVAS – e com a experiência de ex-analista de projetos agroindustriais na alta Direção Geral do BB em Brasília, à época do PROÁLCOOL, visitando, no mais das vezes, bases agrícolas dos projetos em diversificadas regiões do país, firmei juízo no referido livro sobre a temática, a respeito do precário funcionamento do projeto em 2012, quando já consumia considerável volume de água do açude Mãe d’Água. Cheguei a listar algumas informações e/ ou considerações pertinentes no referido livro, adiante resumidas: - os recursos destinados ao PIVAS (par-

ceria do governo estadual com o federal) totalizaram R$ 160,5 milhões e corrigidos pela IPCA, a preços de maio de 2013, atingiam a 351,9 milhões. - a área do projeto, de 6.335,74 ha, contempla, principalmente, 992,53 ha destinados à implantação de 179 lotes para colonos, ao que fui informado, já ocupados; 2.336,32 ha destinados a 19 lotes empresariais, sendo 03 ocupados e, ainda, 1.007,30 ha destinados ao INCRA, para assentamento de 141 famílias (que estariam hoje ocupados; por outro lado, o Projeto de Irrigação do Perímetro de São Gonçalo, com área irrigável de cerca de 3.000 ha, foi implantado há muitos anos nas várzeas de Sousa, muito próximo da região onde se instalou o PIVAS, e que chegou a ser orgulho para o DNOCS nas décadas de 50/70, encontra-se hoje abandonado, sem água, sem crédito e sem rumo, com os cerca de 450 experientes irrigantes entregues à própria sorte; o açude São Gonçalo – que o alimentava – encontra-se com apenas 5,7% da sua disponibilidade aquífera, fonte AESA, 10.09.15, dirigidos para Sousa-PB); - em Nov/2012, foi remetida pelo açude Mãe d’Água uma vazão de 1,9 m3/s; apenas 0,96 m3/s chegou ao PIVAS (desperdício de 49%, causado por furto de águas em 122 pontos do canal); - as terras utilizadas pelo PIVAS não seriam as melhores das várzeas de Sousa (opinião do experiente agrônomo Dr. José Furtado da Silva, ex-técnico e ícone do DNOCS, Mestre em Fitotecnia pela Escola de Agronomia de Piracicaba, com vários estágios e treinamentos no exterior, que trabalhou no Projeto de Irrigação do Perímetro de São Gonçalo e que conhece muito bem a constituição das terras das várzeas, segundo me afirmou); - diminuto uso de mão de obra em 2013 (776 empregos diretos, contra 15.000 do projeto). DESTACADA IMPORTÂNCIA BENÉFICA NO USO DAS ÁGUAS DE CUREMA Dentre os benefícios do complexo Curema-Mãe d’Água, listarei aqui somente aqueles que considero de grande alcance social; no passado: a) desenvolvimento populacional, educacional/cultural/esportivo/turístico, econômico e religioso no antigo e atrasado povoado do Boqueirão de Curema – a população, que era de cerca de 2.500 pessoas ao término da construção do açude, em 1942, hoje está acima de 15.000 habitantes; b) produção e distribuição de energia elétrica para várias cidades Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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do sertão; c) fornecimento de águas para irrigação de terras ribeirinhas do estado e do Rio Grande do Norte (apurei junto ao DNOCS que os 2,0 m3/s liberados pelo açude Curema não chegam ao grande açude Açu-RN); d) produção e distribuição de pescados próprios (hoje, continua centro distribuidor, porém de pescados de outras regiões). Dentre benefícios do presente e de um passado recente, cito a utilização de águas por 25 municípios/distritos do alto sertão paraibano, bem assim por populações ribeirinhas do estado e do Rio Grande do Norte, sem falar em incontáveis carros-pipas que as distribuem nas zonas rurais. Vejamos os 25 municípios/distritos beneficiados, a partir de pontos, minissistemas e sistemas adutores, seja no próprio açude ou nos rios Piancó e Piranhas (este, também perenizado, a partir do encontro com o Rio Piancó): Areia de Baraúnas, Assunção (serviços já concluídos, mas ainda não ativada a adutora), Belém de Brejo do Cruz, Brejo do Cruz, Cacimba de Areia, Cajazeirinhas, Catolé do Rocha, Condado, Coremas, Malta, Patos, Paulista, Passagem, Piancó, Pombal, Salgadinho, Quixaba, Santa Gertrudes, Santa Luzia, São José de Espinharas, São José do Sabugi, São Mamede, São Bentinho, São Bento, Várzea e Vista Serrana. Ao todo, cerca de 180.000 pessoas são assistidas pelo sistema Curema-Açu. Tem-se como certa a adutora

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de Sousa, a ser inaugurada proximamente, com água de Mãe d’Água. Informações colhidas em Coremas, a água da cidade foge ao controle da CAGEPA e as águas do açude estariam poluídas, o que – é de se apurar - constitui-se em ameaça à saúde dos usuários locais e dos atendidos pelo sistema adutor originário do açude Curema. Como último registro sobre os dois açudes, informo que a primeira sangria do complexo Curema-Mãe d’Água ocorreu entre a noite do dia 19 e a madrugada do dia 20 de março de 1960, segundo me passou o saudoso amigo de infância, José Virgulem Guerra, conceituado servidor do DNOCS/CHESF, que esteve presente a tão importante momento histórico. Nesta oportunidade, invoco a atenção das autoridades responsáveis pelo gerenciamento dos recursos hídricos do estado para um controle mais rígido dos poucos ainda disponíveis nos dois reservatórios. Igualmente, invoco o Ministério Público para acompanhar, de perto, esse gerenciamento, presente a possibilidade de prolongamento da estiagem, o que levaria o estado a enfrentar sérios problemas de abastecimento d’água para consumo humano no sertão. Ademais, faz-se necessário agir rapidamente para eventual solução de problemas suscitados neste trabalho, especialmente os que dizem respeito à qualidade das águas distribuídas

para consumo humano e animal, focando, prioritariamente, a saúde e necessidades aquíferas desses seres, ao meu sentir, mais importantes do que quaisquer outros interesses. Ao finalizar, manifesto o entendimento de que se outros benefícios não resultaram do mega complexo é porque o homem não deu o exemplo que era esperado para a proteção da sofrida região semiárida do Nordeste do nosso Brasil. A propósito, permito-me transcrever as contundentes e apropriadas palavras que um dos mais inteligentes, competentes e respeitados cientistas do quadro do DNOCS, o engenheiro Dr. Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa em 28 de agosto de 1913, no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, ao discursar sobre soluções para mitigar os graves efeitos das secas no nosso semiárido nordestino; encerrou a palestra assim: “... Chegamos, assim, ao mais grave de todos os problemas: o da educação! Só ela, unicamente ela, permitirá que o povo goze de sã higiene, aprenda a aperfeiçoar a irrigação, promova a indústria compatível com a ambiência, adote a fenação e use o silo, não abandone o gado e melhore-lhe a raça, facilitando-lhe a água não contaminada, desenvolva as culturas nas grandes várzeas irrigadas, abra por si poços, faça pequenos açudes, compreenda, enfim, a importância desse grande esforço que está sendo empregado em prol do seu bem estar”. g


TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA

A CONSTITUIÇÃO DE 11 DE JUNHO DE 1947(*) A MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA promulga a Constituição do Estado da Paraíba e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos termos dos seus arts. 150 e 23, respectivamente, e manda a todas as autoridades, as quais couber o conhecimento e a execução desses atos, que os executem e façam executar e observar fiel e inteiramente como neles se contém. Publique-se e cumpra-se em todo o território do Estado. João Pessoa, 11 de junho de 1947, 59º da Proclamação da República. FLÁVIO RIBEIRO COUTINHO – Presidente PEDRO AUGUSTO DE ALMEIDA – 1º Secretário HIATY LEAL – 2º Secretário ANTONIO CABRAL – 3º Secretário ANTONIO BATISTA SANTIAGO – 4º Secretário Nós, os representantes do povo, reunidos em Assembléia Constituinte, sob a proteção de Deus, decretamos e promulgamos a seguinte: CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA TÍTULO I Da Organização do Estado CAPÍTULO I Disposições Preliminares Art. l º - O Estado da Paraíba, integrado na Federação Brasileira, reger-se-á por esta Constituição e pelas leis que adotar. Seu território é o da antiga Província com os limites reconhecidos pela legislação em vigor e sua Capital a Cidade de João Pessoa. Art. 2º- O Estado tem por base o Município autônomo, e por órgãos os poderes Legislativo, Executivo e Judiciario, independentes e harmônicos entre si. § 1º- É vedado a qualquer dos poderes delegar atribuições. § 2º- Investido na função de um deles, não pode o cidadão exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição. Art. 3º- Compete ao Estado: I - decretar a Constituição e as leis que deva reger-se, observados os princípios estabelecidos na Constituição da República; II - prover a expensas próprias, as necessidades de sua administração, sem prejuízo da assistência financeira do Governo Federal, na execução de serviços de interesse comum; III - exercer todo e qualquer poder que não for vedado, expressa ou implicitamente, pela Constituição da República. Art. 4º- É da exclusiva competência do Estado decretar impostos sobre: a - propriedade territorial, exceto a urbana; b - transmissão de propriedade “causa mortis”; c - transmissão da propriedade imobiliária “inter-vivos” e sua incorporação ao capital de sociedade; d - vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive industriais, isenta, porém, a primeira operação do pequeno produtor, conforme o defmir a lei;

e - exportação de mercadorias de sua produção para o estrangeiro até o máximo de cinco por cento “ad-valorem” vedados quaisquer adicionais; f - os atos regulados por lei, os do serviço de sua justiça e os negócios de sua economia. § 1º- O imposto territorial não incidirá sobre sítios de área não excedentes a vinte hectares, quando os cultive, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. § 2º- O imposto sobre vendas e consignações será uniforme, sem distinção de procedência ou destino. § 3º- Em casos excepcionais, com autorização do Senado Federal, poderá ser feito o aumento, por tempo determinado, do imposto de exportação até o máximo de dez por cento “ad-valorem”. Art. 5º- Quando a arrecadação estadual de impostos, salvo a do imposto de exportação, exceder, em Município que não seja o da Capital, o total das rendas locais de qualquer natureza, o Estado entregar-lhe-á, anualmente, trinta por cento do excesso arrecadado. Art. 6º- O Estado poderá decretar outros tributos, além dos que lhe são atribuídos no art. 4º, mas, o imposto federal esclera o estadual idêntico. À medida que se efetuar a arrecadação de tais impostos, o Estado entregará vinte por cento do produto à União e quarenta por cento ao Município. Art. 7º- A administração financeira e a execução dos orçamentos do Estado e do Município, serão fiscalizadas, respectivamente, pela AssembléiaLegislativa e Câmaras Municipais. CAPÍTULO II Do Poder Legislativo SECÇÃO I Disposições Preliminares Art. 8º- O Poder Legislativo é exercido pela Assembléia composta de representantes do povo, eleitos na forma da lei. Parágrafo Único – O número de deputados de que se compõe a Assembléia Legislativa poderá ser elevado na proporção de um por cinqüenta mil habitantes, acrescidos à atual população do Estado. Art. 9º- São elegíveis para a Assembléia Legislativa os brasileiros, nos termos da Constituição da República (art. 129, I e II), maiores de vinte e um anos, no gozo dos direitos políticos. SECÇÃO II Da Assembléia Legislativa Art. 10º- Cada legislatura durará quatro anos. Art. 11º- A Assembléia Legislativa reunir-se-á, independentemente de convocação, na Capital do Estado, no dia primeiro de junho e funcionara até trinta de novembro. Parágrafo Único - Poderá ser convocada, extraordinariamente, por iniciativa de um terço de seus membros, pelo Governador do Estado, ou no caso do artigo 19, § 2º. Nessa hipótese, só poderá deliOutubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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berar sobre a matéria que houver motivado sua convocação. Art. 12º- A Assembleia disporá, em Regimento Interno, sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação e provimento de cargos de sua Secretaria. Parágrafo Único - Na constituição das Comissões, assegurar-se-á, tanto quanto possível, o princípio da representação proporcional dos partidos. Art. 13º- Será secreto o voto da Assembléeia nas eleições a que proceder e deliberações que tomar sobre vetos e contas do Governador. Art. 14º- A Assembléeia poderá convocar qualquer Secretário de Estado para prestar esclarecimentos sobre assuntos sujeitos à sua deliberação. É facultado ao Secretário de Estado, independentemente de convocação, pedir à Assembléia, ou a quaisquer de suas Comissões, designar dia e hora para ser ouvido sobre questões submetidas ao exame do Legislativo. Art. 15º- A Assembléia designará Comissões de inquérito para apurar fatos determinados, a requerimento, pelo menos, da terça parte de seus membros. Art. 16º- Após a instalação dos seus trabalhos, a Assembléia examinará a julgará as contas do Governador referentes ao exercício anterior. Parágrafo Único - Não prestadas as contas, a Assembléia elegerá uma Comissão incumbida de organizá-las, e, conforme o resultado, determinará as providencias para a punição dos responsáveis. Art. 17º- A Assembléia receberá, em sessão previamente designada, o Governador do Estado, sempre que este manifestar propósito de expor pessoalmente assunto de interesse público. SECÇÃO III Dos Deputados Art. 18º- Os Deputados são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos. Art. 19º- Desde a expedição do diploma, os Deputados não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença da Assembléia. § 1º- No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de quarenta e oito horas, à Assembléia, para que esta resolva sobre a prisão e o prosseguimento do processo. § 2º- Para os fins constantes do parágrafo anterior, será convocada extraordinariamente a Assembléia, se esta não estiver reunida. Art. 20º- Os Deputados vencerão, anualmente, uma ajuda de custo e um subsídio, fixados pela Assembleia no fim de cada legislatura. Parágrafo Único - O subsídio será dividido em duas partes: uma fixa, que se pagará no decurso do ano, outra variável, correspondente ao comparecimento. Art. 21º- Os Deputados não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) - celebrar contrato com pessoas jurídicas de direito público, entidade autárquica ou sociedade de economia mista, salvo, quando o contrato obedecer as normas uniformes; b) - aceitar, exercer comissão ou emprego remunerado de pessoa jurídica de direito público; c) - aceitar, exercer emprego remunerado de entidade autárquica, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, que goze de favores do Estado, ou com ele tenha relações de dependência. II - desde a posse: a) - ser o proprietário ou direto de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) - ocupar cargo público de que possa ser demitido “d-nutum” c) - exercer outro mandato legislativo;

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d) - patrocinar causa contra pessoa jurídica de direito público. § 1º- A infração do disposto neste artigo, ou a falta, sem licença, às sessões, por mais de quarenta dias consecutivos, importa em perda de mandato, declarada pela Assembléia mediante provocação de qualquer de seus membros, ou representação fundamentada de partido político. § 2º- Perderá, igualmente, o mandato, o Deputado cujo procedimento for reputado, por dois terços da Assembléia, incompatível com o decoro parlamentar. § 3º- Presumir-se-á renúncia se o Deputado, sem motivo justificado, deixar de tomar posse dentro dos trinta dias seguintes à instalação da Assembléia, ou à convocação de seu nome no caso de suplência. Art. 22º- No caso de vaga, afastamento temporário ou licença de qualquer Deputado, será convocado o respectivo suplente. Parágrafo Único - Não havendo suplente, proceder-se-á à eleição, salvo se faltarem menos de seis meses para o encerramento da última reunião da legislatura. Art. 23º- É permitido ao Deputado, com prévia licenca da Assembléia, desempenhar em caráter transitório, missão diplomática ou técnica especializada, ou participar de congressos, conferências e missões culturais. Art. 24º- Não perde o mandato o Deputado investido na função de Ministro ou Secretário de Estado e Interventor. Art. 25º- Desde a expedição do diploma e enquanto durar o mandato, o funcionário público, se entidade autárquica ou paraestatal ficará afastado do exercício do cargo, contando-se-lhe tempo de serviço apenas para promoção por antiguidade e aposentadoria. Art. 26º- Em caso de grave perturbação da ordem pública no território do Estado, a Assembléia poderá manter-se em reunião permanente. Art. 27º- As imunidades dos Deputados prevalecerão durante o estado de sitio e só poderão ser suspensas pelo voto de dois terços de seus membros. Art. 28º- As prerrogativas e imunidades dos Deputados são extensivas ao primeiro suplente de cada partido representado na Assembléia. Art. 29º- Os Deputados à Assembléia Legislativa, quer civis ou militares, não poderão ser incorporados às Forças Armadas, essenciais ou auxiliares, senão em tempo de guerra externa e mediante licença da Assembléia, pelo voto de dois terços de seus membros. SECÇÃO IV Das Atribuições do Poder Legislativo Art. 30º- Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador: I - decretar as leis necessárias à completa execução desta Constituição; II - fixar, anualmente, a despesa e orçar a receita do Estado; III - fixar, anualmente, o efetivo da Polícia Militar e sua despêsa; IV - dispor sobre a dívida pública estadual e os meios de solvê-la; V - criar e suprimir cargos públicos, fixando-lhes as atribuições e vencimentos; VI - autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos e a celebrar operações de crédito; VII - resolver sobre limites do território do Estado; VIII - transferir temporariamente a sede do Governo, sempre que a segurança pública o exigir; IX - decretar a divisão civil, administrativa e judiciária do Estado; X - decretar impostos e taxas; XI - legislar sobre: a) - licenças, aposentadorias e reformas; b) - organização judiciária;


c) - pensões e subvenções; d) - exercício dos poderes estaduais; XII - autorizar contratos e concessões; XIII - autorizar isenções tributárias e favores de que possam resultar vantagens para o Estado; XIV - Legislar originariamente sobre as demais matérias da competência do Estado e, complementar e supletivamente, de acordo com o artigo 6º da Constituição da República. Art. 31º- Compete privativamente à Assembléia: I - eleger sua Mesa, elaborar seu Regimento Interno e regular sua própria polícia; II - organizar sua Secretaria; III - julgar as contas do Governador; IV - fixar a ajuda de custo dos Deputados, bem como o subsidio destes e do Governador, no último ano da legislatura anterior a eleição; V - prorrogar suas reuniões, suspendê-las ou adiá-las; VI - mudar temporariamente sua sede; VII - solicitar a intervenção federal na hipótese do artigo 7º, n. IV, da Constituição da República. VIII - autorizar o Poder Executivo a intervir nos Municípios, nos casos previstos nesta Constituição; IX - conceder, ou negar licenca para processar de seus membros e resolver sobre sua prisão, em flagrante de crime inafiançável; X - processar e julgar o Governador, os Secretários de Estado e os Prefeitos, nos crimes de responsabilidade; XI - exercer a iniciativa da tomada de contas do Governador, no caso previsto no parágrafo único do artigo 16; XII - rejeitar ou aceitar o voto do Governador; XIII - convocar os Secretários de Estado para serem ouvidos, nos termos do artigo 14; XIV - Dar posse ao Governador e conhecer de sua renúncia; XV - autorizar o Governador: a) - a celebrar com a União, outros Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, acordos e convenções relativas a toda matéria que seja de interesse público; b) - a ausentar-se do território do Estado por tempo superior a trinta dias. Parágrafo Único - As leis, decretos e resoluções da competência da Assembléia Legislativa serão promulgados e mandados publicar pelo seu Presidente. SECÇÃO V Das Leis e Resoluções Art. 32º- A iniciativa dos projetos de lei compete a qualquer membro ou Comissão da Assembleia, ressalvados os casos de competência exclusiva, previstos nesta Constituição. Parágrafo Único - Cabe, exclusivamente, ao Governador do Estado, a iniciativa das leis que fixarem o efetivo e a despesa da Polícia Militar, aumentarem os vencimentos de funcionários ou criarem cargos em serviços já organizados. Art. 33º- Aprovado o projeto de lei, será este enviado ao Governador para sancioná-lo e promulgá-lo. § 1º- Se o Governador entender que o projeto é inconstitucional ou contrário ao interesse público, dentro de dez dias úteis, contados da data em que o receber, o vetará, no todo ou em parte, devolvendo-o à Assembléia, no mesmo prazo, e com as razões do veto. § 2º- Importa em sanção o silêncio do Governador durante o decêndio. § 3º- Devolvido à Assembleia o projeto vetado será, dentro de vinte dias contados da devolução, submetido, com ou sem parecer, a uma só discussão, considerando-se aprovado se obtiver o voto de

dois terços dos Deputados presentes; § 4º - Na hipótese do parágrafo precedente, o projeto será enviado como lei ao Governador para a formalidade da promulgação. Art. 34º- Se não for promulgado, dentro de quarenta e oito horas, pelo Governador, nos casos dos § § 2º e 4º do artigo precedente, o Presidente da Assembléia o promulgará, usando a seguinte fórmula: “O Presidente da Assembléia faz saber que o Poder Legislativo do Estado decreta e promulga a seguinte lei”. Art. 35º- O Governador sancionará e promulgará as leis, usando das seguintes fórmulas: a) “O Governador do Estado da Paraíba: faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte lei”. b) “O Governador do Estado da Paraíba: faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu promulgo a seguinte lei”. Art. 36º- Os projetos de lei rejeitados não poderão ser renovados na mesma reunião legislativa. SECÇÃO VI Do Orçamento Art. 37º- O orçamento será uno, incorporando-se à receita, obrigatoriamente, todas as rendas e suprimentos de fundos, incluindo-se discriminadamente, na despesa, as dotações necessárias ao custeio dos serviços públicos, bem assim ao pagamento de sentenças judiciárias. § 1º- A lei orçamentária não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e fixação da despesa para os serviços anteriormente criados, exceto: I - a autorização para abertura de créditos suplementares e operações de crédito por antecipação da receita; II - a aplicação do saldo e o modo de cobrir o “déficit”. § 2º- O orçamento da despesa dividir-se-á em duas partes: uma fixa, que não poderá ser alterada senão em virtude da lei anterior, outra variável, que obedecera a rigorosa especificação. Art. 38º- Se o orçamento não tiver sido enviado à sanção até o dia trinta de novembro, ou não estiver promulgado até o encerramento da reunião legislativa, prorrogar-se-á para o exercício seguinte o que estiver em vigor, independentemente de qualquer deliberação da Assembléia. Art. 39º- A proposta do orçamento, acompanhada da exposição de motivos, será enviada pelo Governador à Assembléia até o dia trinta e um de agosto de cada ano. Art. 40º- São vedados: o estôrno de verbas, a concessão de créditos ilimitados e a abertura, sem autorização legislativa, de crédito especial. § 1º- A abertura de crédito extraordinário só será permitida por necessidade urgente ou imprevista, em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública. § 2º- A abertura de crédito suplementar, autorizado em lei orçamentária, só se verificará no segundo semestre do exercício. Art. 41º - Nenhum encargo se criará ao Tesouro, sem atribuição de recursos suficientes para lhe custear a despesa. Art. 42º- Nenhum imposto será elevado além de vinte por cento do seu valor, ao tempo do aumento. Art. 43º - Na elaboração orçamentária serão computadas verbas: I - não inferior a três por cento da receita, destinada à construção de pequena açudagem, pelo regime de cooperação e a outros serviços de assistência permanente à população contra os efeitos das secas; II - não inferior a vinte por cento da receita, destinada a manutenção e desenvolvimento do ensino. Art. 44º- O Estado e os Municípios não poderão dispender anualmente com o funcionalismo público, inclusive os militares e os extranumerários, mais de sessenta por cento de suas rendas. Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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CAPÍTULO III Do Poder Executivo SECÇÃO I Do Governador e do Vice-Governador Art. 45º- O Poder Executivo é exercido pelo Governador do Estado, com o mandato de cinco anos. Art. 46º- Substitui o Governador, em caso de impedimento e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Governador, eleito simultaneamente com e1e, por igual prazo, cento e vinte dias antes do término do período governamental anterior. § 1º- Em caso de impedimento ou vaga do Governador e do ViceGovernador, serão, sucessivamente chamados, ao exercício daquele cargo, o Presidente e os Vice-Presidentes da Assembleia Legislativa. § 2º- Vagando os cargos de Governador e Vice-Governador, farse-á eleição, sessenta dias depois de aberta a última vaga. § 3º- Se as vagas ocorrerem na segunda metade do período governamental, o substituto completará o mandato do seu antecessor. Art. 47º- São condições de elegibilidade, para os cargos de Governador e Vice-Governador, ser maior de trinta anos e estar no gozo dos direitos políticos. Art. 48º- O Governador e o Vice-Governador tomarão posse perante aAssembléia Legislativa. § 1º- Se a Assembleia não estiver funcionando, a posse verificarse-á perante o Tribunal Regional Eleitoral. § 2º- A posse do Governador e do Vice-Governador reavisar-se-á dentro de vinte dias depois de sua proclamação. Art. 49º- O Governador e o Vice-Governador prestarão, ao tomar posse, o seguinte compromisso: “Prometo cumprir a Constituição da República e a do Estado, defender-lhes a autonomia e integridade, observar as leis, promover o bem-estar do povo e desempenhar o cargo de Governador, com dignidade e patriotismo”. Art. 50º- Considera-se renunciado o cargo, se o Governador ou Vice-Governador não o assumir no prazo legal, salvo motivo de força maior. Art. 51º- O Governador não poderá ausentar-se do território do Estado, por prazo superior a trinta dias, sem licença da Assembléia, sob pena de perder o mandato. SECÇÃO II Das Atribuições do Governador Art. 52º- Compete ao Governador: I - Sancionar, promulgar e fazer públicas as leis e expedir decretos para a sua execução; II - vetar, no todo ou em parte, os projetos de lei aprovados pela Assembléia; III - nomear, reintegrar, aposentar, por em disponibilidade, exonerar e licenciar funcionários e impor-lhes penas disciplinares, respeitado o disposto na Constituição e nas leis; IV - convocar extraordinariamente a Assembléia; V - representar o Estado perante os poderes federais e demais Unidades da República; VI - executar a intervenção decretada nos Municípios; VII - dispor da Polícia Militar para preenchimento de sua finalidade; VIII - celebrar acordos e convenções com a União, outros Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, “ad-referendum” da Assembléia; IX - enviar à Assembléia, na abertura dos trabalhos anuais, as contas do exercício anterior e expor, em mensagem, a situação geral do Estado, sugerindo as providências que julgar convenientes;

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X - solicitar a intervenção federal, nos termos da Constituição da República; XI - contrair empréstimo externo ou interno, mediante autorização da Assembléia, observado quanto ao primeiro disposto no artigo 33 da Constituição da República; XII - prestar a Assembléia as informações que lhe forem solicitadas; XIII - praticar todos os demais atos necessários à administração e à guarda da Constituição e das leis; XN - transferir, provisoriamente, a sede do Governo, em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública. SECÇÃO III Da Responsabilidade do Governador Art. 53º - São crimes de responsabilidade os atos do Governador que atentarem contra: I - a existência da União, do Estado e do Município; II - a Constituição da República ou do Estado; III - o livre exercício dos poderes constitucionais; N - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; V - a segurança do Estado; VI - a probidade na administração; VII - a lei orçamentária; VIII - o cumprimento das decisões judiciárias. Art. 54º- O Governador será processado e julgado, nos crimes comuns, pelo Tribunal de Justiçaa e, nos de responsabilidade, pela AssembléiaLegislativa. Parágrafo Único - Declarada, nos crimes de responsabilidade, por dois terços da Assembléia, a procedência da acusação, será desde logo o Governador afastado de suas funções, correndo o processo até o final julgamento, de acordo com as normas legais em vigor. SECÇÃO IV Dos Secretários do Estado Art. 55º- O Governador é auxiliado por Secretarias de sua livre escolha, demissíveis “ad-nutum”. Parágrafo Único - São condições essenciais, para a investidura no cargo de Secretário de Estado, ser maior de vinte e um anos e estar no gozo dos direitos políticos. Art. 56º- Os serviços da administração pública serão distribuídos por Secretarias de Estado e Departamentos, cujo número, denominação, atribuições e competência, a lei regulará. Art. 57º- Além das atribuições fixadas em lei, compete ao Secretario de Estado: I - referendar os atos do Governador; II - expedir instruções para a boa execução das leis, decretos e regulamentos; III - preparar a proposta de orçamento de sua Secretaria; IV - apresentar ao Governador, anualmente, um relatório dos serviços a seu cargo. Parágrafo Único - Ao Secretário das Finanças compete ainda: a) - organizar a proposta do orçamento geral da receita e da fixação da despesa; b) - apresentar ao Governador, dentro do primeiro trimestre de cada ano, o balanço geral da receita e da despesa do último exercício. Art. 58º- O Secretaário de Estado será processado e julgado, nos crimes comuns, pelo Tribunal de Justiça. Art. 59º- O Secretário de Estado será responsável pelos atos que praticar ou subscrever, ainda que os faça com o Governador ou em cumprimento de sua ordem. Parágrafo Único - Incorre, também, em responsabilidade, o Secretário de Estado que faltar, sem motivo justificado, à


convocação da Assembléia, conforme o disposto nesta Constituição. Art. 60º- São crimes de responsabilidade do Secretário de Estado os mesmos definidos em relação ao Governador. CAPÍTULO IV Do Poder Judiciário SECÇÃO I Disposições Preliminares Art. 61º- A Justiça do Estado será organizada em lei. Art. 62º- São órgãos do Poder Judiciário: I - o Tribunal de Justiça; II - os Juizes de Direito; III - o Tribunal do Júri; IV - outros Juizes e Tribunais instituídos por lei. SECÇÃO II Do Tribunal de Justiça e dos Juizes de Direito Art. 63º- O Tribunal de Justiça, com sede na Capital e jurisdição em todo o Estado, compõe-se de nove Desembargadores, cujo número só poderá ser alterado por proposta motivada do Tribunal, em decisão de sua maioria absoluta. Art. 64º- Os Desembargadores e os Juíizes de Direito serão nomeados pelo Governador do Estado, na forma estabelecida pela Constituição da República. Art. 65º- O Tribunal de Justiça só poderá declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, pelo voto de sua maioria absoluta. TÍTULO II Dos Órgãos de Cooperação CAPÍ’TULO I Do Ministério Público Art. 66º- A lei determinará a composição do Ministério Público, suas atribuições, direitos e deveres, respeitando o disposto na Constituição da República. Art. 67º- O Ministério Público tem por Chefe o Procurador Geral do Estado, nomeado pelo Governador dentre brasileiros, graduados em Direito, com seis anos no mínimo de prática forense, de notório merecimento e reputação ilibada. Parágrafo Único - O Procurador Geral tem os mesmos vencimentos dos Desembargadores, sendo, porém demissível “ad-nutum”. Art. 68º- A lei criará um Conselho Superior do Ministério Público, composto do Procurador Geral, do Procurador Fiscal, do Presidente da Ordem dos Advogados (Secção da Paraíba) e do Sub-procurador. Parágrafo Único - Compete ao referido Conselho: a) - organizar e julgar os concursos para ingresso na carreira; b) - proceder asindicações para promoção; c) - aplicar penas disciplinares; d) - as demais atribuições que a lei estabelecer. Art. 69º- Os membros do Ministério Público serão nomeados dentre os graduados em Direito, mediante concurso de provas, e classificados em entrâncias. § 1º- Os Promotores terão direito, anualmente, a sessenta dias de férias, e seus vencimentos não serão inferiores a três quartos dos que perceberem os Juízes das respectivas Comarcas. § 2º- A lei regulará as funções dos Adjuntos e auxiliares do Ministério Público. Art. 70º- O Procurador Geral do Estado será auxiliado por um

Sub-Procurador, nomeado dentre Promotores obedecido o critério de antiguidade e merecimento. CAPÍTULO II Da Segurança Pública Art. 71º- A Polícia Militar, reserva do Exército, instituição permanente do Estado, destina-se à manutenção da ordem e da segurança pública. Parágrafo Único - Como Corporação, a Polícia Militar é subordinada diretamente ao Governador do Estado, salvo os casos previstos na Constituição da República. Art. 72º- Organizada sob a base de disciplina hierárquica e formada de corpos e serviços semelhantes aos do Exército, a Polícia Militar será constituída por alistamento voluntário de brasileiros natos. Art. 73º- Os membros da Policia Militar poderão exercer funções civis, desde que não sejam incompatíveis com a sua missão. Art. 74º- São assegurados ao pessoal da Polícia Militar, da atividade e aos reformados, garantias, prerrogativas, vantagens e direitos iguais aos que a Constituição da República atribui aos militares das Forças Armadas Nacionais. Art. 75º- Os uniformes, distintivos e insígnias da Polícia Militar são privativos e de uso exclusive de seus oficiais e praças. TÍTULO III Da Organização Municipal CAPÍTULO I Disposições Preliminares Art. 76º- O território do Estado é dividido em Municípios e estes em Distritos. Art. 77º- Os Municípios serão organizados por lei, de forma que lhes fique assegurada a autonomia, em tudo o que respeite ao seu peculiar interesse. Art. 78º- O Estado somente intervirá no Município nos casos previstos no artigo 23 da Constituição da República. § 1º- A intervenção será decretada pela Assembléia Legislativa, e o Interventor nomeado pelo Governador do Estado. § 2º- A lei que decretar a intervenção, fixar-lhe-á a amplitude, duração e condições em que deverá ser executada. Art. 79º- Compete ao Município: a) - prover sua administração; b) - decretar e arrecadar tributos e aplicar suas rendas; c) - organizar seus serviços públicos. Art. 80º- São órgãos da administração do Município: I - a Câmara Municipal, composta de Vereadores, com funções legislativas; II - o Prefeito Municipal, com funções executivas. Art. 81º- Os Municípios da mesma região poderão agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços comuns. Art. 82º- Além das rendas ou taxas sobre atos de sua economia, de seus bens e serviços, compete ao Município as decorrentes dos impostos: I - predial e territorial urbano; II - de licenças; III - de indústria e profissão; IV - sobre diversões públicas. Art. 83º- A lei poderá criar um órgão de assistência técnica aos Municípios. Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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CAPÍTULO II Das Câmaras Municipais Art. 84º- As Câmaras Municipais exercerão funções legislativas, com todas as atribuições que a lei especificar, devendo reunir-se, na sede do Município, ordinariamente, duas vezes por ano, ou extraordinariamente, por convocação do Prefeito, ou dois terços de seus membros, sempre que o interesse público o exigir. Art. 85º- São condições de elegibilidade para o Vereador, ser maior de vinte e um anos e estar no gozo dos direitos políticos. Art. 86º- O número de Vereadores será fixado em lei, de acordo com a população de cada Município, não podendo ser inferior a sete. Parágrafo Único - Os Vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato. Art. 87º- Cabe, a qualquer membro das Câmaras Municipais, a iniciativa de lei ou resolução, salvo as orçamentárias e as que aumentem vencimentos, ou criem cargos em serviços existentes. Art. 88º- Os Vereadores serão eleitos pelo prazo de quatro anos. CAPÍTULO III Dos Prefeitos Art. 89º- São órgãos do Executivo Municipal: o Prefeito e o Vice-Prefeito, com mandato de quatro anos. § 1º- São requisitos ao exercício daqueles cargos, ser maior de vinte e um anos e estar no gozo dos direitos políticos. § 2º- Substitui o Prefeito, em caso de impedimento e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Prefeito. Art. 90º- Será de livre nomeação do Governador do Estado e demissível “ad-nutum”, o Prefeito cujo Município estiver nas condições previstas no artigo 28, § 2º, da Constituição da República. Nos demais Municípios, haverá eleição para Prefeito e Vice-Prefeito. Art. 91º- Compete ao Prefeito, além de outras atribuições que a lei lhe conferir: I - sancionar ou vetar os projetos de Lei das Câmaras Municipais e providenciar para que sejam promulgados, publicados e cumpridos; II - dirigir os negócios da administração municipal; III - apresentar, anualmente à Câmara, um relatório de todos os serviços e obras municipais, com as respectivas contas e as sugestões que julgar necessárias; IV - convocar, extraordinariamente, a Câmara Municipal: V - apresentar, anualmente, na segunda reunião, a proposta orçamentária; VI - prover os cargos públicos municipais; VII - tomar a iniciativa das leis que aumentarem vencimentos ou criarem cargos em serviços existentes. Art. 92º- O Prefeito tem remuneração fixada pela Câmara Municipal, na reunião anterior de cada quatriênio. Art. 93º- O Prefeito residirá no Município, não podendo ausentar-se deste, por mais de quinze dias, sem licença da Câmara. TÍTULO IV CAPÍTULO UNICO Da Declaração dos Direitos e Garantias Art. 94º- O Estado assegura a efetividade dos direitos e garantias que a Constituição da República reconhece a nacionais e estrangeiros. Art. 95º- Fica assegurado o direito de requerimento nas repartições públicas estaduais e municipais. A lei regulará o prazo dentro do qual será proferido o despacho, bem como os meios necessários ao rápido andamento das petições. Art. 96º- O Estado e o Municíipio facilitarão as associações

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de classe, culturais, científicas, esportivas, recreativas e educacionais, o uso gratuito de casas de espetáculos, parques e logradouros públicos. TÍTULO V CAPÍTULO ÚNICO Da Ordem Econômica e Social Art. 97º- O Estado contribuirá para tornar efetiva a ordem econômica e social prescrita na Constituição da República. Parágrafo Único - O Estado promoverá, junto às entidades competentes, a execução de um programa de cooperação, visando a melhoria das condições sociais, notadamente, no plano de assistência médica e da habitação para o trabalhador. Art. 98º- A propriedade da terra cria o dever do seu cultivo, exploração e aproveitamento. O imposto territorial será progressivo com a extensão da propriedade e regressivo com o maior aproveitamento da terra, vedada a incidência sobre benfeitorias. Art. 99º- O Estado estimulará a eletrificação rural por meio de fornecimento direto de energia, ou de subvenção e empréstimos. Art. 100º- A agricultura e a pecuária são fontes primaciais de desenvolvimento econômico. O Estado as protegerá e facilitará, disciplinando as culturas fornecendo meios mecânicos e orientação técnica, por intermédio de órgãos especializados e de crédito. Parágrafo Único - Entre as medidas previstas neste artigo, o Estado promoverá: a) - a criação de escolas práticas de agricultura, preferentemente, nas zonas rurais de maior densidade demográfica; b) - a aquisição de máquinas agrícolas em cooperação com os Municípios, e com o Governo Federal, quando possível, que serão cedidas pelo preço do custo aos agricultores, cobrando o Governo módica taxa de juros, quando vendidas a prazo; c) - a criação do Departamento de Padronização das Habitações Rurais, na parte referente aos preceitos básicos de higiene. Art. 101º- O Estado manterá, por si ou em regime de cooperação com a União e os Municípios, a regularidade dos serviços rodoviários, em plano que consulte as necessidades de suas regiões. Art. 102º- O Estado e os Municípios manterão em justo nível os lucros de revenda de tecidos de algodão e gêneros de primeira necessidade, instalando, se preciso, postos de abastecimentos para fornecê-los diretamente à população. Art. 103º- O Estado incentivará a organização de cooperativas de produção, consumo e crédito, que gozarão de isenção de todos os impostos estaduais e municipais. Art. 104º- Toda organização agrícola, industrial ou comercial, localizada fora dos centros escolares e na qual trabalham mais de cinquenta operários, é obrigada a manter, pelo menos, uma escola primária, para ensino gratuito dos empregados, trabalhadores e seus filhos. Art. 105º- O Estado cooperará com a União para realizar o plano de irrigação e colonização das terras das bacias dos grandes açudes. Art. 106º- O Estado proibirá os monopólios, agrupamentos ou organizações que tenham por fim promover o açambarcamento ou prejudicar os interesses dos produtores e consumidores. Art. 107º- O Estado estimulará a produção dos gêneros de primeira necessidade e às indústrias, principalmente as que utilizarem matérias primas da região. Art. 108º- O Estado incentivará o reflorestamento vedando a derrubada de matas nas margens de fontes, nascentes de rios e estradas, organizando parques para conservar a flora e a fauna regionais. Art. 109º- O Estado promoverá a fixação do homem do campo, organizando planos de aproveitamento e colonização, doação e venda de terras devolutas e públicas, respeitada a prioridade dos seus moradores.


Art. 110º- O Estado e os Municipios reservarão, nos seus orçamentos, verbas destinadas a atender ao serviço de assistência social, na forma que a lei regular. Art. 111º- Os serviços de assistência, mantidos por particulares, terão o amparo do Poder Público que os fiscalizará. Art. 112º- O Estado promoverá a extinção da mendicância, executando medidas de amparo aos inválidos. Art. 113º- O imposto de transmissão “causa mortis” variará com o grau de parentesco e será graduado, progressivamente, de acordo com o valor do quinhão hereditário. Parágrafo Único - Será isenta desse imposto a herança, exclusivamente, constituída de casa residencial, de valor inferior a vinte mil cruzeiros, quando forem únicos beneficiários a viúva ou descendentes menores. TÍTULO VI Da Família, da Educação e da Cultura CAPÍTULO I Da Família Art. 114º- O Estado assegurará a gratuidade do casamento civil, aos nubentes pobres, desde a habitação até a celebração do ato. Art. 115º- O Estado assegurara proteção e assistência à família, à adolescência e à maternidade. Parágrafo Único - O Estado prestará, também, assistência especial às famílias de prole numerosa. CAPÍTULO II Da Educação e da Cultura Art. 116º- O Estado organizará o seu sistema de ensino, atendidas as diretrizes e bases da educação nacional. Art. 117º- O Estado distribuirá,eqüitativamente, pelo seu território, escolas secundárias, profissionais e agrícolas, podendo fazê-lo em colaboração com os Municípios, diretamente interessados. Art. 118º- Serão consignadas verbas no Orçamento, destinadas a bolsas em benefício de estudante pobre, de elevada capacidade intelectual, para frequentar escolas secundárias, profissionais ou superiores. Art. 119º- O Estado promoverá e estimulará a criação e manutenção de bibliotecas populares. Art. 120º- O ensino oficial será gratuíto, salvo as restrições previstas em lei. Art. 121º- O Estado incentivará o ensino primário aos adultos, nas cidades e nos campos, de forma a assegurar uma política de alfabetização obrigatória. Art. 122º- O Estado promoverá o ensino rural e técnico, tendo em vista a formação de profissionais e trabalhadores especializados, de acordo com as condições regionais. Art. 123º- O ensino religioso poderá figurar como matéria de curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias, não constituindo, porém, disciplina de freqüência obrigatória. Art. 124º- As instituições culturais terão o amparo do Estado, na medida e pela forma que a lei determinar, desde que seu programa e objetivos não sejam contrários aos postulados da Democracia. Art. 125º- O Estado estimulará o desenvolvimento da Ciência, das Artes e das Letras. Art. 126º- O Estado velará pela conservação dos monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como paisagens e locais dotados de particular beleza. Art. 127º- O Estado dará estímulo e amparo à educação física, que será obrigatória nas escolas públicas e particulares.

CAPÍTULO III Da Polícia Sanitária Art. 128º- O Estado promoverá: a) - a criação da Divisão de Proteção e assistência à Infância, Maternidade e Adolescência, subordinada ao Departamento de Saúde Pública; b) - a formação da consciência sanitária, desde a escola elementar. c) - a obrigatoriedade do ensino elementar de higiene, nos estabelecimentos de assistência médico-social; d) - a instalação de serviços hospitalares regionais; e) - a instalação de postos de saúde, em todas as sedes municipais, em cooperação com os serviços regionais de assistência hospitalar; f) - a criação obrigatória, na Capital do Estado, e nos hospitais regionais, de cursos de enfermeiros especializados em obstetrícia e puericultura. Art. 129º- O Estado e os Municípios cooperarão com a União no combate às grandes endemias rurais e à mortalidade infantil. Art. 130º- O Estado prestará assistência técnica ou financeira aos municípios para a instalação e desenvolvimento de obras e serviços de urbanismo, saneamento e abastecimento d’água. TÍTULO VII Dos Funcionários Públicos CAPÍTULO ÚNICO Art. 131º- O Estado adota, em relação aos funcionários públicos, os princípios expressos na Constituição da República. Art. 132º- A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar, excetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde. Art. 133º- São vitalícios somente os magistrados, os titulares de ofício de justiça e os professores catedráticos. Art. 134º- São estáveis: I - depois de dois anos de exercicio, os funcionarios efetivos, nomeados por concurso; II - depois de cinco anos de exercício, os funcionários efetivos, nomeados sem concurso. Parágrafo Único - O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de confiança nem aos que a lei declare de livre nomeação e demissão. Art. 135º- O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal, computar-se-á, integralmente, para efeito de aposentadoria e disponibilidade. Art. 136º- Os proventos da inatividade serão revistos sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modifiquem os vencimentos dos funcionários em atividade. Art. 137º- As pessoas jurídicas de direito publico interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo Único - Caberá ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando houver culpa deles. Art. 138º- Fica assegurado a todo servidor do Estado, de função vitalícia ou efetiva, qualquer que seja a forma de sua remuneração e independente de limite de idade, o direito de se inscrever como contribuinte do Montepio do Estado da Paraíba, para que possa gozar as vantagens conferidas pela mesma instituição. TÍTULO VIII Disposições Gerais Art. 139º- São símbolos estaduais: a bandeira, as armas, o hino e os selos. Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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Parágrafo Único - Ficam restabelecidos os que foram extintos pela Constituição Federal de 10 de Novembro de 1937. Art. 140º- A linha perimétrica de cada cidade ou vila é considerada cem metros além das últimas casas sujeitas ao imposto territorial urbano. Art. 141º- Quando for perpetrado crime, cujas circunstâncias dificultem a ação das autoridades locais, o Tribunal de Justiça, por proposta do Governador do Estado, designará um magistrado para proceder a inquérito e formação de culpa. Art. 142º- A Constituição poderá ser emendada por proposta do Governador ou de um terço, pelo menos, da Assembléia Legislativa, ou por mais de dois terços das Câmaras Municipais, manifestando-se cada uma pela maioria de seus membros. § 1º- Considerar-se-á aceita a emenda que for aprovada em duas discussões pela maioria absoluta dos membros da Assembléia, por duas reuniões legislativas ordinárias e consecutivas. § 2º- Se a emenda obtiver o voto de três quartos dos membros, em duas discussões, poderá no mesmo ano, ser submetidaà terceira discussão, considerando-se aceita se conseguir a mesma votação. § 3º- A emenda será promulgada e publicada pela Assembléia Legislativa e anexada, com o respectivo número de ordem, ao texto da Constituição. § 4º- Não se procederàà emenda da Constituição na vigência do Estado de sítio que atinja o território do Estado. Art. 143º- São impenhoráveis os bens e rendas do Estado e dos Municípios. Art. 144º- Será obrigatório o planejamento administrativo, para cada período governamental, mediante proposta do Governador, e aprovação da Assembléia Legislativa. Parágrafo Único - A execução do disposto neste artigo será regulada em lei. Art. 145º- Os Municípios ficam igualmente obrigados a organizar o seu planejamento administrativo, mediante proposta do Prefeito, parecer do órgão técnico competente e aprovação da Câmara Municipal. Art. 146º- O Estado e os Municípios aproveitarão, de preferência, no preenchimento dos cargos públicos, em igualdade de condições, os ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira. Art. 147º- A lei estabelecerá a forma de amparo aos ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira que, ao tempo de sua incorporação, residiam neste Estado, assim o auxílio às suas famílias. Art. 148º- São suscetíveis de revisão os contratos e as concessões feitas pelo Estado e Municípios, de 10 de Novembro de 1937 até a data da promulgação desta Constituição, lesivos aos interesses da coletividade. Art. 149º- Continuam em vigor as leis, decretos, regulamentos e resoluções do Governo do Estado e Municípios não contrários aos dispositivos constitucionais. Art. 150º- Esta Constituição e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, depois de assinados pelos Deputados presentes, serão promulgados pela Mesa da Assembléia Constituinte e entrarão em vigor na data de sua publicação. João Pessoa, 11 de Junho de 1947. FLÁVIO RIBEIRO COUTINHO, Presidente; PEDRO AUGUSTO DE ALMEIDA, 1º Secretário; HIATY LEAL, 2º Secretário; ANTÔNIO CABRAL, 3º Secretário; ANTÔNIO BATISTA SANTIAGO, 4º Secretário; PRAXEDES DA SILVA PITANGA, JOÃO LÉLIS, JOÃO GUIMARÃES JUREMA, ANTÔNIO PEREIRA DE ALMEIDA, FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA FILHO, JOSÉ FERNANDES FILHO, JOÃO SANTA CRUZ DE OLIVEIRA, IVAN BICHARA SOBREIRA, OCTACÍLIO NÓBREGA DE QUEIROZ, PEDRO MORENO GONDIM, OTÁVIO AMORIM,

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AGGEU DE CASTRO, ÁLVARO GAUDÊNCIO DE QUEIROZ, ANTÔNIO DE PAIVA GADELHA, BALDUINO MINERVINO DE CARVALHO, ANTÔNIO NOMINANDO DINIZ, BERNARDINO SOARES BARBOSA, CLÓVIS BEZERRA CAVALCANTI, DJALMA LEITE FERREIRA, HILDEBRANDO ASSIS, ISAIAS SILVA, INÁCIO JOSÉ FEITOSA, JACOB GUILHERME FRANTZ, JOÃO FEITOSA VENTURA, JOÃO FERNANDES DE LIMA, JOSÉ DE SOUSA ARRUDA, LINDOLFO PIRES FERREIRA JUNIOR, LUIZ GONZAGA DE OLIVEIRA LIMA, OSVALDO PESSOA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, RENATO RIBEIRO COUTINHO, SEVERINO ISMAEL DE OLIVEIRA, TERTULIANO CORREIA DA COSTA BRITO. ATOS DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS Art. 1º- A Assembleia, após sua função constituinte, passará à fase legislativa ordinária, mantida a atual Mesa durante o período de 1947. Art. 2º- No primeiro domingo, contado cento e vinte dias da promulgação deste ato, reavisar-se-ão em todo o Estado as eleições para Vice-Governador, Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores. § 1º- O Vice-Governador eleito tomará posse vinte dias após a sua proclamação, perante o Tribunal Regional Eleitoral, caso não esteja reunida a Assembléia. § 2º- O mandato do Vice-Governador terminará simultaneamente com o do atual Governador. § 3º- O número de Vereadores às primeiras Câmaras Municipais será igual aos dos antigos conselheiros. Art. 3º- Os municípios, criados posteriormente à Constituição Federal de 1934, terão o número mínimo de Vereadores atribuídos aos demais Municípios. Art. 4º- Em sua primeira sessão ordinária, a Assembléia fixará os subsídios dos Deputados para a atual legislatura e os subsídios do Governador para o primeiro período constitucional. Art. 5º- A primeira legislatura terminará no dia 31 de janeiro de 1951. Art. 6º- A Mesa da Assembléia Legislativa expedirá títulos de nomeação efetiva aos funcionários interinos, ocupantes de cargos criados pela Resolução nº 2, que regulamenta a sua Secretaria. Art. 7º- Os mandatos dos Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores, eleitos na forma do art. 2º deste Ato, terminarão no dia 30 de novembro de 1951. Art. 8º- A discriminação de rendas estabelecidas na Constituição do Estado entrará em vigor a 1º de janeiro de 1948, na parte que modifica o regime anterior. Art. 9º- A contar da data da promulgação deste Ato, ficam os Prefeitos autorizados a expedir decretos-leis, “ad-referendum” das Câmaras Municipais. Art. 10º- Fica proibida a criação solta de gado miúdo na zona Curimatau nos Municípios de Areia, Serraria, Bananeiras e Araruna. Parágrafo Único - A restrição de que trata este artigo somente será admitida aos lugares em que se exerçam atividades agrícolas, em terrenos cercados, com reflexo econômico na vida dos mesmos Municípios. Art. 11º- Enquanto não for revisto e readaptado o atual Regime Interno, o suplente de Deputado no exercício do mandato por mais de trinta dias terá igualmente direito a parte fixa do subsídio. Art. 12º- São considerados feriados estaduais as seguintes datas: 5 de Agosto, em comemoração à fundação da Paraíba, em 1585, e 26 de julho, em homenagem à memória do ex-Presidente João Pessoa. Art. 13º- O Estado deverá, após a conclusão dos estudos já iniciados, limitar ao prazo de dez anos, a contar da promulgação deste Ato, a execução das obras de abastecimento d’água e saneamento do


porto de Cabedelo e das cidades do interior, cuja população exceder de dez mil habitantes. Parágrafo Único - O Município a ser beneficiado com tais melhoramentos concorrerá com o máximo de suas possibilidades financeiras para a realização desse objetivo. Art. 14º- Os Municípios, até que o Estado tenha concluído, em definitivo, o seu plano rodoviário, reservarão obrigatoriamente pelo menos três por cento (3%) dos seus orçamentos para conservação e melhoramento de estradas intermunicipais e inter-distritais. Art. 15º- O Estado promoverá a fundação de uma Faculdade de Filosofia e Letras, com sede na Capital. Art. 16º- Fica criado o Museu do Estado da Paraíba, cuja organização será regulada por lei. Art. 17º- São considerados estáveis os atuais servidores do Estado e dos Municípios, que tenham participado das Forças Expedicionárias Brasileiras. Parágrafo Único - Contar-se-á em dobro o tempo de serviço prestado pelo funcionário que tomou parte na F.E.B. Art. 18º- Serão desanexados dos Municípios de Campina Grande e Cabaceiras, respectivamente, os territórios dos distritos de Caturité e Lêdo, desmembrados dos referidos Municípios pelo art. 2º da Lei nº 488, de 25 de outubro de 1918, restaurada assim a sua situação anterior. § 1º- O distrito de Lêdo voltará à sua antiga denominação de Boa Vista. § 2º - O disposto neste artigo entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1948. Art. 19º- É elevada à categoria de Cidade e convertida em sede de Município e da Comarca de S. João do Cariri, a atual vila de Itamorotinga, restaurado o seu antigo nome de Serra Branca. Art. 20º- O Governo do Estado mandará erigir, nesta Capital, um monumento a André Vidal de Negreiros, em consagração de seu heroísmo e devotamento à causa da Pátria.

Art. 21º- Os Municípios de Sabugi e Misericórdia passarão a denominar-se, respectivamente, Santa Luzia e Itaporanga. Art. 22º- Até três anos da data da promulgação desta Constituição, far-se-á obrigatoriamente a aplicação do disposto no seu artigo 44. Art. 23º- Este Ato será promulgado na forma do art. 150 da Constituição. João Pessoa, 11 de junho de 1947. FLÁVIO RIBEIRO COUTINHO, Presidente; PEDRO AUGUSTO DE ALMEIDA, 1º Secretário; HIATY LEAL, 2º Secretário; ANTÔNIO CABRAL, 3º Secretário; ANTÔNIO BATISTA SANTIAGO, 4º Secretário; PRAXEDES DA SILVA PITANGA, JOÃO LÉLIS, JOÃO GUIMARÃES JUREMA, ANTÔNIO PEREIRA DE ALMEIDA, FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA FILHO, JOSÉ FERNANDES FILHO, JOÃO SANTA CRUZ DE OLIVEIRA, IVAN BICHARA SOBREIRA, OCTACÍLIO NÓBREGA DE QUEIROZ, PEDRO MORENO GONDIM, OTÁVIO AMORIM, AGGEU DE CASTRO, ÁLVARO GAUDÊNCIO DE QUEIROZ, ANTÔNIO DE PAIVA GADELHA, BALDUINO MINERVINO DE CARVALHO, ANTÔNIO NOMINANDO DINIZ, BERNARDINO SOARES BARBOSA, CLÓVIS BEZERRA CAVALCANTI, DJALMA LETTE FERREIRA, HILDEBRANDO ASSIS, ISAIAS SILVA, INÁCIO JOSÉ FEITOSA, JACOB GUILHERME FRANTZ, JOÃO FEITOSA VENTURA, JOÃO FERNANDES DE LIMA, JOSÉ DE SOUSA ARRUDA, LINDOLFO PIRES FERREIRA JÚNIOR, LUIZ GONZAGA DE OLIVEIRA LIMA, OSVALDO PESSOA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, RENATO RIBEIRO COUTINHO, SEVERINO ISMAEL DE OLIVEIRA. g (*) Todo o processo de elaboração desta Constituição está narrado no Capítulo VI, do livro História Constitucional da Paraíba, de autoria do historiador Flávio Sátiro Fernandes. (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009).

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REFLEXÕES FRAGMENTOS IMPRESSIONISTAS Carlos Alberto Jales

• A poesia é uma forma de mostrar o estranhamento por estarmos no mundo. • O poeta é sempre um exilado, um ser perdido na paisagem, um pássaro à procura de seu vôo. • O poeta é sempre um navegante e nunca encontra um porto definitivo. • O poeta é um ser provisório. • A verdadeira poesia resiste a todas as modas, ou melhor a todos os modismos. • A verdadeira poesia só é fiel à palavra, este artefato inventado pelo homem, esse instrumento mais poderoso do que qualquer arma. • Não pergunte ao poeta o que ele quis dizer no poema. O poeta não saberia dizer. O poeta só sabe criar, transformar a palavra, inventar outra linguagem. Só o leitor é capaz de explicar o poema, se é que o poema pode ser explicado. • O que faz com que o texto seja verdadeiramente um poema? • É quando este texto (o poema) utiliza como recurso as imagens, as metáforas, as paráfrases, as antinomias, as obliterações, os símbolos. • É por esta razão que a poesia é fundamentalmente a outra linguagem, a segunda palavra, como bem expressa Otávio Paz. A poesia é sempre a palavra transgressora.

• O que caracteriza fundamentalmente o poema é o ritmo, uma certa musicalidade, uma certa cadência, um certo caminho que se percorre. Aliás, o poema se afirma muito mais pelo que não diz, muito mais pelo que sugere do que pelo seu enunciado. O poema é uma grande reticência. • • • O ser humano é um animal simbólico, um animal delirante. Um animal que recusa e porque recusa cria outra linguagem, diferente da linguagem matemática, da linguagem científica, da linguagem filosófica, da linguagem musical. O homem é um animal que sonha e joga. O poema é de certa forma um jogo e como todo jogo é uma atividade lúdica. • A poesia não é um conhecimento prático, um conhecimento que ensine a comprar e a vender, que explique a bolsa de valores, um saber que nos oriente no mundo do mercado. A poesia visa apenas a fruição pura e simples da emoção estética, desta emoção que não tem preço, exatamente porque não pode ser mensurada de nenhuma forma. • Para Gerardo Melo Mourão, poeta, a poesia não pode estar a serviço de nenhuma causa, por mais nobre que ela seja. A poesia só deve ser fiel a ela mesma, só deve ser a manifestação da soberania da palavra, longe de toda luta ideológica. Toda poesia engajada é uma traição à própria poesia. • Quais são os temas preferidos do poeta? Manuel Bandeira nos diz que tudo é matéria de poesia, entendendo-se por isto o olhar polissêmico do poeta, atento ao mundo que o cerca. Mas se tudo é matéria de poesia, o poeta deve encontrar a técnica, o fazer, o construir com os instrumentos da poesia para trabalhar com o cotidiano. A poesia é uma ideia que encontrou uma forma, nos ensina o poeta Francisco de Carvalho.

• Alguém já me disseque para ser poeta não é necessário ler os bons poetas, tomar conhecimento de suas obras.

• Não acredito em rótulos para classificar a poesia: concreta, marginal, engajada, política, religiosa. Toda vez que a poesia se coloca a serviço de uma causa, deixa seu caráter de poesia para ser apenas uma escrava do panfletarismo. Na bela expressão do poeta Anderson Braga Horta, a poesia é a “recriação do êxtase em palavras”

• Respondi que é absolutamente essencial conhecer o fazer poético, se apropriar da construção do poema, de seu arcabouço teórico, de suas leis (sim, suas leis) para que o texto mereça este nome.

• É comum se perguntar se a poesia tem um lugar ou um momento para surgir. A poesia pode nascer num lugar estranho ou numa hora inesperada. Uma visão romântica diz que a inspiraçãovem

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em momentos de placidez, em lugares silenciosos. No entanto, a inspiração e a criação poética surgem de um labor ininterrupto, de um estado permanente de tensão interior, de estudos e leituras contínuas • O poeta Rilke escreveu a um jovem que aspirava a ser poeta e que reclamava da falta de inspiração, dizendo-lhe que mesmo que tenhamos perdido tudo, mesmo que estejamos presos num lugar infecto, se tivermos as lembranças da infância, ainda assim teremos tudo, pois Baudelaire afirma que a “poesia é o reencontro com a infância”. Poesia e infância são irmãs gêmeas. • • • Quem não tem memóriada infância dificilmente será um poeta, pois “há sempre uma morte por trás de tudo a nas lembranças de quando éramos crianças talvez resida a pior das mortes”, nos ensina Silvério Duque, no belíssimo livro Ciranda de Sombras. • • • Que poetas devemos ler? Mario Quintana nos aconselha a só lermos os poetas que falem às nossas emoções. Quintana diz que o poeta de nossa predileção não é necessariamente o mais famoso, o mais conhecido, o mais elogiado pela crítica, mas aquele que permite que nos encontremos com nosso eu profundo, aquele que nos proporciona a fruição da beleza, que é o fim último da poesia. • Antônio Cícero, poeta e compositor, autor do livro Filosofia e Poesia, faz uma distinção clara entre estas duas formas de verdade. Enquanto a Filosofia é um conhecimento que tudo questiona e procura as causas primeiras, a Poesia é um tipo de conhecimento que não trabalha com lógica formal, mas tem por objetivo último a beleza, expressa pela palavra, mas não por qualquer palavra, mas pela palavra transgressora e recriadora da realidade.

• O poeta cearense Francisco Carvalho afirmou numa entrevista, que a poesia é um teatro sem plateia, uma ribalta vazia. Pessimismo, desânimo? Ou apenas a certeza de que a poesia é uma forma de expressão que transcende o dizer comum, presente em outras formas de arte. Ao utilizar o recurso da metáfora, da simbolização, da aliteração, da contradição, das anáforas, o poeta está convidando o leitor a outra forma de leitura, que não descreve simplesmente a realidade, mas a transforma e a recria. • Repete-se, à exaustão, que a poesia(aliás, como a Filosofia)em nada contribui para a construção do mundo, da sociedade. • Sob o ângulo do mercado, das relações econômicas, do pragmatismo político, a poesia não tem nenhuma utilidade. A poesia não lida com artefatos materiais, com as coisas que povoam o mundo. A principal função da poesia é fazer da palavra um objeto de prazer. Um poema não compra, não vende, mas proporciona um sentimento de beleza, de fruição estética, de enlevamento e encanto. Pode-se imaginar a civilização Grega sem a Odisseia e sem a Ilíada de Homero?A cultura latina seria a mesma sem as obras de Virgílio e Ovídio? E a história Lusitana privada do poema épico Os Lusíadas, de Luís Camões? E a Literatura Italiana seria a mesma e não existisse a Divina Comédia, de Dante? São todas obras fundamentais, interligadas pelo tempo, verdadeiros Patrimônios da Humanidade. • Por que o poeta escreve? Para ser lido? Para ficar famoso? Ou escreve para exorcizar seus fantasmas interiores? Acredito que o poeta escreve porque este é seu destino, sua missão. Só a poesia o ajuda a lidar com seu desespero lúcido, com seu medo radical, com seu estranhamento do mundo, com a passagem do tempo, com a vida, com a morte. É inevitável ouvir Anderson Braga Horta: “o poema é uma máquina de voar; e a poesia é o voo.

• De alguma forma, a poesia é uma explosão e mais do que isto, uma epifania feita de imagens, ritmos, metáforas, sons, palavras genesíacas, sentidos ocultos, intervenções na lógica. A poesia é um clarão numa noite escura, uma contra linguagem, uma ruptura do falar comum. A poesia é uma segunda voz, uma segunda manifestação da fala.

• O entorpecente do poeta é a palavra. Recriadora, sedutora, misteriosa, ambígua, dilacerada, surpreendente. Palavra em permanente êxtase. • • • Poesia e Infância: uma simbiose perfeita. E a voz de Fernando Pessoa, ecoando: “no tempo em que festejavam o dia de meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto”.

• Qualquer pretendente o poeta precisa ler os bons poetas, não para imitá-los, mas para apreender a forma, a configuração, a cadência, o ritmo, as regras da estrutura do poema, as imagens. Como escreveu Henriques do Cerro Azul, “a poesia sempre foi técnica e continuará a sê-lo séculos afora. O Poeta, que não domina a técnica, não será um poeta, será um marginal da história literária”. O fazer poético é muito exigente.

• A consciência da passagem do tempo é um dos temas fundamentais do poeta. E ninguém expressou tanto este sentimento como Manuel Bandeira, no poema Profundamente, uma síntese perfeita entre a perda da infância e o sentimento da ausência daqueles que partiram. Uma obra prima de rara beleza.

• O poema fala mais por seus silêncios, por suas reticências, que não expressa claramente. As palavras poéticas são como um bosque: os espaços entre as árvores dão o sentido ao todo da floresta. Do mesmo modo, o vazio ou o vácuo entre as palavras conferem o sentido ao poema, articulam suas partes, harmonizam suas contradições • •

• Às vezes, penso que Manoel de Barros não é um poeta, e sim um pássaro canoro. Ou não seria um saguim olhando o mundo de cima de uma árvore? • Me incomoda essa tendência de endeusar certos poetas, consequentemente em detrimento de outros. Até parece que existe um poetômetro, uma espécie de escola ou de régua para classificar os Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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poetas. Fico com Mário Quintana: “o melhor poeta é aquele que fala às minhas emoções”. O resto é coisa de clubes de elogios mútuos, de cânones criados por muitos tipos de interesses. • A poesia de Adélia Prado me encanta. Sobretudo pela sua busca incessante de Deus. Para ela, Deus é seu aguilhão, seu acicate, a serpente que morde seu calcanhar. Adélia Prado é muito amiga de Deus. • Por que poetas de grande valor são tão esquecidos pela crítica de nosso país? Por que as universidades com seus cursos de Letras remetem ao limbo poetas como Dante Milano, Alphonsus Guimarães Filho, Helena Kolody, Edmir Dominguez, Zila Mamede, Tasso da Silveira, Bueno de Rivera, Francisco Carvalho, Henriqueta Lisboa, Jorge de Lima, Mauro Motasó para falar nos que morreram? Este é mais um mistério a acrescentar à vida literária do Brasil • O Simbolismo é um movimento literário subestimado e até mesmo desprezado pela crítica brasileira. Com exceção talvez de Cruz e Souza, de Costa e Silva e Alphonsus de Guimarães, os outros poetas são pouco conhecidos e estudados. Por que isto acontece? Francini Ricierí afirma que esta pouca importância dos simbolistas se deve à comparação com os poetas parnasianos, uma vez que estes sempre serviram à cena nacional, sempre foram considerados como os verdadeiros fundadores da identidade

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literária brasileira. Para os Simbolistas restaram ser chamados de beletristas, vazios, desenraizados, fiéis ao colonizador. É hora de poetas como B. Lopes, Eduardo Guimarães, Emiliano Perneta, Alceu Wamocy, entre outros, voltarem à cena da poesia brasileira • O mar povoa a poesia de Camões, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Bryner Andersen, Cecília Meireles, Vanildo Brito, Zila Mamede, Edmir Dominguez, Carlos Pena Filho entre outros. O mar e seus abismos. • Se a poesia é inútil, como escutei ultimamente, é inútil também um pôr do sol, o sorriso de uma criança, uma palavra de carinho e apreço, a lealdade de um amigo. Por essas inutilidades, a vida continua. Foi Paulo Leminski quem afirmou que “a poesia é um inutensílio”. E é Adélia Prado quem disse: “o que a memória ama, fica eterno”. • Fujamos dos formalismos experimentais e de todos os ismos. Pois como aconselha Carlos Nejar, “a verdadeira vanguarda é a consciência do real, capazde o espelhar, transformando. A poesia só é fiel à palavra recriadora.” • Nietzsche diz só acreditar nos livros escritos com o sangue. Eu só acredito nos poetas que escrevem com as entranhas. g


LITERATURA DIÁRIO DE BORDO – O LEGADO DE JACQUES DROUVOT: UM ROMANCE DE AVENTURAS? Neide Medeiros Santos

A leitura de um romance nos conduz a diferentes caminhos. Há lembranças, experiências, fatos históricos, vivências que o autor carrega no seu imaginário e transporta para o ficcional. Isso nos dá muitas vezes a impressão de que se trata de uma história real. Livros de memórias, biografias, autobiografias e diários sempre estiveram presentes na literatura de todos os tempos e os diários de bordo faziam parte das viagens dos descobrimentos, dos livros de aventuras. Na literatura infantil, encontramos vários livros em forma de diário e alguns alcançaram repercussão internacional como O Diário de Anne Frank. Diário de Bordo – O Legado de Jacques Drouvot (Chiado Editora, 2015), de Francisco Antonio Cavalcanti, poderia ser considerado um romance de aventuras se fosse apenas isso, mas constatamos que o livro vai muito além da mera classificação do gênero. Estamos diante de um historiador, psicólogo e pesquisador atento aos mínimos detalhes históricos, às descrições geográficas e dos ambientes. É um escritor que sabe lidar com a construção dos personagens e matizar com eficiência o tempo passado x presente. No prefácio, Vicente Serejo afirma que Diário de Bordo vem marcado por uma trama envolvente, construída com “momentos de inegável densidade psicológica”, o que pode ser facilmente corroborado com a leitura do livro. Dividido em vinte e dois capítulos, cada um deles proporciona uma viagem por territórios distintos: dados históricos e geográficos, análise dos personagens, jogos temporais e um enredo que não cansa, antes, é um estímulo para prosseguir na leitura que sempre tem algo surpreendente para revelar. Há aspectos dessa engenhosa narrativa que ficarão marcados para

sempre na lembrança do leitor e vamos destacar alguns desses momentos que revelam o grau de aprimoramento técnico do escritor. A ação se passa em diversos países e cidades, entre outras, João Pessoa (Praia da Penha), Montreal (Canadá), São Paulo, Nice (França) e no mar. Há fatos que são apresentados com precisão matemática. Influência profissional? A cidade de Nice e suas atrações turísticas são decantadas de forma muito poética. A visita de Marcelo e Daphne a esta cidade e o reencontro com os familiares é inesquecível. O delicioso almoço servido pelos avós de Marcelo que moravam em Nice (um peixe grelhado com legumes ao vapor), regado ao vinho “bourgogne” branco, uma deliciosa sobremesa à base de cerejas, o café acompanhado de um licor produzido em um mosteiro dos Alpes, denota o requintado gosto da família de Marcelo. O passeio pelas ruas, praças, jardins, museus, ficará gravado para sempre na memória do leitor. É tudo tão vivamente retratado que se tem a impressão de que o autor do livro vivenciou intensamente a bela cidade francesa, o que é verdade. O hotel Negresco, situado na Promenade des Anglais, avenida Beira-Mar, em Nice, data do início do século XX, local escolhido pelo casal Marcelo e Daphne na visita à bela cidade da Côte D´Azur. O hotel conserva o mesmo luxo da época da inauguração. Se o interesse maior do livro reside em desvendar o mistério que envolve o manuscrito de Jacques Drouvot, e essa parte está afeita aos personagens masculinos, as mulheres do romance ocupam um lugar de destaque, vêm revestidas de um halo de simpatia. A única exceção é Dona Rita, a sogra de Nazaré, uma pessoa amarga e que parece não desejar que a ex-nora volte a

ser feliz. (Nazaré é viúva, tem dois filhos e mora com a sogra). Daphne, Mireille, Marina, Nazaré e Sofia são portadoras de bons sentimentos e se realizam através do amor e dedicação ao trabalho que executam. O capítulo XVII – “Enfim, o Encontro” é a concretização de um amor desejado, sonhado entre um homem e uma mulher. O encontro amoroso entre Jorge e Nazaré é preparado carinhosamente por Jorge – a seleção musical escolhida – “Adios Nonino”, de Astor Piazzola, um vinho do Porto, um buquê de rosas vermelhas na cama do casal, uma pequena caixa de veludo negro, contendo um anel de ouro branco e um cartão com estes dizeres: “Como prova de quanto te quero”. Todo o ambiente é preparado para o que vem a seguir. Um momento de beleza indescritível. É a presença da sensualidade lírica. Após a leitura de Diário de Bordo – o legado de Jaques Drouvot, consideramos que a classificação “romance de aventuras” é insuficiente para dizer tudo que o livro encerra, daí a interrogação do título do ensaio. Não poderíamos deixar de fazer referência à bela capa do livro – uma foto com efeitos artísticos de uma fragata original do século XVIII pertencente ao Museu Náutico de Amsterdam, na Holanda. Atente-se para a cor sépia da capa, tudo condiz com a época do manuscrito de Jacques Drouvot. O retrato do autor que aparece na orelha do livro retrata essa mesma nau. Muita coisa ainda está guardada nas páginas desse romance que é um misto de aventura, paixão, amor à pesquisa, relevo aos fatos históricos, conhecimentos náuticos. O desfecho do romance guarda surpresas. O desvelamento é tarefa para o leitor. g

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PARANINFADO ORAÇÃO AOS BACHARÉIS DO OESTE POTIGUAR (*) Paulo Bonavides Minhas Senhoras e meus Senhores: O ato solene da colação de grau da primeira turma de bacharéis da Faculdade de Direito de Pau dos Ferros tem significado histórico relevante. Concretiza ele a ação cultural da universidade que chega, em fase iluminista de humanismo, de progresso e de civilização, aos sertões mais áridos e sacrificados da região nordestina. Muito nos honra, por conseguinte, apadrinhar a plêiade de bacharéis que inauguraram as classes duma faculdade de leis, aos quais dirigimos, no ato de fundação desta Casa, as palavras do nosso apoio, da nossa cooperação docente, da nossa solidariedade espiritual, manifestando a convicção e a certeza de que a iniciativa era louvável, promissora e fecunda. Demais disso, prognosticamos que a obra lograria pleno êxito, como agora se confirma nesta cerimônia que tanto nos comove e sensibiliza pelo seu alcance, dimensão e sentido. Ao discursar mais uma vez em ocasião tão memorável nos anais desta cidade norteriograndense, não posso me eximir de render merecida homenagem ao Professor Paulo Lopo Saraiva, extensiva aos demais membros do corpo docente deste estabelecimento. E ela se justifica porque o idealismo de Lopo Saraiva esteve no berço e na infância da instituição que ele ajudou a projetar, fundar e construir. De maneira que, hoje, com muito júbilo, Paulo Lopo Saraiva vê seus discípulos chegarem ao termo da jornada acadêmica aptos a exercerem as profissões da carreira jurídica.

truir o regime é irretorquivelmente fomentar a corrupção e dar ingresso ao fantasma da crise constituinte. Vemos por toda parte levantar-se o clamor da opinião, a voz da cidadania, o descontentamento do povo ameaçado do esbulho de suas conquistas sociais, a insatisfação das classes desprotegidas, e prisioneiras de piratas políticos, o torpor das elites retrógradas, a fé púnica de parcelas parlamentares falsamente representativas. Estamos quase às vésperas duma comoção política que poderá fazer o sistema submergir. Mas ao naufrágio há de reagir o idealismo da vossa geração, a força dos vossos sentimentos, a inteireza moral da vossa consciência, as lições de justiça, de civismo e de liberdade ministradas por vossos Mestres. Todos esses fatores hão de vos inspirar reflexão, prudência e ponderação; requisitos inderrogáveis, sem os quais malogrará a travessia da crise. Volver à ditadura, jamais! Foi ela o flagelo do passado e nós queremos a esperança do futuro! A ditadura sepultou três repúblicas constitucionais desde a queda do Império e se fez abominável. A sábia lição lida nos capítulos da nossa história política e constitucional dará o rumo aos passos da nação a fim de que esta não caia debaixo das sombras funestas da autocracia com a perda irreparável de alguns direitos humanos fundamentais.

II

Os caminhos da democracia passam, de necessidade, pela ética no exercício do poder. Sem ética não vingará o mais alto princípio que coroa a conduta dos homens públicos, do cidadão ao estadista: o princípio da dignidade da pessoa humana. Prevení-vos, pois, caros bacharéis, contra as ditaduras que falseiam a democracia, usurpam a soberania popular, enfraquecem a nação, confiscam valores, cerram as portas do Congresso, atropelam a independência e separação dos poderes, extinguem os foros

A colação de grau acontece numa quadra republicana de crise e problemas, de tal sorte que temos, como padrinho e conselheiro amigo, a obrigação de exarar algumas considerações acerca da crise que aflige o país. Do nosso ponto de vista, impende-nos dizer aquilo que parece já uma evidência, a saber, que a mais criminosa, a mais maligna, a mais subreptícia forma de minar as instituições, solapar a ordem constitucional e des-

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III

da cidadania, atentam contra os direitos fundamentais, afrontam a liberdade, a justiça e a Constituição, perseguem, censuram e oprimem, encarcerando os patriotas da resistência constitucional, os insubmissos ao arbítrio dos que governam em rebeldia e contravenção do bem comum, da paz social, da legitimidade, da segurança pública. A pior das tiranias é aquela que, dissimulada e irremediável, se abate sobre a sociedade, e a nação, fazendo o povo padecer o terror branco da violência, da impunidade, da revolta por viver na incerteza do dia seguinte. IV Vossa formatura ocorre, por conseguinte, em noite de crise nacional. Mas tendes para enfrentá-la a fibra patriótica da vossa coragem, a serenidade da vossa devoção à gleba natal, o afeto de alma e coração aos sertões do semiárido, o espírito de regionalidade que nunca esmoreceu em vosso ânimo, a memória dos antepassados que fincaram suas raízes culturais, suas bandeiras de sobrevivência em face da natureza bravia e hostil, bem como da desumanidade e opressão social dos tempos coloniais. Fatores estes devem estar presentes à vossa consciência encorajando a determinação de não capitular, de não recuar, de espancar as trevas que se adensam nos horizontes do futuro. V A história constitucional do país comprova que o presidencialismo tem sido no Brasil a pior forma de governo desde a Independência. Tornou-se execrável a partir da queda da república constitucional de 1946, quando a mão de ferro da ditadura militar o degenerou até as derradeiras conseqüências de autoritarismo e poder pessoal. Como forma de governo republicano, teve o presidencialismo seu berço na União Americana e o seu trespasse nos palácios presidenciais da América Latina. Deixou assim de ser modelo de legitimidade.


De tal sorte que, um cadáver insepulto governa as repúblicas do continente e ninguém percebe. Esse cadáver é o presidencialismo que tem legalidade mas não tem legitimidade na doutrina dos libertadores. Em verdade, é o presidencialismo a menos ética das formas de governo. E a ética, antítese da corrupção, se faz uma das forças auxiliares mais eficazes com que prevenir o colapso de governos e instituições. Em épocas extremas e amargas de conflitos sociais e políticos, de sacrifícios coletivos, um valor mais alto como a ética deve entrar, pois, na consciência do povo, da nacionalidade, das camadas de governo, em todas as circunscrições de poder. Não há porém democracia com um corpo de legisladores desprovidos de ética, carentes de idoneidade representativa; muito menos ela vinga onde acontece paralisia e submissão das

agremiações políticas à onipotência dos ditadores. O que há então é fraude à democracia, à legitimidade, ao pluralismo; é a extrema unção dada aos poderes legítimos. Não há tampouco república quando a impunidade, a desídia, o erro e o crime fazem indignos governos, partidos, parlamentos e magistraturas; quando os tribunais não exercem a contento a prestação jurisdicional; quando as colunas éticas de sustentação do regime desabam; quando os cânones, valores e princípios desertam as esferas do poder; enfim, quando a servidão do povo ocupa o espaço que o Estado de Direito preenchia. VI Concluo, portanto, esta oração acrescentando breves considerações acerca da ética, guardiã inseparável de toda ação profissional

na senda da justiça, da liberdade, das relações humanas e dos direitos fundamentais. Com efeito, a ética reflete o lado bom da condição humana, do mesmo modo que o caráter retrata a alma. A ética não tem ideologia, não existe maquiavelismo ético. O homem ético é ao mesmo passo imagem e protótipo do homem justo; um ser unicamente atado a sua consciência, invulnerável a pressões, sobretudo imune ao passionalismo. Quem corrompe o caráter, destrói os tecidos mais nobres do coração, os valores mais altos do universo humano, os sentimentos mais puros da comunhão social. Meus caros bacharéis da Faculdade de Direito de Pau dos Ferros! Congratulo-me com a vossa formatura e agradeço penhorado a honra do apadrinhamento que me outorgastes! Muito obrigado. g

Conheça a História Constitucional dos Estados Brasileiros, elaborada conjuntamente pelos constitucionalistas Paulo Bonavides e Flávio Sátiro Fernandes,em edição primorosa da Editora Malheiros PEDIDOS PARA: Malheiros Editores Ltda.

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Especialista em Direito Administrativo Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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HISTÓRIA A MORTE DE JOÃO SUASSUNA Rostand Medeiros

Diante da recente morte do escritor Ariano Suassuna, muito de sua vida foi trazida ao conhecimento de milhares de brasileiros. Entre os muitos aspectos da biografia deste paraibano que marcou a história do Nordeste, um dos principais pontos abordados foi a importância da figura de seu pai, João Suassuna, em sua vida. Em inúmeros textos foi comentado, normalmente de maneira bem básica, que João Suassuna havia sido governador da Paraíba e que ele foi assassinado no ano de 1930, em meio às repercussões ocasionadas pela morte de João Pessoa e os acontecimentos políticos daquele período tumultuado da história do Brasil. Mas, ao observamos com mais detalhes a figura do pai do grande escritor, que morreu quando Ariano tinha apenas três anos de idade, descobrimos uma história muito intensa, interessante e trágica! O BACHAREL SERTANEJO Há dez anos, com a ajuda do amigo Sérgio Dantas, autor de três maravilhosos livros sobre o cangaço, eu dei início a uma inacabada pesquisa por quatro estados nordestinos sobre a vida e morte do cangaceiro paraibano Chico Pereira. Esta motivação vinha do fato de ser imputado a este cangaceiro e seu bando, em fevereiro de 1927, o assalto a fazenda Rajada, em Acari, na região do Seridó Potiguar. Na época, esta fazenda pertencia a Joaquim Paulino de Medeiros, meu bisavô e durante grande parte da minha juventude escutei inúmeras vezes os relatos deste episódio através de vários parentes queridos. No desenrolar das pesquisas vi que a história de Francisco Pereira Dantas, o verdadeiro nome de Chico Pereira, possuía ligações com a trajetória política de João Suassuna. Até mesmo a sua morte, ocorrida em 1928 na zona rural de Currais Novos, em um rumoroso caso de violência estatal, que manchou a biografia do então governador potiguar Juvenal Lamartine de Farias, tam-

bém possui ligações com o pai de Ariano. Mas de maneira totalmente independente do fato de João Suassuna ser pai do autor de “Auto da Compadecida”, busquei conhecer mais sobre sua vida. João Suassuna no início de sua carreira Nascido João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, veio ao mundo em Catolé do Rocha, Paraíba, no dia 19 de janeiro de 1886. Anos depois estudou na conceituada e tradicional Faculdade de Direito de Recife, onde se bacharelou em 1909. O início de sua carreira como advogado foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois, João Suassuna assumiu o posto de juiz nas cidades de Umbuzeiro e Campina Grande, ambas na Paraíba. Na sequência foi Procurador da Fazenda Nacional no seu estado natal. Em 1 de dezembro de 1913, quando tinha 27 anos, casou com Rita de Cássia Vilar Suassuna, então com 17 anos, a quem chamava carinhosamente de Ritinha. Quando Castro Pinto esteve à frente do executivo paraibano (1912-1915), João Suassuna assumiu cargos de importância na máquina governamental. Em 1917, após esse período de governo, voltou a ser juiz, desta vez na cidade de Monteiro (PB). Foi nesta época que João Suassuna adquiriu uma propriedade chamada “Malhada da onça”, para onde seguia ocasionalmente. A fazenda ficava em Desterro, local de nascimento de sua mulher, na época, uma comunidade pertencente ao município paraibano de Teixeira. Em 1919, deixou a magistratura e foi trabalhar no antigo Instituto Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS e nesta época adquiriu a Fazenda Acauã, na época localizada na zona rural do município de Sousa1. No começo da década de 1920, João Suassuna foi convidado pelo então governador Solon de Lucena para assumir a Inspetoria do Tesouro do Estado e, depois, foi eleito deputado federal. Estava no exercício

do mandato parlamentar no Rio de Janeiro, então Capital Federal, quando foi escolhido Presidente da Paraíba, cargo que corresponde, hoje, ao de governador. O mandato de João Suassuna se caracterizou em grande parte por uma valorização das ações desenvolvidas pelos grandes latifundiários de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da utilização de grupo de jagunços armados, da conivência com grupos de cangaceiros e outras ações. Foi nesta época, no palácio do governo da Paraíba, que servia de residência oficial do chefe do executivo daquele estado, mais precisamente no dia 16 de junho de 1927, que nasceu um dos nove filhos do casal João e Rita. Foi batizado como Ariano. João Suassuna entregou o cargo em 22 de outubro de 1928 a João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e assumiu novamente uma das vagas de deputado federal pela Paraíba. PROBLEMAS À VISTA! João Pessoa discordava da forma como o grupo político que o elegera conduzia a política do seu estado e logo surgiram sérias divergências com os latifundiários. Um dos maiores embates estava na cobrança de taxas de exportação do algodão. Por esta época os coronéis exportavam o produto principalmente através do porto de Recife, provocando enormes perdas de divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e efetivamente cobrar os impostos, João Pessoa implantou diversos postos de fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma os caudilhos, que pejorativamente passaram a chamar o Presidente de “João Cancela”.

Em 1945 o antigo IFOCS passou a se chamar Departamento Nacional de Obras Contras as Secas – DNOCS. A Fazenda Acauã é um importante patrimônio histórico rural paraibano. Com 300 anos de história, é a mais antiga fazenda de gado e algodão do Sertão da Paraíba. Está localizado a 409 quilômetros da capital, atualmente se localiza na zona rural da cidade de Aparecida. Ariano Suassuna morou no casarão, durante parte de sua infância, e se inspirou em Acauã para escrever suas obras. Ver http://sednemmendes.blogspot.com.br/2013/05/visitando-o-sitio-historico-da-fazenda.html

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Os embates políticos entre o governador e os coronéis foram crescendo. A maior liderança entre estes poderosos foi sem dúvida o coronel José Pereira Lima. Verdadeiro imperador da região oeste da Paraíba, na área da fronteira com Pernambuco, tendo como base, a cidade de Princesa, ele discordava com veemência das ações de João Pessoa. Do embate entre estes dois homens, resultou um dos maiores conflitos armados do Brasil Republicano. A contenda teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando ocorreu a invasão da cidade de Teixeira por parte da polícia paraibana, com o aprisionamento de membros da conceituada família Dantas, ligada por profundos laços de parentesco e interesses ao coronel José Pereira. Apesar do Presidente João Pessoa não contar com o apoio do Palácio do Catete, cujo titular, Washington Luís, não viabilizou uma efetiva ajuda às forças policiais paraibanas, o governador paraibano foi à luta. Em meio aos conflitos da chamada “Guerra de Princesa”, no dia 26 de julho de 1930, um sábado, João Pessoa estava na Confeitaria Glória, em Recife, quando foi atingido por dois disparos desfechados pelo advogado paraibano João Duarte Dantas. Da mesma família Dantas da região de Teixeira, consta que após realizar uma viagem João Dantas encontrou seu escritório na capital paraibana violado. Entre os objetos roubados estavam cartas e poemas eróticos, além de fotografias sensuais, trocados com a sua amante, a poetisa Anayde Beiriz. Estes materiais teriam sido roubados por membros da polícia paraibana, sob as ordens de João Pessoa, sendo colocados em locais públicos. Diante dessa exibição João Dantas foi à confeitaria vingar a sua privacidade violada2. Após o crime, João Pessoa se tornou um grande herói para o povo paraibano e seu assassinato foi o estopim da conhecida Revolução de 1930. Neste meio tempo cresceu descontroladamente o radicalismo na Paraíba e muito sangue correu3.

A PARTIDA Por ser João Suassuna casado com uma prima de João Dantas, ter sido eleito deputado federal com o apoio dos Dantas da cidade de Teixeira e do coronel José Pereira, o pai de Ariano ficou na mira dos familiares, amigos e correligionários do falecido João Pessoa. No dia da morte do então presidente paraibano na Confeitaria Gloria, João Suassuna se encontrava no Recife. Já sua família, inclusive o menino Ariano de três anos, estava na capital paraibana, em uma casa alugada ao Dr. Mariano Falcão, na Rua das Trincheiras. Diante do aumento da tensão na capital, Rita Suassuna e seus nove filhos vão se refugiar no 22º Batalhão de Caçadores, ou 22º BC, atual 15º Batalhão de Infantaria Motorizada. Em pouco tempo João Suassuna conseguiu apoio do rico empresário Frederico João Lundgren e consegue apoio do Exército para trazer sua família para uma casa mobiliada, pertencente a este empresário e localizada na cidade pernambucana de Paulista. Um dado interessante foi que a escolta da família Suassuna era comandada pelo tenente Agildo Barata4. O deputado João Suassuna recebeu a comunicação de que havia sido denunciado como cúmplice no assassinato de João Pessoa e teria que ir ao Rio de Janeiro para se defender na Câmara dos Deputados. No Porto do Recife ele embarcou no paquete “Zelândia” e lá estava toda a sua família para as despedidas. Mesmo tendo naquela ocasião apenas três anos de idade, Ariano Vilar Suassuna sempre relatou ao longo de sua vida que jamais esqueceu a partida do seu pai para a Capital Federal, pois aquela foi a última ocasião em que o viu com vida. João Suassuna chegou à Capital Federal no dia 22 de outubro de 1930 e se apresentou à Câmara Federal. Lá soube que tramitava na comissão de constituição e justiça um pedido do deputado estadual pernambucano João Paes de Carvalho Barros, para que fosse concedida uma licença para abrir uma investigação sobre a sua participação como cúmplice no assassinato de João Pessoa. Logo o pedido foi indeferido pelo presiden-

te da casa, o deputado federal João Santos5. TEMPO DE REVOLTA Não tarda e a convulsão política eclode. A conhecida Revolução de 1930 teve seu início em 03 de outubro de 1930, uma sexta feira, com movimentos sincronizados que foram levados a efeito no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Paraíba. Mesmo diante desta situação, o deputado João Suassuna se coloca ao lado do presidente Washington Luís, junto com mais de uma centena de políticos. Todos se encontraram na tarde do dia 4 de outubro no Palácio da Guanabara, atual sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, onde morava o mandatário que em breve seria deposto6. Os dias seguiam com mais notícias preocupantes vindas da Paraíba e de Pernambuco. Na capital paraibana, na madrugada do dia 4 de outubro, poucas horas após o movimento ter-se iniciado, os revolucionários atacaram o 22º BC e ali morreu o general legalista Alberto Lavanère Wanderley, comandante da 7ª Região Militar. Já o 23º BC da cidade de Sousa, opôs resistência aos revolucionários. Logo em seguida sublevaram-se o 25º BC de Teresina, o 24º BC de São Luís e o 29º BC de Natal. Em Recife o movimento encontrou uma resistência maior por parte das forças legalistas, que se haviam colocado de prontidão ao surgirem notícias da revolução. A vitória dos revolucionários, contudo, foi garantida pelo apoio popular à insurreição, tendo ocorrido, inclusive, distribuição de armas aos populares. Já na manhã do dia 5 de outubro, o movimento havia triunfado em Pernambuco, antes mesmo que os reforços provenientes da Paraíba chegassem a Recife. No dia seguinte a posição dos revoltosos se consolidou quando o presidente do estado, Estácio Coimbra, abandonou o governo7. TIRO MORTAL Enquanto as notícias das sublevações e lutas pelo Brasil afora preocupavam os cariocas e o governo Washington Luís seguia para seus últimos dias, João Suassuna se di-

Segundo material existente no site www.http//pb1.com.br , o vereador Fernando Milanez, sobrinho-neto de João Pessoa, afirmou que a versão de que o assassinato teria sido um crime passional é um “absurdo”, porque, segundo ele, João Pessoa nem conhecia João Duarte Dantas. Para a família de João Pessoa, o ex-presidente foi vítima de ambição e mentira, e a causa do assassinato teria sido política. Independente do motivo, João Dantas, junto ao seu cunhado, Augusto Caldas, que não havia participado do crime, foram presos na Casa de Detenção do Recife. Em 6 de outubro de 1930, nos primeiros dias da Revolução de 1930, os dois teriam sido assassinados. A versão oficial indicou suicídio. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898 3 No início de 1929 ainda estava em vigência a conhecida “política do café com leite”, em que políticos de Minas Gerais e de São Paulo se alternavam na presidência da república. O então Presidente Washington Luís, indicou o governador São Paulo, Júlio Prestes, como seu sucessor. Apenas três estados negaram o apoio a Prestes: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Os três se uniram a políticos de oposição de diversos estados e formaram, em agosto de 1929, um grupo de oposição denominado Aliança Liberal. No dia 20 de setembro do mesmo ano foram anunciados os candidatos oposicionistas às eleições presidenciais. Getúlio Vargas seria candidato a Presidente do Brasil e João Pessoa seria o candidato a vice-presidente. Após perder as eleições, que foram realizadas em março de 1930, a Aliança Liberal alegou que a vitória de Prestes era decorrente de fraudes. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898 4 O empresário pernambucano Frederico João Lundgren (1879-1946) foi uma espécie de desbravador em seu tempo. Tratado como coronel, gerou 22 filhos, teve várias mulheres e se tornou uma espécie de lenda do comércio ao levar tecidos e outras mercadorias a dezenas de pequenas cidades do interior do país. Herdeiro de uma tecelagem, Lundgren teve, em 1908, a ideia de criar uma cadeia de varejo pela qual pudesse vender seus produtos. Era o começo das conhecidas Casas Pernambucanas. Ver – http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0726/noticias/a-sobrevivente-m0053283 e http://tokdehistoria.com.br/2014/05/12/oxente-hitler-arquivos-e-documentos-mostram-que-os-nazistas-estiveram-na-paraiba/ 5 Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 4 de outubro de 1930, página 4. 6 Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 5 de outubro de 1930, na 1ª página. Apesar do Palácio do Catete ser a antiga residência dos Presidentes da República, quando tomou posse Washington Luís decidiu residir no Palácio da Guanabara. 7 Ver – http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_1930 2

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vidia entre saber notícias de sua família e a atividade parlamentar. Nesta época o deputado paraibano morava no quarto 63, do Novo Hotel Belo Horizonte, localizado na Rua Riachuelo, 130, no bairro de Botafogo. Suassuna tinha o hábito de sempre descer ao “hall” principal para ler os jornais ainda pela manhã. Naquela quinta feira, 9 de outubro de 1930, ele estava nesta atividade quando apareceu uma visita. Era o farmacêutico paraibano Caio Gusmão, que há quatro meses residia no Rio. Eram cerca de oito e quarenta da manhã, quando o deputado decidiu seguir junto com seu visitante para o Palácio Tiradentes, sede da Câmara Federal. Estava vestido de paletó de casimira cinza e sapatos pretos8. Os dois caminharam um bom trecho pela Rua Riachuelo, quando Suassuna olhou para o céu e comentou… – Parece que vai chover e vou buscar minha capa no hotel! Deu meia volta, avançou alguns passos, mas nesse momento foi atingido por um disparo de arma de fogo. Suassuna tentou sacar um revólver “Colt” que conduzia, mas caiu no chão já morto por apenas aquele único tiro. O fato ocorreu na altura do número 111, próximo à esquina com a Rua dos Inválidos9. Caio Gusmão nada pôde fazer, o corpo ficou em decúbito dorsal, com o revólver do falecido ao lado e a sua mão manchada de sangue10. Logo encheu-se de gente a rua. Rapidinho se espalhou a notícia sobre quem havia sofrido aquele atentado e o espanto dos transeuntes foi geral. Populares chamaram a “Assistência”, o SAMU da época, que logo chegou, mas nada pôde fazer em favor de João Suassuna. Em pouco tempo o delegado do 12º Distrito Policial, o Dr. Eunápio Hardman Castello Branco, em companhia do comissário Antônio Pizarro de Morais, chegou ao local e depois vieram várias outras autoridades policiais. Das primeiras investigações descobriram que o assassino fugiu pela Rua Paula Matos, em direção ao Morro de Santa Tereza. Foi comentado aos policiais que o atirador possuía estatura mediana, vestia paletó branco, usava boné de casimira negra e calçava “tennis”11.

Desde os primeiros momentos que os jornais cariocas apontavam que a razão do assassinato de João Suassuna era vingança pela morte de Joao Pessoa e mesmo com revoltas pipocando no país, os revolucionários de 1930 ainda não tinham conquistado a Capital Federal. Começou então a caçada ao assassino. Inicialmente em uma vila, um policial encontrou um revólver de grosso calibre do tipo “buldogue” e uma pistola modelo “Liberty”. Além de toda a roupa utilizada pelo pistoleiro na hora do crime. Logo os investigadores perceberam pelas pistas deixadas que um cúmplice estava dando apoio ao matador. Fosse pela importância de João Suassuna, ou por eficiência (ou uma soma destes dois fatores), o certo é que ás onze e meia da noite do dia 9 de outubro, policiais da 2ª Delegacia Auxiliar capturaram o assassino. Este se chamava Miguel Alves de Souza e havia sido preso no grande sobrado que pertencia ao engenheiro Joaquim de Souza Leão, localizado na Rua São Clemente, 261, bairro de Botafogo, a poucos metros da tradicional Igreja e Colégio Santo Inácio. Assim que foi preso Miguel Alves confessou o crime12. Paraibano de Alagoa Grande, tinha 30 anos, havia chegado ao Rio pelo vapor “Itapuy” no dia 18 de julho de 1929, trabalhava como tratador de cavalos de cavalos e depois se tornou empregado do engenheiro Joaquim de Souza Leão. Em uma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, publicada no caderno especial do jornal paraibano “A União”, edição de 12 de fevereiro de 2013, página 3, Ariano Suassuna comentou que o assassino de seu pai foi preso na casa do concunhado de João Pessoa13. Provavelmente os algozes de João Suassuna tinham a ideia de que a polícia carioca jamais concluiria que na casa de gente tão graúda, como Dr. Joaquim de Souza Leão, encontraria um elemento que havia matado covardemente um homem pelas costas. TRAMA ASSASSINA No dia 10 de outubro, enquanto as autoridades “apertavam” Miguel para ele dar conta do assassinato, no Senado Federal, para onde seguiu o corpo de João Suassuna,

ocorreram várias homenagens. O ex-governador potiguar, então senador, José Augusto Bezerra de Medeiros, proferiu um interessante discurso sobre a vida do falecido político paraibano. Houve uma missa de corpo presente, várias autoridades estiveram no velório e foram colocadas muitas coroas de flores. João Suassuna foi enterrado no tumulo número 611, no cemitério São João Batista, em Botafogo. Mas nem sua mulher e nenhum de seus nove filhos esteve presente! Enquanto isso, na delegacia, Miguel Alves de Souza confessou que recebeu o apoio de outro paraibano chamado Antônio Granjeiro. Este era carteiro dos Correios e Telégrafos no Rio, e foi quem lhe forneceu as armas e o apoiou na sua fuga. Granjeiro foi logo preso14. Os dois comparsas entregaram então Octacílio de Lucena Montenegro, um funcionário do Tribunal de Contas, como a pessoa que procurou Granjeiro, lhe deu o dinheiro para a compra das armas do crime e a ordem para procurar alguém disposto a apertar o gatilho. E quem era Octacílio de Lucena Montenegro? Na mesma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, Ariano Suassuna comentou que foi Octacílio quem intermediou junto a Granjeiro o assassinato de seu pai e que Octacílio era sobrinho do então coronel do Exército Aristarco Pessoa, irmão de João Pessoa15[15]. Demorou mais alguns dias para prenderem Octacílio, mas ele foi finalmente detido na Tijuca. Para dirimir dúvidas, o investigador Silvio Terra fez uma acareação na 2ª Delegacia Auxiliar entre Octacílio, Granjeiro e Miguel Alves e para o policial ficou patente a participação de Octacílio. Mas este negou peremptoriamente sua participação. Para os policiais, Antônio Granjeiro, homem pobre e com numerosa família (tinha onze filhos), era considerado “doentio e muito sugestionável” e as preleções de Octacílio, que entre outras coisas dizia “- Será que não existe um paraibano que seja capaz de vingar a morte de João Pessoa?” surtiram efeito desejado. Granjeiro foi atrás de Miguel e o crime ocorreu. Entre outras acusações, Granjeiro foi apontado como o homem que seguiu João

Este hotel não existe mais, entretanto a estrutura ainda existe, está conservada e o local ainda é utilizado como hotel. Trata-se do Hotel Monte Alegre e fica localizado na mesma Rua Riachuelo, esquina com a Rua Monte Alegre. Este local fica bem próximo a atual sede da renomada Editora Folha Dirigida. 10 Os jornais listam que além de sua aliança, de 200 mil réis em dinheiro, um relógio e abotoaduras de ouro, João Suassuna levava a licença para portar sua arma e alguns papéis. Entre estes uma carta fechada para a esposa. 11 Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 9 de outubro de 1930, 1ª página e o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 10 de outubro de 1930, página 2. Desde os primeiros momentos as investigações ficaram a cargo do investigador Silvio Terra, figura lendária da polícia investigativa carioca, cujo nome atualmente batiza a Academia de Polícia Civil do Rio de Janeiro. 12 Joaquim Souza Leão era um puro exemplo de um membro oriundo da mais alta elite agrária açucareira pernambucana. Era sobrinho de desembargador, de senador do Império, do Visconde de Campo Alegre e filho de Antônio de Souza Leão, rico fazendeiro pernambucano da região de Moreno e que havia recebido do Imperador Pedro II o título de Barão de Morenos. Um de seus filhos foi embaixador. Ver – http://morenoengenho.blogspot.com.br/ 13 13] Ver – 8 9

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Suassuna, conheceu sua rotina, comprou as duas armas usadas no crime e chegou a enviá-las para um armeiro quando foram detectados defeitos nelas. Foi ele quem adquiriu a munição e no dia 7 de outubro, dois dias antes do crime, foi com Miguel Alves praticar tiro ao alvo nas margens da hoje superpovoada lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Jóquei Clube do Rio. Os três acusados, entre estes um carteiro e um tratador de animais, foram defendidos por ninguém menos que advogado Clóvis Dunshee de Abranches, considerado um dos maiores criminalistas do Brasil na época e famoso pelo rumoroso caso Sylvia Seraphin Thibau16. Mas nesta época nem foi tão necessária a participação de um jurista tão renomado para defender estes homens, pois logo os revolucionários chegaram ao Rio de Janeiro, depuseram o presidente e assumiram o poder. No vácuo institucional, em meio às alegrias da vitória, os três homens responsáveis pela morte de João Suassuna foram soltos17. EM BUSCA DE JUSTIÇA Foi Rita Suassuna que não deixou a morte de seu marido cair no esquecimento. Tempos depois ela enviou uma carta extremamente intensa e emocionada ao então Presidente Getúlio Vargas e este mandou reabrir o caso. Em pouco tempo a morte de João Suassuna voltou às páginas dos periódicos cariocas. Foram decretadas as prisões de Antônio Granjeiro e Miguel Alves. O primeiro foi preso em casa, no Rio. O segundo foi capturado na Paraíba e recambiado de navio para a Capital Federal18. Já os autos do processo simplesmente haviam sumido. Para completar o quadro os jornais noticiaram que novos depoimentos alteraram a situação de Octacílio de Lucena Montenegro e ele sequer prestou mais algum depoimento19. O promotor Francisco Belizário Velloso Rabello se preparou para o julgamento acu-

sando os réus de “assassinato premeditado e sem direito a defesa”. Apoiando a promotoria, a pedido de Rita Suassuna, estava o advogado e ex-senador paraibano José Gaudêncio20. Já o advogado Clóvis Dunshee de Abranches apresentou em favor dos réus a alegação que o crime por eles cometido “ocorreu em um período de intensa perturbação política devido à morte de João Pessoa” e isso gerou nos assassinos de João Suassuna “uma forte perturbação dos sentidos e da inteligência”21[21]. Visando a reforçar a defesa, o advogado Dunshee de Abranches conseguiu do “Centro Paraybano” no Rio de Janeiro, entidade de apoio aos paraibanos que viviam na Capital Federal, mas também servia de local de encontros políticos, uma carta em defesa dos réus. Produzida por Arthur Victor, presidente da instituição, a carta é uma longa peça acusatória contra João Suassuna, que mostra bem os processos da política radical daqueles tempos. Entre outras coisas está descrito que Irineu José do Nascimento, padrasto de Miguel Alves, e um 1º sargento reformado da polícia paraibana, haviam sido fuzilados “por ordem de João Suassuna”, deixando sua mãe e três irmãos no desamparo. Sua família foi obrigada a fugir para Pernambuco, onde sofreram “sérias perseguições” por parte de Estácio Coimbra, então governador daquele estado. Já Antônio Granjeiro nasceu em 1888, chegou ao Rio em 1912, entrou nos Correios e Telégrafos e foi transferido para Diamantina (MG). Depois de retornar para o Rio começou a participar das atividades do “Centro Paraybano” e na época em que se iniciaram os movimentos políticos contra o governo Washington Luís, o destemido Granjeiro era uma espécie de segurança e forte entusiasta pela causa liberal. A carta do presidente do “Centro Paraybano” menciona um episódio envolvendo Granjeiro, na época que o corpo de João

Pessoa chegou para ser enterrado ao Rio de Janeiro. Quando da passagem do féretro por uma grande avenida, em meio à multidão, o carteiro gritou a plenos pulmões um “De joelhos!” e docilmente se ajoelhou diante do caixão do Presidente assassinado e seu gesto seguido por muitos presentes. Aparentemente isso o tornou uma figura de destaque do “Centro Paraybano”22. O julgamento começou ao meio dia de uma quarta feira, 18 de novembro de 1931, sob a presidência do juiz Nelson Hungria. O corpo de jurados era formado por sete homens e, apesar da atenção que aquele júri despertava entre os cariocas, tudo ocorreu de forma rápida e os dois réus foram absolvidos por 5 a 2 e a promotoria recorreu23. NOVO JULGAMENTO Em 8 de janeiro de 1933 houve um novo julgamento, desta vez sendo presidido pelo juiz Antônio Eugênio Magarinos Torres, tendo como promotor Rufino de Loy e novamente à frente da defesa o competente Clóvis Dunshee de Abranches. Percebemos que, tal como o julgamento ocorrido em 1931, este segundo embate jurídico atraiu a atenção dos cariocas, sendo francamente noticiado na imprensa local. O promotor Rufino fez uma longa acusação. Já o advogado de defesa, com enorme desenvoltura, buscou destruir todos os argumentos da promotoria. Mostrou com extrema eloquência a sofrida história de vida dos réus, apontando-os como “nordestinos pobres”. Trouxe para o tribunal o clima de revolta e instabilidade política de outubro de 1930, tornou a ler a carta do “Centro Paraybano” e colocou os réus fora da classe dos “criminosos vulgares”. Citou vários juristas, psiquiatras e médicos para explicar como as emoções políticas tinham a ver com o assassinato de João Suassuna. Ele relembrou a epopeia dos “18 do Forte”, fazendo uma relação deste caso para justificar o clima emocional dos réus diante da morte de João Pessoa24. Dunshee de Abranches fez até mesmo

Ver o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 11 de outubro de 1930, página 2 e o jornal “Diário carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página. Segundo Ariano Suassuna, na década de 1950, quando ele entrou na Faculdade de Direito de Recife, conheceu o filho do Joaquim Pessoa Cavalcante de Albuquerque, irmão de João Pessoa, que isentou o pai da morte de João Suassuna. Mas não o tio Aristarco Pessoa e nem a participação de Octacílio de Lucena Montenegro no crime. Ver – 16 Sylvia Seraphin Thibau era uma jornalista, escritora e poetisa, era casada com o médico João Thibau Júnior e mãe de dois filhos. Sylvia foi acusada pelo jornal carioca “A Crítica” de ter traído o marido, mantendo um caso com o também médico Manuel Dias de Abreu, mais tarde inventor da abreugrafia. Irritada, ela foi à redação do jornal armada, para matar o editor, Mario Rodrigues, no dia 26 de novembro de 1929. Como Mário não estava no jornal, Sylvia acabou atirando no filho dele, o também jornalista Roberto. No local, assistindo ao crime, estava o irmão da vítima, Nelson Rodrigues, então com 17 anos. O processo criminal foi acompanhado por uma feroz campanha promovida pelo jornal, que chamava a ré de “literata do Mangue” e “cadela das pernas felpudas”. Seu julgamento foi o primeiro no Brasil a ser transmitido ao vivo pelo rádio. O advogado Clovis Dunshee de Abranches alegou que Sylvia havia se descontrolado por ter sido caluniada e conseguiu a sua absolvição. Ela suicidou-se em 1936, depois de abandonada por um tenente-aviador por quem havia se apaixonado. Ver http:// pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADlvia_Serafim_Thibau 17 Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 4 de novembro de 1930, página 9. Neste jornal temos uma longa declaração de Silvio Terra, se defendendo de acusações feitas por Octacílio de Lucena Montenegro através dos jornais. As acusações de Octávio apontam que este havia sido torturado pelos policiais para confessar sua participação na morte de Ariano Suassuna. Não encontrei a edição de jornal com a publicação de Octávio contra Silvio Terra. Mas encontrei a carta de defesa do investigador aos seus superiores e publicada nos jornais do Rio. Este investigador é muito claro, direto e contundente em suas afirmativas, além de negar veementemente o uso de tortura contra os detidos. O então coronel Bertoldo Klinger, líder revolucionário, elogiou o posicionamento do policial. Ver também “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3. 18 Miguel Alves estava incluso no crime previsto no Artigo 294, parágrafo 1º, com agravantes do Artigo 39, parágrafos 2º, 7º, 8º e 13º. Já Granjeiro era acusado nos mesmos artigos, acrescentando o artigo 18, parágrafo 3º. Lembrar que estas acusações faziam parte Código Penal anterior ao que atualmente está em vigência. Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página. 19 Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3. Os jornais da época não informam quem, quando e onde ocorreram estes depoimentos que livraram Octacílio de Lucena Montenegro deste processo. Nem comentam nada mais sobre o sumiço dos autos e sequer é mais comentado por qualquer razão o nome do Joaquim de Souza Leão como presumidamente envolvido no crime. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3. 20 Ver jornal “A Esquerda”, Rio de Janeiro, edição de 21 de setembro de 1931, página 4. 21 Ver jornal “A Esquerda”, Rio de Janeiro, edição de 21 de setembro de 1931, página 4. 14 15

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considerações para o crime de regicídio. Em determinada hora, como era praxe no tribunal no Rio, houve a parada para o “chá”25. Depois do retorno e finalização dos debates, os jurados se recolheram para decidir o futuro dos réus. Em 30 minutos trouxeram para o juiz Magarinos Torres o “Veredictum”, condenando Miguel Aves de Souza há seis anos e Antônio Granjeiro a quatro anos de detenção26[26]. O julgamento teve outros desdobramentos. A família Pessoa, através do filho de João Pessoa, o jornalista Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, abriu fogo com suas baterias jurídicas, processando o promotor Rufino de Loy. Entre outras coisas consideradas um acinte pela família e ditas pelo promotor na tribuna, estava que os réus “eram conhecidos da família Pessoa”. Não sei o resultado deste processo. A TROCA Evidentemente que para Rita Suassuna o resultado do julgamento foi decepcionante, uma verdadeira lástima. Mas o pior foi a viúva de João Suassuna saber que Antônio Granjeiro passou pouco mais de um ano na

cadeia e ainda conseguiu que os seus “serviços” pela causa liberal fossem “plenamente recompensados” com a sua liberdade. Mesmo condenado no tribunal, este verdadeiro “alpinista político”, que queria ascensão com o sangue alheio, foi reincorporado aos Correios e Telégrafos em junho de 1934 e voltou a sua primitiva função de carteiro no Rio de Janeiro. Já o assassino Miguel Alves de Souza se perdeu no “oco do mundo”! Na época a família Pessoa foi muito eficaz em criar em torno da morte de João Pessoa, toda uma condição de perpetuação da memória desta família na Paraíba. Começa que a atual denominação da capital paraibana é “João Pessoa”, fato único entre as capitais estaduais brasileiras. Depois basta fazer uma pequena pesquisa no Google e se percebe o alto número de ruas e logradouros com nomes e sobrenomes ligados a família do governador morto na Confeitaria Glória. Já Rita Suassuna, depois de várias mudanças e provações, levou seus filhos para a cidade de Taperoá, no sertão paraibano. Ali, em uma região onde isso era a praxe, lutou

para que seus cinco filhos homens jamais partissem para vingar a morte do pai. Entretanto a família de João Suassuna sempre perpetuou a memória de João Suassuna e isso se incorporou no jovem Ariano, mesmo com tão pouca idade na ocasião da morte de seu pai. Mesmo sem saber mensurar o quanto o peso da morte de João Suassuna contribuiu para moldar o Ariano Suassuna escritor, eu creio que de certa maneira ele realizou a sua “vingança” através dos seus escritos. Se a família Pessoa buscou se perpetuar em nomes de ruas e logradouros na Paraíba, certamente Ariano se imortalizou na mente e nos corações de milhões de paraibanos, nordestinos e brasileiros com as suas obras. O autor deste trabalho acredita que por muitas décadas e séculos no futuro, o nome e as obras de Ariano Suassuna serão obrigatórias para o entendimento do Nordeste. Contudo, eu tenho certeza que ele, Ariano Vilar Suassuna, trocaria tudo o que conseguiu com as letras para ter tido a oportunidade de ver seu pai conhecer seus filhos, ter acompanhado a sua vida e estar ao lado de g João Suassuna no dia da morte deste.

22 Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de setembro de 1931, página 3. Por mais estranha que esta história de ficar de joelhos diante do caixão de João Pessoa possa parecer, naquela época, naquelas circunstâncias, isso aconteceu de verdade. Na capital paraibana o nível de fanatismo em 1930 era tal, que se alguém tocasse em um local público uma certa música criada para homenagear o morto ilustre, e alguém gritasse um sonoro “De joelhos!”, aí de quem não cumprisse a ordem. Ou era surrado, ou preso! Em outros estados também ocorreram muitas manifestações radicais. No Rio Grande do Norte, como consequência direta das mudanças da mudanças políticas da Revolução de 1930, a campanha estadual de 1934 foi uma das mais violentas da história política potiguar, com vários mortos em meio a inúmeras arbitrariedades. 23 Ver jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 19 de novembro de 1931, página 3. É interessante comentar sobre o juiz Nelson Hungria Hoffbauer. Este nasceu em Além Paraíba, Minas Gerais, em 1891, iniciou sua vida pública como promotor de Rio Pomba, em seu estado natal. Nomeado juiz em 1924, foi magistrado por 46 anos, tendo sido nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1951, do qual chegou à presidência e se aposentou em 1961. Hungria é tido como um dos luminares de nossa cultura jurídico-penal, onde deixou escrito 17 obras e 150 monografias. Foi considerado o líder intelectual da redação do Código Penal de 1940, além de ter participado da elaboração do Código de Processo Penal, da Lei de Contravenções Penais e ainda da Lei de Economia Popular. Seus Comentários ao Código Penal (8 volumes) influenciaram gerações de juristas brasileiros e constituíram referência obrigatória para a compreensão de nosso sistema jurídico penal. Ver – http://www.memorial.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=114 24 [24] A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi uma revolta tenentista ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 5 de julho de 1922. Foi a primeira revolta tenentista da República Velha. Teve a participação de 17 militares e um civil. Suas causas principais estão no descontentamento dos tenentes com o monopólio político do poder no Brasil por parte das oligarquias (principalmente ricos fazendeiros) de Minas Gerais e São Paulo. Embora o movimento tivesse sido planejado em várias unidades militares, somente o Forte de Copacabana e a Escola Militar se levantaram no dia 5 de julho de 1922. O forte foi bombardeado e a rendição dos rebeldes foi exigida. O tenente Siqueira Campos e um grupo de militares rebeldes pegaram armas e marcharam pelas ruas em direção ao Palácio do Catete (sede do governo federal na época). Durante a marcha alguns militares desistiram, ficando apenas 17 que receberam o apoio na rua de um civil, totalizando 18. Os rebeldes foram cercados pela tropa do Governo Federal. Após forte tiroteio em frente ao posto 3 da praia de Copacabana, somente Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram e foram presos. Os outros dezesseis integrantes do movimento foram mortos no combate. 25 Regicídio é o assassinato de um rei, seu consorte, de um príncipe herdeiro ou de outras formas de regentes, como presidentes e primeiro-ministros. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Regic%C3%ADdio 26 Ver o periódico “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, nas edições de 7 e 8 de janeiro de 1933, sempre nas 1ª páginas. Igualmente ver o jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª e 5º páginas.

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FICÇÃO ASSOMBRAMENTO - HISTÓRIA DO SERTÃO Afonso Arinos

À beira do caminho das tropas, num tabuleiro grande, onde cresciam a canela-d’ema e o pau-santo, havia uma tapera. A velha casa assombrada, com grande escadaria de pedra levando ao alpendre, não parecia desamparada. O viandante a avistava de longe, com a capela ao lado e a cruz de pedra lavrada, enegrecida, de braços abertos, em prece contrita para o céu. Naquele escampado onde não ria ao sol o verde escuro das matas, a cor embaçada da casa suavizava ainda mais o verde esmaiado dos campos. E quem não fosse vaqueano naqueles sítios iria, sem dúvida, estacar diante da grande porteira escancarada, inquirindo qual o motivo por que a gente da fazenda era tão esquiva que nem ao menos aparecia à janela quando a cabeçada da madrinha da tropa, carrilhonando à frente dos lotes, guiava os cargueiros pelo caminho a fora. Entestando com a estrada, o largo rancho de telha, com grandes esteios de aroeira e mourões cheios de argolas de ferro, abria-se ainda distante da casa, convidando o viandante a abrigar-se nele. No chão havia ainda uma trempe de pedra com vestígios de fogo e, daqui e dacolá, no terreno acamado e liso, esponjadouros de animais vagabundos. Muitas vezes os cargueiros das tropas, ao darem com o rancho, trotavam para lá, esperançados de pouso, bufando, atropelando-se, batendo uns contra os outros as cobertas de couro cru; entravam pelo rancho adentro, apinhavam-se, giravam impacientes à espera da descarga até que os tocadores a pé, com as longas toalhas de crivo enfiadas no pescoço, falavam à mulada, obrigando-a a ganhar o caminho. Por que seria que os tropeiros, ainda em risco de forçarem as marchas e aguarem a tropa, não pousavam aí? Eles bem sabiam que, à noite, teriam de despertar, quando as almas perdidas, em penitência, cantassem com voz fanhosa a encomendação. Mas o cuiabano Manuel Alves, arriei-

ro atrevido, não estava por essas abusões e quis tirar a cisma da casa mal-assombrada. Montado em sua mula queimada frontaberta, levando adestro seu macho crioulo por nome “Fidalgo” - dizia ele que tinha corrido todo este mundo, sem topar coisa alguma, em dias de sua vida, que lhe fizesse o coração bater apressado de medo. Havia de dormir sozinho na tapera e ver até onde chegavam os receios do povo. Dito e feito. Passando por aí de uma vez, com sua tropa, mandou descarregar no rancho com ar decidido. E enquanto a camaradagem, meio obtusa com aquela resolução inesperada, saltava das selas ao guizalhar das rosetas no ferro batido das esporas; e os tocadores, acudindo de cá e de lá, iam amarrando nas estacas os burros, divididos em lotes de dez, Manuel Alves, o primeiro em desmontar, quedava-se de pé, recostado a um mourão de braúna, chapéu na coroa da cabeça, cenho carregado, faca nua aparelhada de prata, cortando vagarosamente fumo para o cigarro. Os tropeiros, em vaivém, empilhavam as cargas, resfolegando ao peso. Contra o costume, não proferiram uma jura, uma exclamação; só, às vezes, uma palmada forte na anca de algum macho teimoso. No mais, o serviço ia-se fazendo e o Manuel Alves continuava quieto. As sobrecargas e os arrochos, os buçais e a penca de ferraduras, espalhados aos montes; o surrão da ferramenta aberto e para fora o martelo, o puxavante e a bigorna; os embornais dependurados; as bruacas abertas e o trem de cozinha em cima de um couro; a fila de cangalhas de suadouro para o ar, à beira do rancho, denunciaram ao arneiro que a descarga fora feita com a ordem do costume, mostrando também que à rapaziada não repugnava acompanhá-lo na aventura. Então, o arrieiro percorreu a tropa, correndo o lombo dos animais para examinar as pisaduras; mandou atalhar à sovela algumas cangalhas, assistiu à raspagem da

mulada e mandou, por fim, encostar a tropa acolá, fora da beira do capão onde costumam crescer as ervas venenosas. Dos camaradas, o Venâncio lhe fora malungo de sempre. Conheciam-se a fundo os dois tropeiros, desde o tempo em que puseram o pé na estrada pela primeira vez, na era da fumaça, em trinta e três. Davam de língua às vezes, nos serões de pouso, um pedação de tempo, enquanto os outros tropeiros, sentados nos fardos ou estendidos sobre os couros, faziam chorar a tirana com a toada doída de uma cantilena saudosa. Venâncio queria puxar a conversa para as coisas da tapera, pois viu logo que o Manuel Alves, ficando ai, tramava alguma das dele. - O macho lionanco está meio sentido da viagem, só Manuel. - Nem por isso. Aquele é couro n’água. Não é com duas distâncias desta que ele afrouxa. - Pois olhe, não dou muito para ele urrar na subida do morro. - Este? Não fale! - Inda malhando nesses carrascos cheios de pedra, então é que ele se entrega de todo. - Ora! - Vossemecê bem sabe: por aqui não há boa pastaria; acresce mais que a tropa deve andar amilhada. Nem pasto, nem milho na redondeza desta tapera. Tudo que sairmos daqui, topamos logo um catingal verde. Este pouso não presta; a tropa amanhece desbarrigada que é um Deus nos acuda. - Deixe de poetagens, Venâncio! Eu sei cá. - Vossemecê pode saber, eu não duvido; mas na hora da coisa feia, quando a tropa pegar a arriar a carga pela estrada, é um vira-tem-mão e Venâncio p’r’aqui, Venâncio p’r’acolá. Manuel deu um muxoxo. Em seguida levantou-se de um surrão onde estivera assentado durante a conversa e chegou à Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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beira do rancho, olhando para fora. Cantarolou umas trovas e, voltando-se de repente para o Venâncio, disse: - Vou dormir na tapera. Sempre quero ver se a boca do povo fala verdade uma vez. - Hum, hum! Está aí! Eia, eia, eia! ~ Não temos eia nem peia. Puxe para fora minha rede. - Já vou, patrão. Não precisa falar duas vezes. E daí a pouco, veio com a rede cuiabana bem tecida, bem rematada por longas franjas pendentes. - Que é que vossemecê determina agora? - Vá lá à tapera enquanto é dia e arme a rede na sala da frente. Enquanto isso, aqui também se vai cuidando do jantar... O caldeirão preso à rabicha grugrulhava ao fogo; a carne-seca no espeto e a camaradagem, rondando à beira do fogo lançava à vasilha olhares ávidos e cheios de angústias, na ansiosa expectativa do jantar. Um, de passagem atiçava o fogo, outro carregava o ancorote cheio de água fresca; qual corria a lavar os pratos de estanho, qual indagava pressuroso se era preciso mais lenha. Houve um momento em que o cozinheiro, atucanado com tamanha oficiosidade, arremangou aos parceiros dizendolhes: - Arre! Tem tempo, gente! Parece que vocês nunca viram feijão. Cuidem de seu que fazer, se não querem sair daqui a poder de tição de fogo! Os camaradas se afastaram, não querendo turrar com cozinheiro em momento assim melindroso. Pouco depois chegava o Venâncio, ainda a tempo de servir o jantar ao Manuel Alves. Os tropeiros formavam roda, agachados, com os pratos acima dos joelhos e comiam valentemente. - Então? perguntou Manuel Alves ao seu malungo. - Nada, nada, nada! Aquilo por lá, nem sinal de gente! - Uai! É estúrdio! - E vossemecê pousa lá mesmo? - Querendo Deus, sozinho, com a franqueira e a garrucha, que nunca me atraiçoaram. - Sua alma, sua palma, meu patrão. Mas... é o diabo! - Ora! Pelo buraco da fechadura não entra gente, estando bem fechadas as portas. O resto, se for gente viva, antes dela me jantar eu hei de fazer por almoçá-la.

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Venâncio, defunto não levanta da cova. Você há de saber amanhã. - Sua alma, sua palma, eu já disse, meu patrão; mas, olhe, eu já estou velho, tenho visto muita coisa e, com ajuda de Deus, tenho escapado de algumas. Agora, o que eu nunca quis foi saber de negócio com assombração. Isso de coisa do outro mundo p’r’aqui mais p’r’ali - terminou o Venâncio, sublinhando a última frase com um gesto de quem se benze. Manuel Alves riu-se e, sentando-se numa albarda estendida, catou uns gravetos do chão e começou a riscar a terra, fazendo cruzinhas, traçando arabescos.... A camaradagem, reconfortada com o jantar abundante, tagarelava e ria, bulindo de vez em quando no guampo de cachaça. Um deles ensaiava um rasgado na viola e outro - namorado, talvez, encostado ao esteio do rancho, olhava para longe, encarando a barra do céu, de um vermelho enfumaçado e, falando baixinho, co’a voz tremente, à sua amada distante... II Enoitara-se o escampado e, com ele, o rancho e a tapera. O rolo de cera, há pouco aceso e pregado ao pé direito do rancho, fazia uma luz fumarenta. Embaixo da tripeça, o fogo estalava ainda. De longe vinham aí morrer as vozes do sapo-cachorro que latia lá num brejo afastado, sobre o qual os vaga-lumes teciam uma trama de luz vacilante. De cá se ouvia o resfolegar da mulada pastando, espalhada pelo campo. E o cincerro da madrinha, badalando compassadamente aos movimentos do animal, sonorizava aquela grave extensão erma. As estrelas, em divina faceirice, furtavam o brilho às miradas dos tropeiros que, tomados de langor, banzavam, estirados nas caronas, apoiadas as cabeças nos serigotes, com o rosto voltado para o céu. Um dos tocadores, rapagão do Ceará, pegou a tirar uma cantiga. E pouco a pouco, todos aqueles homens errantes, filhos dos pontos mais afastados desta grande pátria, sufocados pelas mesmas saudades, unificados no mesmo sentimento de amor à independência, irmanados nas alegrias e nas dores da vida em comum, responderam em coro, cantando o estribilho. A princípio timidamente, as vozes meio veladas deixaram entreouvir os suspiros; mas, animando-se, animando-se, a solidão foi se enchendo de melodia, foi se po-

voando de sons dessa música espontânea e simples, tão bárbara e tão livre de regras, onde a alma sertaneja soluça ou geme, campeia vitoriosa ou ruge traiçoeira irmã gêmea das vozes das feras, dos roncos da cachoeira, do murmulho suave do arroio, do gorjeio delicado das aves e do tétrico fragor das tormentas. O idílio ou a luta, o romance ou a tragédia viveram no relevo extraordinário desses versos mutilados, dessa linguagem brutesca da tropeirada. E, enquanto um deles, rufando um sapateado, gracejava com os companheiros, lembrando os perigos da noite nesse ermo consistório das almas penadas - outro, o Joaquim Pampa, lá das bandas do sul, interrompendo a narração de suas proezas na campanha, quando corria à cola da bagualada, girando as bolas no punho erguido, fez calar os últimos parceiros que ainda acompanhavam nas cantilenas o cearense peitudo, gritando-lhes: - Ché, povo! Tá chegando a hora! O último estribilho: Deixa estar o jacaré: A lagoa há de secar expirou magoado na boca daqueles poucos, amantes resignados, que esperavam um tempo mais feliz, onde os corações duros das morenas ingratas amolecessem para seus namorados fiéis: Deixa estar o jacaré: A lagoa há de secar O tropeiro apaixonado, rapazinho esguio, de olhos pretos e fundos, que contemplava absorto a barra do céu ao cair da tarde, estava entre estes. E quando emudeceu a voz dos companheiros ao lado, ele concluiu a quadra com estas palavras, ditas em tom de fé profunda, como se evocasse mágoas longo tempo padecidas: Rio Preto há de dar vau Té pra cachorro passar! - Tá chegando a hora! - Hora de que, Joaquim? - De aparecerem as almas perdidas. Ih! Vamos acender fogueiras em roda do rancho. Nisto apareceu o Venâncio, cortandolhes a conversa. - Gente! O patrão já está na tapera. Deus permita que nada lhe aconteça. Mas vocês sabem: ninguém gosta deste pouso mal-assombrado. - Escute, tio Venâncio. A rapaziada deve também vigiar a tapera. Pois nós havemos de deixar o patrão sozinho? - Que se há de fazer? Ele disse que queria ver com os seus olhos e havia de ir só, porque assombração não aparece senão a uma pessoa só que mostre coragem.


- O povo diz que mais de um tropeiro animoso quis ver a coisa de perto; mas no dia seguinte, os companheiros tinham que trazer defunto para o rancho porque, dos que dormem lá, não escapa nenhum. - Qual, homem! Isso também não! Quem conta um conto acrescenta um ponto. Eu cá não vou me fiando muito na boca do povo, por isso é que eu não gosto de pôr o sentido nessas coisas. A conversa tornou-se geral e cada um contou um caso de coisa do outro mundo. O silêncio e a solidão da noite, realçando as cenas fantásticas das narrações de há pouco, filtraram nas almas dos parceiros menos corajosos um como terror pela iminência das aparições. E foram-se amontoando a um canto do rancho, rentes uns aos outros, de armas aperradas alguns e olhos esbugalhados para o indeciso da treva; outros, destemidos e gabolas, diziam alto. - Cá por mim, o defunto que me tentar morre duas vezes, isto tão certo como sem dúvida - e espreguiçavam-se nos couros estendidos, bocejando de sono. Súbito, ouviu-se um gemido agudo, fortíssimo, atroando os ares como o último grito de um animal ferido de morte. Os tropeiros pularam dos lugares, precipitando-se confusamente para a beira do rancho. Mas o Venâncio acudiu logo, dizendo: - Até aí vou eu, gente! Dessas almas eu não tenho medo. Já sou vaqueano velho e posso contar. São as antas-sapateiras no cio. Disso a gente ouve poucas vezes, mas ouve. Vocês têm razão: faz medo. E os paquidermes, ao darem com o fogo, dispararam, galopando pelo capão adentro. III Manuel Alves, ao cair da noite, sentindo-se refeito pelo jantar, endireitou para a tapera, caminhando vagarosamente. Antes de sair, descarregou os dois canos da garrucha num cupim e carregou-a de novo, metendo em cada cano uma bala de cobre e muitos bagos de chumbo grosso. Sua franqueira aparelhada de prata, levou-a também enfiada no correão da cintura. Não lhe esqueceu o rolo de cera nem um maço de palhas. O arneiro partira calado. Não queria provocar a curiosidade dos tropeiros. Lá chegando, penetrou no pátio pela grande porteira escancarada. Era noite.

Tateando com o pé, reuniu um molho de gravetos secos e, servindo-se das palhas e da binga, fez fogo. Ajuntou mais lenha arrancando paus de cercas velhas, apanhando pedaços de tábua de peças em ruína, e com isso, formou uma grande fogueira. Assim alumiado o pátio, o arneiro acendeu o rolo e começou a percorrer as estrebarias meio apodrecidas, os paióis, as senzalas em linha, uma velha oficina de ferreiro com o fole esburacado e a bigorna ainda em pé. - Quero ver se tem alguma coisa escondida por aqui. Talvez alguma cama de bicho do mato. E andava pesquisando, escarafunchando por aquelas dependências de casa nobre, ora desbeiçadas, sítio preferido das lagartixas, dos ferozes lacraus e dos caranguejos cerdosos. Nada, nada: tudo abandonado! - Senhor! Por que seria? - inquiriu de si para si o cuiabano e parou à porta de uma senzala, olhando para o meio do pátio onde uma caveira alvadia de boi-espáceo, fincada na ponta de uma estaca, parecia ameaçá-lo com a grande armação aberta. Encaminhou para a escadaria que levava ao alpendre e que se abria em duas escadas, de um lado e de outro, como dois lados de um triângulo, fechando no alpendre, seu vértice. No meio da parede e erguida sobre a sapata, uma cruz de madeira negra avultava; aos pés desta, cavava-se um tanque de pedra, bebedouro do gado da porta, noutro tempo. Manuel subiu cauteloso e viu a porta aberta com a grande fechadura sem chave, uma tranca de ferro caída e um espeque de madeira atirado a dois passos no assoalho. Entrou. Viu na sala da frente sua rede armada e no canto da parede, embutido na alvenaria, um grande oratório com portas de almofada entreabertas. Subiu a um banco de recosto alto, unido à parede e chegou o rosto perto do oratório, procurando examiná-lo por dentro, quando um morcego enorme, alvoroçado, tomou surto, ciciando, e foi pregar-se ao teto, donde os olhinhos redondos piscaram ameaçadores. - Que é lá isso, bicho amaldiçoado? Com Deus adiante e com paz na guia, encomendando Deus e a virgem Maria... O arrieiro voltou-se, depois de ter murmurado as palavras de esconjuro e, cerrando a porta de fora, especou-a com firmeza. Depois, penetrou na casa pelo corredor comprido, pelo qual o vento corria veloz, sendo-lhe preciso amparar com a mão espalmada a luz vacilante do rolo. Foi dar na sala de jantar, onde uma mesa escura e

de rodapés torneados, cercada de bancos esculpidos, estendia-se, vazia e negra. O teto de estuque, oblongo e escantilhado, rachara, descobrindo os caibros e rasgando uma nesga de céu por uma frincha de telhado. Por aí corria uma goteira no tempo da chuva e, embaixo, o assoalho podre ameaçava tragar quem se aproximasse despercebido. Manuel recuou e dirigiu-se para os cômodos do fundo. Enfiando por um corredor que parecia conduzir à cozinha, viu, ao lado, o teto abatido de um quarto, cujo assoalho tinha no meio um montículo de escombros. Olhou para o céu e viu, abafando a luz apenas adivinhada das estrelas, um bando de nuvens escuras, roldando. Um outro quarto havia junto desse e o olhar do arneiro deteve-se, acompanhando a luz do rolo no braço esquerdo erguido, sondando as prateleiras fixas na parede, onde uma coisa branca luzia. Era um caco velho de prato antigo. Manuel Alves sorriu para uma figurinha de mulher, muito colorida, cuja cabeça aparecia ainda pintada ao vivo na porcelana alva. Um zunido de vento impetuoso, constringido na fresta de uma janela que olhava para fora, fez o arneiro voltar o rosto de repente e prosseguir o exame do casara-o abandonado. Pareceu-lhe ouvir nesse instante a zoada plangente de um sino ao longe. Levantou a cabeça, estendeu o pescoço e inclinou o ouvido, alerta; o som continuava, zoando, zoando, parecendo ora morrer de todo, ora vibrar ainda, mas sempre ao longe. - É o vento, talvez, no sino da capela. E penetrou num salão enorme, escuro. A luz do rolo, tremendo, deixou no chão uma réstia avermelhada. Manuel foi adiante e esbarrou num tamborete de couro, tombado aí. O arneiro foi seguindo, acompanhando uma das paredes. Chegou ao canto e entestou com a outra parede. - Acaba aqui - murmurou. Três grandes janelas no fundo estavam fechadas. - Que haverá aqui atrás? Talvez o terreiro de dentro. Deixe ver... Tentou abrir uma janela, que resistiu. O vento, fora, disparava, às vezes, reboando como uma vara de queixada em redemoinho no mato. Manuel fez vibrar as bandeiras da janela a choques repetidos. Resistindo elas, o arneiro recuou e, de braço direito estendido, deu-lhes um empurrão violento. A janela, num grito estardalhaçante, escancarou-se. Uma rajada rompeu por ela adentro, latindo qual matilha enfurecida; Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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pela casa toda houve um tatalar de portas, um ruído de reboco que cai das paredes altas e se esfarinha no chão. A chama do rolo apagou-se à lufada e o cuiabano ficou só, babatando na treva. Lembrando-se da binga sacou-a do bolso da calça; colocou a pedra com jeito e bateu-lhe o fuzil; as centelhas saltavam para a frente impelidas pelo vento e apagavam-se logo. Então, o cuiabano deu uns passos para trás, apalpando até tocar a parede do fundo. Encostou-se nela e foi andando para os lados, roçando-lhe as costas procurando o entrevão das janelas. Aí, acocorou-se e tentou de novo tirar fogo: uma faiscazinha chamuscou o isqueiro e Manuel Alves soprou-a delicadamente, alentando-a com a principio, ela animouse, quis alastrar-se, mas de repente sumiuse. O arrieiro apalpou o isqueiro, virou-o nas mãos e achou-o úmido; tinha-o deixado no chão, exposto ao sereno, na hora em que fazia a fogueira no pátio e percorria as dependências deste. Meteu a binga no bolso e disse: - Espera, diaba, que tu hás de secar com o calor do corpo. Nesse entremente a zoada do sino fez-se ouvir de novo, dolorosa e longínqua. Então o cuiabano pôs-se de gatinhas, atravessou a faca entre os dentes e marchou como um felino, sutilmente, vagarosamente, de olhos arregalados, querendo varar a treva. Súbito, um ruído estranho fê-lo estacar, arrepiado e encolhido como um jaguar que prepara o bote. No teto soaram uns passos apressados de tamancos pracatando e uma voz rouquenha pareceu proferir uma imprecação. O arneiro assentou-se nos calcanhares, apertou o ferro nos dentes e puxou da cinta a garrucha; bateu com o punho cerrado nos feixos da arma, chamando a pólvora aos ouvidos e esperou. O ruído cessara; só a zoada do sino continuava, intermitentemente. Nada aparecendo, Manuel tocou para diante, sempre de gatinhas. Mas, desta vez, a garrucha, aperrada na mão direita, batia no chão a intervalos rítmicos, como a úngula de um quadrúpede manco. Ao passar junto ao quarto de teto esboroado, o cuiabano lobrigou o céu e orientou-se. Seguiu, então, pelo corredor a fora, apalpando, cosendo-se com a parede. Novamente parou ouvindo um farfalhar distante, um sibilo como o da refega no buritizal. Pouco depois, um estrépito medonho abalou o casarão escuro e a ventania - alcatéia de lbos rafados - investiu uivando e passou à disparada, estrondando uma ja-

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nela. Saindo por aí, voltaram de novo os austros furentes, perseguindo-se, precipitando-se, zunindo, gargalhando sarcasticamente, pelos salões vazios. Ao mesmo tempo, o arrieiro sentiu no espaço um arfar de asas, um soído áspero de aço que ringe e, na cabeça, nas costas, umas pancadinhas assustadas... Pelo espaço todo ressoou um psiu, psiu, psiu... e um bando enorme de morcegos sinistros torvelinhou no meio da ventania. Manuel foi impelido para a frente à corrimaça daqueles mensageiros do negrume e do assombramento. De músculos crispados num começo de reação selvagem contra a alucinação que o invadia, o arneiro alapardava-se, eriçando-se-lhe os cabelos. Depois, seguia de manso, com o pescoço estendido e os olhos acesos, assim como um sabujo que negaceia. E foi rompendo a escuridão à caça desse ente maldito que fazia o velho casarão falar ou gemer, ameaçá-lo ou repeti-lo, num conluio demoníaco com o vento, os morcegos e a treva. Começou a sentir que tinha caído num laço armado talvez pelo maligno. De vez em quando, parecia-lhe que uma coisa lhe arrepelava os cabelos e uns animálculos desconhecidos perlustravam seu corpo em carreira vertiginosa. No mesmo tempo, um rir abafado, uns cochichos de escárnio pareciam acompanhá-lo de um lado e de outro. - Ah! vocês não me hão de levar assim-assim, não - exclamava o arrieiro para o invisível. - Pode que eu seja onça presa na arataca. Mas eu mostro! Eu mostro! E batia com força a coronha da garrucha no solo ecoante. Súbito, uma luz indecisa, coada por alguma janela próxima, fê-lo vislumbrar um vulto branco, esguio, semelhante a uma grande serpente, coleando, sacudindo-se. O vento trazia vozes estranhas das socavas da terra, misturando-se com os lamentos do sino, mais acentuados agora. Manuel estacou, com as fontes latejando, a goela constrita e a respiração curta. A boca semi-aberta deixou cair a faca: o fôlego, a modo de um sedenho, penetroulhe na garganta seca, sarjando-a e o arneiro roncou como um barrão acuado pela cachorrada. Correu a mão pelo assoalho e agarrou a faca; meteu-a de novo entre os dentes, que rangeram no ferro; engatilhou a garrucha e apontou para o monstro; uma pancada seca do cão no aço do ouvido mostrou-lhe que sua arma fiel o traía. A escorva caíra pelo chão e a garrucha negou fogo. O arneiro arrojou contra

o monstro a arma traidora e gaguejou em meia risada de louco: - Mandingueiros do inferno! Botaram mandinga na minha arma de fiança! Tiveram medo dos dentes da minha garrucha! Mas vocês hão de conhecer homem, sombrações do demônio! De um salto, arremeteu contra o inimigo; a faca, vibrada com ímpeto feroz, ringiu numa coisa e foi enterrar a ponta na tábua do assoalho, onde o sertanejo, apanhado pelo meio do corpo num laço forte, tombou pesadamente. A queda assanhou-lhe a fúria e o arneiro, erguendo-se de um pulo, rasgou numa facada um farrapo branco que ondulava no ar. Deu-lhe um bote e estrincou nos dedos um como tecido grosso. Durante alguns momentos ficou no lugar, hirto, suando, rugindo. Pouco a pouco foi correndo a mão cautelosamente, tateando aquele corpo estranho que seus dedos arrochavam! era um pano, de sua rede, talvez, que o Venâncio armara na sala da frente. Neste instante, pareceu-lhe ouvir chascos de mofa nas vozes do vento e nos assovios dos morcegos; ao mesmo tempo, percebia que o chamavam lá dentro Manuel, Manuel, Manuel - em frases tartamudeadas. O arneiro avançou como um possesso, dando pulos, esfaqueando sombras que fugiam. Foi dar na sala de jantar onde, pelo rasgão do telhado, pareciam descer umas formas longas, esvoaçando, e uns vultos alvos, em que por vezes pastavam chamas rápidas, dançavam-lhe diante dos olhos incendidos. O arneiro não pensava mais. A respiração se lhe tornara estertorosa; horríveis contrações musculares repuxavam-lhe o rosto e ele, investindo as sombras, uivava: - Traiçoeiras! Eu queria carne para rasgar com este ferro! Eu queria osso para esmigalhar num murro! As sombras fugiam, esfloravam as paredes em ascensão rápida, iluminando-lhe subitamente o rosto, brincando-lhe um momento nos cabelos arrepiados ou dançando-lhe na frente. Era como uma chusma de meninos endemoniados a zombarem dele, puxando-o daqui, beliscando-o d’acolá, açulando-o como a um cão de rua. O arneiro dava saltos de ugre, arremetendo contra o inimigo nessa luta fantástica: rangia os dentes e parava depois, ganindo como a onça esfaimada a que se escapa a presa. Houve um momento em que uma coréia demoníaca se concertava


ao redor dele, entre uivos, guinchos, risadas ou gemidos. Manuel ia recuando e aqueles círculos infernais o iam estringindo; as sombras giravam correndo, precipitando-se, entrando numa porta, saindo noutra, esvoaçando, rojando no chão ou saracoteando desenfreadamente. Um longo soluço despedaçou-lhe a garganta num ai sentido e profundo e o arneiro deixou cair pesadamente a mão esquerda espalmada num portal, justamente quando um morcego, que fugia amedrontado, lhe deu uma forte pancada no rosto. Então, Manuel pulou novamente para diante, apertando nos dedos o cabo da franqueira fiel; pelo rasgão do telhado novas sombras desciam e algumas, quedas, pareciam dispostas a esperar o embate. O arneiro rugiu: - Eu mato! Eu mato! Mato! - e acometeu com de alucinado aqueles entes malditos. De um foi cair no meio das formas impalpáveis e vacilantes, fragor medonho se fez ouvir; o assoalho podre cedeu barrote, roído de cupins, baqueou sobre uma coisa e desmoronava embaixo da casa. O corpo de Manuel, tragado pelo buraco que se abriu, precipitou-se e tombou lá embaixo. Ao mesmo tempo, um som vibrante de metal, um tilintar como de moedas derramando-se pela fenda uma frasqueira que se racha, acompanhou o baque do corpo do arneiro. Manuel lá no fundo, ferido, ensangüentado, arrastou-se ainda, cravando as unhas na terra como um ururau golpeado de morte. Em todo o corpo estendido com o ventre na terra, perpassava-lhe ainda uma crispação de luta; sua boca proferiu ainda: - “Eu mato ! Mato! Ma...” - e um silêncio trágico pesou sobre a tapera. IV O dia estava nasce-não-nasce e já os tropeiros tinham pegado na lida. Na meia luz crepitava a labareda embaixo do caldeirão cuja tampa, impelida pelos vapores que subiam, rufava nos beiços de ferro batido. Um cheiro de mato e de terra orvalhada espalhava-se com a viração da madrugada. Venâncio, dentro do rancho, juntava, ao lado de cada cangalha, o couro, o arrocho e a sobrecarga. Joaquim Pampa fazendo cruzes na boca aos bocejos freqüentes, por impedir que o demônio lhe penetrasse no corpo, emparelhava os fardos, guiando-se pela cor dos topes cosidos aqueles.

Os tocadores, pelo campo a fora, ecavam um para o outro, avisando o encontro de algum macho fujão. Outros, em rodeio, detinham-se no lugar em que se achava a madrinha, vigiando a tropa. Pouco depois ouviu-se o tropel dos animais demandando o rancho. O cincerro tilintava alegremente, espantando os passarinhos que se levantavam das touceiras de arbustos, voando apressados. Os urus, nos capões, solfejavam à aurora que principiava a tingir o céu e manchar de púrpura e ouro o capinzal verde. - Eh, gente! o orvalho ‘stá cortando, êta! Que tempão tive briquitando co’aquele macho “pelintra”. Diabo o leve! Aquilo é próprio um gato: não faz bulha no mato e não procura as trilhas, por não deixar rastro. - E a “Andorinha”? Isso é que é mula desabotinada! Sopra de longe que nem um bicho do mato e desanda na carreira. Ela me ojerizou tanto que eu soltei nela um matacão de pedra, de que ela havia de gostar pouco. A rapaziada chegava à beira do rancho, tangendo a tropa. - Que é da giribita? Um trago é bom para cortar algum ar que a gente apanhe. Traze o guampo, Aleixo. - Uma hora é frio, outra é calor, e vocês vão virando, cambada do diabo! - gritou o Venâncio. - Largue da vida dos outros e vá cuidar da sua, tio Venâncio! Por força que havemos de querer esquentar o corpo: enquanto nós, nem bem o dia sonhava de nascer, já estávamos atolados no capinzal molhado, vossemecê tava aí na beira do fogo, feito um cachorro velho. - Tá bom, tá bom, não quero muita conversa comigo não. Vão tratando de chegar os burros às estacas e de suspender as cangalhas. O tempo é pouco e o patrão chega de uma hora para a outra. Fica muito bonito se ele vem encontrar essa sinagoga aqui! E por falar nisso, é bom a gente ir lá. Deus é grande! Mas eu não pude fechar os olhos esta noite! Quando ia querendo pegar no sono, me vinha à mente alguma que pudesse suceder a sô Manuel. Deus é grande! Logo-logo o Venâncio chamou pelo Joaquim Pampa, pelo Aleixo e mais o José Paulista. - Deixamos esses meninos cuidando do serviço e nós vamos lá. Nesse instante, um molecote chegou com o café. A rapaziada cercou-o. O Venâncio e seus companheiros, depois de terem emborcado os cuités, partiram para a tapera.

Logo à saída, o velho tropeiro refletiu um pouco alto: - É bom ficar um aqui tomando conta do serviço. Fica você, Aleixo. Seguiram os três, calados, pelo campo a fora, na luz Suave de antemanhã. Concentrados em conjeturas sobre a sorte do arneiro, cada qual queria mostrar-se mais sereno, andando lépido e de rosto tranqüilo; cada qual, escondia do outro a angústia do coração e a fealdade do prognóstico. José Paulista entoou uma cantiga que acaba neste estribilho: A barra do dia ai vem! A barra do sol também, Ai! E lá foram, cantando todos três, por espantar as mágoas. Ao entrarem no grande pátio da frente, deram com os restos da fogueira que Manuel Alves tinha feito na véspera. Sem mais detença, foram-se barafustando pela escadaria do alpendre, em cujo topo a porta de fora lhes cortou o passo. Experimentaram-na primeiro. A porta, fortemente especada por dentro, rinchou e não cedeu. Forcejaram os três e ela resistiu ainda. Então, José Paulista correu pela escada abaixo e trouxe ao ombro um cambão, no qual os três pegaram e, servindo-se dele como de um aríete, marraram com a porta. As ombreiras e a verga vibraram aos choques violentos cujo fragor se foi evolumando pelo casarão adentro em roncos profundos. Em alguns instantes o espeque, escapulindo do lugar, foi arrojado no meio do solho. A caliça que caía encheu de pequenos torrões esbranquiçados os chapéus dos tropeiros - e a porta escancarou-se. Na sala da frente deram com a rede toda estraçalhada. - Mau, mau, mau! - exclamou Venâncio não podendo mais conter-se. Os outros tropeiros, de olhos esbugalhados, não ousavam proferir uma palavra. Apenas apalparam com cautela aqueles farrapos de pano, malsinados, com certeza, ao contato das almas do outro mundo. Correram a casa toda juntos, arquejando, murmurando orações contra malefícios. - Gente, onde estará sô Manuel? Vocês não me dirão pelo amor de Deus? - exclamou o Venâncio. Joaquim Pampa e José Paulista calavam-se perdidos em conjeturas sinistras. Na sala de jantar, mudos um frente do outro, pareciam ter um conciliábulo em que somente se lhes comunicassem os espíritos. Mas, de repente, creram ouvir, Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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pelo buraco do assoalho, um gemido estertoroso. Curvaram-se todos; Venâncio debruçou-se, sondando o porão da casa. A luz, mais diáfana, já alumiava o terreiro de dentro e entrava pelo porão: o tropeiro viu um vulto estendido. - Nossa Senhora! Corre, gente, que sô Manuel está lá embaixo, estirado! Precipitaram-se todos para a frente da casa, Venâncio adiante. Desceram as escadas e procuraram o portão que dava para o terreiro de dentro. Entraram por ele a fora e, embaixo das janelas da sala de jantar, um espetáculo estranho deparou-se-lhes: O arneiro, ensangüentado, jazia no chão estirado; junto de seu corpo, de envolta com torrões desprendidos da abóbada de um forno desabado, um chuveiro de moedas de ouro luzia. - Meu patrão! Sô Manuelzinho! Que foi isso? Olhe seus camaradas aqui. Meu Deus! Que mandinga foi esta? E a ourama que alumia diante dos nossos olhos?! Os tropeiros acercaram-se do corpo do Manuel, por onde passavam tremores convulsos. Seus dedos encarangados estrincavam ainda o cabo da faca, cuja lâmina se enterrara no chão; perto da nuca e presa pela gola da camisa, uma moeda de ouro se lhe grudara na pele. - Sô Manuelzinho! Ai meu Deus! P’ra que caçar histórias do outro mundo! Isso é mesmo obra do capeta, porque anda dinheiro no meio. Olha esse ouro, Joaquim! Deus me livre! - Qual, tio Venâncio - disse por fim José Paulista. - Eu já sei a coisa. Já ouvi contar casos desses. Aqui havia dinheiro enterrado e, com certeza, nesse forno que com a boca virada para o terreiro. Aí é que está. Ou esse dinheiro foi mal ganho, ou porque o certo é que almas dos antigos donos desta fazenda não podiam sossegar enquanto não topassem um homem animoso para lhe darem o dinheiro, com a condição de cumprir, por intenção delas, alguma promessa, pagar alguma dívida, mandar dizer missas; foi isso, foi isso! E o patrão é homem mesmo! Na hora de ver a assombração, a gente precisa de atravessar a faca ou um ferro na boca, p’r’amor de não perder a fala. Não tem nada, Deus é grande! E os tropeiros, certos de estarem diante de um fato sobrenatural, falavam baixo e em tom solene. Mais de uma vez persignaram-se e, fazendo cruzes no ar, mandavam ê que quer que fosse - “para as ondas do mar” ou “para as profundas, onde não canta galo nem galinha”. Enquanto conversavam iam procuran-

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do levantar do chão o corpo do arneiro, que continuava a tremer. Às vezes batiamse-lhe os queixos e um gemido entrecortado lhe arrebentava da garganta. - Ah! Patrão, patrão! Vossemecê, homem tão duro, hoje tombado assim! Valha-nos Deus! São Bom Jesus do Cuiabá! Olha sô Manuel, tão devoto seu! - gemia o Venâncio. O velho tropeiro, auxiliado por Joaquim Pampa procurava, com muito jeito, levantar do chão o corpo do arneiro sem magoá-lo. Conseguiram levantá-lo nos braços trançados em cadeirinha e, antes de seguirem o rumo do rancho, Venâncio disse ao José Paulista: - Eu não pego nessas moedas do capeta. Se você não tem medo, ajunta isso e traz. Paulista encarou algum tempo o forno esboroado, onde os antigos haviam enterrado seu tesouro. Era o velho forno para quitanda. A ponta do barrote que o desmoronara estava fincada no meio dos escombros. O tropeiro olhou para cima e viu, no alto, bem acima do forno o buraco do assoalho por onde caíra o Manuel. - É alto deveras! Que tombo! - disse de si para si. - Que há de ser do patrão? Quem viu sombração fica muito tempo sem poder encarar a luz do dia. Qual! Esse dinheiro há de ser de pouca serventia. Para mim, eu não quero: Deus me livre; então é que eu tava pegado com essas almas do outro mundo! Nem é bom pensar! O forno estava levantado junto de um pilar de pedra sobre o qual uma viga de aroeira se erguia suportando a madre. De cá se via a fila dos barrotes estendendo-se para a direita até ao fundo escuro. José Paulista começou a catar as moedas e encher os bolsos da calça; depois de cheios estes, tirou do pescoço seu grande lenço de cor e, estendendo-o no chão o foi enchendo também; dobrou as pontas em cruz e amarrou-as fortemente. Escarafunchando os escombros do forno achou mais moedas e com estas encheu o chapéu. Depois partiu, seguindo os companheiros que já iam longe, conduzindo vagarosamente o arneiro. As névoas volateantes fugiam impelidas pelas auras da manhã; sós, alguns capuchos pairavam, muito baixos, nas depressões do campo, ou adejavam nas cúpulas das árvores. As sombras dos dois homens que carregavam o ferido traçaram no chão uma figura estranha de monstro. José Paulista, estugando o passo, acompanhava com os olhos o grupo que o precedia de longe.

Houve um instante em que um pé-devento arrancou ao Venâncio o chapéu da cabeça. O velho tropeiro voltou-se vivamente; o grupo oscilou um pouco, concertando os braços do ferido; depois, pareceu a José Paulista que o Venâncio lhe fazia um aceno: “apanhasse-lhe o chapéu”. Aí chegando, José Paulista arreou no chão o ouro, pôs na cabeça o chapéu de Venâncio e, levantando de novo a carga, seguiu caminho a fora. À beira do rancho, a tropa bufava escarvando a terra, abicando as orelhas, relinchando à espera do milho que não vinha. Alguns machos malcriados entravam pelo rancho adentro, de focinho estendido, cheirando os embornais. Às vezes ouvia-se um grito: - Toma, diabo! - e um animal espirrava para o campo à tacada de um tropeiro. Quando lá do rancho se avistou o grupo onde vinha o arneiro, correram todos. O cozinheiro, que vinha do olho-d’água com o odre às costas, atirou com ele ao chão e disparou também. Os animais já amarrados, espantando-se escoravam nos cabestros. Bem depressa a tropeirada cercou o grupo. Reuniram-se em mó, proferiram exclamações, benziam-se, mas logo alguém lhes impôs silêncio, porque voltaram todos, recolhidos, com os rostos consternados. O Aleixo veio correndo na frente para armar a rede de tucum que ainda restava. Foram chegando e José Paulista chegou por último. Tropeiros olharam com estranheza a carga que este conduzia; ninguém teve, porém, coragem de fazer uma pergunta: contentaram-se com interrogações mudas. Era o sobrenatural, ou era obra dos demônios. Para que saber mais? Não estava naquele estado o pobre do patrão? O ferido foi colocado na rede havia pouco armada. Dos tropeiros chegou com uma bacia de salmoura; outro, correndo do campo com um molho de arnica, pisava a planta para extrair-lhe o suco. Venâncio, com pano embebido, banhava as feridas do arneiro cujo corpo vibrava, então, fortemente. Os animais olhavam curiosamente para dentro do rancho, afilando as orelhas. Então Venâncio, com a fisionomia decomposta, numa apoiadura de lágrimas, exclamou aos parceiros: - Minha gente! Aqui, neste deserto, só Deus Nosso Senhor! É hora, meu povo! E ajoelhando-se de costas para o sol que nascia, começou a entoar um - “Senhor Deus, ouvi a minha oração e chegue a vós


o meu clamor!” - E trechos de salmos que aprendera em menino, quando lhe ensinaram a ajudar a missa, afloram-lhe à boca. Os outros tropeiros foram-se ajoelhando todos atrás do velho parceiro que parecia transfigurado. As vozes foram subindo, plangentes, desconcertadas, sem que ninguém compreendesse o que dizia. Entretanto, parecia haver uma ascensão de almas, um apelo fremente “in excelsis”, na fusão dos sentimentos desses filhos do deserto. Ou era, vez, a própria voz do deserto mal ferido com as feridas seu irmão e companheiro, o fogoso cuiabano. De feito, não pareciam mais homens que cantavam: era um só grito de angústia, um apelo de socorro, que do seio largo do deserto às alturas infinitas: - “Meu coração está ferido e seco como a erva... Fiz-me como a coruja, que se esconde nas solidões!... Aten-

dei propicio à oração do desamparado e não desprezeis a sua súplica...” E assim, em frases soltas, ditas por palavras não compreendidas, os homens errantes exalçaram sua prece com as vozes robustas de corredores dos escampados. Inclinados para a frente, com o rosto baixado para terra, as mãos batendo nos peitos fortes, não pareciam dirigir uma oração humilde de pobrezinhos ao manso e compassivo Jesus, senão erguer um hino de glorificação ao “Agios Ischiros”, ao formidável “Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth”. Os raios do sol nascente entravam quase horizontalmente no rancho, aclarando as costas dos tropeiros, esflorando-lhes as cabeças com fulgurações trêmulas. Parecia o próprio Deus formoso, o Deus forte das tribos e do deserto, aparecendo num fundo de apoteose e lançando uma mirada,

do alto de um pórtico de ouro, lá muito longe, àqueles que, prostrados em terra, chamavam por Ele. Os ventos matinais começaram a soprar mais fortemente, remexendo o arvoredo do capa-o, carregando feixes de folhas que se espalhavam do alto. Uma ema, abrindo as asas, galopava pelo campo... E os tropeiros, no meio de uma inundação de luz, entre o canto das aves despertadas e o resfolegar dos animais soltos que iam fugindo da beira do rancho, derramavam sua prece pela amplidão imensa. Súbito, Manuel, soerguendo-se num esforço desesperado, abriu os olhos vagos e incendidos de delírio. A mão direita contraiu-se, os dedos crisparam-se como se apertassem o cabo de uma arma pronta a ser brandida na luta... e seus lábios murmuraram ainda, em ameaça suprema: - Eu mato!... Mato!... Ma... g

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HOMENAGEM ADYLLA, SEM MAIS NADA(*) Flávio Sátiro Fernandes

Começo falando de mim mesmo para dizer que me considero uma pessoa desprovida de vaidade, jamais, ou rarissimamente, pleiteando posição, cargo ou situação, tal como esta, de representar a Academia ou qualquer outra instituição de que participo, em reuniões, sessões ou encontros, internos ou externos, de qualquer natureza ou com qualquer finalidade. Mas, confesso, para esta homenagem que, hoje, presta a Academia Paraibana de Letras à saudosa Acadêmica Adylla Rocha Rabello, apressei-me em manifestar ao Presidente Damião Ramos Cavalcanti o meu desejo de falar, aqui e agora, rememorando a figura exponencial daquela que foi, para mim, por cerca de dez anos, mais do que uma confreira, mais do que uma auxiliar prestimosa no Tribunal de Contas do Estado, mais do que uma colega, pois, sobretudo, uma amiga, que sempre me tratou com deferência, com atenção, com apreço, com carinho, com um amor fraternal, que ela fazia estender-se a Eliane, de quem, por sua vez, jamais faltaram demonstrações de reciprocidade nesse rol afetivo de doações. Falo, já disse, em nome da Academia, de que Adylla participou, ocupando a Cadeira nº 2, que tem como Patrono Arruda Câmara, que teve como Fundador Oscar de Oliveira Castro e como 2º ocupante, Eugênio de Carvalho Júnior, a quem Adylla sucedeu, tomando posse em 5 de setembro de 1996, recepcionada pelo saudoso Professor Sindulfo Guedes Santiago. Junto a essa representação o mandato que me foi passado, igualmente, pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, conforme decisão de seu Presidente, o historiador Joaquim Osterne Carneiro, pois Adylla também integrou essa instituição, a partir de 2 de dezembro de 2003, quando tomou posse na Cadeira, sendo por mim saudada. Quando do seu falecimento, as qualidades de Adyla foram reconhecidas e proclamadas por todos que a conheceram, com ela conviveram e sobre ela manifestaram um depoimento. Para citar apenas três, Gonza-

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ga Rodrigues, o mago da crônica paraibana, disse, poucos dias após seu desaparecimento, que ela “era sofrida, forte e doce.” Evandro da Nóbrega, jornalista e escritor, alcunhou-a de “a Grande Dama da Gentileza, da Educação, da Classe, da Sensibilidade. Abelardo Jurema Filho, recém-eleito para esta Casa, escreveu, no dia seguinte ao do seu falecimento, ser Adylla “uma mulher admirável em sua serenidade, em seu equilíbrio, na garra como sempre se comportou no enfrentamento de todas as situações”. Nascida nesta Capital, à rua das Flores, nome que bem se ajusta à sua personalidade e a seus modos fidalgos e maneiras lhanas, que caracterizavam seu relacionamento com todos, a Professora Adylla foi aluna do Colégio Nossa Senhora das Neves, onde lhe foi complementada a fina educação iniciada em seu lar, com os cuidados e os desvelos dos pais. Casando-se com Humberto Lins Rabello, com quem manteve uma feliz união, até o desenlace ocorrido com o falecimento de seu consorte, teve os filhos Célida, Humberto Flávio (Neno), Roberto Cláudio, Gerardo e Celeida, dedicando-se com exclusividade à educação de todos eles que, casados, a fizeram se cercar de netos. Sentindo cumpridos os seus deveres, no

tocante à formação dos filhos, pôde-se voltar a outras atividades, de natureza intelectual, matriculando-se no curso de graduação em letras, licenciando-se pela Universidade Federal da Paraíba, também ali fazendo curso de especialização em língua e literatura francesa e, posteriormente, o Mestrado, na área de Literatura Brasileira. Dedicada ao estudo e ensino do francês, cumpriu o curso de Nancy, na Aliança Francesa, desta Capital, com viagens à França. Participou de várias instituições culturais, além da Academia e do IHGP, a saber: Conselho Estadual de Cultura, Associação Paraibana de Imprensa, Comitê da Aliança Francesa de João Pessoa, Associação dos Pesquisadores de Manuscritos Literários (São Paulo). Ao saudá-la nesta Casa, disse Sindulfo Guedes Santiago: Adylla Rocha Rabello não exaure suas virtudes nos espaços meramente afetivos de esposa dedicada e de mãe e avó extremosas. Ao lado deste recorte de sua rica e multifacetada personalidade, desabrocham outras qualidades de espírito, qualidades peregrinas que pesaram bem mais do que as outras para a outorga do galardão acadêmico.


Adylla é uma estudiosa obstinada – continua Sindulfo – que não dá tréguas nem descanso à sua inteligência, na busca do seu Santo Graal no mundo da cultura. Aí estão, para provar, os seus trabalhos, traduzidos em ensaios biográficos e em abordagens de crítica literária e de linguística geral. Dentro desse universo do saber científico, ela plantou sua semente, hoje transformada numa produção intelectual de autêntico valor. De fato, dentre seus brilhantes escritos, que lhe valeram ingressar neste sodalício, vale ressaltar o que poderíamos chamar de “o ciclo americista”, constituído pelos livros Pareço-me comigo – Uma aventura carnavalesca de José Américo de Almeida; José Américo de Almeida nos bastidores e, ainda, artigos esparsos sobre o autor de A Bagaceira. O primeiro deles é um estudo de crítica genética, em redor de uma crônica escrita por José Américo e divulgada na revista O CRUZEIRO. No discurso com que saudamos Adylla, em seu ingresso no IHGP, dissemos que Adylla apreendeu bem o significado da crítica genética e incorporou ricas observações sobre o texto por ela apreciado, principalmente no campo léxico-semântico, a estruturação do discurso, o estilo, a ideologia, para, por fim, proceder a uma análise lógico-ideológica com base na lingüística textual. Sem se descurar, é claro, de um exame meticuloso do próprio manuscrito. A crônica objeto do exame de Adylla intitulava-se Pareço-me comigo e creio que é do agrado de Adylla rememorar, nesta oportunidade, o episódio, narrado por José Américo, que serviu de base à sua elaboração, No referido texto, o autor de A Paraíba e seus problemas conta que, em um dia de carnaval, tendo saído já tarde do Ministério da Viação, viu-se engolfado em densa multidão de foliões, desses que fazem evoluções e cantam marchinhas e, depois, pedem uma contribuição para os “comes e bebes”, na expressão do autor. Quando lhe foi apresentado o cofre para depositar sua contribuição, José Américo mexeu e remexeu nos bolsos do paletó à procura da carteira, e só então verificou tê-la deixado em casa, dizendo, certamente encabulado: - Desculpe, estou sem dinheiro. O chefe do grupo, com um ar de desprezo e censura, pôs a mão, pesada como chumbo, sobre o ombro do liso e, diz José Américo, “como se me desse uma bofetada com luva de pelica, soltou-me na cara”: - Mal empregado você parecer tanto com José Américo.” Outro livro, integrante do mesmo ciclo é José Américo nos bastidores, um compó-

sito em que se mesclam conteúdos biográficos, crítica genética e história literária, tudo ligado à figura do autor de Reflexões de uma cabra. Ainda do “ciclo americista”, é de citarse livro inédito da nossa saudosa confreira, que reúne crônicas contendo, todas elas, citações de José Américo, a propósito de temas os mais variados. Tive a ventura de prefaciar essa obra, mas não tive, ainda, a alegria de vê-la publicada. Outra obra de Adylla, que grande ressonância teve, foi Abelardo Jurema – Da Prefeitura de Itabaiana ao Ministério da Justiça, biografia daquele ilustre homem público, que foi Prefeito de sua terra, exerceu a representação dos paraibanos na Câmara dos Deputados, desempenhando o cargo de líder do Governo Juscelino Kubitscheck; ocupou a pasta da Justiça, no Governo João Goulart, tendo uma destacada atuação em determinada fase da vida política nacional. Por fim, embora não se tenha apresentado em forma própria, a poesia de Adylla ressuma nos textos escorreitos que compunham suas crônicas semanais no periódico A SEMANA, que ela enfeixou no livro O verbo amar em três tempos. Foi com essas obras, já disse, que ela se fez merecedora de um lugar nesta Academia e outro no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, associando a elas o brilho de sua inteligência e o talento de suas faculdades. Como já afirmei, a minha convivência com Adylla era funcional e respeitosa, mas igualmente afetuosa, a se desdobrar todos os dias, durante dez anos, de 2001 a 2011. Como Chefe de Gabinete no TCE, cabia-lhe um elenco de atividades ditas burocráticas de que ela se desobrigava com esmero, dedicação e proficiência. Mas, em meio a essas obrigações, havia momentos de descontração, relacionados, por exemplo, à tarefa semanal que ela cumpria, de escrever a crônica que aparecia na página final da revista A SEMANA, de seu filho Neno Rabelo. Toda terça-feira Adylla me trazia seu texto para que eu o corrigisse, dizia ela. Em verdade, creio que a autora fazia de contas que mo entregava para correção e eu, por minha vez, fazia de contas que o corrigia. Não havia, realmente o que alterar. Salvo um ou outro erro de digitação, uma que outra ideia que me surgia para aperfeiçoamento da crônica, o que ela aceitava de bom grado. O interessante é que, tendo eu lido a primeira crônica em voz alta, ela, com certeza, gostou e pedia-me sempre que a lesse alto. E assim eu fazia e íamos comentando um ou outro aspecto. Ocorria, costumeiramente, um ponto hilário. Como ela não perdia oportunidade de entronizar o seu ídolo e guru, José Amé-

rico de Almeida, havia sempre lugar para ele em suas crônicas e quando eu pressentia que o ilustre paraibano ia ser mencionado, dizia, em tom jocoso e sem nenhuma nota acintosa: - Lá vem Zé Ramona! E ela, com leve sorriso, só fazia dizer: - Esse Dr. Flávio... Em outras oportunidades, revolvia passagens em que se vira personagem, como, por exemplo, quando foi passar um cheque, preenchendo-o com sua caprichada caligrafia, levando a pessoa que estava a esperar o cheque a comentar: “- A senhora tem uma letra muito bonita. Podia ser cambista.” Ou este outro episódio, mais recente, que ela também gostava de contar, rindo, quando pegou um táxi com destino ao apartamento onde morava, em um belo e suntuoso edifício, no bairro de Manaíra, o qual lhe fora cedido por uma amiga. Ao chegar ao local, o motorista olhou para o prédio e disse: “Eu pensava que aqui só morasse gente rica”, não sabendo ele que ali estava uma das mais ricas mulheres de nossa terra, em distinção, em amizade, em cortesia, em lhaneza, em educação, em cultura, em sabedoria. Adylla foi escritora, historiadora, poetisa, cronista, comprovando através de uma expressiva bibliografia os dons divinais com que foi agraciada. Não obstante, sempre que estava em meu gabinete, no Tribunal de Contas e ela adentrava o recinto, parecia-me ver ingressar não a escritora, nem a historiadora, não a poetisa, nem tampouco a cronista. Parecia-me ver, unicamente, Adylla; apenas Adylla, somente Adylla. Era como se ela refutasse o Filósofo das circunstâncias e dissesse um ego sum qui sum, “eu sou o que sou, Adylla, Adylla sem mais nada”, isso graças à sua simplicidade de espírito, à sua leveza d´alma, à aura de amor maternal que a envolvia e com que ela fazia envolver todos os filhos, amando-os e com eles preocupando-se, redobradamente em relação a Neno, pelos motivos que todos nós sabemos e que ele enfrenta com destemor e coragem, atributos que ele não roubou de ninguém, pois herdou-os de Adylla. Poderíamos nos demorar na análise de sua obra e de sua pessoa, mas basta o que já dissemos para marcar sua presença no cenário cultural da província e ressaltar sua participação nas várias instituições de que participou. Fique este momento mais para demonstração de nosso pesar, de nossa saudade e da nossa lembrança, imorredoura lembrança de quem continuará presente entre nós, marcando com isso a imortalidade de sua obra e de sua doce pessoa. (*) Discurso pronunciado em 20/11/15, na homenagem póstuma da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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PARAIBANOS NA ABL FRANCISCO DE ASSIS CHATEAUBRIAND BANDEIRA DE MELO DISCURSO DE POSSE (*) Esta Cadeira, Senhor Presidente, e senhores acadêmicos, pela ausência anímica dos seus vários detentores, traduz o que pode haver de menos adequado ao ritmo das Academias, como guardas da tradição, senhoras do metro e rainhas da medida. Ela é um paiol de pólvora, perpétuo, como o raio no firmamento. Tomás Antonio Gonzaga anda saturado, no lirismo da sua Poesia arcaica, do enxofre da rebelião, dentro dos porões de Vila Rica. O vate, se não exprime uma revolução em marcha, tem, contudo, o odor do que hoje se poderá chamar uma “conspiração fria”. Frustro, a Costa d’África é o seu desenlace ainda mais álgido, que o exílio da Pátria e a distância da mulher amada. Silva Ramos, gramático, de maço e mona, fino escritor da língua, tradutor feliz de Heine, era um explosivo. Brigava com quem o desafiasse. Era indócil com os provocadores. Andava às turras com os adolescentes insubordinados no Externato Pedro II. Não só gostava de lidar, como também aceitava as rixas que lhe eram trazidas por estúrdias de estudantes, e, galo valente, levantava a crista e vinha para o terreiro. Ciscava aí o bravo e ilustre professor, a quem o convívio com Portugal e os lusíadas, propiciou, ao lado de um elegante sentido da pureza da língua, a capacidade de pleitear pelo que ele julgava o seu dever, a sua honra, o seu direito. Com Alcântara Machado mantive uma convivência que durou, do ano em que aqui cheguei até a sua morte. Afrânio Peixoto, seu amigo, mo apresentaria, certa tarde, na Avenida Rio Branco. Nada menos de 23 anos mais tarde, com Roberto Simonsen e outros, fundávamos a Escola de Sociologia e Política, de cujo Conselho Administrativo ufano-me de ser diretor, em substituição a Afrânio Peixoto. Seu filho, Antônio, morreu diretor do nosso Diário da Noite carioca. Alcântara Machado apreciava comigo, há muitos anos, o papel do Tietê, que vejo cada dia maior, no quadro da natureza econômica

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do Brasil. Do caminho pascaliano que anda, da grande estrada viva, aberta ao transporte das bandeiras, isto é, o Tietê, dizia Alcântara Machado que era o maior dos paulistas, até porque não pretere ninguém. Seu rival, suponho, será Nossa Senhora da Aparecida, mas essa chegou boiando, faceira, entre lírios, na bacia de outro rio, grande como o Tietê, porém, híbrido. O Paraíba corre entre seis braços. Não é só paulista. É um bandoleiro pérfido. Não ama ninguém. Vêde o ciúme que da terra paulista tem o Tietê. Não a larga nunca. Corre sempre dentro da área do território de São Paulo. O Paraíba ama três terras. Suave, não falando, mas sussurrando, distante das multidões, fechado, sempre hermeticamente fechado, o clima espiritual e político de Alcântara Machado era um contraste com o daquela Natureza tépida, aparentemente macia, da garoa paulistana. O veludo que tinha na alma para os amigos transformava-se em urtiga para os adversários. Quando se vinha de Armando Sales, fascinante na elegância dos ademanes de um supercivilizado, de um Jacinto sufocado pela exuberância tropical dos seus contemporâneos, e se desembarcava em Alcântara Machado, é que se notava a oposição dos dois temperamentos, que renhiam no seio do Partido Constitucionalista. Nosso presidente de Sociologia de São Paulo, dentro de um clã partidário, ele e os seus inconfidentes, que nas mesmas fileiras militavam, constituíam um pelotão em rebelião constante. Os fermentos que traziam para emulsionar a vida daquela maloca guaianás davam precipitados que os colocavam em constante fricção com os companheiros da mesma agremiação cívica. Alcântara Machado era um galho viçoso do jequitibá perrepista. Ali dentro, sob a Primeira República, vivia insatisfeito. Resmungava. Seus competidores domésticos, na nova ordem partidária, a que surgiria após o colapso militar de 9 de julho, emanavam do Partido Democrático. Reivin-

dicando uma larga dose de liberdade intelectual, no seio desse grêmio, Alcântara Machado agia dentro dos seus muros, soprando um mistral quente, no gênero daquele a que Augusto levantou altares. A ventania que ele mandava do peito sacudia as vergas da nau-menina, recém-saída dos estaleiros da revolução. De noite, a tempestade acendia o santelmo nos mastaréus do barco, cujo bojo a todos acolhia. Eram os “fantasmas” da conspiração branca de Alcântara Machado. Tendes aí a terceira figura de conspirador da Cadeira. Rondam, ainda, aqui, pelo Rio e São Paulo, dois dos seus “espectros” da meianoite : os Srs. Motta Filho e Horácio Lafer. A rotina desse clima celerado da Cadeira de Gonzaga, como não poderia deixar de corresponder a Getúlio Vargas, alma de conspirador e têmpera de subversivo, unha e carne com Gonzaga, e à fila dos endemoninhados, que o sucederam, na Cadeira, da qual o vate mineiro é o patrono? As caldeiras de Pedro Botelho de Vargas, do satânico Vargas, são, portanto, inseparáveis da cálula de insubmissão civil e literária, armada nesta Cadeira. Não são senão outlaws, fora da lei, os ocupantes do posto do enamorado de Marília. Sento-me aqui, Senhor Presidente, tremendo, eu que me considero uma coluna da ordem, um esteio da legalidade. Care, never extreme care, dizia Brummel. Mas eu, pelo contrário, estou tomando cautelas adequadas, ao fixar os precedentes que se legaram os antecessores. Estou em más companhias. Um benigno destino quis que me fizessem comendador, portanto, condecorável, e, a seguir, que me visse induzido, por um secreto e ambicioso instinto, a bater às portas da Academia, a declarar à Companhia, que, sendo condecorável, era, outrossim, “academizável”, na expressão banvilesca. Tende a segurança de que nunca fui inimigo da Academia nem dos senhores acadêmicos. Mário de Alencar, Miguel Couto, Alfredo Pujol


cunharam esta invencionice. Mas não puderam prová-la. Fugi de maiores experiências com a Academia por entender que, com uma sensibilidade de paraibano, não iam a vossa ordem e a vossa disciplina. Eis tudo. Pensavam aqueles amigos que Capistrano e Pedro Lessa não me queriam ver acadêmico. Combatiam minha entrada em vosso Cenáculo. Também não é verdade. É certo que ambos falavam mal da Academia para mim e para o público em geral. Diante, porém, de quem poderia deter-se a veia de polemista daqueles dois temperamentos de provocadores, daquelas línguas venenosas que Satanás para aqui despachou, como embaixadores do Inferno na face da Terra? Confere-me a Academia a maior de todas as honras e a mais cara de todas as glórias. Quando se recebe na Companhia um paraninfo como o Professor Aníbal Freire, ganha-se uma graça. Fostes comigo infalíveis, infalíveis e divinos. Pois a graça não é um dom celeste? Há 44 anos, o Professor Aníbal Freire tinha duas cátedras em Recife: a cadeira de professor, na Faculdade de Direito e o posto de diretor do Diário de Pernambuco. Uma e outra ele as exercia com um talento incomparável, e uma atração e uma têmpera de caráter raros. Fora difícil dizer qual era maior, se o jornalista ou o mestre do Direito Administrativo e da Economia Política, pois de tal forma consumada era a sua vocação para ambas as cátedras. Em 1911, na Câmara Federal, surgiu uma revelação que Carlos Peixoto me declarou, foi a maior do seu tempo. Nascia, nesta cidade, um parlamentar com a allure, a cultura e a graça do espírito, a técnica da oratória, e segurança na tribuna, o gosto pela liberdade, que o fizeram emular com os mais completos que tem tido o País, ao serviço das instituições livres. Depois, Ministro da Fazenda, que trouxe a libra esterlina a 24 cruzeiros, Juiz da Suprema Corte, com votos luminosos, diretor do Jornal do Brasil, a carreira do nosso mestre Professor Aníbal Freire é uma tão vigorosa marcha para a imortalidade que, quando a Companhia chancela a aspiração coletiva que unânime indicava, já repousava ele no seio amável dos deuses deste Olimpo. Escolhestes, para suceder o fundador do Estado Novo, um antigo professor de Direito Romano e um propagandista das instituições representativas. Fostes, nessa linha de conduta, fiéis à memória de Getúlio Vargas. Como ele, seguistes a regra dos contrastes. Acredito que a Academia me elegeu como quem busca uma natureza de equilíbrio para tirar o demônio, que há mais de cinqüenta anos ronda esta Cadeira. De quantos pecados, cometidos em minha longa car-

reira de jornalista, não me penitencio agora! Espero que a ordem, uma ordem objetiva, venha imperar daqui por diante, no posto que ocupo, em vossa Companhia. A barulhenta memória dos que aqui se sentaram será compensada por uma tranqüilidade de lago suíço, à qual me vejo recolhido, na fraternidade das aspirações, que comungo com a Academia e seus leais servidores. Tende a certeza de que trouxestes para o vosso grêmio uma índole da Regra e do Método, disposta a proscrever dos seus trabalhos, aqui dentro, como lá fora, o quanto não contribuir para acrescer o vosso cabedal de fidelidade e de observância às leis da Ciência, das instituições, da vida, da sociedade e do céu. Está morto o último companheiro revolucionário, Getúlio Vargas. O pecado original do conspirador Gonzaga foi resgatado. Pela primeira vez, na história do mundo planetário, se elimina esse gênero de pecado. O mal cria o bem, digamos em termos goethianos. Desse bem, recuperado, sou o primeiro beneficiário. Aquele que cai morto pelas próprias mãos, em virtude de um ideal, propicia, com seu sofrimento, uma integração nossa, num plano superior de espiritualização. Aqui vim apenas para bosquejar o perfil de Vargas, esperando que outros tomem o tosco retrato de hoje, como ponto de partida, para escrever os livros definitivos que, à luz de melhores observações e de outros ensinamentos, lhe deverão ser consagrados. Se eu tivesse tempo, se houvesse lazeres na minha faina de gerente de jornais, rádios, revistas, televisões, fazendas agrícolas, com as suas técnicas tão diversas e as suas formas de atividades intelectuais e sociais tão variadas, tentaria dois livros: um sobre a Escola do Recife, com o seu germanismo presunçoso e as suas gaforinhas desabridas, e outro sobre os dois consulados de Vargas – o que vem de 1930 a 1945, e aquele que parte de 1951 e submerge em 1954. Estas páginas, Senhor Presidente, foram escritas quase todas na Riviera francesa, em Cap Ferrat. O resto compus em Dakar e no Rio. Andei por três continentes para interpretar o último dono desta Cadeira. Fui a Nice respirar o claro ozona da ambiência mediterrânea. Não seria possível tratar de um bárbaro, filho também daquele mar de tão fina espiritualidade, sem ver Ulisses. E eu fui ver Ulisses, o companheiro inseparável daqueles que exercem o seu métier de roi, com a virtuosidade do equilibrista helênico. Não era Vargas somente a América Latina e a Rússia, Minas e o Rio Grande. Seu tato, a sua finura, as suas manhas, a sua solércia de gato, a sua sedução de demiurgo o

identificam muito com o Rei de Itaca. Seu charme, o charme que emanava da sua pessoa, era irresistível. Quando queria, era-lhe fácil envolver-nos nos eflúvios da sedução, que o imantava, e subjugava-nos. Em outros, o poder de fascinar exigiria um jogo mais artificial. Nele não havia um esforço de amabilidade, senão aquela elegante volubilidade, que punha nas conversas, ora ferindo um ponto, ora outro, conforme as tendências dos que faziam a sua roda. Vargas deverá ter sido o ser mais estranho e sobre-humano que teve até hoje a galeria dos homens de governo latino-americana. Com ele nos poderemos permitir a muitas combinações. Armando Sales já preso, no Rio, em casa, em 1937, sustentava na noite do 18 de Brumário Getuliano, perante mim, uma opinião que ele nunca mais negaria: “Vargas é um homem inteligente.” O vencido reconhecia no verdugo da sua causa a pujança intelectual, que dele dimanava. Vargas tinha de Pedro II e de Floriano; de Sarmiento e de Facundo; de Mauá e das forças telúricas do índio ciumento, que olha de través o branco civilizado, como o usurpador da sua roça. É tolerante e intolerante; gosta dos ricos e dos pobres, e, fazendo política socialista, não tem constrangimento de freqüentar os ricos e de sentar-se à mesa deles, a fim de melhor experimentar a técnica de demoli-los. Enxundioso e plácido, enganava o que lhe tomava a gordura como indicativo do bonacheirão. Remy de Gourmont enxergava, no gordo, o bondoso, o fácil, o coulant. Só na aparência, Vargas podia ser isto. Espicaçado, o ginete cavalheiresco do pampa arremetia com fúria de javali. Fixe-se bem este traço da índole de Vargas: ele era um emotivo, um sentimental, sujeito a cóleras súbitas, como nós outros. Somente sabia dominar-se. Não explodia, porque se refreava, calando. Uma noite, disse-me no Guanabara, em 1934: “Esses gaúchos aqui chegam e desabafam, dizendo impertinências. Depois, vão-se embora, e eu fico de noite sozinho, com um ‘corno’ na boca.” Esta é uma expressão gaúcha. Para estudá-lo um décimo é preciso tê-lo praticado, como o pratiquei, exaustivamente, todos os dias quase, entre 1924 e 1927; e menos, muito menos, daí por diante, mas o bastante para continuar a encontrá-lo, a personalidade mais rica de contrastes, o maior diferenciado, dentro do seu próprio quadro pessoal, que se pode imaginar. Há um texto alemão que diz: nada será menos alemão do que ser-se unicamente alemão. Es ist undeutsch, bloss deutsch zu zein. Nada será menos Getúlio Vargas do que ser exclusivamente um só Getúlio. Falando de Getúlio Vargas é Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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indispensável tanto sair do Brasil como mergulhar no Brasil; ter os pés em nossa terra, como perlustrar a dos outros, encadeando-o, tanto na própria vida quanto na daquelas criaturas, com as quais conviveu, desde a mocidade e que guardarão sinais indeléveis em sua individualidade, do seu contato pelo resto da existência afora. Vargas aparece no cenário do Brasil em um momento de rebelião geral do mundo. Vinham os laboristas de terminar a sua primeira experiência, na Inglaterra, fazia pouco mais de um qüinqüênio. Roosevelt virá, em 1933, revolucionar a estrutura econômica dos Estados Unidos, martelando o capitalismo industrial, mercantil e bancário, com uma truculência só comparável à dos russos soviéticos. Na Espanha, os republicanos terão deposto o rei. Hitler e Mussolini faziam, um e outro, governos de massas, com ideologias populares. O Khan tártaro, Stalin, insistia em debilitar a sociedade capitalista, no quadro selvagem da escravidão russa. Todos os ditadores eram freneticamente totalitários, com exceção de Salazar e Mustapha Kemal. Um provinciano da fronteira gaúcho-argentina surge disposto a quebrar o tipo clássico dos presidentes mineiros e paulistas. Recusava-se ser liberal e tampouco democrático. Vinha decidido a estrangular os reacionários da liberdade. Tinha o espírito malicioso de um Voltaire e agia em política com o sadismo aristocrático de César Borgia. O golpe político de 1937 é um fragmento do “Belíssimo Engano”, de Sinagaglia. Afetava maneira de viver, de sentir, de reagir, inéditas, no panorama político do País. Misto das duas paisagens, a quixotesca e a do escudeiro, soberbo e humilde, anjo e demônio, Vargas mostra desde logo que tínhamos de emigrar do ameno clima paulista e mineiro que até então se respirava no Catete. Solitário, introvertido, impenetrável, vivendo dentro de si mesmo, suas duas instâncias, a primeira e a última, era Deus. Criou, para isolar-se, defesas naturais, que lhe dariam a configuração exterior de um contemplativo oriental. Viu-se, ao cabo de certo tempo, que o pampa intérmino, com a sua monotonia de estepe siberiana, principiava no Flamengo. A Rússia aparece igualmente com ele, na forma de uma legislação obreira avançada, como também fragmentos de Bizâncio, na sua finura, na sua casuística, na sua furberia, para despedaçar certos postulados de ordem e de lei individualísticos, que ele se dispunha a levar a cabo, no ímpeto de um Sturm und Drang, para nós desconhecido. Tinha os dois pólos, o dinâmico e o estático. Sossegado, tranqüilo, dir-se-ia, à pri-

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meira vista, viver no pólo estático, na vida vegetativa do animal. Disposto a socializar o Brasil, há de ser, dentro do pólo dinâmico, que irá viver. Infligia a pena capital, na “guilhotina seca” a milhares de brasileiros, em função do programa que trouxe, de agir como um fator de perturbação no seio da sociedade brasileira. Ao lado disto, um europeu, dotado do rígido senso das coisas. Com o vago, o impreciso de certas inovações, o líder novo derramava tesouros de sachlickeit. Era claro, objetivo, místico e elementar. Quando redigi “O Monstro”, a única criatura deste País que não se impressionou com o artigo foi ele. Disse a amigos que o havíamos escrito, pacatamente, juntos, em Ponta Grossa, e era a verdade. Toda a matéria-prima da sua contra-conspiração em Porto Alegre, ao lado daqueles dois querubins, o General Gil de Almeida e o General João Simplício, seria ele, ele e mais ninguém, que ma fornecera dentro do seu trem de campanha, no Paraná. Getúlio Vargas logo enxergaria, desde o primeiro instante, que “O Monstro” era dirigido contra o seu Ministro Osvaldo Aranha, para abater o poder político momentâneo desse caudilho, e, ipso fato, diminuir a pressão das pequenas patentes subordinadas ao outubrismo, no seu governo, contra nós que fôramos a parte civil da jornada. Era preciso dar um banho turco em Osvaldo Aranha para tirarlhe substância, que ele estava politicamente gordo, cevado. Levamo-lo a um banho de 39 graus. Vargas achou esplêndida a idéia. Até porque, no dia seguinte ao da publicação de “O Monstro” muita gente ficou satisfeita em constatar que ele não viera a reboque de ninguém, para derrubar a República Velha. Era Vargas um gênio de iniciativa, como Aranha. Revelava-se, pela primeira vez, a força de iniciativa que fora ele, na revolução, com as suas marchas e contramarchas, com as ordens de avançar e recuar, que eram do trem da sua vontade hesitante e impetuosa. Mas “O Monstro” encerra uma novidade para Vargas, era-lhe um mistério e ele busca, por todo o preço, desvendá-lo. E, para isso, me convidaria, quatro ou cinco dias depois, a uma visita ao Catete. Quem contou ao autor que ele fora o espírito mais imbuído de Nietzsche no Rio Grande do Sul? Ao esquivar-me de lhe revelar a fonte, insistiu, brando, mas firme. Eu lhe disse: o General Flores da Cunha. – Pensei que fosse o João Neves, o Collor ou o Maurício, replicou. Efetivamente, será visível por todos os aspectos a influência do filósofo germânico em sua diabólica formação política.

Desastre fora tentar definir naturezas da opulência espiritual de Vargas, num conceito qualquer, por mais largo que fosse. A nossa geração e, quiçá a futura, se haverão apenas ao mister de assistir à decantação dos atos e dos gestos do herói trágico, com as suas ações santas, de apóstolo social, e as faculdades malditas de demônio político do seu tempo. A Academia irá permitir que eu não tente a insensatez de desumanizar Vargas. O seu inumano é que é a delícia das delícias. Aquele que sucumbisse a uma tal tentação só lograria amputá-lo e diminuí-lo. O que há de sedutor em Vargas é precisamente o bárbaro, traduzindo numa linha de civilizado conservador. Aí é que está um dos segredos da durabilidade de Vargas. Que aparência de ordem interior e exterior não dava ele, mesmo quando cometia as maiores enormidades! Impõem-nos tratá-lo como um bárbaro, o culto da inteligência, o respeito da razão e a fuga ao paradoxo. Ele não é anjo nem fera, racional ou irracional, mau nem bom, tolerante nem intolerante. Considerada a ordem de valores em que o deveremos situar, Vargas é o caso de intelectualismo mais atrevido que ainda viu o cenário político e espiritual do Brasil, no hedonismo brutal das suas preocupações, e na vulgaridade da table d’hôte dos seus manjares habituais. A peculiaridade de Vargas é que não havia um só Vargas. Há variados, específicos e numerosos Vargas e cada qual com a sua psicologia, a sua consciência, a sua face, as suas idiossincrasias, o seu estilo, vivendo numa vida à parte e com a intuição perfeita das suas relações próprias com os homens e as coisas. Ele foi prestar contas ao Eterno, levando a maior soma de indivíduos, que ainda se justapuseram numa só pessoa, e cada qual tocado de razões as mais respeitáveis, neste universo de ficções e de sonhos, dentro do qual construímos pontes, pilares, nuvens e talagarças. Porque Vargas trabalhou com toda sorte de matérias-primas: desde as pedras preciosas até o granito bruto. Quando se trata de Vargas o que será preciso identificar nele, antes de tudo, será o político. O político cujo conteúdo é o caudilho – caudilho no sentido espanhol da palavra, na acepção em que a empregam os espanhóis com o General Franco. Sei que falo para uma Suprema Corte da Inteligência. Todos aqui entenderam o que quero dizer, quando ofereço de um homem como Vargas, um depoimento destes. Conhece a História Civil do Brasil outras figuras desse tomo. Que são os Andradas,


por exemplo, senão uma geração de caudilhos, em constantes tropelias? Se o que faz um caudilho é a sua alma, o estilo da alma dos Andradas é o que de mais caudilhesco haverá no Brasil. Mais tento penetrar no inconsciente da sociedade brasileira do primeiro decênio da independência, mais se me depara o Rio Grande embutido na endócrina dos Andradas. Os Andradas foram os indivíduos mais facciosos do seu tempo. José Bonifácio pedia que se aplicasse contra Ledo a “lei marcial”. O caudilhismo tem uma bela contribuição paulista. A torrente vem desde o Século, com Gurgel do Amaral e outros cabecilhas, desemboca no rio-mar dos Andradas, que foram os gaúchos da sua época, no Brasil da Minoridade e da Regência. Os Andradas, a partir da geração de José Bonifácio e Martins Francisco, são uma mestiçagem irlandesa. Os sinfeiners O’Leary acabam em Antônio Carlos, que incorpora em 1929 os “imponderáveis subversivos” do Rio Grande ao Thibet mineiro. O Rio Grande do Sul em núpcias com Minas Gerais para desencadear uma revolução! Só um caudilho irlandês seria capaz disto, e a mistura do sangue dos Andradas com o dos gaúchos da Ilha Verde é que produziu a aliança híbrida. A política, em Vargas, era uma plenitude, a sublimação da sua natureza. Poucos sabiam que aquele temperamento tímido, reservado, sensitivo, não gostava de agir ostensivamente. Era um infernizado da ação, um dinâmico inesgotável, mas tudo isso por debaixo do lençol submarino. Quando vinha à tona da água o grande anfíbio, era só para ver o céu, as estrelas e mergulhar de novo. Procurava guardar a todo momento, diante de amigos e inimigos, a nobreza da linha e o segredo da sua presença nos acontecimentos. Era com a mão do gato que gostava de trabalhar. Agia pessoalmente o mínimo. Gostava de se exprimir e de se interessar, através dos outros. Adorava o próprio silêncio, que era suntuoso como um fundo da água de coral marinho. Sacudido pelas pessoas tempestuosas, aventuras da sua carreira, na face não se lhe estampava uma crispação, vinda de dentro, da alma atormentada. Conforto, apoio, encorajamento, o que nina o coração do homem na luta, o que o embarca para a vitória, ele buscava em si mesmo, nas suas próprias reações íntimas, na sua álgida impenetrabilidade. Getúlio Vargas mexia tanto com a política, trabalhava-a de tal forma, que dela se podia dizer que, em suas mãos e na sua técnica, era quase bruxaria, ou caos, ou schaden freud, sadismo, no trato dispensado às suas vítimas, às vítimas do seu trabalho a todo

vapor ou em câmara de ar condicionado. Desde que enceta a luta contra os políticos (mas com eles convivendo sempre e adorando essa convivência, porque o toque profundo da sua alma era a política), Vargas entra a falar como se subisse ao “último rochedo druídico”. E o que acontecia era que o druída era um misto de sacerdote e de feiticeiro. O sacerdote exorcizava os demônios, responsáveis pelas assombrações populares, pelas tempestades coletivas, pelas calamidades sociais, dando o sinal de combate aos gênios do mal, devorado ele mesmo pelo voto da castidade cívica, que fizera no serviço ao povo. Mas o bruxo não andava longe do personagem celeste, e em sua conjunção diabólica os dois perpetravam coisas infernais, de um interesse dramático e passional, que nos desorientava. Até porque Vargas (era visível nas suas ações) amava o pecado, adorava o maravilhoso do pecado, e punha no Olimpo, que criara, com os seus deuses da salvação do povo, os numes tutelares das massas, igualmente o pecador, isto é, o reacionário. Até porque a sua convivência era com toda a Arca de Noé. Eis o que é o Olimpo deste Júpiter: uma corte de anjos, vestidos de branco, alados, uns, outros, mercuriais, como ele mesmo, ainda esperando a conversão, sem embargo de Santanás chamá-lo a todos e a cada um, ternamente, meu filho. Embora servindo-se muito e a todo tempo dos políticos, Vargas não acredita neles, não faz fé nessa gente. Sua massa de manobra para as construções políticas que arquiteta são povo e Classes Armadas. Nelas se refugiará, desde 1930, para preparar e desencadear a revolução. Governa até antes da revolução de 9 de Julho, com as forças militares, sobretudo as da linha. Depois de 1935, se lança novamente nos braços, ou melhor, nos sabres e nas espadas delas, para tirar o seu período de governo; e, quando o quadriênio está por terminar, aparece com o figurino do Estado Novo, que será o Estado Forte. Desse, permanecerá prisioneiro até morrer, cativo da sua glória até o dia em que se abateu com as próprias mãos. Um chefe e o oceano popular para dentro dele mergulhar, tal o sonho violentamente sonhado, que o acalentou, e ao qual guardará fidelidade, a sua indefectível fidelidade, ainda no instante supremo. Morre vestido de uma “fantasia” de democrata liberal. A intelligentsia de Vargas não compreendia aquela dégrisée, a qual não passava de uma ponta de lança psicológica, orientada no sentido da “sua” verdade histórica. A história haverá de fazer a Vargas, que era um homem excepcional, esta escusa;

que onde quer que ele surgiu, foi onde os democratas fizeram fracassar a estrutura da ordem democrática, foi onde os republicanos frustraram o regime, por atos de imprudência e de irreflexão. Sua aparição prodigiosa em 1930 fixa o desastre e a ruína da democracia liberal, instalada pela revolução positivista-militar de 1889. E o que se segue daí por diante, é uma série de eliminatórias dos partidos democráticos, pela inaptidão dos seus líderes para realizarem as instituições representativas. Em 1937, como em 1951, os democratas liberais se dividiram: dividiram-se para deixar passar o andor e o estandarte do político esperto, ágil, que vive da sucessão deles. Uma tese que sustento acerca de Vargas é que ele, na ação política, para subir e sustentar-se, fez muito menos por si quanto os adversários obraram por ele. Viveu menos do que fez do que daquilo que fizeram os que supunham combatê-lo, enfrentando-o. Como o empurravam para a frente os desastres e os fracassos dos adversários! Que inimigos políticos úteis, perfeitos, não lhe arranjava o destino amigo! Como eram generosos e camaradas com ele os que, pensando que lhe faziam mal, o que logravam era ajudá-lo, era alargar-lhe a área da sua superfície de poder! Muitas vezes, pouco ou nada se mexia. Os adversários é que se movimentavam, a fim de lhe darem cartas e trunfos de espadas, paus e ouros! Um inexorável homem de ação em todos os sentidos (mesmo quando fingia que estava quieto, ou que estava morto). Vargas gostava muito de se omitir para o lado teatral da vida, a fim de não dar a sensação de que ia servir-se dos meios diretos, ou para não chamar a atenção do adversário, no recurso àqueles indiretos, com os quais trabalhava igualmente. Em 1937, depois do golpe do pequeno Brutus mineiro, recua para o fundo do cenário. Foi o episódio, como escrevi numa manchete do Diário da Noite, “uma cornada de boi manso”. Desiste, sem qualquer combatividade inteligível, de pensar em reacender o trabalho para o esforço de ficar. Certo dia um companheiro gaúcho vem lhe pedir ordens. – “Fazermo-nos de mortos, é a ordem de serviço”, responde. Até 10 de novembro toda a sua atividade se passa no subterrâneo dos conspiradores e no porão das casernas, com os oficiais com quem colaborava os planos do golpe de Estado. Vargas acertava sempre? Só teria errado à última hora, em 1945 e 1954? Os erros de Vargas, os grandes erros que perpetrou no julgamento do Brasil resultaOutubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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vam disto: que ele era um homem de fé e, igualmente, de boa-fé; que ele tinha a fé infusa do místico, sem ser absolutamente um místico, e isto sendo um espírito de claridade meridiana. Ora, nada de substância mais metafísica do que a fé, sobretudo quando ela adere ao pensamento de um homem de combate, o qual recusa os dados da experiência das índoles positivas, para se lançar ao que a sua intuição o faz adivinhar. No fundo, porém, a sua tendência é para seguir, algumas vezes, os homens de fantasia, os que jogam com palavras abstratas sem maior conteúdo. E foi a fantasia, que o perderia em 1945 e 1954. Isolado, cercado por conselheiros de visão limitada, quase sem contato com o mundo exterior, faltaram-lhe os artistas com que sempre jogou, para dar as sortes inimitáveis dos seus velhos dias de triunfo. Só o real é contraditório. Vargas era o real, e daí a sua resistência às sínteses, que não passam de construções lógicas. Nunca teve, nem o quis, programas, postulados ou doutrinas. Foi toda a vida um intérprete fluido da vida e dos acontecimentos, sem constantes nem dogmas. Evitava afirmar. Furtava-se a apoiar. Lamentava até ter que falar. A sua linguagem era a do silêncio, criador dos enigmas, das esfinges, dos equívocos, das situações contraditórias, que tanto apreciava. Uma vez me afirmou: “Gosto de ti, quando as nossas teses coincidem, porque me adivinhas. Prefiro não dizer o que penso. Gosto que me interpretem.” Isto explica a independência de Vargas diante dos sistemas, dos grupos políticos, dos quadros coletivos; a sua incapacidade para neles se integrar, sobretudo se se tratava daqueles de política interna. Vargas nunca quis se engajar em qualquer sistema internacional, a não ser, mesmo com restrições, o pan-americano. Ele entendia um casus belli consigo, com o Brasil nunca com outro País, que o obrigasse a bater-se, tomando conhecimento das linhas de força da estratégia do Atlântico. Quando os americanos nos ofereceram, no seu governo, 67 milhões de dólares de armamentos, a posse desse material o deixaria frio. Ele não queria passar por um governo militarmente marshallizado, e por isso conseguiu que o seu ministro da Guerra jogasse as cristas com o outro do Exterior. O lobo da estepe o inquietava menos que o urso vermelho do Norte. O americano atormentava Vargas por ser ele o homem do dólar, e Vargas desprezava o dólar, que era a consciência materializada do americano, agindo no plano brasileiro, e ele tinha ciúmes desse plano, que era seu, exclusivamente seu, e que ele não o trans-

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feria, no todo ou em parte, a quem quer que fosse. A alma contraditória e atormentada de Vargas se comprazia na quantidade das tendências que o dilaceravam intimamente, dando-lhe modos de pensar e de sentir complexos. Ele é, por exemplo, um gaúcho, um gaúcho tradicional, enquadrado perfeitamente nas suas fronteiras políticas e morais, e distante, como em muita gente do nosso interior, da maioria dos países atlânticos. Agora, a outra face da medalha: este rude capitão da indústria das revoluções, este fabricante ou condensador de crises políticas, este perito em situações subversivas era um dos engenhos mais sutis e ágeis que conhecemos. Dentro dele havia o limite das duas naturezas que se chocavam: a do criador de etapas revolucionárias, em grande estilo, do chefe das duas jornadas de 1930 e 1937; e a finura e o espírito fugidios do florentino, que jogava com a lâmina abotoada, escondendo o jogo ao adversário, até a hora de desfechar o golpe definitivo. Nenhum outro homem exerceu no Brasil a arte da política com a destreza, os filtros, o estilo sulfuroso, os sortilégios e o êxito de Getúlio Vargas. Com que simplicidade ática não sabia ele agir e redigir! Era o escritor em Vargas mais outro contraste com a agressividade da sua razão de Estado, da sua estrutura política, dos seus dogmas radicais, que agitava, para não vivê-los, muitas vezes, mas que não deixavam de ser dogmas, nas suas arengas de meneur de massas. Como eram medidos, claros, harmoniosos os seus dons de expressão! Via-se, desde logo, quando redigia (e eu o vi escrever algumas poucas vezes, faz trinta e tantos anos) que era uma índole de cultura, que o seu espírito literário se abeberava em mananciais ricos, em cabeceiras de um lirismo generoso. Tinha uma prosa castigada. Corrigia o que ditava ou o que redigia, mais de uma vez. De sangue ibérico, fugia entretanto a toda forma de gongorismo, de linguagem derramada. Era preciso, elegante, e, sobretudo, proporcionado. Seu estilo de escritor se apresentava o oposto daquele dos homens públicos gaúchos da sua geração. Era usurário de adjetivos. Sabia podar a crespa vegetação da nossa oratória. A despeito de ser caudilho de revoluções, seus manifestos eram vazados no metal de uma linha de compostura, que fazia como que o contrapeso do radicalismo, das idéias subversivas e do sanhudo revolucionário. Diziam-no egoísta. Qual o chefe que não é condenado a ser egoísta, a dar-se pouco, muito pouco, aos companheiros, para jogar tudo na causa? Não há criatura menos

livre diante dos que o seguem quanto o que comanda. Que custava a Getúlio Vargas estrangular o liberal Osvaldo Aranha em 1943, se este tagarela fulgurante lhe advogava a morte do Estado Novo todo dia, violando a censura do governo e o princípio de fidelidade ao chefe, o Fuhrerprinzip? Como é belo o infanticídio que perpetra, em 1953, de cinco recém-nascidos do seu Ministério de 1951? Ele não tem outra saída senão marchar para o sacrifício desses filhos superados, que se aburguesaram demais para participar do novo Ministério, de medida social, que estava disposto a organizar. Como enquadrar os Srs. Horácio Lafer e Simões Filho dentro de um quadro ministerial de esquerda! As linhas burguesas eram em ambos a sua perdição inelutável. Em 1930, quando quase dissolveu o Supremo Tribunal Federal, todo o mundo se pôs a indagar. Quem seria o autor secreto daquele golpe? Juarez Távora? Góis Monteiro? Ninguém. Ele, só ele, e mais ninguém. No Paraná, já anunciava as providências duras, que se dispunha a tomar, com relação à ordem de coisas existente, sem maior atenção por compromissos assumidos pelo Rio Grande, que se recusava a acatar. Muita gente foi julgada responsável por atos de extremo rigor praticados por ele, no primeiro governo provisório. Entretanto, o autor dessas medidas era apenas Vargas. Foi o último senhor de escravos deste País. Tinha uma Casa-Grande e um pátio, onde juntava os seus “pretos”, os pretos de estimação, da sua Irmandade do Rosário e os quais também não o dispensavam. Poderiam os pretos zangar-se com ele, mas ele nunca despediu, para sempre, um só deles. Góis Monteiro, Osvaldo Aranha, João Neves, Juraci Magalhães, Alexandre Marcondes, Benedito Valadares, Luzardo, Gustavo Capanema, e, por que me excluir? Eu também, todos fazíamos parte da sua família. Quando um se ia embora, amuado, batendo a porta, ele não desesperava da volta. Não era possível a um “negro” dele viver longe do seu aconchego, por muito tempo. Ralava-se de saudades dos seus pretos e os pretos dele. O General Góis, o Sr. Osvaldo Aranha choravam, com os olhos enxutos, à Valadares, a saudade da sua companhia. Depois da revolução comunista, em 1936, uma tarde chamou-me. Falou do nosso confrade João Neves e de Batista Luzardo com uma tal ternura que eu senti que o que ele queria comigo era fazer a ponte que os deveria trazer à casa, onde os dois faziam falta. E ambos os filhos pródigos volveram. Um dia, o Coronel McCormick, o famoso isolacionista dos lagos, interrogou-


me em Nova Iorque: “Como é Vargas?” E eu lhe respondi: “Seu irmão; sua alma mais fraternal, neste hemisfério. Ignora ou finge que ignora como o senhor o Atlântico e o Pacífico. Anuncia, como o senhor do Chicago Tribune, o junker prussiano e o mujik eslavo. Seu fuso político será o do Paraguai, o do Equador, o da Argentina, o do México. O hemisfério para ele é o continente, o foyer do índio. Só entende, só quer entender da nossa política internacional, dois lados: a lacustre e a fluvial”. Não era o isolacionismo do coronel? Mas, como esta criatura, em cuja alma passavam todas as forças elementares do gaúcho, do terrien gaúcho, sonha e age em termos de industrialização para o Brasil! Seu eixo paulista será o mais firme, o mais rijo, da sua natureza. Através desse eixo é que falava com os paulistas a linguagem da civilização da máquina a vapor bandeirante. Não encontro aspecto da educação política de Vargas mais curioso do que este. Observe-se que ele jamais entra em crise com o homem da indústria de São Paulo. Pense-se que nunca tocou nem consentiu que se tocasse na substância das tarifas aduaneiras, que protegem o parque manufatureiro de São Paulo e do Rio. Mandou negar papel ao Diário de São Paulo, em 1941, somente porque ali se escreveu que o Conde Francisco Matarazzo comprara uma fábrica de rayon na Colômbia. Que levava Vargas a tomar por São Paulo o interesse que ele não tinha igual por nenhuma outra unidade brasileira? Apenas a civilização da máquina. Na carta do progresso da Nação, São Paulo, a seu ver, tinha o primeiro lugar. É que ali se implantara a civilização da máquina a vapor, e ele reputava a máquina industrial o instrumento da nossa emancipação econômica, a trincheira dentro da qual iríamos pelejar contra os imperialismos do outro lado do mar. Pelo ultranacionalismo político e econômico, que o devorava, Getúlio Vargas revestia esta singular capacidade de contato para tratar com os industriais de São Paulo. O fermento jacobino lhe dava pontes para entender a industrialização, muitas vezes à rebours do Brasil. Olhava no equipamento dos homens da manufatura paulista e carioca o instrumental desta terra, posto nas mãos de superbrasileiros, que era preciso proteger, para que eles exercessem a sua missão redentora. O veneno do hipernacionalismo brasileiro traz dentro de si o fator da sua própria morte. Ainda não se capacitaram os nossos compatriotas de que a derrota do Japão, da Alemanha e da Itália nacionalistas, com o

advento do plano Marshall, significa o fim do Nacionalismo hermético na era internacional em que vivemos, quando os ursos vermelhos da União Soviética saem das furnas orientais, onde viveram 38 anos, para ir visitar os Estados Unidos e ali aprender as lições de coisas edificantes da cultura ocidental. Hoje, no quadro da atualidade, os maiores professores públicos da internacionalização das duas civilizações, Leste e Oeste, são os russos soviéticos. Brasileiros: sigamos os russos, e os bem vermelhinhos! Vargas sentia pouco a Europa e menos os Estados Unidos. Pode-se considerar seu longo consulado um período de guerra fria, de especulações ora acadêmicas, ora doutrinárias, ora ideológicas, contra as potências que foram as nossas esplêndidas colonizadoras de braços, dinheiro e cultura. Ele jamais teria feito a guerra contra a Alemanha se não surgisse o acidente do Rio Real. Ele não será nunca um beligerante fora do Brasil, um contendor ao lado das grandes potências democráticas da Europa, da Ásia e do hemisfério, para tomar parte ao lado destas contra aquelas. A amplificação espacial da luta pelos submarinos alemães, no Atlântico, o levaria à força, à contenda, num conflito que não é seu, nem que julga seja do Brasil. Ao contrário, deseja ver minadas pela ação da guerra, reciprocamente, as forças dos países “imperialistas”, no conflito planetário, porque está seguro que desse choque só os neutros emergirão fortes. A querela entre os grandes, podendo sair dessa querela a sovietização do mundo, não o inquieta. – A Rússia está longe – disse-me certa vez –, e os conquistadores brancos do Ocidente andam aqui dentro de casa, ou rondam lá fora, querendo entrar. Permanece nas Nações Unidas, com mil e uma cautelas. Falei-lhe uma, duas, três vezes a respeito das bases aéreas e navais interamericanas. A sua reação era uma só. Não que repelisse os cubanos, os argentinos nem os colombianos aqui dentro. A suspeita, que o mordia, abrangia o irmão mais forte. Em um mundo de solidariedade crescente e de interdependência cada vez maior – o que se revelou mais positivo no segundo conflito mundial – o Brasil delibera insistir em manter-se isolado, e isto à medida que o seu nível de vida se deteriora pela escassez de moedas fortes, o que quer dizer pela escassez de produção exportável. O Plano Marshall e seus satélites anteriores e posteriores permitiram à Europa reembolsar parte das dívidas de guerra, emprestar dinheiro aos seus domínios extra-europeus e neles investir outros recursos.

Campos Sales, Rodrigues Alves, Rio Branco, Afonso Pena, Rui Barbosa, Venceslau Braz colocaram o centro de gravidade política e moral do Brasil no nosso capital de relações com as duas metrópoles, das quais depende a sua segurança no Atlântico: Washington e Londres, ou seja o britsh sea power e o poder político e militar da América do Norte, a partir de 1917. Insular, servido de um ideal nacional egoístico, penetrado de um melindre de bugre da sua maloca, Vargas se dispunha a marchar para a civilização por conta própria, desprendido de qualquer bloco. Forçado, por circunstâncias alheias à sua vontade, solda a sorte do Brasil com a dos Estados Unidos e as Democracias do Ocidente. Mas vai para a guerra sombrio, desesperado, sabotando abertamente a participação do Brasil nela. A amigos gaúchos com quem conversa, entre 1939 e 1942, repetira a frase de Nilo Peçanha: “Não tirarei um só filho aos braços da sua mãe, para lançá-lo aos azares de uma guerra que não é nossa”. E, em Petrópolis, dando-me a ler a pasta da correspondência com ele, do General Leitão de Carvalho, então Delegado do Brasil, no Comitê de Defesa do Continente, em Washington, declaroume uma tarde: “Separei para tu leres esta correspondência. É acerca da ‘tua’ guerra.” Frisou o possessivo. Mais de uma vez, aludiu em conversa comigo à “impertinência” da campanha dos “Associados” em favor da “beligerância ativa” do Brasil. Reagia contra os nossos rumos internacionais, por entender que eles contradiziam os interesses gerais específicos da Nação... – “Tu queres generalizar a guerra; e eu estou decidido a limitá-la”. Recusava-se a admitir que a guerra, como choque armado, passasse no hemisfério, além dos Estados Unidos. Não tendo nela um papel essencial a desempenhar, melhor fora que nos disassociássemos do cenário da luta, no terreno da beligerância. Contemporizara com a ruptura diplomática, e nela desejou sempre ficar. Aspirava ver a América Latina evoluindo na guerra dentro de uma atmosfera própria. Queria subtrair o Brasil ao ato da presença nos campos da luta, onde o seu espírito só alcançasse o desgaste dos velhos imperialismos europeus. Não o tentavam as atrações extracontinentais. E, quando lhe falávamos da unidade da bacia atlântica, não enxergava aí mais do que uma aventura, que era indispensável evitar. É que desfraldava, alto e petulante, a bandeira da independência nacional, como ele a entendia. Germes e seiva da nossa vida eram de outra substância. A tensão européia era outra coisa, na Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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miragem de um universo, que se abstinha de identificar, como sendo nosso também. Operando a anátomo-psicologia de Vargas, tenho a certeza de que ele gostaria de se ver tratado com o realismo com que me dispus a ferir os aspectos apenas de quatro ou cinco Vargas. O que não é nada no vergel opulento do milionário de personalidades que ele era. Todo o problema para a pesquisa da selva de Vargas resulta do embaraço da escolha. Qual deles? Os Vargas não são um, dois, nem dez. São numerosos, ou, se quiserdes, numerossísimos. Eu poderia enumerar hoje aqui duzentos, quinhentos Getúlio Vargas, e a lista não estaria esgotada. Era-lhe grato fazer a figura do Malazarte, no meio dessa maioria morgânica de descontentes e de incontentáveis, que são as tabas políticas brasileiras, onde o que predomina é o erotismo das paixões pessoais, na cupidez dos interesses particulares. Um dia sustentei para o meu colega, Sr. Alexandre Marcondes Filho, que Vargas havia escrito a maior parte da história do Brasil pelo avesso. Ele detestava as linhas retas, os caminhos conhecidos, as estradas já palmilhadas. A sua atração andava pelo desconhecido, pelo imprevisto, pelo nebuloso. Era impiedoso consigo mesmo, antes de o ser com os outros. Esfalfava-se. Fazia o pioneirismo. O que quer dizer que era um desbravador, pagando o alto preço pelo qual o mateiro retribui a audácia da sua invasão sozinho na jungle. Uma sua especialidade era atingir os mesmos resultados que os outros, por caminhos oblíquos, diferentes, que eles haviam alcançado por estradas conhecidas, que não lhe interessavam. Tinha duas peças de fazer política, das quais não se separava: uma câmara de banhos turcos, e uma cadeira de barbeiro, na qual cortava cabeleiras de Sansões. Não admitia político importante apoquentando-lhe a vida, com o seu prestígio. Levava-o à cabina de banho turco para tirar-lhe peso. Tirou dezenas de quilos aos nossos confrades João Neves, Osvaldo Aranha e Macedo Soares. Não aparecia um Sansão que não lhe cortasse a cabeleira, risonho, inefável em sua cadeira de Fígaro. Era o General Flores da Cunha a maior cabeleira de Sansão que ainda teve, com o Sr. Borges de Medeiros, o Rio Grande, neste meio século. Ele cortou a do primeiro em 1937, e a do segundo em 1932, com duas navalhadas. Em 1931 abateria urna instituição mais que secular do Rio Grande: os provisórios. Na batalha de Passo do Rosário lá estão eles. Passa-os a fio de espada, sem dar um tiro, em novembro de 1937. Ocupa o Rio

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Grande do Sul, naquele ano, para exterminar a maior força do nativismo político dos gaúchos, depois da Brigada Militar. Outra das suas armas políticas prediletas era a apatia pela sorte dos amigos. O amigo é, em política, uma calamidade, ao lado de uma complicação dos mil demônios. Para manobrar seguro em política, é indispensável organizar entreveros de amigos e inimigos, o chefe extraindo os sucos de um desgaste, que de certos amigos é até bom, porque os torna mais habitáveis. Nada tão perigoso para um político do que os aliados fortes, os amigos bem nutridos, independentes. O seu método consistia, pois, em não ter quem quer que fosse poderoso nos seus arraiais. E tampouco dedicar-se a ninguém. Era a dedicação para ele uma arma de piegas, de sentimentais. A amizade na política dá para liquidar um chefe. O amigo era para Vargas o aspargo chupado. Seu apetite, ao que se dispunha sempre, era mascar novos aspargos, aspargos verdes, o que quer dizer entrar pela seara dos inimigos para seduzi-los e trazê-los ao seu bivaque, como botins de guerra. Na vida o interessava a caça e a caça se faz é ao bicho selvagem, que corre do homem, logo ao inimigo. O inimigo, que passa a ser amigo, cessa de ser útil. Capitulou. Não haverá mais interesse em cultivá-lo. Acabou a caçada. Está finda a partida esportiva, O que é preciso é ir buscar novos inimigos para massacrá-los com o nosso amor, a nossa piedade e o nosso interesse provisório por eles. Uma tarde, em São Paulo, Vargas, passando com o Sr. Cândido Motta Filho pela Rua 25 de Março, vê este letreiro na porta de um alfaiate: – Viram-se roupas pelo avesso. Para um minuto, e depois explica ao companheiro. – Motta, é o que venho fazendo há 24 anos com a História do Brasil. Com efeito, era uma das suas satisfações virar pelo avesso a História do País e o destino dos amigos. Quereis um exemplo típico de como Vargas escrevia, de fato, a sua e a nossa história pelo avesso? Em 1950, encetamos nos “Associados” jornais, rádios, televisão e revistas, a campanha pela ressurreição do seu prestígio. De acordo com ele. Através de entendimentos com Salgado Filho, o nosso objetivo consistia em transformá-lo no grande eleitor da jornada da sucessão. Ele mesmo me fazia saber, por Salgado Filho e outras fontes, que resistia a toda idéia de candidatar-se. Mas o público ignorava esse aspecto da nossa campanha de fortalecimento da legenda getuliana.

Era natural que viesse pedir para ajudá-lo o Senador Kerginaldo Cavalcanti, nacionalista como ele e campeão das suas idéias de crescimento vegetativo do Brasil. Mas não foi isso o que aconteceu. Recebi vários pedidos para lhe dar publicidade gratuita, e esses pedidos eram de um espanhol, incessantemente perturbado por Vargas, nos seus negócios, e mais de um americano e dois israelitas. Pensemos nos sortilégios que Vargas não teria feito para obter que essas quatro vítimas suassem por ele, a fim de revê-lo na presidência. O que em seu Estado Novo não se perpetrou para impedir que os israelitas tivessem acesso em nosso território! Tive com Vargas uma vida, a qual durou pouco mais de três décadas. Juntos fundamos, em 1927, a revista O Cruzeiro. Ele levantou metade do capital, no Rio Grande do Sul, por intermédio de um amigo comum, o Coronel Mostardeiro Filho. Eu lhe havia pedido uma subscrição até duzentos e cinqüenta contos de ações, e ele formulou o pedido ao Coronel Mostardeiro para quinhentos. Alarmou-se o presidente do “Banco da Província do Rio Grande do Sul” com o tamanho da cifra. Efetivamente, era ela despropositada para um Estado agropecuário, como o Rio Grande. Perguntou-me Mostardeiro se eu podia fazer, à turca, o negócio pela metade. Nesse ínterim, no escritório de Mostardeiro, chamavam-me do Ministro da Fazenda. Era Vargas que me convocava à noite em sua residência. Antes que ele falasse, eu lhe disse: “Ministro, eu só lhe havia solicitado a colocação, em Porto Alegre, de duzentos e cinqüenta contos de ações. O senhor excedeu-se, Presidente, Mostardeiro está inquieto com o astronômico, da cifra, e propõe justo o que eu havia imaginado como primeira tranche da subscrição gaúcha. – “Seu bobo” – atalhou Vargas, “ao banqueiro a gente pede sempre o duplo do que precisa, para ele ficar na medida do que necessitamos.” Como vêem, há 27 anos Vargas já se exercitava triunfalmente no golpe. E por causa de um empreendimento dos “Diários Associados!” Nossa vida sentimental, se não foi, à Machado de Assis, “um dramalhão cosido a facadas”, resultou sempre numa comédia trabalhada a canivetadas. Vargas tinha a volúpia de enganar, e daí as pequenas misérias conjugais da nossa longa existência em comum. Teve sempre restrições à nossa expansão. O que pôde fez, para deter o crescimento da nossa organização. Não queria dividir o poder que detinha, com aliados, e sobretudo nós. Sua medida era com um para o uso contra todos.


Não pensem que escapei incólume aos copiosos banhos turcos em que cozinhava os companheiros do Rio Grande. Eu ia para a cabine, onde ferviam os vapores da água em ebulição, tal qual Lindolfo Color, Osvaldo Aranha, João Neves, Flores da Cunha, debatendo-me desesperado, para que a vizinhança soubesse que Vargas violentava o coração do amigo e lhe queimava o corpo e lhe derretia os untos. Engana-se quem pensar que Getúlio Vargas, com a natureza inquieta que o consumia por dentro, fosse um indolente, um abúlico ou um caçador de posições tranquilas na vida. O que não representava virar a história de um País pelo avesso! O trabalho a que não se entregava o político e homem de governo que a uma tal interpretação da vida pública se dedicava! II Getúlio Vargas não era a natureza da calma, da paz, da tranquilidade, como aparentava sua doce fisionomia. Por dentro, esta é que é a verdade, o caldeiro lhe fervia. Nasceu espadachim, viveu polemista e morreu com o sentido gratuito, desinteressado e trágico da vida, que deverá ter um bom cristão. O seu gosto épico do combate se repete nos duelos que, desde 1926, trava com o seu chefe, com o seu partido, procurando, cada dia, cada vez mais ganhar a independência no seio dele. Faz figura de um profeta do Velho Testamento, de um Elias, anunciando, em horas decisivas, as desgraças e as calamidades que estão sucedendo à sua gente. Uma tarde, saindo do Senado, eu lhe disse em Petrópolis, onde fui vê-lo: – O senhor, Presidente, é um autêntico cristão brasileiro. A religião não tem crente mais perfeito. Entre o senhor e Cristo existe uma tocante fraternidade. – Tu estás nietzschiano hoje –, retrucou com vivacidade. – Porque sou pelos humildes, pelos sofredores, pelos fracos, tu me identificas à Nietzsche, com o Cristianismo. Retruquei-lhe: – Com efeito, estou à Von Ihering, com o senhor de escravos romano, que, dando cem vergastadas no cativo, será maior para o romanista alemão que o mais sábio doutor da lei. O Cristianismo tanto é a religião dos deserdados e dos vencidos, que o senhor não sai da órbita dele nem deles. Convoco-o a vir trabalhar conosco, e se convencerá como um Titã da sua força, com as suas virtudes viris, adotando a disciplina dos fortes; fará mais pelos fracos do que perfilhando, vis-àvis deles, uma moral de tímido, com as razões de viver do escravo.

O historiador do futuro terá de reconhecer que os dois esportes favoritos de Getúlio Vargas eram as conspirações e as revoluções. Nasceu e viveu para elaborá-las, e, quando elas não vinham espontâneas, faziam-se de rogadas, provocava-as, por ação ou omissão. Ouça-me a ilustre Companhia. Em 1927 toma conta do governo do Rio Grande. Quem o elegeu? O Sr. Borges de Medeiros com o Partido Republicano. Era dos usos do partido elaborar o secretariado em cooperação com o chefe. Pois no dia da sua posse, às 11 horas da manhã, faz seguir a lista do seu secretariado ao chefe do Partido – a mesma lista que a “Federação” publicará às 2 horas da tarde. Foi esse o maior desafio que alguém até então mandara para uma revolta imediata, dentro do Partido Republicano do Rio Grande, onde todo o poder era atribuído ao Sr. Borges de Medeiros. Que é o temperamento brasileiro? O das naturezas mais acomodatícias, que menos reagem, por demais falhas de combatividade. Vargas é, a todos os respeitos, o antiBrasil, o antibrasileiro, como lidador de cem batalhas que ele é. Nós somos uma gente de personalidade essencialmente pacata, um povo que suporta tudo, que engole tudo, a massa mais resignada para padecer, sem o apelo a recursos extremos. Autenticamente caudilho, gloriosamente outlaw, fabricante ele mesmo de constituições para desbordar uma espevitada legalidade constitucional, quando em sua consciência ou em sua vontade entendia resgatar os brasileiros de grilhões que os oprimiam, será dentro da perspectiva do “fora-da-lei” que podemos melhor compreender a psicologia de Vargas. Seu desdém pelas constituições, elaboradas pelos mandatários do povo, era olímpico. E quando sucedia encontrá-los em seu caminho, só o mordia um apetite: o de violá-las. Era um fauno todo o dia disposto a comer um prato de legalidade, cozido pelos outros. Em 1929, no último dia do ano, João Pessoa, recém-chegado da Paraíba, telefonou pedindo-me encontro em nossa casa aqui no Rio. – Tenho a minha cheia de gente –, dizia. – Prefiro que todos saiam para ir ter à sua, lá para as 10h30 da noite. Ele me conhecia os hábitos. Lá foi ter, à Avenida Atlântica 574, para fazer esta confidência: – Estou atônito. De todos os lados me chegam notícias contando a deserção de Getúlio Vargas da nossa causa. – Mas ele, o que lhe diz, goverrnador? – indaguei.

– Sobre a resistência a fazer ao poder federal, diante da derrubada de funcionários em nosso Estado, me disse isto: “Por que não te armas?” Este conselho mostra que, em dezembro de 1929, Vargas já cuidava de sair da legalidade, e caminhar para um plano que era, no campo dos prélios cívicos, favorito no seu Estado. Com quem em 1922 estava o governo do Rio Grande, senão com os propósitos subversivos da Reação Republicana? Se mudou, foi depois da derrota eleitoral de Nilo Peçanha. Logo ele seguirá uma tradição do seu partido, mas também uma tendência sua, contrafingindo que não queria ser para a subversão da ordem. Nenhum político abriu, neste século, mais frentes de luta, de luta para pelejar ele mesmo, em pessoa, contra quem quer que fosse, Presidente da República e do Rio Grande, Exército, Marinha e Aeronáutica, quanto Vargas. O combate (por mais estranho que pareça aos que o conheciam pouco) era a sua ginástica sueca de todos os dias. E, particularinente a luta com os companheiros, com o seu clã, com os que o acompanhavam. Nos primeiros dias de julho de 1932, o General Góis Monteiro procura-o aqui no. Rio, e lhe diz: – Presidente, os paulistas já elaboraram o dispositivo militar da revolução. E nós temos um caminho para evitá-la. Ocupando com gente nossa a Serra do Mar, e alguns troncos ferroviários em torno da capital, o movimento estará abortado. Vargas não tomou uma só das providências indicadas pelo General Góis para fazer abortar a intentona. Deixou-a vir de alma leda. Ele a queria, para fortalecer a sua autoridade de primeiro cônsul. Em 1945, convocou-me, ao regressar da Argentina, para dar uma entrevista destinada a La Nación, onde eu colaborara, outrora. Escrevi a entrevista e fui levá-la para que aprovasse a sua redação. Aproveitou o ensejo para me inquirir da situação política. Eu lhe disse que a reputava delicada. – Não é outra a opinião dos Srs. José Américo e Pedro Ernesto. Ambos estão impressionados com a infiltração do vírus comunista nas classes armadas. Terminei por lhe fazer esta grave confissão: “que o prefeito Pedro Ernesto disserame que achava o governo Vargas perdido, sendo a única hipótese de salvação convidar o chefe comunista para ser o Ministro da Defesa Nacional, com a fusão das duas pastas militares”. Vargas ouviu-me com o rosto sombrio, passeando no Catete, diante da cadeira em Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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que me sentava. Pedi-lhe que mandasse chamar o nosso comum amigo Pedro Ernesto, a fim de o salvar de um perigoso contato pessoal com os conspiradores. Dez dias depois fui ver Pedro Ernesto. Ele me disse que desde o meu encontro com Vargas não se avistara com o presidente. Em 1945, convocou-me, por intermédio do Sr. Andrade Queirós, ao Rio Negro. Estava decidido intimamente a ser candidato. E disse-me veemente: – Resolvi candidatar-me porque soube, de fonte segura, que Osvaldo Aranha e Juraci Magalhães resolveram vetar o meu nome. Não lhes reconheço autoridade para isso. Engajou-se na batalha até o dia 24 de outubro. Mandei um dos seus mais íntimos amigos, seu e meu, sondá-lo acerca dos planos que tinha para o futuro. Ele voltou cabisbaixo, dizendo-me: “Sinto que Vargas o que deseja, de preferência, é uma revolução. E está candidato contra os dois civis que já ocupam a arena.” E, realmente, tudo tentou em 1945 para continuar. Esse era o détour da Assembléia constituinte, primeiro? Não restava dúvida que Vargas era mesmo do barulho, coisa que não é do brasileiro, salvo quando se tem o exército para ir na frente. Mas isto é outra história, e coisa que fia mais fino. Assim como o nacional-socialismo nunca teve uma Constituição, Vargas, que o precede no poder, não tem maior apego por esse gênero de literatura. Seu raciocínio deveria ser este. As constituições são organismos que se cristalizam, códigos que o tempo supera, sobretudo nos dias vertiginosos que atravessamos, com o poder destas transformações violentas que lhes oferecem a Ciência e a técnica. A obra-prima da arte política (para a escola de Vargas) consiste em não elaborar constituições, em não consentir que, feitas, possam vir a ser executadas, anos e anos, para decantação dos princípios que o caudal do progresso, que só povos, que têm o horse sense, como os ingleses e suíços, por exemplo, sofrerão a sua influência. Vargas reivindica uma alta dose de liberdade para tratar o direito público como uma matéria fluida. Como um Deus criando leis próprias, Vargas fabrica, ele mesmo, igualmente, as suas. Não acredita nelas, até porque sua inventiva criadora, no curso da vida, será mais útil ao povo que as constituições paradas no tempo. Mas ele faz ou manda fazer constituições para atender apenas à superstição de legalidade das elites. Nada mais. Embutido numa moldura constitucional, o gênio renovador de Vargas dir-se-ia implacavelmente diminuído. Ou, se quiserem,

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estagnado. Seu ágil talento plástico e dúctil, desabituado da camisa de força da legalidade, porque singularmente aberto às especulações da metafísica política e da filosofia do Estado, se viu sacrificado nas suas forças de espontaneidade e de inconsciente! Excitado incessantemente pela vida, com ela dançando em quermesses, em orgias de liberdade de pensamento, Vargas, posto dentro de um figurino constitucional, foi como se o esmagasse um fardo insuportável. “Eu não queria voltar ao Catete”, disseme em janeiro de 1951, depois de eleito. Uma tal sabedoria e uma tal sinceridade revelavam a infinita sensibilidade deste homem para entender o seu verdadeiro papel na formação brasileira. A fonte original das suas normas do governo e da justiça, das suas regras do bem e do mal, não devia ser a lei manufaturada por outrem, mas a sua filosofia, o seu mesmo julgamento prático, em função do que ele havia sentido e sofrido pelo povo e suas necessidades. É ponto de importância capital no estudo do perfil de Vargas, a gente capacitar-se de que ele não reduzia a vida a termos de bom senso – padrão vulgar e infecundo de viver – mas de imaginação, de aventura e de fantasia. Era uma expressão mágica para si a palavra liberdade. Entretanto, a liberdade que ele entendia era um elemento individual, que lhe cumpria utilizar para resolver as questões do governo com os critérios próprios do seu gênio público acaudilhado. Resvalar na legalidade hirta e seca dos códigos escritos era para este demiurgo cair no fictício da rotina e no factício dos atalhos da perdição. Getúlio Vargas tinha um padrão de existência política fundado em bases opostas àquelas com as quais vinha governar. Ele havia perdido o sentido da democracia de representação popular. Fazia-a pagar caro, caríssimo, a sua esdrúxula esperança liberal. É um capítulo a estudar, a meditar e a desenvolver o trágico do isolamento de Vargas dentro das fronteiras do Estado liberal de 1946. Mexe-se num mundo exótico e fala a surdos. Ele será um espectro solitário no meio do niilismo que se estabelece entre a sua vontade forte e os pelotões políticos, diante dos quais só tem um desejo: diluí-los, para patentar a desassociação que os divide. A máscara do liberal, posta em 1950 por Vargas, faz da fera esplêndida de 1937 uma caricatura de jaguar. Ninguém mais do que ele sente a humilhação do grande felino no meio dos destroços da floresta magnífica que plantara para nela viver. Aquele Eu viril que ele exibia outrora, no alto de uma filosofia, cheia de virtualidades metafísicas,

ressoava como um som ininteligível aos ouvidos mesmo das massas. Eu não sei de página em que se resuma a vaidade das vaidades na sua mais dramática experiência do que a aventura de Vargas em 1950. Confrontem- se os dois termos da relação Vargas e o Brasil e as essências douradas do passado já terão desaparecido. Ele se vem instalar num meio onde falta uma das peças do seu binômio. O povo, que o renegara um instante, volta a se reconciliar com ele. Mas o povo não se constitui só da massa e a própria massa, com a vida que sobe todo o dia, como também o larga desamparado! É certo que elites intelectuais, políticos, gerarcas da nova ordem liberal virão cercá-lo. Mas cercar não é coabitar, não é conviver, secretando-lhe interesse pela sua obra. Tanto que já em 1953 e 1954 lhe sentimos a sensação da frustração... Nesta segunda presidência Vargas vive mais solitário do que nunca. Ele dera, contra a vontade, um rendez-vous ao Brasil e via que o Brasil não aparecia. O silêncio cósmico lhe surgia no caminho do seu apelo. Era a falência da grande aventura. Transposto o período da lua-de-mel da presidência, vemos estampada na face de Vargas a expressão do atormentado. Acaba o velho, no Catete, jantando sozinho, dentro do próprio quarto. Isola-se no próprio seio da família e dos amigos. É recíproco o desapontamento: o País e ele não se entenderam. E o que havia de amargo e desolador para Vargas é que ele tinha a consciência da desilusão que levara ao povo uma administração que não podia conter a inflação nem o alto custo da vida. Francisco Campos pode-se dizer que envenenou para todo o sempre a alma e o sentimento de Vargas, fantasiando, para uso exclusivo da sua pessoa, o mais poderoso poder estatal que ainda viu um brasileiro, neste País, desde a sua independência. Primeiro o constitucionalista do Estado Novo, com o ceticismo anárquico que lhe caracteriza a formação do espírito convenceu Vargas de que, nos Estados Unidos, não passa de uma ficção a afirmativa de que o presidente esteja impedido de legislar. Sim, ele pode legislar, e quem o diz é James Hart. A legislação delegada vem de Washington a Coolidge, o último presidente que abrange o livro de Hart. O Congresso tem a ver com os lineamentos gerais e os princípios. A técnica legislativa cabe ao Executivo. Outro postulado alarmante da ideologia “campista” consiste na descapitalização da Suprema Corte como intérprete final da Constituição. Golpeou, de frente, o filósofo do Estado Novo a supremacia do Poder


Judiciário, na parte ativa e dinâmica que lhe cabe, em face do processo evolutivo das instituições democráticas. Criou, para uso do Chefe Nacional, o Sr. Francisco Campos, uma tese temerária: a de que ao controle do Judiciário deveria escapar o exame da Constituição. Assim, destruindo os partidos políticos, tomando ao Legislativo a faculdade de legislar, e ao Judiciário o direito de interpretar a lei – que restava das instituições democráticas, no quadro do Estado Novo, representado por um Executivo escolhido pela vontade unilateral dos chefes militares, que estavam ocasionalmente no poder quando ele foi proclamado? Caducado o Estado liberal das duas constituições, a de 1891 e a de 1934, o que se projetava no horizonte político da Nação era o Estado Novo, dominado pela personalidade do condutor do Executivo. O Estado Novo, assegura em 1939 à imprensa o Ministro da Justiça de Vargas, é o Presidente. Não será preciso acrescentar nada, mais nada para definir o imperium da vontade inconfundível de um homem, como expressão destas duas entidades: o regime político e a soberania nacional. Fixando o estilo da nova ordem de coisas decretada pelas Classes Armadas, rufava nos tambores da tropa de linha o Sr. Campos: “Um Estado como este não pode ser uma abstração jurídica. Há de ser um homem, uma pessoa viva, inteligência, vontade, sentimento – faculdades da pessoa humana, e não de fórmulas algébricas ou de abstrações jurídicas. O Estado popular é o Estado que se torna visível e sensível no seu chefe, etc.” À medida que os anos se passavam, mais Vargas se capacitava de que o regime que lhe servia era o da Constituição por ele outorgada, como ordem, poder e segurança do Estado. “Nada de plebiscito”, disse uma vez o Sr. Campos. Mas, embora não plebiscitado, ele era um fato, e esse fato seria o clima no qual Vargas passaria a viver, dentro ou fora do poder. Com uma atmosfera de supressão dos direitos individuais, seria possível, tal qual aconteceu entre 1937 e 1945, a passeata de um chefe nacional, transferida a sua ação para o campo da turbulência agressiva da investida dos supostos depositários da vontade popular, da validade das forças de propaganda do tipo de um governo autoritário, sem contraste, que a constituição outorgada proclamara. Ora, Vargas, demitido em 1945 das funções de ditador, regressa em 1951 investido das funções de presidente constitucional. Existe um desencontro completo entre ele e o mecanismo com o qual irá novamente viver. Como poderia caber o antigo tirano

dentro das instituições recodicionadas, com o Legislativo e o Judiciário como peças suscetíveis de congelar noventa por cento das atribuições de que ele vivia? Seu Estado Novo campista deixara de existir havia seis anos. Voltava o País a viver com sua Constituição vazada nos moldes do velho edifício do liberalismo, demolido pelo ditador em 1937. Mais Vargas vivia, a partir de 1951, mais se acentuava o seu divórcio, o divórcio da sua personalidade com o regime, no qual o País depositara as suas novas esperanças. Se há um governo e um homem frustrados são o quadriênio de Vargas, de 1951 a 1954, e aquele que o encarnava. Quando ele volta, os partidos já haviam tomado conta da maior parte da opinião pública. Para se eleger carece do apoio de um seu encarniçado inimigo. E, mesmo assim, a votação que alcança é inexpressiva, no cômputo dos sufrágios da totalidade do eleitorado. Por fora dá mostras de grande fortaleza de ânimo. Mas, por dentro, Vargas vive indomável como um sombrio. Fala freqüentemente em passar o governo ao seu substituto legal, de tal modo é a desconfiança que reina entre a sua ação e o vozerio da turbamulta, que o atropela nas ruas e no parlamento. Vargas aparece para despedaçar toda uma escala de valores políticos e sociais. Assume, abertamente, a árdua responsabilidade da luta contra a sociedade brasileira ainda em condições de virgindade mental, ou seja, compromissada com o pudor liberal. E a sua danação, a qual começa a revelar-se em 1931, em 1937 atingirá o apogeu. Surgirá, naquela época, ao lado do satânico Francisco Campos e de alguns inocentes úteis das Classes Armadas como “o disponível” gidiano. “Era” o Getúlio Vargas que ele queria ser. Faz arder o fogo demoníaco em sua plenitude, fiel a si mesmo. Com vários caminhos trancados, pela própria mão, para a liberdade, para os direitos do homem, ele me dirá, em março de 1938: – “Eu não queria continuar no governo por mais o ano de mandato que alguns me queriam conceder, com a Carta de 34; mas fico com esta outra.” E cerrou o punho, possuído da mesma dose de virilidade com que praticava o ato de repúdio aos dogmas constitucionais, discutidos e votados pelos representantes da soberania do povo, escolhidos nos comícios. Na solidão de Itu, na inquieta intimidade de si mesmo, em lugar de diminuir-lhe aumenta a danação do compromisso antiliberal. Entregue ali a si próprio, a tensão de insubmissão do rebelado contra a liberal-democracia lhe avoluma o problema da consciência. No frígido silêncio da “querência”, o seu antiliberalismo, ao invés de agonizar,

se retempera. Mostra dez, vinte vezes a Salgado Filho a impossibilidade de uma constância conjugal com a nova carta, de 1946, a que anularia a sua. No espírito de não aceitação se varam as suas horas de angústia. Posto frente a frente da Democracia reconstituída, a crise de consciência irá até ao desespero. Sente-se possuído de uma Razão de Estado, que não cederá a ninguém, e essa Razão resulta da outra Razão, na qual confia cegamente. Será uma figura varonil da era pós-Hegel. No seu exílio da fronteira meridional, o outro, cá de fora, o reputará um condenado, que não tem o senso da culpa que sobre ele pesa, em sua queda no pecado original, o autoritarismo. Ele lá dentro considera os outros perdidos por não sentirem o avanço que faz a doutrina do patriarcado político, do homem providencial, na terceira e na quarta década do século. Egresso de Itu, em 1951, Vargas arcaria com a posse incompleta da Nação brasileira. Ele fizera o seu ato de entrega, a entrega da sua pessoa àquela que tanto amava. Mas ela não se lhe dava com aquela confiança que esperava da ternura, do amor que ele lhe dispensava. À beira dos setenta anos, Vargas se engajara como nunca à Nação, e o seu espanto, o seu espanto aristotélico era constatar, após as primeiras experiências, que dos dois, o que mais amava era ele. E daí a descompensação entre sentimentos que não se completavam. O apóstolo não encontrava os catecúmenos que esperava rever. Quase todos haviam recaído no paganismo, ou fosse na adoração do Moloch liberal. Ele evangelizava, devorado da fé de servir para ver que a sua doutrina morria sem eco, caía no vazio, e ele permanecia numa triste ociosidade, numa estéril solidão. A vida revestia para Vargas algo da solenidade que lhe emprestam certos filósofos germânicos. Como vontade e vida nele se confundiam (pois a vontade é substância da própria vida), gostava de se deter, sempre, insatisfeito, à beira do rio da vida, para deixar que ele corresse, na sua marcha incessante, no seu impulso eterno. O que queria era concentrar uma maior soma de elementos, um conjunto mais robusto de condições para o êxito dos golpes que preparava. Este aventureiro vocacional, por uma estranha contradição, demorava o que fazia para eliminar o mais possível, nas cartadas que dava, a hipótese do risco. Desgastava a têmpera dos companheiros. Esgotava a paciência e os cálculos de todos, que o acompanhavam, porque a sua natureza se requintava num êxtase voluptuoso em esperar, visto como esperar significava para ele enriquecer tanto o seu ser interior e as forças ambientes que o Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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ajudavam, como o seu naipe de mais trunfos que reduzissem as oposições inevitáveis e os riscos fatais. Getúlio Vargas, conquanto a sua nota tônica fosse um nacionalismo, às vezes cru, de um brasileiro noventa por cento, a raça, o meio, a sociedade dentro do esquema tainiano bem pouco o explicariam. Seus signos, as suas “viradas”, os seus gostos, as suas expressões nada de um primitivo são para desesperar, quando nos lembramos que, fazendo questão de ser povo, e logrando até aí nivelar-se, através do cálculo, da astúcia e da mistificação da inteligência, o que ele resultava, ao cabo de mil manobras e desenvolturas da natureza mais complexa que ainda vi, era viver de acordo com as concepções da vida de um aristocrata do espírito. Tomado a distância, no meio das palhaçadas do circo das consciências, armado para comemorações de dias e fatos revolucionários, Vargas parece um Caliban lúbrico, a se mover no seio da massa, num total eclipse das perenes faculdades do seu raciocínio arguto, sutil e raro. Tirássemos, porém, o monstro estranho de dentro da multidão e o puséssemos no seu gabinete, a arranjar as idéias, as caras idéias, que tanto amava, a fazer as concessões que habitualmente fazia à imaginação, a operar com a fantasia, que era uma das suas mais enternecidas deusas protetoras e fonte das abstrações que criava – dos planos políticos que traçava e racionalmente aplicava, por forma tão pessoal – e Ariel, o mágico fascinante, se apresentará dentro das suas eternas nebulosas, da sua vida interior, do seus monólogos, dos seus diálogos com a própria consciência, dúbio, impreciso, doce, consolador, umas vezes quase casto, outras quase moral, indulgente com os fracos, os desarmados, o coração delicado, o gume intelectual acerado, vivendo coroado de estrelas e de rosas, entre les beaux esprits, que eram seus irmãos. Por que Vargas, que fazia questão de ser povo, de ser turba, de ser tribuno da plebe, marcha para a Academia sem receio de que as massas, vendo-o no mundo elegante, sociável das Letras, duvidassem da sinceridade do líder que as trocava por outro meio embalsamado de Arte, de Poesia e de bomtom? Era que a companhia de Ariel traduzia uma necessidade que havia dentro dele da criatura que viveu anos, no seu retiro de São Borja pelo pensamento e para o pensamento; do provinciano que jamais deixou de conviver com Platão, Aristóleles, a metafísica e outros oráculos das suas horas de meditação e de solidão.

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Ele disse-me, um dia, logo que chegou do Sul, em 1924: – Tomo de Comte a filosofia e deixo a religião que é a caricatura do Positivismo. Aí tendes o Vargas cético, o Vargas rico de renúncias teológicas, o Vargas órfão da capacidade de crer. Faltou-lhe sempre ao espírito cético, ao adorável cinismo intelectual que sabia carregar com tanto charme e tanta naturalidade uma onça de misticismo revolucionário. Se mística lembra sobrenatural, Vargas voluntariamente se exclui desse terreno. Não era uma natureza de religião, de confraria e tampouco de santuário. Só adorava uma coisa: a sua imensa liberdade de espírito, para fazer o que quisesse, como quisesse e quando quisesse. Isto, é claro, na dependência de “outro” tirano com quem o bivalente reclama o poder. Se pretendeis que vos ofereça um traço vivo da penúria do misticismo em Vargas, eu os darei um exemplo, que é transcendental: Ele faz o Estado Novo e vai caçar, não com uma matilha de jovens, nem uma legião de fanáticos autoritários, de ideólogos das idéias do Estado Forte ou de idéias nacionalistas, mas com velhos perdigueiros do regime derrubado em 1930, com os sovados políticos liberais, sem sombra de fé pelo regime que adotarão para viver! Dando cá fora a sensação de crente, havia, contudo, uma visível incompatibilidade entre vargas e o mito – o mito, que é uma das peças fundamentais da glória do personagem carismático. No fundo da formação espiritual deste homem havia o Positivismo. Ao contrário do espírito da abstração, ele era criatura do fato, e do que da observação do fato se poderá provar. As religiões não entravam no seu sistema espiritual. Tolerava-as, como concessões à imaginação humana e, até se quiserem com elas convivia, não lhes sendo por nada hostil. Ora, haverá maior absenteísta do misticismo do que o positivista? Ele prefere arrumar de outra forma as suas idéias, os seus compromissos com o “gorila feroz e lúbrico” de Taine. Há que ver a paisagem do Estado Novo que o Sr. Campos fez tudo para chamar de Estado Nacional, mas nada obteve. Está, de saída, o ministro dele eliminado. Devia-se fazer a legião ou o partido para decifrar o Homem. Havia que elaborar a mística do Estado. Vargas suprimiu isso tudo, entregando-se ao povo com um misto de simplicidade e de humildade, em contraste com a linha dos chefes, no Fascismo e no Nazismo. Vargas era muitas vezes aquele egoísta

amável de Benda, o cético das suas íntimas divagações intelectuais. Sustento a existência de alguma dose de metafísica em Vargas, pelo estuário que ele era, onde se davam rendez-vous o diabo e o Senhor. Vida e natureza, filosofia e rotina constituem o perpétuo diálogo da sua consciência. Não podia ter pontes para nenhuma ideologia, para qualquer doutrina onde ancorasse o espírito, aquele que amava viver no clima de um universo nu e deserto. E, invariavelmente, sem dogmas. Era uma criatura que não se julgava ofendida por nada, porque em sua introdução à vida do pensamento, Vargas aprendeu a não se deixar excitar por coisa alguma. Os inimigos o julgavam rancunier e vingativo. Que santa ilusão! Para que fosse odiento era preciso que acreditasse, que fosse beijado por uma paixão, que fosse encantado por uma alegoria, que, batido por uma tempestade, reagisse. Qual a sua inquietação? Qual o seu patético? Qual a página do seu romantismo nietzschiano? Qual o momento em que se entregou a alguém? Desertor contumaz do ser moral, ancoraria no Estado Novo por ser este um porto seguro para o seu duro espírito de caudilho. E o Estado Novo, para ele, não era uma doutrina, mas um fato. Um fato, sim, e só. A vida de Getúlio Vargas com a comunidade, desde que ele veio para o poder, tinha coisas de místico sem, entretanto, de modo algum, ele lograr sêlo. O seu espírito errava pela periferia deste imenso todo, com o qual procurava viver em unidade de sentimento, a tentar pôr ordem onde existe o caos. Gemeinschaft, Führer, Stimmung, como ele tinha o sentido destas expressões, que acordam a idéia de massas da matéria-prima do chefe, na riqueza e na variedade das suas faculdades! Quando, em 1937, adquiri meia dúzia de livros alemães, acerca do novo Direito Público do Estado Nacional-Socialista e entrei, com certa malícia, a interpretar o Estado Novo, o General Góis mandou- me dizer: “Se eu estivesse no poder mandava-o para Fernando de Noronha.” Mas a filiação de Vargas com o dionisíaco da minha interpretação era maior que a do seu colaborador militar. Consentiu que eu ficasse no Rio e insistisse em interpretar o regime. Para julgar (é da essência da lógica) é indispensável ter medida. O julgamento humano de Vargas será sempre diferente, porque, se ele é a medida, será muito mais o desmedido, o excepcional, o passionário, fora do espaço de qualquer método, do quadro de qualquer disciplina. Fugia a freios e a preconceitos. As suas atitudes, as suas rea-


ções diante das coisas temporais não eram morais nem imorais, nada tinham com o bem ou o mal, eram getulianas. Da regra do seu jogo de florentino fazia parte a autonomia do movimento. Não entrava na chave das suas manobras, nas manobras ágeis de expertise que traçava e executava qualquer sentimento de idealismo humanitário que o levasse a perturbá-las. O seu negócio era o fato, era o camundongo. Getúlio Vargas, se não criou aqui o mito bonapartista, deixou, todavia, que outros o espalhassem e dele viveu. Engaja a própria responsabilidade nos dois golpes que desferiu, pela certeza de que a contumácia democrática mostra- se incorrigível, em muitos casos, na execução deplorável das instituições livres. Seus dois regimes, aqueles nos quais trabalhou com alma, ele os utiliza para “decantar” a vida política do País. O revolucionário do pampa se sentirá maduro, numa e noutra circunstância, para realizar o seu destino, que será o governo pessoal contra o que ele consideraria os governos impotentes e desenxabidos dos “leguleios” partidários e parlamentares. A quem pediria hospitalidade para os seus princípios de governo de autoridade? Ao povo e às Classes Armadas. Principalmente à linha deve seus sucessos mais sensacionais. Não conciliava as preferências individuais com as instituições democráticas. Recusava-se a depositar maior confiança nelas, e este seria o seu erro, em 1950, ao deixar-se eleger por um estatuto que não era o de sua vocacão pessoal. Em 1938, disseme rudemente, por volta do mês de maio, aqui no Guanabara: “Queriam arranjar-me a permanência de mais um ano no governo, com a Constituição de 1934. Repeli a idéia, O regime que eu desejava era este, da Carta de novembro. Agora, sim, poderei trabalhar à vontade.” E logo deu o golpe de Volta Redonda. A seguir, o outro, da usina de papel do Tibagi. Seus acumuladores políticos não eram carregados com a eletricidade criada pelas correntes partidárias. Essas, a seu ver, davam gás deletério ao povo. Nem do parlido único, chave e sustentação dos regimes autoritários, quis saber. O Sr. Francisco Campos criou a Legião Revolucionária em 1931, quase à sua revelia. A propósito, disse-me, um dia, duvidar que Olegário Maciel vestisse a camisa da Legião de Minas Gerais. E, quando o velho fóssil do regime democrático envergou a camisa do Malazartes da Mantiqueira, Vargas, para se desforrar da dúvida que tinha posto quanto à abstenção do governador de Minas em envergar o uniforme da Legião do Sr.

Francisco Campos, fez este reparo: “É fato que ele pôs a camisa revolucionária, mas por baixo do paletó...” Desde que foi ditador, de 1930 a 1934, que Getúlio Vargas entendeu como sendo o governo unipessoal o único caminho dele sozinho, sem freios nem contrapesos, promover o bem-estar do povo brasileiro. Contava-me Antônio Carlos que ele assistiu ao processo de constitucionalização do País, em 1934, de braços cruzados. Jejuava constituinte. Procurava ter o mínimo de intervenção nos seus debates. Assim como Bonaparte quando desembarca do Egito, no 21 do Vendimiario, ano VIII (1.º de outubro de 799), diante da luta furiosa e exaustiva das facções, não tem outra ambição além da ditadura, Getúlio Vargas, depois da revolução de 1935, só encontra razões para aumentar suas reservas quanto ao Estado democrático. A mudança do regime pasa a entrar-lhe nos cálculos diurnos. Fora possível obstarlhe o caminho se a contra-ofensiva viesse dos partidos democráticos unidos. Mas eles não se uniam, e, assim, quanto mais alargavam a brecha, mais o pretendente empurrava a sua cunha. Alguns, no Exército, procuravam uma espada. Mas a sua lança de caudilho era mais afoita que o gume do General Góis Monteiro. Desse modo, no 18 Brumário brasileiro, concertado entre dois generais e um caudilho civil, foi o caudilho civil quem ganhou a partida para os soldados. Getúlio Vargas aspirava a ter na sua Pátria, no seu meio, uma função eminentemente pastoral, armado ele de uma doutrina social. Era, a certos respeitos, um daqueles personagens das sociedades de pensamento des sociétés de pensée que de 1975 a 1993 fizeram a propaganda da revolução e a desencadearam na França. Tendo evitado com todas as forças e com todos os truques a jornada de 1930 (segundo disse-me e no que não acreditei), ele desembarca em Curitiba decidido a não emigrar. Estava com a revolução e dela não se apartaria mais. Uma noite de fim de inverno, convocoume ao Grande Hotel da capital do Paraná, onde ambos nos hospedávamos em outubro de 1930, para dizer-me, sem hesitar, que a Aliança Liberal estava extinta. A revolução de 3 de outubro era outra história. Com o programa da Aliança tentara-se uma eleição que foi fraudada e fracassada. Obstinara-se meses seguidos em não se fazer revolucionário. – Fui o último a aderir à revolução no Rio Grande. Não desejava que confudissem uma derrota pessoal minha num pleito com os interesses imperiosos da minha terra.

Mas, já que nela entrara, iria até o fim. E até o fim com o Rio Grande do Sul. Pode-se dizer que, desde 1930, Vargas adere à Democracia autoritária, e foi por isso que não quis mais saber da Democracia liberal; e se a ela irá volver em 1950, só Deus sabe com que constrangimento. Não deu uma arranhadura no regime. Mas, como guardava distância! Dois inimigos íntimos não se podem mais respeitar. O Brasil é um inibido, com pouco dinamismo, e Vargas procurava cultivar-lhe o movimento, o amor do risco e a moral da vida perigosa. Que outra poderia ser a base da sua intensa vida de conspirador? Ela não se concilia com a existência do pioneiro que vive o dia inteiro na jungle? Um dia, em 1927, ele disse-me: “Há uma diferença sensível entre mim e o meu chefe Dr. Borges. Eu sou spenceriano.” Não havia tal. Nunca houve, pelo menos desde que Getúlio Vargas adotou o program que sabemos. Foi o primeiro chefe de Estado, aqui, a não cruzar os braços diante da injustiça social, a lhe oferecer combate com franqueza e valor. De 1930 a 1945, seu corpo traz a marca do que sente o indelével daquela injustiça. Darlhe combate será a sua obsessão; extirpá-la da face do Brasil social, a sua luta. Não se desarmará mais, desde que a viu de perto, com a visão objetiva de calamidade. O sucesso prodigioso de Vargas é que ele veio para o poder possuído dos filtros do populismo, ou fosse, de paroxismo da exaltação das massas. Ele era povo e foi povo, desde que em 1927 foi para o governo de sua terra até o dia 24 de agosto de 1954. Procurando colocar as classes num pé de igualdade, seria nessa decoração exótica para uma sociedade ainda inorgânica que Vargas tentaria não só desenvolver o seu apostolado, como governar uma massa de 50 milhões. Disse e repeti várias vezes a Vargas que ele era um sonhador, que, com efeito, a maior parte do esforço desse calculista frio, desse realista inexorável, é obra de um demiurgo, ou seja, o trabalho de uma criatura que vivia dentro do irreal, num mundo de fantasias e de sonhos... Pondo nas mãos do povo os regimes que tentava edificar, Vargas passava de longe pela incapacidade das nossas massas e classes médias, para sustentar uma ordem de coisas políticas nos seus ombros, pela sua mesma inaptidão para tornar coordenados e concomitantes os interesses delas com os seus arquétipos. Qual a razão pela qual Vargas caminha adiante dos governos anteriores? É que ele Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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tinha uma força que eles não possuíam: o ascendente sobre as massas. Que sortes não dava todas as semanas para impor o brilho de sua porsonalidade irresistível ao eleitor do País! Fazia a política como uma Arte, como um esporte, na complexidade de suas exigências espirituais, no interminável da vida e dos acontecimentos que ele cria nesse terreno. É preciso ter uma certa ótica cênica para ver as preciosas peças políticas que Vargas armou pela vida afora. Borges de Medeiros, Osvaldo Aranha, João Neves, Góis Monteiro, José Américo, Armando Sales, Eduardo Gomes, lá sabemos com quantos o “monstro loiro” teve aventuras por este mundo além! Cá fora só tínhamos conhecimento do desenlace das peças que armava. Os mais arrevesados, os mais cabeçudos, ele os seduzia. Fossem ver de dentro, na caixa do teatro, a escolha dos artistas, a distribuição dos papéis, a técnica dos ensaios, a preparação da ribalta com os seus jogos de luzes, a montagem, em suma. Era qualquer coisa da paciência de um Flaubert, armando Madame Bovary ou de um operário de relojoaria suíça montando um relógio de precisão, ou Pratt-Whitney aprontando as peças de um motor de avião. A história registrará, sim, registrará o pequeno ensaio que ele fez de uma das partes do golpe de 10 de novembro, na Guanabara, com os governadores de Minas, Bahia, Pernambuco e o Sr. Francisco Campos. É essa uma obra-prima de carpintaria teatral. Ouvi todo o episódio, narrado por um dos serafins da política brasileira, o vice-presidente Medeiros Neto, ator que Vargas havia preparado, com um esmero de ourives, para desempenhar um papel específico, deveras importante, nos dias dramáticos da sucessão e do golpe, na Bahia ao lado do seu governador, que ele precisava enfraquecer. Um serviço de anarquistas russos não teria montado uma máquina infernal mais diabólica para atuar num cérebro receptivo ao fascínio da sucessão presidencial, depositada engenhosamente por Vargas na cabeça do seu vice-presidente. Assisti, de corpo presente, a uma cena de despistamento, em que era ensaiador o seu então Ministro da Justiça. Asseguro-vos que no gabinete daquele Doutor Fausto, mesmo os aprendizes trabalhavam bem. O biógrafo de amanhã, de Vargas, estudará o seu satanismo. Ele tinha um fraco por essa legenda, por esse jogo entre céu e inferno, que lhe vinha da fama de despistador, desde os pródromos de 1930 e da aversão que tinha muitas vezes em afirmar a verdade. Mas, acaso não era trair ou maltratar a

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verdade, o afirmá-la, sabendo-a quão fluida, quão transparente e quão relativa ela é? Pelo que contam Aranha, Neves, Maurício Cardoso, João Daudt, Getúlio Vargas, desde a Escola que se impunha dos colegas. Impunha-se como? Por quê? Pelo seu eu dirigente. Moço, já conduzia os companheiros, entendendo mais, muito mais de Política do que qualquer deles. Para se entender Vargas, é indispensável lançar um golpe de vista sobre o gaúcho e o Rio Grande, com os dados da sua vida real e do seu misticismo. Confundem-se os que pensam que o Rio Grande é Porto Alegre, ou mesmo Pelotas. Porto Alegre é um centro cosmopolita como Rio de Janeiro e São Paulo. O Rio Grande não começa na Lagoa dos Patos. Aí pode dizer-se senão que ele acaba, pelo menos o que ele significa como proporções de elemento, como medida de natureza. Há dois anos, tomei, durante o dia, um avião e fui de Porto Alegre a Uruguaiana e de Uruguaiana a Curitiba. Ofereceu-me o pampa a sensação do ilimitado de um continente que não se detém na torrente do Uruguai. Ele avança pelas duas mesopotâmias, a paraguaia e a argentina, com uma vastidão de imensidade eslava. Dando uma vista de olhos no panorama do pampa, com as suas savanas hirtas, a primeira sensação que se recebe das suas populações ralas é a de um povo que ainda não se fundiu com a sua terra. A história interior do Rio Grande confirma que a reação da personalidade rica do pampa ainda não promoveu ali os grandes recursos suscetíveis de o dominarem – a fusão do homem com o meio só se acha parcialmente feita. Cedo ou tarde a síntese terá que produzir-se, e aí veremos, em quinze ou vinte milhões de homens, refletidos os traços que o crisol irá apurar, e que, entretanto, já se anunciam no mujique gaúcho dos nossos dias. Em Porto Alegre, e, parcialmente, na zona da colonização italiana, palpita o dinamismo ocidental. A paixão mecânica do ítalo e do teuto progressistas é a continuadora das populações excêntricas do Mediterrâneo e da Europa Central, que trouxeram para o pacato meio rural o ruído da civilização da máquina a vapor. Tem o Rio Grande do Sul a dez, vinte, trinta, cinqüenta e sessenta quilômetros da sua metrópole, ilhas paulistas nas quais se discernem as linhas da rude tentativa de Street, de Pierson, de Sir Alexander Mackenzie, de Billings, de Siciliano, de Matarazzo, para industrialização do Brasil. A Democracia dos nossos tempos, em sua base mecânica e burguesa, a encontraremos em certos trechos da faixa atlântica do território gaúcho. São já duas articulações européias

e americanas. Estudem-se os reflexos do pampa e do arquipélago da técnica manufatureira americana, quando se trata de partir com o Rio Grande numa aventura política. O arquipélago reage logo com um instinto ríspido de defesa do seu patrimônio produtivo, assim como com as suas concepões de viver, baseadas na propriedade privada e no poder da iniciativa. O pampa, esse, antes de ser ouvido, já está pronto para marchar para a Grande Aventura a que o convidam, e isto a fim de não se dessolidarizar das suas tradições guerreiras, risque-tout. Como é este homem do pampa? Ele é quase todo de descendência portuguesa, espanhola e autóctone. Podemos defini-lo 50% Vargas. Um dos seus traços típicos é a rusticidade. Confundem-se a esse respeito as duas ambiências: a física e a moral. A simplicidade da vida do homem é a da sua mesma natureza. Terra, homem e concepção de vida do homem têm algo de primitivo. Estamos diante de gente pastoril, que, só recentemente, com a cultura do trigo, entrou a ocupar de modo mais direto o solo em que vive. Cavalo, homem e campo completam a figura do gaúcho, seu ritmo de viver e sua atmosfera. A geografia da terra não teria dito ainda tudo se a psicologia desse indivíduo não fosse marcada por aquilo de que Getúlio Vargas era representativo: a aptidão do gaúcho para a vida pobre, para sofrer a adversidade, na sua paciência para esperar, com o otimismo, o dia bom e o dia mau. Era Vargas a natureza cautelosa do camponês. Ele era conspirador, sim. Gostava de conspirar muito. Conspirou desde o Rio Grande, em 1927, contra a autoridade de Borges de Medeiros, no seio do Partido Republicano. Conspirou em 1930 contra Washington Luís. Conspirou em 1937 contra a República Liberal de 1934. Mas, não desprezando as devidas cautelas, no seu ofício de conspirar, procurou sempre vedetas militares para dar os golpes que havia arquitetado. O seu Rubicon, o mais sério obstáculo que teria encontrado nas suas manobras subversivas, terá sido o 1937. Generais, almirantes, brigadeiros, havia às centenas contra o seu Estado Forte. Com quem atravessa ele o passo difícil, o passo de tão estreita garganta? Com os Generais Dutra e Góis Monteiro. Não faz uma revolução sem a tropa. Mas fez todas as que quis, menos a de 1945. Na sua “querência”, era Vargas um camponês, um perfeito homem de gleba, um terrien, como se diz em França. Ali reside outra lancinante contradição, de um lado entre o imperialismo avassalador do homem do Estado, a capacidade de ataque do


seu intervencionismo estatal sobre a superfície da existência dos seus compatriotas, do que temos o testemunho na armadura do Estado Novo, e, por que não dizê-lo? O autoritário e o totalitário que ele era, com as suas medidas de grandeza, na ação pública, e do outro, o individualismo do francês de rotina, do terroir, do pied-à-terre, do sentido miúdo das coisas que ele também era. Desdenhava a concepção do terroir político para adorar a outra do terroir doméstico e nela integrar-se. Encontrava-me, certa tarde, em Sorocaba, com os Senhores A. de Moura Andrade e Benjamim Vargas. Contava ao meu velho e caro amigo, o irmão do presidente, o que era, há 150 anos, um homem do campo naquela região. Então, Moura Andrade, a meu pedido, se pôs a detalhar a série de anedotas a respeito do camponês sóbrio, sovina, agarrado aos seus bens, que se alinha na zona rural de Sorocaba, Tietê e Itu. Contou a do queijo que o ituano escondia no guarda-roupa (Não esquecer que o pai de Vargas, Manuel, e seu avô, Evaristo, eram filho e neto de um sorocabano, Bueno. Pura cepa camponesa, desse trecho do interior paulista). Benjamim Vargas arregalou os olhos e levantou-se do chão, onde nós três estávamos de cócoras como jeca-tatus. “Pois eu vi Getúlio, há meses, ganhando um queijo, levá-lo ao armário do seu quarto, fechá-lo à chave, e dizer- nos: Este vocês não o terão sozinhos.” Era o ituano que, no Catete, 150 anos mais tarde, juntava as duas pontas da meada. Falando à J. Nabuco, de Vargas se poderá dizer que foi o espongiário magnífico deste oceano humano que é o Brasil. Ele era o guasca, o campeiro, o caipira, o tabaréu, o matuto, o jeca, o sertanejo, o farroupilha, o favelado, o charrua, o tamoio, o guarani, o capixaba, o caeté, o tupinambá, o tabajara, o tupininquim, o timbira, o marroeiro, o homem branco, o negro, o amarelo, nas infinitas nuanças de todas essas cores; a música dos nossos rios; o barulho das nossas cachoeiras, a alegria das nossas madrugadas, a graça de um mês de maio nas campinas verdes do Rio Grande, o sorriso das nossas crianças, o uivar do minuano na cochilha, o coruscar das estrelas neste céu tropical. Que deslumbrante aquarela do Brasil! Que força elementar da vida! Não era um fragmento da nossa natureza, porque era toda ela! Os medíocres charlatães, que já o estudaram, não enxergaram o segredo da sua imensidade. Vargas, era ele, e plus-todos os seus contrários. A sua prodigiosa gló-

ria é a de haver tantas vezes sacudido este cadáver obediente que é o Brasil. Ele não falava para o povo: oficiava como um sacerdote. E como era nacional o demônio que as igrejas, porque ele não era de nenhuma para ser de todas, irão beatificar! Que soberbo animal telúrico, surgido no terceiro dia da criação, não havia no poder messiânico desse pretendente fechado e desse providencial aberto ! Homem pirandelesco, fluido, sem constantes, pioneiro múltiplo e variável, desconfiado e agressivo, nas horas decisivas não gostava de falar, apenas advertia. Afinal, por que aparentemente frio, dava murros espectaculares na cangalha? Era para matar o burro? Para deixar o burro no chão? Não, só para assustá-lo, tão-somente para assustá-lo, com um golpe violento no dorso. A opulência deste detentor feérico da psicologia, da patologia e das possibilidades do seu povo residia na sua mesma indeterminação, no seu, se quiserem, sonambulismo, no seu ar de quem abria a picada, na mata, e ficava o resto do tempo a fazer a estrada real, quase sempre sem consegui-la, para outra vez lançar-se a novas picadas. Duas vezes, ao que me disse, Vargas deu o consentimento íntimo à idéia da morte. E ambas no campo da luta civil. A idéia de morte traduz invariavelmente um estado emocional de alta responsabilidade e de beatitude da espiritualização. Isto mostra quanto o pólo do sofrimento tinha uma elevada representação na natureza desta criatura. Ele era a encarnação do “homem paciente”, como chamavam os gregos, do homem do qual era Ulisses o arquétipo, ou seja, a natureza saturada do heroísmo trágico. Vargas alinhava a bravura à serenidade, para encarar, face a face, o enigma da morte. Derrubado em 1945, e, de novo, em 1954, a sua sensibilidade viu no segundo golpe uma tragédia sem saída. Era de novo a força militar a sua velha guarda que lhe faltara. Partira-se a cadeia formada de 1930 a 1945. Sente, já no fim da existência terrena, a necessidade de uma morte, como dizia o mito. Não é a desesperação suprema, porque é a humanização do Dragão. Tarefa assaz difícil para um País, destituído de crítica, de cultura política e sem trânsito para as responsabilidades do Espírito, entender uma personagem como Vargas, que não encontra antecedentes em nenhum outro ponto do cosmos latino-americano. Nunca teve este País, em seus anais, nada tão espiritual como Vargas no campo da po-

lítica. É o mais diferenciado dos homens públicos desta terra. Tem de vários deles, e não se parece com nenhum, como idéia, sangue, liberdade e dependência da comunidade. Suas vastas construções ainda não encontraram intérpretes. Provocou uma crise, na qual, só agora, um ano após o seu desaparecimento, o País está entrando. Foi o primeiro homem do devenir, do Gemüt, do princípio germinal, dentro da órbita brasileira. É uma página desconhecida que ainda ninguém leu, por falta de iniciação filosófica, pelo estado embrionário da inteligência brasileira, essa, da intimidade de Vargas com o Brasil, malgrado um certo bovarismo gaulteriano que o levava a supor-se diferente do que eram as notas tônicas da sua gente. E isto era bem verdade. Tanto que era ele quem puxava o Brasil, ao invés de o Brasil arrastá-lo. O fino animal sensitivo, que era Vargas, tem uma medida de não-fixação nos estilos das velhas rotinas nacionais, dos carros de boi do direito público indígena, que só um processo de renovação da nossa cultura poderia abarcá-lo. Encontramos no quadro da morte voluntária de Vargas o ritmo da epopéia dos Niebelung. Matando-se, o que ele procura é sobreviver. A idéia da morte deverá ocorrer no ser que se dispôs, graças à plenitude do sofrimento, a encontrar os motivos do renascimento. Vargas se apresenta ao povo numa atitude de líder, para dizer-lhe a frase que Cristo foi o primeiro a pronunciar para o Ocidente: “Eu sou a Verdade.” Efetivamente, seu apostolado social dava-lhe à existência um sentido de cruzado. Era um homem que, quando volta em 1950, mais que dantes faz a doação de si mesmo à causa pública. Virá a realizar-se mais do que das outras vezes como representação de um destino, que nenhum outro teria força para cumpri-lo neste País, como poder de renúncia, para a qual ninguém aqui estava preparado, sobretudo num meio de depauperação espiritual como o nosso. Velho jardineiro, podador dos galhos da árvore da liberdade, Getúlio Vargas tomba varado por esta suprema contradição: mandando aos seus compatriotas a mensagem do homem livre. Em seu calvário luta pela liberdade da iniciativa do presente, e, como um herói helênico, morre para renascer. Tal a lanterna verde com que ele marcha para a eternidade. g (*) Pronunciamento feito em 27 de agosto de 1955, na sessão solene da ABL, quando foi saudado pelo Acadêmico Aníbal Freire. Outubro/Novembro/Dezembro 2015 |

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COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – Nº 9, Nº 11 Abelardo Jurema Filho – Nº 5, Nº 11 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – Nº 12 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto – Nº 8 Aldo Lopes Dinucci – Nº 9 Alessandra Torres – Nº 9 Alexandre de Luna Freire – Nº 1 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Álvaro Cardoso Gomes – Nº 5 Américo Falcão (In Memoriam) – Nº 9 André Agra Gomes de Lira – Nº 1 Andrès Von Dessauer – Nº 7, Nº 8, Nº 9, Nº 10, Nº 11, Nº 12 Ângela Bezerra de Castro– Nº 1, Nº 11 Anna Maria Lyra e César – Nº 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – Nº 8 Antônio Mariano de Lima – Nº 4 Assis Chateaubriand – Nº 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, Nº 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014 Berilo Ramos Borba – Nº 3 Boaz Vasconcelos Lopes – Nº 7 Camila Frésca – Nº 5 Carlos Alberto de Azevedo– Nº 4, Nº 6, Nº 11 Carlos Alberto Jales – Nº 2, Nº 12 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5 Carlos Pessoa de Aquino – Nº 5 Chico Viana – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, – EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014, Nº 10 Ciro José Tavares – Nº 1 Claúdio José Lopes Rodrigues – Nº 5, Nº 6 Cláudio Pedrosa Nunes – Nº 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – Nº 10 Damião Ramos Cavalcanti – Nº 1, Nº 11 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – Nº 6 Durval Ferrreira – Nº 7 Eilzo Nogueira Matos – Nº 1, Nº 4, Nº 7 Eliane de Alcântara Teixeira – Nº 6 Eliane Dutra Fernandes – Nº 8 Elizabeth Marinheiro – Nº 12 Emmanoel Rocha Carvalho – Nº 12 Érico Dutra Sátiro FernandesNº 1, Nº 9 Ernani Sátyro (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014, Nº 7, Nº 11 Eudes Rocha –Nº 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 8 Evandro da Nóbrega- Nº 2, Nº 4, Nº 6, Nº 11 Ezequiel Abásolo – Nº 8 Fábio Franzini – Nº 7 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Firmino Ayres Leite – Nº 4 Flamarion Tavares Leite – Nº 8 Flávio Sátiro Fernandes – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014, Nº 7, Nº 8, Nº 9, Nº 10, Nº 11 Flávio Tavares – Nº 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - Nº 2 Francisco Gil Messias – Nº 2, Nº 5 Gerardo Rabello – Nº 11 Giovanna Meire Polarini – Nº 7 Glória das Neves Dutra Escarião – Nº 2 Gonzaga Rodrigues – Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 11 Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins – Nº 4, Nº 8

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Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – Nº 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – Nº 3 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – Nº 4 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – Nº 6 Joaquim Osterne Carneiro – Nº 2, Nº 4, Nº 7, Nº 9, Nº 11 José Américo de Almeida (In Memoriam) – Nº 3, Nº 10 José Jackson Carneiro de Carvalho – Nº 1 José Leite Guerra – Nº 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015 José Mário da Silva Branco – Nº 11 José Octávio de Arruda Melo – Nº 1, Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 9 José Romero Araújo Cardoso – Nº 2, Nº 3, Nº 10, Nº 11 Josemir Camilo de Melo – Nº 11 Josinaldo Gomes da Silva – Nº 5, Nº 10 Juarez Farias – Nº 5 Juca Pontes – Nº 7, Nº 11 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Nº 7 Luiz Fernandes da Silva- Nº 6 Machado de Assis (In Memoriam) – Nº 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Marcelo Deda (In Memoriam) – Nº 4 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – Nº 1 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – Nº 3, Nº 10 Maria José Teixeira Lopes Gomes – Nº 5, Nº 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – Nº 3, Nº 9 Mário Glauco Di Lascio – Nº 2 Martinho Moreira Franco – Nº 11 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – Nº 4 Milton Marques Júnior – Nº 4 Moema de Mello e Silva Soares – Nº 3 Neide Medeiros Santos – Nº 3, Nº 6, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – Nº 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – Nº 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - Nº 6 Oswaldo Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5, Nº 6,Nº 7, Nº 9, Nº 10 Otávio Sitônio Pinto – Nº 7 Paulo Bonavides – Nº 1, Nº 4, Nº 5, Nº 9, Nº 10, Nº 12 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/ Maio/2014 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – Nº 3 Raúl Gustavo Ferreyra – Nº 5 Raul Machado (In Memoriam) – Nº 4 Renato César Carneiro – Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/ Maio/2014, Nº 7, Nº 9 Ricardo Rabinovich Berkmann – Nº 5 Roberto Rabello – Nº 11 Rostand Medeiros – Nº 12 Severino Ramalho Leite – Nº 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Socorro de Fátima Patrício Vilar – Nº 10 Thanya Maria Pires Brandão – Nº 4 Tiago Eloy Zaidan – Nº 11 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – Nº 5, EE/Augusto dos Anjos/ Novembro/2014 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – Nº 3, Nº 9 Wills Leal – Nº 2, Nº 7 EE=Edição Especial


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CONTRA-CAPA (COREL)


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