REVISTA

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CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

Nesta edição de GENIUS, o leitor terá, entre outras matérias, interessantes estudos e análises literárias, em torno de páginas e autores da maior significação, além de uma narrativa de viagem do maior esplendor. Continuando a refletir em suas páginas o brilho da passagem, pela Academia Brasileira de Letras, dos paraibanos que a integraram, GENIUS reproduz o discurso de posse do escritor Ariano Suassuna, autor do Romance d´A Pedra do Reino e de várias obras da dramaturgia nordestina. Ariano ocupou a Cadeira nº 32, que tem como Patrono Manuel Araújo Porto-Alegre, Barão de Santo Ângelo e que fora ocupada, anteriormente a Ariano, por Carlos de Laet, Barão de Ramiz Galvão, Viriato Correia, Joracy Camargo e Genolino Amado. Seis contos de Machado de Assis (O espelho, A chinela turca, Noite de Almirante, Ideias de canários, Uns braços, Missa do galo) se encontram submetidos a análise, pelos Professores Carlos Alberto Jales e Otaviana Maroja Jales, sob um novo prisma, até hoje não utilizado, ou seja, à luz das representações sociais. Os leitores de GENIUS, por outro lado, estarão nas alturas, em Dubai, a atraente cidade do Emirado do mesmo nome, através da narrativa de viagem de Eliane Dutra Fernandes. A cidade é famosa por sua riqueza e por sua arquitetura espetacular, em que se destaca o maior edifício do mundo – o Burj Khalifa, com cerca de oitocentos metros de altura. Eça de Queiroz, o genial escritor português está presente com o emocionante conto, intitulado O suave milagre. Alegra-nos informar que a Folha de Pernambuco, jornal que se edita no Recife, através de artigo do colunista Lucas Santos Jatobá, comentou e elogiou esta revista em relação ao número especial em homenagem ao Presidente Epitácio Pessoa, matéria que aqui reproduzimos. Uma nota de pesar e dor perpassa esta edição de GENIUS, representada pelo registro do desaparecimento, nesta Capital, do Ex-Deputado Múcio Wanderley Sátyro, 74, no último dia 29 de fevereiro do corrente ano. Ocupante de uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado, durante vinte anos, Múcio notabilizou-se por uma conduta ditada pela honestidade, pelo compromisso ético e por uma estreita fidelidade aos desejos e interesses dos eleitores sertanejos, em cujas cidades de Patos e vizinhanças assentava-se sua base eleitoral. Diversas outras matérias se inserem e se estendem pelas demais páginas de GENIUS, nº 14, em seu quarto ano de existência, pelo que desejamos aos nossos leitores que tirem um bom proveito de suas linhas. Muito obrigado.

Março/Abril/2016 - Ano IV Nº 14 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 9981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA

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UMA VISÃO DOS “ROAD MOVIES” Andrès Von Dessauer

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UM ESTUDO DE ALGUNS CONTOS MACHADIANOS SOB A LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Carlos Alberto Jales & Otaviana Maroja Jales

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EM DUBAI, NAS ALTURAS Eliane Dutra Fernandes

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ÚLTIMA REVELAÇÃO Chico Viana

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ORAÇÃO DA MEDALHA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO CEARÁ Paulo Bonavides

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DISCURSO DE POSSE Ariano Suassuna

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CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA (EMEN DA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 16 DE JUNHO DE 1970)

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O BRASIL CONTINUA BATEAU MOUCHE Francisco Gil Messias

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PRESIDENTE EPITÁCIO PESSOA: PASSEIO DO JURISTA EM BOA VIAGEM Lucas Santos Jatobá

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CARREGANDO PEDRAS Flávio Sátiro Fernandes

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O SUAVE MILAGRE Conto de Eça de Queiroz

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FALECE O EX-DEPUTADO MÚCIO WANDERLEY SÁTYRO Equipe GENIUS

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EINSTEIN E O INÍCIO DE UMA NOVA ERA: A ASTRONOMIA DAS ONDAS GRAVITACIONAIS Evandro da Nóbrega (Especial para Genius) Março/Abril/2016 |

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COLABORAM NESTE NÚMERO: 4

ANDRÈS VON DESSAUER [Uma visão dos “Road Movies”] Mestre em Economia e Ciência Política, pela Universidade de Munique (Alemanha). Comentarista cinematográfico, no triângulo Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa, sobre filmes “cults”. Articulista em vários periódicos brasileiros. ARIANO SUASSUNA (In Memoriam) [Discurso de posse na ABL] Escritor, teatrólogo, poeta, autor de diversas obras, com destaque para Romance d´A Pedra do Reino e Auto da Compadecida. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras e à Academia Paraibana de Letras. CARLOS ALBERTO JALES [Um estudo de alguns contos machadianos sob a luz das representações sociais] Professor Doutor do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da UFPB. CHICO VIANA [Última revelação] Professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Letras, pela UFRJ, com a tese O evangelho da pedridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos. Mantém o site www. chicoviana.com Dirige o Curso Chico Viana, onde leciona. EÇA DE QUEIROZ (In Memoriam) [O suave milagre] Escritor, romancista, contista, ensaísta português, uma das maiores expressões literárias do idioma luso. Autor de várias obras, com destaque para O crime do Padre Amaro. ELIANE DUTRA FERNANDES [Em Dubai, nas alturas,] Pedagoga, pela Universidade Federal da Paraíba e Psicopedagoga, pela Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo. Coautora do livro Transtornos e dificuldades de aprendizagem, Rio de Janeiro, 2014, Wak Editora, 2ª edição. EVANDRO DA NÓBREGA [Einstein e o início de uma nova era: A astronomia das ondas gravitacionais] Jornalista, escritor, historiador, pesquisador. Publisher consagrado,

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poliglota, membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP). FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [Carregando pedras] Membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica. Professor Aposentado do Curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba. Autor de várias obras, com destaque para a História Constitucional da Paraíba e a História Constitucional dos Estados Brasileiros, esta em colaboração com o Professor Paulo Bonavides. Diretor e Editor da revista GENIUS. FRANCISCO GIL MESSIAS [O Brasil continua Bateau-Mouche] Escritor, Professor, Procurador da União junto à Universidade Federal da Paraíba. JOSÉ LOUREIRO LOPES [Educação na sociedade moderna] Doutor em educação, Professor da UFPB e UNIPE. Ex-Secretário de Estado da Educação. LUCAS SANTOS JATOBÁ [Presidente Epitácio Pessoa: Passeio do jurista em Boa Viagem] Supervisor Jurídico do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Recife). OTAVIANA MAROJA JALES [Um estudo de alguns contos machadianos sob a luz das representações sociais] Professora Doutora do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da UFPB. PAULO BONAVIDES [Oração da Medalha do Tribunal de Contas do Ceará] Professor Emérito do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará. Doutor Honoris Causa por Universidades de vários países, Autor de diversas obras, dentre as quais se destaca Curso de Direito Constitucional, atualmente na 30ª edição. É autor também de História Constitucional dos Estados Brasileiros, elaborada em parceria com o Professor Flávio Sátiro Fernandes.


CINEMA UMA VISÃO DOS “ROAD MOVIES” Andrès Von Dessauer

Do ponto de vista semiótico, os ‘roadmovies’ tèm como denominador comum as estradas que, apesar de facilitar o deslocamento, transmitem, de igual forma, a idéia de ‘limitação’, já que demarcam o espaço a ser seguido. Assim, a depender do ângulo, pode-se afirmar que a mobilidade, contraditoriamente, é também um fator de engessamento. Nesse contexto, os sinais de trânsito seriam ‘subsímbolos’ que emprestam reforço a essa noção de restrição. Ao limitar o espaço de ação, a estrada tende a induzir à reflexão. E esse movimento reflexivo promove, na maioria dos ‘road movies’, mais intimidade entre elenco e personagens. Os filmes ‘MISS SUNSHINE’ e ‘HASTA LA VISTA’ são belos exemplos desse efeito, razão pela qual, foram escolhidas a dedo para figurar na presente edição da Revista GENIUS. MISS SUNSHINE - A Força da Ingenuidade Desde ‘O Salário do Medo’ (‘Le Salaire de la Peur’), de Henri-Georges Cluzot, em 1953, o estilo ‘road-movie’ ganhou espaço na cinematografia e, até hoje, conquista bilheterias mundo a fora. Com efeito, a expectativa natural gerada por um cenário em constante oscilação parece reforçar a relação pleonástica entre cinema e movimento. E o longa ‘Miss Sunshine’ de 2007, vencedor de dois Oscars (roteiro original e ator coadjuvante), bem como do Cesar de melhor filme estrangeiro, é um belo exemplo dessa afinidade entre cinema e asfalto. Primeiro filme produzido e dirigido pelo casal americano Jonathan Dayton e Valerie Faris, experts na produção áudio visual de musicais, alcançou a marca dos US$ 100 milhões, já no primeiro ano, superando, de longe, os US$ 8 milhões de seu orçamento. A produção demandou cinco anos e nas gravações foram utilizados cinco exemplares da cambaleante Kombi amarela e branca. Valendo destacar que, ao atenuar a distância entre protagonistas e coadjuvantes, o formato descentralizado do roteiro ainda

rendeu à obra, em 2007, o troféu de melhor elenco, concedido pela Screen Actors Guild Awards. Considerados ‘desajustados’ na percepção da classe média americana, os membros da família Hoover, ‘fecham fileiras’ em torno de seu mais jovem membro, a catalisadora Olive (Abigail Breslin), no intuito de prestar-lhe apoio em uma jornada quase suicida. Apesar disso, a crítica, de forma precipitada, classifica os Hoovers como uma família disfuncional. Essa opinião, à primeira vista, pode até parecer verdadeira, já que jamais confundiríamos os membros desse clã com os personagens de um comercial de cerveja, onde todos são etilicamente felizes. Mas, mesmo embalados pelos devaneios de Proust e imperativos de Nietzsche, o grupo, no transcorrer do percurso, deixa claro que tem a diversidade como seu maior ativo. A trama ataca, impiedosamente, o lado vazio do mundo fashion, expondo, tal qual um demaquilante, sua face mais grotesca. Ao se comportarem como adultos, as concorrentes de Olive, se tornam vítimas de uma máquina de padronização capaz de aniquilar até a mais tenra infância. Mas, o que Olive não tem de compatível com os padrões estéticos lhe sobra de autenticidade e nada resiste a esse atributo. Não por outro motivo, a presença de nossa ‘super freak’ se mostra devastadora à ‘vanity fair’ em andamento. A comédia, em questão, também teve grande repercussão no âmbito educacional onde foi, reiteradamente, utilizada como instrumento didático na análise do desafio de ser criança em uma sociedade dividida entre ‘winners’ e ‘loosers’. O problema é, portanto, encontrar o equilíbrio entre a assertiva de Nietzsche ‘eu quero’ (voltada à individualidade) e o senso comum ‘eu devo’ (direcionado ao coletivo). Porém, para nós que não pertencemos mais ao mundo infantil, resta a lição de que o importante é insistir obstinadamente já que, como dizia o avô hedonista: ‘o verdaMarço/Abril/2016 |

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deiro fracassado não é alguém que não vence, mas aquele que tem tanto medo de não vencer, que não chega a tentar’. HASTA LA VISTA - Um Tributo à Amizade Desde ‘MISS SUNSHINE’, rodado em 2006, o estilo ‘road-movie’ se mostrava fora do caminho da cinematografia. Mas, a combinação entre cinema e asfalto foi recentemente revitalizada através de dois automotores saídos quase que simultaneamente do acostamento europeu e americano. Nesse sentido, no continente americano, após 15 tentativas frustradas de adaptação, a consagrada obra ‘On the Road’, de Kerouac, rechaçada por Coppola, fora finalmente filmada por Walter Salles. Já na Europa, o diretor flamenco, Geoffrey Enthoven juntamente com o roteirista Pierre Le Clercq, colocam no trajeto Bélgica/Espanha um velho furgão, precariamente adaptado, rumo à satisfação da libido de seus passageiros. Baseado em fatos reais esse trabalho tem como ponto de partida a experiência de vida de Asta Philpot, um jovem tetraplégico possuidor de uma doença degenerativa congênita (astrogeripose) que, no intuito de viabilizar o acesso de deficientes ao sexo, passou a estimular a instalação de bordeis especialmente direcionados a esse público, criando, para tanto, uma Fundação que leva seu nome. Traçando um paralelo entre esses dois ‘road-movies’ é interessante notar que ambos carregam consigo personagens dotados de sérias limitações, já que os três representantes da ‘geração beat’ de Kerouac/Salles sofrem de deficiência motivacional aguda e os passageiros do furgão de Enthoven possuem restrições físicas extremas. Essa semelhança, todavia, cessa por aí haja vis-

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ta que, a trama americana segue uma rota sem destino, repleta de devaneios e situações mal resolvidas, ao passo que o furgão europeu brinca com a realidade sem jamais se afastar de sua trilha rumo ao apropriadamente denominado bordel ‘El Ciel’. Com efeito, de tão convincente, o elenco central de HASTA LA VISTA, formado por Gilles de Schrijver, Roprecht van den Thoren e Tom Audenaert, não raramente, leva o público a esquecer de que esses protagonistas não possuem as limitações de seus personagens. E esse efeito explica os diversos prêmios obtidos por essa comédia satírica-romântica nos festivais de Montreal, Valladolid e Quebec. A força desse longa consiste na criação de uma identificação imediata com o espectador que, já na primeira cena, é transportado para

dentro da película ao compartilhar do mesmo ângulo de visão de um dos personagens, que assiste contido o balançar de dois provocativos pares de seios. Essa tomada inicial, per si, deixa claro que o desejo sexual suplanta qualquer ideal de perfeição, quebrando, assim, o tabu da assexualidade quase que inerente aos portadores de necessidades especiais. Outro destaque é a condutora do furgão, a atriz Isabelle de Hertoch, no papel de Claude. Definida pelo protagonista cego (!), como uma deficiente afetiva, essa figura é responsável pelos momentos de expressiva beleza dessa jornada, preenchendo o clima do furgão com uma das mais românticas ‘chanções’ francesas (‘Et si tu n’existe pas’ de Joe Dassin). Por fim, vale destacar a inversão do lema dos três mosqueteiros de Alexandre Dumas (‘Todos por Um e Um por Todos’) que nessa película, muitas vezes, passa a figurar como: ‘Um contra Todos e Todos contra Todos’. Cabe esclarecer que ‘Todos’, nesse novo refrão, mantém relação com a humanidade como um todo. De fato, a forma descontinua com a qual esse grupo se relaciona com o mundo impede que a monotonia intrínseca ao asfalto envolva o filme. E, no plano psicológico, como os próprios personagens não são nada complacentes ou piedosos, no que tange às suas insuficiências, as situações risíveis parecem ilimitadas. Parte da crítica sustenta a ideia de que o trabalho em questão deveria ter chegado ao fim quando da saída definitiva de um dos três integrantes da estrada da vida. Porém, alheio a qualquer pieguice e fiel, da primeira à última cena, ao seu formato politicamente incorreto, o longa é encerrado de forma cartesiana, com uma expressão que, direcionada, justamente, ao personagem cego, sintetiza toda a ironia da obra: ‘Hasta La Vista’. g


LITERATURA Um estudo de alguns contos machadianos sob a luz das Representações Sociais Carlos Alberto Jales & Otaviana Maroja Jales

INTRODUÇÃO Este trabalho quer abordar um aspecto inédito na obra de Machado de Assis, considerado por unanimidade o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Com efeito, a produção literária do bruxo do Cosme Velho1 já foi estudada sob vários aspectos. Ora se capta o ceticismo sobre o homem e suas ações, ora se procura surpreender o papel que a loucura ocupa em seus romances e contos. Em algumas análises, chama-se a atenção sobre a percepção que Machado tinha da alma feminina, de sua psicologia, talvez o aspecto mais fone de sua imaginação de romancista consagrado pelo tempo. Por esta razão escolhemos um caminho novo. À luz da teoria das representações sociais estudaremos seis contos de Machado de Assis, exemplos de várias épocas de sua produção literária. Estamos interessados em captar, detectar a visão do mundo do escritor, não propriamente sob a ótica da estética, mas sob a das representações sociais. Na verdade, Machado tem uma forma peculiar de ver o homem e sua realidade. Seu senso de humor, tantas vezes ressaltado é uma atitude que se situa entre o ceticismo e a ironia, olhando para a sociedade como se olhasse para um manicômio, com suas loucuras, fantasias, manias, traições, mesquinharias e interesses. Eis ai um tema recorrente na obra machadiana: o interesse movendo a ação humana, estabelecendo laços e destruindo relações entre pessoas. O mundo de Machado é uma grande representação. Os seis contos que escolhemos como tema de estudo mostram isto à exaustão. O universo de Machado é parente bem próximo deste outro grande cético, o filósofo alemão Artur Shoppenhauer, no seu clássico O mundo como vontade e representação. A trajetória humana não se guia por nenhuma Providência Divina, não se orienta por nenhum plano previamente estabelecido, mas é na verdade uma grande representação que esconde a miséria e 1

a fraqueza da condição humana. O mundo é movido pela vontade cega de fazer, de mandar e destruir. Um mundo inexplicável, no qual devemos habitar, apesar de tudo. Os contos que escolhemos para analisar são O Espelho, A Chinela Turca, Noite de Almirante, Idéias de Canário, Uns Braços e Missa do Galo, escritos em diversas fases da vida de Machado, como já afirmamos, mas, sobretudo quando o escritor já havia alcançado a maturidade de romancista, dominando perfeitamente a técnica do escrever, e exercendo na plenitude o oficio de criador de emoções. Na primeira parte do artigo, faremos uma breve incursão pela história da representação social, tentando compreendê-la a partir da contribuição teórica de Serge Moscovici, em cuja obra as representações coletivas de Emile Durkheim são incorporadas e superadas. Num segundo momento, contextualizaremos a produção de Machado de Assis com o objetivo de conhecer até onde o escritor é tributário de sua época e suas coordenadas de tempo e espaço. No terceiro momento nos dedicaremos ao núcleo do trabalho propriamente dito, em que os seis contos escolhidos serão analisados sob a iluminação das teorias das representações sociais. Primeiramente será feito um breve resumo do conto, para situar seu enredo e em seguida procederemos ao estudo da proposta machadiana, tentando apresentar ao leitor o significado de seus contos, agora não dissecados segundo a ótica estética, mas de acordo com a representação que o velho Machado faz da vida e da pessoa humana. Uma conclusão geral fechará o artigo. REPRESENTAÇÃO SOCIAL: uma breve visão histórica Quando o pensador francês Serge Moscovici publicou em 1961, na França sua tese intitulada A Psicanálise, sua imagem

e seu público, na qual estuda a penetração que as idéias da Psicanálise tinha no público francês, o mundo das ciências sociais conhecia uma verdadeira revolução, mesmo com a cautela com que esta palavra deve ser encarada. Comentando a repercussão de seu estudo, Moscovici se admira que os psicanalistas, que tanto se expressam sobre qualquer problema humano, tenham visto com irritação sua pesquisa, como se a Psicanálise fosse um terreno sagrado, reservado só aos iniciados... A verdade é que Serge Moscovici não se contentava em aceitar pura e simplesmente a teoria das representações coletivas, uma criação do sociólogo Emile Durkheim, francês como ele. Durante quase meio século, Durkheim havia dominado as ciências sociais na França. Seus estudos sociológicos, seu rigor metodológico, suas pesquisas sobre a influência da religião na sociedade foram durante décadas um guia de todas as buscas no campo das ciências humanas. O conceito de coerção (contrainte) que o grupo exercia sobre a pessoa era uma camisa de força que matava a ação do individuo em sua cultura. O positivismo de Durkheim incomodava Moscovici, pois não respondia à indagação fundamental: qual o papel do sujeito na construção da cultura? A partir disto, começa a elaborar a teoria das representações, um paradigma que se espraiou por outros países e invadiu os mais diversos campos da investigação: saúde, religião, artes, ciência, identidade cultural, educação, numa multiplicidade de interesses que só faz aumentar. Em educação, por exemplo, basta citar os trabalhos de MADEIRA (1982, 1988), CARVALHO (1983), ALLOUFA (1986), GOMES (1990), PEDRA (1997), MAROJA JALES (1998), para vermos que a teoria das representações sociais são um instrumento por meio do qual as pesquisas neste campo assumem um caráter cada vez mais denso. Na verdade, a reflexão sobre a educação só

Bruxo do Cosme Velho é uma expressão que se refere ao tipo de vida reclusa que o escritor levava com a esposa no bairro de Cosme Velho, no Rio de Janeiro.

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pode se beneficiar e se enriquecer ao adotar um paradigma que já se mostrou muito rico na compreensão de outros campos do conhecimento humano. Voltemos a Serge Moscovici. Sua insatisfação com o modelo durkheimiano deriva de uma pergunta seminal: o individuo, criador de cultura, arquiteto do social, nada pode contra a vontade do grupo? É claro que a inserção no social é importante, que os valores sociais são fortemente internalizados, mas devia haver um terreno em que a pessoa tecesse sua história, mesmo aceitando o conhecimento transmitido pela cultura. O individuo isolado é uma ficção, do mesmo modo que o grupo não pode definir por si só toda forma de elaboração do saber. Individuo e grupo ocupam o mesmo espaço e, ocupando-o, redefinem comportamentos, valores, princípios. Neste aspecto, as representações sociais formuladas por Moscovici como uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos nos revelam que elas (as representações) são construídas na intercessão do espaço privado com o espaço público. Em última análise, entre individuo e sociedade se estabelece uma relação altamente dinâmica, profundamente dialética, própria das representações que são construídas quando o singular e o coletivo se encontram. É evidente que as representações têm uma trajetória, até chegar a serem consideradas como representações sociais. Na Antiguidade clássica, com seu mito da caverna, Platão dizia não ser a vida mais do que uma cópia de um modelo já contemplado. De costas para a entrada da caverna, o homem só via sombras moventes, representa-

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ções dos verdadeiros e primitivos protótipos. A palavra platônica passou à história como alguma coisa idealizada, cópia do autêntico, do genuíno, daquilo que se deseja, mas não se alcança plenamente. Na Idade Média, quando a sociedade transitava para o mundo moderno, e as estruturas sociais começavam a ser abaladas pela urbanização crescente,Thomas Morus com a Utopia e Campanella com A Cidade do Sol expressam o ideal de uma vida estável, sem mudanças em que cada um tivesse assegurado seu lugar e sua função, numa palavra, uma sociedade agrária, profundamente conservadora. Mas o mundo moderno tem seu verdadeiro marco inaugural com Miguel de Cervantes, que ao escrever o Dom Quixote, une o passado, o presente e o futuro para construir o processo do significado e do significante. As aventuras do Cavaleiro da triste figura são em última análise as representações do homem contemporâneo, com seus sonhos e suas utopias, seu imaginário, seus desejos de igualdade e de justiça. Passemos rapidamente por Marx e Nietzche, para os quais as representações são superadas de forma diferente. Para Nietzche, escapa-se ao mundo das representações e supera-se o que ele tem de falso por meio da ação prática. É a poesia a única verdade, a salvação dentro de um mundo que não se reconhece. Para Marx, só a ação é capaz de livrar o homem das representações que fazem de si mesmos, do mundo em que vivem e das relações necessárias que estabelecem quando trabalham. Os filósofos já interpretaram (representaram o mundo) à exaustão. Agora é preciso modificá-lo, ensina Marx. Ao conceber a teoria das representações

sociais, Moscovici não somente refaz o caminho iniciado por Durkheim, como revoluciona um campo importante das teorias sociais, ao relacionar a sociologia com a psicologia social e neste cruzamento recupera a ação do individuo, seu papel como artesão de sua história. Mas o individuo umbilicalmente ligado à cultura, da qual recebe valores para concomitantemente reelaborá-los e reincorporá-los a seu repertório. Individuo e cultura como pólos de uma mesma realidade, é a lição que a teoria das representações sociais nos dá. Se eu represento, represento (trago ao presente) alguma coisa; se tenho medo, tenho medo de alguma coisa; se sofro, sofro por alguma coisa; se medito, medito sobre alguma coisa. Deste modo, representar é reatar o passado ao presente, o ausente ao que está diante de mim. Ao elaborar a teoria das representações sociais, Moscovici nos livra do sociologismo positivista de Durkheim e do psicologismo do comportamentalismo norteamericano. O homem é muito mais do que um elo numa grande cadeia, ou um indivíduo pensando sozinho, vivendo sozinho, sentindo sozinho. Indivíduo e sociedade completam-se, são faces de uma mesma moeda. As representações só existem porque existe um sujeito em relação, um sujeito em permanente troca com o ambiente natural e cultural. É por esta razão que elas são representações sociais. Ao manifestar o pensamento, o sujeito o faz não como um elemento isolado, mas como ocupando o espaço público, que é o terreno em que se realiza e se constrói a aventura humana. O sujeito vive então no equilíbrio entre o público e o privado, na confluência das duas esferas. Como individuo pensa e age, mas


seu pensar e seu agir trazem a marca do social, das representações que o movem. (ARENDT, 19..) É à luz destes conceitos de representações sociais que encetaremos a seguir o estudo dos contos de Machado de Assis, escolhidos para este fim. É o cenário de um escritor do século XIX, embora tenha falecido no início do século XX. A ressalva é importante, para compreendermos a temática machadiana, habitante de uma cidade que sofria as primeiras grandes transformações modernas. É por este motivo que sua temática é urbana, pano de fundo para a pesquisa do caráter do homem, certamente o animal mais complexo que povoa a terra. Embora urbana, a literatura de Machado revela um Brasil ainda fortemente marcado por suas raízes rurais. MACHADO DE ASSIS: contextualização Machado de Assis, quase todos os críticos afirmam, é o romancista do Império, o cronista de uma época e suas contradições. Toda a obra de Machado, mesmo a da fase romântica, revela um escritor de um Brasil profundamente marcado por sua história. O Brasil que emerge de sua pena é um país escravagista, agrário, de economia sustentada por relações latifundiárias, voltadas para a Europa, para os valores europeus, para os modelos europeus. O romance e o conto machadianos, especialmente, revelam um tipo de vida profundamente característico de um regime político que se mantinha graças à monocultura, ao trabalho escravo e à profunda divisão de classes sociais. Neste cenário, surge a concepção de vida que Machado expressa em suas obras como veremos nos contos analisados. É uma concepção ou uma representação fundada na ironia e no ceticismo. Muitos já apontaram o pessimismo machadiano, mas nós acreditamos que não se trata de um pessimismo, mas de um ceticismo radical. A vida e a natureza humanas não têm solução. Com efeito, o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas olha para a vida como um espectador sem ilusões. O amor, o ódio, a traição, a ciência, a loucura, a glória, o poder, a religião, o dinheiro, são relativizados e colocados num contexto em que os homens estão, como dizia Schopenhauer, em busca de realizar uma vontade cega, sem explicações nem objetivos. Viver é a única coisa importante. Apenas viver. A ironia e o “sense of humour”, que Machado de Assis herdou dos ingleses, especialmente dos autores que fazem do paradoxo uma filosofia de vida, são em última análise o riso e o deboche sobre nossa trágica condição. Neste universo, o homem se move em busca de muitas coisas que nem

ele sabe mesmo o que é, em busca de vitórias que ao final se revelam retumbantes fracassos. Mas não há lugar para lágrimas e queixas. Assim é a caminhada humana. As classes proprietárias do Império brasileiro constróem uma sociedade ociosa e parasitária. Incapazes de um projeto mais profundo, cegos a qualquer manifestação do espírito, vegetam de baile em baile, de festa em festa, de tertúlia em tertúlia. Parece que a sociedade imperial é um grande baile, uma festa contínua em que as mulheres arrastam seus vestidos e os homens tratam dos negócios e da política. Nenhum gesto de grandeza, nenhum momento transcendental. A vida é um grande e interminável baile. Aliás, nos estertores do Império, o baile da Ilha Fiscal parece que sela a sorte do regime. Machado de Assis olha para esta sociedade decadente e zomba de seu modo de viver. É uma sociedade vazia de ideais, praticando um mimetismo que a deprime ainda mais. E a escravidão passa a ser paradoxalmente sua marca registrada, embora de maneira enviesada e semi-oculta. Uma instituição que duraria 400 anos, a escravidão nos deixou marcas indeléveis, que se refletem nas relações individuais e nas relações de classe. Os seis contos que passaremos a estudar à luz das representações sociais mostram como a criação machadiana é acima de tudo uma devassa na alma humana, em seus recônditos, em seus lugares mais íntimos. Vivemos uma ilusão, num mundo que é uma ilusão, num universo que zomba de nossos sonhos. O final do romance Quincas Borba é revelador deste mundo shoppenhauriano em que se movem os anti-heróis de Machado de Assis. As estrelas que brilham no céu estão muito longe da terra para se incomodarem com as lágrimas e os risos dos homens. A única solução é caminhar, mesmo sabendo que laboramos num campo minado pelo egoísmo e pela traição. O que vale não é a realidade, mas o que parece ser a realidade. Seis Contos Machadianos e a Representação Social Conto: O Espelho Enredo: Um grupo de amigos conversa sobre vários temas, até que um dos presentes expõe um fato que lhe aconteceu no passado. Depois de ser nomeado Alferes, uma patente da Polícia da época, vai visitar uma tia que mora num sítio longínquo e escondido. Durante a visita, uma filha da tia, que mora em outro lugar adoece e ela é obrigada a viajar, deixando o sítio aos cuidados do sobrinho.

Os escravos, que se mostravam amáveis e o chamavam o tempo todo de alferes, estimulando sua vaidade, fogem durante a noite, e a partir de então o personagem passa a viver o drama da solidão e do abandono, pois era a única pessoa no sítio. O terror o invade e ele pensa que enlouquecerá. Os dias são longos e insuportáveis e para passar o tempo e se distrair, decide vestir a farda de Alferes, sempre à mesma hora e se olhar no espelho da sala. Nos dias que se seguem não pode passar sem este gesto e só a visão da farda o faz suportar a dor do isolamento. Análise: O ser humano não sobrevive sem as vestes, os símbolos, os sinais de fora. A vida exterior é mais forte do que a vida interior. A farda de Alferes não é apenas um distintivo, mas a imagem de alguma coisa que transcende a mera existência. O homem não resiste à solidão porque não resiste ao diálogo com seu mundo íntimo. É preciso os sons, as cores, o barulho de um universo que não suporta o silêncio. O espelho, no qual o Alferes se vê todos os dias, não é apenas um reflexo que se vê fora. O espelho traduz a angústia do viver, pois o homem moderno, embora cercado de signos do sucesso, não convive bem com seus fantasmas interiores. Neste aspecto, Machado de Assis constrói uma representação do homem contemporâneo. A alma exterior é um tema recorrente em sua obra. No conto que estamos analisando, o ceticismo machadiano revela um autor descrente da realização humana por meio dos valores autênticos. Esta realização não se dará fora de uma hierarquia social (Alferes), nem do objeto que a simboliza (a farda). Haverá metáfora mais perfeita da condição humana e de sua representação social, sempre à espera do aplauso dos outros? Haverá exemplo mais acabado de uma sociedade que embora proclame o ser como meta da vida, na verdade valoriza unicamente o ter? Existirá representação maior da contemporaneidade do que a imagem de um homem, olhando narcisisticamente no espelho os ícones do poder e do prestígio? Conto: A Chinela Turca Enredo: Um homem está apaixonado por uma mulher, a quem espera encontrar num baile dentro de poucas horas. Quando se prepara para sair, um criado anuncia a visita de um amigo da família, militar aposentado e aprendiz de teatrólogo que lhe pede para ouvir um drama que acaba de escrever. O Março/Abril/2016 |

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bacharel Duarte, o rapaz apaixonado, estremece de raiva, mas não consegue se livrar do intruso que começa a ler o drama, uma peça ultra-romântica, sem nenhuma novidade estética. Enquanto escuta de má-vontade, o personagem adormece e vive a peripécia de se ver acusado pela polícia de ter roubado uma chinela turca, e de ter que ser preso por isto. A perseguição policial termina quando o bacharel acorda e descobre que tudo fora um pesadelo. Análise: A luta entre o mundo interior e o mundo exterior se expressa mais uma vez na concepção estética de Machado. As representações nos ensinam que a verdade pode estar na fuga à realidade. O personagem, apaixonado e impedido de ver sua amada, refugia-se no mundo da fantasia, do imaginário. O pesadelo chega na hora certa, para livrá-lo da dor de se confrontar com a realidade. Ao começar a ouvir o drama que o amigo lê, e na sua opinião uma peça literária sem nenhum valor, o bacharel Duarte recorre ao mundo interior, foge para a esfera do sonho. A realidade é dura, seus projetos estão frustrados por uma força exterior que impede sua felicidade. A solução é refugiar-se num mundo onde tudo pode se realizar, onde tudo se resolve sem a intervenção do homem. Poderíamos viver das verdades nuas e cruas? Saberíamos enfrentar o cotidiano, com seu peso e suas misérias, se não possuíssemos um caminho alternativo? Talvez este conto seja o exemplo mais perfeito de uma sociedade que se alienou e arrastou com ela um homem, não mais o construtor de cultura, mas um ser esmagado e esfacelado por valores medíocres Conto: Noite de Almirante Enredo: Um marinheiro empreende uma grande viagem a bordo de um navio. Antes de partir, sela um pacto de fidelidade com a namorada, aconteça o que acontecer. Ao voltar, ouve dizer que a namorada tem outro amor e ao verificar pessoalmente a verdade, se vê rejeitado definitivamente. Ao regressar ao navio e diante das insinuações dos colegas de que passara uma noite de almirante nos braços de Genoveva, Deolindo sorri e esconde a verdade, preferindo mostrar uma felicidade que não desfrutava. Análise: Noite de Almirante é um dos contos mais significativos da ficção representacional de Machado de Assis. Aqui, mais uma vez, o

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escapismo e a fuga da realidade são tratados com maestria. O marinheiro Deolindo, ao descobrir que mesmo se mantendo fiel durante a longa viagem, fora traído por Genoveva, escolhe a mentira como máscara para a dor de um amor perdido. O final é sintomático da concepção machadiana da sua prosa ficcional, em que a verdade e a mentira estão envoltas na névoa da dúvida, das meias palavras, das coisas ditas pela metade. Deolindo é o símbolo de um dos temas mais caros à obra machadiana: o medo da opinião pública, o medo do julgamento do mundo exterior. O homem não resiste ao veredicto dos outros, é preciso um conjunto de forças, valores, verdades que o imunizem contra a tragédia do cotidiano e das dores morais. Esta imunização é feita pelas representações que nos fazem suportar o estranho, o inesperado, o que não podemos compreender de imediato. Deolindo preferiu fugir ao deboche dos amigos, fazendo-os acreditar que fora feliz nos braços de Genoveva. Conto: Idéias de Canário Enredo: Um homem, Macedo, estudioso dos pássaros, vai a uma loja de antiguidades e lá encontra uma gaiola suja, decrépita como a própria loja, com um canário dentro e inicia um diálogo com a ave. Levando-o para casa, o homem descobre que o pássaro tem da vida uma representação profundamente rasteira, sem nenhum toque de metafísica, de saudosismo ou de reconhecimento pelos lugares em que viveu. Análise: É possível que em nenhum conto machadiano esteja tão presente a teoria de Shoppenhauer sobre o mundo. A expressão estética do Bruxo do Cosme Velho realiza-se à perfeição nesta história, escrita com toques de surrealismo, traduzido no diálogo entre o personagem e o canário. O mundo como vontade e representação parece ser o eixo do conto. Uma vontade cega impulsiona a vida e nós só temos desta uma representação cotidiana, mesquinha, primária. O canário está na gaiola, mas não lembra nada do céu azul do tempo da liberdade. Ao ser aprisionado, sua vida e sua impressão da existência é descrever a gaiola em que está. Levado para a chácara de Macedo, o canário descreve o universo como sendo o limite do espaço em que vive. Ao fugir da gaiola e da chácara, encontra novamente seu dono, e define o mundo em que vive como “um espaço infinito e azul, com o céu por cima”. Por

fim, indagado se ainda se lembrava da loja de antiguidades na qual fora comprado, o pássaro responde perguntando se existe mesmo lojas de antiguidades. Idéias de Canário é uma metáfora da condição humana do ser que não consegue superar as representações do cotidiano, e que é incapaz de se elevar acima das misérias da existência. Sofrer ou se alegrar, viver ou morrer, desfrutar da abundância ou estar na miséria, se situam na mesma esfera da indiferença e da mediocridade desta vida sem sentido, desta caminhada impulsionada por uma misteriosa e vaga vontade de se afirmar. Haverá concepção mais shopenhauriana do que esta? O homem vive na esfera do senso comum, das verdades estabelecidas, da acomodação, caminhando sem buscar sentido para a vida. Conto: Uns Braços Enredo: Um adolescente, Inácio, mora na casa dos padrinhos, para aprender a arte de trabalhar nos cartórios. É tratado com rudeza, sobretudo pelo dono da casa, mas suporta tudo para poder ver os braços da madrinha, que para ele é um verdadeiro bálsamo da sua vida desinteressante. Com o passar dos dias, a dona da casa percebe que é desejada e começa a despertar no adolescente, sentimentos confusos e conflitantes. Até que um dia os dois sem querer, realizam seus sonhos. Análise: Neste conto, Machado está no pleno domínio de sua técnica narrativa, fazendo uma verdadeira devassa nos porões da alma. Inácio é um adolescente universal, possuidor de todos os desejos, e despertando para a sexualidade com toda a força e vigor, embora voltado para um objeto proibido. Do mesmo modo, D. Severina, a madrinha por quem Inácio se apaixona, percebe os olhares do afilhado e de alguma forma alimenta seus devaneios. Aqui intervêm as representações que Machado faz da mulher. D. Severina é fiel ao marido, mas ao mesmo tempo sucumbe ao erotismo, ao querer-não-querer, ao jogo da sedução, aos gestos ambíguos. Quando numa tarde de domingo, a mulher vê Inácio dormindo numa rede, o desejo é mais forte e ela cola seus lábios aos dele, recuando aterrorizada, em seguida, numa crise de consciência. Ao mesmo tempo, o adolescente estava sonhando que a madrinha o beijava, e as duas bocas se fundem numa só, uma sensação que acompanha o rapazinho pelo resto da vida, mesmo que


pense que se enganou e que jamais esse beijo aconteceu. Pela vida afora, os braços e o beijo de D. Severina foram um bálsamo que aliviou sua existência, mesmo que tenha vivido amores mais longos e efetivos. A imaginação vencera a monotonia do cotidiano. D. Severina é o retrato da mulher que Machado tantas vezes pintou, como Sofia de “Quincas Borba” e Virgília de “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, ambígua, prometendo e negando, afirmando e negando. Conto: Missa do Galo Enredo: Um rapaz vive na casa de um parente casado com uma mulher simpática e acomodada. Numa véspera de Natal, enquanto espera um amigo com o qual irá à Missa do Galo, começa a leitura de um livro, até que a mulher do parente, Conceição, aparece na sala e se inicia então um dos diálogos mais enigmáticos da prosa machadiana e provavelmente da prosa brasileira. O jogo de palavras, de meios gestos, de evasivas, de avanços e recuos, conduz toda a conversa. Nogueira, este é o nome do personagem, vive momentos de enlevo, medo, romantismo, até que seu colega o chama para a Missa do Galo. Análise: Estamos, sem dúvida, diante do conto mais erótico de nossa literatura. Mas em Machado, especialmente nesta história, o erotismo é uma representação, um despistamento, uma coisa velada, jamais a expressão direta de um desejo. Se no conto anteriormente analisado, “Uns Braços”, o erotismo irrompe de maneira mais explícita, seja no adolescente Inácio, seja em sua madrinha, Severina, em “Missa do Galo” há um recuo, pois o desejo e a sexualidade não aparecem em pensamentos, gestos, palavras claras, mas num conjunto de atitu-

des e meias verdades. Para o adolescente, a mulher que está à sua frente convida-o a um mundo diferente, e é a mesma mulher que nada lhe desperta durante o dia. O diálogo entre Nogueira e Conceição é uma obra-prima deste modo machadiano de contar uma história. Se durante o dia Conceição era uma mulher comum, perfeitamente adaptada à vida caseira, na véspera de Natal se transforma e aparece aos olhos do jovem como uma figura insidiosa, perigosa, tentando por todos os meios, estabelecer uma relação ambígua com ele. Aqui o apelo representacional de Machado é evidente, como já tentamos demonstrar nos contos já estudados. O melhor da vida não está na realidade cotidiana, freqüentemente dura e desprovida de graça, mas num plano de alheamento que nos transporta à fantasia e ao devaneio. Aquela mulher insípida e comum se faz bonita, desejada, erótica. As representações nos ajudam a viver e a aceitar o estranho e o diferente, pois necessitamos de um mundo de fantasia e devaneio. Se na história “uns braços” as duas vontades se unem, em “Missa do Galo” a mulher é a sedutora, é ela quem inicia os jogos de amor, é ela quem atrai e convida para o caminho do erotismo. Neste conto, certamente, Machado se supera, e erige o imaginário, como o motor do erotismo, não do erotismo barato, mas de um sentimento que faz do encontro entre duas pessoas, mesmo se são um adulto e um adolescente, um motivo de emoção. 7. CONCLUSÃO Tentamos mostrar neste trabalho, como a teoria das representações sociais é um instrumento de trabalho que pode ser utilizado na compreensão de múltiplas realidades. Os seis contos de Machado de Assis, que analisamos, colocam-se sob o foco da posição teórica de Sérge Moscovici e seguidores. Nosso objetivo foi não tanto as concepções estéticas machadianas, mas sua visão da vida e do mundo. Detectamos também, nas histórias estudadas, uma forte

influencia do filósofo alemão Artur Shoppenhauer e em menor escala de Frederich Nietzche. De Shoppenhauer, Machado herdou o ceticismo sobre as ações do homem sobre a terra. A existência humana não passa do cumprimento de uma vontade cega e sem sentido e o universo não transcende o plano da representação. De Nietzche, utiliza seu super-homem, mas no sentido contrário. Somos apenas caricaturas das virtudes, do bem, da boa consciência. Na realidade, somos o anti-superhomem, sem rumo e sem finalidade. Se sobrevivemos e suportamos a vida, o fazemos porque temos sempre uma válvula de escape e conseguimos fugir pela representação que nos livra da miséria do cotidiano. Sem as representações estaríamos ainda mais acorrentados, mais escravos da existência e do cotidiano. As representações sociais nos ajudam a integrar o novo no velho, o desconhecido no conhecido, o diferente no conhecido. Elas são ao mesmo tempo, suporte e adesão. Sem elas, o mundo seria demasiadamente pesado para ser compreendido. Precisamos de um conjunto de idéias e valores que nos coloquem em sintonia com a existência física e social. Se aceitamos a dor, a miséria, o sofrimento, a escassez e a carência, é porque temos uma couraça que nos protege contra tudo isto e nos dá um mínimo de coerência à nossa vida. Os contos analisados nos revelam que os personagens machadianos se valem do imaginário e do sonho para a aceitação de uma realidade nem sempre fácil de aceitar. Talvez nenhuma passagem seja tão sintomática das representações em Machado de Assis quanto o final da narrativa “Noite de Almirante”. Ao descobrir a traição da mulher que jurara jamais esquecê-lo, Deolindo esconde a verdade aos amigos que por ela perguntavam: “Ele respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um sorriso de pessoa que viveu uma grande noite. Parece que teve vergonha da realidade e preferiu mentir”. Haverá maior anti-herói do que este? g

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MOSCOVICI, Serge. A Representação Social da Psicanálise: sua imagem e seu público. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. MADEIRA, Margot Campos. L’Aspiration dês Analphats Adultes à l’éducation: étude de cas d’un graupe de migrants du nord-est du Brésil à Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Paris, 1982. CARVALHO, Célia Maria Costa de. Representação de Professores da 1ª Série do 1º Grau dês Escolas de Periferias: estudo de caso. São Paulo: USP, Tese de Doutorado, 1983. ALLOUFA, Jomária Mota de Lima. Le Mythe Technologique: étude de répresentations de la technologie appliquée à l’èducations chez utilisetems aux nord-est du Brésil. Paris: Université de Paris X – Nanterre. Tese de Doutorado, 1986. GOMES, Gerusa de Mendonça. A Experiência do Vazio: significado da educação para migrantes de retorno em Pernambuco. Recife: FUNDAJ, Massangana, 1990. PEDRA, José Alberto. Currículo, Conhecimentos e suas Representações. Campinas,São Paulo: Papirus, 1997. MAROJA JALES, Otaviana. Representacões Sociais de Crianças sobre Professoras: o reverso da medalha. Natal: UFRN. Tese de Doutorado, 1985. NIETZCH, Frederich. Assim Falava Zaratrustra. São Paulo: Ediouro, 1985. SCHOPENHAUER, Artur. O Mundo como vontade e representação. São Paulo: Ediouro, 1983. Março/Abril/2016 |

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TURISMO EM DUBAI, NAS ALTURAS Eliane Dutra Fernandes

A CIDADE

Viajar e fazer turismo é um deslumbre, desde o planejar a viagem, incluindo a expectativa que se cria em torno dela. Dubai foi a escolhida, para apresentar aos leitores, na nossa percepção, sua cultura, beleza e luxo, Por localizar-se próxima ao Trópico de Câncer seu clima é quente e árido, a região é de deserto com suas áreas características. Dubai é uma cidade moderna, bonita, que teve sua origem a partir de 1830. Possui grandes Centros Comerciais, muitas lojas e hotéis de luxo. Até 1971, os Emirados Árabes, em número de 7, (Abu Dhabi, Sharjah, Ajman, Umm AL Quwain, Ras al-Khaimah, Fujairah e Dubai) eram conhecidos como Estados da Trégua. Com a sua unificação, passaram a formar os Emirados Árabes Unidos, constituindo um dos países mais desenvolvidos do mundo, economicamente, possuindo a sexta maior reserva de petróleo e sobressaindo-se como um dos mais ricos países por produto interno bruto. A capital Federal fica implantada no emirado de Abu Dhabi. Dos Emirados Árabes, Dubai é o mais famoso, porém não é o mais rico, nem o que tem mais poder. A capital dos emirados, Abu Dhab, é onde se concentra a maior riqueza advinda do petróleo e possui a maior população. Dubai fica na segunda ordem, apresentando grande atração e expansão no campo turístico, justificada pela decadência do Petróleo nesse Emirado No setor religioso, permitem-se várias crenças, sem nenhuma proibição. Há locais apropriados para orações cristãs, hindus e sikhs. Tanto Dubai como Abu Dhabi, tem suas bases culturais e sociais, arraigadas no Islã, e regras ditadas pelo Islamismo, religião oficial do país. Surpreende, logo que se chega a Dubai, o seu Aeroporto que chama a atenção não só pela comodidade, como também pela beleza e luxo. Viajamos pela Emirates, uma

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Hotel Burj Al Arab, à esquerda

empresa criada pelo governo de Dubai, hoje independente, cujas aeronaves são dotadas de cadeiras confortáveis, maior espaço para os passageiros e monitor disponibilizado para cada um deles, através dos quais pode-se assistir filmes, praticar jogos eletrônicos, acompanhar o avião em sua rota. Pode-se fazer compras no Duty Free de bordo, onde o passageiro encontra produtos interessantes, tais como, perfumes, relógios, brincos e outros. Os edifícios em Dubai são imensos e modernos, podendo-se ver de longe o mais

alto do mundo, que é o Burj Khalifa. O outro agigantado é o Hotel Burj Al Arab, um 7 estrelas, considerado o mais luxuoso do mundo, um ícone para Dubai, conhecido também como hotel Vela, pelo seu formato representando um tradicional barco da região, o Dhow. Entre as várias construções, edifícios, lojas e mercados, vale a pena conhecer o que eles chamam de souks (mercados árabes), os Shoppings, Mesquitas, Museus, Palácios e outros


Monumentos Históricos, ou apreciar a beleza e modernidade arquitetônica da cidade, incluindo a fantástica Palmeira Jumeirah, ilhas artificiais. A Palm Jumeirah, é uma das três ilhas que formam o arquipélago artificial em forma de palmeira e a menor delas. Esta ilha em forma de uma palmeira, contém um tronco, uma coroa com 17 copas e uma ilha circundante, que vem a formar uma barreira às ondas. Toda essa área abriga residências, hotéis magníficos, restaurantes e bares. Vista de cima, principalmente, entende-se o desafio que foi, o seu planejamento e construção.

Aquário no Shopping Dubai Mall

DUBAI MUSEUM

A visita ao Museu de Dubai é bastante interessante. Por não ser muito grande temos tempo para explorá-lo ao máximo. Ele apresenta o modo de vida tradicional do Emirado de Dubai, projetado em grandes paredes, mostrando a vida como era antes do advento do petróleo, e montagens de cenas, com figuras, representando suas atividades, como eles viviam, suas dificuldades e extrema pobreza. O que impressiona são essas figuras humanas, verdadeiras obras de arte, parecendo reais aos olhos do visitante, mesmo vistas de perto.

SHOPPING DUBAI MALL

Dentre os pontos turísticos mais destacados encontra-se o Shopping Dubai Mall, localizado próximo ao Burj Khalifa e considerado o maior do mundo. Sua visita é indispensável a qualquer turista. O Shopping possui cerca de 1200 lojas, 150 restaurantes e entretenimentos. Surpreendente é o aquário, um dos maiores do mundo, no centro desse shopping. A visão é magnífica, com vários tubarões, raias e outros tantos animais marinhos. Dizem ter mais de 85 espécies. Vemos nele também, pessoas que entram com equipamentos próprios, para vivenciarem, nesse espaço simulado do fundo do mar, momentos de emoção, junto a esses animais. O Shoping ainda oferece pistas de patinação no gelo e outros entretenimentos para crianças. Fora do shopping assistimos uma apresentação conhecida como Show das águas. São diversas fontes luminosas, que empolgam com suas águas jorrando, em dança, ao som de belos musicais, sobre uma lagoa artificial

MERCADO DE COMPRAS EM DUBAI

Aspecto do Museu de Dubai

tante subir até o Deck de observação, no andar 124, cujas paredes são de vidro, dando a possibilidade de bela vista da cidade. Podem-se comprar também souvenirs, a exemplo de miniaturas do Burj Khalifa, almofadas, canetas, tudo caracterizando o edifício e a região. O Burj Khalifa abraça um complexo comercial e residencial, possuindo também um hotel nas suas dependências. Localiza-se ele ao lado das duas avenidas principais de Dubai, a Sheikh Zayed Road e a Financial Center Road.

Para quem entende o comércio do ouro e deseja comprar, Dubai é bem convidativa. Encontramos ouro de 18, 22 e 24 quilates, de um amarelo que encandeia. Como tudo que é grande em Dubai, assim também é o seu mercado de ouro, com muitas lojas. As jóias são lindíssimas, inclusive muitas delas de preços altos, pelo seu valor material, constando pedras preciosas e belíssimas. Para quem tem tempo, dinheiro e habilidades para negociar, certamente encontrará jóias bonitas e em preços acessíveis Vislumbra-se também o anel maior do mundo, pesando 64 kg, exposto em uma vitrine de vidro, de forma admirável. Dizem que esse anel foi fabricado na Arábia Saudita. Fora o ouro, a ele são incrustados cristais Swarovski. Seu tamanho mede 2,2 metros de perímetro e quase meio metro de diâmetro. É uma peça lindíssima Passeamos no meio de muitas correntes de ouro, braceletes, safiras, rubis e muitas

O BURJ KHALIFA

Burj Khalifa, é considerado o edifício mais alto do mundo. Sua altura é de 824 metros e tem-se a oportunidade de como visi-

Edifício Burj Khalifa, o mais alto do mundo

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Show das águas

outras pedras preciosas. Às vezes temos a sensação de querer correr dali. É tudo demais. Dizem ser um comércio muito fortalecido e confiável, mas recomenda-se saber a cotação do ouro, em fontes seguras.

DESERTO

O passeio nas dunas do deserto é por demais excitante, tem-se a oportunidade de assistir o por do sol, sobre as areias douradas. Existe a oportunidade de conhecer e vivenciar um acampamento no deserto, onde uma recepção árabe tradicional é oferecida. Nesse espaço do deserto pode-se andar de camelo e ter a sensação de ficar junto a um falcão dando a sua mão para ele pousar; participar de um jantar, de comida árabe; fumar o cachimbo d´água, sentar ao ar livre, em ambiente com o chão coberto de tapetes e grandes almofadas com mesinhas baixas, conversar e assistir a dança do ventre.

RIO CREECK

O passeio de barco pelo rio Creek em Dubai é imperdível pela bela vista da cidade a apreciar. É divertido, proporciona leveza d´alma e o sentimento de que navegamos pela cultura de Dubai, com as águas que correm levando o tempo e trazendo outros a cada momento

ABU DHABI

Não podemos deixar de citar Abu Dhabi, pela sua importância política. Abu Dhabi como já dissemos anteriormente, é a capital dos Emirados Árabes Unidos, tem litoral bem extenso, cobrindo uma área de 400 quilômetros. Em Abu Dhabi têm sede o Governo Federal, os Ministérios e Embaixadas, a maioria das companhias de Petróleo e as instalações de radiodifusão e onde reside também o líder político do emi-

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Passeio pelo deserto


Mesquita Sheikh Zayed em Abu Dhabi

rados. É um lugar muito bonito, e de grandes espaços. Temos ai a oportunidade de visitar uma grande Mesquita, a maior do pais e uma das maiores e mais belas do mundo, conhecida como Mesquita de Sheikh Zayed. O guia nos avisa que não podemos entrar na Mesquita com roupas que mostrem as pernas ou que sejam de tecidos finos ou mesmo apertadas. As mulheres têm que estar de pano na cabeça e muito compostas. Adentra-se na Mesquita e já percebe-se a sua beleza. Um enorme tapete e um grande lustre, chamam logo a atenção. O tapete, que cobre todo o piso, tem cerca de cinco mil metros quadrados. As paredes e o teto têm versos do Corão, apresentando-se em três tipos de caligrafia. Dizem que o pátio possui mais de mil colunas, com belíssimos mosaicos e a Mesquita em mármore. Este passeio de ABU DHABI é imperdível e a distância de Dubai a esse tão importante emirado se faz em menos de uma hora de carro. A grandiosidade de Dubai leva-nos a sonhar grande e nela aproveitar umas boas férias. O melhor período para visitá-la é de outubro a abril. No verão, Dubai chega a alcançar até 49º C de junho a agosto. Dubai tem a fama de que lá tudo é possível. Boa viagem!

Mesquita Sheikh Zayed em Abu Dhabi.

Passeio pelo rio Creek

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MEMÓRIA ÚLTIMA REVELAÇÃO Chico Viana

A febre não passava. Vinha com calafrios, tosse, dores nas costas. Bem que ele não deveria ter comparecido ao enterro de João Lourenço Ferreira de Lacerda. Chovia muito, e já estava gripado. Ester o prevenira de que poderia contrair pneumonia ou coisa pior. Ele tinha consciência de que se arriscava, mas não poderia deixar de prestigiar a memória de um patriarca de Leopoldina, cidade que o havia recebido como a um filho. Se não fosse, sentiria remorsos (a velha culpa o espreitava a propósito de tudo!). Soaria como ingratidão, que sempre lhe pareceu o pior dos sentimentos humanos. Fora ao enterro e voltara febril. Nesse estado, também contra os conselhos da mulher, deu aulas à tarde e à noite. Não poderia faltar, pois sempre teve em alta conta o cumprimento do dever. O resultado foi mesmo uma pneumonia, conforme diagnosticara o Dr. Custódio Junqueira, que cuidava dele em companhia de três colegas e do farmacêutico João de Moura. Os médicos lhe aplicaram compressas, fizeram lavagens intestinais, deram injeções de electrargol e óleo canforado, mas a febre não cedia. Augusto percebeu que a moléstia começava a enfraquecê-lo e pensou seriamente na morte. A “costureira funerária”, que tanto cantou em versos, parecia agora querer confeccionar sua mortalha. Vinha numa fase de “quietismo absoluto”, quando a segurança do emprego fixo e o acolhimento da cidade mineira lhe propiciavam a tranquilidade de que precisava para estudar e, sobretudo, fazer seus versos. Não tinha medo da morte, no fundo sempre aspirara a esse nirvana. Costumava pensar nela como uma pátria homogênea, em que cessam todos os contrastes e o coração humano pode, enfim, gozar do justo repouso. O que lamentava era deixar este mundo com pouco mais de 30 anos, quando ainda sentia borbulhar a fonte que alimentava o seu talento. Imagens e ritmos

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povoavam-lhe o cérebro com uma intensidade que muitas vezes o fizera perder o sono ou vagar pelos cômodos da casa com uma estranha vontade de chorar. Sentia que ainda não havia concluído a sua missão. Pensando nisso, adormeceu e teve um sonho. Geralmente sonhava pouco, como se os devaneios poéticos lhe esgotassem o reservatório do inconsciente. Seus sonhos eram blocos negros, imagens sem contorno, de que não se recordava no dia seguinte. Dessa vez foi diferente. Viu um pássaro, que parecia um corrupião ou um urubu, pousado num dos galhos do velho tamarindo do Engenho Pau d’Arco. Aproximava-se do tronco e o abraçava, como se com isto fosse possível enxotar a ave. Mas ela permanecia imóvel, olhando-o ameaçadoramente. Depois emitia um som rouco, e já não era corrupião nem urubu, mas um corvo. Como nos versos de Poe, ele lhe dizia: “Nunca mais!”. Acordou ainda ouvindo os pios, que pareciam ditar-lhe a sentença de morte, e se lembrou da velha árvore. Sob seus galhos havia passado intermináveis momentos de tristeza e apreensão, imaginando o que lhe reservava o futuro. E também de consolo, sob o afago dos ramos generosos. Sonhava ser enterrado embaixo do tamarindo, que lhe lembrava seu pai, mas percebia agora que isto seria impossível. Iria mesmo para o cemitério de Leopoldina. Quem sabe um dia não trariam da Paraíba sementes da velha árvore para plantar em volta do seu túmulo? Essa perspectiva o apaziguou. Imaginou as sementes frutificando, o tronco emergindo da terra, os galhos descendo e formando a copa sob a qual repousaria seu corpo. E o organismo vegetal penetrando a matéria que dera suporte ao seu espírito, numa forma de comunhão com a Natureza. Cansado, pediu a João de Moura o espelhinho em que costumava se contemplar. Passava minutos se olhando, numa perscrutação semelhante à que, em outro plano,

submetia o cérebro até exauri-lo. Miravase no espelhinho e não se via. Ou, melhor, via uma Sombra, que parecia acompanhá-lo desde tempos imemoriais. E lá estava Ela de novo, contemplando-o enigmática, devolvendo-lhe o negror. Naquela fosca imagem do seu rosto, como num lúgubre negativo, parecia concentrar-se o resumo de tudo quanto ele indagara e ficara sem resposta. Compreender o mundo era sobretudo compreender a si mesmo. Quando enfim conseguiria se ver? Haveria algum meio de pôr fim às indagações que tanto o torturaram? Aos poucos a resposta foi se formando em seu cérebro. Algo lhe falava, e não era a Sombra, mas um Número – o último de uma sequência de incontáveis abstrações. Parecia vir do estertor das ideias, e não tinha forma. Augusto tentou pegar papel e lápis para captar essa última revelação, mas não teve forças. Pediu então ajuda a João de Moura, que se acercou da cama e foi anotando o que o moribundo lhe ditava:

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado, a Ideia estertorava-se... No fundo Do meu entendimento moribundo Jazia o último Número cansado. Era de vê-lo imóvel, resignado, Tragicamente de si mesmo oriundo, Fora da sucessão, estranho ao mundo, Como o reflexo fúnebre do Incriado. Bradei: -- Que fazes ainda no meu crânio? E o Último Número, atro e subterrâneo, Parecia dizer-me: “É tarde, amigo! Pois que a minha autogênita grandeza Nunca vibrou em tua língua presa, Não te abandono mais! Morro contigo!


HOMENAGEM ORAÇÃO DA MEDALHA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO CEARÁ Paulo Bonavides

Ao receber esta Medalha que tanto me desvanece, apraz-me manifestar aos promotores da homenagem meu reconhecimento diante de tão excelsa distinção, de que me fez alvo a vossa generosidade. Tenho por tribunais como este o mais elevado apreço porque os considero órgãos altamente capacitados a coadjuvar o combate à corrupção na administração pública. Com efeito, crescem eles de relevância, criados que foram para fiscalizar e controlar a gerência das finanças e dos orçamentos estaduais, mormente no momento histórico em que se busca mobilizar o Estado e a sociedade para debelar a crise ética do poder; crise que afeta e aflige a nação e quebranta a confiança dos governados nos governantes. Crise que toma proporções de cataclismo moral, pode comprometer o porvir das gerações e alargar a visão pessimista nos horizontes da polis. A crise ameaça também nos transformar em país que deixaria de ser, caso perdurem tais males, aquele do prognóstico célebre de Stefan Zweig, ou seja, o país do futuro, para se transmutar noutro, bem diferente, a saber, o da imagem negativa e sombria envolta na acidez crítica do general De Gaulle quando disse que o Brasil não é um país sério. Trata-se de crise endêmica, profunda, arraigada. Tão profunda e preocupante que, prolongada por mais alguns anos, provavelmente se estenderá a todos os poderes da república, abrangendo, do mesmo passo, o próprio sistema constitucional restaurado nos alicerces de legitimidade da Constituição de 1988. O povo brasileiro, povo bravo e sofredor, vítima da escravidão e do colonialismo de três séculos, saberá porém resistir,

e nas lutas sociais de sua emancipação, não perderá a batalha do futuro. Assim, por haver profetizado o porvir, o austríaco Stefan Zweig terá prevalecido sobre o francês De Gaulle, que pressagiava a nossa ruína. As parcelas contaminadas da classe política não disporão portanto do nosso destino para fazer-nos regredir ao passado, desferindo golpes de Estado, instaurando ditaduras, decretando atos institucionais. As nuvens da tormenta se dissiparão, e o caos político, econômico e social, que nos assedia como nunca, será tão somente uma página dobrada nos fastos da nacionalidade. Poder-se-á então dizer que todo esse trauma das instituições no Brasil contemporâneo é por igual obra dum presidencialismo nefasto e amargo, responsável do colapso de três repúblicas na história política da América portuguesa desde a queda do Império. Sempre professamos, minhas senhoras e meus senhores, a doutrina do Estado social. Foi ela, invariavelmente, ao percurso de algumas décadas, a bandeira da liberdade na didática constitucional da cátedra que conquistamos e da obra que escrevemos. Exercitamos o magistério superior por muitos anos, e o fizemos com a consciência, o pensamento, o patriotismo e a compreensão duma docência volvida para o dever republicano de fidelidade às origens, às proposições e às linhas doutrinárias do pluralismo democrático, da soberania popular, do constitucionalismo social, dos direitos fundamentais, dos direitos do homem em suas múltiplas variantes e dimensões. Dessa fórmula de organização do

modelo institucional de governo, nunca nos afastamos, porquanto consagra ele, a nosso ver, os foros de proteção à dignidade da pessoa humana, que é o princípio dos princípios. Disso dão testemunho os discípulos que cursaram as nossas aulas do bacharelado e da pós-graduação, bem como aqueles que, noutros auditórios, em universidades nacionais e estrangeiras, nos ouviram conjugar o verbo da nossa fé e do nosso ardor na pregação e difusão do ideal de justiça, de liberdade, de democracia, sem o qual a civilização não caminha e a humanidade só padece quedas e retrocessos. A esta altura, não podemos fechar a oração, que já vai longa, sem primeiro reiterarmos quanto nos penhora o galardão outorgado, quanto nos é grata também a presença aqui, ao nosso lado, de um jurista douto e brilhante, aplaudido e respeitado no meio jurídico brasileiro e latino-americano. Refiro-me ao Professor Juarez Freitas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que hoje profere conferência nesta casa e a quem dirijo afetuosas saudações de velha amizade e admiração. Por conclusão, cumprimento os eminentes Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Ceará na pessoa de seu digno Presidente o Conselheiro Edilberto Pontes Lima, bem como o Procurador Geral do Ministério Público Especial Dr. Eduardo de Sousa Lemos. Exprimo, em suma, com a voz da alma e do coração, todo o sentimento que neste ato solene me anima e comove, e assim vos digo penhoradamente: Muito obrigado!

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PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

DISCURSO DE POSSE Ariano Suassuna

Certa vez, num artigo publicado sobre Romance d’A Pedra do Reino, Hélio Pólvora afirmou: No caso de Suassuna, a identificação entre o homem e a obra parece tão siamesa que o fluxo popular do seu teatro [...] e do seu romance não pode ser acoimado de atitude. Atitudes seriam, e menos graves, certas brincadeiras ou liberdades que o escritor toma em público, com o fito evidente de prolongar em sua pessoa o mito da obra. É difícil julgar-me a mim próprio, mas, pelo menos até onde vejo, certas atitudes que tomo em público não são brincadeiras. Pelo contrário. Em algumas ocasiões lanço mão do riso para me defender, porque, como sertanejo, não gosto de ser visto dominado pela emoção. Assim, desisti de um primeiro discurso que cheguei a escrever. Ele penetrava de tal modo nas zonas de sombra da minha vida que eu não teria coragem para resistir à sua leitura. Vou ver, então, se, com este, permanecendo fiel ao que julgo ser a minha verdade, consigo ser mais impessoal e manter um certo distanciamento entre minha vida e minhas palavras. Primeiro, não quero que se entenda como desatenção o fato de não ter querido, cercando esta cerimônia, certos acontecimentos que, exatamente por respeito ao essencial, não quis que a perturbassem. Como escritor, lido com imagens, mas quero que, no meu caso, elas correspondam sempre a uma verdade singular e profunda. Por outro lado, não acredito que, na posse daqueles a quem mais admiro aqui, tenha havido qualquer acréscimo desse tipo. Na de Joaquim Nabuco, talvez sim. Na de Euclides da Cunha, creio que não. Sei que minhas dimensões não são as de Euclides da Cunha, mas é à linguagem dele que sempre procurei me filiar. Ora, pelo que li e ouvi a respeito da maneira pela qual me foram entregues, no Recife, as insígnias que passo a usar, notei que tudo estava sendo entendido como uma daquelas atitudes menos graves referidas

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por Hélio Pólvora. O equívoco parte de um desentendimento fundamental: aquilo que é sério e grave para mim nem sempre é o mesmo que para os outros. Um dia, lendo Alfredo Bosi, encontrei uma distinção feita por Machado de Assis e que é indispensável para se entender o processo histórico brasileiro. Ele critica atos do nosso mau Governo e coisas da nossa má Política. Mostra-se ácido e amargo com uns e outras e depois explica: “Não é desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu País. O ‘país real’, esse é bom, revela os melhores instintos. Mas o ‘país oficial’, esse é caricato e burlesco. Quando eu quis que o uniforme que uso agora fosse feito por uma costureira e uma bordadeira do Recife, Edite Minervina e Cicy Ferreira, estava levando em conta a distinção estabelecida por Machado de Assis e uma frase de Ghandi que li aí por 1980, e que me impressionou profundamente. Dizia ele que um indiano verdadeiro e sincero, mas pertencente a uma das duas classes mais poderosas de seu país, não deveria nunca vestir uma roupa feita pelos ingleses. Primeiro, porque estaria se acumpliciando com os invasores. Depois, porque estaria, com isso, tirando das mulheres pobres da Índia um dos poucos mercados de trabalho que ainda lhes restavam. A partir daí, passei a usar somente roupas feitas por uma costureira popular e que correspondessem a uma espécie de média do uniforme de trabalho do brasileiro comum. Não digo que fiz um voto, que é coisa mais séria e mais alta colocada nas dimensões de um profeta, como Gandhi, ou de um monge, como D. Marcos Barbosa. Não fiz um voto; digamos que passei a manter um propósito. Não pretendo passar pelo que não sou. Egresso do patriarcado rural derrotado pela burguesia urbana de 1889, 1930 e 1964, ingressei no patriciado das cidades como o escritor e professor que sempre fui. Continuo, portanto, a integrar uma daquelas classes poderosas, às quais fazia Gandhi a

sua recomendação. Sei, perfeitamente, que não é o fato de me vestir de certa maneira, e não de outra, que vai fazer de mim um camponês pobre. Mas acredito na importância das roupagens para a liturgia, como creio no sentido dos rituais. E queria que minha maneira de vestir indicasse que, como escritor pertencente a um País pobre e a uma sociedade injusta, estou convocado, “a serviço”. Pode até ser que o País objete que não me convocou. Não importa: a roupa e as alpercatas que uso em meu dia a dia são apenas uma indicação do meu desejo de identificar meu trabalho de escritor com aquilo que Machado de Assis chamava o Brasil real e que, para mim, é aquele que habita as favelas urbanas e os arraiais do campo. Voltarei depois a este assunto, de tal modo é ele importante na minha visão do mundo e, em particular na do nosso País, a esta altura submetido a um processo de falsificação, de entrega e vulgarização que, a meu ver, é a impostura mais triste, a traição mais feia que já se tramou contra ele. Para mim, a roupa cotidiana seria, então, a farda comum de escritor brasileiro em missão, a serviço. O uniforme da Academia passava a ser a farda de gala deste escritor distinguido pela honraria, assim como acontece com um figurante de espetáculo popular, que usa calça e camisa nos dias comuns e se veste de rei quando toma parte num “Auto de Guerreiros”. Isto é: eu sempre soube que, se entrasse para a Academia Brasileira, cumpriria os rituais. Mas queria que, no meu caso, a posse se identificasse o mais possível com os rituais do Brasil real. Teve o mesmo sentido a cerimônia na qual, no Recife, a extraordinária cantadora que é Mocinha de Passira me entregou o colar que aqui tenho a honra de receber da minha querida Rachel de Queiroz, assim como recebi a espada aqui entregue por nosso mestre político, Barbosa Lima Sobrinho, do mestre de espetáculos populares, Manuel Salustiano, e de Isaías Leal, aquele que a concebeu e executou, unindo, num só


emblema, o Sertão e o Litoral. Mocinha de Passira significa para mim, para o Brasil e para o nosso povo, o mesmo que Pastora Pavón representava para García Lorca, para a Espanha e para o povo espanhol. Por outro lado, lembro a cada instante que, se o Brasil oficial é dos brancos, do presidente e de seus ministros, o Brasil real é o de Antônio Conselheiro e Mocinha de Passira. Quanto ao discurso que cabe aqui a Marcos Vilaça – aquele que, generosamente, se dispôs a cuidar de tudo na minha escolha para a Academia –, foi feito, o do Recife, pelo Governador Miguel Arraes, que, na ocasião, pronunciou as seguintes palavras: Esta cerimônia tem um significado profundo que talvez escape a uma análise superficial. Ariano Suassuna, eleito para a Academia Brasileira de Letras, recebe aqui, doadas pelo Estado de Pernambuco, as insígnias com as quais vai tomar posse na mais importante Instituição Cultural do nosso País. E recebe-as das mãos dos poetas, dos artistas populares e dos artesãos que as fizeram. Habituado ao discurso político, não sei se vou conseguir expressar sobre o assunto tudo o que desejo. Creio, porém, que o que se passa aqui significa profunda identificação que Ariano Suassuna busca sempre com as raízes culturais do nosso povo. Significa, também, a importância da Cultura para um país que, como o nosso, só pode se transformar em verdadeira nação pela via democrática e popular. Na História recente, existem povos que souberam fazer de suas respectivas culturas instrumentos de luta e de resistência, como aconteceu, entre outros, com o Vietnã e a Argélia. Creio, assim, que a cerimônia que hoje se realiza procura expressar tudo isso sob forma simbólica. Sendo sertanejo, como Ariano Suassuna, não tive dificuldade para identificar o significado de seu gesto. Pelo mesmo motivo, ainda no exílio, ao ler o Romance d’A Pedra do Reino, pude decifrar a enorme carga de símbolos de que ele está carregado. Muitas vezes parei a leitura para refletir sobre o que lera. E pude ver que, nesse romance, todos os símbolos se originam também dessa Cultura do povo. Agora, Ariano Suassuna vai para a Academia, isto é, para a Corte. E ficaria a pergunta sobre se tal fato o afetará, de modo a transformá-lo através de rituais mais da Corte do que do povo. Mas eu, que o conheço, acho que não, pois ele é um inquieto. Um homem que, como todos os que têm sede de justiça, vive a todo momento a busca do conhecimento e da luz.

Outro fato significativo, para o qual não contribuí, mas que também cito com orgulho, foi a decisão tomada pela escola de samba Acadêmicos do Salgueiro de, neste ano da minha posse, fazer seu desfile fundamentado no Romance d’A Pedra do Reino. Na mesma linha de fusão da cultura popular com a erudita, este romance acaba num sonho no qual o personagem, Quaderna, o Decifrador, ao entrar para a Academia, é coroado rei por José de Alencar e Euclides da Cunha, que, no sonho, aparecem vestidos de cavaleiros do cordão-azul e do cordão-encarnado das cavalhadas. O sonho é comum ao autor e ao personagem. Ainda menino, cheguei à arbitrária convicção de que, a 9 de outubro de 1930, eu fora escolhido para ocupar, na vida, uma Cadeira ideal, cujo fundador, meu pai, João Suassuna, escolhera Euclides da Cunha como seu patrono – e este foi um dos motivos mais poderosos entre os que me fizeram aspirar à honra de sentar-me aqui, ao lado de todos. Quanto à Cadeira que vou ocupar na Academia, tem como Patrono Manuel Araújo Porto-Alegre, Barão de Santo Ângelo. Seu fundador foi o Conde Carlos de Laet, a quem se seguem o Barão de Ramiz Galvão, Viriato Correia, Joracy Camargo e Genolino Amado. Todos foram professores e escreveram para o Teatro. Eis a força da tradição verdadeira, aquela na qual não nos limitamos a “cultuar as cinzas dos antepassados”, mas tentamos, sim, “levar adiante a chama imortal que os animava”. No Romance d’A Pedra do Reino existem, já, referências a Porto-Alegre e Carlos de Laet. Quaderna pretende se tornar rei, escrevendo uma obra completa, genial e clássica. Ora, a única obra verdadeiramente completa que ele conhecia era a Antologia Nacional, de Carlos de Laet: tendo textos de todo mundo, tinha todos os estilos. Logo, ele teria que fazer de sua obra uma outra Antologia Nacional. Depois, já no romance seguinte, Quaderna mostra como, ainda criança, era obrigado pelo Professor Minervino a ler e decorar, na Antologia, o começo do poema “Colombo”, de Porto-Alegre. Não podia ele ouvir sem um arrepio a evocação daquele momento em que, como no “Auto de Guerreiros”, lutava o cordão-azul dos ibéricos contra o vermelho dos mouros, ostentando roupagens riquíssimas, decoradas de vidrilhos, cruzes, espelhos e crescentes, que lembravam a ele os da cavalhada. E, coroando tudo, “a sombra de Almansor, banhada em sangue, do poente jazigo em que dormia, se ergue e lá foge ao funeral de um trono que seu braço escudara em cem batalhas”. No meu exemplar da Antologia, de Car-

los de Laet, havia um erro, jazigo “poente” em vez de “poento”. Por isso, sempre que eu, menino, evocava a imagem de Almansor, aquele rei-mouro de cavalhada, ele se erguia de seu poento jazigo e perdia-se, ensanguentado, num céu de crepúsculo que, por causa do erro, eu imaginava semelhante aos esbraseados “pontes” sertanejos descritos por Euclides da Cunha. Acho que todo escritor, quando menino, lendo outro que tenha afinidade com ele, detém-se, assim, diante de certas imagens e palavras, apossa-se delas e as incorpora para sempre a seu universo interior. José de Alencar era 23 anos mais moço do que meu Patrono Porto-Alegre. Posso, então, imaginar que, adolescente, ele tenha lido o começo de “Colombo”, incorporando à profundeza noturna de sua intuição criadora aquela imagem da sombra ensanguentada de Almansor saindo do seu jazigo “poento”, e não simplesmente “poirento”. Foi aí, talvez, que Alencar, tentando levar adiante a chama de Porto-Alegre, assim descreveu a dura paisagem sertaneja: O sertão ainda inculto ostenta a riqueza de sua vária formação geológica. [...] A chapada [...] tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam aquelas regiões no tempo da seca. [...] Pela vasta planura [...] o sol ardentíssimo coa através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que vestem de mortalha lívida e poenta os esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros como uma lúgubre procissão de mortos. Nesta paisagem desolada, domina o vaqueiro, assim descrito por José de Alencar: Vestia [...] um traje completo de couro de veado, curtido à feição de camurça. Compunha-se de véstia e gibão. [...] Instantes depois, corria pelo cerrado. [...] É um dos traços admiráveis da vida do sertanejo essa corrida veloz através das brenhas; ainda mais quando é o vaqueiro a campear uma rês bravia. Nada o retém; por onde passou o mocambeiro lá vai-lhe ao encalço o cavalo e com ele o homem, que parece incorporado ao animal como um centauro. Euclides da Cunha, por sua vez, levando adiante a chama e já transformando a mera intenção de Porto-Alegre em verdadeira garra brasileira, descreve o sertão, segundo a trilha aberta, aí, por José de Alencar. Diz ele: “Novo horizonte geológico reponta. [...] Estiram-se então planuras vastas. À luz crua dos dias sertanejos aqueles cerros aspérrimos rebrilham estonteadoramente, ofuscantes, num irradiar ardentíssimo.” Como em José de Alencar, nestas “planuras” e não “planícies”, nesta paisagem Março/Abril/2016 |

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queimada por um sol “ardentíssimo”, o rei é o vaqueiro, que Euclides da Cunha vê assim: O seu aspecto recorda vagamente, à primeira vista, o de um guerreiro antigo. [...] Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta [...] as vestes são uma armadura. [...] Esta armadura, porém, [...] não rebrilha, ferida pelo sol. É fosca e “poenta”. [...] Mas se uma rês alevantada envereda, esquiva, [...] pela caatinga garranchenta, [...] por onde passa o boi passa o vaqueiro com seu cavalo. Colado no dorso deste, [...] realiza a criação bizarra de um centauro bronco. Conta Euclides da Cunha que, pretendendo escrever Os Sertões e não se considerando um escritor verdadeiramente literário, resolveu modestamente aprender o ofício, o que faria lendo, entre outros, Antônio Vieira e José de Alencar. Assim, acredito até que ele tenha querido imitar o mestre cearense. Mas, na linha da tradição verdadeira, o que fez foi levar adiante a chama dos seus antecessores. A catedral sertaneja que ele ergueu, povoada de balas e ladainhas como a de Canudos, foi, assim, maior e mais bruta do que a capela poenta e neoclássica de Porto-Alegre e o que a igreja romântica de José de Alencar. Maior, mais forte e mais original. Originalidade, ou se tem de nascença ou não se tem de modo nenhum. Mais ainda: “A originalidade só se perdoa quando é involuntária”, afirmação de Joaquim Nabuco, com quem, aqui, estou inteiramente de acordo. Foi de meu pai, João Suassuna, que herdei, entre outras coisas, o amor pelo sertão, principalmente o da Paraíba, e a admiração por Euclides da Cunha. Posso dizer que, como escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária compensação e, ao mesmo tempo, buscando recuperar sua imagem, através da lembrança, dos depoimentos dos outros, das palavras que o pai deixou. Talvez, por causa disso, não posso ler sem emoção o seguinte texto, escrito por João Suassuna sob a influência de Euclides da Cunha: O sertão, a terra luminosa do sol! O amor invencível a esta terra de dor, apego do líquen à rocha do sofrimento, é a fatalidade inelutável do destino de seus filhos. De mim, confesso a nostalgia inconsolável que me mata, quando longe desta incomparável gleba fascinante, extremamente boa e cruamente má. Nem posso sofrer que se maldiga do seu sol, desse sol que é a coroa radiante do nos-

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so martírio, mas que também envolve, nas “bolandeiras” irisadas dos seus halos, as nossas horas de abastança e alegria. Às vezes, ao fim do dia, a sua corola inflamada de rubores de cobre só anuncia lágrimas a gemidos; é o sanguíneo reflexo da fogueira em que se retorce o sertão. Mas eis que renasce. [...] É que, a desoras, chegou chuva de Deus, “pé d’água” fragoroso, despejado por descargas do abismo imenso dos céus. No entanto, pelo nascente, ninguém “bispara”, ao deitar-se, uma “cabeça de torre”. Zoava o vento leste, acendendo pelo céu sem um farrapo de nuvem o brasido das estrelas. Mas eis que troa e retumba no eco das serranias o ribombar dos trovões. Arfa a terra fumegante. Rabeiam estonteantes, coriscando em serpentinas, relâmpagos de caracol. “Abrem” ao longe. “Pestanejam”, até que os toma o dia. Foi toda a noite de inverno. Eis a terra apocalíptica que eu amo doidamente, a terra do meu berço e do meu túmulo, onde se apura e fixa a Nação Brasileira, guardando com o filão de preciosas tradições a rígida moral dos costumes antigos. Formado ao embalo de palavras como estas, ainda menino escrevi um conto, cuja qualidade literária bem se pode imaginar. Narrava-se, nele, um caso de adultério e vingança que terminava assim: “Dois tiros espocam e os corpos da mulher infiel e de seu cúmplice caem varados pelas balas vingadoras da honra do marido ultrajado. Fora, morria o sol nas colinas acobreadas e poentas das serras do sertão.” Quer dizer: aos 12 anos de idade eu já estava, como ainda hoje, tentando seguir canhestramente a trilha aberta pelo jazigo poento e pela sombra ensanguentada do meu Patrono Porto-Alegre; pela mortalha poenta que, em José de Alencar, coa o sol ardentíssimo sobre a terra abrasada; pelas vastas planuras onde Euclides da Cunha, ofuscado por um irradiar ardentíssimo, via o vaqueiro sertanejo como um centauro e guerreiro antigo; e pela corola, inflamada de rubores de cobre, do sol de João Suassuna. Pode-se então imaginar a emoção com que, anos mais tarde, li, a respeito de Suassuna, as seguintes palavras, nas quais Rachel de Queiroz, evocando o testemunho de seu pai, via o meu como um cavaleiro sertanejo: João Suassuna foi um grande homem. Não o conheci em pessoa: mas em minha casa ele era muito conhecido e amado através de meu pai, que o admirava profundamente. Ele nos falava de um Suassuna que representava a seus olhos a figura do “cavaleiro sem medo e sem mancha” das tradições sertanejas. Sua bravura, sua fidelidade à palavra dada, o heroísmo da sua vida, a tragédia da sua morte faziam de João Suas-

suna uma personalidade épica. Recordo mesmo uma discussão em nossa casa, naqueles tempos apaixonados da guerra na Paraíba, que tanto repercutiam no Brasil inteiro; alguém incluíra o nome de Suassuna numa lista de “políticos” e meu pai se exaltou: – Esse não! Não diga que ele foi um político, assim no meio dos outros! Esse viveu como um herói e morreu como um guerreiro. Jamil Almansur Haddad, não se deixando tocar pela semelhança entre seu segundo nome e o de Almansor, afirma que meu Patrono Porto-Alegre, apesar da busca de uma verdade brasileira, fez, no Colombo, um “longo e enfadonho poema épico cuja eloquência balofa o torna por vezes risível”. Em linha semelhante, Gilberto Amado, integrante desta Academia e irmão de meu companheiro Genolino Amado, reclama contra a eloquência de Euclides da Cunha, falando mal de seu excesso de adjetivos. Curiosamente, porém, no mesmo livro, ao dar um depoimento sobre João Suassuna, de quem foi colega de turma e companheiro de pensão no Recife, Gilberto Amado mostra que também foi marcado por Euclides da Cunha, inclusive no que se refere aos adjetivos. Diz ele: Às vezes eu parava no quarto de Suassuna, sertanejo desconfiado, revesso a toda comunicabilidade, sempre em atitude de defesa. [...] O modo de andar do paraibano [...] era o do sertanejo que para “comer” estrada quase não pisa no chão. Eu não podia vê-lo depois indo para a Faculdade ou na Rua Nova [...] sem o situar nas trilhas “poentas”, nos meandros secos que ele percorrera desde a infância nos chapadões nativos. Marcado por Euclides da Cunha um escritor como Gilberto Amado, não admira que João Suassuna recebesse sua influência. Quanto a mim, confesso que não sou contrário nem à eloquência nem aos adjetivos. Tudo depende da força maior ou menor do escritor. Balzac tinha mau gosto, e aquilo que pode ser um defeito nos menores é apenas uma característica marcante a mais a singularizar o mestre. Por isso, nunca concordei com os que reclamam contra a maneira de escrever de Euclides da Cunha. A meu ver, aquela era a única linguagem capaz de erguer e forjar o áspero universo do sertão que ele não apenas “via”, mas deformava ao recriá-lo em seus arrebatos de visionário, tão semelhantes aos que descreve em Antônio Conselheiro, deformando e recriando também o profeta, a ponto de transformá-lo num personagem. Quaderna poderia seguir adiante em meu lugar, citando autores diferentes e mostrando a influência maior ou menor que cada


um deles teria tido em nossa vida e em nossa formação. Tendo citado Porto-Alegre e Carlos de Laet, falaria no Barão de Ramiz Galvão, bibliotecário e preceptor de príncipes, como o próprio Quaderna. Ramiz Galvão, estudioso infatigável da Cultura Brasileira, foi o responsável pela primeira publicação integral da Prosopopeia, poema do cristão-novo Bento Teixeira, preso em Olinda pela Inquisição em 1594. Dada a importância, senão de sua obra, mas daquilo que a vida e a figura de Bento Teixeira significam para mim, bastaria este fato para tornar Ramiz Galvão merecedor do nosso culto, como sempre dirigido à sua chama, e não a suas cinzas. Escreve ele, sobre o poema de Bento Teixeira, que, apesar de não ser grande o seu merecimento poético, tem ele “alguns versos de inspiração feliz” e “seu valor histórico e bibliográfico não tem contestação possível”, nas palavras de José Antonio Gonsalves de Mello, em seu notável livro mais recente, intitulado Gente da Nação. Depois, Quaderna falaria em Viriato Correia, que também nos impressionou, na infância com a História do Brasil para Crianças e na adolescência com as Novelas Doidas e os Contos do Sertão, entre os quais havia um, anterior a Camus, é claro, mas que, curiosamente, tem um enredo bem semelhante ao da peça O Mal-Entendido. É a história de um rapaz que, saído de casa em criança, volta depois de muito tempo e, não sendo reconhecido, é assassinado pelos pais. E chegaríamos a Joracy Camargo. Ainda menino, no sertão da Paraíba, o palco mágico e festivo do Teatro, com seus violentos contrastes entre recantos sombrios, povoados de assassinatos, e zonas de luz cheias de gargalhadas, todo esse mundo me foi revelado, ao mesmo tempo, pelo circo, onde travei conhecimento com O Terror da Serra Morena e com O Palhaço Gregório; pelo auto popular O Castigo da Soberba, do cantador paraibano Silvino Pirauá; e pela ribalta armada, pelo ator Barreto Júnior, num velho armazém de algodão deliberadamente esvaziado para esse fim. Barreto Júnior, naquela temporada, para mim memorável, encenou a comédia O Grande Marido, o drama A Ladra, de Silvino Lopes, e Deus lhe Pague, de Joracy Camargo. Ora, ainda hoje a “receita” do meu teatro continua a ser essa fórmula, para mim mágica, que entrou em meu sangue na infância com a Comédia Brasileira, o Drama, o Romanceiro, os espetáculos populares e o circo. Ou seja: o palhaço Gregório, Silvino Pirauá, Silvino Lopes, Barreto Júnior e Joracy Camargo. Quanto a Genolino Amado, lembro que Fernando de Azevedo considerava a Cultura Brasileira marcada por duas linhagens de

certo modo opostas: a do “espírito de conquista”, isto é, a sertanista, de Euclides da Cunha, e a do “espírito de civilização”, a urbanista, de Machado de Assis. Na Cadeira que passo a ocupar, eu seria mais da linhagem sertanista; e Genolino Amado, mais da urbana. Se bem que atualmente seja difícil acreditar nisso, antes, a polidez, a clareza, a limpidez resultavam da contenção e do polimento que a cidade imprimia às vigorosas e rústicas qualidades camponesas. Não é por acaso que “polidez” e “polimento” têm a mesma raiz que “polis”, “cidade”. Foi por isso que Genolino Amado escreveu, a respeito do nosso escritor urbano e polido por excelência, que em Machado de Assis, de vez em quando [...] a brasa de uma referência aos braços de uma mulher bonita, ao estremecer de um desejo adolescente, arde num trecho de conto ou de romance. Mas é só. Essa faísca que bastaria para incendiar o matagal de outros [...] logo se apaga na relva orvalhada da prosa machadiana. O seu fulgor é o de um carbúnculo calcado no fundo negro do chão queimado pelos calores da terra, para brilhar depois, milagrosamente transfigurado, na fria luz de um diamante. Sinto-me, assim, ligado a este escritor, marcado como eu pela afetividade familiar que o levou a citar, em seu discurso de posse, a figura de seu pai, seu irmão Gilberto e o primo, Jorge Amado. Fiquei gostando desse escritor que foi sergipano e carioca como eu sou, ao mesmo tempo, sertanejo paraibano e recifense. No Auto da Compadecida, Nossa Senhora afirma que “quem gosta de tristeza é o Diabo”. Em linha semelhante, Genolino Amado escreveu que “os que nunca riem são, em geral, cruéis e inclementes”. São “os inquisidores, os fanáticos, os torturadores, os tiranos”, como nós, aliás, somos forçados a saber, desde a época do pobre cristão-novo Bento Teixeira. Porque, no mundo inteiro, em todos os tempos, inquisidores nos aparecem por todos os lados, sempre dispostos a julgar e condenar os escritores de acordo com seus códigos arbitrários. Sou, ao que acredito, o sexto paraibano a ingressar na Academia, porque parece que Pedro Américo, meu primo e genro de Porto-Alegre, não teve direito à honraria – assim como aconteceu ao maior poeta paraibano, Augusto dos Anjos, até nisso injustiçado pela vida. Considero o “Eu”, do grande poeta do meu Estado, como o equivalente pessoal e lírico da novela épica que é Os Sertões. O livro de Augusto dos Anjos expressou, em termos de áspero subjetivismo e lírica reversa, a prosa da grande gesta de Canudos. Ambos são livros solitários, grandes e “do avesso”. Ambos padecem de cientificismo arrevesado, dissolvido, porém,

nos dois, em universos estranhos e poderosos e numa linguagem que tudo recria, em seu arrebato delirante. Ambos são livros “endaimoniados”, livros “de duende”, para usar expressões platônicas e lorquianas. O duende dos dois é fúnebre. Mas o de Augusto dos Anjos é mais noturno e esverdeado, e o de Euclides da Cunha é mais ensolarado e pardo, o que talvez se deva às próprias diferenças entre a mata e o sertão. O que importa assinalar aqui, porém, é que, depois da distinção feita por Machado de Assis, Euclides da Cunha identificou nossos dois países diferentes através de dois emblemas. O Brasil oficial, ele o viu na Rua do Ouvidor, centro da civilização cosmopolita e falsificada. E o Brasil real, no emblema bruto e poderoso do sertão. João Suassuna, ainda sob influência de tal visão, escreveu: Nós somos um povo sugestionado pela política inferior dos decalques. Essa mania nos tem sido muito prejudicial. Perdemos tempo e gastamos dinheiro colhendo lá fora, para aplicar aqui dentro aquilo que as nossas condições de vida e a nossa educação social estão naturalmente repudiando. [...] Nascido no sertão, tenho por essa zona natural predileção que nunca disfarcei. [...] Quase tudo o que produzimos e possuímos é trabalho da nossa gente rude e boa, forte e sadia, que vive, em dois terços da Paraíba, no vasto e desafogado ambiente saneado pelo sopro ardente das secas. [...] Temos de conseguir que se aliste na vigorosa carreira da lavoura o inútil e anêmico excedente das cidades, de face clorótica e bolso vazio, tristes e enfezados “vencidos da vida”, porque temem o sol e desamam a terra quente e fecunda, onde dormem tesouros perenes, reservados aos que mourejam com brio e coragem. Urge salvar, pela regeneração do trabalho, a onda parasitária. [...] Falo hoje com esta convicção e confiança [...] porque jamais pensei ou agi de outra forma. [...] Sertanejo de nascimento, jamais me deixei seduzir pelo encanto das cidades. [...] Como cidadão, entrei sempre com a parcela do meu esforço, [...] orientando-me por todos os meios contra o “civitismo”, [...] criando, plantando, abrindo estradas, fundando pontes açudes, [...] barrando os boqueirões abertos à passagem dos rios por caudais diluvianos, na visão genial de Euclides da Cunha em seus sonhos de patriotismo. Assim, opondo ao “civitismo”, isto é, ao urbanismo exclusivista, um “sertanismo” não menos radical, Suassuna cometia o mesmo erro de Euclides da Cunha – o de julgar que o Brasil real era somente o do sertão e de não fazer, neste, a mesma distinção que no urbano. Foi talvez este erro de visão que levou João Suassuna a afirmar, noutra ocasião: Março/Abril/2016 |

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Como homem do campo, tenho exercido minhas atividades em lugar onde o operariado ainda não está constituído em sindicatos. Por isso, estou muito pouco a par dos assuntos do Socialismo Moderno e de suas aspirações. Isso, porém, não quer dizer que eu desconheça e seja indiferente às necessidades e reclamações da classe operária. [...] Sou um político que preciso, para sucesso do meu esforço e para me sentir confiante, do arrimo do povo, [...] do aplauso e da solidariedade do povo. É possível que alguma coisa se faça, mas não é provável fazer tudo sem a sagração e o apoio de tão indiscutível soberania. Influenciado por Suassuna e por Euclides da Cunha, passei muito tempo dominado por visão semelhante. Até que, depois de muitos e duros exames de consciência, descobri que, para ser fiel aos dois, eu não deveria me limitar a repeti-los: tinha era que empunhar sua chama e tentar levá-la adiante. O Brasil real teria, na verdade, não um, mas dois emblemas, pois o arraial do sertão tinha seu equivalente urbano na favela da cidade. Se o Brasil real era aquele que habita o arraial e a favela, o Brasil oficial tinha seu símbolo mais expressivo nas federações das indústrias, nas associações comerciais, nos bancos e no palácio onde reinam o presidente e seus ministros. Por outro lado, corrigido o erro, poderia ser levado adiante até o socialismo – e sempre através daquela indiscutível soberania que Suassuna tinha visto no povo – o Pré-Socialismo que um Conselheiro profético estabelecera como centro e ponto de apoio da organização social de Canudos. Com isso, e como não sou marxista, evitava-se aquela política inferior dos decalques, da qual também falava meu pai e fazia-se do arraial messiânico ponto de partida para uma reflexão e uma ação, através das quais se pudesse fundir o que existe de bom no Brasil oficial com o que existe de melhor no Brasil real. É que, como no tempo de Antônio Conselheiro, o Brasil continua dividido e dilacerado naqueles dois países diferentes, o oficial e o real. Qualquer que tenha sido o resultado da mestiçagem, na linha do que tentaram explicar Sílvio Romero, Araripe Júnior, Euclides da Cunha e Gilberto Freyre, ainda hoje o Brasil oficial, o dos poderosos, do presidente e de seus ministros, é integrado por brasileiros de pele mais clara. E o de Antônio Conselheiro e Mocinha de Passira, pelos descendentes mais escuros de negros, índios, europeus pobres e asiáticos pobres. O que houve em Canudos, e continua a acontecer hoje, no campo como nas grandes cidades brasileiras, foi o choque do Brasil oficial e mais claro contra o Brasil real e mais escuro. Ao Brasil mais claro, que não é so-

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mente caricato e burlesco como afirmou um Machado de Assis momentaneamente cego pela justa indignação, pertenciam algumas das melhores figuras do patriciado do tempo de Euclides da Cunha: civis e políticos como Prudente de Moraes ou militares como o General Machado Bittencourt. Bem-intencionados mas cegos, honestos mas equivocados, estavam certos de que o Brasil real de Antônio Conselheiro era um País inimigo que era necessário invadir, assolar e destruir. O civil que começou a reparar este erro doloroso foi Euclides da Cunha. O militar foi o Major Henrique Severiano, grande herói de Canudos, do lado do Exército. Através de sua bela morte, acendeu ele uma chama que, juntamente com a de Euclides da Cunha, temos todos nós – intelectuais, políticos, padres e soldados – o dever de levar fraternalmente adiante. Conta-se, em Os Sertões, sobre o incêndio dos últimos dias de Canudos: O comandante do 25.º [Batalhão], major Henrique Severiano [...] era uma alma belíssima, de valente. Viu em plena refrega uma criança a debater-se entre as chamas. Afrontou-se com o incêndio. Tomou-a nos braços; aconchegou-a do peito – criando com um belo gesto carinhoso, o único traço de heroísmo que houve naquela jornada feroz – e salvou-a. Mas expusera-se. Baqueou, malferido, falecendo poucas horas depois. Este seria o militar simbólico, emblema do verdadeiro soldado brasileiro, capaz de apoiar um movimento em favor do povo, também simbolicamente representado aí por essa criança, iluminada entre as chamas do seu martírio. Euclides da Cunha, formado, como todos nós, pelo Brasil oficial – falsificado e superposto –, saiu de lá como seu fiel e integral adepto, positivista e “modernizante”. E de repente se viu ofuscado, encandeado e perturbado pelo Brasil real de Mocinha de Passira e Antônio Conselheiro. Sua intuição de poeta de gênio e seu nobre caráter de homem de bem colocaram-no imediatamente ao lado dele, para honra e glória sua. Mas a revelação era recente demais, dura demais, espantosa demais. De modo que, entre outros erros e contradições, só lhe ocorreu, além da corajosa denúncia contra o crime, pregar uma modernização que consistiria, finalmente, em conformar o Brasil real pelos moldes da Rua do Ouvidor e do Brasil oficial. Isto é, uma modernização falsificadora e falsa e que, como a que estão tentando fazer agora, é talvez pior do que a invasão declarada. Esta apenas destrói e assola, enquanto a falsa modernização, no campo ou na cidade, descaracteriza, assola, destrói e avilta o povo do Brasil real. Não me coloco hipocritamente fora do Brasil oficial, nem se trata de nos opormos à verdadeira modernidade. Trata-se de recriar as instituições do Brasil oficial de acordo

com a verdade do Brasil real. Assim, lembro apenas que, como fez Euclides da Cunha, sempre que nos descobrirmos no caminho do erro e do processo histórico oficial, devemos obrigar-nos a um exame de consciência tão rigoroso quanto os religiosos, procurando então retomar o caminho real oposto. É o que teremos de fazer a cada instante, se é que desejamos realmente transformar o nosso País numa verdadeira Nação, num Brasil que seja grande e justo, e não apenas vulgar, injusto e falsamente próspero como se vem tentando. Sem êxito à vista, aliás. Atualmente, o que estamos conseguindo é um pacto demoníaco, através do qual vendemos a alma sem nada conseguir para o corpo. Euclides da Cunha – deformado pela Rua do Ouvidor e pelo Palácio, que no tempo dele era o do Catete como hoje é o da Alvorada – partiu de São Paulo para o Nordeste como um cruzado da República positivista e da cidade, que então queria ser francesa como hoje quer ser caricatamente americana. Partiu para ajudar a destruir aquilo que, para ele, era ameaça, barbárie e fanatismo sertanejo – e que, na verdade, era o esboço em bruto da nossa grandeza, da nossa justiça, da nossa futura verdade singular de nação. Fique logo claro que, comparados os dois palácios, existe ainda uma diferença a favor do Catete e contra o da Alvorada, no que se refere à verdade brasileira. Talvez por causa disso, Euclides da Cunha mesmo ofuscado, ao se ver diante do povo brasileiro real, pôde tomar seu lado – e o grande livro que é Os Sertões resultou do choque experimentado ante aquele Brasil brutal, mas verdadeiro, que ele via pela primeira vez em Canudos e que amou com seu sangue e com seu coração, se bem que nunca o tenha compreendido inteiramente com sua cabeça, meio deformada pela falsa Ciência europeia que o Brasil oficial venerava, e ainda venera, como dogma. Quando ele fala com base nesta falsa Ciência, erra. E acerta quando deixa falar sua genial intuição de poeta. A sorte é que aquela pseudociência, enfatuada, pretensiosa e equívoca perde-se no galope épico da ação, no cenário e nos personagens, erguidos e transfigurados pela extraordinária linguagem alegórica, áspera e profética que ele criou. Se queremos, mesmo, encontrar um caminho para nosso País, temos que segui-lo, levando adiante, na medida das forças de cada um, a chama iluminadora daquele que foi e continua a ser a obra fundamental para o entendimento do Brasil. A pedra angular para a futura edificação de nossa Pátria como Nação. Uma nação na qual a cisão atual seja substituída pela indispensável identificação e onde, pela primeira vez em nossa atormentada História, o Brasil oficial se torne expressão do Brasil real. g


TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA (EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 16 DE JUNHO DE 1970)

Art. 1º. A Constituição de 12 de maio de 1967 passa a vigorar com a seguinte redação: A Assembléia Legislativa, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA

TÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO CAPÍTULO I Disposições Preliminares Art. 1º. O Estado da Paraíba, é uma unidade da Federação Brasileira constituída de municípios autônomos e regida por esta Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os princípios estabelecidos na Constituição da República. Parágrafo único. O território do Estado é o da antiga Província, com os limites reconhecidos na legislação em vigor, e a sua Capital é a cidade de João Pessoa. Art. 2º. São Poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. § 1º. Os Poderes do Estado são independentes e harmônicos, sendo vedado a qualquer deles delegar atribuições, salvo as previstas nesta Constituição. § 2º. A investidura na função de um dos Poderes importa, para quem a recebe, na proibição de exercer a de outro. Art. 3º. Incluem-se entre os bens do Estado os lagos em terrenos do seu domínio,os rios que têm nascente e foz em seu território, as ilhas fluviais e lacustres, as terras devolutas não compreendidas entre os bens da União, assim como outros que integrem o seu patrimônio. Art. 4º. São símbolos estaduais a bandeira, o brasão e o hino vigorantes na data da promulgação desta Constituição e outros estabelecidos em lei. CAPÍTULO II Da Competência do Estado Art. 5º. Compete ao Estado, observados os princípios estabelecidos na Constituição do Brasil: I – decretar a Constituição e as leis pelas quais deverá reger-se;

II – prover as necessidades de sua administração; III – exercer todos os poderes que, explícita ou implicitamente, não lhe sejam vedados. Art. 6º. O Estado e os Municípios instituirão e arrecadarão seus tributos, nos limites das respectivas competências, podendo criar incentivos fiscais, nos termos da Constituição do Brasil. Art. 7º. O Estado concederá isenções tributárias de acordo com o disposto na Constituição do República. Art. 8°. É vedado ao Estado: I – criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de qualquer pessoa de direito público interno contra outra; II – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embarcar-lhes o exercício ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público, na forma e nos limites de lei federal, notadamente no setor educacional, assistencial e hospitalar; III – recusar fé aos documentos públicos; IV - instituir ou aumentar tributo, sem que a lei o estabeleça; V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou municipais; VI – instituir imposto sobre: a) o patrimônio da União, dos demais Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; b) os templos de qualquer custo; c) o patrimônio dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei; d) o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão; VII – estabelecer diferença tributária entre bens de qualquer natureza, em razão de sua procedência. Parágrafo único. O disposto no item VI, deste artigo, é extensivo às autarquias, no que se refere ao patrimônio, vinculado às suas finalidades essenciais, ou delas decorrentes, mas não se estende aos serviços públicos concedidos, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto que incidir sobre imóvel de promessa de compra e venda. CAPÍTULO III Do Poder Legislativo Secção I Disposições Gerais Art. 9º. O Poder Legislativo do Estado é exercido pela Assembléia, composta de representantes do povo, eleitos entre cidadãos maior de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos, por voto direto e secreto, para uma legislatura de quatro anos. § 1º. O número de deputados à Assembléia será fixado em Março/Abril/2016 |

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lei, na proporção dos eleitores inscritos no Estado, observando o disposto no parágrafo 6º, do artigo 13 da Constituição da República. § 2º. O do número de deputados não vigorará na legislatura em que for fixado. Art. 10. AAssembléia Legislativa reunir-se-á em sua sede, na Capital do Estado, em sessão legislativa anual, independentemente de convocação, de 31 de março a 30 de novembro. Art. 11. Para a posse de seus membros e eleição da Mesa, no primeiro ano de legislatura, a Assembléia reunir-se-á em sessão preparatória a partir de 1º de fevereiro. Parágrafo único. A Assembléia reunir-se-á, a partir de 15 de março, para a posse de Governador e Vice-Governador eleitos de conformidade com o 2º do art. 55 desta Constituição. Art. 12. AAssembléia só poderá ser convocada, extraordinariamente, pelo Governador do Estado, quando este o entender necessário, para deliberar apenas sobre a matéria que tenha sido objeto da convocação. Art. 13. AAssembléia funcionará em sessões públicas, com a presença de, pelo menos, um quarto de seus membros, observadas as seguintes normas: I – as deliberações, excetuados os casos expressos nesta Constituição, serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria de seus membros; II – não poderá ser realizada mais de uma sessão ordinária por dia; III – serão remuneradas, até o máximo de oito por mês, as sessões extraordinárias, não podendo, todavia, essa remuneração exceder, por sessão, a um trinta avos da parte variável do subsídio mensal; IV – não será autorizada a publicação de pronunciamentos que contenham ofensas ás instituições nacionais, propaganda de guerra, de subversão da ordem política e social, de preconceito de raça, religião ou classe, ou que configurem crimes contra a honra ou incitamento à prática de delitos de qualquer natureza; V – a Mesa encaminhará, por intermédio do Governador, pedidos de informação somente sobre fato relacionado com matéria legislativa em andamento ou sujeito à fiscalização da Assembléia; VI – será de dois anos o mandato de membro da Mesa, vedada a reeleição; VII – na constituição das comissões permanentes ou especiais assegurar-se-ão, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos; VIII – não será subvencionada, de modo algum, viagem de deputado, salvo quando no desempenho de missão temporária, mediante prévia designação do Governador do Estado e concessão de licença pela Assembléia. Art. 14. Os deputados são invioláveis, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo nos casos de injúria, difamação ou calúnia, ou nos de crimes previstos na Lei de Segurança Nacional. § 1º. Durante as sessões, e quando para elas se dirigirem ou delas regressarem, os deputados não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime comum ou de perturbação da ordem pública. § 2º. Nos crimes comuns, os deputados serão submetidos a julgamento perante o Tribunal de Justiça do Estado. § 3º. As prerrogativas processuais dos deputados, arrolados como testemunhas, não subsistirão, se deixarem eles de atender, sem justa causa, no prazo de trinta dias, ao convite judicial. Art. 15. Os deputados vencerão, anualmente, um subsídio, divido em parte fixa e parte variável, e uma ajuda de custo, entendida como compensação de despesas com transportes e outras imprescindíveis ao seu comparecimento às sessões legislativas, ordinárias ou extraordinárias. § 1º. A parte fixa do subsídio será paga mensalmente, no decurso

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de todo o ano, e a variável, pelo efetivo comparecimento às sessões legislativas, ordinárias ou extraordinárias, e participação nas votações. § 2º. O pagamento da ajuda de custo será feito em duas parcelas, somente podendo o deputado receber a segunda se houver comparecido a dois terços, pelo menos, das sessões da sessão legislativa ordinária ou das sessões decorrentes de convocação extraordinária. § 3º. O subsídio e a ajuda de custo a que se=refere o presente artigo serão estabelecidos no fim de cada legislatura para a subseqüente, não podendo exceder de dois terços dos subsídios e da ajuda de custo atribuídos em lei aos deputados federais. § 4º. A ajuda de custo decorrente de convocação extraordinária somente será devida uma única vez em cada exercício financeiro. Art. 16. O deputado não poderá: I – Desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionáriado serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado nas entidades referidas na letra anterior; II – Desde a posse: a) ser proprietário ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo, função ou emprego, de que seja demissível ad nutum, nas entidades referidas na alínea a do item anterior; c) exercer outro cargo eletivo, seja federal, estadual ou municipal; d) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere a alínea a do item I. Art. 17. Perderá o mandato o deputado: I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar, ou atentatório às instituições vigentes; III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa anual, à terça partedas sessões ordinárias, salvo doença comprovada, licença ou missão autorizada pela Assembléia; IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V – que praticar ato de infidelidade partidária, consoante o previsto no parágrafo único do artigo 152 da Constituição da República. § 1º. Além de outros casos definidos no Regimento Interno, considera-se incompatível com o decoro parlamentar o abuso das prerrogativas asseguradas ao parlamentar ou a percepção, no desempenho do mandato, de vantagens ilícitas ou imorais. § 2º. Nos casos dos itens I e II a perda do mandato será declarada,pela Assembléia, mediante provocação de qualquer deputado, da respectiva Mesa ou de partido político. § 3º. No caso do item III, a perda do mandato verificar-se-á por iniciativa de deputado, de partido político ou do primeiro suplente do partido, e será declarada pela Mesa, assegurada plena defesa e podendo a decisão ser objeto de apreciação judicial § 4º. Nos casos dos itens IV e V, a perda será automática e declarada pela Mesa ao conhecer do fato extintivo. Art. 18. Não perderá o mandato o deputado investido no cargo de Secretário de Estado. Art. 19 – Dar-se-á a convocação do suplente apenas no caso de vaga em virtude de morte, renúncia ou investidura no cargo de Ministro de Estado ou Secretário de Estado. Parágrafo único. Não havendo suplente, só se realizará eleição para preenchimento de vaga, se faltarem mais de quinze meses para o término da Legislatura.


Art. 20. Mediante licença da Assembléia, poderá o deputado desempenhar missão diplomática ou cultural de caráter temporário. Art. 21. Os Secretários de Estado são obrigados a comparecer perante aAssembléia Legislativa, ou qualquer de suas comissões, quando convocados, por deliberação da maioria, para prestar informações acerca de assunto previamente determinado. § 1º. A falta de comparecimento sem justificação importa em crime de responsabilidade. § 2º. Os Secretários de Estado, a seu pedido, poderão comparecer perante as Comissões ou o plenário e discutir matéria relacionado com a Secretaria a seu cargo. Art. 22. AAssembléia receberá, em sessão previamente designada, o Governador do Estado, sempre que este lhe comunicar o propósito de expor assunto de interesse público. SEÇÃO II Das atribuições do Poder Legislativo Art. 23. À Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, cabe , legislar sobre todas as matérias da competência do Estado, especialmente: I – tributos, arrecadação e fiscalização de rendas; II – orçamento e programas financeiros plurianuais do Estado; III – dívida pública estadual, abertura e operações de crédito; IV – criação de cargos públicos e fixação dos respectivos vencimentos, observado o disposto nesta Constituição; V – divisão administrativa,criação de municípios e distritos, limites territoriais do Estado; VI – alienação, permuta, cessão, arrendamento ou aquisição de bens imóveis do Estado e recebimento de doações com encargo; VII – transferência temporária da sede do Governo; VIII – efetivo da Polícia Militar, dentro dos limites estabelecidos em lei federal; IX – normas gerais sobre pensões e subvenções; X – bandeira e hino estadual;divisão e organização judiciárias; XI – prestação de contas dos Prefeitos; XII – fiscalização de atos dos agentes do Poder Executivo e da administração descentralizada; XIII – autorização ao Governador para efetuar ou contrair empréstimos, salvo com suas entidades descentralizadas e órgãos ou entidades federais e os municípios do Estado; XIV – autorização ou aprovação de convênios ou acordos com entidades particulares, de que resultem para o Estado encargos não previstos na lei orçamentária; XV – supletivamente, sobre todas as matérias a que se refere o parágrafo único do artigo 8º da Constituição da República. Art. 24. É da competência exclusiva da Assembléia: I – elaborar seu regimento interno e dispor sobre sua organização e polícia; II – eleger sua Mesa e constituir suas Comissões; III – propor projetos de lei que criem ou extingam cargos de seus serviços e fixem os respectivos vencimentos; IV – dar posse ao Governador e ao Vice-Governador, conhecer-lhes da renúncia e apreciar-lhes os pedidos de licença; V – julgar as contas do Poder Legislativo, com parecer do Tribunal de Contas, apresentadas, obrigatoriamente, pela Mesa; VI - julgar as contas do Governador do Estado e promover-lhe a responsabilidade, quando for o caso; VII - proceder à tomada de contas do Governador do Estado, quando não apresentadas dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa; VI II – julgar o Governador nos crimes de responsabilidade e os Secretários de Estado nos crimes da mesma natureza, conexos com aqueles;

IX – processar e julgar membros do Tribunal de Justiça do Estado e o Procurador Geral do Estado nos crimes de responsabilidade; X - solicitar a intervenção federal na hipótese do item IV do artigo 10 da Constituição da República; XI - aprovar, previamente, por voto secreto, a indicação de Prefeitos da Capital e das estâncias hidrominerais, bem como dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, e de outros servidores, que lei complementar determinar; XII - deliberar sobre intervenção nos municípios, nos casos previstos nesta Constituição; XIII - deliberar sobre vetos; XIV – convocar Secretário de Estado para prestar informações sobre assunto de sua Pasta, previamente determinado; XV – fixar, de uma para outra legislatura, os subsídios do Governador e do Vice-Governador, assim como os subsídios e a ajuda de custo dos deputados, observados os limites estabelecidos pela Constituição da República; XVI – apreciar a aplicação das verbas destinadas ao Tribunal de Contas; XVII - autorizar o Governador: a) a ausentar-se do país; b) a ausentar-se do Estado por mais de trinta dias; XVIII – constituir comissão parlamentar de inquérito, mediante requerimento da maioria absoluta de seus membros, observadas as normas da Constituição da República. XIX – emendar esta Constituição. § 1º. Nos casos previstos nos itens VIII e IX, funcionará como Presidente da Assembléia Legislativa o do Tribunal de Justiça, somente por dois terços de votos será proferida sentença condenatória e a pena limitar-se-á à perda do cargo, com inabilitação, por cinco anos, para o exercício da função pública, sem prejuízo de ação da justiça ordinária; § 2º. O atos de competência exclusiva da Assembléia serão promulgados e mandados publicar pelo seu Presidente, quando cabível a promulgação ou terão a forma de resolução, quando outra não lhes for própria. Art. 25. Na constituição das comissões, assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos que participam da Assembléia. SEÇÃO III Do Processo Legislativo Art. 26. O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emenda à Constituição; II – leis complementares da Constituição; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – decretos legislativos; VI - resoluções. Art. 27. A Constituição poderá ser emendada, mediante proposta do Governador do Estado ou de um terço dos membros da Assembléia Legislativa. § 1º. Em qualquer dos casos indicados neste artigo, a proposta será discutida e votada em reunião da Assembléia, em duas sessões, dentro de sessenta dias, a contar de seu recebimento ou de sua apresentação, e havida por aprovada quando obtiver, em ambas as votações, dois terços dos votos dos deputados. § 2º. A emenda à Constituição será promulgada pela Mesa com o respectivo número de ordem. § 3º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de estado de sítio ou em período de intervenção federal no Estado. Art. 28. As leis complementares da Constituição serão aproMarço/Abril/2016 |

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vadas por maioria absoluta dos membros da Assembléia, observados os demais termos estabelecidos para votação das leis ordinárias. Parágrafo único. Além dos casos indicados nesta Constituição, são regulados por lei complementar: I – a organização municipal; II – o Plano de investimento plurianual; III – O Plano Estadual de Educação; IV – o Plano Estadual de Saúde; V – os Estatutos dos Servidores Civis do Estado; VI – a organização do Ministério Público. Art. 29. A iniciativa das leis cabe ao Governador, a qualquer membro ou Comissão da Assembléia, e aos Tribunais do Estado, nos casos previstos nesta Constituição. Art. 30. É da competência exclusiva do Governador a iniciativa das leis que: I – disponham sobre matéria financeira; II – criem cargos, funções, empregos públicos, ofícios ou cartórios, aumentem vencimentos ou vantagens de servidores ou, de qualquer modo, autorizem, criem ou elevem a despesa pública; III – disponham sobre servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria e reforma de integrantes da Polícia Militar; IV - fixem ou alterem o efetivo da Polícia Militar; V – disponham sobre matéria tributária, orçamentária e organização administrativa. § 1º. Aos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista, nem as que alterem a criação de cargos, funções, empregos públicos, ofícios e cartórios. Art. 31. O Governador poderá enviar à Assembléia projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais, se assim o solicitar, serão apreciados dentro de quarenta e cinco dias, a contar do recebimento. § 1º. A solicitação do prazo mencionado neste artigo poderá ser feita depois da remessa de projeto e em qualquer fase do seu andamento. § 2°. Se o Governador considerar urgente a matéria, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça em trinta dias. § 3º. Esgotados os prazos previstos neste artigo, sem que tenha havido deliberação, os projetos considerar-se-ão aprovados. § 4º. Os prazos estabelecidos neste artigo não correrão nos períodos de recesso da Assembléia. Art. 32. As leis delegadas serão elaboradas pelo Governador do Estado ou por comissão da Assembléia Legislativa. § 1º. Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva da Assembléia, nem os relativos aos direitos e deveres de magistrados e membros do Ministério Público. § 2º. O Regimento Interno da Assembléia Legislativa disporá sobre a comissão de que trata este artigo. § 3°. A delegação ao Governador do Estado terá a forma de resolução da Assembléia Legislativa, que especificará o seu conteúdo e os termos de seu exercício. § 4º. Se a resolução determinar a apreciação do projeto pela Assembléia Legislativa, esta o fará em votação única, vedada qualquer emenda. Art. 33. Será tido como rejeitado o projeto de lei que, embora considerado constitucional, receber parecer contrário de todas as Comissões a que for distribuído, salvo se um terço dos membros da Assembléia solicitar a sua votação no plenário. Art. 34. As matérias constantes de projetos de lei rejeitados ou não sancionados assim como a constante de proposta de emenda à Constituição rejeitada ou tida por prejudicada somente poderão constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa mediante proposta da maioria absoluta dos membros da Assembléia,

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ressalvadas as proposições de iniciativa do Governador do Estado. Art. 35. Aprovado o projeto de lei, na forma regimental, será ele enviado ao Governador, que o sancionará e promulgará, ou veta-lo-á, total ou parcialmente, dentro de quinze dias úteis, contados daquele em que o receber, se o considerar inconstitucional ou contrário ao interesse público, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente da Assembléia os motivos do Veto. § 1º. Se a sanção for negada durante o recesso da Assembléia, o Governador publicará o veto. § 2º. Decorrido a quinzena, o silêncio do Governador importará em sanção, sendo obrigatória a sua promulgação pelo Presidente da Assembléia, no prazo de dez dias. § 3º. A apreciação do veto pelo Plenário deverá ser feita dentro de quarenta e cinco dias do seu recebimento, em votação pública e em uma só discussão, considerando-se aprovada a matéria vetada se obtiver o voto favorável de dois terços dos membros da Assembléia. § 4º. Rejeitado o veto, as disposições aprovadas serão promulgadas, dentro de quarenta e oito horas, pelo Governador do Estado com o mesmo número da Lei ordinária, entrando em vigor na data em que forem publicadas. § 5º. Esgotado o prazo do parágrafo anterior, sem promulgação, o Presidente da Assembléia Legislativa promulgará a lei referente às disposições aprovadas. § 6º. Se o veto não for apreciado no prazo do parágrafo 3º deste artigo, considerar-se-á acolhido pela Assembléia. § 7º. Na apreciação do veto não poderá a Assembléia introduzir qualquer modificação no teto vetado. Art. 36. Os projetos aprovados por decurso de prazo, de conformidade com o disposto no § 3º do art. 31, serão sancionados e promulgados ou vetados pelo Governador do Estado. Art. 37. São objeto de decreto legislativo as deliberações da Assembléia Legislativa, que aprovarem ou rejeitarem as contas do Governador do Estado, as relativas aos atos do Tribunal de Contas e as de fixação dos subsídios do Governador, Vice-Governador e de deputados. Art. 38. São objeto de resolução o regimento interno da Assembléia e todas as demais matérias compreendidas na sua competência exclusiva e não especificadas no artigo anterior. SEÇÃO IV Do Orçamento Art. 39. A despesa pública obedecerá à lei orçamentária anual, que não conterá dispositivo estranho à fixação da despesa e à previsão da receita. § 1º. Não se incluem na proibição estabelecida neste artigo: I – a autorização para abertura de créditos suplementares e operações de crédito por antecipação de receita; II – as disposições sobre a aplicação do saldo que houver. § 2º. As despesas de capital obedecerão, ainda, a orçamentos plurianuais de investimento, na forma prevista em lei complementar. Art. 40. A lei estadual disporá, supletivamente, sobre o exercício financeiro, a elaboração e a organização dos orçamentos públicos. § 1º. São vedadas: I - a transposição, sem prévia autorização legal, de recursos de uma dotação orçamentária para outra; II - a concessão de créditos ilimitados; III - a abertura de crédito especial ou suplementar, sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; e IV - a realização, por qualquer dos Poderes, de despesas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais.


§ 2º. A abertura de créditos extraordinários somente será admitida para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, subversão interna ou calamidade pública. Art. 41. O orçamento anual compreenderá, obrigatoriamente, as despesas e receitas relativas a todos os Poderes, órgãos e fundos, tanto da administração direta quanto da indireta, excluídas apenas as entidades que não recebam subvenções ou transferência à conta do orçamento. § 1º. A inclusão, no orçamento anual, da despesa e receita dos órgãos da administração indireta será feita em dotações globais e não lhes prejudicará a autonomia na gestão legal dos seus recursos. § 2º. É vedada a vinculação do produto da arrecadação de qualquer tributo a determinado órgão, fundo ou despesa, podendo, entretanto, a lei estabelecer que a arrecadação parcial ou total de certos tributos constitua receita do orçamento de capital, proibida sua aplicação no custeio de despesas correntes. § 3º. A previsão da receita abrangerá todas as rendas e suprimentos, inclusive o produto de operações de crédito. § 4º. Nenhum investimento, cuja execução ultrapasse um exercício financeiro, poderá ser iniciado sem prévia inclusão no orçamento plurianual de investimento, ou sem prévia lei que o autorize e fixe o montante das verbas que anualmente constarão do orçamento, durante o prazo de sua execução. § 5º. Os créditos especiais e extraordinários não poderão ter vigência além do exercício em que foram autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que poderão vigorar até o término do exercício subseqüente. Art. 42. O orçamento plurianual de investimentos poderá consignar dotaçõespara a execução de planos de valorização de regiões menos desenvolvidas do Estado. Art. 43. O total das despesas de pessoal não poderá exceder os limites eu lhe forem estabelecidos em lei complementar federal. Art. 44. É da competência do Poder Executivo a iniciativa das leis orçamentárias e das que abram créditos, fixem vencimentos e vantagens dos servidores públicos, concedam subvenção ou auxílio ou que de qualquer modo, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública. § 1º. Não será objeto de deliberação a emenda de que decorra aumento de despesa global ou de cadaórgão, fundo, projeto ou programa ou que vise a modificar-lhe o montante, a natureza ou o objetivo. § 2º. Observado, quanto ao projeto de lei orçamentária anual o disposto nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo seguinte, os projetos de lei mencionados neste artigo somente receberão emendas nas comissões permanentes, cujo pronunciamento será definitivo, salvo se um terço dos membros da Assembléia Legislativa pedir ao seu Presidente a votação em plenário, que se fará sem discussão, de emenda aprovada ou rejeitada nas comissões. Art. 45. O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Governador do Estado à Assembléia Legislativa até o quarto mês anterior ao início do exercício financeiro seguinte. § 1º. Se, até trinta dias antes do encerramento do exercício financeiro, a Assembléia não o devolver para sanção, o projeto será promulgado como lei. § 2º. Somente na comissão de orçamento poderão ser oferecidas emendas. § 3º. O pronunciamento da comissão sobre as emendas será conclusivo e final, salvo se um terço dos membros da Assembléia requerer a votação em plenário de emenda aprovada ou rejeitada na comissão. § 4º. Aplicam-se ao projeto da lei orçamentária, no que não contrariem o disposto nesta secção, as demais normas relativas à elaboração legislativa.

§ 5º. O Governador do Estado poderá enviar mensagem à Assembléia Legislativa para propor a modificação de projeto de lei orçamentária, enquanto não estiver concluída a votação da parte cuja alteração é proposta. Art. 46. As operações de crédito para antecipação da receita autorizada no orçamento anual não excederão a quarta parte da receita total estimada para o exercício financeiro e, até trinta dias depois do encerramento deste, serão obrigatoriamente liquidadas. § 1º. Excetuadas as operações da dívida pública, a lei que autorizar operação de crédito, a qual deva ser liquidada em exercício financeiro subseqüente, fixará, desde logo, as dotações que hajam de ser incluídas no orçamento anual, para os respectivos serviços de juros, amortização e resgate, durante o prazo para a sua liquidação. Art. 47. As operações de resgate e de colocação de títulos do Tesouro do Estado relativas à amortização de empréstimos internos, não atendidas pelo orçamento anual, serão reguladas em lei complementar. Art. 48. O numerário correspondente às dotações destinadas à Assembléia Legislativa e aos Tribunais Estaduais será entregue no início de cada trimestre, em quotas estabelecidas na programação financeira do Tesouro do Estado, com participação percentual nunca inferior à fixada pelo Poder Executivo para os seus próprios órgãos. Secção V Da Fiscalização Financeira e Orçamentária Art. 49. A fiscalização financeira e orçamentária do Estado será exercida mediante controle externo, pela Assembléia Legislativa, e através dos sistemas de controle interno do Poder Executivo, na forma que a lei estabelecer. § 1º. O controle externo da Assembléia Legislativa será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas e compreenderá a apreciação das contas do Governador do Estado, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, bem como o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. § 2º. O Tribunal de Contas dará parecer prévio, em sessenta dias, sobre as contas que o Governador do Estado prestar anualmente e, caso estas não lhe sejam enviadas no prazo legal, comunicado o fato à Assembléia Legislativa, para os fins de direito, devendo apresentar circunstanciado relatório do exercício financeiro encerrado. § 3º. A auditoria financeira e orçamentária será exercida sobre as contas dos Prefeitos, Câmaras Municipais e das unidades administrativas dos três poderes do Estado, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, ao qual caberá realizar as inspeções que considerar necessárias. § 4º. O julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e dinheiros públicos será baseado em levantamentos contábeis, certificados de auditoria e pronunciamentos das autoridades administrativas sem prejuízo das inspeções referidas no parágrafo anterior. Art. 50. As normas de fiscalização financeira e orçamentária, estabelecidas nesta Seção, aplicar-se-ão às autarquias. Parágrafo único. A lei regulará o processo de fiscalização das atividades financeiras das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações criadas pelo Poder Público. Art. 51. O Poder Executivo manterá sistema de controle interno, visando a: I – criar condições indispensáveis para assegurar eficácia ao controle externo eregularidade à realização da receita e da despesa; II – acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento; Março/Abril/2016 |

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III – avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar a execução dos contratos. Art. 52. O Tribunal de Contas com sede na Capital do Estado e quadro próprio de pessoal tem jurisdição em todo o território estadual. § 1º. O Tribunal exerce, no que couber, as atribuições previstas no art. 115 da Constituição da República. § 2º. A lei disporá sobre a organização do Tribunal de Contas, podendo dividi-lo em câmaras e criar delegações ou órgãos destinados a auxiliá-lo no exercício das suas funções e na descentralização dos seus trabalhos. § 3º. Os Conselheiros do Tribunal de Contas, em número de sete, serão nomeados pelo Governador do Estado, depois de aprovada a escolha pela Assembléia Legislativa, dentre brasileiros maiores de trinta anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, e terão as mesmas garantias, prerrogativas, direitos, vencimentos e impedimentos dos desembargadores do Tribunal de Justiça. § 4º. No exercício de suas atribuições de controle da administração financeira e orçamentária, o Tribunal representará ao Poder Executivo e à Assembléia Legislativa sobre as irregularidades e abusos por ele verificados. § 5º. O Tribunal de Contas, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou das autoridades financeiras e orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões, deverá: a) assinar prazo razoável para que o órgão da administração pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei; b) sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, exceto em relação aos contratos; c) solicitar à Assembléia Legislativa, na hipótese de contrato, que determine a medida prevista na alínea anterior ou outras que julgar necessárias ao resguardo dos objetivos legais; § 6º. A Assembléia Legislativa deliberará sobre a solicitação prevista na alínea c do parágrafo, no prazo de trinta dias, findo o qual, sem o respectivo pronunciamento, será considerada insubsistente a impugnação. § 7º. O Governador do Estado poderá ordenar a execução do ato a que se refere a alínea b do parágrafo 5º., ad referendum da Assembléia Legislativa.

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§ 8º. O Tribunal de Contas julgará a legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões, independendo de sua decisão as melhorias posteriores. Art. 53. Ao Tribunal de Contas compete, ainda, emitir parecer sobre as contas dos Prefeitos Municipais e Câmaras Municipais, na forma que a lei estabelecer. § 1º. Se não forem prestadas as contas devidas, o fato será comunicado ao Governador para efeito do disposto no artigo 113, item III, desta Constituição. § 2º. Se as contas não forem aprovadas, o processo será encaminhado ao órgão competente para o julgamento do Prefeito. Art. 54. O Tribunal de Contas remeterá ao Governador cópias de seus pareceres que concluírem por irregularidades não sanadas nas contas dos Prefeitos e Câmaras de Vereadores, para os fins previstos em lei. CAPÍTULO IV Do Poder Executivo SEÇÃO I Do Governador e do Vice-Governador Art. 55. O Poder Executivo é exercido pelo Governador, auxiliado pelos Secretários de Estado. § 1º. Substitui o Governador, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Governador. § 2º. O Governador e o Vice-Governador serão eleitos para um mandato de quatro anos, na forma e nas condições estabelecidas na Constituição da República, sendo-lhes vedada a reeleição para o período imediato. § 3º. São condições de elegibilidade para Governador e Vice-Governador: I – ser brasileiro nato; II – estar no exercício dos direitos políticos; III – ser maior de trinta anos; IV – preencher os requisitos exigidos pela legislação federal. § 4ª. O Governador e o Vice-Governador tomarão posse no dia 15 de março seguinte à eleição, em sessão da Assembléia Legislativa ou, se esta não estiver reunida, perante o Tribunal de Justiça do Estado, prestando o seguinte compromisso: “Prometo cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis da República e do Estado,


defender-lhe a autonomia e integridade, observar as leis, promover o bem-estar do povo e desempenhar com dignidade e patriotismo o cargo para que fui eleito”. § 5º. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Governador ou o Vice-Governador, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago pela Assembléia Legislativa. § 6º. Em caso de ausência ou impedimento do Governador e do Vice-Governador, serão sucessivamente chamados à Chefia do Poder Executivo o Presidente da Assembléia Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça. Art. 56. Vagando os cargos de Governador e de Vice-Governador, far-se-á eleição trinta dias depois de aberta a última vaga, e os eleitos completarão o período governamental. § 1º. Se as vagas ocorrerem na segunda metade do período governamental, o Governador e o Vice-Governador serão eleitos pela Assembléia Legislativa. § 2º. Na se procederá à eleição, se as vagas ocorrerem a menos de três meses do término do período governamental. Nessa hipótese, o Poder Executivo será exercido pelo substituto, de acordo com o disposto no § 6°. do artigo anterior. Art. 57 O Governador e o Vice-Governador eleitos deverão fazer declaração pública dos seus bens à Mesa da Assembléia Legislativa, no ato da posse e no término do mandato. Art. 58. O Governador e o Vice-Governador não poderão, sem licença da Assembléia, ausentar-se do país, nem, por mais de trinta dias, do território do Estado, sob pena de perda do cargo. Art. 59. O Vice-Governador auxiliará o Governador, sempre que for por este convocado, no interesse da administração e do Estado, e poderá participar das reuniões do secretariado, cabendo-lhe a presidência, quando ausente o Chefe do Executivo. SEÇÃO II Das atribuições do Governador do Estado Art. 60. Compete privativamente ao Governador do Estado: I – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual; II - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; III – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis; IV – vetar projetos de lei; V – exercer o poder regulamentar; VI – dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração estadual; VII - nomear e exonerar os Secretários de Estado; VIII - prover e extinguir os cargos públicos estaduais; IX – exercer o poder hierárquico e disciplinar sobre todos os servidores do Executivo, inclusive autarquias; X - decretar e fazer executar a intervenção nos Municípios, na forma desta Constituição; XI – solicitar a intervenção federal no Estado, nos termos da Constituição da República; XII – apresentar, concomitantemente, à Assembléia e ao Tribunal de Contas, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa anual, as contas relativas ao exercício anterior; XIII – enviar à Assembléia Legislativa a proposta orçamentária do Estado, na forma desta Constituição; XIV – apresentar, anualmente, à Assembléia Legislativa, na sua sessão inaugural, mensagem sobre a situação do Estado, solicitando as medidas de interesse do Governo; XV - celebrar ou autorizar convênios ou acordos com entidades públicas ou particulares, na forma desta Constituição;

XVI – fixar ou alterar, por decreto, os quadros, vencimentos e vantagens do pessoal autárquico, inclusive o regido pela Consolidação das Leis do Trabalho; XVII – alterar, por decreto, as tabelas explicativas do orçamento, observadas as normas gerais de direito financeiro; XVIII - prestar as informações solicitadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário, nos casos e prazos fixados em lei; XIX – solicitar ao Procurador Geral da República o oferecimento de representação ao Supremo Tribunal federal, nos termos e para os fins do art. 119, Item I, alínea L da Constituição da República; XX – realizar as operações de crédito, autorizadas pela Assembléia Legislativa; XXI - contrair empréstimos, contratar operações ou celebrar acordos externos, observadas a Constituição da República e as leis federais; XXII - representar o Estado, nas suas relações jurídicas, políticas e administrativas; XXIII – nomear, com prévia autorização, a) daAssembléia Legislativa, os Conselheiros do Tribunal de Contas e os Prefeitos da Capital e dos Municípios considerados, em lei, estâncias hidrominerais; b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional; XXIV – convocar extraordinariamente a Assembléia Legislativa; XXV – subscrever e realizar capital de empresa da qual o Estado esteja autorizado a participar, desde que haja recursos hábeis; XXVI – transferir, provisoriamente, a sede do Governo, em casos de guerra, subversão interna ou calamidade pública. Parágrafo único. O Governador do Estado, mediante decreto, poderá delegar competência administrativa aos Secretários de Estado ou a outras autoridades estaduais, inclusive a dirigentes de órgãos da administração indireta, desde que não se trate de ato que, por sua natureza, deva ser exercido, pessoalmente, pelo Chefe do executivo. Art. 61. No interesse do Estado, o Governador poderá, ainda, exercer quaisquer atribuições que não estejam reservadas a outros poderes, explícita ou implicitamente, pela Constituição da República, por esta Constituição ou por lei. SEÇÃO III Da responsabilidade do Governador Art. 62. São crimes de responsabilidade os atos do Governador que atentarem contra a Constituição da República ou do Estado e, especialmente: I – a existência da União, do Estado e dos Municípios; II – o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário; III – o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do Estado; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciárias. Art. 63. O Governador, depois que a Assembléia Legislativa declarar procedente a acusação, pelo voto de dois terços dos seus membros, será submetido a julgamento perante o Tribunal de Justiça, nos crimes comuns, ou perante aAssembléia Legislativa, sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça, nos de responsabilidade, ressalvada a competência do Superior Tribunal Militar, nos casos que configurarem crime contra a segurança nacional. § 1º. Declarada a procedente a acusação, o Governador ficará suspenso de suas funções. Março/Abril/2016 |

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§ 2º. Se decorrido o prazo de sessenta dias, e o julgamento não estiver concluído, o processo será arquivado. SEÇÃO IV Dos Secretários de Estado

Art. 64. Os Secretários de Estado, auxiliares diretos e da confiança do Governador, serão livremente escolhidos e nomeados dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício de seus direito civis e políticos. § 1º. Compete a cada Secretário, além das atribuições que a Constituição e as leis estabelecerem: I – exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração estadual, na área de sua competência; II - referendar os atos do Governador; III – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos; IV – propor, anualmente, o orçamento e apresentar ao Governador o relatório dos serviços da respectiva Secretaria de Estado; V – delegar atribuições, por ato expresso, aos seus subordinados; VI – praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Governador do Estado; VII – comparecer, perante aAssembléia Legislativa ou suas comissões especiais, quando regularmente convocado. § 2º. Os Secretários de Estados farão declaração pública de bens, no ato da posse e no término do exercício do cargo. § 3º. Os Secretários de Estado, enquanto no exercício do cargo, serão processados e julgados, criminalmente, pelo Tribunal de Justiça. § 4º. São crimes de responsabilidade dos Secretários, os referidos no artigo 62 e o não comparecimento à Assembléia Legislativa, quando regularmente convocados. SEÇÃO V Da Segurança Pública

Art. 65. O Estado manterá a ordem e a segurança pública internas, essencialmente por meio da sua Polícia Militar, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, consoante o estabelecido em lei. Parágrafo único. A Polícia Militar, como corporação, é subordinada à autoridade suprema do Governador do Estado. Art. 66. As patentes, com as vantagens, prerrogativas e deveres a elas inerentes, são asseguradas em toda a plenitude aos oficiais da ativa e aos reformados. § 1º. Os títulos, postos e uniformes militares são privativos do militar da ativa ou reformado. § 2º. O oficial da Polícia Militar só perderá o posto e a patente se for declarado indigno do oficialato, ou com ele incompatível, por decisão da Justiça Militar do Estado. § 3º. O militar condenado por tribunal civil ou militar a pena restritiva da liberdade individual superior a dois anos, por sentença condenatória passada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no parágrafo anterior. § 4º. O militar da ativa empossado em cargo público permanente, estranho a sua carreira, será imediatamente reformado com os direitos e deveres definidos em lei. § 5º. O militar da ativa que aceitar qualquer cargo público civil temporário, não eletivo, assim como em autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá ser promovido por antiguidade,

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enquanto permanecer nesta situação, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e reforma. Depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, será reformado. § 6º. Enquanto perceber a remuneração do cargo a que se refere o parágrafo anterior, o militar da ativa não terá direito aos vencimentos e vantagens do seu posto, assegurada a opção. § 7º. A lei estabelecerá os limites de idade e outras condições de transferência para a inatividade. § 8º. Os proventos da inatividade serão revistos sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dos militares em serviço ativo; ressalvados os casos previstos em lei, os proventos da inatividade não poderão exceder a remuneração percebida pelo militar em ativa no posto ou graduação correspondente aos dos seus proventos. § 9º. A proibição de acumular proventos da inatividade não se aplicará aos militares reformados, quando ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados. § 10. Aplica-se aos militares o disposto no § 4º. do art. 73 desta Constituição. SEÇÃO VI Dos Funcionários Púbicos Art. 67. Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei. § 1º. A primeira investidura em cargo público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei. § 2º. Prescinde de concurso a nomeação para cargos em Comissão, declarados em lei de livre nomeação, e cargos que sejam exercidos sem remuneração por parte do Estado. Art. 68. A aprovação em concurso, consoante o disposto no artigo anterior, assegura o provimento no cargo vago dentre de noventa dias após a respectiva homologação. § 1º. Não havendo candidato habilitado em concurso, os cargos vagos, isolados ou iniciais de carreira, poderão ser providos, pelo Poder Executivo, em caráter temporário, pelo prazo máximo de dois anos, considerando-se, então, findo o provimento e vedado novo preenchimento sem concurso. § 2º. O ocupante em caráter temporário, na forma do parágrafo anterior, poderá ser exonerado a critério da administração e, obrigatoriamente, quando do provimento mediante concurso. Art. 69. Os vencimentos dos cargos do Poder /Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo, para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas. Parágrafo único. Respeitado o disposto neste artigo, é proibida vinculação ou equiparação de qualquer natureza para efeito de remuneração de pessoal do serviço público. Art. 70.É vedada a acumulação remunerada de cargos e funções públicas, exceto: I – a de juiz com um cargo de professor; II – a de dois cargos de professor; III – a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; ou IV – a de dois cargos privativos de médico. § 1º. Em qualquer dos casos, a acumulação somente é permitida quando houver correlação de matérias e compatibilidade de horários. § 2º. A proibição de acumular estende-se a cargos, funções ou empregos em autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista.


§ 3º Com base em lei complementar federal, poderão ser estabelecidas, no interesse do serviço público, outras exceções à proibição de acumular, restritas a atividades de natureza técnica ou científica ou de magistério, exigidas, em qualquer caso, correlação de matérias e compatibilidade de horários.. § 4º. A proibição de acumular não se aplica aos aposentados, quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de um cargo em comissão ou quanto a contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados. Art. 71. São estáveis, após dois anos de exercício, os funcionários nomeados por concurso. Parágrafo único. Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, pelo Poder Executivo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada, com vencimentos proporcionai ao tempo de serviço Art. 72. Art. 66. O funcionário será aposentado: I – por invalidez; II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade; ou III – voluntariamente, após trinta e cinco anos de serviço. Parágrafo único. No caso do item III, o prazo é de trinta anos para as mulheres. Art. 73. Os proventos de aposentadoria serão: I – integrais, quando o funcionário: a) contar trinta e cinco anos de serviço, se do sexo masculino, ou trinta anos de serviço, se do feminino; ou b) invalidar-se por acidente em serviço, por moléstia profissional, ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei; II – proporcionais ao tempo de serviço, quando o funcionário contar menos de trinta e cinco anos de serviço, salvo o disposto no parágrafo único do artigo anterior. § 1º. Os proventos da inatividade serão revistos sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modifica-

rem os vencimentos dos funcionários em atividades. § 2º. Ressalvado o disposto no parágrafo anterior, em nenhum caso os proventos da inatividade poderão exceder à remuneração percebida na atividade. § 3º. O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal, será computado integralmente para efeitos de aposentadoria e disponibilidade, na forma da lei. § 4º. São vedadas para qualquer fim, a contagem cumulativa de tempo de serviço e a de tempo de serviço em dobro, salvo a de licença prêmio não gozada. § 5º. Exceções às regras estabelecidas, quanto ao tempo e natureza de serviço, para aposentadoria, reforma e disponibilidade, poderão ser fixadas em lei, de acordo com o que for disposto em lei complementar federal. Art. 74. O funcionário público investido em mandato eletivo federal ou estadual, ficará afastado do exercício do cargo e somente por antiguidade poderá ser promovido. § 1º. O período de exercício do mandato federal ou estadual é contado como tempo de serviço apenas para efeito de promoção por antiguidade e aposentadoria. § 2º. A lei, com fundamento em legislação complementar federal, poderá estabelecer outros impedimentos para o funcionário candidato a mandato eletivo, diplomado para exercício ou já em exercício. § 3°. O funcionário municipal investido em mandato gratuito de vereador fará jus à percepção de vantagens de seu cargo os dias em que comparecer às sessões da Câmara. Art. 75 A demissão somente será aplicada ao funcionário: I – vitalício, em virtude de sentença judiciária. Ii – estável, na hipótese do número anterior, ou mediante processo administrativo, em que se lhe tenha assegurado ampla defesa. Parágrafo único. Invalidada por sentença ou decisão a de-

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missão do funcionário, será ele reintegrado, e quem lhe ocupava o lugar será exonerado, ou, se ocupava outro cargo, a este será reconduzido, sem direito a indenização. Art. 76. O regime jurídico dos servidores admitidos em serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica ou especializada poderá ser o da legislação trabalhista. Art. 77. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade. causarem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo. Art. 78. O disposto nesta Seção aplica-se aos funcionários dos três poderes do Estado e aos funcionários dos Municípios. § 1º. Aplicam-se, no que couber, aos funcionários do Poder Legislativo e do Poder Judiciário e aos das Câmaras Municipais os sistemas de classificação e níveis de vencimentos dos cargos do serviço civil do Poder Executivo do Estado. § 1º. Os Tribunais estaduais, assim como a Assembléia Legislativa e as Câmaras Municipais, somente poderão admitir servidores mediante concurso público de provas ou de provas e títulos, após a criação dos cargos respectivos, por lei aprovada pelamaioria absoluta dos membros do legislativo estadual. § 2º. A lei a que se refere o parágrafo anterior será votada em dois turnos, com intervalo mínimo de quarenta e oito horas entre eles. SEÇÃO VII Do Ministério Público Art. 79. O Poder Executivo, através de Lei Orgânica, estruturará o Ministério Público junto aos tribunais e comarcas estaduais. Parágrafo único. A lei regulará as funções dos Adjuntos ou Auxiliares do Ministério Público dispensadas as exigências de diploma para a nomeação. Art. 80. Compõem o Ministério Público: I – O Procurador Geral da Justiça; II – os procuradores da Justiça, em número correspondente igual ao das Câmaras do Tribunal de Justiça; III – o Corregedor do Ministério Público; IV - os Promotores Públicos e Advogados de Ofício, junto às comarcas do Estado, onde terão residência obrigatória; V– o Promotor da Justiça Militar; e VI – mantidas as respectivas autonomias, o Procurador e os Procuradores do Tribunal de Contas do estado.. Parágrafo único. Aos membros do Ministério o exercício da advocacia, sob pena de perda do cargo. Art. 81. O Ministério Público tem por chefe o Procurador Geral da Justiça, nomeado, em comissão, pelo Governador, dentre cidadãos brasileiros graduados em Direito, de notório merecimento e reputação ilibada, com seis anos, no mínimo, de prática forense. Art. 82. Os membros do Ministério Público ingressarão nos cargos iniciais da carreira mediante concurso público de provas e títulos e, após dois anos de exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou em virtude de processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa, nem removidos compulsoriamente, a não ser mediante representação do Procurador Geral da Justiça com funcionamento em conveniência do serviço. § 1º. É assegurada aos membros do Ministério Público a promoção de entrância, segundo o critério de dois terços por merecimento e um por antiguidade, observando-se o mesmo critério em relação às promoções para a segunda instância. § 2º. Somente poderá ser proposto à promoção por merecimento o membro do Ministério Público que residir na sede da Comarca. § 3º. O membro do Ministério Público, investido em outro cargo

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que não o seu, ficará afastado do exercício de suas funções e somente por antiguidade poderá ser promovido. Art. 83. Como órgão de jurisdição superior, na ordem administrativa e disciplinar, o Ministério Público terá um Conselho Superior composto de um Procurador de Justiça, designado pelo Procurador Geral da Justiça, Procurador Geral do Estado, ou um Procurador da Fazenda, que designar, do Corregedor do Ministério Público e do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Estado. § 1º. O Conselho Superior do Ministério Público funcionará sob a presidência do Procurador Geral da Justiça, sendo seu Vice-Presidente o Procurador Geral do Estado ou o seu representante. § 2°. Compete ao Conselho Superior do Ministério Público: a) organizar e julgar os concursos para ingresso na carreira; b) proceder a indicação para efeito de promoção; c) proceder a indicação, em lista tríplice, para a escolha doCorregedor do Ministério Público; d) aplicar penas disciplinares, inclusive pecuniárias, ao membro do Ministério Público que não residir na sede da Comarca; e) outras atribuições que lhe forem conferidas em lei. § 3º. O Conselho Superior do Ministério Público poderá delegar ao Corregedor a atribuição de aplicar a pena pecuniária de que trata o parágrafo anterior. Art. 84. O Corregedor do Ministério Público será nomeado pelo Governador, dentre os Promotores indicados em lista tríplice, para exercício do cargo, pelo prazo de dois anos. Art. 85 À Corregedoria do Ministério Público compete inspecionar o cumprimento dos deveres dos membros do Ministério Público, instruir o Procurador Geral da Justiça e o Conselho Superior do Ministério Público, além de outras atribuições estabelecidas em lei. SEÇÃO VIII Da Procuradoria Geral do Estado Art. 86. A Procuradoria Geral do Estado exerce a representação deste em juízo, bem como as atribuições de consultoria jurídica do Poder Executivo, além de outras que lhe forem atribuídas em lei. Art. 87. Integram a Procuradoria Geeral do Estado, em número e na forma que a lei determinar: I – o Procurador Geral do Estado; II – os Procuradores da Fazenda; III – os Procuradores das Secretarias de Estado; IV – o Procurador do Domínio do Estado. § 1º. A Procuradoria Geral do Estado tem por chefe o Procurador Geral do Estado, nomeado na forma e condições estabelecidas para o cargo de Procurador Geral da Justiça. § 2º. O Procurador Geral do /Estado patrocinará, por si ou por intermédio dos Procuradores, os interesses e a defesa do Estado. § 3º. Ressalvado o disposto no parágrafo 1º deste artigo, os membros da Procuradoria Geral do Estado serão nomeado mediante concurso público de provas e títulos. § 4º. Aos membros da Procuradoria Geral do Estado é vedado o exercício da advocacia, sob pena de perda do cargo. § 5º. A representação do Estado nos processos fiscais poderá ser atribuída, nas comarcas do interior, aos Promotores de Justiça. CAPÍTULO V Do Poder judiciário Secção I


Disposições Preliminares Art. 88. O Poder Judiciário do Estado é exercido pelos seguintes órgãos: I – Tribunal de Justiça; II – Juízes de Direito; III – Tribunal do Júri; IV – Justiça Militar; V – outros Juízes e Tribunais instituídos por lei. Art. 89. A lei, mediante proposta do Tribunal de Justiça, poderá instituir: I – tribunais inferiores de segunda instância para julgar, em definitivo, causas de valor limitado ou relativas a determinados direitos; II – juízes togados, com investidura limitada no tempo, os quais terão competência para julgamento de causas de pequeno valor e poderão substituir juízes vitalícios; III – justiça de paz temporária, competente para habilitação e celebração de casamentos e outros atos previstos em lei e com atribuição judiciária de substituição, exceto para julgamentos finais e irrecorríveis; IV – justiça militar estadual de primeira instância, constituída por Conselho de Justiça, que terá como órgão de segunda instância o próprio Tribunal de Justiça Secção II Do Tribunal de Justiça Art. 90. O Tribunal de Justiça, com sede na Capital e jurisdição em todo o Estado compõe-se de treze desembargadores e tem suas atribuições determinadas em lei. Parágrafo único. Somente por proposta do Tribunal poderá ser alterado o número de Desembargadores fixado nos termos deste artigo. Art. 91. Ao Tribunal de Justiça, órgão supremo do Poder Judiciário estadual, compete: I – processar e julgar originariamente, com as ressalvas do art. 129 da Constituição da República e da competência específica da Justiça Eleitoral: a) o Governador, nos crimes comuns, e os Secretários de Estado, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, nesta última hipótese, quando não conexos com os do Governador: b) os Deputados Estaduais, os Conselheiros do Tribunal de Contas, os Procuradores Gerais da Justiça, do Estado e do Tribunal de Contas, os Juízes de instância inferior e os membros do Ministério Público e da Procuradoria Geral do Estado; c) os mandados de segurança impetrados contra atos do Governador, de Secretários de Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia Legislativa, das Procuradorias Gerais, do próprio Tribunal e de seu Presidente, do Presidente do Tribunal de Contas e do Prefeito da Capital; d) as ações rescisórias dos seus acórdãos e as revisões criminais nos processos de sua competência; e) os habeas-corpus nos processos cujos recursos forem de sua competência ou quando o coator ou paciente for autoridade, diretamente sujeita à sua jurisdição, ou quando houver perigo de se consumar a violência antes que a autoridade judiciária competente possa conhecer do pedido; f) as execuções de sentenças, nas causas de sua competência; g) os conflitos de jurisdição entre as Câmaras ou entre os Juízes, na forma prevista pelo artigo 119, item I, alíneas e e f, da Constituição da República; h) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias estaduais;

i) indicar, mediante solicitação do Governador, Juiz para presidir a realização de inquérito em caso de crime de gravidade ou repercussão excepcional. II – julgar,em grau de recurso: a) as causas decididas em primeira instância, na forma das leis processuais e de organização judiciária; b) as demais questões sujeitas, por lei, à sua competência. III – por deliberação administrativa: a) elaborar seu regimento interno; b) eleger seu Presidente e Vice-Presidente, os Corregedores e os Desembargadores membros do Conselho Superior da Magistratura; c) organizar sua Secretaria e serviços internos, provendo-lhes os cargos, assim como propor ao Poder competente, nos termos desta Constituição, a criação, a extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos, observado o disposto nos arts. 69 e 78; d) autorizar a permuta ou remoção voluntária dos Desembargadores de uma para outra Câmara; e) conceder licença e férias, nos termos da lei, aos seus membros, aos juízes de primeira instância e aos servidores de sua Secretaria; f) propor ao Executivo o aumento ou redução do número de seus membros, bem como a criação de tribunais inferiores, de segunda instância; g) propor ao Executivo a criação de juízes togados de investidura limitada no tempo, para julgamento de causas de pequeno valor e substituição de juízes vitalícios; h) realizar, na forma da lei, os concursos para ingresso na magistratura e indicar os juízes para provimento dos cargos iniciais, bem como para promoção, remoção ou disponibilidade; i) dispor, em resolução, pela maioria absoluta dos seus membros, sobre a divisão e organização judiciárias do Estado, assegurado o direito à reclamação contra despacho irrecorrível de juiz ou relator; j) solicitar a intervenção federal no Estado, na forma estabelecida na Constituição da República; l)exercer as demais atribuições estabelecidas em lei. Secção III Do Conselho Superior da Magistratura Art. 92. O Conselho Superior da Magistratura é integrado pelo Presidente do Tribunal de Justiça, pelo Corregedor, com sede na Capital, e por dois outros desembargadores eleitos, na forma da lei, para um período de dois anos, não podendo servir por mais de dois biênios consecutivos. § 1º. Funcionará junto ao Conselho, sem direito a voto, o Procurador Geral da Justiça. § 2º. Os trabalhos do Conselho serão secretariados pelo Secretário do Tribunal de Justiça. § 3º. O Conselho funcionará com a presença da maioria dos seus membros. Art. 93. Além das atribuições que lhe forem conferidas por lei, compete ao Conselho Superior da Magistratura: I – exercer sobre a magistratura do Estado a vigilância no desempenho de seus deveres funcionais, adotando as medidas hábeis à eliminação dos erros e abusos que apurar e aplicando aos responsáveis as sanções prescritas em lei; II – aplicar pena pecuniária ao juiz que residir fora da sede da Comarca ou não passar o exercício do cargo ao seu substituto, quando dela se ausentar. III – promover as medidas de ordem administrativa necessárias à instalação condigna dos serviços judiciários, ao seu pleno funcioMarço/Abril/2016 |

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namento e ao bom andamentos dos processos; IV – adotar as medidas disciplinares e outras previstas em lei relativas ao funcionamento da Secretaria do Tribunal; V – apurar a antiguidade dos magistrados; VI – conhecer, nos casos previstos em lei, das reclamações contra juízes; VII – elaborar a proposta orçamentária do Poder Judiciário, encaminhando-a ao Tribunal de Justiça; VIII – fiscalizar a execução da Lei Orçamentária, na parte relativa ao Poder Judiciário; IX – apresentar ao Tribunal de Justiça projetos de lei a serem enviados à Assembléia, dentro de suas atribuições; X – ordenar a correição periódica e geral do foro, expedindo as instruções necessárias; XI – conhecer e determinar tudo mais que diretamente se relacione com a inspeção geral da magistratura e medidas acauteladoras no desempenho das funções judiciárias. Parágrafo único – O Conselho Superior da Magistratura poderá delegar ao /corregedor da Justiça a atribuição do item II deste artigo. SEÇÃO IV Da Corregedoria da Justiça Art. 94. A Corregedoria da Justiça, com competência inspecionadora e instrutiva coadjuvante, terá suas atribuições reguladas por lei. Parágrafo único. A Corregedoria será exercida por dois Juízes de Direito da 2ª entrância, escolhidos em listas tríplices organizaadas pelo Conselho Superior da Magistratura e designados pela ordem numérica. Art. 95. O Corregedor da Justiça deverá fazer constar em seus relatórios a residência do Juiz, se na sede da Comarca ou fora dela. SEÇÃO V Dos Magistrados Art. 96. O ingresso na magistratura de carreira dar-se-á mediante concurso de provas e títulos, realizado pelo Tribunal de Justiça, com participação do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, e a indicação dos candidatos far-se-á, sempre que possível, em lista tríplice. § 1º. São requisitos para inscrição no concurso a graduação em Direito, prova de prática forense, e a idade mínima de vinte e cinco anos, e máxima de quarenta, alem de outros que forem estabelecidos em lei. § 2º. Sempre que os candidatos aprovados forem habilitados para um grupo de Comarcas, indistintamente, e o número de candidatos for inferior ao triplo do número de vagas, o Tribunal de Justiça submeterá ao Governador do Estado a relação das Comarcas a preencher e dos candidatos aprovados, pela ordem de classificação; nomeados um terço ou mais dos habilitados, poderá o Governador solicitar ao Tribunal a realização de novo concurso. § 3º. Nas mesmas condições do parágrafo anterior, havendo o triplo ou mais de candidatos aprovados, o Tribunal de Justiça organizará lista tríplice para cada Comarca, não podendo o candidato figurar em mais de uma lista. § 4º. O provimento das Comarcas de primeira entrância será feito, na forma deste artigo, por juízes com investidura limitada a dois anos. § 5º. Findo o prazo de que trata este artigo, o Tribunal de Justiça, ouvido o Conselho Superior da Magistratura, o confirmará ou não no cargo e, confirmado, ser-lhe-á assegurada a garantia da vitaliciedade.

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§ 6º. A lei de organização judiciária estabelecerá a competência para julgamento do Juiz nomeado na forma deste artigo. Art. 97. A promoção de juízes far-se-á de entrância em entrância, por antiguidade e por merecimento, alternadamente, observado o seguinte: I – apurar-se-ão na entrância a antiguidade e o merecimento, este em lista tríplice; II – no caso de antiguidade, o Tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto da maioria absoluta de seus membros, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; III – Somente após três anos de exercício na respectiva entrância, poderá o juiz ser promovido, salvo se não houver, com tal requisito, quem aceite o lugar vago; IV – Somente o juiz que residir na sede da Comarca poderá ser proposto à promoção por merecimento. Art. 98. O acesso aos Tribunais de segunda instância dar-se-á por antiguidade e por merecimento, alternadamente. § 1º. A antiguidade apurar-se-á na última entrância, quando se tratar de promoção para o Tribunal de Justiça. § 2º. Na hipótese do parágrafo anterior, o Tribunal de Justiça somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto da maioria dos desembargadores, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação. § 3º. No caso de merecimento, a lista tríplice se comporá de nomes escolhidos dentre os juízes e qualquer entrância. Art. 99. Na composição do Tribunal de Justiça, um quinto dos lugares será preenchido por advogados, em efetivo exercício da profissão, e membros do Ministério Público, todos de notório merecimento e idoneidade moral, com dez anos, pelo menos de prática forense. Parágrafo único. Os lugares no Tribunal reservados a advogados ou membros do Ministério Público serão preenchidos mediante indicação em lista tríplice. Art. 100. Os vencimentos dos juízes vitalícios serão fixados com diferença não excedente a vinte por cento de uma para outra classe, atribuindo-se aos de classe mais elevada não menos de dois terços dos vencimentos dos desembargadores. Parágrafo único. Nenhum membro da justiça estadual poderá perceber mensalmente importância superior ao limite máximo estabelecido em lei federal. Art. 101. Salvo as restrições expressas na Constituição da República, os juízes gozarão das garantias seguintes: I – vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão por sentença judiciária, ressalvado o disposto no parágrafo 4º do art. 96. II – inamovibilidade, exceto por motivo de interesse público, na forma do parágrafo 2º deste artigo; III – irredutibilidade de vencimentos, sujeitos, entretanto, aos impostos gerais, inclusive o de renda, e os impostos extraordinários previstos no artigo 22 da Constituição da República; § 1º. A aposentadoria será compulsória aos setenta anos de idade, ou por invalidez comprovada, e facultativa após trinta anos de serviço público, em todos esses casos com vencimentos integrais. § 2º O Tribunal de Justiça poderá determinar, por motivo de interesse público, em escrutínio secreto de dois terços dos seus juízes efetivos, a remoção ou disponibilidade do juiz de categoria inferior, como vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, assegurando-lhe defesa, e proceder, da mesma forma, em relação aos seus próprios membros. Art. 102. É vedado ao Juiz: I – Sob pena de perda do cargo judiciário: a) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo cargo de magistério, nos casos previstos na Constituição da República;


b) participar de atividades político-partidárias; c) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, porcentagens nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; II – sob pena de incidir nas sanções previstas em lei: a) residir fora da sede da Comarca; b) ausentar-se da comarca sem passar o exercício ao substituto legal. Parágrafo único. A proibição de acumular estende-se a cargos funções ou empregos em autarquias, empresas públicas e sociedade de economia mista. Art. 103. Os juízes a que a lei atribuir funções permanentes e exclusivas na segunda instância, junto ao Tribunal de Justiça, como substituto de desembargadores, pertencerão à classe que for considerada a mais elevada para a promoção ao cargo de Desembargador. Art. 104. Em caso de mudança da sede do juízo, será facultado ao juiz remover-se para ela ou para comarca de igual entrância ou obter a disponibilidade, com vencimentos integrais. Art. 105. Aos juízes é assegurado o direito às férias individuais de sessenta dias e coletivas de quinze dias, no máximo, estas em data fixada na organização judiciária. SEÇÃO VI Dos Serventuários de Justiça Art. 106. A lei disciplinará o regime jurídico dos titulares e serventuários de Justiça, observado o disposto nesta Constituição. Parágrafo único. O Tribunal de Justiça, ao dispor sobre a divisão e organização judiciárias, na forma prevista por esta Constituição, assegurará, tanto quanto possível, o princípio de competição nos casos de atribuições privativas e de equidade dos cartórios e ofícios, evitando privilégios de uns em detrimento de outros, bem assim a existência de, pelo menos, um cartório de registro civil nas localidades em que haja cemitério regularmente instituído. TÍTULO II DOS MUNICÍPIOS CAPÍTULO I Da Organização Municipal

Art. 107. Os municípios são unidades territoriais, com autonomia política, administrativa e financeira asseguradas nos termos da Constituição da República, desta Constituição e da Lei Orgânica dos Municípios. § 1°. O território dos municípios é dividido, para fins administrativos, em distritos, e as respectivas circunscrições urbanas se classificam em cidades e vilas, na forma que a lei estabelecer. § 2º. A criação dos municípios só poderá ser feita quadrienalmente, mediante consulta plebiscitária às populações interessadas, atendidos os requisitos da lei complementar federal e da legislação estadual. Art. 108. A administração do município é exercida pela Câmara de Vereadores e Prefeito Municipal. Parágrafo único. Os prefeitos e os vereadores tomarão posse no dia trinta e um de janeiro seguinte à eleição. Art. 109. Substitui o Prefeito, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Prefeito e, na falta deste, o Presidente da Câmara, na forma que a lei estabelecer. § 1º. Vagando os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, a sucessão far-se-á, no que couber, com observância do disposto no art. 56 desta Constituição. § 2º. O Prefeito, o Vice-Prefeito e os Vereadores serão eleitos, simultaneamente, dentre cidadãos maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos, na forma prescrita na Constituição da República e leis complementares, para um mandato de quatro anos. § 3º. O Prefeito e o Vice-Prefeito são inelegíveis nos termos da legislação federal. § 4º. Serão nomeados pelo Governador, com prévia aprovação: a) daAssembléia Legislativa, o Prefeito da Capital e os dos Municípios considerados estâncias hidrominerais em lei estadual; b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional por lei de iniciativa do Poder Executivo Federal. Art. 110. Somente se considera estância hidromineral, para os efeitos do disposto na alínea a do parágrafo anterior, a ocorrência comprovada de fontes naturais de água dotada de altas qualidades terapêuticas e em quantidade suficiente para atender aos fins a que se destina. Parágrafo único. A fim de que possa ser elevada à categoria de Município, deverá o Distrito em cuja sede esteja localizada a es-

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tância hidromineral, nas condições do presente artigo, contar com trezentas casas, pelo menos, além de satisfazer os demais requisitos fixados em lei complementar federal. Art. 111. Os municípios deverão organizar sua administração e planejar suas atividades, atendendo às peculiaridades locais e aos princípios técnicos convenientes do desenvolvimento integral da comunidade. Art. 112. Os municípios poderão realizar obras, serviços e atividades de interesse comum, mediante convênios com entidades públicas ou particulares, bem como através de consórcios intermunicipais, utilizando-se dos meios e instrumentos adequados à sua execução, dependendo de aprovação das respectivas Câmaras Municipais. Parágrafo único. Os municípios da mesma região, mediante aprovação das respectivas Câmaras Municipais, poderão agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços comuns. Art. 113. O Estado somente intervirá no município quando: I – se verificar impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Tesouro estadual; II – deixar de pagar, por dois anos consecutivos, dívida fundada; III – quando não forem prestadas contas devidas,na forma da lei; IV – forem praticados na administração municipal atos subversivos ou de corrupção; V – não tiver havido aplicação, no ensino primário, em cada ano, de vinte por cento, pelo menos, da receita tributária municipal; VI – o Tribunal de Justiça der provimento à representação formulada pelo Procurador Geral da Justiça para assegurar a observância dos princípios desta Constituição, aplicáveis aos municípios, bem como para prover à execução de lei, ordem ou decisão judiciária, limitando-se o decreto do Governador a suspender o ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. § 1º. A intervenção far-se-á por decreto do Governador, observados os seguintes requisitos: a) comprovado o fato ou a conduta prevista nos itens I a IV, o Governador, de ofício ou mediante representação do interessado, decretará a intervenção e submeterá o decreto, com a respectiva justificação, dentro de cinco dias, à apreciação da Assembléia Legislativa, que será para tal fim convocada, se estiver em recesso; b) o decreto conterá a designação do interventor, o prazo de intervenção e os limites da medida; c) o interventor substituirá o prefeito e administrará o município durante o período da intervenção, visando a restabelecer a normalidade; d) o interventor prestará contas dos seus ao Governador e de sua administração financeira ao Tribunal de Contas do Estado; e) no caso do inciso VI, o Governador expedirá o decreto e comunicará ao Presidente do Tribunal de Justiça os efeitos da medida. § 2º. Cessados os motivos da intervenção, as autoridades municipais afastadas de suas funções, salvo impedimento legal, a elas reverterão, quando for o caso, sem prejuízo da apuração administrativa, civil ou criminal, decorrente dos seus atos. Art. 114. A fiscalização financeira e orçamentária dos municípios será exercida pelaCâmara Municipal e controle interno, na forma estabelecida em lei. § 1º. O controle externo será exercido com auxílio do /tribunal de Contas do estado, que emitirá parecer previsto sobre todas as contas do Prefeito e da Câmara, enviadas, conjuntamente, até 31 de março do exercício seguinte. § 2º. Somente por deliberação de dois terços da Câmara deixará de prevalecer o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas. 3º. Recebido o parecer prévio do Tribunal de Contas, a Câmara deverá sobre ele se pronunciar, no prazo de quinze dias, contados

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da data do recebimento. Prevalecendo o parecer pela rejeição das contas, o prefeito será afastado do cargo, na forma do item III do art. 113. § 4º. Se a Câmara não deliberar no prazo de que trata o parágrafo anterior, considerar-se-á prevalente o parecer do Tribunal de Contas, Art. 115. O Estado prestará assistência técnica aos municípios que o solicitarem. CAPÍTULO II Das Câmaras Municipais Art. 116. AS Câmaras Municipais serão constituídas de, no mínimo, sete, e, no máximo, quinze vereadores, eleitos para uma legislatura de quatro anos, em proporção ao eleitorado do Município, na forma que a lei estabelecer. § 1º. As Câmaras Municipais reunir-se-ão: a) ordinariamente, duas vezes por ano, na forma que for estabelecida por lei; b) extraordinariamente, mediante convocação do Prefeito, sempre que o interesse público o exigir. § 2º. As sessões das Câmaras Municipais realizar-se-ão, obrigatoriamente, na sede do Município e no recinto a elas destinado, salvo nos casos previstos em lei. § 3º. As deliberações das Câmaras Municipais, exceto nos casos expressamente previstos em lei, serão tomadas por maioria de votos, presente, pelo menos, a maioria absoluta dos vereadores. § 4º. Nas sessões legislativas extraordinárias, as Câmaras Municipais somente deliberarão sobre a matéria para a qual foram convocadas. § 5º. Cabe às Câmaras Municipais a iniciativa de lei ou resolução, salvo as orçamentárias, as que estabeleçam o regime jurídico dos servidores, criação de cargos e as que importem em aumento da despesa ou diminuição de receita. Art. 117. O mandato de vereador somente será remunerado nos casos permitidos pela Constituição da República e observados os limites e critérios fixados em lei complementar federal. § 1°. Aplicam-se ao funcionário público eleito vereador as seguintes normas: a) quando o mandato for remunerado, deverá afastar-se do cargo e optar pelos vencimentos ou pelo subsídio, contando-se-lhe o tempo de serviço público exclusivamente para fins de aposentadoria, reforma e promoção por antiguidade; b) quando o mandato for gratuito, afastar-se-á do serviço nos dias de sessão da Câmara, sem prejuízo dos vencimentos e vantagens do cargo. § 2°. É considerado serviço público relevante o exercício gratuito de vereador. Art. 118. O vereador não poderá, desde a posse: I – formar ou manter contrato com o Município, com suas entidades descentralizadas, com empresas concessionárias de serviço público municipal, ou com pessoas ou entidades de setor privado que realizem serviços ou obras municipais, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; II – aceitar ou exercer cargo, função ou emprego nas entidades referidas na alínea anterior; III – exercer outro mandato eletivo; IV – patrocinar causas contra o Município ou suas entidades descentralizadas ou em que seja interessada qualquer das pessoas ou entidades referidas no item I deste artigo; V – residir fora do Município, salvo se for funcionário público e, nessa qualidade, dever servir em outro Município. Art. 119. Perderá o mandato o vereador:


I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro exigido pelo exercício do mandato ou atentatório das instituições; III – que deixar de comparecer, sem a devida licença, a cinco sessões ordinárias consecutivas, ou a três sessões extraordinárias convocadas para apreciação de matéria urgente; IV – que perder ou tiver suspensos os seus direitos políticos. V – que praticar atos de infidelidade partidária segundo o previsto na legislação federal. Parágrafo único. A declaração de perda de mandato de vereador, nos casos previstos neste artigo, far-se-á, no que couber, com observância do disposto nos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4° do artigo 17 desta Constituição. Art. 120. Dar-se-á a convocação do suplente de vereador apenas no caso de vaga, em virtude de morte, renúncia ou investidura em cargo de confiança do Executivo Municipal. Art. 121. O mandato dos membros da Mesa da Câmara Municipal é de sois anos, não podendo ser reeleitos. CAPÍTULO III Dos Prefeitos Art. 122. O Prefeito e Vice-Prefeito tomarão posse em sessão da Câmara Municipal ou, se esta não estiver reunida, perante o Juiz de Direito mais antigo da Comarca, em data e na forma que forem estabelecidas em lei. § 1º. No ato de posse e ao término do mandato, o Prefeito deverá fazer declaração pública de bens. § 2º. O Vice-Prefeito desincompatibilizar-se-á e fará declaração pública de bens, quando entrar no exercício do cargo. Art. 123. Compete ao Prefeito, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei: I – representar o Município em juízo e fora dele; II – apresentar à Câmara projetos de lei, inclusive em caráter privativo, os que aumentem vencimentos ou criem cargos em serviços existentes, bem como, até trinta de setembro de cada ano, a proposta orçamentária para o exercício seguinte; III - sancionar projetos de lei aprovados pela Câmara, assim como vetá-los, total ou parcialmente, quando inconstitucionais ou contrários ao interesse público; IV – promulgar, fazer publicar e executar as leis municipais; V – expedir regulamentos para a fiel execução das leis; VI - prover os cargos públicos, exonerar, demitir,punir e aposentar servidores; VII – administrar os serviços e obras municipais; VIII – prestar contas à Câmara, anualmente, na forma da lei, sob pena de responsabilidade, da administração municipal e dos recursos estaduais e federais recebidos pelo Município, no exercício anterior IX – convocar, extraordinariamente, a Câmara Municipal. § 1º. A prestação de contas anual do Prefeito, a que alude o item VIII deste artigo, far-se-á com parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado. § 2º. Para efeito do disposto no parágrafo anterior, o Prefeito enviará as contas diretamente ao Tribunal, no prazo fixado no parágrafo 1º do artigo 114 desta Constituição, acompanhados das contas da Câmara Municipal, que para esse fim lhe serão remetidas, pela respectiva Mesa, até 1º de março de cada exercício. § 3º. Serão prestadas em separado: I – diretamente ao Tribunal de Contas do Estado: a) as contas relativas a subvenções, financiamentos, empréstimos e auxílios recebidos do Estado, ou por seu intermédio;

b) as contas anuais relativas à administração financeira do Município. II – Diretamente ao Tribunal de Contas da União, as contas relacionadas com recursos recebidos a qualquer título, do Governo Federal. Art. 124. Aplica-se aos Prefeitos o disposto no artigo 118 desta Constituição, ressalvada a parte final do item V Art. 125. Extingue-se o mandato do Prefeito, cumprindo ao Presidente declarar a extinção, quando: I – ocorrer falecimento, renúncia por escrito, perda ou suspensão dos direitos políticos, ou condenação por crime funcional ou eleitoral; II – deixar de tomar posse, salvo motivo de força maior, devidamente comprovado, no prazo previsto pela Lei Orgânica dos Municípios; III – cometer infração a qualquer das normas a que se refere o artigo 118 desta Constituição. Art. 126. O processo de cassação do mandato do Prefeito, pela Câmara Municipal, nos casos de infrações político-administrativas, observrá as normas estabelecidas na legislação federal pertinente. Art. 127. Nos crimes de responsabilidade, definidos em lei, os Prefeitos serão processados e julgados pela Justiça Comum, independentemente do pronunciamento das respectivas Câmaras Municipais. Art. 128. Aos projetos de lei de iniciativa exclusiva dos Prefeitos não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista, nem as que alterem a criação de cargos. Art. 129. A Lei Orgânica disporá sobre o processo legislativo aplicável aos municípios, observado o disposto no artigo anterior. Art. 130. O subsídio do Prefeito será fixado pela Câmara, no término da legislatura, para a seguinte. Parágrafo único. É vedada a remuneração, a qualquer título, do mandato de Vice-Prefeito. Art. 131. O Prefeito residirá no Município e não poderá deste ausentar-se, por mais de quinze dias, sem licença da Câmara. TÍTULO III Dos Direitos Fundamentais CAPÍTULO ÚNICO Dos direitos e Garantias Individuais Art. 132. O Estado assegurará, por leis e atos administrativos, a efetividade dos direitos e garantias individuais expressamente mencionados na Constituição da República, assim como a de quaisquer outros que decorram do regime e dos princípios por ela adotados. TÍTULO IV Do Desenvolvimento Econômico e Social CAPÍTULO I Da Ordem Econômica e Social Art. 133. A ordem econômica e social inspirar-se-á nos preceitos da Constituição da República e das leis federais, tendo como objetivo o desenvolvimento econômico, a justiça social e a elevação do nível de vida da população. § 1º. O Estado promoverá o desenvolvimento econômico e social mediante planejamento de suas atividades, estímulo à planificação municipal e incentivo particular de interesse da comunidade. § 2º. O Estado estabelecerá diretrizes para integração dos planos municipais e regionais no planejamento estadual e nacional, Março/Abril/2016 |

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expedindo normas técnicas convenientes. § 3º. O Estado incentivará o desenvolvimento tecnológico conveniente às necessidades do País e às peculiaridades regionais, utilizando-se dos meios oficiais, da iniciativa privada, da pesquisa universitária e da especialização no campo profissional. § 4º. O Estado reprimirá, nos termos da lei federal, quaisquer formas de abuso do poder econômico. § 5º. O Estado concederá especial proteção ao trabalho, reconhecido como fator principal da produção de riqueza. Art. 134. O Estado proporcionará assistência tecnológica e crédito especializado à produção agropecuária e avícola, assim como estimulará o abastecimento pelos meios adequados. Parágrafo único. A lei incentivará a formação de cooperativas de energia rural, produção e consumo. Art. 135. O Estado promoverá o desenvolvimento industrial e estimulará, de modo especial, na forma que a lei estabelecer, instalação de indústrias básicas em seu território. Art. 136. O Estado preservará suas riquezas naturais e combaterá a exaustão do solo, bem como protegerá a fauna e a flora. Parágrafo único. A lei estimulará o reflorestamento, inclusive através da criação de incentivos financeiros, técnicos e fiscais; organizará parques destinados à conservação da flora e fauna regionais, bem como vedará a derrubada de matas nas margens de fontes e estradas e ainda nas nascentes dos rios, e obrigará o Estado a manter em terras do seu domínio, reservas florestais invioláveis. Art. 137. O Estado promoverá a fixação do homem ao campo, organizando, em convênio com a União e órgãos regionais, planos de aproveitamento e colonização, doação e venda de terras devolutas e públicas, respeitada a preferência dos respectivos posseiros. Art. 138. O Estado poderá criar um Fundo especialmente destinado à extensão da energia elétrica à zona rural, a ser aplicado diretamente ou mediante convênios com os municípios, cooperativas de eletrificação rural ou sociedades de economia mista destinadas a esse fim. Art. 139. Na exploração, pelo Estado, de atividades econômicas ou descentralizadas, as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista poderão reger-se pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive sob o regime das leis do trabalho. CAPÍTULO II Da Educação e da Cultura

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Art. 140. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola. § 1º. O sistema estadual de ensino, regulado em lei, organizar-se-á consoante as disposições do Título IV da Constituição da República e das diretrizes e bases da educação nacional visando à atender as exigências do desenvolvimento do país e à formação do educando como elemento consciente de sua responsabilidade no progresso e na justiça social. § 2°. Ao Conselho Estadual de Educação e ao Conselho Estadual de Cultura, respectivamente, caberão o planejamento e a orientação das atividades da educação e da cultura, no âmbito estadual. § 3º. O Plano Estadual de Educação destinar-se-á a garantir igualdade de oportunidades educacionais à população do Estado e a promover a expansão social, economia e cultural em todo o seu território. § 4º. O Estado poderá ministrar o ensino em todos os ramos e graus. § 5º. O ensino primário é obrigatório para todos dos sete aos catorze anos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais. § 6º. O ensino no nível médio será gratuito a todos aqueles que demonstrarem efetivo aproveitamentoe comprovarem falta ou insuficiência de recursos. § 7º. O regime de gratuidade no ensino médio será substituído, gradativamente, pelo sistema de concessão de bolsas de estudo, mediante restituição, na forma que a lei regular. § 8º. O ensino é livre à iniciativa particular que merecerá o amparo técnico e financeiro do Estado, inclusive mediante bolsas de estudo, desde que respeitadas as disposições legais pertinentes e comprovada a eficiência do estabelecimento. § 9º O Estado prestará assistência material necessária à freqüência e ao aproveitamento dos alunos de todos os graus, na forma e condições que a lei estabelecer. § 10. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio. Art. 141. As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes, entre os sete e os catorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do salário-educação, na forma que a lei estabelecer.


Parágrafo único. As empresas comerciais e industriais são ainda obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores e a promover o preparo do sal pessoal qualificado. Art. 142. Não será licenciada a construção de conjunto residencial financiado pelo Banco Nacional de Habitação, sem que inclua edifício destinado à instalação e funcionamento de escola primária, com capacidade equivalente à estimativa de seus moradores em idade escolar. Art. 143. O Estado aplicará, anualmente, nunca menos de vinte por cento de sua renda tributária na manutenção e desenvolvimento do ensino. Art. 144. A educação dos excepcionais será objeto de especial atenção e amparo do Estado, assegurada ao deficiente a assistência escolar, domiciliar e hospitalar. Art. 145. O Estado promoverá e manterá o ensino profissional de todos os níveis, respeitadas as peculiaridades sócio-econômicas das regiões do seu território. Art. 146. O Estado incentivará o ensino primário aos adultos e adolescentes, de forma a assegurar, em seu território, uma política de alfabetização global. Art. 147. O Estado estimulará as atividades culturais por todos os meios ao seu alcance, procurando incentivar de modo especial as que exprimem a realidade brasileira. § 1º. Ficam sob a proteção do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens notáveis, bem como as jazidas arqueológicas. § 2º. A lei disporá sobre o amparo à cultura, proteção ao patrimônio histórico, arqueológico, artístico, monumental e preservação dos locais de interesse turístico e de beleza particular, bem como organizará o sistema estadual de desportos. § 3º. O Estado poderá instituir Conselho da Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico da Paraíba, na forma que a lei determinar. Art. 148. O Estado procederá, periodicamente, conforme a lei estabelecer, o recenseamento de sua população em idade escolar. Art. 149. É vedado ao Estado e às suas entidades descentralizadas conceder subvenções, financiamentos, empréstimos ou auxílios aos municípios que não comprovarem a aplicação, no ensino primário, no exercício anterior, de vinte por cento, pelo menos, de sua receita tributária, na forma prevista na Constituição da República. Art. 150. É vedada a criação de instituições oficiais de ensino, ou a concessão de subvenções a estabelecimentos particulares que constituam a critério do órgão de planejamento educacional, duplicação de desnecessária ou dispersão prejudicial de recursos humanos e materiais. Art. 151.O disposto neste capítulo aplica-se, integralmente, aos municípios e, no que couber, às instituições ou estabelecimentos particulares. CAPÍTULO III Da Saúde e do Bem-Estar Social Art. 152. O Estado, por todos os meios ao seu alcance, inclusive em cooperação com os órgãos e entidades federais, municipais e internacionais, bem assim com as instituições privadas, desenvolverá as atividades especificamente destinadas a promover, preservar e recuperar a saúde da população. Art. 153.O Estado e os municípios prestarão assistência aos necessitados, diretamente ou através de auxílios a entidades privadas de caráter filantrópico, regularmente constituídas e em funcionamento. § 1º. A assistência médico-social aos que tiverem o ampa-

ro do sistema de previdência social será feita em caráter supletivo, com finalidade preventiva. § 2º. Os auxílios e subvenções às entidades referidas neste artigo somente serão concedidos após a verificação, pelo competente órgão técnico do Executivo, da idoneidade da instituição, de sua capacidade de assistência, das condições éticas de seu funcionamento e das necessidades dos assistidos. § 3º. Nenhum pagamento será efetuado sem as verificações previstas no parágrafo anterior e será suspenso o auxílio se o Tribunal de Contas não aproar as aplicações precedentes ou se o órgão técnico competente verificar que não foram mantidos os padrões assistenciais mínimos exigidos. Art. 154. Os auxílios e subvenções do Estado a instituições particulares de assistência social serão concedidos de acordo com um plano geral, que fixará os critérios relativos á articulação, harmonização e fiscalização de todas as instituições subvencionadas. Parágrafo único. A execução do plano a que se refere o presente artigo, inclusive a fiscalização e o pagamento dos auxílios e subvenções, ficará a cargo de um órgão único, técnica e cientificamente aparelhado para pesquisas e planejamento dos serviços sociais. Art. 155. O Estado manterá programas especiais de educação sanitária, saneamento básico e imunização em massa contra moléstias transmissíveis, de acordo com o que for estabelecido em lei. Art. 156. O Estado contribuirá através de órgão especializado para a solução do problema de carência da habitação popular, visando também à erradicação dos mocambos ou à sua adaptação urbana, mediante adequada assistência sanitária, escolar e social. Art. 157. O Estado facilitará a aquisição de casa própria, mediante financiamento a longo prazo, concedendo preferência àqueles que percebam remuneração inferior ao dobro do salário mínimo em vigor na região. TÍTULO V Disposições Gerais e Transitórias Art. 158. Ficam obrigados a apresentar declaração anual de bens os assessores diretos do Governador e dos Secretários de Estado, assim como os servidores que exerçam cargos ou funções de direção, chefia ou fiscalização, compreendidos na administração direta e indireta, estendendo-se a exigência aos respectivos cônjuges. Parágrafo único. Os funcionários que prestarem declarações falsas responderão a processo administrativo e ficarão sujeitos às penalidades indicadas no Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado. Art. 159. A divisão e a organização judiciárias do Estado serão fiadas de cinco em cinco anos. Art. 160. A Fazenda do Estado poderá glosar e cobrar com multa a isenção ou devolução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando concedida por outros Estados sem a celebração e ratificação do competente convênio com o Estado da Paraíba, nos termos do parágrafo 5º do artigo 23 da Constituição da República. Art. 161. Fica assegurada a vitaliciedade aos professores catedráticos e titulares de ofício de Justiça nomeados até 15 de março de 1967, assim como a estabilidade de funcionários assegurada no art. 127 e § 2º da Constituição do Estado, de 12 de maio de 1967. Art. 162. Ao civil, ex-combatente Segunda Guerra Mundial,que tenha participado efetivamente em operações bélicas da Força Expedicionária Brasileira, da Marinha, da Força Aérea Brasileira, da Marinha Mercante ou força do Exército, são assegurados os seguintes direitos: Março/Abril/2016 |

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I – estabilidade, se funcionário público; II – aproveitamento no serviço público, sem a exigência indicada no parágrafo 1º do artigo 97 da Constituição da República; III – aposentadoria, com proventos integrais, aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, se funcionário público da administração direta ou indireta; IV – assistência médica, hospitalar e educacional, se carente de recursos; V – promoção, após interstício legal, se houver vaga; VI – quaisquer outros direitos e vantagens já assegurados ou que lhe venham a ser reconhecido por lei federal ou estadual. Art. 163. É vedada a designação de prédios, vias e logradouros, assim como de vilas e cidades, com nomes de pessoas vivas. Art. 164. É vedada a concessão de licença para a construção de prédio com mais de dois pavimentos na avenida da orla marítima, desde a praia da Penha até a Praia Formosa. Parágrafo único. É, igualmente, vedada a concessão de licença para construção de prédio com mais de três pavimentos, na capital do Estado e na cidade de Campina Grande, sem que tenha o mesmo área nunca inferior a de um pavimento, destinado a garagem. Art. 165. Nas avenidas ou ruas residências da Capital do Estado e da cidade de Campina Grande somente será permitida a construção de edifícios que sejam isolados e distem, pelo menos, cinco metros para cada lado, do limite do seu terreno. Parágrafo único. Os edifícios de que trata este artigo não poderão ter menos de vinte metros de frente. Art. 166. São considerados Patrimônio Histórico da Paraíba o Cabo Branco e a Ponta do Seixas, saliências mais orientais das Américas. Parágrafo único,. É vedada a construção de prédios ou obras de qualquer natureza sobre o Cabo Branco e Praia do Seixas, sem autorização e supervisão do órgão competente da Secretaria de Educação e Cultura, na forma que a Lei estabelecer. Art. 167. O Governador do Estado poderá determinar o embargo da obra que se inicie com inobservância dos artigos 164 e 165 desta Constituição. Art. 168. O mandato do atual Governador do Estado extinguir-se-á em 15 de março de 1971, simultaneamente com o do Vice-Governador. Art. 169. No período iniciado em 1 de março de 1970, será de um ano o mandato dos membros da Mesa da Assembléia Legislativa, os quais não poderão ser reeleitos para a composição da Mesa correspondente ao período seguinte. Art. 170. Somente a partir da próxima legislatura será reduzido o número dos deputados estaduais. Art. 171. A eleição para Governador e Vice-Governador do Estado, em 1970, será realizada em sessão pública e votação nominal, mediante sufrágio de um colégio eleitoral constituído pela Assembléia Legislativa. Parágrafo único. O colégio eleitoral reunir-se-á na sede da Assembléia Legislativa, no dia 3 de outubro de 1970, processando-se a eleição nos termos do artigo 75, parágrafos 1º e 2º da Constituição da República. Art. 172. AAssembléia Legislativa elegerá o ice-Governador do Estado, dentro de sessenta dias, a contar da data da promulgação desta Constituição, pela maioria absoluta de seus membros, em sessão pública convocada com quinze dias de antecedência e votação nominal. § 1º. Se não for obtido “quorum” na primeira votação, outra se realizará no mesmo dia, sendo o candidato eleito por maioria simples.

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§ 2º. O candidato a Vice-Governador deverá ser escolhido pelo Diretório Regional do partido e registrado por seu Presidente perante a Mesa da Assembléia Legislativa, até quarenta e oito horas antes da eleição. Art. 173. Enquanto não for regulada por lei a Corregedoria do Ministério Público, a sua representação no Conselho Superior do Ministério Público caberá a um Promotor designado pelo Procurador Geral da Justiça. Art. 174. Passam a denominar-se: a) o atual Procurador Geral do Estado, Procurador Geral da Justiça; b) os atuais Sub-Procuradores do Estado, Procuradores de Justiça; c) os atuais Promotores Públicos, Promotores de Justiça; d) o atual Procurador Geral da Fazenda, Procurador Geral do Estado, com atribuições conferidas ao cargo de Procurador Fiscal; e) os atuais Sub-Procuradores Fiscais, Procuradores da Fazenda. Parágrafo único. São extintos os cargos de Procurador Fiscal e Consultor Jurídico do Estado. Art. 175. Cessada a investidura no cargo de Governador do Estado, quem o tiver exercido, em caráter permanente, fará jus, a título de representação, a um subsídio mensal e vitalício sempre igual ao vencimento do cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do /Estado, desde que não esteja exercendo outro cargo público, inclusive eletivo, de vencimento ou subsídio igual ou superior ao de desembargador ou não tenha sofrido suspensão de seus direitos políticos. Art. 2º. A presente Emenda entra em vigor na data de sua publicação. Paço da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba, em João Pessoa, 16 de junho de 1970; 82º da Proclamação da República. Clóvis Bezerra Cavalcanti PRESIDENTE José Lacerda Neto 1º VICE-PRESIDENTE Aguinaldo Veloso Borges 2º VICE-PRESIDENTE Egídio Silva Madruga 1º SECRETÁRIO Nivaldo de Farias Brito 2º SECRETÁRIO João Batista Brandão 3º SECRETÁRIO José Pereira da Costa 4º SECRETÁRIO

(*) Genius encerra, aqui, a série de Constituições paraibanas, elaboradas a partir de 1891, logo após a promulgação da Constituição Federal de 24 de fevereiro daquele ano, a primeira da República, que determinaria a constitucionalização dos Estados federados, mediante a elaboração de suas respectivas Cartas Políticas. (**) O processo de elaboração da Constituição paraibana de 1970, decorrente da Emenda Constitucional nº 1, de 16 de junho daquele ano, está narrado no Capítulo IX, do livro História Constitucional da Paraíba, de autoria do Professor Flávio Sátiro Fernandes.


HISTÓRIA O BRASIL CONTINUA BATEAU MOUCHE Francisco Gil Messias

Para quem não lembra, pouco antes da meia-noite do dia 31 de dezembro de 1988, um barco de turismo chamado “Bateau Mouche IV” afundou próximo à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para onde se dirigia para a célebre queima de fogos do réveillon carioca. No naufrágio, morreram 55 pessoas, incluindo idosos e crianças. A tragédia abalou o país e tirou a graça do início do ano novo, mas, como quase tudo no Brasil, depois que o caso foi razoavelmente apurado, viu-se que aquela era apenas mais uma tragédia anunciada, daquelas que nossa velha irresponsabilidade nacional deixa se consumar apesar de todos os avisos. Valho-me, para esta afirmação, dos dados colhidos sobre o tema pelo escritor Ivan Sant’Anna, não por coincidência autor de três livros sobre acidentes aéreos. Vamos aos fatos. O “Bateau Mouche IV” foi construído inicialmente não como barco de turismo e sim como um barco pesqueiro, com capacidade máxima para vinte pessoas. Posteriormente, foi transformado em barco de lazer de um empresário e depois em barco de pesquisas científicas, tudo sem nenhuma alteração em sua estrutura, até ser finalmente vendido para os proprietários do então restaurante “Sol e Mar”, no Rio, que o reformaram para utilizá-lo como embarcação de turismo, nos moldes, pelo menos no nome, dos famosos barcos que passeiam pelo rio Sena, em Paris. Registre-se que essa reforma foi feita sem autorização prévia da Capitania dos Portos e depois incluiu a mudança da madeira do piso por uma plataforma de concreto pesando quatro toneladas, além

da substituição, para ganhar espaço, da ampla escadaria que unia o deque superior ao principal por uma estreita escada espiral de ferro batido, o que, claro, dificultaria eventualmente a evacuação de pessoas numa situação de emergência. Com a reforma concluida, a Capitania dos Portos expediu autorização para que o barco pudesse levar até 153 pessoas. Num passe de mágica, como se vê, o pequeno pesqueiro feito para vinte pessoas transformou-se, com o aval oficial das autoridades, num quase navio. Na noite do naufrágio, o mar estava agitado, o barco estava superlotado e não foi feita nenhuma listagem das pessoas que embarcaram para o réveillon que não houve. Ou seja, não se sabia quem estava a bordo nem quantos eram exatamente. Boa parte das inúmeras mesas e cadeiras onde os pagantes jantariam não era fixada no piso, o que, evidentemente, representava grave perigo para os passageiros na hipótese de balanços provocados por ondas mais fortes. Também não foi dada às pessoas nenhuma instrução sobre a localização e o uso de coletes salva-vidas e boias. E, para completar, no porão da embarcação a água do mar se infiltrava a olhos vistos através de furos no casco, de escotilhas abertas ou mal vedadas e do próprio vaso sanitário do toalete, cuja bomba ou válvula de exaustão estava com defeito. Como se vê, o “Bateau Mouche IV” era, literalmente e já de saída, um barco furado. Registre-se ainda que, meia-hora antes de afundar, o barco foi vistoriado por militares da Capitania dos Portos, sendo liberado para navegar até a praia de Co-

pacabana, onde nunca chegou. Tivessem esses fiscais descido até o porão do barco e feito uma vistoria correta, supõe-se que a tragédia teria sido evitada. Segundo Ivan Sant’Anna, uma das sobreviventes declarou ter visto, durante essa vistoria, um dos donos do restaurante “Sol e Mar” entregar a um dos referidos militares um maço de dinheiro. Faltando dez minutos para a meianoite, após entrar em mar aberto, com os passageiros já em pânico, o porão completamente alagado e sem ter conseguido alcançar Copacabana, o “Bateau Mouche IV” virou, afundando completamente pouco depois e matando 55 pessoas que só desejavam uma passagem de ano bonita e alegre, ao lado de familiares e amigos. Os que conseguiram sobreviver deveram a vida a dois barcos que vinham próximos e que os recolheram com muitas dificuldades na noite escura, como é de se imaginar. Não fossem esses heróis, provavelmente a perda de vidas teria sido total. Passados quase trinta anos, apenas a família de um dos mortos conseguiu uma simbólica indenização – as demais ainda aguardavam em 2015 o longínquo final de processos judiciais intermináveis. E nenhum dos apontados como responsáveis pelo crime cumpriu pena de prisão compatível com a perda de 55 vidas. Ainda hoje o réveillon de Copacabana continua a ser um dos mais concorridos do país. Outros barcos de turismo continuam, sabe Deus como, a levar passageiros para ver, do mar, a queima de fogos. E o Brasil... bem, esse nós sabemos que continua a ser o furado “Bateau Mouche” de sempre. g

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OPINIÃO PRESIDENTE EPITÁCIO PESSOA: PASSEIO DO JURISTA EM BOA VIAGEM (*) Lucas Santos Jatobá Importante revista publicada na Paraíba, “Genius” dedicou edição (maio/15, ano III) ao seu grande filho, natural de Umbuzeiro, o “brasileiríssimo Epitácio Pessoa”, como destacado na capa. Consta da publicação, de dimensões acima da média, tornando prazerosa a leitura, mais de uma dezena de artigos sobre esse relevante vulto de nossa história, subscritos por estudiosos da obra jurídico-parlamentar (editada por força de lei, em 25 tomos) e das múltiplas atividades públicas exercidas pelo jurista e político eleito – após haver concorrido com Ruy Barbosa para a Presidência da República (1919/1922). Também representou seu Estado junto ao Senado. A capital paraibana emprestou-lhe o nome a importante avenida, familiar a muitos pernambucanos. Órfão, teve como preceptor seu tio, no Recife, o Barão de Lucena, registra a Dra. Margarida Cantarelli, ao enaltecer sua fecunda e inovadora contribuição ao Direito Internacional e à elaboração, com Clóvis Beviláqua, do Código Civil de 1916. Paulo Bonavides, professor de direito, destaca “as três magistraturas supremas que exercitou, enquanto juiz, legislador e presidente”, referindo-se também ao assento na Corte Internacional de Justiça, em Haia, e na Conferênica de Versalhes, “como juiz e diplomata da paz”. O célebre ministro e escritor, autor de A Bagaceira, José Américo de Almeida, sublinhou as

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preocupações com as mazelas socioeconômicas que afligiam sua terra natal e a decepção de Epitácio com a descontinuidade de seus projetos: “Além do sentimento de família, que era nele extremoso, o coração sensível tinha outra devoção: a piedade pela sorte das áreas sertanejas condenadas a fomes cíclicas e aos desfalques demográficos que as esvaziavam. (...) Sonhou em dar um passo maior que todos os séculos percorridos pela história dessa tragédia. (...) Nunca ninguém desejou tanto servir”. Everardo Luna, saudoso catedrático da Faculdade de Direito do Recife, onde Epitácio também estudou e lecionou, autor de Estrutura Jurídica do Crime e de Capítulos de Direito Penal”, discorreu sobre “Epitácio Pessoa: o homem e o direito”, paralelo entre a personalidade e o compromisso com a ordem jurídica do biografado: “Em nosso homenageado, o ideal do homem, que põe o pensamento a serviço dos fatos, encontrou uma cabal, uma perfeita realização, graças, sobretudo, à orientação certeira que sabia dar às suas forças pessoais, demonstrando em todos os momentos de sua vida laboriosa, um raro senso de oportunidade e um raro equilíbrio de conduta. (...) As suas emoções recebiam a disciplina dos nervos fortes, que mais fortaleza dão aos homens do que as musculaturas rijas e vigorosas” Mais: “Dentro da ordem jurídica, encontrava a sua atmosfera valorativa.

A sua justiça era a justiça imanente ao Direito, assim compreendido pelo seu espírito legalista, e não a justiça que, transcendendo a ordem jurídica, caminha paralela e independentemente, contrária ou antagônica à ordem constituída. Era a justiça apoiada na legalidade, a justiça que emana do jurídico e o completa, que é a meta do jurídico e a sua vitalidade”. Raul de Goes, ex-deputado, pontuou aspectos sentimentais do regresso - via transatlântico, de passagem no Recife – de Epitácio Pessoa da Europa (1936) ao revisitar o Ginásio Pernambucano, Palácio do Campo das Princesas – causando surpresa ao Gov. Carlos de Lima Cavalcanti e equipe -, e a Praia de Boa Viagem. “Surpreendeu-o a transformação por que passou, com o correr do tempo, aquele pitoresco e belíssimo ponto do litoral recifense. ‘- Nos meus tempos de rapaz – disse Epitácio – isto era uma praia deserta, com algumas cabanas de pescadores’. Avaliamos a sua surpresa diante das edificações aristocráticas que emergiam dos coqueirais de Boa Viagem. Mas logo S. Exa. observou: - ‘A água de Coco é a mesma...’ E todos nós bebemos gulosamente o doce líquido dos cocos verdes que um vendedor abria a facão”. g (*) Transcrito do jornal FOLHA DE PERNAMBUCO, edição de 4 de março de 2016.


MEMÓRIA CARREGANDO PEDRAS Flávio Sátiro Fernandes

Esboço de um capítulo do livro, em elaboração, Ernani Sátyro - Uma biografia. A infância de Ernani Sátiro começou de forma atribulada, como atribulados começavam os dias de muitos meninos de uma região em que a mortalidade infantil era bastante acentuada, quando as crianças, diante do olhar impotente dos pais, se viam assoladas por enfermidades que dizimavam suas vítimas desprotegidas, ante a falta de recursos médicos e a escassez de recursos humanos. Mesmo famílias abastadas se viam jogadas ao sofrimento e ao desalento, ante esse quadro sombrio e ameaçador, cuja debelação, às vezes, somente a fé na Providência dava-lhes ânimo para alcançar. Em outras oportunidades, somente a conformação lhes devolvia a paz e a serenidade. Na família de Ernani Sátyro casos havia de dor e aflição, decorrentes da impossibilidade de salvar-se um infante agonizante, vitimado por um mal que não se podia debelar. A filha primogênita de Miguel Sátiro e Dona Capitulina, batizada Dinamérica, nasceu em um ano e morreu no ano seguinte. Na casa de seu tio Sizenando, dois filhos, nascidos em anos diferentes, vieram à luz em um dia e morreram no dia seguinte. O menino Ernani não ficou imune aos males que assaltavam as crianças daquela época. Sofreu Ernani de disenteria, furunculose, convulsões, doenças que fariam seus pais aflitos. Pelejaram eles para que o filho se visse curado daquelas mazelas, mas nada o faziam sarar ou, pelo menos, melhorar. Quando já estavam eles desesperados e desesperançados de que o garoto sobrevivesse, decidiram entregá-lo a uma preta velha que nascera escrava do avô paterno de Ernani. A primeira providência que ela tomou foi juntar todos os frascos existentes em casa e jogá-los em uma gruta, para que não ficasse na casa vestígio nenhum de remédio de farmácia. Nem mesmo o cheiro. Como se fossem memórias, pág. 201

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E assim, graças às meizinhas da preta velha, cuja formulação só ela conhecia, e guardava sob sete capas, o menino foi melhorando, melhorando, até que chegou à cura total, de tal modo que tempos depois já fazia peraltices e estripulias, como a que quase lhe custa a vida. Como decorrência de uma diatribe, uma tigela de água quente lhe caiu sobre a barriga, produzindo-lhe uma queimadura vasta e profunda. O fato se deu na fazenda e, no momento, Dona Capitulina, desesperada, e apelando para o santo de sua devoção, o mesmo que a acudira, nas horas dramáticas da invasão de 12, aplicou vaselina no local, o único lenitivo de que dispunha ali, e, em seguida, mandou ir um vaqueiro à cidade, procurar o farmacêutico do lugar, que mandou um líquido para lavar o ferimento e uma pomada para aplicar no local. Graças a isso o menino Ernani, ficou pronto para outra que, graças a Deus, não houve. No mais, a infância de Ernani transcorreu igual à dos meninos de sua geração na pequena cidade natal, em que as opções de folguedos e de entretenimentos eram restritas, diante do atraso do meio e das limitadas condições de desenvolvimento social da diminuta comunidade em que nascera. À época, Patos contava em torno de cinco mil habitantes, muito embora já desse sinais da pujança que iria alcançar anos depois, constituindo-se em um polo de desenvolvimento na região, graças, sobretudo, ao seu movimentado comércio e à sua condição de centro irradiador de serviços, notadamente da área do ensino superior em que hoje se destaca. Nos primeiros anos do Século XX, contudo, a vida social deixava-se enredar no ramerrão característico dos pequenos burgos sertanejos. Tudo isso se refletia, evidentemente, na vida infantil, que não dispunha de alternativas outras, a não ser as brincadeiras próprias do meio, algumas delas, bastante perigosas, como o banho no rio Espinharas. Para escapar dos cuidados de sua mãe e de algumas serviçais que a ajudavam, não só nas tarefas de casa, mas também na vigilância sobre o menino, Ernani, como fazia os companheiros de extra-

vagâncias, cortava o cabelo sempre rente, de maneira a encobrir o seu estado de molhado e assim não denunciar o banho no rio. O tempo de inverno era tempo de alegria, não para tomar banho no rio, pois o rio era perigoso, porém, para admirar o rio cheio, com sua correnteza, como aconteceu certo dia, em que ocorreu um fato lamentável, que muito marcou o menino, permanecendo por algum tempo em sua lembrança. O rio, nesse dia, desceu forte, alimentado, como sempre, pelas águas do Rio da Cruz e do Rio Farinha, bem próximo à entrada da cidade, onde se juntam para formar o Espinharas. Daí eu já ter dito que, diferentemente de outros rios, que têm sua cabeceira a quilômetros de distância, na zona rural, o rio Espinharas nasce na cidade, em outras palavras, é um rio urbano. Pois, nesse dia, o rio desceu forte, com suas águas de barreira a barreira, chegando até a calçada alta da antiga Casa da Câmara. A calçada parecia até um cais, com o povo se apinhando para ver o espetáculo ou, como diziam alguns, “o espalho dágua”, com o rio ultrapassando seus limites, invadindo casas e arrastando árvores enormes. Nisso, chegou um rapaz que, olhando para todos que ali se achavam, desafiou-os, dizendo que iria pular no rio. “Quem duvida?”, indagou. – “Eu!”, gritou alguém. O rapaz não esperou nem um segundo. Ao se ver desafiado daquela maneira, imediatamente pulou e pôs-se a nadar lutando contra as águas furiosas. Os circunstantes ficaram a olhar o jovem inditoso, cujo corpo foi encontrado no dia seguinte, preso às ramagens de uma árvore que o rio levara. Quando o inverno se despedia, o rio secava e restavam apenas os poços situados ao longo do seu leito, dos quais o mais conhecido e festejado pela meninada era o Poço da Pedra, “traiçoeiro, onde muito menino se afogou”, revela Ernani Sátyro. Havia, ainda, “o Poço do Joazeiro, acolhedor, bem debaixo da árvore do mesmo nome”. E o Poço Figueiredo, antes da cidade.1 Momentos de deslumbramento para a Março/Abril/2016 |

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criançada eram os que constituíam a noite de Natal. A rua se enchia de pequenas barracas de folhagem, empanadas de algodãozinho, com mesinhas e cadeiras em que as pessoas do povo se sentavam para comer doce seco, sequilhos de goma e beber aluá de milho ou ananás. Na rua vendia-se rolete de cana e algodão de açúcar. Na rua também armava-se o carrossel, alegria da garotada. Para os adultos, outras barracas serviam cachaça, que se acompanhava de iguarias próprias para isso. As pessoas iam e vinham, conversando, tagarelando, se abraçando, quando encontravam um amigo, um parente, que há tempos não viam. Enquanto isso, a banda de música, criada e mantida por Major Miguel, tocava num coreto armado em frente à Igreja Matriz, para que se fizesse a retreta, com os casais passeando, indo e vindo, de braços dados, Os namorados também participavam da brincadeira. A retreta foi criação de Dona Hermínia Bonavides, Dona Minu, esposa do telegrafista Fenelon Bonavides, copiando costume da Capital. Havia ainda os presépios, armados em casas de família, com muito amor, esmero, dedicação. O mais bonito, sem dúvida, era o da Professora Maria Nunes, veneranda mestra patoense, de quem Ernani Sátiro foi discípulo. O presépio ficava armado na sala da frente e era admirado pelas janelas. Só em casos excepcionais a meninada podia entrar e se extasiar de perto com a lapinha. Tudo dentro da maior ordem e respeito. Ernani, cheio de alegria participava dessas noites, fazendo-as gravar em sua mente para, anos depois, descrevê-las em seus escritos. Saindo da noite de Natal, uma das brincadeiras a que as crianças mais se entregavam era a criação de gado de osso. Toda espécie de gado era objeto de criação: bovino, equino, caprino, suíno, dependendo da criatividade do dono. Os ossos do gado verdadeiro eram mais utilizados como gado bovino: touros, bois, vacas, bezerros. E como se adquiriam as cabeças de gado? A aquisição se dava ou pela procura nos monturos da cidade, onde os ossos eram

A União, 7 de agosto de 1937. Como se fossem memórias, pág.. 200. 4 Grande é a vida, pág. 45. 2 3

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jogados e secavam ou mediante o pagamento da quantia estipulada pelo proprietário. E pagava-se por esses ossos? Sim, o comércio era movimentado. Pagava-se com notas de papel de cigarro, que tinham valor correspondente ao papel moeda corrente e de acordo com a maior ou menor raridade do cigarro. Esses e outros folguedos infantis logo deixaram de interessar ao menino Ernani, que passou a buscar outras brincadeiras ou atividades mais atrativas, que oferecessem campo ou respostas às suas indagações ou perquirições. Passou a se interessar pelas pessoas, observando-lhes os costumes, os modos, as maneiras de falar, de se expressar. Foi, por exemplo, visitar um acampamento de ciganos que se instalara nas imediações de Patos. Era o bando do cigano Severiano, vindo uns a pé, outros a cavalo, outros mais de automóvel. Numa tarde de domingo, Patos inteira se dirigiu às imediações do Riacho do Frango, onde o bando acampara. Ernani, que acompanhara a horda patoense a caminho do acampamento, tudo observava, captando os detalhes, as minúcias, que, tempos depois, registraria em uma de suas páginas.2 Casinhas de pano, de dois metros de altura; panelas com feijão na água e no sal, animais soltos no campo, cercados precariamente, as cercas estragadas, de cima a baixo, pelos próprios ciganos para maior utilização de lenha... Ciganinhos pedindo tostões, numa língua arrevezada que ninguém entendia. Desse interesse do Amigo Velho pelas pessoas e pelos costumes, modos e maneiras de falar e de se expressar dos sertanejos, nasceram, talvez, duas notas de acentuada presença em seu comportamento e em seu relacionamento com os seus semelhantes: a sua arguta percepção das características dos indivíduos, o que o faria um exímio traçador de perfis humanos, em artigos e discursos, na tribuna popular, nos saraus literários e, notadamente, na tribuna parlamentar, de que são exemplos os retratos por ele riscados de Getúlio Vargas, Agamenon Magalhães, Soares Filho, Otávio Mangabeira, José Américo,

Argemiro de Figueiredo, João Suassuna. A outra nota seria o seu costume de mimetizar-se em matuto, falando às pessoas do povo, em casa, nos sítios, nos povoados, à maneira delas, como uma forma de mais se aproximar dos seus conterrâneos menos letrados: - “Oh, cuma vai você, Seu Honório”. “Astro dia eu me alembrei de vosmicê, Seu Laurentino”. “Ô João, você se astreve a roçar esse mato em uma semana?”. “Inté amenhã, Dona Isaura”. “Seu Benedito, você se alembra daquele caso que eu advoguei e vosmicê foi testemunha?” Essas expressões, exemplificativamente, eram empregadas por Ernani Sátyro no dia a dia com algumas pessoas do povo. Acompanhando o pai pelas andanças políticas e pelas audiências judiciais, sobretudo as de natureza criminal, assim como pelas sessões do Tribunal do Júri, Ernani Sátyro não só fazia seu aprendizado jurídico, como igualmente divertia-se e comprazia-se em exercitar a prática do julgamento popular, discursando em defesa de um gato que ele amarrava ao pé de uma mesa, fazendo-o réu de um crime de “raticídio”. Para isso, discorria com relativa facilidade em favor do acusado, debitando seu ato ao instinto selvagem, ao mesmo tempo em que lhe bendizia “o ato de eliminar um ser pernicioso”. 3 Outro atrativo para Ernani passou a ser o trabalho dos aguadores, assim chamados os que se entregavam à labuta de carregar água para as casas residenciais dos Patos. O menino conhecia vários deles, nominando-os: Manuel Paletó, José Birro, Chico da Velha Porfíria, Zé Carlota, José Damião, Elisiário. Alguns colegas de escola de Ernani carregavam água e ele, por sua vez, tinha uma vontade louca de ser carregador dágua. Quem abastecia a casa de Miguel Sátiro era José Damião com quem Ernani, com ou sem o consentimento de sua mãe, ia até o rio ajudando o aguador a encher as ancoretas ou os tambores. Diria Ernani Sátiro, tempos depois, em uma de suas crônicas: “Se não consegui carregar água, naquele tempo, carreguei pedras pelo resto da vida...” g


FICÇÃO O SUAVE MILAGRE Conto de Eça de Queiroz

Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galileia e das doces, luminosas margens do lago de Tiberíade — mas a nova dos seus milagres penetrara já até Enganim, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e vinhedos, no país de Issacar. Uma tarde um homem de olhos ardentes e deslumbrados passou no fresco vale, e anunciou que um novo profeta, um rabi formoso, percorria os campos e as aldeias da Galileia, predizendo a chegada do Reino de Deus, curando todos os males humanos. E, enquanto descansava, sentado à beira da Fonte dos Vergéis, contou ainda que esse rabi, na estrada de Magdala, sarara da lepra o servo de um decurião romano, só com estender sobre ele a sombra das suas mãos; e que noutra manhã, atravessando numa barca para a terra dos Gerasenos, onde começava a colheita do bálsamo, ressuscitara a filha de Jairo, homem considerável e douto que comentava os livros na sinagoga. E como em redor, assombrados, seareiros, pastores, e as mulheres trigueiras com a bilha no ombro, lhe perguntassem se esse era, em verdade, o Messias da Judeia, e se diante dele refulgia a espada de fogo, e se o ladeavam, caminhando como as sombras de duas torres, as sombras de Gog e de Magog — o homem, sem mesmo beber daquela água tão fria de que bebera Josué, apanhou o cajado, sacudiu os cabelos, e meteu pensativamente por sob o aqueduto, logo sumido na espessura das amendoeiras em flor. Mas uma esperança, deliciosa como o orvalho nos meses em que canta a cigarra, refrescou as almas simples: logo, por toda a campina que verdeja até Áscalon, o arado pareceu mais brando de enterrar, mais leve de mover a pedra do lagar: as crianças, colhendo ramos de anêmonas, espreitavam pelos caminhos se além da esquina do muro, ou de sob o sicômoro, não surgiria uma claridade, e nos bancos de pedra, às portas da cidade, os velhos, correndo os dedos pelos fios das barbas, já não desenrolavam, com tão sapiente certeza, os ditames antigos. Ora então vivia em Enganim um velho, por nome Obed, de uma família pontifical de Samaria, que sacrificara nas aras do monte Ebal, senhor de fartos rebanhos e de fartas

vinhas — e com o coração tão cheio de orgulho como seu celeiro de trigo. Mas um vento árido e abrasado, esse vento de desolação que ao mando do Senhor sopra das torvas terras de Assur, matara as reses mais gordas das suas manadas, e pelas encostas onde as suas vinhas se enroscavam ao olmo, e se estiravam na latada airosa, só deixara, em torno dos olmos e pilares despidos, sarmentos de cepas mirradas, e a parra roída de crespa ferrugem. E Obed, agachado à soleira da sua porta, com a ponta do manto sobre a face, palpava a poeira, lamentava a velhice, ruminava queixumes contra Deus cruel. Apenas ouvira porém desse novo rabi da Galileia que alimentava as multidões, amedrontava os demônios, emendava todas as desventuras — Obed, homem lido, que viajara na Fenícia, logo pensou que Jesus seria um desses feiticeiros, tão costumados na Palestina, como Apolónio, ou rabi Ben-Dossa, ou Simão, “o Subtil”. Esses, mesmo nas noites tenebrosas, conversam com as estrelas, para eles sempre claras e fáceis nos seus segredos; com uma vara afugentam de sobre as searas os moscardos gerados nos lodos do Egipto; e agarram entre os dedos as sombras das árvores, que conduzem, como toldos benéficos, para cima das eiras, à hora da sesta. Jesus da Galileia, mais novo, com magias mais viçosas decerto, se ele largamente o pagasse, sustaria a mortandade dos seus gados, reverdeceria os seus vinhedos. Então Obed ordenou aos seus servos que partissem, procurassem por toda a Galileia o rabi novo, e com promessa de dinheiros ou alfaias o trouxessem a Enganim, no país de Issacar. Os servos apertaram os cinturões de couro — e largaram pela estrada das caravanas, que, costeando o lago, se estende até Damasco. Uma tarde, avistaram sobre o poente, vermelho como uma romã muito madura, as neves finas do monte Hérmon. Depois, na frescura de uma manhã macia, o lago de Tiberíade resplandeceu diante deles, transparente, coberto de silêncio, mais azul que o céu, todo orlado de prados floridos, de densos vergeis, de rochas de pórfiro, e de alvos terraços por entre os palmares, sob o voo das rolas. Um pescador que desamarrava pregui-

çosamente a sua barca de uma ponta de relva, assombreada de aloendros, escutou, sorrindo, os servos. O rabi de Nazaré? Oh! desde o mês de Ijar, o rabi descera, com os seus discípulos, para os lados para onde o Jordão leva as águas. Os servos correndo, seguiram pelas margens do rio, até adiante do vau, onde ele se estira num largo remanso, e descansa, e um instante dorme, imóvel e verde, à sombra dos tamarindos. Um homem da tribo dos Essênios, todo vestido de linho branco, apanhava lentamente ervas salutares, pela beira da água, com um cordeirinho branco ao colo. Os servos humildemente saudaram-no, porque o povo ama aqueles homens de coração tão limpo, e claro, e cândido como as suas vestes cada manhã lavadas em tanques purificados. E sabia ele da passagem do novo rabi da Galileia que, como os Essénios, ensinava a doçura, e curava as gentes e os gados? O Essénio murmurou que o rabi atravessara o oásis de Engaddi, depois se adiantara para além... — Mas onde, além? — Movendo um ramo de flores roxas que colhera, o Essénio mostrou as terras de além-Jordão, a planície de Moab. Os servos vadearam o rio — e debalde procuravam Jesus, arquejando pelos rudes trilhos, até às fragas onde se ergue a cidadela sinistra de Makaur... No Poço de Jacob repousava uma larga caravana, que conduzia para o Egipto mirra, especiarias e bálsamos de Gilead, e os cameleiros, tirando a água com os baldes de couro, contaram aos servos de Obed que em Gadara, pela lua nova, um rabi maravilhoso, maior que David ou Isaías, arrancara sete demônios do peito de uma tecedeira, e que, à sua voz, um homem degolado pelo salteador Barrabás se erguera da sua sepultura e recolhera ao seu horto. Os servos, esperançados, subiram logo açodadamente pelo caminho dos peregrinos até Gadara, cidade de altas torres, e ainda mais longe até as nascentes de Amalha... Mas Jesus, nessa madrugada, seguido por um povo que cantava e sacudia ramos de mimosa, embarcara no lago, num batel de pesca, e à vela navegara para Magdala. E os servos de Obed, descoroçoados, de novo passavam o Jordão na Ponte das Filhas de Jacob. Um dia, já com as sandálias rotas dos longos caminhos, pisando já as Março/Abril/2016 |

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terras da Judeia Romana, cruzaram um fariseu sombrio, que recolhia a Efraim, montado na sua mula. Com devota reverência detiveram o homem da Lei. Encontrara ele, por acaso, esse profeta novo da Galileia que, como um deus passeando na Terra, semeava milagres? A adunca face do fariseu escureceu enrugada — e a sua cólera retumbou como um tambor orgulhoso: - Oh escravos pagãos! Oh blasfemos! Onde ouvistes que existissem profetas ou milagres fora de Jerusalém? Só Jeová tem força no seu Templo. De Galileia surdem os néscios e os impostores... E como os servos recuaram ante o seu punho erguido, todo enrodilhado de dísticos sagrados — o furioso doutor saltou da mula e, com as pedras da estrada, apedrejou os servos de Obed, uivando: Racca! Racca! e todos os anátemas rituais. Os servos fugiram para Enganim. E grande foi a desconsolação de Obed, porque os seus gados morriam, as suas vinhas secavam — e todavia, radiantemente, como uma alvorada por detrás de serras, crescia, consoladora e cheia de promessas divinas, a fama de Jesus da Galileia. Por esse tempo, um centurião romano, Públio Sétimo, comandava o forte que domina o vale de Cesareia, até à cidade e ao mar. Públio, homem áspero, veterano da campanha de Tibério contra os Partos, enriquecera durante a revolta de Samaria com presas e saques, possuía minas na Ática e gozava, como favor supremo dos deuses, a amizade de Flaco, legado imperial da Síria. Mas uma dor roía a sua prosperidade muito poderosa como um verme rói um fruto muito suculento. Sua filha única, para ele mais amada que vida ou bens, definhava com um mal subtil e lento, estranho mesmo ao saber dos esculápios e mágicos que ele mandara consultar a Sídon e a Tiro. Branca e triste

como a lua num cemitério, sem um queixume, sorrindo palidamente a seu pai definhava, sentada na alta esplanada do forte, sob um velário, alongando saudosamente os negros olhos tristes pelo azul do mar de Tiro, por onde ela navegara de Itália, numa galera enfestoada. Ao seu lado, por vezes, um legionário, entre as ameias, apontava vagarosamente ao alto a flecha, e varava uma grande águia, voando de asa serena, no céu rutilante. A filha de Sétimo seguia um momento a ave torneando até bater morta sobre as rochas — depois, mais triste, com um suspiro, e mais pálida, recomeçava a olhar para o mar. Então Sétimo, ouvindo contar, a mercadores de Chorazim, deste rabi admirável, tão potente sobre os espíritos, que sarava os males tenebrosos da alma, destacou três decúrias de soldados para que o procurassem por Galileia, e por todas as cidades da Decápole, até a costa e até Áscalon. Os soldados enfiaram os escudos nos sacos de lona, espetaram nos elmos ramos de oliveira – e as suas sandálias ferradas apressadamente se afastaram, ressoando sobre as lajes de basalto da estrada romana que desde Cesareia até ao lago corta toda a tetrarquia de Herodes. As suas armas de noite, brilhavam no topo das colinas, por entre a chama ondeante dos archotes erguidos. De dia invadiam os casais, rebuscavam a espessura dos pomares, esfuracavam com a ponta das lanças a palha das medas: e as mulheres, assustadas, para os amansar, logo acudiam com bolos de mel, figos novos, e malgas cheias de vinho, que eles bebiam de um trago, sentados à sombra dos sicômoros. Assim correram a Baixa Galileia — e, do rabi, só encontraram o sulco luminoso nos corações. Enfastiados com as inúteis marchas, desconfiando que os Judeus sonegassem o seu feiticeiro para que os Romanos não aproveitassem do superior feitiço, derramavam

com tumulto a sua cólera, através da piedosa terra submissa. À entrada das aldeias pobres detinham os peregrinos, gritando o nome do rabi, rasgando os véus às virgens: e, à hora em que os cântaros se enchem nas cisternas, invadiam as ruas estreitas dos burgos, penetravam nas sinagogas, e batiam sacrilegamente com os punhos das espadas nas Thebahs, os santos armários de cedro que continham os Livros Sagrados. Nas cercanias de Hébron arrastaram os solitários pelas barbas para fora das grutas, para lhes arrancar o nome do deserto ou do palmar em que se ocultava o rabi — e dois mercadores fenícios que vinham de Jope com uma carga de malóbatro, e a quem nunca chegara o nome de Jesus, pagaram por esse delito cem dracmas a cada decurião. Já a gente dos campos, mesmos os bravios pastores de Idumeia, que levam as reses brancas para o Templo, fugiam espavoridos para as serranias, apenas luziam, nalguma volta do caminho, as armas do bando violento. E da beira dos eirados, as velhas sacudiam como taleigos a ponta dos cabelos desgrenhados, e arrogavam sobre eles as Más Sortes, invocando a vingança de Elias. Assim tumultuosamente erraram até Áscalon: não encontraram Jesus: e retrocederam ao longo da costa enterrando as sandálias nas areias ardentes. Uma madrugada, perto de Cesareia, marchando num vale, avistaram sobre um outeiro um verde-negro bosque de loureiros, onde alvejava, recolhidamente, o fino e claro pórtico de um templo. Um velho, de compridas barbas brancas, coroado de folhas de louro, vestido com uma túnica cor de açafrão, segurando uma curta lira de três cordas, esperava gravemente, sobre os degraus de mármore, a aparição do Sol. Debaixo, agitando um ramo de oliveira, os soldados bradaram pelo sacerdote. Conhecia ele um novo profeta que surgira na

ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA BEL. FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES OAB Nº. 17.131/PB Fone: (83) 99981-2335

Especialista em Direito Administrativo 46

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Galileia, e tão destro em milagres que ressuscitava os mortos e mudava a água em vinho? Serenamente, alargando os braços, o sereno velho exclamou por sobre a rociada verdura do vale: — Oh romanos! pois acreditais que em Galileia ou Judeia apareçam profetas consumando milagres? Como pode um bárbaro alterar a ordem instituída por Zeus?... Mágicos e feiticeiros são vendilhões, que murmuram palavras ocas, para arrebatar a espórtula dos simples... Sem a permissão dos imortais nem um galho seco pode tombar da árvore, nem seca folha pode ser sacudida na árvore. Não há profetas, não há milagres... Só Apolo Délfico conhece o segredo das coisas! Então, devagar, com a cabeça derrubada, como numa tarde de derrota, os soldados recolheram à fortaleza de Cesareia. E grande foi o desespero de Sétimo, porque sua filha morria, sem um queixume, olhando o mar de Tiro — e todavia a fama de Jesus, curador dos lânguidos males, crescia, sempre mais consoladora e fresca, como a aragem da tarde que sopra do Hérmon e, através dos hortos reanima e levanta as açucenas pendidas. Ora entre Enganim e Cesareia, num casebre desgarrado, sumido na prega de um cerro, vivia a esse tempo uma viúva, mais desgraçada mulher que todas mulheres de Israel. O seu filhinho único, todo aleijado, passara do magro peito a que ela o criara para os farrapos de enxerga apodrecida, onde jazera, sete anos passados, mirrando e gemendo. Também a ela a doença a engelhara dentro dos trapos nunca mudados, mais escura e torcida que uma cepa arrancada. E, sobre ambos espessamente a miséria cresceu como o bolor sobre cacos perdidos num ermo. Até na lâmpada de barro vermelho secara há muito o azeite. Dentro da arca pintada não restava grão ou côdea. No Estio, sem pasto, a cabra morrera. Depois, no quin-

teiro, secara a figueira. Tão longe do povoado, nunca esmola de pão ou mel entrava o portal. E só ervas apanhadas nas fendas das rochas, cozidas sem sal, nutriam aquelas criaturas de Deus na Terra Escolhida, onde até às aves maléficas sobrava o sustento! Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada, e um momento sentado na pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse rabi que aparecera na Galileia, e de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava, com olhos famintos. E esse doce rabi, esperança dos tristes, onde se encontrava? O mendigo suspirou. Ah esse doce rabi! quantos o desejavam, que se desesperançavam! A sua fama andava por sobre toda a Judeia, como o sol que até por qualquer velho muro se estende e se goza; mas para enxergar a claridade do seu rosto, só aqueles ditosos que o seu desejo escolhia. Obed, tão rico, mandara os seus servos por toda a Galileia para que procurassem Jesus, o chamassem com promessas a Enganim; Sétimo, tão soberano, destacara os seus soldados até à costa do mar, para que buscassem Jesus o conduzissem, por seu mando a Cesareia. Errando esmolando por tantas estradas, ele topara os servos de Obed, depois os legionários de Sétimo. E todos voltavam, como derrotados, com as sandálias rotas sem ter descoberto em que mata ou cidade, em que toca ou palácio, se escondia Jesus. A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar de uma

asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça esguedelhada: — Oh filho e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos à procura do rabi da Galileia? Obed é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Corazim até ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde o Hébron até ao mar! Como queres que te deixe! Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora conosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota? A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou: — Oh mãe! Jesus ama todos os pequenos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar! E a mãe, em soluços: — Oh meu filho, como te posso deixar? Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes. De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou: — Mãe, eu queria ver Jesus... E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança: — Aqui estou. g

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HOMENAGEM FALECEU O EX-DEPUTADO MÚCIO WANDERLEY SÁTYRO Equipe GENIUS

Faleceu aos vinte e nove dias do mês de fevereiro do corrente ano, no Hospital da UNIMED, em João Pessoa, onde estava internado há um mês, o Ex-Deputado Estadual Múcio Wanderley Sátiro, 74, vítima de complicações decorrentes do Mal de Parkson, que o acometera há alguns anos. Múcio era natural de Patos, onde nasceu aos 5 de novembro de 1941, filho de Clóvis Sátyro e Sousa e Doralice Wanderley Sátyro. Fez os estudos primários em sua terra natal, assim como iniciou os estudos ginasiais no Ginásio Diocesano de Patos, concluindo-os, assim como os estudos colegiais no Colégio Salesiano, do Recife. Após aprovação em concurso vestibular, ingressou na velha e tradicional Faculdade de Direito do Recife, por onde se graduou em 1967. Naquela escola, foi contemporâneo dos paraibanos Flávio Sátiro Fernandes, Romero Ábdon Queiroz da Nóbrega, Eilzo Nogueira Matos, Roberto Figueiredo e vários outros, que, àquele tempo, ocupavam os seus bancos escolares. Sobrinho do Ex-Governador Ernani Sátyro, filho de Clóvis Sátyro, que foi Prefeito de Patos em quatro períodos, sobrinho, igualmente, do Ex-Prefeito Nabor Wanderley da Nóbrega, Múcio, logo cedo, decidiu-se pela política, a que emprestou toda a sua vida, enquanto o povo o elegeu. As raízes de sua atividade política, com a qual conquistou uma efetiva liderança em Patos e região foram plantadas ao tempo de estudante, quando foi escolhido, em renhida eleição, Presidente da Associação Universitária de Patos (AUP), que marcou, grandemente, larga fase da história social das Espinharas. Seu primeiro mandato lhe foi concedido em 1970, quando se viu escolhido com a maior votação alcançada por um candidato nas eleições daquele ano. Em 1974, não pôde Múcio candidatar-se. O movimento revolucionário, em pleno vigor, à época, vedou aos governadores dos Estados se afastarem dos respectivos cargos para se candidatar a qualquer outro posto eletivo, exigindo-lhes

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Da esquerda para a direita, Umberto, Múcio, Flávio e Ernani Sátyro, quando este dava entrevista ao jornalista Carlos José Rocha, no hall doHotel Guararapes, em Recife (1962)

O nosso Diretor Flávio Sátiro Fernandes, o Desembargador Aposentado do TRT, 10ª Região (Brasília), Bertholdo Sátyro e Sousa e Múcio Sátyro

o cumprimento integral de seus mandatos. Tal determinação criou para Múcio um impedimento que o proibiu de candidatar-se à reeleição à Assembleia Legislativa do Estado. Permaneceu, por isso, afastado daquela casa legislativa, passando a ocupar o cargo de Diretor da CINEP, no Governo Ivan Bichara Sobreira.

No pleito de 1978, eleito, voltou à Assembleia Legislativa, e sucessivamente se viu reconduzido à Casa de Epitácio Pessoa, nas eleições de 1982, 1986, 1990. Lá, ocupou diversas comissões permanentes e em vários exercícios ocupou lugar na Mesa Diretora. No pleito de 1994, não logrou êxito em sua nova postulação, permanecen-


do como suplente, o mesmo ocorrendo em 1998. Daí em diante não mais disputou cargos eletivos, devido, sobretudo, ao mal que já o acometera, privando-o de continuar a árdua e difícil atividade política. Nas eleições municipais de 1992, antes de retirar-se da política, Múcio tentou galgar o cargo de Prefeito de Patos, o que não conseguiu, ocasião em que o médico Antônio Ivânio Ramalho de Lacerda viu-se eleito, derrotando os demais candidatos, inclusive o futuro Prefeito Dinaldo de Medeiros Wanderley. Durante toda a sua atividade política de Múcio e enquanto Ernani Sátyro vivo esteve, ambos mantiveram uma parceria estreita e constante, ajudando-se mutuamente e contando, ainda, com a colaboração de Clóvis Sátyro. Dedicado também a atividades rurais e empresariais, Múcio participou, juntamente com Ernani Sátyro e outros amigos, da criação da Rádio Panati, emissora de rádio que grande prestígio alcançou, servindo não só às atividades políticas, mas também aos interesses do empresariado local. Casado com Elizabeth Vieira Sátyro, filha do Ex-Prefeito de Patos, Milton Gomes Vieira e Ex-Secretário das Finanças, do Governo Ernani Sátyro, tiveram os filhos Maria Olívia, Juliana e Múcio Filho, e os netos Alice, Miguel, Maria Júlia, Múcio e Rafael. O corpo de Múcio foi velado, em João Pessoa, no Salão Nobre da Assembleia Legislativa do Estado. No seu velório, na Assembleia, presentes vários de seus colegas de plenário, alguns deles prestaram depoimentos sobre a vida política de Múcio, valendo ressaltar o pronunciamento do Ex-Deputado Assis Camelo, que, em poucas palavras, definiu o comportamento ético-político do homenageado: “Apesar de sobrinho do então Governador Ernani Sátyro, Múcio jamais se valeu de sua aproximação e de seu prestígio com o Governador para atropelar seus colegas de Assembleia”. Ramalho Leite, Deputado ao tempo de Múcio, observou, ser Múcio o 14º constituinte de 1989 que se vai, lembrando que Múcio, “longe do poder exercido pelo tio, mostrou seu valor

Nabor Wanderley, Ex-Prefeito de Patos; Romero Nóbrega, Flávio Sátiro e Múcio Sátiro, nos tempos da Associação Universitária de Patos (AUP)

Elizabeth e Múcio

e conquistou luz própria”. O Presidente da Assembleia, Deputado Adriano Galdino, assinou ato, decretando luto oficial por três dias, ressaltando que as ações do ex-deputado seguirão presentes na memória de todos. Por sua vez, a Prefeita Francisca Mota também decretou luto por três dias e ob-

servou: “A cidade está politicamente mais pobre. Advindo de uma família que tem muito serviço prestado aos patoenses, através de nomes como o seu tio Ernani Satyro e o seu pai, Clóvis Satyro, Múcio foi um ser humano e homem público que orgulhou e respeitou a cidade de Patos como seu legítimo representante”. A presidente da Mesa Diretora da Casa Juvenal Lúcio de Sousa, Vereadora Nadir Rodrigues Guedes relembrou alguns momentos da história do ex-deputado e disse que “Patos vive um momento de tristeza e luto profundo, pois perdeu mais que um filho, perdeu aquele que sempre foi visto e tido como um filho que lutou e deu a sua contribuição para o nosso povo, seja através de seus cinco mandatos como deputado estadual, onde desempenhou cargos de presidente de comissões importantes e outros cargos de destaque, ou de sua militância na política local”. Em Patos, o corpo de Múcio foi também velado, em sua residência, tendo o sepultamento ocorrido no Cemitério São Miguel, para onde foi levado em carro do Corpo de Bombeiros local. g

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CIÊNCIA EINSTEIN E O INÍCIO DE UMA NOVA ERA: A ASTRONOMIA DAS ONDAS GRAVITACIONAIS Evandro da Nóbrega (Especial para GENIUS)

“Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que pode sonhar tua vã filosofia”... — SHAKESPEARE, pela boca de Hamlet. A rigor, o tratamento de um tema como este, o das ondas gravitacionais, estaria a exigir o uso, já não digo da Matemática Transcendental, mas, sim, da Matemática superior, das elegantes equações dos físicos, das equações de campo, do cálculo tensorial, do cálculo diferencial, dos conceitos de campos vetoriais, do cálculo vetorial, do cálculo integral (alguns dos quais indispensáveis na Mecânica Quântica), para não falar da métrica de Schwarzschild e da métrica de Gödel, além, claro, de outras ferramentas principais usadas por esta teoria geométrica da gravitação, como os campos tensoriais definidos sobre uma variedade lorentziana que represente o espaço-tempo. No entanto, largo das formulações matemáticas e do formalismo das equações, pautando-me, aqui, na razoável experiência de seguidor — desde os tempos do professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque como reitor da UFPB — dos ensinamentos do notável médico, professor, escritor e jornalista Júlio Abramczyk, da USP e do jornal Folha de S. Paulo, para continuar sustentando, como cultor do Jornalismo Científico, ser possível abordar assunto tão especializado quanto este, mediante a utilização da linguagem mais ou menos comum, qual seja a empregada no presente artigo. Dito o que passemos de rijo ao objeto de nossa perquirição, as tais ondas gravitacionais. Seja-nos permitido principiar esta abordagem recorrendo, logo de início, a uma das melhores biografias do Pai da Relatividade, o livro Subtle is the Lord... - The Science and the Life of Albert Einstein, de autoria do cientista, escritor e biógrafo Abraham Pais, da Universidade Rockefeller [Oxford University Press, Nova York, 1982]. A edição em que nos baseamos é a de 2005, já incorporando o notável Prefácio de outro grande cientista, Roger Penrose, também amigo de Einstein, assim como do Autor da biografia deste. Até 1915 (melhor, entre 1907 e 1915),

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Einstein desenvolveu a teoria da gravitação hoje universalmente conhecida como Relatividade Geral, à qual muitos outros cientistas vieram dando suas contribuições. Segundo a teoria da Relatividade Geral, a atração gravitacional que se observa entre dadas massas resulta da deformação, da distorção, do “entortamento”, do “empenamento”, enfim, da curvatura do espaço e do tempo por ambas as massas. Antes da progressiva adoção da Relatividade Geral pela Ciência moderna, a teoria aceita (por mais de 200 anos) para descrever a força gravitacional atuante entre dois corpos era a Lei da Gravitação Universal de Isaac Newton — o que não quer dizer que o próprio Newton considerasse sua teoria a palavra final sobre a gravidade em geral. Tanto que, com o passar do tempo, as meticulosas observações astronômicas de grande número de sábios foram descobrindo discrepâncias entre o que dizia a teoria até então aceita e os dados da realidade. Enfim, havia muitos fatos no Universo que não podiam ser completamente explicados pela visão de Newton — um dos mais poderosos cérebros que o mundo já produziu, haja vista sua genial obra The Mathematical Principles of Natural Philosophy. [Uma das mais bem cuidadas edições é esta que o degas aqui conserva em seus alfarrábios: a da coleção Great Books, University of Chicago, 1952]. É bem sabido que o próprio Newton, honestamente, admitiu que, se vira mais longe que outros, isto se devera ao fato de haver escalado os ombros bem mais altos de gigantes da Física em todas as eras, desde a antiguidade grega. Coisa bem parecida se pode dizer de Einstein, que primeiro se assenhoreou de praticamente todo o conhecimento de físicos anteriores à sua época e mesmo de alguns de seus contemporâneos, para depois se lançar à hercúlea tarefa de... conhecer a mente de Deus. Vê-se que Einstein, paradoxalmente, foi a um tempo cientista altamente revolucionário, pela natureza de suas postulações, mas, também, um cientista até certo ponto... conservador. Embora suas teorias tenham dado origem aos vários ramos da Física Quântica,

o maior cientista do século XX jamais chegou a aceitar as implicações mais radicais daí resultantes... Claro que a Física newtoniana (ou “clássica”) manter-se-ia válida para um sem-número de fenômenos da Natureza. Mas a Relatividade Geral e as surpreendentes proposições da Física Quântica passaram a explicar melhor certas ocorrências no Universo, como, para dar um exemplo inicial (e referente apenas à Relatividade Geral), as pequenas anomalias na órbita de Mercúrio e outros planetas. Graças à Relatividade Geral foi possível — primeiramente ao próprio Einstein, depois a outros cientistas, em número sempre crescente — prever efeitos ainda desconhecidos ou inexplicáveis da gravidade, da gravitação, a exemplo das ondas gravitacionais (a que voltaremos, em breve, com mais detalhes); as lentes gravitacionais; e o de início desconcertante efeito da gravidade sobre o tempo (na unidade espaço-tempo) que viria a ficar conhecido como dilatação gravitacional do tempo. De início céticos, em sua generalidade, os meios científicos foram se convencendo, pouco a pouco (e, depois, com uma espécie de ovação internacional a Einstein), de que todas as ilações da Relatividade Geral podiam ser comprovadas pela observação e pelos experimentos cuidadosamente preparados para testar tais ou quais previsões. Como “modelo”, este outro termo, “previsão”, é um conceito muito importante em Física: uma teoria se mantém tanto mais suas previsões sejam confirmadas pelos testes de verificabilidade. AS ONDAS GRAVITACIONAIS Mas existem ainda casos em que os cientistas espera(va)m por mais dados com vistas à comprovação de certas previsões das teorias einsteinianas. Até um dia desses, era o caso das ondas gravitacionais. Sim, porque a principal teoria de Einstein, a Relatividade Geral, tornou-se ferramenta essencial para as modernas Astrofísica, Cosmologia e Astronomia, sem falar em outros campos da Ciência. Explica, por exemplo, os quase inacre-


BURACOS-NEGROS DANÇANDO UM “PAS DE DEUX” — Histórica e impressionante imagem no Portal do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), o observatório com interferômetro a laser para detectar ondas gravitacionais, exibindo a notícia da detecção, pela primeira vez, das ondas gravitacionais, 100 anos depois da previsão de Einstein. A imagem principal da página, creditada ao Projeto SXS (Simulating Extreme Spacetimes ou Simulando Extremos Espaços-Tempos), mostra a fusão de dois buracos-negros (um buraco-negro “engolindo” outro), no espaço-tempo curvado pela altamente densa gravidade oriunda dos dois. A catastrófica energia produzida por tal evento cósmico seria a responsável pela emissão das ondas gravitacionais ora recebidas na Terra, depois de viajarem por milhões de anos-luz.

ditáveis buracos-negros (regiões do espaço em que a atração gravitacional é tão forte que nem mesmo a luz pode escapar à sua força de atração e cuja forte gravidade provê a intensa radiação emitida por alguns tipos de objetos astronômicos, como os microquasares e os núcleos ativos das galáxias); tornou-se fundamental, este ramo da Relatividade, para a concepção do modelo cosmológico padrão, hoje em dia mais aceito pela comunidade científica, o do big bang. Depois de seu grande feito de 1915, Einstein prosseguiu estudando as questões suscitadas pela Relatividade Geral e, deste modo, veio a ser o primeiro físico a formular a teoria das ondas gravitacionais. Tornou-se ainda o fundador da Cosmologia Relativística em geral. Mas radiogaláxias, quasares, estrelas de nêutrons, buracos-negros e outras incríveis realidades do Universo observável somente viriam a ser descobertas depois da morte de Einstein. O próprio Einstein havia proposto pelo menos três testes para comprovar sua teoria da Relatividade Geral. Quando de sua formulação inicial, em 1915, a Teoria da Relatividade Geral não contava ainda com uma fundamentação empírica de tal solidez que pudesse suplantar o ceticismo da maioria dos cientistas da época. Uma coisa que ficou logo patente: a teoria não só explicava, no campo físico propria-

mente dito, a inesperada precessão observada no periélio do planeta Mercúrio, como, no campo filosófico, era capaz de unificar a lei da Gravitação Universal, de Newton, com a Teoria da Relatividade Especial, formulada pelo próprio Einstein anos antes, em 1905. Em 1919, provou-se outra proposição decorrente da Teoria da Relatividade Geral de Einstein: a de que a luz parece curvar-se na presença de campos gravitacionais. Mas seria preciso esperar até o ano de 1959 para que se iniciasse todo um programa com baterias de autênticos testes de precisão, capazes de refinar as mais variegadas ocorrências de confirmações da Teoria. Em 1974, outro grupo de cientistas do mais alto coturno investigou o comportamento dos pulsares binários, onde os campos gravitacionais, obviamente, deviam ser bem mais fortes, mais pronunciados, mais poderosos que os existentes em nosso Sistema Solar. Por enquanto, diga-se que foram muito bem testadas as previsões da Relatividade Geral quanto aos limites do campo gravitacional fraco, como o existente no Sistema Solar, e os campos gravitacionais mais fortes presentes nos pulsares binários, sobre os quais se desce a detalhes mais adiante. Não se pode deixar de anotar, aqui, preliminarmente, que uma estrela binária (ou estrela dupla) constitui um par de estrelas em órbita

em torno de seu centro comum de gravidade. Vocês pensam que são raras as estrelas duplas? Pois vejam isto: talvez metade de todas as estrelas de nossa Galáxia, a Via Láctea, seja formada não apenas por binárias, mas, também, integre sistemas múltiplos e ainda mais complexos. Tais pulsares, com seus fortes campos gravitacionais, constituem-se decorrentemente em poderosas fontes de ondas gravitacionais, como o são também as proximidades dos buracos-negros e, em especial, dos superburacos-negros ativos nos núcleos de galáxias, além dos quasares com maior atividade. Não é fácil observar e estudar esses pulsares, quasares, núcleos galácticos, buracos-negros e superburacos-negros, a começar mesmo das distâncias em anos-luz que deles nos separa o espaço sideral. No entanto, as ciências, especialmente a Astrofísica e a Cosmologia têm avançado bastante nesse complexo, cumulativo e fascinante conhecimento. Em verdade, tais realidades astronômicas têm sido observadas e interpretadas não apenas do ponto de vista do modelo da Relatividade Geral, mas igualmente seguindo as sugestões teóricas presentes em outros modelos de gravitação. A atuação do grande físico Stephen Hawking, porém, consolidou em definitivo os conhecimentos até agora obtidos, por exemplo, no caso dos buracos-negros. Como é sabido, Hawking, de início, não admitia que buracos-negros pudessem emitir radiação, entendimento que ele mesmo surpreendentemente abandonaria depois, com ponderável argumentação. Entra em cena, também aqui, o chamado princípio da equivalência (ou princípio nulo) de Lorenz. Trata-se de lei fundamental da Física, estatuindo que as forças inerciais e gravitacionais são da mesma natureza e, frequentemente, não podem ser distinguidas umas das outras. Ignorando-se propositalmente, aqui, a visão newtoniana e os experimentos de Eötvös, diga-se, apenas, que, em queda livre, pelas formulações de Einstein, o efeito da gravidade é inteiramente abolido em todos os experimentos possíveis, reduzindo-se a Relatividade Geral à Relatividade Especial, como ocorre no estado de inércia (oposto à queda livre). Em decorrência do citado princípio de equivalência, a invariância de Lorentz sustém-se localmente em quadros de referência não rotativos e em queda livre. Assim, os experimentos relacionados com a invariância lorentziana e, desta forma, a Relatividade Especial — vale dizer, quando os efeitos gravitacionais podem ser descartados — pertencem aos testes da Relatividade Especial e não ao campo experimental da Relatividade Geral. A RELATIVIDADE ESPECIAL Antes que o leitor pergunte qual a difeMarço/Abril/2016 |

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rença entre Relatividade Geral e Relatividade Especial, avance-se que esta última, também chamada de Teoria Especial, formulada em 1905 e um conceito fundamental para a Física moderna (lado a lado com a Mecânica Quântica), é parte da mui mais abrangente teoria física da Relatividade de Einstein. Lida a Relatividade Especial com objetos que se movam a velocidade constante, em linha reta — enfim, em “movimento inercial”. Um conceito deveras importante fixado por esta teoria foi a de que a velocidade da luz (a rapidez com que as ondas de luz se propagam por ou através de diferentes meios e materiais) é um limite de que se pode aproximar, mas nunca alcançar ou ultrapassar pelos objetos materiais; enfim, nada no Universo viaja mais rápido que a luz. E A VELOCIDADE DA LUZ? A velocidade da luz, no vácuo, é hoje definida como sendo de 299 milhões 792 mil 458 metros por segundo. Uma constante fundamental da Natureza, a velocidade da luz está presente como uma constante de proporcionalidade na famosa equação einsteiniana E = mc2, isto é, a importante formulação de que a energia (E) equivale à massa (m) multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz (c2). Antes de Einstein, todos esses conceitos existiam como entidades perfeitamente separadas, sem vinculação entre si. Einstein, enfim, provou que massa e energia constituem uma mesma unidade ou entidade física, podendo uma se transformar (ou ser transformada) na outra Mas a velocidade da luz não descreve apenas uma propriedade das ondas eletromagnéticas. Serve também como um singelo limite de velocidade no Universo e da mesma forma um limite superior, não ultrapassável, para a velocidade de propagação de sinais e das velocidades de todas as partículas da matéria. Enfim, nada supera em rapidez a velocidade da luz, que serve de parâmetro para uma infinidade de experiências e até mesmo para a determinação das distâncias relativas no Cosmos, como ano-luz, minuto-luz etc. Estudando de início como se comporta a luz e todas as demais radiações eletromagnéticas, a teoria da Relatividade Especial chegou a conclusões que choca(va)m o senso comum, por desafiarem a experiência do dia-a-dia. Mas representam conclusões inteiramente confirmadas pelos experimentos que pesquisam, por exemplo, para citar apenas dois casos, 1) as minimudanças de horário observáveis em relógios que se locomovam a diferentes velocidades; e 2) os padrões de comportamento das chamadas partículas subatômicas em alta velocidade A RELATIVIDADE GERAL No vasto quadro da teoria física da Relatividade tão genialmente formulada por Eins-

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tein, a Relatividade Geral veio em segundo lugar, em 1916, cerca de 11 anos depois da Relatividade Especial (ou Restrita ou, ainda, Estrita), de 1905. A Relatividade Geral lida com os conceitos referentes ao comportamento dos objetos macroscópicos e dos fenômenos físicos de larga escala, uns e outros afetados pela gravitação, pela influência da gravidade — uma das forças fundamentais do Cosmos. Entre os conceitos básicos da Relatividade Geral está o princípio da equivalência de Einstein, grosso modo redutível à seguinte formulação: numa escala local, é impossível distinguir entre os efeitos físicos devidos à gravidade e aqueles resultantes da aceleração. Nas conceituações einsteinianas, a gravidade é pensada como um fenômeno geométrico resultante da curvatura do espaço-tempo. Como já referido, o próprio Einstein, com sua excepcional presciência, formulou e/ou previu alguns dos testes que, segundo pensava (sozinho inicialmente!), deveriam servir para testar suas teorias. Alguns desses testes foram a) a precessão do periélio do planeta Mercúrio; b) a deflexão da luz pelo campo gravitacional resultante da massa do Sol; c) o chamado redshift, isto é, o desvio gravitacional da luz para o vermelho, no espectro das cores; d) a formação de lentes gravitacionais; e) a dilação, dilatação ou retardo do tempo, especialmente em trajetos aproximados da velocidade da luz; f) e outros testes de gravidade, não mais newtonianos. Outra genial formulação de Einstein foi o “princípio da equivalência”. Na teoria física da Relatividade Geral, o princípio da equivalência representa qualquer dos vários conceitos relacionados ou inter-relacionados que lidam com a equivalência da massa gravitacional e inercial. Einstein intuiu ainda que a força gravitacional enquanto localmente sentida sobre um corpo de muita massa, como a Terra, é na verdade a mesma pseudoforça experimentada por determinado observador num quadro de referência acelerado, vale dizer, não inercial. Mas não foi apenas Einstein quem formulou os testes a realizar-se para sancionarem ou não suas teorias. É o caso dos testes que viriam a ser feitos com 1) o desvio gravitacional para o vermelho; 2) os campos gravitacionais fortes dos pulsares binários; 3) o efeito de tracionamento ou frame-dragging; 4) os testes cosmológicos propriamente ditos; e, por último, mas não em último lugar, 5) a detecção direta das ondas gravitacionais. O EFEITO DE ARRASTAMENTO Não se pode deixar de referir mais extensamente os acima citados testes com frame dragging, isto é, com o “efeito de tracionamento”. De fato, outro fenômeno astrofísico de amplitude fraca — mas de efeito mui significativo em volta de massivos objetos

de rotação muito rápida e de fortíssimo campo gravitacional (como um buraco-negro de Kerr, por exemplo) — e cuja previsão e posterior confirmação decorreram das conceptivas de Einstein, foi o “efeito de tracionamento” ou de “arrastamento”, que tomou várias designações nas diversas línguas: Lense-Thirring-Effekt em alemão; frame-dragging em inglês (ou carry-over effect); trascinamento rotazionale em italiano; précession Lense-Thirring em francês; arrasto ou arrastamento de referenciais em português... Dizendo da forma mais simples possível, trata-se do fenômeno previsto na Relatividade Geral pelo qual corpos em rotação “arrastam” o espaço-tempo em torno de si mesmo, com spin e tudo o mais. Foi pela primeira vez observado pelos físicos Lense e Thirring, da Áustria, em 1918. Um objeto de grande massa, em rotação no espaço-tempo, alterará tanto o espaço quanto o tempo e também arrastará qualquer outro objeto em suas cercanias, não respeitando, portanto, os postulados newtonianos e atuando segundo as leis do gravitomagnetismo. É efeito descoberto por outros cientistas, sim, mas em decorrência dos conceitos einsteinianos de que o espaço é elástico e de que as partículas nele contidas trocam suas energias com ele e vice-versa. “Elástico” vai aí no sentido científico conforme entendia Einstein: quando se aplica certa quantidade de força a um objeto — o que fará com que ele se “dobre” — e depois retira tal força, o objeto retornará à sua forma original, bem como ao status de energia anterior. Também não se podem separar, no espaço-tempo, os conceitos de tempo e de espaço, de modo que, todas as vezes que o espaço for afetado, o tempo igualmente o será. Esse efeito de tracionamento proporciona resposta para questões antigas da gravidade, força forte e dualidade onda-partícula — a ainda misteriosa propriedade de uma partícula comportar-se como onda (e vice-versa) ao mesmo tempo!... INTERFERÔMETRO A LASER Nos Estados Unidos, sob a sigla de LIGO viceja o Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory — isto é, o observatório com interferômetro a laser para detectar ondas gravitacionais. Trata-se de um observatório astronômico que na verdade se divide em dois, porque localizado em dois pontos do território americano: 1) em Hanford, no Estado de Washington; e 2) em Livingston, no Estado da Louisiana. Nesta condição dual é que atende a duas importantes instituições científicas americanas: a) o CalTech, ou seja, o California Institute of Technology, da Universidade de Pasadena e que se volta, entre outras coisas, para o ensino e a pesquisa em Ciência pura e aplicada, além da Engenharia, dispondo de seis áreas: 1) Biologia; 2) Química e Engenharia


Química; 3) Engenharia propriamente dita e Ciências Aplicadas; 4) Geologia e Ciências Planetárias; 5) Humanidades e Ciências Sociais; 6) Física, Matemática e Astronomia; e b) o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que dispõe de grande número de centros de pesquisa e laboratórios, dentre os quais um reator nuclear, um acelerador linear, um centro de computação, um laboratório de Inteligência Artificial, um centro de Ciência Cognitiva, um centro de Estudos Internacionais, observatórios geofísicos e astrofísicos (incluindo o LIGO), um centro de pesquisa espacial, túneis de ventos supersônicos etc, para não falar de todo um sistema de bibliotecas especializadas e vários museus. Enfim, existem o LIGO CalTech e o LIGO MIT. A impressionante imagem, que correu mundo e que abre esta página, reconstitui a fusão ou “engolimento” de dois gigantescos buracos-negros, evento responsável pela emissão das ondas gravitacionais recém-detectadas pelo Laboratório LIGO Avançado, cujo projeto foi idealizado para tornar o antigo LIGO dez vezes mais sensível, após o que se iniciaram suas observações, já no ano de 2015. Os esforços dos cientistas foram recompensados. Em 14 de setembro desse mesmo ano, os dois detectores obtiveram a primeira observação de ondas gravitacionais. Os dados captados tornaram possível aos estudiosos traçar a origem dessas ondas. A uma distância de 1,3 bilhão de anos-luz, dois buracos-negros se chocaram e se fundiram num terrificante cataclismo astronômico, que Você pode apenas imaginar como foi, porque um deles tinha 36 vezes a massa do Sol e, o outro, 29 vezes (enfim, um era maior que o outro e deve ter atraído o menor). Dessa maneira é que o novo e ainda mais gigantesco superburaco-negro passou a ter 72 vezes a massa da humilde estrela que rege nosso pequeno Sistema Solar... Os scholars chegaram à conclusão de que, durante a fusão daqueles dois buracos-negros, o equivalente a três massas do Sol foram convertidas em energia e, consequentemente, em ondas gravitacionais. Antes de Stephen Hawking desenvolver bastante suas teorias, acreditava-se (e o próprio Hawking acreditava, como ficou dito) que buracos-negros não emitiam radiação. Hawking corrigiu isto, ao se autocorrigir, de modo que os cientistas puderam tirar várias conclusões úteis e interessantes, à luz das ondas gravitacionais recentemente detectadas. De outra parte, e conforme nos assegura Erik Gregersen, num pequeno ensaio para a Encyclopaedia Britannica, “a quantidade de energia irradiada da fusão desses megaburacos-negros foi 50 vezes maior que a de todas as estrelas brilhando em todo o Cosmos quando dessa ocorrência”. É quase inacreditável, mas os cientistas confiam em seus cálculos!

DETECÇÃO DE ONDAS GRAVITACIONAIS Como se pode constatar por grande número de vídeos existentes no Youtube (um dos melhores fica no URL https://www. youtube.com/watch?v=B4XzLDM3Py8, a primeira detecção das ondas gravitacionais pelo LIGO foi anunciada em entrevista coletiva, concedida em 11 de fevereiro de 2016, na Fundação Nacional de Ciência, dos Estados Unidos, com os cientistas referindo-se à descoberta como “uma nova janela aberta no Universo”. A primeira detecção direta das ondas gravitacionais, portanto, foi obtida pelo LIGO em 2015, mas é preciso ver que a construção do laboratório iniciou-se em 1999, tendo as atividades de detecção começado em 2001. Para dizer mui sucintamente, as ondas gravitacionais são variações do campo gravitacional transmitidas como ondas (a exemplo do que ocorre com outras emissões, radiações etc). A Relatividade Geral diz que a distribuição das massas determina a curvatura do espaço-tempo, ao passo que o movimento de tais massas depende da curvatura. A importante notícia da detecção das ondas gravitacionais foi transmitida em várias línguas, para diferentes partes do mundo, pelo próprio LIGO. As primeiras línguas contempladas: inglês, francês, português, espanhol, catalão, russo, chinês, hebraico, húngaro, sueco, coreano, tailandês, siksiká (língua da tribo canadense dos Pés-Pretos), as principais línguas da Índia (bengali, gujarate, híndi, marata e oriá) e outros idiomas de cultura. “Gravitational Waves Detected 100 Years After Einstein’s Prediction” — dizia o título do comunicado de 11 de fevereiro de 2016, a seguir por mim traduzido & resumido: “WASHINGTON, DC, E CASCINA, ITÁLIA — O LIGO abre nova janela no Universo com a observação de ondas gravitacionais provindas de buracos-negros em colisão — Pela primeira vez, cientistas observaram ondulações no “tecido” ou tessitura do espaço-tempo, chamadas ondas gravitacionais, chegando à Terra provenientes de um evento cataclísmico nos confins do Universo. Isto confirma uma predição feita em 1915 pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein e abre uma nova janela sem precedentes no cosmos. As ondas gravitacionais transportam informações sobre as suas dramáticas origens e sobre a natureza da gravidade que de outra forma não poderiam ser obtidas. Os físicos concluíram que estas ondas gravitacionais recém-detectadas foram produzidas durante a fração final de um segundo da fusão de dois buracos-negros que por seu turno criou um só buraco-negro maior e rodopiante, embora de massa muito superior aos dois. Tal colisão de

buracos-negros já fora de há muito prevista na teoria, mas nunca observada. Essas ondas gravitacionais foram detectadas no dia 14 de setembro de 2015, às 5h51m da manhã [Eastern Daylight Time (09:51 UTC)], pelos detectores gêmeos do Observatório de Interferômetro a Laser para a Observação de Ondas Gravitacionais, localizados em Livingston, Louisiana, e em Hanford, Washington, Estados Unidos. Os observatórios LIGO foram fundados pela NSF (National Science Foundation = Fundação Nacional de Ciência), tendo sido concebidos, construídos e operados pelo CalTech e pelo MIT. A descoberta, aceita para publicação no periódico Physical Review Letters, foi feita pela LIGO Scientific Collaboration (que inclui a GEO Collaboration e o Consórcio Australiano para a Astronomia Interferométrica Gravitacional, além da Virgo Collaboration, utilizando dados provenientes de dois detectores LIGO. Com base nos sinais observados, os cientistas do LIGO estimam que os dois buracos-negros participantes deste evento tinham cerca de 29 (o menor) e 36 vezes (o maior) a massa do Sol; e que o evento teve lugar há 1,3 bilhão de anos. Uma quantidade de cerca de três vezes a massa do Sol converteu-se em ondas gravitacionais numa fração de segundo, com a saída de um pique de energia equivalente a 50 vezes a de todo o Universo visível. Observando o tempo de chegada dos sinais (o detector em Livingston gravou o evento sete milissegundos antes do detector de Hanford), os estudiosos podem dizer que a fonte localiza-se no Hemisfério Sul (do céu). De acordo com a Relatividade Geral, um par de buracos-negros orbitando em torno um do outro perdem energia por intermédio da emissão de ondas gravitacionais. Isto faz com que, por bilhões de anos, eles se aproximem um do outro, gradualmente, até que a aproximação se dá muito mais rapidamente nos minutos finais. Durante a fração final de um segundo, os dois buracos-negros colidem um dentro do outro, numa rapidez que é a metade da velocidade da luz, e formam um só e supermassivo buraco-negro, convertendo em energia uma considerável porção da massa dos buracos negros combinados, de acordo com a fórmula de Einstein E=mc2. Essa energia é emitida como uma forte e final explosão de ondas gravitacionais. E foram tais ondas que o LIGO observou. A existência das ondas gravitacionais foi por vez primeira demonstrada nas décadas de 1970 e de 1980, por Joseph Taylor, Jr. e colegas. Taylor e Russell Hulse descobriram em 1974 um sistema binário composto por um pulsar em órbita em torno de uma estrela de nêutrons. Taylor e Joel M. Weisberg estabeleceram em 1982 que a órbita do pulsar estava lentamente diminuindo ao longo do tempo por causa da libertação de energia sob a forMarço/Abril/2016 |

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ma de ondas gravitacionais. Pela descoberta do pulsar e por mostrarem que era possível a medição desta medição particular de ondas gravitacionais é que Hulse e Taylor ganharam o Prêmio Nobel de Física, em 1993. Esta nova descoberta do LIGO é a primeira observação das ondas gravitacionais propriamente ditas, feitas pela medição de pequenas perturbações provocadas pelas ondas no espaço e no tempo, enquanto passam através da Terra. “Nossa observação de ondas gravitacionais cumpre a meta ambiciosa estabelecida ao longo das últimas cinco décadas, para detectar diretamente esse fenômeno indescritível, melhor compreender o Universo, e, apropriadamente, fazer jus ao legado de Einstein no 100º aniversário de sua Teoria da Relatividade Geral”, diz o diretor-executivo do Laboratório LIGO e integrante da CalTech. A descoberta tornou-se possível graças às capacidades altamente ampliadas do LIGO Avançado, melhoria que aumentou a sensibilidade dos instrumentos em comparação com os primeiros detectores desse Laboratório, o que permitiu grande incremento no volume do universo testado — e a própria descoberta das ondas gravitacionais durante sua primeira temporada de observações. A Fundação Nacional de Ciência dos EUA liderou um suporte financeiro para o LIGO Avançado. Organizações destinadas a levantar fundos, na Alemanha (Sociedade Max Planck), no Reino Unido (STFC) e na Austrália (Australian Research Council) também realizaram grandes doações ao projeto.[...] As pesquisas do LIGO são levadas adiante por um grupo de mais de mil cientistas de universidades nos EUA e em 14 outros países. Mais de 90 universidades e institutos de pesquisa desenvolvem tecnologias de detecção e analisam os dados recebidos. Cerca de 250 estudantes também são fortes membros contribuintes, nesta colaboração. E, como explica Gabriela González, professora de Física e Astronomia na Universidade Estadual de Louisiana, “a detecção destas ondas é apenas o início de uma nova era: o campo da Astronomia das ondas gravitacionais é agora uma realidade”. Foi nos anos de 1980 que primeiramente se propôs colocar o LIGO na busca das ondas gravitacionais. Três cientistas fizeram a proposta: Rainer Weiss, professor emérito de Física, do MIT; Kip Thorne, professor emérito de Física Teórica na Cátedra “Richard P. Feynman” da CalTech; e Ronald Drever, também professor emérito de Física, igualmente da Universidade da Califórnia. Rainer Weiss diz, hoje, que “esta observação (das ondas) é belamente descrita na Teoria da Relatividade Geral de Einstein, formulada há cem anos e compreende o primeiro teste da Teoria na gravitação forte. Seria maravilhoso contemplar o rosto de Einstein se pudésse-

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mos dizer a ele que sua previsão se cumpriu”. Kip Thorne ajuntou que, com esta descoberta, “nós, os humanos, embarcamos num novo e maravilhoso desafio: o de explorar o lado ‘torcido’ do Universo, os objetos e fenômenos feitos do espaço-tempo recurvado, de que os primeiros e mais belos exemplos são os buracos-negros e as ondas gravitacionais”. Um laboratório associado ao LIGO, o Virgo, dispõe de um centro de pesquisa com mais de 250 físicos e engenheiros, pertencentes a 19 diferentes grupos de pesquisadores europeus (CNRS na França, INFN na Itália, Nikhef na Holanda, Wigner RCP na Hungria, PolGraw na Polônia e o EGO - European Gravitational Observatory, que abriga o detector Virgo perto de Pisa, na Itália). Fulvio Ricci, porta-voz do Virgo, pronunciou-se também: “A detecção destas ondas foi um significativo marco para a Física, mas o importante mesmo é que representará o início de muitas novas e excitantes descobertas astrofísicas, graças à colaboração LIGO-Virgo”. Bruce Allen, diretor-executivo do Instituto Max Planck para a Física Gravitacional (Instituto Albert Einstein) acrescenta: “Einstein imaginou que as ondas gravitacionais eram muito fracas para serem detectadas e não acreditava em buracos-negros. Mas penso: será que ele não imaginou alguma vez estar errado?” David Shoemaker, líder do projeto no MIT, asseverou que “os detectores do LIGO Avançado são mesmo uma tour de force da Ciência e da Tecnologia, graças a um verdadeiramente excepcional time internacional de técnicos, engenheiros e cientistas. Estamos orgulhosos por concluir mais um projeto em tempo hábil e dentro do orçamento”. Sheila Rowan, professora de Física e Astronomia na Universidade de Glasgow, ressaltou que “conseguir este fantástico marco científico exigiu a colaboração de muitos cientistas, fazendo com que o detector do LIGO Avançado se transformasse na ferramenta mais sofisticada para atingir tal fim”. Já David McClelland, docente de Física e diretor do Centro de Física Gravitacional da Universidade Nacional da Austrália, acentuou que, “felizmente, esta primeira observação das ondas vai acelerar a construção de uma rede global de detectores para tornar possível a acurada localização das fontes de emissão na era da Astronomia de multimensageiros”. O QUE PRODUZ ONDAS GRAVITACIONAIS Grosso modo, as ondas gravitacionais podem emanar de variegadas fontes, dentre as quais podemos citar as principais: objetos compactos do espaço sideral (como os buracos-negros, as estrelas de nêutrons, as estrelas chamadas “anãs brancas”; pulsares binários ou estrelas ditas binárias compactas; EMRI (Extreme Mass-Ratio Inspirals); estrelas em colapso e supernovas. Vamos examinar su-

cintamente cada uma dessas fontes de ondas gravitacionais. Dentre os objetos compactos do espaço sideral, acham-se: * os buracos-negros; a definição “clássica” de um buraco-negro (definição que já vai hoje se modernizando) é a de um corpo cósmico com gravidade extremamente intensa e que, por isto mesmo, atrai tudo à sua volta, dele não podendo escapar nem mesmo a luz, com toda a sua velocidade; buracos-negros se formam, geralmente, em decorrência da “morte” de estrelas gigantescas, de muita massa; chega um momento em que tais estrelas gastam todo o seu combustível termonuclear interno; depois de se expandirem ao máximo, durante algum tempo, elas “desabam” gravitacionalmente sobre si mesmas, quer dizer, implodem, reduzindo-se a um minúsculo ponto, de zero volume, mas formando uma singularidade de infinita massa, densidade e gravidade. * as estrelas de nêutrons; uma estrela de nêutron dispõe de corpo bastante denso e compacto, formado basicamente por nêutrons; de normal, uma estrela assim tem cerca de 20 km de diâmetro e sua massa é muitas vezes superior à de nosso Sol; seu centro se constitui num gigantesco núcleo atômico, sob grande pressão; acima do núcleo, existe uma camada superfluida; e, ainda mais acima, a parte exterior sólida, embora de altíssimas temperaturas e sobretudo integrada por uma crosta de ferro altamente concentrado; * as estrelas ditas “anãs brancas”; uma anã-branca não passa do núcleo de uma estrela que fundiu o elemento hélio em núcleos de carbono, consistindo, portanto, em núcleos de carbono mais elétrons, tudo comprimido num diâmetro reduzido, digamos com as dimensões da Terra e apresentando alta densidade (para os cientistas, aproximadamente 1 milhão de vezes a densidade da água); * pulsares; pulsar é um objeto que espaçada e regularmente emite pulsos de fótons de ondas de rádio e, não raro, igualmente de fótons de energia mais alta; isto se dá por causa da acelerada rotação de uma estrela de nêutrons, produzindo radiação ao tempo em que partículas carregadas se aceleram no intenso campos magnético associado à mesma estrela de nêutrons; o pulsar difere do quasar pelo fato de este último (uma fonte de rádio QUASe estelAR) se constituir num objeto quase assemelhado a uma estrela, só que com espectro apresentando grande desvio para o vermelho, sendo que tal característica advém da considerável distância que guarda em relação à Via Láctea, nossa própria galáxia (dita simplesmente a Galáxia, com inicial maiúscula). MISTÉRIOS AINDA SEM SOLUÇÃO Nossa Galáxia engloba não apenas nosso Sistema Solar (que ocupa um relativamente


minúsculo espaço perto do final de uma das extremidades do chamado disco galáctico), mas também uns 300 bilhões de outras estrelas, algumas bem maiores que o Sol, sem falar na poeira e no gás interestelares (vale dizer, espalhados em maior ou menor densidade entre essas estrelas) e, ainda, numa considerável presença de matéria escura. A Ciência ainda se debate para compreender melhor essa matéria escura, disseminada por todo o Universo conhecido e/ou visível, consistindo basicamente numa matéria em formato desconhecido, que não emite radiação eletromagnética. Os cientistas apenas deduzem que tal matéria escura exista, vez que ela, mesmo de aparência informe, exerce sua força gravitacional (ou suas forças gravitacionais) sobre a outra matéria, a matéria visível; acredita-se que, em termos de volume, a matéria escura se ache disseminada, juntamente com a matéria visível, por toda a extensão do Universo E, como sabe hoje em dia qualquer estudante do Segundo Grau, o desvio para o vermelho [red-shift] é aquele que ocorre para frequências mais baixas e para comprimentos de onda mais longos no espectro de um objeto, o que se dá, exatamente, pelo efeito Doppler. Expliquemos melhor, mesmo porque este importante efeito não tem relevância apenas para a Cosmologia. Foi em 1842 que, pela primeira vez, o físico austríaco Christian Doppler descreveu o fenômeno, cabendo, posteriormente, ao físico francês Hippolyte Fizeau desenvolver a teoria referente ao fenômeno. Doppler observara que uma fonte em movimento, emitindo ondas luminosas ou sonoras, experimenta variação de frequência — como ocorre, por exemplo, quando uma ambulância se aproxima ou se afasta de nós com a sirene ligada: o som aumenta de frequência quando o veículo se encontra mais próximo e tal frequência diminui quando ele se afasta. O efeito Doppler não tem importância apenas para a Acústica. No estudo da Ótica, observa-se nas ondas luminosas o efeito Doppler longitudinal, ao passo que, em termos relativísticos, surge o efeito Doppler transversal, “isto é, quando a velocidade da fonte é perpendicular à direção fonte-observador”, no comentário assinalado pelo Dicionário das Ciências sob a direção de Lionel Salem [Hachette/Vozes/Unicamp, 1990-1995]. Outros campos em que o estudo do efeito Doppler se impõe são os da Espectroscopia Atômica, da Astronomia, da Cosmologia... Não é aqui o local mais apropriado para descer a detalhes (que não são poucos, nem fáceis de apreender) ainda sobre o efeito Doppler, mas não se pode deixar de assinalar os seguintes pontos essenciais: * o efeito Doppler serviu e serve à maravilha para a determinação da presença de “estrelas duplas” e das “estrelas variáveis”. As “estrelas duplas” separam-se periodica-

mente, ao passo que as “estrelas variáveis” se constituem aquelas cujo brilho oscila com o tempo; * o efeito Doppler é usado em vários tipos de radares que se utilizam das ondas UHF; não é de outra maneira que a polícia rodoviária detecta veículos trafegando em velocidade acima da permitida, medindo facilmente a mudança de frequência da onda refletida por um objeto móvel, no caso o veículo; * e, finalmente, em Cosmologia, o efeito Doppler ajudou e ajuda a explicar um relevante fenômeno, o do red-shift, vale dizer, o desvio, o deslocamento, para o vermelho, das raias espectrais. OUTRAS FONTES DE RADIAÇÃO GRAVITACIONAL Outras das fontes de radiação gravitacional são: * buracos-negros binários, vale dizer, sistemas binários hipotéticos compostos por dois buracos-negros em órbita, um em torno do outro; na teoria, consistem numa das maiores fontes de ondas gravitacionais no Universo observável; acreditam os cientistas que tais sistemas binários serão instáveis, em razão de certa perda do momento cinético, com o passar do tempo; em consequência, os buracos-negros se aproximam um do outro, até que se fundem, criando-se então mudanças de características que, por seu turno, igualmente provocam alterações estruturais no seio da galáxia-hospedeira ou anfitriã; e anotam os especialistas: a formação de um sistema múltiplo de buracos-negros — de que o buraco-negro binário é um caso particular — produzir-se-á fora da fusão de galáxias; assim, enquanto as galáxias entram em colisão, os buracos-negros supermassivos situados no centro de cada uma delas passam a interagir gravitacionalmente uns com os outros; * as estrelas ditas binárias compactas, cuja designação já é por si suficientemente descritiva: estrelas duplas em órbita mútua e de massa compacta, tendendo a implodir num buraco-negro; * os gigantescos objetos estelares e/ou massivos buracos-negros ditos EMRI ou Extreme Mass-Ratio Inspirals; não encontrei ainda o equivalente em português para esta expressão em inglês; aliás, por incrível que pareça, só fui achar uma correspondência para isto, dentre as línguas de cultura, no ucraniano “Орбітальне зближення екстремального масового співвідношення”, o que pode ser traduzido como “correlação orbital de massas extremas que se aproximam”; e tento aqui explicar isto da maneira mais simples possível; em Astrofísica, trata-se da órbita de um objeto relativamente menos pesado ou massivo com outro objeto astronômico de muito maior peso ou massa, e que gradualmente decai por causa da constante emissão de on-

das gravitacionais; são sistemas (geralmente binários) mais encontradiços nos centros das galáxias, regiões do espaço sideral em que gigantescos objetos estelares de massa compacta (como buracos-negros estelares e estrelas de nêutrons) podem ser encontrados orbitando supermassivos buracos-negros, ainda mais gigantescos; o leitor entenderá agora — depois de saber que, no caso de um buraco-negro em órbita nas proximidades de outro buraco-negro, configura-se aí um buraco-negro binário de extrema correlação de massa — porque a Wikipedia em inglês diz que a sigla EMRI pode significar tanto a referida órbita, por si mesma, como a emissão gravitacional sob a forma de ondas; e as EMRIs oferecem-se com as mais promissoras fontes da Astronomia das ondas gravitacionais, fazendo com que surjam, além do Laboratório LIGO, outros importantes equipamentos de detecção baseados no espaço, como o eLISA (Laser Interferometer Space Antenna); uma vez que tais sinais sejam recebidos, abre-se toda uma imensa gama de possibilidades para os estudos da Astrofísica, permitindo “medições mais acuradas da massa e do momento angular do objeto central (que emite as ondas gravitacionais), cruciais informações para modelos da formação e evolução dos buracos-negros de extrema massa”; além do mais, “os sinais trazidos pelas ondas gravitacionais nos fornecem detalhado mapa da geometria do espaço-tempo que circunda o objeto astronômico central em questão, permitindo testes sem precedentes nas previsões da Relatividade Geral, sob o regime da gravidade forte”; * as estrelas em colapso e as supernovas; a supernova, dizem-nos (mais didaticamente que outros) o astrofísico Neil deGrasse Tyson e o astrônomo Donald Goldsmith em sua obra conjunta Origens: catorze bilhões de anos de evolução cósmica [tradução de Rosaura Eichenberg para a editora Planeta, São Paulo, 2015], é uma estrela que explode ao término de seu período de vida de fusão nuclear, atingindo uma luminosidade tão enorme por algumas semanas que pode quase igualar a produção de energia de uma galáxia inteira” (e as supernovas, além de produzirem elementos mais pesados que o hidrogênio e o hélio, distribuem-nos por todo o espaço interestelar). PROCURANDO AGULHA EM PALHEIRO A situação dos cientistas, durante todo esse tempo em que buscavam sinais de ondas gravitacionais, era pior que a de quem procura agulhas num palheiro: eles sabiam que, com toda a probabilidade (tendo em vista o previsto na Teoria da Relatividade Geral), as ondas gravitacionais deveriam estar “lá”, em algum lugar da imensidão do espaço sideral. Mas, onde?! A radiação de fundo, reminiscência do big bang, a explosão primordial Março/Abril/2016 |

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da singularidade que criou “nosso” Universo, não foi tão difícil de detectar: bastou um golpe de sorte. As Teorias das duas Relatividades (a Restrita ou Especial e a Geral) trouxeram as mais exóticas possibilidades para a História da Física Moderna, a começar pela Física Quântica, passando pelas teorias do Universo Inflacionário, dos Multiversos, dos Universos Paralelos, os buracos-negros, os buracos-de-minhoca etc. O Universo observável já assombra o poder de raciocínio de nossos melhores cérebros. Nas últimas décadas, em grande medida por causa das descobertas de Einstein (e dos desdobramentos da Física Quântica), temos observado uma evolução da Física numa velocidade e numa pletora de resultados jamais observados em sua História, inclusive com o surgimento de um novo tipo de Astronomia, de uma autêntica revolução também na Radioastronomia e nas demais técnicas observacionais, de uma inesperada Cosmologia de muitos, divergentes e sugestivos modelos de Universo. Segundo a Relatividade Geral, a curvatura do espaço-tempo é determinada pela distribuição das massas, ao passo que o movimento das massas deve-se à curvatura. Consequentemente, as variações no campo gravitacional podem ser transmitidos de um lugar para outro como ondas, da mesma forma que as variações de um campo eletromagnético viaja sob a forma de ondas. Se as massas fontes de um campo mudam com o tempo, podem irradiar a energia como ondas de curvatura do campo. Campo, aqui, tem o sentido tradicional que sempre lhe deu a Física: um conceito bastante útil em todas as instâncias das Ciências Físicas, quando se quer descrever as interações à distância. É o “campo de uma grandeza física qualquer”, que se constitui no conjunto dos valores que ela, a grandeza física, assume em tal ou qual região do espaço. Como ensinam os manuais elementares, um campo pode ser do tipo ESCALAR (campo de temperaturas na superfície da Terra) ou VETORIAL (campo magnético). O campo gravitacional é produzido por todos os corpos, como o provou Isaac Newton, e se manifesta tendo em vista a “gravitação universal” que governa a disposição e o movimento dos astros, bem como a gravidade em si mesma. Por seu turno, o campo eletromagnético (diferente do campo gravitacional e que analisa as interações entre partículas em movimento) vê-se constituído por dois campos vetoriais: o campo elétrico e o campo magnético. Temos, assim, a força eletromagnética, também chamada de “força de Lorentz”. Na geometria diferencial, temos o estudo dos campos vetoriais ou, simplesmente, do campo de vetores. Escolha qualquer massa, num ponto do espaço, e verá que, nela, existe sempre uma atração gravitacional, exercida pela

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totalidade, soma ou conjunto das massas presentes no espaço. Tal força é representada por um vetor. A outra função, para além da gravitação, é o conceito de velocidade, também representada por outro vetor. Os dois vetores é que formam os campos vetoriais. Há que fazer referência, aqui, também, ao campo quântico. Um dos conceitos caros à Mecânica Quântica, importante desenvolvimento da Física Quântica, a Teoria do Campo Quântico é um conjunto de princípios físicos reunindo elementos da Mecânica Quântica e os da Relatividade, objetivando explicar o comportamento das partículas subatômicas e suas interações com os demais campos. Levou-se algum tempo para se atingir o conceito de campo quântico. Historicamente, há que lembrar, à vol d’oiseau, os seguintes passos mais largos: * no século XVIII, Isaac Newton com seu approach descontínuo ou atomístico da matéria e da radiação; * no século XIX, o cientista escocês Maxwell unificou o eletromagnetismo e a ótica ondulatória; * o surgimento, em 1905, de uma nova concepção de mecânica, que seria batizada de “quântica”, em 1925, pelo cientista alemão Max Born (que não deve ser confundido, claro, com o dinamarquês Niels Bohr); quântica, sim, porque Max Planck demonstrara: a luz, a energia, enfim, distribui-se em pequenos “pacotes” discretos, os quanta, plural do latim quantum; já em 1900, Planck realizara umas das grandes experiências neste particular, com o espectro da radiação do corpo negro. Em 1916, Einstein idealizou pelo menos três testes que referendassem (ou negassem) sua Teoria da Relatividade Geral. Ficariam conhecidos como “os testes clássicos da Relatividade Geral”. Chegou a dizer que, se suas proposições estivessem corretas, reiterados dados confirmatórios, durante anos seguidos, jamais seriam suficientes para demonstrar que ele estava certo, ao passo que bastaria uma única falha, num desses testes, para provar em definitivo que suas ideias estavam profundamente equivocadas. O primeiro teste deu-lhe total razão. Era o teste referente à precessão do periélio da órbita do planeta Mercúrio. Demoraria um pouco mais para ser confirmada outra previsão sua, a da deflexão da luz pela gravidade do Sol. Mas logo veio a confirmação do terceiro teste proposto: o desvio da luz para o vermelho. Em carta do London Times (28 de novembro de 1919), Einstein explicou a Teoria da Relatividade e agradeceu aos colegas ingleses por sua compreensão e desejo de testar suas ideias. Citou o trio de testes que depois seriam chamados de “clássicos” e comentou: “A principal atração da teoria [da Relatividade Geral] reside em sua inteireza ou completude lógica. Se uma única das

conclusões dela extraídas revelar-se errada, a teoria deve ser abandonada. Modificá-la sem destruir toda a sua estrutura parece-me algo impossível.” UM EXEMPLO DE ONDAS DE GRAVIDADE A onda de densidade espiral, como nos ensina o saudoso Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, em seu livro Do Universo ao Multiverso: Uma nova visão do cosmos [Editora Vozes, Petrópolis, 2001] é aquela que produz uma série de compressões e rarefações alternadas, as quais se propagam com velocidade angular fixa numa galáxia em rotação, provindo de um aumento local no campo gravitacional. Mourão acrescenta que “a compressão também age nos gases interestelares, na galáxia, favorecendo a formação das estrelas sob a parte frontal dos braços espirais [da dita galáxia], podendo ser compreendida deste modo a formação das grandes estruturas das galáxias espirais”. Como já ficou dito, ondas gravitacionais não devem ser confundidas com ondas eletromagnéticas, que são coisa totalmente diversa. Também não podem as ondas gravitacionais ser confundidas com as ondas de gravitação, de que se dá agora um exemplo. Há poucos dias, recebi por e-mail, de uma dileta prima pernambucana, Anna Leopoldina Beiriz Carneiro, de há muito residente no Paraná, algumas fotos de um fe nômeno meteorológico observado nos céus de Foz do Iguaçu, Cascavel e até Curitiba, a capital do Estado sulino. Pois bem, estava Anna passeando com a filha Bia, pelo centro de Foz do Iguaçu, quando viu no céu um fenômeno que já chamava a atenção de todos: uma espécie de “pedaço” de arco-íris ou uma “aurora boreal” fora do lugar ou do contexto. Eram nuvens multicoloridas, com o espectro das cores do arco-íris. Anna me mandou as fotos e, sabendo que sou um curioso nessas coisas, perguntou-me o que de fato era aquilo. Procurei canhestramente explicar tratar-se de um fenômeno atmosférico, melhor, meteorológico, razoavelmente comum, chamado de IRISAÇÃO. É quando ocorre uma espécie de «coloração das nuvens» por causa da interação da luz do Sol com pequenos cristais de gelo localizados nas nuvens mais altas, isto é, nas nuvens ditas cirrustratos (antigamente, escrevia-se cirros-estratos). Você observa que o halo solar, bem mais abrangente, toma quase todo o céu, em pleno dia — mas é a luz proveniente diretamente do disco solar que interfere com os citados cristais de gelo dos cirrustratos, produzindo o efêmero e belo fenômeno da irisação. Em termos da Física, mais exatamente da Óptica, os cristais de gelo nas nuvens altas se transformam em autênticos prismas, fazendo com que a luz branca se separe das outras cores constituintes do espectro


do arco-íris. Adicionalmente, interferem as ONDAS DE GRAVIDADE (nada a ver com as ondas gravitacionais ou mesmo com as ondas eletromagnéticas), fazendo com que as nuvens assim colorizadas assumam a forma de “ondinhas” alinhadas lado a lado, no alto do céu, como se pode ver nas fotos apresentadas neste artigo e que são de autoria de Anna Beiriz e de sua filha adolescente Anna Isabel (Bia). O fenômeno foi primeiramente visto às 13 hs do domingo, 13 de março de 2016, e de imediato comunicado aos demais membros da família. Anna Leopoldina ficou particularmente impressionada: “De fato, cheguei a me maravilhar. Nunca vira esta espécie de arco-íris. Claro que eu sabia não ser realmente um arco-íris! Mas o fenômeno iluminava com tantas cores aquele pedacinho do céu que me senti tentada a estudar sua origem”, confessou ela, acrescentando: “Não havia chuva, no momento, mas fazia muito calor e o dia estava bastante úmido”. Se o atento leitor ou a gentil leitora se interessarem mais por este fenômeno, poderão visitar o URL a seguir citado e obter maiores informações sobre ele no portal de notícias Terra, sob o título geral de “O que foi aquilo no céu de Foz do Iguaçu”. Em tempo: como explica a Abravidro (Associação Brasileira de Distribuidores e Processadores de Vidros Planos), o termo irisação pode ser utilizado, igualmente, para nomear aquela corrosão que se registra, lentamente, na superfície do vidro, com aspecto de manchas de óleo (arco-íris) ou manchas opacas causadas pela presença de água ou umidade entre as lâminas. Mas aí já se está falando de “outros quinhentos”...

IRISAÇÃO E ONDAS DE GRAVIDADE — A foto acima, clicada em Foz do Iguaçu em 13 de março do correte ano, pela Sra. Anna Leopoldina Beiriz Carneiro da Silva, não tem relação direta com as ondas gravitacionais. Trata-se do efêmero e belo fenômeno atmosférico conhecido como irisação (quando a luz do Sol interfere nos cristais de gelo dos cirrustratos), registrando-se, aqui, ainda, a interferência de ondas de gravidade, que nada têm a ver com as ondas gravitacionais.

PARA LER MAIS SOBRE O LIGO Os especialistas e outros interessados, que desejarem aprofundar seus conhecimentos em torno deste tema, podem consultar, entre outros, sites como os abaixo citados: * artigo “GW150914: LIGO Detects Gravitational Waves”, do Portal “SXS - Simulating Extreme Spacetimes” no URL http:// www.black-holes.org/gw150914 (valendo lembrar que GW é a sigla de “Gravitational Waves” e que “150914” representa o dia 15 de setembro de 2015, que foi a data da detecção. * artigo de Einstein (1916). “The Foundation of the General Theory of Relativity” (PDF). Annalen der Physik 49 (7): 769–822.

Bibcode:1916AnP...354..769E. doi:10.1002/ andp.19163540702. Retrieved 2006-09-03. * artigo de Einstein (1916). “The Foundation of the General Theory of Relativity” (English HTML, contains link to German PDF). Annalen der Physik 49 (7): 769–822. * 5 Gravitational-Wave Tests of Gravitational Physics, no portal “Living Reviews in Relativity”, disponivel no URL http://relativity.livingreviews.org/Articles/lrr-2013-7/ articlese5.html Experimente colocar este string “LIGO gravitational waves” (inclusive as aspas) no Youtube — e Você terá acesso a mais de 100 vídeos tratando dos mais diversos aspectos das ondas gravitacionais.

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COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – Nº 9, Nº 11 Abelardo Jurema Filho – Nº 5, Nº 11 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – Nº 12 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto – Nº 8 Aldo Lopes Dinucci – Nº 9 Alessandra Torres – Nº 9 Alexandre de Luna Freire – Nº 1 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – Nº 13 Álvaro Cardoso Gomes – Nº 5 Américo Falcão (In Memoriam) – Nº 9 André Agra Gomes de Lira – Nº 1 Andrès Von Dessauer – Nº 7, Nº 8, Nº 9, Nº 10, Nº 11, Nº 12, Nº 13, Nº 14 Ângela Bezerra de Castro– Nº 1, Nº 11 Anna Maria Lyra e César – Nº 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – Nº 8 Antônio Mariano de Lima – Nº 4 Ariano Suassuna (In Memoriam) – Nº 14 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – Nº 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, Nº 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – Nº 13 Berilo Ramos Borba – Nº 3 Boaz Vasconcelos Lopes – Nº 7 Camila Frésca – Nº 5 Carlos Alberto de Azevedo– Nº 4, Nº 6, Nº 11 Carlos Alberto Jales – Nº 2, Nº 12, Nº 14 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5 Carlos Pessoa de Aquino – Nº 5 Chico Viana – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, Nº 10, Nº 13, Nº 14 Ciro José Tavares – Nº 1 Cláudio José Lopes Rodrigues – Nº 5, Nº 6 Cláudio Pedrosa Nunes – Nº 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – Nº 10 Damião Ramos Cavalcanti – Nº 1, Nº 11 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – Nº 6 Durval Ferreira – Nº 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – Nº 14 Eilzo Nogueira Matos – Nº 1, Nº 4, Nº 7, Nº 13 Eliane de Alcântara Teixeira - Nº 6 Eliane Dutra Fernandes – Nº 8, Nº 14 Elizabeth Marinheiro – Nº 12 Emmanoel Rocha Carvalho – Nº 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - Nº 1, Nº 9 Ernani Sátyro (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014,Nº 7, EE/ Epitácio Pessoa/Maio/2015, Nº 11 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - Nº 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 8 Evandro da Nóbrega- Nº 2, Nº 4, Nº 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, Nº 11, Nº 14 Everaldo Dantas da Nóbrega – Nº 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - Nº 8 Fábio Franzini – Nº 7 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - Nº 4 Flamarion Tavares Leite – Nº 8 Flávio Sátiro Fernandes – Nº 1, Nº 2, Nº 4, Nº 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, Nº 7, Nº 8, Nº 9, Nº 10, Nº 11, Nº 13, Nº 14 Flávio Tavares – Nº 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - Nº 2 Francisco Gil Messias – Nº 2, Nº 5, Nº 14 Gerardo Rabello – Nº 11 Giovanna Meire Polarini – Nº 7 Glória das Neves Dutra Escarião – Nº 2 Gonzaga Rodrigues – Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 11 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – Nº 4, Nº 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – Nº 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015

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Itapuan Botto Targino – Nº 3 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – Nº 4 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – Nº 6 Joaquim Osterne Carneiro – Nº 2, Nº 4, Nº 7, Nº 9, EE/Epitácio Pessoa/ Maio/2015, Nº 11, Nº 14 José Américo de Almeida (In Memoriam) – Nº 3, Nº 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 José Jackson Carneiro de Carvalho – Nº 1 José Leite Guerra – Nº 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – Nº 14 José Mário da Silva Branco – Nº 11, Nº 13 José Octávio de Arruda Melo – Nº 1, Nº 3, Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 9, Nº 13 José Romero Araújo Cardoso – Nº 2, Nº 3, Nº 10, Nº 11 Josemir Camilo de Melo – Nº 11 Josinaldo Gomes da Silva – Nº 5, Nº 10 Juarez Farias – Nº 5 Juca Pontes – Nº 7, Nº 11 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, Nº 7, Nº 13 Lucas Santos Jatobá – Nº 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – Nº 13 Luiz Fernandes da Silva- Nº 6 Machado de Assis (In Memoriam) – Nº 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) – Nº 13 Marcelo Deda (In Memoriam) – Nº 4 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – Nº 1 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – Nº 3, Nº 10 Maria José Teixeira Lopes Gomes – Nº 5, Nº 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – Nº 3, Nº 9 Mário Glauco Di Lascio – Nº 2 Mário Tourinho – Nº 13 Martinho Moreira Franco – Nº 11 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – Nº 4 Milton Marques Júnior – Nº 4 Moema de Mello e Silva Soares – Nº 3 Neide Medeiros Santos – Nº 3, Nº 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – Nº 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – Nº 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - Nº 6 Oswaldo Meira Trigueiro – Nº 2, Nº 5, Nº 6, Nº 7, Nº 9, Nº 10, Nº 13 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - Nº 14 Otávio Sitônio Pinto – Nº 7 Paulo Bonavides – Nº 1, Nº 4, Nº 5, Nº 9, Nº 10, EE/Epitácio Pessoa/ Maio/2015, Nº 12, Nº 14 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – Nº 3 Raúl Gustavo Ferreyra – Nº 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – Nº 4 Renato César Carneiro – Nº 3,Nº 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,Nº 7,Nº 9 Ricardo Rabinovich Berkmann – Nº 5 Roberto Rabello – Nº 11 Rostand Medeiros – Nº 12 Severino Ramalho Leite – Nº 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, Nº 13 Socorro de Fátima Patrício Vilar – Nº 10 Thanya Maria Pires Brandão – Nº 4 Tiago Eloy Zaidan – Nº 11, Nº 13 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – Nº 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – Nº 3, Nº 9 Wills Leal – Nº 2, Nº 7 EE=Edição Especial


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