MEIO AMBIENTE LANÇADO NO CENTRO CULTURAL ARIANO SUASSUNA, O LIVRO FAUNA ILUSTRADA DA FAZENDA TAMANDUÁ FOTOS: ELIAS FÉLIX DO NASCIMENTO
Equipe GENIUS
Com grande comparecimento de escritores, historiadores, acadêmicos, professores, teve lugar no dia 28 de julho, às dezoito horas e trinta minutos, no Centro Cultural Ariano Suassuna, do Tribunal de Contas do Estado, sob a coordenação de seu Diretor, Flávio Sátiro Fernandes Filho, o lançamento do livro FAUNA ILUSTRADA DA FAZENDA TAMANDUÁ, a mais importante obra já produzida em nosso Estado sobre o patrimônio faunístico da Paraíba. O livro foi idealizado por seis biógrafos nordestinos que propuseram ao ambientalista Pierre Landolt, proprietário da Fazenda Tamanduá, do município de Santa Terezinha, deste Estado, vizinho ao Município de Patos, um trabalho de recenseamento da fauna existente na reserva situada nos limites da fazenda, com vistas, sobretudo, a propiciar uma proteção cada vez mais consistente dos animais ali encontrados, mediante catalogação científica capaz de proporcionar um melhor conhecimento e uma maior assistência aos variados espécimens fixados no local. A ideia caiu em campo fértil e logo prosperou. Afeito às coisas da natureza e preocupado, desde a infância, com a preservação das riquezas naturais, não foi difícil ao cidadão suíço que detém o domínio do imóvel e que trocou as gélidas regiões de seu país pela canícula paradoxalmente sedutora do semiárido paraibano, emprestar todo o apoio à proposta. Ele que já tomara a iniciativa de vedar a caça em seus domínios e vetar a extração de madeira em suas fronteiras, aderiu, de pronto, ao plano de registrar em bases científicas a população animal silvestre, facultando aos cientistas que o procuraram os espaços generosos de sua propriedade, rica em pássaros, anuros, mamíferos, répteis, morcegos, etc. onde os autores puderam penetrar e pesquisar os seres vivos e selvagens ali abrigados. (Continua na página 55)
2
| Julho/Agosto/2016
O historiador Flávio Sátiro Fernandes, ao fazer a apresentação
A bióloga Mariana Miranda d´Assunção
O ambientalista Pierre Landolt
O biólogo Paulo Barros dos Passos Filho
O biólogo João Gomes do Prado Neto
O poeta e cordelista Oliveira de Panelas
CARTA AO LEITOR
SUMÁRIO
Que aproximação pode ser feita entre as geladas escarpas suíças e as abrasadas serras das Espinharas? A aproximação entre as duas distantes e diferentes regiões atende pelo nome de Pierre Landolt, um genuíno suíço que, há mais de quarenta anos, acumpliciou-se com os climas antípodas dos de suas origens e instalou no Município de Santa Terezinha, vizinho ao Município de Patos, uma fazenda, uma indústria e um comércio exportador de frutas de excelentes qualidades, tudo de forma sustentável, com respeito ao meio, à ambiente, à ecologia, à preservação da fauna e da flora locais. Tudo isso pode ser comprovado através da reportagem inserida nesta edição, sobre o lança,mento do livro FAUNA ILUSTRADA DA FAZENDA TAMANDUÁ, recentemente ocorrido no Centro Cultural Ariano Suassuna, do Tribunal de Contas do estado, cuja apresentação foi feita pelo nosso Diretor, Flávio Sátiro Fernandes, no dia 28 de julho do corrente ano, como o leitor verá. Também neste número, um excelente estudo do mais novo membro da Academia Paraibana de Letras, artista plástico Chico Pereira, discorrendo sobre o fenômeno da comunicação moderna e sua influência na propagação da música popular brasileira. Uma séria análise da crise política brasileira, sem vislumbres partidários, mas em bases político-científicas, é feita pelo nosso colaborador permanente, Professor Emérito da Faculdade de Direito do Ceará, Paulo Bonavides, cujo estudo penetra no âmago da problemática que assola nossa pátria e que está a exigir de nós todos profunda meditação. Ramalho Leite, com a verve que lhe é peculiar nos conta estórias do Brejo paraibano, ligadas particularmente à figura curiosa do Padre Zé Diniz, que exerceu o vicariato na antiga freguesia de Nossa Senhora do Livramento, em Bananeiras. A responsabilidade em suceder a escritora Adylla Rabelo, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), é confessada pelo novo membro daquela Casa, Ruy de Vasconcelos Leitão, cujo discurso de posse transcrevemos. Outras matérias mais se desenvolvem pelas páginas desta nova edição de GENIUS, veículo de nossa cultura.
05
DOIS FILMES E UM SÓ DESTINO: A MÚSICA Andrés Von Dessauer
07
DO ZABUMBA AO PAREDÃO (NO TEMPO DAS REDES SOCIAIS) Chico Pereira
11
DISCURSO DE POSSE Celso Furtado
14
EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE MODERNA José Loureiro Lopes
16
NATHANAEL ALVES - UMA PÁGINA SEMPRE EM BRANCO José Nunes
18
O ESTADO SOCIAL E A CRISE DO PRESIDENCIALISMO NO BRASIL Paulo Bonavides
ERRATA – Infelizmente, temos de nos desculpar perante o autor e perante os leitores e apontar um erro nosso, no número 15, inteiramente dedicado a José Américo de Almeida, quando no penúltimo parágrafo do artigo JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA, de autoria do Professor Paulo Bonavides, em vez de “o povo recobrava a liberdade!” foi posto “o povo recobrava a ditadura!”
Julho/Agosto/2016 - Ano IV Nº 16 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 9981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA
21
CINCO POEMAS DE SÁ LEITÃO FILHO
22
OS ACONTECIMENTOS DA PRAÇA DA BANDEIRA, EM CAMPINA GRANDE Ernani Sátyro
29
SILVINO PIRAUÁ: O ENCICLOPÉDICO José Romildo de Sousa
31
A RESPONSABILIDADE EM SUCEDER ADYLLA Ruy de Vasconcelos Leitão
35
CRIANÇAS Conto de Vicente de Carvalho
37
O LIVRO DE TOMBO DO PADRE ZÉ DINIZ Ramalho Leite
39
A CASSAÇÃO DOS PARLAMENTARES COMUNISTAS Flávio Sátiro Fernandes
42
DOM PEDRO II E JOÃO GOULART Humberto Mello 42
43
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO ESTADO DA PARAÍBA Carta do Lyceu Paraibano 43
44
UM JOGO DE FUTEBOL INESQUECÍVEL Carlos Alberto Jales 44 Julho/Agosto/2016 |
3
COLABORAM NESTE NÚMERO: 4
ANDRÈS VON DESSAUER [Dois filmes e um só destino: a música] Mestre em Economia e Ciência Política, pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematográfico, no triângulo Rio, São Paulo, Paraíba, sobre filmes “cults”. Articulista em vários periódicos brasileiros. CARLOS ALBERTO JALLES [Um jogo de futebol inesquecível] Professor Doutor do Departamento da Educação do Centro de Educação da UFPB. CELSO FURTADO (In Memoriam) (Pombal, PB, 1920 - Rio de Janeiro, RJ, 2004) [Discurso de posse na ABL] Economista de renome internacional, criador e primeiro Superintendente da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), de sua instalação até o advento do movimento revolucionário de 1964. Membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou, dentre outras obras: Formação econômica do Brasil, A Operação Nordeste, Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Dialética do desenvolvimento, Formação econômica da América Latina. CHICO PEREIRA [Do zabumba ao paredão (No tempo das redes sociais)] Artista plástico e ativista cultural na Paraíba, autor de diversas obras, no campo da cultura e da comunicação. ERNANI SÁTYRO (In Memoriam) (Patos, 1911-Brasília, 1986) [Os acontecimentos da Praça da Bandeira, em Campina Grande] Romancista, poeta, ensaísta, político. Deputado Estadual, Deputado Federal, Governador da Paraíba, Ministro do STM. Membro da Academia Paraibana de Letras, da Academia Brasiliense de Letras, do IHGP. FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [A cassação dos parlamentares comunistas, em 1948] Membro da Academia Paraibana de Letras e do IHGP. Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Romancista, poeta, historiador. JOSÉ LOUREIRO LOPES [Educação na sociedade moderna] Ex-Reitor do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE). Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Ex-Secretário de Educação da Paraíba.
| Julho/Agosto/2016
JOSÉ NUNES [Nathanael Alves – Uma página sempre em branco] Jornalista, Membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. JOSÉ ROMILDO DE SOUSA [Silvino Pirauá de Lima – O eclético] Historiador. Membro do IHGP e do Instituto Histórico e Geográfico de Patos. Ex-Presidente da Fundação Ernani Sátyro, com sede em Patos, Ex-Secretário de Cultura do Município de Patos. PAULO BONAVIDES [O Estado Social e a crise do presidencialismo no Brasil] Professor Emérito da Faculdade de Direito do Ceará. Doutor Honoris Causa por diferentes Universidades estrangeiras. Autor de uma extensa bibliografia na área do Direito Constitucional. Autor da obra História Constitucional dos Estados Brasileiros, juntamente com o Professor Flávio Sátiro Fernandes. RAMALHO LEITE [O Livro de Tombo do Padre Zé Diniz] Membro da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Ex-Superintendente de AUNIÃO – Superintendência de Imprensa e Editora. Ex-Deputado Estadual. RUI DE VASCONCELOS LEITÃO [Responsabilidade em suceder Adyla] Jornalista, escritor, historiador. Ex-Superintendente de A UNIÃO, Superintendência de Imprensa e Editora. SÁ LEITÃO FILHO (In Memoriam) (Catolé do Rocha, 1926 - João Pessoa, 1997 [Cinco poemas] Poeta, autor do livro O Canto do Século. Foi Procurador Federal junto ao antigo INPS. Exerceu durante quatro anos o cargo de Procurador Geral do Tribunal de Contas do Estado. VICENTE DE CARVALHO (In Memoriam) [Crianças, Conto] (Santos, 1866-Santos-1924). Bacharel em Direito, escritor, jornalista, poeta “apegado ao ideário parnasiano”, Político, Ministro do Tribunal de Justiça de São Paulo. Exerceu atividade econômica, produzindo café em fazenda no interior de São Paulo. Membro da Academia Brasileira de Letras em 1909, ocupando a cadeira 29, que tem como patrono Artur de Azevedo.
CINEMA DOIS FILMES E UM SÓ DESTINO: A MÚSICA Andrés Von Dessauer
A parceria entre música e cinematografia vem de longe. Já em sua primeira projeção pública, em 1895, os irmãos Lumière lançaram mão da sonoridade de um piano. Em 1910, ainda na época do cinema mudo, esse instrumento ganhou a companhia de outros e, por fim, passou a ser comum a presença de uma orquestra no desenrolar de um filme. Hoje, de tão importante, a trilha sonora, não raramente, impulsiona o roteiro de uma película e emenda tomadas dando fluidez ao enredo. Assim, por mais distintos que sejam os seus argumentos, os dois filmes a seguir comentados possuem em comum, o espaço de destaque dedicado à música. Com efeito, apesar da linguagem distinta ROCKY HORROR PICTURE SHOW e YOUTH alcançaram o patamar de referência no que tange à qualidade musical e visual. Vale sublinhar que as obras tratadas nesta edição serão, nos próximos meses, apresentadas e comentadas na Fundação Casa José Américo (Localizada na Av. Cabo Branco, nº 3336). Para maiores informações favor contactar este articulista através do email vondessauer@ uol.com.br. Os projetistas do hotel-sanatório ‘SCHATZALM’, construído em 1900, na cidade de Davos, jamais imaginariam que este seria, em 1924, cenário de inspiração de “A Montanha Mágica”, um dos mais lidos romances do século XX, do consagrado escritor alemão THOMAS MANN. Também surpreende a escolha desse mesmo hotel para a ambientação de YOUTH, um dos filmes mais estéticos sobre a terceira idade produzido, em 2015, pelo cineasta italiano Paolo Sorrentino (que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro com A GRANDE BELEZA). Vale notar que a acepção alemã “SCHATZALM” se compõe de dois substantivos que, trazidos para o português correspondem, respectivamente, a ‘tesouro’ (‘SCHATZ’) e a ‘pasto alpino’ (‘ALM’).
YOUTH
Assim, na falta de uma palavra especifica, “SCHATZALM” vem a ser o pasto quase inalcançável presente no cume dos Alpes. E, nesse sentido, a escolha desse hotel para o filme em questão parece ter sido calculada, já que não resta dúvida de que a vida é um tesouro e as pessoas que ali estão buscam, justamente, pisar nesse último pedaço de relva tão resguardada no topo da montanha. Fortemente influenciada pelo filósofo alemão Schopenhauer para quem a vida é uma doença que, invariavelmente, leva à morte, a morbidez é um traço marcante nos romances de Mann. Aliás, o protagonista Hans Castorp, do aclamado livro, dá um claro exemplo disso ao sustentar que as doenças enobrecem o ser humano. Em YOUTH a atmosfera é similar, mas, apesar dos arrependimentos, próprios dos balanços de vida, também fica evidente a serenidade transmitida pela pungente natureza. Serenidade que, por sua vez, se traduz, igualmente, na escolha
consciente de tomadas mais lentas (‘slow motion’), em um claro intento de adequar as ações do filme ao ritmo fisiológico de seus protagonistas. E, sob esse aspecto, até mesmo a falta de linearidade se revela um recurso, uma vez que as distorções entre passado, presente e futuro costumam ser comuns na avançada idade. Música e roteiro (pilares da cinematografia) encontram-se, claramente, personificados no papel de dois velhos amigos. Mas, o estreito relacionamento dessas duas expressões artísticas, aparentemente, não resiste ao tempo. Já que, ao descrever a falência do casamento da nova geração, Sorrentino, subliminarmente, insere os vídeos clips como novo campo de atuação das notas musicais. E acrescida a essa mensagem tem-se a advertência explícita de que o cinema precisa inovar sob pena de ser engolido pela TV, como destaca Jane Fonda, em uma única, mas, marcante aparição. Talvez o ponto fraco da película seja a atuação de Paul Dano, ator que mostrou boa performance em ‘Miss Sunshine’. Mas, caso os diálogos do personagem de Dano encontrem inspiração no filósofo alemão, von Hardenberg (Novalis), é possível defender sua fala, alegando que, por vezes, alguns fragmentos podem ser vistos como objetos de arte. E que, sendo assim, partes de uma conversa seriam mais poderosas que um pensamento completo. Seja como for, Michael Caine interpreta, com desenvoltura, o maestro e compositor que encerrou sua atividade artística e, Harvey Keitel incorpora, com maestria, um cineasta que se encontra em meio à produção de seu último filme (‘Lifes Last Day’). A ideia da “decadência”, atrelada, aos efeitos do tempo sobre o corpo não está ausente e isso fica evidente tanto ao destacar o feio, como ao conceder espaço à beleza. Sob esse prisma, basta contemplar a face de Karl Marx tatuada nas costas de um futebolista em declínio e contrapor essa imagem com a estonteante beleza Julho/Agosto/2016 |
5
da romena Madalena Ghenea, na piscina termal. Ademais, se é para falar de beleza não dá para deixar de lado a clara mensagem de universalidade da música materializada na singular orquestra composta por ruminantes. De fato, se a vida pudesse se materializar em uma partitura seria, perfeitamente, possível afirmar que, com esse trabalho, Sorrentino inaugura um novo gênero, quiçá, denominado ‘sinfonia-cinematográfica’. ROCKY HORROR PICTURE SHOW (RHPS) – Um espetáculo de interatividade Baseado na peça ‘ROCKY HORROR SHOW’ de Richard O’Brian, estreada em Londres no ano 1973, o subversivo musical RHPS do cineasta australiano Jim Sharman, transposto ao cinema, em 1975, tocou o nervo sensível de muitos valores. E, posteriormente, foi classificado como um dos filmes mais ‘cult’ de todos os tempos. Talvez a imediata receptividade desse trabalho esteja relacionada com a atuação do Dr. Frank-N-Furter - um transexual vivido por Tim Curry - que ao proclamar ‘Don’t dream it , be it !’ (‘não sonhe, seja!) convida o espectador a viver o enredo. Chamamento, aliás, amplamente atendido, conforme testemunhei em uma das exibições dessa película na qual me deparei com fãs caracterizados, que cantavam a plenos pulmões, repetiam frases e, reproduziam a chuva esguichando água para todos os lados.
6
| Julho/Agosto/2016
RHPS
Suposições à parte, o fato é que, o irreverente musical foi sucesso de bilheteria, tanto é que, mesmo estando em cartaz em mais de 240 salas só nos USA, conseguir ingressos era um verdadeiro golpe de sorte. E até hoje (!), essa película é exibida com lotação reiteradamente esgotada no Museumlichtspiele, cinema mais antigo de Muenchen (1910). A obra iconoclasta tem a intenção de desconstruir tudo o que vem pela frente, mas tem nítida predileção em atingir aquilo que é considerado ‘normal’. Nesse passo, o “Wetterumschwung” (= mu-
dança de clima) tem início em uma noite chuvosa, na qual a renúncia de Nixon atinge o ‘casalsinho burguês’ que, tão ‘naif ’ quanto Adão e Eva, sucumbe aos encantos de uma ‘serpente’ transexual. A desconstrução não poupa nem mesmo o ‘Rei do Rock’, Elvis, que, após ser assassinado e congelado, passa a figurar como prato principal de um jantar macabro. E até a torre da produtora RKO de Howard Hughes não escapa da onda iconoclasta que revolve tudo o que encontra, especialmente, clichês de filmes de terror e ‘sci-fi’. Também se vê que a imagem de um delta invertido, utilizada para ‘etiquetar’ homossexuais judeus, retorna a sua posição original, sendo elevado a ícone do ‘orgulho gay’. Os padrões de beleza, igualmente, sofrem abalo já que, o ignorante Rocky representante de uma raça superior não passa de um objeto sexual para o seu próprio criador. Trata-se, portanto, de uma obra repleta de alegorias que, quando submetidas à velocidade da linguagem cinematográfica podem dar a falsa impressão de um trabalho desprovido de sentido. E isso talvez explique os resultados modestos que tanto o filme quanto a peça tiveram no Brasil. Mas, mesmo que não se consiga acompanhar todos seus detalhes, resta a satisfação de desfrutar de uma excelente jornada musical, bem como a experiência de se deixar levar pela desconstrução proposta. Afinal, parafraseando o narrador: ‘a vida é uma ilusão e a g realidade um produto da imaginação’.
COMUNICAÇÃO DO ZABUMBA AO PAREDÃO
(NO TEMPO DAS REDES SOCIAIS) Chico Pereira
(Especial para GENIUS)
Animou-me a fazer este pequeno ensaio um artigo publicado pelo procurador federal Duciran Farena, cujas opiniões na imprensa mantenho incorporadas ao meu acervo, especialmente quando tratam de temas ligados à cultura e ao patrimônio histórico. O texto a que me refiro (“Legalizem Já!”), publicado no “Jornal da Paraíba” em 11 de outubro de 2015, trouxe uma lúcida análise sobre a produção fonográfica e o uso de transporte de aluguel, os chamados “Über”, que em pouco mais de cinco anos de fundação acumula um valor de mercado de mais de US$ 51 bilhões, superando corporações gigantescas, como a General Motors (US$ 47 bilhões), o que me levou a fazer algumas considerações acerca do mercado e dos valores da chamada cultura de massa, diante da avassaladora velocidade em que se processam atualmente esses acontecimentos, acima da capacidade geral de entendê-los prontamente. Sem intenção professoral, mas não podendo fugir do ofício, venho procurando dividir com outras pessoas interessadas minha visão diante desse fenômeno, mais especificamente sobre espetáculos de origem popular e manifestações artísticas musicais, como o hip-hop, o funk, o axé, o pagode, o tecnobrega, o sertanejo e tantas outras, entre as quais o forró, movidos a grandes aparatos sonoros e enormes estruturas de luzes e palcos, além dos gigantescos trios elétricos, essa genuína invenção nacional, incorporada aos carnavais e extrapolando para as micaretas e outros grandes eventos de massa. Tudo fruto das fontes remotas da nossa cultura, também recebendo sinergias externas. Afinal, o mercado mundial de cultura e entretenimento é uma poderosa e rentável instituição, dentro da mesma lógica avassaladora da indústria de armamentos ou do petróleo, com o agravante de atuar no campo dos sentimentos humanos, influenciando e formando “identidades sociais”, cada vez mais homogeneizadas pelos sistemas de difusão e troca de informações do nosso tempo. Um exemplo marcante desse fenômeno é
Boi de Parintins - Da antiga tradição levada pelos emigrantes nordestinos para a Amazônia, o Boi-Bum-Bar triunfou como o maior espetáculo folclórico brasileiro, com nova interpretação envolvendo milhares de brincantes e gigantescas alegorias.
a festa do Boi de Parintins, evento que atrai milhares de pessoas do Brasil e do Exterior para assistir, durante três dias, uma disputa entre os bois “Caprichoso” e “Garantido”, espetáculo que acontece anualmente no Bumbódromo, gigantesca construção que recebe espectadores de várias partes do mundo, agraciados com deslumbrantes encenações compostas de luzes, cenários, alegorias, música e dança, em sincronia técnica e artística de resultados hipnóticos. Milhares de brincantes locais reproduzem em escala exponencial a tradição do bumba-meu-boi, levado àquela ilha no meio do Amazonas pelos nordestinos, soldados da borracha ou retirantes da seca. De brincadeira folclórica restrita às pequenas comunidades, evoluiu para um mega espetáculo, praticamente, único sustentáculo da economia do lugar durante todo ano. Não fosse a festa de Pa-
rintins, certamente não haveria um aeroporto com capacidade para receber aeronaves de grande porte, num local a que, antes, só se tinha acesso através da navegação fluvial, em viagens que duravam dias e noites. O mais expressivo desses exemplos é o carnaval do Rio de Janeiro. Originado dos velhos ranchos, blocos e troças populares, foi evoluindo para se transformar no maior espetáculo artístico-cultural do planeta. Um acontecimento que envolve favelas e periferia da Baixada Fluminense, numa permanente atividade, entrelaçando territórios, identidades, referências musicais e histórias próprias. É incrível como uma população com tantas limitações consegue superar suas dificuldades, apresentando a mais exuberante festa brasileira - de luxo, brilho e cor -, através das fantasias, adereços e dos fantásticos carros alegóricos, hoje incorporando Julho/Agosto/2016 |
7
sofisticadas tecnologias. Há de se ter em conta que tudo isto reúne, além do esforço coletivo, grandes somas de dinheiro, movendo o comércio e notadamente a indústria do turismo, de tal forma que não se fazem alusões ao Rio de Janeiro sem o carnaval; este faz parte da sua paisagem, como o Corcovado, o Pão de Açúcar e Copacabana. Mas é o povo pobre do Rio que mais contribui para a economia turística do local. A escola de samba carioca tornou-se modelo e inspiração para o país, reproduzindo-se conforme a capacidades de cada lugar. Em João Pessoa, por exemplo, folclorizou-se, ao se exibirem no carnaval, lado a lado, tradicionais grupos de “caboclinhos” e blocos de frevo. Na proximidade das nossas identidades, temos as bandas de forró, cuja fonte original foi o trio constituído de “oito baixos” ou sanfona, do zabumba e do triângulo, tal como foi difundido por Luiz Gonzaga. Esse padrão foi crescendo a partir dos grandes bailes juninos, passando a fazer parte do cenário nordestino, como aconteceu na Paraíba, no início dos anos de 1970, quando da implantação da BR 230, fazendo do São João de Santa Luzia, no Alto Sertão, o modelo inicial daquilo que se transformaria num grande evento. Depois, em Campina Grande, quando desfiles de quadrilhas juninas e de carroças fantasiadas transformaram-se naquilo que viria a ser o “Maior São João do Mundo”, festa com duração de trinta dias, reproduzindo cenários antigos, concurso de quadrilhas, comidas típicas, apresentações de shows e presença de trios de forró, compondo a animação diária do lugar. A Rainha da Borborema transformou-se em referência no calendário do turismo brasileiro, levando os habitantes da cidade e vizinhança a absorverem a festa em todos os níveis sociais como um compromisso de cidadania. Esse modelo, ampliando-se por todo Nordeste, trouxe à região novos impulsos sociais e econômicos e grande visibilidade através das mídias, de forma permanente. Uma renovada tradição se mantém viva nos espaços urbanos e nas almas de seus habitantes. Nesse sentido, entendemos que as grandes bandas de forró seguiram o mesmo padrão do mercado, de início lucrando com a venda de CDs, tão logo pirateados, ajudando a difundir seus shows com os aparatos disponíveis a cada época, ampliando-se e sofisticando-se conforme o aparecimento de novas tecnologias. Todas, praticamente, adotaram a mesma fórmula para consumo geral, feita para se balançar e se divertir, com letras e músicas, ingênuas ou picantes, sem complexidades melódicas, intérpretes sem maiores aprimoramentos vocais, dançarinas exuberantes repetindo coreografias carregadas de sensualidade, e excesso de instrumentos
8
| Julho/Agosto/2016
Bumbódromo de Parintins - Edificado numa ilha no rio Amazonas, esta gigantesca arena recebe milhares de espectadores para assistirem as apresentações dos Bois Caprichoso e Garantido, vestidos com suas cores tradicionais azul e vermelha, sob o ritmo das suas canções-enredos, reproduzindo de certa forma o mesmo esquema das escolas de samba, tematizando lendas e alegorias amazonenses.
Carnaval do Rio de Janeiro - O maior espetáculo da terra. Sem dúvida, nenhuma expressão artística em qualquer lugar do planeta tem a grandiosidade dos desfiles das escolas de samba, especialmente as cariocas, pela dimensão, brilho e criatividade. Revela a capacidade do povo brasileiro em transformar temas banais ou históricos em verdadeiras “epopéias” embaladas pela garra e alegria dos seus figurantes.
musicais, onde o tradicional trio de forró passou a mero acompanhante e tênue referência identitária. A juventude se esbalda, movida aos hormônios à flor da pele. Completa o cenário palcos exagerados, com sofisticada sonoridade e intensa iluminação, atualmente adotando cenografias com painéis eletrônicos com lâmpadas de LED. Para suprir em diferentes dimensões a demanda desse espetáculo - e de outros gêneros - surgiram empresas fornecedoras desses aparatos, estendendo-se a “paredões”
sonoros e equipamentos para automóveis, que se encarregam voluntariamente da difusão dessa musicalidade mundo afora. Por outro lado, o forró tradicional, também movido pelo mercado, vai procurando seu espaço de visibilidade, a exemplo do Prêmio Gonzagão, que acontece anualmente no Centro de Convenções da FIEP, em Campina Grande, oportunidade em que se reconhecem, diante de enorme e especializada plateia, os valores da nossa produção a partir das chamadas raízes musicais. Com essa
mesma intenção, o sistema TV Cabo Branco/ TV Paraíba criou o Forró Fest, evento anual destinado à promoção da música nordestina, durante anos responsável pelo surgimento de inúmeros talentos e difusão do que melhor tem sido produzido nesse campo. Tudo isso é resultado de mutações que atendem diferentes estratos sociais de forma homogênea. Vão acontecendo conforme o ritmo das influências de um mercado ávido por novidades e dependente de lucro. Não está em questão a identidade cultural, mas o sucesso. Daí porque bandas e intérpretes se tornam reconhecidos tão rapidamente. Por outro lado, tal como surgem, desaparecem. A permanência na cena vai exigindo profissionalização através de complexas operações, envolvendo aparatos mais sofisticados para exibições, também incluindo construções de amplos e estruturados espaços físicos. O cenário agora é empresarial, contratando de forma permanente músicos, montadores, eletricistas, coreógrafos e dançarinos; pagam impostos e realizam operações logísticas de transporte, segurança, vendas de ingressos, mídias e apresentações, tudo cronometrado e controlado. Por outro lado, é importante compreender essa atividade como qualquer outra de caráter comercial, tanto como a bilheteria paga para ver um filme, ir a um circo, assistir uma peça de teatro ou a um caríssimo show de Chico Buarque de Hollanda ou do “Rei” Roberto Carlos. Não é por menos que o Ministério da Cultura criou recentemente um programa de distribuição de ingressos para que pessoas de baixa renda possam ter acesso a espetáculos culturais e artísticos. É nesse espaço altamente competitivo que bandas e conjuntos tradicionais vão se formando, procurando brechas para avançar no mercado. Essa mobilidade se expande em diferentes cenários, a exemplo das quadrilhas juninas, que vão deixando de lado a figura do matuto, da coreografia de herança portuguesa, do “alavantu” e do “anarriê” franceses adaptados à fala local; do casamento e do entrançado entre pares, incorporando agora invenções cenográficas, enredos teatralizados, novas danças, coreografias e vestimentas sofisticadas, que nada lembra as origens dessa diversão. Fruto de disputas e premiações, as quadrilhas se transformam em personalidades jurídicas, participam de festivais e investem pesadamente cada vez mais para sustentarem a glória do grupo. Algumas estão se transformando em empresas com fins lucrativos. Em estudo recente, a Prefeitura da cidade do Recife publicou um documento que registra o volume de investimentos financeiros que esses grupos fazem, expressivo montante de dinheiro que, de certa forma, contribui para o crescimento
Paredão Sonoro - Desenvolvidos a partir dos equipamentos de amplificação sonora disponibilizados no mercado, surgiu o “paredão”, verdadeira parafernália de sonofletores e mixadores que amplificam o som em centenas de decibéis, formando afixionados que disputam entre si fazer maior barulho. Constituem também aparato de bailes e ajuntamento de pessoas para se divertir.
do comércio local, além dos salários de músicos, costureiras, figurinistas, aluguéis de imóveis, e funcionários, a partir do momento que passam a atividade permanente e não sazonal. Possivelmente, lá na frente, surgirá em algum lugar um “quadrilhódromo”, nas dimensões do “bumbódromo” de Parintins. Com as mesmas dimensões, a vaquejada, tradicional costume de marcação do gado, em que se faziam festas, transformouse - como os espetáculos de forró -, num grande comércio de shows artísticos, paralelo à derrubada do boi. Esta, hoje em dia, atrai menos público do que os shows. Extrapolando para outras dimensões, com as mesmas aparências culturais, temos o exemplo do futebol. Esporte de origem britânica, coisa de branco civilizado, quando chegou ao Brasil, tão logo teve suas regras estabelecidas, foi disputado apenas pela elite. Levou pelo menos três décadas para que o fechado clube viesse aceitar os primeiros jogadores mulatos. Estes e outros mais escuros deram o tempero e as lições que transformaram o Brasil em potência mundial do futebol, quando em 1958 conquistou sua primeira Copa. Era o tempo das ondas curtas do rádio, onde as transmissões dos jogos dependiam da meteorologia e do magnetismo terrestre. O jogo mesmo só era visto depois, através dos telejornais cinematográficos. Após essa Copa, o futebol não seria o mesmo. Transformou-se numa poderosa indústria de entretenimento, de mídias e num riquíssimo comércio de produto, de jogadores e de clubes-empresas. No Brasil se transformaria num fato cultural, como o samba e o jogo do bicho, revelado também pela plasticidade artística manifestada nas arquibancadas, com ban-
deiras, sonoridade e alegorias para festejar os times. Não é por menos que em Campina Grande, no Museu da Cultura Popular da Paraíba (MAPP), a camisa que Hulk usou nas oitavas de final na Copa do Mundo de 2014, doada pelo atleta, é o objeto mais reverenciado entre tantas expressões expostas em seus diversificados ambientes. Depois da Copa de 58, passaram mais dez anos para que a televisão se firmasse como principal sistema difusor dos acontecimentos, culminando com o registro, em tempo real, da chegada do homem à Lua, em 1969. Isso mudou completamente os paradigmas da informação. A humanidade inteira estava na Lua sem precisar colocar os pés fora da Terra. As imagens transmitidas garantiam essa certeza. Entramos definitivamente na era da retina como principal fator de convencimento. A difusão da imagem da garota vietnamita, correndo despida com o corpo queimado por bombas de napalm lançadas pelos americanos, contribuiria para a opinião pública mundial convencer o governo dos EUA acabar com aquela guerra. O atentado às Torres Gêmeas de Nova York, parecendo ficção, foi visto ao vivo e em cores por bilhões de pessoas. A imagem adiantou-se à realidade dos fatos. A cultura e as artes não ficariam de fora desse sistema informacional. Daí, no meu entender, o poder dos sistemas midiáticos eletrônicos, especialmente a televisão e a Internet, sobre qualquer outro, quando irradiam informações em tempo real; e agora os celulares e tablets, com transferências e recepções de textos e imagens, onde tudo é virtual, do próprio rosto à transmissão de acontecimentos, da gravação da festa familiar a registros anônimos Julho/Agosto/2016 |
9
- a exemplo da recente contribuição de imagem, transmitida para a mídia televisa, de policiais no Rio de Janeiro forjando um jovem a disparar tiros, mesmo já estando morto. Cada vez mais os relatos verbais, muitas vezes carregados de imprecisões, vão sendo substituídos pela fome voraz dos registros eletrônicos que nos condicionam a repensar quais são os valores que nos devemos guiar, diante da gigantesca teia de comunicação que se estabeleceu... Qualquer pessoa, hoje, dispõe do seu próprio equipamento transmissor/receptor, produzindo e recebendo mensagens de todo canto, a toda hora, com todos conectados à rede mundial de conhecimento e informações num piscar de olho ou, melhor, num roçar de dedos. Quais os parâmetros mensuráveis no uso desses instrumentos que podem contribuir e interferir no espaço da educação, na esfera da Justiça, no controle social, na segurança pública, onde o celular transformou-se em potente instrumento de delinquência, com suas influências no seio familiar e na formação das crianças e dos adolescentes? São interrogações do nosso tempo, onde até segmentos religiosos - o outro lado da moeda -, se utilizam também dos mesmos sistemas midiáticos, através de shows, do surgimento de artistas e bandas, do mercado da fé que move gigantescas operações logísticas e financeiras, edificando templos e espaços dedicados a esses espetáculos, onde milhões de jovens se balançam ao som de cânticos e danças, sem uma gota de álcool ou qualquer outro inebriante. No mundo fragmentado por diferentes interesses, as comunicações pessoais reinam absolutas, correndo por fora das estruturas estabelecidas institucionalmente. Passam por trilhas fora dos controles públicos e privados e rapidamente vão criando suas pró-
10
| Julho/Agosto/2016
Jumento Sonoro - Pode parecer ironia, mas é no lombo do muar que trafega a sonoridade ambulante. Aqui um paredão adaptado a anatomia do animal que se encarregará de levar a qualquer lugar o som da festa.
prias urdiduras. Poder paralelo que não se sabe onde vai chegar, movido por bilhões de usuários que em doses vão despejando em profusão, a todo instante, suas “verdades”, numa febre avassaladora e comportamento neurótico, viciando toda sociedade nessa nova droga, da qual já é dependente. Chegamos então à era do descontrole do conhecimento informacional, onde ninguém é mais dono da verdade. Elas estão disponibilizadas cada vez mais em bancos de dados localizados ninguém sabe onde, depositadas em “nuvens” e em arquivos comprimidos. Informações que antes necessitavam de um
edifício para se processar, hoje cabem em pequenos chips, quase invisíveis. Agora estamos todos, sem nenhuma culpa, desconstruindo a Torre de Babel, conversando em diferentes línguas com traduções automáticas. Este é, talvez, o grande dilema que necessita ser compreendido, para que a cidadania não seja escrava do antigo oráculo do “decifra-me ou te devoro”. É nesse espaço de constantes variáveis e transformações que o mundo da cultura navega. Tudo junto e misturado. Um gigantesco liquidificador de ideias, sensações, posturas e esperanças. g
PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
DISCURSO DE POSSE (*) Celso Furtado
Tornou-se lugar-comum falar de Homem do Renascimento a propósito dessas personalidades que marcam um certo momento da formação de uma cultura, ocupando um espaço que amplia o horizonte daquilo que seus contemporâneos admitem como possível. Esses indivíduos excepcionais são, com freqüência, inconformados e revoltados, e quase sempre infensos às regras convencionais da convivência social. A capacidade de assimilar tais indivíduos indica a plasticidade de uma cultura e sua aptidão para avançar na criação de novos valores. Em minha geração, conheci poucas figuras com esse talento protéico, e é com prazer que destaco dentre elas Darcy Ribeiro. Nessa opinião sobre a personalidade desse brasileiro tão singular não estou sozinho. Recordo-me de que, nos idos dos anos de 1960, comentei com o grande antropólogo norte-americano Charles Wagley um livro recente de Darcy: “É muita audácia criar categorias para abarcar o processo civilizatório num horizonte de tempo tão amplo”, observei. E ele redargüiu sem vacilar: “Há pessoas que se podem permitir essas audácias: são os autênticos gênios”. Wagley era um profundo conhecedor da obra antropológica de Darcy e eu praticamente a desconhecia. Senti-me confortado na opinião a que chegara intuitivamente de que Darcy era alguém que marcaria nosso País pelo pensamento e pela ação. Meus primeiros contatos pessoais com ele deram-se no âmbito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em reuniões organizadas para debater o projeto de criação da Universidade de Brasília. Nessa época eu já conhecia de experiência, como estudante graduado, as Universidades de Paris e de Cambridge, Inglaterra, e havia visitado as universidades de mais prestígio nos Estados Unidos. Estava, portanto, condicionado para aceitar modelos clássicos que cristalizam experiências de outras culturas. Esses modelos pouco interesse despertavam em Darcy, que tinha um propósito claro: criar uma universidade com a
função prioritária de pensar o Brasil que estava emergindo do impacto da nova Capital em construção. Deveria contar com centros de excelência, mas, acima de tudo, teria de contribuir para repensar o País em rápida transformação. Darcy estava convencido de que vivíamos um processo revolucionário e que à nova universidade cabia um papel importante nesse processo. O vigor e a originalidade do pensamento de Darcy vinham de que este se alimentava amplamente de sonhos generosos. Uma conversa que tive com Jean-Paul Sartre, que acabava de visitar Brasília, confirmou-me essa opinião. Referindo-se à concepção arquitetônica de Brasília, Sartre observou: é esplêndida, mas destina-se a uma sociedade que não existe no Brasil. O sonho de Darcy era o mesmo de Oscar Niemeyer. E como não reconhecer que são esses sonhadores que preparam as sociedades para as lutas, que produzem suas melhores conquistas? Essas impressões se firmaram pouco tempo depois, quando participamos da experiência de governo parlamentarista no gabinete Hermes Lima. Coube-me, como ministro do Planejamento, preparar o projeto de plano de governo que serviria de plataforma à campanha eleitoral do presidente João Goulart visando restaurar o regime presidencial. Nessa época, já se admitia como evidente que o Brasil somente superaria o subdesenvolvimento se realizasse reformas estruturais profundas . Uma das vantagens do governo de gabinete reside em que todos os ministros são co-responsáveis das decisões mais importantes e trabalham em equipe para superar as divergências e acordar seus pontos de vista. Integravam esse gabinete ministerial pessoas de elevado nível intelectual e competência técnica, como os engenheiros Hélio de Almeida e Eliezer Batista da Silva, o economista Otávio Dias Carneiro, dentre outros. Darcy Ribeiro ocupava a pasta da Educação. Houve, de início, um intercâmbio de opiniões em torno da política a ser segui-
da e das metas a serem propostas. Abri o debate fazendo algumas ponderações metodológicas e introduzi o conceito econômico de custo de oportunidade: havia que partir de uma estimativa do volume global de recursos com que poderia contar o Estado, uma vez definido o esforço de poupança que se pretendia requerer da sociedade. Não se podia perder de vista que o montante de recursos destinados a um setor condicionava a disponibilidade de recursos dos demais setores. Como coordenador, eu sugeri que cada ministério instituísse um grupo de trabalho para preparar seu próprio projeto de plano setorial. Posto que ainda não dispúnhamos de uma estimativa global de recursos, eu me permitia recomendar que começássemos trabalhando com duas hipóteses: uma de metas máximas e outra de metas mínimas a alcançar. Lembrei que o ingrediente “tempo” desempenha papel fundamental no planejamento e que num mundo em rápida transformação, como o da economia brasileira, ter na devida conta essa variável é particularmente difícil. Quando iniciei a análise dos projetos de planos setoriais fui agradavelmente surpreendido pelo esplêndido trabalho realizado pela equipe de Darcy. A reflexão introdutória sobre o papel estratégico da educação num projeto de autêntico desenvolvimento econômico e social revelava uma percepção profunda das especificidades de nossa cultura e, em particular, de traços acabrunhantes de uma herança histórica com raízes na escravidão. Mas não me escapou o irrealismo dos objetivos colimados: as metas mínimas de Darcy superavam os valores máximos com que eu trabalhava e que deveriam ser rebaixados em face dos constrangimentos financeiros que começavam a se manifestar. Tudo o que ele fazia estava impregnado do sopro utópico que emanava de sua imaginação. Minha formação de economista prevenia-me contra o uso imoderado da fantasia. Hoje me dou conta de que a diferença essenJulho/Agosto/2016 |
11
cial que existia entre nós dois estava em que eu tinha percepção crítica da nossa realidade social, mas dela partia e a ela me adaptava, ao passo que Darcy a rejeitava e alimentava a esperança de transformá-la radicalmente. *** Darcy Ribeiro foi o primeiro pensador que, entre nós, partiu dos processos de desestruturação para captar o sentido global da formação de nossa cultura. Afastando-se do que era corrente no mundo universitário, ele não se armou de conceitos e teorias legitimadores do saber científico de sua época para abordar a realidade social que o preocupava. E isso graças a uma circunstância particular: o seu Weltanschauung filosófico era derivado do marxismo, e este era de escassa valia na análise das estruturas tribais objeto de seu estudo. Mas o marxismo vacinou-o contra a visão sociológica funcionalista que prevalecia em sua época, e isso permitiu-lhe ver como tragédia histórica os processos de deculturação entre os remanescentes dos povos indígenas que observou de perto. Sua visão dos primórdios de nosso processo histórico está marcada por esse ingrediente de tragédia que é a hecatombe de valores que caracteriza a formação inicial da cultura brasileira. Nas sociedades nacionais originadas de feitorias - nos diz Darcy, referindo-se ao que ele chama de Povos Novos -, a cultura se plasma como uma criação espúria porque nasce condicionada pela dominação colonial. Ele nos explica que o negro e o índio eram “desumanizados” ao serem tratados como coisa ou como bicho. Assim, a cultura brasileira só tem como constantes “seu caráter espúrio, sua condição de cultura defasada e as conseqüentes vicissitudes de uma cultura alienada”. Esse quadro de denúncia e de revolta surge como pano de fundo de uma visão positiva daquilo que ele chama de “cultura vulgar”, na qual se manifestaria “a força criativa do povo brasileiro”. Foi por meio dessa cultura vulgar - recheada de elementos indígenas e africanos que o povo brasileiro edificou, com os pobres tijolos e cimentos de que dispunha, a cultura nacional no que tinha de assentado na terra e de significativo para toda a população - nos diz Darcy. Em contraste com essa visão positiva do povo esboça-se uma outra, negativa, das classes dominantes que seriam alienadas, portanto, inconformadas, “cegas para os valores de sua terra e de sua gente”, e inaptas para propor-se um projeto nacional de desenvolvimento autônomo. Disso resulta que Darcy haja enveredado
12
| Julho/Agosto/2016
por um desvio intelectual, a exemplo de outros grandes pensadores do Terceiro Mundo. Ao adotarem uma filosofia da história segundo a qual todos os povos estão destinados a um futuro radioso, sempre que disponham de uma classe social capaz de liderar um processo revolucionário inovador, criaram eles a dependência com respeito ao advento dessa força transformadora e purificadora da sociedade. Assim, os países de industrialização tardia, com classe trabalhadora industrial raquítica e grandes massas marginalizadas, passariam a depender de outras forças sociais para forjarem um projeto de autotransformação. Se as forças sociais dominantes são incapazes de produzir esse projeto, os respectivos povos estariam condenados a permanecer dependentes ou subdesenvolvidos. Darcy percebe o impasse a que levava essa démarche intelectual. E por isso reconhece que o nosso futuro não pode ser outro senão a “integração na civilização industrial moderna”. E faz um último voto que o devolve à sua escatologia original, ao afirmar que estamos condenados a atuar, mais cedo ou mais tarde, como opositores históricos do sistema de dominação internacional que está longe da nossa dependência. *** É de particular significação o fato de que Darcy haja coroado sua fecunda atividade com uma obra admirável de legislador no campo da educação. Tudo o que ele realizou tem, com efeito, a marca do Mestre, preocupado em abrir caminhos construtivos às novas gerações deste País ainda em formação. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, pela qual ele lutou oito anos no Congresso Nacional - os últimos de sua vida “de lutas, de muitos fracassos e umas poucas vitórias”, como ele modestamente reconheceu -, essa lei traduz sua fé de que é pela educação que cabe corrigir as deformações que nos vêm de uma herança histórica com raízes na escravidão. O investimento nas pessoas humanas - elevação do nível educacional do povo - é condição necessária, nos ensina ele, para cimentar as instituições democráticas, cuja solidez requer uma sociedade civil capaz de defender seus valores. É notório - nos diz Darcy - o fato de que a educação brasileira está muito aquém do desenvolvimento socioeconômico que já alcançamos, e constitui, por isso, fator de atraso e subdesenvolvimento que a nova Lei aponta caminhos para superar. Com sua fé no avanço das técnicas, ele chama a atenção para o ponto da nova lei que preconiza a educação a distância com
base no uso das novas tecnologias didáticas do rádio e da televisão. Sempre prevalecia em sua visão utópica uma confiança entranhada no futuro de nosso País. *** Mas não cabe refletir sobre a obra de Darcy Ribeiro sem levar em conta a prova decisiva a que ele foi submetido quando tomou conhecimento abruptamente de que os seus dias de vida podiam estar contados. Estávamos em Paris, onde eu era um professor exilado e ele ministrava um ciclo de conferências, quando recebeu a notícia de que era portador de um câncer no pulmão e de que a única chance de prolongar a vida era aceitar o risco de se submeter à ablação desse pulmão o mais rápido possível. Nessa época, ele se empenhava, nas condições adversas de um exílio que já se prolongava por cerca de um decênio, na construção de uma obra ambiciosa que teve seu primeiro pilar no Processo civilizatório , publicado em 1968. Contou-me que interpelara o médico francês sobre o tempo de que poderia dispor para escrever uma obra que já tinha esboçada na mente. E acrescentou para mim: sinto-me predestinado a escrever um livro que traduza a essência do trabalho intelectual que realizei em toda a minha vida. Lembro esse episódio para assinalar que Darcy, passados os 50 anos, considerava que o principal de sua obra ainda estava por vir. O formidável trabalho etnológico que produzira durante muitos anos ele o realizou balançando-se na rede em aldeias indígenas, para usar suas próprias expressões. A riquíssima experiência que acumulara de vivência no mundo dos índios o impregnara profundamente e o levara a pensar que estava preparado para aventurar-se na tentativa temerária de reproduzir em sua globalidade o sistema de valores de uma cultura indígena exemplar. Ora, esse sonho de muitos antropólogos jamais fora plenamente realizado. Atrevo-me a pensar que foi a experiência de viver a morte antecipada que precipitou Darcy na maravilhosa aventura de montagem intelectual do edifício de uma cultura há milênios cristalizada, a partir do esboço de personagens captadas ao vivo . A comprovação de seu gênio está na intuição que o iluminou, de que, para realizar essa obra, deveria valer-se da dupla linguagem da etnografia e da ficção literária, do que resultou essa criação vertiginosa que é Maíra . A desnorteante construção do romance se apóia no contraponto de duas criaturas humanas desgarradas de suas matrizes culturais e em luta desesperada para recuperar a própria identidade.
A jovem loura - Alma - e o jovem indígena - Isaías - são levados por forças de um destino sem apelo, pois quem se desgarra de suas raízes culturais está perdido. Alma pensa encontrar a salvação realizando-se na plenitude como fêmea para quem nada que é humano é estranho, num retorno ao vigor da natureza primeva . Isaías perdese como um sonâmbulo na tentativa vã de integrar o imaginário de duas culturas em uma mesma metafísica. E os dois são arrastados inexoravelmente à autodestruição, rejeitados pelos mundos místicos em que se haviam refugiado. Combinar os recursos de duas linguagens - a filosófica e a literária - é experiência de que temos belos exemplos desde os Diálogos de Platão até o teatro de Sartre. Mas integrar duas linguagens que traduzem dois sistemas de cultura, isto é, os valores de dois mundos essencialmente distintos, é uma aventura intelectual, creio, sem precedente. Dou ênfase a essa constatação factual porque foi a partir dela que me convenci do valor universal da obra de Darcy Ribeiro. *** Senhoras e Senhores Acadêmicos, Senhoras e Senhores. O patrono desta cadeira - Fagundes Varela - figura em nossa história literária como um romântico tardio. Quando ele, com menos de 20 anos, estréia com a publicação de poemas, em 1860, já estava amortecida entre nós a tradição byroniana, lembra-nos Antonio Candido. Contudo, esse lírico exaltado produziu em sua curta vida uma obra que inclui poemas de reconhecido refinamento formal e elevada inspiração. Versos de extraordinária sonoridade em estrofes de rimas internas, como os seguintes: Nas horas tardias que a noite desmaia, Que rolam na praia mil vagas azuis, A lua cercada de pálida chama Nos mares derrama seu pranto de luz, Eu vi entre as flores de névoas imensas, Que em grutas extensas se elevam no ar, Um corpo de fada, serena dormida, Tranqüila sorrindo num brando sonhar. Fagundes Varela, que se consumiu com a intensidade de uma chama, foi marcado por profundo sentimento de brasilidade, sendo, portanto, um autêntico precursor de Darcy Ribeiro. *** O fundador desta Cadeira número 11 foi um antepassado meu, Lúcio Furtado de
Mendonça , de quem possivelmente herdei os pendores memorialísticos, o gosto malsucedido pela ficção literária e uma irreprimível sensibilidade social. Esse socialista declarado empenhou-se na criação desta Academia e certamente a ele mais do que a ninguém devemos a existência desta nobre Instituição. Também tenho uma dívida para com o segundo ocupante da Cadeira número 11, o renomado jurista Pedro Lessa. Nos primórdios de minha formação filosófica, recebi forte influência positivista, que sempre considerei benéfica , pois, graças a ela, cedo percebi o valor do método das ciências experimentais. Mas foi lendo Pedro Lessa que também tomei contato com o pensamento de Kant e comecei a perceber que há mais mistérios no céu e na terra do que pensa a vã ciência natural, se me permitem a paráfrase. O ocupante seguinte desta cadeira seria Eduardo Pires Ramos, que faleceu antes de ser recebido. Sua reduzida obra foi celebrada pelo apurado estilo e fino uso da sátira. A ele se deve a iniciativa do projeto de lei que reconheceu esta Academia como instituição de interesse público. João Luís Alves, a quem coube a cadeira que não chegou a ocupar Eduardo Ramos, notabilizou-se por sua oratória parlamentar. Como para confirmar a amplitude do espectro de sensibilidades que abarca esta Casa, que vem de completar cem anos, ao sisudo João Luís Alves sucedeu o alegre trovador Adelmar Tavares. Antecedeu Darcy Ribeiro o celebrado neurologista e refinado humanista Deolindo Augusto de Nunes Couto. Sua presença serviu por muitos anos para confirmar a imagem desta Academia como congregação de valores representativos da vida cultural de nosso País e não apenas como prestigioso cenáculo de letrados. *** Senhoras e Senhores Acadêmicos, Senhoras e Senhores. Estou convencido de que é cada vez mais modesto o papel que cabe a nós, intelectuais, nessa “tecnópolis” em que os homens ingressaram de forma irreversível. O homem moderno fez um pacto faustiano com a razão técnica e seu destino parece cada vez mais determinado por forças que escapam a seu controle. O custo ecológico de nosso compulsivo avanço tecnológico se manifesta de forma alarmante. A engenharia genética está criando tanta incerteza sobre o futuro do gênero humano quanto aquela que
a acumulação de artefatos termonucleares já havia engendrado. Que as civilizações são mortais é uma advertência que nos fez Paul Valéry desde albores do século que se despede. Mas, que a humanidade como um todo também seja mortal é algo que coube à nossa geração descobrir. Assegurar a sobrevivência da espécie será, no futuro, um objetivo maior da cooperação internacional. Temos, portanto, de reconhecer que a paz e a cooperação entre os povos tornaramse uma condição de sobrevivência. Faço essas lucubrações para enfatizar a responsabilidade que nos advém coletivamente, como seres humanos, na construção de um mundo cada vez mais interdependente. O homem é uma força transformadora deste mundo. Cabe-lhe, portanto, parte de responsabilidade na descoberta dos caminhos que percorrerá. O avanço das técnicas reduz o espaço de iniciativa individual e amplia o alcance das decisões coletivas. Daí a urgência de que nos entendamos sobre os valores universais e de que avancemos na construção do quadro institucional que assegure o acesso ecumênico aos direitos fundamentais de mulheres e homens. Em síntese , as ameaças criadas pelos avanços das técnicas puseram os homens diante da disjuntiva de ter de enfrentar os riscos de autodestruir-se ou de partir para a construção de um mundo solidário . Darcy Ribeiro chegara a conclusão idêntica observando as grandes disparidades de culturas, raças e heranças históricas que constituíram o magma formativo do povo brasileiro. Nosso povo deverá escolher entre mergulhar no tribalismo ou encetar a modelagem de uma nova civilização caldeando valores díspares. Se prevalece o tribalismo, está ameaçada a sobrevivência do Brasil como ator histórico. Afirmei que o domínio avassalador da razão técnica limita cada vez mais o espaço em que atuam os seres humanos. Quero concluir estas palavras lembrando que o homem é um processo alimentado por um gênio criativo que sempre nos surpreenderá. Cabe às instituições culturais, como a esta Academia, velar para que essa chama criativa se mantenha acesa e ilumine as áreas mais nobres do ser humano. E somente se mantivermos essa lucidez seremos co-autores de nosso próprio destino. g Muito obrigado.
Discurso de posse, na ABL, em 31 de outubro de 1997.
*
Julho/Agosto/2016 |
13
EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE MODERNA José Loureiro Lopes Em nossos dias, são grandes as expectativas dirigidas à educação. Muitos discursos a contemplam como solução universal para os problemas atuais: superação das desigualdades sociais, crescimento econômico, aumento da competitividade internacional do país, preparação do indivíduo para a sociedade do conhecimento, fortalecimento da democracia, preservação e defesa do meio ambiente, contribuição para o processo de humanização - entre outros. Será que o sistema educacional realmente oferece as respostas para esses desafios? E, sobretudo: o que é uma boa educação nos tempos da sociedade moderna? Indivíduo e Sociedade A educação é, geralmente, entendida como a transmissão intencional de conhecimentos, de competências, de valores culturais e morais e de normas de conduta, por meio de um processo de aprendizagem. Esse processo pode ser conceitualizado a partir da sociedade (reprodução das estruturas) ou a partir do indivíduo (construção da identidade). Portanto, as necessidades e expectativas vinculadas à educação como atividade intencional dependem da conceitualização da relação entre indivíduo e sociedade ou, no dizer da teoria sistêmica, da relação entre sistema social e sistema psíquico. O entendimento sobre as relações entre sujeito, educação e sociedade sofreu mudanças substanciais no percurso da história. A paideia (παιδεία) da Grécia Antiga, a ideia normativa da civiltà romana no contexto educacional, o neo-humanismo europeu no século XIX e, finalmente, a visão moderna da educação como um subsistema da sociedade com múltiplas funções, são apenas algumas das numerosas facetas conhecidas. Atualmente, estão em foco a igualdade, a liberdade, a emancipação e a autodeterminação do indivíduo. No entanto, nas
sociedades “meritocratas”, orientadas em critérios de performance e certificados, a educação não é apenas um espaço sociocultural para o desenvolvimento da subjetividade, mas também um instrumento de seleção de indivíduos para determinadas posições na sociedade, um meio de ascensão social, de acesso a recursos econômicos e realizações pessoais. Pobreza educacional seria também pobreza social e econômica, e, sem competências básicas, as opções atuais e futuras são limitadas, tanto para o individuo quanto para a sociedade como um todo. Educação – uma ferramenta universal? Há um consenso quase unânime no âmbito internacional referente à importância fundamental da educação na sociedade moderna, como base da cidadania, da participação social e da inserção do indivíduo no mercado de trabalho e, simultaneamente, como base do desenvolvimento de uma sociedade socialmente justa, economicamente competitiva e culturalmente pluralista. Estudiosos do processo de desenvolvimento salientam, a esse respeito, que a educação não é, em si mesma, alavanca dessa mudança social, porém tal mudança não pode ocorrer, sob qualquer hipótese, sem o concurso do processo educativo¹. A imagem da educação como uma fórmula mágica para todos os problemas do mundo leva, sem dúvida, a uma sobrecarga do sistema, mas ela pode ser, como declarou o Relatório Delors, uma importante ferramenta para um amplo e harmônico desenvolvimento humano. A Declaração Mundial sobre EDUCAÇÃO PARA TODOS, assinada por mais de 150 nações na Conferência de Jomtien, Tailândia, em 1990, enfatizou mais uma vez que: “a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça
1Ver LOPES, J. L. Desenvolvimento e subdesenvolvimento na atualidade. 3. Ed. João Pessoa: UNIPÊ Editora, 2009.
14
| Julho/Agosto/2016
o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional”. No entanto, na hora da realização concreta das estruturas do sistema educacional, diferentes posições, interesses e ideologias se confrontam especificamente quando se trata da educação escolar e sua relação com a educação familiar. A educação parece, cada vez mais, um campo de batalha de ideias, visões e teorias opostas. Acumulação de conhecimentos e competências ou evolução da autonomia do sujeito? Bem público ou bem privado? Qualificação para o mercado de trabalho ou emancipação individual? Princípios éticos vinculativos ou multiculturalismo aberto? Reprodução ou inovação das estruturas sociais? Existe uma posição racional além dessas controvérsias ou, em outros termos: o que é hoje em dia uma “boa” educação? Quais são e quais deveriam ser as funções, os conteúdos, os objetivos, os métodos da educação? A dificuldade em responder a essas indagações consiste no caráter múltiplo e complexo do fenômeno, com seus inúmeros vínculos com os demais setores da sociedade e com as políticas estatais. As empresas, o estado, a igreja, os pais, e last not least o próprio educando têm suas próprias demandas e expectativas no que se refere aos processos educativos. Assim, os atores responsáveis, em primeiro lugar os educadores, se encontram permanentemente no centro de um fogo cruzado dos mais diversos interesses. Para chegar a esse campo tão complexo e controvertido, é fundamental que a base do processo educativo seja formada pela ciência (conhecimento), competências e habilidades. Com efeito, na sociedade moderna, uma boa educação deve fundar-se no saber verdadeiro, que é representado pela ciência. No entanto, parâmetros e implicações normativos e outras formas de saberes
(religiosos, filosóficos, ideológicos) que ultrapassam o conhecimento científico, estão onipresentes na prática pedagógica. Estes conteúdos exigem reflexões profundas e justificativas racionais, porque, como enfatizou Max Weber: apenas do conhecimento cientifico não se podem derivar ações na prática que incluam dimensões normativas. Uma pequena equação, aqui proposta, pode elucidar melhor esse conjunto de fatores. Seria o seguinte: Educação (E) = Conhecimento (C) + Valores (V) No que concerne ao conhecimento, seus elementos essenciais estão contidos nas referências acima apresentadas. Quanto aos valores, convém referir aqueles da cidadania, da moral e da religião. Os valores da cidadania estão contidos na Constituição Federal e normas de regência. Os valores morais têm como parâmetro a consciência do indivíduo, cujas ações são pautadas pela Ética. Os valores religiosos têm como referência a Fé. Não cabe dúvida de que o processo educativo deve preparar também o indivíduo para as exigências da sociedade em que vive. E aí estão presentes, com destaque, as exigências do mercado de trabalho. No entanto, esse processo inclui igualmente as dimensões culturais, morais e individuais e ultrapassa a função de preparar mão-de-obra para o mercado. A sociedade, por seu turno, não é estática. Ela se transforma permanentemente pela ação das pessoas e pela força das circunstâncias, e o desenvolvimento social produz mudanças que exigem a reconfiguração das expectativas e adequação às novas exigências. Nesse sentido, uma boa educação é aquela que abre horizonte de opções com alternativas concretas ao educando, e o capacita a escolher de forma racional o caminho a seguir. Aprender o quê? Uma reflexão acerca das funções da educação leva, inevitavelmente, ao seguinte questionamento: que conhecimentos, ou, para usar um termo moderno, que competências devem ser adquiridas pelos alunos? Assim, para o Barão von Humboldt, o grande reformador do sistema educacional da Prússia, no século XIX, o currículo é o ponto referencial de cada política educacional, e o aprender a aprender seu objetivo central. Não é por acaso que um currículo fraco e fragmentado, com muitas disciplinas, sem inter-relação entre si, é apontado pelos es-
pecialistas da área como causa principal da baixa qualidade do Ensino Médio no Brasil. Até hoje, o Brasil ainda não possui um currículo escolar unificado, que determine o que e em que momento os conteúdos devam ser ministrados aos estudantes da educação básica. Ao mesmo tempo, avaliações nacionais cobram conhecimentos supostamente transmitidos. Só recentemente, enfim, a elaboração de um core curriculum (núcleo curricular) nacional entrou em pauta. Trata-se da proposta preliminar para discussão da Base Nacional Comum Curricular, apresentada pelo Ministério da Educação, em setembro de 2015. É um esforço de se ouvir a sociedade sobre um currículo mínimo que seria adotado por todos os alunos das escolas de Educação Básica do país. Ou, como formulou von Humboldt, 200 anos atrás: “A aprendizagem na escola deve ter um único fundamento comum”. Assim, se garantem a igualdade das chances e a equidade social, que são consideradas base de uma sociedade justa. Evidentemente, isso não impede que cada escola desenvolva um perfil próprio. Ao contrário, abre espaços para inovações didáticas, diversidade e ofertas específicas, em idiomas, ciências ou artes. Importante é um núcleo comum que garanta as mesmas chances de aprender a todos os estudantes; que assegure as bases necessárias em matemática, língua portuguesa, história, geografia e ciências. O atraso na definição de um núcleo curricular comum no Brasil não se deve somente a controvérsias ideológicas e às resistências por parte de stakeholders importantes. Mas também, às incertezas, à volatilidade e às mudanças rápidas que caracterizam o momento presente, tornando-se difícil, senão impossível, a predição das competências atuais e futuras. Enfim, que conhecimentos, habilidades, atitudes e valores uma pessoa deve possuir hoje para enfrentar as exigências do mundo moderno? Convém salientar que a adoção de um core curriculum modernizante, em função de supostas exigências de uma nova ordem global, de novas tecnologias, formas de trabalho ou ideologias políticas corre o risco de se tornar obsoleta, antes mesmo de sua implementação. No clima de incerteza e imediatismo que caracteriza a economia e a política, desenvolver uma perspectiva educacional de longo prazo é tarefa difícil e complexa. Nessa situação, aumenta a tendência de se escapar dos conteúdos concretos e de se postularem competências e valores muito
gerais (tolerância, reflexividade, responsabilidade) ou, até mesmo, de se recomendar o retorno às tradições “classistas” de formação geral, que incluem o resgate da ética e da filosofia. Socialização e Educação Em todas as reflexões sobre a função da educação, não se pode desconsiderar a diferença importante entre educação como processo institucionalizado e intencional, e socialização como processo de aprendizagem no sentido mais amplo da palavra, um processo permanente que começa na primeira infância e só termina com a morte da pessoa. A nossa visão acerca da relação entre educação e sociedade muitas vezes se restringe aos sistemas educacionais formais, enquanto, na realidade, conteúdos, valores, imagens, ideias e modelos são difundidos por meio das modernas tecnologias da mídia: smartphones, internet e TV, por intermédio dos grupos de referência que são compostos pelas bandas favoritas, atores, atletas, super-heróis, etc. Esse fato preocupa, sem dúvida, os educadores, vez que limitam suas possibilidades de ensinar. Omitir ou minimizar a influência desses canais implica limitar as perspectivas de descrição e de compreensão do que se passa no campo educacional nos tempos modernos. Em todo caso, socialização sempre é, como sublinhou Luhmann na sua teoria de sistema, um processo de autossocialização e não simplesmente a incorporação de partículas de cultura ao sistema psíquico. Para concluir Nossa sociedade necessita de uma visão compartilhada e holística que contemple um sistema educacional capaz de lidar com as alternativas do presente e os desafios do futuro. Torna-se, portanto, indispensável uma análise sincera das potencialidades e limitações da nossa organização educativa, inclusive no que concerne ao uso das novas tecnologias em um universo de recursos limitados. Nessa moldura de controvérsias inevitáveis a respeito das questões educacionais, jamais podemos desconhecer que a educação é o verdadeiro tesouro do ser humano. De tal forma precioso que “... nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam”. Mt. 6, 20. “The beautiful thing about learning is nobody can take it away from you” (B. B. King). Ou, para quem prefere os pensadores clássicos: “Litterarum radices amarae, fructus dulces sunt” (Aristóteles). g Julho/Agosto/2016 |
15
MEMÓRIA NATHANAEL ALVES - UMA PÁGINA SEMPRE EM BRANCO José Nunes (Especial para GENIUS)
Há 35 anos morreu o jornalista Nathanael Alves dos Santos, quando exercia as funções de Superintendente do Jornal A União. Ele nasceu no Sítio Areial, em Arara, região localizada numa zona de transição entre as regiões do Brejo e Curimataú, na época pertencente ao município de Serraria, no dia 11 de setembro de 1934, filho de José Alves dos Santos e Rosa Maria de Sousa. São seus irmãos: Luiza, Maria de Lourdes, Salete, José, Expedito e Terezinha. Casado com Dona Carmelita, é pai de quatro filhos: Nathanael, Rosângela, Rejane e Roberta. Morreu no dia 27 de abril de 1981, às 15h00, no Hospital Santa Isabel, depois de se submeter a tratamento médico. Está sepultado no Cemitério Senhor da Boa Sentença, em João Pessoa. Sua vinda para a Capital do Estado se deu no ano de 1959 por conta da tuberculose que o acometeu. Ele ficou onze meses internado no Hospital Clementino Fraga. Saindo do hospital, passou a residir sob o teto de Padre José Coutinho e, deste, se tornou discípulo. Recebeu orientação educacional e teve acesso a leituras. Foi um período de aproximação de livros. Leu e produziu poemas ainda hoje guardados por sua família. Jornalista que se destacou na atividade, se sobressaiu como cronista e editorialista. Escrevia com uma linguagem agradável, mesmo abordando tema difícil. Nathanael era um humanista com raízes caboclas. Desde a infância viveu numa terra esturricada, andando pelas brenhas dos Sítios Areial, Jabuticaba, Serrote e Cinco Lagoas, ou pisando nos seixos de Monte Alegre, em Arara, caminhos por ele percorridos. Seus primeiros anos de vida foram passados na sua terra natal, região pobre que não dispunha de água nem oportunidades de trabalho, sobrevivendo da produção agrícola, quando chovia, e da pequena pecuária,
16
| Julho/Agosto/2016
composta de uma vaca e algumas cabras. Jornalismo e literatura Ele escrevia numa prosa da melhor qualidade. Texto enxuto, sem adjetivação. Um literato. Leitor da boa literatura, exigente, seletivo. Lia com voracidade os clássicos, buscava conhecimento nos bons escritores. Homem de muitas leituras, nunca abandonou os filósofos, sempre seus prediletos. Tinha um lema: ler cem palavras para escrever dez. Era rigoroso na finalização do texto, mesmo escrevendo às pressas para atender aos horários de fechamento do jornal. Cronista ligado às coisas da terra, ele acompanhou o que acontecia na Paraíba, no Brasil e no resto do mundo, tratando os temas como se acontecessem em Arara. Suas crônicas centralizavam assuntos cotidianos. Buscava-os no que se passava ao seu redor, nos gestos simples das pessoas, na atitude dos poderes públicos. Nos acontecimentos políticos, sociais, esportivos, religiosos, literários. Tudo ganhava vida nos seus escritos, preparados com esmero. Humanista, escrevia para ajudar a modificar o mundo. Como exemplo, falava de São Francisco de Assis, destacava os ensinamentos de Gandhi e ressaltava a bondade de Padre Ibiapina e Monsenhor José Coutinho. Dava conselhos aos jovens. Segundo ele, o repórter deve olhar coisas diferentes na sua essência e no seu aspecto externo, para escrever sobre assuntos olhando pelo prisma que não é o da maioria dos leitores. “Conseguirá se tiver flexibilidade quando escrever suas reportagens, o que é possível tendo um bom domínio da língua”, dizia. Homem humilde, que adotou uma forma simples de se expressar como jornalista. Para aperfeiçoar o estilo, recomendava uma boa leitura, de preferência de autores como Dante, Camões, Shakespeare, Tolstói, Cervantes, passando por Faulkner, Mark Twain, Proust, Graciliano Ramos, Machado de Assis. “Ler muito, de preferência os
bons livros. Mas ler tudo que cair nas mãos, mesmo que seja bula de remédio. Somente assim não encontrará dificuldades na hora de escrever sobre determinados assuntos”, costumava dizer. O começo na Imprensa Ingressou no rádio–jornalismo, em 1961, assinando crônicas diárias na Rádio Tabajara, então dirigida pelo jornalista Adalberto Barreto. A rádio vivia um grande momento, desde sua criação, com a realização de festivais e dava destaque aos acontecimentos da cidade e do Estado, estando presente aos principais eventos. Com o título “Você Precisa Saber”, as crônicas de Nathanael fizeram muito sucesso na época. Lidas por Paulo Rosendo, todas as manhãs, das 6 horas às 6h30, era audiência absoluta na cidade. Em março de 1979, deixou os Diários Associados da Paraíba, onde redigia o editorial, escrevia uma crônica diária e copidescava textos. Assumiu a Superintendência de A União Companhia Editora, onde, num trabalho conjunto com o jornalista Gonzaga Rodrigues, na Diretoria Técnica, e o jornalista Agnaldo Almeida, na Editoria Geral do jornal A União, inovou a linguagem do matutino, criou cadernos especiais como o suplemento Jornal do Domingo, que trazia entrevistas de destacadas personalidades políticas, religiosas, professores, historiadores que, com seus depoimentos em forma de entrevistas, se constitui num formidável documento para melhor se entender aquele momento do País e da Paraíba. Naquele ano de 1981, como fruto desse trabalho iniciado por Nathanael, o Correio das Artes, na época editado pelo poeta Sérgio da Castro Pinto, ganhou o Prêmio de Melhor Suplemento de Divulgação Cultural do País, outorgado pela Associação Paulista de Crítica de Arte, graças às inovações implantadas pela diretoria anterior. “Foi um
grande momento para A União, com o reconhecimento nacional por apoio à cultura”, disse Petrônio. Para o jornalista e cronista Gonzaga Rodrigues, o modo como Nathanael Alves suportou a vida foi a sua grande obra, dando exemplo para todos. “Não era militante de nenhuma religião, no entanto cumpriu todos os mandamentos inclusive o de amar a Deus pelo amor aos outros. Resignava-se com todas as provações físicas que a vida lhe impôs, a todas as do-
res, mas se rebelava às dores de qualquer injustiça”, afirmou. Segundo Gonzaga, todos os jornalistas da Paraíba, em qual nível, sempre tinham uma conversa com Nathanael para saber se estavam certos ou errados. Lembrou o terraço de sua casa, local onde todos se encontravam para uma conversa descontraída, principalmente nas noites de sábado e domingo. “Aquele terraço tem uma importância muito grande para nós. Talvez no jornal, no birô, na máquina de escrever, não tenha
exercido uma influência tão grande assim, mas na casa dele, sentado naquela disponibilidade de ouvir conversas, ele era judicioso e, exercia muita influência. O silêncio de Nathanael nos aplaudia ou nos censurava, ele tinha a grande virtude de saber ouvir”, comentou. Nathanael foi de uma grandeza humana sem comparação, por isso criou em torno de si um carisma e quase um mito que não custou muito a se fazer digno da admiração e do respeito de todos. g
Julho/Agosto/2016 |
17
CIÊNCIA POLÍTICA O ESTADO SOCIAL E A CRISE DO PRESIDENCIALISMO NO BRASIL1 Paulo Bonavides
1. Na ocasião em que ocupo esta tribuna eu o faço, em primeiro lugar, para render aos organizadores deste XIV Congresso Internacional de Direito Constitucional a homenagem de minha gratidão por realizarem evento que tanto me honra e distingue. Quem são eles? Eu os nomeio: Lênio Luiz Streck, George Leite e Ingo Wolfgang Sarlet, pertencentes à nata da nova geração de constitucionalistas do Brasil contemporâneo. Este ato de vossa generosidade e benevolência hei de inscrevê-lo na lembrança acadêmica de minha passagem pelo magistério das universidades onde lecionei e das tribunas onde proferi conferências. Mas há ainda outras figuras deste mesmo Congresso cujos nomes não posso me eximir de declinar. Do Brasil, Dimas Macedo e Gilberto Bercovici, Flávia Piovesan, José Luís Bolzan de Morais, Mauro Campbell, Glauco Salomão, Fernando Ximenes e Filomeno Moraes. De Portugal, José Joaquim Gomes Canotilho e Jorge Miranda, acerca dos quais farei a seguir algumas ligeiras considerações. O perfil humano e intelectual de Gomes Canotilho apareceu, de último, retratado e resumido no livro surpresa de Denise Sousa, debaixo da epígrafe “Um Ancião no Saber uma Criança nos Afectos”. Sobre ele também escrevi nesse livro palavras de louvor ao constitucionalista: “Impressionou-me (...) na obra do insigne jurisconsulto da península ibérica a fidelidade ao rigor científico e metodológico de seus estudos constitucionais. E ao mesmo passo a vocação sacerdotal com que ele na vida acadêmica exercitou e exercita as tarefas pedagógicas de Catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Coimbra.
Raros nomes do magistério jurídico português lograram no Brasil uma reputação de excelsitude daquela que ora coroa e consagra a figura exponencial de Gomes Canotilho no campo do Direito Constitucional”2. Tenho também o prazer de assinalar o comparecimento a este Congresso doutra figura que muito engrandece as letras jurídicas de Portugal. Refiro-me ao Catedrático da Universidade de Lisboa, Jorge Miranda, autor lido, festejado e admirado no Brasil, pela obra que escreveu, pelas aulas e conferências que ministrou nas universidades brasileiras, enfim, por haver sido duplicadamente constitucionalista e constituinte. Senhor duma autoridade derivada do exercício desses dois ofícios, Jorge Miranda colaborou na elaboração de leis fundamentais de repúblicas do mundo lusófono. Ao Professor Jorge Miranda encaminho pois minhas cordiais saudações, expressivas duma fraterna amizade de várias décadas. 2. Minhas Senhoras e Meus Senhores: Quero ressaltar que este Congresso se celebra às vésperas do centenário de duas Constituições, sem dúvida as mais importantes do século XX no pioneirismo de construção da pirâmide normativa do Estado social. São elas a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição alemã de 1919. Em ambas o Estado social deu os primeiros passos do constitucionalismo que regulou as relações do capital e do trabalho. E finalmente em 1949, depois de Querétaro e Weimar, Bonn promulgou formalmente o Estado social. Fê-lo ao fundar, em bases democráticas, a segunda república da Alemanha, que perdura até os nossos dias. Faço menção dos três momentos históri-
cos porquanto neles vislumbro a matriz do Estado social, cuja doutrina de justiça emprestou unidade de ação e pensamento ao magistério que exerci e aos livros que publiquei. 3. O Estado social condensa, portanto, todo o breviário de minha fé e de minha ideologia na ciência da Constituição, a que devotei mais de meio século de estudos e reflexões. Representa ele para mim a mais elevada expressão da legitimidade, da justiça social, do constitucionalismo da liberdade, da proteção e garantia dos direitos fundamentais. O Estado social avulta também naquela formosa imagem de humanismo que Emílio Castelar, uma das vozes mais eloquentes da tribuna republicana do século XIX, formulou, cotejando, num improviso cintilante, o homem e a humanidade. Asseverou Castelar, em palavras memoráveis que “o homem erra, mas a humanidade é infalível, o homem peca, mas a humanidade é impecável, o homem morre, mas a humanidade é imortal, o homem se arrasta em seus erros e seus vícios, mas a humanidade se levanta radiante (...) sob a luz que baixa dos céus invisíveis”3. Esse paralelo eterno nós o transportamos para o Estado social em face de formas cambiantes e de propostas ideológicas que possam atraiçoar com ditaduras e tiranias a imperiosa vocação do nosso povo para a liberdade e a democracia. O Estado social, neste entendimento, é, reiteramos, a legitimidade, a ordem, a paz; é sobretudo a justiça unificando na concórdia as classes e abrandando no coração as dissidências sociais. Contemplo nele a pedra angular da consciência humana volvida para a necessidade de extinguir ódios, apagar incêndios, refrear paixões, cicatri-
Conferência proferida em 28 de abril de 2016, na solenidade de abertura da XIV Congresso Internacional de Direito Constitucional, realizado em Fortaleza. Denisa Sousa, “José Joaquim Gomes Canotilho, Um Ancião no Saber Uma Criança nos Afectos”, Editor Projecto Cyrano, Coimbra, s/d, pág. 174 3 Emílio Castelar, “Discursos Selectos”, Libreria El Ateneo Editorial, Buenos Aires, 1951, pág. 450 1 2
18
| Julho/Agosto/2016
zar feridas; cessar enfim aquele gênero de lutas partidárias e impatrióticas que desunem a nação, oprimem o espírito público, mancham a ética e trazem o espectro das corrupções do poder. O Estado social legítimo, pacificador, democrático e pluralista – edifício do nosso ideal – não me parece utópico, nem interceptador de nossa marcha para o progresso, a civilização e o futuro. 4. Já o presidencialismo, ao revés do Estado social, tem sido no continente, não raro, a constitucionalização duma falsa legitimidade, dum absolutismo dissimulado, duma união conjugal e indissolúvel da corrupção com o crime político, da contrafação representativa dos partidos com a inépcia e incapacidade dos governantes, da má-fé de falsos republicanos com a decadência moral do poder, em suma, duma forma de governar, que não respira o oxigênio da ética e da honestidade, e em geral afronta a nação, humilha a cidadania, atropela o Estado Democrático de Direito e fere a Constituição. 5. As crises de tal sistema começam, via de regra, como crises constitucionais e acabam como crises constituintes, isto é, já não afetam apenas o sistema de governo, mas a natureza mesma do regime constitucional. A tempestuosa fase em curso no país tem por centro de gravidade quatro flagelos: o presidencialismo, a corrupção, a reeleição e o “impeachment”. 6. Do presidencialismo, desde muito, formulamos juízo de valor negativo que perdura inalterável até os dias correntes. Não podemos, pois, omitir os conceitos de Rui Barbosa, quando criticou com acidez e amargura, o modelo execrado que ele mesmo trasladou dos Estados Unidos para o Brasil. Cometeu Rui um erro histórico. E este erro já nos custou a derrocada de três repúblicas. Com efeito, autor doutrinário da primeira Constituição republicana do Brasil, a de 1891, disse Rui com voz de profeta: “o regime presidencial criou o mais chinês, o mais russo, o mais asiático, o mais africano de todos os regimes”4. E se hoje ressuscitasse, Rui talvez acrescentara: e o mais latino-americano! A seguir, mostrou ele que na forma presidencial de governo “a tribuna parlamentar é uma cratera extinta e as câmaras legislativas
mera sombra da representação nacional”5. Afirmou, outrossim, com razão e não menos ardor, que no presidencialismo “não há senão um poder verdadeiro: o do chefe da nação, exclusivo depositário da autoridade para o bem e para o mal”6. Acerca da passagem trágica do presidencialismo pela história da república, sabemos ainda, por dolorosa experiência, como acabam suas crises, a saber, “na renúncia e no suicídio de presidentes, na Constituição outorgada e nos atos institucionais, no colapso da participação democrática, no silêncio das tribunas, nos ukases do recesso e fechamento das Casas do Congresso e na erosão dos valores representativos, sem os quais é impossível estabelecer uma ordem democrática genuína”7. Em seguida, traçando a mesma linha de pensamento, asseveramos haver no país um presidencialismo oligárquico, e personalista, e fizemos menção a um Presidente da nação que, ao ocaso da Primeira República, propôs se resolvesse a questão social nas chefaturas de polícia.8 Além disso, dizíamos haver no país um presidencialismo vocacionalmente autoritário que, em 1937, nos fez padecer com o Estado Novo oito anos de regime de exceção e após 1964 decretou o Ato Institucional nº 5, uma década ominosa de opressão e ditadura. Como se vê, finalizávamos nós “um presidencialismo, por conseguinte, de convivência difícil com a democracia e os princípios constitucionais, afeiçoado mais ao poder pessoal que às regras de limitação da vontade do Estado” 9. A lição do passado requer, tanto do Executivo quanto do Congresso, serenidade, prudência e reflexão no presente. 7. Passemos doravante ao “impeachment”, à reeleição presidencial e à corrupção. O “impeachment”, ao revés da responsabilidade ministerial no parlamentarismo, não solve, sem trauma, as crises do sistema. Em geral, tende a agravá-las porquanto transforma, com rapidez, uma crise na Constituição em crise da Constituição. Seu emprego costuma deitar sobre a república a sombra da comoção institucional. Basta ver a história desse instrumento constitucional na crônica mais recente de nosso presidencialismo. A grande tragédia do sistema presidencial é esta: toda vez que se intenta retirar do poder um governo gafado de corrupção ou arruinado pela inépcia não há outro meio constitucional
de afastá-lo senão o “impeachment”; salvo, porém, a renúncia ou o suicídio, conforme aconteceu na derradeira hipótese com a morte de Vargas em 1954. Quando ocorre crime de responsabilidade, capitulado nas regras constitucionais, o governo perde a legitimidade e se exaurem as condições políticas, jurídicas e morais de sua conservação. A teoria de Bachof das normas constitucionais inconstitucionais teria, porém, prevalência nesta crise se expungíssemos da Lei Fundamental o “impeachment”, introduzido que foi nas cláusulas constitucionais pelo constituinte legítimo e democrático de 1988 Tal entendimento se infere da posição que o Supremo Tribunal Federal, cumprindo a Constituição, tem assumido. 8. Tocante à reeleição presidencial, afigura-se-nos deplorável aquela emenda à Lei Maior que trouxe para o ordenamento esse irmão gêmeo da corrupção. Não valeu para nós a lição do México, quando Porfírio Diaz, ao completar 82 anos de idade, se candidatou à reeleição pela sétima vez. Ele havia prometido que não o faria e, no entanto, mandou prender o candidato de oposição e se candidatou. A reeleição gerou ali uma ditadura de 30 anos, antes de desembocar na revolução de 1910. Aqui basta tão somente uma reeleição, e ela já denota o potencial de abalos e riscos que traz ao regime e à governabilidade. 9. Quanto à corrupção, sabemos sim que ela há provocado, com o presidencialismo, o maior desastre republicano de nossa história. Tal chaga corrói, ao mesmo passo, dois alicerces do Estado social: a legalidade e a legitimidade. A legalidade, qual a entendemos, é sobretudo as regras; já a legitimidade congrega valores e princípios. Na doutrina em que nos apoiamos não há legalidade sem legitimidade, porquanto, se falta legitimidade à legalidade, esta se transmuta em puro arbítrio. Assim aconteceu com o velho Estado liberal. Antes de receber a extrema-unção e expirar, abriu a porta aos golpes de Estado, às ditaduras, aos regimes de exceção, aos extremismos totalitários. Um destes, o de Hitler, na Alemanha, formalmente, sob vestes legais, sepultou a democracia social da república de Weimar.
Rui Barbosa, “A Gênese da Candidatura do Sr. Venceslau Braz”, pp. 350-353 Rui Barbosa, “Campanha Presidencial e Oswaldo Cruz”, Rio de Janeiro, 1917, pp. 3-4 6 Rui Barbosa, “Campanha Presidencial e Oswaldo Cruz”, ob. cit., pp. 3-4 7 Paulo Bonavides, “Teoria Geral do Estado”, 10ª ed., revista e atualizada, Malheiros Editores, São Paulo, pág. 302 8 Paulo Bonavides, “Teoria Geral do Estado”, ob. cit., pág. 303 9 Paulo Bonavides, “Teoria Geral do Estado” ob. cit., pág. 303 4 5
Julho/Agosto/2016 |
19
Noutros países da Europa e do continente o mesmo surto extremista fechou as casas do Congresso e pôs termo à ordem constitucional, que só se restaurou, aliás com mais latitude de espaço e vida, por obra do constitucionalismo normativo e principiológico da era social, após o terremoto da Segunda Grande Guerra Mundial. Tendo em vista, pois, a exposição feita, toda vez que a legitimidade fica ausente, se posterga a justiça e a corrupção invade os corpos legislativos, mina as resistências sociais, quebranta os valores e macula a pureza republicana das instituições. 10. Urge, desse modo, uma reflexão profunda sobre a necessidade de reformar a Constituição e preservar a legitimidade dos poderes, a fim de que estes não sejam transviados do mandamento constitucional de sua harmonia, separação e independência, que está por igual nas raízes da crise constituinte. Chegou a hora, portanto, de advertir que o desequilíbrio e a falta ou perda de respeito recíproco nas relações entre os órgãos da soberania – judiciário, legislativo e executivo – pode conduzir, como já se disse, a uma crise constituinte, de conseqüências funestas ao regime, à democracia e ao sistema constitucional. Fidelidade ao poder legítimo, à lei, ao bem comum, aos valores republicanos, aos substratos ideológicos e normativos da Constituição, eis o único caminho para nos salvarmos do naufrágio institucional. Hora, por conseguinte, de pacificar e conciliar a família brasileira que o passionalismo político dividiu, fomentando o ódio social e a 10
luta de classes, em contravenção da paz, que é o primeiro degrau da democracia, e também da fraternidade, que é sua bandeira. Em seguida, eu pergunto: a esta altura da crise, onde devemos colocar em nossa república a sede da legitimidade? E prontamente vos respondo: a sede da legitimidade está na Constituição, no seu Estado social, pluralista, democrático, republicano, federativo. Unicamente abraçado a ele e aos princípios constitucionais é possível sair da crise em que a corrupção dos poderes nos mergulhou. Estamos diante da pior conjuntura que o Brasil já atravessou em todas as épocas da República e do Império, desde as nascentes da nacionalidade. Vamos, de conseguinte, respeitar a Constituição, vamos preservá-la, observá-la, cumpri-la em seus fundamentos, em suas cláusulas pétreas, em seus valores superiores, porque fora da Constituição expiram a democracia, a liberdade e a justiça. 11. Segundo Antonio Cândido, clássico da oratória portuguesa do século XIX, Vitor Hugo disse que “não há pequenos povos, o que há, infelizmente, é pequenos homens” 10. Os homens da crise que nos assola em verdade são pequenos homens. Bravo e gigante, porém, é o povo brasileiro. Este povo que se levanta agora contra governantes e políticos de todos os partidos envolvidos na corrupção e em atos de lesão à fazenda pública. Eles passarão, mas o Brasil não passará. O Brasil sobreviverá às agonias duma comoção
Antônio Cândido, “Discursos Parlamentares 1880-1885”, Porto, Empresa Literária e Tipográfica Editora, s/d, pág. 18
20
| Julho/Agosto/2016
que tanto atormenta e desestabiliza o País. Esta, portanto, a mensagem de esperança que vos deixo, abraçado, como sempre, aos cânones e postulados do Estado Social, ao ardente catecismo dos direitos fundamentais, ao constitucionalismo político e humanista da cidadania civil e da cidadania social. 12. Em suma, professamos a crença no Estado social do universo humano, inspirado da razão e da concórdia, volvido para a verdade, na eterna missão de pacificar e libertar o homem e sua consciência; de libertá-lo do destino injusto e do infortúnio de todas as servidões sociais. O século constitucional, na aurora do terceiro milênio, nos saudará amanhã com a gratidão das gerações porvindouras, se formos fiéis e leais à democracia, à Constituição, à liberdade. Mais uma vez muito obrigado pela honra desta homenagem, tão grata e tão afetuosa a quem, invariavelmente, humilde e sincero, buscou sempre ministrar à mocidade acadêmica as lições duma cátedra ao serviço do direito, da justiça, do espírito público e da formação da consciência social. Todavia, se houver entre nós a hecatombe moral da república, não teremos na posteridade o perdão das gerações sacrificadas. Eu sou, porém, otimista; eu acredito no futuro do Brasil. Com a constituição na alma, com a democracia no coração, com o contrato social na memória, jamais seremos uma nação sem liberdade e um povo sem pátria. g Muito obrigado.
POESIA Cinco poemas de Sá Leitão Filho(*)
Fábula das Origens
Amargo
Primeiro foi o céu depois as estrelas, depois a terra, depois o amor.
Como fazer versos se não tenho A amada no leito ou na lembrança? Se não provo do vinho em ritual boêmio?
E a vida rebentou nas espumas, o seio da terra foi fonte das rosas, os ventres mulheres, fontes do bem.
Como fazer verso se não sou humilde, com o passante não divido o farto pão, nem dou sombra ao viajor cansado e enfermo?
Mas ecoou do abismo a voz implacável. A noite copiou a cor do pecado e espinhos se espalharam nas estrelas.
Como fazer verso se a música parou em meus ouvidos e o céu foge à minha mão que o busca no alto?
O homem de repente tombou de fadiga. Os rios, os mares se encharcaram de sangue e também ficou vermelha como se houvesse incêndio a cor distante do céu.
Eis o verso meu, só tristemente verso, feito de solidão e grande espanto.
Homem
Eu venho de longe, da primeira esperança, bailei como pluma no instante dos séculos, ergui meu império e eis agora que desperto cansado e só por entre escombros.
O pegador de caranguejo fala a língua-lama, sente a lama-vida.
O Grande Canto Soneto da Amarga Solidão
De longe o rio lambe nas gretas do leito a lama pútrida das fezes e ocultos abortos na gosma dos filetes de esgotos tributários.
Apenas posso pedir a Deus e aos homens o dia futuro, um amanhã sorrindo, que meus pés se encharcaram em rio de sangue e minhas mãos não sabem mais tocar em rosas.
A princípio, é mero perfil, silhueta indecisa no fundo das sombras da noite total. Depois a imagem se veste de forma, caminha a meu lado, estende a mão, e ama.
E posso pedir a música perdida nos lábios silenciados do oprimido, que meus ouvidos encheram-se de sons de morte em vastos campos de holocausto.
Prosseguimos os dois pelos caminhos longos a perseguir distâncias, superando esperas antes infinitas. Os seus cabelos louros inundam minha face de luz e perfume.
Posso pedir a Deus e aos homens o direito a um lar, a uma canção e uma esperança, que já trilhei distâncias infinitas e calo por não ter o que cantar.
E vem do rio ao mangue a comistão de todos os ejetos.
(Por que se acaba este instante criado de mim para mim – este instante em que a amada que nunca tive se debruça em meu ser?)
Posso pedir a Deus e aos homens a certeza de que amanhã haverá paz em meu redor, e as mãos se apertarão sem mágoa ou medo, e se ouvirá a música dos justos.
O pegador de caranguejo vive a vida-mangue.
Meus olhos despertam. A noite enorme imita meu deserto interior, e então o meu grito perturba a silente harmonia das coisas.
Pensa na lama-vida o homem-lama.
Ele, homem.
(*)
Extraídos do livro Canto do Século (1983) Julho/Agosto/2016 |
21
TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA
OS ACONTECIMENTOS DA PRAÇA DA BANDEIRA, EM CAMPINA GRANDE(*) Ernani Sátyro O SR. ERNANI SÁTYRO – (Lê o seguinte discurso) – Senhor Presidente. Ao iniciar a exposição do que realmente ocorre na Paraíba, seja-me permitido fazer um apelo a quantos me ouvem, parlamentares e representantes da imprensa, assistentes de todas as classes e homens de qualquer partido; a todo esse conjunto de pessoas que forma afinal a opinião pública. Esse apelo é para que meditem com serenidade sobre a defesa que vai ser proferida. Pouco importa que essa defesa por vezes seja inflamada. Ninguém pode defender sem acusar. Acusar aqueles que, depois de provocar um clima de agitação e desordens, aparecem em público fantasiados de vítimas, gritando e gesticulando para a Nação, como se o Brasil pudesse esquecer os tremendos problemas que o asfixiam, para mergulhar inteiro na onda de paixão que tenta perturbar a existência do povo paraibano. Os acontecimentos políticos da Paraíba são por todos os motivos lamentáveis. Ninguém mais os tem deplorado, desde os primeiros instantes do desfecho sangrento, de que os membros da Aliança Republicana. O deputado Argemiro Figueiredo foi o primeiro a acorrer ao Hospital, onde estavam internados os feridos, para levar-lhes a sua palavra de solidariedade humana. Tombaram ali, ao lado de um ou outro elemento partidário, pobres vítimas apolíticas, colhidas no meio da multidão, no tumulto de um choque, por cuja origem responde, inapelavelmente, a Coligação Democrática Paraibana. É muito fácil, em casos como este, acusar os governos, principalmente quando a acusação dispõe de uma voz com o colorido e a força dramática do senador José Américo. Mas também, desgraçado do povo que não tivesse a coragem de se deter por um instante, de olhos e ouvidos abertos, sereno e desapaixonado, para distinguir onde termina o domínio dos fatos e começa a dominar a exaltação do romancista. Aquela mesma dramaticidade que aqueceu as páginas de A Bagaceira procura transformar, agora, os fatos políticos no
22
| Julho/Agosto/2016
entrecho de um novo romance, e os participantes de acontecimentos reais em novas figuras de ficção. Desgraçada, sim, da democracia, de nossa pobre democracia hesitante, se os adversários se intimidassem com esses clamores alucinantes, por mais forte e mais prestigioso que seja o instrumento de onde eles partem para o mundo. O Sr. Plínio Lemos – VV. Exª. nunca poderão se intimidar com a palavra, mesmo porque dispõem do poderoso instrumento de guerra de morticínio que estão fazendo ao povo da Paraíba. O SR. ERNANI SÁTYRO – Dispomos do poderoso instrumento da opinião pública da Paraíba, que está ao nosso lado. Não seríamos dignos da terra comum, nós os adversários do Sr. José Américo, se nos deixássemos carbonizar pelo fogo de sua palavra e de sua paixão. Se nos atemorizássemos com o prestígio de seu nome no cenário da política nacional. Se não fossemos dignos, aqui, daquela solidariedade dos paraibanos, que estão realmente conosco, e darão, nas urnas de 3 de outubro, uma resposta objetiva e democrática às ofensas, aos insultos e à agitação dos coligados. E agora, vamos aos fatos. Realizávamos, no dia 9 de julho, em Campina Grande, a maior concentração popular de que há memória naquela cidade. Campina Grande é a terra de Argemiro Figueiredo, a cidade que ele salvou da miséria e da morte, dotando-a de um moderno e completo serviço de abastecimento d’água e saneamento. O Sr. José Joffily – Não obstante o derrotou por 1.780 votos, na última eleição. O SR. ERNANI SÁTYRO – Outro candidato, que não Argemiro Figueiredo, o qual, com o prestígio do seu nome, nunca foi derrotado em Campina Grande. O Sr. Plínio Lemos – Mas disse em comícios que o seu candidato nada mais significava do que a sua própria pessoa, acrescentando que os votos que lhe fossem dados seriam o julgamento dele, Argemiro.
O SR. ERNANI SÁTYRO – Argemiro Figueiredo, no entanto, não era candidato. Desta vez é. Era o nosso empenho que a festa decorresse num ambiente da maior ordem e com o maior brilhantismo. Pela primeira vez, nesta campanha, falariam a Campina Grande os candidatos da Aliança Republicana – Argemiro Figueiredo, Pereira Lira e Renato Ribeiro. A Coligação Paraibana, que apoia o Sr. José Américo, empregara todos os meios de perturbar a nossa reunião. Requerera vários comícios para o mesmo dia, numa atitude evidente e reprovável de provocação. O Sr. Plínio Lemos – V. Exª. entende que um comício requerido pela Coligação, para ser levado a efeito no mesmo dia, em ruas e bairros diferentes significava uma provocação? O SR. ERNANI SÁTYRO – Não confunda V. Exª. A passeata foi no mesmo local, mal terminava a nossa festa. Tratava-se de vários comícios, era dia de uma grande concentração popular nossa. Constituía dever elementar de educação política dos adversários respeitar aquela festa... O Sr. José Joffily – E, realmente, foi respeitada. O SR. ERNANI SÁTYRO - ...como havíamos respeitado a da Coligação. O Delegado de Polícia indeferira, como era natural, aqueles requerimentos. O Sr. José Joffily – V. Exª. conhece o despacho do Delegado, indeferindo o nosso requerimento? O SR. ERNANI SÁTYRO – Para ser leal, devo dizer que não vi esse despacho. O Sr. José Joffily – Vou esclarecer. O despacho do Delegado Tenente Coronel Manuel Maurício Leite, esse mesmo que participou da chacina... O SR. ERNANI SÁTYRO – Na opinião de V. Exª. O Sr. José Joffily - ...declara que não só indeferiu o requerimento por motivo de conveniência da ordem pública, como também porque a Coligação Democrática Paraibana estava constituída de numerosos elementos
desordeiros e afeitos à agitação. Está no despacho do Delegado. O SR. ERNANI SÁTYRO – O Chefe de Polícia, para quem os coligados haviam recorrido, chegara a hesitar e creio que mesmo a conceder a permissão. Mas logo revogou sua ordem. A Coligação teve conhecimento antecipado dessa deliberação, que foi amplamente divulgada, muitas horas antes, por ela própria, através de amplificadoras. Nosso comício decorreu dentro da maior ordem e respeito ao adversário. É impressionante o depoimento do bispo de Campina Grande, Dom Anselmo Pietrula. O Sr. José Joffily - O depoimento do Bispo Dom Anselmo Pietrula alude a uma declaração sem mencioná-la, dando a entender que essa declaração serve ao argumento de V. Exª. O SR. ERNANI SÁTYRO – V. Exª. terá oportunidade de contestar. Diz S. Exª. em carta dirigida aos presidentes dos partidos políticos na Paraíba, e que toda a imprensa divulgou: “Grande foi, portanto, nossa decepção, quando vinte e quatro horas depois daquelas paternas recomendações após um comício de propaganda eleitoral, que decorreu em perfeita ordem e sem ofensas pessoais, verificaram-se em uma das praças desta cidade, terríveis acontecimentos que enlutam toda a população. “Não há quem não veja o perigo que representa o encontro dos grupos contrários por ocasião de propaganda política, e foi justamente um desses encontros que ocasionou o choque que a cidade alarmada presenciou, e de tão tristes e lamentáveis resultados”. O Sr. José Joffily – Não foi propriamente encontro de grupos adversários, mas da massa popular da Coligação com a polícia de Campina Grande. O SR. ERNANI SÁTYRO – Perfeitamente; o debate está esclarecido neste ponto. Entende o ilustre Deputado José Joffily, de acordo com o seu partido, que foi uma chacina da polícia contra o povo; entende o Bispo de Campina Grande que houve um encontro entre elementos contrários, exaltados. A Câmara que reflita com isenção e faça o seu julgamento. O Sr. José Joffily – O julgamento já está feito pelo povo de Campina Grande e da Paraíba. O SR. ERNANI SÁTYRO – Vê-se, daí, através de uma palavra insuspeita, essa mesma palavra que sugeriu o estacionamento, em Campina Grande, de uma unidade do Exército, que não se verificou, naquela cidade paraibana, uma chacina da polícia contra o povo, mas um choque entre elementos exaltados.
O Sr. Plínio Lemos – Se não foi a polícia quem atirou nos coligados, V. Exª. então, entende que foram seus próprios correligionários, porque, das vítimas, nenhuma existe da facção a que V. Exª. pertence. O SR. ERNANI SÁTYRO – Felizmente meu discurso está escrito para que nenhuma dúvida venha a pairar sobre seu espírito. O discurso será lido e meditado. Chegarei ao ponto. O que entendo, Srs. Deputados, e já declarei, é que não sou testemunha dos fatos. Tenho de aguardar o resultado das investigações para chegar a essas minúcias. Digo que foi um choque em praça pública entre elementos exaltados. Não afirmei nem neguei, com a responsabilidade de meu nome, que a polícia tinha atirado ou deixado de atirar... O Sr. Plínio Lemos – Exatamente. O SR. ERNANI SÁTYRO - ...mesmo porque não comprometo o meu depoimento em fatos que não assisti. As opiniões na Paraíba são divergentes a esse respeito. O Sr. Plínio Lemos – Meu caro colega, Deputado Ernani Sátyro, não há por onde sair da conclusão, ou foi a polícia ou foram elementos que formam a corrente de V. Exª., porque entre os 20 feridos e 3 mortos nenhum existe que pertença ao seu Partido. O SR. ERNANI SÁTYRO – Vossa Excelência não pode negar que excetuadas uma ou duas pessoas de posição política definida na Coligação, grande número de feridos era composto de pessoas apolíticas. O Sr. José Joffily – Como também não se pode contestar que da chacina não tenha saído um soldado ferido. O SR. ERNANI SÁTYRO – Sei de uma senhora que saiu ferida e era udenista. O Sr. José Joffily – V. Exª. pode citar o nome dessa senhora? O SR. ERNANI SÁTYRO – Trata-se de D. Adélia Hibraim, salvo engano. O Sr. José Joffily – D. Adélia Hibraim foi, realmente, ferida e esteve há poucos dias internada num hospital. Tive oportunidade de visitá-la. Essa senhora pertence à Coligação Democrática Paraibana, conforme declaração que fez há poucos dias, em Campina Grande, o Sr. Severino Cabral. Essa senhora é casada, tem 26 anos de idade e residente na rua Argentina n.º 78. Foi ferida à bala no omoplata direito. O SR. ERNANI SÁTYRO – Estou informado, não afirmo categoricamente. Desejaria uma informação dessa senhora, diretamente, e não por intermédio do Sr. Severino Cabral, que é, no caso, elemento suspeitíssimo, elemento exaltado da Coligação. Se a polícia realmente atirou, após a provocação dos elementos coligados, a verdade será apurada regularmente. Não sou testemunha presencial dos fatos. Mas tenho ainda de-
poimentos insuspeitos para trazer ao conhecimento da Câmara. Esse depoimento é da imprensa pernambucana. O “Diário de Pernambuco”, de tão gloriosas tradições, e hoje filiado aos Diários Associados, jornais que publicam na íntegra, com invulgar destaque as acusações do senador José Américo, assim se refere aos lamentáveis acontecimentos: “Realizavam um comício na praça principal os senhores Argemiro de Figueiredo e Pereira Lira, pouco depois das 21 horas. Logo em seguida ao meeting, quando o povo ainda não se havia retirado do local, cerca de dois mil elementos filiados à ala do Senador José Américo, invadiram de inopinado, a praça, tentando depredar o palanque. Verificou-se então rápido tiroteio que terminou com a intervenção da polícia.“ (Edição de 11 de julho)”. O Sr. Plínio Lemos – Todos os correspondentes das agências telegráficas, na Paraíba, pertencem à Aliança Republicana, por indicação do Sr. José Pereira Lira. O SR. ERNANI SÁTYRO – Discordo de V. Exª. V. Exª. acha que o correspondente do “Diário de Pernambuco” está subordinado ao senhor José Pereira Lira? O Sr. Plínio Lemos – Das agências telegráficas. O SR. ERNANI SÁTYRO – A Agência Meridional é exclusivamente dos “Diários Associados”. Tenho mais um esclarecimento a prestar a V. Exª.: o Dr. Pereira Diniz, suplente de Senador pela Paraíba e membro da Coligação, passou telegrama de reclamação ao “Diário de Pernambuco” contra as notícias por este estampadas e o “Diário de Pernambuco” pediu a S. Sa. que voltasse em termos com os elementos indispensáveis à contestação. E isso até hoje, entretanto, não foi feito. Em outro telegrama de seu correspondente, diz o “Diário”, reportando-se aos momentos que antecederam a tragédia, quando, à chegada dos candidatos aliancistas, os coligados já os provocavam: “Elementos da ala do senador José Américo foram vistos, à tarde infiltrando-se no seio da multidão, dando gritos de abaixo Pereira Lira, conduzindo bandeiras pretas. O gesto não encontrou boa repercussão da parte do povo. A polícia, entrando em campo, conseguiu dispersar os provocadores”. Esta foi a primeira tentativa de perturbação da ordem. Sobre a segunda parte, quando ocorreu o conflito, diz ainda o mesmo jornal: “Na cidade de Campina Grande, após um comício a favor do Sr. Pereira Lira, ocorreu um choque entre adversários políticos. No momento em que se encerrava o show orga-
Julho/Agosto/2016 |
23
nizado com artistas de rádio, os partidários dos Srs. José Américo e Rui Carneiro saíram em passeata, ocorrendo então o conflito, resultando mortes e feridos”. Mas não é só o “Diário de Pernambuco” que assim narra os acontecimentos. Outro órgão de grande prestígio na imprensa brasileira, o “Jornal do Comércio”, do Recife, em telegrama de seu correspondente, assim se reporta aos fatos: “Hoje, às 22 horas, nesta cidade, após a realização de um comício monstro promovido pela Aliança Republicana, com o comparecimento de calculadamente trinta mil pessoas, elementos da Coligação Democrática realizaram uma passeata considerada acintosa, pelos adversários. “Na ocasião em que a passeata demandava à praça da Bandeira, onde antes se havia realizado o citado comício, ocorreu monstruosa tragédia, sendo disparados cerca de cem tiros”. Depois de relacionar os mortos e feridos, esclarece o telegrama: “Não podemos adiantar de onde partiram os tiros, em virtude de desencontro de opiniões. Acresce que elementos da Coligação, segundo dizem, requereram há dias, permissão da polícia para realizar comício, hoje, nesta cidade na mesma hora da concentração política realizada pela Aliança, tendo a polícia negado a solicitação, sob o fundamento de ser necessário evitar atritos”. É ainda o “Jornal do Comércio” que esclarece: “Terminado o comício, a cidade continuou em absoluta ordem. Pouco tempo depois, a coligação Democrática, sob a orientação, neste Estado, do PSD e ala do Senador José Américo, promoveu uma passeata pelas ruas da cidade, apupando os adversários. Ao atingir o local do comício da Aliança Republicana, onde se encontravam ainda remanescentes ouvintes, componentes da referida passeata destruíram a ornamentação do palanque, faixas, cartazes e retratos e imediatamente subiram a um palanque pertencente á Coligação para iniciar outro comício. A Coligação Democrática, sabendo que a Aliança Republicana havia requerido permissão da polícia para realização daquele comício, on-
24
| Julho/Agosto/2016
tem também pedira a mesma permissão que lhe fora negada, com o fim de evitar perturbação da ordem. “Quando se preparava para falar um elemento da Coligação Democrática, a polícia compareceu ao local, solicitando que não fosse desrespeitada a solicitação legal. A esse gesto responderam disparando revólveres, o que motivou a ação da polícia. Chegaram depois policiais militares armados de fuzil, conseguindo restabelecer a ordem” Quem sair do Rio de Janeiro e for à Paraíba verificar a verdade dos acontecimentos, ficará decepcionado com os processos de que lança mão a Coligação Paraibana, para pintar seus adversários como assassinos frios do povo e da própria democracia. Não tememos o julgamento de qualquer observador desapaixonado. Ainda há poucos dias o presidente da UDN paraibana, Deputado Flávio Ribeiro, a quem o Sr. José Américo, mesmo no estado de exaltação em que se encontra, acaba de se referir em termos os mais honrosos, dirigiu ao doutor Odilon Braga um telegrama expressivo, solicitando a ida, àquele Estado, de um homem da confiança do partido, para observar os acontecimentos. Apesar das lamentáveis ocorrências, a Paraíba encontra-se num regime de perfeita ordem e amplas franquias democráticas. O Sr. Plínio Lemos – Para os amigos de V. Exª. e para os correligionários da Aliança Republicana. Para os demais partidos, faltam os mais elementares direitos, inclusive o direito à própria vida! O SR. ERNANI SÁTYRO – No entanto, o Partido de V. Exª. continua a desenvolver ampla propaganda, sem o menor constrangimento. Em Campina Grande mesmo, se desordens ocorreram anteriormente, eram promovidas pela Coligação. Suas passeatas, realizadas sem o consentimento e até mesmo sem o conhecimento antecipado da Polícia, nada tinham de atos de propaganda. Eram bandos que promoviam desordens pelas ruas da cidade, insultando os adversários, apedrejando casas, ferindo crianças, postando-se em frente à residência dos lideres aliancistas, com os maiores insultos, não apenas a estes, mas a pessoas de sua família. Esta situação não podia continuar. Na Paraíba não existe mais aquele sertão selvagem, com os homens a berrar e urrar, como irracionais em desespero. Por mais que se pretenda fazer a nossa terra retroceder a esse estado primitivo de selvageria, a consciência paraibana prosseguirá nos seus anseios de progresso e civilização. O Sr. José Joffily – Condenando a chacina do dia 9, V. Exª. esquece que morreram 3 e foram feridos a bala cerca de 20? O SR. ERNANI SÁTYRO – Condenando, sim, aqueles que contribuíram com de-
sordens para o derramamento de sangue dos paraibanos. O Sr. José Joffily – Derramamento de sangue da Coligação Democrática Paraibana. De amigos de V. Exª. não houve. O único nome que V. Exª. apontou foi o de D. Adélia Hibraim e com relação a esse mesmo V. Exª. teve a lealdade de confessar não ter certeza de se pertence à Aliança Republicana. O SR. ERNANI SÁTYRO – Realmente, a contestação está eivada de suspeição, porque o Sr. Severino Cabral, é, certamente, o elemento mais aproximado da política de Campina Grande. O Sr. José Joffily – Não há suspeição. O SR. ERNANI SÁTYRO – Não há para V. Exª., mas existe para os coligados. O Sr. José Joffily – São fatos e não palavras. O SR. ERNANI SÁTYRO – Trata-se da interpretação dos fatos, não dos fatos em si. Os depoimentos que os correligionários invocam, devem ser bem pesados e medidos. O mais forte é certamente a palavra do advogado Aluísio Campos. Mas essa palavra não constitui um depoimento, porque é antes uma peça de acusação. A testemunha desapaixonada aguarda o chamamento para depor. E o advogado Aluísio Campos, mal ocorriam os lamentáveis acontecimentos, já estava com um boletim na rua, acusando a polícia e defendendo a Coligação. Esse boletim é uma carta aberta ao governador José Targino, que foi logo divulgada através da seção paga de vários jornais, pelo seu autor ou pelos lideres da Coligação. O Sr. José Joffily – Em face da gravidade da chacina e da sua condição de testemunha ocular dos acontecimentos. O SR. ERNANI SÁTYRO – Em face do partidarismo. O Sr. Hermes Lima – V. Exª. me perdoe. O Sr. Aluísio Campos é Presidente da Seção do Partido Socialista Brasileiro na Paraíba. Não é partidário da Coligação, nem da Aliança, tendo amigos pessoais em ambas as facções. Ele se apressou em dar testemunho, porque os fatos arrancaram do seu brio cívico este testemunho contra as violências praticadas. O SR. ERNANI SÁTYRO – Toda a Paraíba sabe que o Sr. Aluísio Campos vai apoiar a causa do Sr. José Américo. Seu depoimento não é um depoimento, mas um libelo, porque não compreendo que uma testemunha insuspeita, mal acabem de se desenrolar os acontecimentos em praça pública, já esteja com boletins na rua, acusando uma das partes e defendendo outra. Onde a insuspeição desse depoimento? O Sr. Hermes Lima – É que V. Exª. não repara em que o Sr. Aluísio Campos acudiu aos feridos. O fato de publicar sua opinião testemunha apenas zelo cívico e o culto à verdade, que nele se podem verificar, pois está
equidistante de todos os partidos, na Paraíba. O SR. ERNANI SÁTYRO – Leia, então, V. Exª. os termos do boletim para ver se existe essa equidistância dos correligionários de V. Exª. naquele Estado. O Sr. Hermes Lima – Esteja V. Exª. certo de que existe. O SR. ERNANI SÁTYRO – Prosseguindo, Sr. Presidente. Aceitamos, porém, não somente para efeito de argumentação, como em respeito ao nome do Dr. Aluísio Afonso Campos, uma parte de seu depoimento. Que a polícia tenha atirado e usado “cassetetes”. Até aí, seria aceitável o testemunho. Que a polícia tenha agido, depois de desencadeada a desordem, por tanta gente presenciada. Mas o Sr. Aluísio Campos destrói a sua própria palavra, quando se inflama de paixão e proclama, contra toda a evidência dos fatos, que não houve provocação dos coligados. De quem seria, então... O Sr. Hermes Lima – Perdoe-me V. Exª. O fato do Sr. Aluísio Campos proclamar que não houve provocação dos coligados não denuncia paixão; denuncia verificação da ocorrência. Ele estava presente e viu que não houve provocação dos coligados. O SR. ERNANI SÁTYRO – V. Exª. sabe que numa praça pública de largas dimensões, onde está grande multidão, o observador não pode abranger todo o panorama, principalmente se não estiver colocado num ponto elevado. Encontrando-se no meio da multidão, a interpretação dos fatos depende tão só do estado de espírito do observador, do seu estado psicológico, de maneira que vê este ou aquele acontecimento, apenas. Mas, provarei adiante, com provas irretorquíveis, que o Sr. Aluísio Campos, meu amigo particular, a quem não tenho interesse em ferir pessoalmente e o meu intuito é apenas evidenciar a veracidade dos fatos – não agiu com imparcialidade. Os atos posteriores praticados por S. S. demonstram esta afirmativa, pois ele está tomando parte, ao lado da coligação, na campanha política que esta faz contra o nosso partido, a propósito dos acontecimentos. O Sr. Hermes Lima – Isso é outra coisa. O que V. Exª. não pode negar é que, se tivesse havido provocação, esta deveria ser grande e ostensiva, pois, se tivesse sido apenas provocação deste ou daquele indivíduo, como justificar V. Exª. a reação brutal e violenta da polícia? O SR. ERNANI SÁTYRO – Vossa Excelência acha que não é provocação, num dia de festa aberta, de homens de outro Partido, que sempre respeitou as reuniões de seus adversários, realizarem estas passeatas, comícios contra as ordens da polícia, terminando pelo apedrejamento de um palanque? Tratava-se de passeata afrontosa, cheia de baldões gritados em frente à residência do Senhor Depu-
tado Argemiro de Figueiredo, e acha V. Exª. que tudo isto não é provocação? De quem, então, seria a provocação? O Sr. Plínio Lemos - V. Exª. sabe que a passeata foi organizada quando já o Partido de V. Exª. havia terminado não somente o comício, mas o próprio show. O SR. ERNANI SÁTYRO – Mas V. Exª. também não ignora que numa cidade do interior, a primeira visita dos candidatos de um Partido é acontecimento extraordinário. Pois bem, mal terminado esse comício, quando o ambiente de festa ainda era inteiramente de nosso Partido, os nossos correligionários ainda estavam presentes em sua grande maioria, que necessidade tinham os partidários de V. Exª., que dispunham de tanto tempo para fazer propaganda, de, no dia da chegada do Sr. Pereira Lira em Campina Grande, perturbar uma reunião nossa, um dia de festa nosso, com pessoas vindas dos vários recantos do município e até das cidades vizinhas? O Sr. José Joffily – E que necessidade havia em se atirar contra o povo. O SR. ERNANI SÁTYRO – Não desvie V. Exª. a questão. Estou falando da parte da provocação. O Sr. José Joffily – Mas isto é essencial. O SR. ERNANI SÁTYRO – Já disse a V. Exª. - e insisti – que não estou defendendo quem atirou. Não sei quem atirou, em virtude do desencontro das opiniões. A própria imprensa de Pernambuco relatou que a provocação, a responsabilidade dos fatos, é da Coligação Democrática paraibana. O Sr. Hermes Lima – V. Exª. só sabe quem provocou, e ignora quem atirou... O SR. ERNANI SÁTYRO – Não sei qual a pessoa que atirou; sei apenas, pelos jornais, que as pessoas defendidas pelo Sr. Aluísio Campos também constam como tendo atirado. Tenho aqui vários jornais de Pernambuco, para responder ao aparte engraçado de S. Exª., que mencionaram até o nome de um vereador, que também teria atirado. O Sr. Hermes Lima – As informações de V. Exª. são minuciosas quanto à provocação, mas nada dizem quanto ao tiroteio... O SR. ERNANI SÁTYRO – O Deputado Hermes Lima está provando a isenção, a equidistância, que desejo sublinhar, de seu partido da Paraíba, com relação às duas facções ali existentes. S. Exª. está comprando briga alheia e ainda se diz neutral na luta que se processa no Estado. O Sr. Hermes Lima – Não temos isenção para deixar de tomar atitudes; nossa isenção é uma arma para tomar atitude certa e não para deixar de tomá-la. Não temos isenção para ficar “nem carne nem peixe”. O SR. ERNANI SÁTYRO – Vossas Excelências estão ao lado do Sr. José Américo, na Paraíba. Todo mundo sabe disso. Não faça V. Exª. mistério em torno desse assunto, nem
comprometa o prestígio da sua palavra como juiz. Venha para esta tribuna, como parte, discutir, de igual para igual, no debate parlamentar. Como juiz, como neutro, não o podemos admitir. O Sr. José Joffily - V. Exª. não há de negar que as autoridades policiais que atiraram contra o povo, continuam no exercício dos cargos em Campina Grande. O SR. ERNANI SÁTYRO – Dizia eu: De quem seria, então, a provocação? Dos elementos da Aliança, que despenderam tantos esforços para realizar uma festa brilhantíssima, cujo comparecimento, jamais visto naquela cidade, pode ser atestado pelas inúmeras fotografias, publicadas na imprensa? Seria da polícia a provocação, quando se sabe que esta envidou todos os esforços, no sentido de não se realizar aquela passeata, nem aquele comício acintoso, no dia designado para a primeira propaganda e recepção do Sr. Pereira Lira? Não e não. É aqui que a testemunha se transforma em acusador, e compromete com o seu gesto, o mérito do próprio depoimento. O Sr. José Jofilly – Até mesmo como homenagem aos artistas nacionais, seria interessante V. Exª. esclarecer que esse brilhantismo do comício da festa da aliança republicana, resultou do comparecimento de Luiz Gonzaga, Emilinha Borba e outros ao show ali realizado. O SR. ERNANI SÁTYRO – E o brilhantismo das festas de Chaves, de Picos, de Antenor Navarro, de Bonito, de Jatobá, de Sousa, de Pombal; e toda a concentração no sertão, atribui-a V. Exª. ao Ministro Pereira Lira? A elas não compareceram esses artistas. O Sr. José Jofilly – Estou salientando o brilhantismo do show dos artistas da Rádio Nacional, cuja presença atraiu muita gente a Campina Grande. O SR. ERNANI SÁTYRO – Vossas Excelências fizeram também um showzinho na Paraíba, em um comício. A diferença é que o show de V. Exas. não prestou; fizeram-no com vários artistas, mas o show foi ruim. Esta, a verdade. O nosso, entretanto, foi brilhante. V. Exª. não pode querer tirar o mérito de uma propaganda, quando se sabe que, na propaganda moderna se usam todos esses meios de atração, nada existindo nisso de antidemocrático. O Sr. José Joffily – Estou procurando deixar, em seu discurso, uma palavra de homenagem aos artistas da Rádio Nacional. O SR. ERNANI SÁTYRO – Não tenho procuração deles. Em todo caso, como a arte é universal, agradeço a V. Exª. em nome dos artistas. E não foi só. O enterramento das vítimas, em Campina Grande, foi alguma coisa de afrontosa à própria dignidade humana. Pessoas colhidas no meio das paixões alheias, Julho/Agosto/2016 |
25
uma das quais sem qualquer cor partidária, tiveram seus cadáveres transformados em mercado de exploração política, arrastados em cortejo por várias ruas da cidade, num itinerário inteiramente diverso daquele por onde deveriam rumar à ultima morada. O Sr. José Joffily - V. Exª. está fazendo revelação sobre a qual parece, não meditou bem. O SR. ERNANI SÁTYRO – A responsabilidade é minha. O Sr. José Joffily – Os funerais das vítimas, com acompanhamento de enorme multidão, é que irrita os correligionários de V. Exª. O SR. ERNANI SÁTYRO – O que irritou V. Exas., foi a nossa festa, com a irradiação de um show. O Sr. José Joffily – Estou falando nos funerais. V. Exª. quer desviar a questão. O SR. ERNANI SÁTYRO – São os cadáveres que VV. EExas. exploram de maneira revoltante para a sensibilidade do povo paraibano. O Sr. José Joffily – V. Exª. explique à Câmara em que consiste essa exploração. O SR. ERNANI SÁTYRO – Meu discurso está escrito e as palavras proferidas não serão retiradas. Que pena não dispormos das tintas do Senador José Américo, para pintar aos olhos da Nação esse quadro desolador e inédito, em que a condição humana foi colocada em posição inferior à dos outros animais, que mesmo quando mortos pelos homens, não têm os seus cadáveres degradados pela cegueira da paixão política. Que pena não dispormos dos efeitos que o Sr. José Américo sabe tirar das palavras, para descrevermos aquela cena dantesca de Areia, sua terra natal, quando dois pobres homens, do alto de uma escada, enquanto pregavam cartazes de propaganda de Argemiro de Figueiredo, foram varados de bala por elementos perigosos, contratados pela Coligação, para perturbar a tranquilidade e o sossego da família paraibana. O Sr. Plínio Lemos – Um deles era criminoso, condenado duas vezes em Areia e processado ainda pela prática de um terceiro crime. O SR. ERNANI SÁTYRO – Sobrinho de um alto elemento da Coligação, o qual acompanhou os funerais também. O Sr. José Joffily – Uma das vítimas? O SR. ERNANI SÁTYRO – Não, o assassino. O Sr. José Joffily - V. Exª. pode referir o nome? O SR. ERNANI SÁTYRO – Sobrinho do Sr. José Minervino. O Sr. Plínio Lemos – Por aí prova V. Exª. que não se tratava de indivíduo desclassificado, mas comerciante que foi agredido por um criminoso.
26
| Julho/Agosto/2016
O SR. ERNANI SÁTYRO – Um deles pode ter sido criminoso, mas atualmente não estava sob processo, nem condenado. O Sr. Plínio Lemos – O indivíduo a que V. Exª. se referiu foi duas vezes condenado em Areia e processado por um terceiro crime. O SR. ERNANI SÁTYRO – Um deles era oficial de Justiça. A acusação de V. Exª. é à Justiça paraibana; não a meu partido. Era de ver a queda macabra. Um dos assassinos iluminava, calculadamente, com uma pilha, as costas dos pobres homens, enquanto os pistoleiros amestrados visavam o seu alvo indefeso. E prosseguiram as festas, com a presença do Senador, enquanto os aliancistas faziam discretamente, num gesto de delicadeza moral incompreendido, o enterramento dos correligionários abatidos. Os assassinos e seus protetores devoravam as carnes dos outros animais, já que não era possível mastigar a carne humana. Tudo como o Sr. José Américo gosta de descrever, na grandiosidade do seu estilo. Desse estilo tão forte, que cegaria o Brasil, para o mais injusto dos julgamentos, se a verdade não fosse capaz de brilhar, mesmo através dos instrumentos mais modestos. Mas voltemos a Campina Grande. O advogado Aluísio Campos, em quem tanto se baseia a Coligação, foi até o cemitério e discursou. Não discursou nesse estilo próprio das despedidas. Usou o seu talento incontestável numa espécie nova de comício político. E como se as palmas não bastassem, conclamou o povo a levantar os braços e fazer o V da vitória. Realmente, ali estava a vitória da Coligação. A carne humana transformada em pasto, para a mais degradante das explorações. Para tranquilidade da consciência paraibana, sabe o seu povo que a Coligação teve ali sua primeira e última vitória na Paraíba. A de 3 de outubro, não, esta será dos que pregam uma política de paz e de concórdia. Os discursos dos lideres udenistas, foram todos gravados, em sua excursão pelo Estado. Enquanto isso, o eminente Senador José Américo não se atreveria a repetir no Senado as frases proferidas nos seus comícios. O Sr. Plínio Lemos – Todos os discursos do Senador José Américo foram escritos e publicados pela imprensa do Rio de Janeiro. O SR. ERNANI SÁTYRO – O que está no papel já é muito, mas não é nada, diante do resto, quando sua excelência parava, guardava por instantes o discurso e soltava uma torrente de expressões, já desconhecidas no vocabulário político da Paraíba. Realmente o ilustre Senador não quer convencer-se de que já desapareceu o sertão selvagem. Quanto esforço perdido por uma solução ordeira e sedenta de civilização. Foi a campanha do Senador paraibano que incendiou os espíritos. Tenha S. Exª. um
pouco de serenidade agora e concorra para que sua terra dê ao país uma demonstração de que pode realizar uma campanha política honesta e pacífica. Não permita, o eminente homem público, que sua paixão afogue outras virtudes que todos lhe reconhecemos. Por menos que pretendesse dar a este discurso um caráter de resposta ao senador José Américo, não há como fugir ao imperativo dessa exigência, já que as ocorrências da Paraíba tomaram, através do prestígio de sua palavra na tribuna do Senado ou em entrevistas aos jornais, um sentido tão diferente, que alarmaria o observador mais prevenido, dando-lhe a impressão de ter chegado a uma terra diferente. Acusa-se a polícia de haver atirado com fuzis e metralhadoras, e afinal os médicos só encontram nos feridos projetis de revólver. Este detalhe é de um extraordinário valor para o julgamento dos fatos. O Sr. José Joffily – A que inquérito se refere V. Exª.? O mandado instaurar em Campina Grande? O SR. ERNANI SÁTYRO – Ao inquérito ali instaurado e que ainda se realiza. Ouvi os médicos da Casa de Saúde, inclusive o Dr. Francisco Brasileiro que me afirmou ter encontrado os projetis de revolver, os quais guardava em seu poder para entregá-los à Polícia. Quero salientar este detalhe para esclarecimentos dos fatos, dentro da verdade. A conclusão do inquérito revelará tudo, em tempo oportuno, mas este detalhe relevante, no momento, não poderá ser esquecido. O Sr. José Joffily - V. Exª. há de me perdoar. Tais projetis não poderiam ter sido encontrados, uma vez que todos os ferimentos apresentados pelas vítimas foram transfixantes. O SR. ERNANI SÁTYRO – Vi um desses projetis em mãos do Diretor da Casa de Saúde Dr. Francisco Brasileiro, precisamente porque o inquérito estava sendo retardado e aquele profissional os conserva para entregá-los à Polícia. O retardamento – sabe V. Exª. – se deve ao fato do Tribunal de Justiça não ter designado a Comissão Judiciária, imediatamente requerida pelo Governo. O Governo entretanto, se apressou em nomear um Promotor Público de idoneidade reconhecida, para dirigir as investigações no caso de Campina Grande. O Sr. José Joffily – E também se apressou em manter os policiais nos respectivos cargos. O SR. ERNANI SÁTYRO - V. Exª. não repise. Trago outros argumentos. O Sr. José Joffily – Observo os fatos. E este é importante. O SR. ERNANI SÁTYRO – Se o Governador afastasse imediatamente os policiais, estava dando ensejo para confirmação do que
VV. Exªs alegam. Se quiserem ser mais objetivos, devem acusar logo o Governo. Porque VV. Exªs. não atacam o Governador José Targino? O Sr. José Joffily – Não o estou acusando? O SR. ERNANI SÁTYRO - Ainda bem, porque, até agora, não havia eu ouvido qualquer acusação ao Governador. Fique, portanto, registrada a declaração de V. Exª. Responsabiliza-se a Aliança Republicana por atos de provocação, e os discursos dos lideres aliancistas, a começar pela plataforma elevada, objetiva e serena de Argemiro de Figueiredo, constituem modelo de educação política e compreensão democrática. Alega-se, que, em Campina Grande, não se podem reunir sequer duas pessoas pertencentes à Coligação, e as sedes de seu partido e escritório eleitorais afixam diariamente fotografias, com milhares de pessoas, em passeatas pelas ruas, formadas de improviso, sem audiência prévia da polícia. O Sr. Plínio Lemos – Estive em Campina Grande e, à noite, mais de uma vez, vi policiais mandarem dispersar grupos de quatro e cinco pessoas que ali estacionavam. Não em relação a mim, mas fizeram-no quanto a outros cidadãos, tanto que alguns rapazes tiveram oportunidade de perguntar aos policiais se também não era proibido assobiar. O SR. ERNANI SÁTYRO – Posso informar a V. Exª. que tais acusações se referiam a fatos anteriores. O Senador José Américo deve precaverse contra a maldade de seus informantes. Eles estão desesperados porque, tendo-lhe prometido o desabamento de nosso partido, logo excursionasse pelo Estado o eminente Senador, o que viram foi o maior fortalecimento de nossas hostes, com a adesão de elementos que sustentavam a bandeira da Coligação. O Sr. José Joffily - V. Exª. não poderá negar que o partido está dividido e que o Sr. José Américo tem recebido inúmeras adesões. O SR. ERNANI SÁTYRO – Temos também recebido várias provas de solidariedade, como do prefeito de Piancó, do Deputado José Marques e de outros elementos de Antenor Navarro, de Cachoeira e diversos pontos do Estado. Acusam Pereira Lira de levar à Paraíba uma guarda pessoal, composta de elementos da polícia civil ou Especial, e o que se vê é o eminente paraibano ser guardado pelos melhores carinhos de sua terra, que ele tem coberto de bons serviços, neste governo tão benéfico para o nosso Estado. Ataca-se injustamente o Presidente da República, somente porque ainda existem jornais que publiquem nossas defesas, mas esquece-se que o IPASE continua entregue a um ilustre adversário nosso e o Lar Brasileiro está em mãos do candidato coligado ao Senado Federal. E não é certamente a nossos ami-
gos que os seus dirigentes prestam grandes favores e benefícios. E os intolerantes ainda somos nós. O Sr. Plínio Lemos – É de estarrecer que V. Exª., homem de bem, venha afirmar que o Sr. Pereira Lira tem prestado relevantes serviços à Paraíba. Os serviços do Sr. Pereira Lira consistem em mandar passar telegramas aos seus amigos, a fim de dizer que o Congresso votou a lei da pecuária, em virtude de interferência sua. Esses os serviços que o Sr. Pereira Lira tem prestado à Paraíba. O SR. ERNANI SÁTYRO – Agradeço a declaração de que sou homem de bem. Quanto ao fato referido pelo nobre colega, desconheço-o completamente e assim não posso entrar neste debate. Sem querer, porém, desviar-me do objetivo do meu discurso, poderei citar a S. Exª. alguns dos benefícios que o Sr. José Pereira Lira tem prestado ao nosso Estado: a situação do Banco do Estado, minorada com um empréstimo concedido pelo Governo federal; o empréstimo para realização dos serviços de eletrificação da Paraíba; o aproveitamento hidroelétrico de Curema etc. Todos esses benefícios foram obtidos graças à interferência do Sr. José Pereira Lira. O Sr. José Joffily – Há uma particularidade do discurso de V. Exª. que merece reparos; as turbinas para a grande barragem de Curema, já tinham sido adquiridas e pagas pelo Governo passado. O SR. ERNANI SÁTYRO – Vossa Exª. poderá discutir esse ponto, oportunamente. O SR. PRESIDENTE – Advirto o nobre orador de que dispõe de 5 minutos para terminar suas considerações. O SR. ERNANI SÁTYRO – Muito obrigado a V. Exª., Sr. Presidente. Ainda há poucos dias, sob a inspiração, certamente, dos coligados, um jornal desta Capital publicava um perfil de Argemiro de Figueiredo, com deturpação evidente do motivo de sua exoneração, de interventor federal. Esse assunto, apesar de suficientemente esclarecido, apesar da carta do Sr. Getúlio Vargas, volta sempre a debate, sem prova, mas com a mesma insistência. Ainda agora, depois de tão tristes ocorrências, o prefeito de Campina Grande, Dr. Elpídio de Almeida, vem se negando a colaborar com as autoridades públicas, no sentido de evitar aquelas passeatas afrontosas. Consultem-se todos os constitucionalistas, e verse-á que as passeatas, mais do que os comícios, estão condicionadas à licença da polícia. Precisamente por sua mobilidade, pela maior facilidade dos atritos, a massa humana que se desloca deve estar sob a vigilância constante das autoridades. Leia-se Carlos Maximiliano, leia-se Temístocles Cavalcante ou qualquer outro. As opiniões não divergem. Pois bem: mesmo depois da hecatombe, os partidários do Sr. José Américo se julgam com o direito
de fazer passeatas improvisadas, em qualquer localidade, num flagrante desrespeito ao Poder de Polícia, constitucionalmente organizado. E depois ficam a gritar, a gesticular, a insinuar uma modalidade nova de intervenção federal, contrariando os princípios por eles mesmos defendidos, quando não estavam em causa os acontecimentos políticos da Paraíba. O Sr. Plínio Lemos – Não pleiteamos a intervenção federal; apenas solicitamos uma unidade do Exército para estacionar em Campina Grande, a fim de assegurar o direito de viver que tem o povo. O SR. ERNANI SÁTYRO – Leia V. Exª. a entrevista que o Senador José Américo concedeu, há poucos dias, ao “Diário da Noite” e veja se o que se insinua não é uma nova modalidade de intervenção. O Sr. Plínio Lemos - V. Exª. não encontrará no discurso do Senador José Américo nada que venha em favor das suas afirmações. O SR. ERNANI SÁTYRO – O apelo à intervenção é simplesmente irrisório. Seria necessário que a consciência nacional estivesse adormecida, para permitir que, tão somente pelo prestígio de uma palavra cheia de colorido e dramaticidade, se revogasse tudo quanto a nossa experiência constitucional já sedimentou, moldada no exemplo de outros povos, apurada na prática do regime democrático. Está nas mãos da Coligação manter na Paraíba um clima propício à realização pacífica do pleito. Evitem perturbar o livre exercício da propaganda que assiste, com iguais direitos, a seus adversários. Convençam-se de que, por maior que seja o prestígio político de seu candidato, na esfera nacional, ele tem de enfrentar, dentro da realidade paraibana uma luta de igual para igual. Os merecimentos do Sr. Argemiro de Figueiredo são incontestáveis. Ainda há poucos dias o proclamava o bispo de Aracaju, Dom Fernando Gomes, numa carta em que desfez explorações em torno de seu nome. Disse que, qualquer que fosse o eleito, a Paraíba seria a vencedora. O Diário de Pernambuco, numa de suas várias, fazia um apelo à Paraíba, para que realizasse uma campanha serena, no instante em que duas personalidades ilustres disputam o mesmo cargo eletivo. Aqui mesmo nesta Câmara, Argemiro de Figueiredo teve oportunidade de demonstrar as suas qualidades de jurista e orador seguro e brilhante. No governo da Paraíba, realizou uma ação administrativa incontestavelmente grandiosa. Não existe ódio nem paixão capaz de arrancar do solo paraibano tudo quanto de definitivo ele ali edificou. Por isso a sua gente compreende. Por isso ele constituiu a força política invencível, por mais que se tente perturbar a sua marcha serena e firme. Quanto ao ministro Pereira Lira, a ColiJulho/Agosto/2016 |
27
gação se desespera porque ele caiu na simpatia pública da Paraíba, para onde tem encaminhado uma soma de benefícios, que a história reconhecerá com justiça. Renato Ribeiro Coutinho é outra garantia da ordem e trabalho produtivo. Tão digno quanto o seu competidor à vice-governança, deputado João Fernandes de Lima, que, com ponderação de espírito que todos lhe reconhecem, desaprovara, expressamente, o comício e a passeata anunciados por seus correligionários, na mesma hora e na mesma cidade em que nós promovíamos nossa concentração popular. Não se irritem tanto os coligados, por encontrarmos jornais que publiquem nossas defesas. Que conceito de democracia é esse,
28
| Julho/Agosto/2016
em que somente uma parte teria o direito de falar, transformando em verdades o eco de suas paixões? Confiamos na manifestação livre e consciente da vontade paraibana. Não nos provoquem e não temam nossa reação. Não transformem um conflito, por mais grave e lamentável que ele tenha sido, num motivo de abalo para a tranquilidade nacional. A Paraíba está em perfeita ordem. Todos os partidos continuam, mesmo depois das ocorrências de Campina Grande, a realizar seus comícios de propaganda. Ali não se distingue quem seja governo ou oposição, no exercício dos direitos políticos. Mandem os partidos, mande o Congresso, mande o Governo, observadores de sua
confiança. Indaguem, não somente do que está acontecendo, mas do que era a campanha, antes dos fatos de Campina Grande. Não tememos devassas ou investigações. Marcharemos resolutos e serenos para a grande parada de 3 de outubro. E então a Paraíba dirá a quem quer confiar os seus destinos. Aceitaremos o seu veredicto. Aguardamos, tranquila e democraticamente, o resultado dessa sentença. O resto são palavras. E as palavras, por mais brilhantes que sejam, não se podem sobrepor, num regime democrático, à vontade soberana de um povo. (Muito bem; muito bem). g (*) Discurso proferido na sessão ordinária da Câmara dos Deputados, em 24 de julho de 1950 e publicado no Diário do Congresso Nacional, edição de 25 de julho de 1950.
POESIA POPULAR SILVINO PIRAUÁ: O ENCICLOPÉDICO José Romildo de Sousa
A cidade de Patos, situada no sertão da Paraíba, tem uma importância fundamental na área da literatura de cordel e cantoria de viola. Além de ter sido palco do memorável embate entre Romano da Mãe D’Água (dedilhava a viola) e Inácio da Catingueira (improvisava rufando o pandeiro enfeitado de laços de fita e guizos de prata), cantoria esta registrada por renomados pesquisadores do assunto, como Câmara Cascudo, Padre Otaviano, Leonardo Motta, Átila Almeida, Ernani Sátyro, Luiz Nunes, entre tantos outros, a cidade se orgulha dos filhos ilustres que enveredaram por esse caminho, dando destaque ao município. Como exemplos, podemos aqui lembrar Francisca Maria da Conceição (Xica Barrosa)1, a grande cantadeira, a primeira lutadora do seu sexo, que enfrentou nomes consagrados da cantoria e que foi assassinada em 1916, num samba, em Pombal. Outro poeta muito cultivado é Jomaci Dantas (Lola), cantador e cordelista, que já emplacou o 33º Festival de Cantadores Repentistas do Nordeste na “Morada do Sol”; tendo inclusive, 10 livros publicados e CD’s gravados com Ivanildo Vila Nova e Oliveira de Panelas. Também do mesmo quilate é João Severo, que foi homenageado pela sua trajetória, tendo seu nome escolhido para dignificar a “Casa do Poeta Popular”. Ainda é de recordar Odilon Nunes de Sá, festejado cordelista, falecido aos noventa anos, lúcido e atuante. E, finalmente, SILVINO PIRAUÁ DE LIMA, o mais reverenciado de todos os cantadores patoenses que, segundo Francisco Chagas Batista2, foi o iniciador do romance em versos. Sobre este grande
poeta popular, que era denominado pelos cantadores da sua época de “O Enciclopédico”, título ratificado em testemunho do cantador e cordelista Antônio Américo, é que queremos nos deter, neste trabalho, buscando incentivar nas novas gerações o interesse por seus romances, seus versos e a sua história.
Silvino Pirauá de Lima
VIDA E OBRA DO POETA Silvino Pirauá de Lima nasceu na Vila de Patos, no Estado da Paraíba, em 18603 e começou a cantar com apenas 15 anos de idade. Muito cedo pediu ao pai para ir residir em Mãe D’Água, na casa do famoso poeta Romano, para aprender a fazer versos e tocar viola. Vendo que Pirauá era muito inspirado e tinha muita força de vontade em aprender a arte de fazer versos, Romano o ensinou a ler e o incentivou muito, inclusive, entregando todos os seus livros para que ele se aperfeiçoasse cada vez mais, acrescentando: “leia todos os dias, pois assim, você vai ser o segundo Romano do Teixeira”. Pirauá encontrou todos os cantadores da época cantando o repente em versos de 4 linhas e o martelo em 6. Deu a sugestão a Romano para que o estilo fosse mudado, para que os cantadores tivessem, enfim, mais espaço para versificar. A sugestão foi bem aceita e, até hoje, o repente é cantado em 6 linhas e o martelo em 10. É também desses dois grandes cantadores a criação do “martelo agalopado”, décima decassilábica, uma das mais belas e difíceis modalidades da cantoria nordestina, cantada em ritmo acelerado. Pirauá cantou com Romano durante muito tempo, ou mais precisamente até
VIEIRA, Rui Carlos Gomes. Paraíba, Berço do Cordel. Suplemento da Série Comemorativa Especial do Descobrimento “CULTURA E HISTÓRIA” A União, n. 9, João Pessoa, PB, 1999. BATISTA, F. Chagas. Cantadores e Poetas Populares. Biblioteca Paraibana. SEC. João Pessoa, 1997. 3 São muitos os pesquisadores que afirmam que o nascimento de Silvino Pirauá de Lima, se deu em 1848. Entretanto, no termo de seu casamento religioso, que se encontra no acervo documental da Catedral de Nossa Senhora da Guia, de Patos, consta que foi realizado em 26 de julho de 1902, quando ele se achava com 42 anos de idade. Assim sendo, tendo por base o citado documento, Silvino Pirauá nasceu em 1860 e não em 1848, como até agora vem sendo divulgado. Eis o texto na íntegra, existente no documento que esclarece o equívoco. Livro de Casamentos da Matriz de Nossa Senhora da Guia, de Patos nº 04, fls. 17, registro nº 62. “Aos vinte e seis de julho de mil novecentos e dois, nesta Matriz, em virtude de licença de sua Excia. Revdo. Sr. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, receberam-se em matrimônio os nubentes Silvino Pirauá de Lima e Edvirgens Maria de Lima, ambos pardos, tendo ele 42 anos de idade, ela com 40 anos de idade e não havendo impedimento algum, lhes dei as benções nupciais ‘servatis servandis’, sendo testemunhas João César de Melo e Francisco Machado Toscano da Nóbrega. Pe. Joaquim Alves Machado” 1 2
Julho/Agosto/2016 |
29
1891, quando ocorreu a morte do seu querido mestre, que muito lhe ensinou. A partir daí, Pirauá passou a cantar com Josué, filho do vate de Mãe D’Água, que também se tornou muito talentoso. Em 1898, aconteceu uma grande seca no sertão da Paraíba, assolando toda a chapada do Teixeira e foi este o motivo principal para que Pirauá se mudasse para Recife. Chegando na Capital Pernambucana, Silvino Pirauá que já tinha várias histórias versadas e decoradas, utilizadas em suas cantorias, publicou quatro folhetos, mais conhecidos hoje como Literatura de Cordel. Inclusive, foi ele e Leandro Gomes de Barros - de Pombal - os precursores deste estilo de poesia popular no nordeste brasileiro. Ainda no ano de 1898 foram publicados os primeiros cordéis escritos por eles. A pobreza sempre acompanhou Pirauá. Segundo Luís da Câmara Cascudo, “quando a mulher morreu, Silvino Pirauá foi cantar para arranjar dinheiro para o enterro”. Silvino, como foi dito acima, era casado com Edvirgens Maria de Lima. Pirauá figura, junto com Ugolino Nunes da Costa e Romano Caluete, no pan-
teão da cantoria e, com Leandro Gomes de Barros, é considerado “inventor” da literatura de folhetos. Outra iniciativa marcante de Pirauá é a criação da “deixa” na cantoria de viola, onde o cantador se vê obrigado a “pegar” rimando na última linha que o colega deixou. Até hoje só se canta pegando na deixa. Lê-se no Dicionário Literário da Paraíba: “Os romances de Pirauá estão, há quase um século, entre os preferidos do leitor de folhetos”. A História do Capitão do Navio, sempre reeditado, consta em numerosas antologias de cordel, pela sua exemplaridade: “história de exemplo de cunho tradicional ergue em virtudes cardinais a resignação e a paciência”. Pirauá conserva e renova os processos narrativos dos contadores de histórias, como a repetição de um segmento, contado uma primeira vez pelo narrador e repetido, uma ou duas vezes, pelas personagens que relatam o acontecido. Nesse folheto, a repetição adquire uma função narrativa, uma vez que permite a identificação e o reencontro final dos membros da família separada pelo destino contrário4. É ainda de sua lavra, entre muitas outras, as seguintes publicações: A vingança do
sultão; As três moças que quiseram casar com um só moço; A morte de Romano; A princesa Rosa; História de Zezinho e Mariquinha; História de Crispim e Raimundo; E tudo vem a ser nada; Descrição do Amazonas; Descrição da Paraíba, Desafio de Zé Duda com Silvino Pirauá e Peleja da Alma, esta última, transcrita por Rodrigues de Carvalho5. De sua autoria é também A primeira peleja entre Inácio da Catingueira e Romano da Mãe D’Água, que aconteceu em 28 de junho de 1874, véspera de São Pedro, na residência do Coronel Firmino Ayres Albano da Costa, avô do Ex-Governador Ernani Sátyro, na Imperial Vila de Patos, editada pela primeira vez em 1903. Essa cantoria foi, ainda, no final do século XX, limpa e reeditada por Antônio Américo, poeta cordelista e cantador que, por 28 anos, teve um programa na Rádio Espinharas de Patos, intitulado “Violas e Repentes”. Silvino Pirauá de Lima, o renomado poeta, cantador e querido discípulo de Romano, faleceu em Bezerros, Estado do Pernambuco, em 1913, com apenas 53 anos de idade, na epidemia de bexiga braba (varíola). g
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos,. Dicionário Literário da Paraíba. Biblioteca Paraíbana. SEC, A União Editora. Fundação Casa de José Américo/UFPB, 1994. CARVALHO, Rodrigues de, Cancioneiro do Norte. Edição Comemorativa do Autor. 3.ed. Ministério da Educação e Cultura/Instituto Nacional do Livro. Rio de Janeiro, 1967.
4 5
30
| Julho/Agosto/2016
NOVO HISTORIADOR NO IHGP A RESPONSABILIDADE EM SUCEDER ADYLLA(*) Ruy de Vasconcelos Leitão A missão institucional desta Casa é preservar a memória cultural da Paraíba e do Brasil. Aqui se estuda o passado, se pesquisa a experiência histórica, se revelam valores que contribuíram para a formação da nossa identidade cultural. No conhecimento da importância de acontecimentos e pessoas que construíram nossa história, festejamos datas e prestamos homenagens a personalidades que nos orgulham. Este é o “lócus” privilegiado para reverenciar tudo o que nos faz perceber importância na nossa formação cultural. A partir dessa compreensão, permitam-me os confrades e os que se fazem presentes nesta solenidade, que inicie meu discurso de posse dedicando este momento tão importante da minha vida a um dos mais devotados integrantes deste Instituto, o historiador Deusdedit Leitão, meu pai. Fiz questão de escolher a data em que comemoraríamos os seus noventa e cinco anos de idade, se ainda estivesse vivo, para marcar meu ingresso oficial no quadro de sócios desta importante casa de cultura. Reconheço nele a motivação maior para que eu pudesse me enveredar pelos caminhos da pesquisa e do conhecimento no campo da historiografia. Acompanhei, na convivência familiar, a sua trajetória intelectual voltada para a história, a genealogia e a heráldica, da nossa pequenina Paraíba. Exercia a atividade de pesquisador com o entusiasmo de alguém que se apaixona por uma causa. Vivia a devorar coletâneas de jornais antigos, na ânsia de encontrar registros que oferecessem novos saberes a respeito da história de nossa terra. Enfurnava-se em cartórios e sacristias de igrejas católicas, consultando arquivos, na busca de satisfazer curiosidades que o ajudassem a elaborar árvores genealógicas de famílias paraibanas. Enfrentava permanentemente o desafio da pesquisa histórica, lidando com relatos de experiência humana, na inquietude de desbravar o até então desconhecido. Dedicava-se aos estudos da genealogia, da heráldica e da história, como quem se entrega aos prazeres de um divertimento. E assim
construiu sua obra bibliográfica, com a edição de quinze livros. Afinal de contas esse é, na essência, o papel do historiador. E ele o fez com competência e paixão. Portanto, ao ser agraciado com a honrosa oportunidade de assumir a cadeira de numero 29 do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, não poderia deixar de reconhecer, no exemplo de meu pai, a inclinação para ousar na tarefa de seguir seus caminhos, no exercício de trabalhar pelo resgate de nossa memória cultural. Este ambiente, que transformou na sua segunda casa, me transmite uma energia estimuladora, porque sinto, por sua lembrança, a inspiração para o desempenho de tudo o que aqui possa realizar. Imagino o quanto ele estaria feliz ao ver um dos seus filhos assumindo, como ele o fez em vida, a responsabilidade de, na condição de sócio do IHGP, oferecer sua capacidade intelectual em favor da construção do saber histórico da Paraíba. Tocou-me profundamente o discurso de apresentação, brilhantemente pronunciado pelo historiador, jornalista e escritor, Nélson Coelho. Fomos contemporâneos na direção do centenário Jornal A União, onde consolidamos uma amizade que perdura até hoje, alicerçada no respeito mútuo e na admiração recíproca. Empenhamo-nos juntos na execução de projetos importantes para a cultura de nosso Estado, conforme ele próprio já registrou há pouco. Aprendi muito com ele. Quis o destino que novamente voltássemos a compartilhar atividades relacionadas com o “escrever a História da Paraíba”, na condição de confrades no IHGP. Fico grato pelas referências positivas a meu respeito. Devo igualmente registrar meus agradecimentos ao historiador Humberto Fonseca , o primeiro a incentivar minha candidatura à Cadeira numero 29 desta centenária instituição. Trata-se de um dos maiores amigos de meu pai, com quem estabeleceu uma fraterna convivência. Mesmo após a sua morte, Doutor Humberto decidiu manter essa aproximação com a família e participa com freqüência do café vespertino que reúne a todos nós na casa de minha mãe.
A indicação de Humberto Fonseca recebeu pronta aprovação do presidente Joaquim Osterne, a quem fico também devedor por essa manifestação de confiança para pleitear a condição de sócio desta Casa de Cultura. Em seguida, outros membros do IHGP, se incorporaram à iniciativa e proclamavam publicamente suas posições favoráveis à honraria a que me dispus concorrer. José Nunes, Ramalho Leite, Waldir Porfírio, Zélia Almeida, entre outros, não só depositaram seus votos pela minha admissão no quadro de sócios do Instituto, como se tornaram divulgadores dessa minha pretensão. É gratificante verificar que fui acolhido por ampla maioria dos membros dessa instituição. Procurarei corresponder às expectativas em mim depositadas, colaborando com todos no desenvolvimento das atividades afetas ao Instituto. O nome que recebi, ao nascer, foi uma decisão tomada em razão da vocação de meu pai pelos estudos da história. Na manhã do dia três de dezembro de mil novecentos e quarenta e nove, ele se preparava para proferir uma palestra em comemoração ao centenário de nascimento de Rui Barbosa. Até aquele momento meu nome seria Eduardo, numa homenagem ao Brigadeiro Eduardo Gomes, personalidade pública a quem meu pai devotava admiração por sua postura democrática, autor da célebre frase: “Só na liberdade se criam valores estáveis para o desenvolvimento e a justiça social”. Portanto, meu vínculo com a memória cultural tem gênese no comprometimento de meu pai com a história, ao decidir prestigiar e reconhecer a importância daquele notável brasileiro dando seu nome ao primeiro filho. Vivi boa parte de minha infância em Cajazeiras, onde atuou por algum tempo o patrono da cadeira que passo a ocupar, Dom Carlos Coelho. Em 1968 passei a morar em João Pessoa. Cursei as primeiras séries do curso primário em grupos escolares, até que resolvi me matricular no Seminário Arquidiocesano, quando fui despertado por um sentimento de vocação sacerdotal. Percebendo não estar preparado para a vida religiosa, Julho/Agosto/2016 |
31
após dois anos que foram muito importantes na minha base cultural, deixei o Seminário e prestei os exames de admissão ao ginásio no Liceu Paraibano. Ali fiquei como aluno em todo o curso médio e clássico. Nesse tempo fui aluno de José Octávio de Arruda Melo, com quem voltaria a me encontrar auxiliando-o anos depois na Comissão Organizadora dos Eventos Comemorativos do IV Centenário da Paraíba, na condição de secretário executivo, enquanto ele assumia as funções de presidente da comissão. No Liceu, ao tempo em que o país vivia a efervescência dos movimentos estudantis de contestação à ditadura militar, fui protagonista e expectador dos acontecimentos de 1968 que culminaram com a edição do AI 5. Cheguei a disputar o cargo de vice-presidente do Grêmio Estudantil Daura Santiago Rangel, organização que representava os estudantes do Liceu Paraibano. Obtive 47 por cento dos votos, sofrendo uma derrota por pequena diferença, mas que, certamente, foi determinante da redefinição de minha vida. Meses depois me incorporava ao quadro de funcionários do Banco do Estado da Paraíba, iniciando assim a minha vida profissional. O PARAIBAN foi, sem dúvidas, uma grande e importante escola. Naquele estabelecimento de crédito, ingressei como escriturário e cumpri uma trajetória profissional ocupando os cargos de Gerente de Operações Especiais, Gerente de Crédito Geral, chefe do Departamento de Recursos Humanos e Superintendente Administrativo. Ganhei experiência e construí valiosas amizades que se perpetuaram no tempo, dentre elas o confrade José Nunes. Em 1983, mesmo permanecendo vincu-
32
| Julho/Agosto/2016
lado oficialmente ao Banco, passei a ocupar cargos públicos, principiando como Secretário Executivo de Controle das Estatais até o instante em que fui convocado para compor a Comissão do IV Centenário da Paraíba, chefiado pelo nosso confrade José Otávio de Arruda. No final de 1986 fui indicado pelo então Senador Marcondes Gadelha para exercer o cargo de Assessor Parlamentar do Ministério de Educação e Cultura, em Brasília, onde fixei residência, até a liquidação extraoficial do PARAIBAN, por ato do Presidente Collor. Nessa minha primeira passagem pela Capital Federal, trabalhei também como Assessor da Comissão da Ordem Social do Congresso Nacional Constituinte e fui diretor para assuntos parlamentares da CONTEC – Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Crédito. Diante da preocupação com o fechamento do PARAIBAN fui surpreendido com o convite formulado pelo prefeito Carlos Mangueira para integrar o seu corpo de auxiliares na gestão municipal. O prefeito teria sido convencido a me convocar pelo meu amigo Dr. Roosevelt Vita. Ao voltar a João Pessoa, assumi inicialmente a Secretaria Extraordinária de Racionalização e Modernização Administrativa, sendo depois deslocado para a titularidade da Secretaria de Administração do Município, cargo que voltaria a ocupar no início do primeiro governo de Ricardo Coutinho como prefeito. Ao findar a gestão de Carlos Mangueira, fui convidado pelo vice-governador Cícero Lucena para assumir o cargo de Secretário Adjunto da Indústria, Comércio, Turismo, Ciência e Tecnologia, do governo Ronaldo Cunha Lima. Voltaria a exercer essa função no governo de Antônio Mariz. Estive
na chefia de gabinete do governador Cícero Lucena. Na gestão do governador José Maranhão tive a oportunidade de exercer vários cargos, a saber: presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Recursos Minerais da Paraíba – CDRM, Diretor do IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, Superintendente da Rádio Tabajara e do jornal A União. Atualmente venho exercendo a coordenadoria do patrimônio cultural de João Pessoa, atendendo a honroso convite do prefeito Luciano Cartaxo, contribuindo para execução do seu projeto de revitalização do nosso Centro Histórico. Portanto, no meu currículo, como se vê, estive no exercício de atividades que têm a ver com a produção cultural da Paraíba e a defesa do seu patrimônio histórico, o que me oferece experiência para oferecer esforços no sentido de ser um coadjuvante na construção de nossa memória histórica. Sendo um curioso da História tenho aproveitado o espaço que disponho como colunista do portal WSCOM para publicar crônicas que referenciam fatos e personalidades que contextualizam a construção de nossa História. Dessas publicações nasceu meu primeiro livro: 1968 – O Grito de uma Geração, resgatando a memória dos acontecimentos que fizeram daquele ano um tempo mítico, revolucionário. Registro em ordem cronológica os movimentos políticos, culturais e sociais, que evidenciaram quebra de paradigmas, transformações de conceitos e comportamentos, confrontos ideológicos que mudaram o mundo. Nessa linha literária resultante de pesquisas, editei dois outros livros: A ESSÊNCIA DA SABEDORIA
POPULAR, refletindo sobre os ensinamentos que nos são ofertados pelas expressões do povo, através de provérbios e ditados, transmitidos pelas gerações que nos antecederam. E mais recentemente: CANÇÕES QUE FALAM POR NÓS, um passeio de interpretação das mensagens inscritas no nosso cancioneiro popular, nas diversas épocas e nos variados estilos. Venho trabalhando a elaboração do livro “INVENTÁRIO DO TEMPO II”, mesmo título da obra de memórias do meu pai, embora sem a intenção de autobiografia, mas com o desejo de exercitar reminiscências que tratam de acontecimentos de vivência comum da contemporaneidade, interessantes para serem relembradas. Chego à mais antiga associação cultural e científica de nosso estado, para ocupar a cadeira que tem como patrono Dom Carlos Coelho. Nasceu na capital paraibana em 28 de dezembro de 1907. Conheceu a orfandade paterna ainda na infância, aos cinco anos de idade. Coube então à sua mãe o encargo de educar os seis filhos menores, da qual era o segundo na ordem de nascimento, e o caçula veio ao mundo alguns meses depois da morte do pai. Em 1922, ingressou no Seminário da Paraíba, onde viria a se preparar para a missão apostólica que exerceu em vida. A sua ordenação como padre teve que ser autorizada pelo então Arcebispo da Paraiba, Dom Adauto, por não possuir a idade mínima determinada pela Igreja Católica para receber a Sagrada Ordem de Presbiterato, o que aconteceu em fevereiro de 1930. Seu ministério sacerdotal foi iniciado na cidade de Cajazeiras, como vigário cooperador do Bispo Dom Moisés Coelho, seu tio. Durante sua curta permanência no alto sertão paraibano foi diretor do Ginásio Padre Rolim, que pertencia à diocese. Revelou-se nesse período um curioso pelos estudos da história, revolvendo os arquivos da Cúria Diocesana e das Paróquias que visitava, o que resultou na publicação do “Primeiro Anuário Estatístico da Diocese de Cajazeiras”, numa análise minuciosa dos dezessete anos do apostolado de Dom Moisés Coelho. Retornou à Capital em 1932, quando seu tio tomou posse como Arcebispo-Coadjutor de Dom Adauto, com direito à sucessão. Aqui volta ao magistério no Seminário e no Instituto de Educação da Paraíba. Foi capelão do Colégio Diocesano Pio X, dirigido pelos irmãos maristas, e das Lourdinas. Colaborador de “A Imprensa”, de propriedade da Arquidiocese, foi surpreendido por Dom Adauto com a convocação para assumir a direção daquele jornal. Ocorrera
que o matutino “Correio da Manhã”, sob a direção do Cônego Matias Freire, havia publicado certos sonetos e crônicas apimentadas e de dúbio sentido, o que mereceu a censura do jornal “A Imprensa”, até então administrado pelo Dr. Mauro Coelho, irmão do Padre Carlos. O episódio gerou troca de ataques entre os dois diretores dos jornais envolvidos na contenda. Em razão disso, o Dr. Mauro solicitou demissão de suas funções em caráter irrevogável. Diante desse problema, Dom Adauto pediu para que o Padre Carlos substituísse o irmão, no que foi ponderado na argumentação de que considerava estar ele com razão no embate que motivara seu afastamento da direção do jornal. Dom Adauto então replicou: Então não considere mais como um pedido, mas como uma ordem a sua assunção ao cargo de diretor de “A Imprensa”. O jornalismo tornou-se então a sua nova ocupação, além do ministério sacerdotal. Desempenhou com excepcional competência sua missão, fazendo do jornal um veículo de comunicação respeitado pela lucidez e veracidade de sua linha editorial, marcando presença cristã na opinião pública. Enfrentou a ira do Estado Novo, ao reagir por duas vezes a suspensão de circulação daquele jornal diário, atacado pela censura do Interventor da Paraíba. O Padre Carlos destacava-se no estado pela forma dinâmica e inovadora com que se desincumbia dos encargos que lhe eram confiados. Em razão disso, em 1947, ao tomar posse como governador do Estado da Paraiba, Dr. Osvaldo Trigueiro o convidou para assumir a função de Diretor do Departamento de Educação, realizando uma administração que implantava uma nova mentalidade no encaminhamento das questões do ensino, apesar do pouco tempo em que exerceu essa atividade. Acabou com o regime do pistolão, estabelecendo provas de habilitação para o ingresso no magistério oficial. No ano de 1948, na data do seu aniversário, recebia a notícia de sua nomeação para o Bispado de Nazaré da Mata, em Pernambuco. Naquela Diocese continuou a demonstrar toda sua capacidade gerencial, ao regularizar uma difícil situação financeira herdada, aumentou o patrimônio da Igreja sob sua jurisdição e instalou escola profissional para jovens pobres da cidade e da zona rural, com cursos de serralheiro, mecânico, marceneiro e carpinteiro. Fundou a “Sociedade Santa Zita”, para empregadas domésticas da cidade. Mostrava-se, então, alguém que se preocupava com os humildes e os menos assistidos pelas políticas públicas. Era um homem de vanguarda. Sua dio-
cese foi a primeira no Brasil a adotar reforma na Vigília de Páscoa e na celebração das missas vespertinas, graças a indultos conquistados juntos à Santa Sé. EM Nazaré da Mata realizou uma obra à altura de sua missão apostolar. Em dezembro de 1954 foi nomeado Bispo da Diocese de Niterói. Há um trecho do seu discurso proferido na Assembléia Legislativa daquele Estado que me chamou a atenção pela atualidade de suas afirmações: “Precisamos reagir contra aqueles que colocam a sua consciência política em oposição à consciência pessoal. É preciso que se adquira a mentalidade de que a verdade é suprema. As nossas divergências políticas nunca podem ultrapassar os limites da verdade. Os políticos não podem usar armas da injustiça e da mentira para combater os adversários. E, quando nós, cristãos, firmarmos esse sentido de verdade, estaremos criando uma sociedade muito mais humana”. Em Niterói manteve o seu entusiasmado interesse pela formação moral e cristã dos jovens, o que o levou a visitar todos os colégios, ginásios, grupos escolares, com o objetivo de debater com os professores os problemas do magistério, norteando o ensino dentro dos princípios básicos da fé cristã. A sua vocação para a história justificou a decisão de criar o Museu da Arte Sacra. Preocupava-se com a formação da nacionalidade brasileira e com a consciência política da população. Às vésperas das eleições de 1958 enviou uma circular a todos os párocos fluminenses advertindo: “nenhum eleitor deve fazer do seu voto objeto de mercancia, o que seria abominável; de suborno, o que seria desonesto; de pagamento de favor recebido ou de amizade, o que seria uma subversão de valores”. O patriota associava-se ao Pastor no exercício de sua missão apostólica. O Papa João XXIII, em abril de 1960, o promoveu a Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife. O país vivia um período de grave e preocupante ebulição social e política. Sucedeu um arcebispo que era tido como da ala conservadora da Igreja Católica. Ele promoveu a transição de um episcopado alinhado às tradições seculares do catolicismo para edificar em Pernambuco uma Igreja renovadora, voltada para os pobres, os marginalizados socialmente, plantando a semente para a atuação reformadora de Dom Hélder Câmara, seu sucessor. Atuou com serenidade, bom senso e patriotismo, nos conflitos sociais tão freqüentes na época. Por isso foi classificado como o “bispo do equilíbrio”. Em Recife sua paixão pelo jornalismo voltou a se manifestar, fez reaparecer o jorJulho/Agosto/2016 |
33
nal da arquidiocese, “A Tribuna”. Preocupado com a vida dos religiosos, quando não podiam mais exercer suas atividades sacerdotais, criou o Instituto de Previdência do Clero. Reorganizou o patrimônio da arquidiocese, instalando modernamente a Cúria Arquidiocesana. A sua vocação pelos estudos da História fez com que fosse eleito sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco, onde chegou inclusive a assumir sua presidência. Em seu discurso de posse, afirmou: “Nessa hora duvidosa, tumultuária, em que os homens não se entendem, os homens do passado dizem aos do presente que existe um sentido de eternidade na vida. Vivemos compromissados com o passado, filhos do chão que pisamos, do ar que respiramos, das tradições que nos alimentam. A vida vale a pena ser vivida”. No livro “A caminhada de um pastor”, em que seu irmão, Moysés de Gouveia Coelho, escreveu sua biografia, encontramos essa definição de sua personalidade: “Dom Carlos não se esqueceu da poeira das fábricas, do desconforto das choupanas, da miséria dos proletários, ao elemento profano das casernas, nunca faltou com o seu apoio moral e espiritual. Estava em todo lugar, atendia a todos, doutrinava e amava. Por tudo isso ele não deixou nada. Nasceu pobre e morreu pobre”. Faleceu no dia sete de março de 1964, vítima de um erro médico, por ocasião de uma cirurgia a que se submetera, em razão de complicações renais, pouco antes do golpe militar que levou nosso país a viver duas décadas de ditadura. Sinto-me honrado em poder ocupar a cadeira 29 deste Instituto, que tem como patrono um homem com tantos predicados, alguém que dedicou sua vida à virtuosa missão apostólica. Possuía um admirável poder de serenidade no enfrentamento dos proble-
34
| Julho/Agosto/2016
mas sociais e políticos daquele tumultuado período nacional. Historiador e jornalista de inegável competência. Quero agora me referir à responsabilidade que me cabe neste instante, ao suceder a professora Adyla Rabelo. A historiadora que me antecedeu na cadeira de numero 29, nasceu em João Pessoa, no dia 05 de dezembro de 1934. Era graduada em Letras – com licenciatura plena pela Universidade Federal da Paraíba, com habilitação em Português e Francês. Fez especialização em Língua e Literatura Francesas, quando apresentou a monografia que tem como título: “À propos d´un recueil de Paul Eluard”, referindo-se a um poeta francês, autor de poemas contra o nazismo que circularam clandestinamente durante a Segunda Guerra Mundial. Foi professora na rede estadual e na UFPB. Na Fundação Casa de José Américo exerceu os cargos de Diretora do Museu e de Programação Cultural. Participou do Conselho Estadual de Cultura e da Associação Paraibana de Imprensa. Atuou como vice-presidente do comitê da Aliança Francesa. Ocupava a cadeira de numero 2 da Academia Paraibana de Letras. Publicava ensaios e crônicas, sempre falando do cotidiano, com extraordinária capacidade de expressão de sentimentos, em jornais locais e revistas especializadas. De sua produção literária podemos destacar: Pareço-me comigo: uma aventura carnavalesca de José Américo de Almeida (Brasília: Senado Federal, 1987); 60 anos de A Bagaceira (FCJA, 1988); José Américo de Almeida nos bastidores (Senado Federal, 1994); Abelardo Jurema, da Prefeitura de Itabaiana ao Ministério da Justiça; O verbo amar em três tempos (Coleção Literatura Paraibana Hoje, 2000). Aos seus filhos, Célida, Humberto Flávio, Roberto Cláudio, Gerardo e Celeida, frutos de seu casamento com o empresário
Humberto Lins Rabello, firmo nesta oportunidade o meu compromisso de honrar em nível de elevado respeito a memória de sua genitora. Depois de narrar as qualidades literárias e intelectuais do patrono desta cadeira e da historiadora que me antecedeu, quero agora manifestar minha gratidão aos que vieram participar dessa solene celebração de posse. Registrar minha elevada consideração pelos imortais que integram esta Casa, reafirmando meu desejo de ser um membro ativo na luta pela preservação de nossa memória cultural. Contudo, não posso deixar de agradecer, em primeiro lugar, a Deus por este momento singular na minha vida. Quero dividir o assento na cadeira de numero 29 desta Instituição com todos aqueles que contribuíram para esta indicação, mas, em especial, com minha mãe, dona Maria José Cesar de Vasconcelos, a quem devo, ao lado de meu pai, uma orientação de vida pautada na responsabilidade e no desvelo na execução de todas as missões que me são confiadas ao curso de minha existência. Compartilho da emoção, alegria e honra que dominam meu ser neste instante, com minhas filhas Candice, Cristiane, Cibelle e Vanessa, meu filho Rodolpho, meus netos André, Gabriel, Júlia, Davi, Eduardo e Isabela, minha esposa Cecília e minha enteada Nicole, meus genros André, Ugo e Zara, minha nora Thais, meus irmãos Rita, Fátima, Elza, Nísia, Eliziário, Wilson e Wilton, meus cunhados, sobrinhos, enfim todos os familiares que, com certeza, estão felizes com esse passo adiante na minha biografia. Vejo aqui amigos que me acompanham e me iluminam, aos quais abraço efusivamente agradecido. g Discurso de posse no IHGP, no dia 7 de maio de 2016
*
FICÇÃO CRIANÇAS Conto de Vicente de Carvalho Era o dia de S. José, daquele velho, barbudo, calvo, São José, com a sua túnica vermelha caindo dos ombros, nas mãos o cajado de amendoeira milagrosamente abotoado em flores, e que, desde longínquos avós, de cuja memória já só ele restava, se mantinha como o santo predileto na devoção da família. Era o seu dia, segundo a consagração do calendário. E, ao fundo do oratório aberto, destacado, dominando de toda a majestade da sua estatura de dois palmos, uma corte de pequenas imagens secundárias, com um ramo fresco de lírios aos pés, o santo resplandecia no clarão da vela benta, piedosamente acesa em sua honra. Ali estava ele, iluminado e glorioso, o bem-aventurado carpinteiro de Belém, escolhido por Deus, como o mais puro entre todos os homens puros, para depositário e guarda fiel da predestinada, fecunda virgindade de Nossa Senhora. Segundo uma tradição remota e que vinha, de geração em geração, transmitida de pais a filhos, a velha e encardida imagem recebia pontualmente todos os anos, naquele dia que o calendário lhe destinava, uma singela homenagem de veneração, de confiança, e de amor, sob a forma de um ramo de lírios que se desfaziam em perfume aos seus pés, e de uma vela benta que ardia e se derretia em sua frente. Os três pequenos, pilhando-se sozinhos, livres de qualquer intervenção adulta, tinham resolvido entre si dar uma busca ao interior do oratório, aberto. Jorge, o mais velho, concebera a idéia e dirigiu a ação. Era já um homenzinho de cinco anos, chefe natural e terrível do grupo. Fecundo em planos de travessuras, ousado na execução, distribuindo com mão forte e pródiga despojos e taponas, Jorge era acatado e seguido. Puxou vigorosamente para junto da meia cômoda, em que assentava o oratório, uma cadeira; ergueu para esta o Joãozinho, cujos três anos eram ainda incapazes, sem apoio e sem auxílio, de altas cavalarias como essa. — Agora você! disse com voz de comando, dirigindo-se à irmãzinha; e ajudou-a a subir. Em seguida, cumpridos os deveres de
Foto colhida da Wikipedia
chefe, Jorge subiu por sua vez, colocando-se atrás dos outros dois. E os três, encantados, puseram-se a examinar a um por um os sagrados moradores do oratório. Havia um São Pedro, com os olhos cheios de arrependimento de ter negado o Divino Mestre, fitando vagamente o teto. Tinha na mão a chave dourada com que abre às almas dos eleitos as portas da bem-aventurança; e, a seus pés, o galo tradicional, talhado toscamente, abria as asas desiguais, esticava o pescoço, um pescoço exagerado de cegonha, e repousava sobre a túnica azul do santo a sua crista quase quadrada. Fronteiro a S. Pedro, com o cordeirinho branco aos pés, a face rubicunda e moça, as pernas fluas até o joelho, S. João apoiava a mão esquerda na longa curva do seu cajado de pastor, e estendia o braço direito num gesto majestoso de bênção ou de prédica. S. Francisco, dentro do seu comprido hábito negro, tinha um ar de suave humildade, com os olhos baixos, o rosto inclinado para o chão e emoldurado por umas enormes, incríveis barbas cor de chumbo. Completava a coleção das pequenas imagens uma pequenina Senhora das Dores,
doce figura de mãe angustiada, com o punhal simbólico cravado no coração até ao cabo, as mãos postas, os olhos aflitos e lacrimosos erguidos para o céu. A primeira coisa que atraiu o olhar do mais pequeno foi o cordeirinho de S. João: - Um bicho! disse ele apontando com o dedinho esticado. Não é bicho, corrigiu Jorge, é carneiro. — Ele morde? — Não, explicou o mais velho; só dá chifrada. — Mas ele não tem chifres, interveio Vivi. Jorge não gostou da objeção que infringia o respeito devido à sua autoridade em assuntos relativos aos animais. E retrucou: — Tola! Ele dá chifrada com a cabeça. — Eu tenho medo dele, disse Joãozinho. — Não é carneiro de verdade, assegurou Jorge. Não se mexe. Quer ver? Agarrou pelo pescoço o cordeirinho de São João, e puxou-o. A frágil massa partiuse; e ficou solta na mão de Jorge a cabeça do animalzinho degolado. — E agora? perguntou Vivi. assustada. Eu não disse? Vivi, note-se, nada tinha dito, àquele respeito. Jorge, porém, era corajoso e resoluto; meteu rapidamente no bolso a parte arrancada do cordeiro, dizendo: - Não faz mal, eu escondo. Ninguém conte, hein? Pouco preocupado com aquele incidente, tão simples e tão vulgar, o despedaçamento de um objeto, Joãozinho olhava já atentamente para o galo posto aos pés de São Pedro. — O que é aquilo? perguntou, desconhecendo a figura mal feita. — É uma galinha, explicou Jorge. — Eu quero a galinha! declarou Joãozinho. — Não, acudiu Vivi. Aquilo é do santo. — Mas eu quero! Jorge era generoso: arrancou e deu ao irmão o galo de S. Pedro, com as pernas partidas, e sem a crista, que ficara pregada à túnica azul do santo. Vivi reparou na imagem da Senhora das Julho/Agosto/2016 |
35
Dores, por cuja face desbotada pela mágoa corriam lágrimas de sangue; e, comovida, perguntou: — Por que será que ela está chorando? Jorge explicou prontamente: — Você não vê que ela está com a faca enterrada no peito? — Coitada! murmurou Vivi. É melhor tirar a faca. Jorge tirou a faca. — Quem seria o mau que deu a facada? perguntou Vivi. — Foi o barbudo! opinou Joãozinho apontando para São Francisco. Devia ter sido mesmo: São Francisco com a sua longa túnica negra, as suas enormes, incríveis barbas cor de chumbo, era a figura mais feia da coleção. — Com certeza foi ele! concordou Vivi. — Foi! decidiu Jorge. Pois vai de castigo. E agarrando S. Francisco, meteu-o, preso, no vão escuro entre o oratório e a parede. Chegara a vez de São José, que jazia, no lugar de honra, ao fundo do oratório. Jorge, com uma erudição pitoresca, apanhada nas conversas em que a família, de quando em quando comentava o padroeiro, começou a instruir os irmãozinhos: — Aquele é o marido de Nossa Senhora, é o pai do Menino-Deus. Mas o Menino-Deus não é filho dele, é filho do Espírito Santo, que é uma pombinha. — É uma pombinha que anda nas folias, em cima da bandeira, interrompeu Vivi. — Eu já vi! disse com importância e orgulho o Joãozinho. — Chama-se São José, continuou Jorge. Dantes era carpinteiro; agora é santo. Quando o Menino-Deus nasceu, apareceu uma estrela. Os pastores todos foram rezar. Foram também três reis. Um era preto... — Um rei preto? estranhou Vivi. — Preto sim. Na terra dos negros o rei é preto. Mas é rei. — E as princesas? — As princesas, não; que boba! As princesas são umas moças muito bonitas, com cabelos de ouro, e uma estrela na testa... O outro rei mandou matar o Menino Deus... — Por quê? perguntou Vivi. Jorge hesitou. Na realidade, ele estava pouco a par das razões políticas de Herodes; mas não quis dar parte dc fraco, e, depois de refletir um momento, respondeu a Vivi: — Ora, porque... Porque era um rei muito malvado. — E mataram o Menino-Deus? — Não puderam, capaz! S. José pôs Nossa Senhora, com o Menino-Deus no colo, em cima de um burrinho finito manso, um burrinho ensinado; e todos três fugiram para outra terra... Joãozinho, apertando na mão o galo arrancado a São Pedro, dobrara sobre a cômoda o braço, encostara a este a cabecinha loura, e cochilava, no aborrecimento daquela exposição de História Sagrada que Jorge ia cosen-
36
| Julho/Agosto/2016
do de farrapos. Mas à alusão de um burrinho muito manso, um burrinho ensinado, espertou e teve um aparte: — O santo está sujo. Efetivamente. O tempo e a fumaça da vela benta, acendida sempre, durante anos e anos, no dia consagrado a São José, haviam encardido a imagem, desbotando-lhe as cores, envolvendo-a como numa poeira baça e gordurosa. — É mesmo, disse Vivi reparando. Está muito sujo. Coitado, é preciso limpar ele. Jorge decidiu-se logo a limpar o santo. Fez descer da cadeira os irmãos. Afastou as pequenas imagens, e o ramo de lírios. Agarrou com a mão esquerda a peanha, e com a direita o pescoço de São Jorge. E, num gesto decidido e forte, tirou-o do oratório. Daí a instante, São José estava no chão, sozinho, no meio do quarto, anulado e pequenino. Jorge trouxe uma bacia de rosto, larga e funda; e, enquanto vazava nela a água do jarro, ordenou a Vivi que trouxesse o sabão. Sentaram-se os três. Joãozinho quis logo meter na bacia o galo. Mas Jorge suspendeulhe o braço, asseverando que não se põem as galinhas n’água, porque se afogam. E, segurando com todo o cuidado o barbudo, calvo, venerável São José, deu-lhe um mergulho. Agora, você! disse ele, dirigindo-se a Vivi; Mulher é que lava. Vivi não se fez rogar. E, carinhosamente, pôs-se a ensaboar o santo. Daí a momentos, na confusão das tintas que se desmanchavam, São José tinha a barba azulada, o rosto coberto de manchas; a sua calva, aquela austera calva tão lisa e tão lustrosa, aparecia salpicada de rubores que lembravam uma impingem... Jorge reparou nisso; e ordenou a Vivi que lavasse melhor, com mais forças. Vivi esfregou com energia. A massa molhada começou a esfarelar-se. — E agora? perguntou Vivi, assustada. Jorge não respondeu. Tinha ouvido passos na escada. Era a mãe, que subia, a ver de certo que é que faziam os três traquinas, tão sossegados havia tanto tempo... Jorge, muito ligeiro, nas pontas dos pés, escapou-se. Vivi seguiu-o logo, enxugando no vestidinho branco as mãos molhadas das tintas diluídas da imagem de São José. Joãozinho, então, sem reparar em nada de todos esses incidentes, percebendo apenas que ficara único senhor do campo, apoderouse do santo, e pôs-se, muito entretido, a lambuzá-lo de sabão. Encontrou-o a mãe nessa tarefa, a que se entregava conscienciosamente; e avançou para ele no momento preciso em que Joãozinho acabava de esfarelar com todo o cuidado uma orelha de São José. — Maroto! exclamou ela. E ia fazer cair sobre Joãozinho o castigo merecido pelo horrendo crime, cujos vestí-
gios e destroços via no soalho e no oratório devastado, quando lhe acudiu a reflexão de que tudo aquilo não podia ser obra só do pequerrucho, de que houvera forçosamente no caso intervenção de mãos mais hábeis, de braço mais forte, de figura mais taludinha... — Foi aquele pestinha! murmurou indignada, pensando em Jorge. Arrancou das mãos de Joãozinho aturdido a imagem escalavrada de São José; beijou-lhe os pés com palavras compungidas em que pedia perdão pelo sacrilégio dos filhos; e repôs o santo no seu oratório forrado de azul com estrelinhas de ouro, cercou-o da sua corte de pequenas imagens, todas mais ou menos mutiladas, só faltando São Francisco, que continuava oculto, de castigo, no vão escuro... Cumpridos esses atos de piedade, voltouse para Joãozinho, que apanhara do soalho o galo de São Pedro, e conservava-o na mão: — Você fez uma coisa muito feia, e vai apanhar, e vai para o quarto escuro... Joãozinho, aterrado, só respondeu: — Não, não mamãe!... Não mamãe!... Ela porém, muito enérgica: — Escolha: ou apanha, ou vai para o quarto escuro! Joãozinho fitou-a. Percebeu, no rosto severo da mãe — que não escapava mesmo. Ora ele nunca tinha apanhado — e conhecia já o quarto escuro. Escolheu, choramingando: — O quarto escuro, não... — Vá então buscar o chinelo, para apanhar. Joãozinho foi, vagaroso, de cabeça baixa, como um criminoso que era. Quando voltou, trazia sempre, na mão esquerda, o galo de São Pedro; e empunhava na direita um pé dos chinelinhos... de Vivi. — Com este, sim? implorou. E ia entregar o quase inofensivo instrumento do suplício — quando se arrependeu, retraiu o braço, susteve-se... E com o rosto aflito, os olhos suplicantes, numa vozinha entrecortada, de susto e de choro: — Eu mesmo me dou, sim, Mamãe? Eu me dou com força. Eu prometo que me dou com toda a força! g VICENTE AUGUSTO DE CARVALHO nasceu em Santos (SP) aos 5 abril de 1866 e faleceu na mesma cidade, em 22 de abril de 1924. Formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, na capital paulista. Após sua formatura, dedicou-se ao jornalismo, à política, à literatura, como poeta e ficcionista, bem como ao comércio do café, cultivando esse produto em uma fazenda que adquiriu, no interior do Estado. Depois de duas viagens à Europa, fixou-se em sua cidade natal, onde faleceu.
ESTÓRIAS DO BREJO O LIVRO DE TOMBO DO PADRE ZÉ DINIZ Ramalho Leite O LIVRO DE TOMBO DO PADRE ZÉ DINIZ (1) O monsenhor José Pereira Diniz marcou época como vigário da Matriz de Nossa Senhora do Livramento, na antiga freguesia de Bananeiras, Paraíba. Seu apostolado foi tão demorado que fez nascer um rico folclore em torno do seu nome, que eu ainda hei de contar. Para conhecê-lo melhor, é preciso, porém, uma incursão pelo Livro de Tombo da Paróquia, desde que precavido contra ácaros e munido de uma lupa, para melhor decifrar os traços gráficos de sua escrivã, a professora Maria Emilia Neves. Tudo está ali registrado, a exemplo da querela com o então prefeito Pedro de Almeida, cujas cartas que ilustraram suas divergências é um primor de respeito democrático, o que surpreende pela fama de autoritário do pároco. O Livro de Tombo é uma herança portuguesa e nos reporta ao seu arquivo maior, a Torre do Tombo. O Livro de Tombo Paroquial vem dos primeiros bispados, da Bahia de 1707 e de São Paulo de 1746, quando foi determinado que cada paróquia teria o seu livro, onde seriam registrados os casamentos, nascimentos e óbitos; a posse dos clérigos e os acontecimentos de destaque que merecessem ser transmitidos às futuras gerações. Quando surgiram os cartórios, alguns atos da vida civil deixaram o registro da casa paroquial e engrossaram os livros dos notários. Mas a vida da igreja, no âmbito de cada freguesia, salvo por omissão, não deveriam ficar ausentes da narrativa histórica. O monsenhor José Diniz foi frequentador assíduo do Livro de Tombo e eu freqüentei pouco as suas páginas, mas o suficiente para assuntar muitas colunas e dividir com meus leitores raras preciosidades. Todos sabemos que o estado brasileiro é laico, isto é, respeita a liberdade de crença e de cultos, mas não professa qualquer religião. Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que Estado e Igreja eram um só corpo e um só espírito. Rui Barbosa foi quem primeiro trouxe uma luz sobre o assunto e por um decreto de 1890, já nos primeiros dias da
República, declarou-se o Brasil um estado sem religião oficial. Antes, a carta imperial de 1824 foi outorgada em nome da Santíssima Trindade. As Cartas de 1891, 1934, 1937, tiraram a menção a Deus do seu preâmbulo, vindo a reaparecer por obra dos constituintes de 1946 e repetida pela mão dos militares em 1967/69 mas confirmando a manutenção da liberdade de cultos. A Constituição Cidadã de Ulisses Guimarães, invoca no seu preâmbulo a proteção de Deus. Apesar de todo esse histórico separando a Igreja do Estado, pelos idos de 1957, a Câmara de Bananeiras resolveu vincular aquele município à Igreja Católica, votando a seguinte Resolução: “O presidente da Câmara Municipal de Bananeiras, faz saber que a Câmara Municipal de Bananeiras decreta e eu promulgo a seguinte Resolução: “Proclama a sua confiança em Deus e faz a consagração Pública e Perpétua do Município de Bananeiras à proteção dos SS. Coração de Jesus e Maria” Art. 1º- Para maior afirmação da sua confiança em Deus, faz a consagração pública e perpétua do Município Constitucional de Bananeiras à proteção especial dos Sacratíssimos Corações de Jesus e Maria Imaculada; Art. 2º- O ato será solene e proclamado pelo prefeito Municipal e presidente da Câmara de Vereadores, na Igreja Matriz de Bananeiras, pelas 19 e meia horas, do dia 6 de janeiro de 1958, com a presença dos membros da sobredita Câmara de Vereadores, autoridades eclesiásticas e todas as classes sociais desta cidade; Art. 3º - A presente Resolução entrará em vigor na data da sua aprovação, revogadas as disposições em contrário. Sala das Sessões da Câmara Municipal de Bananeiras em 30 de dezembro de 1957, assinam Cláver Ferreira Grilo, Presidente, Arlindo Rodrigues Ramalho, 1º secretario e
Antonio Vaz de Oliveira, 2º secretario. O primeiro secretário era o meu pai, depois, primeiro prefeito eleito de Borborema. O monsenhor José Diniz, por certo o inspirador do edito municipal, mandou registrar no Livro de Tombo: “Aos 6 de janeiro de 1958, pelas 19 e meia hora, na Igreja Matriz de N. Senhora do Livramento, em ato soleníssimo, presentes o sr. prefeito municipal, Homero Araujo, presidente da Câmara de Vereadores, Cláver Grilo e membros da referida Câmara, autoridade eclesiástica da Paróquia, monsenhor Jose Pereira Diniz, milhares de assistentes de todas as classes sociais de Bananeiras, teve lugar na Capela Mor do referido templo, o ato soleníssimo da Consagração do Município de Bananeiras ao Sacratíssimos Coração de Jesus e Maria Imaculada”. O Brasil pode ser laico, mas a cidade de Bananeiras, desde então, é teocrática e, igual ao Estado do Vaticano, deveria professar uma única religião, “revogadas as disposições em contrário”. O LIVRO DE TOMBO DO PADRE ZÉ DINIZ (2) O patrimônio de Nossa Senhora do Livramento era considerável. Até um engenho de cachaça e rapadura estava incluído entre os bens da Paróquia. Em alguns empreendimentos, a Sociedade São Vicente de Paulo era sua sócia preferida. Como no caso da instalação do Cine Excelsior, um investimento de quase cinqüenta mil cruzeiros, tendo a SSVP participado com a metade. Dos lucros, porém, trinta por cento ficariam de reserva para futuros melhoramentos. O prédio fora cedido, gratuitamente, pelo Município e, permaneceria em poder da Paróquia, enquanto ali funcionasse o Cinema do Padre, como se tornou conhecido. Lembro que, a certa altura de sua história, a tela já encardida da poeira levantada pelos bandos de índios a perseguir cowboys e marcada pelo chicote do Zorro, a prefeitura Julho/Agosto/2016 |
37
questionou os direitos do padre Zé Diniz e tentou lhe tomar o prédio. Meu pai, vereador representante do distrito de Borborema e, portanto, mais afastado das querelas da sede municipal, tomou a defesa do vigário e negociou um acordo. A paróquia faria uma ampla reforma nas dependências do cinema e a edilidade ampliaria o prazo do comodato. Felizes as partes, o vigário Zé Diniz, agradecido, e sabendo ser o vereador Arlindo Ramalho um apaixonado pela sétima arte, lhe prometeu gratuidade para ingresso no cinema até o final dos séculos. A promessa não se concretizou: meu pai nunca deixou de pagar pelo seu ingresso e os dos circunstantes que o cercavam no desejo de assistir à fita. O cinema fechou e o prédio voltou ao patrimônio municipal. O Livro do Tombo registra: “Foi inaugurado, nesta cidade de Bananeiras, na primeira semana de outubro de 1949, dia 8, o Cine Teatro Excelsior, pertencente ao patrimônio da Matriz de N. Senhora do Livramento e à Sociedade São Vicente de Paulo, da mesma Matriz de Bananeiras. Pelo que ficou estabelecido e aprovado em ata, pelos confrades vicentinos, a Sociedade entrou com uma parte das despesas, fazendo o mesmo o Patrimônio da Matriz de Bananeiras, com a condição dos lucros serem divididos em partes iguais” . Segue-se o arrolamento dos bens depositados no aludido prédio. E termina a anotação: “Para constar, eu que realizei esta idéia, para facilitar meios destinados a fins sociais e caritativos da Paróquia, subscrevo-me com o presidente em exercício da SSVP, em 1 de janeiro de 1950”. Manuseando o Livro de Tombo encontrei outro manuscrito bem interessante, datado de 6 de junho de 1938: “O dr. José Amancio Ramalho, empresário da Uzina Hidroelétrica de Borburema, mandou desligar a luz da Igreja Matriz desta cidade de Bananeiras em 2 de junho de 1938. O pretexto que apresentou foi que quando a luz da Igreja é ligada faz baixar a iluminação pública dando assim ensejo a que o prefeito multe a Empreza todas as vezes que deste modo sucede.O mais interessante é que há oito anos, desde 1930, que a iluminação da Matriz foi reformada e ligada à Uzina da Empreza sob a gerencia do Sr. Frederico Kramer, sem nunca ter sido alterada, com relação a distribuição e quantidade de luz consumida e somente, agora, em 1938 viria prejudicar os interesses da Empreza com relação ao fornecimento da luz publica”. (Mantive nas transcrições a grafia da época). Destaco, aqui, a referência ao alemão Frederico Kramer que, desde o inicio dos anos 1920 instalou-se no brejo paraibano.
38
| Julho/Agosto/2016
Em 1922, por motivos de saúde, regressou à Alemanha e de lá trouxe seu irmão Haris Kramer, que casou com dona Alzira Lucena e deixou muitos descendentes entre nós. Ambos eram mecânicos dos melhores e participaram da montagem da Usina Hidroelétrica de Borborema, a terceira da modalidade na América Latina. O Livro de Tombo também esclarece aos fieis que o mosaico existente à entrada da Igreja Matriz, com a data de 1 de 1 de 1861, refere-se ao início das obras de construção do templo, a partir do esforço do padre Ibiapina. No ano anterior, o governador Silva Nunes, em visita à Vila de Bananeiras, registrava suas desculpas por não ter recursos para contribuir com aquela obra e contentou-se em visitar a capela dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. Há quem conte que os barões do café, além do contributo em dinheiro, carregaram pedras e tijolos para erguer a bela Matriz de Bananeiras que hoje conhecemos. Com isso, cada ilustre família ganhou uma tribuna, de onde assistiam ao culto religioso. Padre Zé Diniz não registrou no Livro de Tombo, mas, sabe-se, foi ele o autor da feliz idéia de derrubar as tribunas e colocar todos iguais perante Deus e os ritos católicos. O QUE NÃO CONSTA DO LIVRO DE TOMBO DO PADRE ZÉ DINIZ Depois de revelar alguns registros do Livro de Tombo da paróquia de Bananeiras durante a gestão do monsenhor José Pereira Diniz, resolvi contar algumas histórias do folclore local, envolvendo a figura singular do vigário. Tido e havido como um homem de posses, senhor de engenho e de poucos amigos, fabricava rapadura e cachaça. O fisco estadual chegou a apreender um carregamento de álcool destinado à fabricação não muito pura, da chamada “cachaça milagrosa”. O batismo é da Revista O Cruzeiro, na sua famosa coluna “O impossível Acontece”, ao noticiar sobre a ação fiscal e a atividade extracurricular do vigário. O advogado Alfredo Pessoa de Lima em júri popular (eu estava presente na plateia), negou a autoria da notícia que lhe atribuíram. E justificou: “cachaceiro não é aquele que ingere em excesso a bebida, produto da cana-de-açúcar. Cachaceiro, pelo sufixo eiro, indica profissão. Cachaceiro, é, portanto, quem fabrica a cachaça”, ensinou, e concluiu: “Tivesse sido eu o autor da matéria, teria completado que em Bananeiras quase todo mundo é cachaceiro. É cachaceiro não somente o padre, (Zé Diniz, dirigia o Engenho de Nossa Senhora) mas o juiz, (Simeão Cananéa tinha um engenho em Remígio), o promotor (não sei onde era o engenho de Onaldo Mon-
tenegro) e o prefeito (José Rocha era dono do Engenho Jardim). A notícia publicada na principal revista do país, à época, teve ampla repercussão, e gerou contra o padre comentários desconfortáveis. O monsenhor era um homem rico e Zé do Cinema, seu colaborador, afilhado e um dos seus poucos interlocutores, preocupado, contou-lhe o que se dizia na rua. O padrinho não tinha por que se explicar e, encerrou o assunto: - Zé, eu fiz voto de castidade! Quem fez voto de pobreza foi Frei Damião! O monsenhor era conhecido pela pouca convivência social. Dificilmente comparecia a qualquer evento que não dissesse respeito às suas atividades religiosas. Seu veículo, um jeep, cortava as estradas de barro e deixava os transeuntes na poeira. Contam que um frade, à época seu coadjuvante, voltava esbaforido e a pé, de Vila Maia, aonde fora celebrar uma missa. A passagem da condução do padre Diniz só fez aumentar a poeira na túnica marrom do capuchinho, esperançoso por uma carona. Mesmo com essa fama de uso individual de sua viatura, Zé do Cinema insistia com o padrinho para que comprasse um jeep de quadro portas, os jipões que estavam na moda e, justificava: dr. Clovis e seu Mozart Bezerra já compraram; seu Zé Rocha recebeu o dele; major Jurandir também; só falta “meu padim” comprar o seu: - Pra que eu quero quatro portas Zé! Meu jeep tem duas portas e eu só uso uma... O meu amigo Vicente da Nóbrega, pai do jornalista Rubens Nóbrega e professor do Colégio Agrícola, morava na rua principal de Bananeiras, em casa alugada ao padre, também administrador dos bens da Sociedade São Vicente. Uma chuva forte revelou uma porção de goteiras. Aproveitando uma tarde de folga, o professor subiu ao telhado e tentava realizar o conserto. De repente, estaciona no meio da rua o padre Diniz e, de dentro do seu veículo, grita: - Você ai em cima, está destruindo minha casa? A resposta de Vicente veio desassombrada, como manda a tradição familiar: - Sua casa não! Essa casa é de Nossa Senhora. Só não sei se ela está recebendo o aluguel... Sobre a definição de cachaceiro, aludida acima, encontrei recente canção de um sertanejo chamado Eduardo Costa, que parece ter ouvido a lição do advogado Pessoa de Lima: Dizem que sou cachaceiro, cachaceiro eu não sou, cachaceiro é quem fabrica a pinga, eu sou só consumidor. g
HISTÓRIA A CASSAÇÃO DOS PARLAMENTARES COMUNISTAS Flávio Sátiro Fernandes
Esboço de um capítulo do livro em preparo Ernani Sátyro, Uma biografia Em meados de 1947, começou-se a delinear o que Afonso Arinos classificou como um dos mais graves episódios da vida parlamentar brasileira,1 com a cassação dos mandatos de representantes comunistas, integrantes do PC do B, com assento na Câmara dos Deputados e no Senado da República, além das demais casas legislativas em todo o País. Vale recordar que o Partido Comunista do Brasil obteve seu registro provisório em 27 de outubro de 1945, através da Resolução nº TSE285, e, em 10 de novembro de 1945, alcançou seu registro definitivo, habilitando-se, assim, a concorrer às eleições que se realizaram naquele ano para Presidente da República, Deputados Federais e Senadores. No voto com que deferiu o pedido de registro da agremiação, o Ministro Sampaio Doria, Relator, disse: “será um partido comunista sui generis... , cujo programa não é o que, sob este nome se pratica na Rússia, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. É um partido comunista, em suma, sem marxismo, sem leninismo, sem ditadura do operariado, sem nada do que se compreende como comunismo no mundo inteiro. Mas um partido do lado oposto, um partido liberal, um partido capitalista, um partido democrático, pelo compromisso escrito de respeito integral aos princípios democráticos, à brasileira, e respeito aos direitos fundamentais do homem”. Enfatizou ainda o Ministro que, “a qualquer tempo, podia ocorrer o cancelamento, se a sinceridade fosse substituída pelo engodo”. Nas eleições de 1945, além de apresentar candidato próprio à Presidência da República, Yedo Fiuza, contemplado com pífia votação, o PC do B logrou conduzir à Câmara dos De-
putados uma bancada de quatorze representantes, assim como um Senador, Luiz Carlos Prestes, à Alta Casa do Congresso. Contudo, em 1946, foi oferecida pelo Deputado Edmundo Barreto Pinto, assim como pelo Deputado Honorato Vergolino, denúncia contra o Partido Comunista do Brasil, os quais invocaram pretensa ligação daquela agremiação com o Partido Comunista da URSS. Engrossou o caldo da denúncia a declaração feita pelo Secretário-Geral do PC do B, Luís Carlos Prestes, confessando que ocorrendo um conflito entre o Brasil e a União Soviética, o seu Partido estaria ao lado desta. A denúncia foi autuada e deu-se início à apuração dos fatos que a fundamentavam. Em 7 de maio de 1947, através da Resolução 1.841, julgando em definitivo a denúncia, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu pelo cancelamento do registro anteriormente concedido. A decisão foi tomada pelos votos dos Ministros José Antônio Nogueira, Rocha Lagoa e Cândido Lobo. Foram votos vencidos os dos Ministros Ribeiro da Costa e Sá Filho. Foi, então, apresentado ao Congresso Nacional, por iniciativa do Senado, projeto de lei regulando os casos de extinção de mandatos parlamentares, em qualquer esfera, incluindo-se dentre eles a hipótese de cassação do registro do respectivo partido. O Presidente Eurico Dutra empenhou-se, ao máximo, pela aprovação do projeto, indo até à cabala de votos. Após sua aprovação no Senado Federal, a proposição foi encaminhada à Câmara dos Deputados, onde, depois de seguir os trâmites regimentais, foi submetido a votação, quando foi aprovado, em tumultuada sessão, em 7 de janeiro de 1948. No mesmo dia, à noite, foi a lei, de nº 611, sancionada. No decorrer da tramitação da matéria, na Câmara, a UDN firmou posição contra a cassação, embora não tenha fechado a questão aos seus membros naquela casa legislativa. Ernani Sátyro posicionou-se, contrariamente, à aprovação do projeto. Chamado a audiência com o
Presidente Eurico Dutra – em plena campanha em favor da aprovação do projeto em andamento - e instado pelo Chefe do Executivo a votar pela cassação dos mandatos dos comunistas, respondeu o representante udenista não poder atender ao apelo, em virtude de já haver o seu partido tomado posição contra a extrema medida, muito embora não houvesse, como se diz no jargão parlamentar, fechado a questão.2 O Amigo Velho foi claro, firme e transparente, posicionando-se contra cassação. Poderia ter feito como alguns integrantes da bancada udenista que votaram pela aprovação da matéria ou como outros, que deixaram de comparecer à votação. Preferiu expor, logo, ao Chefe da Nação, de maneira clara a sua posição, com a mesma sinceridade com que agiu em várias outras oportunidades, em sua vida pública. No episódio, a UDN colocou-se contrariamente à cassação e, não tendo fechado a questão, deixou que cada um dos parlamentares de sua legenda decidisse por si. Ernani Sátiro mostrou não ser um anticomunista ferrenho, sectário, mas, ao invés, revelou seu sentimento democrático, naquela hora decisiva para a história das instituições parlamentares. Votaram pela cassação dos parlamentares comunistas, conforme relação divulgada no Diário da Câmara dos Deputados, edição de 8 de janeiro de 1946, os deputados Carvalho Leal, Leopoldo Peres, Manuel Anunciação, Mourão Vieira, Pereira da Silva, Vivaldo Lima (Amazonas), Agostinho Monteiro, Carlos Nogueira, Duarte de Oliveira, João Botelho, Lameira Bittencourt, Rocha Ribas, Virgínio Santa Rosa (Pará), Afonso Matos, Alarico Pacheco, Elizabeto de Carvalho, Freitas Diniz, Luiz Carvalho, Odilon Soares (Maranhão), Areia Leão, Renault Leite, Teodoro Sobral (Piauí), Aires Linhares, Edgard Arruda, Frota Gentil, Francisco Monte, João Adeodato, João Leal, José Borba, Leão Sampaio, Osvaldo Studart, Raul Barbosa (Ceará), Dioclécio Duarte, José Arnaud, Mota Neto, Walfredo Gurgel (Rio Grande do Norte), Argemiro de Figuei-
A Escalada – memórias, pág. 114. Carta a Sebastião Francisco Fernandes, em 2 de dezembro de 1947 [Arquivo do autor].
1 2
Julho/Agosto/2016 |
39
redo, Janduhy Carneiro, João Úrsulo, José Joffily (Paraíba), Alde Sampaio, Arruda Câmara, Costa Porto, João Cleofas, Souza Leão (Pernambuco), Afonso Carvalho, José Maria, Lauro Montenegro, Luiz Silveira (Alagoas), Carlos Valdemar, Diniz Gonçalves, Graccho Cardozo (Sergipe), Aluízio de Castro, Aristides Milton, Cordeiro de Miranda, Eunápio de Queiroz, Froes da Mota, José Jatobá, Juracy Magalhães, Manuel Novais, Medeiros Falcão, Pacheco de Oliveira, Rafael Cincurá, Regis Pacheco, Rui Santos, Teódulo de Albuquerque, Vieira de Melo (Bahia), Álvaro Castelo, Carlos Medeiros, Eurico Sales, Luiz Cláudio (Espírito Santo), Barreto Pinto, Benjamim Farah, Jonas Correa, José Romero, Jurandir Pires (Distrito Federal), Acúrcio Torres, Bastos Tavares, Carlos Pinto, Eduardo Duvivier, Heitor Collet, Miguel Couto (Rio de Janeiro), Paulo Fernandes, Arthur Bernardes, Augusto Viegas, Benedito Valadares, Bias Fortes, Carlos Luz, Celso Machado, Duque Mesquita, Euvaldo Lodi, Faria Lobato, Felipe Baldi, Gustavo Capanema, Israel Pinheiro, Jaci Figueiredo, Joaquim Libânio, João Henrique, José Alkmim, Juscelino Kubitschek, Leopoldo Maciel, Leri Santos, Mário Brant, Milton Prates, Olinto Fonseca, Pedro Dutra, Rodrigues Pereira, Wellington Brandão (Minas Gerais), Attaliba Nogueira, Batista Pereira, Costa Neto, Emílio Carlos, Goffredo Teles, Honório Monteiro, Horácio Lafer, Hugo Borghi, José Armando, João Abdala, Machado Coelho, Romeu Lourenção, Sampaio Vidal (Sâo Paulo), Caiado de Godoi, Galeno Paranhos, Guilherme Xavier, Jales Machado, João de Abreu, Vasco dos Reis (Goiás), Agrícola de Barros, Argemiro Fialho, Martiniano Araújo, Pereira Mendes, Ponce de Arruda, Vandoni de Barros (Mato Grosso), Acir Guimarães, Aramis Athaíde, Fernando Flores, João Aguiar, Lauro Lopes, Munhoz de Mello (Paraná), Aristides Largura, Hans Jordan, Joaquim Ramos, Orlando Brasil, Otacílio Costa, Roberto Costa, Roberto Grossembacher, Rogério Vieira, Thomaz Fontes (Santa Catarina), Anthero Leivas, Arthur Fischer, Batista Luzardo, Bayard Lima, Damaso Rocha, Daniel Faraco, Darcy Gross, Flores da Cunha, Freitas e Castro, Gilberto Alves, Herófilo Azambuja, Manuel Duarte, Mércio Teixeira, Osório Tuytuty, Osvaldo Vergara, Pedro Vergara, Sousa Costa, Teodomiro Fonseca (Rio Grande do Sul), Castelo Branco (Acre), Hugo Carneiro, Coaraci Nunes (Amapá), Aloísio Ferreira (Guaporé).3
Diário da Câmara dos Deputados, 8 de janeiro de 1948, pág, 282. Idem. 5 A Noite Ilustrada, 13 de janeiro de 1948. 6 Idem. 7 Idem. 8 Murilo Melo Filho, Testemunho político, pág. 99. 3 4
40
| Julho/Agosto/2016
Revista A Noite Ilustrada
Momento em que o Presidente Eurico Gaspar Dutra sancionava a Lei 611/48, que defenestrou os parlamentares comunistas, vendo-se, entre outros, os srs. Nereu Ramos, Samuel Duarte e José Pereira Lira.
Manifestaram-se contra a cassação dos mandatos dos deputados comunistas os deputados Antenor Borgeia, Crepori Franco, Lino Machado (Maranhão), Antônio Correia, Coelho Rodrigues, José Cândido (Piauí), Beni Carvalho (Ceará), Café Filho, José Augusto (Rio Grande do Norte), Ernani Sátiro, Plínio Lemos, Osmar de Aquino (Paraíba), Agamenon Magalhães, Agostinho Oliveira, Alcedo Coutinho, Barbosa Lima, Gregório Bezerra, Oswaldo Lima (Pernambuco), Amando Fontes, Luís Garcia (Sergipe), João Mangabeira, Luís Lago, Nelson Carneiro (Bahia), Ari Viana, Asdrúbal Soares. Vieira de Resende, (Espírito Santo), Baeta Neves, Benício Fontenele, Francisco Gomes, Gurgel do Amaral, Hermes Lima, Maurício Grabóis, Segadas Viana, Vargas Neto (Distrito Federal), Amaral Peixoto, Brígido Tinoco, Claudino Silva, Getúlio Moura, Henrique Oest, José Leomil, Paulo Fernandes, Prado Kelly, Romão Junior, Soares Filho, (Rio de Janeiro), Afonso Arinos, Alfredo Sá, Ezequiel Mendes, Gabriel Passos, José Esteves, Lahyr Testes, Lopes Cançado, Monteiro de Castro, Vasconcelos Costa (Minas Gerais), Altino Arantes, Antônio Feliciano, Aureliano Leite, Berto Condé, Campos Vergal, César Costa, Franklin Almeida, Gervásio Azevedo, Guaraci Silveira, José Crispim, Morais Andrade, Osvaldo Pacheco, Pedro Pomar, Plínio Cavalcanti, Romeu Fiori, Toledo Piza (São Paulo), Domingos Velasco (Goiás), Dolor de Andrade (Mato Grosso), Munhoz da Rocha (Paraná), Abílio Fernandes (Rio Grande do Sul).4 Os que não estão relacionados nas duas listas acima, é porque faltaram à sessão. Em decorrência da aprovação da Lei nº
211, de 7 de janeiro de 1948, perderam seus mandatos, no Congresso Nacional, o Senador Luís Carlos Prestes e os Deputados João Amazonas, Francisco Gomes, Maurício Grabois, Carlos Marighela, Gervásio Gomes de Azevedo, Jorge Amado, José Maria Crispim, Oswaldo Pacheco da Silva, Claudino Silva, Henrique Oest, Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo de Morais Coutinho, Gregório Bezerra e Abílio Fernandes.5 Curioso é que dois outros parlamentares reconhecidamente comunistas, Pedro Pomar e Diógenes Arruda, não perderam seus mandatos pois foram eleitos pelo Partido Social Progressista, cujo registro não foi cassado.6 Além daqueles, viram-se privados dos mandatos respectivos quarenta e cinco membros de Assembleias Legislativas, a saber: São Paulo (11), Pernambuco (9), Rio de Janeiro (6), Alagoas e Rio Grande do Sul (3, em cada um), Goiás, Ceará e Mato Grosso (2 em cada um), Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Sergipe, Pará, Paraíba e Paraná (1 em cada um).7 Também na Câmara de Vereadores do Distrito Federal, dezoito deles foram atingidos pelos efeitos da mencionada Lei, dentre eles Agildo Barata e Aparício Torelly, o festejado humorista brasileiro, que, ao se despedir do mandato de vereador, naquela ocasião, o fez com uma única frase, típica de sua verve e humor: “ – Meus colegas, despeço-me neste momento da vida pública e recolho-me à privada”.8 Vale transcrever a Declaração de Voto do eminente deputado José Augusto, da bancada da UDN, do Rio Grande do Norte, cujo pensamento, embora manifestado em caráter particular, representou, sem dúvida, em suas linhas gerais, o entendimento dos membros daquele Partido que se posicionaram, assim como ele, contrariamente à cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas: DECLARAÇÃO DE VOTO Com o acatamento que me merecem todas as decisões do Poder Legislativo e o voto de cada um de seus membros, todos os quais suponho sempre inspirados no desejo de bem servir o interesse público e no amor da República, venho declarar que votei contra o projeto de lei nº 900A, oriundo do Senado Federal, e agora aprovado, no qual se estabelece que são regulados os casos de extinção de mandatos legislativos, mas evidente e realmente visa à cassação dos mandatos de senador e dos deputados federais, dos deputados estaduais e dos vereadores municipais eleitos sob a legenda do Partido Comunista Brasileiro, cujo registro o Superior Tribunal de Justiça Eleitoral anulou em aresto recente.
Certo é que, ideologicamente, tudo me separa do comunismo, pois: a) sou espiritualista – católico, apostólico-romano, e o comunismo é materialista; b) sou pela colaboração de classes e o comunismo é pela luta do proletariado contra a burguesia; c) sou pela evolução na procura da melhoria das condições sociais e políticas, e o comunismo pela revolução social; d) sou liberal-democrata e o comunismo é pela revolução social. Mas, justamente, porque sou liberal-democrata é que não pude dar o um assentimento e o meu voto à proposição legislativa ora votada, pois, só há democracia quando todas as correntes da pública opinião, inclusive as que lhe são adversas, podem ser ouvidas e representadas com os mesmos títulos e com a mesma autoridade que as que lhe são favoráveis, cessando ela de existir no instante exato em que se impede a uma corrente política, mesmo
a mais antiliberal, o direito de concorrer às assembléias populares. Se, doutrinariamente, em face dos mais elementares postulados democráticos, senti-me no dever de votar, como votei, avulta essa minha obrigação quando me volto para a letra da Constituição Federal, que ajudei a elaborar e que está regendo os destinos políticos do país, pois nela estão expressas todas as hipóteses de perda e extinção de mandatos, não figurando, entre tais, a de cassação do registro de partido, medida que só agora surge em diploma legislativo ordinário e, assim, evidente e berrantemente inconstitucional. De resto, postas mesmo de lado as razões de ordem doutrinária e constitucional, que me levaram a votar nos termos em que o fiz, não creio que a tranqüilidade e a paz de nossa Pátria tenham alguma coisa a lucrar com a providência legislativa agora adotada, a qual, ao meu sentido, longe de concorrer para dar o bom combate ao comunismo, que considero dever elementar de todos os
democratas, , virá emprestar-lhe maior prestígio e maior força, lançando-o na clandestinidade, que é o terreno propício à proliferação de todas as doutrinas subversivas da ordem social existente, e a comunista é uma delas. Sala das Sessões, em 7 de janeiro de 1948. – José Augusto. *** Anos depois, o País assistiria a um cortejo de cassações de parlamentares e de outros detentores de cargos públicos, mas tais atos tiveram outra natureza, pois, decorrentes do arbítrio que se implantou entre nós, abatendo-se sobre o Congresso e vindo de fora para dentro, enquanto aquele outro que acima narramos ocorreu, lamentavelmente, “intra muros”, em pleno regime democrático, arquitetado pelo Poder Executivo, tramado no próprio âmbito congressual e perpetrado por deputados e senadores, contra seus próprios colegas de parlamento. g
ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES OAB Nº. 17.131/PB Fone: (83) 99981-2335
Especialista em Direito Administrativo
Julho/Agosto/2016 |
41
HISTÓRIA DOM PEDRO II E JOÃO GOULART Humberto Mello À primeira vista, pouco parece haver de comum entre Dom Pedro II e João Belchior Marques Goulart. Entretanto, uma análise menos superficial dos fatos nos mostrará que entre o último Imperador e o derradeiro Presidente que governou sob a égide da Constituição Republicana de 1946 há várias afinidades políticas e administrativas. Foram eles os únicos Chefes de Estado brasileiros a governar em um regime parlamentarista. O Imperador por quarenta e dois anos, desde 1847, quando foi instituída a Presidência do Conselho de Ministros, até 1889. Jango, apenas por dezesseis meses, de 7 de setembro de 1961, quando o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional denominada Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo, a 23 de janeiro de 1963, quando o mesmo Congresso, por meio de nova Emenda Constitucional, revogou o Ato Adicional, atendendo à vontade do povo que, no referendo do dia 6 anterior, manifestou-se, por grande maioria, pela volta do presidencialismo. Dom Pedro encetou a maior reforma do século XIX no Brasil – a abolição da escravatura. Sua posição não lhe permitia manifestações pessoais, mas era de todos sabido seu pensamento abolicionista. Ao viajar para a Europa em tratamento de saúde, estimulou a filha, a Princesa Isabel, que assumia a regência do Império, a prosseguir com a legislação abolicionista – a Lei de Abolição do Tráfico Negreiro, a Lei dos Sexagenários e a Lei do Ventre Livre, esta também sancionada por ela em regência anterior - do que resultou a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. João Goulart tentou
42
| Julho/Agosto/2016
fazer as chamadas reformas de base: agrária, urbana e bancária. Da grande reforma feita pelo primeiro e das tentativas do segundo, resultaram suas deposições por golpes militares, estimuladas por elementos insatisfeitos. Os grandes fazendeiros, até então leais ao trono, tornaram-se republicanos, valendo notar que o manifesto republicano de 1870 não continha qualquer referência ao elemento servil, como então eram chamados os escravos. Celso Furtado dá testemunho em seu livro “A Fantasia Desfeita” das ameaças de Nelson Rockfeller ao então Ministro da Fazenda Santiago Dantas que enviara ao Congresso o projeto de reforma bancária e é notória a violenta reação que se seguiu ao anúncio da reforma agrária. Há outras semelhanças entre os golpes militares. À frente da proclamação da república, estava o Marechal Deodoro da Fonseca que até então se proclamava monarquista e amigo fiel do Imperador. Entre os chefes do golpe de 1964 estavam os generais Amaury Kruel e Justino Bastos, comandantes do 2º e do 4º exércitos, ambos dizendo-se amigos leais do Presidente, até o dia 30 de março. Depostos, ambos partiram para o exílio. Contra D. Pedro, houve o decreto de banimento. João Goulart teve que autoexilar-se e partir sob ameaça de prisão. Cabem aqui as palavras do professor Paulo Bonavides: um e outro padeceram as amarguras do exílio, as provações da expatriação política, a injustiça da perseguição mesquinha E no exílio viveram o restante das vidas. Foram os dois únicos ex Chefes de Estado do Brasil a morrer exilados.
Para concluir, foram hostilizados pelo governo brasileiro após a morte. D. Pedro, falecido em Paris, era titular da Grã Cruz da Legião de Honra da França, o que lhe dava, pela legislação francesa, o direito a receber honras militares nas exéquias. Houve, contra a realização dessas honrarias, protestos veementes do governo do Brasil, não acolhidos pela República Francesa, que prestou ao monarca defunto as honras devidas. Depois, o corpo embalsamado seguiu de trem para Portugal, onde foi sepultado com honras de Chefe de Estado. Novos protestos do governo do Brasil, repelidos pelo rei de Portugal. João Goulart morreu na Argentina. A ditadura militar não apenas se recusou a cumprir a legislação que determinava a decretação de luto oficial pela morte de um antigo Chefe de Estado, como tentou impedir o sepultamento em território brasileiro. Depois das insistências de alguns elementos mais ponderados, o consentimento para o enterro foi concedido, sob condições humilhantes: o corpo teria que chegar à noite e na mesma noite ser enterrado, e o caixão não poderia ser aberto. Tudo isso não foi exatamente cumprido: o sepultamento efetuou-se pela manhã e descerrou-se o ataúde para que os presentes pudessem contemplar a face e o corpo do morto Grande número de pessoas compareceu ao enterro, sob estrita vigilância de muitos militares e agentes do famigerado SNI que estavam no cemitério de São Borja e em seus arredores. E ainda houve discursos, entre os quais o do antigo Presidente do Conselho de Ministros, Tancredo Neves e o do então jovem deputado estadual gaúcho Pedro Simon, ainda hoje vivo. g
FÓRUM PERMANENTE DE CIÊNCIA E CULTURA INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO ESTADO DA PARAÍBA Carta do Lyceu Paraibano A responsabilidade dos Grafiteiros perante o Sítio Histórico Urbano de João Pessoa (Carta do Lyceu Paraibano) João Pessoa - PB 2016 Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. Esse sítio histórico urbano deve ser entendido em seu sentido operacional de “área crítica”, e não por oposição a espaços não-históricos da cidade, já que toda cidade é um organismo histórico. O sítio histórico urbano - SHU - é parte integrante de um contexto amplo que comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo dinâmico de transformação, devendo os novos espaços urbanos ser entendidos na sua dimensão de testemunhos ambientais em formação. (Carta de Petrópolis, 1987) Baseado nos princípios da Carta de Petrópolis (1987), nós, signatários deste outro documento patrimonial, reunidos no Fórum Permanente de Ciência e Cultura, realizado no Auditório do Lyceu Paraibano, em 09 de junho de 2016, denunciamos a ação de pichadores, isto é, de certas e determinadas “tribos urbanas” (Michel Maffesoli, 1987) que atuam frequentemente no SHU de João Pessoa - leia-se Centro Histórico de João Pessoa. Sabe-se que “a pichação é uma intervenção que interfere negativamente na paisagem da cidade, desrespeita monumentos e arquiteturas históricas e não agrega valor, diferentemente dos trabalhos de grafite, que, hoje, já são considerados como obra de arte e profissão para muitos artistas”. Três foram os objetivos do Fórum: Distinguir pichação/pichador de grafite/grafiteiro em ação nos centros urbanos; Esclarecer sobre a proteção e a preservação da memória
através do patrimônio histórico material; Identificar a arte exposta nas “telas” urbanas como promoção de Educação Patrimonial. Diante do exposto, e com base na Lei nº 12.408, de 25 de maio de 2011, Art. 65., § 2o: “Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional1. Recomenda-se, pois: 1. A intervenção artística em Centros Históricos, através do grafite, deverá explorar sua potencialidade educativa, priorizando temas que trabalhem a conscientização para a preservação do patrimônio cultural material; 2. A intervenção artística deverá se pautar na preservação da imagem tradicional das edificações de valor histórico, artístico ou cultural, sem ameaçar sua integridade física; 3. A intervenção artística não deverá promover qualquer dano em elementos estilísticos e ornamentais que compõem as edificações; 4. A intervenção artística não deverá promover qualquer dano aos materiais e técnicas construtivas originais da edificação; 5. A intervenção não deverá ocorrer em bens móveis integrados, como esculturas, murais e painéis artísticos ou azulejaria das fachadas dos imóveis; 6. O local da intervenção artística deverá
se pautar na não interferência na visibilidade e no aspecto tradicional do conjunto edificado dos Centros Históricos; 7. Evitar intervir em ruas cujo traçado remete ao período colonial brasileiro e que possuem a característica de serem estreitas, podendo a inserção de um grafite impactar negativamente em sua paisagem histórica; 8. O local de intervenção deverá ser, apenas, em superfícies e elementos sem valor histórico ou artístico, como muros, que não sejam originais, e edificações recentes, isoladas ou anexas à outra de valor, podendo a intervenção artística se voltar para dentro dos lotes; 9. Priorizar locais de inserção que possuem espaços livres em seu entorno, como pátios, largos, praças, quintais e jardins (considerando o item 8), que possam garantir a amplitude visual necessária para a coexistência harmônica entre a imagem tradicional das edificações históricas e a intervenção artística contemporânea; 10. Os procedimentos de reversão, quando da remoção do grafite, deverão seguir as normativas vigentes e orientações técnicas do Iphaep, podendo a intervenção artística ser encoberta, quando for o caso, apenas com tintas de acabamento fosco. Anibal Victor de Lima e Moura Neto (Arquiteto) Carlos Alberto Azevedo (Antropólogo) Carolina Batista de Souza (Socióloga) Cassandra Eliane de Figueiredo Dias (Arte-Educadora) Gabriela Pontes (Arquiteta e Urbanista) Javana Garcia (Secretária Executiva do Fórum) Juan Ramos (Grafiteiro) Márcia de Albuquerque Alves (Historiadora) Rodrigo Honorato (Grafiteiro) Thamara Duarte (Jornalista) g
Estas são recomendações preliminares, pois o Iphaep aprofundará as discussões acerca do assunto para a elaboração de um documento oficial que regulamente a inserção do grafite no Centro
1
Julho/Agosto/2016 |
43
MEMÓRIA UM JOGO DE FUTEBOL INESQUECÍVEL Carlos Alberto Jales
Aquele 16 de julho amanheceu chovendo. Mas eu nem queria saber como estava o tempo. Era domingo e o Brasil jogava à tarde a partida final da Copa de 1950 contra o Uruguai. A festa estava no ar. As rádios da minha cidade, Natal, tocavam músicas já festejando a Taça. Era domingo e à saída da Igreja, ficamos conversando como seria a comemoração da vitória. Para completar, meu pai aniversariava nesse dia, e os amigos viriam para o almoço, enquanto esperávamos a hora do jogo. O locutor (chamava-se assim naquele tempo), da Rádio Nacional, a mais potente do Brasil, repetia discursos de políticos, de candidatos à Presidência, chamando a seleção de campeã do mundo, dizendo que o universo se curvaria à indiscutível qualidade do futebol brasileiro. Não me lembro se o locutor era Jorge Cury ou Antonio Cordeiro, mas sei que não se cansava de repetir o time do Brasil: Barbosa, Augusto e Juvenal, Bauer, Danilo e Bigode. Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Nada de esquemas, nada de 4-2-4, nada de líbero. Era apenas o Brasil, a seleção campeã do mundo por antecipação. O retrospecto era impressionante: 4 x 0 no México, 2 x 0 na Iugoslávia, 6 x 0 na Espanha, 7 x 0 na Suécia. Que importava o 2 x 2 contra o ”ferrolho” da Suíça, no Pacaembu? Aquilo fora um acidente de percurso.
44
| Julho/Agosto/2016
A copa já era nossa e mostraria ao mundo o maior Estádio do planeta, o Maracanã, construído em tempo recorde. Naquele time, Ademir era meu ídolo. Na escola, quando minha classe jogava, eu dizia que jogava como o Ademir. No meu time de futebol de botão, Ademir, o número 9, recebia um tratamento particular, pois eu o encerava com parafina. Na minha imaginação de menino, Ademir tudo podia, tudo resolvia e tinha certeza de que aquele deus no campo de futebol arrasaria o Uruguai. O jogo começa e nada de gol. Em torno do rádio, a minha família, os amigos do meu pai, esperavam um gol do Brasil a cada instante. Um amigo de escola havia me dito que num bolão de apostas, colocara Brasil nove, Uruguai zero. Terminou o primeiro tempo e a vitória já estava assegurada. Era só esperar. No início da etapa final, Friaça faz 1x0 para o Brasil. Minha casa vira uma festa. Seu Carmelo, amigo da família, faz um discurso emocionado. E pergunta: “Já imaginaram como o mundo vai admirar o Brasil?” Aos 27 minutos, Schiaffino, um uruguaio com nome de italiano empata o jogo. Nada a temer. Com o empate, a Taça também é nossa. Ninguém perde a alegria, mas se pressente que a goleada não viria. Alguns minutos mais tarde, Giggia emudece o Brasil. O locutor da Rádio Nacional tem a voz
embargada. Diz que o Maracanã todo chora, mas que ninguém deixa o Estádio. O sofrimento compartilhado é menos sofrimento. O jogo termina, o narrador anuncia que jogadores uruguaios consolam jogadores brasileiros, num gesto civilizado. Penso em Ademir. O que pensaria meu ídolo? Por que não se transformou no vento e empurrou a bola para o centro da trave de Máspoli, goleiro do Uruguai? Por que meu deus infalível virou um ser humano? Lá fora, a chuva que havia amenizado durante o jogo, voltou a cair com força. A festa de meu pai acabou em choro. Ninguém quis jantar, o mundo parecia menor. Na minha cama, tentando dormir, eu só pensava naquele jogo. Por que Deus pregava uma peça daquela nos humanos? Por que Ele, tão bom, também criava Giggia? Não consegui dormir. Aquela chuva, aquela festa, aquele gol do Uruguai se misturavam na minha dor. Muitos anos depois, li um livro de Paul Nissan, escritor francês, que começava assim: “Eu tinha vinte e um anos. Não me venham dizer que essa é a mais bela idade do homem!” E lembrando daquele 16 de julho de 1950 eu pude parafrasear Nissan e dizer: “eu tinha nove anos. Não me venham dizer que essa é a mais bela idade do homem. Nessa idade houve um jogo entre o Brasil e o Uruguai na minha vida”. g
A FAUNA ILUSTRADA DA FAZENDA TAMANDUÁ(*) Atendendo a convite do Conselheiro Fernando Rodrigues Catão, alegra-me fazer, nesta noite, a apresentação do livro Fauna Ilustrada da Fazenda Tamanduá. Eu diria, pra começo de conversa, que esta obra, antes de ser um livro, é uma sinfonia; antes de ser uma sinfonia, é um filme; antes de ser um filme, é uma obra de arte. Digo que o presente livro é uma sinfonia, porque, ao folheá-lo, parece-me ouvir uma peça musical composta pela própria natureza, entoada pelos gorjeios dos pássaros que cantam na mata protegida, conscientemente, pelos que lhe detêm o domínio. Lá, eles são livres para cantar; lá, eles trinam libertos, por entre o arvoredo que se mantém também incólume, livre das investidas do homem, esse predador inconsciente, que pensa ser dono da terra, quando, em verdade, nada mais é do que o destruidor desvairado da fauna e da flora naturais. Ao repassar as páginas deste livro, como que ouço o hino ofertado em louvor do semiárido, executado pelos trinados das canoras aves, que não desperdiçam um só gorgeio, ao contrário, usa-os todos na tessitura harmônica da sinfonia matinal. E nisso são acompanhados pelo coaxar dos anuros da reserva, vocalizando suas potencialidades; acolitados pelo chacoalhar dos guizos das cascaveis, fazendo contraponto ao piado agudo e contínuo da marreca-cabocla, repetido por todo o bando; secundados pela participação da coruja-da-igreja, que comparece com o seu sinistro canto de rasga-mortalha e seguidos pela vocalização de tantos outros espécimens moradores daquele habitat. Enfim, é uma sinfonia, regida pela natureza, em um recital próprio da fazenda, em sua área benfazejamente preservada, onde não é preciso alertar os pássaros, como naquela canção de Chico Buarque, em que se os previne da chegada do homem. Este livro é também um filme, talvez documentário, em que as cenas se sucedem, de envolta com o colorido das informações e elementos fornecidos pelos roteiristas, visando a dar ao leitor, uma perfeita noção do que é a reserva e dos seus habitantes, que a povoam aos milhares. Os teóricos da cinematografia discutem ainda hoje sobre quem merece ser reconhecido como autor de um filme. Embora essa discussão se faça há tempos, continua a se manter, sem que se chegue a um consenso. Autor de um filme é o diretor, dizem alguns. Autor da obra cinematográfica é, com certeza, o roteiris-
ta, dizem outros. O produtor é que faz jus à condição de autor, afirmam outros mais. Cabe-me, então, perguntar e responder: quem é o autor deste filme tão fantástico? Permitam-me todos que participaram de sua organização que eu proclame que o autor deste filme não é outro senão o semiárido. Ele, que emprestou o seu bioma, que agasalhou todas as espécies mostradas nas cenas deste filme, que propiciou às aves, aos anuros, aos répteis, aos pássaros que o povoam, aos mamíferos vários que o habitam, um viver tranqüilo; o semiárido que roteirizou o enredo deste filme, que o dirigiu, que o produziu em tudo que era necessário à sua realização, é o semiárido o autor desta obra prima cinematográfica. Por fim, este livro é, igualmente, uma obra de arte. Obra de arte, não só pela beleza plástica de sua apresentação; não apenas pelo colorido com que as aves, os répteis, os morcegos, os mamíferos, os anuros nos são mostrados; obra de arte não somente pelo maravilhoso design gráfico que enche suas páginas, mas, obra de arte, sobretudo, por suas origens, por suas raízes. Esta obra de arte que é o livro Fauna Ilustrada da Fazenda Tamanduá tem suas origens e suas raízes na obra, no espírito e nas cores de um dos mais importantes artistas plásticos suíços, que foi Edouard-Marcel Sandoz, festejado como pintor e escultor, figurativista de homens e animais e a estes tão dedicado que é sempre referido, pelos críticos de arte, como
um animalier, expressão com que o idioma francês designa quem se dedica a pintar ou esculpir animais. Edouard-Marcel Sandoz nasceu aos 21 de março de 1881, em Basileia, destacada cidade da Suiça, e faleceu em Lausanne, também na Suiça, em 20 de março de 1971, aos noventa anos, portanto. Foi aluno da Escola de Belas Artes de Paris, discípulo de Antonin Mercié e Jean Antoine Injalbert, renomados escultores franceses. Artisticamente, esteve ligado ao estilo Art Nouveau. Como aplicado animalier, pintou e esculpiu gatos, cães, coelhos, condores, pássaros, corujas etc. Gostava igualmente de pintar flores e paisagens. Era, pois, nas artes e na vida, um amante da natureza. Costumava trabalhar suas esculturas em bronze, em cerâmica, em madeira e diretamente na pedra. Em reconhecimento aos seus dotes artísticos e aos serviços prestados por ele às artes, foram-lhe concedidos os títulos de Cavaleiro da Legião de Honra da França, no grau de Comendador e de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras. A estreita ligação do pintor Sandoz com o espírito que animou a organização e a publicação deste livro está revelada por seu idealizador, Pierre Landolt, quando disse, no Prefácio: “Neto de Edouard-Marcel Sandoz, artista suíço, pintor e escultor, que tinha como tema principal a natureza, tive a imensa sorte de aprender com ele a olhar plantas, animais, águas e montanhas de maneira diferente. A preocupação com a natureza ainda não era um assunto tão popular, e as ameaças à sua preservação não eram vistas como hoje, entretanto, a observação e o conhecimento, desde cedo, fizeram com que a conservação do meio ambiente fizesse parte dos meus valores.” Com certeza o renomado artista jamais pensou em, mais de cem anos após seu nascimento e quase cinquenta anos após sua morte, ter seu nome lembrado e exaltado nos carrascais do nordeste brasileiro e, agora, nesta ocasião, graças à ação diligente de seu neto Pierre Landolt, em favor do meio ambiente e do semiárido paraibanos. Deixando de lado as observações impressionistas feitas até agora e a licença poética com que falei até aqui, vamos ao livro propriamente, que todos terão a alegria de conhecer nesta noite. Trata-se de uma das obras mais importanJulho/Agosto/2016 |
45
(*)
Foto: Fondation Edouard et Maurice Sandoz
tes para o conhecimento da Paraíba, surgidas nos últimos cem anos. Creio que esse repositório faunístico se posta, nesse espaço de tempo, no mesmo patamar de dois outros livros de enorme destaque na bibliografia paraibana, pela importância que têm no conhecimento de nossa terra e de nossa gente: um, é o Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba, de autoria de Coriolano de Medeiros, por sinal, nascido em Santa Terezinha, o mesmo Município em que se situa a Fazenda Tamanduá; outro, é o clássico A Paraíba e seus problemas, de José Américo de Almeida, em que ele, à Euclides da Cunha, empreende uma análise profunda do homem e da terra paraibana. O livro Fauna Ilustrada da Fazenda Tamanduá dá-nos um conhecimento dos animais que habitam o nosso território, pois, as espécies encontradas na Fazenda Tamanduá não são exclusivas daquela reserva, mas, ao contrário são endêmicas em todo o semiárido e, consequentemente, permeiam o nosso Estado, ao lado de outras que, não estando nesse livro, povoam, no entanto, o território paraibano. Não obstante, quem quiser conhecer o patrimônio natural da Paraíba há de consultar este livro. Os que construíram esta obra esperam que ela sirva a dois propósitos básicos: “como ciência de base para futuros estudos e pesquisas aplicadas e como fazer parte do processo de educação e conscientização ambiental nas comunidades”. Ele é resultante de um grande esforço e de um grande empenho dessa figura notável que é o empresário e ambientalista Pierre Landolt, cuja integração à comunidade patoense e cujas atividades, tanto empresariais, quanto ecológicas, o têm feito merecedor da admiração dos paraibanos, pela tenacidade, pelo denodo, por sua paixão pela natureza, herdada de seu avô, o célebre pintor suíço a quem acima nos referimos. Na Fazenda Tamanduá, multiplicam-se as ações em favor do patrimônio natural que ela abriga, tais como, proibição de caça e de retirada de madeira, em toda a sua área; estabelecimento de fiscalização rigorosa e contínua, para assegurar o acatamento àquela vedação; preocupação com atividades orgâ-
Edouard-Marcel Sandoz, artista plástico suíço.
nicas, de modo a impedir o emprego de defensivos químicos capazes de comprometer a fauna e a flora locais; criação de açudes, permanentes uns, temporários outros, para utilização por grande número de animais que ali vivem; apoio a órgãos ambientalistas, através da recuperação de aves oriundas do tráfico, mediante soltura monitorada destas espécies, previamente selecionadas. Creio que sem este livro toda a luta em favor da preservação do rico patrimônio natural que constitui a Reserva Particular do Patrimônio Natural Tamanduá estaria incompleta. Daí a riqueza desta obra, que se faz hino, filme, obra de arte e, finalmente, bíblia do preservacionismo. Ele contém informações valiosas sobre os vários grupos de animais ali presentes, tais como, anuros, répteis, aves, mamíferos não voadores, morcegos. À descrição de cada Família seguem-se detalhadas informações sobre cada Espécie,
dando-se-lhe, como é próprio das classificações dos seres vivos, o nome científico e o nome comum, pelo qual a população a conhece. Assinala-se, também, no texto, o grau de ameaça a que está submetida cada Espécie, valendo salientar que, pelas condições de proteção dada à área da Reserva, a quase totalidade da sua fauna se encontra em situação pouco preocupante, tocante à ameaça de extinção que sobre ela paira. Além do apoio do empresário Pierre Landolt, o livro teve a participação dos biólogos João Gomes do Prado Neto, Bacharel em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal de Pernambuco; Leonardo da Silva Chaves, Licenciado em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco; Mariana Miranda d´Assunção, Bacharel em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco; Patrícia Pilatti Alves, Mestra em Zoologia, pela Universidade Federal da Paraíba; Paulo de Barros Passos Filho, Mestre em Ecologia, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco; Rafael de Albuquerque Carvalho, Mestre em Biologia Animal, pela Universidade Federal de Pernambuco. Ainda um detalhe, a lattere destas observações: há um livro, patrocinado pelo Instituto Fazenda Tamanduá, já publicado, que é, diríamos, complementar a este, qual seja, o Levantamento Fitossociológico da reserva, uma descrição da flora encontrada na mesma área. Chegados ao fim desta apresentação, cumpre-nos parabenizar o empresário Pierre Landolt por mais este empreendimento de natureza científica e cultural, em favor de nossa terra, assim como aos biólogos acima nomeados, sem os quais não teria sido possível a edificação desta obra de grande significação para o estudo, o conhecimento e a proteção do patrimônio natural da Paraíba. g Muito obrigado.
Palavras do historiador Flávio Sátiro Fernandes, quando da apresentação do livro Fauna Ilustrada da Fazenda Tamanduá, no dia 28 de julho de 2016, no Centro Cultural Ariano Suassuna, nesta Capital.
*
Palavras de apresentação do livro A Fauna Ilustrada da Fazenda Tamanduá, no dia 28 de julho de 2016, no Centro Cultural Ariano Suassuna, do Tribunal de Contas do Estado.
46
| Julho/Agosto/2016
(Continuação da página 2)
Do trabalho dos denodados e competentes pesquisadores resultou o livro agora lançado. A obra, de uma apresentação gráfica da melhor qualidade, surpreende, à primeira vista, pela riqueza de informações, pelo colorido de suas páginas, pelo maravilhoso design gráfico que lhe dá suporte, tudo se sustentando em um volume de 416 páginas. O prefácio é do ambientalista Pierre Landolt e a introdução, dos biólogos Leonardo Chaves e Raphael de Albuquerque Carvalho. No evento de lançamento da obra, falaram o Conselheiro Fernando Catão, o historiador Joaquim Osterne Carneiro, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o Coordenador do Centro Cultural Ariano Suassuna, Flávio Sátiro Filho, os biólogos Mariana Miranda d´Assunção, João Gomes do Prado Neto, Paulo de Barros Passos Filho, cada um deles narrando curiosidades das pesquisas ali desenvolvidas, e, finalmente, o proprietário da Fazenda Tamanduá, Pierre Landolt. O poeta e cordelista Oliveira de Panelas produziu um recital, improvisando, como é de seu costume, estrofes rimadas e ritmadas, ao som da viola, arrancando aplausos e risos da platéia que não cansava de aplaudi-lo. A apresentação do livro foi feita pelo nosso Diretor, escritor e historiador Flávio Sátiro Fernandes. Enfatizou o orador, cujas palavras reproduzimos ao lado, que FAUNA ILUSTRADA DA FAZENDA TAMANDUÁ, antes de ser um livro, é uma sinfonia; antes de ser uma sinfonia é um filme; antes de ser um filme, é uma obra de arte, lembrando que as raízes dessa obra de arte se prendem à obra, ao espírito e às cores de um dos mais importantes artistas plásticos suíços que foi Édouard-Marcel Sandoz, avô do ambientalista Pierre Landolt, com quem este aprendeu a amar a natureza, erigindo a proteção desta como um dos seus maiores valores. Além das pessoas já citadas, participaram do lançamento, entre outros, os Conselheiros Arnóbio Alves Viana, Marcos Costa, Juarez Farias, Luiz Nunes Alves, Gleryston Holanda de Lucena, médicos Antônio Carneiro Arnaud, Paulo Oliveira Fernandes, Geraldo Almeida, Ricardo Wanderley, Procurador Marcílio Toscano Franca Filho, Professora Alessandra Franca, Dr. João Laércio e Alice Fernandes, Eliane Dutra Fernandes, Kelly Lira, Acadêmico Evaldo Gonçalves de Queiroz, Empresários Hermano Targino, Afrânio Bezerra, Roberto Cavalcanti, Diretor do Sistema Correio de Comunicação, Escritora Lourdinha Luna, Poeta e folclorista José Bezerra, Advogados Carlos Frederico Nóbrega e Carlos Pessoa de Aquino, Historiador Haroldo Fonseca de Lucena. g
FOTOS: ELIAS FÉLIX DO NASCIMENTO
O ambientalista Pierre Landolt, ladeado pelos Conselheiros Fernando Catão e Flávio Sátiro Fernandes, Diretor desta Revista
Eliane e Flávio Sátiro Fernandes, ele Diretor e Editor de GENIUS
O Conselheiro Flávio Sátiro, em conversa com Pierre Landolt
Pierre Landolt autografa para Roberto Cavalcanti
Flávio Sátiro Filho e Kelly, ladeando o ambientalista Pierre Landolt
Julho/Agosto/2016 |
47
48
| Julho/Agosto/2016