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Augusto dos Anjos O poeta do Eu

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CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

Ele chegou, de mansinho, devagar, devagarinho, como diz o poeta, carregando dois séculos de esperanças e de lutas. Lutas contra as dificuldades físicas do empreendimento, lutas contra as dificuldades imateriais, representadas pelo pessimismo de alguns, derrotismo de outros, incompreensão de muitos. O Velho Chico, por onde passava cantava o seu lamento de não ser aproveitado mais profusamente do que já era, ao longo de seu trajeto. Por outro lado, terras por ele não banhadas levantavam igualmente os seus queixumes, implorando ao rio milagroso o benefício de suas águas, capaz de mitigar a sede de milhares de irmãos seus, em outra grande parte do Nordeste. O homem, contudo, impotente e, por vezes, insensível, deixava-se ficar presa de seus interesses menores e não cuidava daquilo que era mais importante para os seus irmãos nordestinos, em que pese o grito primeiro dado pelo Imperador Segundo, há um século e meio. A água do São Francisco é esperança, a água do São Francisco é vida, a água do São Francisco é bênção que se esparge agora sobre todo o Nordeste, não mais restrito àquelas terras que, pela natureza, ela banhava. A água do São Francisco é milagre de Deus, que conferiu ao homem poder e disposição para vencer sua própria indiferença e sua impotência. GENIUS saúda, festivamente, a chegada de Sua Majestade, Dom Velho Chico de Orleans e Bragança Vargas Andreazza Franco Alves Cardoso Gadelha Lula da Silva Alckmin Cunha Lima Maranhão Coutinho. Neste número, brindamos ao leitor com matérias de relevante importância, tais como, o trabalho de José Octávio sobre Osmar de Aquino, às vésperas do centenário de seu nascimento; a profunda análise de Chico Viana, a respeito de Augusto dos Anjos e a hipótese da reencarnação em sua poesia; uma memória de Ida Steinmuller e Erika Derquiane Cavalcante sobre Rodolpho Von Ihering, não o jusfilósofo, mas o pai da piscicultura na Rainha da Borborema e uma página saudosista em homenagem a Deusdedit de Vasconcelos Leitão, uma das maiores vocações de historiador que a Paraíba já conheceu.

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O MEDO NAS TELAS Andrés von Dessauer

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NÃO DESERTASTES O CAMPO DA LUTA Aníbal Freire

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AUGUSTO DOS ANJOS E A HIPÓTESE DA REENCARNAÇÃO Chico Viana

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O PAI DA PISCICULTURA NA RAINHA DA BORBOREMA: RODOLPHO VON IHERING Erika Derquiane Cavalcante e Maria Ida Steinmuller

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EVOCAÇÕES QUE ME SÃO GRATAS Deusdedit de Vasconcelos Leitão

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CINCO POEMAS DE REGINA LYRA

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OSMAR DE AQUINO: TRAJETÓRIA ELEITORAL NAS INDICAÇÕES DE UM CENTENÁRIO José Octávio de Arruda Mello

Boa leitura e até a próxima edição.

Março/Abril/2017 - Ano V Nº 24 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 9981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA

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COLABORAM NESTE NÚMERO: 4

ANDRÈS VON DESSAUER [O medo nas telas] Mestre em Economia e Ciência Política pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematográfico no triângulo Rio de Janeiro-São Paulo-João Pessoa sobre filmes cult. Articulista em vários periódicos nacionais. ANÍBAL FREIRE – In Memoriam (Lagarto, SE, 1884 – Rio de Janeiro, RJ, 1970) [Não desertastes o campo da luta] Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Recife, da qual foi professor. Foi deputado estadual e deputado federal por Pernambuco. No governo Arthur Bernardes, foi Ministro da Fazenda. Jornalista, atuou no Diário de Pernambuco, do Recife, de que foi Redator-chefe e no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, do qual foi Diretor. Ministro do Supremo Tribunal Federal, aposentou-se por aquela Corte. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras. A página que dele transcrevemos é o discurso que proferiu, saudando o paraibano Assis Chateaubriand, naquele sodalício. CHICO VIANA (Francisco José Gomes Correia) [Augusto dos Anjos e a hipótese da reencarnação] Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíb e doutor em letras pela UFRj, com a tese O Evangelho da Podridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos. Dirige e leciona no Curso Chico Viana e mantém o site www.chicoviana.

DEUSDEDIT DE VASCONCELOS LEITÃO – In Memoriam (Cajazeiras, PB, 1921 - João Pessoa, PB, 2010) [Evocações que me são gratas] Uma das maiores vocações de historiador que a Paraíba conheceu, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, ao Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, à Academia Paraibana de Letras. Deixou um acervo considerável de obras, quer em livros quer em monografias e artigos, divulgados em grande número de jornais e revistas especializadas, daqui e dalhures.

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ERIKA DERQUIANE CAVALCANTE [O pai da piscicultura na Rainha da Borborema] Possui mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional - UEPB/UFCG, na linha de pesquisa Turismo, Cultura e Desenvolvimento Regional e licenciatura plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. Participou do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD ) com a Universidade Pontifícia Católica do Paraná - PUC-PR. Tem experiência na área de Educação, com ênfase no ensino de história, educação patrimonial, turismo e cultura. Na área acadêmica desenvolve pesquisas relacionadas à história, História da Paraíba, patrimônio, cultura, turismo e desenvolvimento regional.

JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELO [Osmar de Aquino: Trajetória eleitoral nas indicações de um centenário] Historiador de ofício, com doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, como professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de História da Paraíba – Lutas e Resistência (13ª Ed., 2014) e A Revolução Estatizada – Um Estudo sobre a formação do centralismo em 30 (3ª Ed. 2014) MARIA IDA STEINMULLER [O pai da piscicultura na Rainha da Borborema: Rodolpho von Ihering] Historiadora e professora, Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande, também chamado “Casa Elpídio de Almeida”, entidade que se constitui em guardiã da memória campinense. REGINA LYRA [Cinco Poemas de Regina Lyra] Publicou oito livros individuais de poesia. Participou em mais de 30 diferentes antologias, concedeu entrevistas e também teve poemas publicados em agendas e em diversos periódicos nacionais. É sócia da UBE (União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro e de São Paulo). Pertence à Academia de Letras de Areia. Membro titular do Pen Clube do Brasil.


CINEMA O MEDO NAS TELAS Andrés von Dessauer

Existem diferentes tipos de medo que em uma escala de intensidade vão do receio ao pavor e, em casos patológicos à fobia. Na Sétima Arte, esse sentimento ganha ares de entretimento e encontra sua expressão mais forte no gênero “filmes de terror”. Normalmente, de baixa qualidade, essas películas têm suas inquestionáveis exceções, como, por exemplo: O ENCURRALADO de Steven Spielberg (1971) e O ILUMINADO de Stainley Kubrick (1980). Nesta edição a GENIUS traz aos seus leitores duas obras recentes que retratam a possibilidade de como administrar a manifestação do medo. Isso nas vertentes comédia e drama: o mexicano NÃO ACEITAMOS DEVOLUÇÕES de Eugenio Derbez (2014) e o espanhol 7 MINUTOS APÓS A MEIA NOITE de Juan Antonio Bayona (2016). 7 MINUTOS APÓS À MEIA NOITE - ou como curar medo Em O LABIRINTO DO FAUNO 2006, um dos trabalhos mais premiados deste século, o diretor mexicano Guilherme del Toro opta por uma linguagem fantástica para trazer à baila um pouco da atmosfera da guerra civil espanhola. E, para isso, faz da imaginação de sua pequena protagonista, Ofélia, uma Alice de Lewis Caroll repaginada, o ponto de partida para um fascinante conto de fadas. Passados dez anos, seguindo a mesma narrativa de sonhos, o filme UN MONSTRUO VIENE A VERME, do espanhol Antonio Bayona, conseguiu aprofundar na psique dos personagens e, assim, superar, notadamente, o LABIRINTO. Com efeito, essas duas películas têm como elo de ligação uma árvore como símbolo do imaginário. Porém, enquanto para Ofélia a fantasia é uma forma de sobreviver à realidade que a rodeia, para Conor é um

também remete ao estilo literário do dramaturgo Jean Genet. E, nesse sentido, basta recordar, na segunda fábula, a polarização entre a força da religião institucionalizada e o paganismo. Ou a cena em que neto e avó são obrigados a parar e dar passagem ao tempo simbolizado por um trem, fazendo eco ao dito popular que “não há nada que esse não cure!” Ou a cena em que neto e avó são obrigados a parar e dar passagem para um trem que, representa a força do Deus Cronos , fazendo eco ao dito popular que ‘não há nada que o tempo não cure!’

meio de auto libertação. “Velho demais para ser criança e jovem demais para ser adulto” Conor segue fundindo fantasia e realidade, como os borrões de uma pintura guache. Habilidade que traz à obra uma plasticidade gráfica única. O roteiro é regido por três estórias cujo objetivo é oferecer uma visão precisa da realidade bem como transmitir uma moral. Essas três narrativas são o caminho para um teste maior no qual o protagonista é convocado a assumir e banir sentimentos. Ao que parece, sob esse aspecto, o diretor tangencia a obra de Nietzsche para quem a implantação de uma nova ordem se resumia no imperativo de que “aquilo que é frágil deve ser derrubado”. Aliás, ainda no encalço dessa filosofia, tem-se que a terra e a morte representam, na obra, a superação do imaginário e do real que vem a ceder espaço a uma nova moral. Ademais, ao se cercar de uma linguagem, essencialmente figurativa, o filme

NÃO ACEITAMOS DEVOLUÇÕES – perdendo medo do lobo mal Quando um longa argentino ou mexicano atinge alta bilheteria em casa, a probabilidade de tratar-se de um trabalho de boa qualidade cresce exponencialmente. O filme ‘NÃO ACEITAMOS DEVOLUÇÕES’, que, só no México, conquistou o recorde de 18 milhões de espectadores, confirma esse indicativo. A película em questão arrecadou mais de cem milhões de dólares em apenas 15 semanas, com o diferencial de ser o primeiro trabalho cinematográfico do popular comediante Eugenio Derbez, que não só atuou como diretor e roteirista, mas, também deu vida ao protagonista “Valentin Bravo”. A ingenuidade, presente tanto na construção do filme quanto na performance de Derbez como ator, parece acentuar que a sofisticação está na simplicidade. E é com esse espírito despretensioso que uma estória, a princípio, puramente risível se fusiona ao trágico, no mais puro estilo comédia-dramática. Assim, a recepção pouco calorosa desse trabalho pela crítica nacional parece, sumariamente, desarrazoada. Aliás, no que tange ao seu formato, vale mencionar que a animação gráfica, inspirada na narrativa de estórias infanMarço/Abril/2017 |

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tis, trabalha com a memória afetiva de quem assiste. Sem falar que, apesar de ser novo no meio, Derbez deixa claro que domina o tempo da linguagem cinematográfica quando, já no início, utiliza apenas alguns cortes sequenciais para definir o modo de vida do solteirão ‘Valentin’. Do ponto de vista da solução, o roteiro induz o público a um desfecho até previsível, mas finaliza com uma rasteira inesperada, superando, nesse sentido (fator surpresa), até mesmo o argentino ‘EL SECRETO DE SUS OJOS’. Se bem que, ao estabelecer, para o protagonista, a profissão de dublê (ou seja, uma pessoa que aparenta ser o que não é!) Derbez, de forma sutil, indica que nem tudo é o que parece. A construção de um mundo paradisíaco ao redor de uma criança, fez com que a crítica internacional comparasse essa produção mexicana com a italiana,

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‘A VIDA É BELA’, ganhadora do Oscar em 1999, dirigida e protagonizada por Roberto Benigni. Mas, as semelhanças param por aí, já que, enquanto o mundo externo do menino italiano se deteriora de forma visível com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o mundo interno da menina americana se desfaz de maneira imperceptível em meio a uma batalha judicial, valendo acrescentar que a obra possibilita momentos de reflexão. Pois, ao se deparar com o medo materializado na figura de um “lobo” a fértil imaginação de ‘Valentin’, cria situações hilárias e, deixa claro o quão primitivos são seus temores ou mesmo o receio de não estar preparado para confrontá-los. Para o espectador o processo de superação do medo fica, no entanto, na sombra da rasteira final que faz a platéia mais emocional cair em prantos. g


PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS NÃO DESERTASTES O CAMPO DA LUTA(*) Aníbal Freire À vossa glória faltava, Sr. Assis Chateaubriand, a láurea acadêmica. Amesquinhem-na impenitentes detratores, jubilados uns em rancor insofrido e a maioria em desdém, que, por tão ostentoso, chega a ser superficial e anódino. Pairando acima dessas injustiças, constituirá ela sempre a consagração de uma carreira. Atingistes aos cimos da atividade intelectual. Fostes professor de Faculdade oficial, num instante da vida em que os moços recém-formados se aprestam a postos menos árduos. Alcançastes o domínio de uma rede de publicidade sem similar na história da imprensa e dos meios de difusão em nossa Pátria. Coube-vos a curul senatorial, em que vindes fazendo memorável trajetória. Tudo com a instantaneidade dos raios, iluminando em cheio as veredas que tendes de palmilhar. Examinando outros aspectos de vossa ascensão, vemos que assumistes as responsabilidades do professorado de ciências jurídicas, sem o tirocínio da judicatura, que a elas preparam. Passastes de redator a fundador-diretor de jornal, com ascendência e fortuna que os mestres do ofício nem sempre conseguiram. Penetrastes no Parlamento, para o posto mais alto e severo, sem o tirocínio político nem o amanho afanoso da vida partidária, cheia, em regra, de sacrifícios e renúncias. A todos esses recantos da inteligência e da maestria levastes inequivocamente sopro novo. Por isto se criou a fama de “perturbador”, tão realçada nas orações gratulatórias proferidas no ruidoso banquete com que a sociedade desta capital festejou a vossa ascensão à Academia, homenagem que refluiu em nosso crédito e solidificou a convicção do acerto de nossa escolha. Não tememos os vossos arrojos, não nos arreceamos aos transbordamentos de vossa atividade. Erram os que vos julgam através de vossas campanhas jornalísticas. Tendes, a par da pertinácia nas ideias e nas conquistas espirituais, o respeito pela tradição que a vossa surpreendente inquietação não consegue eliminar. Sem precisar recorrer a teorias e sistemas, vamos encontrar a fonte dessas supostas contradições de temperamento nos seres que vos deram a vida. Não quero vos proporcionar emoções, mas haveis de ter

sob a retina sempre atenta a imagem de vossos pais. Francisco Chateaubriand Bandeira de Melo era um belo tipo de homem. Traços olímpicos, fronte alta, cabeça emoldurada de bastos cabelos negros. Desempenado, ágil, irrequieto, espalhava alegria nos círculos onde aparecia. Ao lado desses sinais exteriores, fortaleza de ânimo inquebrantável. Um só episódio o demonstra. Tendo a esposa adoecido, os médicos recomendaram a estada em clima mais ameno do que o do Recife, tropical por excelência. Foi escolhido um lugarejo próximo da capital. Chã de Carpina – o seu nome, a indicar a configuração do lugar – planície descampada. A cura realizou-se sem sobressaltos. O marido encetou, então, a tarefa de transformar o povoado em cidade florescente. Procurou obter o apoio oficial para o seu tentame. Conseguiu logo mudar a denominação do povoado para Floresta dos Leões. Imaginese o quanto de irreverência se formou em torno do assunto... Floresta onde não havia sequer árvores, e em leões nem havia que falar. Sucediam-se os remoques. A tudo indiferente o marido agradecido à Natureza. Começou pela arborização do local. A fama estendeu-se às cidades vizinhas. Passaram pessoas influentes a construir moradias de verão. Hoje o local é centro de turismo. De D. Carmen Gondim herdastes, Sr. Assis Chateaubriand, uma qualidade que nem todos suspeitam em vós: a doçura, que ameniza as aparências agrestes do lutador. Não são muitos os beneficiários dessas efusões. Mas uma amizade de mais de quarenta anos, sem sombras nem intermitências, pode escusar-se com o esplendor desta solenidade para deixar nesta página essa impressão afetiva. Também redobrastes em carinhos com a autora de vossos dias. Jules Claretie, no discurso de recepção na Academia Francesa, fazendo o elogio de Cuvillier-Fleury, revela que em todas as contas registradas pelo jornalista, o primeiro artigo, o “artigo sagrado, piedosamente traçado antes de todos os outros, era o – Remetido à minha Mãe”. Não tendes tempo de fazer as grandes contas, muito menos as menores. Mas o traço existe. Nas folhas de pagamento da Faculdade de Direito do Recife, todos os ven-

cimentos do Professor Assis Chateaubriand eram entregues no procurador de sua mãe. Com esses apanágios, havíeis de ter infância feliz. Um escritor divisou Henri de Montherland debruçado sobre os jovens “com uma espécie de expectativa sagrada, como os áugures escutavam as fontes para delas ouvirem sair vozes”. A juventude vos surpreendeu na luta e as vossas vozes foram logo as do combate pelas ideias, as da atração pela liberdade, as da identificação com os credos perfilhados. Redator do Dário de Pernambuco – e o destino se encarregou de colocar, anos mais tarde, o velho órgão na órbita de vossa influência – tivestes de acompanhar a sorte da política submersa na onda de “salvação” que avassalou o Norte. O denodo com que auxiliastes a Elpídio de Figueiredo, quase trucidado na defesa da liberdade da imprensa, marcou o início da vossa carreira destemerosa nas lides jornalísticas. Foi a vossa primeira refrega contra o poder armado, e as que empreendestes na maturidade terão o reflexo da que selou a vossa adolescência. Não desertastes o campo da luta. Aproveitaste-o para imprimir outra feição à vossa capacidade. Desde cedo manifestaram-se em vós os sinais de pesquisa intelectual, que realça todas as vossas incursões no domínio da palavra escrita ou falada. Destes logo sentido universal ao vosso pensamento. Sob este signo, se operou a vossa formação mental, banindo preconceitos, ostentando independência de ideias e levando até aos detalhes a orientação universalista de vosso roteiro. Nenhum estrangeiro, de passagem ou de residência em Recife, deixou de ser vosso admirador, merecendo a vossa atenção de jovem, ansioso pelo contato com as fontes onde se espelha a inteligência da humanidade. A vossa formação intelectual obedeceu a esses dois fatores subjetivos:a apuração dos elementos que elevam o nível cultural e o cunho universal das ideias. Não vos bastava a arena jornalística. Levantastes o voo para a cátedra.Temeridade a do jovem jornalista, se não o animasse a chama da ambição interior, sobrepondose às querelas de província. O concurso na Faculdade de Direito do Recife versava Filosofia do Direito e Direito Romano. Neste lance têm-se a impressão de como aprenMarço/Abril/2017 |

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destes cedo a vos desvencilhar de dificuldades. Custa a crer que o autor do “Conceito do Direito” e Interdicto ut possidetis, dissertações apresentadas para o concurso, seja o mesmo homem de imprensa, sôfrego, arrojado, inquieto. Soubestes vos precaver, na explanação dos assuntos jurídicos, dos excessos de imaginação. Sobriedade, clareza, objetivismo na exposição das doutrinas. O teor das dissertações é o contraste com a técnica do jornalista exuberante, insaciado, em regra prolixo. Nenhum laivo de agressividade nem sombra de embates, em que o ímpeto da pena avassala o raciocínio. Na advertência da dissertação de Direito Romano, salientastes o cuidado de fundamentar a exposição em informações colhidas nas próprias fontes legais e doutrinárias, e, se a tradução “não reveste forma esbelta e polida”, é porque preferistes “sacrificar, quase sempre, a elegância e o torneio da construção à fidelidade das palavras e da expressão do original”. O vosso concurso figura entre os mais ruidosos da época. Tínheis como contendor uma vigorosa expressão intelectual, o Sr. Joaquim Pimenta, benquisto entre os acadêmicos. Como sempre, a mocidade se dividiu. Do lado do vosso concorrente, João Barreto, o filho de Tobias. Ao vosso lado – como será grato ao vosso coração relembrar o episódio – Annibal Fernandes, que ainda agora é o diretor do grande órgão pernambucano, enquadrado na cadeia dos Diários Associados. A Congregação da Faculdade, por voto de desempate, vos indicou em primeiro lugar. A vossa Paraíba não faltou neste momento. A União, o tradicional jornal, em que colaboráveis, fez imprimir a vossa dissertação de Filosofia do Direito. A política usou de todos os recursos para impedir a vossa nomeação. Ingressastes no corpo docente da legendária Faculdade do Recife aos 24 anos de idade. Tínheis aparência juvenil. Não entra no anedotário que vos cerca, como a todos os homens em evidência, curioso e verídico episódio. Ao virdes ao Rio de Janeiro acompanhar, como era natural, vossa indicação para o magistério, tínheis o dever de procurar o presidente da república, que era, então, o venerando Sr. Venceslau Brás. Fostes ao Palácio do Catete, em companhia do então Deputado Vicente Piragibe, diretor de A Época, que acolhera as vossas primeiras produções jornalísticas na imprensa carioca, O ilustre parlamentar havia solicitado ao Chefe da Nação o favor da internação gratuita de um jovem no Colégio Pedro II. Ao avistar o Sr. Piragibe em companhia de um rapaz, o Sr. Venceslau Brás recordou-se do pedido e, antes de qualquer apresentação, disse ao deputado: “Este é o seu recomendado para o Pedro II?” O Sr. Piragibe respondeu de pronto: “Este moço, Senhor Presidente, é candidato classificado

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em primeiro lugar no recente concurso da Faculdade de Direito do Recife” O presidente soube resistir à pressão exercida pela política dominante e cumpriu o seu dever. Se o rumo de vossa vida não se houvesse alterado, transportando-vos para outro cenário, teríeis exercido papel relevante na direção mental da mocidade do Norte. Para isto não vos faltavam o arrojo das ideias, a independência do pensamento, o denodo das convicções, o poder verbal sem o qual o proselitismo perde muito na eficiência e na concretização dos objetivos. A vossa vinda ao Rio de Janeiro, em 1915, para o fim a que há pouco aludi, determinou nova direção à vossa trajetória. Emerson alude, como um impulso de liberdade, ao verso do persa Hafiz: “Está escrito sobre a porta dos céus:‘Desgraça a quem sofre de ser traído pelo destino!’.” O destino não vos foi infiel e coroa sempre os vossos ingentes esforços. Conquistastes de pronto a metrópole. Um artigo sobre Carlos Peixoto foi a vossa revelação ao público carioca. A figura varonil do parlamentar mineiro tentava quem quisesse retraçá-la, sem cortesanias nem arroubos. Ensaiáveis a tarefa em que sois mestre. Não vos seduz o panteísmo. A Natureza, fonte de inspiração para tantos outros, não vos deixa propriamente indiferente; não exerce, entretanto, poderoso fascínio sobre o espírito. De vez em vez, uma imagem fugidia, pondo um tom sugestivo na análise dos homens e dos caracteres, no exame dos fatos. Primais na fotografia humana, nos traços psicológicos e perpetrais as incisões que vossa pena produz na suscetibilidade, no orgulho, na vaidade dos homens. Duas amostras de vossa arte fotográfica: com o “Carlos Peixoto” iniciastes a fundação da cidadela em que permaneceis, de lança em riste contra os que procuram assaltá-la. Com “O Monstro” previstes os meandros da era getuliana. Esse poder de penetração, que não é vã profecia, caracteriza os analistas da humanidade, inquieta, movediça, inconstante. Tivestes a fortuna de encontrar encorajamento desde as primeiras vitórias. E se é próprio dos homens marcados para dirigir não se condenarem ao isolamento, a atmosfera que há de cercá-los tem de ser saturada de confiança e estímulo. Logo um grupo luzidio de veteranos intelectuais passou a prestar ao jovem nortista carinhoso apreço. Pedro Lessa, Alfredo Pujol, Calógeras, Pires Brandão foram afeições inalteráveis na vossa vida. Até Capistrano de Abreu se deixou captar. Em carta a João Lúcio de Azevedo esboça os traços de Assis Chateaubriand: “Rapaz de muito talento. De pequena estatura, glabro, nasceu em Imbuzeiro da Paraíba. Tem menos de trinta anos; é substituto da Faculdade do Recife. Colabora no Correio da Manhã, por cuja conta vai agora à Ale-

manha passar um semestre; é redator-chefe do Jornal do Brasil.” Dessa viagem à Alemanha resultou um volume de 449 páginas, editado em 1921. Alemanha, Dias Idos e Vividos, tal o seu título. Sempre a vida a estuar, no escritor destemeroso. O livro, à luz dos acontecimentos futuros, sofreu a influência de impressões passageiras. Em matéria política, sentencia Léon Berard que só se é profeta na oposição. Em matéria jornalística, as crônicas têm de se ressentir da mobilidade da época. Adolf Lassen, conselheiro privado e professor da Universidade de Berlim, proclamava, em setembro de 1914, já deflagrada a guerra: “Um homem que não é alemão não sabe nada da Alemanha.” De maneira que os Blondel, os J. Flach, os Seilhière, os W. Martin, os Joseph Barthelemy, que expuseram ao mundo, naquele período, em traços gerais, as concepções germânicas, eram “intrometidos”. Não admira que o jornalista brasileiro, percorrendo um País amargurado pela derrota, nem sempre pudesse recolher a percepção justa dos fatos. Em conjunto, entretanto, o livro não contém reportagens frívolas, antes obra de analista, aspirando a perscrutar as inspirações dos povos, a estereotipar as tendências dominantes e a extrair dos fatos e dos homens as perspectivas do futuro. Toda a vossa carreira pública se situa no plano da curiosidade. Curiosidade irreverente, injusta por vezes, indiscreta não raro. Mas curiosidade como lema mental. Nem há escritor destinado a exercer influência entre os contemporâneos que não seja aguilhoado pelo desejo de tudo perscrutar e conhecer. Um dos sintomas dessa avidez é o vosso gosto pelo avião. As viagens marítimas, com contatos forçados e em regra inúteis, são sensaborias para o vosso espírito ágil e trepidante. Paul Guth, estudando a personalidade de André Siegfried, salienta que o brilhante escritor, “em lugar de estreitar seus pontos de perspectiva, como a maior parte dos pontífices, cegos pelas honras, os multiplica”. Observa que o autor de tantas obras, em que avulta a penetração do real, considera a curiosidade como o motor inesgotável do rejuvenescimento e relembra a sua frase: “Aprendi mais com as viagens e com a conversação do que com as leituras. Meu método é o de um repórter.” O sabor literário que reacende dos vossos artigos, Sr. Assis Chateaubriand, mostra que a leitura é propícia à expansão de vosso pensamento, mas a arma predileta de vossa atuação é a observação direta, viva e palpitante. O crivo dos tempos passou sobre Tirpitz, “o eterno”. Falkenhayn, “o fascinador”, Ratheneau, “o animador espiritual”, erigidos em símbolos no vosso Na Alemanha. O vosso livro contém, entretanto, páginas em que sobressaem a acuidade da visão, o senso da realidade. O remate do capítulo sobre


os Estados Unidos tem os contornos de uma lição de política econômica. Dissestes: “Sob o aspecto financeiro, a chave da ressurreição europeia se encontra, pois, nas mãos dos Estados Unidos. Esses são os senhores da política de cooperação, que será a única capaz de salvar o Velho Mundo do bolchevismo sob a forma anárquica pela qual domina ele na Rússia. O apelo da Europa não deve ser dirigido ao espírito idealista da raça, mas antes à sua mesma índole prática.” A vossa observação data de 1921, e como os fatos vos deram razão! O mesmo espírito penetrante e que, sob as aparências da inquietação exterior, envolve argúcia e sutileza, nem sempre encontradiças nos que escrevem ao sabor dos acontecimentos do dia, via realizada a sua predição, com o papel preponderante da grande nação norte-americana nos destinos das raças livres. Esse mesmo espírito é o que, mais de trinta anos passados, ergue a sua voz impetuosa e vibrante, combatendo, indiferente aos apodos, o Jacobinismo econômico. Essa continuidade de pensamento, expresso na juventude e ratificado na maturidade, sintetiza poderosa regra mental. Viste igualmente com irrefragável nitidez o que continha a estrutura dos tratados de paz. Assinalastes os defeitos do arcabouço, em prejuízo dos objetivos visados, e salientastes com a precisão do cultor do Direito: “Só uma obra paciente feita num espírito simpático de justiça, poderia triunfar contra o caos.”Também em relação à cooperação da ciência com os problemas militares tivestes conceitos de vidente. Proclamastes sem reservas: “A guerra futura será uma guerra de laboratório.” E depois dessa concisão, o remate inacessível à contradita: “A Ciência se prepara a fim de entregar ao homem o segredo de elementos de destruição de tal modo assustadores que é de crer, nesse dia, o receio do aniquilamento coletivo ponha termo às veleidades belicosas dos profissionais da carnagem e da morte.” O vosso estilo transborda de exuberância, destreza e flexuosidade. Nem sempre límpido; sempre empolgante. Encachoeirase por vezes, envolvendo o leitor numa atmosfera da qual a meditação é banida. Há certas passagens de vossa produção jornalística em que sentimos que o vigor do raciocínio se perde no labirinto que ides criando. Para chegardes a uma conclusão, o vosso espírito divaga em torneios dispensáveis. Entretanto, quando quereis ser objetivo, a vossa capacidade de observação atinge pontos culminantes. A verdade é que no vosso estilo jornalístico debalde encontraremos qualquer imitação. Tendes feição própria; nem o poder verbal e a torrente caudalosa de Ruy nem a simplicidade de Ferreira de Araújo, nem a simetria sentenciosa de Alcindo Guanabara. Esse refugir ao pastiche é o que realça

igualmente a vossa oratória parlamentar. Apresentais decerto traços da oratória britânica e não de oratória latina. Zombarias à Sheridan, acentos à Churchill, para citar dois exemplos distantes no tempo, mas iguais no processo mental. Os vossos grandes discursos sobre assuntos os mais variados revelaram uma força nova a agir com estrépito no cenário do Congresso Nacional, despertando simpatia, acolhimento e repercussão mais profunda do que a de vossos artigos de jornal. Não sois ironista. A forma sarcástica é a deformação da ideia. Só a exercem com proficiência os seres malignos ou refolhados. Aliás, os ironistas são os mais suscetíveis e, por estranha contradição, os que menos suportam o revide. A ironia difere do humour; este é límpido e fluido; a outra, artificiosa e pedante. A vossa natureza indômita não se acomoda à ironia pretensiosa. Mas os vossos leitores sempre se surpreendem com a irisação de vossa prosa. Edouard Herriot diz do vocabulário do vosso grande homônimo nas Letras francesas ser ele uma invenção perpétua. O vosso, Sr. Assis Chateaubriand, traz sempre o imprevisto, o traço cintilante, a expressão inédita. O ponto decisivo da vossa atividade jornalística foi a criação dos Diários Associados. Não vos bastou a aquisição de um jornal, até então de índole conservadora e com acentuado cuidado pelos aspectos culturais. A ajuda de amigos influentes mostra até que ponto já começava a se manifestar o vosso poder de captação para empreendimentos de alcance social. Precisáveis de alavanca mais poderosa, e a organização de uma rede de jornais, se atendia à vossa ambição de domínio, correspondia ao sentido da vossa orientação intelectual. Com ela lucraria o sentimento da unidade nacional, respeitadas as peculiaridades das regiões a que procuráveis servir e que mereciam, com a intuição das coisas que vos é inata, devido apreço. Para esse certame vos inspirastes no exemplo da imprensa norte-americana. Pierre Donoyer, na sua monografia La presse dans le monde, acentua a diferenciação das características da imprensa inglesa e da imprensa norte-americana. Da primeira, as grandes famílias, a importância da imprensa de Londres, filiações políticas, “o Times, instituição nacional”. Da segunda, o mercantilismo, “cadeias de jornais, sindicatos, tabloides, divisão do trabalho, abundância de matéria, sensação, interesse humano”. O abundante volume American Journalism, de Frank Smith Mott, a mais copiosa contribuição no gênero, demonstra a atitude dessas cadeias, que remontam a Frank Munsey e têm como protótipo Scripts-Howard e Hearst. Quem esquadrinhar a rede de publicidade que alargaste pelo país inteiro, não limitando o perímetro de sua ação à capital da

República, verificará que ides, pouco a pouco, alcançando a meta de vossos desígnios. Não interessa fundamentalmente ao exegeta de vossa obra o resultado prático nem o fruto político dessa realização. Deveis mesmo ter experimentado desilusões sobre as messes colhidas no terreno da ascendência sobre a opinião. À vossa argúcia não escapa o exemplo dos Estados Unidos. À poderosa organização material e extensão dos recursos de publicidade não se cifram proporcionalmente no império sobre a opinião. James Bryce, autor infalível nos comentários sobre a grande República norte-americana, conceituava que os jornais são influentes de três maneiras: como narradores, como advogados e como cata-ventos. Em belas páginas mostrava as reservas da opinião no tocante à influência da imprensa. Sessenta anos mais tarde, na fase das redes de jornais, a se espalharem por todo o território, o mais recente comentador da vida norte-americana, André Siegfried, em Tableau des Etats Unis, observa: “Restaria a ver se a imprensa é efetivamente influente. Pode-se duvidar disto: sob Roosevelt, a maior parte dos jornais era de republicanos e ele era sempre reeleito. Em 1952 a maior parte dos jornais, mesmo republicanos, era redigida sob a orientação de repórteres que sustentavam Stevenson, e, entretanto, este foi batido. Será noutra parte que se formaria verdadeiramente a opinião?” O exemplo do Brasil não difere. Em 1910, 1919, 1922, 1945, 1950, os vitoriosos nas urnas não eram os favoritos da maioria da imprensa.Temos de relegar, portanto, a influência de vossa organização na direção governamental do País e nos interesses extrair do vosso empreendimento os benefícios proporcionados ao progresso e à cultura nacional. Pontos essenciais da vida do País entraram na esfera de vossa ação construtiva; a aviação, o cuidado pela criança, o estímulo às artes e o encorajamento às vocações da mocidade. Não deveis temer o julgamento. Os vossos arremessos, as injustiças de alguns de vossos comentários, as fórmulas parciais tão comuns no critério dos homens de imprensa desaparecerão em face do acervo que a obra representa, no sentido social e mental. Podemos nos orgulhar de nossa posição proeminente nos progressos da aviação. A ela se devota uma legião de compatrícios, acrisolando-se no sacrifício de todos os dias para erguer bem alto as asas do Brasil. É de Shelley o dito famoso: “A alegria da alma está na ação.” A nossa Literatura ainda não produziu um Saint-Exupery,piloto do ar e escritor, mas os feitos dos nossos aeronautas nos enchem de ufania e confiança na nossa raça. Não se há de escrever a história da aviação em nossa Pátria sem que o vosso nome não seja lembrado. Levais o apuro na contribuição para o nosso fervor aviatóMarço/Abril/2017 |

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rio até ao cuidado de consagrar aos aparelhos de vossa iniciativa o nome de vultos do passado, entrelaçando-os com os anseios da mocidade, a que eles se destinam. Semeais para o presente, com as vistas para os que fazem a grandeza do nosso patrimônio cívico. As obras de caráter pediátrico que tendes ajudado a criar e a desenvolver refletem a consciência do que tem sido a vossa vida. Não esqueceis, também, as conquistas da Arte. Só quem conhece o Museu de Arte Moderna de São Paulo, no funcionamento dos seus serviços, e assistiu enlevado aos cursos educacionais que ali se professam, pode calcular os benefícios que aquela instituição tem prestado à coletividade paulista, despertando nos jovens menos favorecidos a vocação para os misteres artísticos. Tudo isto representa para o País inestimável serviço que a posteridade há de registrar. Se aludo a esses aspectos de vossa tarefa é porque eles se entroncam na finalidade da vossa carreira e o seu relevo reflui sobre a Casa a que vindes pertencer. Não se pode separar o artífice dos instrumentos que ele maneja. Sois por destino um animador e mesmo na diversidade de vossas iniciativas e na trepidação de vossos cometimentos haveis de compor a unidade da vida. O Sr. Gilberto Amado, em penetrante estudo, com as fulgurações de espírito e lavores de seu incomparável estilo – pena é que esse grande pensador não pertença à Academia – assere: “Quando o acaso reúne no mesmo indivíduo as duas potencialidades, a de conceber e a de fazer, surpreendente é que conceber e realizar sejam coesos e sincrônicos sem interrupção e dissonância. A equipolência das duas virtudes é raríssima. Em Chateaubriand acumulam- se e funcionam em perfeito equilíbrio. E presidindo a ambas a dupla continuidade: a do arranco

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todo dia recomeçado e a da prossecução em nenhum dia surpreendida.” Não poderíeis obter sentença mais verídica e completa. A Academia indubitavelmente sagrou em vós o jornalista. A nossa Instituição sempre teve o fascínio pelos líderes da imprensa. Entre os seus fundadores Alcindo Guanabara, José do Patrocínio Medeiros e Albuquerque e Carlos de Laet. Ruy Barbosa escolhe para Patrono Evaristo da Veiga, Sylvio escolhe Hipólito da Costa, José do Patrocínio escolhe Joaquim Serra. E no momento, em menos de dois anos, a Academia acolheu sucessivamente três jornalistas notáveis. Contraste com a Academia Francesa que, neste instante, desaparecido André Chaumeix, não conta nos seus quadros um só titular da imprensa. Vindes substituir a Getú1io Vargas. Fostes sempre um enamorado dele, desde “O Monstro” até às orações comoventes e às réplicas veementes por ocasião de sua morte. Dir-se-á que o termo do artigo é rebarbativo; a intenção porém, nada tinha de deprimente. Também Paul Deschanel empregou a mesma palavra em relação a Gambetta ao receber Alexandre Ribot na Academia Francesa. A adequação da figura era diversa. Deschanel quis aludir ao dominador do Parlamento, monstruoso no seu poderio. Vós quisestes estereotipar a astúcia, o maquiavelismo, e a acepção, aí, é a de prodigioso, que os léxicos registram. Não quero esquecer um de vossos maiores êxitos jornalísticos, a entrevista com “Sumner Wells, o anjo rebelado”. Como esta vossa expressão encontrou ressonância em nossa vida política, aplicada posteriormente a lidadores partidários! Nesta entrevista, publicada em setembro de 1944, em momento em que se acendiam desconfianças contra Getúlio Vargas no campo internacional – já que a suspicácia de sua ação na política in-

terna era dogma entre os seus adversários, com reflexos na opinião –, neste trabalho insististes no vosso tema constante, do cemitério em que Vargas sepultava, com todo o rito da inumação, tantos dos seus servidores, e aludistes “ao aspecto getuliano de Roosevelt e ao mesmo traço maravilhoso de Vargas”. E acrescentastes: “Dois homens que são fortes porque não têm paixões, porque são frígidos, se dominam e deixam que os passionários se percam pelas próprias mãos, entregues à fatalidade do mesmo temperamento.” Só o sentimento de atração levaria o analista a colocar no mesmo nível o reformador audaz do Nédia e o astuto e sutil governante do Brasil. Não manifestastes, em instante algum de vossa carreira, o propósito de solicitar os sufrágios da Academia. Confessáveis, mesmo, divergências de mentalidade e independência de rito com a Instituição. O desaparecimento trágico do nosso grande companheiro despertou-vos a ideia de ingressar nesta Casa e fostes movido ainda uma vez pelo fascínio do homem de quem tínheis de retraçar o perfil. A tarefa era adequada aos sentimentos que uma convivência de longos anos cimentara no espírito e se afervorava nos impulsos do coração. Não foram poucos os dissentimentos surgidos nessas relações; frequentes as rusgas e amuos. Inspirariam um Juvenal as cenas de reconciliação. Esboçastes em “O Monstro” o prenúncio do que viria a ser a ação do chefe do Governo Provisório. O artigo é datado de 18 de novembro de 1930. Mediavam apenas vinte dias entre a deflagração do petardo e a posse do ditador. Os que relerem o artigo terão de reconhecer a clarividência de vossas impressões. Vinte e cinco anos depois, vem ecoar neste recinto uma das mais fulgurantes peças literárias, a enriquecer os nossos anais.


Não sei como me atrevo a falar de Getúlio Vargas, depois do vosso discurso. Podemos nesta Casa nos expressar sobre o inolvidável brasileiro com todas as veras do coração e com o senso da verdade histórica, soberana sobre as paixões. Ele esquecia em nossa convivência ressentimentos e amarguras. A última visita que nos fez foi no primeiro aniversário do seu atribulado governo, com a alma já pungida, mas sempre com a distinção de maneiras e a suavidade do trato, que, se não aumentavam aos nossos olhos a figura do chefe do Estado, realçavam a nobreza do companheiro. Retribuía com igualada confiança e indisfarçável efusão a honra que lhe conferimos, consagrando, a exemplo do que faz a Academia Francesa, um homem de Estado, preocupado com os problemas culturais do País e tendo no seu acervo produções de indiscutível valor. Não se pode negar a Getúlio Vargas o culto da inteligência, revelado na sua atuação parlamentar, nos seus atos de governo nos seus hábitos de sociedade, na satisfação em que se comprazia do convívio com intelectuais. O sr.Pedro Calmon narrou, na sessão consagrada à sua memória, que, na fase aguda da crise de remate tão trágico, passou quase uma hora a discretear com o presidente da República, abraços com a onda que dentro em pouco o submergiria, sobre assuntos literários, permanecendo íntegras a memória e a visão intelectual do interlocutor. No discurso de recepção, Getúlio Vargas, com a modéstia tão natural da sua índole, confessava não ser “um escritor de ofício” e escusava essa deficiência com a atração que sempre teve pelos homens de pensamento, as inteligências cultas e desinteressadas. Quanto ao papel da Academia, acentua-lhe o relevo de “uma espécie de judicatura sobre a vida mental do País, preparando uma atmosfera de

interesse e de respeito pelas criações intelectuais, estimulando as vocações e facilitandolhes o acesso às fontes de revigoramento e renovação espiritual”. De nossa parte, o dever da verdade nos leva a consignar que não houve solicitação da Academia em prol das Letras nacionais que não merecesse o seu apreço e não recebesse o seu apoio. Numa das nossas últimas sessões, o Sr. Levi Carneiro, com o senso de veracidade que o caracteriza, salientou a correção, a firmeza de Getúlio Vargas na solidariedade dada à Academia no desenvolvimento da questão ortográfica, com o pensamento de estreitar ainda mais as relações culturais entre Brasil e Portugal. Não falta quem faça restrições aos recursos intelectuais de Getúlio Vargas. O crítico desapaixonado encontrará, entretanto, nos seus discursos, nas suas outras produções, os traços de uma mentalidade afeiçoada aos estudos, destra no manejo da linguagem, zelosa do vernáculo, encontrando mesmo, no natural e na simplicidade de suas manifestações intelectuais, o sinal de uma organização mental equilibrada, segura e consciente. Rememorastes, Sr. Assis Chateaubriand, vários episódios dessa carreira sem par na nossa história política. Ninguém mudou mais a fisionomia social da Nação. O seu sincretismo levava-o a variar de direção ao respigo dos acontecimentos. Isto será tarefa do historiador da sua política. Mas a sua personalidade não foge à argúcia do analista que sois, e retratais em frases lapidares as alternativas dessa curiosa figura, que não desapareceu da história. Ao meditar sobre certos aspectos de vossas observações sobre as contradições do temperamento e as variantes da conduta de Getúlio Vargas, vemme à mente o trecho em que Louis Madelin salienta, no Talleyrand, que Napoleão “se

interessava tão vivamente pela vida, que seguia com olhar apaixonado um belo ‘trabalho’, mesmo feito contra ele”. A cerimônia que neste instante realizamos perderia na sensibilidade e na emoção se a desvirtuassem propósitos de política ou de paixão. Mas, para honra da Academia, que elegeu Getúlio Vargas, podemos fazer uma reflexão justa. Essa figura exerceu tanta fascinação entre os contemporâneos, brasileiros tão eminentes, pelo talento, pela cultura, pela moralidade, o serviram – e os seus processos não variavam no exercício dos poderes discricionários ou no manejo do sistema constitucional – que temos de considerá-lo como um valor prodigioso na direção dos homens. A Academia Brasileira comprazia-se com a sua presença na galeria de seus autênticos servidores. Reitera hoje à sua memória preito de reconhecimento e apreço. Os vossos predecessores na Cadeira 37 aumentaram o patrimônio intelectual desta Casa. Silva Ramos exerceu o professorado com abnegação, solicitude e inteligência exemplares, constituindo-se uma das barreiras contra a desnaturação da linguagem e o desamor do vernáculo. Alcântara Machado e Getúlio Vargas serviram à Pátria, com entranhado zelo pelas suas forças espirituais, amando enternecidamente a terra e a gente. Haveis de enfrentar, confiante e sobranceiro, as responsabilidades da sucessão. A vossa poderosa capacidade jornalística, a luminosidade de vossas concepções, o destemor de vosso espírito na defesa das ideias, a inesgotável provisão de fé e entusiasmo de vossas iniciativas asseguram a continuidade da trajetória que tendes percorrido. Confiamos em vós, Sr. Assis Chateaubriand, no resguardo do nosso padrão de cultura, labor e poderio mental. (*) Discurso de saudação ao Acadêmico Assis Chateaubriand, na sessão solene de sua posse, aos 27 de agosto d 1955.

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RELIGIÃO AUGUSTO DOS ANJOS E A HIPÓTESE DA REENCARNAÇÃO Chico Viana

A poesia de Augusto dos Anjos tem sido objeto de múltiplas avaliações. A riqueza imagística, a erudição inesgotável e a profundidade psicológica, entre outros atributos, fazem com que os críticos a vinculem aos mais variados sistemas e crenças. Há quem veja o poeta como ateu, místico, espírita, filósofo e até, paradoxalmente, como um seguidor do ideário positivista. Augusto tem um pouco de tudo isso, mas a rigor não é nada disso. Sua poesia estranha resulta de um choque entre a sensibilidade pessoal, potencializada pela intuição, e um intelecto nutrido por diversificadas leituras, grande parte delas vinculada ao cientificismo com que se deparou na Faculdade de Direito do Recife. Ali se ensinava Positivismo, e o contato com essa vertente do pensamento abalou suas crenças metafísicas e concorreu para o dramatismo e o teor agônico de suas imagens. Era desesperador para o menino criado no engenho e educado segundo os princípios cristãos deparar-se com o evolucionismo de um Haeckel ou de um Spencer, para os quais tudo na natureza evolui segundo leis objetivas e impessoais. Por essa ótica evolutiva, de base essencialmente material, não se cogita de um Além e nada haveria que transcendesse a existência neste mundo. Tal concepção do homem e do universo marcou profundamente o poeta. Segundo R. Magalhães Júnior, “a convivência, com professores e alunos, num centro cultural fervilhante de ideias, causaria poderoso impacto em sua inteligência moça, dando nova feição à sua poesia” (MAGALHÃES JÚNIOR, p. 80). O contato com o Positivismo acentuou-lhe o desespero metafísico. A percepção de um mundo no qual vida e morte se alternam traduz-se na sua obra em imagens de desconstituição e reconstituição da matéria. “Eu e outras poesias” espelha a dialética entre destruição e recomeço à qual a natureza, o homem e mesmo o cosmo estão inflexivelmente submetidos. Numa outra chave de leitura, e considerando o substrato cristão que dinamiza muitas das imagens presentes em Eu e outras poesias, procurei vincular esse duplo movimento ao mito do

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“pecado original”, pois uma das obsessões do poeta é substituir o homem decaído, e marcado pela Falta, por um homem novo. A ideia de que a vida é a morte, e vice-versa, tem uma base natural, biológica, e seduzia os adeptos da Escola de Recife. Articulava-se com outro sistema em voga, o monismo, que permeia a visão de mundo de Augusto dos Anjos. Segundo Alexei Bueno, na introdução à Obra Completa publicada pela Nova Aguilar, o “Monismo evolucionista se transformou nas mãos de Augusto dos Anjos em uma espécie de sistema místico totalizador, que lhe serviu de base tão legítima para o exercício estético quanto sistemas religiosos serviram de base para poetas místicos de todos os tempos” (BUENO, p. 23). O monismo supõe a percepção da unidade dos contrários, visível no expressionismo barroco do poeta. Os exemplos de antítese e de enumeração caótica, que traduzem o amálgama de elementos heterogêneos na natureza, são abundantes em sua obra. “Perceptíveis no campo dos fenômenos, os contrastes se constituem num dos polos tensionais da poesia de Augusto dos Anjos – entre ‘a saúde das forças subterrâneas’ versus ‘a morbidez dos seres ilusórios’. O mórbido é o ilusório, ou seja, o fenomênico; preserva-se o estatuto de saúde para o potencial, identificado com as forças subterrâneas, com o que pode vir a ser”. (VIANA, p. 54). É para melhor traduzir a dinâmica na qual os opostos se alternam rumo ao aprimoramento e à Unidade (à “Coisa em si”) que o poeta se apropria, por exemplo, do conceito de Samsara. “Samsara” é o termo com que, no budismo, se designa “a série ininterrupta de mutações a que a vida é submetida, espécie de ronda infernal de que o indivíduo só se liberta quando alcança o nirvana”. Segundo Sandra Erickson, “a via crucis de (...) de noite-dia, escuridão-luz e, muitas vezes, clarividência, (vivida pelo leu lírico), não é cultivada por acaso ou pelo apreço por antíteses barrocas (...). No Budismo essa é exatamente a trajetória das formas vivas no mundo samsárico: movimento de escuridão (avydia, ignorância) para luz (iluminação, obtenção do estado nirvânico)” (ERICKSON, p.

142). Mas o Samsara também pode ser compreendido como “o ciclo de morte e renascimento da consciência de uma mesma pessoa”, o que seria razoável para interpretar a ciclotimia de uma psique como a de Augusto dos Anjos. Considerando essas definições, é possível ver a poesia do paraibano como samsárica num sentido lato, metafórico. A alternância entre destruição e recomeço marca o ritmo da evolução e encoraja a crença no renascimento. O problema é saber até que ponto esse renascer comporta a aceitação de que a alma retorna à vida e habita sucessivos corpos. As referências à reencarnação, ou à metempsicose, remontam ao orfismo e ao pitagorismo, que tendem a associar misticismo e racionalidade. Essa nobre tradição filosófica dá algum respaldo aos que preferem interpretar os versos do poeta pela ótica reencarnacionista. A verdade, porém, é que uma abordagem literária fundada nessa ideia tem pouco rendimento hermenêutico. Interessa muito mais aos seus defensores do que, propriamente, aos que buscam entender o fenômeno literário como tal. O que me a meu ver torna frágeis hipóteses como a da reencarnação para definir uma personalidade individual, ou literária, é o dado da historicidade. O ser humano é produto de forças concretas, históricas, que o moldam conforme circunstâncias precisas. Bastaria, por exemplo, que minha mãe fosse outra para eu agir e sentir de forma diferente da que penso e ajo. Imaginar que uma entidade prévia, uma alma, se encarna em alguém é supor que a constituição psicológica dessa pessoa independe das circunstâncias em que ela nasce e da forma como se molda. Tal perspectiva, embora represente um consolo, não deixa também ser um limite à liberdade individual. Sabe-se, na esteira de Sartre e de outros existencialistas, que o homem é em grande parte produto das suas escolhas e constitui a subjetividade a partir da inter-relação com o meio e do sentido que dá à própria vida. Um dos poemas em que se costuma relacionar Augusto dos Anjos e reencarnação é “O solilóquio de um visionário”. Seguem os versos:


Para desvirginar o labirinto Do velho e metafísico Mistério, Comi meus olhos crus no cemitério, Numa antropofagia de faminto! A digestão desse manjar funéreo Tornado sangue transformou-me o instinto De humanas impressões visuais que eu sinto, Nas divinas visões do íncola etéreo! Vestido de hidrogênio incandescente, Vaguei um século, improficuamente, Pelas monotonias siderais... Subi talvez às máximas alturas, Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras, É necessário que inda eu suba mais! A referência a “comer os olhos crus” destaca, metonimicamente, a renúncia ao prazer dos sentidos; ao mesmo tempo, sublinha a inanidade do empenho intelectual para “desvirginar o velho e metafísico mistério”, ou seja, para compreender o mistério da vida e, sobretudo, o da morte. Há quem interprete último terceto como um sinal da crença do poeta em almas de outro mundo que voltam a fim de neste se aperfeiçoar. Por essa ótica o autor se refere mesmo a um corpo que, depois de enterrado, liberta sua alma. Essa é uma leitura bastante redutora, pois nega o caráter metafórico das imagens e suprime um aspecto importante da poesia de Augusto dos Anjos -- o anseio de sublimação. Tal anseio se expressa claramente no segundo quarteto, em que o eu lírico alude a uma es-

pécie de transubstanciação por meio da qual as impressões visuais e humanas se transformam em visões divinas, etéreas, o que supõe uma abdicação dos sentidos e, consequentemente, do prazer. Não é raro ele qualificar a sua mágoa como um desgosto ante a efêmera e pecaminosa natureza humana. Sublimar, segundo Freud, é desviar o instinto sexual para atividades do intelecto e do espírito. Para Augusto, significa libertar-se das prisões carnais. Esse impulso rumo à sublimidade e ao ideal lembra Cruz e Sousa, que também deseja escapar do “cárcere das almas”. A purificação viria por uma ascese, uma espécie de retorno ao éter, e não pelo retorno à vida terrena. É próprio de Augusto o uso polissêmico de termos vinculados ao universo da ciência, da filosofia e da religião. Por efeito disso, conceitos como o de mônada e de monera perdem a referência original e adquirem novas ressonâncias significativas. O poeta aproveita tudo que sirva de veículo às suas inquietações e, sobretudo, que valorize expressivamente as imagens. É nessa perspectiva que se devem entender as referências a termos como “Samsara”, “Nirvana” e outros que ligam a visão de mundo de Augusto ao pensamento oriental. Tais referências remontam ao ideal helênico da ataraxia, que supõe “a extinção ou o domínio das paixões, desejos e inclinações sensórias”. É possível também perceber nos poemas do paraibano ecos de um budismo colhido indiretamente em Schopenhauer, o filósofo das dores do mundo. Fugir à dor implica renunciar aos instintos e, ao mesmo tempo, viver “na luz dos astros imortais/ imortais/ Abraçado com todas as estrelas!”, conforme se lê em “O poeta do hediondo”. Augusto não é ortodoxo em nada (a não ser

no seu compromisso com a Arte). Ele emprega a nomenclatura científica e religiosa numa perspectiva metafórica e, com isso, desautoriza as interpretações que tendem a vê-lo como partidário de algum tipo de credo ou sistema filosófico. Isso fica claro quando o poeta se apropria do conceito de Nirvana. Segundo o budismo o Nirvana é um estado, e não um lugar. Corresponde, “à extinção definitiva do sofrimento humano, alcançada por meio da supressão do desejo e da consciência individual”. Não é bem essa a configuração semântica que a palavra tem no final de “Os Doentes”. Nesse longo poema de clima sombrio e apocalíptico, o poeta procede a uma série de recriminações a uma espécie (a nossa) que violou as leis da natureza. O castigo para essa violação é a morte, conforme preceitua a doutrina cristã. Nos versos finais, que confirmam a dialética entre morte e renovação, percebe-se um aceno de esperança. O poeta se confessa espectador de uma cena auspiciosa: a substituição do homem pecador por outro, não corrompido pela Falta. Escreve ele então: “E eu, com os pés atolados no Nirvana,/ Acompanhava, com um prazer secreto,/ A gestação daquele grande feto/ Que vinha substituir Espécie Humana!” (249). O desejo de outra humanidade relaciona-se com o mito do Objeto Perdido, que o idealismo alemão incutiu no Romantismo e por extensão no Simbolismo, de que nosso poeta nunca se desvencilhou. Esse mito foi largamente cultivado pelos poetas do final do século XIX. Além do citado Cruz e Sousa pode-se mencionar Augusto de Lima, que escreve nos tercetos da sua “Nostalgia panteísta” (um título que poderia ser de Augusto dos Anjos): “Homem, concha exilada, igual lamento/ Em ti mesmo ouvirás, se

ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES OAB Nº. 17.131/PB

Fone: (83) 99981-2335

Conselheiro Aposentado do Tribunal de Contas do Estado Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba Especialista em Direito Administrativo Março/Abril/2017 |

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ouvido atento/ Aos recessos do espírito volveres. // É de saudade, esse lamento humano,/ De uma vida anterior, pátrio oceano/ Da unidade concêntrica dos seres.” Mas o que interessa é chamar a atenção, nos versos finais de “Os Doentes”, para a referência a esses “pés atolados no Nirvana”. Trata-se de uma imagem curiosa, em que o Nirvana aparece não como um estado, mas como um lócus. Um lugar onde o eu lírico “atola os pés”. Certamente nenhum budista concordaria com essa formulação grosseira para designar a Iluminação, um estado graças ao qual a alma se liberta dos grilhões do desejo. Assim como nenhum monista da época concordaria com alguém que visse Deus

como “uma mônada esquisita”; e nenhum adepto de Haeckel aceitaria ver a monera como uma “mãe antiga”. A ideia de algo em que os pés se atolam é mais de entrave, impotência, do que de libertação. A reencarnação supõe que a alma se circunscreve ao plano individual. Tal suposição não se ajusta à visão de mundo de Augusto dos Anjos, para quem o “eu” é na verdade um “nós”. O que deve se purificar não é o indivíduo ao longo de diversas vidas, e sim toda a Humanidade. Por esse impulso salvacionista, o poeta se aparenta a um redentor. Com efeito, “a exacerbação do senso ético, a fusão ilimitada com as dores do homem e do mundo, o desejo de redimir a natureza condenada pelo ‘vício’ – tudo faz pensar

no eu lírico como um novo Cristo, um terceiro Adão”. (VIANA, p. 153). Não vejo, enfim, como conciliar a ânsia de purificação e aperfeiçoamento coletivo com a ideia de reencarnação ou metempsicose, que supõe o aprimoramento individual. Defender essa ideia é reduzir a amplitude e o valor das imagens poéticas, e sobretudo desconhecer que para Augusto o espaço da metafísica é o espaço da Arte. Ele afirma isso, programaticamente, em versos antológicos de “Monólogo de uma Sombra”: “Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,/ Abranda as rochas rígidas, torna água/ Todo o fogo telúrico profundo/ E reduz, sem que, entanto, a desintegre,/ À condição de uma planície alegre,/ A aspereza orográfica do mundo!”. g

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANJOS, Augusto dos. Obra Completa. Volume único. Organização, seleção de textos e notas por Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2014. BUENO, Alexei. Augusto dos Anjos; origens de uma poética. In: Obra Completa, p. 21-34. ERICKSON, Sandra S. F. Dharmakaya e Nirvanakaya: corpos de êxtase na poesia de Augusto dos Anjos. Religare 9 (2), 141-152 , dezembro de 2012 MAGALHÃES JÚNIOR, R. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1978. VIANA, Chico. O evangelho da podridão; culpa e melancolia em Augusto dos Anjos. 2ª ed. João Pessoa: Fundação Casa de José Américo, 2012. SOBRE CHICO VIANA Chico Viana (Francisco José Gomes Correia) é professor aposentado da UFPB e doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua tese, publicada com o título de “O evangelho da podridão”, estuda a representação da culpa e da melancolia na obra do poeta Augusto dos Anjos. Publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais, como a revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Lingüística (Anpoll) e a da Associação Brasileira de Estudos Medievais (Abrem). Além de “O evangelho da podridão”, publicou ensaios acadêmicos e cinco livros de crônicas. Criou em maio de 2004 o Curso Chico Viana, onde ministra aulas de português, redação e literatura brasileira. Na internet mantém o site www.chicoviana.com, onde abriga parte da sua produção, e seis blogs em que se alternam crônicas, refeitura de trechos redacionais e dicas de português.

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HISTÓRIA O PAI DA PISCICULTURA NA RAINHA DA BORBOREMA: RODOLPHO VON IHERING E A COMISSÃO TÉCNICA DE PISCICULTURA DO NORDESTE EM CAMPINA GRANDE-PB (1934 - 1935) Erika Derquiane Cavalcante e Maria Ida Steinmuller

INTRODUÇÃO - Rodolpho Theodor Wilhelm Gaspar Wilhelm von Ihering nasceu em 17 de julho de 1883, na cidade de Taquara do Mundo Novo, na então Província do Rio Grande do Sul, e faleceu em 15 de setembro de 1939, na cidade de São Paulo. Nome amplamente conhecido no meio acadêmico por seu reconhecido trabalho na área de zoologia.1 Desenvolveu estudos que contribuíram de maneira ímpar para a piscicultura nacional, tendo repercussão internacional. Sua maior contribuição foi no campo da ictiologia2 com a descoberta e o desenvolvimento da técnica de fecundação artificial dos peixes pelo método da hipofisação3. Nomeado para chefiar a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste (1932-1937), criada pelo Ministro de Viação e Obras Públicas, na época, o paraibano José Américo de Almeida, percorreu Estados do Norte e Nordeste, realizando estudos, a fim de melhorar a qualidade de vida da população, através da análise dos açudes e a implantação da criação de peixes. Também a convite de José Américo de Almeida, em 1938, ficou responsável pela chefia do Serviço Nacional de Piscicultura, mas, em 1939, veio a falecer em pleno desenvolvimento do trabalho. (PEREIRA, In: PAIVA, 1984, p. 30). Dr. Rodolpho von Ihering4 não é muito conhecido na Paraíba, principalmente em Campina Grande, cidade onde fez parte dos

Fonte: IHERING, Rodolpho von. Dicionário dos animais.São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1968.

Rodolpho Theodor Gaspar Wilhelm von Ihering

seus estudos e que resultou na descoberta da hipofisação. E à época, segundo relato de sua filha Dora von Ihering Bonança, também não era devidamente reconhecido pelo seu trabalho em contexto nacional. O exemplo é que, após sua descoberta sobre a hipofisação, foi publicado em poucas linhas o seguinte texto: “(...) foi descoberta pelo Dr. Adolfo Neri (?) ora no Nordeste, na Com. Técn. de Pisc. a fecundação artificial dos peixes pelo método da Hipofisação.” (IHERING; BONANÇA, 1983, p.17). No

entanto, foi valorizado no exterior, apresentou relatórios em Congresso nos Estados Unidos, recebendo carta do Ministro de Estado dos EUA dizendo: “A Nação Americana, congratulando-se com o Brasil, seguirá doravante o exemplo e a técnica da descoberta do grande cientista brasileiro...” (IHERING; BONANÇA, 1983, p.24). A descoberta também foi apresentada oficialmente no XV Congresso Internacional de Fisiologia, em 1935, em Moscou e Leningrado, antiga União Soviética, atual Rússia. (GURGEL, 2013, p.59). Houve outras formas de reconhecimento no meio acadêmico, tendo feito parte de Universidades no Brasil e fora do País, como vemos na seguinte citação. Em 1935 estudou as organizações norte-americanas de piscicultura e liminologia. [sic] Era doutor “Honoris Causa” pela Universidade de Giessen, na Alemanha, e membro da Sociedade Brasileira de Ciências, do Rio de Janeiro, da Sociedade de Biologia, de São Paulo, do Clube Zoológico do Brasil, de São Paulo, da Liminological Society of America, de Ann Arbor, U.S.A., e da American Fisheries Society, de New York, U.S.A. (PEREIRA, In: PAIVA, 1984, p.30-31). Atualmente, o legado de suas pesquisas é reconhecido, permanece e é utilizado por outros pesquisadores, dando continuidade a novas pesquisas na área5, sendo as-

Parte da Biologia que trata dos animais, da sua vida e constituição. Dicionário de Português online Michaelis acessado em: 26/11/2016 1. Parte da Zoologia que estuda os peixes. 2. Tratado a respeito dos peixes. Dicionário de Português online Michaelis acessado em: 26/11/2016 3 Técnica na qual se retira a hipófise (glândula situada na cabeça do peixe) e se prepara o estrato macerando-se as glândulas e diluindo em soro formando uma substância que é injetada nos peixes, para estimular a ovulação e a produção de esperma, processo que só ocorreria na época da reprodução. Piscicultura Indígena no Alto do Rio Negro. Encontrado em: <www.socioambiental.org>. Acesso em: 27/11/ 2016. Atualmente, existe estrato de hipófise industrializado, não sendo mais necessário extrair de outros peixes. 4 Dr. Rodolpho von Ihering publicou artigos semanais em jornais como: “O Estado de São Paulo”, “A Gazeta”, “Correio da Manhã” e “Jornal do Brasil”. Publicou obras importantes no meio científico como “Atlas da Fauna do Brasil”, “Contos de um Naturalista”, “Da Vida dos Nossos Animais”, “Da Vida dos Peixes”, “O Livro das Aves”, “No Campo e na Floresta”, “Férias do Pontal”. A obra de maior valor foi o livro “Dicionário dos Animais no Brasil”. (IHERING; BONANÇA, 1983). 5 Em homenagem ao grande cientista existe o Prêmio Rodolpho von Ihering, conferido pela Sociedade Brasileira de Zoologia- SBZ e destinado a melhor tese de doutorado na área de zoologia, divulgado durante o Congresso Brasileiro de Zoologia que ocorre a cada dois anos. O próximo Congresso ocorrerá no ano de 2018 e está em sua 32º edição. Existe também a biblioteca do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais- CEPTA, denominada “Biblioteca Rodolpho von Ihering” em homenagem ao pesquisador da área de ictiologia como também ao ex- servidor da antiga “Estação Experimental de Biologia e Piscicultura de Pirassununga”, criada no inicio do século passado , onde hoje é o CEPTA. (Encontrado em: < http://www.icmbio.gov.br/cepta/biblioteca.html > acessado em 02/02/2017). O pesquisador ainda teve seu nome reconhecido, quando em 1985, o DNOCS inaugurou, em Pentecostes/CE, o Centro de Pesquisas Ictiológicas Rodolpho von Ihering (Revista DNOCS, nº especial, 1997), atual Centro de Pesquisas em Aquicultura Rodolfho von Ihering – CPAq, referencia nacional na reprodução de espécies produtivas, como o pirarucu e a tilápia. 1 2

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Fonte: GOMES, Lourenço Alcides (et. al.); PAIVA, Melquíades Pinto (cood.). (1984, p.198).

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Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, em viagem pelo Sertão da Paraíba, em 1933

sim: “A presença espiritual de Rodolpho von Ihering, na comunidade dos zoólogos brasileiros é por demais evidente. Seus escritos permitem desdobramentos continuados para novas investigações, (...)” (PAIVA, 1984, p. 9). Além disso, vários foram os estudiosos que escreveram sobre a vida, trabalho e obras6 do Dr. Rodolpho von Ihering, dentre estes destacamos o Médico e Zoólogo Cândido Firmino de Melo Leitão Júnior (18861949), nascido na Fazenda Cajazeiras, em Campina Grande-PB. Cândido Firmino de Melo Leitão Júnior, em 1910, escreveu: “A Piscicultura, no Brasil, é uma página em

Fonte: GOMES, Lourenço Alcides (et. al.); PAIVA, Melquíades Pinto (cood.), (1984, p.197).

Provavelmente do ano de 1933 onde aparecem Pedro Azevedo (à frente) e Ihering (atrás), no açude Simão, de propriedade do Coronel Josino Agra, situado nos arredores da cidade de Campina Grande- PB.

branco.” (MENEZES, 1984, p.87). Alguns anos mais tarde ressaltou a importância de se ter um brasileiro engajado na pesquisa. Quando José Américo de Almeida cria a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste e nomeia o Dr. Rodolpho von Ihering, ele ressalta: “Ainda bem que para resolver problemas nossos era chamado um brasileiro [...]” (LEITÃO, In: PAIVA, 1984, p. 22). Desta forma, neste trabalho, evidenciaremos a passagem do Dr. Rodolpho von Ihering pela Paraíba, mais especificamente em Campina Grande, cidade escolhida para ser a sede da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, instalada no início de 1934. No

entanto, em maio 1935 a sede foi transferida para o Ceará, onde funcionou até 1945, quando foi transformada em Serviço de Piscicultura, Setor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS. (PAIVA; MESQUITA, 2014). Durante a permanência em Campina Grande, foram efetivadas várias análises em açudes de diversos municípios do Estado da Paraíba. Em Campina Grande se destacou o açude Bodocongó7. Em decorrência desses estudos realizados pela Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, Campina Grande passou a ser considerada, pela comunidade científica especializada na área, o berço Fonte: IHERING; BONANÇA. (1983, p. 230-235)

Vista do açude Bodocongó em Campina Grande desenhado pelo artista plástico Prof. Alfredo Norfini.

Rodolpho von Ihering também escreveu inúmeros trabalhos incluindo livros e livros voltados para o público infanto-juvenil, artigos científicos, artigos em jornais. Dentre eles destacamos O Livrinho das Aves (1914). Fauna do Brasil (1917). Da Vida Dos Peixes (1923). Contos de um Naturalista (1924). No Campo e na Floresta (1927). Da Vida dos Nossos Animais (1934). E uma das obras mais importantes dentro das ciências naturais o Dicionário dos animais do Brasil (1940). Ver mais em Hitoshi Nomura. “Análise sucinta da obra científica, literária e de divulgação do Doutor Rodolpho von Ihering. In: PAIVA, Melquíades Pinto (coord.) A permanência de Rodolpho von Ihering: Livro jubilar pela passagem do primeiro centenário do seu nascimento (1883-1983). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para a conservação da natureza, 1984. 7 O significado da palavra Bodocongo, de acordo com João Jorge Rietveld, está relacionada a presença africana no leste do cariri paraibano. Para o autor a palavra se divide “[...] em uma palavra indígena, supostamente cariri “bodo”, indicando “agua correndo” e outra de origem africana, “congo”, indicando “escravo” e neste caso foragido, quilombola. Bodocongo significaria então: o riacho onde moram descendentes de africanos, provavelmente fugidos no século XVII e depois incorporados nas fazendas emergentes segundo uma das histórias orais do município de Congo.”(p.168). 6

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da Limnologia no Brasil, pelas pesquisas do limnólogo americano Dr. Stillman Wright convidado pelo Dr. Rodolpho von Ihering, para fazer parte da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste. Assim, Dr. Rodolpho von Ihering nos informa quando da chegada do Dr. Stillman Wright: “Uns dois meses depois, nós o recebíamos no Cais do Porto de Recife. [...]. No dia seguinte, partíamos para o nosso pouso fixo em Campina Grande-PB [...]” (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 90). Nesse contexto, temos uma lacuna na história de Campina Grande em relação à passagem do Dr. Rodolpho von Ihering e seus colaboradores que modestamente tentaremos preencher neste artigo.8

Sendo assim, nossos objetivos são: Contextualizar o momento histórico da instalação da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste em Campina Grande; dar visibilidade a uma parte da história de Campina Grande, através do trabalho da referida Comissão liderada pelo Dr. Rodolpho von Ihering; e, tentar compreender por que a sede se instalou em Campina Grande. Para atingir nossos objetivos foi realizada a pesquisa bibliográfica e documental sobre o assunto. Vasta documentação foi cedida pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Instituto Histórico de Campina Grande. Pesquisas foram realizadas nos arquivos Átila Almeida, e no

PAIVA; MESQUITA (2013, p.14)

Fonte: IHERING; BONANÇA, (1983, p.157).

Interior do carro laboratório

rico acervo pessoal do Engenheiro Agrônomo Joaquim Osterne Carneiro. Dividiremos este artigo da seguinte forma: primeiro discorreremos, brevemente, sobre as viagens feitas por Dr. Rodolpho von Ihering à Paraíba e Pernambuco antes da criação e até a instalação da Comissão, enfatizando os primeiros contatos com o então Interventor da Paraíba, Antenor Navarro. Posteriormente, discorreremos brevemente sobre o contexto histórico de Campina Grande na década de 1930. Em seguida, sobre a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste e a necessidade de estudar as condições dos açudes do Nordeste, tentando implantar alternativas de sobrevivência com

Carro laboratório

8 Este trabalho é fruto da apresentação de Maria Ida Steinmuller, presidente do IHCG, pelo historiador e presidente do IHGP, Joaquim Osterne Carneiro, aos doutores Melquíades Pinto Paiva e sua esposa Maria Arair Pinto Paiva, durante o VI Colóquio dos Institutos Históricos Brasileiros, realizado no Rio de Janeiro, entre 21 e 23 de outubro de 2014. As excepcionais orientações e apoio do Doutor em Ciências pela USP, Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará, Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, surgiu o refletir sobre a história de Campina Grande e, mais especificamente, sobre o Zoólogo e Biólogo brasileiro Rodolpho von Ihering, seus estudos e descoberta do método da hipofisação na cidade Rainha da Borborema, e considerado o PAI DA PISCICULTURA BRASILEIRA.

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a ictiologia, sendo parte das obras implementadas pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) hoje DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) no Nordeste. Por fim, refletiremos sobre a passagem do Dr. Rodolpho von Ihering por Campina Grande e sua descoberta da hipofisação realizada no açude Bodocongó em Campina Grande. 1. RODOLPHO VON IHERING: VISITAS PRELIMINARES E PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES. - Antes da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste surgir em 1932 e se instalar em Campina Grande em 1934, Dr. Rodolpho von Ihering havia feito viagens para a Paraíba e Pernambuco no início da década de 1930, quando fez as primeiras aproximações, na área a qual viria estudar, por mediação do Zoólogo paraibano Manoel Florentino da Silva, como veremos na citação abaixo: Essa correspondência sobre a piscicultura começou em 1930, com o Dr. Florentino da Silva, de João Pessoa, de ideias avançadas na biologia, querendo, como bom patriota e nordestino, ajudar a desenvolver a agricultura, a pesca, enfim elevar o nível de alimentação do povo do seu estado. (IHERING, BONANÇA, 1983, p.98). Assim, a convite do Dr. Manoel Florentino da Silva9 começaram as visitas à Paraíba onde realizou pesquisas principalmente sobre os viveiros de peixe. Em 1932, também por intermédio do Zoólogo paraibano, ocorreu a aproximação do Dr. Rodolpho

Fonte: GOMES, Lourenço Alcides (et. al.); PAIVA, Melquíades Pinto (cood.). (1984, p.199)

Grupo em Campina Grande- PB. De acordo com o livro a “Permanência de Rodolpho von Ihering” onde funcionava a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste. Dr. Rodolpho von Ihering era o quinto da esquerda para a direita.

von Ihering com o Interventor da Paraíba, Antenor Navarro, o qual o convidou a fazer novas pesquisas na Paraíba. Antenor Navarro conseguiu com o também paraibano, Ministro de Viação de Obras, José Américo de Almeida, a criação da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, efetivada pela portaria de 12 de novembro de 1932. (DIAS, In: PAIVA, 1984). Dora von Ihering Bonança também descreve, em seu livro, a aproximação do Dr. Rodolpho von Ihering com o Interventor da Paraíba Antenor Navarro.

Na troca de observações e idéias [sic] surgiu o convite do interventor da Paraíba, Dr. Antenor Navarro, para ‘in loco’ averiguar a situação das águas do Nordeste. Estando já enfronhado no assunto, pelas pesquisas e trabalhos que efetuara nos rios e represas de São Paulo, adotou o projeto da inseminação artificial nos peixes e pouco tempo depois, já de posse de preciosos dados, esse projeto tomou vulto e foi apresentado ao Ministro da Viação, Dr. José Américo de Almeida, que de imediato entusiasmou-se acreditou no ideal do cientista e no homem respei-

9 Em nossas pesquisas encontramos um artigo no “Almanach do Estado da Parahyba” de 1933, neste o Dr. Manoel Florentino da Silva fala da importância da pesquisa científica e aproveita a presença do Dr. Rodolpho von Ihering na Paraíba para tentar organizar o Instituto Biológico na Paraíba. (FLORENTINO, In.: ALMANACH DO ESTADO DA PARAHYBA, 1933, p.29).

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tado por seu valor e o convidou a fundar e dirigir as investigações e trabalhos da piscicultura nos Estados do Nordeste, criando uma repartição, no Ministério, com o nome: “Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste”, subordinada à Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, hoje Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 21). Ainda em relação às suas viagens, concede entrevista ao “Jornal Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, publicada em 17 de dezembro de 1932 no “Jornal A União”, da Paraíba, onde discorre sobre as perspectivas para o início do trabalho, métodos a serem utilizados e objetivos que incluem melhorar a qualidade dos peixes e eliminar as piranhas. Quando perguntado se já havia estado no “Norte” ele responde: Vim de lá a pouco tempo. Estive na Parahyba [sic] e em Pernambuco, a chamado do saudoso Anthenor [sic] Navarro, quando interventor no primeiro desses Estados. [...] Em Santa Luzia, na Parahyba, [sic] num açude relativamente pequeno, forma apanhados para mais de 80.000 peixes, em menos de 1 anno [sic] de criação. É verdade que de qualidade inferior: agora, imaginem se fossem de variedades selecionadas! (JORNAL A UNIÃO, 17/12/1932). A primeira equipe que veio para os estudos biológicos preliminares, nos Estados de Pernambuco e Paraíba, era formada por alguns especialistas, que também integrariam a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste. Sobre isso, discorre Dr. Rodolpho von Ihering, em entrevista ao “Jornal Estado de São Paulo”, publicada na integra, no “Jornal A União”: [...] tive permissão para organizar o grupo de técnicos. Os Drs. Pedro de Azevedo e Clemente Pereira, habilitados em trabalhos de laboratórios biológicos, os Srs. Mario da Silva Vantel e José Sales de Oliveira, que há muito estão familiarizados com a técnica zoológica, e o aquarelista Alfredo Norfini, artista bem conhecido, todos estes já agora há 4 meses de trabalho intenso, se esforçam comigo para arquivar dados nordestinos direta ou indiretamente referentes á piscicultura. (JORNAL A UNIÃO, 20/10/1932). Durante as viagens eram constantes as paradas para ver a vegetação ou algum espécime animal, além da paisagem. De acordo com Dora, paravam [...] ora para examinar algum detalhe ou para colher algum material ou tirar uma fotografia. (IHERING; BONANÇA, 1983, p.156). Segundo Dr. Rodolpho von Ihering “Basta que nossos catálogos já registram [sic] mais de 1.550 numeros [sic], aos quais correspondem cerca

JÚNIOR, Jônatas A. de Lacerda; LIRA, Agostinho Nunes da Costa; Colaborador: CASTRO, Paulo de Tarso C. de., (2012, p.30)

Casa do empresário Manoel Cavalcanti Bello, o Neco Bello.

Fonte: JÚNIOR, Jônatas A. de Lacerda; LIRA, Agostinho Nunes da Costa; Colaborador: CASTRO, Paulo de Tarso C. de.: (2012, p. 349).

Antiga Rua dos Paus Grandes em 1930

de 8 a 10 mil exemplares.[...] (JORNAL A UNIÃO, 20/10/19320). [...] Abaixo, temos duas fotos tiradas na Paraíba pelo renomado jornalista da Comissão, Amadeu Amaral Jr., provavelmente no ano de 1933. Adiante, desenhos, em aquarela, feitos pelo artista plástico Alfredo Norfini, registrando o açude Bodocongó, em Campina Grande, no ano de 1934, provavelmente quando a Comissão já estava instalada na cidade. A equipe realizava o trabalho de coleta e análise dos açudes e espécies animais e ve-

getais. O próprio Dr. Rodolpho von Ihering responde como era realizado esse trabalho em uma de suas entrevistas publicadas no “Jornal A União”. Como trabalhamos? É um tanto difícil de descrever. Viajamos sempre em automóvel, acompanhados do grande C.T.P, como era conhecido o nosso carro laboratorio, [sic] uma especie [sic] de ambulancia [sic] em que está acondicionado todo nosso material de trabalho: ferramentas, drogas, aparelhos, um gerador de luz elétrica, nossas rêdes [sic] de caçar...e de dormir e nossas Março/Abril/2017 |

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malas. (JORNAL A UNIÃO, 20/10/1932). Podemos observar esse automóvel no desenho, feito pelo aquarelista Alfredo Norfini e em uma foto onde o Dr. Rodolpho von Ihering aparece em primeiro plano. Era um caminhão fechado que foi utilizado durante a Revolução de 1930 em São Paulo. Foi adaptado para uso da Comissão. Equipado com mesa, cadeira, geladeira a gás, material cirúrgico que servia, não apenas para as pesquisas, mas para ajudar centenas de flagelados. (IHERING, BONANÇA, 1983). “Verdadeira enfermaria em plena praça, à luz do sol, e a chegada da noite não interrompia as operações, partos, amputações. [...] Os sábios biólogos viravam dentistas, cirurgiões, clínicos.” (IHERING, BONANÇA, 1983, p.73). Percebemos que as pesquisas preliminares realizadas pelo Dr. Rodolpho von Ihering foram bastante proveitosas, o que o entusiasmou a levar o projeto adiante. A partir dessas primeiras considerações, nos perguntamos: Por que a sede se instalou em Campina Grande? É sobre esse recorte histórico que discorreremos no próximo capítulo. 2. CAMPINA NA DÉCADA DE 1930: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA - Entre os anos de 1930 a 1940, Campina Grande estava se iniciando no contexto do discurso do progresso, civilizado, urbano, industrial e moderno. Assim, fazia-se necessária uma reformulação da cidade, adequando-a aos ideais de higiene, circulação e embelezamento, distanciando-se do modelo colonial predominante até então. Principalmente, porque uma década, antes, a capital já o fizera. Assim, como parte dessa modernização,

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Fonte: PAIVA, Pinto Melquíades; MESQUITA, Pedro Eymard Campos. (2013, p. 13)

Equipe da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, provavelmente em algum lugar da Paraíba. À direita: em pé e de óculos, Rodolpho von Ihering; sentada Dora von Ihering; à esquerda e sentada, Isabel von Ihering; no centro (de frente e sentados), o casal vestido de branco, Doris A. Wright (de boina) e Stillman Wright.

em 2 de outubro de 1907, temos a inauguração da ferrovia em Campina Grande, ligando-a ao porto do Recife, pela Great Western, servindo, assim, para o escoamento da produção de algodão, e o transporte de pessoas. Esse momento da vinda do trem favoreceu a cidade principalmente em seu aspecto econômico-cultural, pois contribuiu para a urbanização e industrialização desenvolvendo uma grande quantidade de pequenas indústrias e estabelecimentos comerciais, além de jornais, teatros, cassinos, cinemas, rádio. Chegamos à década de 1930 com um aparato comercial e cultural substancial. (MELO, 2007). Desta forma, a inauguração do trem

traz, além das referidas transformações, um aumento populacional. Esse processo de desenvolvimento faz com que a cidade enfrente o agravamento do problema de abastecimento de água. Os açudes - Velho e Novo - não conseguiam mais suprir as necessidades da cidade em plena expansão. Nessa conjuntura, é aprovada a construção do açude Bodocongó, através do IFOCS. O açude Bodocongó foi concluído em 1917. Entretanto, a água do açude mostrou-se inviável para consumo humano, visto a salinidade da água, fazendo com que Campina Grande, continuasse com problemas em seu fornecimento de água. (ALMEIDA, 1993). Foi nesse ambiente de modernização urbana e constantes modificações sociais e


culturais, que a Comissão chegou em Campina Grande. Assim, de acordo com o relato que Dora von Ihering faz em seu livro, “Ciências e belezas nos sertões do Nordeste”, havia uma boa estrutura na cidade. Campina Grande é a maior cidade do Estado. Fica no Planalto da Borborema com um clima bem agradável; conta com rede de água e esgoto, luz elétrica, várias indústrias, bom comércio. Os açudes Velho e Bodocongó nas cercanias são de grande valor para a população. A Matriz e a Praça, naturalmente, muito frequentadas e dois cinemas! Filiais de Bancos da Capital, boas escolas, hospital geral, bem aparelhado. Tínhamos, enfim, um meio mais culto na “society” campinense (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 38). Dr. Rodolpho von Ihering também faz suas considerações sobre Campina Grande, evidenciando um problema frequente na cidade, a falta de água, como registrou em seu livro Chegamos, enfim, ao primeiro pouso. Campina Grande famosa por ser o grande centro de negócios do algodão. A Manchester brasileira, com apenas uma pequena fábrica de tecidos, mas com um sem número de fardos de algodão espalhados ou amontoados nas principais ruas e praças. [...] É de fato, avultado, o comércio de Campina Grande. Mas, não pense o viajante que poderá escolher o hotel que lhe convenha; são todos iguais. Se a água é pouca na torneira

ou no banho de chuvisco, a culpa não é nem do hoteleiro nem da prefeitura. Campina Grande já está no domínio da zona da seca e só um quase milagre de engenharia e de finanças poderá resolver a questão. Quando chove, nos meses de março a junho ou julho, toda a água das calhas é canalizada para as grandes cisternas que cada casa deve ter. Essa é a água potável. Para a de gasto há vários recursos, mas a proveniência é sempre duvidosa, a cor varia como as tonalidades do chá: mate, verde ou preto [...] (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 160). Desta forma, Campina Grande ainda sofria em função dos fatores climáticos, mas era uma cidade que começava a ter uma urbanização decorrente dos investimentos das pessoas de posse e dos Governos Municipal, Estadual e Federal, e possuía uma estrutura satisfatória para instalar a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste. O Limnólogo americano Dr. Stillman Wright, já com um mês trabalhando na Comissão, envia carta à esposa com os seguintes dizeres: “[...] venha, vai gostar, é divertido e há certo conforto.” (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 93). Apesar do desenvolvimento pelo qual Campina Grande passava, na década de 1930, havia a crise hídrica da cidade ocasionada pela incapacidade dos açudes de abastecer a população. Essa situação era agravada pela estiagem que assolava o Nordeste; nesse âmbito, os trabalhos realizados pela

Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) é objeto de nossas discussões a seguir. 2.1. ATUAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL, ATRAVÉS DO IFOCS: O COMBATE À SECA - Voltando um pouco mais na história, constatamos que desde 1918, a Paraíba é favorecida com verba do Governo Federal com as obras contra as secas, principalmente, quando o Senador paraibano, Epitácio Pessoa, exerceu a presidência da República de 1918 até 1922. A prioridade da IFOCS10 foi a “açudagem” com a implantação de barragens. A Paraíba foi contemplada com um grande número delas. Da atuação das obras contra as secas e sua laboração na Paraíba temos que. As obras contra as secas não se limitaram a açudes nem ao semi-árido [sic]. Na Paraíba, graças ao prestígio de Epitácio Pessoa, secundado pelo de José Américo de Almeida, sendo este Ministro de Viação por duas vezes, de 1930 a 1934 e 1953 a 1954, assim como candidato à Presidência da República, em 1937, tais empreendimentos distribuíram-se por todo o Estado. Envolveram rodovias e ferrovias, pontes, quartéis, abastecimento d’água, eletrificação, comunicações postais e telegráficas, edifícios públicos, hospitais, escolas e patronatos, estações experimentais e de remonta, drenagem de rios, campos de aviação, etc. A Paraíba tornou-se uma das unidades de maior concentração de recursos para essas realiza-

Fonte: JÚNIOR, Jônatas A. de Lacerda; LIRA, Agostinho Nunes da Costa; Colaborador: CASTRO, Paulo de Tarso C. de. (2012, p.)

dgdgdgdgdg Açude Bodocongó em 1930

As obras contra as secas tiveram origem na Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), criada em 1909, pelo Presidente Nilo Peçanha; posteriormente, em 1919, foi denominada de Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). 10

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ções, o que motivou protestos de Estados vizinhos. (MELLO, 2013, p. 164). Notamos que a Paraíba recebe uma atenção maior nesse período, em muito, influenciado por quem está no poder, ou seja, paraibanos, isso denota uma preocupação especial com esse Estado. Além, claro, dos investimentos particulares decorrentes das fortunas acumuladas com o ciclo algodão (‘ouro branco’). Desta forma, Campina Grande também vem a se beneficiar desses investimentos, tanto para a modernização da cidade quanto no combate as secas. A Paraíba sofreu com uma prolongada falta de chuvas em 1932, chegando ao auge em 1934. Campina Grande chegou a atender aos flagelados que chegavam à cidade fugindo da severa estiagem, tendo as figuras de Antenor Navarro e José Américo de Almeida no combate à seca, como é destacada na reportagem do “Jornal Comercio de Campina” em 1932: [...] vimos mais de trezentos retirantes tomarem o trem amparados pelo Governo paraibano que não tem poupado esforço para prestar-lhes o auxilio devido. [...] Sr. Antenor Navarro, Interventor Federal, secundando a desvelada assistencia [sic] do Ministro José Américo. (JORNAL COMÉRCIO DE CAMPINA, 21/04/1932). O próprio José Américo de Almeida discorre sobre sua proximidade com a seca no Nordeste. Tenho levado a minha vida na intimidade dêsse [sic] fenômeno perscrutando-lhes os mistérios, experimentando a sensação de suas devastadoras investidas e tentando sanar os danos que produz. [...] E colheu-me a sêca [sic] de 1932 num posto que pôs à prova meus compromissos morais com a região onde nasci (ALMEIDA, 1981, p. 17). Nessa situação, temos vários estudos e Órgãos Governamentais para tentar remediar e amenizar o infortúnio e, dentre esses, destacaremos a criação da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, sob a chefia do Dr. Rodolpho von Ihering, criada, através de uma Portaria do Ministro José Américo, de 12 de novembro de 1932. Tendo as instruções para a Comissão sido publicadas na íntegra no “Jornal A União”, em 24 de dezembro de 1932, do qual destacamos o seguinte trecho. O Sr. Interventor Federal recebeu o seguinte offício [sic] do nosso eminente conterrâneo ministro José Américo: “Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas – Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1932.- [...] Tenho a honra de passar ás mãos de v. exc. [sic] Um folheto impresso das instrucções

[sic] approvadas [sic] pelas portarias de 12 de novembro ultimo, para os Serviços de Piscicultura e de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Norte Nordeste Brasileiro, previsto no art. 1º, alíneas 3ª e 4ª do decreto n. 19.726, de 20 de fevereiro de 1931. Reitero a v. exc. [sic] Os protestos de minha elevada estima e distincta [sic] consideração. – José Américo de Almeida. (JORNAL A UNIÃO, 1932). Ainda, segundo a mesma publicação, a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste teria como objetivos: a) Promover o povoamento das águas internas no nordeste com peixes de boa qualidade, prolíficos e precoces e defender essa fauna contra seus inimigos e moléstias; b) methodizar [sic] as pescarias e determinar as épocas de sua realização; c) divulgar os processos de conservação do pescado. (JORNAL A UNIÃO, 1932). Por conseguinte, a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste se instala em Campina Grande no início de 1934 até maio de 1935, quando é transferida para Fortaleza- CE. A passagem da Comissão Técnica de Piscicultura em Campina Grande é o que será trabalhado no próximo capítulo. 3. A Comissão de Piscicultura do Nordeste em Campina Grande: a sede - Nossa jornada em Campina Grande começa na antiga Rua dos Paus Grandes, hoje Rua João Alves de Oliveira, localizada por trás do Terminal Rodoviário de Passageiros Cristiano Lauritzen, conhecida como “Rodoviária Velha”, no centro da cidade, endereço informado pela filha e secretária do Dr. Rodolpho von Ihering, Dora von Ihering Bonança, no livro11 onde ela narra as viagens realizadas pela equipe, complementando a publicação póstuma do Dr. Rodolpho von Ihering. No livro, discorre sobre as casas que foram alugadas para a sede da Comissão em Campina Grande: Nela, em Campina Grande, ex-Vila Nova da Rainha, na micro região da Borborema, permanecemos bom tempo - e ali foi instalado o primeiro posto da Piscicultura, à Rua dos Paus Grande, 62, próximo do açude de Bodocongó. O chefe alugou várias casas - uma simplesinha e pequena, residência dos três von Ihering; outra para os companheiros de ciência [...]. Outra menor para o casal e filho, Stillman Wrigth e a 4ª, muito espaçosa, a calhar para os laboratórios, com o luxo de uma - Sala de Biblioteca e Secretaria, além de um bom lugar para o Almoxarifado (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 38).

Atualmente, a Rua João Alves de Oliveira tem grande parte das suas casas modificadas, não se encontrando mais o referido número. Outra informação que destacamos e mencionada por Dora von Ihering Bonança é de que as casas alugadas ficavam perto do açude Bodocongó; talvez uma falha de memória, ou, de fato, achava perto em relação aos outros açudes, quando os deslocamentos eram mais longínquos. Do endereço informado até o açude Bodocongó a distância é, de aproximadamente, seis quilômetros. Outro equivoco está na fotografia abaixo. De acordo com o livro “A Permanência de Rodolpho von Ihering”, essa casa teria sido a sede da Comissão em Campina Grande. No entanto, nos chamou atenção o fato da opulência da casa, destoando das modestas casas construídas na época, no endereço fornecido. Em nossas pesquisas averiguamos que o sobrado era localizado na atual Avenida Marechal Floriano Peixoto, no centro da cidade, de então propriedade da família do comerciante Manoel Cavalcante Bello, o Neco Bello. Pela datação da foto, podemos inferir que seria a fotografia de despedida da equipe da CTPN em Campina Grande, antes da partida definitiva para a nova sede da Comissão no Ceará. Abaixo temos a fotografia do imóvel: As quatro casas mencionadas pela filha do Dr. Rodolpho von Ihering foram alugadas na antiga rua dos Paus Grandes, que eram de arquitetura simples, diferentes da primeira foto, onde supostamente estavam instalados os membros da Comissão. Abaixo temos a foto da referida rua registrada em 1930: Mesmo em casas mais simples, a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste tinha uma boa estrutura para dar continuidade aos seus trabalhos que se estendiam para várias cidades do Estado: Pocinhos, Patos, Pombal, Sousa, Pilões, Piancó, Cajazeiras, Princesa Isabel, Areia, Alagoa Grande, Itabaiana, Mogeiro de Cima, Umbuzeiro, Olho D’Água, Baia da Traição e Santa Luzia do Sabugi. Hospedavam-se em engenhos, em casas do Governo, nas margens de rios ou nas estradas: “Cada um tirava da bagagem a sua rede e a estendia no leito arenoso da “rodagem” não oficial, ou no solo pobre da “caatinga”, “seridó”, “sertão”, onde quer que fosse... sob a abóbada aveludada e infinita do céu.” (IHERING; BONANÇA, 1983, p. 82). Dr. Rodolpho von Ihering publicou artigos no “Jornal A União” em 1932 com o tí-

11 O livro intitulado “Ciências e Beleza nos sertões do Nordeste” foi editado de forma póstuma, utilizando-se as anotações de Rodolpho von Ihering. Dora atua como colaboradora do livro, relatando suas impressões e experiências das viagens realizadas com a Comissão. O livro se divide em duas partes: a primeira, como relato de Dora, e a segunda parte com os escritos de Dr. Rodolpho von Ihering.

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tulo “Os açudes e a piscicultura” no qual relata um pouco da sua viagem aos açudes no nordeste, dentre esses, em Campina Grande: Antes de traçarmos o programma [sic] de trabalho, cujo resultado deverá indicar as espécies a serem generalizadas nessas águas, passaremos a descrever o ambiente como o observávamos nos múltiplos açudes visitados. Baseamo-nos no que vimos nas seguintes zonas: Itabayana, Campina Grande, Soledade, Sta. Luzia (Est. Parahyba) [sic]; Ouro Branco (Rio Grande do Norte); Victoria (Pernambuco). (JORNAL A UNIÃO, 01/12/1932). Dessas viagens e com as pesquisas preliminares realizadas, Dr. Rodolpho von Ihering conclui que os açudes serviam para a piscicultura pois a produção de peixes, naquele momento, era pequena devido ao baixo valor das espécies na região. A solução seria a introdução de peixes com potencial econômico, que apenas com a experimentação científica poderia se dizer quais espécies melhor lá se adaptariam. Desta forma, pretendia-se chegar aos seguintes objetivos: “a) valor alimentício superior, pela massa de carne com poucos espinhos e pelas dimensões que offerecem; b) regimen alimentar adequado ás condições biológicas das águas dos açudes; c) multiplicação independente do regimen [sic] pluvial; d) facilidade de despesca.” (JORNAL A UNIÃO, 01/12/1932). Após essas primeiras conclusões, o Dr.Rodolpho von Ihering, auxiliado por sua competente equipe, avança em suas análises, processo que culmina com resultados da reprodução artificial de peixes no açude Bodocongó, como veremos a seguir. 3.1. AÇUDE BODOCONGÓ: A DESCOBERTA DA TÉCNICA DA HIPOFISAÇÃO - Como discorremos anteriormente, o açude Bodocongó, situado em Campina Grande, foi construído para solucionar o problema de abastecimento de água da cidade, mas devido ao elevado teor de salinidade, a água se tornou imprópria para o consumo. (ALMEIDA, 1993). O açude não solucionou o problema da falta de água, mas se tornou importante para a história de Campina Grande na década de 1930, quando foi palco de um dos maiores avanços da ciência brasileira relacionada à Ictiologia, que foi a descoberta do método da hipofisação, que consiste na reprodução artificial de peixes. Em Campina Grande, foi instalado em 1933, o primeiro Posto de Piscicultura do Nordeste. Tendo como protagonista dos estudos o açude Bodocongó, onde foram desenvolvidas as primeiras pesquisas de cunho limnológico no Brasil, sendo,

com todos os méritos, a cidade de Campina Grande, considerada pela comunidade científica como o “berço da Limnologia no Brasil”. Fato que se tornou possível por conta do Dr. Rodolpho von Ihering convidar para formar sua equipe o Limnólogo norte americano, Stilmann Wright, para estudar a qualidade da água dos açudes da região. Assim, durante sua permanência em Campina Grande, pesquisou um grande número de açudes no sertão paraibano e pernambucano, mas concentrou o maior número de análises no açude Bodocongó. Da mesma forma que, o próprio Dr. Rodolpho von Ihering aplicou parte de suas pesquisas no açude Bodocongó, visto que no Posto de Piscicultura havia melhores condições para realizar pesquisas mais detalhadas. Abaixo, temos uma fotografia do açude Bodocongó na década de 1930: Dr. Rodolpho von Ihering, com as pesquisas e trabalhos que realizou nos rios e represas de São Paulo, tinha uma grande quantidade de informações que contribuíram para que finalizasse os seus experimentos no açude Bodocongó. Em 1933 conseguiu a reprodução induzida de peixes com a descoberta do método da hipofisação, que foi publicado em março de 1934, como se registra na citação abaixo: [...] Finalmente, ainda em 1933, no laboratório de Campina Grande, Rodolfho von Ihering, tendo como colaborador Pedro de Azevedo, conseguiu a reprodução, em aquário, de curimatãs adultas e com gônadas bem desenvolvidas, induzindo a maturação dos óvulos e espermatozóides [sic] de modo a tornar fácil e viável a fecundação artificial. Este trabalho, marco inicial de toda uma série de pesquisas nesta linha, foi publicado nos Archivos [sic] do Instituto Biológico, em 1934. Estava vencido o problema experimental - científico e aplicado. (DIAS, In: PAIVA, 1984, p. 79). Pesquisa extremamente importante e que permitiu a reprodução de peixes sem que se precisasse esperar pelo período de reprodução (piracema), o que garantiria uma grande produção de peixes durante todo o ano. Assim, os benefícios da vinda do Dr. Rodolpho von Ihering foram muitas, no entanto, registraremos também outros olhares, como algumas noticias publicadas no jornal local sobre a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, discorridas a seguir. 3.2. Outras publicações: contradições e embates históricos - A história é feita de contradições e embates; nela existem distintas versões e visões de um mesmo fato, dar voz a essas visões é trabalho do historiador,

que desde a história dos Analles, entrando pela história social e cultural abre seu leque de análises, tanto sobre a utilização de várias fontes, como objeto de estudo histórico, como dá voz a todos os envolvidos no momento histórico estudado. Sendo assim, ao investigar a pesquisa do Dr. Rodolpho von Ihering e sua equipe, encontramos o “Jornal A Batalha”, o primeiro jornal diário da cidade, de tendência comunista, dirigido por Arlindo Correa e Isidoro Aires, que funcionou de 1934 a 1935. Suas notícias tinham a premissa de estar do lado da classe trabalhadora. (GAUDÊNCIO, 2014). Nesse contexto, o jornal passa a ser procurado para reclamações e denúncias nos levando a algumas questões pertinentes. Referenciando a reportagem veiculada pelo “Jornal A Batalha”, notamos que alguns proprietários de terras se sentiam invadidos pelos pesquisadores, que segundo os mesmos, praticavam abusos em suas terras, como observamos no texto abaixo. Vários agricultores, [sic] têm pedido a nossa interferencia [sic], junto a chefia da Comissão de Piscicultura. Alegam que aquela Comissão, nada tem feito de sua missão, servindo somente para causar os maiores aborrecimentos aos proprietários. Pois passa dias e dias nas fazendas, caçando e fazendo pic-nic; [sic] leva turmas de pescadores, que sem ordem previa [sic] dos proprietários, invadem as propriedades, praticando o que bem entendem. Chamamos a atenção para o chefe da Piscicultura, para evitar tantos abusos; do contrário teremos que apelar para o Ministério. (JORNAL A BATALHA, 03/ 01/ 1935). Para alguns agricultores, havia um abuso em relação à utilização indiscriminada da terra deles, como a pesca sem permissão e que, também sem permissão, aproveitavam a propriedade para seus momentos de lazer. A IFOCS também não escapou de críticas; outra reportagem nos informa sobre reclamações em relação aos gastos públicos, que segundo o jornal, eram para interesses particulares da equipe da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste que vemos transcrito abaixo. A I.F.O.C.S é o grande escoadoiro [sic] do dinheiro da Nação Repartição de afilhados e de burocratas não ciosos de seus deveres. Assim vemos automóveis oficiais com placas particulares, a serviços estranhos a repartição. Aqui se registra um caso deste. Um automóvel da Piscicultura, toma gasolina no almoxarifado das secas, servindo para passeios, cinemas etc., sem que seja vetado isto, pelos chefes, que se dizem criteriosos. Esta repartição deveria ter outro nome, (quem puder que se defenda) porque, assim ficaria mais ás claras. Nessa repartição só Março/Abril/2017 |

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quem não tem direito é o pobre operário, que para não perecer a fome, vende o seu misero salário descontando 20% e mais. Mas, um dia o Brasil, terá dono, não será sempre um paiz [sic] abandonado. (JORNAL A BATALHA, 27/ 12/ 1934). Não encontramos resposta às acusações publicadas no referido jornal, mas em reportagem ao “Jornal A União”, Dr. Rodolpho von Ihering discorre um pouco sobre o cotidiano das pesquisas realizadas. Como é natural, nas pequenas vilas esse nosso trabalho exquisito [sic] desperta atenção e, [...] junta-se [sic] um mundo de curiosos. Não faz mal, contanto que não ponham a mão em tudo, tiramos proveitos dessas visitas: “Vocês sabem que distancia tem daqui ao açude das Braúnas?” – “Qual de vocês é pescador?”- “Que nome vocês dão a este bicho?” Logo depois surgem moleques com insetos e outros animalejos que apanharam. –“Isto não vale nada”- “Por este eu dou meio cruzado”; “vejam se pegam mais”. Como é natural desenrolam-se cenas, ás vezes gaiatas. Um dos nossos companheiros tem predileção especial pelos banhos imprevistos- um passo em falso na canôa [sic] e ei-lo [sic] nadando...[...] Vivemos a mais pura camaradagem e o bom humor deve suprir as deficiências do passadio. (JORNAL A UNIÃO, 20/10/1932). Nesse contexto, descrito pelo Dr. Rodolpho von Ihering, podemos perceber uma interação com a população local das regiões visitadas e um clima de descontração, quando em meio ao trabalho há espaço para banhos de rio, mas também ele relata a responsabilidade com o trabalho, quando conclui a reportagem dizendo que: “Mas o principal é que o serviço vai rendendo e cada um de nós questão de honra de que sua atividade traga proveito máximo para o progresso, tanto de nossa tarefa principal, como de vários ramos correlatos da biologia.” (JORNAL A UNIÃO, 20/10/1932) Essa aproximação com a população mais carente era constante, durante as viagens de pesquisa. Segundo relato de Dora Ihering Bonança, muitas vezes, a Comissão ajudava da forma que podia as pessoas que passavam fome e sofriam com a seca. As roupas de todos da Comissão eram distribuídas, os pesquisadores se tornavam médicos atendendo-os e o suprimento de comida trazida no carro laboratório logo desaparecia. Em Itabaiana-PB, [...] a multidão plagia seu sofrimento entre a algazarra das crianças, tropeços nos animais, e desespero de

todos. Ali perto organizamos uma cozinha e D. Izabel dirigia o preparo de macarronada nos nossos panelões. Ao ser distribuída, o espanto tomou a todos e alguém perguntou por eles, curioso e intrigado:- “Dona, que espécie de minhoca branca é essa que ôces [sic] comem?” [...] Dinheiro, ali, de nada adiantava!O chefe e sua “família C.T.P.N.” se condoendo da tragédia que presenciava, fizeram como se diz, uma “vaquinha” e lá se foi um dos caminhões em busca de viveres na cidade mais próxima: Campina Grande. O “Carro-Aquário”, fez diversas viagens com um “Carro-pipa”, transportando o liquido abençoado. (IHERING, BONANÇA, 1983, p.70, 73). Diante das denúncias feitas ao “Jornal A Batalha”, poderíamos lançar um olhar sobre o contexto da década de 1930, momento em que há uma maior disputa política oriunda da “Revolução de 1930”, período de oposição, ao mesmo tempo em que a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste tinha autorização para adentrar em qualquer propriedade sem restrições o que poderia causar algum tipo de desconforto aos proprietários de terras. No entanto, podemos apenas fazer suposições. Mas pelas descrições feitas por Dora von Ihering Bonança, podemos afirmar que a Comissão realizou, pelas cidades por onde passou, mais do que suas atribuições de pesquisadores, eles, da Comissão, atuaram na ajuda humanitária de pessoas que passavam fome, sede e padeciam de doenças. Além disso, é incontestável a importância do trabalho realizado pela Comissão no Norte e Nordeste e, principalmente, a descoberta do Dr. Rodolpho von Ihering da reprodução de peixes pelo método da hipofisação, resultado que nos mostra o comprometimento dos envolvidos nesse trabalho e que deixou bons resultados com a continuação do trabalho pelo DNOCS12. 4. Considerações finais - Nesse trabalho percorremos, com o Dr. Rodolpho von Ihering e a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, os caminhos áridos do sertão da Paraíba e Pernambuco. Viajamos através dos relatos de Dora von Ihering, dos desenhos do aquarelista Alfredo Norfini e as fotografias do Jornalista da Comissão, Amadeu Amaral Jr., retratando as paisagens do sertão e o trabalho realizado. Das dificuldades enfrentadas, as estadias nas fazendas, nos engenhos e nas rodagens do sertão. Ficou evidente que, além da pesquisa, foi prestada ajuda humanitária pela equipe da

Comissão, solidária ao sofrimento das pessoas causado pela seca e pela fome. Concentramos a pesquisa no contexto da instalação da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, em Campina Grande, de 1934 a 1935, e de tentar responder por que a sede foi instalada nesta cidade. Para alcançar nosso objetivo, discorremos brevemente sobre o ambiente histórico de Campina Grande na década de 1930 e como, de certa forma, a Comissão tinha uma boa estrutura de trabalho. Dentro dessa conjuntura, podemos afirmar que foi um fator importante, mas não preponderante, para que a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste se instalasse em Campina Grande. Assim, além dessa “estrutura”, podemos elencar alguns fatores, como a rede de paraibanos que articularam para que a Comissão tivesse início, a começar pelo Zoólogo paraibano, Manoel Florentino da Silva, ponto inicial da correspondência entre o Dr. Rodolpho von Ihering com a Paraíba, que depois, por intermédio também de Manoel Florentino da Silva, se estendeu ao então Interventor da Paraíba, Antenor Navarro, e que por sua vez, articulou junto ao Ministro de Viação e Obras, o também paraibano, José Américo de Almeida, que vislumbrou a grandeza da viabilidade do projeto, e possibilidade de amenizar a fome que assolava o Nordeste. É criada a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, no ano de 1932. Além da rede de paraibanos, a Paraíba foi contemplada com muitos açudes, construídos, através da IFOCS, para amenizar a escassez de água na região. Campina Grande também contava com três açudes importantes para a população, o açude Velho, o açude Novo (atual Parque Evaldo Cruz) e açude Bodocongó, onde houve a descoberta do método da hipofisação, tendo assim, especial importância para o ápice das pesquisas do Dr. Rodolpho von Ihering. Do discutido até aqui, percebemos a importância do trabalho realizado pelo Dr. Rodolpho von Ihering à frente da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, cujo objetivo era o de melhorar a qualidade de vida da população com análise dos açudes e a implantação da produção de peixes de melhor qualidade e em maior quantidade, ajudando a população carente que sofria com a seca que assolou o Nordeste na década de 1930. São inefáveis as contribuições do Biólogo e Zoólogo brasileiro, Rodolpho von Ihering, especificamente, neste artigo, nos

11 O livro intitulado “Ciências e Beleza nos sertões do Nordeste” foi editado de forma póstuma, utilizando-se as anotações de Rodolpho von Ihering. Dora atua como colaboradora do livro, relatando suas impressões e experiências das viagens realizadas com a Comissão. O livro se divide em duas partes: a primeira, como relato de Dora, e a segunda parte com os escritos de Dr. Rodolpho von Ihering.

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campos da Ictologia e Limnologia, na sua passagem pela cidade Rainha da Borborema (1934-1935), não só pelo cumprimento, com êxito absoluto, dos objetivos contidos nas atividades da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, como da descoberta do método da hipofisação que o elevou a condição de PAI DA PISCICULTURA BRASILEIRA. Com este artigo, graças à proposta e incentivo maior do Doutor Melquíades Pinto Paiva e sua esposa, Doutora Maria Arair, foi possível ampliar a pesquisa dentro e fora da cidade, com a constatação das inúmeras publicações no País e no Exterior, dos poucos registros que contemplem a passagem do cientista Rodolpho von Ihering na cidade de Campina Grande e, especificamente, no açude Bodocongó. Campina Grande, a maior cidade do interior do Nordeste e que se intitula como “Cidade da Inovação” , torna imperiosa e urgente diminuir a dívida de reconhecimento ao cientista RODOLPHO Theodor Wilhelm Gaspar VON IHERING pelos gestores dos Poderes Públicos – Estadual e Municipal – prestando-lhe justa

homenagem, especificamente em espaço ou equipamento privilegiado no Parque Ecológico de Bodocongó, cujas obras de revitalização ainda estão em andamento às margens do açude Bodocongó. Neste ano de 2017 são marcados 134 anos do seu nascimento e 78 anos do seu falecimento. RESUMO: O objetivo deste artigo foi o de mostrar a pesquisa realizada sobre o Zoólogo Rodolpho von Ihering e os estudos realizados pela Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, da qual foi chefe de 1932 a 1937 e, mais especificamente, o período no qual a Comissão instalou sua sede em Campina Grande, de 1934 a 1935. A Comissão surge como resposta às secas, tendo como principal objetivo amenizar a falta de recursos alimentícios para a população, através da produção de peixes nos açudes da região. Em Campina Grande, o principal açude estudado foi o de Bodocongó, local onde o Dr. Rodolpho von Ihering fez sua descoberta de reprodução de peixes pelo método da hipofisação. Dividimos o artigo em três partes:

na primeira discorremos sobre as viagens da Comissão realizadas na Paraíba e em Pernambuco. Posteriormente, fizemos uma breve contextualização histórica de Campina Grande na década de 1930. Por último, discorremos sobre a Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste e os motivos de sua instalação em Campina Grande. Pudemos concluir que a vinda da Comissão teve incentivos de uma rede de paraibanos, além de a cidade se encontrar envolvida em um processo de crescimento e urbanização, contribuindo para que a Comissão pudesse desenvolver seus estudos e instalar a sede na cidade. Mas tendo como principal ponto a proximidade com o açude Bodocongó, escolha decisiva, por suas condições para obtenção dos resultados vitoriosos da pesquisa do Dr. Rodolpho von Ihering e sua equipe. Nesse contexto, percebeu-se que a passagem da Comissão por Campina Grande foi muito produtiva deixando uma contribuição de valor nacional e internacional que é reconhecida e utilizada até hoje. Palavras-chave: Rodolpho von Ihering. Piscicultura. Hipofisação. Limnologia. Campina Grande. Açude Bodocongó. g

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Sócia Honorária do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Instituto Histórico e Geográfico de Serra Branca. Erika Derquiane Cavalcante erikaderki@yahoo.com.br Maria Ida Steinmuller idasteinmuller@gmail.com

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MEMÓRIA EVOCAÇÕES QUE ME SÃO GRATAS1 Deusdedit de Vasconcelos Leitão

Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes: Talvez tenha sido a afinidade de nossas pesquisas o fundamento da minha escolha para vos receber, em nome dos meus ilustres consócios. A generosidade do convite me levou, porém, a algumas evocações que me conduziram a Patos, a vossa querida cidade, que conheci em 1947. Sempre presente às minhas lembranças, revejo a bela cidade das Espinharas no colorido das minhas saudades, em lances de ternura e encantamento, em que, por tantas vezes, me surpreendo na calçada dos Correios a esperar aquela que seria a minha dedicada companheira de todos os dias. E vão ressurgindo dos escaninhos da minha lembrança as figuras inesquecíveis que faziam o edificante ambiente do seu trabalho. Dentre tantos vultos que povoam o fascinante mundo das minhas evocações vislumbro a figura de Sebastião Fernandes, a aproximar-se dos Correios na lentidão dos seus passos que refletiam a paciência e a bonomia do chefe compreensivo e amigo que fazia da sua repartição o prolongamento do seu lar no gesto paternal com que a dirigia. Admirava-o à distância e me deixava ficar na contemplação da sua respeitável figura humana, do cidadão de méritos por todos proclamados, a manter-se no equilíbrio da sua conduta entre os fogos cruzados da paixão política, apesar dos vínculos familiares que o prendiam a duas influentes lideranças locais. Sem ter privado da sua intimidade fiz-me seu amigo e a ele me prendi por laços sentimentais que o Direito Canônico consagra como parentesco espiritual, na condição de padrinho do nosso casamento, que resultou do gesto da minha mulher, na expressão maior do seu reconhecimento ao chefe amigo, que jamais lhe faltou com a paternal orientação e a desvelada assistência com que a encaminhou nos meandros burocráticos da sua repartição. Bem sabeis, Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, quanto me são gratas essas evocações que tantas vezes me têm leva-

do a reviver episódios ligados ao mundo da vossa infância, em que, como menino curioso e inteligente, procuráveis entender o que eram aquelas festivas reuniões do Centro de Estudos e Pesquisas Históricas a que Maria Esther Fernandes sempre se fazia presente, irmanando-se a Rosilda Cartaxo, às irmãs Euzary e Nildinha Ayres de Moura, a Nevinha e Socorro Soares, e tantos outros no afã de descobrir os caminhos que a vossa acuidade de historiador iria percorrer, afastando as cortinas do tempo para tirar do pretérito a história dos vossos maiores, já encoberta pelo longo perpassar dos anos. A diferença de idade não nos permitiu aquele salutar companheirismo do Centro de Estudos e Pesquisas Históricas e isso me privou da alegria de, já àquele tempo, contar com mais um amigo entre os Fernandes, além de Sebastião e Maria Esther. Sem integrar os quadros daquela instituição, desde os primeiros anos revelastes o maior interesse pelas coisas da vossa cidade, ouvindo e anotando no louvável esforço de retratá-la com o registro dos fatos pitorescos, com o conhecimento de inesquecíveis figuras que a movimentaram e com o enfoque dos aspectos de acentuado sabor local, relembradas, às vezes, na irreverência do anedotário. Dessa preocupação literária resultou o vosso romance Festa de Setembro, que, à primeira vista, despertou o meu justificado interesse no anseio de reviver o encanto daqueles festejos. O vosso romance é um retrato da vossa cidade e da vossa gente, na movimentação dos personagens, no descritivo do ambiente e na adorável tessitura daquele painel que ficou, indelével, na nossa retentiva, desde os atos religiosos e profanos à gostosa promiscuidade da bagaceira. Li-o como quem revê, numa tela panorâmica, o mundo das suas saudades. E dei-me ao prazer lúdico de identificar personagens como Padre Nogueira, o Deputado Hermano Sales, o Prefeito Dival Pinto, o Deputado Carvalho Santos, o Deputado João Alphonsus e ou-

tras figuras que movimentavam a festa na profusão da cerveja ou nos nervosos lances dos leilões. Não faltou, para encanto dos leitores, as referências a A Traça, o jornalzinho da festa, aguardado com tanta ansiedade, malgrado as desafeições que geram como único salário dos seus redatores. Lá também tivemos a nossa experiência no campo inglório dessa atividade jornalística. Fizemos circular O Chaleira, numa silenciosa homenagem ao primeiro jornal de Patos, de acentuada conotação crítica e humorística, que Vicente Pereira da Silva lançara no início do século, em edições manuscritas que provocavam zanga e protesto dos seus conterrâneos. O nosso jornal era impresso nas oficinas gráficas de José Soares de Sousa, ele mesmo um dos mais irreverentes colaboradores, ao lado de Francisco Soares de Sá, Euclides Gomes de Brito e outros dedicados companheiros do Centro de Estudos e Pesquisas Históricas, que era o beneficiário dos lucros que o empreendimento prometia. Lido por muitos e malsinado por outros, tinha, no entanto, leitores entusiastas pelo sabor das críticas irreverentes veiculadas na malícia dos versos de pés quebrados de Antônio Firmino de Macedo e pelos epigramas de Firmino Leite que, em cuidadosos versos alexandrinos, atirava suas farpas em algumas figuras da terra, vítimas preferidas dos trêfegos jornalistas. Quando assumistes o alto cargo de Secretário do Interior e Justiça, já conhecíamos os vossos pendores literários, que se desenvolveram e se firmaram graças ao estímulo dos estudos que vos conduziram por novos caminhos. O Instituto Histórico foi a porta larga que se abriu ao fascínio das vossas pesquisas. Aqui, no manuseio de velhos jornais, pudestes amealhar os conhecimentos que iluminariam a vossa caminhada na incessante busca da revelação de fatos e pessoas das Espinharas. Irmanados pelo afã das pesquisas, facilmente nos identificamos no gostoso hobby

Discurso de saudação ao Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, quando de sua posse na Cadeira de nº 4, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em 18 de maio de 1984.

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de garimpeiro de velharias. Esse convívio me proporcionou melhor conhecimento da vossa aptidão de historiador. Da força mágica que aqueles papeis poentos exercem sobre os que se dedicam ao conhecimento do passado. As vossas pesquisas se ampliaram e se valorizaram na busca de elementos que iriam possibilitar o vosso admirável estudo sobre as nossas constituições, com surpreendente abordagem dos aspectos mais sugestivos da história do nosso legislativo, dos partidos políticos e suas lideranças mais expressivas na entusiástica manifestação de suas idéias. De tudo isso resultou esse alentado ensaio História Constitucional da Paraíba, que será a obra a vos recomendar como esclarecido estudioso do nosso passado. A importância desse estudo para a nossa historiografia já está assinalada pela sua inclusão no programa editorial do Quarto Centenário, que vale como uma antecipação de reconhecimento ao vosso esforço e à clarividência das vossas pesquisas. A vossa atenção e a vossa inteligência voltaram-se desde cedo para os estudos históricos, estimulado, talvez, pelo ambiente familiar, onde ouvistes a narração das gestas sertanejas que envolvem figuras legendárias de vaqueiros, cantadores, cangaceiros e caçadores de onças. Os vossos maiores transmitiram, de geração a geração, a tradição das lutas políticas em que repontavam os Sátiro, os Lúcio, os Sousa e outros dos vossos parentes, encastelados na potencialidade da economia agropastoril dos chamados sertões das Espinharas. O Padre Aquílio Sátiro, vosso tio-bisavô, dividiu-se entre o pastoreio das almas e o pastoreio dos seus opulentos rebanhos de São José de Espinharas. Pouco se deu ao seu ministério porque preferia os descampados de suas fazendas à pachorrenta atividade paroquial. Mas a grande figura referenciada entre os seus conterrâneos é, sem dúvida, Miguel Sátiro e Sousa, o conhecido Major Miguel, vosso avô materno, que, por mais de três décadas, conduziu os destinos políticos de Patos, lembrado, ainda hoje, pela sua notória habilidade de espírito conciliador, quase sempre levando a melhor na matreirice política quando procurava solucionar as dissensões entre correligionários e até mesmo entre adversários. Acompanhei com entusiasmo o vosso interesse pela história de Patos, esperando que, afinal, se resguardasse a tradição local com o registro de fatos que já se perdem na lembrança do povo e o rememorar de velhas figuras quase esquecidas dos que plantaram a surpreendente civilização que floresceu no progresso e no desenvolvimento da vossa (e por que não dizer – da nossa) querida

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cidade de Patos. Outros estudos, porém, dominaram a vossa atenção, levando-vos a outros empreendimentos culturais. Mas os patoenses confiam no vosso apego aos pagos natais e aguardam que essa velha dívida seja por fim resgatada. Os fatos que particularmente interessam mais de perto à tradição da vossa família não tiveram, ainda, o cronista que os registrasse para a posteridade. Essa gostosa tradição familiar vai se perdendo, aos poucos, sem o cuidado da sua reprodução. É preciso que se preserve esse rico patrimônio, que se explore o filão maravilhoso do passado sertanejo, desse fascinante mundo da pecuária. Quem se procurar deter no colorido sociológico dessa paisagem humana há de se deparar com a figura legendária do vosso tio-bisavô Cazuza Sátiro, o indomável caçador de onças consagrado no cancioneiro popular pelo arrojo das suas investidas. Oswaldo Lamartine de Farias, em seu livro A caça nos sertões do Seridó, relembra a figura do sertanejo afeito ao perigoso mister: “Contudo, o nome mais famoso das ribeiras seridoenses foi, sem dúvida, o velho Cazuza Sátiro (José Sátiro de Sousa [1829-1911]). Abastado proprietário no vizinho município de Patos, a poucos quilômetros da fronteira com o Seridó (Serra do Tronco), devotou toda a sua vida a perseguir onças, atendendo chamados de muitas léguas sem aceitar qualquer remuneração – apenas pelo prazer de ouvir um cachorro chorando em noite de lua numa goela de serra e os esturros do gatão nas furnas”. Com essas referências reproduz uns versos populares que descrevem a figura física do velho e arrojado sertanejo: Cazuza era carrancudo Além de ser tão barbado O vento abria o cavanhaque Um molho para cada lado Quando ia galopando Em um cavalo montado Ao aludir à sua mania de criar cachorros onceiros, relembrou que o velho caçador os alimentava com carne de boi, desossada, para não lhes estragar os dentes. E reproduziu mais outros versos que falavam dos seus cuidados com os fieis companheiros de suas perigosas empreitadas: Quem perguntasse pela saúde Da família do Capitão, Ele não respondia, Nem lhe prestava atenção, Se falasse nos cachorros, Ganhava mais atenção.

Neste tempo o Cazuza Conservava preparados Uns vinte e cinco cachorros, Todos bem exercitados E só com carne de boi Eram os cachorros tratados. O sertão não esquece a bravura de Cazuza Sátiro e os seus feitos foram exaltados em nossa literatura de cordel, cantados nas feiras, para deleite dos que sempre aplaudiram os homens de coragem, os nossos herois curtidos pela inclemência do sol. Dele ficou a legenda na espontânea consagração desses versos: Em novecentos e quatro Cazuza tinha encostado As armas de matar onça Estava velho e cansado Findou doente de asma Pelo serviço pesado. Morreu cazuza Sátiro Nosso herói do sertão, O grande matador de fera Limpo na sua missão, Merecia uma estátua Com as´agaias na mão. Esta solenidade, Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, apenas dá forma estatutária ao ingresso nesta Casa porque, em verdade, já éreis um dos nossos, pelo convívio e pela constante presença às nossas reuniões informais e, mais do que isso, pela frequência à nossa biblioteca, compulsando o nosso acervo ou manuseando as nossas velhas coleções de jornais, na revelação de um mundo diferente que tendes palmilhado com segurança e proveito. Vindes ocupar a cadeira número 4, como sucessor da saudosa consócia Eudésia Vieira, dedicada estudiosa do nosso passado, professora, jornalista, escritora e poetisa que nos legou apreciável acervo bibliográfico, notadamente com Terra dos Tabajaras, sua contribuição cultural que tanto a tem recomendado às nossas homenagens e ao nosso reconhecimento. Estas palavras, conduzidas pela emoção, talvez não tenham expressado os sentimentos dos que integram a Casa de Irineu Joffily nesta hora lustral em que vos recebemos. Se faltou o brilho que se espera a estas palavras convencionais, creio, porém, que não lhes faltou, um só instante, o sentimento de fraternidade, no gesto das mãos estendidas para receber o companheiro que se incorpora aos ideais dos que, há oitenta anos, vêm servindo à história e à geografia; Sede bem-vindo.


POESIA CINCO POEMAS DE REGINA LYRA

Eclipse

Adeus

Quando a Lua se esconder totalmente, O Sol a cobrirá.

Para um amigo Contexto marcado Pensamento errado Pássaro liberto Amor aprisionado No tempo que serve Ao anonimato.

As lembranças chegarão às mentes. Saberemos o que fomos E o que somos. Certamente, a Lua, De cor dourada Pelos raios do Sol Encoberta, naquele instante Terá momentos de total intimidade. Neste encontro perfeito, Os dois gritarão seus feitos, O orgasmo atingirá todos os membros. A Lua e o Sol Chamarão pelos seus nomes E matarão suas fomes, No imaginário dueto. Do livro Entre_Nós, 2008.

Do livro Insensatas Palavras, 2003.

Efêmero Encontro cruel, Ensombrado pela nuvem Do acaso. Anônimo sentido Vagueia incerto, Endereço esquecido Sobre rios sem ponte... Do livro Tempo de Encanto, 2004.

Meditação Meditei no espaço da régua Saí do compasso da espera. Remei na procura de um abrigo, Caminhei na busca de estar contigo.

Sentido, onde?

Me voltei no encontro Com o espasmo, Chorei no delírio Do orgasmo.

O vazio Deixa tudo na inércia. Na vida Há transformações de atos Que danificam Os fatos existentes, Fazendo com que a palavra dita Deixe de ser pronunciada com sinceridade, Para ser apenas o eco do pensamento Que não tem mais tanto sentido…

Do livro Insensatas Palavras, 2003.

De O Livro das Emoções, 1998.

Iluminei a estrada escura, Com luz própria, Marquei a passagem Do meu rastro, Com a cinza da lareira Fiz um despacho.

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MEMÓRIA OSMAR DE AQUINO: TRAJETÓRIA ELEITORAL NAS INDICAÇÕES DE UM CENTENÁRIO José Octávio de Arruda Mello (*) SUMÁRIO: 1. Delineando uma personalidade. 2. Osmar e o historicismo. 3. Colocações para Seminário. 4. Lideranças e chefias. 5. Trajetória osmarista. 6. Os insucessos de 50 e 51. 7. Da vitória de 55 à derrota de 58. 8. As esquerdas em 62. 9. Empolgação de Joffily e candidatura Osmar. 10. Tensão social e Prefeitura em 63. 11. A boa performance de 66. 12. Contra o militarismo em 68. 12. Conclusões. 1. DELINEANDO UMA PERSONALIDADE - O pequeno gabinete de Osmar de Aquino, no Centro de Documentação João Pimentel, em Guarabira, torna-se representativo pelas coleções que contém. São obras do grande novelista português Eça de Queiroz, do não menos famoso orador luso-brasileiro Antônio Vieira, responsável por Os Sermões, e do insuperável historiador inglês Arnold J. Toynbee, autor da série Um Estudo de História, resumida para quatro volumes, em português.1 Os autores dessas coleções, em verdade, delineiam a personalidade cultural de Osmar de Aquino, como o homem público guarabirense cujo centenário ora se registra. De Eça de Queiroz coube-lhe assimilar a ironia do verdadeiro causeur em que se converteu. Essa fineza de bem sentada prosa, recheada de boutades, Osmar a exerceu, entre 1942 e 50, principalmente no Cassino da Lagoa onde se reunia com os maiorais da UDN, para tomar conhaque, que ingeria estalando os dedos.2 De Vieira, Osmar, bacharel formado pela Faculdade de Direito do Recife, em 19383, sa-

cou o pendor para a oratória, nele equivalente a segunda natureza. Isso porque seu destaque na tribuna tornou-se manifesto, fosse na dos júris, em João Pessoa, Guarabira e Campina Grande, nos comícios a céu aberto, ou ainda no Parlamento da Câmara Federal e da Assembleia Legislativa para onde se elegeu. Enfim, do inigualável Toynbee, Osmar de Araújo Aquino extraiu a predileção pela história, presente a estudos como o que, em 1968, na Câmara dos Deputados a que assumiu, como suplente, firmou, comparando os conflitos brasileiros entre o Governo militar de 64 e a Igreja Católica, com a política de mão estendida dos comunistas franceses e italianos Maurice Thorez e Palmiro Togliatti para com os católicos.4 2. OSMAR E O HISTORICISMO Embora considerado marxista, para o que contribuíam confissões como “eu sou amigo pessoal de Prestes”, transmitido à filha Laura, como senhora dessa mesma condição, Osmar de Aquino fazia-se mais um historicista, ainda que de esquerda. Tal o que o levou a acompanhar o processo histórico que, na tirada de João Mangabeira, marchava para o socialismo. Nessa perspectiva, alinhou-se sempre com este, mesmo quando na UDN, em razão do pai, ou no PSD, em face das ligações com José Joffily e Ruy Carneiro. O historicismo induziu-o a algumas incursões pela História da Paraíba, como ao situar as origens paraibanas das Ligas Camponesas, em Rio Tinto. A colocação não é correta, visto

como as ligas, que avançaram nesse município, em razão da aliança dos trabalhadores do campo com os da cidade, garantida pelo Juiz da comarca Hermilo Ximenes, não dispuseram de berço riotintense.5 Originárias do engenho Galiléia, no vizinho Estado de Pernambuco, na Paraíba, se irradiaram a partir de Sapé, onde foram criadas por Assis Lemos e outros militantes socialistas, em fevereiro de 1958, tendo como ménage o Grupo Escolar Gentil Lins. E contando com o apoio do PSD de Ramiro Fernandes, em oposição à UDN dos Ribeiro Coutinho.6 Seja como for, o entendimento de Osmar, não muito distante da realidade, expressava sua predileção pela História. 3. COLOCAÇÕES PARA SEMINÁRIO - Em Osmar de Aquino, teoria e prática empurraram-no para a História Social. Nesse sentido, ele se tornou figura histórica e da História, o que nos induz a, aqui, pontuar indicativos para o seu centenário. Neste, as realizações cabem á Assembléia Legislativa, campus universitário de Guarabira, colégios desta, Fóruns de João Pessoa e Guarabira, Academia Paraibana de Letras e Grupo José Honório Rodrigues, bem como Prefeitura e lideranças guarabirenses e Centro de Estudos Jurídicos e Sociais José Fernandes de Andrade, tudo sob a coordenação da professora Laura Aquino.7 Uma dessas indicações diz respeito à nova História do Cotidiano e imaginário social. A essas corresponde o Osmar boêmio, como animador dos cabarés de Guarabira. Estes constituem peças da nova História, alimentada pelo

1 No antigo gabinete de Osmar, a coleção de Toynbee é o resumo, em português, dos quinze volumes em inglês existentes, com assinatura do autor, nos arquivos do Grupo José Honório Rodrigues, em João Pessoa. 2 Pertencente aos sucessivos Diretórios Estaduais da UDN, entre 1945 e 50, Osmar de Aquino costumava reunir-se com os colegas no Cassino da Lagoa, onde o conhaque era sua bebida predileta, tal como revelado pelo saudoso honoriano José Bonifácio Pereira, filho de arrendatário daquele point. 3 PEREIRA, Nilo. A Faculdade de Direito do Recife 1927/1977 ensaio biográfico, 2º vol.Recife: Editora Universitária, 1977, p.744. Dessa turma fizeram parte, entre outros, os paraibanos Ivaldo Falconi de Melo, José Joffily Bezerra, Pedro Moreno Gondim e os irmãos José e Manoel Fernandes de Lima. 4 AQUINO, Osmar de Araújo. Conflitos entre a Igreja e o Estado. Discurso proferido na sessão de 21 de fevereiro de 1968. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1968, com conversão, pelo autor, na plaqueta. O Estado em Conflito com a Igreja (s/r, 1968). 5 O pensamento de Osmar encontrou abrigo em retrospectiva da revista A Semana de João Pessoa. Quanto à feição social de Rio Tinto, antes de abril de 64, vali-me das informações do professor Wilson Marinho que ali compareceu, em 1963, como delegado da UFPB, encontrando a cidade compartimentada entre comissões e delegados de ruas, bairros e fábrica. 6 LEMOS, Francisco de Assis. Nordeste, o Vietnam que não houve. Londrina: EDUEL, 1976, p.31. Entre os fundadores da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé figuravam o deputado Ramiro Fernandes e os esquerdistas Joaquim Ferreira Filho, João Santa Cruz, José Gomes da Silva, Leonardo Leal e os sapeenses João Pedro Teixeira, Pedro Fazendeiro, Alfredo Nascimento, Nego Fuba e Ivan Figueiredo. Segundo Assis, “A Liga logo deixava de ser uma entidade a reboque do PSD e ganhava vida própria”. 7 A sugestão, surgida dentro do Grupo José Honório, foi encaminhada à historiadora Laura Aquino, filha de Osmar, e editor Luciano de Nascimento Silva da UEPB.

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jovem Josélio Fideles de Sousa, como autor do inesperado Estrela – O Parque do Prazer – Um passeio saudoso pela boemia da Guarabira de ontem (2ª Ed. 2010). O livro constituirá presença indispensável a essa série de estudos sobre o líder guarabirense. O eixo desses estudos, todavia, haverá de versar sobre o político Osmar de Aquino que, transitando da UDN para o PSD e daí para o PSB e MDB, disputou, entre 1945 e 68, nove eleições, sendo quatro para deputado federal, igual número, uma das quais em Campina Grande, para prefeito, e uma para deputado estadual. Dessas, só venceu duas, para deputado federal em 1945 e a de Prefeito de Guarabira, em 1955. Mesmo assim cada um desses pleitos é merecedor de análises específicas. 4. LIDERANÇAS E CHEFIAS - Como o situei em Guarabira, Democracia, Urbanismo e Repressão 1945/1965, 1997, o paradoxo entre a liderança de Osmar e os precários resultados eleitorais, explica-se porque, residindo muito tempo fora de Guarabira, ou seja, nos Recife, Rio de Janeiro, João Pessoa e Fortaleza, viu-se eleitoralmente ultrapassado pelos que, sem se afastar da cidade, atuaram a nível local, como Augusto de Almeida e João Pimentel Filho. Este, em aliança com o ex-osmarista Sílvio Porto e o filho Jader Pimentel, tornou-se a maior chefia política guarabirense, desde sua irrupção em 1947.8 Assim, a liderança popular guarabirense pertencia a Osmar que brilhava, mas o comando concentrava-se nas mãos de dr. Pimentel que, como mais votado, se assenhoreou do PSD que Osmar, egresso da UDN, não conseguiu controlar, na década de cinqüenta, e da ARENA, beneficiária do regime militar, a partir de 64. Atuando pela esquerda – PSB na década de cinquenta e MDB em sessenta, Osmar permaneceu gauche, isto é, à margem. Os que o admiravam as mais das vezes não votavam nele... Contudo, como em Romeu e Julieta, osmaristas e pimentelistas terminaram aproximando-se, por via do casamento, quando o renomado poeta Sérgio Castro Pinto, sobrinho de Osmar, casou com uma filha do dr. Pimentel, a geógrafa Alda Pimentel. Isso levou um irmão desta, Jader Pimentel, a receber o apoio de segmentos alinhados com Osmar de Aquino, a partir dos anos setenta. Aí, todavia, com OAA fora da política

ou falecido, sua liderança favorecia o herdeiro estudantil Zenóbio Toscano, mais pragmático. Contra este alinham-se os Paulinos de Roberto Paulino, localizados no PMDB que prolongou o PSD histórico do dr.Pimentel. Zenóbio teve então de migrar para o PSDB. Do ponto de vista historiográfico, a liderança de Roberto Paulino foi bem conceituada por Anderson Guedes Cunha.9 5. TRAJETÓRIA OSMARISTA - Filho do velho udenista major Osório Aquino, prefeito guarabirense de 1940 a 42 e 46/47, e com quem fisicamente se assemelhava, Osmar de Araújo Aquino teve seu batismo de fogo a 2 de dezembro de 45, ao eleger-se deputado federal pela UDN, com 4.907 sufrágios, a 260 votos do primeiro suplente José Gaudêncio, em bancada de sete integrantes, dos dez da representação paraibana constituinte de 1946. Tem-se apregoado eleição pela Esquerda Democrática, mas isso não é verdade. Em 45, a ED que se converteria no Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 47, não lançou candidatos na Paraíba, daí porque Osmar tornou-se postulante udenista. É possível que, sobretudo em João Pessoa, os mangabeireanos hajam votado nele, mas isso é outra história... De resto, a votação do candidato refletiu instâncias partidárias, com 2.490 votos em Guarabira, acompanhada pela área, o satélite de Caiçara (280, votos), Bananeiras (254), Alagoa Grande (203) e Serraria (133 sufrágios). À época, esses municípios confinavam com Guarabira. A UDN atribuiu-lhe votação em Araruna (404 votos), graças ao futuro prefeito José Gomes Maranhão Filho, tio do futuro governador José Maranhão, e ainda em Mamanguape (142 votos). Fora da área litorâneo-brejeira, Osmar beneficiou-se de 193 votos, em Santa Luzia, assegurados pelo futuro deputado Seráphico da Nóbrega Filho, seu colega na advocacia do escritório do dr. José Mário Porto, onde funcionava a secretaria do partido. A UDN era, então, a agremiação dos bacharéis.10 Ainda assim, Osmar foi o ultimo da bancada da chamada Eterna Vigilância, com votação inferior a não eleitos como Abelardo Jurema, do Partido Social Democrático (PSD) com 5.748, e Epitácio Pessoa Cavalcanti (Epitacinho), do Partido Popular Sindicalista (PPS, futuro PSP), com 5.866 votos.

As circunstâncias que o favoreceram em 45 não se repetiram em 50, daí porque, nesse ano, Osmar não conseguiu a reeleição. Alguns analistas estranharam que na luta entre os coligacionistas de José Américo e os udeno-republicanos de Argemiro de Figueiredo, Osmar haja ficado com o último. Tal se deveu, todavia, aos condicionamentos políticos locais que, as mais das vezes, direcionam a postura dos candidatos, bem mais que as predileções pessoais e ideológicas.11 Com efeito, em 1950 o quadro partidário guarabirense experimentava alterações, com a irrupção do PL de José Américo, PSD do ex-presidente da Câmara Federal Samuel Duarte e médico João Pimentel, e PTB, beneficiário do efeito Getúlio. Imprensado entre essas correntes, a Osmar só restaria o brigadeirismo, pelo qual amargou insucesso, tanto para a deputação federal em 50, quanto para a Prefeitura, no ano seguinte. Em ambas, o tribuno guarabirense viu-se prejudicado por constante que contra ele conspirou em toda trajetória política – o isolamento partidário. Isso significa que, idolatrado pelas massas, sobretudo estudantis, não possuía a mesma recomendação junto às principais chefias. 6. OS INSUCESSOS DE 50 E 51 - Em 1950, a UDN paraibana, anteriormente vitoriosa em todos os níveis, ingressou em maré vazante, razão por que Osmar de Aquino não se reelegeu para a Câmara Federal. Fragorosamente derrotado para o Governo do Estado, com Argemiro de Figueiredo, vice-governadoria de Renato Ribeiro e senatoria com Pereira Lyra, o brigadeirismo reduziu a bancada federal de sete para quatro deputados, ficando a Coligação Democrática Paraibana PSD/PL/PTB/PSB com seis parlamentos, sendo três pessedistas e igual número de americistas. Junto aos udenistas João Agripino, Ernani Satyro, José Gaudêncio e Oswaldo Trigueiro, não havia lugar para Osmar de Aquino que, com apenas 4.078 votos – menos que cinco anos antes – se limitou a modestíssima sétima suplência, abaixo de Fernando Nóbrega, João Úrsulo Ribeiro Coutinho, Ranulfo Cunha França, José Gomes da Silva, Luiz de Oliveira Lima e Praxedes Pitanga. Com, respectivamente, 2.618, 591 e 140 votos, Guarabira, Araruna e Serraria resisti-

MELLO, José Octávio de Arruda. Guarabira: Democracia, Urbanismo e Repressão 1945/1965. J.Pessoa: A União, 1977, passim, com remissão à p. 95. Entrevista com o poeta guarabirense Sérgio Castro Pinto, setembro de 2016. Genro do chefete osmarista Valêncio Gomes, Zenóbio Toscano, desde a militância estudantil, foi muito ligado a Osmar de Aquino a quem considera ainda hoje “ídolo da minha juventude”. Moderado, apesar de firme, sempre procurou evitar o isolamento, o que explica os êxitos que obteve. Já Roberto Paulino teve o pai, Antônio, integrante do PSD e prefeito de Cuitegi, a partir de onde arrancou para se tornar prefeito de Guarabira, deputado estadual e federal, vice-governador e governador do Estado, em vitoriosa progressão. Líderes político e estudantil, Roberto Paulino e Zenóbio Toscano fizeram carreira paralela, no mesmo partido, o (P)MDB, até a cisão de 1993, quando Zenóbio, secretário do governador Ronaldo Cunha Lima, acompanhou a este em transferência para o PSDB. A trajetória política de ambos pode ser acompanhada no livro de Aderson Guedes Cunha – História de Política Guarabirense, 2ª Ed. Guarabira: maio de 2005. 10 A votação osmarista de Araruna, bastante ampla, em 1945 e 50, foi levantada pelo historiador Humberto Fonseca de Lucena. Quanto à de Santa Luzia, em 45, derivou do advogado Seráphico da Nóbrega, colega de Osmar no escritório do dr. José Mário Porto. O caráter enraizadamente bacharelesco da UDN pode ser aquilatado na composição de seus diretórios 1945/50, estabelecida por Sabiniano Maia em Flávio Ribeiro Coutinho - História de uma vida e de uma época 1882-1963. J.Pessoa: A União, 1977, p. 102/112. 11 MELLO, José Octávio de Arruda. Sociedade e Poder Político no Nordeste – O Caso da Paraíba, 1945/1964. J.Pessoa: Editora da UEPB, 2001, p.300, e também LIMA SOBRINHO, Barbosa. A Verdade sobre a Revolução de Outubro – 1930, 2ª Ed. S.Paulo: Alfa-Omega, 1975, p.181. 8 9

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ram, bravamente, mas os demais municípios de 1945 revelaram declínio assustador – os 488 votos de João Pessoa baixaram para 118, os 290 de Caiçara para 73 e os 142 de Mamanguape para 67. Mesmo assim, Osmar habilitou-se à Prefeitura de Guarabira, em 1951 – por que? Porque, para compensar a débâcle e 50, a Eterna Vigilância decidiu recorrer e seus melhores quadros, nos mais diversos municípios, o que significou Argemiro em Campina Grande, o ex-governador José Targino, em João Pessoa, e Firmino Leite, em Patos, entre alguns mais.12 Como a principal liderança udenista de Guarabira era a de Osmar, este partiu para o sacrifício. Seu adversário, pela coligação PL/PSD/ PTB, foi o farmacêutico Augusto de Almeida, irmão do governador José Américo que compareceu, pessoalmente, a Guarabira, para recriminar o comportamento pessoal de Osmar. Este também teve contra si o candidato a vice-prefeito pessedista Jesualdo de Morais Coelho, do então distrito de Pirpirituba, por cuja estação de Tamandataí circulava o trem de ferro. Em consequência, Osmar ficou com apenas 2.497 votos – 45,88% do eleitorado – contra 2.922 do vitorioso Augusto de Almeida (54,12%). O postulante a Vice-prefeito, udenista Milton de Moura Resende, também resultou derrotado.13 7. DA VITÓRIA DE 55 À DERROTA DE 58 - Numa Guarabira que se urbanizava, por conta das administrações de Sabiniano Maia e Augusto de Almeida, o que significava novas lideranças como Ivan Bichara Sobreira, Joacil Pereira e João Pimentel, sendo o primeiro casado com sobrinha do governador e presidente de Assembléia Legislativa, o enfraquecido Osmar de Aquino procurou o supremo comandante udenista Argemiro de Figueiredo, para entendimentos que não se revelaram satisfatórios. O próprio Argemiro, candidato ao Senado em 1954, não se sentia seguro, daí porque também postularia a Câmara Federal, o que era permitido pela legislação da época. Consequentemente, não poderia acudir o guarabirense.14 Então Osmar decidiu deixar o partido, transferindo-se para o PSD joffilysta. Isso

porque o deputado federal Jose Joffily conseguiu sua nomeação para Consultor Jurídico do Banco do Nordeste, em Fortaleza, ao contrário da UDN, pouco receptiva a ingresso no Banco do Brasil, como advogado deste. A controvertida filiação pessedista de Osmar gerou esdrúxula situação. Isso porque enquanto o PSD de Ruy Carneiro regozijava-se, estadualmente, com a aquisição, o Diretório Municipal guarabirense, controlado pelo médico João Pimentel, ele próprio candidato à Prefeitura, o rejeitava. Osmar, então, em formulação típica do populismo, inscreveu-se para a Prefeitura de Guarabira, pela UDN, que deixava, mas como aspirante de ponderável facção dos PSD em que ingressava e a cujos comícios comparecia... contra o próprio candidato partidário, João Pimentel... A anomalia foi denunciada, em boletins, pelo candidato a vereador major Antônio Pereira Diniz, assassinado durante a campanha.15 Com Osmar recrutando votos da UDN e do PSD, a combinação eleitoral, todavia, resultou positiva, daí porque o tribuno guarabirense derrotou o dr. Pimentel por 2418 votos a 1928, com direito a sagrar o vice prefeito Edson Montenegro Cunha. Mesmo como o prefeito que atendia os pobres e, contrariando a família, expandiu a cidade para o chamado Bairro Novo – no ponto alto de sua administração16 – Osmar de Aquino não conseguiu deter as implicações políticas estaduais que se precipitaram sobre Guarabira. Nesta, enquanto a UDN se unificava, sob o comando de Joacil Pereira, também vinculado ao americismo da candidatura senatorial de 1958, o PSD dividia-se. Isso porque, com o pessedista Pedro Gondim, no governo, em substituição ao udenista Flávio Ribeiro, eleito em 55, mas a seguir licenciado, o gondinismo, tendencialmente aspirante ao Palácio da Redenção, em 1960, atraiu o guarabirense Sílvio Porto, até então vinculado a Osmar de Aquino, mas, a partir daí prestigiado em faixa própria, no município. Em 1958, Sílvio e Osmar postularam a deputação estadual pelo mesmo PSD, mas em alas diversas. Enquanto o Joffilysta Osmar vinha pelo PSD carneirista, Silvio Porto o fazia pelo nascente gondinismo. O resultado é que

nenhum dos dois se elegeu, ao contrário de Joacil, tornado deputado estadual pela UDN. Com 2.296 votos, dos quais 1.316 em Guarabira, Silvio tornou-se o quarto suplente da bancada pessedista. Já Osmar, senhor de 1716 votos em Guarabira, em total de 2.148 era o décimo. Nesse pleito, Osmar, algo quixotesco, buscou ajudar o candidato a deputado federal Samuel Duarte, como contraparente que retornava ao PSD, depois de filiado ao PTB varguista.17 8. AS ESQUERDAS EM 62 - O pleito de 1958 significou algo muito específico para a trajetória político-partidária de Osmar de Aquino. Deputado federal pela UDN em 45, mas prefeito pelo PSD em 55, o guarabirense fora praticamente cristianizado por ambas as legendas, razão por que lhe restaria uma única alternativa – a esquerda: Esta formalizou-se em 1962, quando, preterido para o Senado pelo PSD, diante da opção deste pela candidatura Drault Ernanny, José Joffily transferiu-se para o PSB de Claudio Santa Cruz a que praticamente controlou no Estado. Nacionalmente, o Partido Socialista, com João Goulart no governo e um ministro – João Mangabeira - na pasta da Justiça, esquerdizouse, mediante as novas bandeiras que empunhava – nacionalismo, sindicalismo, poder popular e reformas de base.18 No eixo Pernambuco-Paraíba, a irrupção das Ligas Camponesas acentuou essa tendência. Nas palavras do cronista Agnelo Amorim, com Josiffily o PSB paraibano marchou decididamente para a esquerda. Levantamentos do Grupo José Honório registraram vinte e um dos quarenta candidatos a deputado estadual, em 1962, pertencentes à Aliança Operário-Estudantil-Camponesa, como integrantes de sindicatos e organizações tipo PUA, Federação dos Trabalhadores na Indústria, Frente Parlamentar Nacionalista, UBES, UEPB, API, Ligas Camponesas, Frente de Mobilização Popular e associações de têxteis e metalúrgicos. Nesse pleito, a bancada estadual do PSB saltou de três para sete deputados, com um a menos que o PDC gondinista, e um a mais que UDN e PTB.19

Informações do falecido deputado Joacil Pereira, 1996. A maior parte desses candidatos foi derrotada, o que acentuou a débâcle udenista. A influência do distrito de Pirpirituba na eleição guarabirense de 1951 foi anotada por MELLO, José Octávio de Arruda in Guarabira – Democracia, Urbanismo e Repressão, cit. p.48. 14 Ibidem, p.50, com remissão a declarações da sra. Miriam Aquino, maio de 1996. 15 Os boletins do major Antônio Pereira Diniz intitulam-se “Coligação Democrática Guarabirense” e “Mentira e Traição Consumada”, estando depositados no Centro de Documentação Cel. João Pimentel, de Guarabira. 16 Realizando administração tipo populista, Osmar atendia, diretamente, os chamados “calças frouxas”, que eram os mais necessitados e constituiam sua base de massas. Para assegurar a expansão da cidade, coube-lhe desapropriar terrenos do futuro Bairro Novo, apesar da objeção dos próprios familiares do clã Benevides, como informado pela historiadora Laura Aquino, em entrevista de 29 de outubro de 2016. 17 MELLO, José Octávio de Arruda. Samuel Duarte – Perfis Parlamentares 70. Brasília: Câmara Federal, 2014. p. 66/7. Para obtenção dos 638 votos, guarabirenses de Samuel, o cunhado de Osmar, Petrônio de Castro Pinto, mobilizou acadêmicos de Direito, até do Rio de Janeiro. 18 GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa e VIEIRA, Margarida Luiza de Matos. Semeando a Democracia – A trajetória do socialismo democrático no Brasil. Contagem : Palosa, 1995, p. 213 e segs. A esquerdização dos socialistas passava pelo antilacerdismo, como expressado, no então Distrito Federal, pelo deputado federal de origem paraibana, Breno da Silveira. 19 MARIZ, Celso (aumentada e atualizada por Deusdedith Leitão). Memória da Assembleia Legislativa, 2ª ed. João Pessoa: Assembléia Legislativa, 1987, p. 143/4. Essas eleições, prenunciando a derrocada do sistema partidário de 1945/63, expressavam o declínio dos partidos conservadores PSD, UDN, PL e PR, ante a ascensão dos populistas PDC,PSB e PTB, alguns dos quais de viés ideológico. 12 13

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Nas palavras de José Octávio, “sob a inspiração do chamado nacionalismo radical, contrário aos Estados Unidos, porque anti imperialista, neutralista e favorável às reformas de base, as chamadas organizações populares guinaram para a esquerda, acompanhando as novas pulsações do nacionalismo, em campo oposto ao dos anos trinta. A Igreja, até então conservadora e tridentina, começou a mudar de lado”.20 Mais do que nunca, os estudantes, rendidos à sinistra, representavam a base de massas do osmarismo. Seus comícios eram abertos por colegiais e universitários, com os futuros Juiz Federal José Fernandes de Andrade e deputado Zenóbio Toscano, à frente. 9. EMPOLGAÇÃO DE JOFFILY E CANDIDATURA OSMAR - José Joffily então empolgou-se. Em aliança com as Ligas Camponesas de Assis Lemos, e Partido Comunista que, na ilegalidade, valia-se dos PSB e PST como fachada legal, o antigo pessedista decidiu-se por luta “quimicamente pura”, na base de postulação exclusivamente socialista – no caso a do próprio Joffily – para Senador e Deputado Federal. Para Josué Sylvestre, a posição dos socialistas pessoenses, dispondo de página inteira no jornal pessedista Correio da Paraíba, estimulava a radicalização.21 Hostilizando o socialista histórico Aluizio Campos, candidato senatorial pela aliança UDN/PDC/PL, de Pedro Gondim e João Agripino, José Joffily tornou-se o quinto aspirante senatorial de 62, em faixa própria e com o presidente/estadual do PSB, Claudio Santa Cruz, na suplência. Chapa dos deputados federais também genuinamente de esquerda foi montada com o próprio Joffliy, Osmar de Aquino, professor neo-marxista Octacílio Queiroz e comunistas Jornalista Severino de Oliveira e bancário Lúcio Vilar Rabelo. Os resultados foram, porém, débeis. Para o senado, embora majoritário em Rio Tinto, e segundo lugar em Cabedelo José Joffily ficou em último lugar com 45.348 votos. A legenda de deputados federais, sem conseguir eleger ninguém, não passou de 13.231 votos, dos quais 7.970, de Joffily e Queiroz, Oliveira a Rabelo não alcançaram mil votos cada. Quanto a Osmar, seus 3.397 votos provieram dos 1821 de Guarabira e componente algo esquerdizante de João Pessoa (489 votos), Ma-

manguape (223), Campina Grande (202), Rio Tinto (129), Santa Rita (61), Alagoinha (45), Sapé (44) e Pedras de Fogo (44), na área de influência das Ligas Camponesas. 10. TENSÃO SOCIAL E PREFEITURA EM 63 - Imbuídas de sensível propensão social, as eleições municipais de agosto de 1963 revelaram ativa participação das autodenominadas “forças populares”. Vitoriosas em Rio Tinto, Alhandra, Itabaiana, Santa Rita, Cabedelo, Mulungu, Araruna, Alagoinha, Sousa, Antenor Navarro e, de certa forma, João Pessoa, onde apoiaram o pessedista Domingos Mendonça Neto, contra o governista Robson Espínola, essas correntes procuraram hegemonizar Sapé e Guarabira, na coração das ligas camponeses. Enquanto Sapé refletia o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, a 2 de abril de 1962, em Guarabira a tensão social progredia, mediantes os conflitos da Fazenda Carrasco. Nesta envolvia-se a ativista Maria do Carmo Aquino, a Maria Cuba, irmã de Osmar. Seu marido Eurico de Farias Reis biografaria, no futuro, o líder vermelho Luiz Carlos Prestes.22 Em Guarabira, tornou-se (novamente) candidato a Prefeito, mas em esquema de frente popular. O deputado socialista Assis Lemos compareceu a inúmeros comícios, juntamente com universitários, jornalistas e sindicalistas litorâneos de marcadas posições avançadas. Pela vertente oposta, o deputado Sílvio Porto, do esquema PSD/UDN/PDC/PL, fez o mesmo, mobilizando promissores antiesquerdistas favoráveis à candidatura João Pimentel Filho. A virulência verbal elevou a temperatura dos oradores.23 Para evitar o isolamento, Osmar recrutou à classe média seu vice-prefeito Eloi Pereira de Lima, o que não impediu continuasse o anticomunismo como a tônica das concentrações adversárias. Para enfrentar esse ponto o candidato socialista encerrou a campanha em frente à matriz de N. Sra. da Luz, pronunciando tocante oração. O que não adiantou. Abertas as urnas, João Pimentel Filho, com 53,69% dos eleitores, equivalentes a 2.759 votos, converteu-se no novo prefeito de Guarabira, ao suplantar os 2.336 sufrágios (45,46%) de Osmar de Aquino.

11.1. A BOA PERFORMANCE DE 66 - Advogado do Banco do Nordeste, foi no Recife que Osmar de Araújo Aquino se radicou, depois do insucesso guarabirense de 1963. O movimento militar-político de 64 aí o alcançou, quando não foi preso por se encontrar com hepatite. Algo vinculado à Frente do Recife, procurou favorecer o acossado governador Miguel Arraes, e, no dia do golpe, ao deputado Assis Lemos. Este foi detido em sua residência do Espinheiro, apesar da corajosa interferência da Sra. Miriam Aquino, esposa de Osmar.24 Sem nunca pactuar com a ditadura de 64 contra a qual se insurgiu, em discursos, entrevistas e boletins, filiou-se ao MDB, o partido de oposição, no sistema bipartidário da época. Como o antigo Partido Socialista houvesse sido profundamente atingido pelas punições da época, concordou em candidatar-se a deputado federal pela legenda oposicionista, em novembro de 66. Eleitoralmente, foi essa uma de suas melhores performances. Como a governista Arena perfizesse nove deputados federais e os quatro peemedebistas – Janduhy Carneiro, Humberto Lucena, Petrônio de Figueiredo e Bivar Olinto, além do primeiro suplente José Gadelha – pertencessem a correntes tradicionais, é fora de dúvidas que Osmar de Aquino converteu-se no candidato preferencial das esquerdas. Tal explica seus expressivos 12.336 votos, um pouco abaixo do primeiro suplente José de Paiva Gadelha (13.169). Da sufragação osmarista, Guarabira compareceu com 3.420 votos, João Pessoa 2594, Campina Grande 1799, Santa Rita 651, Sapé 193, Patos 164, Alagoinha 160, Araruna 156, Soledade 154, Rio Tinto 124, Itabaiana 103, e Mamanguape 56. Afora esses sufrágios basicamente recrutados à classe média radicalizada, Osmar contou com parcelas do antigo eleitorado pessedista – sendo o PSD um dos formadores do MDB – em Santa Luzia (621 votos), Cuité 253, Itaporanga 180, Pirpirituba 176, Bayeux 137, Caiçara 128 e Monteiro 62. 11.2. Contra o militarismo em 68 - A boa votação de Campina Grande e a veemência dos discursos federais de 1967 e 68, na Câmara dos Deputados, quando do aguçamento das manifestações estudantis, em todo país, induziram o Diretório Nacional emedebista a

MELLO, José Octávio de Arruda. Guarabira : Democracia, Urbanismo e Repressão, cit. p.75. Para Josué Sylvestre, em Nacionalismo & Coronelismo – Fatos e Personagens da História de Campina Grande e da Paraíba (1954/1964), Brasília, Senado Federal, 1988, p. 352, foram os socialistas pessoenses que radicalizaram o processo, levando José Joffily a candidatar-se, simultaneamente, ao Senado e Câmara Federal, em faixa própria. Para Sylvestre e nacionalistas campinenses, Joffily não deveria deixar o PSD a fim de preservar a condição de deputado. 22 Entrevista de 1997, com as sras. Miriam e Laura Aquino. O marido de do Carmo, comunista histórico Eurico de Farias Reis , é autor com Oirlando C. Moliva, do livro A Última palavra de Ordem do Capitão (Olinda: Editora Raiz, 1991), de exaltação do líder vermelho Luiz Carlos Prestes. 23 A virulência da campanha guarabirense de 1963 foi anotada por José Octávio em Guarabira : Democracia, etc., cit. p. 82/5, tendo como fontes o programa “Antena Política” do Rádio Arapuan, de pastas em poder do autor. Os socialistas mobilizaram os universitários Ademar Teotônio Leite Ferreira (Babá) e Antônio Augusto Arroxelas, bem como o jornalista Geraldo Luiz, e os silvistas a Marilac Toscano e Pedro Adelson Guedes dos Santos. 24 LEMOS, Francisco de Assis. Nordeste, o Vietnam que não houve, cit. p. 213/18. 20 21

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recomendar sua candidatura a prefeito campinense, a 15 de novembro de 1968. Tratava-se de recorrer à esquerda para cimentar as candidaturas de Ronaldo Cunha Lima e Vital do Rêgo, contrários, pelas sublegendas de oposição, aos governistas Severino Cabral, Plínio Lemos e Stênio Lopes. Constituindo o pleito de Campina um dos mais importantes do país, Osmar de Aquino entrou pelo MDB-2, tendo como companheiro de chapa o deputado cassado Figueiredo Agra. O slogan de seus cartazes dizia tudo: “Um homem de princípios”.25 Embora senhor de apenas 312 votos, o comportamento de Osmar não o desmereceu. Mesmo desertado pelos principais apoiadores, como o vereador Antônio Augusto Arroxelas, cooptado pelo agripinismo, e vice-prefeito Figueiredo Agra, incorporado à campanha de Vital do Rêgo, acusou destacada participação, falando em recintos fechados para estudantes, sindicalistas, religiosos e profissionais liberais. Numa dessas oportunidades, enfatizou o distanciamento do movimento de 64 com a sociedade civil, acrescentando: “Não tenho medo de bordados de generais”.26 Era uma espécie de canto de cisne do velho guerreiro. Cassado como deputado federal e com os direitos políticos suspensos pelo AI/5, a 16 de janeiro de 1969, Osmar, alijado, draconianamente, da vida pública, contabilizou a trajetória de líder de massas, sempre sugestionado pelas teses da esquerda. Politicamente, sua despedida não poderia

ter sido mais relevante. Na Campina Grande de 1968, seus 312 votinhos – superiores aos 212 do candidato da ARENA-3, Stênio Lopes – contribuiram para a eleição do postulante emedebista Ronaldo Cunha Lima que, vitorioso sobre o individualmente mais votado Severino Cabral, deveu seu êxito ao conjunto das sublegendas, uma das quais ocupada por Osmar.27 Conclusões - Em Guarabira, a legenda de Osmar de Aquino permanece porque as principais lideranças atuais – Roberto Paulino pelo PMDB e Zenóbio Toscano, pelo PSDB – provêm de sua ação política. Paulino, cujo pai Antônio Paulino hegemonizava o PSD de Cuitegí, deriva do PSD não gondinista que, pela mãos de Humberto Lucena, se transformou em MDB e PMDB, o primeiro dos quais ocupado por Osmar, em seguida ao AI/2. Já Zenébio, cujo sogro Valêncio Gomes, chegou a ser cogitado como candidato a vice-prefeito pelo esquema osmariano, em 1958, representa o dinâmico segmento estudantil em que sempre se apoiou o tribuno guarabirense. Se considerarmos que o intelectualizado Sílvio Porto era, até o cisma pessedista de 1958, ativo figurante do esquema de Osmar que, inclusive, o introduziu na vida política de Guarabira da qual se tornou figura de proa, haveremos de convir que a estrutura partidária de Guarabira gravitou em torno de Osmar Araújo Aquino.

Deste só não provieram o PL de Augusto de Almeida – ainda assim, aliado de Osmar em 1959 – e a UDN de Joacil Pereira, como frações que desapareceram na voragem do tempo. Neste, quando Osmar foi aplastado pela ditadura militar em 1969, o MDB, logo sucedido pelo PMDB de Ulysses Guimarães, dispôs das efêmeras lideranças de Gustavo Amorim, falecido antes de exercer a deputação estadual, e Adonis Aquino Sales, ex-deputado estadual de Mulungu e primo de Osmar. Foi então que os Paulinos de Roberto e Ranieri, sempre tendo ao lado a formação estudantil de Zenóbio Toscano, dominaram o PMDB como herdeiros da vertente partidária de Osmar de Aquino. Sem este, e até hoje, não se pode entender a evolução político-social de Guarabira. Seguramente por isso, o campus universitário da UEPB ganhou seu nome. E também por essa razão registra-se esse centenário. Não em termos de apologética, mas de análise crítica e histórica. Historiador de ofício, com doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, como professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de História da Paraíba – Lutas e Resistência (13ª Ed., 2014) e A Revolução Estatizada – Um Estudo sobre a formação do centralismo em 30 (3ª ed.2014). (*)

MELLO, José Octávio de Arruda. Ronaldo Cunha Lima : A trajetória de um vencedor (1936-2007). J. Pessoa: Idéia, 2015, p.115/6. O slogan osmarista foi anos depois utilizado pelo candidato senatorial arenista Milton Cabral. 26 Ibidem, p. 117/8. 27 Ibidem, p. 119, contendo o resultado final do pleito que foi o seguinte: ARENA 1 Severino Cabral/Raymundo Asfóra 17.568 votos; ARENA/2 Plínio Lemos/Evaldo Queiroz 635; ARENA 3 Stênio Lopes/Amaury Vasconcelos 241; MDB 1 Ronaldo Cunha Lima/Orlando Almeida (eleito) 13.429 votos; MDB 2 Osmar de Aquino/ Figueiredo Agra 312 e MDB 3 – Vital do Rêgo/ Langstaine Almeida 8.415. 25

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| Março/Abril/2017


COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – 9, 11 Abelardo Jurema Filho – 5, 11 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – 12 Alceu Amoroso Lima (In Memoriam) – 15 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto (D.) – 8 Aldo Lopes Dinucci – 9 Alessandra Torres – 9 Alexandre de Luna Freire – 1 Aline Passos - 21 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – 13 Álvaro Cardoso Gomes – 5 Américo Falcão (In Memoriam) – 9 Ana Isabel Sousa Leão Andrade – 15 André Agra Gomes de Lira – 1 Andrès Von Dessauer – 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 23 Ângela Bezerra de Castro – 1, 11 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Anna Maria Lyra e César – 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – 8 Antônio Mariano de Lima – 4 Ariano Suassuna (In Memoriam) – 14 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – 13 Austregésilo de Atahyde (In Memoriam) - 23 Berilo Ramos Borba – 3 Boaz Vasconcelos Lopes – 7 Camila Frésca – 5 Carlos Alberto de Azevedo– 4, 6, 11 Carlos Alberto Jales – 2, 12, 14, 16, 23 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – 2, 5 Carlos Pessoa de Aquino – 5 Celso Furtado - 16 Chico Pereira - 16 Chico Viana – 1, 2, 4, 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 10, 13, 14, 22 Ciro José Tavares – 1, 23 Cláudio José Lopes Rodrigues – 5, 6 Cláudio Pedrosa Nunes – 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – 10 Damião Ramos Cavalcanti – 1, 11 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – 6 Durval Ferreira – 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – 14 Eilzo Nogueira Matos – 1, 4, 7, 13 Eliane de Alcântara Teixeira - 6 Eliane Dutra Fernandes – 8, 14 Elizabeth Marinheiro – 12 Emmanoel Rocha Carvalho – 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - 1, 9 Ernani Sátyro (In Memoriam) –EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, EE/Epitácio Pessoa/ Maio/2015, 11, 15, 16 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 8 Evandro da Nóbrega- 2, 4, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 15, 21 Everaldo Dantas da Nóbrega – 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - 8 Fábio Franzini – 7 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - 4 Flamarion Tavares Leite – 8 Flávio Sátiro Fernandes – 1, 2, 4, 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 21, 22, 23 Flávio Tavares – 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - 2 Francisco Gil Messias – 2, 5, 14 Gerardo Rabello – 11 Giovanna Meire Polarini – 7 Glória das Neves Dutra Escarião – 2 Gonzaga Rodrigues – 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 11 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – 4, 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015 Humberto Fonseca de Lucena - 23 Humberto Melo – 16 Inês Virgínia Prado Soares - 23 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – 3 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – 4

Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – 6 Joaquim Osterne Carneiro – 2, 4, 7, 9, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14 José Américo de Almeida (In Memoriam) – 3, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 15 José Jackson Carneiro de Carvalho – 1 José Leite Guerra – 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – 16, 21 José Mário da Silva Branco – 11, 13 José Nunes - 16 José Octávio de Arruda Melo – 1, 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 9, 13, 15, 21 José Romero Araújo Cardoso – 2, 3, 10, 11 José Romildo de Sousa – 16 José Sarney – 15 Josemir Camilo de Melo – 11 Josinaldo Gomes da Silva – 5, 10 Juarez Farias – 5 Juca Pontes – 7, 11 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, 7, 13, 15 Lucas Santos Jatobá – 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – 13 Luiz Fernandes da Silva- 6 Machado de Assis (In Memoriam) – 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) (In Memoriam) – 13 Marcelo Deda (In Memoriam) – 4 Márcia de Albuquerque Alves - 23 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 23 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – 1 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – 3, 10, 15 Maria José Teixeira Lopes Gomes – 5, 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – 3, 9 Mário Glauco Di Lascio – 2 Mário Tourinho – 13 Martha Mª Falcão de Carvalho e M. Santana - 22 Martinho Moreira Franco – 11 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – 4 Milton Marques Júnior – 4 Moema de Mello e Silva Soares – 3 Neide Medeiros Santos – 3, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015, 15, 23 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - 6, 15 Octávio de Sá Leitão (Sênior) (In Memoriam) - 23 Octávio de Sá Leitão Filho (In Memoriam) – 16 Oswaldo Meira Trigueiro – 2, 5, 6, 7, 9, 10, 13 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - 14 Otávio Sitônio Pinto – 7 Patrícia Sobral de Sousa - 21 Paulo Bonavides – 1, 4, 5, 9, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 12, 14, 15, 16, 22,23 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Peregrino Júnior (In Memoriam) - 22 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – 3 Raúl Gustavo Ferreyra – 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – 4 Regina Célia Gonçalves - 22 Renato César Carneiro – 3,6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,7,9 Ricardo Rabinovich Berkmann – 5 Roberto Rabello – 11 Ronal de Queiroz Fernandes (In Memoriam) - 21 Rostand Medeiros – 12 Ruy de Vasconcelos Leitão – 16 Samuel Duarte (In Memoriam) – 21 Sérgio de Castro Pinto - 22 Severino Ramalho Leite – 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 13, 15, 16 Socorro de Fátima Patrício Vilar – 10 Thanya Maria Pires Brandão – 4 Tiago Eloy Zaidan – 11, 13, 21, 23 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Vicente de Carvalho – 16 Violeta Formiga (In Memoriam) - 21 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – 3, 9, 15 Wills Leal – 2, 7 EE=Edição Especial Março/Abril/2017 |

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