GENIUS 25

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R$ 15,00

AS FESTAS TRADICIONAIS E OS DIFERENTES

PROCESSOS DE ATUALIZAÇÃO Oswaldo Meira Trigueiro

O FOLCLORE, DE RODRIGUES DE CARVALHO A ADEMAR VIDAL José Octávio de Arruda Melo CRÍTICA SOCIAL DE GRANDE ACENTO CRISTÃO Marcos Vinícius Vilaça DOIS MARCOS NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS Flávio Sátiro Fernandes DA GRANDEZA HUMANA Ângela Bezerra de Castro

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ISSN: 2357-8335

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Assis Chateaubriand ChatĂ´

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CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

Nesta edição, enquanto as fogueiras crepitam e as sanfonas resfolegam, construindo baiões, xotes, xaxados, marchas e outros ritmos próprios da época, GENIUS se veste a caráter e ensaia mais um número, em que espera brindar seus leitores com textos que os possam fazer esquecer as agruras desses tempos difíceis por que passa o nosso País, tão conturbado com processos, denúncias, delações reveladoras de corrupção, malversação, roubos, propinas, envolvendo agentes das três esferas de poder, deixando-nos acabrunhados e desesperançados com o futuro da Nação. Enquanto a bonança não vem, fiquemos na meditação do que nos oferece José Octávio de Arruda Melo, lembrando-nos a figura de Rodrigues de Carvalho, denodado folclorista paraibano, pertencente à Academia de dois Estados - Paraíba e Ceará, - autor de renomadas obras sobre sua especialidade, dentre as quais sobressai o célebre Cancioneiro do Norte. A Acadêmica Ângela Bezerra de Castro nos revela importante estudo sobre a figura do Padre Luiz Gonzaga de Oliveira, que integrou a Academia Paraibana de Letras, autor de Quadros de minha infância, A tragédia do Major e Figuras e paisagens, este lançado recente e postumamente. GENIUS publica cinco poemas de D. Fernando Gomes dos Santos, um dos nomes mais ilustres do episcopado nacional, que foi Bispo de Penedo (AL) e Aracaju (SE), e Arcebispo de Goiânia (GO), onde desenvolveu importante obra pastoral, não só espiritual, mas também material, criando escolas superiores, universidade e órgãos de comunicação. Sacerdote combativo, teve destacada atuação no âmbito do Concílio Vaticano II, notadamente, nas reuniões de Medellin, na Colômbia. Está transcrito em nossas páginas o discurso de saudação do Acadêmico Marcos Vilaça, ao recepcionar, quando de sua posse na Academia Brasileira de Letras, Ariano Suassuna, O Cavaleiro da Pedra do Reino, de que nos fala José Nunes, em outro trabalho. Adalberto Targino lembra o saudoso internacionalista Ubirajara Botto Targino, professor universitário, que, em vida, “colecionou diplomas, títulos, pergaminhos, honrarias e reconhecimentos nacionais e internacionais”. Outras contribuições ainda se inserem nesta edição, feita para que o caro leitor consiga esquecer a nuvem negra que paira sobre as nossas cabeças.

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JACK NICHOLSON - A LOUCURA COMO ESTIGMA DE SUCESSO Andrés von Dessauer (Especial para GENIUS)

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DOIS MARCOS NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS Flávio Sátiro Fernandes

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DA GRANDEZA HUMANA Ângela Bezerra de Castro

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ARIANO - O CAVALEIRO DA PEDRA DO REINO José Nunes

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VIDA ALÉM DA TERRA Ailton Elisiário

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CRÍTICA SOCIAL DE GRANDE ACENTO CRISTÃO Marcos Vinícius Rodrigues Villaça

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OS ALEMÃES E A COMUNIDADE Carlos Alberto Jales

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SETAS DO ARCO ÍRIS SONETOS E POESIA VÁRIA Paulo Bonavides

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UM JURISTA INTERNACIONAL Adalberto Targino

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O FOLCLORE, DE RODRIGUES DE CARVALHO A ADEMAR VIDAL José Octávio de Arruda Mello

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CINCO POEMAS DE D. FERNANDO GOMES

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AS FESTAS TRADICIONAIS E OS DIFERENTES PROCESSOS DE ATUALIZAÇÃO Oswaldo Meira Trigueiro

Boa leitura e até a próxima edição.

REFLEXÕES SOBRE OS RECURSOS HIDRICOS PARTICULARMENTE DO ESTADO DA PARAIBA Joaquim Osterne Carneiro

Maio/Junho/2017 - Ano V Nº 25 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 99981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA

CAPA: Quadrilha no Parque do Povo, Campina Grande Foto: Oswaldo Meira Trigueiro Maio/Junho/2017 |

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COLABORAM NESTE NÚMERO: 4

ADALBERTO TARGINO [Um jurista internacional] Procurador do Estado do Rio Grande do Norte, Professor e Presidente da Academia de Letras Jurídicas do RN. É também membro da Academia Paraibana de Letras Jurídicas, que completa, no corrente ano, quarenta anos de existência. AILTON ELISIÁRIO [Vida além da terra] Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Nordeste (1987), em Ciências Econômicas pela UFPB (1968), mestrado em Economia pela UFPB (1983) e especialização em Direito Civil pela Universidade Estadual da Paraiba (1987). É professor titular da Universidade Estadual da Paraíba e membro da Academia de Letras de Campina Grande. ANDRÈS VON DESSAUER [O medo nas telas] Mestre em Economia e Ciência Política pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematográfico no triângulo Rio de Janeiro-São Paulo-João Pessoa sobre filmes cult. Articulista em vários periódicos nacionais. ÂNGELA BEZERRA DE CASTRO [Da grandeza humana] Professora da Universidade Federal da Paraíba, escritora, crítica literária, membro da Academia Paraibana de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 31, cujo patrono é Epitácio Pessoa. Escreveu, dentre outros livros, Um certo modo de ler, Releitura de A Bagaceira e Um ponto no infinito contínuo, CARLOS ALBERTO JALES [Os alemães e a comunidade] Natural do Rio Grande do Norte, radicou-se na Paraíba, onde é Professor-Doutor do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da UFPB. Escritor, poeta, ensaísta. FERNANDO GOMES (D.) (In Memoriam) (Patos-PB, 1910 – Goiânia-GO, 1985) [Cinco poemas de D. Fernando Gomes]– Uma das mais brilhantes figuras do episcopado brasileiro. Foi vigário das Paróquias de Cajazeiras e Patos, sua cidade natal. Foi Bispo de Penedo, em Alagoas (1943) e de Aracaju (SE). Nomeado, em seguida, Arcebispo de Goiânia (GO), empreendeu uma grande obra tanto espiritual quanto material, criando cursos superiores, universidade e órgãos de comunicação. Teve uma participação marcante no Concílio Vaticano II.

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FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [Dois marcos na história constitucional dos Municípios brasileiros] Membro da Academia Paraibana de Letras e do IHGP. Autor dos livros História Constitucional da Paraíba e História Constitucional dos Estados Brasileiros, este em parceria com o Professor Paulo Bonavides. Diretor e Editor da revista GENIUS. Romancista, poeta, historiador. JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO [Reflexões sobre os recursos hidricos particularmente do Estado da Paraíba]. Engenheiro Agrônomo, escritor e historiador. Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP) do qual foi Presidente. JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELO [O Folclore, de Rodrigues de Carvalho a Ademar Vidal] Historiador de ofício, com doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, como professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de várias obras que abordam a história da Paraíba. JOSÉ NUNES [Ariano – O cavaleiro da Pedra do Reino] Jornalista, escritor, historiador. Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde ocupa a Cadeira nº 12, cujo patrono é o historiador Veiga Junior, MARCOS VINICIUS VILAÇA [Crítica social de grande acento cristão] Membro da Academia Brasileira de Letras, ex-ministro e presidente do Tribunal de Contas da União. Natural de Nazaré da Mata, Pernambuco, bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Recife. OSVALDO MEIRA TRIGUEIRO [As festas tradicionais e os diferentes processos de atualização] Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Folkcomunicação. Autor de várias obras nas áreas do folclore e afins. PAULO BONAVIDES [Setas do Arco-Iris – Sonetos e poesia vária] Considerado o maior constitucionalista brasileiro vivo, com projeção internacional, Paulo Bonavides é também dedicado à literatura, autor de inúmeras resenhas literárias, divulgadas em jornais e revistas especializadas. Publicou livro de crônicas, intitulado O Tempo e os Homens. Atualmente, é Diretor da Revista Latinoamericana de Estudos Constitucionais.


CINEMA JACK NICHOLSON - A LOUCURA COMO ESTIGMA DE SUCESSO Andrés von Dessauer (Especial para GENIUS)

Nascido em 1937. Jack Nicholson, ator, roteirista, diretor e produtor de filmes, levou, em 1969, com seu primeiro longa-metragem EASY RIDER, ao incorporar um advogado bêbado, sua primeira indicação a um Oscar. Desde então, vestiu a camisa da loucura que, em menor ou em maior grau, invariavelmente, causou aplausos dos espectadores. Com mais de 40 troféus recebidos por suas performances, ele merece também ganhar imortalidade na revista GENIUS. Além de dois Oscars de melhor ator, é, com seis troféus, campeão absoluto do Globo de Ouro. Sentado sempre na primeira fila da noite mais importante da Academia, as expressões dos seus olhos e de sua boca deixam dúvidas, para muitos, sobre se a loucura só se restringe às produções cinematográficas. Talvez o seu filme de maior aceitação foi o romântico MELHOR É IMPOSSÍVEL, 1997, mas, para a edição atual da GENIUS, foram escolhidas duas obras atemporais em que a loucura contida sai do seu estado embrional, UM ESTRANHO NO NINHO, 1975, e uma outra em que ela atinge o auge: O ILUMINADO, 1980. UM ESTRANHO NO NINHO... (da loucura) A evolução cultural teve reflexo direto no tratamento dispensado ao que hoje denominamos doenças mentais. Assim, se de início, optava-se pelo afastamento dos loucos da sociedade (ou até mesmo por seu extermínio); mais tarde, após classificação da loucura como ‘doença’, essa enfermidade foi delegada à psiquiatria. A partir do século XIII surgiram estabelecimentos como o Hospital Bethlem Royal (Londres, 1.247) e o asilo Salpêtrière (Paris, 1.795), no qual, Philippe Pinel foi avanguardista por dispensar o uso de correntes em seus pacientes. Apesar dessa flexibilidade, o tratamento da loucura, em geral, era extremamente agressivo e, em consequência, atraía a curiosidade de um público cativo, já que o distanciamento da realidade faz da

loucura um produto exótico e fascinante. Como prova dessa fascinação, “Um Estranho no Ninho“, baseado no livro de Ken Kesey, ‘One Flew Over The Cuckoo’s Nest’ , abocanhou nada menos que 5 Oscar de primeira linha em 1975. O mencionado escritor foi um articulador cultural que viveu por muitos anos à margem da sociedade americana, atravessando o país em um ônibus hippie-psicodélico movido a substâncias alucinógenas. E esse escritor, sublinhando sua condição de estranho no ninho no ‘american way of life’ destaca que o significado do título desse trabalho encontra-se encerrado na seguinte conclusão: “aquele que não voou para nenhuma direção e permaneceu no lugar, tornou-se louco”. Os direitos de exibição dessa obra foram adquiridos pelo ator Kirk Douglas que, sem sucesso, o montou no teatro e, posteriormente, transferiu a autorização ao seu filho Michael. A trajetória do livro para a tela também não foi das mais normais. Sob esse aspecto, vale dizer que, por pura buro-

cracia, o ‘script’ endereçado ao consagrado cineasta Milos Foreman ficou preso durante 10 anos no correio da Tchecoslováquia (país alcançado pela cortina de ferro). Como se não bastasse esse atraso decenal, após a recusa de Gene Hackman e Marlon Brando, o ainda desconhecido Jack Nicholson só confirmou sua atuação como protagonista após uma temporada de convívio com internos em um hospício. Outro ponto curioso é que algumas tomadas foram gravadas sob a atuação de atores e internos sem que esses se apercebessem. E, se isso já não é realismo suficiente, acrescente-se o fato de que o filme fora rodado em sequências diretas. Dando vida a uma figura que se opunha à repressão, a impagável atuação de Jack Nicholson elevou seu nome ao apogeu e, se encaixou, perfeitamente, em uma época na qual, os questionamentos sobre determinados métodos psiquiátricos, estavam em plena efervescência. Com efeito, ao sublinhar técnicas utilizadas em prol do pseudo bem-estar social, como lobotomias e choques elétricos, o filme em questão trouxe à luz o indivíduo e suas reais necessidades. Quando a psicologia passou a se ocupar da loucura, Foucault defendeu a psiquiatria declarando que “a psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura já que a loucura detém a verdade da psicologia”. E nessa afirmação resta evidente a guerra por espaço travada entre ambas as ciências. Todavia, sendo a verdade, segundo Bertold Brecht, um dado elástico pertencente a quém melhor a monopolizar, pouco importa saber qual o lado vencedor, já que a prioridade é o indivíduo e seu espaço na sociedade. O ILUMINADO - no labirinto das interpretaçõesO escritor Stephen King e família estiveram hospedados em 1974, por uma noite, no quarto 217 do Hotel Stanley, construído, em 1.909, aos pés dos Rocky Mountains, por Stanley Steamer, co-inventor do automóvel com o mesmo nome. Influenciado pela arquitetura neoclássica, bem como Maio/Junho/2017 |

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pelos rumores sobre as atividades paranormais do local, King ganhou inspiração para escrever ‘The Shining’, sua mais aterrorizante novela, publicada em 1977. Motivado por essa obra, o diretor Stanley Kubrick, sob o mesmo título, produziu em 1980, um dos mais instigantes e extenuantes filmes de terror já montados. Com efeito, rodado no Hotel Timberlane (Oregon) estabelecimento redenominado, por Kubrick como “Overlook”, o longa sempre provocou as mais polêmicas interpretações. Já na montagem, a direção do Timberlane solicitou a alteração do número do quarto 217, no intuito de evitar possível estigmatização. Em vista disso, o cômodo 217 passou à numeração fictícia 237. E, tendo em conta, que o novo número remete à distância entre a Terra e a Lua (237.000 milhas), essa simples alteração fez reacender a teoria, de ter a NASA utilizado, na divulgação da conquista lunar, as imagens de “2001 Odisseia no Espaço”, obra precedente de Kubrick. Histerias interpretativas à parte, o certo é que o “Iluminado” dificilmente será desvendado, já que seu criador faleceu em 1999, logo após seu último filme (“De Olhos Bem Fechados”). Os intérpretes, todavia, de olhos bem abertos, continuam a se debruçar sobre as mais inusitadas teorias, algumas delas presentes no premiado documentário de Ascher, “Room 237” (2012). Não obstante qualquer dissenso, as opiniões convergem quanto ao hotel ser uma metáfora a respeito do domínio exercido pelos Estados Unidos sobre o mundo (daí seu

nome ‘Overlook’ ). A estreita relação dessa obra com a história dos USA, resta evidente na cena em que o protagonista Jack Torrance (Jack Nicholson em seu melhor papel) aproxima ainda mais a fronteira entre pretérito e presente, ao notar-se em outro tempo, em plena comemoração do Dia da Independência O repetido uso do vocábulo ‘murder’ (assassinato) grafado ao inverso, bem como as imagens dispostas nas paredes e no mobiliário do ‘Overlook’ tornam evidente a dificuldade de uma nação em digerir seu passado violento (genocídio de índios, guerra

civil etc.). Outrossim, o roteiro de Kubrick aborda tanto os conflitos raciais (através de um assassinato) quanto os conflitos armados com menção ao holocausto, flagrado na escolha da máquina alemã ‘Adler’. Sem dúvida, um dos pontos geniais da obra é a combinação intrínseca entre a ‘Síndrome da Cabana’ (agressividade de pessoas confinadas) e a ‘Caverna de Platão’ (reflexo deturpado da realidade). O repetido provérbio (“all work and no play makes Jack a dull boy” – “muito trabalho e pouca diversão faz Jack um cara bobão”), datilografado, incansavelmente, no interior da caverna (leia-se: hotel), se mostra, a princípio, sem sentido. Mas, de fora da caverna, esse ditado ganha significado, já que na opinião de Kubrick filmes que não brincam com o público, são películas desprovidas de graça. Seguindo essa linha lúdica, a ironia mor é que, embora extremamente sucinto, o livro do personagem Torrance foi, de fato, publicado e bem aceito pelo mercado publicitário e leitores. Isso por representar tanto um ‘souvenir’ como por simbolizar a busca ensandecida de um escritor (e um cineasta) por argumentos e roteiros. O Labirinto é a metáfora mais significativa para os múltiplos caminhos interpretativos. A correlação entre a saída do labirinto e as tentativas de desvendar os enigmas dessa obra se estabelece no ato de olhar (ou andar !) para o passado, já que a saída da casa do Minotauro, sempre foi sua entrada. Assim, basta retroceder na estória do hotel, para encontrar algumas chaves deixadas por Kubrick. g

ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES OAB Nº. 17.131/PB

Fone: (83) 99981-2335

Conselheiro Aposentado do Tribunal de Contas do Estado Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba Especialista em Direito Administrativo 6

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MUNICIPALISMO DOIS MARCOS NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS(*) Flávio Sátiro Fernandes

SUMÁRIO: Introdução.. O Município na Constituição do Império. A Constituição de 1988. Conclusão. INTRODUÇÃO - Deixando de lado as perquirições históricas relacionadas ao município na antiguidade, em Roma, no medievo, e até mesmo no período colonial brasileiro, em que a instituição teve, sem dúvida, acentuada importância, destacada por todos os estudiosos da matéria, ficaremos adstritos a uma visão histórico-constitucional do município no Brasil, especialmente a dois momentos da maior significação para a sua existência entre nós – o período imperial e a fase que agora vivemos, iniciada com a redemocratização do país, após o período 1964-1985, de predomínio militar. O MUNICÍPIO NA CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO. Como se sabe, o Brasil recepcionou em sua Constituição primeira a instituição municipal, cuja relevância a legislação portuguesa já fizera introduzir no Brasil, criando as Câmaras, algumas das quais tiveram grande ascendência na política colonial. Não obstante, foi só na vigência da Constituição de 25 de março de 1824 que o Município assumiu feições próprias, se bem que em alguns pontos copiando o modelo luso, valendo salientar que a sua estrutura e o disciplinamento de seu funcionamento ficaram, por determinação constitucional, à mercê da lei. Somente três dispositivos se acham insertos no texto constitucional daquele ano, atinentes ao município: Art. 167. Em todas as Cidades e Villas ora existentes, e, nas mais, que para o futuro se crearem haverá Câmaras, às quaes compete o Governo econômico e Municipal das mesmas Cidades e Villas. Art. 168. As Câmaras são electivas, e compostas do número de Vereadores que a Lei designar, e o que tiver o maior número de votos, será Presidente. Art. 169. O exercício de suas funcções municipais, formação das suas Posturas policiais, applicação das suas rendas, e todas as

suas particulares, e úteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar. Como se pode ver, não se fazia referência alguma ao município como instituição. Em lugar dele havia as Cidades e as Vilas a quem era entregue o governo econômico e municipal. Paradoxalmente, o governo municipal não era governo do município, que não existia, e sim das Cidades e Vilas, conduzido através das Cânaras respectivas. (Art. 167) Por força do artigo seguinte, as Câmaras eram eletivas, com o número de vereadores fixado na lei, valendo salientar que o vereador mais votado seria o Presidente da Câmara. (Art. 168) Por fim, o exercício das funções municipais, a formação das suas posturas policiais, aplicação de suas rendas e todas as suas particulares e úteis atribuições, foram deixadas a uma Lei regulamentar. (Art. 169). A Lei regulamentar de que fala o Art. 169 da Carta imperial, foi a lei de 1º de outubro de 1828, com noventa artigos, distribuídos por cinco Títulos, a saber: Título I – Forma da eleição das Câmaras; Título II – Funções municipais; Título III – Posturas policiais; Título IV – Aplicação das rendas; Título V – Dos empregados. Os principais pontos do Título I (Forma da eleição das Câmaras) eram, entre outros, os seguintes: As Câmaras das Cidades haveriam de ter 9 vereadores; as das Vilas, sete. Todas elas teriam um Secretário. A eleição dos membros se faria de quatro em quatro anos, no dia 7 de setembro. Realizada nessa data a eleição, a posse se daria em 7 de janeiro, após algumas formalidades. O voto era obrigatório, incorrendo em multa quem não comparecesse. Os candidatos mais votados seriam os vereadores e o mais votado dentre eles, o Presidente da Câmara, como já foi visto. Sábia norma, pois não dava lugar a tantos conchavos, conciliábulos escusos e negociatas condenáveis, que com o tempo passaram a ser praxe no cenário político brasileiro, adentrando o período republicano e

chegando até os nossos dias, tudo visando à eleição do presidente de Câmara. No Capítulo II, que tratava das funções municipais, preocupava-se a lei em esclarecer, de logo, que as “Cãmaras são corporações meramente administrativas e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”. Em seguida, dedica-se a estabelecer o modo como se realizariam as sessões e o número de vereadores necessário à deliberação, dando ao Presidente, em caso de empate o voto de qualidade para o desempate. Foram previstas, em cada ano, quatro sessões ordinárias de três em três meses, com a duração de dias necessários, nunca menos de seis. Cabia ao Presidente fazer observar a decência e civilidade entre os Vereadores e se algum destes não quisesse voltar à ordem, o Presidente o faria calar, e, não obedecendo, o faria sair da sala, consultando, primeiramente, os demais Vereadores. Poderia mesmo levantar a sessão, quando o faltoso a nada se quisesse sujeitar. Se o Presidente não chamasse à ordem o Vereador infringente, caberia a qualquer dos outros requerer que o fizesse e havendo dúvidas quanto à posição do Presidente a Câmara decidiria por votos. E por aí se estendia a Lei, tratando das competências da Câmara, das restrições, prestação de contas, que seria oferecida ao Conselho Geral; os Livros que deveriam existir para registro das posturas em vigor; da Lei Regulamentar em comento, e demais leis. As Câmaras eram obrigadas a participar ao Conselho Geral “os maus tratamentos, e atos de crueldade, que se costumam praticar com escravos, indicando os meios de preveni-los”. No Capítulo III, relativo às “posturas policiais”, a Lei regulamentava os atos da Câmara no tocante a, por exemplo, alinhamento, limpeza, iluminação e desempachamento das ruas, cais e praças; estabelecimento de cemitérios fora do recinto dos templos; edifícios ruinosos, escavações e precipícios nas vizinhanças das povoações; vozerias nas ruas em horas Maio/Junho/2017 |

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de silêncio, injúrias e obscenidades contra a moral pública; construção, reparo e conservação das estradas e caminhos e mais e mais disposições semelhantes. Sem designá-los como tais, a Lei Regulamentar determinava que os Vereadores se preocupassem com os direitos humanos relativos à tranqüilidade, à segurança, à saúde e comodidade dos habitantes, deliberando sobre os meios de promovê-los e mantê-los. No Capítulo IV, referente à “aplicação das rendas”, chama atenção, dentre suas normas, a que estabelece a obediência ao princípio da legalidade da despesa. (Arts. 74 e 75). Atendendo a que corporação de tamanha importância para a vida das Cidades e Vilas, não poderia atuar sem um corpo de empregados capazes de fazê-la funcionar, a Lei Regulamentar contém, como já foi mencionado, um Capítulo dedicado, inteiramente, aos Empregados. No número destes destacavam-se um Secretário, um Procurador, um Porteiro e seus ajudantes, Fiscais e Suplentes. A Lei Regulamentar de 1º de outubro de 1832 regeu a vida municipal até a Proclamação da República, quando uma nova Constituição foi promulgada. Esperava-se que a nova Carta trouxesse novos horizontes para o governo local. Tal, no entanto, não se deu. A primeira Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891, no que tange ao Município, restringiu-se a dar-lhe um Título próprio, intitulado DO MUNICÍPIO, em que disse apenas o seguinte: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. A organização das comunas foi deixada aos Estados que, não obstante a dicção constitucional, jamais primaram em respeitar a autonomia municipal.

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As demais Constituições trilharam o mesmo caminho, ou seja, limitaram-se a assegurar a autonomia municipal, quando da organização dos Estados. Louvores à Constituição de 1946, que definiu melhor a autonomia das comunas e garantiu-lhes participação em impostos, buscando dessa forma mitigar-lhes as necessidades e, com isso, assegurar-lhes parcela de autonomia financeira. A Constituição de 1967 seguiu a orientação que já tinha sido traçada pela de 1946. A Constituição de 17 de outubro de 1969, em que pese suas origens autoritárias, definiu melhor a autonomia municipal, atribuiu aos municípios precisas parcelas da arrecadação e esclareceu que impostos seria de sua exclusiva competência decretar. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 – O grande passo, porém, no caminho de um maior fortalecimento dos Municípios foi dado, sem dúvida, pela Constituição de 5 de outubro de 1988, a Constituição Cidadã, na definição de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Com a Constituição de 25 de março de 1824, a Constituição Cidadã forma os dois grandes marcos da vida municipal entre nós. Com efeito, nenhuma outra, na República, as supera e as sobrepõe na formação e na preocupação com o seu fortalecimento. Faremos uma breve exposição em que indicaremos os principais pontos daquela Carta que privilegiam a instituição municipal, visando ao seu reconhecimento como ente estatal de natureza autônoma, ao lado dos Estados-membros da Federação. O primeiro ponto a destacar é a proclamação solene e pioneira, feita logo no Artigo 1º, de que a República Federativa do Brasil é

formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Essa dicção é, como acima dito, pioneira. Nenhuma outra Constituição brasileira democrática a fizera até então. A União sempre foi reconhecida como integrada pelos Estados, Distrito Federal e Territórios. Parecia ser um reconhecimento meramente territorial. Era como se, unidos os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, disso resultasse o território do Brasil. Quando a Constituição atual diz que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, a união, aqui, não é meramente territorial, como parecia nas Leis Maiores anteriores. No caso, a união é, clara e elevadamente, institucional. A Constituição de 1988 retirou essa aparência, pois, Municípios e Distrito Federal estão incrustados em Estados e não é a junção de todos eles que determinará o território nacional. Com isso deu-se maior grandeza aos entes participantes. Com isso deu-se maior grandeza aos Municípios. Por sua vez, ao tratar da Organização do Estado, em Título próprio e destacado (Arts. 18 a 43), a Carta Magna criou um Capítulo específico para os Municípios, em que reforça o seu papel de ente federativo, dando-lhe autonomia, manifestada através dos seguintes poderes e competências: a) Capacidade de elaborar sua própria Lei Orgânica que, dadas as condições em que ela é promulgada, constitui uma verdadeira Carta Política, confeccionada com obediência aos princípios da Constituição Federal e da Constituição dos respectivos Estados; b) Capacidade de eleger o Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores; c) Competência para fixar os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Muni-


cipais, respeitados os ditames constitucionais; d) Respeito à inviolabilidade dos Vereadores, por suas palavras, opiniões e votos no exercício do mandato; e) Garantia dedum elenco de competências, a saber: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Deu a Constituição poderes à Câmara Municipal para proceder à fiscalização do Município, mediante controle externo, que é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas. A Constituição vedou aos Estados intervir

nos Municípios, exceto quando: I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Ainda com relação a intervenção estabelecem-se normas que devem ser acatadas pelo Estado em sua execução. A Constituição cria algumas vedações, restrições ou impedimentos à ação dos Municípios, mas são medidas impostas também à própria União, aos Estados e aos Municípios. .Como tais podemos citar disposições contidas, por exemplo, no Capítulo da Administração Públicas, atinentes aos princípios que devem ser acatados por todos os entes federativos, questões relativas à remuneração dos servidosres públicos; regime de previdência etc. Como elemento de fortalecimento do Município é de mencionar a capacidade que ele passou a ter de criar sua guarda municipal, destinada à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme disposto em lei. No âmbito da tributação e dos orçamentos, os Municípios dispõem de prerrogativas e vedações impostas pela Constituição Federal, sendo-lhes estabelecidas, assim como aos demais entes, limitações ao poder de tributar. No que diz respeito à capacidade tributá-

ria, podem os Municípios criar impostos que a própria Constituição aponta, valendo destacar entre eles o ISS e IPTU, sendo certo ressaltar que os impostos de sua competência não são de porte a possibilitar a plena autonomia das comunas, motivo por que vivem elas à mercê de recursos alienígenas, oriundos, sobremodo, da esfera federal. Em vista disso, a Constituição criou mecanismos de transferência que assegura aos entes menores a ajuda de que eles são necessitados, notadamente, os pequenos Municípios. Outras normas há que visam a incentivá-los ou a inseri-los em pautas proativas, ou mesmo exigir-lhes condutas, tocante a diferentes setores de atividades direcionadas ao bem comum, relativas a seguridade social, saúde, educação, microempresas, empresas de pequeno porte, política urbana etc. CONCLUSÃO – Repassados o tratamento dado pela Carta vigente aos Municípios e as normas de igual teor contidas na Constituição de 25 de março de 1824, plausível é reconhecer a importância de ambas para a vida dos Municípios visto que a primeira criou o governo municipal e a segunda alargou, historicamente, os horizontes da autonomia local. Em outras palavras, correto é o entendimento que aqui manifestamos de que elas, pelas normas que estabeleceram relativamente às comunas, constituem os dois marcos mais relevantes, de natureza constitucional, na história dos Municípios brasileiros. g

(*) Publicado, originalmente, na REVISTA LATINO-AMERICANA DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS, Nº 19, Ano 16 – Janeiro de 2017.

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MEMÓRIA DA GRANDEZA HUMANA Ângela Bezerra de Castro

Antes de tudo, devo agradecer à família de padre Luís por me haver incluído como participante das iniciativas que se realizam em comemoração ao centenário de nascimento do cidadão, do sacerdote, do professor, escritor e acadêmico, cuja memória é um exemplo para as gerações. Numa sociedade em que a desculpa da correria incessante abre cada vez mais o espaço para a ingratidão e o esquecimento, devemos um elogio especial aos sobrinhos José Augusto de Oliveira, João Nepomuceno, Fátima Coutinho, Eric Ben-Hur de Oliveira e Raniery de Oliveira por terem escolhido, como prioridade, manter viva a história do tio que teve para seus contemporâneos o sentido de “um poço no deserto”. A comparação é do professor José Paulino, evocando com inteira propriedade a reflexão lírica de Saint-Exupéry, para dizer do profundo valor, da grandeza implícita na fecunda simplicidade vivida por padre Luís Gonzaga de Oliveira. Porque com ele convivi, posso assegurar que a sua obra escrita é um reflexo do credo existencial por ele professado. Eu o conheci em 1956, como meu professor de Latim, quando ingressei no 3º ano ginasial do Colégio Nossa Senhoras das Neves, em João Pessoa. Viera do internato, no Colégio Nossa Senhora da Luz, minha pior experiência de vida, até então. Dois anos de reclusão e de silêncio insuportáveis, agravados pela constante imposição de acusações e castigos. A palmatória tinha sido abolida, mas o espírito da inquisição ainda permanecia vivo e dominante. Pela magoada compreensão adolescente, julgava que freiras e padres agiam basicamente com hipocrisia e injustiça, em suas decisões sempre arbitrárias. Estava em choque com o que teria de enfrentar em novo colégio de freiras. Mas a figura serena e acolhedora de padre Luís foi apagando todos os meus receios. Cada nova aula reforçava-me a certeza de que havia religiosos completamente diferentes dos que conhecera no internato. As aulas de Latim do meu novo professor davam ênfase à tradução e à interpretação de fábulas. E aquelas histórias de bichos

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que falavam e davam lições aos homens ganhavam uma dimensão extraordinária em seu poder de convencimento. É clara a conclusão de que padre Luís escolhia aqueles textos para com eles atingir, ao mesmo tempo, dois objetivos. Tornar agradável o ensino do Latim e fazer-nos refletir sobre o valor das virtudes e sobre o resultado desastroso dos vícios. Assim, sem a ameaça do pecado e do castigo, sem referência a Céu ou Inferno, sem qualquer pieguice, ele nos despertava para a escolha de uma ética, cuja essência ratificava os valores fundamentais de sua fé cristã. Um procedimento que se identifica na ideologia de tudo quanto escreveu. Naquela época, decidimos frequentar, aos Domingos, a Capela anexa à maternidade Cândida Vargas, por ser a mais próxima de nossa residência. Para minha surpresa e alegria, lá encontrei meu professor exercendo suas funções sacerdotais. Excetuando a solenidade natural da celebração e das vestes especiais, era o mesmo homem de voz pausada e firme, sem gesticulações que contrastassem com a serenidade de sua pregação. Toda a convicção contida na inflexão ou modulações da voz, intensificadas ou realçadas pelo delineamento de um breve e discreto sorriso e pela flama resplandecente do olhar. Sem nenhuma dúvida, o sermão de padre Luís era único, e se tornava uma forte motivação para frequentarmos a missa. Ele o proferia como se estivesse lendo, as palavras fluindo com a maior naturalidade, e com o poder de aproximar os mistérios do sagrado ao cotidiano íntimo dos fieis . Sentido-me privilegiada por haver contado com este ser tão especial em minha formação, quis dividir com todos vocês um pouco dessa memória afetiva. Uma forma de confessar o quanto significa para mim apresentar o escritor Luís G. de Oliveira que a ONG SACI edita e reedita para as novas gerações. De tudo quanto escreveu, nosso grande homenageado publicou em vida, apenas dois livros. Quadros da minha infância, em 1958 e o romance A Tragédia do Major, em

1961. Embora mantivesse constante colaboração, sobretudo no Jornal A Imprensa, onde os conteúdos narrativos tomavam a forma de folhetim, e na revista da Academia Paraibana de Letras, veículo da instituição cultural que ele passou a integrar ainda muito jovem, em 1950. Figuras e Paisagens, lançado agora em edição póstuma, traz características que precisam ser ressaltadas porque exprimem o cuidado e a justa admiração dos organizadores. O desenho de capa, reproduzindo o emblemático engenho Lameiro, arte de Edson Ferreira, coloca em destaque a fonte das memórias. Os acréscimos feitos à cópia original, com absoluta pertinência, resgatando textos posteriores; o tocante oferecimento aos moradores e amigos do escritor que, em testemunhos de vida, mantiveram até o fim a lealdade do afeto verdadeiro e a gratidão do reconhecimento; a epigrafe de Tolstoi, um alerta para a consideração da importância temática do livro; a palavra da ONG SACI que também pode acrescentar a seu admirável projeto editorial a certeza da publicação do inédito Memórias do Internato e, por fim, o competente texto do sobrinho José Augusto de Oliveira, verdadeiro Prefácio, oferecendo ao leitor pistas essenciais sobre as linhas de força da obra, agora em livro. Tudo quanto padre Luís escreveu tem uma singular unidade que reflete a sólida formação cristã alicerçada em seu espírito, desde à primeira infância, pelo exemplo de vida. Em Memórias do Internato, impressiona a absoluta convicção do jovem adolescente no tocante à vocação sacerdotal. Nenhum instante de dúvida, nenhuma restrição ao rígido cotidiano de obrigações que lhe pareciam completamente naturais. Aquela era a escolha definitiva de uma personalidade bem formada que encontrara o seu lugar no mundo e, nele, o meio de contribuir para a edificação de uma humanidade melhor. Em Quadros da Minha Infância, os pilares que irão sustentar o universo do escritor já se erguem sólidos. Primeiro, o ponto de vista das memórias que não priorizam o confessional mas a sensível observação do ambiente, dos costumes, dos seres e das


coisas. José Américo, revelando as qualidades que mais o seduziram no livro, ressalta: “É mais uma homenagem filial do que uma confissão. O senhor de engenho que movia a máquina obsoleta é o verdadeiro personagem, com sua autoridade patriarcal dissolvida em bondade e compaixão.” Outra característica do escritor se estrutura na escolha da linguagem que não trai sua formação clássica, mas sabe dar expressão verdadeira aos personagens e traduzir os costumes sem falsear o tom local. Forma e conteúdo indissociáveis, na construção do estilo. José Augusto fala de “uma leitura substanciosa, como um amoroso conselho paterno”, Essa síntese encantadora reconstitui o próprio sentimento da convivência com padre Luís, que continua vivo na percepção do valor humanístico de sua criação. Hoje, tudo me parece escrito para a continuidade de sua presença no mundo através da palavra. Para a sutil reiteração de um compromisso existencial que se exerceu pela prática simultânea de ações religiosas, pedagógicas e políticas de tal

forma entrelaçadas que, às vezes, fica impossível precisar onde começa uma e a outra termina. No entanto, a prevalência dos valores que fundamentam o humanismo cristão, ainda que não transpareça ostensivamente, converte-se na ideologia dominante de todos os textos produzidos por padre Luís. Na publicação de A Tragédia do Major, destaca-se o direcionamento do narrador para imputar ao personagem a responsabilidade pelos atos praticados. É uma forma de contestar a força do Destino, tal como se coloca na teoria da Tragédia. De modo que a palavra, no título do romance, não tem o peso da tradição literária ou mitológica. Significa apenas um acontecimento negativo que leva à queda, ao sofrimento e à tristeza. Mas, sendo o homem dotado do livre arbítrio, poderia ter sido evitado. Verifica-se. portanto, uma absoluta negativa da Fatalidade, categoria que na tragédia grega submetia o personagem à reviravolta da felicidade ao infortúnio, sem que este pudesse opor qualquer resistência. No prefácio à primeira edição do roman-

ce, o autor alerta que aquelas páginas em torno de uma vida constituem uma lição. Eu direi que este aviso é válido para a obra que ele construiu em sua prática de cidadão, de mestre e de sacerdote. A lição está em todas as páginas que ele escreveu e também naquelas que não escreveu, mas que foram talhadas pelos gestos. Encerro esta homenagem de gratidão apropriando-me de um parágrafo que integra em Figuras e Paisagens o perfil de meu avô paterno, Joaquim Pereira de Castro. Pois aprendi com o grande mestre Juarez da Gama Batista que quem retrata o outro também se revela. “Quem pinta se pinta” - era sua forma exata de dizer. Padre Luís, “um belo tratado da grandeza humana. Não se afastou um milímetro daquele programa que certamente traçou para si de levar a existência no meio dos homens, prestando a estes o exemplo do que precisassem ser, para recomendação mesmo de tudo que apregoamos como valor”. (Pronunciado em 25 de março de 2017, no Teatro Geraldo Alverga, na cidade de Guarabira) g

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LITERATURA ARIANO - O CAVALEIRO DA PEDRA DO REINO José Nunes O paraibano Ariano Vilar Suassuna, se vivo fosse, teria completado 90 anos no dia 16 de junho. Professor, poeta, romancista, dramaturgo e artista plástico, ele nasceu no ano de 1927 na cidade da Parahyba, quando seu pai era o presidente do Estado e viveu, no Palácio da Redenção, os seus primeiros anos de vida. A ausência do pai, assassinado três anos depois, marcou profundamente sua vida. Dele recordava pequenas passagens, que mantinha vivas como lenitivo e suporte. As recordações guardadas do pai, poucas e distantes, serviram para alimentar seu viver e para aprofundar seu olhar às artes, único caminho de acalento à sofreguidão da distância paterna. Homem de profundo sentimento e de amor ao Nordeste, ele retirou da terra inóspita e devastada o conteúdo de sua obra, fazendo brotar as mais admiráveis páginas literárias de amor e apego a esta região, cuja beleza transformou universal. Ariano converteu e influenciou muita gente a olhar o Brasil de modo diferente, a aceitar sua complexidade e diversidade cultural. Por meio de sua obra muitos avança-

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ram pelo Sertão poético buscando decifrar os encantos desta região, bela e misteriosa. Região de dias quentes e noites friorentas, com ventanias cortantes, uma vinda do Cariri, vento áspero e impetuoso e, a outra, procedendo das Espinharas, vento abrasador, incendiando as tardes. Genial e inimitável, sua vida se completou no apogeu da glória literária, deixando um conjunto de obra que retrata a vida do povo brasileiro e, de modo especial, do Nordeste. Foi no esturricado do Sertão que presenciou acontecimentos decisivos que marcaram sua vida de poeta, dramaturgo e romancista. Tudo o que observou, nos contatos e nas conversas que ouvia, ele utilizou na criação literária. Será sempre o escritor que mais defendeu o Sertão do Nordeste. Mesmo que existam outros sertões, nunca serão iguais ao Sertão que recolheu em sua obra de artista. Sempre se declarou enamorado da terra sertaneja. Quando chegou à glória da imortalidade das letras, tomando posse na Academia Brasileira de Letras, fez uma declaração de

amor ao Sertão, que chamou de terra luminosa do sol, extremamente boa e que tem o sol como coroa radiante, enchendo as nossas horas de alegria e fartura, confessando sua nostalgia quando dela estava distante. Ainda criança foi com a família morar no Recife, onde efetivamente penetrou no fantástico mundo da literatura, tomou gosto pela arte e consolidou a trajetória de homem ligado ao povo do Nordeste, decifrador dos enigmas e defensor das raízes culturais do Nordeste. Autor de multiplicidade de personagens, todos facilmente identificáveis nos recôncavos e ruelas do Nordeste, entre todos se destacam João Grilo, Chicó e Quaderna, cada um maior que o outro. Personagens marcantes da dramaturgia e da literatura brasileiras. Quaderna é o personagem que constrói painel de uma realeza nordestina, a partir de formas populares, da arte barroca e da arte rupestre. Ariano Suassuna foi intransigente na defesa da brasilidade e de modo particular do mundo encantado do Nordeste. Para defender seu ponto-de-vista acerca da arte e da cultura do Nordeste e do Bra-


sil, ao seu modo gritava, estrebuchava, fazia alarde sobre suas convicções, consciente de que o artista é uma pessoa responsável por mostrar, falando ou escrevendo, aquilo que o povo não consegue expressar. Como afirmou a professora Ângela Bezerra de Castro, Ariano é “um nome que não se restringirá apenas a este século, da mesma forma que a referência de paraibanidade há muito tempo já não comporta os seus limites de cidadania”. A leitura de seus livros, principalmente A Pedra do Reino, é um mergulho no silencioso mundo da imaginação, a cada página recria a vida e a arte. Se a arte é necessária, mais ainda se torna quando debulhamos textos de Ariano, seja em prosa ou versos, que está num alto grau criação de beleza e estética. Nessa situação se destaca entre os melhores. Ariano conseguiu o píncaro da cria-

ção artística através da escrita, sucesso que poucos atingem. Quase uma unanimidade. Seus livros dão leveza à alma somente proporcionada com a música clássica, porque contém uma sonoridade que nos leva a uma viagem de enorme prazer. Ele usou sua arte para contribuir na formação do homem do Nordeste, a partir de suas raízes, forjando no encontro com o passado a beleza da qual não pôde fugir, tornando-se mais que um criador, um intelectual a serviço desta gente. Deu nobreza à arte de escrever, devolveu ao escritor a verdadeira posição de lutar na defesa da identidade da nação. Mesmo incompreendido, soube desempenhar seu papel de escritor que esteve integrado na luta pela preservação da identidade nacional. Manteve o compromisso com a liberdade. Suas palavras e sua arte não nos deixaram

órfãos nem esquecidos. Não se fez cúmplice pelo silêncio, mas sua voz a brandir do deserto espalhou seus anseios e suas convicções. Foi um otimista. Diante da dilapidação de nossas raízes culturais, empunhou a bandeira contra o desaparecimento da identidade nacional. Nunca desistiu de suas convicções, suplantando possíveis erros com a grandeza de ser o escritor e o professor que sempre desejou ser, firme e decidido naquilo que abraçou e defendeu. Parece que a arte o levava a estar perto desse povo silencioso, partilhando juntos as lembranças e momentos de felicidade. Renovou, a cada dia, o compromisso de fidelidade ao oficio de escritor, de artista e de defensor da arte. Um escritor glorioso e venerável. Ainda bem que ele, o Cavaleiro da Pedra do Reino, nasceu na Paraíba. g

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VIDA & MISTÉRIO VIDA ALÉM DA TERRA Ailton Elisiário A agência espacial norte-americana NASA - Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço, divulgou há pouco tempo evidências de que teria existido vida no planeta Marte. O fundamento da informação foi o exame de um meteorito de 1,900 kg encontrado em 1984 na Antártida, cognominado de Meteorito Allan Hills 84001, que se acredita ser um pedaço daquele planeta, resultado da colisão de um asteroide ou de um cometa ocorrido há 15 milhões de anos atrás. Os cientistas chegaram a esta conclusão porque nele foram encontradas formas semelhantes às de bactérias filamentosas fossilizadas e moléculas orgânicas compostas de carbono e hidrogênio, que denotam vestígios de vida primitiva de antigos micro-organismos. Rechaçada a possibilidade de contaminação do meteorito por micro-organismos terrestres, em razão daquelas moléculas haverem sido encontradas no interior da rocha, persiste a possibilidade de lá ter existido vida rudimentar, mormente quando outros meteoritos pesquisados não demonstraram que haviam sido contaminados. Embora para a ciência a descoberta seja valiosa, é, sem dúvidas, para a filosofia mais valiosa ainda, em face das posições ideológicas e doutrinárias de que em todo o Universo só existe vida na Terra. Sabe-se que o Universo é tão imenso, formado por milhões de galáxias e de sistemas solares, que impossível é

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ao cérebro humano percebê-lo e apreendê-lo em toda a sua vastidão. A Terra representa um pequenino grão de areia em toda essa universalidade, e nela vieram surgir, diz a ciência, vida orgânica há alguns milhões de anos e vida humana há poucos milhares. Teorias e mais teorias se construíram para atestar que somente nela a vida existe, quer pela graça de Deus, quer pela graça de uma Força ou Energia que sistematiza e ordena o Todo Universal, restando aos demais corpos celestes apenas o vazio e a solidão. Pelo menos, em termos do nosso sistema solar, dizem os astrônomos que Marte, Vênus e Mercúrio, por estarem mais próximos do Sol, e Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão, por estarem mais distantes do Sol, neles é impossível a existência de vida superior, os primeiros por serem muito quentes e os últimos por serem muito frios, de tal modo que somente na Terra existem condições adequadas que comportam a vida, mais especificamente a vida humana. Paralelamente, dizem diferentes sistemas religiosos que, por Deus ter criado céu e terra, e nesta ter criado o homem à sua imagem e semelhança, mandando-o que a habitasse e a dominasse, não poderia por isto existir vida senão neste planeta. Mas, os enigmas aparecem e se multiplicam, deixando sem respostas este mesmo homem que habita e domina a Terra. Quem construiu as pirâmides do Egi-

to? Como foram deslocados sem tecnologia avançada blocos de pedra que pesavam toneladas? Quem eram os filhos de Deus que tomaram as filhas dos homens, de que fala a Bíblia em Gênesis 6:1/4? Por que desaparecem navios e aviões no Triângulo das Bermudas? Quem construiu nas montanhas do Peru, do México e de outros países, verdadeiras pistas de navegação aérea nas quais uma aeronave terrestre sequer ali pousou? De onde vêm os objetos voadores não identificados? O que dizer dos extraterrestres capturados pelo exército americano? E tantas outras mil perguntas que ainda permanecem sem respostas. Particularmente acredito que existe vida em outros lugares do Universo, não necessariamente idêntica à vida humana terrena, mas vida superior, dotada de inteligência, de sentimentos, de vontade, de emoções, de forma física diferente, até, dos humanos. Porque não entendo que Deus apenas contemplasse com vida superior uma minúscula partícula em toda a imensidão do Universo, povoando-a com seres que se tornaram egoístas, ambiciosos, intolerantes e desonestos. Por conta disto, diz-se que a humanidade é muito pobre em espírito, resultando daí ser a Terra um planeta de expiação. Se isto é verdade, então no reino dos céus deverá haver realmente muitas moradas. A religião já o diz. Que um dia a ciência o diga também. A NASA está aí a abrir este caminho.


PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

CRÍTICA SOCIAL DE GRANDE ACENTO CRISTÃO1 Marcos Vinícius Rodrigues Villaça

A expectativa pelo resultado de candidatura à Academia atormenta e aflige. Já se disse até que ao tímido melhor fora livrar-se da espera agoniada, ficando ao sereno na calçada da Avenida Presidente Wilson, sem tentar entrar aqui nem carecer de acertar o labiríntico caminho de incertezas, nem escutar a dissinfonia que mistura bons e maus augúrios. Não foi o seu caso, Sr. Ariano Suassuna, esperado com arruído e foguetes de lágrimas por todos os inquilinos das glórias machadianas. Tanto que, ao ouvirmos o seu chamado, à moda nordestina: – Oh de casa! Todos, à unanimidade, respondemos: – Oh de fora! Foi a alegria de tê-lo, logo, mano a mano. Só não esqueço a frustração que sofri ao lhe telefonar para dizer, encerradas as inscrições à sucessão do saudoso Genolino Amado, que nenhum outro se dispusera à competição. E falei: – Você será candidato único. Uma eleição tranquila. De lá, do seu retiro recifense-capibaribeano do Poço da Panela, dispara, para me desorientar, perguntas danadas: – E você acha isso bom? E se eu perder para ninguém? Seguidas da advertência: – Minha família é ruim de urna, desde 1930 ninguém vence uma eleição! Quando a Academia Brasileira de Letras foi fundada, em julho de 1897, ainda se brigava em Canudos, sob a convicção de volta à Monarquia. Pois não é que, quase cem anos depois, um canudo euclidiano e ex-monarquista chega aqui acarinhado na consagração do referendo geral – e não apenas daquela unanimidade que, após as votações, todos nós gostamos de dizer, em boa e conveniente tradição, ter sido conferida aos ganhadores. Sua incorporação à grei machadiana é perfeita, pois, não sendo um academicista,

se livrará do confronto com o maior inimigo das academias, o academicismo. Aqui encontrará, porém, a glória que não passa mesmo, porque as academias não inventam, não fazem escritores menores ou maiores. As academias nada têm a dar além do reconhecimento dos valores e dos poderes do convívio. As academias não prejudicam a obra de ninguém, não amordaçam nem libertam escritores. Nem as academias representam estações de fim-de-linha. De outra parte, compreendemos a natureza complementar dos ritos, o que, aliás, está exemplarmente admitido no seu discurso. Daí ser o fardão apenas a relevante nota litúrgica, complementar da dignidade ou do ridículo: depende do monge que o use. Aliás, o povo é sábio, na reverência a esses ritos, a essa liturgia. Nunca esqueço o alvoroço recifense quando a rainha Elizabeth II ali esteve. Todo mundo na rua para ver Sua Majestade desfilar em carro aberto, na companhia do governador Nilo Coelho. Ela passa, e Marieta, a velha cozinheira da família de minha mulher, me diz, arrasada: Que decepção! Nunca imaginei uma rainha sem manto, nem coroa! Foi por conhecer, para usar uma ideia-síntese, o seu apreço pela Heráldica, que sabíamos, mesmo ainda vigorasse o Regimento que favoreceu a Rio Branco assumir a Cadeira através de carta, Ariano Suassuna não repetiria o gesto. Aqui está ele muito mais fazendo que a gente recorde um sonho do Quaderna, sempre tão respeitador dos halos acadêmicos. Mais ainda: fundador da Academia de Letras dos Emparedados do Sertão da Paraíba. Atentemos para este trecho de Romance d’A Pedra do Reino, livro que Maximiliano Campos chama, no seu imperdível posfácio, com felicidade de “Brasileida”: Devo confessar a Vossa Excelência (Sr. Corregedor) que ontem à noite dormi muito mal: tive um sono profundamente per-

turbado. Passei a noite sonhando, e desses sonhos, dois sobretudo me deixaram impressionado. O primeiro referia-se à minha coroação como gênio da nossa raça, através da Academia Brasileira de Letras. Ora, “gênio da raça” ainda não é laurel que distribuamos. Limitamo-nos à glória da “imortalidade”. E já basta. Essa imortalidade é para que desfrutemos, na Casa, aquilo de que muito nos orgulhamos: o exercício da liberdade. Conta-se, aliás, que, ao tempo da Paris ocupada, sob o guante da SS e da opressão nazista, um acadêmico se dirigia à sessão e, na altura do Pont des Arts, um oficial invasor o aborda, apontando para La Coupole: – Que edifício é aquele? E teve como resposta: – É a Casa da Liberdade. Pois este Petit Trianon é outra Casa da Liberdade, inclusive nos últimos tempos – muitos e alegres tempos – presidida por alguém que redigiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Este seu conhecido “à vontade” nada terá de se inibir perante a Casa. Querêmo-lo exatamente assim, como construiu a obra estupenda e mostrou a todos a personalidade admirada e admirável. Por tudo isso e por saber o quanto gosta da poesia de Deborah Brennand, ouso sugerir-lhe ter, de agora por diante, ainda mais presentes, estes versos: Então, não lamentes o amanhã. Ajaeza teu cavalo e segue Entre o cheiro das juremas, nos ramos da terra clara. Nos rios mortos, apanha o teu brasão, as três medalhas. O gavião da luz devora um voo de sombras frágeis. Segue e rasga o lenço vermelho: está acesa a batalha. De batalhas, aliás, são enxundiosas sua

Discurso de recepção ao Acadêmico Ariano Suassuna, na sessão festiva da Academia Brasileira de Letras, em 9 de agosto de 1990.

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vida e obra. A mais forte delas, a decisiva de tudo, quando João Suassuna tombou, assassinado na vida para renascer no exemplo. O filho diria, depois: Aqui morava um rei quando eu menino Vestia ouro e castanho no gibão, Pedra da sorte sobre meu destino, Pulsava junto ao meu, seu coração. Para mim, o seu cantar era divino, Quando ao som da viola e do bordão, Cantava com voz rouca, o desatino O Sangue, o riso e as mortes do sertão. Mas mataram meu pai. Desde esse dia Eu me vi, como cego sem meu guia Que se foi para o sol, transfigurado. Sua efígie me queima. Eu sou a presa Ele, a brasa que impele ao fogo acesa Espada de ouro em pasto ensanguentado. Confessa que é um daqueles escritores que, tendo infância rural, inventa terras e remos como os “Fazendeiros do Ar”, todavia não o faz por frustração ou escapismo, porém para a recriação e o enriquecimento poético e forte do real, na gana da recaptura. É da tragédia da infância, com impressões digitais de dor eterna, que vemos Ariano Suassuna emergir para expor ideias, zelar respeitos, desabotoar preconcebidas conceituações de cultura, construir um dos mais altos momentos da dramaturgia em Língua Portuguesa, para realizar obra romanesca de fascinante afinidade com tudo que é brasileiro, na incrível magia das palavras, e para ser adorável e travesso insubmisso, de vez em quando se fingindo de doido manso. Só que ninguém se fie na brandura desse cangaceiro de Taperoá, ele próprio sabedor de que o cangaço não se esgota num grupo de facínoras a espalhar terror e horror. Cangaço é também o grito de uma gente reagindo à injustiça, à opressão, à exploração e ao arbítrio. O cangaceiro que recebemos hoje – sob luzes de reconhecimento, de aplauso, de simpatia, luzes mais profusas por que o homenageiam – está temperado em lições recebidas na Fazenda Acauhan, no Território Livre de Princesa e nas sequidões dos Cariris Velhos. Vem de famílias valentes – pela varonia, dos Suassuna – sobrenome indígena que substituiu o luso-florentino Cavalcanti de Albuquerque; em maior ortodoxia que o outro ramo que adotou o Suassuna só como título nobiliárquico – e, pelo lado materno, dos Dantas, que, em 1912, tomaram mais de

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dez cidades a bala e, na crise perrepista, tendo a casa cercada, o povo açulado – a cantar o “Vassourinhas” – ameaçando sopresá-la, enrijeceu-se de bravura pela ordem dada a um dos filhos, por D. Ritinha, mãe dele: – Vá pro piano e toque o Hino de Princesa. E a meninada, ao som da música aliciadora, Ariano Suassuna inclusive, começou a cantar: Cidadãos de Princesa aguerrida Celebremos com força e paixão A beleza invulgar desta lida E a bravura sem par do sertão Ao contatar sua obra, vemos que não se sonega nos seus limites. Seria espécie de bitributação, se, separadamente, cuidássemos de destecer-lhe a renda da vida e de lhe conhecer a produção artística de intelecção imediata. Em razão disso, José Augusto Guerra disse que, nele, a vida e a Arte se completam na fala, nos gestos, nas lembranças, nas confissões. É fácil perceber o quanto ambas têm do cerne dos problemas daquele tempo e do homem daquela região cheia de sofrimentos, vítima de esquartejamentos sucessivos. No ato de escrever, reconhecidamente o mais público de todos, denuncia-se a sua natureza participante, pinçando a criatura como parte de um povo. Daí, ser ela encontradiça no núcleo e na moldura dos personagens. É da nossa querida Rachel de Queiroz a feliz observação em admirável prefácio para Romance d’A Pedra do Reino: “Só comparo o Suassuna a dois sujeitos: a Villa-Lobos e a Portinari. Neles a força do artista obra o milagre da integração do material popular com o material erudito, juntando lembrança, tradição e vivência com o toque pessoal de originalidade e improvisação.” Indo viver os primeiros anos de infância no sertão, contingenciado no luto, viu dentro de casa a batalha da mãe, viúva, aos 34 anos, com nove filhos por educar; e lá fora ouviu os homens do sertão no seu eloquente silêncio. É preciso anotar que Suassuna não restringiu o mundo ao sertão. Antes, pôs o sertão como palco dos dramas do homem de qualquer latitude. A peculiaridade regional é apreendida como forma “significante”, sem aprisionar o “significado” das coisas, e, em vez de capitular ao pessimismo, resgata o sentimento de amor-próprio. Tudo isso introduziu no meu sangue, diz Suassuna, – não digo nas ideias porque veio bem depois – a convicção obscura, mas profunda e arraigada, de que o mundo era, ao

mesmo tempo, um espetáculo cruel e belo, duro, mas que vale a pena, porque é grande e porque Deus existe. O pessoal diz, às vezes, por mania esquerdejosa, que eu pinto o sertão e o sertanejo, alegres e belos, como se a vida fosse fácil. Eles não conhecem nem o sertão nem os sertanejos. Os sertanejos são mesmo capazes do sangue da tragédia e do riso violento da comédia; e o sertão é belo. Não é gracioso, como a Zona da Mata: é belo, despojado e cheio de grandeza, capaz de riso, de beleza e de corajosa alegria, no meio da aspereza e da crueldade do mundo. É fácil entender porque João Cabral de Melo Neto poetou assim: Sertanejo, nos explicaste como gente à beira do quase, que habita caatinga sem mel cria os romances de cordel o espaço mágico e feérico sem o imediato e o famélico fantástico espaço suassuna que ensina que o deserto funda. Na seca, há um caladão doido, um caladão que fala, é o silêncio. E fala gritando, com a alma arranhada de dor. Esse silêncio é denunciador de que Ariano Suassuna não se situa no sertanismo do sertão úmido, entroncado em Afonso Arinos ou Guimarães Rosa, mas no sertão seco; de vaqueiros encoletados em couro; de sóis sem-fim; euclidiano; emaranhado numa espécie de palha de aço de macambiras, gravatás, coroas-de-frade, facheiros, erva-babosa; de terreno áspero; de chocalho de cabra; por todo lado, um mundo castanho, um mundo pardo, uma raça da cor da suçuarana – nossa onça castanha – e de coisas dispostas numa como que essencialidade bíblica. Nesse cenário, se desenrola a trilogia de que Romance d’A Pedra do Reino é a primeira parte. Escrevendo no “Álbum de Depoimentos” da minha filha, em dezembro de 1977, ele faz uma confissão e um desenho significativos e explicativos: Querida Taciana: Se tudo o que eu escrevi tiver que ser esquecido e desgastado pelo Tempo e se fosse dado o direito de salvar um só livro dessa cinza e desse pó, eu escolheria o longo romance que venho escrevendo desde 1958... Por isso, resolvi colocar aqui, como homenagem a você, essa espécie de desenho simbólico d’A Pedra do Reino. Despertado para o mundo como ele próprio conta, entre o primeiro e o segundo ano de vida, dentro de uma rede, chorando porque a mãe deixara uma prima embalando-o, Ariano Suassuna viveu infância marcante, no seu modo de ser, a um só tempo, singular e plural. Aliás, aquela rede de dormir deveria es-


tar armada em certo alpendre ou quarto do palácio do Governo, na capital da Paraíba, Estado de que seu pai fora presidente, como se dizia à época. Conta-se que um dia desses, ao passar pela cidade onde nasceu, e dela não pronuncia o nome atual, por conta de tudo o que sabemos, foi Ariano Suassuna ao palácio para rever e recordar. De alpercata, calça e camisa, na sua encadernação dos últimos anos, barrou-lhe o guarda a entrada, censurando-o: – Como que quer entrar; sem paletó e gravata? A resposta veio firme e maliciosa, sem que o coitado do vigilante pudesse entender: – Pois saiba que já andei nu aí dentro muito tempo. E ninguém reclamava. Até achavam bonitinho e engraçado. A infância ensejou-lhe muito de amadurecimento antecipado, porque, como diz nestes versos, ela foi assim: Sem lei nem rei me vi arremessado Bem menino ao planalto pedregoso Cambaleando cego ao sol do acaso Vi o mundo rugir tigre maldoso. E veio o sonho e foi despedaçado E veio o sangue, o marco iluminado A luta extraviada e a minha grei. Naquele tempo, sabia-se do sertão como o sertão sabia do mar e, talvez por isso, esperava-se fosse cumprida a prédica de Antônio Conselheiro: “Em 1896 hade rebanhos mil correr da praia para o certão: então o certão virará praia e a praia virará certão.” A profecia cumpriu-se pelo avesso: em 16 de junho de 1927, na Cidade de Nossa Senhora das Neves, capital do Estado da Pa-

raíba, filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna e de Rita de Cássia Dantas Villar, nasceu Ariano Villar Suassuna. Um ano depois, 1928, a família Suassuna regressa a seu lugar de origem, o sertão, na Fazenda Acauhan. Pois bem, o sertão recebeu da praia, do litoral, um seu grande intérprete. O menino pisou a pedra, ouviu os cantos dos pássaros, do povo e, com os professores Emídio Diniz e Alice Dias, aprendeu a ler os primeiros folhetos, os primeiros romances populares. O menino ouviu, pela primeira vez, os cantadores – Antonio Marinho e Antonio Marinheiro – e assistiu a uma peça de mamulengo. O menino se fez, ora descobrindo o imóvel das gravuras, nas capas dos folhetos, ora aprendendo a música do martelo, do galope, da sextilha, da gemedeira, onde gemem os cantadores. Os seus versos, a prosa, o teatro fazem parte da sua experiência vital. Por isso, o que produziu, proclama um tanto orgulhoso, se aproxima da parte do mundo que lhe foi dada, cheia de sol, de poeira, de atores ambulantes, de bonecos de mamulengo representando gente comum, de assassinos, de juízes, de avarentos, de homens e mulheres de bem, de prostitutas, de luxuriosos medíocres. Seu nativismo, adverte Silviano Santiago, não é tão “estreito” quanto os dos que pregam um ufanismo de portas fechadas, nem tão “aberto” quanto o dos que professam uma constante dívida, na construção do brasileiro, ao alienígena. Raimundo Carrero observa que nele “o processo de criação, a fabulação, a chamada agilidade dos diálogos, a arrumação de cenas, a escolha de personagens e a notável ‘arquitetura’ das tramas jamais traíram a

concepção de Arte e de mundo”. É a autenticidade costumbrista, digo eu, desse ressuscitador prodigioso da memória e da alma de sua gente. Muito do que pode parecer sem-vergonhice de algum dos seus personagens na verdade é a busca do indispensável à sobrevivência. É espécie de vitória da inteligência sobre a adversidade opressora. No Nordeste, a gente sabe que a astúcia é a coragem do pobre. Além do mais, esses recursos literários favorecem ao leitor ou ao espectador um suculento exercício de imaginação. Inspirando-se em bons e nada desprezíveis anônimos, em bons e nada desprezíveis analfabetos, a obra suassuniana foge do banal, porque a desbanalização ocorre exatamente por conta do quanto se mostra atenta ao homem e à magia do cotidiano. A sua graça, a sua originalidade vêm da empatia com a tradição popular, fazendo tudo que escreve ser espécie de coroa da arte do seu povo. Por isso, tão pura, tão fogo, tão fogosa, tão tradicional e tão original, tão novidadeira, tão ocupada – no sonho e na tradição – em redimir injustiças da vida real. Antônio Houaiss, com a sua precisão habitual, adverte que: Essa inserção no tradicional é, entretanto, tão espontânea e autenticamente estabelecida, que [...] embora possa parecer, a certos analistas metafísicos, um mero aproveitamento de recursos cediços sem originalidade, é, em verdade, uma rica lição de como o novo provém do velho, de um combinatório criador do velho, de modo que o novo apareça como decorrência precisamente desse combinatório. Nela, é ostensiva uma fidelidade ao que

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Gilberto Freyre identifica como muito própria do nordestino: a constante ampliação das zonas de sensibilidade, zonas como que erógenas de civismo e fé. Aliás, o meu dileto Josué Montello, instigante e perspicaz, ao recordar a expressão de Chateaubriand, me disse, faz poucos dias, querer nesta noite ouvir bem os discursos de posse e de recepção para sentir exata demonstração do quanto o Nordeste significa para os oradores, ou seja, uma verdadeira Mátria, diversa da Pátria, que é o todo, no seu conjunto. Sendo assim, de modo a que não se perca o caráter patriótico e reivindicante, e nem prejudique a prática da inconformidade ao tratamento, permitam-me um instante de “matriísmo” e de “nordestinidade” comprometidas com o progresso e não apenas literárias. Associemos o “matriísmo” ao “patriotismo”. O ano passado, com o processo amplo da campanha política, foi o instante de germinação para as propostas de revisão da estratégia de desenvolvimento regional. Esperamos, agora, que a complexa realidade de seu sistema social, os seus desequilíbrios, a parte que a Região representa de um todo maior – o sistema social nacional – sejam considerados. E que a sua inserção nesse sistema social nacional se faça de modo funcional e convergente. O Professor Roberto Cavalcanti de Albuquerque tem alertado, e louvo-o pela lucidez como coloca a questão, para a necessidade de a consciência nacional reagir às tentativas de nela se implantarem “mitos incapacitantes” com relação ao Nordeste, como região, e ao nordestino, como povo. É a inconformidade aos clichês mentais de-

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preciativos sobre o Nordeste: o de que o seu desenvolvimento autossustentado é impossível; o de que, no semiárido, a agricultura é inviável; o de que os recursos públicos destinados à Região são invariavelmente malbaratados; o de que a população regional degrada-se rapidamente em sub-raça de nanicos ociosos e imbecilizados. Setores ponderáveis do Sul e do Sudeste do País não podem ignorar que o Nordeste respondeu aos incentivos à industrialização, com desempenho produtivo superior ao do País; que a agricultura moderna, no semiárido, é factível tecnicamente (com a grande e a pequena irrigação) e rentável economicamente; que a Região evoluiu significativamente no social, conforme demonstram os indicadores de mortalidade, morbidade, nutricionais, educacionais, entre outros. Tem razão, ainda, aquele ilustre brasileiro ao lembrar: O ideário que deve orientar o projeto do Nordeste precisa transmitir mensagens positivas: de integração do sistema regional no sistema nacional que seja mutuamente benéfica; de compatibilização de interesses; de transmissão inter-regional do desenvolvimento, reciprocamente fertilizante. Logicamente, se a opção estratégica regional for a da inserção convergente – econômica, social, política – no sistema nacional, o conteúdo de sua estratégia deve estar, sintônica e sincronicamente, ajustado à política nacional de desenvolvimento. Mas não só pelas mudanças e transformações na política de desenvolvimento regional se interessa a inteligência dos brasileiros, em particular a dos nordestinos. É bom não esquecer que, no Auto da Compadecida, infere o personagem Manuel da

necessidade de uma reforma administrativa. Não na terra, mas no céu. Tudo isso por conta da avassaladora presença salvacionista da Virgem Maria, no empenho de resgatar a todos das penas do fogo eterno. Manuel falou meio zangado, àquela altura, inconformado com o protecionismo largo, desmedido, de quem mais cultivava o Perdão que a Justiça: “Se a Senhora (a Compadecida) continuar a interceder por todos, o inferno vai terminar [...] feito repartição pública, que existe mas não funciona.” Aí está a crítica social de grande acento cristão. Nada blasfema. Ao contrário, de profunda espiritualidade. Mas houve quem descobrisse nos textos de Suassuna – foi Plínio Salgado, pobre dele – diálogos maldosos, por vezes infames a Deus e à Virgem Maria, estruturados e encenados “de acordo com a técnica soviética de desmoralização da religião”. As contradições que espalhou – como em obediência a Unamuno que preceituou aos artistas o gosto pela controvérsia – também o obrigaram a ouvir que se portava e escrevia como “solteirona da Ação Católica”. Por isso, lhe foi constante o ser acossado por duas censuras: a fascista, autoritária, da Direita; a outra, igualmente totalitária, intolerante, vinda das patrulhas ideológicas marxistas. Melhor, na verdade, seguir a sugestão de Décio de Almeida Prado que, ao integrar essa obra admirável do não menos admirável Afrânio Coutinho, de interpretação e de esclarecimento da história da Literatura Brasileira – com graça e sabedoria, indica que a justiça e a misericórdia divinas – podem se expressar, em Ariano Suassuna, no


seguinte: “Bem-aventurados os pobres porque deles será o Reino dos Céus.” Ariano Suassuna pôs diante da nação cristocêntrica, que é o Brasil, a condição de ter um teatro de amplo significado religioso, ao retomar, inovando-as, as sendas vicentinas. Teatro, igualmente, de ideias, porém de nenhum modo ideológico, na perfeita observação de Ângelo Monteiro. Do seu lado, Geraldo Costa Manso afirma que a sua dramaturgia traz a religiosidade do medievo no riso, nas moralidades, nos personagens típicos, na encenação circense, centrada sempre em um ângulo de profunda articulação com a condição humana. Aliás, a propósito desse modelo medievalizante, há razão em Lígia Vassalo, ao observar que a aquisição, pela vivência pessoal, da oralidade em nada despreza as vias cultas das literaturas europeias escritas, nas quais também se arrimou. E diz Vassalo: “Esta opção não implica em arcaísmo, porém em extrema afinação dos elementos constitutivos da obra.” E Eduardo Portella completa: “A fidelidade à forma peninsular é, em Ariano Suassuna, ademais uma solução funcional para um teatro sem tradição que o justificasse. E a tradição não se isolou, ao contrário, se harmonizou com o Nordeste.” É como se as pessoas, se matando, pela sobrevivência, transfigurassem a dor e fizessem dela uma flor a se transformar em riso. Não resisto ao desejo de trazer à lembrança de todos parte da competente apresentação que Sábato Magaldi faz de A Pena e a Lei, ao dizer: O mecanismo teatral encontra perfeita equivalência no universo religioso [...] o palco resume aquele gran teatro del mundo microcosmo simbolizador da história humana, quando o homem pergunta o significado de sua presença na Terra. Teatro e transcendência estão aí admiravelmente fundidos. [...] É perfeita a correspondência entre a materialização cênica e o intuito apologético fundamental. Ariano Suassuna foi protestante. Adoeceu, converteu-se ao Catolicismo. Graduou-se em Direito e foi trabalhar no escritório de Murilo Guimarães, um dos principais do Nordeste. Reconheceu; não dava para aquelas coisas. Deixou. Tornou-se professor de Estética. Um estupendo sucesso. Dirigiu a área de Cultura da Prefeitura do Recife. Outro grande êxito. E ainda há quem diga que ao intelectual não está reservado o esplendor da ação. Como é ruim generalizar! Foi aí que Suassuna deu força à popularização da Cultura, em vez de se restringir

à teoria dos ortodoxos da chamada Cultura popular. E é aí que a gente pode encontrar uma grande sintonia, teórica e prática, do Suassuna, Secretário da Cultura, no Recife, com o Mário de Andrade, Diretor do Departamento de Cultura, em São Paulo. Nessa ocasião, ele pôs no debate de rua o seu entendimento de Literatura, teatral ou romanesca, como interpretação individual de um sentimento plural, enraizado no populário nordestino. Por essa época, cismou que não queria ser tratado de Secretário. Justificava-se, dizendo que em sua fazenda tinha um jumento chamado Secretário. Por isso mesmo, um amigo comum, lá do Recife, Ítalo Bianchi, já o advertiu de que não inventasse agora que também tem algum bode chamado de Imortal. Densificou, a partir dos seus tempos de dirigente cultural da Universidade do Recife, a atenção de todos pelo Movimento Armorial, quando posicionou a Cultura popular nos ambientes cultos. Um projeto estético encontradiço na cerâmica de um Brennand ou de um Miguel dos Santos, nos romances de um Maximiliano Campos ou de um Raimundo Carrero, na música de um Cussy de Almeida, de um Guerra Peixe, de um Antonio José Madureira, na poesia de uma Janice Japiassu, de um Marcus Accioly e também nos painéis de Zélia sua mulher. O Movimento Armorial tem ligação com o espírito mágico do romanceiro popular do Nordeste – a Literatura de Cordel; com a música de viola, rabeca, pífano, que acompanha seus “cantares”; e com a Xilogravura, ilustração de suas capas, assim também com o espírito e a forma das artes e espetáculos populares. Estas coisas aconteceram sem caipirismos, pois o caipirista só se ocupa “sectariamente” do que há de transferível na vida ou na natureza regional. A obra suassuniana cuida do transferível, do transregional. Por isso, Gilberto Freyre viu nela uma grande distância daquela subliteratura do Sudeste americano que tentou fazer do “negro” um ente ridículo. Seu teatro, de igual maneira, a excelente poesia e o romance – para onde foi porque algumas coisas que tinha do seu mundo interior, conforme diz, não mais cabiam em versos ou no Teatro — têm expressão linguística popular, como manifestação da Região, e erudita, pela comunicação universalista. Sem que falte, nunca, o tempero do “riso bom e ruidoso, um sopro de vida simples e cheio de paixões diretas, um cauterizar feridas que alegra até o cauterizado, um girar contínuo de graça e astúcia cabocla,

sob o fundo de universal humildade”, como viu Drummond. É com essas raízes que a suassuniana trafega pelo trágico e o risível. Não esqueçamos que o engraçado é simpático. Ele próprio, falando do Quixote, diz assim: “[...] há uma beleza criada a partir daquilo que, no comportamento humano, faz parte do risível. E então, uma beleza criada a partir daquilo, sem exageros, o que elidiria o riso.” Agora, Sr. Ariano Suassuna, escute uma coisa. Escute também, dona Zélia, em quem o novo acadêmico se instalou, no conforto do coração, e de quem faz juízo exato, ao dizer: “Os escritores gostam tanto de fantasiar as coisas que, quando não têm um caso de amor, inventam. Eu tive sorte; casei com meu próprio caso de amor.” Ariano Suassuna acha que o sertão é macho e a mata é fêmea. Pois disto usa, quem disto cuida: não é que a nossa distinta dona Zélia vem de famílias da Zona Canavieira pernambucana, da gente de José de Barros Lima, o “Leão Coroado” da Revolução de 1817, companheiro de Frei Caneca? Vem de Tapera. Tão perto – pelo menos na grafia – de Taperoá. Somente uma letra, o “o” e um acento, o “agudo”, os separavam. O mais, foi só a ensancha do encontro. Escutem, pois: a comunidade machadiana está feliz em os incorporar aos seus quadros regimentais e afetivos. Sr. Ariano Suassuna, não se entusiasme muito com a imortalidade, ela, às vezes, surpreende desfavoravelmente. Será bom que a decepção não lhe bata à face, outra vez, como no episódio da “La Cumparsita”. O caso, eu vou contar como o caso foi: Um dia, em casa de Francisco Brennand – seu colega de turma e o artista extraordinário a quem todos admiramos – chega o padre vigário da Várzea, o bairro recifense, hoje tão renomado, por conta desse pintor ceramista, e o anfitrião, feliz, exclama: – Padre, veja quem está aí! O padre olha para Suassuna, desconfiado, sem saber quem era. Brennand, no afã de salvar as aparências: – É porque eu não disse o nome dele. Quando eu disser o senhor identifica. E o padre: – Quem é? E ele: – É Ariano Suassuna. O padre confessou, honestamente, nunca ter ouvido falar. Então, Brennand, no esforço derradeiro: Mas, padre, é o autor do Auto da Compadecida. O rosto do padre se iluminou: – Ah! Essa eu conheço – e emendou Maio/Junho/2017 |

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logo a pergunta: – O senhor tem composto muito? Foi quando Suassuna, sem entender nada, observou-lhe: – Não, padre; eu não sou compositor. O padre, novamente perdido, rebate: – Mas o Dr. Brennand não acaba de dizer que o senhor é o autor de “La Cumparsita”? Escutem, agora em sério, Ariano e Zélia, pois os trato na intimidade acadêmica: dependurem, lá na casa da Rua do Chacon o diploma da Academia Brasileira de Letras junto àquele de benemérito da Associação dos Cantadores e Violeiros do Nordeste e, assim, promovam a união indissolúvel de Machado de Assis e Austregésilo de Athayde a Antonio Marinheiro e a Antonio Marinho, para não falar num montão de outras boas-gentes, como certamente se referira José Sarney. Depois, não esqueçam que aplaudem as cenas desta noite, outros paraibanos que se pernambucanizaram, desde André Vidal de Negreiros, passando por Odilon Nestor, Augusto dos Anjos, Virginius da Gama e Melo, Aderbal Jurema, Assis Chateaubriand, José Lins do Rego, e chegando a Marcílio Campos, a Tarcísio Pereira, a João Câmara e a Edilberto Coutinho. Ademais deles, também os doidos que fizeram a alegria de nossas respeitáveis Cidades – Taperoá, Lajedo e Limoeiro – porquanto cidade sem doido não merece respeito. Falo da Velha do Badalo, de Júlia Doida, de Manoel Penico e de Inácio Carreta.

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Pois bem, aquele que o saúda se empavona ao dizer que se apresenta nesta Sala solene com cheiro de pólvora, impregnado do suor das lutas políticas e familiares, entupido de códigos de honra e sempre com o olho na mira, por imposição das disputas de vida e morte. Devo, finalmente, anotar que o que eu disse de Ariano é muito pouco para o muito que ele é. Desejo combinar – e como combinam! – o fardão e a viola. Quando Manuel Bandeira assistiu a uma cantoria de viola entre os irmãos Dimas e Otacílio Batista, desabafou, em “Cantadores do Nordeste”: Saí dali convencido Que não sou poeta não; Que poeta é quem inventa Em boa improvisação, Como faz Dimas Batista e Otacílio, seu irmão. Assim, para que ninguém duvide da harmonia fardão-viola – para que todos os presentes possam assistir, sem duvidar, a um desafio de viola, embora erudito, eu convoco à minha fala dois poetas (que dedicaram poemas entre si) e dois poemas; convoco o aqui já convocado Ariano Suassuna e convoco o pernambucano Marcus Accioly, aqui também presente. O desafio é em forma de martelo.

Ariano Suassuna começa, “ante um retrato de Camões”: Se, na noite de chuva, a tempest de em solitários galhos açoitados, revivesse os navios naufragados e o travoso gemer da soledade; se, da grave assonância da vontade entrever se pudesse o sacrifício, nesse claro e cansado frontispício quem, mais do que teus olhos, cantaria da vida o caso cego e a galhardia, a luz flamante e o sacro desperdício? Marcus Accioly responde, evocando o maranhense (rima e solução) Catulo da Paixão Cearense: Sobre as cristas das pedras pousam anjos Para ouvir estes rudes desafios Que só hão de cessar ao sol nascente Pois que a noite tem cantos como os rios E estes cantos são notas ou arranjos. De violas, rabecas e pandeiro Que, marcando o compasso do repente, Fazem os passos da noite mais ligeiros Porque o dedo da gente quando esfola o aço firme e sonoro da viola que parece chorar enquanto cata, Eu, lembrando Catulo quando falo, Ouço a lua cantar dentro do galo Que carrego por dentro da garganta. Minhas senhoras, meus senhores,a cantoria vai continuar pela noite adentro, até o sol nascer. Cedo a retórica à poética. Talvez seja invulgar a cantoria nesta Casa, dentro desta Casa de Machado de Assis. Mas ela irá virar a noite, e eu devo dizer, agora, a todos: Boa noite. Até amanhã. g


DIVAGAÇÕES OS ALEMÃES E A COMUNIDADE Carlos Alberto Jales

Eles formavam um casal jovem, marido e mulher que vieram da desenvolvida Alemanha organizar e coordenar uma ONG, numa das comunidades do Rio de Janeiro. No seu país, tinham aprendido um mínimo da língua portuguesa e foi com muito entusiasmo que enfrentaram a aventura no Brasil. No início o impacto foi grande, uma espécie de choque térmico diante da miséria que encontraram no local onde iam trabalhar. Mas o Rio de Janeiro é o Rio de Janeiro e ficavam extasiados diante de tantas belezas naturais: a Baia de Guanabara, o Corcovado, o Pão de Açúcar, a Floresta da Tijuca, as praias a perder de vista. O choque da chegada foi amenizado por uma cidade que encantava seus olhos. O fascínio do Rio compensava qualquer sacrifício. É verdade que havia o calor insuportável para quem vinha de tanto frio, as ondas de mosquitos, mas nem isso foi obstáculo para o entusiasmo do jovem casal. Para ele era seu limite. Transcorridos alguns meses, os alemães passaram a se inquietar. Estranhavam a dificuldade de reunir os moradores da comunidade para debater seus problemas e encontrar as soluções. Não compreendiam como as pessoas marcavam um compromisso com hora determinada, mas não apareciam nem davam nenhuma satisfação depois. Não entendiam como os moradores aceitavam a inexistência de escolas, de postos médicos, de farmácias, de praças, sem reclamar ou reivindicar. O jovem casal não conseguia aceitar porque o Estado era tão ausente para onde quer que se olhasse. O espanto foi aumentando com o tempo e os alemães começaram a se perguntar e a perguntar aos moradores: por que as pessoas aqui parecem tão felizes, por que vivem nos botecos beben-

do cerveja e aguardente, por que cantam e dançam por qualquer motivo, por que fazem churrasco nas lajes daquilo que chamam de casas, de onde vem o dinheiro para gastar, por que são tão apaixonados por futebol, ao ponto de vestir as camisas de seus clubes? À noite, quando se recolhia para descansar, o casal relembrava sua Alemanha com suas crianças bem nutridas, com seus ônibus, trens e metrôs funcionando como um relógio suíço, sua previdência que pagava seguro-desemprego e relembrava suas despesas com médicos e hospitais, mas faziam um grande esforço para aceitar a realidade em que viviam no Rio de Janeiro. No entanto, era duro aceitar a passividade dos miseráveis, era quase impossível aceitar que seres humanos vivessem naquelas condições. A carência absoluta marcava seu cotidiano. Na Alemanha tinham escutado seus avós e seus pais falar de uma Alemanha pobre, com uma agricultura fraca, com pessoas endividadas pela inflação da moeda. No entanto eles só tinham conhecido uma Alemanha rica que surgiu depois da 2ª guerra mundial e notícias de pobres só chegavam por jornais que descreviam imigrantes turcos, gregos, portugueses, espanhóis, italianos do sul da bota. Mas tudo muito longe deles, como se a miséria fosse uma coisa muito distante de suas vidas. Agora, não. Agora o casal estava frente à frente com ela, estava frente à frente com a morte de crianças que mal completavam um ano de vida, agora conheciam meninas que se prostituiam mal saídas da infância. Estavam sobretudo cara a cara com a subserviência, com a indiferença de pessoas ao seu próprio sofrimento. Nem Freud, nem Marx, nem Nietsche, nem Weber, tinha previsto

uma situação como esta. Como soava longe a voz dos seus professores na universidade, falando do imperativo categórico de Kant, do super homem de Nietsche, dono de seu destino. Como parecem artificiais as palavras de Marx e Engels, clamando aos oprimidos do mundo que se unissem. Eles, os oprimidos, não tinham nada a perder, mas tudo a ganhar. A Escola de Frankfurt havia condenado com toda a força o mundo do lazer, do divertimento, da festa como uma manobra das classes proprietárias para manter os explorados longe das reinvidicações e protestos sociais. O casal coordenador da ONG se perguntava agora se os frankfurtianos não teriam razão... Um ano depois de sua chegada ao Rio de Janeiro, a jovem alemã entrou num processo de violenta depressão diagnosticada por médicos brasileiros. Para ela, o que estava vivendo lhe parecia um pesadelo. A lógica das pessoas da comunidade em que trabalhavam era um desafio para todos que haviam estudado e o pensamento de René Decartes, fundado na racionalidade do sujeito pensante, parecia um delírio. Os psiquiatras que consultou, vendo seu estado depressivo, aconselharam que voltasse definitivamente à Alemanha. O marido ainda ficou alguns meses, cumprindo o resto do contrato que havia assinado com a ONG. Depois retornou também ao seu país. Hoje, os dois recordam, entre nostálgicos e saudosos, o tempo vivido naquele aglomerado urbano chamado pudicamente de comunidade e escutam às vezes as vozes zombeteiras dos deuses e no meio de sorrisos sobressai uma voz que diz: “miseráveis do mundo, separai-vos pois nada tendes a ganhar, a não ser um churrasquinho numa manhã de domingo, numa certa comunidade do Rio de Janeiro...” g

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POESIA SETAS DO ARCO ÍRIS - SONETOS E POESIA VÁRIA(*) Paulo Bonavides

A poesia de João M. Cunha Lima, em “Setas do Arco-Íris”, tem traços de originalidade e profundeza raramente vistos num vate contemporâneo deste fim de século. Sombras crepusculares parecem descer sobre o Homem e a Sociedade, num envolvimento de problemas, reptos, interrogações e angústias, como jamais se viu em outras épocas existenciais; e nunca uma posição veio lograr tamanha força em nos despersuadir da necessidade de capitularem em face dos confrontos, do imediatismo e das pressões esmagadoras quanto esta de aparente neutralidade e alheamento, mas, em verdade, vazada numa sólida argamassa de conceitos ônticos que traduzem padecimentos da alma refratária à finitude e à limitação do próprio destino. À primeira vista, poderia afigurar-se-nos estar, pois, em presença de um bardo simbolizando a antítese destes tempos; refugiado na ausência e no ermo, dominado de inteira indiferença ao universo revolto, onde fervilham atribulações, protestos e vociferações de interesses ou onde a linha do horizonte, que passa sobre abismos, desesperos e desenganos, não deixa antever esperanças e ressurreições. Com efeito, o superficialismo do crítico desatento à leitura dos sonetos deste poeta paraibano, tão inspirado e tão verdadeiro noutra dimensão de seu tempo, decretaria provavelmente essa conclusão de mero insulamento e distância, inculcada em aparências verbais e temáticas de uma arte supostamente desprovida de sensibilidade e calor para projetar a vida humana no plano do social e por isso mesmo indiferente à essência

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das grandes comoções e tragédias do século. Quem fizesse, porém, tal juízo dos versos contidos em “Setas do Arco-Íris”, sobre cometer a imprudência de uma apreciação infundada, estaria, por sem dúvida, passando certificado de incompreensão da arte e do engenho criativo de um dos melhores talentos poéticos das letras brasileiras contemporâneas. “Setas do Arco-Íris” exterioriza, em primeiro lugar, um lirismo suave de espontaneidade e inspiração, profundamente enriquecido também daquela substância existencial que perpassa o sentimento, as expansões da alma e as vibrações da consciência, fazendo-nos então perceber, no âmago das fórmulas discursivas, as ideias jacentes de uma filosofia da vida, encaminhada toda à inquirição de dúvidas universais, projetadas aflitivamente sobre o ser humano, e das quais nunca a moral, a religião e a ciência vingaram de todo emancipá-lo. O filósofo, ao recusar a bússola de um sistema ou a tábua ordenada de um feixe de princípios, em que a razão possa escorar-se para metodicamente expor conceitos, nem por isso deixa de ser filósofo se a imaginação, o sonho e a poesia mesma o conduzem a vivências espirituais na sondagem dos fins e na indagação das essências- tudo obviamente referido à natureza do homem e à esfera de seus valores. A poesia de João M. Cunha Lima é, portanto, no imo, o diálogo de um humanista com o Criador; um humanista-filósofo, que transcende até mesmo a filosofia para estrear passos na temática eterna do Cristo, em busca de insondáveis desígnios. Vê-se presente

a cada poesia deste Autor a intermediação de formas estéticas que ali se atravessam em demanda da perfeição e da suprema pureza. João M. Cunha Lima é clássico da vernaculidade, da forma perfeita; é senhor de todas aquelas qualidades das quais a poesia acaba sendo inseparável. Pode não haver preocupações sociais imediatas na lírica do Poeta; em rigor, pode até sua poesia não ter uma expressão de contemporaneidade temática ou desterrar-se do êfemero, do cotidiano e do circunstancial mas ninguém lhe questionará - e isto me parece incomparavelmente superior - o título que constitui a preeminência literária desse escritor, conforme acabamos de assinalar: os admiráveis recursos de linguagem e expressão, a contextura dos sonetos, a perfeição da forma, a pureza da palavra convertida em veículo universal e intemporal de conteúdos poéticos, acima desta ou daquela escola, deste ou daquele movimento de arte, porquanto tais conteúdos refletem, na “solidão ontológica” do bardo, a vera essência de sua religiosidade filosófica. Consintam-me, pois, dizê-lo assim, com perdão dos teólogos e metafísicos, pelo contraditório aparente dos termos. Mas desde que em “Setas do Arco-Íris” o poeta, o místico e o pensador se consubstanciam numa rara convergência, isto indubitavelmente faz a grandeza, o merecimento e a unidade desta obra, uma jóia solitária de poesia do mais subido quilate e da mais genuína inspiração vocacional. (*) Prefácio ao livro Setas do Arco-Íris.


MEMÓRIA UM JURISTA INTERNACIONAL Adalberto Targino* Falar de Ubirajara Targino Botto, é lembrar da vetusta Faculdade de Direito do Recife – a Casa de Tobias Barreto – onde ele se formou em Direito, em 1955. É percorrer o santuário cultural da Europa, em cujo continente frequentou as melhores universidades durante mais de 10 (dez) anos, notadamente em Paris, Strasburg, Madrid, Coimbra, Salamanca, Londres, Sorbone, Genebra, Haia, dentre tantos outros celeiros do saber do Velho Mundo. Ubirajara era um esbanjador de coisas boas da vida: alegria contagiante e bom humor permanente; espírito libertário, irrequieto e universal; apegado ao ser e ao saber; longe das amarras da ganância do ter; amante das belas artes e do belo sexo; cultor das amizades fraternais e desafiadoras do tempo; conversador agradável e persuasivo; conferencista e orador sereno; professor fecundo e de estilo límpido; advogado culto, mas sem rebuscados. Enfim, um sábio amante das letras, poliglota, pensador sem as peias e limitações que garroteiam os medíocres e pobres de ideias. Ao mesmo tempo, um homem simples, sem preconceitos e profundamente solidário, de convicções inabaláveis e princípios éticos arraigados. Ubirajara não nasceu para o convencional, o médio, o mais ou menos; plantou sementes internacionais e colheu frutos universais. Rasgou o véu da ignorância e construiu catedrais à verdade e ao intercâmbio do conhecimento sem fronteiras. Apesar de cidadão do mundo, seu nome é brasileiríssimo, indígena, com significado em tupi-guarani de “senhor das florestas ou senhor da lança”. Esse homem extraordinário, brilhante, gestor público, humanista, diplomata nato, era filho de Ananias Targino Ferreira Pontes (meu tio avô) e de Maria da Penha Bôtto Targino, nascido em Araruna-PB, no então distrito de Cacimba de Dentro, no dia 31 de março de 1932, tendo falecido em 05 de setembro de 1984, com apenas 53 anos de idade. Na juventude, talvez influenciado pelos

pais, católicos fervorosos, com sacerdote na família (padre e deputado Francisco Targino Pereira da Costa), pretendeu seguir a vida clerical no Convento dos Irmãos Maristas de Apipucos – Recife/PE, onde forjou a sua personalidade, mergulhou no mundo dos clássicos, aprofundou-se na filosofia, história e teologia, além de consolidar a sua sensibilidade e crescente humanismo. Nessa trajetória religiosa adotou o nome de Irmão Odilon Gonzaga. Desistindo da vida religiosa, concluiu os estudos secundários no Liceu Paraibano e concentrou as suas energias e notório talento na preparação para a carreira jurídica, onde pontificavam, com brilho, seu tio (deputado federal Antônio Botto) e seu avô materno (Des. Botto de Menezes). Em 1955, tendo como professores figuras legendárias do naipe de Pinto Ferreira, Aníbal Bruno, Torquato da Silva Castro, Joaquim Amazonas, Gentil Mendonça, Abgard Soriano e outros do mesmo nível, concluiu o então cobiçado Curso de Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais da famosa e paradigmática Faculdade de Direito do Recife, consagrando-se, inclusive, como orador da turma. Dentre tantos futuros luminares do Direito, teve como colegas de turma os ilustrados juristas potiguares Jurandyr Navarro da Costa (professor, Procurador do Estado e escritor), Araken Mariz de Faria (advogado, professor e Desembargador Federal), José Fagundes de Menezes, Amaury Pires de Medeiros, José Wanderley Carvalho e os paraibanos Rivando Bezerra Cavalcanti (desembargador estadual, professor, e governador interino), Almir Carneiro Targino da Fonseca (desembargador e governador interino), Ivandro Cunha Lima (advogado, tabelião e senador), Sindulfo Santiago (deputado estadual, secretário de estado, escritor e acadêmico), Amir Gaudêncio (Procurador Federal e Senador da República), Raimundo Asfora (Procurador do Estado, grande tribuno, deputado federal e vice-governador), Geraldo Ferreira Leite (desembargador estadual, professor e doutor em Direito).

Em 1958, com o slogan “o candidato das novas gerações”, sob os auspícios do antigo PSD, ainda no verdor dos anos, tentou a eleição para deputado estadual/PB. Conseguiu boa votação, porém sem concretizar o sonho político, abandonando-o definitivamente pela advocacia e magistério superior. O jurista aqui enfocado, foi lente de Direito e tinha, além das qualidades de jurisconsulto, largos conhecimentos de antropologia, sociologia, história universal e geopolítica. Colecionou diplomas, títulos, pergaminhos, honrarias e reconhecimentos nacionais e internacionais. Em síntese apertada: Curso de Administração pela Fundação Getúlio Vargas, Curso de Mestrado em Direito Internacional na Universidade de Madrid-Espanha, como bolsista do Instituto Ibero-Americano, Curso de Doutorado em Direito Internacional Público, na Faculdade de Direito e de Ciências Políticas da Universidade de Ciências Jurídicas, Políticas e Sociais de Strasburg-França, como bolsista da CAPES/MEC (mediante rigorosa seleção). Em junho de 1979, defendeu, com pleno sucesso, a tese de doutorado, intitulada: “L’utilisation dês eaux communes à de fins autres que la navigation, dans Le Droit Internacional General et Latino-americain: Le cas Du à Itaipu (Brésil)” (o uso de águas comuns, para além de navegação no Direito Internacional Geral e Latino Americano no caso da Itaipu Binacional) (Brasil). Profissionalmente, foi radialista (ainda muito jovem), Auditor do Tesouro Estadual, Procurador Federal, Procurador-Chefe nas Delegacias Regionais do INSS dos estados do Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, bem como professor de Direito Internacional Público da Universidade Federal/PB, Universidade Estadual/PB e Institutos Paraibanos de Educação. Escreveu trabalhos jurídico-científicos, teses, dissertações e monografias, alguns publicados. Maio/Junho/2017 |

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No auge de sua vida pública foi Assessor do Ministro do Trabalho, preliminarmente, como Secretário da Comissão de Direito do Trabalho e, posteriormente, como substituto do eminente doutrinador do Direito do Trabalho Arnaldo Susskind, representante do Brasil no Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra (Suíça). De Ubirajara Targino Botto resta, hoje, a saudade de um grande amigo, espírito iluminado, inteligência singular e nome inesquecível nos corações cativados das amizades

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imorredouras que soube cultivar com lealdade ímpar. A memória e lembrança da sua marcante trajetória estão preservadas ad eternum em ruas e escolas de João Pessoa-PB, com seu nome e, ainda, como patrono da cadeira nº 13 da Academia Brasileira de Cerimonial e Protocolo, da qual o seu não menos ilustre irmão, Itapuan Bôtto Targino é guardião e titular, além de tê-lo imortalizado no livro “Dois irmãos: Um mesmo ideal”. No que me toca, eternizei-o na minha alma como irmão de fé e o elegi, por ato de

justiça, um dos referenciais das letras jurídicas brasileiras, indicando-o, sem nenhum favor, como patrono da cadeira nº 25 da Academia Paraibana de Letras Jurídicas, para a qual fui eleito por generosidade dos juristas paraibanos, que comigo cantam hosana a Ubirajara, o emérito internacionalista, sem nenhum demérito a outros do mesmo quilate moral e intelectual. g

(*) O autor é Procurador do Estado, Professor e Presidente da Academia de Letras Jurídicas do RN.


FOLCLORE O FOLCLORE, DE RODRIGUES DE CARVALHO A ADEMAR VIDAL(1) José Octávio de Arruda Mello (*)

Sumário: 1.0. Introdução. 1.1. O suporte de Fernando de Azevedo. 1.2. Um roteiro para a cultura brasileira. 1.3. A transição dos anos vinte. 1.4. Era Nova e Presença invisível.1.5. Da ideologia do Cancioneiro. 1.6. Manuel Diégues e o aprofundamento do Cancioneiro. 1.7. História social e sociologia do folclore. 1.8. Uma projeção rodrigueana: Ademar Vidal. 1.9. Contribuição frutífera. 1.10. Do cordel à nova cultura. 1.0. Introdução. Sempre que me disponho a estudo mais consistente, apoio-me em um ou dois livros de significação, como roteiro para o tema abordado. Agora mesmo, às voltas com monografia sobre o Auto Esporte Clube, de João Pessoa, recorro à muleta de Mário Filho e Mary del Priore. O primeiro por situar racismo e sociedade no esplêndido O Negro no Futebol Brasileiro (1964) e a profª. Del Priore pela maestria com que desenvolve a história do cotidiano e das mentalidades. 1.1. O suporte de Fernando de Azevedo – Assim, quando o jurista José Fernandes de Andrade, do CEJUS, designou-me para abordar Rodrigues de Carvalho, à luz do binômio Folclore/História Social, em bem montado seminário, lembrei-me, instintivamente, do estudo que roteiriza o folclore e a realidade cultural brasileira. Trata-se de A Cultura Brasileira – Introdução ao Estudo da Cultura no Brasil (1944), de Fernando de Azevedo, sobre o qual encomiasticamente se pronunciou Nelson Werneck Sodré. Este, ao lado de O que se deve ler para conhecer o Brasil (7ª ed., 1988), também anotamos para monitoramento de nossas concepções:

“Fernando de Azevedo – afiança Sodré – descreve a evolução da cultura brasileira, num dos trabalhos mais importantes que o Brasil conhece e naquela evolução não omite ângulo algum, ocupando-se das artes, das ciências, do ensino, de tudo aquilo que condicionou ou influiu no desenvolvimento cultural (...) A Cultura Brasileira está entre os livros de leitura obrigatória a todo aquele que deseje conhecer o nosso País”. 1 O imenso educador paulista não se tornou estranho à cultura universitária paraibana. Os professores José Rafael de Menezes e Pedro Nicodemos a ele recorreram, no período 1950/70, sendo que o segundo, mais que a Gilberto Freyre, dele extraiu o que marcou nossa cultura, ou seja, a dicotomia entre a concepção livresca, datada da ratiostudiorum dos jesuítas, e os que, concretamente, se ocuparam de nossa realidade.2 Como, porém, observa a profª. Linalda de Arruda Mello, aluna de ambos, a utilização de Azevedo por aqueles dois mestres verificou-se a nível de Educação, tendo em vista as disciplinas por eles ministradas – Didática Geral e Fundamentos Sociológicos da Educação.3 Isso explica, como, também responsável pela cadeira de Sociologia da Educação, no antigo Instituto de Educação, o professor e futuro governador Tarcísio Burity, considerasse A Cultura Brasileira uma das obras básicas de sua formação.4 1.2. Um roteiro para a cultura brasileira – No que tange a Rodrigues de Carvalho, nossa abordagem difere um pouco de Menezes, Nicodemos e Burity.

Para nós, e a partir do estudo com que recobriu o censo de 1940, o que interessa em F. A. é sua visão histórico-sociológica, ou seja, entendimento mais cultural que pedagógico. Este, aliás, em sintonia com o culturalismo germânico, então emergente, aparece em A Cultura Brasileira onde, para o autor, essa significa “a eclosão de um espírito crítico e criador que, fazendo-nos perder a atitude de superstição perante os textos, nos convida a saltar fora da cultura livresca para o mundo real e nos impele ao estudo de nós mesmos e de nossos problemas e à investigação da realidade em todos os domínios”.5 Ora, é exatamente dentro dessa linha que se deve entender a folclorologia de Rodrigues de Carvalho. Refratária ao artificialismo alienante e bovarista, ela representa incursão “pelo mundo real (...) e a investigação de todos os domínios”. Nesse particular, o culturalismo desenvolvido por Rodrigues de Carvalho associa-se com o que é próprio do sociólogo paulista, ou seja, valorização do idioma tupi em nossa formação onde jesuítas como Anchieta compilaram a língua geral, utilizada por mamelucos como Jorge Velho. Base religiosa de nossa cultura. Primazia do bacharel – mas não do bacharelismo – sendo Rodrigues de Carvalho um deles. Reabilitação de Dom João VI, em razão das instituições culturais de que dotou o Brasil.6 E ainda lendas e tradições recolhidas por autores como o primeiro Afonso Arinos em Pelo Sertão (1898). Ensino da História animada por Capistrano de Abreu, no Colégio Pedro II, ampliando as colocações de

*Exposição procedida a 16 de junho de 2017, no CEJUS, durante Seminário sobre Rodrigues de Carvalho, coordenado pelo jurista José Fernandes de Andrade. 1 SODRÉ, Nelson Werneck. O que se deve ler para conhecer o Brasil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1988, p. 314. 2 Essa questão, sempre ressaltada por Nicodemos, representa constante em AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira, 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944, p. 168. A fonte mais remota da concepção referente à contradição entre o país real e o país legal, data de Oliveira Vianna em O Idealismo da Constituição (1ª ed., 1920), passim. 3 Entrevista com a profªLinalda de Arruda Mello, João Pessoa: Janeiro de 2017. 4 O então Secretário de Educação e Cultura Tarcísio Burity (1976/8) habitualmente citava Azevedo, em seus pronunciamentos, o que motivou a referência do texto. Recentemente, em conversa de fevereiro de 2017, a viúva Glauce Burity confirmou o entendimento. 5 AZEVEDO, Fernando de, in op cit. p. 170. 6 Idem, p. 125, 128 e segs, 161/157/164 e 182.

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Martius e Southey. Grandeza do conhecimento de José Bonifácio em mineralogia, e nacionalismo cultural do (re)descobridor do Brasil como ponte entre Rodrigues de Carvalho e Fernando de Azevedo – Mário de Andrade!7 1.3. A transição dos anos vinte – Dentro desse quadro, ressalte-se que as principais obras folclóricas de Rodrigues de Carvalho – Cancioneiro do Norte e Aspectos da Influência Africana na Formação Social do Brasil, respectivamente de 1903 e 34, situam-se em torno da década de vinte que, não apenas pela Semana de Arte Moderna de 1922, ficou como símbolo de nossas transformações culturais. Antecessora da Revolução de 30, como eco do pós-guerra 1914/19, que, devido à emersão de consciência crítica animada pela industrialização, projetou as obras de Euclides da Cunha e Alberto Tôrres, coletânea À Margem da História da República (1924), organizada por Licínio Cardoso, além de discutido Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre, em 1926, o período expressou, na Paraíba, a revista Era Nova (1921/26), francamente sintonizada com as colocações de Rodrigues de Carvalho que nela publicou pelo menos um estudo. Não por acaso, a década de vinte tem muito a ver com o folclorista que nele situou a edição aumentada e definitiva de seu Cancioneiro. Se este é de 1903, sua feição mais aprimorada sobrevem com a segunda edição de 1928. Essa é a que ficou, fomentando as terceira e quarta edições, de 1967 e 95. Esta última, de iniciativa dos professores Iveraldo Lucena e Oswaldo Meira Trigueiro, para integrar a prestigiosa “Biblioteca Paraibana” do Conselho Estadual de Cultura. Consoante Fernando de Azevedo, os anos vinte constituíram época em que as elites do país se transformaram “de portadoras de cultura em ‘criadoras’ de uma cultura nacional integrada no espírito de uma civilização”.8 1.4. Era Nova e uma presença invisível – Apesar de suas concessões ao tradicionalismo de Epitácio Pessoa e Rui Barbosa – ícones do período – o magazine Era Nova tornou-se capaz de avanços conceptuais, no ecologismo de Lauro Montenegro,

e valorização de autores como Afrânio Peixoto, Gustavo Barroso, Raul Pompéia, Rubem Dario, João do Rio, Mário Sette, Jorge de Lima e compositor cearense Alberto Nepomuceno, pai do nacionalismo musical brasileiro, como precursor de Heitor Villa Lobos. Entre os paraibanos para os quais abria espaço, alguns são claramente renovadores como Coriolano de Medeiros, Ademar Vidal, Celso Mariz e, principalmente, Alcides Bezerra, com “o Nacionalismo na Arte e na Linguagem”, Manoel Feliciano em “Os Nossos Costumes” e Pinto Pessoa, mediante o livro em preparo Lendas sobre a Amazônia. Presença constante em Era Nova é o do grande amigo de Rodrigues de Carvalho, poeta Américo Falcão, de quem algumas produções expressam teor folclórico e regionalista: “Missa de Festa”, “Flor do Samba”, “A Quadrilha” e “Queima da Lapinha”.9 Em 1922, o Centenário da Independência avivou a inclinação nacional-regionalista de Era Nova. A própria Igreja, com o monsenhor Pedro Anísio versando “A Escola e o Nacionalismo”, acolhia essa tendência. Enquanto Arrojado Lisboa, Horácio de Almeida, José Veríssimo, Álvaro Moreira, Elpídio de Almeida, Olívio Montenegro e Eudésia Vieira avultavam entre os colaboradores, José Américo publicava o miniensaio “A Invasão do Coco”. Com o instigante “Caapora - Lenda Sertaneja” o então jovem Flóscolo da Nóbrega não o deixava por menos.10 Tal como no grande livro de Fernando de Azevedo, Rodrigues de Carvalho quase não se fez presente a Era Nova. Onde ele aparece é em O que se deve Ler para Conhecer o Brasil. Neste, Werneck Sodré o situa como epígono do folclorismo tupiniquim, ao lado de estrangeiros como Saint-Hilaire e Debret, além de especialistas do naipe de Barbosa Rodrigues, Pereira Coruja, Amadeu Amaral, e especialmente, Câmara Cascudo, receptivo à contribuição do paraibano.11 Diante de tudo isso é que nos atrevemos a situar Rodrigues de Carvalho como relevante presença invisível da folclorologia brasileira nas três primeiras décadas do século passado porque, praticamente, todos o conheciam. Quem não o citava, nele se inspirava.

1.5. Da Ideologia do Cancioneiro – Para o encerramento desta comunicação, resta apreciarmos a obra folclórica de Rodrigues de Carvalho, em si, bem como sua repercussão. Esta bem maior que aquela. Sua produção central é o Cancioneiro do Norte que contou com favorável destino. Editado em 1903, quando os estudos folclóricos ainda não eram devidamente considerados, foi reeditado pelo autor em 1928, acrescido de opulento prefácio de setenta e duas páginas!... Esse contém a ideologia do Cancioneiro que ressalta “a poesia popular da espontânea inspiração indígena em contato com a influência religiosa”. Valorização do boi cuja folgança popular do bumba-meu-boi muda de um Estado brasileiro para outro. Pastoris como misto de festa profana e religiosa, impregnados do saudosismo da queima das lapinhas pelo Dia de Reis. Ritmo próprio de todas nossas cantigas. Valioso manancial da literatura infantil herdada de Portugal: “Boi/ Boi/Boi/Boi da cara preta/Vem comer este menino/Que tem medo de careta”. E ainda inflexões do Judas associado ao Serra Velho. Cirandas e cocos, com este “mais acentuado nas praias. Em Alagoas e na Paraíba já moças de boa sociedade o aceitam, ora ao luar, ora no salão, ao piano”. Força dos cantadores que na Praieira de 1848 versejavam contra os portugueses. Dichote dos papagaios e as então mais recentes cantigas provenientes das secas e do cangaço com estas últimas particularmente inspiradas no cangaceiro Cabeleira, também tematizado pelo romancista cearense Rodolfo Teófilo.12 1.6. Manoel Diégues e o aprofundamento do Cancioneiro – As colocações de Rodrigues de Carvalho sobre seu Cancioneiro complementam-se com as observações do folclorista alagoano Manoel Diégues Júnior, responsável pela “Louvação ao Cancioneiro do Norte”, elaborado para a terceira edição, de iniciativa do INL, em 1967, nas comemorações centenárias do autor. Seu colega no Congresso Afro-Brasileiro de 1934, no Recife, quando R. C. já contava com 67 anos, o que não o impedia de, como Presidente da Comissão de Folclore, comparecer a todas as reuniões do concla-

FERREIRA, Rougle. “Aprendiz de Turista: Viagem de Mário de Andrade à Parahyba”, in Jornal Casa do Patrimônio da Paraíba, edição 5, IPHAN, 2016, p. 12. Do ponto de vista de nossa abordagem, o que mais interessa é o estudo de Ademar VIDAL, “Mário de Andrade e o Nordeste”, constante da Revista do Livro (INL/MEC 1956) nº 1, contendo a correspondência da visita de Mário de Andrade à Paraíba. AZEVEDO, Fernando in op. cit., p. 167. 9 Nossa Pesquisa da revista Era Nova, realizada na hemeroteca do IHGP, abrangeu o período 1921/2 numa das quais despontaram os poemas de Américo Falcão. Este foi objeto de estudo da Historiadora Marta Falcão que enfatizou as ligações Falcão-Rodrigues, e documentário cinematográfico do cineasta Alex Santos. 10 Revista Era Nova, alusiva à Independência do Brasil, em 1922. A publicação permanecia impressa no jornal A União. 11 SODRÉ, Nelson Werneck, in op. cit., p. 290. 12 CARVALHO, Rodrigues de. “Prefácio à 2ª edição” (a publicação grafou equivocadamente 1ª in Cancioneiro do Norte, 4ª ed. J. Pessoa: CEC/SEC, 1995, p. 44/79. 7

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ve, Diégues, secretário da Comissão, dele se aproximou para amizade rápida e intensa.13 Tal se tornou fundamental para que o alagoano percebesse, no patriarca da Paraíba, o que se tornou fundamental no Cancioneiro, ou seja, não apenas os folguedos tradicionais, “mas ainda literatura infantil, danças dramáticas como os caboclinhos, manifestações do carnaval de rua, serração da velha, festa do mês de maio e gêneros de cantoria como embolada, martelo e carretilha”. Em três principais linhas de formação dos motivos folclóricos, cantadores populares e manifestações folclóricas nordestinas, Diégues dimensionou a obra de Rodrigues de Carvalho. Tal lhe permitiu, aprofundando as intuições de Silvio Romero e João Ribeiro, caracterizar as produções folclóricas por zonas géo-históricas e não por etnias, como verdadeiro ovo de Colombo de Rodrigues de Carvalho. Realçar o perfil antropológico do velho cantador – “Quase sempre desocupado, sem profissão clássica entre as classes laboriosas, boêmio por índole, valentão e desordeiro, seduzindo mulheres, dominando a canalha”. Evocar os velhos cocos afro-negros, como “mineiro pau-mineiro-ô”. E, enfim, situar as transformações do folclore à luz das modificações ditadas pelo dinamismo dos valores culturais.14 1.7. História Social e Sociologia do Folclore – Outra ligação de Manoel Diégues com Rodrigues de Carvalho consistiu, como visto, na presença de ambos no gilberteano Congresso Afro-Negro, de 1934, no Recife. Neste, Carvalho aprontou o insight Aspectos da Influência Africana na Formação Social do Brasil, reeditado pela Editora da UFPB, sob a direção do professor Arael Costa, ao ensejo do centenário do autor, em 1967. Embora de natureza mais histórica e sociológica, Aspectos da Influência Africana não escapa a certa angulação folclórica. Tal se verifica quando, apartando-se da amena escravidão de Gilberto Freyre, inflete pela aguda violência e carências alimentares daquele regime de trabalho para demonstrar que, dentro dele, os negros dispunham de apenas um lenitivo. Tal ocorria quando “nas noites de domingo, ao luar, faziam as suas

danças, os cocos, os maracatus, os cambindas”.15 Apesar dos conceitos racistas da época como “raças selvagens” e “raças inferiores”, o estudo de Rodrigues de Carvalho tornou-se seminal. Dele se valeu José Octávio para, em A Escravidão na Paraíba – Historiografia e História (1988), expressar o forte preconceito anti-negro da sociedade brasileira: “(...) O branco come na sala/Caboclo no corredor/O mulato na cozinha,/E o negro no cagadô, O branco bebe champanhe/Caboclo vinho do Porto/Mulato bebe aguardente/E negro mijo de porco, Dorme o branco na camarinha/O caboclo no terreiro/Mulato atrás na cozinha:/Negro embaixo do poleiro”.16 1.8. Uma projeção rodrigueana: Ademar Vidal – Do Congresso Afro-Brasileiro de 1934, no Recife, participou, apresentando estudo, outro paraibano de nomeada. Foi ele o historiador e, igualmente, folclorista, Ademar Vidal cujo sólido “Três Séculos de Escravidão na Paraíba” viu-se incorporado a uma das coletâneas do Seminário Estudos Afro-Brasileiros.17 Pertencente ao cenáculo do sociólogo-antropólogo Gilberto Freyre, em razão do que contribuíra, com Coriolano de Medeiros em 1925, para o consagrado Livro do Nordeste, organizado por Freyre, no centenário do Diário de Pernambuco, 18 Vidal revelou-se um dos paraibanos mais tocados pelo binômio Rodrigues de Carvalho-Gilberto Freyre. Tal a feição do originalíssimo Lendas e Superstições que, preparado em 1940, viu-se editado nove anos depois.19 Resultante de pesquisas de campo e informações transmitidas, por, entre outros, o irmão Francisco Vidal Filho e o futuro acadêmico Valdemar Duarte, Lendas e Superstições enseja a reconstituição de capital paraibana ainda povoada de matas e feiras livres distribuídas pelo centro da cidade. Do ponto de vista folclórico, o dr. Ademar ocupa-se de mitos bastante conhecidos – Bicho Papão, Papa-figo, Cavalo Marinho, Gata borralheira, Boi Tungão, Mãe D’Água, Mãe da Lua, Alma Penada, Cavalo do Cão,

Lobisomem, Mãe do Ouro, Feiticeiro e Serra do Doido – figurando outros, como produto de suas observações. Em Ademar Vidal, a influência metodológica rodrigueana torna-se manifesta, a começar pela circunstância de que, em seu estudo, o arrolamento das criações populares processa-se por áreas géo-históricas de Litoral, Várzea e Brejo, e Sertão. 1.9. Contribuição frutífera – Tal significa que, como temos sustentado, a contribuição folclórica de Rodrigues de Carvalho prolongou-se pelo tempo afora. Um dos autores a ele filiados é José Vieira cujo Vida e Aventura de Pedro Malazarte (1944, 80) encontra-se diretamente inspirado na folclorologia rodrigueana retomada por Ademar Vidal. A primeira edição daquela construção, da lavra da José Olympio, é dedicada a Rodrigues de Carvalho que, segundo Eduardo Martins, recomendou a Vieira que estudasse Direito em Fortaleza.20 Na perspectiva do tempo, os folcloristas paraibanos Coriolano de Medeiros, com suas rodas de coco, na praia do Poço, Walfredo Rodrigues, Leon Clerot, Ariano Suassuna, Átila Almeida, Altimar Pimentel, Oswaldo Meira Trigueiro, Bráulio Nascimento e Dalvanira Gadelha não ocultaram dívidas para com Rodrigues de Carvalho. A contribuição deste não teve dificuldade em penetrar na Universidade, fosse através dos levantamentos de Hugo Moura para o qual o folclore paraibano apoia-se nos três ciclos, de carnaval, São João e Natal, ou mediante as colocações de Luiz Nunes, Dorgival Terceiro Neto e BalduinoLélis, vinculados a conhecidos centros de cultura popular como a Serra de Teixeira e Taperoá. 1.10. Do Cordel à Nova Cultura – Os estudos folclóricos de cunho acadêmico significaram a entronização do cordel como outra vertente da contribuição de Rodrigues de Carvalho. Nesses termos, enquanto especialistas como Augusto Moraes, José Nilton da Silva e o Casal Marcos/Inês Ayala voltaram-se para as formas mais convencionais de estudos folclóricos, o cordel adquiriu generosos espaços na contribuição de Idelette Muzart,

Diégues Júnior, Manoel. “Louvação ao Cancioneiro do Norte” in CARVALHO, Rodrigues. Cancioneiro do Norte, 4ª ed., cit. p. 7/11. Ibidem, p. 12/22. 15 CARVALHO, Rodrigues de. Aspectos da Influência na Formação Social do Brasil. J. Pessoa: Imprensa Universitária da Paraíba, 1967, p. 48. 16 OCTAVIO, José. A Escravidão na Paraíba – Historiografia e História – Preconceitos e Racismo Numa Produção Cultural. J. Pessoa: A União, 1988, p. 81/2. 17 VIDAL, Ademar. “Três séculos de Escravidão na Paraíba” in MELLO, José Antônio Gonsalves de. (apresentação “Estudos Afro-Brasileiros. Recife: Editora Massangana, 1988, p. 105/52. 18 ___________. “Um Século de Vida Parahybana (1825-1925)” in FREYRE, Gilberto (org. e pref.) Livro do Nordeste, 2ª ed. Recife: Arquivo Público Estadual, 1979, p. 140/1. O estudo de Coriolano de Medeiros intitula-se “O movimento da abolição no Nordeste”. 19 __________. Lendas e Superstições. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1949. 20 MARTINS, Eduardo. “Notícia Bibliográfica de José Vieira” in Vida e Aventura de Pedro Malasarte, 2 ed. J. Pessoa: DGC/SEC, 1980, p. 5 e IX. 13 14

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Neuma Fechine, Manoel Monteiro e Marco de Aurélio. Com isso não foi só a cultura, mas a própria Paraíba que mudou. Nesta, rara é a cidade que não dispõe de especialista em folclore, como titulação válida para Rosil Cavalcanti, Agnelo Amorim e Rômulo C. Nóbrega em Campina Grande, Romildo José de Sousa e Damião Lucena em Patos e, sobretudo, o admirável Luiz Barbosa, mais conhecido como Luizinho de Pombal, nessa

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cidade sertaneja. Outra variante consistiu em associar o folclore à cultura, em que se notabilizaram Aécio Aquino, Dora Borba e, acima de todos, Alex Santos e Orlando Tejo. Enquanto Alex, associado a Valdemar Duarte, organizou a parafolclórica coletânea Walfredo Rodrigues e a Cultura Paraibana (1989), Orlando Tejo cunhou um dos mais altos momentos da cultura popular nordestina, com Zé Limeira, poeta do Absurdo (1973).2221

Esse livro, cujas edições se multiplicam, tem gerado excelentes programas da TV Senado ilustrados pelos irmãos cantadores Dimas, Lourival e Otacílio Batista, além de Oliveira de Panelas. Por aí se vê que o folclore representa positiva dimensão da nova cultura paraibana. Isso significa que, clara ou oculta, a mensagem de Rodrigues de Carvalho, amplificada por valiosos continuadores, frutificou, para reverberar através dos tempos. g


POESIA CINCO POEMAS DE D. FERNANDO GOMES

Não pecar contra a luz

Paz Interior

Estou cansado de esperar A Reforma que não vem... - É que ela está vindo Sem se anunciar. Parece até que nem anda o que está caminhando. - Reformar é discernir o que é mutável do que não pode mudar. O dia que vai surgir, a noite que vai chegar quem poderá impedir? - Reformar é libertar-se e libertar da miséria, da fome, da opressão mas sobretudo do egoísmo que leva a pessoa a se aniquilar. E assumir com decisão o que a Vida conduz. É deixar a noite ser noite, sem temer a escuridão. É deixar o dia ser dia, sem pecar contra a luz!

O mundo é triste quando se está triste, Alegre, quando a gente está feliz. O problema, portanto, só existe Dentro, “no coração”, como se diz.

A seus espinhos perguntou a flor Porque estavam ali em redor dela. - Responderam que estavam por amor Só para vê-la e pra ficar com ela.

Vozes do sino

A delicada flor, mimosa e bela, Deixou que se exalasse o seu odor. Num gesto carinhoso, muito dela, A todos aqueceu com seu calor.

As vozes do sino São gritos de bronze Pedindo silêncio. São pancadas de ferro Batendo nas almas Com açoites de fé.

Aquela flor ensina a muita gente Tornar melhor a vida e mais amena, Seus espinhos beijando, complacente!

Venturoso quem guarda na lembrança Os encontros felizes do caminho, Que alimentam a chama da esperança. Esperar é ungir com muito amor A ferida agudíssima do espinho Que nos perturba a paz interior.

Libertação Quem desconhece as fontes da bondade E as riquezas do humano coração Não percebe a grandeza da amizade E, por vezes, ofende o próprio irmão.

Lição da Flor

Os espinhos parecem agressivos. Para quem viu, porém, aquela cena, Bem ao contrário, são contemplativos...

Afortunado aquele que resiste A tentação de ser um infeliz, Pois a tranquilidade inda consiste Na vitória de quem não se maldiz.

As vozes do sino Acordam, convidam... São vozes eternas Que ficam zunindo, Chamando o infinito Sem nada dizer.

No mundo existe, assim, certa maldade: Agentes que se dizem “de exceção”, Usando as armas da arbitrariedade, Implantam o regime da opressão! Mas Deus libertador falou assim: “A Esperança jamais enganará, Bem depressa o perverso terá fim”. Vamos unidos – vem, ó meu irmão! Fazer o mundo novo que trará Justiça-Paz, Amor-Libertação!

As vozes do sino Penetram os espaços Do mundo das almas... E ficam lá dentro Fazendo silêncio Para uni-las a Deus. Maio/Junho/2017 |

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HIDROLOGIA DO SEMIÁRIDO PARAIBANO REFLEXÕES SOBRE OS RECURSOS HIDRICOS PARTICULARMENTE DO ESTADO DA PARAIBA Joaquim Osterne Carneiro

1. Considerações iniciais.

Preliminarmente, faz-se necessário informar que a quantidade de Água livre na terra atinge 1370 milhões Km3, correspondente a uma camada imaginaria de 2.700m de espessura sobre toda a superfície terrestre, ou seja, 510 milhões de Km2. Concomitantemente, representa uma profundidade de 3.700 m se levarmos em conta as superfícies dos mares e oceanos que, somados, contemplam 274 milhões de Km2 . No entanto, 97,2 % da água existente é salgada, 2,1 % é representada pela água presente na neve e 0,001% constitui o vapor atmosférico. Assim, apenas 0,6 % correspondem a 8,2 Km3. Dos 8,2 Km3 d`água, somente 1,2 % se apresentam sob a forma de rios e lagos e os 98,8% restantes são constituídos por água subterrânea.

2. Vale assinalar que, 50% da água subterrânea está situada a uma profundidade abaixo de 800m dificultando sua utilização. Nesse sentido, o total de água doce utilizável nos rios e nos lagos é da ordem de 98.400 Km3, enquanto 4.050.800 Km3 correspondem a água subterrânea. Merece ser mencionado que água doce é um bem permanente imutável, mesmo levando em conta as impurezas nas distintas maneiras como se apresentam. De outra parte, a renovação da água doce ocorre em face do permanente movimento continuo em transformação de um estado para o outro, denominado Ciclo Hidrológico, que de acordo com trabalho de nossa autoria (CARNEIRO (1998) “Constitui um modelo de vida terrestre. O vapor d`água ao se condensar nas nuvens, dá lugar as precipitações liquidas e solidas. Ao mesmo tempo, o vapor d`água pode condensar-se diretamente sobre a superfície da terra, ainda que, a importância desse fenômeno resulta o mínimo, frente às precipitações. Ao chegar ao solo parte da água escoa pela

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rede hidrográfica, formando o “run off”, até chegar as acumulações de águas livres como os lagos, mares e oceanos. O escoamento depende da topografia, da cobertura do solo, da sua umidade e da intensidade da chuva, situando-se entre dez e vinte por cento da precipitação. Outra parte da água precipitada se infiltra e passa a alimentar o volume das águas subterrâneas, as quais cumprem duplo papel, ou seja: formar depósitos de reservas de água e alimentar as águas superficiais. Pela ação térmica das radiações solares diretas e secundárias, a água volta a evaporar-se na própria atmosfera, desde a superfície do solo e das águas livres, ou através da transpiração das plantas. O conjunto de todos esses processos recebe o nome de evapotranspiração, através do qual se reinicia o ciclo hidrológico”. No tocante ao Nordeste brasileiro, sua hidrologia está relacionada com o regime pluviométrico extremamente irregular, agravado pela baixa permeabilidade dos terrenos cristalinos existente na Região. Chuvas violentas acontecem com frequência e os rios são, em sua maioria, intermitentes. Em média, o numero de meses sem escoamento eleva-se a 6, 7, com um máximo de 11 e um mínimo de 4 meses, conforme trabalho do então MINTER (1973). A pluviosidade. embora relativamente alta, apresenta uma distribuição das mais perversas. Para se ter uma ideia das relações entre o total médio anual de pluviosidade e as respectivas áreas de precipitação, convém fazer uma analise do quadro a seguir: TOTAL MÉDIO MM MENOS DE 400 400-800 800-1200 1200 -1600 MAIS DE 1600

ÁRE-KM2 54.382 661.325 501.092 274.823 149.547

ÁREA % 4 40 31 16 9

Isto indica que, 44% da área do território nordestino recebe uma precipitação media inferior a 800mm/ano, 47% tem precipitação entre 800 e 1600 mm e somente 9% recebe mais de 1600 mm/ano. Ao mesmo tempo, fica igualmente evidenciado que 56% da área total nordestina recebem quantitativos médios de chuva superiores a 800mm/ano, “Suficientes para sustentar uma agricultura permanente e estável, não fora a irregularidade das precipitações, no dizer de SOUZA (1979) Com relação ao escoamento superficial, este se caracteriza por um rendimento especifico médio de 3 Litros/seg/ Km2.. Em um trabalho elaborado para o DNOCS, ALVAR GONZALES (1981) calculou que o volume global anual de escoamento superficial do Nordeste é da ordem de 98,4 bilhões de metros cúbicos de água por ano. Quanto à ocorrência de água subterrânea depende das condições geológicas e climáticas. Nessas condições, no cristalino que ocupa uma área de 720.000 Km2, a acumulação de água esta restrita as zonas fraturadas. O antigo MINTER- Ministério do Interior (1973) estimou que o potencial de água explorável situa-se entre 50 a 250 milhões de metros cúbicos ao ano. Nas áreas sedimentares, o volume total de recursos hídricos exploráveis são estimados em 17 bilhões de metros cúbicos ano e as águas são bem melhores do que as encontradas no cristalino (águas mineralizadas com resíduo seco médio da ordem de 4000 mg/l). No que tange às condições climáticas, a pluviosidade e a evaporação são fundamentais na caracterização da Região, já que determinam um balanço hídrico altamente deficitário (evaporação de 2000 mm/ano e precipitação de 400 a 800 mm/ano) em 44 % da área total do Nordeste, ou seja, do semiárido, afora uma insolação muito forte, com media anual de 2800 h/ano.


II – Considerações sobre o Estado da Paraíba O Estado da Paraíba, com 56.372 Km2 encontra-se quase que totalmente inserido no semi –árido. Assim, 97,78% do seu território estão situados no denominado Polígono das Secas. Ao mesmo tempo, 89% da superfície estadual está localizada no cristalino, formado por rochas ígneas e metamórficas da idade pré- cambriana. Trata-se, realmente de um Estado extremamente carente em termos de recursos hídricos e a precipitação média anual no semiárido paraibano é da ordem de 700 mm/ano, que representa 0,7 metros cúbicos d’água por metro quadrado, ou sete mil metros cúbicos por hectare, ou ainda, 700 mil metros cúbicos por quilômetro quadrado. Convém assinalar, entretanto, que os problemas não decorrem exclusivamente da quantidade média de chuvas, mas, provém a exemplo do que acontece no semiárido nordestino como um todo, da irregularidade e da má distribuição espacial das precipitações ao longo do tempo, bem como, da ação do sol que consegue evaporar 2000 milímetros anuais, ou 2,0 metros de altura da água armazenada nos nossos reservatórios. De outra parte, o balanço hídrico é representado pela seguinte expressão: PRECIPITAÇÃO = EVAPOTRANSPIRAÇÃO + ESCOAMENTO + INFILTRAÇÃO. Nesse sentido, torna-se imprescindível, a implementação de uma política de açudagem, que contemple a construção de represas capazes de conter as enchentes e guardar a água dos anos invernosos, para acudir sua falta nos períodos de estiagem. II.I. – Recursos Hídricos Superficiais. Como foi dito anteriormente, 97,78% da superfície do Estado da Paraíba acha-se localizada no Polígono das Secas. Nessa área, que totaliza 55.119 km², a precipitação média anual é da ordem de 700 milímetros. Nessas circunstâncias, caem em média por ano nessa zona 38.583 x 109 (trinta e oito bilhões quinhentos e oitenta e três milhões) de metros cúbicos de água. Entretanto, quase a metade dessa água se evapora sem qualquer utilidade. A parte que se infiltra no solo, recarrega os aquíferos, alimenta as plantas durante o inverno e também acaba por se evaporar, através da evapotranspiração. A água que forma o escoamento, ou seja, o “run off”, representa algo em torno de 15% da precipitação média anual, estimada em 700 mm e corresponde a 5,787 x 109 (cinco bilhões setecentos e oitenta e sete

milhões) de metros cúbicos. Portanto, esse é o volume d’água que anualmente poderá vir a ser retido em reservatórios no semiárido do Estado da Paraíba. Vale acrescentar que, por falta de condições topográficas, nem toda água escoada poderá ser acumulada. II.II – Recursos Hídricos Subterrâneos. Quanto aos recursos hídricos subterrâneos, a sua ocorrência está na dependência das condições climáticas e geológicas aqui prevalecentes. Dentro dessa ordem de ideias, não há condição no Estado para formação de grandes mananciais, em função das condições climáticas adversas traduzidas por um balanço hídrico deficitário, aliado a pouca profundidade dos solos, cobertura vegetal constituída por espécies caducifólias, com marcantes presenças de plantas xerófilas e formações rochosas pouco permeáveis. Vale ressaltar que, na faixa litorânea o clima é relativamente úmido, as precipitações pluviais são mais elevadas, verificando-se um excedente hídrico anual, os solos são mais permeáveis e a geologia oferece condições favoráveis à acumulação de água subterrânea. Na porção do Estado inserida no semiárido, as formações geológicas favoráveis à acumulação de recursos hídricos subterrâneos, estão representadas pela Bacia Sedimentar Do Rio Do Peixe, pelos Arenitos da Formação Serra dos Martins e pelos Depósitos Aluviais situados ao longo dos vales, dos rios e dos riachos. A hidrogeologia do Estado da Paraíba é melhor compreendida, quando são considerados os sistemas de aquíferos existentes, que são formações geológicas constituídas de material permeável que contém água subterrânea. Na Paraíba ocorrem os seguintes sistemas de aqüíferos: Sistema Cristalino e Sistemas Aqüíferos Sedimentares. O Sistema Cristalino ocupa a maior parte da superfície do Estado. Este sistema não participa do potencial hídrico subterrâneo e só se comporta como aqüífero, nas fraturas e fendas encontradas nas rochas. As condições de carga hidráulica do cristalino, nos níveis d’água situados sempre abaixo da cota do substrato rochoso, praticamente inviabilizam a sua conexão com o sistema hidrográfico e conseqüentemente, a vazão de base da rede hidrográfica sobre ele existente. Os Sistemas Aqüíferos Sedimentares são representados pelo Sistema Do Rio do Peixe, Sistema Serra dos Martins, Sistema Aluvial, Sistema Pernambuco-Paraíba e Sistema Eluvial-Coluvial.

De conformidade com trabalho elaborado pela ATECEL (1994) para o Governo do Estado da Paraíba, os potenciais hídricos resultam do somatório de suas participações nas distintas bacias hidrográficas e apresentam os seguintes resultados: Sistema do Rio do Peixe

9.600.000m3/ano

Sistema Serra do Martins

3.500.000m3/ano

Sistema Aluvial

90.890.000m3/ano

Sistema Paraíba-Pernambuco

628.480.000m3/ano

No tocante ao Sistema Eluvial-Coluvial, na situação atual do conhecimento, o seu potencial não tem condição de ser quantificado como unidade hidrogeologia, fazendo parte, no entanto, do potencial do Sistema Aluvial, conforme trabalho anteriormente aludido elaborado pela ATECEL (1994), para o Governo do Estado da Paraíba. III - Gestão dos Recursos Hídricos A exploração e o aproveitamento dos Recursos Hídricos pressupõem o uso múltiplo e racional da água – água para abastecimento humano e dessedentação de rebanhos, água para irrigação, água para produção de pescado, água para geração de energia, etc – determinando que sejam envidados esforços, voltados para a implementação de uma política estadual de gerenciamento ou gestão desses recursos, mesmo porque, a economia do Estado, a exemplo do que acontece a nível regional, é vulnerável ao impacto causado pelas secas ou cheias que periodicamente assolam o Nordeste. O referido gerenciamento deverá ser suficientemente abrangente, para detectar semelhanças ou analogias de comportamentos hidrológicos similares. Ao mesmo tempo deverá também, ser detalhado em bacias e sub-bacias hidrográficas, de modo a poder identificar as peculiaridades locais, os desperdícios devidos ao uso, os conflitos entre usuários e os efeitos benéficos ou nocivos causados por obras e projetos diversos implantados. É importante salientar que a unidade de gestão ideal para o planejamento e o controle dos recursos hídricos é a Bacia Hidrográfica, que nem sempre coincide com a divisão política territorial. Assim, na região do sertão paraibano, nos divisores de água que correspondem aos limites geográficos dos Estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará, estão as nascentes do rio Piranhas, que forma um sistema hidrográfico constituído pelas do Rio do Peixe, Alto Piranhas, Piancó, Médio Piranhas, Espinharas e Seridó. Maio/Junho/2017 |

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O sistema do rio Piranhas é um dos mais importantes do Polígono das Secas, drenando uma área de aproximadamente 44.000 km ², sendo 25.604 km ² em território paraibano e o restante no Estado do Rio Grande do Norte, onde o rio desemboca no Oceano Atlântico com o nome de Baixo Açu. Esse sistema, conjuntamente com o sistema hidrográfico do rio Paraíba, corresponde a 82% da superfície do Estado da Paraíba. O rio Paraíba, também compreende um dos sistemas hidrográficos mais importantes do Nordeste e é formado pelas bacias do rio Taperoá, Alto Paraíba, Médio Paraíba e Baixo Paraíba. As nascentes do rio ficam na Microrregião Homogênea dos Cariris Velhos, próximas ao município de Sumé, no ponto de confluência dos rios do Meio e Sucurú, e a desembocadura no Oceano Atlântico está na altura do município de Cabedelo. Trata-se de um tipicamente estadual e a área de drenagem do sistema é de 20.893 km ². Localizadas na Microrregião Homogênea do Curimataú, encontram-se as bacias

hidrográficas dos rios Curimataú e Jacu. Esses rios nascem no Estado da Paraíba, mas desembocam no litoral leste do Rio Grande do Norte. As duas bacias juntas drenam uma área de 3.370 km ² em território paraibano. A bacia hidrográfica do rio Mamanguape, também é de grande importância para o Estado. O rio nasce na Microrregião Homogênea de Agreste da Borborema, banha as Microrregiões do Brejo, Piemonte da Borborema e Litoral Paraibano, onde deságua no município de Rio Tinto. A área de bacia hidrográfica é de 4.570 km ². Merecem referência ainda, as chamadas bacias litorâneas menores, cujos rios têm seus cursos na região costeira do Litoral e Mata. As bacias apresentam uma área total de 1.746km² e os principais rios são os seguintes: Camaratuba, Jacuipe, Gramame, Pitanga e Goiana. Como a quase todas as bacias hidrográficas do Estado da Paraíba estão localizadas

no semiárido, identificado como Região-Problema, naturalmente impõe, de maneira cada vez mais acentuada, um tipo de gestão ou gerenciamento cuidadoso, permanente, sistêmico e exercido tecnicamente. Objetivando dar andamento a essa gestão, deverão ser realizados estudos, voltados para a execução de uma política estadual, que proporcione a elaboração de planos de recursos hídricos, que serão instrumentos balizadores das ações a serem implementadas ao nível das bacias hidrográficas estaduais. Faz-se mister ressaltar que, a política estadual de recursos hídricos deverá atuar de forma integrada, através de um sistema que terá a competência de formular, implantar e acompanhar a execução das tarefas previamente estabelecidas. No contexto desse sistema, papel de destaque deverá ser conferido aos Comitês de Bacias Hidrográficas, que funcionarão como fóruns permanentes de debates da política de recursos hídricos, no âmbito das respectivas áreas de atuação, devendo levantar conflitos e sugerir o uso mais racional e múltiplo da água. g

BIBLIOGRAFIA ALVARGONZALES, Rafael. O Dessenvolvimento do Nordeste Arido-Perfil do Nordeste Arido. Volume I. Fortaleza - CE. DNOCS, 1981. ATECEL.Potencialidades Hídricas Subterrâneas do Estado da Paraiba. Relatório Conclusivo. Governo do Estado da Paraíba. Secretaria de Planejamento. Convenio FDE – 028/93 SEPLAN/ATECEL. Campina Grande, junho, 1994 CARNEIRO, Joaquim Osterne. Recursos de Solo e Água no Semi Arido Nordestino. João Pessoa, outubro, 1998. MINTER. Plano Integrado Para O Combate Preventivo Aos Efeitos Das secas No Nordeste. Serie Desenvolvimento Regional Numero I. Brasilia, abril, 1973 SOUZA, João Gonçalves. O Nordeste Brasileiro: Uma Experiencia de Desenvolvimento Regional. BNB, Fortaleza, 1979.

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FOLCLORE AS FESTAS TRADICIONAIS E OS DIFERENTES PROCESSOS DE ATUALIZAÇÃO Oswaldo Meira Trigueiro

O meu amigo Wills Leal (escritor, pesquisador das nossas festas tradicionais e membro da Academia Paraibana de Letras e da Academia Paraibana de Cinema), telefonou para mim demonstrando a sua preocupação com a “invasão” das músicas sertanejas nas nossas festas juninas, mais precisamente no “Maior São João do Mundo”, que se realiza em Campina Grande, a segunda cidade mais importante do Estado da Paraíba. E Wills, com toda razão, chamava a atenção para os debates surgidos no período das festas, contra e a favor desse gênero musical, para não se deixar que esses debates caiam no esquecimento com o final dos festejos juninos. É realmente um tema bastante polêmico, que necessita de ampla reflexão, ouvindo-se todas as partes envolvidas na organização dessas festas juninas institucionalizadas, pelos poderes municipais e empresas privadas, cujos interesses extrapolam as nossas tradições culturais. Ressalto que não comungo com a ideia de que tradição seja uma experiência patológica ligada ao passado e que rejeita toda e qualquer experiência inovadora, toda e qualquer experiência de atualização. Assim como no Brasil, em outras partes do mundo as festas religiosas do catolicismo popular também passam por importantes atualizações, como parte dos processos das dinâmicas culturais. Mas, é inegável a forte influência dos diferentes grupos empresariais e políticos nos processos de atualização dessas festas tradicionais. Aqui gostaria de distinguir tradição de antiguidade, de coisa que é velha, porque são realidades diferentes, não olhar o antigo como coisas que sempre ficaram para trás, que ficaram só na memória, até porque nem tudo que é tradicional é velho, assim como nem tudo que é moderno é novo. Portanto, as manifestações culturais tradicionais estão em constantes processos de atualização. Na realidade o que existe são processos tensos de negociações entre tradição e atualidade, entre o local e o global, que sempre conviveram nas diferentes épocas da história.

Quadrilha Junina, João Pessoa-PB

Toda e qualquer manifestação cultural tradicional traz, inevitavelmente, alguma coisa de novo na atualidade É assim que venho observando as festas populares e não seria diferente com os festejos juninos aqui no Brasil e especialmente no Nordeste onde são celebrados com maior intensidade. É quase impossível compreender e estudar as festas tradicionais fora do contexto da globalização cultural e, consequentemente, dos interesses da sociedade midiatizada, até porque as festas tradicionais estão, cada vez mais, agregando bens culturais produzidos pela mídia, pelo turismo e pelos interesses dos grupos políticos. Da mesma forma a mídia agrega bens culturais produzidos pelas sociedades tradicionais visando ao interesse dos seus negócios de compra e venda de bens culturais. E é nesses campos híbridos e tensionados que emergem as manifestações culturais tradicionais na atualidade. As festas tradicionais convivem com as

atualizações de bens culturais da sociedade tecnológica e globalizada, mas quando são apropriados e incorporados através dos processos de ressignificações operados pelos ativistas midiáticos nas redes folkcomunicacionais são, quase sempre, assentados nas experiências passadas de geração em geração e não como uma mera aceitação imposta de fora para dentro. Ou seja, através dos seus atores sociais – brincantes – as manifestações culturais tradicionais se apropriam e incorporam, através das mediações negociadas, bens culturais inovadores como partes dos processos de atualização. Um desses exemplos nas festas de São João, aqui no Nordeste, são as quadrilhas juninas que passaram e passam por significativas atualizações, mas são produzidas pelos ativistas midiáticos operadores nas redes folkcomunicacionais e por isso mesmo continuam estruturadas nas suas tradições culturais. Maio/Junho/2017 |

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Quando esses processos de atualização das manifestações culturais tradicionais são impostos por setores externos às redes de sociabilidades das comunidades fazedoras das festas, aí sim é necessário ter uma certa cautela, uma certa preocupação com esses movimentos de apropriações, que quase sempre são passageiros, estão simplesmente na moda como bola da vez e que se diluem no tempo efêmero da sociedade midiatizada. Aqui me refiro a festas tradicionais como acontecimentos identificadores dos fatos locais, como celebrações simbólicas das diversas relações sociais vivenciadas por uma comunidade, para lembrar o seu calendário comemorativo, religioso e civil. Mas, também me preocupam as invenções das festas institucionalizadas por setores externos como as recentes PPP (Parcerias Público-Privadas), criadas para organizar e promover o maior “São João do Mundo”. Portanto, as festas tradicionais, rurais, urbanas e rurbanas, sempre passaram e continuam passando por importantes atualizações, num passado remoto com a instituição da quaresma, depois com a invenção da imprensa móvel, com os grandes descobrimentos do século XVI, com a revolução industrial, só para citar alguns períodos importantes da nossa história. As nossas festas tradicionais são cada vez mais influenciadas pela globalização cultural, pelas redes midiáticas que encurtam o tempo entre as distâncias da produção e veiculação de novos bens culturais, quase sempre de sucesso transitório, assim como a música de Michel Teló “Ai Se Eu Te Pego” que foi grande sucesso em anos anteriores nas festas juninas. Mas “Asa Branca” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, gravada há mais de 70 anos, continua sendo tocada, cantada e enraizada no repertório de várias gerações. Volto a dizer que esses processos de atualizações das festas tradicionais não são exclusivos aqui no Brasil, vêm acontecendo em várias partes do mundo. Mas mesmo com todos esses aparatos tecnológicos da informação e da comunicação social não é possível eliminar os paradigmas tradicionais de comunicação, cada vez mais operados por diferentes ativistas midiáticos nas redes folkcomunicacionais. Por isso haverá sempre, de uma ou de outra forma, interpelações e resistências locais às atualizações impostas por setores externos às comunidades fazedoras das festas tradicionais não como xenofobismo, mas como processo de

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Parque do povo, em Campina Grande

aceitação, ou não, das imposições inovadores veiculadas pela mídia na atualidade. A polêmica sobre as descaraterizações das festas tradicionais sempre existiu e continuará existindo. É instigante o debate com diferentes opiniões, com as divergências sobre as tradições culturais e os processos de atualização. Dito isso chamo a atenção, principalmente, para a polêmica sobre o agora protagonismo dos cantores e cantoras da música sertaneja e o agora papel coadjuvante dos cantores e cantoras do nosso tradicional forró nos processos de atualizações das festas juninas no Nordeste, promovidas por grupos empresariais e políticos, principalmente com a PPP na organização e promoção do “Maior São João do Mundo” em Campina

Grande que são, quase sempre, descompromissados com as nossas tradições culturais e mais interessados nos negócios lucrativos das festas. Há mais de dez anos os professores Luiz Custódio e Roberto Faustino, com a sua competente equipe composta de alunos e funcionários, organizam no mês de junho em Campina Grande o seminário: “Os Festejos Juninos no Contexto da Folkcomunicação”, promovido pelo Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Aqui vai uma sugestão ou até mesmo uma provocação para eles: promover um encontro para discutir, especialmente, as mudanças nos festejos juninos com a intervenção das Parcerias Público-Privadas (PPP).


COLABORADORES

A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – 9, 11 Abelardo Jurema Filho – 5, 11 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – 12 Alceu Amoroso Lima (In Memoriam) – 15 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto (D.) – 8 Aldo Lopes Dinucci – 9 Alessandra Torres – 9 Alexandre de Luna Freire – 1 Aline Passos - 21 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – 13 Aníbal Freire (In Memoriam) - 24 Álvaro Cardoso Gomes – 5 Américo Falcão (In Memoriam) – 9 Ana Isabel Sousa Leão Andrade – 15 André Agra Gomes de Lira – 1 Andrès Von Dessauer – 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 24 Ângela Bezerra de Castro – 1, 11 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Anna Maria Lyra e César – 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – 8 Antônio Mariano de Lima – 4 Ariano Suassuna (In Memoriam) – 14 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – 13 Austregésilo de Atahyde (In Memoriam) - 23 Berilo Ramos Borba – 3 Boaz Vasconcelos Lopes – 7 Camila Frésca – 5 Carlos Alberto de Azevedo– 4, 6, 11 Carlos Alberto Jales – 2, 12, 14, 16, 23 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – 2, 5 Carlos Pessoa de Aquino – 5 Celso Furtado - 16 Chico Pereira - 16 Chico Viana – 1, 2, 4, 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 10, 13, 14, 22, 24 Ciro José Tavares – 1, 23 Cláudio José Lopes Rodrigues – 5, 6 Cláudio Pedrosa Nunes – 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – 10 Damião Ramos Cavalcanti – 1, 11 Deusdedit de Vasconcelos Leitão - 24 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – 6 Durval Ferreira – 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – 14 Eilzo Nogueira Matos – 1, 4, 7, 13 Eliane de Alcântara Teixeira - 6 Eliane Dutra Fernandes – 8, 14 Elizabeth Marinheiro – 12 Emmanoel Rocha Carvalho – 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - 1, 9 Erika Derquiane Cavalcante - 24 Ernani Sátyro (In Memoriam) –EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, EE/Epitácio Pessoa/ Maio/2015, 11, 15, 16 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 8 Evandro da Nóbrega- 2, 4, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 15, 21 Everaldo Dantas da Nóbrega – 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - 8 Fábio Franzini – 7 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - 4 Flamarion Tavares Leite – 8 Flávio Sátiro Fernandes – 1, 2, 4, 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 21, 22, 23 Flávio Tavares – 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - 2 Francisco Gil Messias – 2, 5, 14 Gerardo Rabello – 11 Giovanna Meire Polarini – 7 Glória das Neves Dutra Escarião – 2 Gonzaga Rodrigues – 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 11 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – 4, 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015 Humberto Fonseca de Lucena - 23 Humberto Melo – 16 Ida Maria Steinmuller - 24 Inês Virgínia Prado Soares - 23 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – 3

João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – 4 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – 6 Joaquim Osterne Carneiro – 2, 4, 7, 9, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14 José Américo de Almeida (In Memoriam) – 3, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 15 José Jackson Carneiro de Carvalho – 1 José Leite Guerra – 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – 16, 21 José Mário da Silva Branco – 11, 13 José Nunes – 16 José Octávio de Arruda Melo – 1, 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 9, 13, 15, 21, 24 José Romero Araújo Cardoso – 2, 3, 10, 11 José Romildo de Sousa – 16 José Sarney – 15 Josemir Camilo de Melo – 11 Josinaldo Gomes da Silva – 5, 10 Juarez Farias – 5 Juca Pontes – 7, 11 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, 7, 13, 15 Lucas Santos Jatobá – 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – 13 Luiz Fernandes da Silva- 6 Machado de Assis (In Memoriam) – 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) (In Memoriam) – 13 Marcelo Deda (In Memoriam) – 4 Márcia de Albuquerque Alves - 23 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 23 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – 1 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – 3, 10, 15 Maria José Teixeira Lopes Gomes – 5, 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Marinalva Freire da Silva – 3, 9 Mário Glauco Di Lascio – 2 Mário Tourinho – 13 Martha Mª Falcão de Carvalho e M. Santana - 22 Martinho Moreira Franco – 11 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – 4 Milton Marques Júnior – 4 Moema de Mello e Silva Soares – 3 Neide Medeiros Santos – 3, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015, 15, 23 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - 6, 15 Octávio de Sá Leitão (Sênior) (In Memoriam) - 23 Octávio de Sá Leitão Filho (In Memoriam) – 16 Oswaldo Meira Trigueiro – 2, 5, 6, 7, 9, 10, 13 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/ Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - 14 Otávio Sitônio Pinto – 7 Patrícia Sobral de Sousa - 21 Paulo Bonavides – 1, 4, 5, 9, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 12, 14, 15, 16, 22,23 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Peregrino Júnior (In Memoriam) - 22 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – 3 Raúl Gustavo Ferreyra – 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – 4 Regina Célia Gonçalves – 22 Regina Lyra - 24 Renato César Carneiro – 3,6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,7,9 Ricardo Rabinovich Berkmann – 5 Roberto Rabello – 11 Ronal de Queiroz Fernandes (In Memoriam) - 21 Rostand Medeiros – 12 Ruy de Vasconcelos Leitão – 16 Samuel Duarte (In Memoriam) – 21 Sérgio de Castro Pinto - 22 Severino Ramalho Leite – 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 13, 15, 16 Socorro de Fátima Patrício Vilar – 10 Thanya Maria Pires Brandão – 4 Tiago Eloy Zaidan – 11, 13, 21, 23 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Vicente de Carvalho – 16 Violeta Formiga (In Memoriam) - 21 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – 3, 9, 15 Wills Leal – 2, 7 EE=Edição Especial Maio/Junho/2017 |

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ATACADÃO DO CRIADOR Com. Ind. Agropecuária e Transportes Ltda. E mais: O mundo PET nas suas mãos

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