R$ 15,00
ISSN: 2357-8335
32
ALMA DO FOLCLORE Pág 15
MIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL Pág 12
UM RIO QUE SE CHAMA PARAÍBA
O POETA DE ARARUNA
PALAVRAS A NOVOS BACHARÉIS Pág 31
Pág 18
Pág 26
POESIA CINCO POEMAS DE PEREIRA DA SILVA
“Solitudes”
Valsa das Chamas
Senhor, meu Deus! não move minha pena Vós o sabeis, o impulso da vaidade. A glória deste mundo é bem pequena E não nasci para a imortalidade. Mas não sei por que nada me dissuade E, antes, tudo em meu sangue me condena A dar forma, expressão, plasticidade, Estilo a tudo quanto é dor terrena. É meu tormento. Chamam-lhe poesia, Arte do verso. Chamo-lhe o madeiro, A Cruz da minha noite e do meu dia. - Cruz em que verto o sangue verdadeiro E em que minh’alma em transes agoniza E o coração se crucifica inteiro...
Noite. Em meu quarto solitário, apuro O meu destino; a solitude ambiente, O tédio, a hora, o mal-estar de doente Tudo me torna o pensamento obscuro. Em vão me apego à idéia sempre ardente Da Vida, - esta volúpia do Futuro. Queima-me intensa febre o sangue impuro. Perpassam-me relâmpagos na mente. Deliro. E a meu olhar que tudo ilude A vela cresce, assume outra amplitude, Deixa o recinto entre clarões de flamas... ... Surge-me assim, ante as pupilas pasmas, Salomé, numa orgia de fantasmas, Bailando a Valsa erótica das Chamas...
A Consciência
Interior
2
Noite... sombras... silêncio... indefinida Angústia imponderável pelo ambiente. Penso, em meu leito, como um ser consciente: - “Mais um dia de menos para a vida...”Como os dias passados - o presente. Idéias vãs; desesperada lida; Esforço inútil; alma incompreendida Em tudo quanto crê ou quanto sente; A juventude quase no seu termo; Mente mais débil; corpo mais enfermo, A nobre fé de antanho menos forte... Que horror! A consciência, como a aranha, Tais razões urde e nelas se emaranha Que só fica a razão final da morte!
Ocaso. Em minha sala quase escura Olho os retratos. Dante está presente: - Face entanguida, olhar impenitente, Boca num forte ríctus de amargura. Em Poe, que o sol, num claro, transfigura Baudelaire crava o olhar. E frente a frente Fitam-se longa, misteriosamente, Tal como o Tédio diante da Loucura... Em torno e em tudo erra um silêncio absorto. Sombra do gênio? Alma do desconforto? Forma do ser disperso no Nirvana? Quem saberá jamais? A noite desce. Cada efígie daquelas como cresce | Julho/Agosto/2018 2357-8335 E assombra mais minha ISSN: tristeza humana!
NIHIL... Dia parado entre nevoento e enxuto. A natureza como semimorta. Quanto aos vencidos, Musa, desconforta Esta infinita sugestão de luto! Quanto a mim, de minuto por minuto, Ouço alguém... Alguém bate à minha porta... Quem é? Quem sabe? Uma saudade morta, Cousas tão d’alma que eu somente escuto. Nesta indecisa solidão sombria Sem cor, sem som, meio entre noite e o dia, Como que a Morte a tudo, a tudo assiste... Como que pela Terra desolada A consciência universal do Nada Deixa um silêncio cada vez mais triste...
CARTA AO LEITOR
SUMÁRIO
Estamos, mais uma vez, à sua porta, caro leitor, com o número de 32 de sua revista, contendo matérias de seu interesse e de todos os paraibanos. GENIUS transcreve neste número as palavras de lançamento da edição fac-similar do livro Cancioneiro do Norte, obra-prima do folclore paraibano e nordestino, de autoria do grande escritor e folclorista José Rodrigues de Carvalho, que pertenceu à Academia Paraibana de Letras e à Academia Cearense de Letras. O discurso foi pronunciado pelo também folclorista Osvaldo Meira Trigueiro, Professor Aposentado da UFPB e especialista em folkcomunicação. O evento se incluiu nas comemorações do sesquicentenário de nascimento de Rodrigues de Carvalho, organizadas e levadas a efeito no corrente ano. Mais uma vez se constata que os grandes e significativos eventos culturais em nosso Estado se fazem por iniciativa de pessoas ou entidades privadas, ante a inércia do poder público, sempre ausente ou esquecido de nomes, datas e acontecimentos relevantes da nossa história. A importância e a significação do Cancioneiro do Norte estão enfatizadas pelo autor da apresentação, Osvaldo Meira Trigueiro. A transcrição do estudo desse folclorista contemporâneo representa a homenagem de GENIUS ao autor do Cancioneiro. A normatização das atividades de grafiteiros, tratada na edição anterior, volta a ser tema de exposição nesta edição, mediante artigo assinado por dois estudiosos do assunto. Residentes no Paraná, onde exercem suas atividades, eles participaram da 1ª Conferência Brasileira de Direito e Arte, realizada em João Pessoa, sob a inspiração do Professor Marcílio Toscano Franca Filho. Destacamos, também, o discurso de saudação com que o Acadêmico Adelmar Tavares, da Academia Brasileira de Letras, recepcionou, em 26 de junho de 1934, o novo Acadêmico Pereira da Silva, primeiro paraibano a ocupar uma cadeira naquele sodalício. “Uma página de Alcides” contém o discurso proferido pelo sempre exaltado tribuno paraibano, Alcides Vieira Carneiro, ao paraninfar a turma de bacharéis de 1974, da Universidade Federal da Paraíba. Igualmente presente nas páginas de GENIUS, aqui tratado sob o ponto de vista toponímico, o nosso rio Paraíba, nascido na Serra do Jabitacá, Município de Monteiro, e que, depois, segue banhando cidades, vilas, sítios e várzeas, “até desaguar volumosamente no mar, ao atravessar o estreito de Cabedelo”, como dizem os autores.
05
O DIREITO NAS TELAS Andrés von Dessauer
07
A REGULAMENTAÇÃO LEGAL DO GRAFITE: PERSPECTIVAS E CAMINHOS A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA EM CURITIBA Angela Cassia Costaldello e Francisco Bley
12
LÚCIA HIRATSUKA E A VALORIZAÇÃO DA CULTURA JAPONESA Neide Medeiros Santos
15
CANCIONEIRO DO NORTE Osvaldo Meira Trigueiro
17
GARCÍA MÁRQUEZ E A REALIDADE DE TODOS OS POVOS André Lucena
18
A POESIA PARA VÓS É LUZ, É GUIA, É PÃO, E É VIDA Adelmar Tavares
23
O ROMANCE HISTÓRICO EM VIRGINIUS José Octávio de Arruda Mello
24
RELEVÂNCIA DO IHGP E DOS INSTITUTOS HISTÓRICOS MUNICIPAIS PARAIBANOS Joaquim Osterne Carneiro
26
O RIO PARAÍBA DO NORTE E SUA TOPONÍMIA Vanderley de Brito e Ida Steinmüller
30
EXEMPLÁRIO DA PLENITUDE DE VIVER Ângela Bezerra de Castro
31
A VIDA DO DIREITO É UMA SAGA Alcides Vieira Carneiro
Outros assuntos se incluem na pauta desta edição. Veja, leia e tenha de tudo bom proveito.
Julho/Agosto/2018 - Ano VI Nº 32 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 99981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA
Capa: Equipe GENIUS ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
3
COLABORAM NESTE NÚMERO: 4
ADELMAR TAVARES (In Memoriam) (Recife, 1888 – Rio de Janeiro, 1963) [A Poesia para vós é luz, é guia, é pão, e é vida] Advogado, professor, jurista, magistrado e poeta brasileiro. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras e o discurso que aqui publicamos é o que pronunciou naquela Casa, saudando ao paraibano Pereira da Silva.
IDA STEINMÜLLER [O Rio Paraíba do Norte e sua toponímia] Historiadora e professora, Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande, também chamado “Casa Elpídio de Almeida”, entidade que se constitui em guardiã da memória campinense.
ALCIDES VIEIRA CARNEIO (In Memoriam) (Princesa, 1906 – Brasília, 1976) [A vida do Direito é uma saga] Ministro do Superior Tribunal Militar, Deputado Federal, Presidente do IPASE no Governo Vargas. Em sua época, notabilizou-se como um dos grandes oradores paraibanos, ao lado de José Américo de Almeida e Ernani Sátyro.
JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO [Relevância do IHGP e dos Institutos Históricos Municipais] Engenheiro Agrônomo, escritor e historiador. Pertence ao IHGP, Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, Institutos Históricos de Campina Grande, de Serra Branca, do Cariri Paraibano, do Rio Grande do Norte, Academia de Letras e Artes do Nordeste - Núcleo da Paraíba, Academia Paraibana de Engenharia e Academia Limoeirense de Letras.
ANDRÉ COSTA LUCENA [García Márquez e a realidade de todos os povos] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (2015) (Mestrado em Ciência Política na Universidade Federal de CAmpina Grande (em andamento). Participação em Congressos e Seminários.
JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELO [O romance histórico em Virginius] Historiador de ofício, com doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, como professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de várias obras que abordam a história da Paraíba.
ANDRÈS VON DESSAUER [O Direito nas telas] Mestre em Economia e Ciência Política pela Universidade de Munique, Alemanha. Comentarista cinematográfico no triângulo Rio de Janeiro-São Paulo-João Pessoa sobre filmes cult. Articulista em vários periódicos nacionais. ÂNGELA BEZERRA DE CASTRO [Exemplário da plenitude de viver] Professora da Universidade Federal da Paraíba, escritora, crítica literária, membro da Academia Paraibana de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 31, cujo patrono é Epitácio Pessoa. Escreveu, dentre outros livros Um certo modo de ler, Releitura de A Bagaceira e Um ponto no infinito contínuo. ÂNGELA CASSIA COSTALDELLO [A regulamentação legal do grafite] Professora de Direito Administrativo e Urbanístico do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito e do Programa da Pós-graduação em Direito da UFPR. Especialização pela Facoltà di Giurisprudenza della Università Statale di Milano (1995/96), Mestrado (1990) e Doutorado (1998) pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. FRANCISCO BLEY [A regulamentação legal do grafite] Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, participante da “Clínica Direito e Arte” (UFPR), estudando as intersecções entre direito, arte e cultura.
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335
NEIDE MEDEIROS SANTOS [Lúcia Hiratsuka e a valorização da cultura japonesa] Foi professora de Teoria Literária da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade Federal da Paraíba. Leitora Votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Pertence à Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba, cuja patrona é Violeta Formiga. Escreveu , entre outros livros, “Era uma vez um menino chamado Augusto” (2014), “Autores e livros em contraponto” (2016), “Eudésia Vieira em quadrinhos” (2017). PEREIRA DA SILVA (In Memoriam) [Cinco poemas] Nascido em Araruna, foi o primeiro paraibano a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Seu discurso de posse naquela Casa foi divulgado por GENIUS, em seu número 9, 2015. É autor de vários livros de poesia, publicados no Rio de Janeiro. Foi saudado pelo Acadêmico Adelmar Tavares, cujo discurso está transcrito nesta edição. OSVALDO MEIRA TRIGUEIRO [CANCIONEIRO DO NORTE] Professor Aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Folkcomunicação. Autor de várias obras nas áreas do folclore e afins. VANDERLEY DE BRITO [O Rio Paraíba do Norte e sua toponímia] Historiador com especialização em arqueologia, escritor, genealogista, poeta, roteirista para teatro e cinema, articulista e artista plástico. É autor , entre outros, dos livros A Serra de Bodopitá, A Pedra do Ingá, Arqueologia na Borborema.
CINEMA O DIREITO NAS TELAS Andrés von Dessauer
O Direito como argumento de um filme foi matéria principal, centenas de vezes, na 7ª Arte. De forma mais ampla, talvez essa afirmação se sustente por nenhum filme ser privado de Direito, pois até a compra de um simples pão francês, nas padarias, envolve vários aspectos jurídicos. Assim, pela intrínseca ligação com qualquer ação humana, uma classificação desses filmes é, praticamente, impossível, no entanto a praxe destaca algumas películas importantes e as engaveta em várias subcategorias, como “filme sobre tribunal”, “filme sobre direitos humanos”, “filme sobre direito natural” etc. Existem dois extremos quanto às películas desse tipo: as que tentam “pegar carona” no Direito, como o recente brasileiro O PROCESSO, mas são só tendenciosos, já que refletem nada mais que uma ideologia, logo não conseguem entrar na temática jurídica; o outro extremo são obras que, além de apresentarem questões jurídicas complexas, são tão extraordinários, que podem ser consideradas atemporais. Na última categoria, destaca-se aqui (mais uma vez) um argentino, O SEGREDO DS SEUS OLHOS, que, em 2010, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Conflito e investigações sempre andam de mãos dadas nos longas que abordam problemas jurídicos, portanto decidir, nesse contexto, entre as inúmeras obras, só duas que deveriam ser eternizadas na revista GENIUS, não representou uma tarefa fácil. Foi escolhido o filme AMISTAD (1997), de Spielberg, o qual retrata um imbróglio jurídico internacional do ano 1839 cujo processo foi parar na Suprema Corte americana. No centro dele, uma das Constituições mais importantes já criadas por cabeças pensantes. Esta obra será, possivelmente, exibida e discutida no dia 01 de outubro as 19:00 na Fundação Casa José Américo debaixo de um programa da OAB (maiores informações pelo meu grupo TOPCINE – whatsapp 11 983082000) O segundo filme, um japonês, de 2017, do
cineasta Koreeda, O TERCEIRO ASSASSINATO, exibido e comentado, recentemente, por mim, na Fundação Casa José Américo, coloca, no epicentro, a importante relação de um advogado de defesa com seu cliente - algo crucial para todos os operadores do Direito. Que a leitura dos textos seja considerada um estímulo para o leitor da GENIUS se voltar para a 7ª Arte, que, apesar de produzir montanhas de lixo intelectual, vez ou outra, também exibe uma pérola de qualidade nas telas. AMISTAD – O Ser Humano Como Propriedade Na linha do tempo, o filme AMISTAD (1997) de Spielberg situa-se entre A COR PÚRPURA (1985) e LINCOLN (2012) formando, assim, uma espécie de trilogia sobre a questão dos negros nos USA. AMISTAD, todavia, não se coloca como obra do meio só em relação ao tempo de sua produção, mas, também por seu próprio argumento que, niti-
damente, viceja de forma intermediaria, entre o lapso da aceitação e da extinção da sociedade escravocrata. Não por outro motivo a obra é queridinha na comunidade acadêmica. Com efeito, baseado em fatos reais o imbróglio jurídico, envolvendo supostos escravos que, em 1839, mataram em alto mar, quase toda a tripulação portuguesa de uma escuna espanhola, balançou a soberania dos Estados Unidos e do Reino da Espanha, governado, então, pela impúbere Isabella II de apenas 11 anos. O processo que subiu à Suprema Corte Americana, duas décadas antes da Guerra da Secessão (1861 - 1865), trouxe à luz não só discussões jusfilosóficas sobre liberdade mas, também alcançou questões como: propriedade, competência jurisdicional, aplicação da lei no espaço, violação de tratado firmado entre Inglaterra e Espanha, nacionalidade, dentre outros. A noção de gente como sinônimo de ‘coisa’ há muito não é novidade na sociedade e, sob esse aspecto, basta citar que já em seus primórdios o Direito Romano qualificava o escravo como tal, denominando-o ‘res’. Mas, em um típico exemplo de que o próprio veneno contém o antídoto, não escapou à defesa o capcioso argumento de que, em sendo ‘coisa’ não teriam os réus capacidade para responder criminalmente por qualquer delito. A trama deixa evidentes as divergências políticas e econômicas entre os abolicionistas do Norte e os escravocratas do Sul. Tanto é assim que a Marinha levou o grupo para Connecticut (onde a escravidão era legal) e não para New York (onde já havia sido abolida). De fato, para o Norte era inaceitável que o Sul se apropriasse da mais-valia, gerada pela força do trabalho escravo, pois a industrialização do país exigia um custo laboral proporcional, sob pena de perda da competitividade tão essencial ao capitalismo. Nessa sequência, a brilhante defesa da liberdade, capitaneada pelo ex-presidente nortista John Quincy Adams (interpreISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
5
tado por Anthony Hopkins) fez história, pois, convenceu a Suprema Corte, majoritariamente sulista, a votar contra seus próprios interesses. Além de contar com um elenco de primeira, a força da obra de Spielberg, reside como se denota na diversidade das construções jurídicas que, sem dúvida, torna esse trabalho auto-explicativo. O TERCEIRO ASSASSINATO e um réu confessO Em 2017, Hirokazu Kore-eda lançou seu novo filme, O TERCEIRO ASSASSINATO (Sandome no Satsujin), que conseguiu, no ano subsequente, dez nomeações para o ‘Oscar’ da Academia de Cinema do Japão, conquistando nada menos que seis dos principais troféus. O ‘legal thriller’ tem como pano de fundo um drama de tribunal e se concentra na relação entre um advogado de defesa (Shigemori) e seu cliente, o confesso réu (Misumi). Sem delongas, já nas primeiras cenas, ocorre o crime, e, consequentemente, abre-se a possibilidade de que a motivação poderá ser o centro da película, mas nem o crime nem a motivação que levou à execução de um homem está no cerne da questão, pois o enxuto roteiro acompanha muito mais a intensa relação entre o advogado e seu cliente. Como efeitos colaterais, não são só abordados vários conceitos e várias ideias sobre a própria justiça e sobre o rito processual japonês, como também uma reflexão sobre o ‘way of life’ e sobre a filosofia de vida de um dos países mais civilizados da Terra. Dessarte, a película também pode ser recepcionada como uma aula sobre a ética que reina nesse país, onde matar por dinheiro, considerado um crime egoísta, é pior que matar por vingança e, referente à ética empresarial, uma falência é considerada mais aceitável que fazer algo ilegal para ganhar dinheiro. A relação entre os dois protagonistas se intensifica, passo por passo, com as investigações do advogado, pois este, diante de um cliente que sempre mente e que só se mantém firme quanto à questão da culpabilidade, sen-
6
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335
te-se obrigado a entrar nas entranhas do crime. Shigemori segue, aqui, na contramão do conceito de que não é necessário entender o cliente para defendê-lo. Ao contrário, o causídico tem a convicção de que, para defender um cliente e para criar uma estratégia eficiente, é necessário conhecê-lo a fundo. O comportamento social entre japoneses carece, normalmente, de linguagem corporal e de toques que possam demonstrar uma afetividade entre duas pessoas. Mesmo assim, um dos ápices da película, responsável pela quebra dessa conduta, ocorre quando as mãos dos dois protagonistas se tocam, sem contato físico, através de um vidro da sala de visitas do presídio. Nesse momento, o réu, Misumi, definido, de forma precisa, como um ‘recipiente vazio’, suga, intuitivamente, as informações sobre a vida pessoal do advogado. Assim se instala, entre os dois, um nível de igualdade mútuo quanto ao conhecimento sobre a vida pessoal de cada um. O auge dessa identidade
alcançada é retratada, mais tarde, de forma estética ímpar, com a superposição das faces das duas personagens. Para os operadores do Direito, o discorrer sobre um tema universal referente ao rito processual ou a impossibilidade de anular um julgamento de um juiz, sem que este perca sua reputação, pode representar algo conhecido. De qualquer forma, como estamos sempre lidando com espectadores variados, essa informação faz sentido. Nesse contexto, vale lembrar, como faz o filme, que todo processo é custoso e que o prazo para chegar a uma sentença não deve ser esticado demasiadamente; ainda mais, se o julgador já tem uma opinião formada sobre o réu. A função julgadora quanto aos verbos ‘culpar’ e ‘salvar’ a vida de uma pessoa faz parte de um processo intelectual do réu. Esse dilema de Misumi é evidenciado, quando, na investigação, o advogado, analisa a morte dos canários. Nesse microcosmo caseiro, a situação é parecida à do mundo, quando a vida ou o fim dos humanos se encontram nas mãos de um juiz. Ademais, a questão é aprofundada, quando se admite ser injusto que o destino das pessoas seja decidido sem considerar o que elas desejam. Ao se declarar assassino confesso, Misumi assume o papel de um juiz que acumula as duas funções: julgar e salvar. Ao condenar à morte o seu patrão e ao executar, ele mesmo, a sentença, ‘salva’, de certa forma, a jovem, de quem tomou as dores. Ademais, ao aceitar a sentença da própria morte, não de uma prisão perpétua, Misumi é juiz de si. Com a metamorfose de um réu confesso em um julgador, Misumi passa de objeto de suas ações para o sujeito delas. Todo filme de qualidade exige um desfecho de forma redonda. Para tanto, foi necessário criar um fim para o outro protagonista. De forma genial, Kore-eda reservou um local bem característico para Shigemori no qual todo operador do Direito se encontra quando enfrenta um processo: sozinho, no meio de um cruzamento de duas estradas cujas pontas não são conhecidas. g
ARTES PLÁSTICAS A REGULAMENTAÇÃO LEGAL DO GRAFITE: PERSPECTIVAS E CAMINHOS A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA EM CURITIBA Angela Cassia Costaldello e Francisco Bley
RESUMO O escopo do presente trabalho é investigar as legislações existentes acerca da prática do grafite no Brasil, evidenciando seus avanços históricos, e questionando suas insuficiências perante a realidade de seu exercício em âmbito local. Para tanto, serão levadas em consideração as pesquisas do projeto “Clínica Direito e Arte” da Universidade Federal do Paraná, cujo trabalho ocorre junto a grafiteiros e artistas da cidade de Curitiba para a construção de políticas públicas para o setor em questão. Palavras-chave: Grafite. Regulamentação. Políticas Públicas. Direito. Arte. INTRODUÇÃO O GRAFITE: BREVE HISTÓRICO Entre as décadas de 1960 e 1970, o termo italiano “graffiti” foi adotado pela imprensa nos Estados Unidos para denominar a prática de escrever e desenhar em muros e paredes, enquanto jovens se utilizavam dos termos “writing”, “tagging” ou “hitting”. Estes jovens, ao deixarem suas marcas pelas grandes cidades estadunidenses, sofreram intensa perseguição. O que lá era denominado graffiti, equivale ao que conhecemos hodiernamente por pichação. As marcas eram utilizadas por gangues para fins de demarcação de território, além de afirmações de posicionamentos políticos. No Brasil, o grafite, com o termo já adaptado ao português, teve destaque no final dos anos 70, em pleno regime militar. Nessa época, a prática foi adotada por artistas anônimos e estudantes de artes e comunicação, que viam na prática uma oportunidade de exercerem sua liberdade de expressão. Entretanto, a difusão do grafite no país
se deu, principalmente, nos anos 90, na cidade de São Paulo, por contribuição da prática do skate e da cultura Hip Hop. Tal cultura urbana, sendo detentora de uma filosofia de utilização dos espaços públicos para manifestação artística independentemente de autorização, foi paulatinamente mesclando ambos os movimentos. Isso fez com que o grafite obtivesse mais visibilidade, assim como uma finalidade afirmativa, reivindicativa ou de protesto. Somente na década seguinte, com a conquista da atenção de críticos estrangeiros que tinham como especialização a arte de rua, o grafite teve maior destaque diante das autoridades administrativas, de modo que órgãos públicos passaram a encomendar murais em exposições, tanto em galerias quanto em museus. Somente um grupo seleto de artistas, entretanto, foi generosamente remunerado, de modo que restou menor atenção a projetos de grafiteiros menos célebres. 1.2 A CIDADE COMO SUPORTE: A PRODUÇÃO DE ESPAÇOS FÍSICOS E SIMBÓLICOS Faz-se necessário notar o fato de que a cidade é utilizada como o suporte artístico do grafite. Ao invés de telas, são pintados muros, paredes e outros elementos constitutivos da paisagem urbana. É próprio de uma arte que ocorre nas ruas denunciar o caráter político-ideológico da organização da cidade. Nesse sentido, a intrínseca relação entre o espaço e a cultura nele produzida assume um caráter de afirmação da cidadania, de representação da ideologia contida no próprio ambiente urbano. O espaço, de acordo com Henri Lefebvre, citado por Ahmed (2015), abarca tanto a dimensão física – o território em si – quanto o plano simbólico, relacionado aos espaços
de representação, de organizações discriminatórias e segregadoras. No pensamento de Lefebvre, lembra Ahmed (2015, p.375), este conceito refere-se ao estabelecimento dos centros de decisão, de riqueza, de poder, de conhecimento e de informação, que restringem aos espaços periféricos os que não participam dos privilégios políticos. Em termos simbólicos, o grafite é extremamente potente em sua capacidade de escancarar a construção político-ideológica acima descrita. Além disso, as atuais discussões acerca de sua prática envolvem tanto sua incisiva eficácia como instrumento de denúncia social quanto suas possibilidades de inclusão em setores organizados da economia criativa e no mercado regularizado das artes. A ambivalência da expressão artística em questão suscita debates inúmeros, sobretudo acerca do ainda incipiente tratamento conferido pelo ordenamento jurídico em relação às possibilidades legais de sua execução e produção. Em âmbito legal, diferentemente do que ocorre em outros setores como as artes e a economia, residem ainda diretrizes demasiadamente amplas e carentes no que dizem respeito ao conteúdo programático das normas. REGULAMENTAÇÕES JURÍDICAS DA ARTE DO GRAFITE NO BRASIL A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E OS DIREITOS CULTURAIS Levando em consideração o recorte temporal histórico exposto, configura-se de severa importância o levantamento dos fundamentos que constituem as previsões legais aplicáveis ao grafite. Seu respaldo mais amplo encontra-se inserido na vasta discussão acerca dos direitos culturais. ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
7
Embora possa ser considerado por meio de diferentes acepções, o tratamento da cultura no ordenamento jurídico é notadamente profícuo no que diz respeito à Constituição Federal de 1988. A seção específica para o tema inicia-se no artigo 215, cujo caput versa: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Os parágrafos complementares do artigo transcrito possuem, de acordo com Francisco Humberto Cunha Filho, caráter tanto prestacional quanto de abstenção em relação ao papel do Estado (CUNHA FILHO, 2015, p.33). São ações distintas, relacionadas ao acesso, apoio, incentivo, valorização e difusão da cultura. Embora haja tentativas de categorização pormenorizada de um rol dos direitos culturais, há que se atentar ao dinamismo e ao constante caráter de inovação da seara artística e, sobretudo, em relação ao grafite. A característica programática das normas de direitos culturais Por outro lado, coaduna-se com a possibilidade de adaptação da maneira como será concebido o planejamento e a concretização das políticas públicas da área. Dessa forma, fica evidente que uma tentativa de arrolamento dos direitos culturais implicaria em uma necessidade constante de atualização por parte do legislador. Frente a tal constatação, ao invés de elencar-se um rol, foram estabelecidas
8
| Julho/Agosto/2018
categorias de tais direitos, como as propostas por José Afonso da Silva, citado por Cunha Filho (2015, p.33): a) direito à criação cultural, compreendidas as criações científicas, artísticas tecnológicas; b) direito de acesso às fontes da cultura nacional; c) direito de difusão da cultura; d) liberdade de formas de expressão cultural; e) liberdade de manifestações culturais; e f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura. O conhecimento dos direitos culturais, portanto, possui como escopo a viabilidade de sua concretização. Nesse sentido, a compreensão da tutela constitucional dos direitos acima categorizados exige que a premissa de que manifestações artísticas como o grafite possuam, de fato, amparo no âmbito da Constituição Federal. Tal previsão é fundamental não apenas na proteção dos bens culturais produzidos, mas também para a elaboração de políticas públicas eficazes, assim como na realização e fiscalização das previsões orçamentárias destinadas ao setor em questão. EM ÂMBITO FEDERAL: A LEI DE CRIMES AMBIENTAIS A previsão normativa que incide de maneira mais incisiva sobre o ato de grafitar é a Lei n.o 9.605/98, conhecida como Lei de
ISSN: 2357-8335
Crimes Ambientais. O art. 65 de seu texto original traçava a distinção e a proibição das práticas de pichar, grafitar e conspurcar. O dispositivo proibia o exercício das três atividades, havendo ou não consenso por parte do proprietário, a partir do argumento de proteção ao meio ambiente cultural e visual. Em 2011, entretanto, a Lei n.o 12.408 alterou a redação do art. 65 da Lei n.o 9.605/98, ao mesmo tempo descriminalizando a conduta de grafitar e proibindo a comercialização de tintas aerossol para menores de 18 anos. Versa o dispositivo em questão: Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1º Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. § 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.
A partir das alterações provocadas pela Lei n.o 12.408, portanto, ficam especificados critérios para a desconstituição do caráter criminal do grafite, a saber: a necessidade de valorização do patrimônio público, o consentimento do proprietário – nos casos de bens privados – ou a autorização do órgão competente – nos casos em que os bens sejam públicos. Foi um importante avanço, posto que é uma regulamentação que considera as nuances existentes entre as diferentes vertentes de arte urbana, diferindo a pichação do grafite. Com efeito, a Lei n.o 12.408, ao excluir a responsabilidade penal dos artistas e grafiteiros e ao recepcionar a prática perante o ordenamento jurídico, representa um acolhimento do grafite frente à sociedade. É um dispositivo que produz avanços concretos no tratamento jurídico do tema, embora seu conteúdo normativo não abarque todas as demandas advindas da produção do grafite em âmbito local. A insuficiência de tal norma, quando da aplicação aos casos concretos de ocorrência municipal, será pormenorizada na sequência. 2.3 A NECESSIDADE DE PREVISÃO JURÍDICA EM LEI ORGÂNICA DOS MUNICÍPIOS A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 30, expressa a autonomia dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local. Dessa forma, competiria a essa unidade federativa suplementar a legislação federal e estadual nos casos em que tais normativas fossem insuficientes, como o do grafite. A falta de regulamentação da prática do grafite em âmbito municipal faz com que somente se possa utilizar o respaldo legal trazido pela Lei de Crimes Ambientais, uma norma de aplicabilidade nacional. Ocorre, nesse caso, um problema relacionado ao caráter geral desse diploma legal – que apesar de descriminalizar a prática, deixa inúmeras lacunas as quais dão margem à indeterminação e à vagueza semântica quando de sua aplicação a casos concretos. Ademais, na prática, o caráter geral da Lei de Crimes Ambientais não abarca as especificidades das demandas jurídicas que ocorram em âmbito local, produzindo um silêncio por parte do legislador e dificultando a adoção de medidas protetivas e fomentadoras pela administração pública municipal. Com efeito, o hiato legislativo dá margem a diversos problemas relacionados à resolução de conflitos atinentes à prática, sobretudo no que diz respeito às obras realizadas por meios estruturados, como, por exemplo, os projetos de leis de incentivo.
As consequências da não regulamentação do grafite em âmbito municipal serão, todavia, pormenorizadas posteriormente em seção específica do presente trabalho. A POLÍTICA CULTURAL E SUAS FACETAS A IMPORTÂNCIA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA CULTURA Conquanto seja imprescindível a normativa positiva que regulamente, em âmbito local, as práticas urbanas do grafite, sua mera previsão legal é insuficientemente eficaz. Dessa forma, embora seja uma problemática que suscita um campo de discussão extremamente amplo e profícuo, a menção acerca da profissionalização da Administração da Cultura se configura de severa importância na abordagem crítica do presente trabalho. Os gestores públicos chamados a tratar da questão cultural, para que o façam com seriedade, necessitam de uma formação complexa – em âmbito teórico ou prático. De acordo com José Carlos Durant, a profissionalização aos técnicos e dirigentes do setor cultural carece de consistência devido ao excessivo número de cargos de confiança. Ao produzir uma perene descontinuidade de políticas, a consequência é a devastação de uma área já regularmente escasseada em termos de recursos (DURANT, 2013, p.41). Soma-se isso à falta de subsídios teóricos para o discernimento de que os bens culturais diferem dos bens econômicos regulares. Os agentes públicos – restritos ao ambiente da cultura ou atuantes em outras esferas de poder e jurisdição que incidam sobre o âmbito cultural – carecem de um arcabouço teórico que possibilite o acesso a uma abordagem crítica aos direitos culturais. Durant afirma a imprescindibilidade de noções de direito do autor, incentivos fiscais à cultura e proteção do patrimônio por parte dos agentes culturais (DURANT, 2017, p.46), dentre outros fatores que compõem esse rico e multidisciplinar cenário. O escopo da menção a este aspecto, todavia, não se configura no levantamento de perspectivas deontológicas acerca da condução de Políticas Públicas de Cultura. Tal feito seria, per se, objeto suficientemente capaz de suscitar trabalhos os quais abordassem exclusivamente a temática em questão. A inclusão de tema tão sensível quanto a profissionalização da Administração da Cultura possui tão somente o intuito de evidenciar a incidência da complexidade do debate acerca da regulamentação do grafite.
É, de fato, escopo do presente artigo, contribuir com a edificação de um debate crítico o qual demonstre a complexidade do assunto. Deve-se, pois, evitar debates reducionistas os quais relevem a dimensão multifacetada da arte urbana, cujo caráter múltiplo demanda capacidades também múltiplas de análise e argumentação. A OMISSÃO NA REGULAMENTAÇÃO DO GRAFITE: DESVALOR E INSEGURANÇA JURÍDICA Situadas tanto as regulamentações já existentes, as lacunas deixadas à revelia da própria legislação, como a pungente necessidade de uma profissionalização da Administração Cultural, é de devida importância a exposição das consequências da não regulamentação do grafite em âmbito local. A ausência de normatividade abre brechas para problemas inúmeros. Por parte dos artistas, a proteção ao bem jurídico/ cultural criado corre diversos riscos se não respaldada por uma legislação que a tutele. Além da insegurança gerada acerca da permanência ou não da obra – que fica sujeita a ser apagada ou danificada – há um risco bastante expressivo no que diz respeito aos grafites feitos via projetos de lei de incentivo. Caso alguma obra desapareça, a prestação de contas fica severamente comprometida, fato que pode causar complicações para o artista. A não regulamentação, pois, transcende o âmbito intrínseco da existência da obra, atingindo, inclusive, uma dimensão patrimonial dos agentes da arte que optem pelos caminhos legais e estruturados de produção. A par disso, a não regulamentação também deixa em aberto os espaços públicos permitidos ou não para a prática, assim como não desanuvia a discussão acerca da legalidade da arte urbana em setores historicamente tombados. Por fim, frente ao silêncio do legislador em relação a um tema tão prolífico, perde-se a possibilidade de utilização do grafite como instrumento de inclusão social. Nascida como uma arte de caráter periférico, sua criminalização refere-se também à seletividade do que é considerado ou não expressão artística legítima. A lacuna normativa, ao se resguardar em abstenção, deixa de propor políticas públicas de inclusão, formação e reconhecimento de identidades culturais presentes e atuantes na sociedade. A regulamentação do grafite poderia prever, pois, direitos de caráter prestacional os quais reconhecessem o poder da arte urbana como formadora de subjetividades. ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
9
PROJETO DE LEI DE REGULAMENTAÇÃO DO GRAFITE: A CONTRIBUIÇÃO DO PROJETO “CLÍNICADE DIREITO EARTE” DAUFPR POR UM PAPEL ATIVO NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA CULTURAL EFICAZ Durante os meses de junho a setembro de 2017, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio de uma ação de extensão universitária intitulada “Clínica de Direito e Arte”, capitaneou um projeto de fomento às discussões albergadas pelo presente artigo. O projeto nasceu a partir de uma demanda concreta de um grafiteiro curitibano, que teve uma obra executada via edital de Mecenato Subsidiado da Prefeitura de Curitiba. A obra em questão passou a sofrer ameaças de diversos setores da sociedade, que exigiam, entre outras coisas, sua retirada, em função de sua suposta ilegalidade. Um dos argumentos mais frequentes em favor do apagamento era o fato de que a localidade escolhida para sua execução configurava área tombada, o que impossibilitaria a permanência da obra já ali alocada. A falta de previsões jurídicas de âmbito local gerou uma severa dificuldade na resolução do conflito, fazendo com que o artista solicitasse assessoria jurídica por parte da Faculdade de Direito da UFPR. Pelo período de quatro meses, alunos e
10
| Julho/Agosto/2018
professores1 da universidade fizeram um intenso trabalho de mapeamento das possibilidades acerca do caso, com o intuito de proposição de uma ação a qual não apenas respaldasse o exemplo concreto em questão, mas que, de fato, propusesse uma mudança efetiva na maneira como as discussões acerca do grafite e da arte urbana são enfrentados na cidade. O encaminhamento de tal ação de mapeamento foi a compreensão da necessidade de elaboração de um projeto de lei junto à Câmara Municipal de Curitiba. 1 Projeto coordenado pelo Prof. Dr. Marcelo Miguel Conrado. Foi conseguido, então, o apoio de um representante do setor legislativo da Câmara que, junto aos alunos e professores, desenvolveram ações de pesquisa de projetos de lei que já houvessem lidado com a temática da regulamentação. Foram encontrados exemplos análogos já encaminhados em São Paulo, Uberlândia e Salvador, alguns deles com pareceres favoráveis emitidos pelas Comissões de Constituição e Justiça dos respectivos municípios, embora nem todos tivessem ainda obtido aprovação até o momento. Durante a etapa de pesquisas, foi notória a percepção de que a questão da regulamentação do grafite não é uma demanda pontual. Há casos inúmeros, ocorrentes por todo o país, que evidenciam a urgência de uma discussão aprofundada e geradora de efeitos concretos sobre o tema.
ISSN: 2357-8335
Findo o levantamento de ações análogas em outros municípios, foi prospectada pela Clínica de Direito e Arte uma reunião pública com grafiteiros da cidade. O intuito seria coletar demandas concretas dos artistas e traduzi-las em uma regulamentação apropriada que, de fato, acrescentasse na estruturação da classe artística da cidade. Ainda em fase de produção, a reunião pública tem previsão para outubro de 2017, e será o primeiro de uma série de encontros que visam fomentar a discussão do tema. Serão também desenvolvidos debates com órgãos e instituições públicas de cultura, de modo que a proposição do projeto de lei, prevista para o ano de 2018, aconteça com a máxima participação possível por parte da sociedade. TEMPOS DE RESISTÊNCIA E ADESÃO DE PROPOSTAS CONTRÁRIAS Embora todas as evidências supracitadas acerca da necessidade de consistência e postura crítica no tocante às políticas públicas para a cultura, há, em tempos hodiernos, um crescente esvaziamento do debate sobre o tema, cujos efeitos são a consequente criminalização das práticas do grafite e da arte urbana. No dia 09/11/2017, foi aprovado na Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei o qual propunha o aumento das multas
para flagrantes de pichação em patrimônios públicos ou particulares. O projeto previa que a atual multa de R$ 1.693,84 (mil seiscentos e noventa e três reais e oitenta e quatro centavos) fosse reajustada para R$ 5 mil (cinco mil reais), em caso de danos a imóveis particulares, ou R$10 mil (dez mil reais) a patrimônios públicos. A justificativa do projeto afirmava que a proposta visava “fechar o cerco para alcançar o infrator e imputar-lhe as sanções mais graves, com o intuito de diminuir as ações dos vândalos que depredam imóveis”. O explícito escopo punitivista do projeto de lei em questão visa à perpetuação da já consolidada prática de imputação penal baseada na construção da imagem de um suposto inimigo, que deve ser combatido. Ao reduzir por completo a discussão das perspectivas de tratamento jurídico dos praticantes do grafite e da pichação à ideia de vandalismo, o projeto escancara a incapacidade do legislador de levar a efeito um debate verdadeiramente produtivo. Excluiu-se a possibilidade de construção de um diálogo que considere tanto o interesse
da sociedade em reduzir as práticas ilegais de arte urbana quanto as reais motivações desses artistas. Ademais, a proposição de agravo da pena – sobretudo por incidir em uma dimensão pecuniária sobre uma classe já marginalizada da sociedade – é um modelo notadamente ineficaz de resolução de conflitos, uma vez que aposta em um modelo penal de prevenção geral, já há muito tempo combatida na seara do Direito Penal. Nessa perspectiva, a imputação da pena serviria, sobretudo, para coagir a sociedade a não praticar delitos. Além de ter embasado políticas criminais notadamente falhas no passado, tal viés argumentativo mascara o caráter seletivo do sistema penal, que incide de maneira muito mais pungente sobre os setores sociais economicamente menos favorecidos, como é o caso da maioria dos praticantes do grafite. CONCLUSÃO Frente à crescente consolidação de posturas retrógradas e criminalizadoras da arte urbana local, na contramão dos movimentos
inclusivos do grafite, se fazem ainda mais necessárias ações concretas e contra-hegemônicas que possibilitem a organização política dos setores artísticos. O trabalho da “Clínica Direito e Arte” da UFPR parte da premissa de que os debates acerca do assunto e das políticas públicas que lhe são afetas necessitam ocorrer levando em consideração o caráter amplo do grafite. Há que se sopesar os eventuais riscos oferecidos pela prática com suas reais perspectivas de valorização do patrimônio público, de construção de um setor consistente no que diz respeito à economia criativa e, sobretudo, garantindo a liberdade de expressão de seus praticantes da maneira mais eficaz possível. Dessa forma, a revisão dos dispositivos legais que dizem respeito ao tema é imperativa e premente, explicitando suas contribuições e evidenciando seus limites, eliminando conceitos vagos e reducionistas de uma prática que oferece soluções suficientemente plurais. As propostas de regulamentação do grafite em âmbito local, somadas à consequente tutela legal das possibilidades de produção se mostram, pois, imprescindíveis. g
REFERÊNCIAS AHMED, Flávio. Estatuto da cidade, plano diretor e zoneamento urbano como instrumento de proteção dos bens culturais. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; CUREAU, Sandra. Bens culturais e direitos humanos. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015. p.371-388. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 28/09/2017. BRASIL. Lei n.o 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 27 set.2017. BRASIL. Lei n.o 12.408, de 25 de maio de 2011. Altera o art. 65 da Lei n.o 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para descriminalizar o ato de grafitar, e dispõe sobre a proibição de comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol a menores de 18 (dezoito) anos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12408.htm>. Acesso em: 28 set.2017. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Direitos culturais no Brasil: Dimensionamento e conceituação. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; CUREAU, Sandra. Bens culturais e direitos humanos. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015. p.27-34. DURANT, José Carlos. Política cultural e economia da cultura. São Paulo: Edições Sesc SP, 2013.
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
11
IMIGRAÇÃO JAPONESA LÚCIA HIRATSUKA E A VALORIZAÇÃO DA CULTURA JAPONESA Neide Medeiros Santos
A história da migração japonesa no Brasil começa com a primeira leva de japoneses que aportaram no porto de Santos, litoral paulista, em junho de 1908, no navio Kasato Maru. Este ano completa 110 anos da vinda dos japoneses. Nessa primeira leva, chegaram 781 japoneses que formavam 158 famílias. Aqui eles se aclimataram e trouxeram, entre outras habilidades, fácil manejo na agricultura. Há destaque também para o lado artístico e literário. Tomie Ohtake é um bom exemplo da contribuição nipônica nas artes plásticas e Nempuku Sato tornou-se o principal representante do haicai no Brasil. Atualmente, há inúmeros poetas brasileiros que escrevem poemas seguindo essa modalidade poética. Os japoneses também valorizam muito as heranças culturais do seu povo, o cuidado com as crianças e o respeito aos mais velhos. Geraldo Hasse, no artigo “A saga japonesa no Brasil”, publicado na revista “Globo Rural’, afirmou com muita propriedade: Na migração intermitente para um ou outro lugar no Brasil, os descendentes de japoneses preservaram heranças culturais que se traduzem no cuidado com as crianças, no apego ao trabalho como valor supremo da sobrevivência e no respeito aos anciãos. Tudo isso se reflete numa das características marcantes da colônia: o baixo índice de infrações às leis. Lúcia Hiratsuka é neta de japoneses que vieram para o Brasil nas primeiras décadas de século XX. Os avós chegaram em 1925, no porto de Santos. Inicialmente a família foi morar no sítio Asahi, interior de São Paulo. Asahi significa “sol da manhã”. Foi nesse sítio que Lúcia nasceu. Entrou na escola com sete anos, em casa só falava japonês com os pais e avós. Quando contava dez anos, a família se mudou para Duartina,
12
| Julho/Agosto/2018
considerada a capital da seda. Alguns anos mais tarde, transferiu-se para a cidade de São Paulo onde cursou o ensino médio e depois Belas Artes. Em 1988, diplomada em Artes, viajou para o Japão. Durante um ano fez curso de aperfeiçoamento em ilustração de livros infantis na Universidade de Fukuoka. Atualmente, além de escritora e ilustradora, é professora de Artes. No site da escritora, encontram-se informações sobre como aprendeu a ler. O avô foi seu primeiro professor. Os livros que havia na casa eram, em sua maioria, escritos em japonês, havia também os “ehons” (livros japoneses ilustrados). Sobre os “ehons”, a escritora publicou no portal NippoBrasil o texto “Ehon - a arte de narrar com imagens” e explica, com detalhes, o que eles representam. Dentro de um ehon, a ilustração não é uma imagem isolada, ela dialoga com as palavras (lembrando sempre que preciso ter um bom roteiro, um bom texto) e dialoga com as outras imagens que se seguem. A fluência da narrativa, o ritmo, ou seja, a montagem do todo torna-se essencial. E prossegue mais adiante: “... podemos afirmar que um ehon é uma expressão artística que tem como suporte o objeto livro”. Foi, portanto, olhando esses livros ilustrados com o avô que a autora criou o gosto pela ilustração. Além desse avô, professor das primeiras letras e, indiretamente, responsável pela inclinação para as artes, a avó merece um destaque especial. Era uma excelente contadora de histórias reais e ficcionais. Certa vez, a neta perguntou à avó se ela gostaria de retornar ao Japão, e ouviu essa resposta: “Acho que não vou reconhecer mais o lugar que eu nasci, fica na minha memória, continua do
ISSN: 2357-8335
jeitinho que eu nasci. Será um eterno furusato.” Furusato é a terra natal em japonês. Feitas essas considerações iniciais, nosso olhar se volta para dois livros de Lúcia Hiratsuka que ganharam inúmeros prêmios no Brasil. “Histórias tecidas em seda” (Ed. Cortez, 2007) recebeu o Prêmio “Melhor Livro”, na categoria de Reconto pela FNLIJ, em 2008, e “Orie” (Ed. Pequena Zahar (2014), “Melhor Livro” na categoria Criança por essa mesma entidade. “Histórias tecidas em seda” foi lançado no Rio de Janeiro, no Salão de Livros Infantis em 2008 e nesse mesmo ano em João Pessoa, na Feira Japonesa que aconteceu no Espaço Cultural. O título do livro “Histórias tecidas em seda” condiz com a própria tessitura verbal dos contos e com a leveza e transparência das ilustrações. Os contos, na pena versátil da autora e na companhia de seu pincel mágico, adquirem independência e vida própria. É composto de três contos: “O pássaro do poente”, “Hachikazuki” e “Tanabata”. Na última página do livro, o leitor encontra informações sobre as histórias e um pequeno glossário com explicações a respeito das palavras em japonês que aparecem nos contos. O primeiro, “O pássaro do poente”, apresenta uma história que se passa no inverno. Nesse período, impera a neve no Japão. Yosaku, o protagonista, é um jovem camponês que certa manhã de inverno encontra uma cegonha ferida na asa por uma flecha, recolhe a ave e trata carinhosamente do ferimento. Os olhos da cegonha demonstravam profunda gratidão. Depois de recuperada, alçou voo e desapareceu atrás das montanhas. Certo dia ele ouviu uma batida na porta, foi atender, era uma moça de quimono branco que pedia abrigo por uma noite. A moça chamava-se Otsú e passou a morar
definitivamente na casa de Yosaku, estavam muito felizes vivendo juntos e resolveram se casar. A mulher era exímia na arte de tecer e começou a produzir tecidos maravilhosos que Yosaku vendia nas feiras. O ato de tecer passa a ser motivo condutor do conto. Ao lado da gratidão surge a ambição e curiosidade e o conto termina de forma melancólica. O segundo, “Hachikazuki”, é a história de uma forte ligação entre mãe e filha. No leito de morte, a mãe chama a filha e põe um hachi (que é uma espécie de vaso) na sua cabeça como se fosse um chapéu. Esse vaso parece um incômodo, mas é uma espécie de arma protetora. Durante muito tempo ela terá que conviver com o hachi sobre sua cabeça. Esse conto segue um ritual de iniciação, muito caminhos serão percorridos até a moça atingir a maioridade, livrar-se do hachi e encontrar a felicidade. O último, “Tanabata”, é considerado uma lenda e tem sua origem na China. É a história de uma “tennin”, um ser divino, celestial, que mora acima das nuvens e que se apaixona por um ser humano (um rapaz). Este conto liga-se a festa que acontece todos os anos no dia sete de julho, no Japão – a festa deTanabata. Nessa data, as ruas e praças ficam enfeitadas com ramos de bambu para comemorar o Festival das Estrelas. É o dia do encontro de uma tennin com o seu amado. Os três contos apresentam uma linguagem poética e musical. As ilustrações são leves como a seda, ricas em transparências e de grande beleza cromática. Existe um diálogo perfeito entre o texto verbal e o pictórico, acrescido de referências à música e à poesia. Linguagem poética, pintura e música trilham o mesmo caminho. A beleza
desses contos pode ser associada à “Sonata ao luar”, de Beethoven. Um quadro de Nakajima, o pintor do vento, completaria o cenário. Após a leitura do livro surge a pergunta; o que é mais bonito – o texto verbal ou as ilustrações? A resposta é difícil. È realmente uma tessitura perfeita entre a linguagem verbal e a pictórica. Seguindo o mesmo percurso de valorização de memórias ligadas às suas raízes étnicas, Lúcia Hiratsuka escreveu e ilustrou “Orie” (Ed. Pequena Zahar, 2014), utilizando papel craft, o carvão e pastel seco. Este livro teve o mesmo destino de “Memórias tecidas em seda”, recebeu o Prêmio de Melhor Livro para Crianças da FNLIJ, em 2014, e constou do catálogo da Feira de Bolonha no mesmo ano. Recebeu, ainda, o Prêmio Monteiro Lobato, da Revista Crescer, em 2015, e foi considerado o Melhor Livro Infantil do Ano pela mesma revista. O título do livro é uma homenagem à avó da escritora, Orie, grande contadora de histórias japonesas e se reporta aos acontecimentos vivenciados por essa avó querida que povoou a infância da menina Lúcia com lendas e contos. Nesse livro, não faltam fatos ligados à cultura japonesa e à vida de sua família. A história se passa no Japão no tempo em que os barqueiros camponeses navegavam pelos rios para vender suas mercadorias nas feiras das cidades. A viagem de barco era marcada por surpresas, imprevistos e alegria, principalmente para a menininha (Orie) que estava descobrindo o mundo. O barco tem a força simbólica de um ninho aconchegante. Veja-se esta passagem: “O barco parecia um ninho. Pai, mãe, Orie que nem passarinho” (2014).
“O tempo passa e passa...” A menina cresce, seus passos crescem também. Orie se torna uma mocinha e uma nova vida a espera. A memória afetiva de Orie remete a um lugar repleto de carinho e de aconchego. O rio tão frio, tão bom, tão sombrio, para lembrar versos de Cecília Meireles, ficou para longe, ficou no país do sol nascente. Um rio, sempre um rio, acompanha a vida dos habitantes, tanto nas pequenas como nas grandes cidades. Por mais insignificantes que sejam, os rios têm suas histórias e seus encantos. Está presente na lírica dos poetas e de escritores de várias nações. Em que parte do Japão estaria localizado o rio que os pais de Orie navegavam? Não importa. Era um rio como outro qualquer, mas que deixou profundas marcas na menina que via naquele rio um lugar de sonho e devaneio. O rio japonês não é o mesmo de Cecília Meireles, mas guarda afinidades poéticas. Sobre a avó, a escritora escreveu um bonito texto que fala, de forma muito carinhosa de quem povoou a imaginação da neta com belas historias japonesas. O registro dessas palavras se encontra na última página do livro “Orie”. Orie foi uma avó muito querida. Ela gostava de contar suas lembranças de quando criança, as viagens de barco com os pais, as pequenas alegrias e também as tristezas. Que encanto para mim saber que meus bisavós foram barqueiros! Eu adorava ouvir essa história. Orie saiu do Japão e chegou ao Brasil perto dos vinte anos. Mas o seu furusato (terra natal) continuava na sua memória do jeitinho que havia deixado. Orie dizia que isso lhe dava forças para enfrentar qualquer dificuldade. Os livros de Lúcia Hiratsuka trazem a
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
13
marca da simplicidade e se caracterizam por grande beleza literária e pictórica, muitos desses livros são ilustrados com a técnica do sumiê. Sobre a pintura em sumiê, ela afirmou: “A prática do sumiê e do haicai me levaram a buscar o simples e o essencial.”. Com a avó, que viveu 104 anos, a escritora aprendeu, entre muitas outras coisas, que “furusato” é onde a gente nasce. Mas, também, é o lugar aonde vamos em pensamento, quando estamos tristes ou felizes. Com o avô, aprendeu a olhar livros ilustrados. Hoje, ela tenta recriar lugares mágicos através das palavras, dos desenhos, da técnica do sumiê, e escreve livros cheios de sutilezas e de elementos simbólicos. O universo de livros infantis de Lú-
cia Hiratsuka é bem vasto, todos os anos a autora publica cerca de dois ou três livros, recorrendo sempre à temática que conduz à terra de seus antepassados. A memória, a biografia e autobiografia podem gerar bonitos textos, o essencial é saber captar com poeticidade as marcas do passado. Em 2018, a escritora publicou “Chão de peixes”, um livro de poesia (haicais), com belas ilustrações em sumiê. Ainda há de se destacar “Os livros de Sayuri”, uma publicação da editora SM, coleção “Barco a Vapor”, 2008. É um romance juvenil e conta o drama dos japoneses que viviam no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. O Brasil cortou relações diplomáticas com o Japão, e os japoneses que moravam
REFERÊNCIAS
aqui foram perseguidos. A família de Sayuri enterrou todos os livros da casa no quintal, uma sábia maneira de preservar a língua e a literatura japonesa. Em “Os livros de Sayruri”, mais uma vez, a escritora recorre a fatos vivenciados por sua família. Há muita coisa guardada nos livros de Lúcia Hiratsuka para ser desvendada. A história de seu povo está sendo contada em conta-gotas. É preciso conhecer um pouco mais de quem sabe reunir com a mesma mestria artística: a linguagem verbal e a icônica. g Texto apresentado ao IV CONALI – “Caminhos e Veredas de Graciliano Ramos”, realizado de 13 a 15 de agosto de 2018, na mesa-redonda: “O fenômeno da migração na literatura brasileira, representações, diversidades, contribuições para a formação da cultura brasileira”.
(*)
GUTTILLA, Rodolfo Witzig. Organização, seleção e introdução. Boa companhia:haicai. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. HASSE, Geraldo. A saga japonesa no Brasil. In: Revista Globo Rural. São Paulo: Ed. Globo, Ano 33, No. 392, junho de 2018, p. 36-37. HIRATSUKA, Lúcia. Histórias tecidas em seda. Ilustrações de Lúcia Hiratsuka. São Paulo: Cortez, 2008. ----------------------. Ehon, a arte de narrar com imagens. Portal NippoBrasil. Zashi edição 5, janeiro de 2008. http://www.zashi.com.br/ arte_letras/05a.php. Acesso em: 11 de julho de 2018. -----------------------. Os livros de Sayuri. Ilustrações de Lúcia Hiratsuka. São Paulo: Edições SM, 2017. ( Coleção barco a vapor). _____________. Orie. Ilustrações de Lúcia Hiratsuka. São Paulo: Pequena Zahar, 2014. SANTOS, Neide Medeiros. Histórias tecidas em seda: pintura e música. In: Livros à espera do leitor. Ilustrações de Domingos Sávio. João Pessoa: Zarinha Centro de Cultura, 2009. _______________. A memória afetiva de Orie. In: Autores e livros em contraponto. Ilustrações de Tônio. João Pessoa: Mídia Gráfica e Editora. João Pessoa: 2016.
14
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335
FOLCLORE JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO E O CANCIONEIRO DO NORTE Osvaldo Meira Trigueiro
Comentar uma obra de Rodrigues de Carvalho não é uma tarefa fácil porque ele atuou em várias frentes importantes da produção intelectual: no jurídico, na literatura, no magistério, no folclore, na história, no jornalismo, na política e em tantas outras atividades. O livro tem prefácios que praticamente esgotam quase tudo que se deseja dizer sobre esta obra, do próprio autor na edição de 1928, do antropólogo e folclorista Diégues Júnior na edição de 1967 e do professor Iveraldo Lucena na edição de 1995. Fazer mais um prefácio seria dispensável da minha parte. Portanto, fiz a opção por discorrer algumas considerações introdutórias sobre a importância do Cancioneiro do Norte para os estudos e as pesquisas da cultura popular e do folclore na atualidade, até porque um livro é uma obra “imorredoura” como bem definiu o intelectual de Alagoinha. Rodrigues de Carvalho deixou como legado uma vasta produção de diferentes gêneros, de significativa importância para a cultura brasileira, mas no campo do folclore se destacou com a publicação do Cancioneiro do Norte, um trabalho pioneiro, um marco da sua trajetória intelectual. No prefácio da segunda edição publicada na Paraíba em 1928, portanto 25 anos depois da primeira edição publicada em 1903 em Fortaleza, o autor chama atenção para o pioneirismo dos seus estudos e as pesquisas do folclore, quando ainda era um tema de pouca importância no meio intelectual, quando diz: a cantiga popular era motivo de chufa, foi dos primeiros livros no gênero. Hoje temos uma prefeita noção do que seja o folclore e a sua importância histórica. Na virada do século XIX para o século XX, com 37 anos, Rodrigues de Car-
O folclorista Osvaldo Meira Trigueiro, ladeado pelo desembargador Marcos Cavalcante e o presidente da Academia Paraibana de Letras Jurídicas, Ricardo Bezerra.
valho ao publicar a primeira edição do Cancioneiro do Norte desperta interesse entre os intelectuais brasileiros, quando ainda se ensaiavam os primeiros passos nos estudos e nas pesquisas para a construção simbólica de uma identidade nacional e uma das fontes eram as manifestações folclóricas. Mas, foi ao publicar a segunda edição acrescentada com fatos novos do folclore que ele entra definitivamente no ciclo dos importantes intelectuais brasileiros como: Nina Rodrigues (1862-1906), Silvio Romero (1851-1914), Gustavo Barroso (18881959), Mario de Andrade (1893-1945), Afrânio Peixoto (1876-1947), Gilberto Freyre (1900-1987), Melo Morais (1844-1919), Leonardo Mota (1891-
19480), Câmara Cascudo (1898-1986), Ademar Vidal (1900-1986) e tantos outros. O Cancioneiro do Norte passa a ser reconhecido como uma obra referência por Luiz da Câmara Cascudo que a incluiu na Antologia do Folclore Brasileiro: Séculos XIX-XX, os estudiosos do Brasil, bibliografia e notas e por Florival Seraine na Antologia do Folclore Cearense. Não podemos esquecer que no momento da publicação do Cancioneiro do Norte, o Brasil passava por grandes mudanças políticas, sociais e econômicas, que refletiam significativamente na produção cultural do país, inclusive nas tradições populares e no folclore. Nos primeiros anos do século XX a etnografia, a linguística e a antropologia ganhavam espaço e tempo como campos de estudo e de pesquisa, consequentemente se inicia uma sistematização científica na documentação das tradições populares e do folclore, até então considerado um campo de estudo desprovido de maiores critérios metodológicos. Participou do 1º Congresso Afro-Brasileiro - 1º CAB, realizado no Recife em novembro de 1934 como Presidente da Comissão de Folclore, coordenou a sessão de debates sobre o Folclore/Arte; no artigo sobre “Aspecto da Influência Africana na Formação Social do Brasil” publicado no segundo volume dos anais do 1º CAB, Rodrigues de Carvalho cita uma das várias versões da lendária cantoria entre Romano de Mãe d’Agua e Inácio da Catingueira, realizada na Vila de Patos em 1870 e publicada no Cancioneiro do Norte, primeira edição, 1903. Mais uma vez aparece o pioneirismo do autor que inovou levando para o debate no 1º CAB os desafios, as cantorias cujas teISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
15
máticas eram quase desconhecidas entre os estudiosos da época. O congresso presidido pelo sociólogo Gilberto Freyre reuniu estudiosos de diferentes regiões, provocando polêmicas na jovem academia, na imprensa e divergências ideológicas nos diferentes segmentos da intelectualidade brasileira. Os debates, as conferências e as sessões temáticas no congresso sobre as questões da negritude, da mestiçagem e do sincretismo despertaram novos olhares sobre as tradições populares e do folclore, que passaram a ser estudados com maior rigor científico. E como já dito anteriormente, não mais visto como motivo chufa, mas como uma perfeita noção do que seja o folclore e a sua importância histórica para a construção simbólica de uma identidade brasileira com bases teóricas lideradas por Gilberto Freyre. Manuel Diégues Júnior, no prefácio da edição comemorativa do centenário de nascimento do autor do Cancioneiro do Norte, publicada em 1967, ressalta a importância de Rodrigues de Carvalho e de suas obras ao afirmar:
se o autor previsse o possível desenvolvimento deste folguedo em transição do rural para o urbano. Ou seja, saindo da periferia para o grande centro como um espetáculo híbrido, como acontecimento de grande repercussão cultural. No Cancioneiro do Norte o autor chama atenção para os estudos das narrativas populares, escritas ou orais, que se cruzam nos versos e nas palavras de origens portuguesa, africana e indígena e que as definiu como narrativas de espécime de hibridismo. Rodrigues de Carvalho registra vários exemplos de narrativas populares (contos, cantos, lendas, fábulas, etc.), onde há o hibridismo dos três elementos já entremeados de tantas outras influências, o que torna sem maiores significações estudar isoladamente as suas origens. As observações, até fora do seu tempo, com relação ao que seria o universo simbólico de construção da identidade nacional, com uma visão mais ampla sobre a influência das diversidades culturais brasileiras, de certa forma, divergiam dos paradigmas predominantes na época.
Conheci pessoalmente Rodrigues de Carvalho em novembro de 1934, por ocasião do Congresso Afro-Brasileiro, do Recife; participamos, ele como Presidente, eu como Secretário da Comissão de Folclore naquele Congresso que a iniciativa de Gilberto Freire fizera reunir, com a colaboração de especialistas os mais variados: médicos e bacharéis, professores e estudantes, folcloristas e babalorixás. Já o conhecia então de nome; e de livro.
Mais uma vez recorro ao magnífico prefácio de Diégues Júnior ao afirmar que:
A preocupação do autor em desenhar uma cartografia das manifestações folclóricas, foi uma demonstração do seu pioneirismo com uma visão futurista sobre a diversidade das manifestações culturais tradicionais e do folclore como: a religiosidade, as festas, as danças, os folguedos, as canções, as poesias e tantas outras expressões do povo. No percurso desenvolvido sobre a manifestação folclórica do Bumba-Meu-Boi em diferentes regiões do país, Rodrigues de Carvalho, pontua cada singularidade dessa manifestação na sua localidade, na cidade ou na roça, assim como observou o espetáculo do Bumba-meu-boi: Pelas cidades o boi perde a sua graça primitiva; na roça, porém, a coisa toma proporções de acontecimento notável. Nesta observação do Bumba-Meu-Boi é como
16
| Julho/Agosto/2018
O hibridismo etnológico, referido por Rodrigues de Carvalho, traduz-se justamente nesta mistura em que, embora se possa indicar a fonte originária, não se pode estabelecer a sua exclusividade. É com absoluta razão, antecipando-se aos modernos estudos de regionalização cultural do Brasil, que o velho folclorista de 1903 procurava caracterizar as produções folclóricas por zona, e não por etnia; o que ele via na zona, aliás numa antecipação a modernos estudos, era justamente o elemento cultural em contato, produzindo pela fusão ou absorção dos elementos originais novos elementos, marcados pela feição do ambiente. Portanto, não só foi um dos pioneiros dos estudos do folclore como antecipou, nas primeiras décadas do século XX, teorias atuais dos estudos latino-americanos, quando emprega o termo hibridismo, e não exclusivamente os termos de sincretismo ou mestiçagem para definir os amplos processos de intercâmbios das diversidades culturais tradicionais. O primeiro termo por se referir quase sempre às questões raciais e o segundo quase sempre às questões religiosas. Rodrigues de Carvalho faz o seguin-
ISSN: 2357-8335
te questionamento: Como afirmar se o canto A de origem europeia, a canção B indiana, a chula C africana, se o meio em que se recolhem tais produções é o resultado de um manifesto hibridismo etnológico? Para justificar o uso do termo “hibridismo etnológico”, o autor ressalta a importância dos estudos comparativos dos valores culturais que constituem as tradições populares brasileiras, que atravessaram centenas de civilizações ao longo dos anos, de geração em geração e foram adaptando-se aos nossos costumes, onde a tradição se transfunde ao longo do tempo. Faço aqui um outro questionamento: talvez Rodrigues de Carvalho tenha empregado o termo hibridismo, já no início do século XX, antevendo os processos de dinamizações das culturas tradicionais e das culturas contemporâneas tão debatidas, tão polemizadas nos estudos e nas pesquisas atuais entre culturas midiáticas e culturas populares. Evidentemente levando em consideração a época que foi publicada a primeira e a segunda edição aumentada do Cancioneiro do Norte. Rodrigues de Carvalho teve a preocupação de registrar os problemas das secas, do ciclo do cangaço e de outras temáticas socioculturais que eram motes nas cantorias, nos versos dos poetas populares e nos enredos dos folguedos para demonstrar que não existia uma tradição cultural, mas uma diversidade de manifestações tradicionais que se espalham nas diferentes regiões do território brasileiro e que continuam atualizando-se. Como ele mesmo diz no final do seu prefácio: Este livro não representa uma ambição literária, nem aspira à glória de obra limpa; ele significa um esforço por bem da intelectualidade anônima dos filhos do Norte. A reedição de Cancioneiro do Norte, depois da publicação em 1995 pelo Conselho Estadual de Cultura, significa não só uma justa homenagem ao seu autor como também possibilita que novas gerações possam conhecer o trabalho pioneiro dos estudos e das pesquisas desenvolvidas por Rodrigues de Carvalho na virada do século XIX para o século XX. É importante dizer que a edição fac-similar do Cancioneiro do Norte continua atual como referência bibliográfica, para quem deseja conhecer os primeiros registros do nosso folclore e realizar estudos comparativos sobre os hibridismos etnológicos na atualidade. g
LITERATURA LATINOAMERICANA GARCÍA MÁRQUEZ E A REALIDADE DE TODOS OS POVOS André Lucena
Aureliano Buendía foi o primeiro filho de dois familiares imigrantes colombianos que, até vê-lo vivo e com alguma saúde, tinham uma crença destemida e um medo feroz de que pudesse nascer com rabo de porco. Foi coronel, promovendo trinta e duas revoluções armadas e perdendo todas. Aureliano teve dezessete filhos homens de dezessete diferentes mulheres. Sobreviveu a um pelotão de fuzilamento. Lá, instantes antes da morte que não veio, lembrou da tarde remota em que seu pai, o lendário e incansável José Arcádio Buendía, o levou para conhecer o gelo. Nessa época, Macondo era ainda uma remota aldeia e seus habitantes enlouqueciam com a chegada dos ciganos vindos de todos os lugares de um mundo desconhecido, de terras infernais que desafiavam a sobrevivência e promoviam a magia. Aureliano, desde pequeno, trazia uns olhos tristes e um ar de solidão que denunciavam de imediato que pertencia à estirpe dos Buendía. Uma família de sete gerações de mulheres heróicas e incapazes para o amor, e de homens empreendedores de ideias inalcançáveis e de paixões mortais. No fim de sua vida, Aureliano fabricava peixinhos de ouro – oficio que aprendeu com o pai – para, depois, desconstruí-los, num ciclo eterno e incompreensível. Macondo, que então tinha se tornado um município, viu a chegada de estrangeiros, – vermelhos como camarões – viveu a peste, a insônia, acostumou-se a uma chuva eterna, cuja duração ultrapassou os anos, e morreu em si mesma, envolta em pó e solidão. Eis o universo construído por Gabriel García Márquez, em Cem Anos de Solidão, e que nasce da sua mais verdadeira percepção da realidade. O realismo literário do escritor colombiano, prêmio Nobel de Literatura em 1982, diferente do que costuma ser rotulado desde as primeiras críticas de sua obra, não se trata de “realismo fantástico”. Aliás, dizer que existe “realismo fantástico” na literatura latinoamericana é desconhecer que,
ali, o fantástico e a realidade são uma coisa só. A loucura latinoamericana descrita por García Márquez em Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera e O Outono do Patriarca, entre outras obras fundamentais, não está distante daquilo que se costuma chamar realidade. A realidade narrada pelo Gabo (apelido de infância do escritor colombiano) é, antes de tudo, verdade, sem fantasias. É poética, porque a isso se propôs o escritor: fazer de cada linha, em suas histórias, uma leitura poética da realidade. É cheia de imaginação, porque é humana. Se é humana, portanto, é sobre todos nós: latinos, africanos, asiáticos, europeus ou norte-americanos. Ou habitantes de Macondo, a cidade solitária e desconhecida. A obra de García Márquez, por sua riqueza e vastidão, supera as limitações daquilo que se propõe a rotulá-la ou diminuí-la. Atribuir o termo “realismo fantástico”, como alguns críticos literários europeus fizeram no início, é admitir sem perceber que é inútil tentar interpretar a realidade latinoamericana por meio de padrões racionalistas. No seu discurso, ao receber o Prêmio Nobel, o escritor colombiano refletiu: “A interpretação de nossa realidade em cima de padrões que não são os nossos serve apenas para nos tornar ainda mais desconhecidos, ainda menos livres, ainda mais solitários. A América Latina não quer, nem tem qualquer razão para querer, ser massa de manobra sem vontade própria; nem é meramente um pensamento desejoso que sua busca por independência e originalidade deva se tornar uma aspiração do Ocidente. No entanto, a expansão marítima que estreitou essa distância entre nossas Américas e a Europa parece, ao contrário, ter acentuado nosso distanciamento cultural. Por que a originalidade nos foi agraciada tão prontamente na literatura e tão desconfiadamente nos foi negada em nossas difíceis tentativas de mudanças sociais? Por
que pensar que a justiça social perseguida pelos europeus progressistas aos seus próprios países não pode ser um objetivo da América Latina, com métodos diferentes em condições desiguais?” Os anseios, desejos e medos humanos, descritos na literatura e nas artes em geral, e profundamente presentes no dia a dia de cada um dos cidadãos, não fazem diferença entre si, conforme o lugar em que se vive no mundo. A universalidade dos sentimentos é total. O desejo e a luta por condições de vida melhores, por justiça e por igualdade são os mesmos, em qualquer região do mundo. Trata-se de compreender que os meios e as condições não são as mesmas para todos e, por isso, é preciso entender cada um conforme a sua realidade. Que um povo emergido na contradição, como o latinoamericano - cuja criatividade e sensibilidade naturais se chocam com a entrega secular do poder a caudilhos das mais diferentes espécies - jamais poderá ser compreendido se os demais povos tentarem enxergá-lo através de um racionalismo que restringe e limita. O contrário também é válido. Gabriel García Márquez foi o escritor de um povo e, também, o escritor de todos os seres humanos. Narrou os sentimentos como são, sem floreios literários, mas com a riqueza e profundidade típicas dos grandes escritores. Sua prosa é a de um velho contador de histórias e nós, leitores, estamos sentados em frente ao lendário prosador, ouvindo-o dizer das mulheres que subiram aos céus através dos lençóis, das meninas que comiam cal de parede quando ansiosas e daqueles que conversam com os mortos. Nós nos perdemos através de períodos longos e pouquíssimos diálogos, numa literatura que tudo fala e nada precisa explicar. Ali, compreendemos o amor, a solidão, a inveja e o poder. Por isso, o seu realismo não é “fantástico”, mas o realismo da riqueza e da imaginação que todos carregamos. g ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
17
PARAIBANOS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
A POESIA PARA VÓS É LUZ, É GUIA, É PÃO, E É VIDA (*) Adelmar Tavares
Sr. Pereira da Silva: Outra vez, hoje, como outrora, juntos, irmanados, unidos, coração a coração, nós três, para falarmos de poesia... Ele, vós, e eu. Luís Carlos, hoje, como ontem, como amanhã, como sempre, no halo da sua imortalidade, que o vejo como o vi, pela primeira vez, naquele morrer de tarde, em que me levastes à sua casa de São Cristóvão, como já tive ocasião de o evocar: – no jardim, ainda dia e quase noite, alto, nobre, e belo, com um braçado de rosas, e um anjo de olhos verdes a seu lado, que era sua filha, entre roseiras; e aquele ar de quem parecia carregar a fadiga da escalada de algum céu, como de Flaubert diziam os Goncourts. Mais nítido, mais vivo, mais presente, tenho agora o quadro nos meus olhos!... Vejo-o conosco, sorrindo o seu sorriso de santo, feliz da claridade celeste. Vejo-o, como o vi, sobraçando rosas para a vossa Noite Acadêmica, Sr. Pereira da Silva, – pois se os mortos vêem, ouvem, e vivem, – outra mais grata não poderia ser à sua Alma, nem tornar mais leve e contente o seu espírito. Luís Carlos, essa criatura de exceção que passou pela vida, luminosa e levemente, como um raio de luz, e a quem nos uniram os laços de uma estima verdadeiramente fraternal, e para quem jamais secará a fonte da saudade de minhas lágrimas, teve além disso, convosco, Sr. Pereira da Silva, as maiores afinidades de inteligência e de sentimento, de espírito revelador e de emoção criadora. Essa “fatalidade sorridente” que é a Poesia, na vossa expressão, deu-vos a ambos os mesmos estremecimentos de alma no refletir a música velada dos seres, e a mesma intranquilidade espiritual em perquirir os arcanos insondáveis dos mundos que vão muito além do nosso conhecimento. A mesma destinação vos impediu nas esferas subjetivas. Embora preconceitos de escolas ou ideias preestabelecidas na conceituação
18
| Julho/Agosto/2018
de correntes estéticas, queiram ver dessemelhanças nos sentimentos que orientam os vossos ritmos, chamando a um parnasiano-herediano, e a outro simbolista de vinco místico, o que é verdade, é que no fundo vos irmanaram sempre as mesmas finalísticas de arte no anseio da perfeição, e as mesmas inquietudes em querer desvendar ou exprimir musicalmente tudo que o espírito reflete ou investiga diante do Universo visível, ou aparentemente visível, e do mundo interior que cada um de nós traz dentro do coração. Se Poesia é, como entendo, imagem expressa de maneira musical, poderá um estéril convencionalismo classificar poetas desse ou daquele gênero, com tais ou quais tendências anímicas ou sensíveis, filosóficas e estéticas, porque afinal todos provirão de um mesmo ponto, – ramos de uma só árvore – ou vagas do mesmo Oceano. Se tudo tende à unidade, na direção atual do pensamento einsteiniano, havemos de marchar com o Mestre, para a sua teoria do “campo unitário”. Ainda não faz muito, a imprensa revelava o que ele dizia a Papini da sua teoria simplificadora, fazendo-lhe ver que desde os tempos dos Gregos a ciência aspirou a unidade, e acentuava que na Vida e na Arte ocorre o mesmo. “O amor tem de fazer de duas criaturas um ser único”; e a poesia, “com o uso perpétuo da metáfora que assimila os objetos diversos, pressupõe a identidade de todas as coisas”, pondo em relevo que as ciências caminham a passos gigantescos para se reduzirem à Física, e a Física a uma só fórmula: – algo se move. Se vemos Einstein querer a simplificação de teorias científicas universais, vemos Spengler frisar que a Estética concedeu sempre um valor supremo às diferenças conceituais, não temporais, entre os diversos ramos da Arte, obedecendo isso simplesmente a que se não tem sabido penetrar o profundo do problema, porque “as Artes
ISSN: 2357-8335
são unidades vitais, e o vital não admite divisão”, criticando Spengler que os rumos de uma “pedanteria erudita” vêm sendo o de quererem trazer separações no território infinito da Arte, atendendo-se aos recursos e técnicas mais exteriores, dividindo-se a Arte em artes particulares que “se supõem eternas com princípios formais eternos”, quando, se as artes têm limites – “limites da sua alma convertida em forma”, – “esses limites terão de ser históricos, não técnicos ou fisiológicos”, “uma arte é um organismo, não um sistema”. Ora, se Spengler verbera a divisão da Arte em artes particulares com princípios formais imutáveis, e cada artista tem a arte que expressa o seu temperamento, no seu tempo, por que dentro de determinada esfera nos domínios da Poesia, estarmos a descobrir diferenciações para colocarmos os poetas em províncias diversas, sob correntes e variantes estéticas?!... Cada um é a sua alma, e todos são poetas. Estou convosco, em que em Poesia não há de como nos lotearmos em românticos, e parnasianos, e simbolistas, decadentes, pessimistas, passadistas, modernos, e futuristas, todos esses ismos, enfim, que desarvorastes na loquacidade daquele repórter, que foi por uma manhã, perturbar a serenidade do vosso lar, e a beatitude do vosso êxtase, para saber, Sr. Antônio Joaquim Pereira da Silva, se seríeis no conflito das escolas, pelo romantismo, ou parnasianismo, simbolismo ou modernismo, – e ao que, na rotativa da vossa mesa de estudo, – trançando as pernas como tão de vosso hábito, batestes a cinza do vosso cigarro de palha, e dissestes ao rapaz agitado, olhando-o bem nos olhos, martelando as sílabas da resposta desconcertadora: – Meu caro amigo, em todos esses ismos, só a um tiro, compungido e respeitoso, o meu chapéu. (E solenemente) – o ca-bo-ti-nis-mo...
* * * Na vossa poética, como na de Luís Carlos, – sem indagar de um a feição “herediana” ou – “delisleana”, – ou do outro a leopardiana, baudelairiana, ou místico-pessimista, prende-me apenas que me encontro em face de dois Poetas no conceito schopenhauereano da “alta poesia”, do poeta, – homem universal – que “se apodera da inspiração no seu vôo, e lhe dá corpo nos versos”, espelho da humanidade, – onde a Natureza se debruça em todo o fulgor do seu espetáculo. Se me encontro em face de dois Poetas, estou conseqüentemente em face de dois filósofos. O Poeta sempre foi o filósofo que procura expressar em versos a Verdade, – essa pobre Verdade, – ilusão sonora do Mundo, que o homem persegue como uma criança a própria sombra, através de escolas e sistemas, teorias e pressupostos, velhas imagens que se renovam, cada vez mais falazes e fugidias, sobrepairando a toda essa logomaquia filosófica, a Contradição, angustiando e aturdindo a nossa frágil curiosidade que quer saber... Se a história da filosofia é em grande parte um conflito de temperamentos, sendo Platão, Locke, Hegel, Spencer, homens que o temperamento fez pensadores – como quer William James – convenhamos que a Verdade ficará, para sempre, recolhida e tranquila, no fundo do seu poço, sem que toda nua se nos revele jamais. Diz-nos Bourdeau, – e quero o mais possível falar por suas palavras para lhe não mentir ao pensamento – que desde dois séculos vem a filosofia, pelo espírito crítico, pelo de exame e pesquisa inquieta, a rumar destinos novos para a humanidade, vincando a sua influência na arte, na política, e na religião. Ele observa que a obra de Karl Marx está impregnada de Hegel e de Feuerbach; que Sorel pôs sob a invocação dos mitos e da filosofia da intuição, o seu evangelho da violência; o drama musical de Wagner está todo penetrado da filosofia de Schopenhauer, e o modernismo católico, inspirado do pragmatismo. Frisa que desde 1870, dois pensadores de gênio que foram ao mesmo tempo dois grandes escritores, dominaram a pequena república da gente que pensa: – Schopenhauer e Nietzsche. Schopenhauer criou-se um público de broyeurs de noir, pretendendo levar-nos ao nirvana budista, ao ascetismo cristão, enquanto Brunetière nos aponta os caminhos de Roma, e Tolstoi os de Belém; e Nietzsche, que ele chama apóstolo da força e da alegria, evoca a vida “intensa e perigosa dos homens da Renascença pagã”. Acha, porém, o pensador de Philosophie Affective, que não fizeram escolas, e desde Kant e Hegel, não vê mais fundadores de dinastia filosófica, pois os grupos se dispersaram, enquanto Ludwig Stein nos fala dos neo-i-
dealistas, dos neo-positivistas, dos neo-românticos, dos neo-vitalistas, individualistas, evolucionistas, etc., concluindo-se de todos esses neo que “antigas idéias são retomadas, postas de novo, como se o pensamento estivesse condenado a girar nos mesmos círculos e a vazar nos mesmos moldes”. Voltaire dizia com amargura – “consumi cerca de 40 anos em minha peregrinação em dois ou três rincões do mundo, buscando essa pedra filosofal que se chama a Verdade. Consultei a todos seus adeptos da antiguidade, a Epicuro, e Agostinho, Platão, e Malebranche, e continuei na mesma pobreza! Se bem que no crisol desses filósofos haja uma ou duas onças de oiro, tudo mais é resíduo, caput mortuum, lodo insípido”. E depois de debruçar-se sobre a antiga filosofia grega, conclui, melancólico e irônico: – “Fora das asserções dos antigos filósofos, que é que me resta? Um caos de dúvidas e quimeras. Não creio haja existido jamais um filósofo, que haja proposto um novo sistema, que não confesse no fim de sua vida que haja perdido o tempo. Tem de confessar que os inventores das artes mecânicas têm sido mais úteis à humanidade que os inventores dos silogismos, e o que inventou a lançadeira da máquina, foi mais útil que o que adivinhou as idéias inatas.” Só uma verdade, porém, ressalta claramente verdadeira, Sr. Pereira da Silva, de todas as filosofias: – é a dor do nosso pensamento, na pesquisa da felicidade, na libertação do mal universal, na luta contra o Destino. Pensamos porque sofremos, ou sofremos porque pensamos? Qualquer das veredas que tomemos, chegaremos inevitavelmente a amargurada conclusão: – a dor do nosso pensamento. Perquirir, duvidar, investigar, interrogar, eis o eterno selo impresso ao sopro vital da primeira consciência. Demos, porém, a palavra ao Eterno Presente, ao que está hoje, como ontem, como sempre, entre nós, – sorrindo o seu sorriso de santo, com as mãos cheias de rosas, – a Luís Carlos, nos quatorze versos admiráveis de
INQUIETAÇÃO Desassossego do meu ser humano! Mórbida exaltação dos meus sentidos, Que me estende a sem fins desconhecidos Com profundo sabor de abismo e arcano. Pesa o Universo em mim como um tirano! No olhar, cabem-me os céus indefinidos; Nas conchas univalves dos ouvidos As sinfonias trágicas do Oceano.
Quem sou no meu conspecto diminuto, Para encerrar esse desígnio imenso, De ver e ouvir a essência do Absoluto?! Nesta interrogação vivo suspenso, Sofrendo já pelo que vejo e escuto, Sofrendo muito mais pelo que penso. Assim, na mórbida exaltação dos nossos sentidos, sob a tirania do Universo, com os seus sem-fins de arcanos e abismos, – parece melhor ficarmos com a definição daquele budista de quem nos fala Alexandra David: – “a melhor definição da verdade, é o silêncio”. Ou façamos pórtico do conhecido verso de Vigny, na “Morte do Lobo”: Seul le silence est grand, tout le reste est faiblesse... * * * Presas da angústia universal, – vê-se da obra de Luís Carlos e da vossa, Sr. Pereira da Silva, a mesma alma aflita, como a ave do oceano batida dos raios da tempestade, a procura da ponta de um rochedo. Ambos achais essa ponta de rocha na Religião. Na Religião Cristã. O homem diante do mistério, abriga-se no seu Deus. Em face do Infinito, da Eternidade, o homem vendo-se átomo, poeira, nada, refugia-se na sua crença, e grita para o seu Deus como uma criança que se vê perdida na escuridão. Só na tábua da fé, encontra esse náufrago a luz de uma longínqua salvação. As lágrimas dos homens e a poeira dos séculos estatuaram os seus deuses, levantando no Visível Intangível os símbolos da Fé. Sendo como sois, um poeta da “alta poesia”, Sr. Pereira da Silva, voltando o vosso espírito para as cousas transcendentes da vida, e a investigação da Verdade, os círculos da Dor e as injunções do Destino, tatalaram a princípio, as asas aflitas do vosso espírito, como uma borboleta num vitral. Aturdido, diante de Religiões, Ciências, Artes, Filosofias, clamais em Va Soli, vosso primeiro livro, céptico e desalentado: – “Isso tudo... isso tudo... o que vale isso tudo”?!... para depois rumardes firme, e lançardes âncoras fortes na doce Religião de Jesus de Nazaré, como se vê de todos os vossos livros: de Solitudes, de Beatitudes, de O Pó das Sandálias, de Holocausto, de Senhora da Melancolia. Por todos os vossos poemas, ressoa um órgão profundo de templo cristão, e erra um perfume amável de turíbulo de altar. É que ficou por toda a vossa vida, no fundo do vosso coração, entranhada no vosso espírito, como substratum da vossa personalidade, o incenso da igreja de Araruna – a pequena cidade nordestina da ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
19
Paraíba, que se orgulha de ter sido vosso berço. Aos 8 anos, quando começastes a abrir os olhos para a Vida, quase não correstes as verdes campinas como Casimiro, porque o vosso dia transcorria entre a escola das primeiras letras e a igreja. Éreis o acólito, o coroinha, o ajudante da Capela da Conceição. Sopráveis as brasas do incensório, envergáveis a opa, tangíeis os pequenos sinos alegres que alvoroçavam a pequena cidade ao pé da serra, e batíeis as profundas badaladas do sino grande que quebravam o silêncio da Borborema, e chamavam ao recolhimento e à prece as almas cristãs, pelas Ave-Marias. Despertáveis a inveja calada dos pequenos ararunenses de vossa idade, que vos olhavam de olhos úmidos, quando no coro a vossa voz de pureza e harmonia entoava os cânticos do Mês Mariano. Cerrada a igreja, abafada a última vela do altar-mor, vos recolhíeis à modesta casa paterna, – carpinteiro o vosso pai, como São José, – e aí era o preparo das aulas do dia seguinte, e o deitar cedo para o tanger das matinas. Sempre me falais dessa casa dos vossos primeiros dias: – pequena, baixa, atarracada, com o telhado esbeiçado para a calçada da rua, com uma meia porta e uma janela alta de onde víeis cair em bicas a água da chuva que tanto vos entristecia. A sala de frente era toda uma quinquilharia de bancos altos e de serras, e serrotes, e plantas, e metros, e limas, e puas, e formões, e enxós, e madeiras, e tabuados, e tornos, onde por entre isso tudo, vosso pai, curvado e triste, com a atenção de um químico num laboratório, desfiava os seus dias e os seus serões, cortando, lavrando, desbastando, aplainando, fazendo surgir entre as suas mãos de milagre tão lindas cousas de arte, numa lida sem descanso. Falais-me sempre das suas violas: – “Meu pai era para as suas violas, por todo aquele mundo sertanejo, o que era Stradivarius para os seus violinos. Eu me ficava horas inteiras a olhar e admirar a sua paciência na manufatura daquelas longas e leves caixas que iriam guardar os suspiros e as tristezas de amor dos poetas do meu sertão! Quando meu pai morreu, recolhi como herança, e conservei por muito tempo, uma cruz de madeira na qual ele trabalhou até as vésperas. (Profecia talvez, de meu Destino). Eu deveria chamar-me Pereira da Cruz. Hesitei em assinar-me assim. Mas, por ele mesmo, fiquei Pereira da Silva.” Um dia, vestido de luto, deixastes a pequena casa da vossa infância, a cidade ao pé da serra, a igreja das romarias e das missões que tão funda impressão vos deixou, como se vê da vossa obra, deixastes a sombra azul da serra natal, e aqui chegastes, como quem desperta de um pesado sono de breve noite. Nunca esse pequeno mundo, porém, saiu da vossa recordação!... Nunca a sombra da Borborema deixou de se esbater na
20
| Julho/Agosto/2018
vossa memória, nem a palavra daquele Frei Marcelo da Graça de Maria se amorteceu na concha do vosso ouvido, como esse doce misticismo cristão da Capela de Araruna jamais deixou de formar a vossa personalidade artística, lastreando e forrando toda a razão de ser da vossa poesia. Isso mesmo, no-lo mostrais em Beatitudes, naquela “A Loa da Vagabunda”, em que deixais falar toda inteira a vossa alma, e a vossa saudade, através da música, da sinfonia larga e maravilhosa dessas estrofes, cujo teclado é segredo pressentido tão-só dos grandes iluminados da Divina Arte: Lembra-me bem da minha nobre terra. Tudo era verde. Havia sobre a serra Eternamente incensos de nevoeiro. E vales, montes, – o ambiente inteiro Era só flores, – um montão de flores Em que eu fitava os olhos cismadores, Feliz de ver-me num torrão fecundo, Belo e floral como o jardim do mundo. Lembra-me bem daquela Natureza: Céus imortais em tons de azul-turquesa, Campos ridentes, prónubos pombais, Gados às soltas, cheiro de currais, E, às horas fortes dos sertões, à sesta, O conforto sombrio da floresta, Alfombras mais suaves que o veludo... O coração e o pensamento em tudo. Eu era um Ser, eu tinha amor à Vida, Tal qual se fora uma árvore florida. Filha da Terra, era da terra amada: Amava e ouvia tudo: – uma levada Que ia a correr tumultuosamente Para dar água pura a toda gente, Um ninho balouçando na ramagem, O desmaio da luz sobre a paisagem... E depois de evocardes que aí ouvistes a primeira missa na igreja branca e pequenina, e que vossa alma, como a alma de uma criança, caiu de joelhos aos pés do altar da Virgem, entre montões de flores, e os vossos ouvidos recolheram eternamente o alado barulho dos pássaros votivos da manhã, clamais:
ISSN: 2357-8335
Ah! minhas horas íntimas, caladas, Ermando ao largo e ao longo das estradas! Arvoredos sombrios dos caminhos, Romantismos de pássaros e ninhos, A primavera reflorindo os montes, As verduras idílicas das fontes, A casa branca, a festa das abelhas, E as andorinhas no desvão das telhas! E hoje – que sou? – a eterna forasteira, A Errante, a Vagabunda, a aventureira De um lar deixado pelo mundo incerto... Sou uma voz perdida no deserto;
A “desplantada” que ninguém compreende, Fantasma, sombra, espírito, duende, A Alma da Aldeia, expiando as culpas suas, No tumulto das praças e das ruas. Mas guardarei a minha dor obscura. Nenhum de vós terá minha ternura, Nenhum de vós, homens que estais passando! E só, dentro de mim, de quando em quando – Árvore morta das evocações – Eu viverei minhas recordações, A minha aldeia, o meu torrão fecundo, Que hoje é que eu sei: era o jardim do Mundo! Vivendo vossas recordações, nunca a “desplantada” deixou de gemer no fundo de vossa alma o seu canto aflito de inhambu saudoso dos seus céus imortais, dos seus campos ridentes, dos seus montes e vales floridos, dos seus arvoredos sombrios, das suas fontes idílicas; e, em plena vida, por outras terras e outras gentes, lembrando o pequeno ninho lá longe pendurado na ponta do pau d’arco nordestino, vos julgais “uma voz perdida no deserto”. Homem do século XIX, refletis no espelho de vossa alma o pessimismo que ele fez derramar no pensamento dos seus filósofos e no sentimento dos seus artistas, entendendo Metchnikoff que foram mesmo os poetas que encheram o século dessa concepção pessimista através de “sua sensibilidade exagerada”, ouvindo-se, logo de começo, a nota de dor da voz oceânica de Byron que clamava através do bronze sonoro de suas estrofes: – “Our life is a false nature”. Chame-se Schopenhauer, ou Hartman, ou Mailaender, – Schopenhauer que combinou na sua “filosofia hipocondríaca” Platão e o Buda, um a Arte, outro o Misticismo; – chame-se Leopardi, Lamartine, Verlaine, Baudelaire, Hugo ou Vigny, filósofos ou poetas – por todas as almas esbatia-se através dos séculos – a sombra misteriosa daquele Príncipe Predestinado que pervagara entre lótus azuis e figueiras imensas, nos bosques indianos, a pensar nos destinos da humanidade, e na dor como princípio e como fim de todas as cousas e seres de um mundo só de tormentos. Se essa sombra imensa do mal do século, da doença de Werther, ou de René, se esbate na vossa Musa que encontra, como flor de sombra, ambiente próprio para melhor florir, revestis, como Leopardi, o vosso pessimismo de uma forma religiosa, que está em vós nessa dobra austera, sombria e ascética do Cristianismo. F. Caro assinala que cada um faz um pouco a religião à sua imagem, e aí põe a dobra particular do seu espírito, e por isso vislumbramos no vosso, Sr. Pereira da Silva, nitidamente, as linhas formadoras daquela filosofia grega – patrística – que tem como fontes da filosofia cristã a Bíblia,
Philon, Plotino e Platão, – Deus como Bem Supremo, Deus – Razão Suprema, Deus – Espírito Supremo, e está na filosofia de São Justino, de Tertuliano, de São Clemente de Alexandria, de Santo Atanásio, de São Gregório de Nazianze, de Santo Agostinho, presidindo-vos aquela caridade cristã que emana da Moral dos seus filósofos, – sendo a bondade no homem, – caridade, amor de Deus e amor de todos os homens em Deus, e em nome da qual, na eloqüência de São Paulo, tudo se suporta, tudo se crê, tudo se espera, tudo se sofre. É verdade que Deus numa outra Vida Há de punir os pulsos do homicida, Há de chamar a contas o ladrão, E os que denegam santidade à igreja, E por ódio, maldade, infâmia, inveja, Fizeram jus a toda maldição. É bem verdade que se deve amar Os que perderam tudo, a paz do lar, O amor à Vida, os bens do coração, E da existência venturosa em meio Passam sem ter nesse prazer alheio A mais humilde participação. Sim, nós os filhos natos da Verdade. Porque sentimos toda a humanidade Em nossos lances para a perfeição, Nós devemos dizer ao povo obscuro, Como quem fala a um preso atrás de um muro, Tudo que as almas justas lhe dirão. Aninhado na vossa fé, a dor que cantais é triste, a verdade que pregais é triste, tudo, porém, o fazeis num arrulho de doçura, pois tem ela aquela mesma qualidade artística exquise que Faguet observou em Lamartine: – “É uma dor que não braceja, nem grita. Pinta estados de sentimento, sem ímpetos de violência, nem relevo duro, com o talento de tornar sensíveis os nevoeiros, as cerrações,
as regiões brumosas e carregadas da Alma. Pinta essas horas crepusculares, de langores serenos que o fim dá a tudo, e têm para o coração impressões doces como passos mudos que marcham sobre musgos”... *** Por uma manhã de 1895, lestes um edital chamando a mocidade a preencher os claros abertos na Escola Militar com a Revolta de 93. Abria-se a flor dos vossos 17 anos. Ficastes longo tempo com o jornal entre as mãos, e o pensamento distante. Estava ali uma bela carreira, – o soldado, a Pátria, a bandeira, o futuro. Partistes para a Escola Militar, e vos inscrevestes, apertastes o cinto, envergastes a farda de botões de oiro, enterrastes à cabeça sonhadora o quepe com o número de vossa matrícula, e ao sol, e aos ventos de uma manhã gloriosa, jurastes à bandeira auriverde. Soldado, como Camões, e como São Luís, como Vigny, e como São Jorge, o poeta e o santo dormiam no fundo dessa alma entusiasta. Mas a Pátria preocupava as escolas e os quartéis. Conspirava-se. E – quem o diria? – o cadete Antônio Joaquim era um conspirador perigoso!... Sussurrava coisas tenebrosas entre os companheiros. Prometia. Afirmava. Sabia... Dizia versos que rastilhavam incêndios nos moços corações que os ouviam. Era já em 1897. Do alto de um tamborete, no pátio da Escola, por entre a luz mortiça dos lampiões, proferia palavras candentes a favor de Floriano, contra Prudente. Aquelas mãos magras e pálidas, suaves e pastorais, – que à semelhança de César Dominici sobre Amado Nervo, – “pediam a nobreza episcopal da ametista”, faziam entrever as mais chamejantes bombardas, e por aquela cabe-
ça “que reclamava a tonsura”, estalavam chamas patrióticas e referviam idéias capazes de subverter todo o país no mais assustador dos cataclismas!... “O cadete Antônio Joaquim era um conspirador perigoso!...” No dia em que subiu Prudente novamente ao governo, estáveis em armas. Fostes preso, levado incomunicável ao Quartel General, e deste, sob a vigia mais cautelosa, para o 23º Batalhão de Infantaria, e depois vos mandaram servir no 13º de Cavalaria do Paraná. Aí, é que foi o sobressalto desse ingênuo e doce coração de mulher que é vossa mãe! Quanta infelicidade vinha a cair sobre o seu filho!... O número 13! As campinas do Paraná revoltadas!... O cavalo!... – aqueles cavalos bravios e guerreiros que o seu filho conhecia apenas em estampas de revistas!... Mas fostes, e dominastes os nervosos e luzidios cavalos, “de cascos relucientes y de ancas musicales”, e correstes como sobre asas de Pégasos as verdes campinas, e varastes com a ponta de vossa lança as sombras azuis dos altos pinheiros gementes e gloriosos. Na intimidade de Dario Veloso, – o Poeta e o Santo, o filósofo e o artista, que dormiam no fundo de vossa alma, desabrocharam inteiramente em ritmos, e só uma idéia vos tomava, noite e dia: – voltar ao Rio, completar o tempo de serviço, obter a baixa, e apanhar de um livro de Leis e oficiar com ardor no templo da Justiça. E assim o fizestes, voltando ao Rio em 1900 e pouco, quando entre nós irrompia a escola revolucionária do movimento literário simbolista, a desancar a Academia no seu primeiro decênio, (oh, as costas-largas da Academia!...) e malhando à vontade os nossos Coelho Netos e Murats, cognominados de fósseis, apegados às formas impassíveis de um parnasianismo retrógrado, e às tábuas movediças de um naturalismo agonizante.
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
21
Procurava-se com Gautier o sentido que as palavras ocultam fora do senso vulgar, e a cor que encerram, como diamantes, rubis, safiras, esmeraldas que as palavras são, – sendo que Rimbaud chegou a ver, não nas palavras, mas nas vogais, a cor, – o negro do A, o branco do E, o rubro do I, o azul do O, e o verde do U. Procurando-se a cor, perquiria-se com Verlaine a música que as palavras guardam no fundo de si mesmas, como os búzios das praias, os barulhos secretos do mar... De la musique, avant toute chose! ..................................................... Car nous voulons la nuance encore, Pas la couleur, rien que la nuance.... De la musique encore et toujours! O Simbolismo desfraldava-se, pois, para retomar a música de que o Parnasianismo e o Naturalismo haviam desapossado a Poesia. Sob a égide de Cruz e Sousa, pompeava entre nós a Rosa-Cruz, o hebdomadário vermelho capitaneado por Félix Pacheco, Carlos Dias Fernandes, Saturnino Meireles, e tantos, tantos outros. Procurastes a Cidade do Rio, de Patrocínio, e aí com Patrocínio Filho, Corinto e Pausílipo da Fonseca, Gonçalo Jácome, e Saturnino, e outros, sob o pseudônimo de J. D’Alem, ingressastes na imprensa carioca, e passeastes depois a vossa pena cintilante pelo Jornal do Commercio, pela Gazeta de Notícias, pela A Época, de Vicente Piragibe, e pela A Pátria, de Paulo Barreto. Aflorando o vosso espírito no grupo do simbolismo, onde fizestes de Félix Pacheco, e Saturnino, e Jácome, e Carlos Dias, e Nestor Vítor, e Castro Meneses, os vossos companheiros mais fiéis, a ponto de sair o vosso Va Soli, contemporaneamente com Astros-Mortos e Felix-Culpa, estáveis nas trincheiras dos petardos, éreis simbolista, revolucionário, carbonário, lenço-encarnado, mas não muito... como se diz na gíria carioca. Qualquer que fosse o templo onde se oficiasse a Beleza, vos descobríeis respeitosamente. A estrofe lamartineana, ou baudelaireana, leopardiana ou herediana, – Nobre, Antero, Junqueira, Raimundo, Murat, Bilac ou Alberto –, tudo ressoava no fundo da vossa alma profunda e mística com uma nota de piedade e reverência. Passaram as escolas literárias e os seus legionários junto de vós, e vós ficastes sempre o mesmo, olhando-os com aquela mesma serenidade com que víeis passarem outrora, assentado ao batente da casa branca de Araruna, nos vossos oito anos, – as missões e os missionários, que levantavam os templos de Cristo, pedra a pedra, na palavra da Fé, pelo sertão. Viveis, como Leopardi, no eterno exílio, e só
22
| Julho/Agosto/2018
a Poesia para vós, como para ele, é luz, e é guia, é pão, e é vida. Só ela é a Verdade. Conservais aquele aforismo de Baudelaire de que se pode passar três dias sem pão, mas nem um só sem poesia... Não fôsseis um sincero, Sr. Pereira da Silva, e não fosse a vossa obra toda uma expansão de sinceridade, – sangue, seiva, perfume e vida –, expressão de sua harmonia, ritmo feiticeiro da sua graça. Pois se tudo abateu, tudo que engana, Seguindo as leis fatais da vida humana, (Leis de que a gente raro se persuade) Tu me ficaste, límpida, incendida, Como a graça floral da própria Vida, Lua piedosa da Sinceridade! Essa sinceridade vos tem sido ressaltada e alcandorada pelos vossos críticos, mesmo por aqueles que vos queiram apenas ouvir no grave e predileto teclado do vosso instrumento, no teclado da dor, e é essa sinceridade que faz do vosso pessimismo não uma afetação ou uma atitude, mas essa “grandeza triste” que Faguet vê santificada e venerada no templo da Arte Imortal. Dizeis a cada passo, pouco vos importar de como se aprecie a vossa atitude em face da Vida: – “Que importa a mim que me vejam um Santo ou um cínico?... Tudo depende da margem em que se coloque o curioso da minha sensibilidade. O que sou, acima de tudo, é um sincero. Se outros, como Camões, beberam o amor no leite, eu bebi com Virgílio as lágrimas da Natureza.” Lendo-vos, pode parecer atravessar-se uma floresta cerrada, onde de raro em raro se esgueira uma flecha de luz. Pode ser triste. Mas como é grande! Dante, Poe, Baudelaire, Chopin, Liszt, Beethoven, arrastam constantemente os grandes mantos da dor pelos vossos caminhos. Como essas flechas de luz, a que me referi, cortam de espaço a espaço a cerração, cantais o Amor ou a Alegria. E que pena sentimos, depois, não ser sempre essa a nota da vossa Musa!... É como se mergulhássemos as mãos na água pura e fria da mata, e nos dessedentássemos da caminhada. Que frieza, que gozo e que perfume tem essa água! Será que toda essa pureza vem “da frágua e da rocha que a farpeiam, e a faz jorrar cintilações de estrelas”, como dizeis em vossos versos? Mesmo quando a Vida vos oferece a taça do prazer, e vos pondera que cada dia e cada instante que vos dá, “vale uma taça de vinho de oiro espumante”, vós a afastais dos lábios sequiosos, receoso do travo que está no fundo:
ISSN: 2357-8335
Mas eu lhe respondo: Vida,
Deixa-me só no caminho, – Só, de boca ressequida, Eu sei que a tua bebida Tem mais lágrimas que vinho! Se o Amor vos tocaia na encruzilhada, a vossa musa mística, na comparação de Dominici, semelha à andorinha da igreja, – escrava sempre da torre nos seus vôos. E assim, nós vos escutamos ao lado da mulher amada, naquela miniatura em sextilhas, tão festejadas pelos vossos críticos, e que ficarão na Poesia Brasileira antologiadas como paradigma do mais delicado lirismo: Nós já nos vimos um dia Nalguma velha abadia Dos primitivos cristãos; Tinhas a mesma beleza E não fito sem tristeza Teus olhos e tuas mãos. Como se explica a saudade Que tantas vezes me invade Quando cismamos a sós? Penso causas, e m’as dizes, E eu sinto n’alma as raízes Profundas de tua voz. Lembro mesmo uma passagem: – Certa vez, sob a ramagem Das aléias silenciosas, Comentamos reverentes O milagre das sementes, Das estrelas e das rosas... Sim! Já vivemos um dia, Na mesma velha abadia, Em tempos que lá se vão. A nossa alma é forasteira. Eu já fui frade, e tu freira, De algum convento cristão... Se, como diz o ensaísta de Tronos Vacantes, fica muito bem sobre a fronte dos Poetas a coroa de luz do misticismo, e “na sua acepção mais pura, as religiões não são mais que Poesia infinita e eterna”, – deixai-vos ficar com a vossa fé e com a vossa dor. A crítica já vos assemelhou ao Santo de Assis, que cantais a Beleza na humildade, as cigarras, os pássaros e as formigas, como vossas irmãs, as pedras da estrada e as águas das fontes, bendizendo as feridas do vosso caminhar! Chegais agora à porta da nossa Confraria. Podeis entrar, Irmão Antônio! Descansai com segurança. A sombra é amiga; o pão é puro; o vinho, amável. Já vos fazíeis esperar! Bem-vindo sede! Estais entre os vossos. g (Discurso de saudação ao paraibano A. J. Pereira da Silva, quando de sua posse na Academia Brasileira de Letras, na cadeira 18, em sessão do dia 26 de junho de 1934)
LITERATURA O ROMANCE HISTÓRICO EM VIRGINIUS José Octávio de Arruda Mello
Sumário: 1. O romance histórico em Virginius. 2. Comparação e fermentação histórica. 3. Da força de uma novela. A circunstância de não me encontrar fisicamente presente a este painel da Academia Paraibana de Letras, tão bem coordenado por Wills Leal, em nada me diminui. Isso porque, amigo, e, sobretudo, observador da obra de Virginius da Gama e Melo, sinto-me à vontade para, mesmo à distância, desenvolver o tema que me foi confiado. 1. O romance histórico em Virginius – Com relação a este, o que causa estranheza é que, apesar da abordagem de Ivaldo Santos Bittencourt, nenhum crítico literário se haja debruçado sobre os romances virginianos – todos históricos, pelos eventos dessa natureza sobre que se debruçam. Antes, porém, cabe uma ressalva, sob a forma de pequena digressão: A Vítima Geral (1975) e Tempo de Vingança (1970, 80), apesar de assim rotulados, seriam mesmo romances? – José Antônio Urquiza, por exemplo, não pensa assim. A referência a Urquiza também cabe porque, sócio de Virginius em empresa de cunho literário, coube a ambos retomarem, em 1974 e 75, uma das mais importantes promoções da cultura da Paraíba, ou seja, os Almanaques da Paraíba. Para o maior teórico da literatura paraibana, com quem tanto aprendi, conto, novela e romance distinguem-se pelas dimensões, sendo o primeiro curto, o segundo mediano e o terceiro de maiores proporções. Ora, no caso de Gama e Melo, tanto A Vítima como Tempo caracterizam-se pela feição mediana, o que os convertem em novelas muito mais que romances. Esse, todavia, seu lado formal. No essencial, tanto um como outro inspiraram-se em dois dos mais pungentes acontecimentos históricos da Paraíba. A Vítima Geral recorre ao atentado e agonia de Félix Araújo, afinal desaparecido em 1953. Já Tempo de Vingança volta-se para o assassinato do presidente João
Pessoa, reconhecido como fator determinante da Revolução de 30, no mesmo ano. 2. Comparação e fermentação histórica –Seguramente, foi por essa razão que coube a um historiador – no caso, o responsável por estas linhas, e não um crítico literário – a principal valorização dessas duas criações. Incorporado, nos dois casos, ao Grupo José Honório Rodrigues, como setor mais dinâmico da nova Historiografia paraibana, não esqueci as novelas de Virginius em dois momentos de franca afirmação da Paraíba cultural. Assim, a discussão de A Vítima Geral sobreveio em 2003, quando exercíamos a direção do IPHAEP e ocorreu o cinquentenário do falecimento de Félix Araújo (1922/1953). Nas atividades culturais então verificadas, um dos eixos temáticos da vida e obra do político campinense foi A Vítima Geral da qual se encarregaram os universitários de História e Literatura do CEDUC da UEPB de Campina Grande, com a participação do historiador Josué Sylvestre. Publiquei então um dos ensaios que mais aprecio – Nos Tempos de Félix Araújo – Estado Novo, Guerra Mundial e Redemocratização, 1937/47 (2003). Não foi a primeira vez em que isso ocorreu. Em 1978, quando o centenário de João Pessoa significou completa reorientação de nossas efemérides, com a avaliação crítica suplantando a celebração, dispus-me a reconstruir a trajetória do chamado Grande Presidente, através de sua bibliografia. Disso resultou a coletânea João Pessoa Perante a História – Textos Básicos e Estudos Críticos (1978) onde Tempo de Vingança desponta como texto e contexto. No primeiro caso, vali-me de fragmento para vivenciar os “Assassinato e Revolução” pessoístas. No segundo, a intenção consistiu em dissecar a novela de Gama e Melo como a principal construção perrepetista de nossa Historiografia – a única capaz de se contrapor aos liberais José Américo de Almeida, Ademar Victor de Menezes Vidal e João Lélis de Luna Freire.
3. Da força de uma novela - Postas as coisas nesses termos, quase não é preciso dizer que, para mim, na dialética virginiana, Tempo de Vingança está acima de A Vítima Geral, o que não significa desmerecer a este mas fazer justiça àquele. Nesse sentido, e passando por cima da época em que foram preparadas essas construções, não errariam os que considerassem a novelística de A Vítima como sugestão majestática do Tempo. Tai as características deste – uno, denso, inteiriço. Para encerrar, valorizado pela leitura do colega acadêmico e grande poeta Sérgio de Castro Pinto, cumpre-se destacar os principais traços de Tempo de Vingança, recolhidos aos que levantei em “Princesa e o outro lado da lua na Revolução de Trinta (II)” de João Pessoa Perante a História. Tais o “sonambulismo das massas” de quem se vale da literatura para recomposição das paixões políticas de uma época. Humor negro que Juarez Batista flagrou em Euclides da Cunha. Maniqueismo delirante dos grandes momentos de clivagem social. Força do destino, com a moira grega superposta ao livre arbítrio dos homens. E, enfim, lirismo do autor identificado com a flauta do pastor de Simões Lopes Neto: “(...) Parecia agora que toda cidade se aquietava. Dentro em pouco seria outro dia. Teria notícias do que acontecera aos amigos. O fogo dominuira em toda parte. A cidade, quase toda, mergulhava nas sombras. Surgia o vento fresco da madrugada. Em breve a luz estaria desvendando a manhã, o dia expondo as feridas da noite. (...) Sentiu-se, outra vez, agora, na presença daquele apoio, daquela solução simples. Agora tinha de enfrentar, só, o dia. O dia que já se levantara forte, luminoso, clareando tudo a chamando-o para a rua, a notícia, a ciência dos acontecimentos. A integração no mundo que os rejeitava. As fogueiras da cidade pareciam aplacadas, persistia um cheiro de cinza no ar”. g Exposição procedida na Academia Paraibana de Letras, a 10 de agosto de 2017, com leitura do acadêmico Sergio Castro Pinto, durante painel dedicado a Virginius da Gama e Melo.
1
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
23
HISTÓRIA RELEVÂNCIA DO IHGP E DOS INSTITUTOS HISTÓRICOS MUNICIPAIS PARAIBANOS Joaquim Osterne Carneiro Qualquer estudioso ou pesquisador que desejar conhecer a historia da Paraíba deverá verificar as atividades executadas pelo IHGP - Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, como também pelos institutos históricos municipais existentes em nível estadual. Fundado em 07 de setembro de 1905, o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico Paraibano - é a mais antiga entidade cultural em funcionamento no Estado da Paraíba. O artigo 2º do seu ESTATUTO (2005) informa como sua finalidade, “A promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de historia, geografia e ciências afins, especialmente da Paraíba e do Brasil, assim como a promoção da cultura, a defesa, e a conservação do patrimônio histórico e artístico”. Ao mesmo tempo, adotou como sub denominação o titulo de “ CASA DE IRINEU PINTO “, como lema “Pátria pro gloria et magnitude” e como símbolos a bandeira, o brasão e o selo. A respeito da fundação do IHGP, GUIMARÃES (1998), informa que “Para comemorar a data da Independência do Brasil naquele 1905 foi marcada uma sessão especial na sala de congregação do Liceu Paraibano, presentes as figuras mais importantes do mundo politico, profissional e intelectual da Paraíba. 71 personalidades prestigiaram, com suas presenças aquela importante comemoração, que teve na presidência dos trabalhos Álvaro Lopes Machado, presidente do Estado, a quem coube declarar fundado o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, após as ponderações de João Pereira de Castro Pinto em seu discurso na solenidade. Imediatamente foi lavrado o Termo de Fundação do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano que recebeu a assinatura dos presentes. Foram necessárias três sessões preparatórias para a elaboração dos estatutos e eleição da primeira diretoria. Em 12 de outubro daquele ano, o Instituto foi definitivamente instalado, em sessão solene na sede da Assembleia Legislativa, tendo assinado
24
| Julho/Agosto/2018
a ata de instalação 48 associados, sendo também considerados sócios fundadores mais três associados, que, embora ausentes daquela sessão magna, tinham sido eleitos para ocuparem cargos diretivos. Assim, foram considerados sócios fundadores do Instituto 51 sócios. Naquela sessão solene o orador oficial foi o grande tribuno mamanguapense Joao Pereira de Castro Pinto, sócio fundador, que iniciou a ação da nova instituição em prol dos seus objetivos, pronunciando uma conferencia sobre A Historia Colonial da Parahyba” Ao mesmo tempo, pela Lei 317, de 22 de outubro de 1909, o IHGP foi considerado de Utilidade Publica. No decorrer de sua existência o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano teve como presidentes os seguintes historiadores:
ISSN: 2357-8335
Francisco Seraphico (1905/1907) Flavio Maroja (1907/1908-1909/1931) Francisco Xavier Junior (1908/1909) Forentino Barbosa Ferreira Leite (1931/1934-1953/1956) Antônio Botto de Meneses (1934/1935) José d´Ávila Lins (1935/1937) João Rodrigues Coriolano de Medeiros (07.09.1937/12.03.1938) Mauriciode Medeiros Furtado (12.031938/1941) Adhemar Victorde Meneses Vidal (1941/1944) Celso Mariz (1944/1946) Clovis dos Santos lima (1946/1953 – 1956/1962) Conego Francisco Lima (1952/1968) Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega (1968/1974) Deusdeditde Vasconcelos Leitão (1974/1977) Antônio Victorino Freire
(1977/1980) Lauro Pires Xavier (1980/1983) Rosilda Cartaxo (1983/1986) Humberto Cavalcanti de Melo (1986/1989) Joacil de Brito Pereira (1989/1995) Luiz Hugo Guimarães (1995/2009) Humberto Fonseca de Lucena (2009/2010) Joaquim Osterne Carneiro (2010/2016) Atualmente, o IHGP tem como Presidente o historiador Guilherme Gomes da Silveira d`Ávila Lins, que assumiu o cargo em 09 de setembro de 2016. A biblioteca do IHGP, denominada “Biblioteca Irineu Pinto”, em homenagem a um grande pesquisador e historiador paraibano é constituída por cerca de 40.000 títulos (livros, periódicos e folhetos), incluindo uma Seção de Obras Raras, com um total de 1465 obras, nacionais e estrangeiras, publicadas nos séculos XIX e XX, cobrindo o período de 1801 a 1983. Além da Biblioteca, dispõe de uma Hemeroteca e também mantém um Museu, possuindo igualmente Arquivos Privados que pertenceram aos ilustrados paraibanos Adhemar Victor Meneses Vidal, Alcides Vieira Carneiro, Antônio da Silva Pessoa, Antônio da Silva Pessoa Filho, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, Manuel Arruda de Assis, Osias Nacre Gomes e Sebastião Sinval Fernandes. Objetivando atingir sua finalidade, normalmente o IHGP implementa as seguintes atividades: reuniões publicas, visando à discussão de assuntos científicos atinentes á sua especialização; coleta, classificação e cuidados na conservação de livros, mapas e outros objetos de interesse histórico, geográfico e artístico; publicação de revistas, boletins informativos e monografias; estabelecimento de intercambio com instituições congêneres nacionais e estrangeiras; de convênios e acor-
dos com entidades publicas e privadas; realização de pesquisas bibliográficas; promoção de simpósios, cursos, seminários e outros eventos. O IHGP é integrado por 50 sócios efetivos, organizados em cadeiras, cada uma sob a denominação de um patrono, ocupadas em caráter vitalício, contando também com sócios correspondentes, honorários, beneméritos e colaboradores em numero ilimitado. Afora o IHGP, existem na Paraíba os seguintes Institutos Históricos Municipais: Instituto Histórico e Geográfico de Bayeux, Instituto Histórico e Geográfico de Solânea, Instituto Histórico e Geográfico de Patos, Instituto Histórico e Geográfico de Serra Branca, Instituto Histórico e Geográfico de Cajazeiras, Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano e Instituto Histórico de Campina Grande. Faz-se preciso assinalar que, de acordo com VASCONCELOS (2000), anteriormente existiu o Instituto Histórico e Geográfico de Campina Grande e “Essa instituição teve três fases distintas, a primeira e a segunda na ideia, ação e execução do medico João Tavares. Isto foi em 1948 e 1970 com reuniões e debates que aconteceram em seu próprio consultório com vários confrades em ambas as vezes, entre eles Elpidio de Almeida, Hortencio Ribeiro, William Tejo, Epitácio Soares, Lopes de Andrade, José Elias Borges, Epaminondas Câmara, José Gomes, Marisa Braga, Leticia Camboim e outros”. VASCONCELOS igualmente destaca, que
“Todo o conteúdo dos arquivos daquela época foram extraviados e o que dele sobreviveu perdeu-se nas mãos do Historiador maior desta cidade, o confrade Tejo, como o disse no registro da primeira e segunda refundação. Conservo em meu poder, por entrega do genial Severino Bezerra de Carvalho, um seu trabalho fotográfico, mormente restaurações em quase duas centenas de negativas, tudo sobre Campina Grande, as primeiras ainda nos fins do século XIX”. Ao longo do seu trabalho Amaury Vasconcelos fala da refundação do citado Instituto em 1997, cita a Ata da reunião realizada em sua residência, enumera os presentes, trata dos diferentes sócios e finaliza explicitando, “Em breves dias convocarei reunião para reativarmos tudo, porquanto pretendemos participar do Encontro Regional dos Institutos Históricos e Geográficos do Nordeste, ideia feliz do dinâmico e operoso presidente Hugo Guimarães. Tal trabalho é o relato que fica para a posteridade, em colaboração a que a historia de Campina Grande se torne rediviva e perenizada em todos os seus aspectos sociais, políticos e econômicos”. Infelizmente pelo visto, esse Instituto Histórico e Geográfico de Campina Grande pouco realizou ou mesmo prosperou. De outra parte, em 19 de abril de 2012 foi criado o IHCG - Instituto Histórico de Campina Grande, contando com o decisivo apoio do médico e industrial Humberto Cesar de Almeida. Posteriormen-
te, em reunião que tivemos a honra de presidir, sugerimosque que o Instituto Histórico de Campina Grande adotasse como subdenominação o titulo de “ CASA ELPIDIO DE ALMEIDA”, como lema Historia magistral vitae est, que Humberto Cesar de Almeida fosse aclamado Presidente Emérito, que Maria Ida Steinmuler passasse a ocupar a Presidência e que Juciene Ricarte Cardoso exercesse a Vice Presidência e para nossa satisfação tudo que propusemos foi aceito pela unanimidade dos presentes. Faz-se necessário assinalar que, nos dias 15 e 16 de março de 2013, quando exercíamos o cargo de Presidente do IHGP promovemos na sede da aludida instituição em João Pessoa – PB, o PRIMEIRO ENCONTRO DOS INSTITUTOS HISTORICOS PARAIBANOS. No decorrer do evento, o Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, José Mota Victor, apresentou um circunstanciado relatório enfocando as atividades da citada entidade; o Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Bayeux, Ariosvaldo Alves de Oliveira também informou os trabalhos do seu instituto e Maria Ida Steinmuller, Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande fez uma explanação a respeito das atividades da “Casa Elpidio de Almeida”. Por motivo superveniente, o Presidente do Instituto Historico e Geográfico de Cajazeiras, José Antônio de Albuquerque não compareceu, mas encaminhou um relatório. g
BIBLIOGRAFIA GUIMARÃES, Luiz Hugo. Historia do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano . João Pessoa. EditoraUniversitária, 1998. 300p. INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAFICO PARAIBANO. Estatuto E Regimento Interno. João Pessoa, 2005. VASCONCELOS, Amaury. OInstituto Histórico e Geográfico de Campina Grande. Revistado Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Ano XCI- João Pessoa- setembro 2000 Numero - 33.
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
25
HISTÓRIA O RIO PARAÍBA DO NORTE E SUA TOPONÍMIA Vanderley de Brito Ida Steinmüller Topônimo é nome de lugar (vem de top(o); lugar + ônimo; nome), e a toponímia é o estudo linguístico ou histórico da origem dos topônimos e seu papel como elemento conservador e preservador de uma linguagem não mais corrente. No contexto da história, o estudo mostra o alcance da influência que o idioma exerceu na época e revela uma circunstância historial. Embora esta matéria não receba a devida atenção por parte dos historiadores, os topônimos são documentos que, pela antiguidade de seus registros, podem ser utilizados para o estudo histórico de um lugar ou fenômeno geográfico, especialmente aqueles decorrentes dos dialetos indígenas, patrimônios imateriais que além de recordar a primitiva ocupação do lugar ainda refletem a maneira dos nativos perceberem os fatos. Mas nem sempre este estudo é simples, pois os topônimos indígenas, sob a influência do português, vão se adulterando na fonética pelo correr dos anos e se faz necessário ao estudioso consultar diretrizes históricas e linguísticas para, através da onomástica, buscar a verdadeira grafia do vocábulo para a elucidação de seu sentido e a rigorosa determinação de sua etimologia. Somente assim, em última instância, os vocábulos de inspiração ameríndia podem ser explicáveis ou traduzíveis. O topônimo que denomina o Estado da Paraíba tem origem num nome de rio, pois, geralmente, os topônimos estão associados a um acidente geográfico, mas também equivale a uma expressão cultural e só estudos etimológicos e semânticos podem revelar, tanto os erros em sua interpretação corrente quanto uma série de outras compreensões que jazem silenciosas nas entrelinhas do passado. Nos tempos coloniais, a Capitania da
Mapa do século XVII onde aparece o Rio Paraíba e sua foz.
Paraíba foi fundada com a inicialização da cidade de Nossa Senhora das Neves (hoje João Pessoa). O patamônimo foi dado à Capitania porque as lutas contra os indígenas potiguara para a sua conquista se deram principalmente nas circunjacências fluviais do baixo Paraíba. Todavia, a localidade já era conhecida como “o Paraíba” desde tempos anteriores, uma vez que o Rio Paraíba era escoadouro de pau-brasil e outros produtos da terra no escambo que portugueses e corsários franceses ali faziam com os indígenas desde a primeira fase quinhentista. A bem dizer, a história em registro desse rio começa por volta de 1506, quando o navegador português Tristão da Cunha o descobriu e lhe deu o nome de Rio São Domingos, pois era praxe entre os ibéricos nomear os lugares de acordo com o santo do dia,
Os autores são membros do Instituto Histórico de Campina Grande. Potamônimo é um vocábulo que define um topónimo que tem origem num nome de um rio.
1
2
26
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335
por isso a data em que este expedicionário descobriu a foz do Paraíba deve ter sido 08 de agosto, por ser este o dia em que se comemora o referido santo. Contudo, embora tenha constado em cartas de marear, o nome de santo dado pelos portugueses ao Rio não foi suficientemente forte para sobrepor-se à designação toponímica indígena tradicional e em poucos anos o flúmen já figurava em documentos oficiais como “o Paraíba”. Em se tratando de um rio, no bom português o termo em essência é adjetivo masculino: “o Paraíba”. No entanto, como a Capitania ali criada teve o mesmo nome, a designação homônima recebeu o artigo definido “a”, mudando o termo para substantivo feminino ao designar ela, “a Capitania”, de modo que, com o passar dos anos, o vocábulo perdeu sua significação vernácula
para legitimar o neologismo pátrio, que se incorporou oficialmente à língua portuguesa como “a Paraíba” e até o corretor ortográfico do Word desconhece o artigo masculino ao substantivo e automaticamente sublinha de verde como possível erro gramatical. A idealização do gênero para “a Paraíba” consagrou-se, e hoje, mesmo a Paraíba sendo um Estado da Federação brasileira, conceito masculino que lhe possibilitaria inverter o gênero gramatical, a tradição impetrou o artigo da antiga Capitania (a Capitania) e depois da Província (a Província) se impondo a tal ponto que manteve o gênero feminino mesmo nomeando agora um Estado (o Estado). É provável que, em se tratando de uma língua já em desuso, a última vogal do vocábulo (a letra “a”) tenha sugerido feminilidade ao termo. Mas a designação é totalmente inapropriada e certo mesmo estava Humberto Teixeira quando compôs a música “Paraíba Masculina”, gravada pelo rei do baião Luiz Gonzaga, ao enfatizar: Paraíba masculina, mulher macho sim senhor! Como já foi referido, o nome do Estado da Paraíba é um patamônimo alusivo ao Rio Paraíba, que, embora não se soubesse ainda na época da criação da Capitania, é o rio mais extenso do Estado. Com aproximadamente 380km de curso e uma bacia hidrográfica de 18.000Km2 toda inserida em território paraibano. Ele nasce com o nome de Rio do Meio, na Serra do Jabitacá, município de Monteiro, de onde segue por 10km até receber os rios da Serra e do Sucuru, já em terras do município de Sumé, quando o conjunto passa a chamar Paraíba. Dali, o Rio vai engrossando em volume ao receber afluentes como o Taperoá, Bodocongó,
Surrão, Bacamarte, Paraibinha, Gurinhém, Una, Tibiri, Gargaú e Sanhauá, além de outros sem grande expressão, até desaguar volumosamente no mar, ao atravessar o estreito de Cabedelo. Para a representação identitária “Paraíba”, encontramos inúmeras variantes nos documentos antigos, no século XVI aparece como Parajba, Paraíba e Parajua. No século XVII manuscritos apontam variáveis como Parayba, Paraíba, Paraiva, Paraíua, Parahiba, Praíba e Praiva. Decerto, estenuance nominal para a palavra reflete a confusão auditiva de quem os grafou ou mesmo os erros de escrita tão comuns em documentos antigos, pois o nome com a grafia Paraíba é notoriamente predominante. No entanto, a entoação do termo é desconhecida e apenas com base nestas variações da grafia alguns ensaístas da língua tupi, como Coriolano de Medeiros e Horácio de Almeida, preconizaram que o vocábulo seria corruptela da junção pará= mar; e gyba= braço, ou seja, “braço de mar”, pois, apesar de adulterar a acentuação tônica para a segunda sílaba ao acrescentar uma consoante (g) no início da sílaba seguinte, embora invasivo, estaria em conformidade com o fato do Paraíba ser um rio que se comunica com o oceano, tão largo que chega a parecer um braço de mar. Outros proponentes deram ao topônimo versões diferentes: segundo Antônio Victoriano Freire o termo procede de apara = árvore de madeira resistente, e ibá = abundância, e faria referência ao Pau-d’Arco (Tabebuia, spp.). No entanto, no tupi o pau d’arco se chamava ypé. Na verdade a tradução da junção não procede da língua, uma vez que no tupi o termo apara quer dizer
torto ou curvo, e o vocábulo ibá traduz por baía ou enseada, o primeiro até poderia fazer alusão ao Rio Paraíba, que é bastante curvilíneo, mas o segundo não se enquadraria na dialética geográfica. Ainda sob a perspectiva vegetal, alguns outros estudiosos do tema suscitam que o nome do Rio esteja relacionado à espécie arbórea Marupá (Simarouba amara), árvore de origem amazônica da família das simarubáceas, de madeira branca e leve, que é empregada para caixotaria e forros, e era também conhecida pelos vocábulos tupi: paraíba, praíba, papariúba e marupaúba. Contudo, o topônimo só faria sentido se esta espécie arbórea se apresentasse em abundância ao longo do Paraíba, o que parece não ocorrer, e mesmo que houvesse, sendo de madeira fraca e susceptível aos cupins, não teria importância comercial a ponto de nomear um rio. É forçoso afirmar que, além de desprovidas de fundamentação linguística, nenhuma destas tentativas de elucidar o topônimo é suficientemente plausível, especialmente pelo fato de que em registros de contemporaneidade consta um porta-voz documental de 1639 conceituando o etmo do vocábulo “paraíba” como “rio mau”. O documento em pauta é a “Descrição Geral da Capitania da Parahyba”, relatório escrito pelo neerlandês Elias Herckmans, que foi o diretor da Capitania da Paraíba entre 1636 e 1639, tempo em que a região estava sob o jugo holandês. A obra foi publicada pela primeira vez na língua portuguesa em outubro de 1886, na revista do Instituto Archeologico, Historico e Geographico Pernambucano, e o trecho em questão diz o seguinte: “Essa região ou capitania tem o nome de Parahyba, que é uma palavra bár-
Em fins do século XVI o título da Capitania ainda resguardava o artigo masculino para o Rio, pois o padre jesuíta autor do Summario das Armadas a denominava de “A Capitania do Parahyba”. Os únicos estados brasileiros que levam artigo definido feminino são a Bahia e a Paraíba, a Bahia é compreensível porque baía é um acidente geográfico do gênero feminino (a baía), mas Paraíba é um vocábulo que evoca um rio (o rio) e, portanto, deveria usar o artigo masculino. 5 ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Vol. 1. João Pessoa: Editora Universitária/UFPb. 1978. MEDEIROS, Coriolano de. Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba. 2a Edição. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950. 6 FREIRE, Antônio Victoriano. Revoltas e Repentes. João Pessoa: Nova Paraíba Indústria Gráfica, 1974. 7 HERCKMANS, Elias. Descripção geral da Capitania da Parahyba. In: Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano. Tomo V, nº 31. Recife: Typographia Industrial, 1886. 3 4
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
27
bara, ou melhor brasílica, significando um mar comprido, uma água má; outrossim, um porto mau para se entrar, e, segundo explicam as pessoas mais versadas nessa língua, quer dizer “um porto sinuoso cuja entrada é má”; pois Pará quer dizer rio ou porto com uma curva, e yba significa mau, donde se segue que esse rio, o maior dessa região, tira o seu nome da bocca ou entrada sinuosa que tem, e por sua vez a região tira o seu nome do rio, que se chama Parahyba.” Vamos agora à análise do parágrafo. Ficou claro que Herckmans não sabia a língua tupi suficientemente e por isso recorreu ao que ele chamou de “as pessoas mais versadas nessa língua” e essas pessoas certamente eram moradores portugueses da Capitania, como ele sempre se refere aos seus informantes ao longo da monografia. Sobre o vocábulo paraíba, a princípio Herckmans recebeu o veredicto de que significava “um mar comprido, uma água má”, ou seja, um grande rio mau. Mas poder-se-ia dizer que o diretor holandês considerou vaga a informação e quis saber o porquê desse nome. Decerto os informantes não o sabiam, e para não desagradar o diretor vieram com a explicação de que seria“um porto sinuoso cuja entrada é má”; pois Pará diria respeito a um rio ou porto com uma curva, e yba significaria mau”. A tradução demonstra que os informantes dominavam o tupi da época, só não sabiam a razão do topônimo, talvez nunca tiveram interesse em saber e sentindo-se pressionados a uma resposta a inventaram a ponto de se contradizer. Pois eles sabiam que o termo pará referia-se a um rio grande, pois já haviam falado de “um mar comprido”, mas como não tinham como explicar o termo “grande rio mau” colocaram um porto na história e mudaram a sonoridade do termo para apara, que no tupi quer dizer torto ou curvo, apregoando, enfim, que o termo quisesse dizer “um porto sinuoso cuja entrada é má”. Bem sabemos que a entrada da foz do Paraíba é extremamente viável, larga, profunda e sem agitações de ondas no encontro das águas do rio com as águas do mar. Tão calmo que era possível atravessar da ponta do cabedelo para a ponta de Lucena numa balsa simples, como o próprio Herckmans diz em sua monografia. Em fins do século XVI o padre cronista do Summario das Armadas é enfático ao descrever o porto do Rio Paraíba: “a bocca da abra que o rio faz terá de largo uma légua, seis ou sete braças de fundura”, e complementa: “e assim é muito maior porto, e capaz de maiores embarcações que o de Pernambuco e Tamaracá”.
Além dessas incongruências com a real situação, também devemos ressaltar que a palavra “porto” em tupi é peassaba. Portanto, porto sinuoso seria peassabapara e para complementar a sentença precisaria ainda aludir a passagem ruim com termos como assapaba (lugar de passar) e o pejorativo panema (ruim, imprestável). Ou seja, a conclusão apresentada ao diretor holandês, além de dual, era no mínimo esdrúxula. Aliás todas as traduções que Herckmans apresenta em sua monografia são assim, para explicar termos como Tibiri e Gramame os informantes lhe narraram histórias mirabolantes que outrossim nem caberiam num vocábulo. Todavia, mesmo equívoca, a tradução foi aceita por Herckmans, que como todo europeu via na Capitania apenas as possibilidades econômicas e, naturalmente, concordou que “rio mau ou ruim” aludia a alguma dificuldade ou empecilho que viesse prejudicar o processo de fiscalizar ou escoar a produção de açúcar. Com base nessa noção, Teodoro Sampaio e Leon Clerot consolidaram em seus glossários bilíngues que o vocábulo paraíba seria então “rio ruim” por se tratar de um curso fluvial de má navegação à comercialidade, e essa versão neoliberal é a mais aceita atualmente, dada a eminência desses estudiosos. No entanto, é preciso reconsiderar esta afirmativa, pois a língua tupi tem um termo para definir rio imprestável que é ypanema. Considerando que estes eminentes estudiosos ignoraram que o termo “pará” quer dizer rio caudaloso, ou grande rio, o termo ficaria então parápanema, síntese que traduz “grande rio ruim”. Como se vê o termo em nada lembra o vocábulo paraíba, aliás, considerar o rio Paraíba como um guião imprestável para a navegação é paradoxal com a realidade, uma vez que este rio sempre foi navegável e no período colonial era fluente até a região de Pilar, que era os confins conhecidos da Capitania nestes tempos. Em fins do século XVI, o autor do Summario das Armadas descreve em pormenores sua viabilidade: “o fundo é de areia, muito limpa e sem nenhuma pedra”. Segundo o ele, no inverno o Paraíba era todo navegável e no verão navegava-se rio acima mais de sete léguas com caravelões. Portanto, a abordagem categorizando o Paraíba como um rio de má navegação é falha, visto que o mesmo oferecia pleno acesso para os grandes navios, imagine então para as pirogas daqueles a que se deve o contexto dessa produção toponímica. Na verdade, esta tentativa de elucidação do termo que atualmente figura até como
oficiosa para o vocábulo “paraíba” está deturpada em vários aspectos, tanto na composição léxica quanto na tradução, dado que a léxica correta seria pará-aíb-a, uma vez que pará quer dizer grande rio; aib quer dizer mau; e o – a final é um sufixo nominal da língua tupi. Portanto a tradução correta para Paraíba seria “o grande rio mau”. Se formos analisar no vocábulo tupi o termo “aíb-a”, veremos que não está associado à condição de desfavorável ou inexequível, o termo para isso seria “panema”, como já explanamos. O vocábulo “aíb-a” se aplica a condição de mau, cruel ou tirano. Tomamos o exemplo do termo “caraíba”, de cari-aíb-a, denominação que os nativos davam aos brancos invasores de suas terras e que quer dizer “o estrangeiro mau”. Certamente os indígenas não estavam dizendo que os europeus eram maus no sentido de acesso ou negócios, mas sim porque matavam e preavam índios, queimavam suas aldeias, escravizava-os e tomavam suas terras. Outro exemplo bem plausível é o termo “araíb-a”, que quer dizer “o mau tempo” ou “o tempo ruim”. O termo logicamente não alude a tempo chuvoso, que seria impróprio para sair à caça, pescar ou plantar, até porque o termo para tempo chuvoso era “amãbytu”, e também jamais considerariam o tempo das chuvas como um tempo ruim, pois era imprescindível para suas plantações. Portanto o termo “araíb-a” se refere aos períodos de doenças, pragas e castigos. Ou seja, o tempo do mau. Podemos facilmente referenciar dezenas de vocábulos que deixam claro que “aíb-a” implica algo no sentido de maldade, como “anga-íb-a”, que quer dizer “espírito do mal”, “anhanga-aíb-a” é o gênio do mal, “mbaé-aíb-a” é coisa ruim, malefício e também veneno, “moangueco-aíb-a” é molestar, aborrecer; e “pajé-aíb-a” é pajé aliado a espíritos malfazejos. A família linguística Tupi compartilha um grande número de propriedades subjacentes, tanto de estrutura como de léxico. É do tipo aglutinante, ou seja, nomes e verbos podem receber um grande número de sufixos e prefixos, de modo que o termo “paraíba” é o somático de Pará (rio grande, caudaloso) e aíb (mau), que ocorre obrigatoriamente combinado com o sufixo nominalizador–a. Esse sufixo permite identificar o rio mau como um ser entidade, com configuração espacial e estabilidade corporal, e é também um vestígio do antigo padrão da língua Tupinambá muito utilizado no proto-tupi, mas perdeu sua funcionalidade e estatuto de morfema no processo de adaptação
SUMMARIO, das armadas que se fizeram e guerras que se deram na conquista do Rio Parahyba. In: Revista do Instituto Historico Geographico e Ethnographico do Brasil. Tomo XXXVI, Rio de Janeiro: 1º Trimestre de 1873. BRITO, Vanderley de. Missões na Capitania da Paraíba. Campina Grande: Cópias & Papéis, 2013. 10 CLEROT, Leon F. R. 30 anos na Paraíba: memórias corográficas e outras memórias. Rio de Janeiro, Editora Pongetti, 1969. SAMPAIO, Theodoro. O tupi na geografia Nacional. Memoria lida no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo. São Paulo: Typ. da Casa Eclectica. 1901. 8 9
28
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335
do Tupi para a Língua-Geral, deixando de existir fonologicamente porque o seu papel gramatical se tornou obsoleto. Por outro lado, talvez esse sufixo seja a chave para entender o sentido do vocábulo paraíba, que na verdade é um enunciado, pois o ato de predicar é exatamente o ato de atribuir qualidade/propriedade ao nome/ sujeito, porque todo adjetivo traz implícito um verbo - o verbo ser -. Portanto, ‘o rio mau’, na verdade, refere-se a ‘um rio [que é] mau’. É forçoso, portanto, admitir que, aíb-a é um predicativo, mas também descreve o valor referencial do sujeito (pará). Em outras palavras: não é sujeito, mas predicado, e o sujeito é expresso por uma frase que tem como parte lexical um verbo e artigo. O que equivale dizer que o vocábulo remete a uma classe definida pelo seu elemento único, dado como entidade individualmente identificável. É de se supor que os nativos preservaram tradicionalmente o topônimo segundo as suas próprias formas de entendimento, mas por outro lado, ficou claro que aqueles que tentaram elucidar o vocábulo só contemplaram o baixo curso do Rio Paraíba, no campo de visão dos ibéricos, esquecendo-se que os indígenas tinham um maior domínio espacial e conheciam os “confins” desse rio. Desse modo, entendemos que o termo da junção léxica pará-aíb-a, na perspectiva etnográfica, queria se referir às características individuais do Rio, por ser de curso longo, água em abundância (caudaloso) e de um histórico intempestivo e traiçoeiro (mau). Ou seja, o termo “mau ou ruim” se refere às cheias extraordinárias que no decurso dos milênios definiram ao Rio Paraíba o identitário de implacável e temível destruidor. Essa singularidade do Rio Paraíba é pouco perceptível no perímetro litorâneo, talvez por isso os informantes de Herckmans não souberam compreender a designação de rio mau, mas no seu alto e médio curso os períodos torrenciais às vezes são devastadores. Os indígenas sabiam de seus rompantes imprevisíveis de cólera e por isso adotaram o vocábulo que, na prática, melhor o corres-
ponde: o grande rio mau. De periodicidade incerta, datas como 1641, 1698, 1718, 1728, 1731, o imprevisível Rio Paraíba geriu cheias violentas, destruindo engenhos, casas, roçados e canaviais, matando gado e pessoas. No aguaceiro de 1789 o Rio Paraíba esteve tão revolto que trouxe arrolando uma cruz de madeira em suas coreógrafas torrentes, deixando-a encalhada nas ruínas em que ficou o antigo povoado ribeirinho próximo ao engenho Espírito Santo, onde depois viria nascer a cidade de Cruz do Espírito Santo, nome dado em alusão a cruz ali deixada pelo Rio. Depois vieram as terríveis inundações de 1919 e a de 1924, que levou o engenho Saboeira e a ponte da Batalha, e também a avassaladora torrente de 1947. Essas cheias corriam impetuosas, carregando o que tinha pela frente, árvores, pedras e barrancas, elevando as águas do Rio em até nove metros. As cheias mais recentes foram as dos anos de 1985, 2004 e 2011, no entanto menos vorazes devido o Açude de Boqueirão que, depois de construído, passou a reter grande parte da força do Rio. Sem probabilidade de inventariação, o Rio Paraíba também deve ter sido colérico ao longo dos tempos precoloniais, destruindo roçados, aldeias, matando animais, gente e talvez fosse cultuado entre os indígenas como um deus impiedoso. Não é despropósito sugerir a longevidade de suas cheias descomunais e até se pode supor que inúmeros rituais de apaziguamento lhe foram dedicados ao longo da pré-história. Quem sabe, algumas petróglifos no curso deste rio façam menção a seus circunstanciais excessos? Portanto, não seria nenhuma novidade para os indígenas a malíssima índole deste implacável rio, insensível, feroz e cruel. Enfim, essa sumarização a respeito da hibridez do topônimo “Paraíba” não são considerações finais, mas iniciais de um percurso com mais possibilidades de análises, decodificações e descobertas de sua funcionalidade. Há a necessidade de aprofundar os estudos, expandir a quantidade de
línguas nativas a serem analisadas e recolher mais dados para a investigação, seja em gabinete ou em campo, pois as expressões culturais intrínsecas na toponímia, além de patrimônio imaterial, são fontes documentais indiretas de grande alcance no auxílio da História. Para este estudo, estivemos na cabeceira desse rio traiçoeiro. A etapa do planejamento da viagem e organização do suporte necessário da empreitada para alcançar a nascente do Rio Paraíba demandou expectativas. A incursão para os longínquos rurais do município de Monteiro, divisa com Sertânia, vizinho Estado de Pernambuco, se iniciou na barra do amanhecer. Numa caminhada de 8km subindo a serra de Jabitacá na trilha à montante do Rio, por entre o denso juremal que reveste a encosta de suas margens, porque o leito, repleto de enormes blocos graníticos rolados e árvores altaneiras com grandes raízes sobressalentes, impossibilitava ali caminhar. A cadência de passos morosos por entre o alecrim-do-mato, com pausas para a inspiração dos aromas, revela o gradativo afundir do ribeiro em regato e arroio seco. Dissipada a bruma do amanhecer, os raios de sol colorem a mata e com o sol alto a meta se aproxima, sob os ruídos do pisar nos matos e o arfar de cansaço e expectativa. A nascente fica num alcantilado entre as serras de Jabitacá e Bulandeira, um desnível em meio à floreta nativa pouco abaixo do dorso onde as serras se fundem, desolado lugar em que as cobras passam silvando em meio às sonoridades silvestres. O nascedouro, escondido entre cipós e lianas entrelaçadas, se configura num profundo e lúgubre cacimbão. Denuncia a presença humana naquele inóspito uma rústica escada de madeira colocada para oferecer acesso ao lençol freático, que se reflete amarelecido e salobro no fundo do poço. O terrível Rio Paraíba, ali em sua nascente, tão tímido, irresoluto e impotente, nem parece aquele imprevisível e avassalador monstro raivoso, que o homem primitivo muito propriamente denominou de “O grande rio mau”. g
Foneticamente, esse morfema ocorria nos seguintes contextos: o alomorfe (-a), em temas terminados em consoantes e o alomorfe -o, em temas terminados em vogal, no caso aíb, como termina em consoante, ele se enquadrava como –a O último engenho na Capitania nestes tempos era o Tapuá. Subindo o Paraíba ainda se viam alguns currais, o último e mais afastado era o de Jerônimo Cavalcante, na região hoje de Pilar, e dali para o sertão a terra ainda era desconhecida. 13 Petróglifo é o nome que se dá as inscrições rupestres pré-históricas gravadas em baixo-relevo nas pedras de leito e margens dos cursos fluviais. 11
12
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
29
MEMÓRIAS EXEMPLÁRIO DA PLENITUDE DE VIVER(*) Ângela Bezerra de Castro
Há quem defenda a ideia de que, na idade madura, não é mais tempo de fazer amizades. Resta-nos, apenas, cultivar as que sedimentamos ao longo da vida. Mas o convite de Sérgio, fazendo-me prefaciadora de suas memórias, diz o contrário. Que todo o tempo é tempo para “a arte dos encontros”, para o compartilhamento que enriquece de experiência de existir, conferindo-lhe sentido e densidade. Chego muito depois para participar do que não vivi, de um passado que a lembrança intenta reconfigurar pela simbologia das palavras e das imagens fotográficas, recursos da resistência humana contra a fugacidade do tempo. Para mim, esse livro de Sérgio assume um sentido particular. Preparo-me para ler, esperando uma revelação. Como se o amigo me distinguisse com a oportunidade de preencher as lacunas de décadas em que permanecemos desconhecidos, embora frequentássemos o mesmo espaço-tempo, com destaque para o ambiente universitário de João Pessoa, na década 60. Éramos poucos alunos, comparados com as matrículas de hoje, o que favorecia a convivência intensificada pela participação política, pelas Olimpíadas e pelo CEU (Clube do Estudante Universitário), divino ponto de encontro. Agora, descobrindo as amizades comuns, vejo quanto nos tangenciamos. E me pergunto por que não fomos apresentados por Arnaldo José Delgado, Horácio Antônio Ribeiro Neves, José Othon Soares de Oliveira, Cláudio José Lopes Rodrigues, Ronaldo Delgado Gadelha ou Paulo Bezerril Júnior? Mas a revelação maior foi encontrar Luiz Augusto Crispim e a poesia de sua crônica, completamente integrados a essa travessia. Então eu me senti como Irene no céu. Mesmo assim, é um desafio prefaciar essas memórias, pela impossibilidade de traduzir numa síntese todas as impressões da leitura. São sete décadas de uma vida intensa que
30
| Julho/Agosto/2018
o autor reconstitui e ilustra, com verdadeiras preciosidades do seu arquivo de lembranças. A riqueza das fotografias, se somam guardados, que revelam traços característicos de uma forma de ser, na qual se destaca um exemplar entusiasmo pela vida. É este sentimento que se afirma em cada página dessas memórias e confere unidade aos conteúdos mais diversificados. Primeiro o autor estabelece suas raízes, detalhando a genealogia da família Rolim, pelo cuidadoso traçado do perfil social e profissional de cada ascendente. É sobre essa base sólida que se ergue sua autobiografia, sobre um alicerce afetivo, com tal detalhamento e precisão, que parece planejada desde sempre. Sérgio expõe, com o mesmo fervor, a caligrafia infantil, nos exercícios iniciais da escola, a primeira redação e os mais elevados títulos acadêmicos e profissionais conquistados em sua brilhante carreira de Engenheiro Sanitarista, Professor Universitário e Escritor de obrigatória referência técnica e científica, no âmbito da engenharia sanitária e ambiental. A escolha do título, realçando uma experiência amadora e prazerosa, vem ao encontro do direcionamento de nossa leitura. O autor poderia ter colocado em destaque qualquer outro aspecto de sua existência. Era mesmo de se esperar que a ênfase fosse para o desempenho acadêmico e profissional em que ele se revela um obstinado, tal o empenho na ultrapassagem de limites, em busca da realização de suas potencialidades. A vivência como estudante ou profissional em diversos países, não só da América Latina, mas das Américas, da Europa e até do oriente, atesta uma dimensão rara de ser alcançada. Apropriando-me das palavras do autor, direi que é um patamar reservado aos que não ficam prisioneiros de condicionamentos alienantes, de hábitos repetitivos. Da acomodação que sufoca. E então é possível apreender a simbologia do título que aponta para a coragem de viver o risco das mudanças e dos enfrentamentos que
ISSN: 2357-8335
o crescimento exige, acreditando que “largar o velho e abraçar o novo é, muitas vezes, a única possibilidade de sobreviver”. Estabelecida, assim, uma correlação figurativa entre a natureza biológica do crustáceo e um ideal humano de superação. Sérgio foge ao lugar-comum da maioria dos relatos autobiográficos que, em geral, supervalorizam as dificuldades enfrentadas para ampliar as proporções das vitórias. Em qualquer experiência de vida, ele estabelece o equilíbrio entre o saber lutar e o sabor da conquista, dois polos interdependentes que sustentam uma visão de mundo e uma forma peculiar de existir. Entregando-se inteiramente a tudo que faz, esse caçador de lagostas vive na caminhada a alegria de chegar. Aí se encontra o diferencial de sua resistência, assumida sempre com a mais completa naturalidade. Muitas vezes o autor se reporta à publicação de suas memórias, supondo os filhos como destinatários. Mas o interesse dessa leitura transcende o círculo familiar. A felicidade e o orgulho de integrar uma existência tão plena são prerrogativas da família, dos descendentes, herdeiros desse tesouro imaterial. No entanto, a admiração é para todo leitor que se detiver nestas páginas, de onde emerge um belo exemplo da integridade de ser. O saber e o sabor dessa leitura me impõem a busca por uma palavra, uma expressão que me permitisse sintetizá-la. E a memória me traz uma página que jamais se apaga. Aquela em que Saint-Exupéry tenta definir “a gravidade lúcida”, a qualidade essencial do seu companheiro Guillaumet. É isso! Sérgio pertence a essa família espiritual do homem que luta “em nome de sua Criação, contra a morte. Sua grandeza é sentir-se responsável. Responsável um pouco pelo destino dos homens, na medida de seu trabalho”. g (*) Prefácio ao livro
UMA PÁGINA DE ALCIDES A VIDA DO DIREITO É UMA SAGA(*) Alcides Vieira Carneiro
Governador Ernani Sátyro, meu amigo, amigo velho ou novo, não importa, mas um dos melhores amigos que Deus me deu e por quem nutro imensa admiração. Admiração tão profunda e tão real que a intimidade não conseguiu diminuir. Tenho, entretanto, dois motivos: um de elevada inveja, outro de baixo ciúme. Inveja de sua glória literária conquistada com livros admiráveis e ciúme por ter visto V. Exa. governar a Paraíba, que é o mesmo que ter casado com minha noiva. Senhores professores, caros bacharelandos, minhas senhoras, meus senhores, meus conterrâneos: Ao ouvir as últimas palavras deste futuroso jurista e tribuno, o orador da turma, palavras que tanto me encantaram e comoveram, lembrei-me daquelas famosas palavras do professor Laurindo Leão, da Faculdade de Direito do Recife: “A mocidade é maior do que o Papa, porque se o Papa faz Santos, a mocidade faz Deuses”. Não sei qual o motivo de vossa escolha. Chego aqui sem saber e decerto regressarei ignorando-o. Mas posso afirmar que o vosso convite para paraninfar esta turma de bacharéis de 1974 tocou a minha vaidade, a minha sensibilidade. Convocado, atendi para satisfazer aos meus jovens conterrâneos, para rever a terra sempre lembrada e para dar e para ter a certeza de que estou vivo, porque duas vezes morri e duas vezes ressuscitei. A morte, vendo que não me intimidava, largou-me. Hoje, fingimos que não nos conhecemos. Só posso atribuir o motivo de vossa escolha ao sentimento. E o sentimento não se explica, nem dá satisfações porque tem as suas razões que são exatamente aquelas que a razão desconhece. Para corresponder à vossa generosidade, nem conselhos tenho para dar. Sou apenas juiz, não digo que sou um pobre juiz, porque neste país todos os juízes são muito
pobres. Qualquer dia eles substituem a toga pelo hábito de franciscano e, assim disfarçados, pode ser que o imposto de renda não os reconheça. Nem posso dizer que sou um velho juiz. Não, eu sou apenas um juiz velho, que já escolheu um epitáfio precavido contra a posteridade e que é este: “Foi Juiz. Se absolveu por compaixão, não condenou por fraqueza”. O juiz conquista o hábito de julgar, mas perde o hábito de dar conselhos. Conselhos quem tem para dar são os professores e os advogados, e eu, infortunadamente, não sou uma coisa nem outra. Não pude ser médico, que era a minha autêntica vocação. Uma vez bacharel, gostaria de ter sido advogado militante, a mais nobre atividade na carreira do Direito, aquela que tem como padrões indimensíveis Ruy Barbosa e Epitácio Pessoa. É a missão que exige resistência no presente e renúncia pelas preocupações do futuro, porque o advogado é o aventureiro ousado do incerto; à força de garantir os outros, ele se esquece de garantir a si próprio. É o procurador de Deus na terra, para os negócios do Direito, da Justiça e da Liberdade, por isso os seus caminhos são sempre ásperos, ásperos demais para quem representa o broquel dos inocentes, a santa conceição dos oprimidos. Minha intenção não é desanimar-vos, a vós que sereis advogados. Desanimar um jovem é enterrar um vivo. E se não há ressurreição para aquele que o desânimo matou, não há perdão para quem matou enganos e desflorou ilusões. Jovens! Livrai-vos da fraqueza, e do medo Deus vos livrará. Deus, que antes de tudo fez o medo, protege o medroso, mas não protege o fraco. Uma coisa é o medo, outra é a fraqueza. O medo pressupõe um perigo real, a fraqueza, uma sentença imaginária. E vós tendes a obrigação de serdes forte, porque sois paraibanos! Na vossa trajetória na vida, não permitais
que leis mal feitas dividam a humanidade entre monstros e santos. Se assim não é no céu, que assim não seja na terra. Na casa de meu Pai há muitas moradas. E, neste mundo atribulado, não há virtudes irrepreensíveis nem misérias irremediáveis. Os médicos tratam dos leprosos, os sacerdotes lhes dão absolvição. Existe a comiseração para os monstros e, para os santos, a glória dos altares. Os monstros não sabem que são monstros e os santos sabem que se erguem e caminham sobre ombros de pecadores, às vezes, nem são tão pecadores os que carregam nem tão inocentes os carregados. Difícil demais é a vossa missão Há de distinguir entre tantos e não distinguir nenhum¸ Há de salvar a todos¸ perdendo às vezes aqueles que merecem salvar-se. Deus vos acompanhe na vossa penosa jornada. Este voto parece um fim de discurso, mas infelizmente não é. Na Paraíba, atribuíram-me fama de verboso, de imaginoso, mas não de objetivo. Deve ser verdade, mas uma verdade que não convém à minha biografia. Por isso, escrevi o meu discurso protocolar¸ fruto da minha convicção, da minha vivência. A Paraíba sempre me ouviu sem óculos. Agora, humildemente, coloco os óculos., Meus afilhados conhecerão o valor deste objeto daqui a vinte anos. É o presente de aniversário que a natureza nos dá quando completamos os quarenta. A princípio, usamos acanhados, encabulados, por vaidade, depois vem o desembaraço por força da necessidade e, então, com o tempo, eles nos ajudam, não só a ver, mas a ouvir e a entender melhor. Há somente duas coisas que o homem não pode e nem deve fazer, colocando os óculos: ameaça e galanteio. Num envelhecido pelos resíduos de conceitos superados, o que nos salva é a esperança de um novo renascimento na ordem dos valores de nossa civilização. ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
31
E essa esperança está nos jovens que olham em torno de si e sentem a urgência desse renascimento. Sob o signo desse amanhecer que desponta entre tanta controvérsia e tanto conflito, a juventude universitária sustenta a bandeira de suas reivindicações, que não refletem ambições pessoais. Representam, sim, o esforço desinteressado, o sonho de uma reconstrução da sociedade em bases mais justas e humanas. Esse é o vosso compromisso, esse é o itinerário que escolhestes. E escolhestes porque o Direito é uma vocação de luta, e oposição a tudo que traz o selo do egoísmo desesperado, a ânsia do domínio escravizador, o culto aos prazeres do ócio parasita, as insígnias do ódio que divide e incentiva os horrores da guerra fratricida. Conquistastes um diploma que vos arma cavalheiros de uma cruzada. Se estais dispostos à aventura não é porque lestes Dom Quixote, o símbolo da imaginação em busca de glória na defesa de todos os sofredores,. Ainda que Cervantes não vos houvesse gratificado com esse espetáculo sem par da arte criadora, que atravessa os séculos desafiando, advertindo e ensinando, seríeis os mesmos jovens desta fase ardente do mundo. Porque não podeis renegar a missão a que estais destinados, numa opção que marca a dignidade e a grandeza de uma causa.Se procurastes no Direito a seiva com que nutrir uma corrida para a renovação da sociedade, é que nascestes com esse destino – destino do sacrifício que acompanha a luta por ideais tantas vezes incompreendidos, ou nascestes com essa predestinação, que é mais imperiosa que o destino. A vida do Direito é uma saga. Percorrendo o longo caminho histórico das gerações, o que se depara a nossos olhos é o drama da liberdade, a onda convulsa das ruínas deixadas em seu rastro pelos apetites do poder, em furiosa disputa. Foi a fase das guerras primitivas, das competições religiosas de mistura com a aventura secular de reis e imperadores, que se julgavam emissários da Providência, citando as Escrituras Sagradas. Passada essa fase, com a ascensão do pensamento político guiado pelos geniais escritores dos séculos XVI a XVIII, as inspirações do Direito Natural colocaram o homem em face do Estado em outro nível. As Revoluções Francesa e Americana, em grande parte, sem o saberem ou mesmo sem se aperceberem disso, renderam homenagem ao humanismo cristão no reconhecimento dos direitos fundamentais, anteriores e superiores ao próprio Estado. É que o direito de propriedade afirmou-se enfaticamente no espírito da elite que dominou aquelas Revoluções esquecidas então de que a propriedade exerce uma função eminentemente social.
32
| Julho/Agosto/2018
Com a Revolução Industrial, o problema das desigualdades econômicas, o martírio dos trabalhadores, inclusive das mulheres e menores nas fábricas, gerou tremendas contradições. A condição escrava do trabalho impôs a urgência de leis que fixassem limites ao poder dos patrões, e o Direito Social começou sua ascensão. O século XIX viu a marcha dos deserdados. Ora obtendo alguns sucessos, ora comprimida pelas reações dos que não pretendiam abrir mão de privilégios tradicionais. A História, entretanto, é conduzida inexoravelmente pelas forças sociais em cujo bojo as aspirações de justiça representam uma componente positiva. Mais uma vez o Direito procurou dar moldura aos resultados dessa luta. Em todo o Ocidente civilizado abriu-se a rota de uma política social tendo por alvo a cooperação entre as forças do capital e do trabalho. Um novo ramo do direito se separou do esquema tradicional, para sistematizar as relações entre empregados e empregadores, destacandose nesse contexto a força do sindicato, como instrumento da defesa coletiva dos trabalhadores. Tudo isso foi alcançado pelos impulsos que o regime democrático recebeu, saindo do polo meramente político dentro do qual se estabilizara o Estado individualista, levando suas normas ao fenômeno social tão rico em sugestões na perspectiva do século atual. O Brasil, a partir de 1930, apreendeu as transcendências dessa transformação. Hoje, os dirigentes, sensíveis aos avanços que dignificam o trabalho e exprimem a necessidade da paz interna pelo reconhecimento das justas aspirações dos assalariados, desdobram seus cuidados no sentido do maior amparo às classes desfavorecidas. Se do Direito Romano recebemos e aperfeiçoamos tantos institutos do direito privado; se da língua de Cícero recebemos a semente donde germinou o idioma de Camões e de Rui Barbosa, que é o nosso idioma – hoje tocado de um colorido tipicamente brasileiro dentro de nossas fronteiras; se certa exaltação de sentimentos exprime um aspecto de nossa ancestralidade¸ é que existe um laço perceptível em nossa formação sociohistórica. Nossa herança cultural nos integra no quadro das comunidades latinas, que vão buscar na civilização grecorromana suas nascentes espirituais. Não pode o Brasil fugir aos compromissos desse legado, que recebeu as clarificações do Evangelho e se embebeu na doutrina do Direito Natural, de Sócrates a Tomás de Aquino, dos Padres da Igreja aos filósofos espanhóis do século XVI, estabelecendo um roteiro para as dúvidas do espírito humano. Desfilaram os sistemas sobre as especulações desses pioneiros da filosofia democráti-
ISSN: 2357-8335
ca. O materialismo tentou em vão destruir, no fundo das consciências, o sentimento do sobrenatural, o sentido do divino, cuja influência continua seguindo nossos passos e resistindo ao ceticismo das convicções opostas. Impregnado dessas influências, o Direito das nações ocidentais ofereceu aos povos a disciplina social adequada a seus anseios. Se o Direito se divorciasse dessa diretriz, para encampar somente os interesses do Estado intolerante e materialista, teria falhado à sua vocação de instrumento da paz entre indivíduos, grupos e nações. E vós, que encerrastes o curso de bacharel, sabeis perfeitamente que o Direito não se esgota nos textos das normas legais, ditadas tantas vezes por motivos de conveniência ocasional; sabeis: “Direito não é apenas fato social ou norma, mas, sobretudo, valor”. Fala-se em crise do Direito; mas o Direito, segundo Ripert, só entra em crise quando surgem leis injustas, infiéis aos legítimos interesses da comunidade. A doutrina política, de essência democrática, mostra que na distribuição das competências traça limites à ação do Estado e ao comportamento dos indivíduos; o princípio soberano é este: a autoridade do Estado é limitada, em princípio, pela área reservada à expressão da personalidade do indivíduo. Querendo realizar seus fins supremos, a sociedade tem de conseguir conciliar a liberdade com a autoridade, firmando nesse equilíbrio a estabilidade da democracia moderna. Senhores Bacharelandos: Ireis iniciar nova trajetória, advogados, juízes, membros do Ministério Público, estareis nessas áreas respondendo ao apelo de vossos diplomas. E mesmo que outras atividades venham absorver vossas energias, jamais deveis esquecer os anos desse curso, as lições dos mestres, as páginas de doutrina lidas com amor, a fim de que mantenhais pela vida a fora o perfil de homens integrados na mais bela disciplina da plataforma universitária. Os médicos curam os males do corpo, os engenheiros preparam as estruturas destinadas à utilização das forças naturais pelo homem. Os bacharéis estabelecem, no exercício das atividades em que se diferenciam as múltiplas aplicações do diploma conquistado, o melhor rumo para o espírito, pela segurança da liberdade e da justiça. Fora do perímetro profissional, é na classe de advogados e juristas que vosso esforço pode ser recrutado para outras tarefas – as tarefas de governo e da representação política. Essa posição pode não ser da preferência de alguns ou de muitos de vós, desencanta-
dos com certos aspectos da vida pública, ligados aos defeitos do partidarismo convencional. Todavia, ouso afirmar que a Política, como arte humana de trabalhar pelos outros, Política com P maiúsculo é a mais nobre das atividades porque exprime o aprendizado da escolha. Ela visa a oferecer à sociedade os melhores rumos e indica os que possam conduzi-la a esses rumos. Exercer esse papel de intérprete das aspirações comuns constitui o que assinala o autêntico mandatário, quando ele se integra nas responsabilidades de governante ou parlamentar. Não nos empolguemos em excesso com as ilusões de um ufanismo ou de um messianismo, tão próprio do nosso temperamento. Nem sempre o texto das Constituições e dos Códigos encontra ressonância integral na realidade cotidiana. Nem sempre os princípios a priori formulados na teoria do regime são praticados e aceitos como se a República de Platão fosse o cenário risonho de nosso convívio. Tal contingência segue o destino das criações humanas, o que importa reconhecer que seguimos um aprendizado constante de aperfeiçoamento das instituições, como imperativo de sua sobrevivência. A Democracia não nasce feita para a sociedade. Esta é que tem de constituí-la e reconstruí-la em seus quadros políticos, através de partidos de autêntica legitimidade, pelo sufrágio popular livre e isento de influências corruptoras, para que ela seja o que efetivamente deve ser, isto é, “a soberania da vontade”. Por isso, condenamos o derrotismo dos adversários dos regimes livres, contra os quais se ergue a mais feroz reação de todos os tempos, batida afinal no segundo conflito mundial de 1945. Se ainda persistem resíduos dessa hostilidade ao sistema democrático, para cujo
aperfeiçoamento marchamos com o apoio do Governo atual, é que há saudosistas da força mas isolados em seus preconceitos, seja aqui, seja noutras plagas onde o sistema representativo ainda se mantém vivo e atuante. Nossa opção está feita. Todas as revoluções brasileiras se inspiraram no objetivo de implantar ou de restaurar a vida democrática em nossos estilos de governo. Desfraldaram uma bandeira sempre aclamada pela Nação consciente de seu futuro. À sombra dessa bandeira a juventude de hoje, mestres e discípulos formam a linha de combatentes pela paz e pela justiça, num mundo dilacerado por competições odiosas. Fácil é perceber o que custa em sacrifícios essa luta. Estou certo de que não hesitareis nas opções a tomar. Seguireis o bom caminho, restituindo em dobro à Nação, à sociedade e a nossos irmãos em crença, o que recebestes na Faculdade e no seio de vossas famílias, à semelhança do servo fiel dos Evangelhos. A Paraíba está hoje em festa, sentindo na vossa presença uma força de construção positiva, o pensamento generoso da mocidade em marcha para os grandes destinos do país. Colocando-vos a serviço da Pátria e do Direito merecereis um prêmio que não tem preço. Será a glória de um heroísmo incruento, no qual o Brasil encontrará a seiva de sua sobrevivência e de sua eternidade. Terminada a obrigação, permiti-me um instante de devoção, e a minha devoção mais que perfeita é à Paraíba. Devoção, sem altares, nem ícones, filha dileta do sentimento, pura como a pureza da água que brota da rocha viva, eterna como as areias que recebem os eternos beijos do mar. Já foi dito que as rosas morrem se desfolhando, e nós vivemos como as rosas morrem. Assim, estou vivendo estes instantes revendo
minha terra, as suas cores, a policromia feiticeira que encantou os meus olhos e doirou a minha vida. Sentindo o seu cheiro de mulher, de mãe. Cheiro de terra que o mar não conhece, cheiro de terra que só conhece o mar. E a rosa, que já foi rosa, batida por todos os ventos, castigada por tantos sois, embranquecida por tantos luares, volta aos jardins nativos para deixar cair suas últimas pétalas. É uma volta que não espera por outras, e traz na alegria dos abraços a tristeza dos adeuses. Venho pedir-te, ó terra, a tua bênção, e trazer-te a minha bênção, fascinado pela tua juventude imortal, pela tua imortal beleza. Vejo com angústia o meu ocaso, menos pelo desgosto de envelhecer, que pela mágoa de perder a visão sedutora dos teus crepúsculos, a visão mágica dos teus horizontes. Mas, se assim tem de ser, se é tão curta a vida para tão longo amor, recebe, recolhe, mãe estremecida, os beijos e os amplexos do filho que nunca se despegou pelo coração da barra de tua saia de rendas. Dá minhas lembranças e minhas saudades ao Cabo Branco e à Serra da Borborema, os dois marcos maiores da tua grandeza e da tua eternidade. E vós, paraibanos, irmãos pelo berço, pela crença e pelo ideal, recebei o amplexo fraterno do mano velho, que sempre morou longe, mas nunca deixou de estar perto de vós, solidário nas dores e nas alegrias, nos entusiasmos e nos desesperos, nas agonias e nas ressurreições! Tudo por amor a um pedaço de terra pequenino, maior do que a terra, maior do que o mundo, maior do que o Céu, menor que Deus – a Paraíba! g
(*) Discurso na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba, como Paraninfo da turma de Bacharéis, de 1974.
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
33
COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – 9, 11 Abelardo Jurema Filho – 5, 11 Adalberto Targino - 25 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – 12 Afonso Arinos de Melo Franco - 30 Ailton Elisiário – 25, 29, 30 Alceu Amoroso Lima (In Memoriam) – 15 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto (D.) – 8 Aldo Lopes Dinucci – 9 Alessandra Torres – 9 Alexandre de Luna Freire – 1 Aline Passos - 21 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – 13 Aníbal Freire (In Memoriam) - 24 Álvaro Cardoso Gomes – 5 Américo Falcão (In Memoriam) – 9 Ana Isabel Sousa Leão Andrade – 15 André Agra Gomes de Lira – 1 Andrès Von Dessauer – 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 24, 25,26, 27, 29, 30 Ângela Bezerra de Castro – 1, 11, 25, 29 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Anna Maria Lyra e César – 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – 8 Anton Tchecov - 30 Antônio Mariano de Lima – 4 Antônio Parreiras (In Memoriam) - 28 Ariano Suassuna (In Memoriam) – 14 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – 13 Austregésilo de Atahyde (In Memoriam) – 23 Bartyra Soares - 29 Berilo Ramos Borba – 3 Boaz Vasconcelos Lopes – 7 Camila Frésca – 5 Carlos Alberto de Azevedo– 4, 6, 11 Carlos Alberto Jales – 2, 12, 14, 16, 23, 25 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – 2, 5 Carlos Pessoa de Aquino – 5 Celso Furtado - 16 Coriolando de Medeiros (In Memoriam) – 27 Chico Pereira - 16 Chico Viana – 1, 2, 4, 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 10, 13, 14, 22, 24 Ciro José Tavares – 1, 23 Cláudia Luna - 28 Cláudio José Lopes Rodrigues – 5, 6, 27 Cláudio Pedrosa Nunes – 7 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – 10 Damião Ramos Cavalcanti – 1, 11 Deusdedit de Vasconcelos Leitão - 24 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – 6 Durval Ferreira – 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – 14 Eilzo Nogueira Matos – 1, 4, 7, 13 Eliane de Alcântara Teixeira - 6 Eliane Dutra Fernandes – 8, 14 Eliete de Queiroz Gurjão - 28 Elizabeth Marinheiro – 12 Emmanoel Rocha Carvalho – 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - 1, 9, 27 Erika Derquiane Cavalcante - 24 Ernani Sátyro (In Memoriam) –EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 15, 16, 31 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 8, 31 Evandro da Nóbrega- 2, 4, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 15, 21, 31 Everaldo Dantas da Nóbrega – 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - 8 Fábio Franzini – 7 Fábio Túlio Filgueiras Nogueira - 30 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Felizardo de Moura Jansen - 29 Fernando Gomes (D.) (In Memoriam) - 25 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - 4 Flamarion Tavares Leite – 8 Flávio Sátiro Fernandes – 1, 2, 4, 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 26, 28, 31 Flávio Tavares – 3 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - 2 Francisco Gil Messias – 2, 5, 14 Gerardo Rabello – 11 Gustavo Rabay Guerra – 27 Giovanna Meire Polarini – 7 Glória das Neves Dutra Escarião – 2 Gonzaga Rodrigues – 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 11, 31 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – 4, 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015, 31 Humberto Fonseca de Lucena - 23 Humberto Melo – 16 Ida Maria Steinmuller – 24 Igor Halter Andrade – 30 Inês Virgínia Prado Soares - 23 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – 3
34
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335
Ivan Bichara Sobreira - 31 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – 4 João Cabral de Melo Neto (In Memoriam) – 27, 29 João Lelis de Luna Freire - 30 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – 6 Joaquim do Amor Divino Caneca - 28 Joaquim Osterne Carneiro – 2, 4, 7, 9, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 25 Jonathan França Ribeiro – 30 José Américo de Almeida (In Memoriam) – 3, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 15 José Honório Rodrigues (In Memoriam) - 28 José Jackson Carneiro de Carvalho – 1 José Leite Guerra – 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – 16, 21 José Mário da Silva Branco – 11, 13 José Nunes – 16, 25 José Octávio de Arruda Melo – 1, 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 9, 13, 15, 21, 24, 25, 28, 30, 31 José Romero Araújo Cardoso – 2, 3, 10, 11 José Romildo de Sousa – 16 José Sarney – 15 Josemir Camilo de Melo – 11, 28 Josinaldo Gomes da Silva – 5, 10 Juarez Farias – 5 Juca Pontes – 7, 11, 27 Krishnamurti Goes dos Anjos - 29 Ivan Linas – 27 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, 7, 13, 15, 29 Lucas Santos Jatobá – 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – 13 Luiz Fernandes da Silva- 6 Machado de Assis (In Memoriam) – 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) (In Memoriam) – 13 Marcelo Conrado – 30 Marcelo Deda (In Memoriam) – 4 Márcia de Albuquerque Alves - 23 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 23 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – 1 Marcus Vilaça - 25 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – 3, 10, 15 Maria José Teixeira Lopes Gomes – 5, 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Mariane Bigio - 28 Marinalva Freire da Silva – 3, 9 Mário Glauco Di Lascio – 2 Mário Tourinho – 13 Martha Mª Falcão de Carvalho e M. Santana - 22 Martinho Moreira Franco – 11 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Medeiros, Wandecy - 30 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – 4 Milton Marques Júnior – 4 Moema de Mello e Silva Soares – 3 Neide Medeiros Santos – 3, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015, 15, 23, 27 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - 6, 15 Octávio de Sá Leitão (Sênior) (In Memoriam) - 23 Octávio de Sá Leitão Filho (In Memoriam) – 16 Osvaldo Meira Trigueiro – 2, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 25, 27, 30 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/ Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - 14 Otávio Sitônio Pinto – 7 Patrícia Sobral de Sousa - 21 Paulo Bonavides – 1, 4, 5, 9, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 12, 14, 15, 16, 22,23, 25, 27 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Peregrino Júnior (In Memoriam) - 22 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – 3 Raúl Gustavo Ferreyra – 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – 4 Regina Célia Gonçalves – 22 Regina Lyra - 24 Renato César Carneiro – 3,6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,7,9 Ricardo Vieira Coutinho – 31 Ricardo Rabinovich Berkmann – 5 Roberto Rabello – 11 Ronal de Queiroz Fernandes (In Memoriam) - 21 Rostand Medeiros – 12 Ruy de Vasconcelos Leitão – 16 Samuel Duarte (In Memoriam) – 21 Sérgio de Castro Pinto – 22 Serioja R. C. Mariano – 28 Severino Alves de Sousa - 28 Severino Ramalho Leite – 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 13, 15, 16, 29 Socorro de Fátima Patrício Vilar – 10 Thanya Maria Pires Brandão – 4 Thiago Andrade Macedo – 30 Tiago Eloy Zaidan – 11, 13, 21, 23, 29 Vamireh Chacon - 28 Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Vicente de Carvalho – 16 Violeta Formiga (In Memoriam) - 21 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – 3, 9, 15 Wills Leal – 2, 7
DEZ FRASES QUE... NÃO SÃO DE EFEITO... MAS QUE PODEM TER EFEITO... “UM DIA FELIZ COMEÇA COM UM SIMPLES SORRISO NO ROSTO BOM DIA!”
“SE UMA PALAVRA PODE MUDAR TUDO, PENSA UMA ATITUDE!”
ACREDITAR QUE VOCÊ PODE
“PARA VOCÊ ALCANÇAR O IMPOSSÍVEL, COMECE ACREDITANDO QUE É POSSÍVEL”
JÁ É MEIO CAMINHO ANDADO. Theodore Roosevelt
“TU SÓ VENCERÁS AMANHÃ SE NÃO DESISTIRES HOJE”
“SEJA COMO O SOL: LEVANTE, BRILHE E ILUMINE O MUNDO”
SE NÃO SABES, APRENDE; SE JÁ SABES, ENSINA Confúcio
“DEIXA PRA TRÁS O QUE NÃO TE LEVA PRA FRENTE”
“O SILÊNCIO É A ÚNICA RESPOSTA QUE DEVEMOS DAR AOS TOLOS. POIS ONDE A IGNORÂNCIA FALA, A INTELIGÊNCIA NÃO SE METE”
“PESSOAS QUE VOCÊ NUNCA DEVE ESQUECER: PESSOAS QUE TE AJUDARAM NOS TEMPOS DIFÍCEIS. PESSOAS QUE TE COLOCARAM NOS TEMPOS DIFÍCEIS”. PESSOAS QUE TE DEIXARAM NOS TEMPOS DIFÍCEIS.
ISSN: 2357-833
Julho/Agosto/2018|
35
ATACADÃO DO CRIADOR Com. Ind. Agropecuária e Transportes Ltda. E mais: O mundo PET nas suas mãos
36
| Julho/Agosto/2018
ISSN: 2357-8335