GENIUS 37

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CAPA

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CINCO POEMAS DE ASCENDINO LEITE

Retrato Falado

Segredo

Ah, meu Deus, que bela A moça espanhola do azeite Oliveira!

A única riqueza que possuo é um segredo: está dentro de mim num sítio especial, cercado de doce poesia. Foi belo quando descobri; e, como numa reversão, me revelasse: eu te amo. Qual um verso: teu nome.

Cabelo partido e nariz afilado, brotando entre latas, a doce espanhola ajeita o azeite: que bom que o faz!

Para nunca declinar ou esquecer, Por isto mesmo: segredo.

Teu nome, menina? Lúcia ou Rosita? Não és a espanhola do azeite Oliveira?

Candidez

Apelo Venha a mim a tua voz em duas ou três palavras ou as mais que queiras rompendo as galáxias do eterno. Aquelas palavras breves, curtas, do teu sonhar singelo. Palavras ternas e até mesmo aquelas das incontinências de humor. Os impropérios. A irada ciumeira que sempre precedeu a bonançosa trégua para o muito amor. Vem. Abraça-me. Vem depressa. Tudo nos convida. Vamos passear um pouco em torno da lagoa.

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Dá-me, por favor, a tua mão, aconchegada ao cálido vermelho do teu cabelo; prestes, tu mesma, a rolar na relva, à tua frente. Vê o teu vestido negro. Vê. Quão bela se faz! É como um discurso feito, sem apartes, sobre íris azuis e flores pró jardim. Adoro-te mais agora, pela arte que te veste e a porta que se abre: por trás delas, faremos nosso amor candidamente.

Boa Obra Meus olhos fariam, por certo, uma boa obra se, por sorte, nunca saíssem da tua contemplação, fixados em teu rosto, na plena saúde do teu físico, da tua face angelical ao colo dadivoso, onde, em geral, saberei eu, se plantam os dons mais preciosos do teu genuíno encanto. Assim, ora te encaro, como se de sonho fosses feita, e dia e noite, num só compasso, a imagem tua me casasse ao lado teu que me requesta, Oh doce irmãzinha no amor que só o diabo enfeia.


CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO

Mais uma edição de GENIUS e com ela uma variedade de temas que, sem dúvida, interessam aos leitores, sequiosos de boa leitura, seja na história, na educação, na ciência política, no direito, na literatura, na história. Na educação, aliás, este número da revista vem pesado de matérias de excepcional importância, algumas até mescladas com a história, quais sejam as de autoria dos Professores José Octávio de Arruda Melo e Durmeval Trigueiro Mendes. O primeiro versa sobre a educação paraibana, da Colônia aos nossos dias. É trabalho denso, de larga abrangência, tratando o objeto de seu estudo numa perspectiva histórica de grande relevo. Talvez esteja a merecer uma pequena atualização. Mas nada o desmerece. O segundo é transcrição do discurso com que seu autor, uma das mais importantes figuras da educação paraibana e também brasileira, transmitiu ao Ministro e Ex-Governador da Paraíba, José Américo de Almeida, o cargo de Reitor da Universidade da Paraíba, que ambos ajudaram a criar e a solidificar como instituição de ensino superior entre nós. Ainda na área de educação ressalta o estudo, breve mas consistente, com que a psicopedagoga Eliane Dutra Fernandes aborda um dos capítulos mais instigantes da psicopedagogia que é, com certeza, o que trata da dislexia, como fator que inibe a aprendizagem escolar. Tão importante é o tema que não pode ser entendido como inerente apenas à educação, mas imbricado também com a saúde. No campo da literatura oferecemos ao leitor o primoroso texto da Professora Ângela Bezerra de Castro, com que a ilustre Acadêmica dissertou em nome da Academia Paraibana de Letras, na homenagem por esta prestada ao saudoso escritor Carlos Augusto Romero. Com a homenagem, a APL declarou vaga a Cadeira nº 27, abrindo com isso os procedimentos que levarão ao preenchimento do lugar ora vago. A escritora Neide Medeiros Santos, colaboradora desta revista e de outros periódicos locais, comparece dissertando sobre um aspecto da obra de nosso grande romancista José Lins do Rego. Não se volta ela, porém, para Menino de Engenho, Fogo Morto, Cangaceiros ou qualquer outro romance do conterrâneo ilustre. Sua análise se detém sobre as narrativas de viagens escritas pelo autor de Doidinho, espalhadas por diversos livros, tais como, Bota de sete léguas, Roteiro de Israel, Gregos e Troianos e O vulcão e a fonte. De acordo com os dicionários, diz a autora do trabalho, viandante é aquele que viaja sempre exercendo alguma ação: observando, escrevendo, pesquisando. José Lins do Rego não se limitava a viajar. Ele observava, escrevia, pesquisava e repassava para os leitores as suas observações sobre as terras e a gente que conhecia. Por isso, diz Neide Santos, melhor seria chamá-lo viandante. E assim intitulou o seu trabalho: “O viandante José Lins do Rego”. Na área da Ciência Política sobreleva o texto do Desembargador Federal Alexandre Luna Freire, intitulado “Do Estado Liberal ao Estado Social”. O título é o mesmo da obra do Professor Paulo Bonavides, surgida em 1958, sob a forma de Tese para o Concurso Público de Catedrático de Teoria Geral do Estado, da Faculdade de Direito do Ceará, há mais de sessenta anos, portanto, e o tema foi o mesmo que deu lugar ao Congresso Franco-Brasileiro de Direito Constitucional, realizado em outubro de 2018, em Fortaleza, do qual participou o Professor Alexandre de Luna Freire, abordando a mesma matéria.

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CINCO POEMAS Ascendino Leite

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CULTURA DO INSULTO Ailton Elisiário

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A ARTE URBANA E O DIREITO Flávio Sátiro Fernandes

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CARLOS ROMERO: FÉ E ENCANTAMENTO LÍRICO Ângela Bezerra de Castro

Ao leitor, uma boa leitura do que aqui se contém.

Maio/Junho/2019 - Ano VI Nº 37 Uma publicação de LAN EDIÇÃO E COMERCIO DE PERIÓDICOS LTDA. Diretor e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (SRTE-PB 0001980/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3902) Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefones: (83) 99981.2335 E-mail: flaviosatiro@uol.com.br Impresso nas oficinas gráficas de A União Superintendência de Imprensa e Editora CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO OU E-MAIL ACIMA

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A EDUCAÇÃO PARAIBANA DA COLÔNIA A NOSSOS DIAS: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA José Octávio de Arruda Mello

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O VIANDANTE JOSÉ LINS DO REGO Neide Medeiros Santos

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PROCURADORES DE ESTADO: QUE SÃO E O QUE FAZEM? Adalberto Targino

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DISLEXIA: UMA DIFICULDADE ESPECÍFICA DE APRENDIZAGEM Eliane Dutra Fernandes

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E TUDO VEM A SER NADA Silvino Pirauá de Lima

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A UNIVERSIDADE E SEUS PROBLEMAS ATUAIS Durmeval Trigueiro Mendes

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TESSITURAS Elizabeth F.A. Marinheiro

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DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL Alexandre Costa de Luna Freire Capa: Equipe GENIUS ISSN: 2357-8335

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COLABORAM NESTE NÚMERO: 4

ASCENDINO LEITE (In Memoriam) (Conceição, 1915 – João Pessoa, 2010) [Cinco poemas] Escritor, crítico literário, romancista, poeta, foi, sem dúvida, um dos grandes nomes da novelística brasileira, autor dos romances A viúva branca. Salto mortal, A prisão, O brasileiro. Embora seus romances tenham sido bem recebidos pela crítica nacional, notabilizou-se mais Ascendino por sua obra crítico-reflexiva contida nos vários volumes de seu Jornal Literário. Pertenceu à Academia Paraibana de Letras.

ADALBERTO TARGINO [Procuradores de Estado: Que são e o que fazem?] Procurador do Estado do Rio Grande do Norte, Professor e Presidente da Academia de Letras Jurídicas do RN. É também membro da Academia Paraibana de Letras Jurídicas. Professor Universitário. AILTON ELISIÁRIO [Cultura do insulto] Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Nordeste (1987), em Ciências Econômicas pela UFPB (1968), mestrado em Economia pela UFP (1983) e especialização em Direito Civil pela Universidade Estadual da Paraíba (1987). É professor titular da Universidade Estadual da Paraíba e membro da Academia de Letras de Campina Grande. ALEXANDRE DE LUNA FREIRE [Do Estado Liberal ao Estado Social] Bacharel em Direito. Professor universitário. Juiz Federal, promovido a Desembargador Federal, integrante do TRF da 5ª Região. Membro da Academia Paraibana de Letras. ÂNGELA BEZERRA DE CASTRO [Carlos Romero: Fé e encantamento lírico] Professora da Universidade Federal da Paraíba, escritora, crítica literária, membro da Academia Paraibana de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 31, cujo patrono é Epitácio Pessoa. Escreveu, dentre outros livros Um certo modo de ler, Releitura de A Bagaceira e Um ponto no infinito contínuo. DURMEVAL TRIGUEIRO MENDES (In Memoriam) (Cuiabá, 1927 – Rio de Janeiro, 1987) [A Universidade e seus problemas atuais] Apesar de nascido em Mato Grosso, radicou-se na Paraíba, de onde seus pais eram originários e voltaram a residir. Professor universitário, educador, foi o primeiro Reitor da Universidade da Paraíba, nomeado pelo Governador José Américo de Almeida, a quem passou o cargo após findar o seu período. Transferindo-se para o Rio de Janeiro e, depois, para Brasília, ocupou relevantes funções no âmbito do Ministério da Educação. Publicou: Ensaios sobre educação e universidade, Filosofia política da educação brasileira, O planejamento educacional no Brasil, Propostas para uma universidade no terceiro milênio, além de artigos divulgados em jornais e revistas especializadas. Postumamente, recebeu, em 1988, os títulos de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Paraíba e Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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ELIANE DUTRA FERNANDES [Dislexia: uma dificuldade específica de aprendizagem] Graduada em Pedagogia, pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduada em Psicopedagogia, pela Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo. Coautora do livro Transtornos e dificuldades de aprendizagem, Rio de Janeiro, 2014, WAK Editora, 2ª ed. Autora de artigos diversos divulgados em jornais e revistas locais. ELIZABETH F. A. MARINHEIRO [Tessituras] Professora Emérita da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Linguística, é, na atualidade, o maior nome da crítica literária em nosso Estado.

FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [A arte urbana e o direito] Membro da Academia Paraibana de Letras e do IHGP. Autor, entre outros, dos livros História Constitucional da Paraíba, Lições de Direito Administrativo e História Constitucional dos Estados Brasileiros, este em parceria com o Professor Paulo Bonavides. Diretor e Editor da revista GENIUS. Romancista, poeta, historiador, jurista. JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELLO [A educação paraibana da Colônia a nossos dias: uma abordagem histórica] Historiador de ofício, como se classifica, doutorado em História Social pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP, APL, API e Centro Internacional Celso Furtado, professor aposentado das UFPB, UEPB e UNIPÊ. Autor de várias obras que abordam a história da Paraíba. NEIDE MEDEIROS SANTOS [O viandante José Lins do Rego] Professora e crítica literária com livros e artigos versando, notadamente, sobre literatura infantil. Doutorado em Estudos Literários. Colunista do antigo jornal “Contraponto” e colaboradora da revista “Genius”. SILVINO PIRAUÁ DE LIMA (In Memoriam) (Patos, 1848 – Bezerros, 1930) [E tudo vem a ser nada] Um dos primeiros poetas paraibanos a se dedicar à literatura de cordel, deixando uma vasta obra. É autor de uma versão da célebre peleja travada entre Inácio da Catingueira e Romano do Teixeira.


VIDA RELIGIOSA CULTURA DO INSULTO Ailton Elisiário O Papa Francisco está novamente sendo alvo de acusações de heresia, levantadas por católicos ultratradicionalistas que divulgaram uma carta em que o acusam pela prática de desvios da doutrina. É mais uma fase da guerra travada na Igreja entre conservadores e reformistas, cujo objetivo é forçar a saída do pontífice do cargo. Portanto, mais que teológico, o documento é eminentemente político. O documento, porém, não conduz assinaturas de cardeais nem de bispos, mas de sacerdotes, teólogos e acadêmicos, não estando sob a apreciação da Congregação da Doutrina da Fé. As acusações podem ser alinhadas como uma suavização de posição pelo Papa em relação a questões que, na ótica desses acusadores, vão contra os mandamentos da Igreja, no tocante a temas da família, da sexualidade e do diálogo inter-religioso. Isto é um movimento que representa a insatisfação do clero conservador à abertura trazida pelo Concílio Vaticano II e, mais presentemente, à reação de mudança estrutural que o Papa Francisco vem introduzindo na Igreja. Embora o Papa seja a cabeça visível da Igreja, que ocupa o trono petrino iluminado pelo Espírito Santo, outras cabeças querem conduzi-la dentro de uma visão integrista consubstanciada nas disposições do Concílio de Trento. Heresia é vocábulo da era medieval, termo pelo qual a Igreja fomentou a Inquisição e que causou inúmeras condenações, todas elas injustas vistas aos olhos de hoje. A Igreja condenou a modernidade, em flagrante confronto com as novas ideias sociais que trouxeram o progresso tecnológico e científico, derrubando o imobilismo clerical. E ainda em pleno Século XXI, ainda se acham mentes inquisitoriais que se apegam a um doentio

saudosismo, sem aceitarem que a Igreja desde o Papa João XXIII caminha numa estrada de mão única, a estrada do amor. Não é a Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” ou “Alegria do Amor”, nem o “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum” firmado pelo Papa e pelo Grande Imã da Mesquita Al-Azhar do Cairo, que dão origem a crise na Igreja Católica. São os integristas declarados e ocultos que denominam de antipapas heréticos e apóstatas a João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco; que cognominam de Seita Vaticano II o Concílio Vaticano II; que chamam de falsa religião católica a sedimentada no Concílio Vaticano II. Para esses integristas todos os papas a partir de João XXIII são heréticos, inclusive os que foram canonizados, ou seja, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II. Esses santos papas são paradigmas aos olhos dos fiéis, são modelos de vida de fé. Diante deste fato, pode se dar credibilidade a esses integristas? O mal está nesse integrismo, – palavra no seio católico que significa fundamentalismo – que como qualquer outro é sempre exacerbado em suas posições. Se a Igreja não desejasse que a misericórdia de Deus inundasse o coração do seu povo, se ela não quisesse fomentar a paz entre os povos e as religiões, ela deixaria em total abandono as famílias das quais fala a Exortação Alegria do Amor, ela não incentivaria o ecumenismo e não se abriria ao diálogo inter-religioso. A palavra papal tem, porém, repercutido muito mais alto que o daqueles que fomentam o proselitismo religioso, o grande mal que fomenta a guerra entre as religiões.

De resto, os ataques soam como insultos, aos quais o Papa responde com o silêncio. Disse um auxiliar do pontífice que este comentou que nos tempos atuais os insultos se tornaram normais e afirmou: “Um político insulta o outro, um vizinho insulta o outro, também nas famílias um insulta o outro. Não sei dizer se há uma cultura do insulto, mas o insulto é uma arma na mão”. Na verdade, não há só desrespeito e infidelidade ao papa, há realmente insultos, até porque, o Papa não pode ser julgado, porque julgar o Papa é julgar a própria Santa Sé. Isto deriva do princípio “prima sedes a nemine judicatur” (A Sé primeira não é julgada por ninguém), que encerra o conceito da imunidade do pontífice romano do julgamento episcopal. Segundo o documento “Dictatus Papae”, oriundo do Papa São Gregório VII (1073 – 1085), acha-se no número 18 que “a decisão dele (do Papa) não pode ser questionada por ninguém” e no número 19 que “somente ele (o Papa) não pode ser julgado por ninguém”. Tal disposição passou para o direito canônico, estando no Código de Direito Canônico de 1983, no número 1404, que estipula que nenhum Papa pode ser submetido a qualquer tipo de julgamento. Isto é porque ele está além do julgamento. Diante disto, já que os acusadores se baseiam em documentos da Igreja PréConciliar, que se lembrem do documento “Dictatus Papae”, que tratando da autoridade papal devem observar. Aliado a este, também o Código de Direito Canônico em vigor, que incorporou esse princípio. Se desprezam tal legislação eclesiástica, as acusações realmente não passam de insultos. g ISSN: 2357-8335

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ARTE E DIREITO A ARTE URBANA E O DIREITO(*)

Flávio Sátiro Fernandes

A primeira nota a destacar nestas breves e despretensiosas palavras sobre o tema que me foi oferecido para apresentação nesta mesa literalmente redonda – A arte urbana e o direito – é a dupla manifestação que a arte urbana assume, apresentando-se ora sob a forma de grafite, ora sob a forma de pichação. Ao tratar, pois, da arte urbana e o direito, chama-nos a atenção a diversidade de exteriorização desse fazer artístico, do que resulta, igualmente, uma diferenciação de como o direito a trata, em seus diversos aspectos. A primeira forma de arte urbana de que trataremos é o grafite, reconhecido como um movimento estético que ganhou relevância a partir dos anos setenta do século passado, quando passou a atrair o interesse de técnicos, críticos de arte, museus, galerias e de um público formado, curiosamente, de passantes, transeuntes, flâneurs, turistas e os próprios moradores da cidade. Poderíamos dizer que a arte urbana representada pelo grafite destina-se não só a integrar-se à paisagem urbana, mas igualmente ao deleite de quem frequenta suas ruas e dela usufrui. Antes, o grafite vinha carregado das tintas da marginalidade, do vandalismo, fadado ao apagamento e, consequentemente, ao desaparecimento das ruas, mas foi obtendo, paulatinamente, o reconhecimento e a admiração de quantos se interessam pela arte urbana.

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Observa o Professor Marcílio Franca que a valorização dada ao grafite – com eventos patrocinados por vários museus internacionais – criou um paradoxo: concebido, originariamente, para ser algo anônimo, surpreendente, espontâneo, efêmero e marginal, o grafite e os grafiteiros, assim como seus admiradores, começaram a reivindicar estabilidade temporal e proteção jurídica para as obras. Segundo o mesmo autor, essa proteção jurídica se exige para um bem que se faz dela merecedor, por ser, hoje, detentor de uma dignidade intelectual e estilística. Vejo, com relação a isso, que a proteção jurídica, na medida em que volve

o seu olhar para essa arte, faz desaparecer algumas de suas características originais, costumeiramente reconhecidas, tais como, o seu caráter efêmero, pois que protegida estará sua estabilidade no tempo; a sua natureza marginal, posto se integrará aos vários segmentos artísticos, mediante sua participação em eventos diversos e, finalmente, fará desaparecer o anonimato, vez que para o gozo e fruição dos direitos artísticos se há de exigir a manifestação expressa de seu titular, seja ele o autor, seja ele a cidade, seja ele, na falta do primeiro ou no desinteresse desta, os seus admiradores, turistas ou habitantes do lugar.


É importante ressaltar que o direito grafitário (desculpem-me o neologismo, não aberrante, porquanto concorrem para a formação do termo o substantivo grafite + o sufixo ário, um elemento, reconhecidamente, de grande fecundidade na formação de palavras) é importante ressaltar, repito, que o direito grafitário pode abrigar diversas situações, tais como: o direito ao grafite, em favor de quem cria a obra de arte – o grafiteiro; o direito de apreciar a obra de arte, isto é, toda e qualquer pessoa que, transitando pelas ruas, vê e admira a obra de arte, posta à disposição dos passantes; o direito que cada cidade tem de manter como patrimônio urbanístico indestrutível as pinturas postas a céu aberto para deleite estético de seus moradores. Se em um ordenamento jurídico não há leis que, declaradamente, protejam o grafite e os grafiteiros, há, no entanto, normas superiores que já demandam aos segmentos abaixo delas a promulgação de leis nesse sentido ou a obediência a princípios que sobranceiramente salvaguardam direitos grafitários. Aliás, é essa a lição que colhemos ainda do Professor Marcílio Franca, quando diz em seu já mencionado trabalho: Mesmo não havendo muitos litígios sobre o direito ao grafite no Brasil, há sobre ele consistente proteção extraída da Constituição Federal, que destaca a necessidade de tutelar os valores cotidianos da cidade, a liberdade de manifestação artística, a participação dos cidadãos na vida cultural urbana, além

de considerar como patrimônio cultural brasileiro os espaços destinados às manifestações artístico-culturais (arts. 182, 215, 216 e 225). E mais: tanto o “direito à paisagem” como o “direito à integridade da obra de arte”, ambos previstos em nossa legislação também constituem fundamentos para a proteção do grafite, dos grafiteiros e dos cidadãos urbanos. Grafite é um bem cultural vocacionado à fruição coletiva e sua proteção encontra respaldo no próprio direito, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de todo homem participar livremente da vida cultural da comunidade e de fruir as artes”. Se o que cerca o grafite é um ambiente normativo ou principiológico que lhe assegura, explícita ou implicitamente, proteção e segurança, que dizer em relação à pichação? Diversamente ao que acontece com o grafite, a pichação, a outra forma de arte que se espalha pelas ruas, mantém os estigmas que a perseguem desde o seu surgimento, tais como: caráter marginal, peso vandálico, veículo de protesto e resultado danoso. Disso redunda que o direito não se volta para a pichação com o fim de protegê-la ou resguardá-la, como sucede em relação ao grafite, mas, ao invés, sua ação se faz no sentido de reprimi-la mediante o estabelecimento de multas direcionadas ao autor das inscrições – o pichador. Vale observar que as penas que sofre o autor das pichações são agravadas se estas afetam bens históricos ou tomba-

dos, tais como imóveis, monumentos, estátuas, bustos etc. Algumas das noções e ideias aqui tratadas têm sido objeto de estudos, debates, discussões em cursos, centros de estudos, escolas, valendo ressaltar que no sul do país, na Universidade Federal do Paraná, inserida na sua Faculdade de Direito, criou-se a Clínica de Direito e Arte, constituída de alunos e professores da graduação que se têm dedicado ao estudo não só da natureza e perspectivas da arte urbana mas também a ensaiar um marco regulatório do grafite. Deixo neste relato sucinto, sem o aprofundamento que o tema requer, uma semente de possível interesse que possa brotar em nosso meio a respeito da arte urbana, não deixando de indicar aos interessados os trabalhos que foram divulgados pela revista GENIUS, a saber: - O direito ao grafite, (Marcílio Franca e Inês Virgínia Prado Soares), in revista GENIUS nº 23, pág. 2; - Nossos grafites estão ameaçados, (Igor H. Andrade, Jonathan F. Ribeiro e Marcelo Conrado), in revista GENIUS, nº 30, pág. 31; - A regulamentação legal do grafite: perspectivas e caminhos a partir de uma experiência prática em Curitiba (Angela Cassia Costaldello e Francisco Bley), in revista GENIUS, nº 32, pág. 7). g

*Ponência apresentada à Mesa Redonda realizada em 7 de junho do corrente ano na Livraria do Luiz, com a participação do profº Carlos Azevedo, das escritoras Jéssica Queiroz e Neide Santos e da bacharela Rafaella Soares.

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HOMENAGEM CARLOS ROMERO: FÉ E ENCANTAMENTO LÍRICO Ângela Bezerra de Castro Existem dois instantes significativos nos quais a Academia convoca sua assembleia em torno de um sócio, cumprindo os rituais previstos na legislação por que se rege. A ocasião da posse, quando recebe, solenemente, o novo acadêmico. E quando se impõe que seja decretada a vacância da cadeira temporariamente ocupada pelo imortal. Na origem, constituem solenidades diferenciadas. Mas, na essência, absolutamente complementares. Ao orador, designado para a recepção, cabe fazer o elogio do novo sócio. Não o elogio inconsistente de uma retórica vazia. Mas o que se fixa no mérito cultural, nas credenciais esperadas de quem chega para fazer parte desta casa das letras e da memória, fortalecendo-a em seus princípios fundadores. Quando celebramos o rito de passagem, diria que temos a responsabilidade de analisar, na trajetória do acadêmico, sua contribuição para o cumprimento e sedimentação dos objetivos desta casa; sua participação na construção cultural do seu tempo, reconstituindo-lhe o acervo pessoal, suporte maior para a preservação da memória. Assim procedemos porque na obra elaborada é que se ampara toda nossa ilusão de imortalidade. Não é comum que esta casa desfrute da convivência de um acadêmico, durante quatro décadas. Carlos Romero, por sua longevidade lúcida e participativa, constituiu uma exceção. Desde a posse, em junho de 1981, recebido com a saudação do imortal Higino Brito, fez-se referência marcante entre seus pares, pelo trato gentil e sempre bem humorado que só inspirava harmonia. Em minha visão particular, diria que Carlos era o exemplo de um homem feliz. Soube amar e ser amado. Além de nortear a existência por princípios que deram sen-

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tido e densidade a todos os seus dias. Podia descobrir, no menor fato do cotidiano, um grande acontecimento e assim alimentar constantemente sua alegria de viver. Sem dúvida, encontrou “a paz do coração” que, segundo Platão, “é o paraíso dos homens”. Desde que o conheci, admirei nele essa postura sábia diante da vida. Refletida sempre no rosto iluminado por um suave sorriso de acolhimento, a sintetizar o propósito maior da transcendência de ser, no minimalismo de cada gesto. A crônica se ajustou, com toda propriedade, à peculiar visão de mundo de Carlos Romero. Esse gênero jornalístico que, pela qualidade estética da linguagem, se equiparou à criação literária, foi sua tribuna, a linha de frente escolhida para a constante participação na cena histórica e cultural onde imprimiu seu nome de cidadão e de escritor. Quando convocado e eleito para a APL, na presidência do professor Afonso Pereira, a crônica era sua expressão de destaque. O imortal Higino Brito não deixa dúvida em suas palavras de saudação. Ainda que exaltasse “a honra da cátedra para um docente honrado”, é para a qualidade da expressão jornalística, desenvolvida pelo novo acadêmico, o maior elogio: “escreveis a respeito do que vos é sabido. Apenas sabeis muito.” Carlos acumulava, em sua história de vida, interesses culturais diversificados. Além da dedicação ao jornal, onde sedimentou seu traço narrativo e literário, empenhava-se na divulgação da música erudita, sua grande paixão. Foram atividades de que não se afastou durante toda a existência. Chegava à APL como um dos fundadores do Correio das Artes, suplemento literário que é, hoje, um exemplo de resistência, como depositário fiel da produção

literária e da memória cultural da Paraíba. Nosso acadêmico foi seu editor, nos primeiros tempos. Inscreve-se também entre os primeiros colaboradores, nele publicando poemas, contos e resenhas literárias que jamais reuniu em livro. Atitude indicativa de sua opção absoluta pela crônica. Por mais de sete décadas, nosso homenageado escreveu para os jornais da cidade, sem nenhum intervalo. Agora, que se interrompeu essa prodigiosa militância, as páginas pareciam reclamar a ausência, pareciam resistir ao fato consumado, e se cobriram de textos para relembrar o homem, o jornalista, o cronista, o amigo, o mestre, o doutrinador, o pai, o esposo, o escritor, o imortal Carlos Romero. Foi uma reação admirável, um justo reconhecimento da comunidade ao valor daquele que conquistou o respeito e a admiração de seus contemporâneos, sem nenhuma arrogância ou ostentação, apenas pela suavidade da palavra e pela mansidão do exemplo. Do exemplo ensinado e vivido. Com o alcance de historiador e biógrafo, o jornalista José Nunes reuniu todas essas publicações para fazê-las repercutir de modo mais permanente. Elaborou um perfil biográfico de Carlos Romero, como introdução aos textos coligidos dos jornais. E, buscando enriquecer ainda mais a coletânea, acrescentou leituras críticas sobre a crônica de nosso homenageado, escritas pelos seus confrades. Assim, organizou um livro de referências fundamentais para a memória do acadêmico e imortal que hoje reverenciamos – Um pastor de nuvens. Como lhe assenta bem essa metáfora da “doce Cecília Meireles!” Publicada com o apoio da família Romero, essa reunião de textos que, em sua harmonia, lembra as muitas vozes de um coral, se integra a nossa Sessão Solene de


Homenagem Póstuma, como uma participação simbólica da comunidade jornalística. O organizador e a família de Carlos Romero disponibilizam o livro a todos os presentes. Lembrar nosso confrade, enfatizando a crônica, se impõe como uma opção natural, tanto que esse gênero está incorporado a sua identidade. Embora a experiência de Magistrado ou de Professor lhe possibilitasse outras formas de expressão, a narrativa curta, de grande poder comunicativo apresentava as características compatíveis com seu projeto existencial. Projeto que o escritor parecia reiterar a cada palavra: “Estou preso à vida e olho meus companheiros”. Projeto que, através da fé e do encantamento lírico, buscava alcançar “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. Recorro aos versos de Drummond para dizer, com toda convicção, que nosso cronista de Deus e da Natureza, incluindo também a humana, escrevia por uma necessidade vital. Seria um equívoco imaginar que sua intensa participação na imprensa decorreu da longevidade. A ordem é exatamente inversa. Estar sempre ligado à vida em todos os seus desdobramentos foi o segredo de sua resistência, a força que alimentava sua energia extraordinária. Buscando uma sistematização do que Carlos publicou, podemos dizer que sua obra se organiza a partir de três matrizes ou motivações. As crônicas de viagem, (subtítulo usado por ele) que compõem dois volumes. O Papa e a mulher nua e Viajar é sonhar acordado. As crônicas de ensinamentos, de divulgação da fé que lhe norteava a existência e a visão de mundo, também reunidas em dois volumes, cujos títulos definem, objetivamente, os conteúdos: Lições de viver e O Evangelho nosso de cada dia. Por fim, existem as crônicas motivadas pelas sugestões do cotidiano que são inesgotáveis. De modo que os temas se multiplicam, conforme a riqueza da percepção e da sensibilidade do eu. Pertence a essa natureza A Dança do Tempo, primeiro volume publicado pelo autor que expõe o comprometimento lírico, como essência de seu trabalho. É ele quem diz: “Estas crônicas são pedaços de mim. Escrevia-as por necessidade íntima de comunicação ou confissão.” Todo o acervo de Carlos não está contido em livros. Logo a família deverá publicar outros volumes de crônicas que darão continuidade às diretrizes aqui indicadas. O livro resgata a crônica da precariedade do jornal, cria para o texto uma nova ordem

e outra perspectiva de leitura. Além disso, a percepção do conjunto dá mais visibilidade ao delineamento do estilo, sinalizando a conexão dos recursos utilizados pelo autor, na originalidade de sua criação. Simplicidade, clareza e humor, diria que sobre estes pilares se erguem as construções líricas de Carlos Romero. Com a mesma leveza das nuvens que desenham alegorias nos céus do verão. Drummond, o grande poeta, que o distinguiu com mensagens de apreço, estabeleceu em pólos complementares a qualidade alcançada pelo cronista paraibano: “acessibilidade da linguagem a serviço de um pensamento lúcido.” As duas faces da moeda, para o projeto cultural e ideológico de nosso homenageado. Refiro-me à ideologia do aprimoramento espiritual, sua inspiração de vida. Desde as primeiras publicações, a opção estética pela linguagem coloquial fixava as bases para a construção do estilo que iria caracterizá-lo. Lembrando sua formação jurídica e a prática no exercício da Magistratura, onde a rigidez formal é a regra, surpreende o nível de despojamento que atinge na expressão literária. Um exemplo bem convincente de quanto a marca distintiva do escritor exige consciência e trabalho. Com um tanto de vocação. Carlos faz do coloquial e da oralidade recursos de aproximação e de convencimento. Transforma o leitor em interlocutor, com tanta espontaneidade que, às vezes, esquecemos o real da leitura e temos a sensação de viva voz, no apelo de seu vocativo. Se a crônica é de viagem, somos de tal forma envolvidos pelo movimento da descrição, pelo detalhamento do relato, que embarcamos com ele no percurso imaginário. E as realidades sentidas só com o imaginar parecem mais nossas do que a própria vida. É esse o poder do escritor. Um poder demiúrgico. De encantamento através da palavra, sua ferramenta de magia. Capaz de criar realidades maiores que as da vida, como ensinava Juarez da Gama Batista, meu mestre imortal. Outro recurso que se destaca, no estilo de nosso confrade, é a recorrência a elementos da natureza, tratados com tanta familiaridade, com tanta intimidade que são personificados, ganham alma e sentimentos nesse universo lírico. Assim, o mar espera por ele, reclama de sua ausência; para provocá-lo, o vento brinca com a folha de papel onde ele escreve; o sol vem visitá-lo, entrando sem pedir licença.

E que dizer das exuberantes castanholas que o encantavam? E do Flamboyant, com seu sorriso vermelho, que recebe ternuras de filho? Uma construção retórica tão intencional que o cronista chega a invocar Augusto dos Anjos em seu favor. Censura o pai e dá razão ao filho, personagens do Soneto A Árvore da Serra, como forma de reiterar a ideia de que as árvores têm alma. Este é outro aspecto da originalidade de Carlos Romero. Em vez da citação formal, índice de sapiência, a inclusão de seus poetas preferidos no desenvolver da crônica, com a informalidade da convivência mais natural. Drummond chega mesmo a sofrer reparo por falar na tristeza de Deus. Esse recorrente e criativo diálogo inclui poetas como Bilac, Jomar, Vicente de Carvalho, Perilo, Sérgio, Bandeira e outros mais com quem o cronista se identificava no compartilhamento de sua experiência de escritor. Uma parte bastante significativa da produção literária do nosso homenageado tematiza o Evangelho, sem que se possa verificar qualquer mudança no estilo. Até podemos supor que a simplicidade e a clareza foram opções direcionadas a tornar possível o projeto maior do escritor: fazer a palavra de Jesus acessível ao cotidiano mais prosaico, através de sua crônica. E aqui é necessário um esclarecimento. Simplicidade e clareza não são sinônimos de facilidade. São valores elevados, difíceis de alcançar porque pressupõem a depuração, a lapidação que descobre o mais precioso, o essencial. Carlos vê e revê a realidade através do Evangelho. Não ratifica uma concepção conformista, pois quer fazer pensar. E se vale de um recurso socrático. Pergunta para inquietar. Na expectativa de que a reflexão possa levar à verdade. - Por que não se fala em prostituto, somente em prostituta? - Como acreditar que Deus criaria a mulher a partir de uma costela? - Por que a preferência pelo Jesus crucificado, em vez do Jesus das criancinhas e dos lírios do campo? Perguntas dessa natureza que implicam a contestação e a crítica de mitos e preconceitos. Este é Carlos Romero, o confrade que hoje reverenciamos. Imortal pelo exemplo de viver em absoluta coerência com suas convicções. Pela intensa participação na realidade cultural de seu tempo. E pelo estilo criado para a crônica, como expressão de sua individualidade e visão de mundo. g ISSN: 2357-8335

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EDUCAÇÃO A EDUCAÇÃO PARAIBANA DA COLÔNIA A NOSSOS DIAS: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA José Octávio de Arruda Mello

Resumo O artigo apresenta o contexto histórico da evolução da educação e do sistema educacional na Paraíba, um dos estados brasileiros. Os temas considerados são: escolas profissionalizantes; perspectivas teóricas; escolas históricas; ciclos históricos e progressos educacionais. Palavras chave: Paraíba, história, educação, história da educação. Summary Education in Paraíba from Colony Until to Day: one historical review Summary The paper presents the historical context of the evolution of the education and of the educational system in Paraíba, one of the Brasília States. Tem is sues considere are: Professional schools; theoretical perspectives; historical schools; historical cycles and educational advances. Key words: Paraíba, history, education, history of education. O Contexto da Educação Paraibana Nesta tarde, acabamos de assistir ao documentário cinematográfico Parahyba, especialmente preparado pela dupla Machado Bittencourt / Alex Santos, para o IV Centenário do Estado, em 1985. Nele podemos perceber ampla evolução histórica da Paraíba, decomposta em períodos que nos trazem da conquista e colonização do século XVI às invasões holandesas do XVII, penetração territorial dos XVII e XVIII, rebeliões liberais, abolicionismo e republicanismo do século XIX, até o atual século XX. Neste, o vídeo ressalta além do impulso algodoeiro, responsável pela ferrovia e “surto de industrialização episódico de Campina Grande”, a República dos Coronéis, sua contenção pelos Governo João Pessoa e Revolução de 30, e enfim, astutas sociais, secas e inundações de nossos dias, como contraponto para involução e crise que saltam à vista. É dentro desse quadro que devemos situar a educação paraibana. Como não havia lugar para ela em estru-

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tura estamental regida pelo lucro e a mercancia, a transmissão do conhecimento dos primeiros tempos ficou a cargo das ordens religiosas que para cá se transportavam. Essa a função de franciscanos, jesuítas, beneditinos e carmelitas, responsáveis pelos aldeamentos da catequese. A esses também ficamos devendo templos religiosos de inspiração barroca e as mais recuadas formas de organização social. As chamadas missões, então constituídas, representaram aparelhos ideológicos, ou seja, mecanismos de submissão da indiada para neutralização de sua rebeldia e submissão dos valores aos padrões do conquistador. Graças a isso é que, nas palavras de um historiador, “o terço do missionário seguiu sempre o trabuco do conquistador” (Mello, 1997). Entre as missões religiosas dos primeiros séculos, se algumas se localizavam no litoral, em Jacoca, Taquara, Guia, Almagre, Praia, Jaguaribe e Mangue, outras, mais para o interior, representaram pontos de apoio para a conquista da terra. Tal a do Pilar, onde capuchinho italiano, natural de cidade de Modena, albergou os Cariris e assegurou base para os entradistas que se deslocaram ao longo do rio Parahyba. A futura cidade de Pilar, imortalizada nos romances de José Lins do Rêgo, resultaria dessas peripécias (Mello, 1983). De acordo com Gilberto Freyre, dois principais modelos pedagógicos - o franciscano e o jesuítico - competiram na sociedade colonial brasileira dos primeiros séculos. O primeiro, que buscava a valorização do trabalho pelo incremento das atividades manuais, defrontou-se com o jesuítico, de Ratio Studiorum, fundado no latim. A desvalorização do trabalho manual acarretado pela escravidão fez com que prevalecesse a educação discursiva da repetição mnemônica.

Fundada no latim essa prática pedagógica reservava-se às camadas mais altas da população. Enquanto a grande massa permanecia analfabeta, só índios mais próximos do litoral eram aculturados, por intermédio do teatro e da música barroca. Introduzidos pelos padres jesuítas em suas missões, ambos, tal e qual a religião com que se articulavam, faziam as vezes de instrumentos de aculturação e controle social dos nativos. Problemas do Ensino Profissionalizante - Nesse contexto, a educação paraibana refletiu a estrutura de classes de sua base econômicosocial. Seus índices bastante precários asseguravam, historicamente, a educação de reduzidíssima camada, absolutamente avessa ao trabalho manual. A educação neste inspirada e destinada à formação de mão-de-obra limitou-se a esparsas experiências. No século passado, alguns missionários como padre Ibiapina, procuraram incentivar atividades manuais de serralharia e carpintaria para homens e corte e costura e bordado para as mulheres, nos limites de suas casas de caridade. Algumas escolas religiosas para mulheres, já neste século, assim como orfanatos e asilos, de inspiração confessional, seguiram esta linha de ação que, todavia, não se cristalizou na Paraíba. Foi junto à Escola Doméstica de Natal, no Rio Grande do Norte, favorecida pelas idéias do escritor Henrique Castriciano, que a experiência melhor se consolidou conforme Albuquerque (s/d). Mesmo assim, algumas tentativas de renovação educacional tiveram lugar na Paraíba do século XX. Nos primeiros decênios, a supressão do trabalho escravo e a evolução do comércio fomentado pela urbanização geraram a Academia de Comércio da Paraíba, fundada em 1922 e sediada na capital. Na década anterior, a Escola de Aprendizes Artífices (1912) começou a funcionar junto ao Quartel da


Polícia Militar (Weber, 1997). Esta Escola seguia modelo suíço importado pelo Presidente Nilo Peçanha. Com a Revolução de 30 e as teses de chamada Escola Nova, aqui representada pelos educadores José Baptista de Melo, Batista Leite, João Vinagre e Sizenando Costa, além de, posteriormente, o diretor da Instrução Pública Calheiros Bonfim, sobreviveram os SESC, SENAC e SESI. Se o primeiro interiorizou-se, com extensão a cidades como Guarabira e Souza, foi o último que se sobressaiu, mediante a formação de quadros profissionais em Campina Grande e Rio Tinto, sob a liderança dos executivos Stênio Lopes e Rogê Maciel Pinheiro. Convertida em Escola Industrial e, posteriormente, Escola Técnica Federal da Paraíba, a antiga Escola de Artífices evoluiu para, até, funcionamento de unidade de apoio, em Cajazeiras, no alto sertão paraibano, a partir da década de noventa. Alguns de seus programas buscaram associar o empresariado à formação de mão-de-obra para a indústria. Buscou, nos anos setenta, esta parceria através do Centro de Integração Escola/Empresa, coordenado pelo sociólogo Aníbal Peixoto Filho. Se na área estadual, os chamados Ginásios Polivalentes e Orientados para o Trabalho ficaram muito aquém da intenção dos planejadores do regime militar dos anos setenta, a Universidade ofereceu melhores espaços à chamada educação prática. Isso tanto se verificou em João Pessoa, com os cursos de Engenharia e Arquitetura, como embriões do atual Centro de Tecnologia (CT), da Universidade Federal, hoje dotados de excelentes mestrados, como em Campina Grande onde a Escola Politécnica despontou na década de cinquenta. Dessa última, derivou a liderança técnico-pedagógica do executivo Edvaldo do Ó a quem se deve a atual UEPB, com alguns mestrados

na área médico-científica e efetiva ação no chamado compartimento da Borborema. Em Campina, o segmento tecnológico tem recebido a contribuição da UFPB. Na microrregião do brejo, o ensino agrotécnico avançou com a Escola Agrotécnica Vidal de Negreiros, na década de vinte, em Bananeiras, preliminarmente dirigida pelo agrônomo José Augusto Trindade, pai do atual Reitor do UNIPÊ, cônego Marcos Trindade, e a escola de Agronomia do Nordeste, na década seguinte, em Areia. Modernamente, ambas constituem dinâmicos Centros de Ensino e Pesquisa da UFPB. Com isso, acusaram melhor destino que o antigo Patronato Agrícola de Pindobal, em Mamanguape, no litoral. Este último, não definiu suas finalidades após as iniciativas do professor Adailton Coelho Costa, nos anos oitenta. Em Lagoa Seca, junto a Campina Grande, o curso de Técnicas Agrícolas da UEPB encontra-se prestes a fechar. Esse não é o caso da Escola Agrícola de Catolé do Rocha, no sertão, exitosamente mantida pela UEPB. Privativismo, naturalismo e humanismo - Uma das características históricas da educação paraibana, entrosada com a brasileira, consistiu em seu caráter privado. Com efeito, deslocada para o interior das famílias, ela registrou a predominância do chamado mestre-escola (Menezes,1982). Alguns desses passaram à História, como os latinistas Joaquim da Silva, em Areia, e Luiz Aprígio, em Mamanguape e ainda Demétrio Toledo, no Pilar, DI’. Brandão, em São João do Cariri, Anésio Leão em Campina Grande e Patos, Rafael Corrêa de Oliveira em Pombal e Amaro Gomes Coutinho e Severo Rodrigues, em Santa Rita. A categoria, a que hoje se retoma com o chamado reforço escolar, ganhou nova dimensão em as Escolas Normais de Curso Pedagógico, a partir dos anos vinte.

Foi então a época das professoras primárias que se sobressaíram como Hortence Peixe, Adamantina Neves. Tércia Bonavides e Adélia de França, em João Pessoa, Maria das Neves Pires e Eulina Serrão, em Santa Rita, Adalgisa Amorim, Doziá Quirino e Ilsa Luna, em Campina Grande, Maria Medeiros, em Santa Luzia, irmãs Eudócia Queiroz Fernandes e Nelita Nóbrega Queiroz, em Patos, Aracy e Ernestina Leite, no Piancó, Elzira Matos, em Souza. O caráter privativista da formação social brasileira, ressaltado por Nestor Duarte, fez com que a primeira cadeira pública, e de Latim, somente fosse criada em 1766, com provimento em 1783. Essa a razão pela qual “mantido na obscuridade, o povo paraibano aprendeu a ler sem escolas” (Mello, 1997). Quando da criação da primeira cadeira escolar mantida pelo governo, os jesuítas haviam sido expulsos do Brasil, o que levou o Marquês de Pombal àquela providência. Um pouco mais tarde, em 1822, funcionavam escolas de primeiras letras na Paraíba, nas vilas de Conde, Alhandra, Monte Mor, São Miguel, Pilar, Brejo de Areia, Nova Rainha (Campina Grande), São João, Pombal e Souza. (Mello) (1956). Bem mais importantes que esse arremedo de estrutura educacional, fizeram-se as experiências pedagógicas do naturalista paraibano Arruda Câmara, na qualidade de médico formado em Montpellier, na França. Ao pesquisar a fauna e flora nordestinas, Câmara, de quem hoje se contesta o liberalismo maçônico, lançou as bases do naturalismo pedagógico, irmão gêmeo do naturalismo filosófico da Revolução Francesa. Na outra vertente do chamado humanismo, quem mais se distinguiu foi o padre Inácio de Souza Rolim, responsável pela tradição pedagógica de Cajazeiras, no alto sertão paraibano. Sua escola localizava-se em fazenda da freguesia e deslocou-se para Inha-

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muns, no Ceará, por ocasião da epidemia de cólera, em 1856. O caráter itinerante das escolas da época positivou-se, igualmente, na região noroeste do Estado, com o educador Antonio Gomes de Arruda Barreto. Também político, advogado e jornalista, deslocou seu colégio Sete de Setembro um dos únicos do sertão, na passagem do século, de Brejo do Cruz para Mossoró e Martins, no Rio Grande do Norte, antes de retomar a Catolé do Rocha, na Paraíba. Tanto Rolim quanto Barreto constituíram expressões da escola doméstica, assim rotulada por Rafael de Menezes, como a que, a certa altura, ofereceu o tom da educação paraibana. O Liceu e a institucionalização do ensino - A institucionalização da educação paraibana data de 1836, com a criação do Liceu Paraibano, inicialmente localizado no prédio do antigo Colégio dos Jesuítas, fundado em 1745 pelo sacerdote italiano Gabriel Malagrida que padeceria nos cárceres da Inquisição, em Lisboa. Esse estabelecimento, mantido pela Companhia de Jesus, funcionava como seminário que, dotado de aulas de Latim e Humanidades, funcionou como primeiro estabelecimento de ensino geral (Mello, 1956). Funcionando nos moldes do Colégio Pedro 11, do Rio de Janeiro, o Liceu Paraibano conheceu duas sedes que ainda perduram antigo Colégio dos Jesuítas, na atual praça João Pessoa, vizinho ao Palácio da Redenção, e a de nossos dias, instalada por Argemiro de Figueiredo, na avenida Getúlio Vargas, em 1939. Esta última, inicialmente repal1ida com o Instituto de Educação cujo curso Normal representou o núcleo da Escola de Professores, consolidou o prestígio de estabelecimento que, pelos anos vintes, fomentou o modernismo paraibano e o dinamismo cultural da sociedade (Mello, 1979). Por essa época, o Liceu Paraibano, a Escola Normal e o jornal A União, todos sediados na capital, constituíram o tripé da cultura paraibana, cooptada pelo Governo. Como esse tripé se complementasse com o Seminário Arquidiocesano e o Colégio Diocesano Pio X, ambos de inspiração confessional, surgiu o entendimento de que o elemento religioso nele predominava. Nem tanto. Assim, a uma corrente de professores, sacerdotes, escritores, oradores do melhor nível correspondeu plêiade de mestres recrutados à sociedade civil. Estes eram, igualmente, professores do Liceu e escola Normal, jornalistas do A União, e integrantes do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, cuja criação em 1905, ocorreu nos salões do Liceu Paraibano, além de membros da Maçonaria, incompatibili-

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zada com a Igreja. As polêmicas culturais das décadas de vinte e trinta, pela imprensa paraibana e pernambucana, refletiu o entrechoque dessas duas vertentes do ensino da Paraíba (Mello, 1979). Uma era ultramontana e a outra agnóstica, derivada da chamada Escola do Recife, albergada na Faculdade de Direito dessa cidade. Do Império à República, um recuo no tempo - Bastante ressaltados pela tradição e estudos como o de José Rafael Menezes (Menezes, 1983), o Liceu fez-se mais eficiente como formador de quadros para a alta administração e cultura estaduais que como instrumento de democratização do ensino e incorporação das massas ao processo educativo da Paraíba. Esse, em fenômeno de que não se podia cogitar no século XX onde a base agropastoril da economia não assegurava senão educação elitizada e de reduzidos quantitativos. As estratégias coligadas pelo sociólogo Cláudio José Lopes Rodrigues, são a esse respeito, sintomáticas. Em 1838, o número de alunos do Liceu era de 120, cifra que variava para 66 em 1844, 78 em 1852, 93 em 1860, 123 em 1866 e 96 em 1877. Rodrigues (1980). As mulheres não faziam parte desse quantitativo, visto que a primeira escola para o sexo feminino somente surgiria com o Colégio das Neves, de irmãs francesas importadas pelo presidente Beaurepaire Rohan, em 1858. Dois anos depois, invocando falta de recursos, o presidente da província Luiz da Silva Nunes a fechava. Nas palavras de abalizado pesquisador da educação paraibana, José Batista de Melo, as escolas profissionais da época do Império efêmeras e pouco operativas reservavam-se às crianças desvalidas - eterno cacoete do elitismo. Quanto às demais, nada ensinavam a julgar pelo diálogo mantido por um ex-aluno com o viajante Daniel P. Kidder, em 1840 (Kidder, 1943). Da herança do Império à Revolução de 30 - Conforme Melo (1956), em Evolução do Ensino, “o Império nos seus sessenta e sete anos havia nos dado 67 escolas primárias que, somadas com as doze vindas da Colônia, perfaziam um total de setenta e nove. Tínhamos, segundo a estatística da época, 2.284 alunos nas aulas públicas, 225 no Liceu Paraibano e 23 no Externato Normal, além de algumas dezenas de estudantes nos cursos de Latim que funcionavam em Areia, Mamanguape e Souza”. Como por volta de 1856, a província já contava com 300.000 habitantes dos quais 30.000 na capital somente foi inaugurado em 1917, o que em Campina Grande somente ocorreu cinco anos depois. Nessa mesma cidade, apesar do crescimento verificado com a chegada do trem em 1907, a educação continuou impulsionada por mestres-escolas como Cle-

mentino Procópio. A este sucederam Anésio Leão e Alfredo Dantas, o último dos quais, militar, tornou-se responsável, na década de trinta, pelo ginásio que lhe ganhou o nome. Dentro desse quadro, a estrutura educacional paraibana somente merece esse nome, a partir da Interventoria Antenor Navarro, entre 1930 e 32. Neutralizando a influência do clero e projetando os reflexos revolucionários pré-trinta, Navarro avocou ao poder público ensino primário dotado do controle de inspetores, caixas escolares e novos serviços como canto, coral e educação física. Dez grandes grupos escolares que ainda hoje prestam excelentes serviços foram disseminados pelas principais cidades do Estado. Colégios religiosos, Fundações e Ensino Público A partir da segunda metade dos anos trinta, várias ordens de freiras brasileiras e estrangeiras principiaram a instalar colégios para moças em cidades como Guarabira, Alagoa Grande, Bananeiras, Princesa Isabel, Catolé do Rocha, Areia e Itaporanga, no esquema de internatos. Com o ensino religioso sertanejo animado pelo bispo de Cajazeiras, Dom João da Mata Amaral, a insistência ainda era privada, o que prosseguiu com os ginásios comerciais da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) e Fundação Padre Ibiapina dos educadores Felipe Tiago Gomes e Afonso Pereira. Nesses termos, a presença do Estado na educação paraibana somente se tornou efetiva com os anos cinquenta. A Universidade Estadual da Paraíba, preconizada por José Américo, era então uma realidade, cabendo a esse mesmo governante inaugurar o primeiro Colégio Estadual de fora da Capital. Era o Colégio Estadual do bairro da Prata, de Campina Grande, datado de 1953, sobre estrutura física iniciada pelo Governador Oswaldo Trigueiro (1947 - 1950). Com o populismo gondinista, de 1958 a 60, os colégios estaduais, transportados a Sapé pelo Governador Flávio Ribeiro, em 1958, ganharam os bairros de João Pessoa, e a seguir os de Campina Grande. Com Gondim novamente no governo, de 1961 e 1966, tais estabelecimentos foram estendidos ao interior, para suprirem lacuna existente em municípios como Guarabira e Pombal que, na década de cinquenta, contavam apenas com modestíssimas escolas de curso comercial de primeiro grau. Com José Medeiros Vieira na Secretaria de Educação e Cultura, o governador João Agripino dotou aqueles educandários de condignas instalações. Analfabetismo, teleducação e professorado leigo - Essa expressão educacional paraibana, que apontava mais para o crescimento que para o desenvolvimento da educação, fazia-se de forma desordenada. Tanto assim que, na base, persistia o grave


problema do analfabetismo, agravado pelo latifúndio que as nascentes Ligas Camponesas (1958 - 1964) desafiavam. A consciência do analfabetismo dominou a sociedade paraibana em momento de agudização das lutas sociais, de modo que foi a nível ideológico que se processou seu enfrentamento. Enquanto pela centro-esquerda avultava o SIREPA, como responsável pela primeira experiência de educação pelo rádio, na Paraíba, a extrema esquerda organizou a CEPLAR para ousada tentativa conscientizadora de alfabetização, baseada no método Paulo Freire. Com o movimento de 64 e a supressão da CEPLAR, prevaleceu a Cruzada ABC, de inspiração evangélica e financiamento norte-americano (Scocuglia, 1997). Do SIREPA saíram os quadros da experiência estadual do Projeto Minerva que, com base na rádio e posteriormente na televisão, encaminhou grandes massas para os exames supletivos, reestruturados pelo secretário José Carlos Freitas, durante a administração Ernani Sátyro (1971- 1975). Enquanto a educação à distância da Paraíba era considerada modelar, o mesmo não se verificou com o MOBRAL, destinado a conter o analfabetismo. Por toda parte, esse teve no desperdício de recursos e material, além da politicagem, a principal característica. O autor coordenou o Projeto Minerva de 1971 a 1977, extraindo completo relatório da experiência, incorporado aos arquivos do Grupo José Honório Rodrigues. Quanto ao MOBRAL são inúmeras as referências desfavoráveis constantes das Mensagens Governamentais e Relatórios da Secretaria de Educação, na década de setenta. Ao lado do analfabetismo, que o MOBRAL não deteve, outro problema acusado pela educação paraibana foi o do chamado professorado leigo, isto é, sem habilitação adequada. Para equacioná-lo, os governos federal, estadual e municipal conjugaram-se no chamado Projeto Logos cujos resultados revelaram-se aquém dos esperados. A Universidade

contribuiu com Mestrado de Educação de Adultos de boa qualidade, o qual todavia, formou mais especialistas de nível que pessoal capaz de atuar junto à raiz do problema. Dos Centros de Educação à grande crise - Com o populismo e a expansão educacional dos anos 50/60, o sistema pedagógico paraibano ganhou três núcleos de capacitação profissional do melhor nível. Tais os Centros de Treinamento de Professores de Sapé, Alagoa Grande e Souza que, mesmo a elevados custos, formaram quadros médios de boa qualidade e asseguraram apoio a sem número de programas e projetos pedagógicos. Entre 1960 e 70, os colégios estaduais do interior, todos inspirados no modelo do Liceu, acusaram bom rendimento e firmaram favoráveis perspectivas para a educação paraibana. Em cidades como Patos, Cajazeiras, Alagoa Grande, Bananeiras, Princesa Isabel, Itaporanga e Monteiro, eles prolongaram os antigos estabelecimentos religiosos, com aproveitamento até de seus quadros administrativos e docentes. O de Cajazeiras, seguindo o modelo de muitas cidades brasileiras, converteu-se em Faculdade de Filosofia confessional, como embrião do campus da Universidade Federal (Iglésias) (1985). Nesse contexto, a grande crise da educação paraibana sobreveio com os anos oitenta em que, acompanhando o declínio da economia e a virtual desintegração do Estado, que passou a pagar baixíssimos salários, motivando sucessivas greves como resposta do professorado, o sistema pedagógico colapsou. Os resultados vieram a seguir. Nos anos noventa, as estatísticas revelaram como analfabetos metade da população paraibana acima dos quinze anos. Nas escolas estaduais e municipais de primeira fase de primeiro grau, os índices de evasão e repetência revelaram-se dos mais altos do país. Em 1996, estatísticas do IPEA revelaram a Paraíba, entre os Estados brasileiros, em último lugar em esperança de vida, penúltimo em escolaridade e antepenúltimo

em produto interno bruto per capita. (Mello e Nóbrega) (1998). Cartorialismo e qualidade universitária Não há dúvida de que o clientelismo contribuiu para esse estado de coisas. Com efeito, a apropriação do sistema pedagógico paraibano pelas oligarquias significou anomalia que incidiu sobre setores como o do ensino Normal. Neste, das trinta e duas escolas existentes, raríssimas merecem este nome, até porque algumas estão localizadas em cidades que não comportam sequer boa escola de primeiro grau. Em Princesa Isabel, cada facção partidária montou uma escola normal e nenhuma presta. Como resultado, a classe média princesense envia filhas para o curso Normal de Patos, a mais de cento e cinquenta quilômetros. É óbvio que essas distorções podem ser equacionadas, mediante adequada vontade política. Do ponto de vista técnico, uma das possibilidades de enfrentamento das anomalias pedagógicas da Paraíba reside na qualificação do pessoal preparado por suas três universidades. Mais antiga de todas, a Federal possui excelente centros pedagógicos em João Pessoa e Cajazeiras, além dos campi em Areia, Bananeiras, Campina Grande, Patos e Souza. A UEPB revela no CEDUC, do Bairro do Catolé, em Campina Grande, Departamento de Pedagogia que prima pela qualidade. Enfim, em João Pessoa, o UNIPÊ tem o cuidado de aprimorar seu pessoal docente, discente e administrativo, em larga escala. Além disso, sob a inspiração da dupla Marcus Trindade - José Loureiro, é visível a disposição de voltar-se para a comunidade, através de agressivo programa cultural, além da ação de cursos como Pedagogia e Psicologia. A Paraíba faz-se assim unidade federada de relevante brain-trust, mas o problema não reside aí, no alto, mas na base corroída pelo clientelismo. Proclamo essas coisas não por desesperança, mas pela consciência de que devemos lutar contra elas. Se os senhores puderem fazer algo por essas mudanças, a Paraíba agradece. Agradece em meu nome, mas agradece. g

BIBLIOGRAFIA PELA ORDEM DAS REFERÊNCIAS Albuquerque, J. G. (s/d) Henrique Castriciano. Seleta de Textos e Poesias. Natal: UFRN, s.d., passim. Iglésias, F. (1985). Momentos Democráticos na Trajetória Brasileira, in: Brasil. Sociedade Democrática, de Jaguaribe, Hélio et allia. Rio de Janeiro: José Olympio, 192. Kidder, D. P. (1943). Reminiscências de viagens e permanência no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 114. Mello, J. B. de (1956). Evolução do ensino na Paraíba. João Pessoa: Imprensa Oficial, 20. Mello, J. O. de A. (1997). História da Paraiba - Lutas e Resistências. 5ª ed. João Pessoa: Editora Univesitária. UFPB, 79 (1983). ________ Geo-História e Formação de Cidades na Paraíba, in: José Américo e a Cultura Regional. (1979). ________ A Paraíba e a década de vinte, in: João Pessoa. a Paraíba e a Revolução de 30. Mello, J. O. de A. e Nóbrega, E. (org.) (1998). Sociedade, Cultura e Governo da Paraíba do Tempo Presente, in: História da Paraíba em fascículos Menezes, J. R. (1982). O mestre escola brasileiro. (1983). História do Lyceu Parahybano. Rodrigues, C. J. L. (1980). Profissão: Professor Secundário (Estudo histórico-sociológico de uma categoria profissional). Scocuglia, A. C. (1997). A História da Alfabetização Política na Paraibrasil dos Anos Sessenta. ISSN: 2357-8335

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LITERATURA O VIANDANTE JOSÉ LINS DO REGO Neide Medeiros Santos

A viagema não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembranças. José Saramago. Viagem a Portugal

José Lins do Rego foi um viajante imaginoso, assim seria mais adequado chamá-lo de viandante. De acordo com os dicionários, viandante é aquele que viaja sempre exercendo alguma ação: observando, escrevendo, pesquisando. Bernardo Borges Buarque de Hollanda, no livro ABC de José Lins do Rego (2012: p.214) afirma que um viandante é um facilitador: ele leciona com conhecimentos retirados da experiência e oferece, saborosamente, a todos, no caso de José Lins, através de suas crônicas, o que captou de suas viagens com uma linguagem simples e acessível. Se refletirmos a respeito dessa temática, vamos encontrar em todos os tempos bons exemplos de relatos de viagens. Com a modernidade, essas narrativas adquirem novas feições e o viandante escritor tempera suas impressões de viagem com senso de humor e relatos de fatos marcantes. É assim que encontramos o escritor José Lins do Rego em suas crônicas de viagens. Voltando o olhar para a literatura brasileira do século XX, anos 1930/40, surge o nome de Cecília Meireles. De sua vasta produção literária e jornalística, desponta artigos que escreveu para jornais e revistas com relatos de suas inúmeras viagens. Esses artigos foram agrupados em livros com o título “Crônicas de viagem 1, 2 e 3”. O professor Leodegário de Azevedo

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Filho fez a apresentação e destacou que viajar, através da leitura das crônicas de Cecília, é percorrer várias partes do mundo, ainda que pela imaginação. . Em uma de suas crônicas, a autora faz uma diferença entre ser turista e ser viajante. O turista está preso à paisagem, às compras, aos passeios, a tirar fotografias. O viajante pouco se preocupa com o ambiente que o cerca, está mais interessado em conhecer as pessoas, os costumes de um país. Para Cecília Meireles, este é o viajante no seu sentido verdadeiro. Examinando-se a produção literária de José Lins do Rego, há um aspecto pouco explorado pela crítica, é a do escritor viandante. Nesse ângulo, José Lins do Rego se aproxima de Cecília Meireles na descontração das crônicas de viagem e, sobretudo, na observação que faz das pessoas, da natureza, mas há uma marca que distingue Zé Lins de muitos cronistas viajantes é a presença do Nordeste em seus textos. Ele não esquece a pequena Paraíba, o engenho, a figura marcante do seu avô. As comparações entre as terras estrangeiras e a Paraíba vão surgindo ao longo das crônicas. É este lado pouco conhecido do autor de “Fogo Morto” que propomos trazer para essa comunicação. Luís da Câmara Cascudo disse, certa vez, que José Lins do Rego era um “provinciano

incurável”, isso não impediu que o escritor, apegado às raízes nordestinas, se aventurasse por mares nunca dantes navegados. José Lins do Rego começou a fazer viagens internacionais na idade madura e foram as viagens dessa fase de sua vida que ficaram registradas em livros e artigos em jornais, destacando-se, entre outros, os seguintes livros: Bota de sete léguas (1952), Roteiro de Israel (1955), Gregos e troianos (1957) e O vulcão e a fonte (1958). Este último é póstumo. É ainda Bernardo Borges Buarque de Hollanda, em ABC de José Lins do Rego (2012: p. 224), que identifica três tipos principais de viagens que foram vivenciadas pelo escritor paraibano: a diplomática, a esportiva e a turística. A diplomática resultou do convite de instituições oficiais do Brasil e do exterior, como convidado especial para participar de solenidades e encontros internacionais; a esportiva se deveu à sua condição de dirigente do Clube Regatas Flamengo e de secretário da Confederação Brasileira de Desportos; a turística é derivada de passeios particulares, alguns deles com finalidades familiares. As viagens ao exterior começaram na década de 1940. Em 1943, viajou pela América do Sul, em missão oficial. A pedido do Itamaraty visitou dois países vizinhos – Ar-


gentina e Uruguai. No primeiro, proferiu conferências sobre o romance brasileiro. Essas conferências foram reunidas no livro Conferências no Prata (1946) e contêm palestras sobre os romancistas brasileiros, especialmente Machado de Assis e Raul Pompeia. Mas esse não pode ser considerado um livro de viagens, outros virão com a temática mais voltada para os países visitados e com suas impressões de viandante. Bota de sete léguas Em Bota de sete léguas, ele discorre, na primeira parte, a respeito das viagens a França, com destaque para Paris. A segunda é sobre Suécia e Dinamarca e a terceira trata das terras de Portugal. A penúltima parte do livro, que traz o título Nordestinos, refere-se, como o próprio nome indica às viagens feitas às terras do Nordeste. A última parte Terras e gentes é uma miscelânea de memórias, crônicas, artigos dispersos sobre cidades e pessoas. Na primeira visita que fez a Paris, o encontro com o pintor Cícero Dias foi muito proveitoso. Cícero Dias mostrou a cidade como um guia turístico, conhecedor das artes e das letras. O que havia encantado ao pintor também causou boa impressão a José Lins do Rego. Foi programada uma visita à casa de Picasso, mas o pintor estava viajando e não foi possível conhecê-lo, valeu a pena conversar com a cozinheira de Picasso, Irene. José Lins observou que a decoração da casa era fruto daquela cozinheira, com arranjos e enfeites de plástico se espalhando pela casa toda, tudo bem condizente com a rusticidade de quem se encarregava de preparar o cardápio do pintor e arrumava a casa de acordo com o seu gosto pessoal. Pela região do vale de Loire e pela sul da França, Provença, ele passou dez dias e visitou o moinho de Alphonse Daudet que fica no vale do Ródano, era nesse moinho que o escritor francês se refugiava para escrever seus livros. Um fato chamou a atenção de José Lins nessa excursão – as casas onde os escritores moraram se transformaram, posteriormente, em casas museus e passaram a ser visitadas pelos turistas. Aqui, no Brasil, agora está se tornando uma prática comum o que há muito tempo ocorria na Europa. Em João Pessoa, a casa que morou José Américo de Almeida hoje abriga o Museu José Américo e tem sido muito visitado por professores e alunos. Em Santos, a casa que morou o pintor Benedito Calixto também se transformou em casa museu, o mesmo acontece com a Casa de Jorge Amado na Bahia, mas nos anos 50 do século XX não havia essa tradição no Brasil.

Na Suécia, o cronista viajante sentiu o apreço que os suecos tinham ao esporte. Eles não se interessavam muito por política, mas o esporte, em todas as suas modalidades, era muito valorizado. No sul da Suécia, se deteve em observar a paisagem florida. Flores em profusão de cores davam beleza aos campos. Na visita ao castelo de Kronborg, na Dinamarca, veio-lhe a lembrança da peça de Shakespeare, Hamlet. O guia descreveu o castelo tão bem que transportou todos para o ambiente shakespeariano, de modo que a ficção parecia que se tornara realidade. E contestou as palavras de Hamlet: não há nada de podre no reino da Dinamarca. Nas terras de Portugal, além de Lisboa e Porto, José Lins do Rego visitou Coimbra e foi saudado pelo escritor Miguel Torga, econômico nas palavras como Graciliano Ramos. Coimbra lhe pareceu encantadora com as casas de fado, as guitarras e a alegria dos estudantes nas ruas. Teve a oportunidade de ouvir a fadista Amália Rodrigues e ficou-lhe a impressão de que a cantora cantava com alma. A penúltima parte do livro refere-se às viagens pela Paraíba, começando por sua cidade natal, Pilar, estendendo-se para Campina Grande e depois para interior do estado. Na região do cariri, a secura da mata e a presença dos cactos eram constantes. No meio da estrada para o sertão, deparou-se com um molequinho vendendo umbu, não perdeu a oportunidade de fazer louvação à fruta: “É um fruto da terra de Canaã que sobrou para aquela terra de provação”. No alto sertão paraibano, extasiou-se com os açudes de Coremas e Mãe D´Água, a água se perdia de vista, pareceu-lhe um verdadeiro mar. Completando essa viagem por terras nordestinas, o escritor retornou ao Recife depois de oito anos ausente e, como em um filme, visitou os locais percorridos na sua juventude quando era estudante de Direito. A última parte do livro – “Terras e gentes” – reúne vinte textos que abordam assuntos variados. Em uma das crônicas, ele fala sobre Figari, um pintor que conheceu na região do Plata e que muitos desconheciam. . Para José Lins, Pedro Figari, pintor naif, natural do Uruguai, conseguia pintar a lua como nenhum outro pintor. É bom lembrar que José Lins do Rego era versátil em artes plásticas. Roteiro de Israel José Lins do Rego viajou para Israel em 1955. O estado de Israel, criado em 1948, era um país novo e os israelenses estavam

cheios de sonhos. A viagem para Israel foi resultado de um convite do consulado de Israel no Brasil. O convite foi feito pelo fato de José Lins do Rego ter publicado, durante a Segunda Guerra Mundial, vários artigos nos jornais em solidariedade ao povo judeu. Sua posição sempre foi contra o genocídio e o antissemitismo. O entusiasmo daqueles que faziam o Estado de Israel causou boa impressão ao escritor paraibano que descrevia o que via com a certeza de que tudo iria dar certo para aquele povo organizado e trabalhador. Causou-lhe certo espanto o uso da inseminação artificial dos rebanhos e a ordenha coletiva das vacas. Hoje isso é comum no Brasil, mas em 1955 era novidade. O viajante se quedou maravilhado com o trabalho dos judeus no campo, onde antes era só aridez, graças à tecnologia, à irrigação, tudo se transformou em um campo verde e o judeu pareceu-lhe um povo que não parava de trabalhar, estava sempre arando e cultivando a terra. Há uma passagem bem poética nesses relatos da visita a Israel - um judeu define para o escritor o que é realmente ser judeu: “Um povo não se faz somente com as máquinas que são maravilhas do homem, mas com as sementes poéticas que florescem em seus corações” (1955: p.24). Na peregrinação pelas terras israelenses, teve a oportunidade de conhecer in loco um “kibutz” e ficou impressionado com o trabalho coletivo dos judeus. No “kibutz” tudo é produzido e consumido pela coletividade, não existe o lucro individual e ganância pelo dinheiro. É uma sociedade totalmente igualitária. Nessa viagem, ele aproveitou para conhecer os lugares por onde Jesus passou ou morou – Nazaré, Monte Calvário, Belém, Monte das Oliveiras. Ao chegar a Telaviv, na subida para Jerusalém, olhou para o céu e não se conteve com a intensidade do azul e disse: “vi o céu mais azul da minha vida” e lembrou que por aqueles caminhos já havia passado gregos, as legiões de Tito, as cruzadas, os mulçumanos. E concluiu a que o novo país tinha muito que ensinar ao mundo. Gregos e troianos Em Gregos e Troianos, há uma nota que merece registro - é o agradecimento do autor à companhia aérea Panair que permitiu “ver terras de Espanha e areias de Portugal”. Foi, portanto, uma viagem de cortesia, patrocinada pela Panair. As descrições das viagens não se prenderam apenas a Portugal e Espanha, há reISSN: 2357-8335

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ferências a várias cidades da Itália, entre elas Roma, Siena, Capri. E aqui vão algumas das suas impressões: Roma, no mês de março, início da primavera, se veste de flores por toda parte, é uma festa para os olhos. Siena, a mais gótica das cidades italianas, dá a impressão que as pessoas gostam de viver nas ruas, parece que todos os habitantes estão na rua. “Capri é uma minúscula ilha de pedras abruptas que a propaganda transformou em ninho de amores”. A viagem pela Itália se estendeu até à ilha da Córsega, uma ilha que foi habitada inicialmente pelos iberos, depois pelos gregos e por fim pelos romanos. A respeito dos corsos, Zé Lins afirma que eles não gostam da ilha, emigram para outros locais, como Marselha, que detém mais descendentes de corsos do que na própria ilha. A viagem foi além das terras de Espanha e areias de Portugal, aproveitou para visitar a Finlândia e o que mais encantou o cronista neste país foi a presença de florestas de madeira, sendo esta utilizada para a fabricação de papel e celulose. E encontramos essa afirmação poética: “As florestas fazem do verão finlandês uma sinfonia em verde” (1957: p.30). Na Alemanha, a viagem começou por Dusseldorf. No centro de uma via movimentada, ardiam piras (tochas) dia e noite para lembrar os milhões de alemães presos nos campos de concentração da Rússia. É bom lembrar que essa viagem aconteceu poucos anos depois da Segunda Guerra. Na visita a Rússia, ele lembra os grandes escritores Dostoiévski, Turgueniev, Tolstoi, velhos conhecidos das muitas leituras feitas na mocidade. Em Londres, não podia faltar a imagem literária de Shakespeare e afirma: “O que faz a Grã-Bretanha gloriosa não é o domínio dos mares, a criação da máquina a vapor, mas a presença do gênio das letras – o mes-

tre Shakespeare” (‘1957: p. 49). Por laços familiares, mais uma visita à capital da Grécia, isso aconteceu no mês de junho e Atenas lhe pareceu tão quente quanto à cidade de Patos, no alto sertão da Paraíba. Há vários textos neste livro que ressaltam a ancestralidade dos gregos e há também referências aos monumentos gregos antigos. Para Zé Lins, até as pedras da Grécia têm história e falam como gente. Atribui o antiformalismo dos gregos ao calor da região. Não falta uma passagem poética como esta: “O grego se plantou nas cabeceiras do Mediterrâneo e transformou este mar num caminho de luz” (1957: p.105). De volta ao Brasil, uma parada em Recife para ver o famoso carnaval pernambucano e, na companhia de Gilberto Freyre, vestido de palhaço, foi com o amigo a um baile de mascarados. O vulcão e a fonte O vulcão e a fonte tem uma longa apresentação de Ledo Ivo, poeta alagoano muito amigo de José Lins, que atendeu a um pedido do próprio escritor. Este livro reúne crônicas, ensaios e notas de viagem. O poeta /ensaísta procurou ressaltar alguns aspectos da personalidade literária de Zé Lins e afirmou que a prosa de Zé Lins é mais poética do que lógica e nisto reside o segredo de sua eternidade. Ledo Ivo ainda destacou o amor do escritor à poesia e sua atração pela pintura, aliando a tudo isso a preocupação com o destino do Homem e da Sociedade. Dividido em seis partes, o livro trata de assuntos variados, como Notas de viagem, Um pouco de política, Poetas e Poemas, Variedades e Leituras. Nosso interesse recai no capítulo que versa sobre as viagens. A respeito do espírito do viajante, Lins do Rego considera que todo viajante deve ter curiosidade, pois sem curiosidade se

transforma em um mentiroso, hipócrita da sensibilidade. “Será um profeta sem caridade”, afirmou. (1958: p. 40). Na época que José Lins visitou a Grécia (anos 50 do século XX), observou que os gregos eram pobres como no tempo de Péricles, mas as maiores frotas mercantes estavam nas mãos dos armadores gregos, entre eles Onassis e Niarchos. Quanto à maneira de viver, registrou que eles eram sociais e gostavam de celebrar festas familiares, como o nascimento, batizado, casamento, tudo com muita música e alegria. Gastavam mais do ganhavam e como faltava trabalho procuravam as praias e as ruas para flanar. Os gregos foram navegadores de todos os mares e esse espírito marítimo permaneceu até os dias de hoje. Saindo da Grécia, seguiu para a Itália e em Roma uma parada na Praça Navona (Piazza Navona) foi motivo para divagações e comentários como este: “A vida na praça está no povo que se aglomera pelos bares, pelas crianças que brincam de corda nas ruas e pelas mulheres gordas que conversam efusivamente com as vizinhas.”. As crônicas de viagens de José Lins do Rego foram publicadas em revistas e jornais, depois reunidas em livros. O espírito irrequieto e irreverente do autor confere um sabor especial a esses relatos. Como bem frisou Ledo Ivo, a poeticidade, a preocupação com o ser humano, o gosto pelas artes plásticas se evidenciam nos textos do cronista viandante. José Lins nunca esqueceu sua terra, sua gente, os costumes nordestinos e sempre que podia voltava para seu povo através das lembranças, das memórias e das viagens ao Nordeste. Foi um escritor telúrico - a Paraíba, o engenho Corredor, os moradores do engenho e o rio Paraíba eram motivos condutores de seus romances, de suas crônicas e até mesmo de seus relatos de viagens. g

BIBLIOGRAFIA PELA ORDEM DAS REFERÊNCIAS HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de, ABC de José Lins do Rego. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. REGO, José Lins do. Bota de sete léguas. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1951. -----------------. Roteiro de Israel. Rio de Janeiro. Edições do Centro Cultural Brasil/Israel, 1955. Edição bilíngue português/inglês com o título: Journey to Israel. -----------------. O Vulcão e a Fonte. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1958. ----------------- Gregos e Troianos. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1957. *Comunicação apresentada na FUNESC, Mesa-redonda “Aspectos linguísticos e literários na obra do escritor José Lins do Rego”, na 37ª. Semana Cultural José Lins do Rego, no dia 04 de junho de 2019. NEIDE MEDEIROS SANTOS [O Viandante José Lins do Rego]. Doutorado em Estudos Literários – UNESP/Car. Professora aposentada da UFPB. Colunista do jornal Contraponto.

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SERVIÇO PÚBLICO ESPECIALIZADO PROCURADORES DE ESTADO: QUE SÃO E O QUE FAZEM? Adalberto Targino*

A vida social é um mandado imperioso da natureza humana. De fato, onde quer que se observe o homem, seja qual for a época, mesmo nas mais remotas a que se possa volver, sempre é encontrado em estado de convivência e combinação com outros, por mais rude e selvagem que possa ser na sua origem. Como ser social, o homem liga-se, visceralmente, ao meio em que vive. A sociabilidade desperta nele hábitos e aspirações comuns, fortalecendo-lhe ideias e convicções generalizadas, entre as quais a de que devem ser preservados os valores porventura já conseguidos. Sob a ação dessas tendências, surge e cresce progressivamente um sentimento de solidariedade e de defesa contra os perigos comuns, assim como o objetivo de aprimorar a vida da comunidade. Como decorrências, formam-se vínculos de toda espécie, que prendem os indivíduos a essa comunidade e a todos os seus demais componentes. A comunidade assim estruturada acaba por gerar a NAÇÃO. A partir do instante em que a nação, por exigência da ordem e do progresso, se organiza através de normas disciplinares da vida coletiva e institucionaliza seus objetivos, surge o ESTADO, cujo objetivo precípuo é o bem comum dos que pactuaram a sua existência e ainda como garantia pacífica, porém disciplinada, da coexistência de todos. Desse modo, o Estado, como sociedade jurídica e politicamente organizada,

não pode sobreviver sem o respeito à pessoa humana, razão primeira e última de sua existência, como também não pode olvidar os freios indispensáveis às tentativas anárquicas de sua dissolução como a desmoralização das pilastras fundamentais de sua manutenção: os princípios da LEGALIDADE (a lei é igual para todos como todos igualmente deverão respeitá-la) e da AUTORIDADE (em todos os regimes políticos o Estado é mantido graças a disciplina e a ordem, mesmo nas civilizações tribais). Nesse contexto, surge o PROCURADOR DO ESTADO, que na condição de representante e defensor dos nobilitantes interesses do Estado, expressão maior dos interesses coletivos e sociais, fiscaliza as Leis Administrativas na justeza de sua aplicação aos casos concretos e pela força do intelecto, instrumentalizado pela legislação, jurisprudência, doutrina, princípios gerais do direito e da equidade, serve de anteparo entre o Estado (aqui representado pela sociedade organizada) e os dilapidadores do patrimônio público, os sonegadores de tributos, os corruptos e corruptores da Administração Pública e, enfim, contra os violadores do primado do direito e da autoridade administrativa. O povo não sabe que em cada Estado-membro do País os seus interesses são defendidos, anonimamente, por Procuradores do Estado, atalaias dos sacrossantos interesses sociais, posto que, sendo o Estado uma ficção jurídica representati-

va do próprio povo organizado, todos os meios e legítimos fins estatais expressam, em tese, os mais lídimos anseios populares. A legislação estadual (Lei Complementar nº 240/2002) estabelece que a PGE (leia-se Procurador-Geral do Estado e demais Procuradores do Estado) compete, entre outras, as atribuições de representar e defender o Estado do Rio Grande do Norte judicial e extra-judicialmente; fiscalizar o fiel cumprimento e respeito da legislação administrativa na defesa dos interesses dos cidadãos; proceder, independentemente de provocação, toda vez que se faça necessário, a salvaguarda da eficiência do serviço público e da ordem jurídico-administrativa do Estado; coordenar e supervisionar os trabalhos afetos ao serviço da administração direta, direta descentralizada e indireta; intervir em todos os processos de crimes praticados em detrimento de bens, serviços e interesses do Estado; promover a uniformidade de entendimento das Leis aplicáveis à Administração Estadual, dirimindo conflitos de interpretação entre seus órgãos; prestar assessoramento e consultoria jurídica de alto nível as esferas superiores governamentais; e, ainda, elaborar projetos de leis, decretos, regulamentos, contratos, convênios, acordos, exposições de motivos, razões de vetos, memoriais e outras peças que envolvam matéria jurídica. Por outro lado, muitas pessoas, mesISSN: 2357-8335

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mo cultas e atualizadas, até mesmo da área forense, não sabem que quem defende e representa, judicialmente, os interesses dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo é o Procurador do Estado, cujo direito– poder–dever constitucional é exercido com exclusividade. Pela Lex Mater os Procuradores dos Estados têm o mesmo tratamento e dignidade legal que o Ministério Público, já que ambos exercem, no mesmo nível, funções essenciais à Justiça (Capítulo IV, da CF), além de sub-teto salarial (subsídio) igual ao de Desembargador e Procurador de Justiça. Na consecução dessas complexas funções, que requerem aprimorada cultura jurídica, aprofundado conhecimento e sereno discernimento, o Estado do Rio Grande do Norte conta com um elenco de eméritos juristas, que ponteiam com maestria e de cuja capacidade a máquina administrativa estadual não poderá prescindir sob pena de um colapso total na sua relevante e larga prestação de serviço. Esses mosqueteiros – que não são do rei, mas da sociedade simbolizada pelo Estado – dentre os seus variados e elevados misteres, fiscalizam as leis e a moralidade administrativa; são a essência viva da Fazenda Pública; defensores intransigentes e representantes indiretos da sociedade e dos cidadãos; juízes administrativos quando julgam pleitos

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dos administrados através da emissão de pareceres jurídicos de última instância; são advogados serenos, desapaixonados e enérgicos ao defenderem, judicial e extrajudicialmente, os interesses do Estado; são dirigentes e executivos, quando chefiam Procuradorias Especializadas, etc., etc. Vale ressaltar que o trabalho (e muito) do Procurador não se limita simplesmente a uma comarca isolada, mas a todo território do Estado, através de seus Núcleos instalados nas cidades satélites das principais regiões, defendendo e representando o Estado nos seus 167 municípios, conquanto disponha a carreira com apenas 58 integrantes (um dos menores quantitativos de todo país), sem esquecer que no Estado de São Paulo chega a um total de quase três mil. No entanto, esses bravos heróis anônimos – Procuradores do Estado do RN – são considerados, mercê de sua ética, garra, produtividade e vanguardismo intelectual, uma referência jurídica e um paradigma nacional. Finalmente, indagará o aleitor, com justa curiosidade: percebe o Procurador do Estado um alto salário para tão espinhosa missão? Não, pois a retribuição de Procurador é, com pequenas variáveis, inferior ao do Ministério Público e da Magistratura, e até menor que muitos funcionários federais de seu nível (com incorporações). Enfim, é uma categoria

administrativa superior, de elevadíssima responsabilidade e profunda qualificação, organizada em carreira, para cuja investidura é exigido curso superior de Direito, mais de dois anos de comprovada experiência como advogado, idoneidade moral indiscutível e árduo concurso público de provas e títulos. Frisamos, inclusive, que o Procurador não dispõe de automóvel de representação, não conta com gabinete, telefone individual, secretária, assessor ou assistente, livros pagos pelo Estado ou com quaisquer vantagens adicionais ou “mordomias”, exceto o salário puro e simples. E o trabalho? ... diuturno, com noites mal dormidas, dias de agudas preocupações, estudos constantes, atualização permanente, redundando em decisões que norteiam o destino do Estado e a sua relação com os particulares, notadamente no que diz respeito à coexistência pacifica e equilibrada entre o poder público e o cidadão. Ademais, faço minha a assertiva do saudoso e eminente publicista Hely Lopes Meireles “O Procurador do Estado é o braço forte dos governantes sérios e legalistas; o guardião indormido na defesa do erário e da moralidade dos atos administrativos”. g *O autor é Procurador do Estado do Rio Grande do Norte, Presidente da Academia de Letras Jurídicas/RN e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros/RJ.


PSICOPEDAGOGIA DISLEXIA: UMA DIFICULDADE ESPECÍFICA DE APRENDIZAGEM Eliane Dutra Fernandes

Sumário: Introdução. Histórico. Classificação e definições de dislexia. Etimologia da palavra. Sintomas e sinais de dislexia. A importância do diagnóstico. Disléxicos famosos. Introdução O termo dislexia tem despertado muito interesse de profissionais da educação e da saúde e de alguns pais que se deparam com dificuldades de aprendizagem de seus filhos. Para uma melhor compreensão do que seja dislexia, iniciamos com uma alusão a dificuldades específicas de aprendizagem, as quais, segundo Mark Sheliskowitz, são definidas como “uma condição inesperada e inexplicável, que ocorre em uma criança de inteligência média ou superior, caracterizada por um atraso significativo em uma ou mais área de aprendizagem”. As áreas de aprendizagem aqui referidas estão distribuídas em dois grupos. O primeiro engloba as habilidades acadêmicas básicas, como leitura, escrita, ortografia, aritmética e linguagem (compreensão e expressão) e o segundo compreende as outras áreas de aprendizagem que envolvem as habilidades de persistência, organização, competência social, controle de impulso e coordenação de movimento, todas de suma importância. Este atraso específico que o autor acima descreve pode afetar qualquer área da aprendizagem, seja ela acadêmica ou não, podendo em uma criança essa dificuldade se restringir apenas a uma área.

Essa definição de dificuldades de aprendizagem deixa claro que é um termo que só poderá ser utilizado se a criança apresentar uma considerável dificuldade para aprender, o que jamais poderá ser confundido com outras dificuldades que normalmente se tem. Entre as várias formas de dificuldades específicas de aprendizagem, reconhecem-se as dificuldades específicas em leitura, como dislexia, na escrita como disgrafia, na ortografia como disortografia e na aritmética, como discalculia. A dislexia está entre uma das principais causas dos distúrbios de aprendizagem, na área da leitura e escrita e é vista como um assunto de muita complexidade em relação ao seu entendimento, o que se confirma pelas inúmeras informações e discussões em torno dessa questão, mesmo constatando-se os avanços em estudos e pesquisas existentes. Tentamos aqui dar uma noção do que é dislexia, com foco na Dislexia de Desenvolvimento e com base em estudos relevantes, trabalhos cooperativos, diferentes pontos e respostas, além de descobertas e avanços científicos. Esses trabalhos cooperativos e as diferentes abordagens e discussões a respeito e a integração e troca entre profissionais e estudiosos já demonstram a complexidade e a heterogeneidade do que seja dislexia. A nossa ótica conta com observações, embasamento teórico, estudos e algumas experiências colhidos como educadora. Para nortear de forma mais simples o assunto, apresentamos um breve histórico da dislexia, a classificação, algumas

definições, a etimologia da palavra, assim como a importância do diagnóstico e sintomas mais conhecidos. Histórico Ao escrever sobre a dificuldade de leitura, no ano de 1878, o Dr. Kussamaul, médico alemão, baseou-se em um homem de quem disse ser incapaz de aprender a ler, mas que possuía inteligência normal e teve educação adequada. O médico denominou este problema como “cegueira da leitura”. Para essa mesma situação um outro médico, também alemão, criou o termo “dyslexia” (dificuldade com as palavras), isso em 1887. Na Inglaterra, um oftalmologista, Dr. James Hinshelwood, em 1895, publicou um relatório, intitulando de “cegueira da palavra” o que ele descrevia como dificuldade específica de leitura apresentada por uma criança que lhe fora dado examinar. O Dr. Pringle Morgan apresentou um caso de um garoto com 14 anos, cujo professor dizia que aquele aluno seria o mais inteligente da escola se as instruções fossem somente orais, pela sua dificuldade de leitura. Em 1925 o Dr. Samuel Orton, lançou sua primeira teoria sobre a dificuldade específica de leitura. Esse pequeno resumo é só o começo de uma história que se prolonga e cada vez mais desperta o interesse de pedagogos e psicopedagogos. Classificação e Definições de Dislexia. A Dislexia classifica-se em duas: Dislexia do Desenvolvimento ou de Evolução e Dislexia Adquirida. A dislexia de ISSN: 2357-8335

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desenvolvimento se refere a alterações na aprendizagem da leitura e escrita, e a Dislexia Adquirida compreende a aprendizagem da leitura e escrita já concretizada, mas que foi afetada ou perdida, devido a resultados de uma lesão cerebral. Esclarecendo melhor, a primeira suspeita-se de que é congênita e hereditária e a segunda, provocada por traumatismo craniano, acidente vascular derrame, tumor etc. Ambas, porém, apresentam sintomas semelhantes. Alguns estudiosos classificam a dislexia de desenvolvimento em outros tipos de dislexia, a exemplo de Capovilla, como destacado na obra de Sampaio (2011): dislexia fonológica e dislexia morfema ou semântica. Na dislexia de desenvolvimento, há ainda outros tipos de classificações definidas por estudiosos, sobre as quais, porém, não vamos nos estender. Fica, contudo, a informação, para pesquisa posterior dos leitores ou interessados em aprofundamento do tema. Em relação às definições de dislexia podemos dizer que existem muitas e que todas foram construídas graças a estudos e pesquisas desenvolvidos ao longo dos anos, as quais contribuem, sobremaneira, para o entendimento da dislexia. A primeira definição foi do Dr Samuel Orton, neurologista americano, cujo nome foi dado à primeira instituição dedicada a estudos sobre Dislexia, a Orton Dyslexia Society, atual Internacional Dyslexia Associaton (IDA) 1925. Vejamos: “É uma dificuldade que ocorre no processo de leitura, escrita e ortografia. Não é uma doença, mas um distúrbio com uma série de características. Torna-se evidente na época da alfabetização, embora alguns sintomas já estejam presentes em fases anteriores. Apesar de instrução convencional, adequada inteligência e oportunidade sociocultural e ausência de distúrbios cognitivos fundamentais, a criança falha no processo da aquisição da linguagem. A dislexia independe de causas intelectuais, emocionais e culturais. É hereditária e a maior incidência é em meninos na proporção de três para um (ou seja, a cada três meninos que nascem com dislexia, apenas uma menina nasce disléxica).” Uma outra definição usada pelo National Institute of Child Health and Human desenvolviment-NICHD assim entende: A Dislexia do desenvolvimento é considerada um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldade de reconhe-

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cimento preciso e /ou fluente da palavra, na habilidade e decodificação e em soletração. Essas dificuldades normalmente resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem e são inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas. (Definição adotada pela IDA – International Dyslexia Association, em 2002). Dado retirado da página da ABD- Associação Brasileira de Dislexia. Atual definição de 2003 (Susan Brady, Hugh Catts, Emerson Dickman, Guinevere Eden, Jack Fletcher, Jeffrey Gilger, Robin Moris, Harley Tomeyand Thomas Viall) “Dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de origem neurológica. É caracterizada pela dificuldade com a fluência correta na leitura e por dificuldade na habilidade de decodificação e soletração. Essas dificuldades resultam tipicamente do déficit no componente fonológico da linguagem que é inesperado em relação a outras habilidades cognitivas consideradas na faixa etária .” Segundo Sampaio, pag. 38, em seu artigo, Aspectos Neuropsicopedagógicos da Dislexia e sua influência em sala de aula, “A dislexia é um distúrbio na leitura que afeta a escrita, sendo normalmente detectada a partir da alfabetização, período que a criança inicia o processo de leitura. Seu problema torna-se bastante evidente quando tenta soletrar letras com muita dificuldade e sem sucesso”. No mesmo trabalho da autora encontramos a definição de Vitor da Fonseca, (pág. 38) que afirma: “A dislexia evolutiva específica é uma desordem manifestada na aprendizagem da leitura, independentemente de instrução convencional, adequada inteligência e oportunidade sociocultural”. Uma definição que chama muita atenção, digamos que seja mágica, e interessante, pois diz muito e de forma filosófica, é a citada pelo Portal da Educação, Módulo I, quando diz: Dislexia, antes de qualquer definição é um jeito de ser e de aprender, reflete a expressão individual de uma mente, muitas vezes arguta e até genial, mas que aprende de maneira diferente. Partimos para a Etimologia da palavra e alguns dos sintomas em seguida. Etimologia da Palavra Etimologicamente, a palavra Dislexia nos leva a “distúrbio de linguagem”, já que quando desmembrada temos: DIS = distúrbio, dificuldades e LEXIA = leitura

(do latim) e/ou linguagem (do grego). (Cf. Yanhez e Nico(2002)). Sintomas ou sinais de Dislexia Alguns sintomas mais comuns são descritos por Yanez e Nico (2002), os quais dão margem para suspeitas, quando observados em crianças na idade escolar, pelo professor. Citamos: Desempenho inconstante Demora na aquisição da leitura e escrita, mas não orais Lentidão nas tarefas de leitura e escrita, mas não nas orais Dificuldades com os sons das palavras e, consequentemente , com a soletração Escrita incorreta, com trocas, omissões, junções e aglutinações de fonemas Dificuldades em associar o som ao símbolo Dificuldade com a rima (sons iguais no final das palavras) e aliteração (sons iguais no início das palavras) Discrepância entre as realizações acadêmicas, as habilidades linguísticas e o potencial cognitivo. Dificuldade de associações, como , por exemplo, associar os rótulos aos seus produtos. Dificuldade para organização sequencial, por exemplo, as letras do alfabeto, os meses do ano, tabuada etc. Dificuldade em nomear objetos, tarefas etc. Dificuldade em organizar-se com o tempo (hora), no espaço (antes e depois) e direção (direita e esquerda). Dificuldade em memorizar números de telefones, mensagens, fazer anotações, ou efetuar alguma tarefa que sobrecarregue a memória imediata. Dificuldade em organizar suas tarefas. Dificuldade com cálculos mentais. Desconforto ao tomar notas e/ou relutância para escrever. Persistência no mesmo erro, embora conte com ajuda profissional. Alguns casos de dislexia são mais sutis, o grau é variável e para contornar essas dificuldades que a dislexia traz para a criança na sua história escolar, é importante que pais e professores saibam reconhecer a criança disléxica e passem a trabalhar com a intenção de melhorar ou amenizar o problema e para que essa venha a ter uma vida escolar próxima do normal, apesar das dificuldades. A importância do diagnóstico O diagnóstico deve ser preciso, para que seja eliminada qualquer outra suspei-


ta. Na realidade o diagnóstico de dislexia é feito por exclusão, devendo ser realizado por uma equipe multidisciplinar, composta de psicólogo, fonoaudiólogo e psicopedagogo. Pode acontecer da necessidade de encaminhamento a um neurologista ou a outros profissionais, quando necessário avançar na pesquisa de alguns fatores, que possam estar ligados ao processo de aprendizagem. Todas as informações, dados coletados e observações realizadas, pelos profissionais envolvidos, deverão ser discutidos em conjunto, para uma possível confirmação do diagnóstico e encaminhamento adequado. Este diagnóstico deve ser repassado com muita clareza para o próprio disléxico, e para os pais e os profissionais que acompanharão a criança. Importante se faz a troca de informações, referentes à história familiar, ao desempenho escolar da criança, os métodos de ensino e o conhecimento do próprio desenvolvimento da criança. As informações dos pais e da escola não podem deixar de ser incluídas nessa análise, para melhor definição do quadro. Fala-se muito do cuidado para não rotular a criança e isso deixa claro o objetivo, que é exatamente de achar caminhos para a elaboração de um programa que venha atender com eficiência o aluno disléxico Chamamos aqui a atenção, sobre algumas crenças que se acredita como verdade, mas que na realidade não procedem. Apresentamos algumas citadas em Ianhez e Nico (2002). São elas: Que a dislexia é contagiosa; Que é doença Que aumentar a carga escolar em casa ajuda na superação do problema Que é devido ao ensino inadequado Que todas as crianças com dificuldades para ler, soletrar e escrever, são disléxicas São mitos que devem ser excluídos do

dia a dia, de quem convive com alunos ou filhos, com esse tipo de dificuldades. Conclusão: Para finalizar, vale reforçar, enaltecer, provocar, estimular, refletir e destacar a fabulosa definição de Dislexia, acima citada: “Dislexia , antes de qualquer definição é um jeito de ser e de aprender, reflete a expressão individual de uma

mente, muitas vezes arguta e até genial, mas que aprende de maneira diferente”. Disléxicos famosos O disléxico é uma pessoa sã e se tem conhecimento de muitos que se projetaram na vida, brilhantemente. São pessoas famosas e até gênios, tais como: Albert Einstein, Leonardo da Vinci, Alexandre Granham Bell, Walt Disney, Thomas Edson, Charles Darwin, Tom Cruise, Agatha Cristie, Woopy Goldberg e outros. g

DISLÉXICOS FAMOSOS

Albert Einstein (“Quando leio , somente escuto o que estou lendo e sou incapaz de lembrar da imagem visual da palavra escrita.”).

Leonardo da Vinci

Walt Disney

Aghata Christie

Whoopi Goldberg

Thomas Edson

Charles Darwin

BIBLIOGRAFIA PELA ORDEM DAS REFERÊNCIAS Dislexia: novos temas, novas perspectivas, (Volume I) Luciana Mendonça Alves, Renata Mousinho, Simone Capellini (Organizadoras), Rio de Janeiro - Wak Editora 2011 Dislexia: novos temas, novas perspectivas, (Volume II) Luciana Mendonça Alves, Renata Mousinho, Simone Capellini (Organizadoras), Rio de Janeiro - Wak Editora 2011 Ianhez, Maria Eugênia & Nico, Maria Angela, Nem sempre é o que parece. Como enfrentar a dislexia e os fracassos escolares - Rio de Janeiro: Elsevier,2002-8ª Edição Selikowitz, Mark, Dislexia e outras dificuldades de aprendizagem –Editora Revinter Ltda- RJ- 2001 Sampaio, Simaia & Freitas, Ivana Braga de, (Organizadoras) Transtornos e Dificuldades de Aprendizagem: entendendo melhor os alunos com dificuldades educativas especiais. Org.. R.J; WakEdtora- 2011

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A HORA E A VEZ DO CORDEL E TUDO VEM A SER NADA Silvino Pirauá de Lima

Tanta riqueza inserida Por tanta gente orgulhosa, Se julgando poderosa No curto espaço da vida; Oh! que idéia perdida. Oh! que mente tão errada, Dessa gente que enlevada Nessa fingida grandeza Junta montões de riqueza, E tudo vem a ser nada.

Honra, grandezas, brasões; Entusiasmos, bondades; São completas vaidades São perfeitas ilusões, Argumentos, discussões; Algazarra, palavrada, Sinagoga, caçoada, Murmúrios, tricas, censura, Muito tem a criatura, E tudo vem a ser nada.

Bailes, teatros, festins, Comadre, drama, assembléia, Clube, liceu, epopéia; Todos aguardam seus fins, Flores, relvas e jardins, Festas com grande zoada, Outeiro e Campinada Frondam, copam e florescem, Brilham, luzem, resplandecem E tudo vem a ser nada.

Vemos um rico pomposo Afetando gravidade, Ali só reina bondade, Nesse mortal orgulhoso, Quer se fazer caprichoso, Vive até de venta inchada, Sua cara empantufada, Só apresenta denodos Tem esses inchaços todos E tudo vem a ser nada. Trabalha o homem, peleja Mesmo a ponto de morrer, É somente para ter, Que ele tanto moureja, Às vezes chove e troveja E ele nessa enredada À lama, ao sol, ao chuveiro, Ajuntam tanto dinheiro, E tudo vem a ser nada. Temos palácios pomposos Dos grandes imperadores, Ministros e senadores, E mais vultos majestosos; Temos papas virtuosos De uma vida regrada, Temos também a espada De soberbos generais, Comandantes, Marechais, E tudo vem a ser nada.

Vai tudo numa carreira Envelhece a mocidade, A avareza e a vaidade É quer queira ou não queira; Tudo se torna em poeira, Cá nesta vida cansada É uma lei promulgada Que vem pela mão Divina, O dever assim destina E tudo vem a ser nada.

O homem se julga honrado, Repleto de garantia, De brasões e fidalguia É ele considerado, Mas, quanto está enganado Nesta ilusória pousada Cá nesta breve morada. Não vemos nada imortal Temos um ponto final; E tudo vem a ser nada. Tudo quanto se divisa

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Formosuras e ilusões, Passatempos e prazeres; Mandatos, altos poderes; De distintos figurões, Cantilenas de salões; E festa engalanada, Virgem donzela enfeitada No gozo de namorar, Mancebos a flautear, E tudo vem a ser nada. Lascivas, depravações Na imoral petulância, São enlevos da infância, São infames corrupções; São fingidas seduções Que faz a dama enfeitada Influi-se a rapaziada Velhos também de permeio E vivem nesse paleio, E tudo vem a ser nada. ISSN: 2357-8335

Neste cruento torrão, As árvores, a criação, Tudo em fim se finaliza, Até mesmo a própria brisa, Soprando a terra escarpada, Com força descompassada Se transformando em tufão, Deita pau rola no chão, E tudo vem a ser nada. Infindo só temos Deus, Senhor de toda a grandeza, Dos céus e da natureza, De todos os mundos seus. Do Brasil, dos Europeus, Da terra toda englobada Até mesmo da manada Que vemos no arrebol: Nuvem, lua, estrela e sol, Tudo mais vem a ser nada.


TEXTOS E DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À HISTÓRIA DA PARAÍBA

A UNIVERSIDADE E SEUS PROBLEMAS ATUAIS(*) Durmeval Trigueiro Mendes

A grandeza desta hora nos faz pensar que tudo que ficou para trás e está nas crônicas do nosso espírito foi uma longa vigília de preparação para um despacho triunfal. A Paraíba possui uma tradição cultural, representada por figuras ilustres no magistério secundário, na literatura, em tentativas escassas no domínio das ciências e das artes. Porém a cultura imperante entre as gerações mais antigas - com as suas muitas e naturais exceções - era a cultura transplantada, em moldes impostos artificialmente, sem autenticidade, portanto, e primando pelo intelectualismo eruditista e livresco. Apta para a ostentação fácil e discursadora que se comprazia em tertúlias e polêmicas estéreis e no gosto imoderado da retórica: tudo isso refletindo uma sociedade ainda estável e sem problemas, fundada sobre uma estrutura escravocrata que atribuía à aristocracia econômica e às classes liberais o privilégio de fazer literatura tantas vezes recreacionista ou diletante ou superficialmente política. O que tinha a nossa cultura de puramente intelectualista e formalista não deixava de ser, em parte, resíduo da mentalidade européia - que se desenvolvera a partir do Renascimento (a educação e a cultura consistiriam num “domínio de livros e de formas” - v. Paul Monroe, História da educação, p. 274); com a agravante entre nós, do autodidatismo que copiava os modelos sem a sua contextura inteiriça, deles restando muitas vezes fragmentos desarticulados ou os aspectos mais superficiais ou os mais puramente formais. Pareciam brilhantes - e muitas vezes lhes sobrava, de fato, o talento natural - mas a ausência da disciplina metodológica e de uma formulação orgânica e sintética do saber tornava a este um saber aparente e falso, embora capaz de empolgar a maioria despreparada. Muitos houve entre nós, repito, que escaparam a essas deformações: muitos inclusive que ainda vivem e produzem, e a quem reverenciamos como mestres autênticos.

Por outro lado, as vocações intelectuais irrompiam, aqui e ali, poucas e solitárias, porque a cultura parecia só dever interessar a um grupo de privilegiados, ou só poder interessar a uma elite privilegiada. A cultura como algo de marginal na sociedade, como um domínio separado e autônomo, e não como um ideal geral e alicerce das comunidades realmente solidárias, orgânicas e democráticas - tal a concepção dominadora num mundo onde prevaleciam as discriminações aristocratizantes, no plano da inteligência. E onde a cultura era concebida como um luxo ou um privilégio ou um bem optativo, ao invés de um conjunto de valores conaturais com a vida comum, por eles enriquecida e elevada. Ora, passamos a ver depois que a teoria não é o oposto da prática, nem a cultura um patrimônio facultativo mas imperativo na vida real; e não representa o plano do artifício, do livresco e da superfetação, mas, ao contrário, a forma de vida autêntica, lúcida e humana, vivida com toda a extensão e riqueza de suas implicações e de seus compromissos. Inicialmente, pois, eram casos isolados de autodidatas que não dispunham de um lastro de valores culturais no seu próprio ambiente; não tinham aquela vivência cultural, nem podiam assimilar nas outras culturas a sua tessitura íntima e coerente, através apenas do esforço de erudição e de informação pessoal e direta, pois não se entende cultura desligada do contexto social e do quadro de valores vitais em que estamos mergulhados. Ora, a nossa cultura não refletia a realidade brasileira, para ser autêntica e orgânica; e a cultura adventícia não a apanhávamos como um todo, porque nossas condições peculiares nos permitiam nivelar-nos com ela vitalmente, nem o nivelamento intelectual era possível por falta de meios normais e sistemáticos de comunicação cultural. Ela aqui chegava fragmentada, conheciam-se alguns poetas e romancistas da Europa, uma

ou outra corrente filosófica mais em voga, e com esses retalhos de erudição se enfeitava o nosso verbalismo. Cultura acadêmica, de salão, cultura que polemizava, que enchia de eloqüência as salas de aula, e de fraseologia latina desde os acórdãos dos tribunais até as colunas da imprensa. Porque lhe faltava autenticidade, faltava-lhe também o aspecto grave e definidor de toda cultura: a sinceridade, a consciência problemática, a inquietação, numa palavra, a necessidade. Depois, a comunicação fragmentária e esgarçada foi se enquadrando a moldes mais densos e sistemáticos, culminando o processo disciplinador com a criação da cultura universitária. Não estamos mais no domínio dos talentos que se sobressaíam, sem o amparo da cultura institucionalizada, em brilhantes improvisações ou superficiais eruditismos. Deu-se à inteligência o apoio do substrato cultural e da metodologia científica. Este é o maior tributo da mentalidade universitária. Da cultura individualista e incompleta, ligando-se, precariamente, a outros patrimônios culturais, cuja estrutura e plenitude nos escapavam, chegamos, com a evolução dos tempos e a marcha da coesão e da unidade social, a integrar-nos de forma institucional e definitiva na grande torrente da civilização e da cultura moderna. Creio que se pode julgar, como já manifestei certa vez, que, sob muitos aspectos, constitui o aparecimento da Universidade com existência legal e funcionando normalmente, o maior acontecimento ocorrido na Paraíba, desde muitos anos. Não é como resultado de um processo intensamente vivido em pouco tempo de maturação intelectual, mas também como promessa de novas conquistas. Não é só obra do tempo, assinalei, mas de coragem. Pois se as mais das vezes as instituições culturais surgem como remate natural de lenta evolução de forças amaduISSN: 2357-8335

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recidas pela expansão natural de seu dinamismo interno e imanente, no caso de nossa Universidade se verificou a intervenção da vontade realizadora, do fermento criador que acelerou o processo e disputou com o tempo de conquista quase vertiginosa do progresso espiritual. Não vou escurecer as deficiências com que se apresenta a Universidade nascente, a ausência da tradição cultural, o insuficiente adestramento de muitos mestres para a ciência pura, desvinculada das exigências profissionais, a inexistência de cabedais de que possa utilizar-se com seu patrimônio próprio e fruto do seu trabalho; a falta de uma sistematização cultural que ligue e harmonize, no mesmo nível de atualidade e universalidade, os vários campos do saber; falta-lhe a síntese humanística, o grau de plenitude, a contextura perfeitamente ordenada. Não é uma Universidade feita, mas em vir-a-ser. Porém cheia de virtualidades, de energia, de força empreendedora. Isto lhe outorga o direito de existir. Afirmei que a Universidade da Paraíba é um organismo que se desenvolveu celeremente, crescendo não só com as suas potencialidades naturais, mas fecundada por fermentos ativadores. Entre estes ressalta extraordinariamente a ação do ex-governador José Américo, cuja inteligência e sensibilidade, aliadas à oportunidade histórica de sua passagem pelo governo, lhe permitiram cumprir a sua missão de ser, na vida paraibana, um antecipador e um divisor de águas. Com a força de sua personalidade e do seu gênio, ele era capaz da originalidade criadora, suscitando um mundo novo, o mundo do futuro, verdadeiro líder social que condensa em si as vontades dispersas e as eleva no seu descortino e na energia do seu temperamento, impondo as transformações

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impostas pelo momento histórico. De modo que a fidelidade ao passado não seja a cópia obsoleta que pára o tempo nas formas ultrapassadas, mas a criação de valores novos, para que os velhos não pereçam. Foi com essa perspectiva histórica, que liga as gerações de antanho às do futuro, que José Américo promoveu o salto de uma cultura estacionária e rotineira que paralisara, no plano educacional, dentro do nível secundário, para uma cultura larga, ambiciosa e universalista. O ensino superior na Paraíba, como novo nível, uma escala nova, um traço diferencial, pela extensão, vitalidade e coordenação de iniciativas de seu governo e de particulares; como um conjunto com força e amplitude bastantes para se impor, para marcar o ambiente e a época, foi obra, inequivocamente, de José Américo de Almeida. De tudo se depreende que o processo de evolução cultural na Paraíba aprofundou, nos últimos anos, com um vigor surpreendente, os traços de nossa diferenciação e autonomia. E esse processo pode ser caracterizado por dois aspectos: de um lado, o amadurecimento espiritual, apressado, certamente, por circunstâncias estimuladoras; é o fenômeno a que Delos, referindo-se ao Estado, chamava “l’accomplissement de la vie intérieure”; por outro lado se acentua, evidentemente no mesmo passo, a nossa autonomização intelectual. Muito tempo esteve a Paraíba subordinada à influência intelectual de outros centros, sobretudo o Recife, considerado como a capital da Região. As circunstâncias históricas deram à ilustre metrópole essa projeção que, do ponto de vista cultural, se deveu sobretudo à Faculdade de Direito e ao Seminário de Olinda, fundado pelo Bispo Azeredo Coutinho. São influências, senão contrastantes, pelo menos

distintas e complementares. A Faculdade de Direito se incorporava à tradição da cultura acadêmica e retoricista, criando o prestígio do bacharel, do orador e do letrado; enquanto Azeredo Coutinho, conforme assinala Capistrano de Abreu (Um visitador do Santo Ofício), “transformou as condições do ensino e, com este, as condições intelectuais da capitania” de Pernambuco, dando-lhe outro conteúdo, mais de ciência que de retórica, mais de observação dos fatos que de verbalismo eruditista. O prestígio e a influência da velha escola de Direito foi incomparavelmente maior e mais decisivo, inclusive por encontrar apoio nas linhas ancestrais do nosso ensino colonial e, como assevera o Professor Fernando de Azevedo (Cultura brasileira, p. 151), nos próprios traços característicos do brasileiro. Mas o papel revolucionário de Azeredo Coutinho foi tão notável que, sem ele, ainda é Capistrano quem o diz, “não surgiria a geração idealista de 1817”. E a inconfidência mineira, segundo Gilberto Freyre, “foi uma revolução de bacharéis, pelo menos de clérigos, que eram uns bacharéis de batina, alguns educados em Olinda, no Seminário Liberal de Azeredo Coutinho. Seriam as duas revoluções pernambucanas, preparadas por homens do século XVIII: a de 1817 e a de 1824” (v. Fernando de Azevedo, p.151). É dos bacharéis, realmente, a grande influência. O caráter eminentemente plástico da carreira, como há poucos dias frisou em discurso o Magnífico Reitor da Universidade da Paraíba, Ministro José Américo de Almeida, permite conciliar tendências diversas e menos rigidamente profissionais; sobretudo no começo, à falta de certas escolas superiores, a Faculdade de Direito atraiu os que se interessavam pela cultura geral e desinte-


ressada. “Nenhuma instituição de ensino superior, lembra ainda o ilustre mestre paulista, estava mais predestinada do que a escola de Direito a exercer essa função supletiva, não só pelo caráter mais filosófico dos seus estudos e pela maior aplicação das letras às atividades da carreira, como ainda porque, de todas as faculdades de preparação profissional, são as de Direito, pela própria natureza dos seus cursos, que põem a sua razão de ser, de preferência, no elemento cultural e não no elemento econômico e técnico, e desenvolvem uma fé mais robusta no poder espiritual, na virtude dignificadora da inteligência e nos valores morais.” Sem falar de disposições conaturais à nossa cultura e às nossas origens, inclinando-nos para o liberalismo e o espírito democrático, a concretização desse espírito em formas institucionais, na política, no direito, nos estilos da vida pública e social, se deve à influência dos bacharéis do Recife e de São Paulo, para só mencionar os dois focos mais antigos e por isso mesmo de mais remota atuação. Por isso mesmo, no bacharel, reconheceu Sampaio Correia “um mágico que conseguiu se legalizassem pelos usucapiões, mansas e pacíficas as transmissões de terra, e que obteve de um punhado de homens atirados à aventura que reconhecessem o poder e a sabedoria do direito e, com ele, a estabilidade e a força orgânica do Estado. Se é às novas gerações que cabe reconstruir a experiência social, a consciência dessa responsabilidade só ocorreu no Brasil quando a juventude, agrupada nas Faculdades de Direito, se deu conta de si mesma e de seu papel.” Fomos, todos nós do Nordeste, ao mesmo tempo beneficiados e tributários dessa influência. Pois o Recife se erigiu em centro espiritual contando com as correntes subsidiárias de todos os estados nordestinos que lhe emprestavam o seu contributo e a sua seiva para que a tradicional metrópole, capi-

talizando essas energias, pudesse distribuir, por toda a parte, a irradiação de sua cultura. Atingimos, agora, este cume que esperamos seja ultrapassado, no futuro, por outros mais alcandorados. Esta Universidade que agora começa a funcionar, com as prerrogativas da equiparação e, portanto, em toda sua amplitude, é um marco da era nova. A Paraíba manter-se-á unida aos grandes centros mananciais de sua cultura e até ampliará os seus contatos para além de todas as fronteiras, ambiciosa de valores humanos e universais. Depois de receber a cultura refletida, irá agora fazer a sua própria aventura, procurando acercar-se diretamente dos grandes tesouros intelectuais. Mas enquanto alarga os seus horizontes, e apaga fronteiras regionais em busca de um humanismo generoso e ecumênico, ela se volta sobre si mesma, procurando descobrir e reunir forças que a afirmem, que lhe dêem caráter pela projeção e acentuação de suas peculiaridades e de seu vigor original. Parece-me que toda cultura autêntica vive nesses dois impulsos: um procurando completar-se por assimilação dos valores estranhos, outro que quer afirmar-se pela autoconsciência dos seus próprios valores e pela intensificação de sua personalidade. Um movimento para fora e outro para o interior. Só aparentemente são movimentos antagônicos; pois, na realidade, não pode assimilar os bens exteriores o ser indiferenciado, destituído de marca própria para dominá-los e absorvê-los. Além disso, a cultura particularizada, regional, é valor positivo, elemento enriquecedor das demais; e muitas vezes caminha para chegar ao universal. O homem se realiza através dos homens, os diferentes tempos e espaços evidenciam explicitações multiformes da infinita riqueza original da essência humana. Creio ser este o sentido de uma Universidade da Paraíba. Tendo-a dirigido até

agora, e vendo-a assumir, pela equiparação, outras perspectivas, ser-me-ia permitido manifestar, neste instante, as minhas esperanças no seu futuro; mais do que uma prestação de contas, balancear as idéias que me nortearam na curta passagem pela Reitoria e, estou certo, com mais amplitude e discernimento, não descontinuarão na gestão que esperamos por todos os títulos esplêndida, do Ministro José Américo de Almeida. A Universidade é uma síntese da cultura, conciliando aparentes contradições desta, englobando, dialeticamente, os opostos em que se extrema o processo cultural; tem de aliar o passado e o presente, o particular e o geral, o especulativo e o prático, a rotina e a criação, o aristocrático e o popular, o individual e o social. Tem de constituir-se, portanto, sobre uma unidade plástica e coerente, uma visão geral e harmônica, uma filosofia. O que lhe importa, antes de tudo, é a atualidade e a universalidade. A atualidade significa a comunicação plena com tudo o que permanece vivo no patrimônio cultural de uma época. O mergulho na sua espessura e nos princípios que a explicam e unificam. Não se trata do nivelamento artificial que aproxima os aspectos exteriores e apenas aparentes, mas de uma assimilação. Nem se exclui, doutra parte, o patrimônio cultural herdado do passado e cuja eliminação, nos dias atuais, é interpretada por Karl Jaspers (Ambiente espiritual de nuestro tiempo) como um dos fenômenos assinaladores da crise moderna. Insurgindo-se contra esse furor anticultural em relação à tradição histórica, assevera o ilustre filósofo alemão que “a transformação da substância espiritual só pode ser mantida por uma modalidade de recordação histórica que não pode ser reduzida a um mero conhecimento do passado, senão que é força vital em presença. Sem ela, converter-se-ia o homem em bárbaro. O radicalismo da crise de nossa época empa-

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lidece ante a substância eterna, em cujo ser adquire participação e recordação, como no imortal que em todo momento pode aparecer”. Não se trata só de uma intuição compreensiva, mas de uma assimilação “que suscita a realidade do ser mesmo como em presença; primeiro na veneração, depois na medida dos seus próprios sentimentos e atos e, por fim, na participação em ser eterno” (p.191). O conceito de atualidade não coincide, pois, com o de modernidade. Nem adianta a Universidade incorporar tudo que é moderno mas só o que, passado ou presente, constitui, como diria Gasset, o sistema das idéias vivas que o tempo possui. Todavia, devemos repudiar também a atitude saudosista que se apega a formas ultrapassadas de culturas. Há uma espécie de tendência arqueológica, lembra Sertillanges (La vie intellectuelle, p. 37), um amor do passado que negligencia as dores atuais, uma estima do passado que parece ignorar a presença de Deus. Entre todos os tempos, existe um que praticamente supera a todos: o nosso. E noutra passagem, assevera o escritor francês: “Todo momento de duração nos concerne e todo século é nosso próximo, como todo homem; mas esta palavra próximo é uma palavra relativa, que a sabedoria providencial precisa para cada um, e que cada um, na sua sabedoria submissa, deve precisar também”. No centro dessa filosofia está a convicção da historicidade do homem que se realiza no tempo. Permanece atrelado, ao mesmo tempo, à temporalidade e à transcendência, a um destino histórico e meta-histórico, presa, por igual, do relativo e do absoluto. A sua referência aos valores relativos configura a sua presença no tempo e a sua inserção no todo social, sucumbindo com este ao cabo de cada geração e de cada ciclo histórico cultural. O ser humano é assim um ser do tempo e do absoluto, da história e de Deus. Passa com os fatos do mundo sem que isso afete o seu comprometimento com o que há de irremovível, de absoluto, no fundo do seu ser. Liga-se à contingência do devenir amalgamado com ele, mas sem poder deixar escapar o seu conteúdo substancial através dessas linhas divisórias que o delimitam e isolam. É ao mesmo tempo um momento na sucessão do tempo que já não é o fim de cada instante, e o infinito que não se esgota no acontecer humano ou no acontecer histórico, porque os fluxos e refluxos de sua existência sempre voltam sobre ele mesmo, como para um centro de gravidade que não se aniquila, não se esvazia, não passa uma identidade criadora de compromissos permanentes cujas conseqüências não podem ser alienadas dele próprio, nem disfarçadas,

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nem diluídas, recaindo sempre sobre a solidão do seu ser, sempre olhando o absoluto que é a fonte de sua autenticidade e de sua fixidez essencial como pessoa e de sua perenidade como destino. Se a Universidade participa do processo histórico, deve participar também do processo social. Não partilhamos nem o historicismo nem o sociologismo; acreditamos apenas que mudar é muitas vezes um dever de fidelidade à natureza humana. A Universidade não pode abster-se do processo das mudanças sociais. Nos Estados Unidos, como assinala Counts (Como tentar pela escola a transformação social), se discutiu apaixonadamente se a escola deve atrever-se a participar na transformação da ordem social, e creio que o problema foi nitidamente formulado por Karl Mannheim (Liberdade, poder e planificação econômica, p.298): “Naturalmente, não se deve introduzir na escola as pugnas políticas, para que não desapareça a tradição democrática no processo de transformação; porém, quem negará que as escolas devem participar no processo da educação social que prepara um novo tipo de homem, que pode fazer frente às responsabilidades que nos impõem as novas técnicas da organização social, as mudanças na tecnologia e as habilidades? Quem negará que se a escola fosse um agente ‘estático’, uma torre de marfim contemplando do alto, sem perturbar-se, o fluir da vida, não tardaria em ver-se tão antiquada e fossilizada que seria considerada inútil? A escola moderna não tem outra alternativa que a de intensificar e ampliar seus contatos com outros tipos de atividade vital e com as instituições sociais”. Há nas Universidades a tentação do conservadorismo, em grande parte justificável, pois, como depositária da herança cultural, assiste-lhe o papel de contribuir para a estabilidade do equilíbrio social. Tão de perto a estrutura escolar se relaciona com os valores fundamentais da personalidade, que não se admite esteja submetida, indiscriminadamente, ao fluxo das mudanças sociais. Mas, também é preciso evitar que se estanque na Universidade o entusiasmo da pesquisa, ou que se instale aquela mentalidade, lembrada por René Maunier, da antiga Sorbonne: “Dava-se aí aos quatro mais antigos doutores, designados pelo nome de Sénieurs, a missão de se opor a toda novidade”. Ainda é Mannheim que preconiza: “Antigamente se considerava a escola como um centro de preparação para um ajuste imitativo a uma sociedade bem estabelecida. Atualmente pode-se considerar a escola não só como uma introdução a uma sociedade já dinâmica, senão como um agente das mudanças sociais”. Quanto à Universidade, é esta a própria

vocação universitária. É preciso que na Universidade haja lugar para todos e se trate de todos os problemas; que se aproximem assuntos diversos e pessoas diferentes para que se tornem semelhantes sem terem de renunciar às suas peculiaridades. A Universidade aqui é, pois, tanto do saber quanto do homem; pois se os saberes diferentes tornarem diferentes os homens, nada concorreria tanto para unir as pessoas quanto a aproximação de sua cultura. Cabe à Universidade organizar o saber, através de uma síntese em que cada especialidade conheça o seu justo lugar no contexto geral e não apenas se justaponha uma à outra, ignorando-se entre si, mas ligando-se reciprocamente pela consciência de sua integração. E foi a perda do sentido de unidade que nos conduzia no século XX a esse espetáculo incrível, segundo Gasset: “O da peculiaríssima brutalidade e agressiva estupidez com que se comporta o homem quando sabe muito uma coisa e ignora a raiz de todas as demais”. “É mister reconstruírem os pedaços dispersos - dislecta membra -, a unidade vital do homem europeu”, pontifica o grande espanhol. Mostrando que há necessidade de distinguir para unir, em Les degrés du savoir J. Maritain aborda, do ponto de vista metafísico, essa necessidade de síntese: “somente poderíamos mostrar a diversidade orgânica e a essencial compatibilidade das zonas de conhecimento, atravessadas pelo espírito neste grande movimento de procura do ser ao qual cada um de nós não pode colaborar senão por um pequeno fragmento e arriscando-se a desconhecer a atividade de seus companheiros ligados a outras obras fragmentárias, mas cuja unidade de conjunto reconcilia, apesar deles, no pensamento do filósofo, irmãos que se ignoravam. Sob esse ponto de vista, pode-se dizer, também, que a obra à qual a metafísica parece chamada será pôr fim à espécie de incompatibilidade de humor que a idade clássica tinha criado entre a ciência e a sabedoria” (Préface XI). Mas, como disse, não é só a compatibilidade do saber, senão também das pessoas, a natural movimentação do meio universitário permitindo o intercâmbio de idéias e, sobretudo, isto que tanto impressionara a Newmann (Origem e progresso das universidades): que em nenhuma forma de ensinamento pode haver tanta plasticidade, versatilidade, sutileza, acompanhando os meandros das curiosidades e das necessidades particularíssimas do aluno, como no ensinamento direto. Sempre se lança mão do velho método da instrução oral, da comunicação presente entre homem e homem; preferem o professor ao estudo; a influência pessoal de um mestre na iniciação do discípulo e, conse-


qüentemente, os grandes centros de reunião e de ajuntamento, que tal método de educação necessariamente traz consigo”. E ainda: “livro algum poderá carrear o espírito peculiar, e as delicadas particularidades do seu tema, com a rapidez e a certeza que animam a simpatia de uma mente com outra, através dos olhos, da expressão, da tonalidade, da maneira, nas fórmulas casuais saídas de improviso e nos giros espontâneos da conversação familiar”. “Os princípios gerais de qualquer matéria podem ser estudados em casa, num livro; mas o pormenor, a cor, o tom, o ar, a vida que a fazem viver em nós, temos que captar tudo isso daqueles em que já está vivendo” (p.9-10). Porém, a queixa veemente de Gasset, formulada há pouco, é sobretudo contra o que, no livro célebre, Rebelião das massas, denomina a barbárie do especialismo. Eis outros problemas das universidades. Entendendo constituir sua tarefa específica o ensino das profissões intelectuais e o incremento da investigação científica, a Universidade moderna só convencional e superficialmente dá atenção à cultura geral. Esta passou a ser a denominação de uma forma de conhecimento vaga, incompleta, com falsas ou superficiais generalizações - ou, por outras palavras, a maneira de ser superficial e divagante em todos os assuntos. Ao cabo, a cultura geral passa a identificar o talento de falar sobre coisas que não reclamam mais que talento, fora de toda sistematização e de todo conhecimento positivo. Ora, a cultura geral, ao invés disso, representa para o homem saber situar-se em face do Universo, recompor no plano do conhecimento a ordem essencial das coisas, saber o que se tem e o que se quer sem girar apenas em torno do puro imediatismo casualístico do dever cotidiano. Cultura, diz Ortega, “é o que salva do naufrágio vital, o que permite ao homem viver sem que sua vida seja tragédia sem sentido ou radical envilecimento”. Não podemos viver humanamente sem ter idéias. Delas dependem o que façamos, e viver - para o filósofo do perspectivismo - não é senão fazer isto ou aquilo. Em tal sentido, somos nossas idéias (Missão da universidade, in Obras completas, v. IV, p.321). E noutro livro, O tema de nosso tempo, ele afirma: “cada vida é um ponto de vista sobre o universo”, o que parece uma confirmação dessa posição fundamental. Outros atribuíram às idéias a função de por assim dizer reiterar a essência das coisas - intelectus est quodammodo omnia; e outros ainda assinalariam a sua falência, porque o Universo não seria problematização, mas mistério (Gabriel Marcel, Position et approches concrètes du mystère ontologique). São três tipos de humanismo. Mas, abstraindo-se o

humanismo existencialista, o que prevalece para o homem consciente e a Universidade é a consciência do tempo que se vive, em sua plena atualidade e universalidade, e adquirir a noção exata de sua posição no mundo e das coisas que o cercam. Porém, a cultura moderna se acha em crise, exatamente por falta de repertório; assim, as gerações adultas não podem legar às novas gerações uma herança que represente a continuidade normal da tradição cultural. As suas convicções se tornam todas problemáticas, rompeu-se e fragmentou-se totalmente o conteúdo de nossa cultura: a educação tornou-se assim “insegura e difusa” ou puro tecnicismo sem conteúdo e querendo exigir um milagre da juventude que ela “cria por si e que os mestres não possuem mais”, “que ela seja origem” quando normalmente ela deve ser beneficiária de uma cultura que apenas terá de modificar e adaptar. Jaspers vaticina o fracasso dessa tentativa: “Se se atribui à juventude uma carga falsa, tem-se de fracassar, pois o homem só pode advir surgindo na continuidade dos decênios e tornando-se na severidade pela sucessão de uma série de gradações”. Em contraposição à visão geral, essa visão de totalidade, está o especialismo, a barbárie do especialismo. O novo bárbaro, afirma Ortega, é principalmente o profissional mais sábio que nunca, porém mais inculto também: o engenheiro, o médico, o advogado, o cientista. “Os grandes progressos da ciência e tecnologia preparam para dirigentes muitos especialistas que, do ponto de vista cívico-político, apresentam, com freqüência, incapacidades preparadas”. Faltou-lhes “oportunidade de adquirir a compreensão de nossa situação humana e social e desenvolver a síntese cultural” (Mannheim, op. cit., p.310). O isolamento dos grupos no interior das sociedades é a primeira conseqüência do especialismo: além de outras, no plano mais estritamente educacional, o predomínio da instrução sobre a educação, a perda do sentido da obra total da educação, a complicação de sistemas, o conflito entre as exigências da cultura e a da utilidade e a redução do ensino geral, como bem assinalou na sua Sociologia Educacional o professor Fernando de Azevedo. Em suma, trata-se do conflito entre o humanismo e o tecnicismo agravado pela intolerância e pela estreiteza de humanistas e técnicos. Estes esquecem uma psicologia especial, moldada na segurança tranqüila dos seus métodos, na precisão matemática e recortada avessa a todas as dimensões da realidade e insubmissa às mensurações da ciência pura. Os humanistas, por seu turno, se apegam, muitos deles, a resíduos culturais de épocas ultrapassadas, identificam huma-

nismo com o estudo das humanidades clássicas de modo que os gregos e os latinos, segundo a crítica de Beaussart, “aparecem não como homens de um tempo e de uma civilização dada, mas como tipos únicos da humanidade sobre os quais todos devem modelar-se, quando na verdade as humanidades clássicas, generalizadas hoje, pereceriam de sua própria generalização”. É preciso, por um lado, estreitar-se os contatos que as técnicas e a ciência impõem com o “real imediatamente presente e vizinho”, e, de outro lado, reduzir por uma alta cultura transcendente às particularizações científicas, “a desproporção entre a capacidade da inteligência e a complexidade dos problemas atuais”. O de que realmente se precisa, porém, é de que as ciências sejam ensinadas da maneira mais viva e objetiva, para não produzirem aquelas idéias inertes de que falava Whitehead. Descobrimos assim, por baixo de muitas camadas superpostas, o fundo do problema: o humanismo. A idéia do homem, uma idéia dinâmica relacionada com o homem em devenir histórico e também com as suas metas transcendentes e absolutas. O humanismo autêntico, por outro lado, a verdadeira formação universitária é a que concorre para a comunhão social. Deve a cidade, a polis, ser rica de valores culturais, pela contribuição das instituições educativas e do próprio cidadão. É o exemplo da Grécia clássica: “Do mesmo passo que o estado inclui o homem em seu cosmo político, lhe dá ao lado de sua vida privada uma espécie de segunda existência, o bios politikós”. Cada homem tem a virtude geral citadina, “a politiké areté, mediante a qual se põe em relação de cooperação e inteligência com os demais, no espaço vital da polis” (Jaeger, Paideia, p. 129-130). É bem verdade que o homem não pode ser tragado pela cidade como desejaria uma Universidade fundada sobre os preconceitos sociologistas, de Durkheim a Marx. Uma escola é tanto mais democrática quanto mais flexível, mais apta a formar individualidades autônomas e criadoras. O novo ideal de personalismo democrata expresso pelo autor de Ideologia e utopia implica sempre uma dupla direção. Uma fomenta a socialização, e outra a individualização. Os interesses do indivíduo, à medida que estes vão surgindo de sua individualidade e do lugar específico que ocupam no sistema social, deveriam fomentar sua compreensão das necessidades da comunidade. Por outro lado, as exigências da comunidade jamais deveriam chegar a ser suficientemente poderosas como para dominar toda a resistência, pois uma tendência encaminhada a conseguir a conformidade possivelmente suprimiria a voz do eu, que é uma fonte dinâmica de criatividade humana. ISSN: 2357-8335

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O humanismo moderno, em suma, tem de ser a superação de todas as falsas antinomias que dilaceram a nossa cultura. Tem de perder o medo da ciência que sempre foi, frisa Dubarle, uma educadora do espírito humano, uma educadora magnífica da autenticidade humana. Deve, outrossim, evitar as extrapolações da ciência ou o seu crescimento fora de um plano hierárquico, presidido por um princípio unificador e humanizante que englobe a própria ciência. O perigo dessa anomalia já fora denunciado energicamente por H. Bergson na sua conferência intitulada “La signification de la guerre”, e depois, em 1932, dizia o ilustre pensador: “A humanidade geme, meio esmagada sob o peso dos progressos que fez. Ela não sabe, ainda, suficientemente, que o seu futuro está em suas mãos. Cabe, pois, a ela decidir, primeiro, se quer ou não continuar a viver; em segundo lugar, se se contenta de viver apenas, ou não queira, de preferência, fazer o esforço necessário para que, também neste nosso planeta refratário ao bem, se cumpra finalmente a função essencial do universo, que é uma máquina para formar deuses”. Se o humanismo das Universidades deve aproximar todas as formas de conhecimento, e anular os falsos antagonismos no campo da cultura, cabe-lhe também afastar as barreiras artificiais que isolam o povo de suas elites. É um assunto delicado e complexo. Força é convir que a democracia é o regime da inteligência, ou seja, aquele que confia na capacidade dos indivíduos de oferecer contribuição valiosa à tarefa de promover o bem comum. Já houve líderes no Brasil - lembra o Professor Djacir Meneses (Elites agressivas) que aconselharam a não ensinar o povo a ler para que não ficasse sob influências perniciosas lendo propagandas subversivas, desadaptando-se do trabalho rural etc. “Cabe aos intelectuais” - acrescenta, com excessiva ênfase no papel democratizante da ciência - “cooperar nessa obra de esclarecimento político, se quiserem realizar a democracia pelo único caminho seguro e verdadeiro: pelo caminho apontado pela ciência”. Creio que, ao lado de observações exatas, se depreendem alguns defeitos na esquematização de Djacir Meneses. Como quer que seja, temos de ficar eqüidistantes entre a massificação que implanta o domínio do homem-massa, com a depressão das minorias qualificadas, e a aristocratização do saber, produzindo uma casta inacessível: o povo. Chegou-se a dizer que a Universidade existe para o homem médio, que representaria a sua unidade de medida. O Professor Anísio Teixeira, analisando o problema à luz da crise brasileira, julga que, no plano educacional, deve haver a fu-

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são dos dois sistemas escolares - o do povo e o das elites. É o que se vem realizando em todos os países. “Na América do Norte, pela organização de um único sistema público de educação, com extrema flexibilidade de programa e a livre transferência entre eles. Na Inglaterra, pela escada contínua da educação, pela qual se permite que o aluno, seja lá qual for a escola que freqüente, possa ascender a todos os graus e variedades de ensino”. Pois o que existe de aristocratizante, no ensino brasileiro, não é a falta de oportunidade para todos, é o seu conteúdo. Tal a natureza da educação e do adestramento escolar, que os seus beneficiários só se sentem aptos para ocupar funções que inelutavelmente os situam na aristocracia. Não há uma “educação do fazer” relacionada com as profissões que se baseiam no trabalho manual ou mecânico ou em outras formas de atividade e de conhecimento não-acadêmico. Na Inglaterra, há algum tempo se formulou uma sugestão, através do publicista Hodges, no sentido de que as escolas técnicas e outras instituições do mesmo nível “deveriam chegar a ser núcleos de um novo tipo de universidade popular, equipados tanto para preparar os estudantes para uma gama mais rica de vocações, como para que esses centros desempenhem uma parte ativa nas atividades sempre mais amplas da educação dos adultos”. Não pode a Universidade, também, deixar de tomar posição entre o universalismo e o regionalismo. Parece-me importante que se perca o complexo de inferioridade contra o que se afigura a muitos uma forma apoucada de cultura: a regional. Primeiramente, porque o universal é uma categoria teórica que, concretamente, se, de fato, ostenta valores de grande amplitude, por outro lado o que mais freqüentemente representa é a síntese das diferenças regionais em cujas peculiaridades e viço original ela se nutre. Porque só há riqueza do que é vivo e, pois, particular. O que vale, antes de tudo, não é o prestígio das culturas consagradas, mas o prestígio do homem, onde quer que se encontre a sua substância inumerável que, aqui e acolá, pode oferecer novas zonas de sensibilidade, de experiência, de tradição, de espiritualidade, ainda não catalogadas na grande ciência mundana e cosmopolita. O que vale é o vivo, o original, as inúmeras explicitações que, no espaço e no tempo, revelam a infinita virtualidade do homem. Importa, outrossim, perder o fetichismo do exótico ou do apartado de nós: como se quiséssemos reduzir a ciência à expressão de comportamentos ou de fenômenos estranhos a nossa experiência comum; ou se a ciência fosse, como o milagre, tanto mais belo quanto mais raro. Esta deformação do espírito resulta duma mentalidade livresca, que

prefere, à realidade original, a superfetação das teorias, e atribui à inteligência a função de criar valores autônomos, mais precisos do que os valores reais; um deplorável e equívoco esnobismo intelectual. É preciso perder o culto idolátrico de formas consagradas de cultura como se fossem as únicas que pudessem traduzir a vida do espírito. Temos nós outros diferente experiência cultural a realizar: somos um país que se descobre a si mesmo e, portanto, está abrindo caminho para sua interpretação ou revelação. Estamos numa fase de exploração vital, enquanto a Europa se coloca no plano da decantação intelectual, a sua matéria cultural não mais constituída de experiências virgens, mas de um ideário, que apenas se transforma em novas formulações. É o plano do formalismo lógico ou conceitualista, enquanto o nosso é o da irrupção vitalista. Por isso, são exploradores e descobridores ainda os nossos grandes sociólogos e romancistas, muito mais que teoristas do homem ou da sociedade. Ou, melhor dizendo, os nossos melhores sociólogos têm muito de romancistas, e os melhores romancistas muito de sociólogos, tanto convizinham a sensibilidade e a razão científica diante de um mundo novo que a ambos desafia e lhes oferece idéias e emoções: construir cientificamente o conhecimento do Brasil é construir um mundo poético. Mas, quando o regional deixa de ser o patrimônio de valores originais - oferecido à exploração intelectual ou à sensibilidade especial para apreender e refletir valores universais - para tornar-se uma espécie de inteligência autônoma, isolada; e deixa de ser oportunidade de revelações que virão incorporar-se à cultura ecumênica, para constituir-se no campo de vaidade provinciana, constatamos, então, estar ainda no plano dos instintos inconscientes, e não no nível da inteligência autêntica, que não conhece fronteiras. Esse provincianismo perro cria uma autonomia artificial, que oficializa os erros em verdades pelo poder arbitrário da inteligência, segregada de toda tradição espiritual; empobrece as idéias, despojando-as do seu conteúdo formado ao longo de sedimentações e aderências culturais; é, em suma, a antítese da Universidade. Evidentemente, convém logo assinalar, a cultura regional evita também a imitação, pois o que mais valoriza e fortalece a Universidade é ser genuína, castiça, autêntica. A Universidade deve ser algo vivo que resume, aclara e enriquece a vida. E ninguém mais digno e mais apto do que Vossa Magnificência, Senhor Reitor da Universidade da Paraíba, para conferir-lhe esse destino. Devolvo às suas mãos augustas de timoneiro, de tantas experiências e glórias


aureoladas, o comando que me foi entregue, quando de sua passagem pelo Governo, e no qual fui conservado pela honrosa confiança do Senhor Governador Flávio Ribeiro. Depois de um ano de trabalho realizado, com entusiasmo, e sem qualquer compensação material ou remuneração, deixo a Reitoria desta Universidade em condições de realizar plenamente os seus objetivos agora assegurados pelas prerrogativas de equiparação. Tivemos a honra de orientá-la desde os primeiros passos. Promovemos, de início, o congraçamento de suas várias unidades integrantes, harmonizando pontos de vista diversos e homologando as justas reivindicações de todas elas. Presidimos à elaboração da lei e do estatuto que a disciplinam, instalamos a Reitoria, aparelhando-a dos serviços essenciais até a equiparação. Empregamos todos os esforços para a liberação de suas verbas, inclusive através de contatos diretos com as autoridades competentes. Por último, foram as providências iniciais visando ao planejamento da Cidade Universitária, para que nada se faça sem uma organização racional. Entre essas providências convém destacar a vinda à Paraíba do Engenheiro Horta Barbosa, responsável pela construção de obra congênere na Capital da República. A atuação da Reitoria tinha de restringir-se apenas ao plano da colaboração, nunca recusada a qualquer Faculdade, e sempre aberta aos estudantes, porque não possuía ainda autoridade efetiva para exercer uma ação diretiva eficaz, antes da equiparação. Não faltaria quem se molestasse com uma intervenção que não tinha cobertura legal, assecuratória do vínculo universitário. Mas, malgrado essas limitações intransponíveis, jamais faltou, para os que a desejavam, a cooperação cordial da Reitoria, sobretudo nos empreendimentos culturais.

Por outro lado, fiéis ao espírito sadiamente regionalista atrás preconizado, realizamos, sob os auspícios da Universidade, um curso de introdução ao Estudo da Civilização Nordestina, com a participação de estudiosos de todo o Nordeste, além de outros cursos e de inúmeras conferências que tiveram o patrocínio da Universidade. Sempre com o propósito de contribuir para o nosso progresso cultural, criando um clima geral, não somente escolar, que propiciasse o desenvolvimento às próprias instituições universitárias, pelaexpansão além dos seus currículos, da curiosidade em torno de problemas e debates, através dos quais esses currículos se revitalizam e entram em conexão com a vida social. Mas, sobretudo, Senhores Professores, agimos sempre com lealdade e decência. Seja-nos permitido afirmar, sem imodéstia, que conservamos o nosso estilo habitual na função pública: encarar objetiva e altaneiramente os problemas - essa firme e sincera compenetração nos impedindo de desviar-nos para os acidentes marginais, ou nos amesquinhar-nos nas preocupações subjetivas que restringem a interesses medíocres as grandes e impessoais exigências do bem comum. Agora, só me resta bendizer a Universidade da Paraíba pela honra de ter merecido esse Reitor! Bendita a terra pequenina que os seus grandes filhos, descendo do pedestal, não se apoucam em ajudar e engrandecer. Vossa Magnificência, Senhor Reitor, possui em grau eminente todos os dotes para esta investidura; com toda a sua cultura intelectual, que lhe torna familiares as idéias gerais e sua sensibilidade e toda paixão pelo drama local, pela vida que lhe está diante dos olhos. Não se pode dizer até onde a sua inteligência é sensibilida-

de, ou sua sensibilidade, inteligência; ambas se fundem numa compacta unidade em que só domina a vibração humana e a intuição da vida. Não conheço ninguém com essa força natural - um instinto que aliciou o talento e a cultura, para perceber, julgar e prever. É que em ninguém como em Vossa Magnificência, a cultura deixa de ser acadêmica e formal para tornar-se, como deve, a aliada de uma personalidade rigorosa que tem as suas próprias visões e sente a realidade antes que se transforme em categorias mentais. Tudo o que faz é assim com a alma toda. Com essa intuição poética da realidade, antes que ela fique recoberta pelos véus do convencionalismo, da rotina e da burocracia. Administrar para Vossa Magnificência é um ato de vida. É tocar com a alma a nudez dos problemas com a sua expressão humana. Como toda grande personalidade, a sua apresenta contrastes surpreendentes, que surgem até no estilo e na obra do escritor; tem-se a impressão de atingir-se a grandeza através de pequenas coisas, de palavras ou gestos comuns, de repente transfigurados pelo grande artista do verbo e da ação, na sua simplificação profunda e dramática. Conhecer a grandeza e a realidade das coisas simples e vizinhas a nós, universalizar o particular, magnificar o detalhe, reconhecer o homem - na sua formidável importância - onde quer que se encontre, é próprio do grande artista que no seu mais nobre sentido é antes de tudo Vossa Magnificência. Ao transmitir-lhe, neste instante, o cargo de Reitor da Universidade da Paraíba, associo ao dever protocolar uma grande e sincera alegria de amigo. g Discurso ao transmitir o cargo de Reitor da Universidade da Paraíba ao Ministro e Ex-Governador José Américo de Almeida.

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LITERATURA

TESSITURAS Elizabeth F.A. Marinheiro

O Humanista Flávio Sátiro Fernandes é um espírito consolidado em amplo Conhecimento e um idealista que não teme momentos nevoentos. Com mais de quarenta Revistas GENIUS editadas, Flávio sabe selecionar Artigos, Ensaios e Poesias com independência e verticalidade. Recentemente, revisitamos o número 32 e reencantamo-nos com dois Estudos: “O Romance Histórico em Virginius” de José Octávio de Arruda Mello e “Garcia Márquez e a Realidade de Todos os Povos” de André Lucena. Sobre Virginius, um dos melhores Críticos do Brasil e formador de Gerações, já publicamos em nossos livros e em Revistas vários Ensaios Literários sobre seus Romances “TEMPO DE VINGANÇA” e “A VITIMA GERAL”. Já o estudo de André Lucena trouxe-nos suaves recordações: o tempo do nosso Doutoramento na PUC de Porto Alegre (RS). Ali, durante as aulas da Professora Dra. Petrona Pasquez (argentina), fomos “obrigadas” a ler o consagrado “Cem Anos de Solidão” (1967). “Macondo”, semelhante ao “Taperoá” ficcionalizado por nosso inesquecível Ariano Suassuna, é a saga da família Buendia, ou seja, do patriarca José Arcádio Buendia casado com sua prima Úrsula Iguarán. Macondo era uma pequenina aldeia. Visitada por bandos de ciganos, que espalhavam suas alquimias e mágicas, liderados por um “sábio” chamado Melquíades.

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Influenciado pelas magias de Melquíades, Buendia empreende uma fracassada expedição e espanta-se com um galeão espanhol. Um elenco de filhos naturais e bastardos. Assassinato dos filhos. Morte do feiticeiro “Melquiades. Funda-se uma igreja. Advento da lei... A praga em Macondo e Buendia cometendo loucuras. Esquecimento coletivo Melquídades “não suporta a solidão dos mortos e retorna. Os manuscritos. A atuação lasciva de Pilar. Bordel, erotismo, violência, corrupção, greve, tortura de operários, desabamentos, enfim inúmeros componentes da diégese consolidam o realismo-mágico, magistralmente concebido por Garcia Máquez. Leitura que nos fazia perder a cabeça diante dos eventos insólitos, a exemplo dos manuscritos de Melquíades, os quais continham a história da família de Aureliano e escritos em sânscrito, com desordem narrativa. A extraordinariedade e a poética de “Cem Anos de Solidão” envolvem a obra, desvelando a solidão em que vivem os personagens de Macondo em toda a tecelagem do imenso colombiano. Já no final do livro, antes mesmo do seu final, Aureliano “Já compreendera que jamais sairia de um quarto. Ele sabia que tudo o que lera, desapareceriam para sempre, “pois estirpes condenadas a cem anos de solidão não têm uma segunda chance na Terra” (grifo nosso). A fantasia, o fantástico, o profético etc sugerem que é difícil reconhecer que

existe alguma coisa além da realidade… Só mesmo Garcia Márquez superou o realismo-mágico da América Latina. Só ele soube transformar as alucinações vividas em Macondo numa espécie de metáfora contra a injustiça e as tragédias humanas! Em sendo um homem de esquerda, seu sucesso mundial não o tornou em estereótipo do vazio, pois sua posição política transcendia a banalidade de tal vida. Ficamos por aqui com o desejo de reler GÁRCIA MARQUEZ! DO CORDEL POÉTICO “Um código evocativo De muita sonoridade Um cântico recitativo À honra de divindade Gravado por erudito Em forma de manuscrito Legado à posteridade Mas é só uma argüição O Ingá não se traduz É mais uma opinião Desta pedra que reluz Tão esmera e vigorosa Que até hoje, caprichosa, Nos desafia e seduz”. WANDERLEY DE BRITO (in “A Pedra do Ingá”, p. 30).

AO MEU LEITOR Os coloridos do mago.

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CIÊNCIA POLÍTICA DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL1(*)

Alexandre Costa de Luna Freire

É escassa na Academia atual a inserção obrigatória de abordagens sistemáticas e razoavelmente completas da História do Direito Brasileiro. São poucas as publicações que cuidam do tema com a performance necessária para o estudo introdutório do Direito. Não é incomum que as “Introduções” limitem-se a considerações propedêuticas precárias nas relações do Direito com outras áreas. Razões várias de apelo editorial ou de “fragmentação” de noções introdutórias cuja adoção tem conteúdos diversificados contribuem para o desalento na formação “completa” ou abrangente da explicação da origem das fontes e das instituições pátrias. É um fenômeno que deita raízes na germinação dos nossos Cursos Jurídicos quando mesmo em Recife, melhor dizendo, desde o período de Olinda eram escassos os manuais jurídicos. E também Lentes. Vale registrar que a Constituição do Império naqueles Cursos não era “vencido o programa” com o estudo de todos os seus dispositivos. Percebe-se que a assimilação sistemática deixava a desejar. O tema da Liberdade como reflexo da renovação das idéias Iluministas e atrelado às conformações do Poder permeou a

cena dos conflitos com acentuada tônica no Século XVIII. Antes mesmo da germinação da Sociedade Industrial fincara raízes em tensões com um “novo” Direito o fenômeno da ascensão capitalista com os tentáculos da acumulação em florescência progressiva. As novas relações econômicas pregadas em bens de raiz, a tecnologia naval ou das atividades extrativa, nutridas pela mão de obra servil [a escravidão indígena e as justificativas para as espoliações humanas na costa ocidental africana em substituição] deram alento às empresas de exploração voltadas ao comércio internacional colonialista que foi a matriz das descobertas e criação de colônias. Se nos propusermos a retomar os passos de averiguação do conteúdo do Estado um pouco além de sua morfogênese como condição necessária para compreender o cenário atual do choque e interpolações de múltiplas relações de Poder não é difícil defrontar-se com um cenário difuso. Quaisquer que sejam os componentes e tensões efluentes do cenário moral de eleição na atualidade, não faltarão objetos à sujeição de análise e múltiplos ou-

tros que serão “incluídos fora” do campo de investigação. Mais do que antes – na era do “pós-tudo” –, a premência de método seguro sobrepõe reinquirir, reavivar os limites conceituais como ferramenta de trabalho “de campo” para que se estabeleçam premissas inafastáveis sobre o papel do Estado numa sociedade plurilocalizada e de identidade em contínuo movimento de identidade. Os passos de Le Bon [Gustave] prenúncio ou experimento de observação social que rastreou “corpos” sociais em germinação ou identidades em construção, coletividades ainda em lento andamento. A simultaneidade das tensões do absolutismo, da liberdade ou escravidão atrelada à servidão voluntária presa à Terra e o despontar de novas relações da sociedade industrial nascente construindo novas formas de colonialismo compondo a moldura de compressões coletivas indistintas. Precederam assimétricas composições de relações de força, produzindo direitos como sucedâneo de força e garantia como o foram desde tempos imemoriais. O Direito como sucedâneo ou vacina da força, do poder.

Trata-se de um Memorando relativo à participação no Congresso Franco-Brasileiro de Direito Constitucional ocorrido nos dias 29, 30 e 31 de outubro de 2008, no Auditório da Justiça Federal em Fortaleza, realizado pela ESMAFE – Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, Núcleo do Ceará, Escola de Magistratura do Trabalho no Ceará, Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e Le Havre Université. O tema deste papper está voltado para a Palestra inaugural do Professor Paulo Bonavides com o mesmo título. (*) Este texto é objeto de transcrição também na Revista do Tribunal de Contas do Estado. 1

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A simbologia ou poesia do Direito nasceu antes da regra, do consenso, ou de diretrizes para a submissão. Nasceu antes da escrita ainda que imprecisa. Proveio da força, tautologia à parte, à força. A insubmissão e a injustiça, atreladas ao sentimento ou ao sofrimento diante da lei do mais forte, inculcadas no instinto de sobrevivência não mitigaram a concepção “selvagem” de priscas eras e não desapareceram, nem aquelas, nem aquele, por ser inato. A escrita resultou apenas da evolução da “comunicação” e de uma natural graduação mais coletiva, mais apropriável por diferentes grupos ou pessoas ou por uma necessária durabilidade. Ainda Sísifo? Portanto, o símbolo, o signo propriamente dito antecedeu os caracteres cuneiformes. A tocha de fogo ou a lança fincada ao pedaço de terra antes da gravação na argila ou no pedaço de couro, papiro ou na pedra. A luta desenvolvia-se diante da Natureza. O medo ao redor. O desconhecido dando-lhe o fogo e as crenças. Destas encorpando-se a Autoridade de outra força, numa relação sublimada e longínqua quando não inóspita ou talvez crível o acesso apenas a alguns. As relações de poder migrando em maior ou menor gradação ou em fusão incorpórea povoando o imaginário. A crise do Absolutismo despontou como conseqüência da alteração do figurino social resultante da realocação das “forças” econômicas no cenário de diversas economias. A “idéia” de Liberdade como um tônus do sentimento de Justiça compreendeu reações diante da servidão desumana, tonitruante e sobejamente indesejada. No entanto, essa “servidão voluntária”, como que um contrato de adesão da atualidade, somente era palpável com os frutos de concepções mais “esclarecidas”. Trata-se de idéias iluministas com adesão de alguns poucos “déspotas”. A grande massa de “excluídos” ao deus-dará. Ao considerar uma fase romântica a fecundação da noção de Estado não é supérfluo transcrever esse trecho do Prefácio do livro do Professor Paulo Bonavides, intitulado “Do Estado Liberal ao Estado Social”, cuja 1ª edição deu-se há cinqüenta anos e foi objeto de magistral aula na Abertura do Seminário Franco-Brasileiro de Direito Constitucional

ocorrido em Fortaleza: “Os que viveram a época do liberalismo – os nossos ditosos antepassados – podiam romanticamente considerar o problema do Estado, com a presunção otimista de haver criado um mundo melhor e mais sólido, banhado na utopia revolucionária dos direitos do homem.” Na fase atual das cibernéticas considerações sobre Estado e Constitucionalismo no curso desta primeira década do milênio – globosfera e blogosfera – é vivamente interessante considerar perspectivas daqueles que ensaiaram idéias, povoaram sonhos e, muitos martirizados por até então sonhos humanistas. Personagem controvertido, transitando entre o absolutismo e sentimentos estatais, transcrevo registro calcado de teor panegírico, porém deslustrar a relevância de conteúdo para uma análise objetiva, independentemente – não é objeto da abordagem – dos reflexos no estado da Sociedade: “O forte e patriótico impulso que o ministro reformador audaz e revolucionário de D. José deu a todos os ramos da administração pública, trouxe ao Brazil algumas larguezas até então desconhecidas. Do implacável despotismo de Sebastião José de Carvalho e Mello veio algum benefício à colônia brazileira como dos revulsivos aconselhados pela sciencia medica resulta allivio ao corpo enfermo. Foi da lucta aberta com as classes privilegiadas do afan em decorrar velhos preconceitos que se oppunham aos planos do seu governo, que talvez por distantes do centro das perturbações, logo depois da sua nomeação a secretario d”estado, nos coubem bem quinhão nos actos generosos da sua inflexível vontade.2” O Marquês de Pombal teve adeptos e contendores. Ao traçar o panorama econômico da época sobre o problema do ensino assinalou ter Sebastião de Carvalho arrancado das mãos da Companhia o ensino, criando escolas por entender pernicioso o que era então adotado “ensino primário gratuito posto ao alcance das classes menos favorecidas e em geral de todas as outras, veio a providência de ar à agricultura maior desenvolvimento promovendo a prosperidade do comércio até ahi em completa estagnação.” A “privilegiada” Companhia de Pernambuco e Parahyba, “com vinte anos de duração esperando pela atração de

capitais e da introducção de escravos africanos de que Ella tinha o monopólio aumentando o numero dos engenhos e o comercio”. Mais adiante, assinala Maximiano Machado: “A agricultura e o commercio da Parahyba desenvolveram-se mais, e o ensino independente do espírito fanático deu liberdade à marcha do progresso social. Sebastião de Carvalho foi um producto da evolução dos tempos, que surgiu nas primeiras investidas da liberdade nascente para soffrear o despotismo secular destinado a assignalar na sucessão delles uma época notável na história do seu paiz.” No plano das Idéias, não parece impalpável constatar que somente após a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, premida pela invasão ibérica e acostada pelo poderio naval britânico, a Imprensa Régia veio a florescer com a sua difusão oficial. A liberdade de expressão sitiava-se em conjecturas ou desfeitas, agravos e punição. Como registra o Professor Paulo Bonavides [p. 40]: “Precisava-se de sepultar nos espíritos a Idade Média, o corporativismo, a feudalidade e seus privilégios, o absolutismo do rei e sua contradição com a liberdade moderna. Diluía-se o organicismo social de outros tempos nas vasas antíteses que haveriam de emprestar feição mecanicista à sociedade e reduzir o corpo social a uma poeira de átomos, refletida nos exageros da teoria individualista. As idéias da Reforma e da Renascença, reinterpretando a antigüidade clássica em desacordo com Aristóteles e Platão, fará fundar no direito natural laicizado as bases políticas do Estado liberal-democrático, alcançavam agora sua projeção indisputável sobre a consciência política de todo um século. Lançadas estavam, pois, no terreno econômico,político, social e filosófico as bases da grande renovação. Essa produziria com o trauma revolucionário de 1789, quando ascende ao poder o terceiro Estado, a burguesia, constituída depois que o comércio e a indústria, no século das conquista e navegações, entraram a romper o acanhado espaço da corporação medieval, de estreitíssimas relações de produção, para ganhar os mares, assinalando, por esse modo, a passagem da economia urbana para a economia nacional, com todos os efeitos da universalização de mercados e dilatação crescente dos interesses econômicos.”

In: “História da Província da Parahyba”, edição póstuma e considerada uma das pioneiras. Falecido em 1895, veio a ser publicada na Parahyba em 1912, subsidiada e a partir de manuscritos e trechos incompletos, com Prefácio de João de Lyra Tavares.

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Porém, tais idéias eram precariamente postas no final do percurso da Colônia ao Império. Pouco se sabe com exatidão sobre a difusão dos princípios democráticos no Brasil no final do Século XVIII. Os historiadores assinalam sobre tais divulgações a partir da Independência dos Estados Unidos da América e da Constituição Francesa. Mesmo assim malgrado a censura parece óbvio que os homens “ilustrados” de Portugal e do Brasil não tivessem acesso ao pensamento circulante. A mencionar referência às obras e pensamento de Raynal3. O quadro censório é descrito assim por Maximiano Machado: “No Porto e na Figueira fazia- se além disso, contrabando de livros. D. Vicente de Souza Coutinho participava de Paris que um tal Jacques Borel mandara imprimir doze mil exemplares da constituição francesa, traduzida em português, e outros doze mil da folhinha do Père-Gerard, publicação revolucionária. Em janeiro de 1793 o governo mandou prender a Francisco Coelho da Silva por ser autor de umas obras manuscritas que espalhava por meio de cópias,intituladas: Censura a constituição francesa. Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Noticia curiosa, chegada de fresco que eu faço gosto de participar ao pública, antes que saiba dela o Correio da Europa. No ano seguinte foram presos e expulsos do reino José Dubiè acusado de vender livros sediciosos, assim como Augusto Carsenak, Pedro Gard e muitos outros que se tinham por empregados realistas, mas que não passavam de republicanos. O governo tomava enérgicas providencias afim de que não fosse introduzidos no reino e na colônia livros que contivessem as doutrinas subversivas dos franceses. O intendente de polícia, desembargador Diogo Ignacio de Pina Munique, notável pela sua grande atividade e zelo no desempenho de varias comissões de que fora encarregado, por em pratica tudo quanto lhe sugeria o pensamento afim de obstar a introdução de livros sediciosos e a propagação de novas doutrinas. Apesar de tudo,porém, não conseguiu chegar onde desejava, antes pelo

contrario os livros aparecerem em grande escala por meios astuciosos que os encarregados da medida proibitiva nem sempre podiam prever, tão grande é a força natural da expansão das idéias. E assim foram difundido-se por toda parte com exaltação de animo dos liberais de ambos os países. Além dos livros, o Club Social, filiados aos jacobinos expedia emissários seus a Pernambuco, como o fazia para todas as nações afim de divulgarem as novas idéias tornarem os povos simpáticos a causa da França, contra a qual os reis se mostravam mais enfurecidos. O doutor Manuel de Arruda Câmara, ilustre sábio brasileiro, natural do sertão da Parahyba, apenas chegado da Europa à Pernambuco, partiu para Pedras de Fogo, e sobre a linha divisória das duas capitanias fundou o Areópago de Itambé, ao que se filiaram o capitão Andre Dias de Figueiredo, os padres Antonio Felix Velho Cardoso, José Pereira Tinoco, Antonio d’Albuquerque Montenegro e outras pessoas importantes das duas capitanias. O Areópago doutrinava o povo, engrandecia e fortifica as convicções da emancipação da pátria contra os interesses do despotismo. O governo de Portugal inquieto com o que se passava na Europa, não cessava de recomendar aos governadores toda a vigilância sobre os estrangeiros na difusão da nos idéias e a maior solicitude pela manutenção da ordem e obediência dos povos às instituições políticas únicas que podiam fazer a sua felicidade. Em virtude dessas recomendações o governador da Parahyba fez seguir para Pedras de Fogo uma força militar com ordem de prender a todos que divulgassem as novas doutrinas e dissolver os ajuntamentos. Os conferentes, informados dessas disposições de depois de lançarem a semente em terreno fecundo, onde deveria medrar, traíram-se para Goyana e afinal seguiram para o Recife a aí estabeleceram academias ou clubs secretos nos quais instruíam os adeptos nas teorias do governo republicano. Grande numero de pessoas principais, comerciantes militares e sacerdotes faziam parte desses clubs, as quais por sua vez transmitiam a estranhos

o que ali ouviam a respeito das modernas instituições......” Na obra de Maximiano Machado e Irineu Pinto, em Datas e Notas para a História da Parahyba, encontram-se valiosos registros sobre as atividades sociais e econômicas não só da Capitania bem como da Província, sua anexação e posterior desanexação de Pernambuco, além dos movimentos libertários. A refluência de idéias e os tônus nacionalistas que ocorreram na Região. Tais notas que traço, à guisa de memorando, foram suscitadas no decurso da assistência da Palestra que levou o título do livro mencionado. Não é demais lembrar a existência das idéias constitucionais de 1817 e 1824, seus mártires e suas contribuições para a construção do constitucionalismo brasileiro, quando o Estado Social permitiu a formatação da idéia “formal” de Constituição para desaguar na concepção atualíssima de Estado Social, que suplantou a noção de Estado Liberal daqueles tempos intuídos por “ditosos antepassados”. As idéias aqui intercaladas sobre as raízes de nosso constitucionalismo, tais como neste aceno, podem ser melhor aprofundadas consultando-se: História constitucional do Brasil. Paulo Bonavides e Paes de Andrade. Publicado por Paz e Terra, 1989. Teoria do Estado. Paulo Bonavides. Forense, 1980. 325 páginas. Textos políticos da história do Brasil. Paulo Bonavides e Roberto Attila Amaral Vieira. Publicado por Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1973 4. Quanto ao perfil do Marquês de Pombal à luz dos clássicos portugueses e Rui Barbosa ver Reflexões: política e direito, de Paulo Bonavides. Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1973. 366 páginas. Na percuciente análise sobreleva a nota do eminente constitucionalista pontuando o valor Liberdade acima de todos os outros. Estas digressões são apenas um memorando à guisa de “paper” relativo à participação no evento. g

Ver: Histoire philosophique et politique des établissements & du commerce dês Européens dans les deux Indies. Publicado por Chez Jean-Edme Dufour & Philippe Roux, 1777. A Letter Addressed to Abbe Raynal, on the Affairs of North America: In which the Mistakes in the Abbe’s Account of the Revolution of America, are Corrected and Cleared Up. Por Thomas Paine. Publicado por Printed by W. T. Sherwin, 1817. 4 Ver, também, entre outras obras que subsidiam a compreensão do período histórico do final do período colonial à Independência e as lutas intestinas, movimentos nativistas e a revolução das idéias: Policia secreta dos ultimos tempos do reinado do senhor d. João VI e sua continuação até dezembro de 1826. Por João Candido Baptista de Gouvêa. Publicado por Imprensa de C.A. da Silva Carvalho, 1835. Os martires pernambucanos: victimas da liberdade nas duas revoluções ensaiadas em 1710 e 1817. Por Joaquim Dias Martins. Publicado por Lemos e Silva, 1853. A revolução de 1817 no Ceará & outros estudos. Por Carlos Studart. Publicado por Tip. Minerva, 1961. Frei Miguelinho (uma pagina da revolução de 1817). Por Francisco das Chagas Souza Pinto. Publicado por F. Briguiet, 1928. Libertação do Brasil do jugo lusitano: o asilo dos Braganças. Por Annibal Gama. Publicado por Gráfica Laemmert, 1946. Les revolutions, 1770-1799. Por Jacques Léon Godechot. Publicado por Presses Universitaires de France, 1963. O Brazil heroico em 1817 [i.e. mil oitocentos e dezessete]. Por Alípio Bandeira. Publicado por Imprensa Nacional, 1918. 329 páginas.Pernambuco de outr’óra: a Confederação do Equador. Por Ulysses de Carvalho Soares Brandão. Publicado por Officinas graphicas da Repartição de publicações officiaes, 1924. O conde dos Arcos e a revolução de 1817. Por Sebastião Pagano. Publicado por Companhia Editora Nacional, 1938. Frei Miguelinho: ou Aspectos políticos e moraes do tempo de d. João VI. Por Teofilo Leal. Publicado por Pap. americana, 1931. 211 páginas. 3

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COLABORADORES A. J. Pereira da Silva (In Memoriam) – 9, 11, 32 Abelardo Jurema Filho – 5, 11 Adalberto Paranhos - 34 Adalberto Targino – 25 Adelmar Tavares - 32 Adylla Rocha Rabello – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Afonso Arinos (In Memoriam) – 12 Afonso Arinos de Melo Franco (In Memoriam) - 30 Ailton Elisiário – 25, 29, 30, 35 Alceu Amoroso Lima (In Memoriam) – 15 Alcides Carneiro (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 32 Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Aldo Di Cillo Pagotto (D.) – 8 Aldo Lopes Dinucci – 9 Alessandra Torres – 9 Alexandre de Luna Freire – 1 Aline Passos - 21 Aluísio de Azevedo (In Memoriam) – 13 Aníbal Freire (In Memoriam) - 24 Álvaro Cardoso Gomes – 5 Américo Falcão (In Memoriam) – 9 Ana Isabel Sousa Leão Andrade – 15 André Agra Gomes de Lira – 1 André Lucena - 32 Andrès Von Dessauer – 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 24, 25,26, 27, 29, 30, 32, 33 Ângela Bezerra de Castro – 1, 11, 25, 29, 32, 36 Ângela Cassia Costaldello - 32 Ângela Maria Rubel Fanini – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Anna Maria Lyra e César – 6 Anníbal Bonavides (In Memoriam) – 8 Anton Tchecov (In Memoriam) - 30 Antônio Mariano de Lima – 4 Antônio Parreiras (In Memoriam) - 28 Ariano Suassuna (In Memoriam) – 14 Arthur Vivacqua Correa Mayer - 35 Assis Chateaubriand (In Memoriam) – 12 Astênio César Fernandes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 8 Augusto dos Anjos (In Memoriam) – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Aurélio de Lyra Tavares (In Memoriam) – 13 Austregésilo de Atahyde (In Memoriam) – 23 Auxiliadora Borba - 33 Bartyra Soares - 29 Berilo Ramos Borba – 3 Bertholdo Sátyro e Sousa - 34 Boaz Vasconcelos Lopes – 7 Camila Frésca – 5 Carlos Alberto de Azevedo– 4, 6, 11 Carlos Alberto Jales – 2, 12, 14, 16, 23, 25 Carlos Bezerra de Lima Júnior, 36 Carlos Lacerda (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Carlos Meira Trigueiro – 2, 5, 35 Carlos Pessoa de Aquino – 5 Celso Furtado - 16 Coriolano de Medeiros (In Memoriam) – 27 Chico Pereira - 16 Chico Viana – 1, 2, 4, 6, – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 10, 13, 14, 22, 24, 33 Ciro José Tavares – 1, 23 Cláudia Luna - 28 Cláudio José Lopes Rodrigues – 5, 6, 27 Cláudio Pedrosa Nunes – 7 Cleanto Gomes Pereira - 33 Cristiano Ramos – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Cristovam Buarque – 10 Damião Ramos Cavalcanti – 1, 11 Deusdedit de Vasconcelos Leitão - 24 Diego José Fernandes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Diógenes da Cunha Lima – 6 Durval Ferreira – 7 Eça de Queiroz (In Memoriam) – 14 Eilzo Nogueira Matos – 1, 4, 7, 13 Eliane de Alcântara Teixeira - 6 Eliane Dutra Fernandes – 8, 14 Eliete de Queiroz Gurjão - 28 Elizabeth Marinheiro – 12 Emmanoel Rocha Carvalho – 12 Érico Dutra Sátiro Fernandes - 1, 9, 27 Erika Derquiane Cavalcante - 24 Ernani Sátyro (In Memoriam) –EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 15, 16, 31, 35, 36 Esdras Gueiros (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Eudes Rocha - 3 Evaldo Gonçalves de Queiroz - EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 8, 31, 34 Evandro da Nóbrega- 2, 4, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 15, 21, 31 Everaldo Dantas da Nóbrega – 13 Everardo Luna (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Ezequiel Abásolo - 8 Fábio Franzini – 7 Fábio Túlio Filgueiras Nogueira - 30 Fabrício Santos da Costa – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Felizardo de Moura Jansen - 29 Fernando Gomes (D.) (In Memoriam) - 25 Firmino Ayres Leite (In Memoriam) - 4 Flamarion Tavares Leite – 8 Flávio Sátiro Fernandes – 1, 2, 4, 6, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 21, 22, 23, 26, 28, 31, 33, 34 Flávio Tavares – 3 Francisco Bley - 32 Francisco de Assis Cunha Metri (Chicão de Bodocongó) - 2 Francisco Gil Messias – 2, 5, 14, 34 Gerardo Rabello – 11 Gustavo Rabay Guerra – 27 Giovanna Meire Polarini – 7 Glória das Neves Dutra Escarião – 2 Gonzaga Rodrigues – 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 11, 31, 33, 34 Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins – 4, 8 Hamilton Nogueira (In Memoriam) – EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Hélio Jaguaribe - 33 Hélio Zenaide – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Hildeberto Barbosa Filho – 11, EE José Lins do Rego/Novembro/2015, 31 Humberto Fonseca de Lucena - 23 Humberto Melo – 16 Ida Maria Steinmuller – 24, 32, 33, 36 Igor Halter Andrade – 30 Inês Virgínia Prado Soares - 23 Iranilson Buriti de Oliveira – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Itapuan Botto Targino – 3

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Ivan Bichara Sobreira - 31 Ivan Colangelo Salomão - 34 João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (In Memoriam) – 4 João Cabral de Melo Neto (In Memoriam) – 27, 29 João Lelis de Luna Freire - 30 Joaquim de Assis Ferreira (Con.) (In Memoriam) – 6 Joaquim do Amor Divino Caneca (In Memoriam) - 28 Joaquim Osterne Carneiro – 2, 4, 7, 9, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 11, 14, 25, 32, 33 Jonathan França Ribeiro – 30 José Américo de Almeida (In Memoriam) – 3, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 15 José Honório Rodrigues (In Memoriam) - 28 José Jackson Carneiro de Carvalho – 1 José Leite Guerra – 6 José Lins do Rego (In Memoriam) – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 José Loureiro Lopes – 16, 21 José Mário da Silva Branco – 11, 13 José Nunes – 16, 25, 36 José Octávio de Arruda Melo – 1, 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 9, 13, 15, 21, 24, 25, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 36 José Romero Araújo Cardoso – 2, 3, 10, 11 José Romildo de Sousa – 16 José Sarney – 15 Josemir Camilo de Melo – 11, 28 Josinaldo Gomes da Silva – 5, 10 Juarez Farias – 5 Juca Pontes – 7, 11, 27 Krishnamurti Goes dos Anjos – 29 Ivan Lins – 27 Linaldo Guedes – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Lourdinha Luna – EE/Pedro Moreno Gondim/2014, 7, 13, 15, 29 Lucas Santos Jatobá – 14 Luiz Augusto da Franca Crispim (In Memoriam) – 13 Luiz Fernandes da Silva - 6 Leandro Gomes de Barros, 36 Machado de Assis (In Memoriam) – 9 Manoel Batista de Medeiros – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Manuel Henrique da Silva (In Memoriam) – 36 Manuel José de Lima (Caixa Dágua) (In Memoriam) – 13 Marcelo Conrado – 30 Marcelo Deda (In Memoriam) – 4 Márcia de Albuquerque Alves - 23 Márcio Ferreira de Sousa - 35 Marcílio Toscano Franca Filho - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 23 Marcos Cavalcanti de Albuquerque – 1 Marcus Vilaça - 25 Margarida Cantarelli - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Maria das Neves Alcântara de Pontes – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Maria do Socorro Silva de Aragão – 3, 10, 15 Maria José Teixeira Lopes Gomes – 5, 8 Maria Olívia Garcia R. Arruda – EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Mariane Bigio - 28 Marinalva Freire da Silva – 3, 9 Mário Glauco Di Lascio – 2 Mário Tourinho – 13, 34 Martha Mª Falcão de Carvalho e M. Santana - 22 Martinho Moreira Franco – 11, 35 Matheus de Medeiros Lacerda - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Mercedes Cavalcanti (Pepita) – 4 Milton Marques Júnior – 4, 33 Moema de Mello e Silva Soares – 3 Né Marinho, v. Manuel Henrique da Silva Neide Medeiros Santos – 3, 6, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, EE/José Lins do Rego/ Novembro/2015, 15, 23, 27, 32 Nelson Coelho – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Neno Rabello – 11 Neroaldo Pontes de Azevedo – 2 Octacílio Nóbrega de Queiroz (In Memoriam) - 6, 15 Octávio de Sá Leitão (Sênior) (In Memoriam) - 23 Octávio de Sá Leitão Filho (In Memoriam) – 16 Osvaldo Meira Trigueiro – 2, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 25, 27, 30, 32 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo (In Memoriam) – EE/Epitácio da Silva Pessoa/ Maio/2015 Otaviana Maroja Jalles - 14 Otávio Sitônio Pinto – 7 Patrícia Sobral de Sousa - 21 Paulo Bonavides – 1, 4, 5, 9, 10, EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015, 12, 14, 15, 16, 22,23, 25, 27 Pedro Moreno Gondim (In Memoriam) – EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014 Peregrino Júnior (In Memoriam) - 22 Raimundo Nonato Batista (In Memoriam) – 3 Raúl Gustavo Ferreyra – 5 Raul de Goes (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Raul Machado (In Memoriam) – 4 Regina Célia Gonçalves – 22 Regina Lyra - 24 Renan Pires Maia - 35, 36 Renato César Carneiro – 3, 6, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014,7,9 Ricardo Vieira Coutinho – 31 Ricardo Rabinovich Berkmann – 5 Roberto Rabello – 11 Ronald de Queiroz Fernandes (In Memoriam) – 21 Ronaldo Cunha Lima (In Memoriam) – 35 Rossini Correa - 35 Rostand Medeiros – 12 Ruy de Vasconcelos Leitão – 16 Samuel Duarte (In Memoriam) – 21 Sebastião Aires de Queiroz - 33 Sérgio de Castro Pinto – 22 Serioja R. C. Mariano – 28 Severino Alves de Sousa – 28 Severino Ramalho Leite – 4, EE/Pedro Moreno Gondim/Maio/2014, 13, 15, 16, 29 Simões Lopes Neto – 36 Socorro de Fátima Patrício Vilar – 10 Thanya Maria Pires Brandão – 4 Thiago Andrade Macedo – 30 Tiago Eloy Zaidan – 11, 13, 21, 23, 29 Thomas Bruno Oliveira – 34 Túlio Velho Barreto – 36 Vamireh Chacon – 28 Vanderley de Brito – 32, Vanessa Lopes Ribeiro – EE/José Lins do Rego/Novembro/2015 Verucci Domingos de Almeida – 5, EE/Augusto dos Anjos/Novembro/2014 Vicente de Carvalho – 16 Violeta Formiga (In Memoriam) – 21 Virgínius da Gama e Melo (In Memoriam) - EE/Epitácio Pessoa/Maio/2015 Waldir dos Santos Lima – EE/Pedro Moreno Gondim/Novembro/2014 Walter Galvão – 3, 9, 15 Wandecy Medeiros – 30 William Costa – 33 Wills Leal – 2, 7


DEZ FRASES QUE... NÃO SÃO DE EFEITO... MAS QUE PODEM TER EFEITO... “O SILÊNCIO RESPONDE ATÉ MESMO O QUE NÃO FOI PERGUNTADO”.

“É MAIS FÁCIL ENSINAR DO QUE EDUCAR, POIS, PARA ENSINAR VOCÊ SÓ PRECISA SABER, ENQUANTO PARA EDUCAR, VOCÊ PRECISA SER”.

ACEITE O CONSELHO DOS OUTROS MAS NUNCA DESISTA DE SUA PRÓPRIA OPINIÃO. WILLIAM SHAKESPEARE

AME A PESSOA QUE O VIU, QUANDO NINGUÉM O VIA.

NÃO PONHA LIMITES EM SEUS SONHOS. PONHA FÉ.

VÁ O MAIS LONGE QUE PUDER, MAS NUNCA SE ESQUEÇA DE ONDE VEIO.

O ÓDIO QUE VOCÊ SENTE NÃO ATINGE NINGUÉM, SENÃO VOCÊ MESMO.

EU TE DEI R$10,00. ELE TE DEU R$20,00. VOCÊ PENSOU QUE ELE FOSSE MELHOR, POR TE TER DADO MAIS. MAS ELE TINHA R$500,00 E EU SÓ TINHA R$10,00.

NÃO ADIANTA QUERER CULPAR O VENTO PELA DESORDEM FEITA, SE FOI VOCÊ QUE DEIXOU A JANELA ABERTA.

“JÁ CHOREI ATÉ PEGAR NO SONO, MAS TAMBÉM JÁ FUI DORMIR TÃO FELIZ AO PONTO DE NEM CONSEGUIR FECHAR OS OLHOS”. CLARICE LISPECTOR

ISSN: 2357-8335

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CONTRA- CAPA (corel x8)

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