Matéria sobre crianças separadas de pais que entram ilegalmente nos EUA

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - QUARTA-FEIRA, 18 DE JULHO DE 2018

6 | Cidade IMPASSE NOS EUA

OAB quer liberdade para crianças separadas Por não poder atuar em outros países, que contêm leis diferentes, a OAB diz questionar o possível sobre a problemática. “Nossos advogados não têm a possibilidade de ingresso na justiçaamericana,entãoquestionamos o governo daqui, pois ele é quemtemalegitimidadeprocessual para contestar nos EUA e defender as crianças, enviando um advogado habilitado para lá, masoqueseobservaéumaomissão do Ministério para tratar o caso”, destaca o conselheiro.

Para a OAB, o Estado tem a obrigação de trazer de volta as crianças, independente de questões jurídicas Sem família, amigos ou alguém quefale sualíngua.Énesta situação que 40 crianças brasileiras, todas maiores de 5 anos, se encontram atualmente, ao viverem em abrigos nos Estados Unidos, após terem sido separadas dos pais que tentaram entrar ilegalmente no país. O número é do Ministério das Relações Exteriores. “Um papelão para o poder público brasileiro”, resume o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OABCE), Ricardo Bacelar. O Estado tem a obrigação de trazer de volta as crianças, independente das questões jurídicas que envolvam seus pais, de acordo com o conselheiro. “O Ministério tem esse dever, de defender seus cidadãos que estejam tendo problemas em outro país. O mais adequado é exigir a guarda imediata de volta. Os pais podemter cometido crimes, mas elas não. Essas crianças estão sendo desacompanhadas e o Estado brasileiro tem total responsabilidade por isso”, enumera.

Acompanhamento O governo brasileiro, em contrapartida, frisou acompanhar de pertooscasosdosmenoresbrasileiros em abrigos americanos.

Segundo o Itamaraty, os consulados do Brasil nos EUA reforçaram as medidas que vêm sendo adotadas para a proteção consular aos menores FOTO: REUTERS

“Trata-se de uma prática cruel e emclaradissonância cominstrumentos internacionais de proteção aos direitos da criança. Estamos muito empenhados em ver encaminhada a curto prazo a reunificação dessas famílias”, disse o Itamaraty em nota. A OAB está agindo, em diversos estados, pela resolução da situação. O escritório de advocacia Paulo Lins e Silva requereu,

junto ao Itamaraty, a imediata junção dos menores às famílias. “Ao que parece, os EUA perderam o controle da localização dos menores separados dos pais”, citou o escritório. “A OAB é uma das poucas entidades que chama a atenção para isso, mas, infelizmente, nós não podemos lidar com a falência do Ministério em suas ações”, frisou Ricardo Bacelar.

Medidas SegundooItamaraty,osconsulados do Brasil nos EUA reforçaram as medidas que vêm sendo adotadas nos últimos anos para aproteçãoconsularaosmenores de nacionalidade brasileira, que incluem o mapeamento de todos os abrigos ao redor do país para a identificação de novos casos; orientação a responsáveis deaçõesquepodemserimpetradas com vistas à recuperação da guarda; realização de esclarecimento sobre os riscos da travessia pela fronteira, em especial commenoresdeidade,ecoordenação de informações com os consulados dos países emissores de emigrantes. O Ministério das Relações Exteriores assegurou ainda haver intensificação do monitoramento e da assistência aos menores, comvisitasregulares.Oministro Aloysio Nunes Ferreira visitou, emjunho,doisabrigosemChicago, onde conversou com cada

uma das crianças sob custódia. Ele julgou satisfatória a assistência que os menores recebem naqueles abrigos. “Mas ninguém sabe o que de fato acontece ali”, garante Ricardo Bacelar. “Há relatos de que essas crianças são enjauladas, dormem em péssimas condições, choram o tempo todo. São procedimentos que vão marcálas psicologicamente para o resto de suas vidas”, desenvolve.

Na pele K., de 7 anos, é a prova viva dessasmarcas. Desde o dia29 de maio está em um abrigo com outras 11 crianças em Nova Iorque. É o único brasileiro e todos os dias pede à mãe, por telefone, que ela possa fazer o sofrimento cessar. Os pais, mineiros, pegaram emprestado cerca de R$ 40 mil,fora R$ 10mil que consegui-

ISOLADAS

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crianças brasileiras, todas maiores de cinco anos, se encontram em abrigos nos Estados Unidos, após terem sido separadas de seus pais

ram com a venda do carro e de imóveis. Apostaram tudo no sonho da vida americana. O marido foi primeiro com um dos dois filhos do casal a cruzar a fronteira com o México. Até hoje não retornou: foi detido e separado de K. dois dias depois. “É muito complicado, pois a única vez que fiquei longe dele, que é meu primeiro filho, foi quando fui ter o segundo. Hoje, ninguém aqui dorme direito. Até o menorzinho chora ao per-

guntar por K., quer ver o irmão. Eu não entendo a demora em trazer meu filho de volta”, desabafa a mãe. O marido assinou o termodedeportação. Oconsulado ligou para Nadielle algumas vezes, mas desde o último dia 3 não retorna. A família segue tentando se reintegrar, mesmo com a falta de pedaços essenciais.

Criminalmente A lei americana estabelece que todoadultoqueforpegoatravessando a fronteira do país de maneira ilegal deve responder criminalmente. Se capturado, é levado a um centro federal de detenção de imigrantes até que se apresente a um juiz. Na teoria, nada se fala em relação à separação dos menores. Na prática isso éinevitável, pois elasnãopodem ser mantidas nesses centros. Quando separadas, as crianças são designadas pelos EUA como “imigrantes desacompanhadas” e levadas a abrigos supervisionados pelo próprio governo, sem saber para onde seus pais foram. “O fenômeno das famílias que chegam juntas à fronteirados EUA com o México data apenas dos últimos anos, e não foi significativo nas administraçõesdeBush oude Obama”,avaliaodiretordoprogramade política imigratória dos EUA, Doris Meissner, em entrevista ao G1. A nova política é advinda do que o presidente atual, Donald Trump,chamade“tolerânciazero” aos imigrantes. Democratas e republicanos têm em Trump umalvoparaseverascríticascontra os procedimentos. O presidente assinou, no dia 21 de junho, uma ordem às agências do governo para reunir as famílias separadas. Segundo ele, o problema é um reflexo das leis democratas.AOrganizaçãodasNações Unidas (ONU) denunciou uma “violação grave dos direitos da criança” e pediu pelo seu fim. (Colaborou João Duarte).

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