Ocupação de locais públicos no Centro da cidade

Page 1

10 | Cidade

DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 4 E 5 DE NOVEMBRO DE 2017

NOVO CENÁRIO

C Ações

espontâneas incentivadas pelo poder público têm atraído um público cativo ao Centro FOTO: FERNANDA SIEBRA

Ocupação em praças e bares do Centro da Cidade é realidade A história dos equipamentos do Centro é de marginalização, mas o cenário vem mudando Quando o sol se põe, leva consigo uma parte da vitalidade do Centro da cidade de Fortaleza. A nucleação comercial em torno desuas ruas faz com quea região não seja tão expressiva no que tange à habitação. É automático: as lojas fecham as portas e as pessoas se vão. E então o local, que já foi referência em movimentação cultural, sobretudo na‘BelleÉpoque’(segundametade do século XIX), vira miudeza. Geralmenteatéàs18h,milhares de pés caminham por entre as ruas Liberato Barroso, Senador Pompeu ou Duque de Caxias. O cenário muda ao anoitecer, problema fortalecido pela sensação de insegurança que já virou uma característica do lugar. No entanto, na contramão dessa histórica desvalorização, há indivíduos e movimentos resistindo e insistindo em levar luz ao ambiente. Para a secretária executiva da Cultura de Fortaleza (SecultFor), Paola Braga, tratam-se de ações espontâneas incentivadas pelo órgão. “Os jovens têm se reunido muito por lá, inclusive noperíodocarnavalesco.Eaprefeituraincentivaessa idaaoCentro com teatro, dança, audiovisual… O projeto é fazer com que o Centro, bem como outros locais, por exemplo a Praia de Iracema, respirem cultura”, reflete.

Leões Tombada como patrimônio histórico pelo Estado em 1991, a Praça General Tibúrcio (Praça dos Leões) abriga estátuas, vasosimportados de Parise, principalmente, gente. O ‘Bar Lions’ é, sob a luz da lua, o ‘boom’ dessa movimentação. “Nosso interesse é revitalizar essa praça, que esteve muito abandonada. Viemos trabalhando, cedendo o espaço do bar com facilidade, pra ver se isso melhora”, destaca o proprietário do Lions há 18 anos, Eufrasio Paulino da Silva. Para a esposa, Maria de Fátima Porto, que também trabalha no bar, ao longo dessas duas décadas, a situação melhorou. “Aqui não temos graves problemas. O público é ótimo, jovem, e vêmtambémmuitosgayselésbi-

cas, que ficam à vontade, sem descriminação. O importante pra nós é que todo mundo se divirta sem pagar”. O bar passou por alguns momentos de tensão no ano passado. Em setembro de 2016, uma festa acabou com furtos e duas pessoas detidas. Hoje, conta comtrêssegurançasqueresguardam o local e são pagos pela própria gerência do bar. “Por tamanho abandono, sempre tem uns infortúnios que chegam. Pra não ter confusão e proteger os frequentadores, achamos melhor assim”, complementa Maria de Fátima. Naquelaépoca,o‘Lions’certamente renascia. E deve agradecer a um fato inusitado. A estudanteAliceDoteorganizoua festa de seu aniversário no bar e teve mais que uma surpresa: milhares de pessoas compareceram ao evento. “Eu não tinha esse propósito, mas creio que a festa acabou fazendo parte de um movimento de ocupação bem maior, consciente ou não, na cidade. Algo relacionado a estar na rua e dela não abdicar”, relata a estudante. Em 2015, o bar foi sede da últimaediçãodo“ManiFestaFestival das Artes”, que desde 2010 leva arte a diversos espaços de Fortaleza. O evento é bienal e deveria ter ocorrido em 2017, porém, como explica um dos organizadores do evento, Rodrigo de Oliveira, a situação financeira impediu o episódio. “O atual Governo Federal dificultou muitoanossacaptaçãoderecurso. O que conseguimos não é suficiente nem mesmo para fazer o mínimo”, desabafa. O “ManiFesta” já contou com a presença de 16 mil pessoas em umaúnicanoite.Naúltima realização, dividiu as atrações, todas locais, entre as praças dos Leões e do Ferreira. “A praça é o lugar que muita gente acha que não é de ninguém, mas que é de todo mundo.Muitasvezesinterpretada de “não lugar”, na verdade virou o lugar. E de encontro, que passou a ser tão importante quanto a programação em si”, frisou Rodrigo.

Ainda pulsando Contrariando o caminho de abandono, o Bar Raimundo dos Queijos também faz o pulso do Centro da cidade ainda bater. Desde1978,apassagemdeturistas,sejaembuscadecervejagelada ou de um dos melhores quei-

Eufrasio Paulino da Silva, proprietário do bar, e Maria de Fátima Porto, esposa e que também trabalha no local, recepcionam as centenas de jovens que enfeitam o estabelecimento em eventos FOTO: KLEBER A. GONÇALVES

O bar “Raimundo dos Queijos” resiste no local desde 1978. A simplicidade oferecida no trabalho faz com que seja difícil frequentar o local apenas uma vez FOTO: KID JUNIOR

Desde a publicação do Diário Oficial do Município, de 6 de março desde ano, a Praça dos Leões virou Polo Cultural de Fortaleza josdacidade, égarantidanaTravessa Crato, entre as Ruas Conde D'Eu e General Bezerril. A simplicidade e a qualidade do serviço fazem a diferença para o proprietário Raimundo Oli-

veira Araújo. “Aqui todos são amigos. Eles fazem questão de convidar outros amigos e fazer umapublicidadegratuitadonosso trabalho”, destaca ele, que completou 82 anos de vida no mês de agosto. A aposentada Maria Gurgel Meneses sempre que pode marca presença no local. Ela conta que a integração das pessoas e clima boêmio, deixa ainda mais atrativa a experiência. “Temos medoaoandarnoCentro.Necessitamos de mais estabelecimentos como, para reviver um local tão importante”, aponta. Adriano Araújo, filho de Raimundo,

considera o pai como um ícone de Fortaleza. “Muita gente tem carinho por ele. Sua honestidade e garra são de tirar o chapéu. Ele trabalha de domingo a domingo e sem reclamar, mesmo com a idade. Até no Natal e Ano Novo ele está aqui”. Ele ajuda o pai no negócio, que está prestes a completar 4 décadas. São, em média 300 kg de queijo por dia, cada um custando R$ 24. Há tambémdoces,cachaças,pimenta e comidas regionais. O bar já foi motivo de visitas de vários famosos, como Angélica, Falcão e o arquiteto Fausto Nilo. O sucesso é tão grande que

criou uma filial. O tempo deu umamelhoradanosequipamentos localizados no Centro.

Viva Glícia Gadelha tem uma empresa de cultura e passou a visitar o local, com olhos mais atentos, em 2015. “Era tudo muito sujo. Os moradores de rua dormiam na Praça do Ferreira e usavam a dos Leões como banheiro”, relembra. Ela, enquanto sociedade civil, pressionou outros movimentos e o Poder Público. Teve início o “Viva o Centro”. “Na verdade o nome já existia, de uma tentativa de ação há uns 4 anos, que não vingou. Resolvemos usar novamente e, com apoio de assessoria do Estado, revivemos o local aos fins de semana”, explica. Cinemas, museus e centros de arte toparam incluir os sábados em suas programações. A primeira tarefa foi a limpeza do espaço. Sabão e vassouras prenunciaram: a Praça dos Leões sorriu novamente. A realidade financeira é uma pedra no caminho do projeto, há seis meses parado. Glícia Gadelha conta que quem empurra a ação, o faz “sem nenhum tostão”. “Há apoio institucional, de imprensa, bem bacana. Mas não temos muito recurso nunca. Já inscrevemos projetos e não conseguimoscaptarnenhumdinheiro. Quando conseguimos é uma ajuda tímida. Esse zero a zero atrapalha bastante”, revela. O sonho dela agora é realizar uma nova edição do “Viva o Centro” em janeiro de 2018. “Dar outra visão ao centro é nossa missão. É muito bacana ver pessoassaindodesuascasaseprestigiando esse lugar”. Polo O Diário Oficial do Município (DOM) instituiu, em 6 de março desde ano: A Praça dos Leões virou Polo Cultural. A ação abrange a Travessa Morada Nova, o Museu do Ceará, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e o prédio do antigo Hotel Brasil. “Serão ainda mais eventos nos arredores. Claro, sempre se respeitando o caráter de tombamentodaPraça”,garanteasecretária executiva Paola Braga. O ator Michell Barros aprovouanovidade. “Quem frequenta o Centro à noite ainda carrega uma ideia de marginalizado. Muitos eventos que ocorrem por lá não são divulgados para a maioria da população. Também não existe uma preocupação em relaçãoàsegurançaeàorganização”, enfatiza. “O Centro tem o que é preciso para a juventude. Mas com o tempo foi perdendo espaço para espaços privados, como bares e casas de show. A retomada dessesespaçospúblicosénecessária para quem quer se divertir com liberdade e respeito”, completa Michell Barros.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.