Reportagem especial sobre a Descriminalização do Aborto

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEGUNDA-FEIRA, 13 DE AGOSTO DE 2018

Descriminalização do Aborto: de quem é a palavra final? Pessoas e instituições da Sociedade Civil, Religião, Ciência e Justiça opinam sobre Audiência Pública no STF que discute descriminalizar o aborto no Brasil. O futuro da questão depende da lei, da Medicina ou das próprias mães? A pílula pequena e difícil de engolirnãotrazconsigonenhuma certeza. O cenário pode ser de sucesso ou complicação; circunstância ou escolha; vida ou morte. Agulhas, remédios e chásdenunciam:oabortoéconsiderado crime no Brasil mas, nem por isso, irreal. Durante os dias 3 e 6 deste mês, 53 pessoas físicas e instituições discutiram a descriminalização da prática no Brasil, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF),ondecadaumargumentou, em 20 minutos, sobre o futuro de milhões de ventres. SegundooMinistériodaSaúde (MS), entre 983,7 mil e 1,1 milhão de abortos foram realizados por ano, de 2008 a 2017 por mulheres de 10 a 49 anos. Os números oficiais são menores,vistoque,poraindaserconsiderado crime, muitas mulheres se submetem ao procedimento de forma clandestina e, assim, não viram estatísticas. O MS estima também que pelo menos duas mil mulheres tenham perdido a vida nos últimos dois anos, em decorrência de um aborto malsucedido. Este é um exemplo de morte materna,aquela ondeumagestante vai a óbito devido complicações. O Sistema Único de Saúde (SUS) realizou, em 2017, 1.636 abortos legais (quando a gravidez decorreu de estupro, ofereceu risco de vida à mãe ou gerou fetos anencéfalos).

O QUE ELES PENSAM

Posições antagônicas sobre o tema

“Um bebêcom 12semanas não éum aglomeradodecélulasnem umajunção de sangue, como dizem os próabortistas. Já é um ser com vida, já tem carga genética. Se a lei garante a legalidade em três casos, que continue. Mas o que não queremos é que avance. E acreditamos que descriminalizaréum passoparalegalizar” FABIANOFARIAS Coordenadorda ONG Movimentoem Favor daVida (Movida)

“Quando eu digo que sou a favor da descriminalizaçãopodeserinterpretado que eu sou a favor do aborto e isso faz com que os profissionais e professores tenham medo de abordar isso. Não é ser a favor ou não. Ninguém é. Nem quem faz o aborto. Ninguém quer tirar a vida de ninguém,a gentenão quer émorrer”

Atualmente, a pena para quem pratica o aborto no Brasil varia de 1 a 3 anos, e de 3 a 10 no caso de o acusado ser médico Em 2016, foram registradas 172.750 curetagens (procedimentofeitoàmulherapósalguma complicação, como hemorragia ou infecção por resíduos do tecido morto), com o custo de R$ 37,2 milhões ao Estado. Nosúltimos10anos,o SUSgastou cerca de R$ 500 milhões somente nestes tratamentos. A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa) garante que quatro hospitais no Estado prestam assistência a mulheres que estejam em um dos três grupos que realizam o aborto legalmente. Em 2017, o Ceará teve 28 registros. “A Sesa está desenvolvendo um plano de ação estratégica para ampliação do serviço especializado emsaúdenoatendimentoavítimas de violência doméstica e sexual”, destacou em nota. Para a professora de ginecologia e obstetrícia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Zenilda Bruno, trata-se de uma questão de saúde pública. “O aborto sem o acompanhamento de um profissional de saúde traz problemas, até mesmo a morte. O que eu defendo é que haja a descriminalização, porque na hora que não for considerado crime, as mulheres vão procurar um serviço de saúde adequado”, opina. “Uma pílula anticoncepcional custa de R$ 10 a R$ 20. Os medicamentos de complicações custam, em média, R$ 200 por ampola. Aconteceuma inversão total da questão dos gastos, do que deve ser prioridade. Ou seja, a criminalização favorece gastos maiores”, revela Zenilda. Atualmente, a pena para o aborto no Brasil varia de 1 a 3 anos, e de 3 a 10 no caso do médico. A Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus), confirmou que ne-

ZENILDABRUNO ProfessoradeGinecologia e Obstetríciada UFCe diretora médica daMeac

nhuma mulher está reclusa no SistemaPenitenciáriocearense por aborto. “Realmente existem poucas pessoas detidas. O que se nota é que muitas vezes os casos não são sequer descobertos, bem como parece que há complacência de parte da sociedade com o aborto a despeito de ser considerado crime”, explica o advogado criminalista e professor de Direito PenaldaUniversidadedeFortaleza (Unifor), Márcio Vitor Meyer de Albuquerque.

Equilíbrio Para a audiência pública no STF, 502 inscrições foram recebidas pelo Tribunal. Os escolhidos demonstram parcialidade, de acordo com o coordenador do Movimento em Favor da Vida (Movida), Fabiano Farias. “Não houve um equilíbrio. Além disso julgamos que o ato foi inconstitucional pois o STF não tem o poder de legislar. Essa foi uma estratégia próabortista”, destaca. Para o advogado Márcio Vitor, a saída não seria apenas a criminalização, já que ela se mostra ineficaz, mas a educação, bem como o amparo social principalmentenocasodefamílias mais humildes. O Estado e a sociedade devem amparar aquelas mães que não têm condição financeira de ter o filho e

FIQUE POR DENTRO

A legalização no mundo Segundo um levantamento do Center for Reproductive Rights, ONG baseada nos EUA que trabalha para influenciar a formulação de políticas públicas próaborto, em todo o mundo, a prática é legalizada em 63 países, dentre eles a Itália, um dos lugares mais religiosos do mundo, e os Estados Unidos, onde as leis são aplicadas por cada estado. A última nação a fazer parte do grupo é a Irlanda, que em referendo realizado em maio, aprovou a legalização. O aborto é amplamente permitido em outras 13 nações, onde as leis, na prática, funcionam de maneira semelhante aos que legalizaram a prática sem restrições. São nações que permitem o aborto caso a mulher argumente que não tem condições econômicas ou sociais para ter um filho Barbados, Belize, Chipre, Fiji, Fin-

não autorizar o aborto por razões econômicas”, defende. A responsabilidade do Estado também é reivindicada pelo Fórum Cearense de Mulheres. “Não defendemos somente a

lândia, Grã-Bretanha, Hong Kong, Índia, Islândia, Japão, São Vicente e Granadinas, Taiwan e Zâmbia. Na contramão, 124 países proíbem a interrupção da gravidez totalmente ou com poucas exceções. Dentre os locais em que a prática é legal, as regras variam quanto ao tempo da gestação. A maioria estipula o mesmo tempo máximo que está sendo proposto para o Brasil: 12 semanas de gestação. Em Singapura, o aborto é permitido em até 24 semanas. O senado da Argentina rejeitou, no último dia 9 de agosto, o projeto de lei que legalizaria o aborto no país, mas a pauta sobre o aborto deve voltar ao Congresso da nação vizinha ainda neste mês. Toda a tendência das discussões podem influenciar as decisões no Brasil.

descriminalização,masalegalização, pois com ela, a mulher realmente teria autonomia sobre seus corpos, em procedimentos seguros e assistidos pelo Governo”, argumenta Diana

Maia, ativista do Fórum. “Ninguém vai ser obrigada a abortar, com a descriminalização. É apenas que a mulher vai ter esse direito. As mulheres não são assassinas. Nós é que paramosno cemitério. Chega de um discurso machista e patriarcal dentro de um tema que não é simples”. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) diz ser em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vidahumana,desdeasuaconcepção até a morte natural, condenando, assim, todas as iniciativas de legalização do aborto.

Alanisdescobriude surpresa a gravidez em quatro semanas. As cinco posteriores foram em busca de remédios que a auxiliassem na interrupção. O mais comum, o cytotec, é indicado para úlcera no estômago e vendido sob receita em farmácias. A jovem não encontrou com facilidade, apenas achando os comprimidos, por R$ 550, com uma conhecida que, ao comprarparasiprópria,haviadesistidodetomar.Engoliuas5pílulas sob a sombra da clandestinidade, vendo seu corpo virar depósitodedor eparecer nãoconseguir expulsar todo o sangue que desejava. Alanispassouporumaraspagem. Foi maltratada por médicas e enfermeiras. Conta que somente em abraços de outras mulheres achou acolhimento. “Depois de conversar com outrasmeninas,descobriqueconvivia com muitas mulheres que fizeram isso. Foi melhor saber que não estava sozinha”. A 12ª semana de gestação é o máximo de tempo ideal, de acordo com a professora Zenilda Bruno, para a descriminalização.Alanis revela que não faria o procedimento após esse período. O feto de 12 semanas tem 8 centímetros e com braços, mãos e unhas bem definidas. “Já é vida”, segundo o Movimento em Favor daVida (Movida). “Agente não vai parar de lutar para dar essa resposta às mulheres, em defesas de suas próprias vidas”, complementaDianaMaia.(Colaborou João Duarte).

Inesperado “Os profissionais têm medo de abordar este assunto e acabam por julgar a paciente. Tem sim que mostrar os riscos reais mas a escolha é apenas dela”, pontuaa professora ZenildaBruno, que também é diretora médica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), onde trabalha há 30 anos na prevenção da gravidez em adolescentes. O índice de mulheres que se submetem ao aborto, segundo ela, é mais alto em jovens. Alanis (nome fictício) tinha 19 + diariodonordeste.com.br anos quando interrompeu sua primeira gestação, que veio, de Conteúdo surpresa, acompanhada da de- Leiaaversão maisampliadasobre o assuntono saprovação e da falta de apoio DiáriodoNordeste on line,nolinkabaixo: da família e do namorado. http://bit.ly/descri-aborto


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