Caderno do Agronegócio 2/2016

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Agronegócio

PRODUZIDO POR

Caderno do

SAFRA DA UVA

Redução do IPI do vinho atenua colheita frustrada da fruta Pág. 8

FABIO SCREMIN/ APPA / FOTOS PÚBLICAS

SÃO PAULO, 29 DE FEVEREIRO DE 2016

De carona com o campo Com um saldo positivo de US$ 75,15 bi, agronegócio alavanca o superávit da balança comercial brasileira

Este material é produzido pelo Núcleo de Projetos Especiais de Publicidade do Estadão


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PALAVRA DA FAESP

Tributando o desenvolvimento

O Brasil passa por um momento de grande dificuldade, com o enfraquecimento da atividade econômica e deterioração dos principais indicadores macroeconômicos. O PIB deve encolher 4% em 2015, a produção e o comércio reduziram em proporção ainda maior, o desemprego aumentou e é da ordem de 9%, as contas públicas estão deficitárias e a inflação ultrapassou 10% ao ano. Por enquanto, não se observam razões para prever um 2016 melhor que 2015, pois as incertezas políticas e a temerária gestão do poder executivo, que nutrem a crise econômica, continuam atuando sobre a economia real. O agronegócio sentiu os reflexos deste quadro recessivo, mas em menor grau devido à relevante participação das exportações na composição da renda setorial. O câmbio contribuiu para estimular as exportações, mas a queda da demanda interna, a elevação dos custos e a escassez de crédito frearam o campo. As exportações do setor passaram de US$ 96,7 para US$ 88,2 bilhões, redução de US$ 8,5 bilhões. Mesmo assim, o agronegócio gerou superávit de US$ 75 bilhões, contribuindo para equilibrar a balança comercial brasileira. Provavelmente, as estatísticas consolidadas do PIB de 2015 mostrarão que a agropecuária foi o único setor que apresentou resultados positivos. O agronegócio é uma das portas de saída da crise atual, em função de seu potencial de crescimento.

Se destravassem algumas amarras e fomentassem sua expansão, isso aumentaria a produção, a geração de empregos, as divisas e a arrecadação de impostos, contribuindo para o equilíbrio fiscal e a retomada do crescimento do País. Entretanto, a visão arrecadatória de curto prazo dos políticos leva na direção da taxação da produção e dos investimentos. Ao invés de apostar no que pode crescer, a decisão é elevar as alíquotas de tributos, impactando o nível de produção, de investimentos e de arrecadação fiscal. Basta cruzar a fronteira para constatar o empobrecimento do setor agropecuário argentino advindo da política fiscal adotada pelo governo de Cristina Kirchner que taxou as exportações do setor. O Brasil precisa de uma série de reformas em áreas que limitam a atividade econômica e a própria gestão pública. A questão fiscal é estrutural e paliativos só postergam as possibilidades de retomada do crescimento. Se os gastos públicos não forem controlados, a dinâmica da dívida pública continuará insustentável. Nesse contexto, são preocupantes as iniciativas de governos estaduais que visam onerar com ICMS as exportações, a despeito da vedação legal à tributação de exportação de produtos básicos instituída pela Lei Kandir. Essa política pode trazer efeitos deletérios sobre a economia agrícola regional e

nacional. Esperamos que essas propostas sejam revistas e que nenhum Estado caia na armadilha de buscar arrecadação em curto prazo, comprometendo o desenvolvimento no médio prazo. O Sistema FAESP/SENAR/Sindicatos Rurais vem ao longo de décadas lutando pela elevação da produção, da qualidade dos alimentos, de maneira que não se pode aceitar políticas enviesadas que subtraiam os avanços conquistados e coloquem em risco o nível de produção e segurança alimentar alcançado, pois isso agravaria a crise atual e teria consequências sociais profundas. É válido lembrar que a agricultura é uma atividade econômica que, além de gerar empregos e renda no interior, se ocupa da nobre tarefa de produzir alimentos para o abastecimento da população de mais de 200 milhões de brasileiros. É preciso fortalecer o setor produtivo rural, que vem se sacrificando para garantir empregos, desenvolvimento no campo, e ainda mantém as atividades dos segmentos que dele dependem, contribuindo para atenuar os efeitos negativos da atual conjuntura econômica. Medidas na direção contrária precisam ser rechaçadas com veemência. Impostos sobre a exportação agropecuária não! Caso contrário, estaremos a caminho de paralisar um dos únicos setores da economia brasileira que ainda vem demonstrando fôlego.

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Fábio de Salles Meirelles Presidente do Sistema FAESP/SENAR-AR/SP

DIVULGAÇÃO

APPA / FOTOS PÚBLICAS

O agronegócio é uma das portas de saída da crise atual, mas precisa de estímulos fiscais para crescer mais Fábio Meirelles


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PECUÁRIA BOVINA

Mercado de boi gordo segue em alta

GUSTAVO MAGNUSSON/ ESTADÃO CONTEÚDO

Abate de matrizes levou à falta de animais de reposição, que deve manter preços da arroba elevados este ano

A oferta de animais reposição, como bezerros e garrotes, deve melhorar apenas em 2017, resultado do menor abate de fêmeas em 2015

A

indústria de carne bovina e o consumidor brasileiro estão sentindo hoje o reflexo de dois anos consecutivos de descarte de fêmeas. Em 2013, a participação de matrizes no abate foi de 43,8%. Em 2014, o índice reduziu ligeiramente para 43,3% e, no ano passado, caiu para 40,8%. “Se essas fêmeas não tivessem sido abatidas em 2014, elas deveriam colocar bezerro no mercado este ano. Além disso, em 2015 houve seca, que comprometeu as pastagens e colaborou para a redução da oferta de animais hoje”, diz a zootecnista Isabella Camargo, consultora de mercado da Scot Consultoria. O grande problema da estiagem é que ela prejudica o pasto, consequentemente o ganho de peso do animal. “Sem uma boa pastagem, a fêmea não consegue ter a gordura necessária e, na estação de monta, não se reproduz”, explica Isabella. Mas para entender a atual falta de animais

de reposição – bezerro (8 a 12 meses), garrote (18 meses) e boi magro (dois anos) – é preciso voltar para 2013, ano do maior abate do atual ciclo pecuário. O abate de fêmeas acompanha o ritmo do mercado: quando o preço da arroba está baixo, os pecuaristas começam a abater mais matrizes para pagar o custo e aumentar a renda. Naquele ano, o preço da arroba do boi gordo oscilou entre R$ 96 e R$ 114, segundo o indicador do Centro de Estu-

16 %

Foi o aumento do preço da carne bovina nos últimos 12 meses FONTE: ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR (IPC-10/FGV)

dos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) – Esalq/USP. Mas o abate de fêmeas diminui a oferta de bezerros nos anos vindouros. A conta funciona assim: uma matriz que tenha ficado prenhe em fevereiro de 2013, contando uma gestação de 290 dias, ela teria tido bezerro no final de novembro, começo de dezembro daquele ano. Este animal só estaria pronto para ser vendido para engorda no final de 2014, início de 2015. Isso explica os atuais preços da arroba do boi gordo na casa de R$ 154 e do bezerro de 7,5 arrobas, que em São Paulo está sendo vendido a R$ 1.500 um animal, segundo a Scot Consultoria. Com a falta de animais de reposição, a tendência é o preço do boi gordo se manter estável em 2016. “Acredito que a arroba vai ficar nestes patamares e que não há força para subir muito mais. O ciclo deve começar a virar só no final de 2016 e a oferta deve

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melhorar em 2017, ano que vai refletir o menor abate de fêmeas em 2015”, diz Isabella. Mas a consultora ressalta que traçar um cenário de longo prazo num cenário de instabilidade econômica é difícil. “Para falar de preço do boi gordo, precisamos falar de consumo de carne bovina, mas o consumidor está comprando menos e nem sempre a indústria consegue repassar o preço da arroba para a carne”, explica. Segundo o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-10/FGV), o boi vivo no pasto subiu 2,28% neste mês. Nos últimos 12 meses, o incremento foi de 3,72%. “Já os preços da carne bovina no IPA-10/FGV caíram 1,54% em fevereiro, mas em 12 meses apresentaram uma alta de 14,29%”, diz André Braz, economista do Ibre/FGV. O aumento registrado pelo gado deve ser repassado para a carne do animal abatido. No Índice de Preços ao Consumidor (IPC-10/FGV), os preços subiram em média 1,11% em fevereiro. Nos últimos 12 meses, o consumidor paga uma carne bovina 16% mais cara e este aumento tem levado muitos a optar por outras fontes de proteína mais baratas. Como o Brasil é exportador, uma alternativa é vender esta carne para fora, aproveitando a desvalorização do real, a abertura de novos mercados compradores – EUA, China, Irã e Arábia Saudita – e o momento atual, em que Austrália e EUA estão com dificuldade de suprir a demanda internacional do produto. As vendas para o exterior podem ajudar a equilibrar a balança, mas não para todos. “Apenas 15% da nossa produção é exportada. Não são todos os frigoríficos habilitados para exportar, então o consumo interno é muito importante”, diz a consultora. SEMÁFORO AMARELO O momento é de cautela para os criadores que trabalham na terminação do boi. “A gente diz a eles para fazer as contas, ter tudo em planilha. Ele pode comprar um bezerro caro hoje e não ter um retorno lá na frente. Ele precisa ter o controle do custo, para saber se deve ou não comprar”, finaliza a zootecnista.


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CAPA

Campo alavanca a balança comercial brasileira

LUIZ HENRIQUE MAGNANTE / DIVULGAÇÃO EMBRAPA

Setor teve um superávit de US$ 75,15 bi; remessas do complexo soja foram o destaque da pauta de exportação do País

Mesmo com uma redução de 24, 2 % no preço médio, as exportações brasileiras de soja em grãos somaram 54,3 milhões de toneladas em 2015, maior quantidade embarcada até hoje

A

história mais uma vez se repete. Em um ano de vacas magras para a economia brasileira, como foi 2015, o desempenho do campo contribuiu para o superávit de US$ 19,7 bilhões da balança comercial brasileira. O setor fechou o ano com exportações de US$ 88,2 bilhões e importações que somaram US$ 13,1 bilhões, o que resultou em um saldo positivo de US$ 75,15 bilhões. Não foi o melhor resultado do agronegócio, as exportações em dólar declinaram 8,8% na comparação com o ciclo anterior, mas considerando a conjuntura econômica brasileira de inflação elevada, retração do PIB e taxas de juros crescentes, os números do campo são bastante positivos. Em volume exportado, salvo poucas exceções, o Brasil aumentou a participação no mercado internacional. “As commodities agrícolas se

beneficiaram da desvalorização agressiva do real, que aumentou a competitividade destes produtos no mercado internacional. O preço em dólar caiu, mas em real, o setor acabou se equilibrando”, diz Paulo Molinari, analista da Safras & Mercados. O cenário de queda no valor das exportações é fruto da baixa no preço médio das commodities. “As cotações em dólar atingiram os patamares mais baixos dos últimos cinco anos. A média do ano passado foi abaixo de 2014 para praticamente todas commodities, mas em real o resultado foi positivo, o câmbio literalmente foi a salvação da lavoura”, explica Antônio Carlos Costa, gerente do Departamento de Agronegócio (Deagro) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O complexo soja foi o carro-chefe das exportações. As remessas da oleagi-

“A carne bovina teve a reabertura de mercados importantes, como a China” ANTÔNIO CARLOS DA COSTA, GERENTE DO DEAGRO, DA FIESP

nosa em grão ao exterior somaram US$ 20,9 bilhões, o equivalente a 54,3 milhões de toneladas, a maior quantidade embarcada já registrada até hoje. O incremento do volume foi de 18,9%, já o preço médio caiu 24,2%. A situação se repetiu no farelo de soja. Houve um salto de 8,1% no volume e uma queda de 16,8% no preço médio do farelo embarcado, que totalizou US$ 5,8 bilhões. Do complexo soja, o óleo

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foi o único item que teve um aumento de 2,2% no valor das vendas, em função do incremento de 28% no volume. O segmento registrou exportações na casa de de US$ 1,1 bilhão. O segundo item no ranking das remessas ao exterior foi o açúcar. O Brasil lidera as exportações globais da commodity com uma participação de 46,8%, segundo a consultoria Datagro. Os embarques totalizaram 24 milhões de toneladas, o equivalente a US$ 7,6 bilhões, mas o preço médio da tonelada registrou queda de 18,8%. A carne de frango vem na sequência com vendas de US$ 7 bilhões, uma queda de valor de 10,9% em relação a 2014. Mas um aumento de 5,8% no volume, que saiu de 3,9 milhões de toneladas para 4,2 milhões de toneladas. A carne bovina teve uma tríplice queda


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BALANÇA COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO

2015

13,1

2014

16,6

2013

17,1

2012

5 0,9

16,4

2011

2016

Em bilhões de US$

17,5

Exportação Importação

88,2 96,7 100 95,8 95

FONTE: MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO

em 2015. A receita das exportações em dólar teve uma baixa de 18,9%, fechando o ano com US$ 5,7 bilhões. O volume de vendas declinou 11,9% e o preço médio da tonelada baixou 8%. “A carne bovina sofreu o ano passado porque tem como destino importantes países dependentes

do petróleo, como a Venezuela. A carne, muitas vezes é comprada como item governamental, e estes países tiveram dificuldade de recurso”, diz Costa. Mesmo assim, o saldo em real das remessas ao exterior foi positivo. O segmento plantou no ano passado bases para os próximos anos. “A carne bovina teve a reabertura de mercados importantes, como a China. Mais recentemente a volta do Irã, que já chegou a ser o terceiro mercado para o Brasil em 2010 e agora pode representar uma demanda adicional importante”, diz Costa. Além disso, houve uma ampliação das plantas frigoríficas habilitadas a exportar e os EUA, depois de 15 anos, reabriram suas portas para a carne bovina in natura do Brasil. A commodity que mais cresceu em volume exportado foi o milho. O Brasil saltou de 20,6 milhões de toneladas embarcadas em 2014 para 28,9 milhões de toneladas, uma alta de 40%. O aumento na quantidade compensou a queda de 9% do preço médio da tonelada e o milho fechou o ano com vendas de US$ 4,9 bilhões, um acréscimo de 27,4% em relação ao ciclo anterior. “As tradings embarcam muita soja no primeiro semestre e ficavam

com a infraestrutura logística vazia nos portos no segundo semestre. Com uma safrinha de milho cada vez maior, elas viram a oportunidade de aproveitar esta estrutura e foram agressivas para vender o milho brasileiro no mercado internacional”, explica Molinari. A China continuou como o principal comprador de produtos do agronegócio brasileiro, totalizando US$ 21,3 bilhões em 2015. Embora o valor represente uma redução de 3,6% na comparação com 2014, o País ganhou participação no share das exportações brasileiras, com 24,1% do total. A União Europeia segue em segundo lugar, com US$ 18,3 bilhões. Os EUA vêm na sequência com importações de US$ 6,5 bilhões. Mas ambos reduziram suas compras, 14,9% e 7,6%, respectivamente. DE OLHO NO FUTURO De acordo com o Balanço 2015 – Perspectivas 2016, elaborado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em dezembro do ano passado, o cenário econômico mundial e interno será desafiador para a agropecuária brasileira. O documento aponta para a desaceleração da economia global, sobretudo nos paí-

ses emergentes; para a queda dos preços internacionais das commodities; para o momento difícil da economia brasileira e a necessidade de uma política para trazer a inflação a níveis aceitáveis. “Para o câmbio, a expectativa é de uma nova desvalorização do eeal a partir do momento em que o governo americano subir os juros básicos de sua economia”, diz o balanço. O horizonte é de incertezas, mas os analistas concordam que o câmbio será o grande ingrediente da formação de preço. Até o momento, as notícias de safras recordes de soja no Brasil (previsão de 102,5 milhões de toneladas) e na Argentina (previsão de 57 milhões de toneladas) podem pressionar ainda mais o preço da commodity. “O mercado internacional depende de uma condição econômica melhor ou algum fato novo, como quebra de safra, para dar suporte para uma alta dos preços”, diz Molinari. Segundo Costa, a previsão é de um aumento do volume das exportações do complexo carne (bovina, suína e de aves) e soja. “É muito difícil prever o câmbio, mas dá para dizer que o câmbio vai continuar pressionado e sustentar um bom resultado em real”, finaliza.


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MERCOSUL

Bons horizontes para o trigo na era Macri

JOSEANI MESQUITA ANTUNES / DIVULGAÇÃO EMBRAPA

Presidente argentino isenta as exportações do produto e abre um novo capítulo na relação comercial com o Brasil

Mudanças do governo argentino sugerem maior estabilidade no intercâmbio e melhor qualidade da matéria-prima para o Brasil

O

Brasil não é autossuficiente em trigo, a produção nacional costuma atender em torno de 50% da demanda dos moinhos, que é de 12 milhões de toneladas por ano. A outra metade é importada e a principal procedência é a Argentina. Devido ao livre comércio do Mercosul, atualmente o trigo de los hermanos chega ao Brasil a uma tarifa zero. É uma via de mão dupla: a Argentina é o principal fornecedor do Brasil e o Brasil é o principal cliente da Argentina, com compras que representam 80% das exportações do país vizinho. No entanto, esta relação esteve abalada nos anos do governo de Cristina Kirchner. A ex-presidente taxou a exportação de trigo em 23% e criou o Registro de Operação de Exportação (ROE). “Era basicamente um imposto para criar um represamento interno do trigo para abastecer o mercado doméstico”, diz Sérgio Amaral, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), que representa

as empresas do setor de moagem, responsáveis por 75% do processamento do trigo no Brasil. “Quem exportava dependia do ROE, que era como uma torneira: ora o governo abria um pouco, ora não abria. Isso gerava incerteza sobre o abastecimento para o mercado brasileiro”, acrescenta. Quando a Argentina fechava as portas para as exportações, começam as discussões sobre a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para trazer trigo de outras

“Pudemos perceber a amplitude das mudanças que estão acontecendo na Argentina (...), hoje o objetivo do dirigente é liberalizar” SÉRGIO AMARAL, PRESIDENTE DA ABITRIGO

origens. Algumas vezes, o governo brasileiro, temendo o risco de desabastecimento, zerou a TEC para importações de EUA e Canadá. A artimanha para manter o trigo no mercado interno era uma forma de baixar o preço para que os moinhos argentinos tivessem farinha mais barata. “A alíquota de exportação da farinha era de 13%, o que caracteriza uma forma de subsídio”, diz Amaral. Agora um novo capítulo começa a ser escrito. Em poucas semanas após ter assumido a presidência da Argentina, Maurício Macri isentou os impostos do trigo e o subsídio da farinha e substituiu o ROE – que funcionava como uma barreira para conter as exportações, quando o governo considerasse necessário – pela de declaração juramentada, que é um mecanismo de transição para o livre comércio. “Estas medidas liberalizam a exportação de trigo argentino para o Brasil e eles pretendem passar, em pouco tempo, da declaração juramentada para a licen-

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ça de exportação apenas como registro estatístico”, diz o presidente da Abitrigo. Estas intenções foram reveladas pelo ministro do Agronegócio da Argentina, Ricardo Buryaile, e pelo Secretário do Comércio Exterior, Miguel Braum, em conversas com a caravana da Abitrigo, que esteve no país vizinho na segunda semana de fevereiro. Amaral, Marcelo Vosnika, presidente do Conselho Deliberativo da Abitrigo, e empresários do setor integraram a comitiva brasileira. “Pudemos perceber a amplitude das mudanças que estão acontecendo na Argentina. Enquanto antes a Secretaria do Comércio Exterior era dirigida por uma pessoa que estabelecia barreiras às exportações, hoje o objetivo do dirigente é liberalizar”, diz Amaral. REFLEXOS DO PASSADO Mas o atual governo vai precisar lidar com efeitos da era Kirchner. “Quando a Argentina mantinha aquela política de retenções quem era castigado era o produtor rural argentino. As tradings tinham que empurrar o valor de compra para baixo e ele recebia menos pelo trigo para fechar com um preço compatível com o mercado internacional”, diz Marcelo de Baco, corretor da De Baco Corretora de Mercadorias. A taxação das exportações levou os produtores a privilegiar a produtividade, ao invés da qualidade. “Eles passaram a produzir visando um aumento da quantidade, muitas vezes com restrição ao uso de fertilizantes e sem atenção às sementes, o que trouxe uma redução substancial à qualidade dos trigos da Argentina, que os moinhos brasileiros reclamam”, diz Amaral. Existem vários tipos de trigo, o eleito pelas indústrias do Brasil é o trigo com 12% de proteína. Mas devido à falta de investimentos, ao clima chuvoso e às altas temperaturas, a safra passada do cereal argentino teve queda de proteína. “Hoje tem trigo argentino de 10% de proteína, 10,5%, 11% e as estatísticas apontam que há menos trigo de 12%, o tipo que o Brasil demanda”, diz Baco. O assunto foi tema


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das conversas da Abitrigo com o setor privado argentino, que se comprometeu a envolver os produtores, suas entidades e as bolsas de cereais de Buenos Aires e Córdoba num programa de promoção da qualidade para ajustar o trigo argentino às demandas dos moinhos brasileiros. Neste sentido, decidiu-se pela criação de um grupo técnico composto de brasileiros e argentinos, que se reunirá algumas vezes por ano para averiguar o que los hermanos estão produzindo e o que os moinhos brasileiros gostariam de comprar preferencialmente. Também se discutiu a necessidade de certificação da qualidade. “Precisamos de uniformidade nas remessas de trigo para afastar algumas

23%

era a alíquota do imposto sobre as exportações de trigo cobrada no governo de Cristina Kirchner ocorrências, que tivemos recentemente, como a contaminação por agrotóxicos não permitidos no Brasil ou problemas fitossanitários”, diz Amaral. A burocracia foi outro assunto da pauta, uma vez que é comum atrasar o desembarque do

trigo porque a documentação ainda não chegou. “A ideia é que estes documentos sejam enviados com antecedência”, acrescenta o presidente da Abitrigo. DOIS LADOS Com o novo presidente, os produtores argentinos renovaram o ânimo e a expectativa é de um aumento da produção para 15 milhões de toneladas de trigo nos próximos anos. “Para o nosso agricultor isso é uma sombra, porque a Argentina tem custos de plantação e logísticos inferiores. O risco é na safra 2016/2017 o argentino ter uma agressividade de preço, que compense muito mais importar do que comprar no mercado interno”, diz Baco.

Em linhas gerais, as mudanças promovidas por Maurício Macri em direção ao livre comércio são benéficas e sinalizam para as indústrias moageiras brasileiras um horizonte de maior estabilidade no intercâmbio, maior previsibilidade e melhor qualidade da matéria-prima. Mas especialistas indicam alguns pontos de interrogação. “No passado, a Abitrigo colocou uma resistência muito grande e fundamentada à exportação de farinha argentina porque era subsidiada”, diz Amaral. “Agora com o fim do subsídio, os moinhos nacionais sabem que entramos em uma nova fase, em que vai prevalecer a cooperação sem dúvida, mas também a competição”, afirma.


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VITICULTURA

Intempéries climáticas frustram a safra de uva

EPITACIO PESSOA / ESTADÃO

Inverno quente, geada e granizo acarretam perdas que podem chegar a 60% na comparação com a colheita passada

Setor espera que a redução de IPI do vinho anunciada pelo governo, de 10% para 6%, alivie os impactos das perdas da colheita de 2016

O

clima foi o grande vilão da atual safra de uva, que acabará de ser colhida no final do próximo mês. A previsão do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) é de uma quebra entre 50% e 60% em relação a vindima de 702,9 milhões de quilos de 2015. O inverno não foi frio o suficiente, depois ocorreram geadas fora de época e situações pontuais de granizo. Além disso, no momento em que as parreiras começariam a brotar, o frio fora de época levou a planta a abortar os cachos. “Mesmo com perdas, este ano temos excedente de estoque para atender o mercado interno”, diz o enólogo Leocir Bottega, diretor técnico do Ibravin. No ano passado, foram comercializados 434 milhões de litros de espumantes, vinhos finos, vinhos de mesa e suco de uva. Para este ano, a previsão é de 390 milhões de litros, 10% a menos que o ciclo anterior. No entanto, somando o estoque com a produção deste ano, o volume é suficiente para atender a demanda interna e ainda há uma pequena sobra (vide tabela ao lado). Com a baixa oferta de matéria-prima, os agricultores estão vendendo a uva a um va-

Av. Eng. Caetano Álvares, 55 - 6º andar, São Paulo-SP CEP 02598-900 E-mail comercial gabriela.gaspari@estadao.com

lor superior ao preço mínimo estabelecido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No ano passado, a indústria pagava R$ 1,20 e R$ 1,60 pelo quilo das uvas moscato e cabernet sauvignon, este ano está pagando R$ 2 e R$ 2,20, respectivamente. Mesmo assim, a situação está difícil para o viticultor. “Ele tem uma proposta maior que a da Conab, recupera um pouco, mas não o suficiente para compensar a perda de quantidade. O valor é abaixo do custo de produção”, diz o diretor. As chuvas em excesso e fora de hora e a falta de luminosidade levaram ao apa-

recimento de fungos, que obrigaram os produtores a usar mais agroquímicos que o habitual para não perder a produção. Este fator aumentou os custos. Agora, as lideranças do setor pleiteiam a prorrogação do pagamento do financiamento de custeio. “Como a safra foi frustrada, muitos não terão como cumprir com seus compromissos”, explica Bottega. Outra reivindicação é quanto ao seguro rural. O governo não repassou a subvenção do seguro para muitos viticultores. O atual cenário levou algumas entidades a cogitar a abertura da importação de

ESTOQUES DE VINHOS E SUCO DE UVA

Em milhões de litros

Estoque atual

Previsão de produção em 2016

Previsão de venda em 2016

Estoque final

Vinhos finos e espumantes

56,1

19,6

41,2

34,5

Vinho de mesa e suco

173,3

183

318,7

37,6

Suco concentrado

20,1

17,9

30,7

7,3

FONTE: IBRAVIN

suco de uva e vinhos a granel. “Mas isso está descartado. Os produtos embalados são liberados, mas a lei proíbe embalagens superiores a 5 litros”, diz o diretor. “É uma forma de preservar a produção nacional, dar condições à viticultura brasileira, que tem a característica de ser agricultura familiar, produção em pequena escala. Não temos condição de produzir com custos de países como Argentina e Chile, que plantam em grande escala”, complementa. Só para se ter uma ideia, o Rio Grande do Sul, que concentra 90% da produção de uva nacional, tem 40 mil hectares de videiras e o tamanho médio das propriedades é de 2,5 hectares. FRUTA DIFERENCIADA Mas nem tudo são más notícias. “Pelo fato de as videiras terem produzido menos que o normal, o que se observa é uma qualidade superior nas uvas. Os vinhos e sucos resultantes desta safra serão de extrema qualidade”, diz o diretor do Ibravin. No entanto, os vinhos, sucos e derivados devem ter uma alta este ano não só em função da perda de safra e consequente alta do valor da matéria-prima, mas por conta das mudanças em relação à tributação. Até dezembro do ano passado, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do vinho era cobrado por unidade, independentemente do valor da garrafa. A partir dessa data, passou a ser 10% do valor de venda do produto. “Os vinhos mais baratos não tiveram uma diferença grande, já nos vinhos finos e espumantes o impacto foi pesado”, diz Bottega. Agora a expectativa do setor é pelo decreto presidencial que irá validar o anúncio feito pelo ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, durante a abertura da 31ª Festa da Uva, que aconteceu no dia 18 de fevereiro em Caxias do Sul (RS). Representando a presidente Dilma Rousseff, o político anunciou a redução do IPI do vinho de 10% para 6% em 2016 e para 5%, a partir do próximo ano.

Diretor de Projetos Especiais e Jornalista responsável Ernesto Bernardes - MTB 53.977 SP; Gerente de Conteúdo Bianca Krebs; Diretores de Arte João Guitton e Leandro D’Faustino; Gerente Comercial Gabriela Gaspari; Analista Comercial Jaqueline de Freitas; Gerente de Planejamento Andrea Radovan; Assistente de Planejamento Julia Santos; Coordenadora Digital Carolina Botelho; Coordenadora de Operações e Atendimento Larissa Ventriglia; Colaboradores - Livia Andrade (reportagem); Lilian Rambaldi (revisão); Diego Meneghetti (arte)

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