Dialeto Cearense

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INTRODUÇÃO Uma língua é um código complexo, oral e grafável, elaborado e tacitamente convencionando por um determinado grupo social, ao longo do tempo, de modo que por meio dele os indivíduos possam trocar e compartilhar cerebrações – idéias, sentimentos, impressões, opiniões, experiências, conhecimentos, informações. O idioma relaciona sons vocais e sinais gráficos a objetos, seres e lugares, lhes definindo a substância e lhes atribuindo nomes individuais, bem como identificando com palavras a quantidade, a situação, as propriedades e as qualidades das coisas, assim também as ações da natureza e das pessoas. São, basicamente, os substantivos, os adjetivos e os verbos. Os signos de um idioma e suas regras sofrem alterações no tempo e no espaço, recebem e concedem contribuições vocabulares e gramaticais uns aos outros, sempre evoluindo. Muitas vezes se distinguem e se recompõem em códigos novos. O latim e o grego antigo, por exemplo, compuseram línguas novas, inclusive o português, aqui e ali sofrendo influências do árabe, do sânscrito, do aramaico, do hebraico, das línguas germânicas. Dialetos são variações que um determinado idioma sofre dento de um mesmo país, assim chamados quando atingem tal grau de diferença da língua original que não são compreendidos por quem não seja natural das respectivas províncias ou regiões que os criaram. Acontecem dialetos na Índia, na China e na Rússia, que têm grande extensão territorial, mas também na Alemanha e na Itália, países de menores proporções. No Brasil, a rigor, não existem dialetos. O português, falado em todo o imenso território brasileiro, é um dos exemplos da nossa identidade cultural, que consolida a nação, assim como o cristianismo, o futebol, a cachaça e o carnaval, que são hegemônicos entre nós, em todos os distantes recantos do país. Mas é claro que cada um dos estados do Brasil, ao longo dos seus 500 anos de existência, desenvolveu palavras e expressões de uso próprio, as quais, no caso do Ceará, este trabalho relaciona. 1


DIALETO CEARENSE Reginaldo Vasconcelos

ABAIXO DE DEUS – Rural. A expressão, antecedendo o verbo da frase, serve para enfatizar o fato referido como sendo absoluto e indiscutível. “A pessoa de quem mais gosto, abaixo de Deus, é você”; “A melhor coisa pra gente ruim, abaixo de Deus, é peia”; “Abaixo de Deus, quem mais ajudou foi ele”. ABARCAR – Rural. Envolver: “A corda tem que abarcar a carga toda”. Conseguir envolver: “Uma árvore tão grossa que cinco homens não abarcam”. Abraçar com violência, abufelar. Por extensão, usa-se o termo para qualquer ação incisiva ou violenta: “O carro abarcou no rumo da cidade.”; “O policial segurou o homem, pegou o cassetete e abarcou!”. Nesse sentido tem a mesma acepção de “acunhar”, e pode ter conotação sexual. Usa-se muito a corruptela “abaica!”, interjeição popularmente usada para estimular alguma ação. É como, por exemplo, os passageiros de um veículo autorizariam o motorista a dar partida, ou a aumentar a velocidade. ABASTA – Rural. Basta. É bastante que... . Na expressão “bombasta!”, de espanto ou de contestação, freqüente no sertão, a palavra “basta” permanece na sua forma clássica. ABENÇA(!) – Rural. Antigo. A bênção. Maneira como os filhos e afilhados cumprimentam os pais e os padrinhos no momento do encontro e no momento da partida, geralmente estendendo a mão, simbolicamente, na velha tradição sertaneja. “Deus te abençoe!”, é a resposta clássica. O beija-mão, que fazia parte do rito, caiu em desuso, estando há muito dispensado. Usa-se também a corruptela “bença!”. ABESTADO – Uso geral e freqüente. Bobo, tolo. Carinhosamente, aquele que está desatento, que não percebe, não se adverte, não aproveita de alguma vantagem em seu favor, que não presta atenção: 2


“Deixa eu falar, abestado”. Usa-se também a forma “besta”, com o mesmo sentido, com discreta variação semântica: “Aproveita, besta, que hoje é dia de festa!”. As formas “abestalhado” e “abestaiado” são mais agressivas, prestando-se ao uso pejorativo da expressão. Veja o verbete “Besta”. ABIROBADO – Urbano. Antigo. Uso raro. Doido. Tonto. Confuso. ABORTADO – Urbano. Gíria quase em desuso. Sortudo. Veja o verbete “Cagado”. ABRIR – Uso geral. Ligar, no sentido de acionar aparelhos elétricos ou eletrônicos. Acender, no sentido de fazer luz, acionando o interruptor da lâmpada elétrica. Ligar a televisão = Abrir a televisão; Acender a luz = Abrir a luz. ABRIR DOS PAUS – Urbano. Desistir da briga. Amarelar. Gelar. Afrouxar. ABRIR-SE – Suburbano. Rir-se. Usa-se muito na expressão exclamativa “...eu me abro!”, com a qual se encerra uma narrativa jocosa, geralmente fazendo gozação sobre alguém. Não guarda, nesse caso, nenhuma relação com o uso figurado clássico de confidenciar, “abrindo o coração”. ABUFELAR – Urbano. Antigo. Agarrar física e intimamente. ABUSADO – Uso geral. Grosseiro. Irritadiço. Exigente. Indelicado. Há uma tendência de usar o termo de forma elogiosa, na gíria, para designar alguém que se impõe e sobressai pela ousadia. ABUSAR – Rural. Saturar-se de alguma coisa. Criar intolerância, principalmente a algo de comer ou de beber. Nesse mesmo sentido, “enjoar”. Não se usa, popularmente, no sentido clássico de exceder as prerrogativas pessoais, de expandir direitos indevidamente. 3


ABUSO – Uso geral. Indelicadeza verbal. Exigência rude. Imposição grosseira. Não se usa, popularmente, no sentido clássico de excesso das prerrogativas pessoais, de expansão indevida de direitos. ACABADO – Uso geral. Pessoa envelhecida. Depauperado. ACANAIADO – Rural. Acanalhado. Debochado. Irreverente. Diz-se da pessoa que é dada a brincadeiras ruidosas, que goste de promover bagunça, que não leve a vida a sério. ACANHADO – Uso geral. Inibido. Tímido. Encabulado. Diz-se também para referir algum imóvel muito pequeno ou humilde. No Sudeste, aplica-se o termo “vergonha” para significar simples acanhamento, timidez inocente, inibição natural, a retração das crianças e o temor reverencial dos ingênuos diante de estranhos. Nada obstante, entre nós o termo “vergonha” está relacionado, com exclusividade, a pejo moral, a presença ou falta de brios: “Ele é um homem de vergonha, que não se daria a uma atitude dessas!”; “Digalhe que tenho vergonha na cara!”; “Aquele é um desavergonhado!”; “Aquele filho só me envergonha!”; “Eu teria vergonha de fazer uma proposta daquelas!”. Já alguém que temesse falar em público, ou o menino que se recusasse a conversar com um desconhecido, para os cearenses ele estaria acanhado, ou encabulado, e nunca “envergonhado”. ACARALHAR – Uso geral. Gíria. Encher o saco. Importunar. O termo provém da palavra “caralho”. AÇOITAR – Rural. Derivando de seu sentido clássico, o termo “açoitar” é utilizado no sertão para referir alguma coisa que supera outra em qualidade. “Correndo no prado de 400 metros, o meu cavalo açoita qualquer outro”; “Os sapotis do quintal do João são muito doces. Eles açoitam os que são vendidos na feira”.

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ACOLÁ – Uso geral e freqüente. Palavra vernácula, em desuso no resto do país. Lá. Ali. Naquele lugar. Em certo lugar que não se quer especificar por motivo de reserva. A pronúncia mais usual é “aculá”. ACUNHAR – Origem rural. Uso geral. Usa-se o termo para qualquer ação incisiva ou violenta: “O carro acunhou no rumo da cidade.”; “O policial segurou o homem, pegou o cassetete e acunhou!”. Nesse sentido, a mesma acepção de “abarcar” e “arrochar”. A palavra tem origem em “enfiar uma cunha”, e pode ter conotação sexual. AFOBADO – Uso geral e freqüente. Usa-se no sentido de “zangado”, enquanto no resto do país tem a acepção de “apressado”. AFOLOSAR – Uso geral. Tornar foló. Afrouxar em excesso. Arrombar. Lassiar muito. Enlarguecer. Alargar demasiadamente, tornando imprestável. AGARRAR – Rural. Usa-se no sertão o verbo agarrar em amplo sentido figurado, como em “agarrar no sono”, ou como no exemplo seguinte: “O senhor agarra nesta cerca e vai em frente, que não tem errada”. A indicação instrui a seguir a cerca, mantendo-se junto a ela, dobrando onde ela dobrar, para chegar ao lugar desejado. Não há entre os cearenses a forma “garrar”, comum entre os caipiras do Brasil central: “Nós garrou a prosear...”. . AGONIADO (GUM) – Uso geral. Impaciente. Ansioso. Avexado. Azafamado. Apressado. Diz-se também para referir a debilidade mental moderada: “Aquele rapaz é agoniado da cabeça”; “A mulher dele é agoniada do juízo”. AGORINHA – Uso geral. Diminutivo de agora. Há pouquíssimo tempo. Nestante. Veja o verbete “Indagurinha”.

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AIÁGUA – Rural. A água. Essa pronúncia sertaneja trai o acento do português de Portugal, que talvez haja resistido nos rincões interioranos. AÍ DENTRO(!) – Urbano. Moderno. Vulgar. Expressão de desagravo. Usa-se para rebater qualquer impropério, ou para repelir, com bom humor, uma proposta cretina. Carinhosamente, a expressão pode ser complementada com a expressão “macho véi!”. AÍ MENTE(!) – Uso geral. Diz-se quando alguém mente ou se refere a uma mentira de outrem. É uma forma de contestação difusa: “alguém mente por aí!”. AINDA VAI(?!) – Uso geral. A expressão tem o fito de debochar de quem haja obtido mal resultado de alguma conduta sua. Corresponderia a dizer “bem feito!”, na direção de quem foi punido por alguma ousadia. ALEGAR – Uso geral. Lançar em rosto. Cobrar favores, aludindo a dívidas morais antigas. Referir ajuda prestada a alguém no passado, com o objetivo de humilhá-lo, ou para exigir-lhe o resgate da contrapartida. ALOPRADO – Uso geral. Diz-se do homem sexualmente bem dotado. ALPERCATA – Uso geral. Antigo. Alpargata. Designa qualquer sandália. No sertão diz-se “apragata”. Veja o verbete “Apragata”. AMALDIÇOADO – Rural. Pessoa impossível ou endiabrada. Diz-se daquele de hábitos exóticos, ou capaz de tarefa difícil ou de ato ousado. Contraditoriamente, diz-se também daquele que tem sorte excepcional. Veja o verbete “Condenado”.

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AMANCEBADO – Uso geral. Amigado. Junto. Que tem amante. Que vive maritalmente, sem se ter casado. O termo deriva de “mancebo”, homem jovem. AMARELO – Rural. Pessoa de aspecto doentio. Os indígenas e os negros consideravam a pela clara um sinal de pouca saúde e de fraqueza física. Os caboclos de aparência mais européia, ou de morenice pálida, são muitas vezes taxados de “amarelos” por seus desafetos. O pistoleiro Ildefonso Maia Cunha, o Mainha, homem branco, depondo em juízo, alegou contra uma de suas vítimas, entre outras coisas, o fato de esta lhe haver chamado de “amarelo”. O termo pode ser acrescido da palavra “empambado”, de étimo impreciso, talvez de formação arbitrária. Alguém a relaciona com “pomba”, através de “empombado”. AMARELO-QUEIMADO – Uso geral. Cor laranja. Usa-se amarelotorrado em outras regiões do país. AMARRADO – Uso geral. Mau motorista. Barbeiro. Por extensão, alguém que seja pouco habilidoso em alguma tarefa específica. AMARRAR-SE – Gíria antiga. Gostar de alguma coisa. Ter interesse em algo ou alguém. Apreciar. “Eu me amarro naquela mulher!”; “Ele se amarra em corrida de automóveis”; “Você gosta de doce? – Eu me amarro!”. AMIGADO – Uso geral. Amancebado. Junto. Que tem amante. Que vive maritalmente, sem se ter casado. AMOQUECADO – Uso geral. Reunido demais. Excessivamente aglomerado. Usa-se para referir pessoas: “o povo todo amoquecado na praça”. Talvez provenha de “moqueca”, prato da culinária brasileira em que se misturam vários tipos de marisco.

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AMUADO – Uso geral. Empacado como um muar. Aborrecido. Rebelado. Triste. Usa-se também para realçar a idéia de intensidade ou quantidade.“O cara é rico. Tem um dinheiro amuado”. AMUFAMBADO – Urbano. Antigo. Escondido. Clandestino. Enfiado entre coisas. Maliciosamente oculto entre tralhas. AMUNDIÇADO – Rural. Diz-se de coisas, usos ou pessoas de baixo nível social. Deselegante. Deseducado. Anarquista. Esculhambado. A palavra vem de “mundiça”, povinho, gente sem importância ou refinamento, que não merece atenção ou cerimônia. Mundiça é corruptela de imundície. ANDE TONHA(!) – Rural. Chulo. Quase em desuso. O termo enfatiza algum gesto rude, por parte de quem o pratique, e inelutável, por parte de quem o sofra. Tem, em sua origem, conotação sexual. ANTONSE – Rural. Então. A palavra tem origem antiga, remontando ao tempo em que o português tinha maiores conexões com o espanhol. Usam-se também as formas “antão” e “entonse”.. ANTONTE – Rural. Anteontem. Ontonte. Veja o verbete “Ternontonte”. A OITO – Uso geral. Antigo. Em grande velocidade. “O carro foi a oito, para chegar antes de amanhecer”; “O menino passou por aqui a oito, fugindo da polícia”. A expressão, que tem origem na velocidade máxima de oito pontos, imprimida nos bondes elétricos de Fortaleza, desativados na década de 40 do século 20, já caiu em desuso. APARTAR – Rural. Palavra do vernáculo regular, pouco usada no resto do país. Cindir. Separar o gado vacum, por sexo, idade, ou outra condição qualquer – “Fazer a apartação”. Conter pessoas que empreendem luta corporal – “Apartar uma briga”.

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APERREADO – Uso geral. Impaciente. Angustiado. Constrangido. Mal de finanças. Apertado, tanto no sentido financeiro, quando na premência de uma necessidade fisiológica. Toma a conotação de “louco”, na expressão “aperreado da cabeça”. APERREIO – Uso geral. Pressa. Impaciência. Angústia. Vexame. Assédio moral. Instigação. Cobrança. Falta de dinheiro. Aborrecimento e inquietação causados às mães pelas instâncias infantis e pela danação dos filhos maiores. APETRECHADA – Uso geral. Diz-se da coisa ou mulher formosa. Provém de “apetrecho”. APOIS (Ô) – Rural. Pois. Usado principalmente para confirmar enfaticamente uma afirmação do interlocutor: “E apois!”. Corresponde à expressão confirmativa “claro!”. Em algumas regiões, perde o “s” final: “Apoi! APRAGATA – Rural. Antigo. Alpercata. Alpargata. Chinelo. APRAGATADO – Uso geral. Achatado. Esmagado. Provém de “apragata”, alpercata, por analogia a algo muito plano e rasteiro. APRESENTADO – Uso geral. Extrovertido. Desinibido. Saído. Enxerido. Usa-se a expressão para censurar crianças ou criados. ARACA – Uso geral e veterano. Briga. Confusão. Soa como palavra do tupi, mas também guarda relação com o étimo do árabe “áraque”, que designa uma bebida à base de arroz, de elevado teor alcoólico. ARAQUE – Uso geral. Antigo. “De araque”. Falso. Que não é verdadeiro. Por extensão, aquilo que não tem boa qualidade. O mesmo sentido da expressão clássica “de fancaria”. Tem uso corrente em todo o país, com semântica um pouco diversa. Guarda relação com o étimo do árabe “áraque”, que designa uma bebida à base de arroz, de elevado teor alcoólico. 9


ARDO – Rural. Árdego. Diz-se do cavalo lépido, ligeiro, fogoso. ARENGAR – Uso geral. Fazer arenga. Provocar intriga. Debochar. Insultar. Entre as crianças, dizer impropério, chamar por apelido desonroso, chamar para a briga. ARENGUEIRO – Uso geral. Briguento. ARIAR – Rural. Arear. Polir com areia. “Ariado” é qualidade do que esteja limpo e brilhante. As mulheres antigas limpavam suas panelas e utensílios de cozinha esfregando areia, geralmente nas margens dos cursos d’água e das lagoas. O termo também tem uso absolutamente diverso, significando “desorientar”. Nesse caso pode ser corruptela de “marear”, ficar tonto, como ficam os navegantes enjoados: “Eu não conhecia a cidade e por isso fiquei ariado”. Note-se que a palavra “náusea” também tem origem náutica. ARRAIA – Uso geral. Pipa. Papagaio. Pandorga. O formato triangular do brinquedo lembra o do peixe homônimo. Também se diz “raia”. ARRE-ÉGUA(!) – Uso geral e freqüente. Usa-se para exprimir surpresa, ou admiração, às vezes para repelir uma afirmação com a qual não se concorda, dando-se a entonação própria a cada uso. Existem as formas eufêmicas “arre Elza” e “arre ema”. ARREMEDAR – Uso geral. Imitar os modos pessoais de alguém, de maneira debochada. A palavra é clássica, mas pouco conhecida e pouco usada no resto do país. ARRETADO – Urbano. Bom. Agradável. De boa qualidade. Tem o mesmo sentido das gírias “bacana”, da década de 50, e “legal” da década de 60, além de outras que têm surgido no Sudeste, todas de uso nacionalmente disseminado pela televisão, como as recentes “chocante”, “irado”, “maneiro”, “sinistro” e “da hora”, esta última 10


mais característica de São Paulo. A palavra “arretado” irradiou-se da Bahia para o resto do Nordeste, e é também utilizada no Ceará há décadas, embora com menor freqüência que no seu Estado de origem. Em terras alencarinas o termo “arretado” sofre a concorrência de “porreta”, também baiano, igualmente menos usado que na Bahia, e reunindo o sentido qualitativo ao superlativo. Em seu Estado de origem, não no Ceará, “arretado” também significa enfurecido, irado, enraivecido: “Eu fiquei arretado com ele!”. A origem da palavra é o verbo “arreitar”, que tem o sentido clássico de excitar sexualmente, e o uso popular antigo de conduzir um rebanho ou comandar os arreios das bestas de carga ou montaria. ARRIBAR – Rural. Levantar. Erguer. O termo é clássico, mas de uso absoluto em certas regiões sertanejas, onde não se adotam seus sinônimos. Também pode assumir, na gíria de uso geral, o sentido de fugir, ou de ir-se embora. Veja o verbete “assungar”. ARROCHADO – Uso geral. Destemido, em relação ao confronto físico pessoal. Aquele que provoca brigas ou que, uma vez provocado, não se intimida. ARROCHAR – Uso geral e moderno. Empreender algo com energia. Agilizar com vigor. Diligenciar com urgência. Apressar a tarefa. A expressão é antiga na forma “arrochar o passo”, no sentido de apressar-se, e mais moderna no eufemismo popular: fazer sexo. Já “arrochar a sola” é expressão que lembra uma forma de suplício. Usase para referir uma situação aflitiva. ARRODIAR – Uso geral. Contornar. Dar a volta. Desviar. Fazer arrodeio. Passar por trás. Alongar o caminho ou a conversa. Esquivarse. Tergiversar. Tentar mudar de assunto. ARROLAIADO – Urbano. Gíria. Excêntrico. Que tem modos, hábitos e idéias estranhos.

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ARROZ QUEIMANDO – Uso geral. Antigo. Diz-se que alguém está com o arroz queimando, no eufemismo infantil e caseiro, quando o fundilho das calças lhe está preso entre as nádegas. Assim, sempre que o pano de qualquer roupa adentra o traseiro de uma pessoa, que não o percebe, outra sempre cuidará de fazer zombaria, se inamistosa. Se amiga, apressar-se-á em avisá-la, usando sempre a expressão clássica: “O arroz está queimando!”. É absolutamente obscuro o nexo entre a frase e o seu significado indireto. ARRUMAÇÃO – Uso geral. No Ceará, “arrumação” é também uma marmota, uma coisa estranha ou conduta mal explicada, uma traquinagem, uma cavilação, uma mutreta: “Homem, deixe de arrumação!”. A par deste e de outros usos consagrados, no sentido de fazer asseio no imóvel e pôr ordem nos móveis, no de pentear-se, vestir-se, maquiar-se e pôr acessórios para freqüentar algum evento social, ou mesmo no de consertar alguma coisa, este último mais adotado no Sudeste, arrumar deriva de fazer ruma, ou de dar rumo. ARTISTA – Uso geral e antigo. Pessoa astuta. O “mocinho” do cinema. O “rapaz”. O galã. O herói da trama. O protagonista dos filmes de aventuras. O seu par romântico é a “moça”, simplesmente. Os vilões são sempre os bandidos. Os demais são o velho, o padre, os amigos, conforme a sua participação na história. Isso remonta à época dos filmes estrangeiros legendados, quando era impossível ao povinho articular os topônimos franceses ou ingleses dos personagens. ARTISTAGEM – Urbano. Moderno. Malandragem. Cavilação. Simulação. Tentativa de lograr alguém, na presunção de ter maior esperteza. Vem da palavra “artista”, o “mocinho” do cinema, o galã, que sempre obtém êxito e sai ileso. ASSUNGAR – Uso geral. Sungar as calças. Puxar para cima. Entre nós pode ser qualquer manobra enérgica e vigorosa. Usa-se muito para descrever os golpes de uma briga ou as investidas de uma relação sexual. Vem do quimbundo “kussunga”, puxar. 12


ATACADO – Uso geral. Agitado. Furioso. Transtornado. Em surto de loucura. ATÉ O CU FAZER UM BICO – Uso geral. A expressão pertence à gíria recente, fruto do espírito brejeiro da juventude urbana interiorana. Aplica-se aos casos em que se queira frisar a intensidade ou extensão de uma ação praticada ou sofrida por alguém: “O cara bebe até o cu fazer um bico”; “Se mexer comigo, ele vai apanhar até o cu fazer um bico”. ATUBIBADO – Uso geral. Pessoa confusa. Aperreada. Desnorteada. AVALIE(!) – Urbano. Antigo. Exprime surpresa: “Ora, avalie!”. Usa-se mais para transmitir perplexidade ao interlocutor, convidandoo a “avaliar” as conseqüências de uma hipótese levantada: “Avalie se eu tivesse feito aquilo!”. AVEXADO – Rural. Uso freqüente. Tem a exclusiva acepção de “apressado”, enquanto no resto do país teria a conotação de “constrangido”, ou “embaraçado”, submetido a um “vexame”. Fora do Nordeste usa-se com pouca freqüência e sem o “a” inicial: “vexado”. Dá-se distorção semântica semelhante àquela que ocorre com a palavra “afobado”, que no Ceará significa “zangado” e no resto do país tem o sentido de “apressado”. Entre nós adquiriu modernamente a força de gíria urbana, para enfatizar alguma coisa que se tenha feito ou queira fazer de forma imediata e efetiva: “Se ela me quisesse, eu casaria avexado!”. Logo que o produto chegou eu fui comprar avexado!”. Veja o verbete “Vexado”. AVIA(!) – Rural. Antigo. Imperativo do verbo aviar. Comando que se dá no princípio ou no final de uma frase na qual se transmita uma ordem, se ordene uma missão, ou se recomende uma tarefa, para requerer pressa ou ação imediata: “Avia com isso, menino!”. “Vai lá e diz o que aconteceu. Avia!”.

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AZ DE LOUCO – Rural. Corruptela da expressão “ares de louco”. Aspecto de louco. Aspecto de uma pessoa em polvorosa. “O que houve? Você está com az de louco!”. Veja o verbete “Em az”. ASEIA (Ê)– Rural. Antigo. Aselha. Asinha. Especifica exclusivamente a asa de um utensílio, pela qual se o segura ou suspende. A “aseia” do penico, a “aseia” da xícara. BAÉ – Uso geral. Baixinho. Pessoa de pouca estatura física, por comparação com um tipo de suíno, que tem essa característica. O mesmo que Batoré. BÃE DE CUIA – Origem rural. Uso geral. Banho de cuia. Refere-se à maneira antiga de banhar-se, ainda utilizada em algumas regiões do sertão onde não haja água encanada nem chuveiro, usando-se uma lata (ou uma cuia) para retirar a água acumulada em uma tina ou camburão e lançá-la sobre a cabeça. Usa-se no futebol para referir o raro drible realizado por sobre o jogador adversário, chutando-se a bola para o alto, na sua frente, e apanhando-a por trás dele – “chapéu”, em outras regiões do país. BAGÚI – Uso geral. Bagulho. Quer na forma inculta do verbete, mais utilizada pelos ingênuos, quer na sua pronúncia escorreita – bagulho, da qual faz uso o povo letrado, a palavra significa alimentos ligeiros, fast food, a expressão inglesa internacionalmente difundida. Sanduíches, salgadinhos, doces em geral, comida menos hígida e de pouca substância, que os jovens adoram, bem como os glutões de qualquer idade. Os bagulhos se contrapõem à dita “comida de panela” – arroz, feijão, macarrão, farinha, com a chamada “mistura”, representada pela porção de proteínas – ovo, carne, peixe... Verduras não fazem parte do prato de resistência tradicional do cearense, posto que alguns tubérculos podem compor a sua dieta, como a batata doce e a macaxeira, bem como os frutos de algumas leguminosas, como o maxixe e o jerimum. Mas até a início dos anos 60 os cearenses não tinham o hábito de comer saladas cruas ou a dita “salada de maionese”, que durante longo tempo, entre nós, foi considerada 14


comida de festa. No Sudeste têm-se firmado as expressões “besteira”, ou então “bobagem”, no mesmo sentido semântico que no Ceará se atribui a bagúi: “Esse menino está sem apetite porque andou comendo besteira no colégio”, diriam paulistas e cariocas. Veja os verbetes “Merenda” e “Caiduro”. BAITINGA – Uso geral. Corruptela de “baitola”. Entretanto, seu uso é semelhante ao do verbete “baitolinha”. BAITOLA (Ô) – Uso geral e freqüente. Homossexual. Há duas correntes sobre a origem da palavra. Uns dizem que deriva da pronúncia anglicizada da palavra “bitola”, repetida por engenheiro inglês efeminado que teria chefiado as obras da primeira linha de bondes elétricos de Fortaleza, por isso adquirindo a alcunha de “Mr. Baitola”. Outros defendem que o termo seria de origem mais antiga, derivando de “baita”, palavra culta que seria um determinado local das tribos indígenas apropriado a orgias sexuais. A primeira teoria é mais simpática e mais plausível, por isso mais popular, embora menos científica. Existe a forma atenuada “abaitolado”. Não existe a forma “baitolo”, consignada em alguns dicionários por equívoco. BAITOLINHA (Ô) – Uso geral. Forma irônica, carinhosa e juvenil de tratamento entre amigos absolutamente heterossexuais. A expressão vem caindo em desuso pelas mais novas gerações, prolíferas em novas gírias, geralmente importadas do Sudeste do país ou dos EUA. BAIXA DA ÉGUA – Uso geral. Lugar distante. Manda-se virtualmente para a “baixa da égua”, como forma de impropério, alguém ou alguma coisa que esteja importunando. BALADEIRA – Uso geral. Estilingue. Atiradeira. Bodoque. Forma própria de os meninos cearenses referirem o brinquedo composto por uma pequena forquilha de madeira, em forma de “Y”, dois elásticos e um pedaço de couro, usado para lançar pedrinhas, geralmente com o fim de abater pequenos animais, principalmente passarinhos. A 15


baladeira está caindo em desuso no sertão, à medida que cresce a consciência ambiental e decresce a necessidade de caçar para comer. A concorrência dos brinquedos industriais e a redução da fauna silvestre também contribuem para a iminente extinção da baladeira. BALANÇAR – Uso geral. Viajar. Tomar a estrada. Seguir para. Cair na buraqueira. Refere-se certamente às oscilações do veículo em marcha. BALDEAR – Uso geral e freqüente. Bagunçar. Promover anarquia. Armar confusão. Gíria veterana cearense que desvia o sentido clássico do termo, que seria transferir líquidos com uso de um balde, e, por extensão, toldar líquidos. Ainda por extensão, transferir cargas ou passageiros, no jargão náutico. Na acepção de toldar líquidos também é corrente entre os cearenses. BAMBO – Urbano. Uso tradicional. Lance de sorte: palpite foi um bambo”. “Ele ganhou no bambo”.

“Aquele

BANQUEIRO – Uso geral. Aquele que bota banca. Diz-se da pessoa que “se vende” caro. Que não é acessível. Que é pouco disponível, em relação às outras. Por extensão, aquele que faz exigências, que não é prestimoso, que se faz de importante. Veja o verbete “Botar banca”. BARRAÍ – Rural. Esbarre aí. Veja o verbete “Barrainda”. BARRAINDA – Rural. Esbarre ainda. Expressão coloquial utilizada com o mesmo sentido de “espere aí”, com a qual se introduz a imediata contestação de algo que alguém diga ou faça, além do sentido literal de simples pedido de paciência para uma pequena demora. “Barrainda, meu amigo, você está redondamente enganado!”; “Quinta e sexta? Barrainda, você não disse que era no domingo?!”. Ele queria entrar, mas eu disse logo: barrainda, vá em casa e vista o uniforme”; “Barrainda, que eu também vou!”. Há as variações “peraí”, mais citadina, “demore ainda”, “demore aí” e “barraí”, usuais nos sertões mais profundos. Veja o verbete “Perainda”. 16


BARROSO – Uso geral. Ser barroso. Pessoa ou, por extensão, coisa impossível. Uso específico como “não ser barroso”: “Ele vai fazer o que eu mandei, pois ele não é nem barroso!”; “Forçando bem, essa peça tem que se encaixar, pois ela não é barroso não!”. O uso tem origem na família Barroso, fixada na região norte do Estado, que se notabilizou pelo caráter excepcionalmente forte de seus membros. BARRUADA – Uso geral. Abalroamento. Batida de trânsito. Choque físico. Encontrão. BATER DE MÃO – Uso geral. Antigo. Dar de garras. Apanhar algo com a mão de forma súbita ou violenta. Geralmente usado em relação ao gesto de sacar uma arma: “Ele bateu de mão do machado e ameaçou”; “Bati de mão à faca e parti pra cima dele”. Veja o verbete “Dar de garras”. BATER FOFO – Urbano. Falhar. Descumprir compromisso. Faltar com a palavra. Quebrar expectativas. Usa-se também como adjetivo pejorativo, para indicar alguém sem hombridade, e, por extensão, um falso heterossexual: “Aquele cara é bate fofo”. Veja o verbete “Batida fraca”. BATIDA FRACA – Urbano. Diz-se dos modos efeminados que algum homem apresente, a denunciar homossexualidade: “Aquele sujeito tem a batida fraca”. Veja o verbete “Bater fofo”. BATORÉ – Uso geral. Baixinho. Pessoa de pouca estatura física. Termo de origem tupi. O mesmo que Baé. BEM NO ARO – Urbano. Usa-se a expressão para referir alguma atitude que tenha atingido o seu exato objetivo. “Acertei bem no aro!”. BERADEIRO – Origem rural. Uso geral. Sertanejo. Matuto. Por extensão, pessoa novata na cidade, que não tem traquejo social. A 17


expressão deriva de “beirada”, referindo a gente oriunda das beiras dos rios e das estradas. BERÉU – Urbano. Tolo. Bobo. Matuto. BERRO – Uso geral. Revólver. Veja o verbete “Pau-de-fogo”. BESTA – Uso geral. Metido a besta. Convencido. Pretensioso. Reúne ainda o mesmo sentido de “abestado”. No sentido de “tolo”, a palavra também reúne a semântica de “fácil”, “cordato”, “fraco”, ou que se conduz com facilidade: “Essa planta é besta pra pegar. Se enterrar uma semente, em poucos dias ela brota”; “É ruim criar perus, porque os pintos são muito bestas pra morrer. Vingam muito poucos”. BESTAR – Uso geral. Bancar o besta (concordando o artigo com o gênero do sujeito). Andar sem rumo. Perder tempo. Permanecer inútil em algum lugar. Veja o verbete “Eguar”. BICHIM – Origem rural. Uso geral. Corruptela de “bichinho”. Maneira caridosa, ou carinhosa, de se referir a determinados meninos. “Ela tem quatro filhos. Morri de pena dos bichim”; “Quem são esses bichim? São os bichim de dona Joana”. Por extensão, qualquer pessoa de quem se tenha afeto piedoso: “Eu não tinha intenção de lhe aborrecer, meu bichim.”; “Bateram no homem sem necessidade. Coitado do bichim!”. No sertão usa-se a palavra “bichim” para fulanizar alguém cujo nome falte momentaneamente à memória: “Foi lá na casa de seu bichim, pai de Maria Inácia”. “Isso é de... bichim, dono da farmácia, não me lembro do nome dele agora”. Nesse mesmo específico sentido usa-se também a palavra “coisinha”. Trata-se, inclusive diretamente, de “bichim” ou de “coisinha”, alguém de quem não se sabe o nome: “Ei!, Coisinha! Onde fica a Rua das Almas? BICÓ – Rural. Rabicó. Cotó. Suru. Anuro. Animal sem rabo. BIGU – Urbano. Antigo. Carona forçada. Viagem clandestina, antigamente nos bondes, ainda hoje nos trens, sobre caminhões. Às 18


vezes utilizando uma bicicleta, o ciclista, sem pedalar, em alta velocidade, segurando-se com uma das mãos na carroceria de um carro em movimento. Diz-se “pegar bigu”. BILA – Uso geral e freqüente. Cabiçulinha. Bolinha de vidro ou de aço com que jogam os meninos. É brinquedo exclusivamente masculino, que já foi adotado de forma generalizada, estando hoje restrito aos bairros de subúrbio, por falta de espaços urbanos amplos e arenosos adequados ao jogo, como os antigos quintais e as praças públicas, bem como pela concorrência dos brinquedos industriais sofisticados e dos jogos eletrônicos. No resto do país é conhecida como “bola de gude”. A palavra “bila” pode ter derivado de “bilhar”. Por extensão, pode também significar “olho”. “Bila do olho”: globo ocular; “Olho de bila”: olhos azuis ou verdes. Veja o verbete “Bilar”. BILAR – Uso geral. Olhar. Observar. Cubar. Espreitar. Vigiar. Cobiçar com os olhos. Provém da gíria “bila”, olho. BILÉ – Uso geral. Doido. Abestalhado. BILOTO (Ô) – Urbano. Peça pequenina. Tecla, botão ou alavanca pequena. Excrescência discreta. Verruga. Objeto muito miúdo. “Bilotinho”. Veja os verbetes “Birimbelo” e “Pinguelo”. BIQUEIRO – Uso geral. Inapetente crônico. Fastioso. Alguém que, costumeiramente, tem pouca vontade de comer. O termo é nacional, mas muito freqüente no Ceará. Veja o verbete “Fastioso”. BIRIMBELO – Uso geral. Qualquer objeto ou peça pequena de que não se saiba o nome específico. Pingente. Penduricalho. Badulaque. Balangandã. Tecla, botão ou alavanca pequena. Veja os verbetes “Biloto” e “Pinguelo”. BOCA DA NOITE – Rural e veterano. O fim da tarde ou o início da noite, marcados pelo recente pôr-do-sol. Usa-se muito no diminutivo: “À boquinha da noite”. 19


BOCA QUENTE – Urbano. Uso freqüente. Lugar perigoso: “Ali é boca quente!”. Situação de perigo: “Meteu-se em boca quente”. A expressão tem hoje uso generalizado, mas se origina na gíria antiga dos usuários de maconha. BODANÇA – Rural. Bagunça. Confusão. Troça. Putaria. O termo provém da palavra “bode”, referindo-se ao comportamento nupcial dos caprinos, geralmente escandaloso. BODEGA – Uso geral e freqüente. Mercearia. Venda. Quitanda. A palavra sofre hoje a concorrência do neologismo “mercantil” e do termo “mercadinho”, mais moderno e elegante. Bodega é palavra culta, do grego “apothéké” – armazém, depósito. BODEJAR – Uso geral. Falar demasiado, ou de maneira apressada e ininteligível. Reclamar com peroração impertinente, em volume baixo e de maneira monocórdica, à maneira de certa voz dos caprinos. BOGA – Urbano. Uso restrito. O ânus. O termo talvez tenha origem espontânea, já que não está etimologicamente ligado a nenhum outro. Certamente nasceu da necessidade de criar neologismos eufêmicos e de sonoridade burlesca para designar a derrière. BOM-BASTA(!) – Rural. Interjeição com que se repudia determinada afirmação do interlocutor. Tem conotação bemhumorada, ao rebater uma brincadeira, ou de modéstia, quando recusa um agradecimento ou elogio, como no caso da expressão “Imagina!”, muito usada no Sudeste. BOMBOM – Uso geral. Bala de açúcar. Confeito de hortelã ou menta, às vezes com recheio de mel de abelha. Genericamente, todo tipo de guloseima industrial, inclusive de caramelo ou chocolate, em forma de bala ou de pastilha. Em outras regiões do país, o termo “bombom” se refere exclusivamente a bombas de chocolate, como as que recebem a popular marca comercial “Sonho de valsa”. 20


BONDADE – Rural. Em acepção sertaneja especificamente, no contexto próprio, o termo “bondade” assume um sentido transversal. “Bondade”, nessa acepção, é jactância, orgulho, discriminação social de qualquer ordem. Diz-se que não tem bondade aquele que não se considera superior aos outros e não faz distinção de classe, no trato social. BONEQUEIRO – Uso geral e moderno. Quem é vezeiro em “botar boneco”. Beberrão desordeiro. Pessoa exigente e pouco razoável, que se insurge e reclama de tudo, que se revolta e briga por qualquer coisa. Veja o verbete “Botar boneco”. BOTAR – Uso geral. O verbo botar é usado no Ceará em todas as ocasiões em que, em outras regiões do país, usar-se-ia o verbo pôr. Inverte-se esse processo no caso específico dos ovos, que para nós são “postos” pela ave, e para os sudestinos são “botados”. Lá também se diz que as árvores estão “botando” frutos, enquanto no Nordeste usase mais dizer que elas estão “dando” frutos. Gíria. Procurar, perseguir, assediar, “botar atrás” de alguém: “A polícia botou no homem, mas não o alcançou”. Importunar, fiscalizar, exigir, “botar curto” em alguém: “A mulher ciumenta bota curto no marido”. Chulo. Fornicar: “Ele estava botando nela”; “botar atrás”: praticar sexo anal. Prejudicar: “Não faço negócio. Você quer é botar em mim”. Uso rural. Estimular os cães para o ataque: “Ele botou os cachorros no menino”. Estimular o cavalo em perseguição: “Botou o cavalo no boi”. Veja o verbete “Pôr”. BOTAR BANCA – Uso geral. Fazer-se de difícil. “Vender-se” caro. Apresentar dificuldades extraordinárias. Opor exigências. Impor condições exacerbadas. Veja o verbete “Banqueiro”. BOTAR BONECO – Uso geral e moderno. Comportar-se mal. Brigar. Promover anarquia. “Armar barraco”. Fazer imposições inflexíveis, no caso de quem tenha alguma autoridade, bem como reagir, revoltar-se ou protestar de forma enérgica ou violenta: “Se não 21


concordarem comigo eu vou botar o maior boneco”. Beber demais e promover desordem: “Sempre que vai bebe muito, bota boneco”. BOTAR NO MATO – Uso geral. Jogar fora. Jogar no mato. Rebolar fora. Rebolar no mato. Botar fora. A expressão “botar no mato” adquiriu também a acepção específica correspondente a fazer mau negócio, administrar mal um patrimônio, perder bens ou dinheiro de forma perdulária ou dissoluta, por incúria ou desmando. “Ele botou no mato tudo o que tinha”. Corresponde, neste caso, a “botar a perder”. BOTAR QUENTE – Uso geral. Empreender alguma coisa com muita energia e vigor. Ser esforçado ou exigente. BOTAR SENTIDO – Rural. Tomar conta de. Zelar. Vigiar. Prestar atenção a. O sertanejo utiliza o termo no sentido de guarda de qualquer coisa ou objeto, desde que envolva observação visual. Veja o verbete “Pastorar”. BRABO – Uso geral. Xucro. Bravio. Indomado. Bruto. Por extensão, diz-se de pessoa inculta e intimorata, bem como, conforme o contexto, de pessoa raivosa ou enfurecida: “Quando ele disse aquilo eu fiquei brabo com ele!”. É o mesmo uso que se faz de “bravo”, no resto da país, enquanto entre nós se estabeleceu uma diferença semântica entre os dois termos: “Bravo” seria o combatente leal e valente, capaz de gestos de grandeza, coragem e bravura, enquanto “brabo” seria o brigão estouvado, cheio de ira irrefletida, capaz de atrocidades desmedidas e brabezas. Assim, imagine-se o bravo com uma mão na cintura e uma esgrima na outra, e o brabo empunhando um estacote, com a faca peixeira nos dentes, escudando-se com o chapéu. BREADO – Uso geral e veterano. Pessoa ou coisa que se sujou com alguma matéria úmida, oleosa, líquida ou semifluidica, inclusive dejeções. Borrado. Melado. Enlameado. A origem da palavra é “breu”, substância que tinha vários usos no passado, da selagem de documentos à calafetagem de embarcações. 22


BRECHAR – Uso geral. Observar por uma brecha. Olhar pelo buraco da fechadura. Acompanhar visualmente alguma cena, de forma secreta. Divisar o homem os fundilhos femininos, pelo entrepernas, quando ocasionalmente a mulher estiver usando saia e não tiver o necessário cuidado, ao sentar, para evitar que sua intimidade física seja devassada. BRECHEIRO – Uso geral. Voyeur. Aquele que se encontra brechando, ou que tem costume de fazê-lo. Diz-se também dos automóveis cujas portas abrem-se pela frente, articulando as dobradiças na coluna central, no caso das portas dianteiras, ou na coluna posterior, no caso das traseiras, porque isso obriga as mulheres que usem saia a “dar brecha” ao embarcar e desembarcar do veículo, favorecendo a que ocorra uma rápida exposição de sua intimidade física a um observador externo. BRENHA – Uso geral e veterano. Lugar selvagem e distante. “Ele está morando nas brenhas”. Usual na expressão “ganhar as brenhas”, entrar no mato, desaparecer. Usa-se também “ganhar o bredo”, ou “cair no bredo”, ou ainda “ganhar os marmeleiros”, fugir, desaparecer, homiziar-se. Bredo e marmeleiro são arbustos silvestres. BRIBA – Urbano. Osga. Lagartixa branca doméstica. Distorção da palavra “víbora”, bem como do seu sentido original, já que este se refere a um tipo de serpente. BRIBADO – Uso geral. Pouco embriagado. “Melado”, mas ainda não exatamente “chei-dos-pau”. BRUGUELO – Uso geral. Filhote de passarinho. Por extensão, carinhosamente, o filho recém-nascido, criança pequena. É comum figurar como apelido, geralmente dado a pessoas muito feias, como costumam ser as aves ainda não emplumadas.

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BRUTO – Uso geral. Grosseiro. Indelicado. Tem o mesmo sentido semântico particular dado a “ignorante” e “abusado”. No sertão, diz-se também dos animais irracionais: “bicho bruto”. BUFO(!) – Uso geral e veterano. Expressão onomatopaica, para reproduzir uma pancada, um murro, um chute, uma queda, ou, por extensão, para referir um gesto repentino ou muito incisivo: “Todo mês eu ia lá e... bufo!, pagava a prestação.” BUGA – Urbano. Antigo. Coisa banal. Objeto que não desperta interesse e não tem valor por ser muito comum, vulgar e corriqueiro. “Ninguém passa por rico usando um carro tão buga”. “No meu aquário eu tenho alguns peixes muito bugas”. BULIDA – Rural. Antigo. Mulher solteira desvirginada. BULIM – Uso geral. Confeito de polvilho de mandioca, o qual no Ceará se chama “goma”. Deve ser corruptela de “bolinho”. BULIR – Uso geral. Mexer ou tocar em alguma coisa, de forma reprovável: “Não deixe esse menino bulir em nada”. Ferir um assunto delicado: “É melhor a gente não bulir nisso agora”. Molestar alguém moralmente: “Se bulir comigo eu viro uma fera!”. Furtar, por eufemismo: “Dizem que aquele sujeito gosta de bulir nas coisas dos outros”. Rural. Antigo. Iniciar jovem solteira na prática do sexo. Praticar sedução sexual. Deflorar virgem: “Fazer mal a uma moça”. Usava-se até recentemente a expressão “moça bulida”. BULIR-SE – Uso geral. Mobilizar levemente o corpo ou parte dele. “Ele se bole muito enquanto dorme”. “O homem não estava morto, pois ainda se bulia”. “Fique parado; se se bulir, eu atiro!”. “O ônibus estava tão cheio que a gente nem podia se bulir”. BURRINHO – Uso geral e moderno. Medida de cachaça correspondente a 250 ml, sempre vendida numa garrafa de vidro com essa capacidade, aproveitando-se frascos vazios de refrigerante, 24


geralmente para uso de pequenos grupos. Convencionou-se entre os bebedores contumazes e os donos de biroscas a comercialização de “burrinhos de cana”, engarrafados no balcão, tampados precariamente com uma bucha de papel, mais em conta e mais portáteis que o litro inteiro. É comum ver rodas de mendigos ou de farofeiros, com um “burrinho” no centro. CABRA – Origem rural. Uso geral. Membro de um grupo de trabalhadores braçais: “Cabra do eito”. Membro de um bando de cangaceiros: “Os cabras de Lampião”. Em outra acepção paralela e específica, tipo racial mestiço, mais estritamente aquele que une traços caboclos à pele clara, ou tem cabelos ulótricos aloirados: “Ele era do tipo cabra”. Usa-se hoje também, mormente no interior do Estado, para fulanizar um indivíduo, ou referir-se à pessoa de maneira genérica, a exemplo de “sujeito”, “cara”, e, notadamente no Rio de Janeiro, “nego” ou “neguim”, como na frase: “Neguim rala a pampa pra ganhar uma merreca!”. Ou nessa outra: “Nego sabe que tem que estudar para um dia se dar bem na vida”. No Ceará profundo se diria: “Esse cabra é um ótimo profissional”; “Se o cabra não botar quente, ele se lasca!”. Usa-se muito no diminutivo, para enfatizar uma determinada qualidade: “O cabrinha era escroto!”; “Ah cabrinha sem vergonha!”. CABRITO – Uso geral. O termo, no masculino ou no feminino, tem uso unicamente em expressões repreensivas. “Quem aquele cabrito pensa que é?”; “Venha cá, sua cabrita, que eu quero ter uma conversa séria com a senhora!”. A palavra cabrito não qualifica a pessoa como má, mas, a princípio como jovem, e em seguida como insolente, atrevida, transgressora, passível de censura, reprimenda ou castigo. O uso é muito comum entre pais e filhos, ou entre superior hierárquico e subordinado, mormente se houver desnível etário. Note-se que o uso do nome completo – “Raimundo José Pereira!”, e de tratamento formalmente respeitoso – “o senhor, a senhora” – são muito usuais, por parte dos pais, quando repreendem os filhos. É absolutamente equivocada a teledramaturgia sudestina quando usa o termo “cabrita”, 25


ou “cabritinha”, nas novelas situadas no Nordeste, com a conotação de jovem bela e fogosa. CABUETA (Ê) – Uso geral. Delator. Dedo duro. Babão. Aquele que denuncia. É corruptela de “alcagüete”, através de “gagüeta”. Desse termo deriva o verbo “cabuetar”, muito utilizado por crianças e pessoas menos cultas. CAÇAR – Rural. Procurar: “Ele estava caçando os chinelos”. “Vai caçar marido!”. CACHIMBEIRA – Rural. Parteira. CACUNDA – Rural. Corcunda. Usa-se o termo, sempre no feminino – “a cacunda” – para referir à região cervical de qualquer um, mesmo sem a lordose que a palavra original especifica. A nuca e os ombros, vistos por trás. O cabelouro. O cachaço. “Cacunda”, em ambos os gêneros, também significa a pessoa corcunda”. Veja o verbete “Tumtum”. CADACÁ – Rural. Cada qual. Para limitar a atuação ou a interferência de alguém sobre o patrimônio ou interesses de outrem, o matuto diz às vezes: “Cadacá com seu cadacá!”. CAFUÇÚ – Urbano. Gentinha. O Zé Povinho. A origem é claramente racial, pois se trata de uma corruptela da palavra “cafuso”, que é o mestiço de negro e índio. CAFURINGA – Urbano. Carro velho. Fubica. Calhambeque. A etimologia é desconhecida, talvez de formação arbitrária, já que “gaforinha”, o termo mais próximo, refere-se a cabeleira desalinhada, que não tem nenhuma relação com automóvel. CAGAÇO – Uso geral. Chulo. Repreensão. Carão. Pito. “Quando ele chegar, vou lhe dar um cagaço!”. No meio fabril, diz-se “mijada”: “Eu levei a maior mijada do chefe”. Note-se que o termo “cagaço” 26


tem acepção diversa em outros pontos do país, significando, mormente no jargão militar, acesso de medo. CAGADA – Urbano. Uso masculino. Lance de sorte: “Acertei na cagada”. “Ele ganhou, mas foi cagada”. Em contexto próprio, o termo também tem o sentido nacional de erro cometido ou de coisa mal feita, mas neste caso toma uma conotação mais chula e grosseira. CAGADO – Urbano. Uso masculino. Pessoa sortuda. Certo jogo de baralhos. Veja o verbete “Abortado”. CAIDURO – Urbano. Uso veterano. Cai duro. Petisco salgado de qualidade duvidosa. Merenda comprada em cantina pública ou de vendedor ambulante. Sanduíche de botequim. “Aquele que matou o guarda”, costuma-se dizer jocosamente, sem que se saiba por que fixou-se “o guarda” como vítima histórica no provérbio. Hoje a expressão “caiduro” se refere mais precisamente a certo sanduíche de carne moída, produzido em biroscas de subúrbio e de cidades do sertão, que encontra grandes degustadores secretos entre gourmandes da sociedade cearense. CAIR NA BURAQUEIRA – Uso geral. Ir-se embora. Demandar a algum lugar. “Ganhar o mundo”. Viajar, de maneira apressada ou para lugar não sabido. Balançar. CAIR DE PAU – Uso geral. Agredir. Acusar. Detratar. CALIBRADO – Uso geral. Meio bêbado. Bribado. Truviscado. Melado. CAMBITO – Origem rural. Peças que se instalam, uma em cada lado da cangalha da besta de carga, para transportar lenha ou cana-deaçúcar. Uso geral. Pernas finas e tortas; pernas cambotas. Veja o verbete “Zambeta”.

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CANACABÁ – Uso geral. Inculto e veterano. O povinho usa o termo “canacabá”, corruptela de “quando acabar”, para passar a uma frase conclusiva de sua narração, referindo alguma conseqüência daquilo que vinha historiando: “Eu disse a ele que não fosse. Canacabá ele foi e se lascou”; “Vim a pé. Canacabá você diz que sou preguiçoso.” CANAIA – Rural. Canalha. Usa-se no sentido coletivo da palavra, para designar a ralé, o canelau. CANDEFÉ – Rural. Quando se der fé. Quando dei fé. Usa-se no sentido aproximado de “quando menos se espera...”; ou “então..., de inopino..., de repente...”. Alguns sintetizam a expressão para “defé”. “Se você for sozinho, candefé ele aparece”; “Eu estava nas pedras, defé a onda me pegou”. Note-se a palavra arcaica “bofé”, registrada por Álvares de Azevedo, corruptela de “à boa-fé”, com o sentido de “na verdade”. Veja o verbete “Dar fé”. CANELAU – Urbano. Gíria antiga, quase em desuso. A turba, a rafaméia, a ralé, a molecada, a patuléia, a “canaia”. De forma mais estrita, grupo de mestiços jovens, ruidosos e deseducados. Por exemplo, no Rio de Janeiro, no dialeto cearense, seria o canelau dos subúrbios e dos morros que pratica os “arrastões”. A expressão “canelau”, no Ceará, não pressupõe grupos de criminosos, mas apenas de pessoas de baixo nível social, dadas à alegria barata e às vaias. A palavra provém de “canela”, sem nexo conhecido, neste uso, com o sentido original. CANGAPÉ – Uso geral. Acrobacia. Luta infantil, de origem indígena, praticada dentro d’água, consistindo em manobras ginásticas semelhantes às da capoeira, em que se jogam as pernas contra o adversário, na superfície, mantendo o resto do corpo mergulhado e sem contato com o solo. A palavra é tupi: “canga”, cabeça; “apé”, invertida, virada para baixo.

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CANTADA – Uso geral. Argumentação amaviosa. Instância aliciante. Proposta amorosa ou libidinosa. Lábia sedutora. “Ela caiu na minha cantada”. Veja o verbete “Cantar”. CANTAR – Uso geral. Argumentar, persuadir. Pedir ou propor alguma coisa a alguém com argumentos aliciantes ou insistentes. “Conversar a cabeça” de outro. Tentar atrair alguém, verbalmente, para amavios, carinhos, namoro, casamento ou, objetivamente, para a conjunção carnal. Dar “cantada”. Emitir o “canto da sereia”. CAPAR – Rural. Castrar. Emascular. Na gíria urbana também pode ter o significado de furtar. CAPAR O GATO – Uso geral. Ir-se embora. Fugir. A origem está na imediata e desesperada corrida que os gatos empreendiam, tentando fugir da imensa dor que os perseguia, após serem castrados, sem anestesia. CAPINAR – Uso geral. Gíria que significa ir embora, escafeder-se, sair furtivamente. No Sul, usa-se muito o correspondente “vazar”. CAPOTAR – Uso geral. Dormir, vencido por muito sono, forçado por longa vigília, ou em virtude de embriaguez. CARNIÇA – Rural. Recente. Qualquer coisa ou pessoa desprezível. Os integrantes da torcida contrária. CARÃO – Uso geral. Repreensão. Pito. Cagaço. CARROÇA – Urbano. Mal pagador. Aquele que compra a prazo e habitualmente atrasa os pagamentos. CASA – Uso geral. Antigo. A loja comercial. “Essas cadeiras foram compradas na casa”. A palavra, que no singular pode significar a residência de quem fala – “lá em casa” ou “levar pra casa” – no plural 29


tem uso muito particular, para designar a vizinhança, as casas alheias: “Esse menino só quer viver nas casas!”. CASA DO CHAPÉU – Uso geral. Refere-se a um lugar impreciso ou distante: “Fica muito longe. Lá na casa do chapéu!”; “Você está enchendo o saco. Vá pra casa do chapéu!”. É uma forma eufêmica do termo “Casa do caralho”, de conotação sexual. Veja o verbete “Casa do Chico”. CASA DO CHICO – Uso geral. Refere-se a um lugar impreciso ou distante: “Fica muito longe. Lá na casa do Chico!”; “Você está enchendo o saco. Vá pra casa do Chico!”. É uma forma eufêmica do termo “Casa do caralho”, de conotação sexual. Veja o verbete “Casa do chapéu”. CASAMENTO DA RAPOSA – Uso geral. Antigo. Diz-se que está acontecendo o casamento da raposa quando começa a chover sem que o sol haja sido encoberto. Trata-se de uma rara e momentânea eventualidade meteorológica, sem nenhuma implicação importante, a que as pessoas do sertão davam um sentido algo místico. Talvez originalmente se dissesse “o casamento do gato com a raposa”, para significar a mistura de dois opostos, tendo depois sido suprimido o primeiro animal. Veja o verbete “Casamento da viúva”. CASAMENTO DA VIÚVA – Uso geral. Antigo. A expressão nasceu de uma rima, desaparecendo com o tempo a parte do verso que lhe daria algum sentido: “Sol e chuva, casamento da viúva”. Lançar-se mão de rimas aleatórias, apenas para enfatizar ou conferir alegria e mnemônica a uma expressão corriqueira, também é comum em outras línguas. Nos EUA, por exemplo, muitas vezes os jovens se despedem com a frase: “See you later, alligator”, que se pronuncia “siu leitur, aligueitur”, e cuja tradução é: Vejo-te mais tarde, jacaré”. Veja o verbete “Casamento da raposa”. CASCUDO – Uso geral. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos de uma das mãos fechada. A palavra tem 30


sinônimas antigas que já caíram em desuso: “piparote”, “coque” e “cocorote”. O cascudo foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos, pelos pais, permanecendo como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores. CATARINA – Urbano. Antigo. Chamam-se “catarinas”, não só no Ceará mas em todo o Nordeste, os militares louros, de aspecto nórdico, das Forças Armadas Brasileiras, oriundos dos Estados do Sul. Eram tidos como especialmente dedicados aos misteres castrenses, e muito temidos pelos presos políticos, durante as ditaduras, pois havia a presunção de que fossem mais frios e inclementes. Essa concepção pode ter nascido da fama de algum oficial rigoroso que tinha tais características físicas, ou por influência do antagonismo germânicobrasileiro, estimulado pelo cinema, a partir da Primeira Guerra Mundial. O termo tem origem no nome do Estado de Santa Catarina. CATIROBA – Uso restrito. Mulher da plebe. Prostituta pobre. Palavra do tupi. CATRAIEIRO – Urbano. Uso veterano. Gente reles, de baixo nível social, ou qualquer um que tenha modos ou aparência grosseira ou cafona. Por extensão, roupas ou adereços kitsch, cafonas, consideradas de mau gosto. Originalmente a palavra designa os barqueiros das praias cearenses, que manobram as catraias, espécie de embarcação. CATREVAGE – Uso geral. Conjunto de objetos velhos e sem valor. Sucata. Tranqueira de mascate. Bagagem de pobre. Bagulheira de ciganos. Armações de circo e de trupe itinerante. Por extensão, as pessoas que a essas coisas se relacionam. O termo vem de “catervagem”, esse por sua vez de “caterva”, multidão de pessoas, animais ou coisas. CAXINGAR – Uso geral. Coxear. Claudicar. Mancar.

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CEGO ADERALDO – Urbano. Infantil. Usa-se o termo para ofender os míopes, em referência a famoso repentista sertanejo cego, que se chamava Aderaldo. Era impropério comum entre os meninos, contra aqueles obrigados a usar grossas lentes de grau. Esse trauma, que ainda atingiu o roqueiro Herbert Viana (“Eu não nasci de óculos, eu não era assim”), hoje está parcialmente superado pela possibilidade das cirurgias oftalmológicas e pelas lentes de contato. CEGUEIRA – Rural. Fixação mental. Paixão cega. Fissura. “Tinha uma cegueira tão grande pela rapariga, que terminou deixando a mulher”; “Deixa de cegueira, menino! Não se pode passar o dia jogando bola!”. CELULAR – Uso geral e recente. Recipiente de cachaça, pequeno e de formato achatado, próprio para portar no bolso. Trata-se de velho apetrecho utilizado pelos bebedores discretos de uísque, copiado pelas indústrias de aguardente, que os vendem como opção econômica e portátil, em vidro, louça, ou mais comumente em plástico PET. Diferentemente do “burrinho”, o “celular de cana” destina-se mais ao uso individual. O termo faz analogia irônica com o formato dos primeiros telefones móveis. CEROTO – Uso geral. Sujeira corporal. Cerume enegrecido que se acumula no corpo e nas vestes das pessoas pouco asseadas. CHABOQUE – Uso geral. Pedaço. Naco. Parte pequena de alguma coisa, em relação ao tamanho desta, que se desprende ou arranca. A palavra deve ter origem tupi. “Caiu um chaboque da parede”; “Arranquei um chaboque do dedo, numa topada”. CHAPA – Uso geral inculto. Dentadura. Usa-se ainda o termo para referir a radiografia: “Vou bater uma chapa do pulmão”. A palavra também tem o sentido nacional de amigo, camarada, companheiro, talvez por influência do jargão rodoviário. Chapa é uma abreviatura de “chapeado”. Chapeados eram os “carreteiros”, capatazia que descarregava os caminhões nas cidades e que usava chapas metálicas 32


numeradas nos chapéus, para controle dos seus patrões. Hoje, chamam-se de “chapas” os profissionais que recebem os caminhoneiros na entrada das grandes cidades, para lhes orientar nos trajetos urbanos. CHEI-DOS-PAU – Uso geral e veterano. Muito bêbado. CHIBATA – Uso urbano e masculino. Coisa ou pessoa de boa qualidade: “Ontem eu fiz um programa chibata”; “O cabra foi chibata comigo”. Coisa muito grande: “Embarcou num navio que era um chibata”; “Comprei uma arraia chibatona”. Carinhosamente, pode-se chamar uma pessoa, que seja de hierarquia social inferior, de “chibateiro”, enquanto não se lhe souber o nome. Em outro contexto, chibata também significa o pênis, e por isso, em circunstância especial e entonação própria, pode designar alguma coisa que seja objeto de fúria. “A casa é minha, e quem manda nessa chibata sou eu!”; “Eu ia lhe comprar o carro, mas você está botando tanta banca que agora eu não quero mais essa chibata, nem de graça!”. CHULIPA – Uso geral. Golpe do dedo indicador da mão vibrado contra a orelha de uma outra pessoa, que esteja distraída, fazendo o pavilhão auditivo vibrar violentamente. Trata-se de brincadeira de mau gosto muito comum entre crianças, ou contra elas. Em outras regiões do país é também chamada de “caçuleta”. CIÇO – Urbano. Moderno. Pessoa tola, simples ou de pouca inteligência. Nessa acepção, o mesmo que “mané”. Usa-se também para discriminar socialmente os de origem menos nobres e de hábitos menos cultos. Talvez derive do antropônimo “Cícero”, muito comum entre os pobres da região do Cariri. COCOROTE – Uso geral e antigo. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos. A palavra, hoje quase em desuso, tem sinônimas mais antigas e mais modernas: “piparote”, “coque” e “cascudo”. O cocorote, corruptela de “cocuruto”, foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos 33


filhos pequenos, pelos pais, permanecendo, sob o nome de “cascudo”, como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores. COISINHA – Uso geral. Detalhe de um fato que não se tolera, que não se pretende aceitar, e contra o qual se reage veementemente, ficando subentendido o complemento da frase: “Ele disse isso? Taí, uma coisinha (que não aceito – que não admito)!”; “Ele se aborrece por uma coisinha de nada”. Rural. Pessoa de quem não se lembra o nome. Veja o verbete “Bichim”. COISONA – Uso geral. Por antítese irônica, um mau negócio. Normalmente usado para rechaçar uma proposta ou sugestão desvantajosa, na seguinte expressão irônica: “Ô coisona!”. No mesmo sentido, usa-se também: “Ô negoção!”. Veja o verbete “Negoção”. COLORAU – Uso geral. Colorífico. Corante natural vermelho, de origem indígena, à base de urucum, usado no momento do preparo de alguns pratos, com a finalidade de conferir tons mais apetitosos às receitas culinárias. COM A GOTA – Rural. Antigo. Diz-se de quem, ou do que, está sob carga máxima. “Naquele dia ele estava com a gota!”; “O carro vinha com a gota, quando passou pela estrada.” Veja o verbete “Da gota”. COMÉDIA – Urbano. Moderno. Qualquer cena ou evento curioso. Farra. Balada. Rapaziada. Comédia, no sentido estrito da gíria cearense, é uma noite de bebedeira e galhofaria, durante a qual um grupo de jovens vai a festas ou eventos, clubes ou bares, zombando do mundo e uns dos outros. Em alguns casos, uma comédia pode estender-se por todo um final de semana. Em Portugal diz-se “rapaziada”. COMER COCADA – Uso geral. Antigo. Veja o verbete “Segurar vela”. 34


COMER DE CAPITÃO – Rural. Antigo. Comer de capitão é fazer as refeições sem o uso de talheres, mas utilizando uma das mãos para apertar porções da comida entre os dedos e a palma, formando assim bolinhos oblongos, chamados capitães, levados à boca um a um. Era a forma tradicional utilizada por índios e negros na sua própria alimentação e na dos filhos, estendida aos meninos brancos, por suas amas e por criadas de casa. Comer assim tornava-se um fetiche para muitas dessas crianças da casta patronal, até a puberdade, pelo seu aspecto lúdico, pela sua comodidade, e até por saudosismo da infância. Até os anos 50, em algumas famílias cearenses, era um método adotado para estimular o apetite das crianças. Também se diz, menos freqüentemente, “comer de soldadinho”. COMPARAÇÃO – Rural. Usa-se com o mesmo sentido de “por exemplo”. Usa-se também para designar coisa mal feita, ou incompleta: “Ela disse que daria um almoço, mas fez só a comparação”. É comum tornar-se um vício de linguagem, funcionando como conectivo entre frases, ou assumindo a função de anteceder qualquer explanação: “Isso é remédio de erva. Comparação: a gente amassa bem a semente e mistura na água”; “Eu fui dizer a ela, comparação: eu gosto muito de ser sincero”. Há um tipo cômico feminino na televisão brasileira, que faz a caricatura de uma mulher do campo, que incorporou esse cacoete de iniciar as frases com o termo “comparação!”. Certamente aprendeu isso de alguma nordestina, das muitas que trabalham em tarefas domésticas no Sudeste. COMUSTODO – Rural. Corruptela de “como todo”. Muito. Bastante. Demais. Sobremaneira. É freqüente entre os campesinos o emprego da expressão, para referir intensidade ou grande volume. “Tinha gente comustodo na festa”; “Eu corri comustodo, mas assim mesmo perdi o ônibus”. CONDENADO – Rural. Veja o verbete “Amaldiçoado”. 35


CONHECIDO – Rural. Reconhecido. O sertanejo costuma enaltecer qualquer coisa ou pessoa, quanto a determinada qualidade que possua, com o termo “conhecido!”, independentemente de fama real: “Aquele cabra é motorista conhecido!”. “Conhecido”, nesse caso, teria o sentido de “reconhecido, ou de “facilmente reconhecível”. Veja o verbete “Famoso”. COQUE – Uso geral e antigo. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos. A palavra, hoje quase em desuso, tem sinônimos mais antigos e mais modernos: “piparote”, “cocorote” e “cascudo”. O coque, de origem onomatopaica, foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos, pelos pais, permanecendo, sob o nome de “cascudo”, como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores. CORRALINDA – Uso geral. Corruptela de “coisa linda”. CORRER DENTRO – Uso geral. Dispor-se a brigar. Partir para a briga. Veja os verbetes “Ir pros-paus” e “Vir pros-paus”. CORRER FROUXO – Urbano. Ocorrer sem oposição: “Deixa pra lá! Deixa correr frouxo!”. Acontecer sem dificuldade e com freqüência: “Aqui a criminalidade corre frouxa”. CORTAR PREGO – Uso geral. Ter muito medo. Estar cortando prego. Gíria dos anos 60, hoje pouco usada. Faz referência velada a lendárias contrações esfincteriais intensas, pretensamente provocadas pelo medo, fenômeno mítico que talvez não tenha confirmação neurofisiológica. COTOCO (Ô) – Uso geral. O dedo médio, usado em gesto obsceno de desagravo contra alguém. “Dar cotoco” é realizar tal gesto, na direção de outrem, para desacatá-lo, imitando o pênis ereto com o dedo médio, e os testículos com o indicador e o anular. No Sudeste diz-se “dedada”. Entre nós, dedada é a atitude, ainda mais agressiva, 36


de cutucar o traseiro de alguém, usando o dedo médio. O gesto de dar cotoco remonta à Roma antiga, quando servia para que as prostitutas convidassem os clientes potenciais para a contratação de seus serviços eróticos. CRUVIANA – Rural. Antigo. Vento noturno. Frio da madrugada. Garoa matinal. CRUZETA – Urbano. Trapaça. Trama desonesta urdida entre várias pessoas. CUBAR – Uso geral. Olhar. Observar. Espreitar. Vigiar. Bilar. Cobiçar com os olhos. Provém de “cubagem”, medição de volume. CU-DE-CANA – Uso geral. Alcoólatra. Bebedor contumaz. Usa-se também “pé-de cana”. CUMA – Rural. Antigo. Como: “Cuma foi que você veio?”. Algumas vezes usa-se “acuma”: “Acuma se diz na Paraíba”. CUMADE – Rural. Comadre. Feminino de compadre. Tratamento mútuo entre pessoas que celebraram compadrio, usado no sertão com rigor obrigatório, da mesma forma que os afilhados adotam os tratamentos de “padrinho” e “madrinha”. Nas cidades não se usam esses tratamentos, até porque aí essas relações costumam ocorrer entre parentes consangüíneos. No interior também é usual chamar de “cumade”, genericamente, toda e qualquer mulherzinha do povo de quem não se saiba o nome, desde que esta tenha idade ou status de mulher casada. Urbano. Modo bem humorado com que alguns rapazes se referem a uma moça pela qual tenham interesse, e mais diretamente às próprias namoradas. CUMBUCA – Uso geral. Vasilha pequena, oval ou hemisférica. Cuia. Cabaça. A expressão é conhecida em todo o Norte-Nordeste, bem como no Brasil profundo, interior de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Provém do tupi cuiambuca. 37


CUMPADE – Rural. Compadre. Masculino de comadre. No interior também é usual chamar de “cumpade”, genericamente, todo e qualquer homenzinho do povo de quem não se saiba o nome, desde que este seja suficientemente maduro para merecer o tratamento: “Cumpade! Sabe dizer por onde se chega à barragem?” Urbano. Usase como vocativo impessoal, durante a fala, da mesma forma que se usa “cara”, “meu irmão”, “bicho”: “Ah! meu cumpade... eu não perco essa viagem por nada!”. CUNHÃ – Uso geral. Antigo. Originalmente, as jovens serviçais a serviço das famílias, no sertão e nas cidades. Cabocla de cozinha. Depois, forma depreciativa de se referir a qualquer mulher, para lhe atribuir condição social e condição moral inferiores. “Quem aquela cunhã pensa que é?”. Finalmente, amante de homem casado, concubina secreta. “Dizem que ele tinha por lá uma cunhã”. A palavra vem do tupi, com o significado de “mulher”. Etimologicamente, cu+nhã – língua ligeira. CUSPIR NO CHÃO – Uso geral e antigo. Diz-se que vai “cuspir no chão” quando se quer apressar alguém a cumprir uma tarefa, mormente a de ir a algum lugar e voltar incontinenti. É expressão autoritária, que talvez remonte ao tempo dos escravos. Quando não se dispunha de relógios, usava-se esse recurso para fazer um criado cumprir um mandado de maneira rápida. “Vou cuspir no não. Antes de o cuspe secar esteja de volta!”. Mais recentemente os pais usam-na, com bom humor, para aligeirar crianças. CUSTAR – Uso geral. Demorar. Demorar-se. O termo conserva também, entre os cearenses, o seu sentido mais comum, referente ao preço de algum objeto ou ao esforço necessário para se obter alguma vantagem. DA BIXIGA – Rural. Uso veterano. Da bexiga. Qualquer coisa muito grande, forte ou intensa pode ser qualificada como “da bixiga”. 38


Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da gota serena”, “da peste”, “da mulesta” e ”medõe”. Todas elas são expressões que remontam às grandes epidemias que assolavam os sertões. Bexiga é como chamavam a varíola, moléstia contagiosa que enchia a pele dos doentes de bexigas apostemadas e de feridas. DA GOTA – Rural. Uso veterano. Usa-se a expressão para enfatizar qualidade, promovendo adjetivação de intensidade ou de grandeza. “Aquele homem é um vaqueiro da gota!” (um excelente vaqueiro). Eu estava com uma gripe da gota!” (uma gripe forte). Veja o verbete “Com a gota”. DA GOTA SERENA – Rural. Uso veterano. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da mulesta”, “da peste”, “da bixiga” e ”medõe”. Gota é como chamavam uma doença que cegava. Também se presta ao juramento: “Eu quero cegar da gota serena se não for verdade o que estou dizendo!”. DA MULESTA – Rural. Uso veterano. Da moléstia. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da gota serena”, “da peste”, “da bixiga” e ”medõe”. Usa-se também a expressão “cachorra da mulesta” para a mesma adjetivação de intensidade, ou para referir coisa má. DANAÇÃO – Uso geral e antigo. Travessura. Bagunça de criança. Mau comportamento infantil. DANADA – Uso geral. Diz-se da criança travessa, muito peralta, muito bagunceira, rebelde, desobediente. No sudeste se diz “levada”, por simplificação da veterana expressão “levada da breca”. Hodiernamente se diz da moça que é muito festeira e namora muito, que avança demais nas intimidades eróticas com os namorados, que é mais promíscua que as demais, nos relacionamentos amorosos. DANOU-SE! – Rural. Expressão que denota espanto ou perplexidade, ante um acontecimento, uma revelação, ou uma atitude específica de alguém, de que se presuma conseqüência indesejável. 39


“Ele disse isso mesmo? Agora danou-se!”; “Danou-se! A estrutura da casa está abalada mesmo”; “Se eu fizer isso, danou-se!”. DA PESTE – Rural. Uso veterano. Qualquer coisa muito forte, grande ou intensa pode ser qualificada como “da peste”. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da gota serena”, “da mulesta”, “da bixiga” e ”medõe”. São expressões, todas elas, que remontam as grandes epidemias que assolavam os sertões. A expressão “cabra da peste” popularizou-se no Sudeste, quase como sinônimo de “cearense”. DAR DE GARRA – Uso geral antigo. Pegar. Segurar. Bater de mão. Por extensão, furtar. O termo está caindo em desuso. DAR FÉ – Rural e veterano. Notar. Perceber. Não tem relação com “acreditar”, como parece. Os sertanejos costumam enxertar em suas narrativas a expressão “candefé”, corruptela de “quando dei fé”, para referir uma ocorrência inesperada: “Candefé ele já estava com a faca na mão”. Variações semânticas de termos acontecem também entre o português brasileiro e o falado em Portugal. A palavra “perceber”, por exemplo, em Portugal, significa especificamente “compreender”, enquanto no Brasil ela significa “notar”. Note-se também a palavra arcaica “bofé”, registrada por Álvares de Azevedo, corruptela de “à boa-fé”, com o sentido de “na verdade”. Veja o verbete “Candefé”. DAR NO PÉ – Uso geral. Correr. Fugir rapidamente. Veja os verbetes “Dar o pira” e “Meter o pé na carreira”. DAR O GRAU – Urbano. Tomar alguma providência corretiva. Consertar. Ajeitar. Reparar. Arrumar. Por extensão, ter qualquer atitude benéfica. DAR O MAIOR DEZ – Urbano. Gostar. Aprovar. Diz-se também “dar o maior ponto”. Veja os verbetes, “Dar o maior valor” e “Dar valor”.

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DAR O MAIOR VALOR – Uso geral. Gostar muito. Apreciar sobremaneira, em detrimento de outras opções. É mais enfático e amplo que “dar o maior dez”. Veja os verbetes “Dar o maior dez” e “Dar valor”. DAR O PIRA – Uso geral. Antigo. Em desuso. Correr. Fugir rapidamente. Veja os verbetes “Dar no pé” e “Meter o pé na carreira”. DAR O PREGO – Uso geral. Enguiçar. Apresentar defeito. Entrar em pane. Usado originalmente em referência ao automóvel, hoje o termo é usado em relação a qualquer máquina, aparelho ou equipamento. DAR O TRAÇO – Uso geral. Driblar, iludir, enganar. “Ele me deu um traço naquele negócio que fizemos. Veja os verbetes “Traçar” e “Traço”. DAR PRO MUNDO – Uso geral e veterano. Acabar-se, extinguirse, danificar-se, apresentar defeito grave: “Ontem o meu rádio de pilhas deu pro mundo!” DAR UMA PISA – Uso geral. Veja os verbetes “Pisa”, “Peia” e “Meter a peia”. DAR VALOR – Uso geral. Aceitar como bom. Apreciar. Valorizar. Aprovar: “Você falou demais. Dei valor não!”; “O cara fez o serviço direito. Dei valor!”. Veja o verbete “Dei o maior valor”. DE ARAQUE – Uso geral. Falso. Que não é verdadeiro. Por extensão, aquilo que não tem boa qualidade. O mesmo sentido da expressão clássica “de fancaria”. Tem uso corrente em todo o país, com semântica diversa. Guarda relação como étimo do árabe “áraque”, que designa uma bebida à base de arroz, de elevado teor alcoólico. 41


DE CACETE(!) – Urbano. Moderno. Com grande velocidade. DEDADA. Uso geral. É a atitude, muito agressiva, de cutucar o traseiro de alguém, usando o dedo médio. Bastante usual nas brincadeiras grosseiras dos meninos. DEFÉ – Rural. Veja os verbetes “Dar fé” e “Candefé”. DEJEITO – Rural e veterano. Desse jeito. O uso do termo é mais comum nas cidades do Cariri, quase sempre de forma crítica ou repreensiva: “Dejeito não há quem agüente!”; “O cabra é dejeito. Só faz o que quer”. DE LEVE – Uso geral. De pouco em pouco. Devagar, mas sempre fazendo subentender a pretensão de chegar ao muito. DE NASCENÇA – Uso geral e veterano. A expressão é clássica, portanto não pertence à gíria cearense; contudo, incorporou-se ao regionalismo local pela amplitude que se lhe dá na medicina popular, e até no psicologismo leigo, para referir o determinismo genético: “Aquela doença não pega, pois é de nascença”; “A baitolice não é pecado não. Aquilo é de nascença”; “A família toda é muito boa. É coisa de nascença”. DE NÉLSON – Uso geral e antigo. Afirmação falsa. Que não é verdadeiro. Usa-se mais para negar o que acabou de ser dito: “Ela diz que gosta muito de mim – de nélson!” Parece ter relação com o nome do falecido cantor Nélson Gonçalves; contudo, não há evidência disso, nem coerência aparente, pois o cantor existia de fato e não consta que fosse mitômano. Veja o verbete “Aí mente”. DE NOITINHA – Rural e veterano. No princípio da noite. Nesse caso, “noitinha” é apenas um diminutivo. Entretanto, o termo tem maior força expressiva para significar, durante o dia, o avançado da hora, mormente em relação a alguma tarefa lenta ou a alguma coisa 42


que demore muito: “Vamos com isso, que já está de noitinha!”; “Voume embora. Tá de noitinha!”. A palavra “noitinha”, nas expressões do exemplo, não funciona como diminutivo de noite, mas, pelo contrário, como anúncio de uma qualidade ou condição que se insinua ou se estabelece de forma incisiva. Exemplos análogos: “Esse café já está friozinho!”; “Quando eu vi a arma fiquei apavoradinho!”. No caso da expressão “de noitinha”, no sentido de “fazer-se tarde”, é também uma hipérbole, porquanto comumente usada em plena luz do dia. DE PAU – Urbano. Em grande velocidade, e perigosamente, ou vertiginosamente. “Ele só dirige de pau”; “O avião passou de pau sobre a cidade”. Veja o verbete “De cacete”. DE RASPÃO – Uso geral. Diz-se de um projétil ou móvel qualquer que atinge algo superficialmente, causando ferimento leve, somente arranhando, ou mesmo sem causar dano nenhum. “As balas passaram de raspão”. Veja o verbete “Tirar um fino”. DERNA – Rural. Desde. “Derna do dia dez que não chove”. DESMENTIR – Rural. Contundir parte do corpo. Luxar uma articulação: “Estou com o pé desmentido.” DESPOMBALIZADO – Urbano. Triste. Confuso. Irritado. Diz-se de alguém que se comporta de forma afetada, pretensamente por carência sexual. DESTÁ (Ê) – Uso geral. Deixe estar. Usa-se, coloquialmente, em tom de queixa e ameaça velada, em alusão a alguma injustiça sofrida, subentendendo-se a promessa de que a revanche será preparada. Nem sempre se aplica a expressão com gravidade de sentimentos, contra desafetos, mas muitas vezes apenas para reclamar atenção ou carinho eventualmente sonegado: “Destá, bichinho!”. DE VERA – Uso geral e antigo. De verdade. De forma efetiva. De forma válida. 43


DE VEZ – Uso geral. Diz-se da fruta prestes a amadurecer, estado em que algumas são preferidos por alguns, com sua polpa mais firme e conservando o sabor travoso e adstringente, como no caso da siriguela, da manga, do limão e da goiaba. DIABEÍSSO(!?) – Uso geral e veterano. Corruptela de “que diabo é isso?”. Na expressão, perde o seu sentido interrogativo original, funcionando agora como uma exclamação eminentemente crítica. DICUNFORÇA – Uso geral. Veterano e inculto. Operar energicamente. Na gíria urbana, usa-se o termo, adjetivado, de forma bem humorada, para significar valor: “O homem é um operário dicunforça!”. Pode também ter o sentido de “objetivamente”, como adjunto adverbial de modo: “Eu não faço arrodeios. Entro no assunto é “dicunforça!”. DINDIM – Uso geral. Sorvete vendido em saco plástico ablongo, geralmente de fabricação caseira, comercializado para complementar a renda familiar. Chup-chup, em outras regiões do país. DISTIORADO – Rural. Objeto ou imóvel em mau estado de conservação. Corruptela de deteriorado. DONA MARIA – Uso geral e veterano. Tratamento com o qual se dirige a palavra a uma mulher do povo, de quem não se saiba o nome. A pronúncia corrente é “do’maria”. O seu correspondente masculino é “seu zé”. Veja os verbetes “Cumade” e “Cumpade”. E BRÁ(!) – Uso geral. E fim. E só. E nada mais. E fim de papo. E não se fala mais nisso. Expressão com que se encerra vigorosamente uma proposição. Veja o verbete “Entonse brá(!)”. ÊÊ – Uso geral. Interjeição utilizada no começo ou no fim de uma oração que refira determinada tarefa ou problema, com a finalidade de frisar grande dificuldade na execução daquela, ou na superação deste. 44


“Ele diz que vai fazer o vestibular. Êê!, se não estudar muito ele não passa nunca!”; “Êê, meu amigo. A luta foi grande, mas nós vencemos”; “Passei três anos sem ver a mulher amada. Foi terrível, êê!”. ÉGUA – Uso geral e veterano. Besta. Tolo. Usado como interjeição, o termo expressa grande espanto: “Égua! Eu nunca tinha visto um prédio tão alto!”. EGUAR – Uso geral. Bancar o égua (concordando o artigo com o gênero do sujeito). Andar sem rumo. Perder tempo. Permanecer inútil em algum lugar. Veja o verbete “Bestar”. EM AZ – Rural. Antigo. Na iminência de acontecer. Quase acontecendo. “Eu estava em az de entrar para o exército”; “Ele estava em az de provocar um acidente”. Pode ser que o termo “az” venha da palavra “ás”, em referencia à carta de baralho; contudo, a fonética adotada indica o fonema “z”. É possível também que a origem do mesmo termo seja “ares”, como na expressão “com az de louco”. Nada obstante, no português falado em Portugal encontra-se a expressão “em hás-de”, no mesmo sentido de “na iminência de” – a segunda pessoa do presente do verbo haver, com a preposição “de” presa por hífen. Veja o verbete “Az de louco”. EM BANDA DE LATA – Urbano. Recente. Em grande quantidade: “A festa foi boa. Tinha mulher em banda de lata”. EMBARCAR – Urbano. Antigo. Uso infanto-juvenil. Lançar algum objeto móvel sobre algum prédio,seja acidental ou propositadamente, no telhado de uma casa ou por sobre um muro, na copa de uma árvore, ou ainda dentro de um veículo qualquer em movimento, de modo a extraviar a coisa ou dificultar a sua recuperação. Fazer jazer algo, geralmente uma bola ou outro brinquedo, em lugar inacessível ou de difícil acesso. “Não chute alto que você embarca a bola!”; “Ele estava enchendo o meu saco, então, com raiva, eu embarquei o chinelo dele”. 45


EMBOANÇA – Uso geral. Conflito. Intriga. Bate-boca. Reclamação. Pronuncia-se “imboança”. Os dicionários brasileiros registram o termo, encontrado em autores nordestinos, mas não conseguem interpretar a sua exata acepção, absolutamente regional. EMBORCAR – Uso geral e veterano. Virar de borco. Entornar. Colocar de ponta-cabeça. Emborcar-se: pôr-se em decúbito ventral. O termo tem, por extensão, o sentido de malograr, de estar mal administrado ou falido, em relação a um empreendimento qualquer: “A empresa emborcou”. EMBUCETAR – Urbano. Gíria com significado de “imiscuir-se” demais, unir-se excessivamente, manter-se junto a alguém ou a alguma coisa longamente. “Ele vivia embucetado com aqueles caras do partido”; “Você bateu atrás, porque vinha embucetado no carro da frente”. O termo tem evidente origem genital. EMPANZINAR – Uso geral e antigo. Empanturrar. Empachar. Empanzinar-se: comer demais. EMPRIQUITAR – Uso geral. Enfeitar excessivamente. Nessa acepção, nacionalmente utilizada na forma “empiriquitada”, deriva de “emperequetar-se”, ou seja, enfeitar-se com perequetés, que são enfeites, em tupi. Mas, na gíria cearense, o termo tem o sentido de zangar-se, recrudescer, recalcitrar: “Então eu empriquitei e não saí mais de lá”. ENCABULADO – Uso geral. Inibido. Tímido. Acanhado. Envergonhado. No Ceará, alguém que esteja envergonhado em relação a outro indivíduo, por alguma atitude indigna que tenha perpetrado contra ele, diz-se estar o primeiro encabulado com este último. “Depois do que ele me fez ficou me evitando, encabulado comigo”. Contudo, no Sudeste, aplica-se o termo “vergonha” para significar simples acanhamento, timidez inocente, inibição natural, a retração das crianças e o temor reverencial dos ingênuos diante de estranhos. Mas entre nós “vergonha” está relacionada, exclusivamente, a pejo 46


moral, a presença ou falta de brios: “Ele é um homem de vergonha, que não se daria a uma atitude dessa!”; “Diga-lhe que tenho vergonha na cara!”; “Aquele é um desavergonhado!”; “Aquele filho só me envergonha!”; “Eu teria vergonha de fazer uma proposta daquela!”. Já alguém que temesse falar em público, ou o menino que se recusasse a conversar com um desconhecido, para os cearenses ele estaria “encabulado”, ou “acanhado”, e nunca “envergonhado”. ENCANGADO – Uso geral. Preso por canga. Junto. Congeminado. Diz-se geralmente de duas pessoas que sempre andam juntas, parecerem estar encangadas, como a junta de bois de uma carroça. ENCARNADO – Uso geral. Vermelho. A palavra é do vernáculo comum, mas é muito usada no Norte-Nordeste e no Ceará particularmente, não sendo aplicada no Sudeste e no Sul, nessa acepção cromática. EN-EIM(!) – Rural e veterano. Interjeição comum em certas regiões do Estado, principalmente em áreas lindeiras ao Piauí e à Paraíba. O “en” se pronuncia de maneira curta e rápida, somente com a garganta e sem fechar a boca, portanto sem alongamento do ene, enquanto o “eim” tem o som alongado e meloso. Em alguns lugares pode ter sentido meramente afirmativo, ou negativo, conforme a entonação e combinado com o movimento da cabeça, afirmando horizontalmente, ou negando verticalmente: “Você quer comer? – En-eim!”. Em outras regiões exprime surpresa, admiração, piedade ou ternura: “En-eim...!, que criancinha linda!”; “Tenho muita pena daquele homem, en-eim!”. A expressão deve ter origem no tupi. ENGEMBRADO – Uso geral. Torto. Feito. Mal vestido. Enjambrado. Usa-se também na forma “malengembrado”. ENGOMAR – Uso geral e veterano. Passar a roupa a ferro. “Passar” é a palavra bastante no resto do país: “Eu lavo e passo”. Mas no Ceará se diria: “Eu lavo e engomo”. O termo vem do tempo em que o ato de passar o ferro aquecido era apenas o arremate da operação de 47


adicionar goma ao tecido molhado, para depois secá-lo e então estirar suas fibras passando o ferro sobre ele, para que ficasse firme e armado. ENREDAR – Uso geral. Denunciar alguém, em relação a alguma conduta irregular que tenha tido. O termo tem uso exclusivo entre as crianças, ou, quando usado por adultos, sempre em relação a travessuras infantis, relatadas a pais ou preceptores. A expressão correspondente, em referência a assuntos mais graves, seria “cabuetar”. No meio profissional, é muito corrente o uso do adjetivo “babão”, para designar os que apontam erros de colegas de trabalho. Na gíria do Sudeste tem-se o verbo “dedar”, agir como “dedo duro”, “entregar”. A semântica clássica de “enredar”, que deriva de “rede”, seria “envolver”, alguém ou a si mesmo, em situação labiríntica. ENTONSE BRÁ(!) – Uso geral. Inculto. O mesmo que “então pronto!”. Define uma conversa ou situação. Veja o verbete “E brá(!)”. ENTONSE PRONTO(!) – Rural. Então pronto!. Veja o verbete “Entonse brá(!)”. É O NOVO(!) – Urbano. Recente. Expressão crítica exclamativa, visando evidenciar o anacronismo de algum hábito ou de algum termo já em desuso. Tem sentido semântico oposto ao seu sentido literal, pois pretende subtender a sua antítese: “Eis um velho!”. Foi largamente popularizado pelo jornalista Neno Cavalcante, em seu programa de televisão denominado Tveneno. ERRADO – Uso geral. Homem dissoluto, que tem hábitos pouco recomendáveis, mormente no que se refere a bebida, sexo e valentia. “João é muito errado!”. ESCAMBAU – Uso geral. Usa-se o termo para significar “todo o mais”, “muitas outras coisas”, “uma pletora de coisas”: “O caminhão trazia gente, móveis, animais domésticos, e o escambau”. 48


ESCRAMUÇAR – Rural. Escaramuçar. Correr, dar saltos, rolar no chão, como fazem os animais jovens, mormente potros e bezerros, ou mesmo os adultos fogosos, geralmente logo após sua soltura no campo. ESCRÚPULO – Uso geral. O nordestino, particularmente o cearense, usa esse termo para referir o excesso de asco, nojo, ou repulsa que caracteriza as pessoas muito sensíveis ou refinadas, extremamente exigentes quanto à higiene e aos alimentos. Somente em contextos mais cultos se lhe dá a conotação clássica de “parâmetro moral”. Veja o verbete “Frescura”. A palavra, em sua origem latina, significava “pedrinha”. ESCULHAMBAÇÃO – Uso geral. Anarquia. Algazarra. Bagunça. Desordem: “Fizeram a maior esculhambação”. Numa segunda acepção, desaforo, repreensão, descompostura, cagaço: “Fui lá e deilhe uma esculhambação”. Num terceiro uso, apenas brincadeira: “Não é verdade. Você está é com esculhambação”. A palavra, na sua origem, é sinônima de “castração”. ESCULHAMBADO – Uso geral. Desorganizado. Deteriorado. Mal zelado. Mal administrado. Em mau estado. Por extensão, pessoa mal vestida. Diz-se também daquele que é dado ao deboche e à irreverência. ESCULHAMBAR – Uso geral. Falar mal de alguém ou de algo. Detratar. Injuriar. Por extensão, arrebentar alguma coisa. Fazer mau uso. Provocar defeitos em algo. Depreciar. No seu sentido literal e clássico, esculhambar significa retirar os colhões, portanto sinônimo de emascular, castrar, extirpar os testículos. ESGULEPADO – Uso geral. Diz-se do mal vestido, desarrumado, maltrapilho. Pode também referir alguém que exiba lesões físicas generalizas, ou a objeto em evidente mal estado. Usa-se ainda verbo “esgulepar”, por desarrumar, desmantelar, esculhambar. 49


ESPETACO – Rural. Escândalo. Boneco. Araca. Não se usa no sentido original da palavra, “espetáculo”, que seria ato cênico, show, função circense. ESPIA(!) – Rural. Espia, no caso dessa interjeição, não tem o sentido literal de olhar, mas de atentar para alguma pretensão rejeitável ou declaração desaprovada, sempre com entonação de espanto: “Espia o que essa cabra gaiato está dizendo!”. Sofreu evolução semântica e formal parecida com a do “ué!” dos sudestinos e a do “uai!” dos gaúchos, ambos derivados da interjeição “olhai!”. Olhai, oiai, uai, ué. No sertão cearense mais profundo já se chegou ao termo “pia!”, com o mesmo sentido de “espia!”, mas neste caso conservando ainda simplesmente o sentido de “olhar”. “Pia!, a cabeça da cobra saindo do buraco”. ESPILICUTE – Uso geral. Explicudo. Que fala muito, com muitos detalhes e afetação. Por extensão, mulher muito vaidosa e afetada, criança extrovertida, empregado doméstico ou pessoa de condição modesta que importuna, por extrapolar as barreiras de sua esfera social. Pessoa saída, intrometida, enxerida, saliente. A pronúncia mais comum é “ispilicute”. ESPRITADO – Uso geral e antigo. Ágil. Inquieto. Ativo. Diligente. Impaciente. Atrevido. Desabusado. Aplica-se muito a crianças danadas, ou levadas da breca, como se diz no Sudeste. O termo pode ter conotação pejorativa ou elogiosa, dependendo do contexto. A palavra compara a alguém que estivesse sob possessão espiritual. A pronúncia mais comum é “ispritado”. ESTRIBADO – Urbano. Moderno. Rico. Endinheirado. ESTRUIR – Rural. Veterano. Estragar. Fazer mau uso. Desperdiçar. O termo deve ter origem em “destruir”, adquirindo sentido semântico mais específico. 50


FAMOSO – Rural. Belo. Formoso. Em bom estado físico. Bem tratado. Usa-se especialmente para referir cavalos e outros animais. O uso origina-se da migração semântica da palavra, entre aquilo que se torna notório pela boa aparência e aquilo que tem boa aparência, independentemente de sua notoriedade, apenas potencialmente presumida. Veja o verbete “Conhecido”. FASTIOSO – Uso geral. Inapetente crônico. Biqueiro. Alguém que, costumeiramente, tem pouca vontade de comer. O termo, que deriva de “fastio”, não está dicionarizado, mas é muito freqüente no Ceará. Veja o verbete “Biqueiro”. FAZER COM – Uso geral. Fazer algo com alguém, no nosso dialeto, significa fazer-lhe algo de mau, prejudicá-lo: “Por que você fez isso comigo”. No Sudeste, no mesmo sentido, diz-se fazer algo para alguém: “Que é que eu fiz pra você, que você tanto me odeia?”. Em ambos os casos, o oposto seria “fazer algo por alguém”: “Agradeço que tenha feito isso por mim”. São maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Em português, por exemplo, dizemos que “sonhamos” com alguém, ou com alguma coisa, enquanto em inglês, diz-se sonhar “sobre” alguém ou “sobre” alguma coisa. FAZER HORA – Uso geral. Matar o tempo. Por extensão, debochar, gozar alguém, frescar com alguém, curtir com a cara: “Você está é fazendo hora com a minha cara!”. FAZER MAL – Uso geral e antigo. Desvirginar. Deflorar. Tirar a virgindade de uma jovem. Praticar sedução sexual. “Ele fez mal à moça e não quis casar com ela”. FAZER O MAL (SÓ PARA...) – Uso geral e moderno. Praticar alguma coisa apenas por teimosia ou pirraça: “Ela não gostava dele. Casou só pra fazer o mal”. FAZER SABÃO – Uso geral. Refere a relação homossexual entre mulheres. 51


FAZER UM’ARTE – Uso geral e antigo. Acidentar-se, ferir ou matar alguém de forma culposa, ou mesmo intencional. “O homem atirou em mim, e por pouco não acertou o tiro. Ele quase fazia um’arte comigo”; “Desce daí menino, antes que tu faças um’arte!”. FECHICLER – Urbano e antigo. Do francês fecho éclair. Zíper. No interior, o zíper é chamado de ri-ri, por onomatopéia. Antigamente, de maneira bem humorada, também se dizia “lá-vem-mamãe”. FEITO VACA – Uso geral. Diz-se de quem esteja em situação ridícula. Aquele que está bestando, eguando, perdendo tempo, aguardando algo em vão. “Eu fui à festa, mas ele não apareceu. Fiquei lá feito vaca”; “O João estava feito vaca na esquina, com aquela cara depalerma”. FELA DA GAITA – Uso geral. Filho da puta, em forma eufêmica. FELA DA PUTA – Uso geral. Filho da puta, contudo sem conotação estrita, mas apenas na forma de impropério. FEME – Rural. Inculto. Fêmea. A amante. A concubina. A prostituta, em relação ao homem que ela sustenta, ou pelo qual é sustentada. Está em oposição de gênero ao termo “macho” – o homem em relação à prostituta que sustenta, ou pela qual é sustentado. O termo “mulher” está semanticamente relacionado à desposada, aquela que se uniu ao homem pelo casamento regular. O termo “feme” somente é adotado nos sertões, de modo depreciativo, e no baixo meretrício das cidades. Veja os verbetes “Macho” e “Mulher”. FI-DE-QUENGA – Rural. Filho da puta, sem conotação estrita, mas apenas como forma de impropério. FI-DU’A-ÉGUA – Uso geral. Filho da puta, em forma eufêmica. FOGOIÓ – Uso geral. Ruivo. 52


FOI MAL – Urbano. Expressão que corresponde a um pedido de desculpas. FOI NÃO(!...) FOI(?) – Uso geral. Expressão utilizada normalmente por quem recebe uma informação escandalosa. Nega-se credibilidade a princípio, e em seguida pede-se confirmação do fato: “É não!... É?”. FOLÓ – Uso geral. Frouxo demais. Muito lasso. Afolosado. Chulo. Diz-se da mulher que teve muitos parceiros sexuais. FRESCAR – Uso geral. Brincar. Divertir-se. Pilheriar. Fazer hora. Neste sentido, debochar, gozar alguém, curtir com a cara: “Você está é frescando com a minha cara!”; “Fresque não!!!”. Mentir, com finalidade zombeteira: “Acredito não. Você está é frescando”. Veja o verbete “Fazer hora”. FRESCURA – Uso geral. Brincadeira. Pilhéria. Mas também Afetação. Comportamento efeminado. Insinuações sexuais de caráter passivo. Escrúpulo excessivo ou exigência exacerbada: “Esse cliente é fresco demais. Por qualquer coisa ele reclama”; “A mulher do cara era cheia de frescura, tinha nojo de tudo, qualquer coisa a ofendia”. FRIVIÃO – Rural. Fervilhão. Turbulência mitológica, localizada no ânus, que se atribui ser a suposta causa da inquietação das pessoas muito agitadas, mormente as crianças. “Esse menino não pára. Parece que tem um frivião”. FULEIRO – Uso geral. Adjetiva objeto frágil, feio, cafona, de má fabricação, de baixa qualidade física ou estética. Pessoa alegre, sem gravidade, que faz pilhéria com freqüência e conta anedotas com maestria: “O João, que é muito fuleiro, foi animando a viagem”. Em se tratando de pessoa, o termo perdeu a semântica pejorativa, que foi transferida para o derivado “fuleragem”; “Não gosto daquele indivíduo. Aquilo é um fuleragem!”. Provém do étimo espanhol “fulero”, que designa pessoa desprezível. 53


FULERAGEM – Uso geral. Adjetiva coisa de má qualidade ou pessoa de baixo nível social. “Esses caras não trabalham e não têm filosofia nenhuma. São hippies fuleragem”. Como impropério, desqualifica moralmente. Como substantivo, é brincadeira, frescura. Comportamento de quem é brincalhão: “O João é cheio de fuleragem”. FUMAR NUMA QUENGA – Uso geral. Estar furioso. A expressão deve aludir a algum antigo ritual indígena, marcado por inalação de ervas fumegantes, que induzia a transe demoníaco. FUNARÉ – Rural. Confusão. Briga. Zoada. GALEGO – Uso geral. Não tem qualquer relação direta com o significado original, pois não faz referência à região espanhola da Galiza. O uso mais antigo, no Ceará, trata dos imigrantes sírios e libaneses, bem como dos seus descendentes. Por extensão, até hoje designa o profissional, de qualquer nacionalidade, que anda de porta em porta vendendo objetos para pagamento a prestação. Em seguida passou a significar qualquer “estrangeiro”, indistintamente, conforme o contexto da conversa. No sertão qualifica também qualquer pessoa de tipo nórdico, como os louros, de pele e olhos claros. Em muitos casos, o apelido “Galego” toma o lugar do nome próprio, para toda a vida. GAMELÃO – Uso geral. Pessoa muito alta. Varapau. GASTURA – Uso geral. Mal-estar provocado por um som raspante, ou pelo toque em algum material de textura desagradável, ou pela evocação de alguma imagem aflitiva, como, por exemplo, a de uma lâmina de barbear dentro do olho. Em algumas regiões do Estado, o termo conserva a sua acepção original, relativa a enjôo e náuseas. GATO – Urbano. Mulher de programa, no uso masculino da expressão. Homem belo, na linguagem feminina, de uso nacional. 54


Note-se que a palavra no feminino – “gata” – como em todo o país, adjetiva a mulher jovem e bela. GIGOLETE – Uso geral e antigo. Tiara. Arquinho. Acessório em forma de arco semiflexível, geralmente de substância plástica ou metálica, fixada sobre a cabeça, para prender os cabelos. Antigamente usado exclusivamente por mulheres, hoje adotado por alguns homens. GOIPADA – Rural. Cusparada. Refere mais especificamente ao jato abundante de saliva negra freqüentemente lançada pelos mascadores de tabaco sertanejos, ou pelos bebedores de cachaça ou conhaque de alcatrão, logo após cada tragada, para repugnar-lhe o sabor agressivo. A goipada não se produz pelo modo discreto de quem cospe soprando sobre os lábios, mas expulsando fortemente o ar e fazendo pressão súbita da língua sobre o palato, projetando-a para fora da boca e atirando longe o seu conteúdo. GOMA – Uso geral. Polvilho seco de mandioca, com o qual se fazem sequilhos, bulins e tapioca, além de outras especialidades da culinária cearense. É subproduto da confecção da farinha de mandioca. Com ele também se faz o grude, este uma específica “goma”, muito usada como cola, a qual, devidamente temperada e assada, converte-se em bolo translúcido, muito característico das festas juninas. Goma, no Ceará, é o que se convencionou chamar de “polvilho doce” no Sudeste. GOSTO DE GÁS – Uso geral. Empenho. Interesse. Pressa. Usa-se para designar alguma ação empreendida de forma muito efetiva, rápida ou animada. “Eu faço isso é com gosto de gás!”. GOTA – Rural. Antigo. Da gota: usa-se a expressão para enfatizar qualidade, promovendo adjetivação de intensidade ou de grandeza. “Aquele homem é um vaqueiro da gota!” (um excelente vaqueiro). Eu estava com uma gripe da gota!” (uma gripe forte). Com a gota: diz-se de quem, ou do que, está sob carga máxima. “Naquele dia ele estava 55


com a gota!”; “O carro vinha com a gota, quando passou pela estrada.” GUAJARINA – Urbano. Gíria corrente entre os funcionários do comércio varejista, para designar as clientes que examinam as mercadorias, experimentam peças, desorganizam o estoque, ocupando longamente os vendedores, e nada, ou quase nada, compram ao final. GUARIBAR – Urbano. Antigo. Enfeitar. Guarnecer com acessórios. Muito usado com referência a automóveis. HORA DE CANCÃO PEGAR MENINO – Uso geral e antigo. A expressão se refere ao horário convencionado antigamente para o recolhimento noturno das crianças, que girava em torno das 20 horas. Excedido esse limite, as mães costumavam mandar dormir os filhos, alegando ser “hora de cancão pegar menino”. Cancão é um pássaro nordestino, de cor preta com marcações brancas, da família das gralhas, que se costuma criar solto e manso pelas casas do sertão. É especialmente útil no controle de pragas domésticas, mormente baratas, que fazem parte de sua dieta preferida. Aprende a montar guarda sobre objetos determinados, bicando furiosamente a mão de pessoas desautorizadas a tocá-los. Talvez por isso seja usado para amedrontar as crianças. Os corvos europeus têm habilidades e mitologia semelhantes. HUME(!) – Rural. Homem. Usa-se como vocativo, no início, no meio ou no final de uma frase exclamativa, não raro duas vezes na mesma frase, geralmente para alertar ou repreender: “Hume, deixe disso, hume!”; “Faça isso não, hume!”. Pode também ser usado isoladamente, para comunicar reprovação, ameaça ou receio, em relação a determinada atitude do interlocutor: “Hume!!”. O uso prevalece na classe masculina, no sertão e nas cidades da região do Cariri, convertendo-se em verdadeiro vício de linguagem, para alguns indivíduos, que somente iniciam uma frase utilizando esse termo. O “e” final pode ser bem pronunciado, com som de “i” – “Humiii!”, ou suprimido, alongando-se o som do “m” – “Hummm!”, dependendo da 56


entonação que o caso exija. Talvez esse uso tenha dado azo ao refrão caricato “nhame-nhame-nhame” que os sudestinos intercalam às frases quando fazem paródias cômicas de músicas do Nordeste. Em inglês norte-americano usa-se muito a expressão “man” (homem), de modo parecido, no final das frases, mormente no linguajar dos afrodescendentes. IGIA(!) – Rural antigo. Vigia. Não se aplica em substituição ao verbo vigiar no seu sentido clássico, que no caso voltaria à sua forma normal (vigia), seria substituído pela expressão “botar sentido”, ou pelo verbo “pastorar”. A interjeição “igia!” é usada exclusivamente para denotar admiração em relação a afirmação ou atitude de outrem, censurando-o e principalmente denunciando alguma presunção descabida. “Igia!, a roupa que esse lascado está usando!”; “Igia!... que conversa besta é essa?”. Corresponde à expressão “mas, olha!”, também usada no Nordeste, e ao termo “imagina!”, mais usual no Sudeste. IGNORANTE – Rural. No meio popular, o adjetivo ignorante é empregado para significar “grosseirão”, “bruto”, “temperamental”, “indelicado”: “Não falo com João porque ele é muito ignorante”. IGNORAR – Rural. Levar a mal. Aborrecer-se com ato ou afirmação de outrem. Interpretar de maneira maliciosa. Reagir grosseiramente contra algo. “Eu disse que ela é bonita e ela ignorou. Pensou que era atrevimento meu”; “Eu tentei ser educado, mas assim mesmo ele ignorou, e partiu pra briga”. Hoje a palavra ignorar é usada nos sertões e subúrbios cearenses exclusivamente nessa acepção. Mas em tempos mais antigos, os caboclos usavam “inorar” no sentido clássico de “desconhecer”: “Eu inoro onde ele esteja”. Veja o verbete “Ignorante”. IMBUANÇA – Uso geral. Veja o verbete “Emboança”. IMPAIÁ – Rural. Empalhar. Atrasar. “Vamos logo! Você está me impaiando!”. 57


IMPINJAR – Rural. Insultar. Implicar. Importunar. INCESO – Rural. Aquilo que está intacto. Inteiro. Porção de um produto fungível qualquer cuja quantidade inicial não foi reduzida: “O saco de feijão está inceso”. A palavra tem sonoridade latina, e nesse caso o étimo mais próximo seria “incesso” – aquilo que não foi cedido. INDAGURINHA – Rural. Ainda agora. Nestante. Há pouquíssimo tempo. Agorinha mesmo. INHACA – Uso geral. Mau cheiro renitente, exalado pela pele de alguém, ou pelo pêlo de algum animal, entranhado em algum objeto, ou que trescala em algum ambiente, sugerindo pouco asseio. A palavra provém do tupi “yakwa”, que significa “odoroso”, sem especificação de bom ou mau odor. No Sudeste dá-se ao termo interpretação errada, em relação à sua raiz etimológica, usando-a como sinônimo de “urucubaca”, falta de sorte, caiporismo. INRIBA – Rural. Sobre. Em cima. Provém do espanhol “arriba”. INSETO – Rural. Qualquer animal silvestre nocivo às culturas agropastoris. Por extensão, pessoa desclassificada, ou coisa estranha que não se saiba ainda definir o que seja. “Que inseto é este?”. INTERAR – Rural. Inteirar. Completar. Complementar. Acrescer. Usa-se também o antônimo “desinterar”: “Mal ele recebe dinheiro, vai beber no cabaré e desintera a feira”. INTERTÊ – Rural. Entreter. Distrair. INXERIDO – Uso geral. Extrovertido. Desinibido. Saído. Apresentado. Penetra. Intrometido. Metido. Vale esclarecer que no Sudeste do País o adjetivo “metido” tem a acepção de jactante, 58


posudo, “metido a besta”, enquanto no Nordeste é apenas sinônimo de intrometido. Inxerido é corruptela de “inserido”. IR PROS-PAUS – Uso geral. Antigo. Ir brigar. Atender a convocação beligerante ou desafio agressivo. “Eu chamei ele prospaus, mas ele não correu dentro”; “Vem pros-paus, macho véi, se tu for homem!”. “O João esculhambou com ele, mas ele não foi- prospaus”. Veja o verbete “Correr dentro”. ISPILICUTE – Uso geral. Veja o verbete “Espilicute”. ISPRITADO – Uso geral. Veja o verbete “Espritado”. IÚ(!) – Uso geral. Som que imita a vaia, mas em tom moderado, pois esta, quando no intuito de apupar, geralmente entoada coletivamente, é expressa de forma aguda e esganiçada, rasgante, produzida diretamente na garganta. Em diálogo normal, de maneira discreta, alguém dirá iú!, geralmente em voz de falsete, mas não necessariamente, às vezes alongando o “u” final, sempre que pretender zombar do seu interlocutor, antes ou logo após lhe fazer revelação que o ponha em desvantagem. É comum entre crianças, quando uma mostra possuir algo que a outra ainda não detenha, ou lhe conte ter feito algo interessante de que a outra não participou. É a forma clássica de “mangar”. “Iuú! Nem tens uma bicicleta como a minha!”; “Eu fui à praia e tu não foste... Iú!”. IXE(!) – Uso geral. Veja o verbete “Vixe(!)”. JACARÉ – Urbano. Recente. Pessoa que convence ou persuade facilmente as outras através da conversa. Homem muito conquistador, dado a “cantar” as mulheres, ou que dispõe de argumentação criativa para fazer negócios. Queixudo. Por extensão, argumento falso, lábia, mentira. JOGAR NO MATO – Uso geral. Jogar fora. Extraviar. Botar no mato. Rebolar no mato. 59


LABACÉ – Rural. Lambança. Fanfarra. Zoada. Desordem. Confusão. Presepada. LABROCHERO – Antigo. Quase em desuso. Mal vestido. Sem requinte. Maltrapilho. LACULÁ – Uso geral. Lá acolá. Lá. Ali. Acolá. Os mais letrados costumam repreender os que assim se expressam, de forma irônica, com uma alusão onomatopaica: “Laculá é um cachorro bebendo água numa lata!”. LAIVAI(!) – Uso geral. Lá vai. Usa-se para prevenir sobre algo que se vai lançar na direção de outrem, inclusive, às vezes, verbalmente: “Quer saber a verdade? Então laivai!”. Usa-se também como interjeição, para expressar espanto crítico em relação a algo que se ouça ou se veja, dando-se ao termo a entonação adequada: “Laivai! Isso lá é jeito de se vestir!”. LAIVÉM – Uso geral. Lá vem. Previne sobre algo que está vindo, e que esteja sendo esperado: “Laivem o trem!”. Usa-se, de forma crítica, contra alguém que insista em algum argumento ou comportamento indesejável: “Laivém você de novo com essa história!”. LAPADA – Uso geral. Golpe de relho, de rebenque, de chicote. Chicotada. Provavelmente proveniente do étimo “lappa”, o mesmo que “pedra” no idioma pré-céltico. Corresponderia, portanto, a “pedrada”. Também se diz de uma tragada de aguardente. Em outras partes do país se diz “lambada”. Nesta acepção, o mesmo que “talagada”. LAPINHA – Uso geral. Antigo. Representação natalina da cena do nascimento de Jesus Cristo, hoje já muito em desuso. O mesmo que “presépio”. Automóvel muito enfeitado, antes da moda do tuning..

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LARGAR MÃO – Uso geral. Abandonar alguma coisa, mormente algum hábito reprovável: “Larga mão dessa mania, homem!”. LASCADO – Uso geral. O uso mais comum no sertão é no sentido de fendido, rachado, quebrado. No meio urbano toma a conotação de “desgraçado”, referindo-se a alguém que esteja em apuros, perseguido, derrotado, mal de saúde ou em dificuldades financeiras. LASCAR – Uso geral. Prejudicar alguém, ou a si mesmo: “Assim você lasca o rapaz!”; “Com essa, eu me lasquei”. Acumula ainda o mesmo sentido de “tacar”, “bater com...”, vibrar alguma coisa contra outra: “Lasquei a mão na cara dele”; tomar alguma atitude vigorosa, “Então ele lascou o pau e assinou o documento” ; abrir o verbo, principalmente na expressão “Lascar o pau”: “Ele queria saber a verdade, aí eu lasquei o pau!”.; “Se mexerem comigo, vou à imprensa e lasco o pau na vida deles”. LATOMIA – Rural. Antigo. Barulho de vozes humanas reclamando. Lamentações altissonantes. Lamúrias ruidosas. Choradeira coletiva. O termo vem do latim, latomiae – prisão de pedra. Dionísio, príncipe de Siracusa, que viveu 400 anos a. C., fez escavar na rocha uma prisão – uma latomia – dando-lhe tal formato acústico interno que lhe permitia ouvir, numa câmara secreta, tudo aquilo que os seus inimigos presos tramassem contra ele. LERIADO – Uso geral. Lero-lero. Conversa fiada. Jacaré. Pabulice. LESADO – Uso geral. Diz-se depreciativamente do desatento, do nefelibata, da pessoa aérea, distraída, desligada. Leso. Veja o verbete “Voador”. LETRECA – Uso geral. Adjetiva coisa de má qualidade, feia, cafona, vulgar. Diz-se também “Lequetreque”. LIBRINA – Rural. Chuva fina. Chuvisco. Garoa. Provém de “neblina”. Neblina, a névoa, bruma ou “fog” que ocorre em dias e 61


locais de grande umidade, para o sertanejo é sempre “nevoeiro” ou “cerração”. LINHEIRO – Rural. Reto. Certo. Direito. Usa-se somente como referência geométrica, mormente na engenharia rústica do sertão. Árvore linheira, madeira linheira, traço linheiro, parede linheira, cerca linheira, estrada linheira. LISEIRA – Uso geral. Falta de dinheiro. Quebradeira. Prontidão. Dureza. Pindaíba. Aperreio. Por extensão, no Ceará o termo passou também a adjetivar aquele que tem parcos recursos, pouco patrimônio, baixa renda, pertencente a uma das classes mais modestas da sociedade: “Aquele é um grande liseira!”. Veja o verbete “Liso”. LISO – Uso geral. Pobre. Sem dinheiro. Duro. Quebrado. Aperreado. Além de designar a condição de quem esteja momentaneamente sem dinheiro, por extensão, socialmente, diz-se daquele que tenha parcos recursos, pouco patrimônio, baixa renda, pertencente a uma das classes mais modestas da sociedade: “Ele mora naquele bairro mas é liso!”. Veja o verbete “Liseira”. LOBA – Urbano. Desvantagem. Má situação. “Aquele cara está na loba!”. Estar em má situação. MACACA – Urbano. Juvenil. Em desuso. Diz-se das empregadas e criadas domésticas, de qualquer aparência étnica, embora o uso deva ter-se originado contra as moças mestiças trazidas dos subúrbios e dos sertões para a cozinha, para cuidar de crianças e para outros serviços das casas urbanas. Iniciadoras sexuais dos rapazes de classe média, entre os anos 30 e 70 do século passado, eram especialmente assim designadas quando procuradas por eles, para fornicação, nas praças e nas esquinas da cidade, durante as folgas noturnas diárias que elas tinham. Os mais antigos as tratavam de cunhãs – “mulheres”, em tupi, já que as primeiras tinham origem indígena. Urbano. Infantil. Em desuso. Também se chama de “macaca” o jogo infantil que consiste em riscar, geralmente com giz ou carvão, um quadrado subdividido no 62


piso de cimento das varandas ou calçadas, para saltar dentro dele, hora com os dois pés, ora com um só, em cada uma de suas subdivisões, sem perder o equilíbrio, às vezes apanhando pedrinhas, mantendo uma das pernas levantada. A esse jogo dão o nome de “amarelinha”, em outros estados brasileiros. MACHO – Uso geral. Tratamento coloquial carinhoso dado aos indivíduos do sexo masculino, geralmente na intimidade, exatamente com a mesma conotação do termo “bicho”, incorporado à gíria do movimento Jovem Guarda, na década de 60. Evoluiu para a forma “macho véi”, que denota ainda mais afeto entre os interlocutores. Os norte-americanos usam o correspondente “man” – “homem”. Corresponderia à expressão clássica “amigo velho”. Usa-se ainda a palavra “macho” como adjetivo, para qualificar um indivíduo viril, valente, corajoso, ou mesmo em estado de fúria: “O cara é mesmo muito macho!”; “Quando ele disse isso comigo eu fiquei muito macho com ele, e taquei-lhe a mão na cara!”. Mormente no baixo meretrício, “macho” é usado também como sinônimo de amante regular, cliente mais assíduo de uma prostituta, que muitas vezes passa a sustentá-la em troca da exclusividade amorosa, e, de outras vezes, na condição de gigolô, é sustentado por ela, a custa de sua função no cabaré. “Aquele camarada é o macho dela”. Veja os verbetes “Mulher” e “Feme”. MAIS – Rural. Palavra usada como conjunção aditiva, em vez do “e” tradicional, ou como a preposição “com”, em frases que refiram a conjunto de pessoas. Muitas vezes em substituição aos pronomes “contigo = mais tu”, “comigo = mais eu”, “conosco = mais nós”, e “convosco = mais vocês”. “Eu mais ele sempre gostamos de cachaça”; Ela foi mais eu para o roçado”; “João andava mais Pedro”; “Maria disse que ontem estava mais tu naquela festa”. MALDAR – Uso geral. Fazer mau juízo. Suspeitar. Levar a mal. MALFAZEJO – Rural. Antigo. Malfeitor. Alguém disposto a cometer maldades. 63


MALINO – Rural. Diz-se do menino buliçoso, inquieto, danado, peralta, travesso, traquinas, levado da breca, como se costuma dizer no Sudeste. É corruptela de “maligno”. Veja o verbete “Traquino”. MALUVIDO – Rural. Aquele que não escuta conselhos, ou que desobedece a ordens. Teimoso. Muito utilizado em relação a empregado doméstico relapso e a menino peralta. MANCEBIA – Rural. Amigação. Caso amoroso irregular, mormente se paralelo ao casamento. Provém de mancebo, ou manceba – jovem, em referência ao rapaz ou moça que se presta a ser amante de alguém, geralmente mais velho. Veja o verbete “Amancebado”. MANGAR – Uso geral. Debochar, ridicularizar, gozar com a cara de alguém, levar na troça, fazer mangoça. MARMOTA – Uso geral. Coisa feia. Macaquice. Atitude suspeita. Conduta desonesta. Assombração. Pessoa desengonçada ou mal vestida. MARMININO(!) – Uso geral. Mas menino!. Termo com o qual se discorda de forma irônica, ou mesmo desafiadora, de alguma afirmação ou de alguma atitude de terceiro. “Ele disse isso? Marminino!”. A entonação e mesmo a acentuação dada à palavra varia, de conformidade com o grau de espanto ou de censura que se queira imprimir. MASSA – Urbano. Juvenil. Bom. Agradável. De boa qualidade. Tem o mesmo sentido das gírias “bacana”, da década de 50, e “legal”, da década de 60, além de outras que têm surgido no Sudeste, todas de uso nacional, como as recentes “chocante”, “irado”, “maneiro”, “sinistro” e “da hora”, esta última mais característica de São Paulo. Da Bahia irradiou-se para o resto do Nordeste a expressão “porreta”, também utilizada no Ceará há décadas, embora com menor freqüência que no seu Estado de origem. 64


MEDÕE – Rural. Medonho. Usa-se, tanto no sentido literal da palavra original, para referir a alguma coisa amedrontadora, como também com a função superlativa de conferir grandeza ou importância: “Era um homem alto medõe”; “Tinha uma coragem medõia”. Pronuncia-se “méd”, mais um “o” tônico com o som nasal semelhante ao da palavra “onze”, seguido do som de um “i” breve. MEIMUNDO – Uso geral. Meio mundo. Todo mundo. Todo canto. “Falei com meimundo e ninguém soube informar”; “Ele já andou meimundo e não se cansa de viajar”. MEIOTA – Uso geral. Inculto. Meia garrafa de cachaça. MEIPÃO – Uso geral. Meio pão. Impropério dirigido aos homens de pouca estatura: “baixinho”. O uso remonta ao tempo em que era usual comprar a metade de uma bisnaga de pão (nas bodegas, não nas padarias), para consumo individual, pois não se produziam ainda as de tamanho menor, chamadas no Ceará de “carioquinhas”, e, em outros Estados, de “cacetinhos”. MELADO – Uso geral e veterano. Um pouco bêbado. Puxando fogo. Bribado. Truviscado. Diz-se também do cavalo cor de mel. MELÉ – Uso geral. O curinga, no jogo de cartas. MENAS VERDADE – Rural. Usa-se essa expressão para desmentir uma afirmação. Deriva de “menos a verdade”, fórmula culta desvirtuada pelo povão. O equivocado plural da palavra “menos” era aplicado pelo presidente Lula, nos discursos de campanha, o que foi muito ridicularizado pela mídia. MENDE-FÓSCO – Rural. Rapidamente. Sem demora. A expressão é corruptela de “mesmo que fósforo”, ou seja, com a presteza com que o fósforo se incendeia. Em certas regiões de Portugal usa-se a expressão “em menos que um fósforo”, com o mesmo sentido. 65


MENINO AMARELO – Uso geral. Menino pequeno, ainda indigno de ter as opiniões e atitudes levadas a sério. O mesmo que “menino véi” e “menino do buchão. MENINO DO BUCHÃO – Uso geral. Menino pequeno, ainda indigno de ter as opiniões e atitudes levadas a sério. O mesmo que “menino amarelo” e “menino véi”. MENINO VÉI – Uso geral. Menino velho. Menino pequeno, ainda indigno de ter as opiniões e atitudes levadas a sério. O mesmo que “menino amarelo” e “menino do buchão”. “Eu ainda era menivo véi, mas me lembro como se fosse hoje”. Note-se que a palavra “velho”, ai entrevista, não se refere a idade, por mera antítese, mas tem o fito único de desqualificar, ou apequenar, qualquer substantivo, ou simplesmente lhe conferir algum coitadismo: “Minhas mãos véias têm sofrido muito nesse novo emprego de operário”; “Sabe Antônio, eu ando tão doente véi!”. A pronúncia da palavra, na expressão, pode evoluir para “menino réi”, caso se queira fazer entender que, além da desqualificação pela pouca idade, também se indica pouca importância sociocultural ao tal menino. “O bêbado vinha arrastando pela mão um menino réi imundo”. Vale notar que no sertão tradicional a infância não goza de nenhum prestígio especial, além do direito de ser alimentado – e isso desde que ajude na lida camponesa e se submeta a severos castigos físicos, quando transgredir alguma norma doméstica. É, no máximo, poupada das tarefas mais pesadas, e vigorosamente protegida de maus tratos perpetrados por adultos estranhos à família. Um tradicional radialista cearense, Guajará Cialdini, para enaltecer suas origens sertanejas, que pretensamente lhe teriam conferido fibra extra, repetia o bordão ufano: “Eu fui criado com angu e tabefe”. MERCANTIL – Uso geral. Supermercado. O termo, cujo significado clássico seria “comercial”, etimologicamente ligado a “mercante”, “mercado”, “mercador”, com correspondentes no francês e no inglês – merchant, ganhou essa acepção específica no Ceará nos anos 60, quando a família Ximenes fundou um supermercado com o nome 66


Mercantil São José, a primeira grande rede cearense de lojas desse gênero. A primeira empresa desse tipo em Fortaleza, o Supermercado Sino, falira pouco tempo depois de inaugurado, porque o povo estranhara esse termo superlativo, que evocava carestia, e não prestigiara o empreendimento. O Mercantil São José teve sucesso imediato e, embora com redução do número de lojas, perdura até hoje, mantendo em sua nova denominação Hipermercantil o termo que consagrou. “Fazer supermercado”, ou “fazer feira”, no Ceará é o mesmo que “fazer mercantil”. MERENDA – Uso geral. Lanche. Fast food. A palavra é conhecida em todo o país, mas só é corriqueira no Nordeste. No interior, também se denomina merenda o café da manhã, o “pequeno almoço”, como se diz em Portugal. Veja os verbetes “Bagúi” e “Caiduro”. METER A PEIA – Uso geral. Sovar. Açoitar. Castigar. Espancar. Bater em alguém: “Comigo é assim. Se não me atender, eu meto a peia!”. Veja os verbetes “Peia” e “Pisa”. METER BRONCA – Uso geral. Empreender alguma tarefa com denodo e energia. O mesmo que “meter mola”. METER MOLA – Uso geral. Empreender alguma tarefa com denodo e energia. O mesmo que “meter bronca”. METER O PÉ NA CARREIRA – Uso geral. Correr. Fugir rapidamente. Veja os verbetes “Dar no pé” e “Dar o pira”. METIDO – Uso geral. Abelhudo. Enxerido. Intrometido. Aquele que opina sem lhe ser perguntado, ou que se interessa por assuntos que não lhe dizem respeito. No sudeste, o termo “metido” designa o jactante, o orgulhoso, o posudo, o “metido a besta”.

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MEU FÍI – Rural. Meu filho. Usa-se em vez de “meu caro”, “meu velho”, como vocativo enfático. “Tu comeste hoje? – Nem feijão, meu fíi!”. MEU SENHOR – Uso geral. Usa-se em todo o país, e mais freqüentemente no Nordeste, mormente as mulheres, como tratamento formal para com desconhecido, não exatamente respeitoso, mas muito mais para marcar ausência de intimidade. É assim que as mulheres se dirigem aos balconistas das lojas, aos caixas dos bancos, a alguém a quem tenham que tomar informações, indiferentes à idade ou condição social: “Meu senhor, onde fica a rua Delmiro Gouveia?”. O uso da expressão no feminino (minha senhora) é muito mais formal e menos corriqueiro, restrito ao caso de se dirigir a palavra a mulher idosa, ou, por algum outro motivo, mais respeitável. A mulher jovem somente é tratada de “minha senhora” em ambiente de grande formalidade. Com o desuso coloquial da forma “senhorita”, o tratamento mais usual que se lhe dá é simplesmente “moça”. MEUS-OVOS – Uso geral. Os testículos de quem fala. No trato coloquial o homem do povo costuma dar aos próprios testículos a condição de entidade especial, à qual se remete qualquer assunto que se queira desprezar, pergunta que se queira negar, ou qualquer questão à qual não se queira dar veracidade ou importância. “Diga ao João que não compro a casa dele por esse preço. Diga a ele que 20.000 reais são meus-ovos!”; “Vou nada! Meus-ovos, que eu vou a uma festa dessa!”. “Então, vais comigo? – Meus-ovos!”; “Tu deves medir, no máximo, um metro e setenta – Meus-ovos! Eu meço um e setenta e quatro!”. Em alguns casos, corresponde à expressão “Picas!”, usual em todo o país. Os norte-americanos dão exatamente o mesmo uso ao termo “my ass”, que se refere ao ânus próprio. Algumas vezes, o vulgo costuma tratar uns aos outros de “meus-ovos”, como tentativa de impor intimidade através da depreciação. MIOLO DE POTE – Uso geral. Nada. Vazio. Besteiras. Coisa nenhuma, já que pote não tem miolo. Ou, por outra, água, que é aquilo que os potes de barro nordestinos costumam conter. Refere-se 68


geralmente a conversa tola ou sem conteúdo: “conversar miolo de pote”; “conversar água”; “conversar besteiras”. Difere semanticamente da consagrada expressão “conversa mole”, que já significa falsidade, explicação evasiva, afirmação inconsistente, promessa insincera. MISTURA – Rural. Pedaço de carne, peixe ou frango, de raro um ovo, que acompanha a refeição principal do sertanejo, representando a sua porção protéica diária. Aquilo que na culinária elegante se chama de “guarnição” – batatas, purê, arroz, enfim tudo que acompanha o prato principal, constitui, de forma inversa, a ração maior do homem do campo – arroz, feijão, farinha, servida sempre em grande quantidade, ficando a “mistura”, sempre em muito menor proporção, com a função secundária de “alegrar” a refeição. MODE – Rural. Veja o verbete “Prumode”. MÓI – Rural. Molho (ó). Feixe. Lio. Coletivo de chaves, de ramos, de gravetos, de coisas delgadas ou oblongas que se possam prender ou cingir com tiras. Por extensão, porção de qualquer coisa. Forma sintética do impropério “mói de chifre”. MÓI DE CHIFRE – Uso geral. Chulo. Molho(ó) de chifres. Porção de chifres. Monte de chifres. Impropério que se dirige aos “chifrudos”. Título que se dá aos pretensos “cornos”, assim compreendidos os maridos traídos. Usa-se mais em sentido jocoso, quer de forma agressiva, contra os importunos e desprezíveis, ou carinhosa, em relação aos íntimos, independentemente da real situação conjugal daquele de quem se fala. MOITIM – Rural. Escaramuça. Mungango. Marmota. Macaquice. Em linhas gerais, fazer moitim é se movimentar de modo pouco discreto, ou muito suspeito: “Fiquem ai, e não façam moitim se o policial se aproximar”; “O cachorro lhe mordeu porque você fez moitim”. O termo deve ter origem na palavra “moitinha”, embora sem 69


uma clara relação com o seu sentido. Mormente na região do Cariri, também se diz “pantim”, com o mesmo sentido. MOLECAGEM – Uso geral. Anarquia infantil. Bagunça juvenil. Desordem grupal e ruidosa promovida publicamente. Brincadeira. Troça. Pilhéria. Por extensão, indignidade qualquer praticada por um adulto contra outro: “Ele fez uma molecagem comigo. Rompeu o contrato e bandeou-se para o outro lado!”. MOLEQUE – Uso geral. Negrinho. Caboclinho. Por extensão, filho de pobre, pivete, trombadinha, menino de rua ou de favela, ou qualquer um que cometa “molecagem”. Mais extensivamente ainda, diz-se da pessoa extremamente brincalhona. Esta última acepção é aplicada no epíteto “Ceará moleque”, para referir-se ao espírito galhofeiro tradicionalmente atribuído ao povo cearense. No resto do país, a palavra “moleque” já está sublimada, significando apenas criança, indistintamente, e de modo especialmente afetuoso. MONDRONGO – Uso geral. Elevação irregular em qualquer superfície, inclusive da pele, da parede e do terreno. Inchaço. MULHER – Uso geral. No Nordeste, forma de tratamento coloquial carinhoso e íntimo exclusivamente entre as mulheres, exatamente como entre os homens usa-se o termo “macho”, entre os integrantes do movimento “Jovem Guarda”, em todo o país, na década de 60, usava-se “bicho”, e nas gerações mais recentes adotou-se “cara”, nestes últimos casos (“bicho” e “cara”) sem distinção de gênero. “Mulher”, como vocativo, é hoje corriqueiro nas cidades grandes e nas capitais do Nordeste, em todas as classes sociais, conservando-se as formas “muié” e “muiezinha” entre as sertanejas, ou “mulé”, nas regiões lindeiras à Paraíba. Veja os verbetes “Macho” e “Feme”. Os menos cultos, mormente os feministas, resistem ao uso da palavra mulher como antônimo de marido, preferindo o termo “esposa”, pomposo mas etimologicamente incorreto, já que significa, especificamente, “noiva”. 70


MUNDIÇA – Rural. Imundície. Coisa de pouco valor. Gente pouco educada, ou que age com pouca elegância. Por extensão, gente íntima, ou muito simples, com quem não se precisa ter cerimônia. MUNGANGO – Rural. Careta. Trejeitos. Macaquice. Provém da palavra “mogango”, de origem africana. NÃ(!) – Rural. Não!. Nos sertões, é muito comum o uso do termo como negativa enfática: Nã! Eu mesmo não!”. Como se vê no exemplo, não substitui a palavra “não”, que é pronunciada integralmente no final da frase. Algumas vezes, para conferir mais ênfase ainda, a palavra pode soar com duplo “a” nasal (“nãã!”), ou já com um som de duplo “e”: “neem!”. No meio das frases, o “não” já pode ter um som diverso: “num”. “Nã! Eu num vou de jeito nenhum!”. NÃO SER BARROSO – Urbano. Vide o verbete “Barroso”. NEGADA (Ê) – Uso geral. Negrada. Pessoal. Turma. Gente. A patuléia. Do grupo de negros, derivou para designar o grupo de crianças, porque através das crianças, que brincavam todas juntas, as raças foram-se fundindo socialmente no Brasil. Faz-se hoje o mesmo uso que no Sudeste se faz do termo “galera”, que, por sua vez, tem origem na palavra “galeria”, referente às arquibancadas populares do Estádio Maracanã. Veja os verbetes “Pessoal” e “Turma”. NEGOÇÃO – Uso geral. Negocião. Negociarrão. Usa-se para indicar um bom negócio, mas também, em forma de antítese, para referir uma péssima opção, ou um trato iníquo, e principalmente para repelir uma proposta capciosa, na expressão irônica: “Ô negoção!”. Veja o verbete “Coisona”. NEGÓCIO DE – Uso geral. Em torno de. Mais ou menos. “Ele chegou lá em casa negócio de três horas da manhã”; “Maria ganhou negócio de 5 mil reais pelo trabalho”. 71


NESCAU – Urbano. Antigo. Infantil. Salva de tapas vibradas por um grupo de meninos sobre a cabeça de um infeliz supliciado, como forma de penalidade lúdica, geralmente por ter ele feito ou dito alguma coisa condenável, conforme as regras de algum jogo, ou por pura execração sádica e discriminatória a que costumam dar vazão os adolescentes. A origem da expressão é um anúncio publicitário da década de 60, do famoso achocolatado em pó solúvel, cuja letra do jingle verberava: “Nescau, Nescau, Nescau, pa-ra-rá – ti-pum!!!. Durante a execução do espancamento, o grupo segura a vítima no centro da roda, enquanto repete em coro a palavra “nescau”, cantando o jingle, fazendo coincidirem as mãozadas desferidas com a onomatopéia do tambor: “pa-ra-rá – ti-pum!!!”. Veja o verbete “Salga”. NESTANTE – Uso geral. Nesse instante. Há pouco tempo. Agora mesmo. Agorinha. Ainda agora. Indagurinha. NÓ CEGO – Uso geral. Pessoa difícil, rebelde, complicada ou exigente, que não se deixa dominar ou conduzir facilmente. O termo é muito utilizado no interior como apelido, geralmente bem aceito pelo alcunhado, por ser, de alguma forma, alusivo à firmeza de caráter. OBRAR – Uso geral. Antigo. Defecar. OFENDER – Rural. Fazer mal à saúde. Causar doença. Termo sempre utilizado em relação a alguma prática ou à ingestão de alguma coisa: “Comer doce quente ofende a gente”. OI-DA-GOIABA (Ô) – Uso geral. O ânus, dito de maneira chula. Uso exclusivamente masculino. ONTONTE – Rural. Anteontem. Antonte. O RABO ERA UM REI – Rural. Corruptela de “o rabo era um relho”, imagem clara dos movimentos de chicote (relho), feitos pela hipotética cauda de alguém, durante uma fuga desesperada, 72


exatamente como ocorre com os bichos caudados quando se procuram escafeder. Usa-se a expressão para referir a alguém que fugiu ou fez alguma coisa em desabalada carreira: “Ele passou por aqui que o rabo era um rei”. OXENTE(!) – Rural. Exclamação para denotar surpresa, espanto, ou reprovação. Usado no Ceará apenas nas regiões lindeiras à Paraíba e a Pernambuco. O termo tem evoluído para “xent”, simplificação adotada por quem o utiliza em demasia, no início ou no final das frases: “Xent... e João não disse que ia?!”; “Eu chamei, mas ninguém respondeu... xent!”. É corruptela de “ó gente!”. PAIA – Urbano. Moderno. Ruim. De má qualidade. Por extensão, feio. O termo é uma corruptela proposital da palavra “palha”, aquela supostamente utilizada para adulterar determinada porção de maconha. Originalmente, no jargão dos drogados e traficantes, “coisa paia” é a maconha impura, que não provoca o efeito esperado. PAI DA COALHADA – Rural. Antigo. O trovão, como arauto que proclama as chuvas, que trazem fartura para o sertão. Era comum alguém gritar vivas ao “pai da coalhada”, durante as chuvas torrenciais. PAI D’ÉGUA – Uso geral. Antigo. Muito grande. Muito bom. De boa qualidade. Pessoa prestativa, agradável, de bom caráter. O termo provém do título que se dava ao garanhão de uma fazenda, o cavalo selecionado para reprodutor, portanto o melhor exemplar da criação. Vale lembrar que até recentemente, pouco mais de um século atrás, os cavalos tinham tanta importância social quando têm hoje os automóveis. PÃO SOVADO – Uso geral. Bisnaga de pão macio, de casca lisa e fina, em oposição ao pão d’água, ou pão francês, ou pão do reino, cuja casca, riscada ao meio quando crua, abre-se em bordas duras e crocantes, depois de assada a bisnaga. O nome provém certamente do 73


fato de que a massa utilizada para esse tipo de pão era sovada pelo padeiro, antes de ser assada. PAPANGU – Uso geral. Antigo. Espécie de farricoco mascarado dos reisados sertanejos, e por extensão os foliões que brincavam o carnaval usando fantasias e capuzes, mais extensivamente ainda, pessoa desajeitada e mal vestida. A palavra vem de “papa angu”, aquele que come angu, espécie de pirão. Não há nexo conhecido entre as duas acepções. PAPEIRA – Uso geral. Caxumba. Inflamação epidêmica da glândula parótida. Doença contagiosa que atinge geralmente as crianças, as quais, depois de curadas, ficam imunizadas por toda a vida contra recidiva. PAPEL DE EMBRULHAR PREGO – Urbano. Gíria. Pessoa grossa ou deseducada. Diz-se também “pentelho de barrão” e “ponta de aterro”. PAPEL QUEIMADO – Uso geral. Antigo. No tempo em que o casamento era indissolúvel, até o fim dos anos 70, referindo-se aos homens, as moças tachavam os casados de “papel queimado”, pelo seu estado civil, à época irreversível como os processos químicos, estado idêntico à condição física daquilo que virou cinzas. PAPOCAR – Uso geral. Perder-se, acabar-se, desaparecer, em relação a coisas e objetos. Falir, com referência a empresas. Morrer, em relação a coisas viventes. Perdeu afinidade com a referência sonora de “papoco” – estampido, variação de “pipoca”, de onde o verbo “pipocar”, com referência às pequenas e múltiplas explosões dos caroços de milho postos a torrar. Vem do tupi “poka”, que significa “arrebentar”. Papocar era ainda o termo utilizado entre os meninos para referir a dramática perda da arraia, quando a linha que a sustinha empinada se partia, por qualquer razão, e o brinquedo era melancolicamente levado pelo vento. 74


PAPUDIM – Uso geral. Recente. Papudinho. Que tem papadas. Bêbado contumaz. Mendigo alcoólatra. Refere o intumescimento facial que acomete os alcoólicos. PASTINHA – Uso geral. Antigo. Franja de cabelos sobre a testa. PASTORAR – Rural. Tomar conta. Zelar. Vigiar. Prestar atenção a. A palavra é clássica no sentido do pastoreio de animais, mas o sertanejo a utiliza para a guarda de qualquer coisa ou objeto, desde que envolva observação visual. Veja o verbete “Botar sentido”. PAU-DE-FOGO – Uso geral. Revólver. Vejo o verbete “Berro”. PAU-DE-LATA – Uso geral. O chato. O incômodo. Aquele que atrapalha. O “empata-foda”. Por extensão, o inútil, que não serve e só atrapalha. Refere-se à empunhadura de madeira geralmente pregada nas bordas internas das latas maiores, usadas para apanhar água nos poços e nas cacimbas, provavelmente porque esses paus, atravessados na boca das latas, se auxiliam na sua sustentação, atrapalham no seu enchimento e no seu esvaziamento. PAU-QUE-RÓLA – Uso geral. Aquilo que há em grande quantidade ou que acontece com muita freqüência: “Gente lá é o pau-que-róla”. “Para os ciganos, viajar é o pau-que-róla”. PEBA – Uso geral. De má qualidade. Banal. Ruim. Em tupi, corresponde aos adjetivos “achatado”, “rente”, “baixo”, “chato”, “horizontal”, dando a idéia de pouco espesso no sentido longitudinal. A palavra difundiu-se muito por designar o tatu-peba, variedade desse animal cujos indivíduos não têm os corpos cilíndricos, como os das demais, mas totalmente planos. Pode ser que o adjetivo pejorativo advenha do fato de que o peba seja o mais abundante dos tatus, a caça menos valorizada e mais consumida no sertão. O tatu-peba come carniça, escava sepulturas, e sua carne pode transmitir a hanseníase. “Peba” também se diz do prognato, indivíduo cuja mandíbula é 75


alongada, de modo que os dentes frontais inferiores encaixam-se na frente dos dentes frontais superiores. PEBADO – Uso geral. Lascado. Frito. Em palpos-de-aranha. Em grandes dificuldades. A origem é a palavra peba, de tatu-peba, um dos animais silvestres mais perseguidos e caçados pelos sertanejos. PÉ-DE-PAU – Uso geral. Árvore. PÉ-DE-PLANTA – Uso geral. Árvore. Arbusto. Usa-se mais para referir a vegetal que haja sido cultivado: “pé-de-pranta”. PEDIR PENICO – Uso geral. Render-se. Pedir arrego. PEGAR O BECO – Uso geral. Gíria. Ir-se embora. Fugir. Escafeder-se. PEGAR SIRI – Uso geral. Pegar siri era usar calças mais curtas que o recomendado pela moda, ao tempo em que a moda impunha que as barras das calças cobrissem os tornozelos. Essa exigência permanece na indumentária masculina mais formal; contudo, a moda atual permite, para homens e mulheres, o uso de calças de qualquer formato, cor e comprimento. A expressão se refere à necessidade óbvia de dobrar os embainhados, sempre que alguém for caçar crustáceos nos alagados em que eles predominam. PEIA (Ê) – Uso geral. Surra. Sova. Espancamento. Peiada. Corretivo físico imposto aos filhos pelos pais. “A polícia pegou o cabra e meteu a peia.”; “Quando os meninos do João não se comportam bem, é peia muita em cima deles!”. Também se diz de alguém que seja insubmisso, ou mal comportado, ou de algo que seja difícil de fazer. “Mandei o Raimundo lavar o carro, mas ele não lavou. O Raimundo é peia!”; “Construir estadas na serra é peia!”. Esse termo tem razão etimológica na palavra “pé”, pois originalmente indica instrumento para conter animais (pear), lhes amarrando um pé ao outro. Como no sertão isso é feito com uma tira de couro, que também pode ser 76


convenientemente usada para surrar pessoas, deu-se a migração semântica da palavra. Veja os verbetes “Meter a peia” e “Pisa”. PEIADA (Ê) – Uso geral. Veja o verbete “peia”. PEINHA DE NADA (É) – Rural. Uso generalizado. Um triz: “Não caí no abismo por uma peinha de nada” = “por muito pouco não caí no abismo”. A pronúncia da palavra “peinha” conserva o “e” com som aberto, mas a sílaba tônica está no “i”. É corruptela da palavra “pelezinha”. PEITICA – Infantil. Antigo. Palavra cabalística que se pronuncia para evocar boa sorte, ou para pretensamente trazer azar a um adversário, mormente nos jogos pueris, não raro aplicada na expressão “peitica da velha chica!”. Por extensão, “fazer peitica” também significa “aborrecer”, pois quem ouve do adversário a insistente invocação agourenta se aborrece. “Não venha me encher o saco com a sua peitica”. É palavra do tupi, que designa o pássaro de nome científico empidonomus varius. Talvez sua relação com sortilégios tenha origem nessa ave, quem sabe considerada indicativa de másorte. PELEJAR – Uso geral. Tentar com insistência. Perseverar na tentativa ou na tarefa. Insistir. Persistir. Não tem entre os cearenses o sentido de “lutar”, como no “pelear” dos gaúchos. No futebol se usava antigamente chamar a partida de “peleja”, mas essa acepção já está caindo em desuso. PENSE(!) – Uso geral. Gíria suburbana moderna. Interjeição com que se instiga o interlocutor a avaliar, na imaginação, a grandeza ou a excelência daquilo que se está referindo. “Eu fui a uma festa ontem... Pense, numa festa boa!”; “A festa foi boa mesmo? – Se foi boa? Pense!”. PENSO – Uso geral. Torto. Inclinado, em relação à linha do solo. O termo é clássico, porém pouco usado no resto do país. 77


PERAÍ – Uso geral. Coloquial. Espere aí. Veja o verbete “Perainda”. PERAINDA – Uso geral. Espere ainda. Expressão coloquial utilizada com o mesmo sentido de “espere aí”, com a qual se introduz a imediata contestação de algo que alguém diga ou faça, além do sentido literal de simples pedido de paciência para uma pequena demora. “Perainda, meu amigo, você está redondamente enganado!”; “Quinta e sexta? Perainda, você não disse que era no domingo?!”. “Ele queria entrar, mas eu disse logo: perainda, vá em casa e vista o uniforme”; “Perainda, que eu também vou!”. Há as variações “peraí”, mais citadina, “demore ainda”, “demore aí”, “barraí” e “barrainda”, usuais nos sertões mais profundos. Veja o verbete “Barrainda”. PEROBA (Ô) – Urbano. Homossexual. Baitola. PESSOAL – Uso geral. Esse substantivo é aplicado no Ceará para indicar um determinado grupo afetivo mais ou menos identificado: a turma (“o pessoal que estava comigo...”; “o meu pessoal”), a família (“o pessoal lá de casa”), ou, indefinidamente, o povo, aqueles de quem se fala em relação a alguma coisa. Neste último caso, semanticamente comparável à expressão “as pessoas”, mais usual nos estados do Sudeste: “as pessoas pensam que todos os políticos são safados...”. O substantivo “pessoal” é aplicado em todo o país, porém mais comumente referindo a corpos funcionais: “o departamento de pessoal”; “o pessoal do setor de produção da fábrica...”; “o pessoal da Secretaria da Fazenda”. E a palavra também é de uso generalizado como adjetivo, no sentido de “próprio”, “individual”, “particular”: “Esta é a minha opinião pessoal”. A expressão “Pessoal do Ceará”, subtítulo do LP “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”, primeiro disco fonográfico dos jovens compositores e interpretes cearenses que fizeram sucesso nacional no início dos anos 70, cujo sentido literal indica a origem do grupo, embute ainda esse regionalismo semântico especial, que como tal soa aos ouvidos sudestinos. Veja os verbetes “Negada” e “Turma”. 78


PEZIM – Urbano. Gíria futebolística. Pezinho. Usava-se até recentemente com o mesmo sentido de “embaixada”, o controle contínuo da bola de futebol, quicando sobre um dos pés, como prova de extrema habilidade futebolística. Nessa acepção, “dar pezim” era exatamente o mesmo que “fazer embaixadas”, ou “embaixadinhas”, como se tem preferido. O termo cearense já sucumbiu à influência do substituto sudestino. Infantil. Fazer pezim também é entrançar os dedos das duas mãos, fazendo com elas assim unidas um nicho para alguém apoiar um pé, a fim de elevar o corpo e escalar uma parede, ou subir numa árvore. PIA(!) – Rural. Veja o verbete “Espia(!)”. PILOURA – Uso geral. Mal estar súbito e intenso. Desmaio. PIMBA – Uso geral. O órgão sexual masculino. Usa-se muito no trato infantil, ou em expressões depreciativas: “Aquele sujeito é um “pimba mole!”; “Eu lá tenho medo desse pimba d’água!”. PIMBADA – Uso geral. Relação sexual. Veja o verbete “Pimba”. PINADA – Uso geral. Veja o verbete “Pinar”. PINAR – Uso geral. Chulo. Encostar-se o homem em uma mulher, com intenção lasciva, geralmente aproveitando-se de uma aglomeração, muito comumente em filas ou ônibus lotados, ou durante uma dança a dois. O mesmo que “dar um pino”, ou “dar uma pinada”. A palavra deriva do substantivo “pino”. PINGUELO – Uso geral. Objeto pequeno. Excrescência miúda. Biloto. Birimbelo. É também sinônimo chulo de clitóris. PIPAROTE – Uso geral. Antigo. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos. A palavra, hoje quase em desuso, têm 79


sinônimas mais antigas e mais modernas: “coque” “cocorote” e “cascudo”. O piparote, termo de origem espanhola, talvez em alusão ao som cavo produzido por uma pancada sobre uma pipa ou tonel pequeno, foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos, pelos pais, permanecendo, sob o nome de “cascudo”, como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores. PIRRITA – Uso geral. Pequeno, sempre em referência a uma criança, ou a um animal. “Bem pirritinha”. Pode ser substantivado, no sentido de “pivete”, muito comumente usado como apelido, caracterizando pessoa de pouco porte físico. PISA – Uso geral. Surra. Sova. Açoite. Dar uma pisa é açoitar, ou derrotar, em sentido figurado; levar uma pisa é apanhar, é tomar uma surra, ou ser vencido, extensivamente. Veja os verbetes “Peia” e “Meter a peia”. PISSUIR – Rural. Possuir, no sentido estrito dos bens materiais, incluindo os filhos entre eles, no caso exclusivo do pai referir-se a estes. A mãe “tem” os filhos, em vez de os pissuir, no entendimento dos rurícolas. Veja os verbetes “Ter” e “Possuir”. PÍULA – Rural Antigo. Gíria de uso geral. Corruptela de “pílula”, usada na acepção exclamativa genérica – “eita píula!” – ou para negar alguma coisa: “Ele não é capaz de fazer isso. Faz é píula!”. Usa-se também para acentuar uma depreciação, como na frase: “A mulher é feia que só uma píula!”. A origem desse uso deve ser a clássica expressão de desagrado “ora, pílulas!”, muito utilizada no passado. PITEL – Urbano. Coisa boa, catita, muito bela, ou muito bem zelada.O mesmo que “uma tetéia”. Muito usado em relação a mulher bonita, ou para caracterizar alguma coisa que se quer vender ou anseia comprar: “O carro é um pitel!”. Veja o verbete “Só o mí”.

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PLANTAR – Urbano. Tacar. Percutir. Bater: “Plantei a mão na cara dele”. “Plantar o pau”: fazer alguma coisa com muita energia. “Ela pegou a estrada, plantou o pau, e em pouco tempo estava em casa”. POMBA LESA – Uso geral. Pessoa sem iniciativa, pouco operosa, muito passiva, que não reage bem aos estímulos da vida. PÔR – Uso geral. Botar ovos. O verbo pôr é praticamente desusado no Ceará, sendo-o quase exclusivo nesse uso referido. O verbo “botar” é adotado nos casos todos em que, em outras regiões do país, usar-seia o verbo “pôr”. Inverte-se esse processo no caso específico dos ovos, que para nós são “postos” pela ave, quando, para os sudestinos, eles são “botados”. POR BOSTA! – Urbano. Gíria. Em grande quantidade. “Pra caralho”. PORRETA – Urbano. Gíria. Bom. Agradável. De boa qualidade. Tem o mesmo sentido das gírias “bacana”, da década de 50 e “legal” da década de 60, além de outras que têm surgido no Sudeste, todas de uso nacional, como as recentes “chocante”, “irado”, “maneiro”, “sinistro” e “da hora”, esta última mais característica de São Paulo. A expressão irradiou-se da Bahia para o resto do Nordeste e é também utilizada no Ceará há décadas, embora com menor freqüência que no seu Estado de origem. Pelo menos entre os cearenses, ganhou também a acepção de “muito grande”: “Era um avião que era um porreta!”; “A casa do homem é porretona, quase um quarteirão inteiro!”. Em terras alencarinas o termo “porreta” sofre a concorrência de “arretado”, também baiano, também menos usado que na Bahia e reunindo o sentido qualitativo ao superlativo. Em seu Estado de origem, não no Ceará, “arretado” também significa enfurecido, irado, enraivecido: “Eu fiquei arretado com ele!”. Veja o verbete “Arretado”. POSSUIR – Rural. O caboclo dá ao verbo possuir, geralmente pronunciado “pissuir”, um uso muito especial, sempre com referência aos seus bens mais prezados, neles incluídos os filhos, no caso de ser 81


o pai que a estes se refira. Quem “tem” filhos, no seu entendimento semântico, são exclusivamente as mães, confundida a acepção do verbo ter com a do verbo parir. Veja o verbete “Ter”. PRANTA – Rural. Planta. Árvore. Arbusto. Leguminosa. Plantação. Usa-se geralmente para referir a vegetal cultivado. Pé-de-pranta. Veja o verbete “Pé-de-planta”. PRANTAR – Rural. Veja o verbete “Plantar”. PRESÉPIO – Uso geral. Antigo. Representação natalina da cena do nascimento de Jesus Cristo, hoje já muito em desuso. O mesmo que “lapinha”. PRESEPADA – Uso geral. Atitude de presepeiro. Artimanha. Trapaça. Brincadeira de mau gosto. PRESEPEIRO – Uso geral. Gaiato. Trapaceiro. Aquele que promove trapalhadas, ou presepadas, que urde artimanhas ou faz brincadeiras de mau gosto. PRIQUITO – Uso geral. Antigo. Chulo. Órgão sexual feminino. Provém de “periquito”. PRONTO! – Uso geral. Essa interjeição é aplicada para grifar com resolubilidade um determinado pondo do discurso. “Pronto! Já chegou o estraga-prazeres!”; “Sabe a igreja que existe daqui a três quarteirões: pronto! A casa dele fica bem defronte.”; “Você diz que não quer me aborrecer? Pois pronto! Não toque mais nesse assunto!’. A palavra conserva os seus significados clássicos de “concluído” – “a casa que estava em construção já ficou pronta”; de “disposto” para alguma empreitada – estou pronto para enfrentar a prova; de vestido de forma elegante ou apropriada para um evento social – “as mulheres demoram para se aprontar”. Neste sentido, sinônimo de “arrumado”. A acepção antiga que se aplicava a pessoa sem dinheiro, neste caso sinônimo de “liso” e de “quebrado”, já não se usa mais. 82


PROVOCAR – Rural. Sentir náuseas. Vomitar. O uso advém certamente da expressão “provocar vômitos”. As pessoas simples usam “provocar” à guisa de eufemismo. Conhecem, mas rejeitam o termo “vomitar”, mais evocativo das ânsias e apuros nauseosos. Fenômeno semelhante ocorre no meio urbano com a palavra “parir”, somente usada para animais, substituída, no caso humano, por “ter menino”, “descansar” ou “ganhar bebê”. Ora, “parir” e “parto” são palavras irmãs; entretanto esta última, ao contrário da primeira, mantém-se referente ao ser humano no vocabulário elegante aplicado em sociedade. Em algumas áreas diz-se também “alojar”, por “vomitar”. PRUMODE – Rural. Antigo. Por amor de. Usa-se no sertão no sentido de “por causa de”, “para”, “a fim de”. “A plantação morreu prumode aiágua, que faltou”. “Eu só fui prumode ajudar ele”. “Eu não posso andar, prumode uma dor que me dá na perna”. Hoje a expressão já está reduzida à forma contrata “mode”. PURO A – Uso geral. Cheirando a... : “Esta roupa está puro a perfume”. Usa-se também de outra forma: “A casa está o puro incenso”. Se a referência for a qualquer cheiro desagradável, a expressão pode ser agravada para “está podre a ...”: “Meu cabelo está podre a sarro de cigarro!”. PUTARIA – Uso geral. Seria o coletivo de puta, ou, por outra, designaria o comportamento característico das meretrizes. Entretanto, o termo adquiriu sentido mais amplo, e bastante distanciado de sua genética semântica. Usa-se hoje para referir a baderna, a desorganização, a gozação, ou, ainda, a brincadeira ou meramente a alegria. “Aquilo é uma putaria. Nada ali funciona que preste!”; “Os caras se desentenderam e a reunião virou a maior putaria!”; “Não acredito nisso. Você está é com putaria.”; “A festa foi muito boa. Fizemos a maior putaria!”. 83


PUXAR FOGO – Rural. Apresentar vermelhidão na conjuntiva dos olhos, por ter consumido bebida alcoólica. “Sou fraco para a bebida. No segundo copo eu já fico puxando fogo”. QUEBRAR DENTRO – Uso geral. Diz-se de quando alguma coisa se complica, por algum evento infeliz superveniente. “Se o ônibus chegar e não houver vaga no hotel, então vai quebrar dentro”; “Agora quebrou dentro: não consegui o livro, e a prova é amanhã”. A expressão é de uso quase que exclusivamente masculino, e tem nítida origem mecânico-operária, referindo o momento difícil do conserto ou desmontagem de determinado engenho ou mecanismo, cuja peça quebrada, a ser removida, esteja reclusa e inacessível, a carecer de esforços ingentes para a sua extração. QUEBRAR E APARTAR – Uso geral. Falir completamente. “A empresa quebrou e apartou!”. Usa-se a variante “Quebrou que apartou”, enfatizando a quebradura com a separação das duas partes. Veja o verbete “Apartar”. QUEIMA(!) – Urbano. Grito de guerra da molecagem cearense. Expressão que se profere a plenos pulmões, geralmente entre vaias, sempre que haja alguma razão para galhofa, ou euforia coletiva. Provém da frase “queima, raparigal!”, que a turba adotou desde um incêndio ocorrido em um prostíbulo, no centro de Fortaleza, lá pelos anos 40, durante o qual as prostitutas, em polvorosa, correram seminuas para a rua. Como não teve vítimas fatais, e portanto não se converteu em sinistro trágico, o evento se perpetuou na memória do povo como episódio burlesco da cidade. QUEIMADO – Urbano. Moral ou socialmente desgraçado. Sofrendo de descrédito e mau conceito. Desacreditado. Também se diz do levemente embriagado. QUEIMA RAPARIGAL(!) – Urbano. Veja o verbete “Queima!”.

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QUEIXAR – Urbano. Gíria recente. Na acepção aqui abordada, a palavra não guarda relação com o verbo “queixar-se”, regularmente utilizado no Ceará, como em todo o país. Queixar, na gíria recente, é o mesmo que “meter o queixo”, “cantar”, argumentar, tentar persuadir. É atributo dos indivíduos “queixudos”. Veja o verbete “Jacaré”. QUEIXUDO – Urbano. Gíria. Veja o verbete “Queixar”. QUE NEM – Uso geral. Inculto. Como. Assim como. Tal qual. “Ele é que nem eu: não gosta de brincadeira”. QUE NEM PRESTA(!) – Uso geral e recente. Em grande quantidade. Em banda de lata. “A festa foi ótima. Tinha mulher que nem presta”. QUENGA – Uso geral. Parte rígida da casca de coco. Cuia de coco. Prostituta, me uso chulo e mais restrito. Por equívoco, os autores sudestinos, em suas obras ficcionais, principalmente nas novelas televisivas, quando situam a trama no Nordeste, adotam a palavra “quenga” nos diálogos como substituto absoluto de “prostituta”, como se o termo fosse tão freqüente e socialmente aceito entre nós, com ares de eufemismo simpático e delicado. Na verdade, na acepção de meretriz, “quenga” é palavra grosseira, de baixo calão, para designar, de maneira depreciativa, as rameirinhas mais pobres e baratas. QUI(!) – Rural. A interjeição contesta alguma afirmação que o interlocutor acabe de fazer: “Este animal está morto. – Qui!, menino. O bicho está só dormindo!.” Ou nega de plano, ante indagação mal recebida: “Você namora com ele? – Qui! Nem de soldado eu gosto!”. O termo deve ser uma simplificação da expressão “que nada!”. RABIÇACA – Uso geral. Gesto com o corpo, ou com a cabeça, na direção contrária a alguém, desviando a face e o olhar de forma rude, denotando grande desprezo. É prática usual entre mulheres, quando são desafetas. “Ela passou e me deu uma rabiçaca!”. O termo pode 85


derivar da palavra “rabo”, em alusão ao movimento que o gesto provoca nos cabelos ou no vestido de quem o pratica. RACHA – Urbano. Disputa automobilística de velocidade empreendida pelos jovens, nas ruas da cidade. Pega. “Racha” também designa, não só no Ceará, a partida de futebol menos formal, amadora, geralmente sem árbitro e sem regras rígidas. Nessa acepção é sinônimo de “pelada”, mas, em qualquer caso, é palavra do gênero masculino. RACHADA – Urbano. Gíria. Mulher, na gíria dos homossexuais. O termo se estendeu, por deboche, a outros grupos sociais, sempre com intenção depreciativa em relação à classe feminina. RAIA – Uso geral. Veja o verbete “Arraia”. RAPARIGA – Uso geral. Prostituta. É expressão chula, mas suave, nem tão socialmente admissível como “prostituta”, nem tão grosseira como “puta”, nem tão depreciativa como “quenga”. Tanto que algumas mulheres de classe média e classe alta costumam tratar-se às vezes por “rapariga”, na intimidade, carinhosamente. Na verdade o termo tem origem culta no vernáculo. RASO – Uso geral. Fácil. Perto. Breve. “Pensei que não íamos chegar nunca. Mas agora já está bem rasinho”; “Tirar os documentos é complicado. Mas através de um bom despachante fica mais raso”. A palavra conserva a sua acepção clássica, referente a pouca profundidade. RASPÃO – Uso geral. Arranhão. Veja o verbete “De raspão”. REBOLAR – Uso geral. Jogar fora. Pôr no lixo. Desfazer-se de algum objeto. REBOLAR FORA – Uso geral. Rebolar. Jogar fora. Rebolar no mato. 86


REBOLAR NO MATO – Rural. Rebolar. Jogar fora. Desfazer-se de algum objeto. Não tem a acepção de “botar a perder”, como ocorre com a sinonímia “botar fora” e “botar no mato”, a qual tem a acepção extra de ter perdas econômicas ou fazer maus negócios. RÉI (réia) - Uso geral. Véi. Velho. Veja o verbete “Véi”. RESPEITE(!) – Uso geral. Expressão elogiosa ou enaltecedora. “A festa foi boa? – Respeite!”; “Ontem fomos a uma festa na cidade. Respeite a comida!”. RODAGE – Rural. Rodagem. Estrada. RIDICO – Rural. Corruptela de “ridículo”, mas não tem a mesma acepção semântica. Pretende significar pessoa ou animal de gênio difícil e imprevisível. Muito usado em relação aos cavalos e muares de comportamento traiçoeiro, que ora de comportam com docilidade, ora tornam-se rebeldes. RONCEIRO – Uso geral. Vagaroso. Lento. Mal pagador. Muito utilizado em relação a veículo ou montaria que não desenvolve boa velocidade. ROSCOFE – Uso geral. Relógio de má qualidade, em referência, talvez injusta, ao relojoeiro suíço G. F. Roskopf, que viveu no século 19. Mas o termo também assumiu acepção mais chula, para significar o ânus. RUMA – Uso geral. Um bocado, uma porrada, um monte, um bando, uma boa quantidade de qualquer coisa, seja coisa animada ou inanimada: “uma ruma de gente”; “uma ruma de carros”; “uma ruma de bosta”. Neste último exemplo, a palavra “ruma”, isoladamente, por eufemismo, dispensará menção à matéria a que se refere. Sendo assim, quando alguém se refere a “uma ruma”, sem dizer de que, certamente se estará referindo a excrementos. Note que a palavra “bosta” deve 87


significar exclusivamente esterco vacum. “Bos” é o radical latino para “boi”. SABACU – Uso geral. Espancamento. Porrada. Dar uns sabacus é a ir às vias de fato. É palavra tupi. SACANAGEM – Uso geral. Atitude pouco digna. Trapaça. Diz-se de qualquer comportamento que constranja ou exponha outrem a vexame ou a prejuízo. Por extensão, brincadeira de mau gosto. O termo, que tem origem clássica de conotação sexual, foi sublimado no Sudeste, onde é amplamente usado em sociedade e na imprensa. No Ceará, no entanto, conserva a sua conotação chula e grosseira. SACO FURADO – Uso geral. Diz-se da pessoa que não sabe guardar segredos. SALGA – Urbano. Antigo. Infantil. Salva de tapas vibradas por um grupo de meninos sobre a cabeça de um infeliz supliciado, como forma de penalidade lúdica, geralmente por ter ele feito ou dito algo condenável, conforme as regras de algum jogo, ou por pura execração sádica e discriminatória a que costumam dar vazão os adolescentes. O termo faz referência ao ato de salgar a carne de sol, ou à ardência provocada pelas mãozadas sobre a pele. Veja o verbete “Nescau”. SALSEIRO – Uso geral. Confusão. Desordem. Desmantelo. Deve ter origem na palavra “salsa”, uma planta daninha que embriaga os animais que a ingerem, muito comum no sertão, a qual se espalha pelo solo em confuso emaranhado de cipós verdes e folhas redondas. Pode também se originar de “salso”, relativo a sal, quem sabe em alusão à faina das charqueadas, quando se matavam, carneavam e salgavam dezenas de bois por dia, na produção da carne-de-sol, em vários centros urbanos do sertão nordestino. SAMANGO – Urbano. Antigo. Soldado. Por extensão, qualquer militar. “Milico”, como se diz em todo o país. 88


SAPECAR – Uso geral. Além do uso normal como sinônimo tupi da palavra “chamuscar”, acumula ainda o mesmo sentido de “tacar”, “bater com...”, vibrar alguma coisa contra outra: “Sapequei a mão na cara dele”. Pode significar também a tomada de alguma atitude vigorosa, “Então ele sapecou a assinatura no documento”. Veja os verbetes “Lascar” e “Plantar”. SE ABRIR – Urbano. Vulgar. Abrir-se, neste caso sempre aplicando a próclise do pronome, é rir-se, dar risadas, gargalhar, achar graça. “Quando ele falou aquilo eu me abri muito!”; “Quando ele viu a cena começou a se abrir”. Há quem adote o cacoete de concluir qualquer narrativa jocosa com a expressão: “Eu me abro!”. Note-se que “achar graça”, entre os cearenses, não é somente um sentimento de bom humor, mas, a partir desse sentimento, especificamente o ato de rir. SEBO NAS CANELAS (PASSAR) – Geral. Antigo. Passar sebo nas canelas é apressar-se, aviar-se. Usa-se geralmente como voz de comando, quando se pretende obter tarefa urgente de algum subordinado: “Passe sebo nas canelas!”. Deve provir de antiga crença segundo a qual canelas lisas fazem mais velozes os corredores. SEBOSO – Uso geral. Aquele que não tem escrúpulos higiênicos. Porcalhão. Qualquer ato anti-higiênico: porcaria, “sebosidade”. SECO – Uso geral. Magro. Também reúne os sentidos de enxuto, pouco úmido, sem água (rios e lagos), estival (região), rudemente lacônico ou desafetuoso (alguém), curtido pelo tempo (artigo). Entre nós o termo não guarda relação com ausência de açúcar, a não ser na classificação dos vinhos, que nos vem de outra cultura. SECO DA TISGA – Rural. Antigo. Seco da tísica. Tísico. Tuberculoso. Usa-se como impropério contra os indivíduos muito magros. SECO DO QUINZE – Rural. Antigo. Seco da tisga. Macérrimo. Usa-se como impropério contra os indivíduos muito magros. Faz 89


referência à terrível seca de 1915, que inspirou o famoso livro de estréia da escritora cearense Rachel de Queiroz – O quinze. SEGURAR VELA – Uso geral. Segurar vela, na gíria cearense, é acompanhar um casal, impor a própria presença junto a dois enamorados, importunando o seu romance, ou constrangendo-se a si mesmo pelo incômodo provocado. “Não vou com vocês, porque detesto ficar segurando vela”. Antigamente era comum serem os meninos obrigados pelos pais a acompanhar irmãs mais velhas com seus namorados, a fim de evitar intimidades maiores entre estes. Também se diz “comer cocada”. SEM-FUTURO – Uso geral. Pessoa desqualificada ou atividade desprezível. “Aquele cara é um sem-futuro”; “Deixa essa mania de fazer fofoca que isso é muito sem-futuro”. Hoje já se usa a sigla simplificadora, por eufemismo, seguida da palavra “total”: “O namorado dela é um SF- total”. SETENTA – Uso geral. Veja o verbete “Um setenta”. SEU ZÉ – Uso geral. Tratamento que se usa ao dirigir a palavra a um homem do povo, de quem não se saiba o nome. O correspondente feminino é Dona Maria. SIBITE BALEADO – Uso geral. Pessoa muito magra, ou de aspecto muito frágil. É impropério comum entre os meninos. Sibite é o nome popular da cambaxirra, um passarinho muito pequeno e delicado. SIMIANTE – Rural. Semelhante. O termo, entretanto, nesse uso ingênuo, não guarda relação com semelhança, mas toma a semântica de “tal” ou “que tal”, aquilo que é notável, ou isto que é desproporcional : “Eu não seria capaz de fazer simiante coisa com um amigo”; “Ele disse que essa ponte não agüenta o peso de simiante caminhão, com essa enorme carrada de tijolo”; “Por simiante valentia, o homem merecia até um prêmio”. 90


SÓ DE MAU – Uso geral. Por maldade. Por birra. Por mero capricho. “Negaram o visto só de mau”; “Pois só de mau eu não vou à festa”. SÓ O MI – Rural. Inculto. Só o milho. Corresponde a “muito bom”, “excelente”. A gíria suburbana adaptou a expressão para “só o pitel”. Veja o verbete “Pitel”. SUSTANÇA – Rural. Substância. Sustentação física. Saúde. Vigor. Energia alimentar. TAÍ, UMA COISINHA(!) – Uso geral. Expressão de absoluto repúdio a uma informação recebida, ou de ameaça velada, ante alguma pretensão revelada por terceiro: “Ele disse isso? Taí, uma coisinha! Ele que se atreva!”. TAPIOCA MORDEU BEIJU – Rural. Curiosa expressão para sintetizar argumentação prolixa, descabida, falsa ou desprezível, que alguém haja adotado, e que seja ocioso repetir inteiramente. “O doutor disse que não atendia o homem, porque não o conhecia, e que tapioca mordeu beiju...”; “Ela acabou o namoro. Disse que até gosta de mim, mas que prefere assim, porque tapioca mordeu beiju”. Tapioca é uma especialidade da cozinha nordestina, feita de goma de mandioca, e beiju é uma versão de tapioca, maior, mais grossa e endurecida. TEM É ZÉ(!) – Uso geral. Expressão que denota dúvida, ou atribui alto grau de dificuldade, diante de uma bravata, ou ao se declarar alguma pretensão mais ousada. Corresponde a se dizer “isso é muito difícil!”. “Ele pensa que vai passar no concurso... tem é Zé!”; “A estrada está muito ruim. Para se passar em certos trechos, tem é Zé!”. TER – Rural. Além da acepção normal do verbo, usa-se especificamente em substituição ao verbo “parir”, no caso do parto humano, pois no entendimento semântico dos caboclos, “parir” é de uso restrito em referência aos animais. As mulheres “têm” filhos, seus maridos os “pissuem”, as fêmeas irracionais “parem”. Veja o verbete “Possuir”. 91


TERNONTONTE – Rural. Tresanteontem. O dia anterior a anteontem. O termo é pouco usado no idioma regular, embora absolutamente correto em sua forma culta. Em vez de usá-lo, as pessoas preferem dizer: “...há três dias...”, ou: “na quarta-feira passada...”, se presentemente é um sábado, por exemplo. Mas o sertanejo usa “ternontonte” com bastante freqüência. Veja o verbete “Ontonte”. TIBUNGAR – onomatopaica.

Rural.

Mergulhar

com

estrépito.

Palavra

TIRAR UM FINO – Uso geral. Passar muito próximo. Tangenciar algo, quase lhe tocando. Passar de raspão. “O carro tirou um fino na criança que atravessava a rua”. Veja o verbete “Raspão”. TOCAR FOGO – Uso geral. Botar fogo. Incendiar. Em outras regiões do país diz-se “tacar fogo”, parecendo-nos esta uma forma semanticamente distorcida. “Tocar” tem o sentido de fazer contato, encostar, bem como o de fazer progredir, que evocam a provocação de um incêndio. Já o verbo “tacar” sugere vibrar alguma coisa contra outra, percutir, bater, usar o tacão, dar pancada, que não tem nenhuma relação com o ato de fazer queimar. TORAR – Rural. Quebrar. Partir. TRAÇAR – Uso geral. Veja os verbetes “Dar o traço” e “Traço”. TRAÇO – Uso geral. Finta do futebol. Drible. “Dar um traço”. “Dar um traço de arrodeio”. Por extensão, dar um traço pode ter o sentido figurado de enganar, iludir, lograr. Veja os verbetes “Dar o traço e Traçar”. TRAQUINO – Uso geral. Veja o verbete “Malino”. 92


TRISCAR – Uso geral. Tocar levemente. Muito usado, por força de expressão, para negar violência física, ingestão de algum alimento, ou abordagem de algum tema. “Tinha muita comida lá, mas eu nem trisquei”; “Ela está chorando, mas eu juro que nem trisquei nela”; “Para ele não se aborrecer comigo, eu não trisquei no assunto”. TRUPICÃO – Uso geral. Grande tropeço. Topada. TRUPICAR – Uso geral. Tropeçar. Topar. TRUVISCADO – Uso geral. Ligeiramente embriagado. TUDO EM RIBA – Urbano. Gíria. Passou-se a usar essa expressão em Fortaleza, substituindo a forma tradicional “tudo em cima”, para referir a um estado de coisas favorável, correspondente a “tudo bem”. “Em riba” é modo sertanejo de falar, mas foi adotado satiricamente pelos jovens citadinos, neste específico uso, o qual chegou a ser empregado por artistas sudestinos de TV que estiveram em férias ou a trabalho no Ceará. TUM-TUM – Uso geral. A nuca e os ombros, vistos por trás. O cabelouro. O cachaço. Muito usado na linguagem infantil, para designar, entre brincantes de cavalinho, o local de montaria daquele que monta, sobre o outro, que é montado. Levar alguém no tum-tum é transportá-lo nas costas, escanchado sobre os ombros. Usa-se também dizer “levar na cacunda”. Veja o verbete “Cacunda”. TURMA – Uso geral. Antigo. Antes de se nacionalizar pela mídia o uso do termo “galera”, eminentemente carioca, no Ceará a palavra “turma” era a forma clássica para designar grupos de pessoas jovens. Concorria com o sinônimo “negada”, de uso mais burlesco, mais popular, mais infantil, e “pessoal”, de acepção mais genérica, mais abrangente e mais clássica ainda. Veja os verbetes “Negada” e “Pessoal”.

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UM SETENTA – Uso geral. Antigo. Muito grande. “O homem era um setenta. Tinha quase dois metros de altura”. Não se conhece a origem da expressão. Veja os verbetes “Chibata” e “Porreta”. UM-UM – Rural. Em algumas regiões do Estado, o som repetido do artigo “um” serve para negar, como substituindo a palavra não: “O carro já saiu? – Um-um”. O som pode ser produzido na garganta, com a boca fechada, ou, ainda com a boca fechada, de modo anasalado, dependendo da ênfase que se queira dar à negativa. UN-RUM(!) – Uso geral. Esse som nasal, produzido na garganta, com a boca fechada, ou quase fechada, tem o sentido das expressões “veja!” e “olhe!”, com as quais se mostra alguma coisa, ou do imperativo “toma!”, usado quando se está oferecendo algo. Pode inclusive servir apenas como recurso de ênfase, concomitantemente a uma das palavras sobreditas. “Veja o que eu trouxe pra você – unrum!”; “Un-rum! Que beleza é essa cachoeira!”. Com entonação própria, muito mais exclamativa, usa-se esse som, isoladamente, para enfatizar perplexidade ou censura ante alguma atitude, cena ou declaração: “Ele fez isso contigo?... Un-rum!!!!!”; “Un-rum!!!! Olha o que esse menino está dizendo!”. VALHA(!) – Uso geral. Expressão de espanto, muito utilizada pelas mulheres, que costumam alongar o som da palavra, tornando-a muito mais exclamativa, ou, conforme o contexto, fazendo-a melosa, piedosa ou enternecida. É uma forma reduzida de “valha-me Deus!”. VARAPAU – Uso geral. Pessoa muito alta. Gamelão. VÉI (véia) – Uso geral. Velho. A palavra “velho”, em muitos casos, não se refere a idade, mas tem o fito único de desqualificar, ou apequenar, qualquer substantivo, ou simplesmente lhe conferir algum coitadismo: “Minhas mãos véias tem sofrido muito nesse novo emprego de operário”; “Sabe, Antônio, eu ando tão doente véi!”. A pronúncia pode evoluir para “réi”, mormente para carregar o discurso 94


de mais sentimento de opróbrio: “O bêbado vinha arrastando um menino réi imundo pela mão”. VENDER CEBOLA – Urbano. Antigo. A etiqueta social recomenda aos casais que, andando juntos pela rua, a mulher ande sempre pelo lado interno da calçada, enquanto o homem caminhe externamente, mais rente ao meio-fio, mais exposto ao tráfego de veículos. Quando não obedecia a essa praxe dizia-se no Ceará que o casal estava vendendo cebola. Essa regra tem origem no tempo em que, andando junto às fachadas dos sobrados, as damas estavam a salvo de alguma porcaria que jogassem lá de cima, pois não havia latas de lixo nem os caminhões da coleta regular, bem como ficavam elas mais protegidas da poeira ou da lama espargida pelo trote dos cavalos. Talvez essas posições fossem invertidas pelos casais de vendilhões de rua, um carregando a mercadoria – cebolas, por exemplo – e o outro apregoando. VER – Rural. Buscar. Trazer. Entregar: “Vai lá em casa e vê a inchada, que eu estou precisando dela”. “Tome esta cédula e veja logo o troco, que quero ir embora”; “Menino, vai ver a água que os animais estão com sede!”. Nesse sentido, somente se usa o verbo no tempo presente, a menos que auxiliado pelo verbo “ir”: “Foi ver a inchada nestante”; “Vai ver a água amanhã”. No passado e no futuro, “viu” ou “verá”, o verbo tem unicamente o sentido clássico de “enxergar”. “Ir ver”, por “ir buscar”, também é usado em outros Estados, sendo que em certas regiões do interior do Ceará esse uso é generalizado. VERME – Urbano. Mania. Fixação mental. Vício. Compulsão. Vontade irresistível de praticar algo, principalmente atividade física ou viciosa, como jogar, beber ou fumar. Veja o verbete “Cegueira”. VERMINOSO – Urbano. Aquele que se entrega com muita freqüência ou intensidade a determinado hábito, atividade ou mania. Veja o verbete “Verme”.

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VEXADO – Uso geral. Muito apressado. Tem o mesmo sentido que se dá ao termo “afobado”, no Sudeste, sendo neste caso, entre nós, sinônimo de “avexado”. Mas a específica forma “vexado/vexar” adquiriu autonomamente uma segunda conotação semântica, significando também, conforme o contexto, “retardado mental”. “Esse menino é vexado da cabeça!”; “Tenham calma com ele, que ele é meio vexadinho”; “Tanto fizeram que vexaram o rapaz. Ele agora não diz mais coisa com coisa”. VEXAME – Uso geral. Pressa. Urgência desmedida. Impaciência. Aperreio. Tem a acepção de afobação, no sentido que se dá a esse termo no Sudeste. Afobação, no Ceará, é irritação, zanga, fúria. VIR PROS-PAUS – Uso geral. Antigo. Vir brigar. Convocação beligerante. Desafio agressivo. “Eu chamei ele pros-paus, mas ele não correu dentro”; “Vem pros-paus, macho véi, se tu for homem!”. “O João esculhambou com ele, mas ele não foi pros-paus”. Veja os verbetes “Ir pros-paus” e “Correr dentro”. VIRAR O PANGAIO – Uso geral. Antigo. Fazer confusão. “Os rapazes chegaram na festa e viraram o pangaio. Perverter-se. “Ela era uma moça direita, mas depois virou o pangaio”. VIXE(!) – Uso geral. Expressão de espanto. É forma reduzida de “Virgem Maria!”. Também se usa a simplificação “ixe!”. VOADOR – Urbano. Militar. Diz-se do desatento, do nefelibata, da pessoa aérea, distraída, desligada. Mais brando que o sinônimo depreciativo “lesado”. Veja o verbete “Lesado”. VOAR – Urbano. Militar. Deixar de perceber algo evidente. Enganar-se. Não compreender determinada mensagem. Cometer um erro banal por desatenção. VOTE(!) (Ô) – Rural. Interjeição que exprime espanto, repulsa, desaprovação. Mais comum nas regiões lindeiras à Paraíba. 96


ZAMBETA – Uso geral. Aquele que tem as pernas tortas. Deve ser uma deturpação de “gambeta”, ou de “gambota”, vez que o étimo “gamba” refere-se a pernas. Veja o verbete “Cambito”. ZUADA – Uso geral. Zoada. Barulho estranho ou importuno. Som peculiar: “zuadinha”. Ruído característico do funcionamento de um motor. Rumor forte de tropel ou de vozes, humanas ou animais. ZURUÓ – Uso geral. Tonto. Desorientado.

SOTAQUES CEARENSES O Ceará tem pelo menos dois sotaques mais fortemente identificados, em relação ao modo de falar dos naturais da Capital. O sotaque da região norte, e o da região sul do Estado. Na região norte o sotaque característico é popularesco, mais comum e mais acentuado nos indivíduos mais simples e mais incultos, criticado pelos doutos, evitado pelos citadinos, combatido pelos pais e educadores, não obstante muitas vezes notado em pessoas 97


que ascenderam a boa condição econômica ou a posição política destacada. Os principais traços são a pronúncia do fonema “rr” em lugar do ‘v”, e do “x” em vez de “ss”, nos pronomes demonstrativos. “Exe home rive me atazanando pur dinheiro”. Nos municípios da região sul, tendo como epicentro a Cariri, por influência dos estados de Pernambuco e da Paraíba o sotaque é endêmico e generalizado. Por ele não se distinguem classes sociais. Caracteriza-se principalmente pela pronúncia seca do fonema “i”, nas sílabas “ti” e di, “te” e “de”, e pela dispensa dos artigos definidos. No resto do Estado se pronuncia essas sílabas como se fossem “dhi” e “thi”. “Titia mandou Raimundo ti dizer que fosse divagar, porque esse carro di Juão é ruim di freio”. Normalmente se diria: “A Thithia mandou o Raimundo thi dhizer que fosse dhivagar, porque esse carro do João é ruim dhi freio”. Também faz parte do sotaque da região a substituição de certos fonemas, como o “o” pelo “u”, a supressão de certas letras, como o “u” e o “i”, bem como dos erres finais e das últimas vogais átonas de algumas palavras, terminando-as com o abruto som consonantal, como ocorre em palavras de línguas germânicas, “El(e) diss(e) que tud(o) deu errad(o), e que está com muit(o) med(o) di chega(r) a passa(r) fom(e). Completando o exemplo, a primeira frase ficaria assim: “Titia mando(u) Raimund(o) ti dize(r) que fosse divaga(r), purque ess(e) carr(o) di Juão é munto rim di frei(o)”.

OUTRAS OBRAS SOBRE O TEMA O DIALETO CAMPESINO - Amadeu Amaral VOCABULÁRIO POPULAR CEARENSE - Raimundo Girão FALANDO NO CEARÁ - Lindomar de Oliveira ORÉLIO CEARENSE - Andréa Saraiva

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DICIONÁRIO DE CEARES - Marcus Gadelha DICIONÁRIO DO CEARÁ - Tarcísio Garcia

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