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Contracartografia (definição do produto

Contracartografia

Assim, trouxemos a prática de Contracartografias, definida por David Sperling³ como norteador da união dos resultados da coleta.

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“Dentro da diversa gama de manifestações cartográficas, nos chamam atenção as que disputam criticamente a produção de narrativas, as “contracartografias”. “a aparição das contracartografias, por sua vez, tem contribuído para intervenções estético-políticas, sendo caracterizadas, principalmente, por colocar em disputa estratégias de poder e os próprios sujeitos participantes dessa produção cartográfica.”

Buscamos, então, construir um mapa de Vila Canoas através das narrativas dos moradores, unindo o material fruto da coleta com os áudios das entrevistas, as imagens e a utilização de formas de representação diferenciadas para gerar um grande painel cartográfico, realizando, assim, uma subversão dos mapas, indo além, da mesma forma que a favelinha subverte seu espaço. Para isso trabalhamos em dois pontos principais: a construção de narrativas com os áudios dos moradores e a transformação destas narrativas em elementos gráficos por meio de fotografias e desenhos manuais.

Narrativas e peças gráficas

As narrativas foram fruto da união dos áudios resultantes das entrevistas e da nossa própria percepção da favelinha de acordo com as histórias contadas pelos moradores e os elementos gráficos que as acompanham foram feitos manualmente enlaçando as palavras com as fotografias (todas tiradas por moradores) e com desenhos ilustrativos.

[//01] A favelinha fica ali ó, subindo aquela ladeira. Depois de umas três ou quatro curvas É perto // mas parece uma eternidade Até lá são muros infinitos… E tem a natureza que ecoa no fundo São uns respiros para os olhos.

(sons de carros - simulando o movimento da estrada) [//02 audio 1 sidinei rodrigues]Mas o que é paisagem exatamente? subindo aqui não vejo muita coisa além dos muros das mansões, a paisagem nessa hora é mais o barulho dos carros passando, do vento nas árvores...[//02.B audio 1 sidinei rodrigues]isso é paisagem?

(sons simulando o verde)

[//03 - audio1 livia nunes]“Sempre que eu subo a estrada das canoas e reparo na imagem, assim, total, completa, eu observo as montanhas - não montanhas que a gente não tem montanhas aqui- mas os morros, enquanto eu to subindo eu observo a floresta se movimentando atrás, sabe?Com os meus passos.”

[//04]A favelinha não se revela. Não é o que você vê no asfalto. Vai além. É tudo que tá por trás. Pode ser como outra favela qualquer pro mundo, Mas a favelinha cresce ao contrário.

[//05 - audio1 leandro lima]ela é bem diferente com que o bairro mostra, apesar que estamos próximo a uma praia, próximo a floesta da tijuca, e tudo... mas.... ela meio que se esconde do centro urbano e eu vejo queeee ela meio que se mistura[?] com o natural e o artificial mas de uma forma bem... uma forma bem discreta.

[//03 - audio 1 livia nunes] a favelinha, ela não é um morro éé que fica muito aparente, você não conhece a favelinha no mapa. Pra você conhecer a favelinha você tem que ESTAR na favelinha, você tem que descer a favelinha, é o que difere ela da Rocinha, dos outros morros, das outras comunidades. Então o que compõe a favelinha pra mim é o morro, a natureza, a floresta e a estrada - as estradas - as ruas...e as escadas...pra descer.”

[//06]A praça, aquela do postinho de saúde, ela é o lugar mais rico daqui A primeira coisa que vejo. Mais vibrante na subida. É ponto de encontro. Ponto de ônibus. De descanso. De espera. De lazer. Ou já foi Mas vai desbotando. Com o tempo desbota. Com a pandemia desbota.

[//07 - audio 2 livia nunes]“era lá que eu me reunia com os meus amigos, com a minha prima, e a gente brincava. Hoje em dia não é tão seguro pra criança e quando eu cresci também o que eu mais faço lá é aguardar a minha vez de entrar no posto de saúde hahaha, quando eu preciso de assistência médica.” [//08 - audio 2 yanne barros]“Bom é em relação às praças eu costumava utilizá-las mais pra lazer, pra - pra lazer mesmo né, pra ficar ali sentada... conversando, maiiiiss...agora eu não tenho usado né, por causa da pandemia e...também porque eu

[//09]A paisagem que transita. Que não é nunca a mesma. O espaço cheio, com grito de criança jogando bola os senhores no baralho a sirene da viatura, o carrinho de picolé às vezes míngua.

[//02.B]isso é paisagem? (ecoando)

[//10]Por aqui passa tudo que chega e tudo que sai. E tudo que fica, um dia passou. E ela é, tudo que as pessoas fazem ser.

[//11 - audio 5 livia nunes]“Eu vejo muitos adultos - muitos homens adultos...e mulheres também usando a pracinha, que deveria ser um espaço para as crianças brincarem - que já foi um espaço para as crianças brincarem - de local pra fazer festinha , sabe. É...pegam um carro de som, estacionam ali e é isso. Usam aquele espaço que deveria ser público pra fazer festas no final de semana.” [//12 - audio 2 claudia souza]“a gente nunca tem muito tempo né, então já é unir o útil ao agradável, de ir dar uma caminhada, de ir sentá lá um pouquinho, de respirá, de vê a paisagem, de vê o movimento.”

[//13 - audio 1 victoria cordeiro]pra mim, os gatos e os cachorros fazem parte dali, eles ativam a minha memória da praça, da rua….as crianças daqui usam os negócios de malhar que tem ali mais do que os adultos né… é a diversão delas

[//02.B audio 1 sidinei rodrigues]isso é paisagem? (ecoando)

[//14]Depois é assim, descendo, que você vai entender Uma energia velada nos becos Essa efervescência que multiplica São coisas do dia a dia mesmo Um varal cheio de roupas Ou aquele churrasquinho de domingo Gente que abre a janela pra pegar um ar Criança na escada correndo Sem aquele medo de se ralar [//15 - audio 4 claudia souza] eu acho que a gente tem pouco espaço, tipo assim, é...espaço em geral, tanto pra morá - porque tem casas muito pequenininha - quanto pra...a gente poderia ter mais um tipo de comércio, é...alguma coisa amais mais o...a comunidade é pequena né.”

[//16 - audio 2 victoria cordeiro]A gente tem muita sorte, esse contato com a floresta, com o ar puro, é uma delicia, vira e mexe uns macacos entram aqui, roubam minhas bananas, meus pão tudo… mas pra mim é um privilégio.

[//02.B - audio 1 sidinei rodrigues]isso é paisagem? (ecoando) [//17 - audio 4 livia nunes] “Além da paisagem linda - de tirar o fôlego - a gente mora bem perto da praia, então...apesar de as moradias não serem exatamente… boas, grandes e confortáveis, a gente tem essa facilidade no acesso à praia - o que é algo muito bom, então...a vantagem é essa - a paisagem e o acesso à praia. A desvantagem é a qualidade de moradia, segurança...e é isso.”

[//18 - audio 1 karina dias]Ah eu moro muito bem graças a deus, é apertadinho mas é tranquilo, não tem do que reclamar, essa praça aqui da frente já é tipo…. tipo uma varanda nossa né, minha e das vizinha aqui, as pessoas já até sabem, essa é nossa área de serviço, como a gente chama, (risadas) tem nosso tanque de todo mundo pra lavar as roupas, a gente bota nossos varal e seca tudo rapidinho, bate um sol bom aqui de tardinha (risadas)

[//02.B audio 1 sidinei rodrigues]isso é paisagem? (ecoando)

[//19]Nasceu dos pescadores da praia de São Conrado. E os funcionários do golf club fizeram crescer Entre a mata e o rio. Um rio que era chamado cachoeira. Um rio de memórias que hora é paz hora é medo.

[//20 - audio 1 yanne barros]“O que compõe a paisagem de Vila Canoas pra mim é a mata e a cachoeira né, porque...da minha janela eu só vejo a mata e a cachoeira, então acho que a maior parte de Vila Canoas foi construída em cima dela né é...as casas são muito próximas à cachoeira e à mata e a gente tenta preservar ao máximo isso né.” [//21 - audio 5 claudia souza]quando eu era criança é...esse rio era cachoeira limpa, dava pa tomá banho era muito legal e...tipo assim, hoje ele tem que ser preservado num tê que tê lixo porque senão causas é...com as chuvas de verão enchente e isso preocupa muito toda a comunidade. Mesmo eu não morando perto é...eu me sinto ameaçada quando vêm as chuvas de verão.”

[//22 - audio 4 yanne barros]“ minha casa - tá em cima do rio né - eeee assim, confesso que tenho medo mais em dia de chuva porque como enche muito acaba…afetando nessa parte. as casas dos vizinhos alagaram, anos atrás a casa de uma vizinha alagou aqui, ela perdeu tudo e, então, são coisas que marca a gente né, que a gente fica meio inseguro - será que dessa vez vai ser na minha casa? ou será que vai ser na casa de qual vizinho?

[//23]E o Medo do rio? [//02.B audio 1 sidinei rodrigues] ...isso é paisagem? (ecoando) [//24]e o que é paisagem? A Favelinha é a ladeira? as escadas dos becos? A insegurança? [//02.B audio 1 sidinei rodrigues] ...isso é paisagem? (ecoando) [//25]as praças? [//02.B audio 1 sidinei rodrigues] ...isso é paisagem? (ecoando) [//26]O barulho dos carros? a natureza? [//02.B audio 1 sidinei rodrigues] ...isso é paisagem? (ecoando) [//27]A Favela Vila Canoas é a gente que habita que enche, que esvazia é a gente que ocupa, que muda. gente que ressignifica Ela é tudo que as pessoas fazem ser Isso é paisagem

O painel, apresentado em formato de vídeo, conseguiu trazer também movimento na utilização de gifs e na sincronização com as vozes dos moradores. Assim, conseguimos trazer alguns dos infinitos aspectos que fazem de Vila Canoas uma comunidade única, ilustrada com a percepção de quem habita, gerando uma contracartografia narrada e que explora recursos técnicos para trazer uma aproximação interativa da Favelinha. Nosso resultado final fala que a experência da paisagem para quem ali habita é construída pelo conjunto de intervenções e subversões criativas dos moradores no espaço público, mantendo-o inusitado e sempre em movimento. A resposta são as pessoas, suas necessidades que as impulsionam a terem ideias diferentes e extremamente interessantes, que constroem e reconstroem a Favelinha. Isso é paisagem.

Agradecemos e dedicamos este trabalho aos moradores que foram essenciais para a construção deste trabalho:

LIVIA MARTINS KARINA DIAS VICTORIA CORDEIRO LEANDRO LIMA YANNE BARROS CLAUDIA SOUZA MARIA FÁTIMA RODRIGUES HENRIQUE NUNES SIDNEI ANSELMINI ANA ALMEIDA KARLA DIAS NEUZA ARAÚJO

1. SOLÀ-MORALES, Ignasi. Paisajes; Annals, 200 PTA, JULIOL 2001

2. JACQUES, P. B. Zonas de Tensão; Corpocidade: debates, ações e articulações

3. AKEMI, Cristina.; KIMINAMI, G.; SPERLING, D.M.; Artistic countercartographic practices and the destabilization of maps

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