Venha a nós o teu Reino ( Corrigido)

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VENHA A NÓS O TEU REINO

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Pai nosso que estais nos céus (…) Venha a nós o teu Reino.


Introdução.

No último devocional vimos de maneira pueril o ofício sacerdotal do Cristo. Agora vamos ver o oficio real do Ungido (Mateus 27:37). Começando pelo A.T, passando por cerca de oitenta por cento dos ensinamentos de Jesus e indo até ao Apocalipse nos é dada a tarefa de refletir sobre o que vem a ser o Reino de Deus, qual a sua abrangência e quais os seus efeitos sobre os da sua jurisdição. Por assim ser, temos matéria prima de sobra. Não há como passar por tudo que se refere ao Reino em um devocional. Por isso nos ateremos apenas à questão da perspectiva. Que perspectiva do Reino Jesus quis transmitir em seus ensinamentos, uma perspectiva de um Reino vigente (Colossenses 1:13) ou vindouro (João 18:36)? Este assunto é pontual na medida em que refletimos sobre jurisdições como a da Eritreia, país Africano dirigido pelo presidente Aferwerki. Desde maio de 2002 Aferwerki baixou um decreto proibindo a manifestação de certos segmentos da fé cristã, como a Presbiteriana, Batista, Metodista, etc. Desde então já são mais de dois mil cristãos presos em contêineres inóspitos, com excesso de contingente (18 pessoas em 16 m²) e torturados sem se quer serem julgados, como foi o caso da musicista Helen Berhane, cantora gospel popular que passou trinta e um mêses e uma semana sendo torturada para assinar um documento negando sua fé em Cristo. Ao invés disso, ela evangelizou os presos, os carcereiros e os médicos através do seu testemunho de alegria supra-circunstancial no Senhor (pelos seus cânticos de louvor) e longanimidade. Além disso, ela fez discípulos e edificou-os através dos seus escritos clandestinos. Sempre que era apanhada escrevendo ou cantando era torturada novamente, o que agravou seu estado de saúde a uma condição limítrofe. Diante de um quadro como estes, automaticamente surge a questão: Se o Senhor reina, como reina concomitantemente Aferwerki? Esta questão deixa de ser uma questão política holística e se torna mais pessoal diante dos principados que se nos dão mais imediatamente no nosso dia-a-dia. O que quero dizer é que nem sempre os patrões dos cristãos compartilham da fé, alguns chegam até a perseguir quem manifesta sua fé no Senhor e diante disso pode indagar o crente: A soberania do Rei abrange este território? Certamente. Ao Rei eterno, imortal, invisível ( 1 Timóteo 1:17) mas real. A Ele tributamos louvor através deste culto racional.


1. A Questão da Perspectiva. Os judeus tinham uma perspectiva reducionista¹ do messias. Eles o esperavam como um triunfante guerreiro, semelhante a Davi, libertador da Judéia, que estava sob o domínio do império romano naquela época. Porém quando o Senhor respondeu com um discurso pacifista como: dai a Cesar o que é de Cesar, eles de imediato descartaram (Lucas 19:14-15) a hipótese de ser este o messias triunfante previsto no Salmo de número 45. Pilatos, o governador romano da Judéia, também se viu diante do dilema do reinado do Cristo. Vemos isso quando perguntou-lhe duas vezes se ele, de fato, era Rei (João 18:33,37). Não só estes, mas muitos empreenderam especulações sobre as próprias alegações de Jesus a respeito do seu reinado. Seria Jesus Rei? Se sim, que tipo de reinado é este? Observando sobre um viés temporal, uma corrente de pensadores² concluiu que o seu reinado já está em vigor desde o seu triunfo sobre a morte; uma outra esteira3 entende que não. Entende que só com a parousia4 será exercida autoridade efetiva sobre tudo. A nossa posição é mesclada. Cremos que o Reino da Graça (perspectiva escatológica pessoal) já está presente, pelo fato de ser ele uma manifestação de força ativa em nós5 (Lucas 17:21), moldando nosso caráter (Gálatas 5:19-21; Efésios 5:5) e nos dando poder (1º Coríntios 4:20). Sob uma perspectiva escatológica cósmica, temos o Reino da Glória, que é uma soberania onipresente (Salmo 47), mas patente apenas aos seus (João 3:3), sendo progressivamente estabelecido nesta era (cap 2). O Reino da Graça é uma consciência transcendental e misteriosa (Marcos 4:11) que nos é dada com o novo nascimento (João 3:5), elevando nosso caráter ao patamar da nobreza dos seus valores reais (Mateus 13:44-45; Gálatas 5:19-21). Talvez este parágrafo mereça ser relido. Mas a perspectiva cósmica também foi manifesta pelo Senhor para a nossa edificação. Um amor a Deus revelado para além da própria vida, como o é com os irmãos perseverantes perante seus quadros hospitalares irreversíveis e/ou perseguições políticas violentas. Este é o melhor tipo de testemunho duma perspectiva pós-vida. Testemunho do Reino da Glória. Este tipo de testemunho6 será melhor abordado no último capítulo. Mas por hora, basta pensar nos efeitos do comportamento da Helen Berhane na consciência dos seus algozes. No seu livro Canção da Liberdade ela relata momentos em que seu testemunho de consciência transcendental gerava fé até nos carcereiros, espiãs e em um juiz. É compreensível que seja assim, posto que, testemunhar triunfos é trivial. Testemunhar para além de si é excepcional. 1. Reducionismo: Em suma, seria o viés humano de eventos transcendentais. Para mais, vide o ensaio Transposition da Coleção The weigth of Glory de C.S Lewis. 2. Reino Mediatório/ Escatologia Realizada: C.H Dodd; Sincox; F.F Bruce... 3. Reino Vindouro/ Reino da Glória: João Calvino; Richard Baxter; 4. parousia: Do grego parousia que significa literalmente presença. Usado para referir-se à presença do Senhor em sua segunda vinda, na transição entre a presente era e a era porvir. 5. Lucas 17:20-21: O Reino está dentro de vós - entos hymon indica força ativa interna. 6. A palavra brasileira mártir advém do grego μάρτυς, que significa testemunha.


Mas mesmo entre nós da Igreja Livre, que não somos perseguidos brutalmente pelo governo como os cristãos da Entréia e levamos uma vida boa, ainda sim, entre nós, a consciência do porvir sobreleva qualquer Oasis na terra, fazendo-nos desejar a morte7 afim de entrar no Reino de Glória (Filipenses 1:21-23). É como Jesus vez ou outra começava seus ensinamentos: Com o que comparareis o Reino? Numa destas feitas ele conclui do seguinte modo: O reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. O reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui, e a compra. Mateus 13:44-45. O que eu entendo desse trecho é essa superioridade axiológica do Reino da Glória (Reino vindouro) sobre a relativa era vigente (por melhor que seja a condição de jogo). É por esta razão que pensaremos nas coisas do alto, por que além de consolarem os irmãos que se encontram em situação difícil, faz com que entre nós, os que temos uma vida boa, se promova uma elevação espiritual ao sublime que nos é reservado (Colossenses 3:1-2).

7. Institutas: II: 4:9.


2. A Questão da Parousia. Eis que vem a ti o teu Rei, justo e vitorioso. Zacarias 9:9 Agora é a hora de respondermos às questões levantadas na introdução. Perguntamos ainda há pouco: como podem os principados nos afligir, sendo que o Senhor é quem Reina? Nabucodonossor, fundador do império babilônico e o mais poderoso rei que a Babilônia já teve. A extensão de seu império era quase continental, chegando a abranger até o território palestino, depois da destruição de Jerusalém (2 Reis 25). Este mesmo homem um dia dormiu e teve um sonho que lhe perturbou o espírito (Daniel 2). Não foi um mero pesadelo, foi um verdadeiro atentado terrorista ao seu espírito. Perturbado, mandou chamar toda espécie de sábio no reino e lhes impôs a obrigação de não só interpretar o sonho, mas de adivinhar o que o rei tinha sonhado. Astuto como era, sabia que os sábios poderiam ludibriá-lo se soubessem do conteúdo do pesadelo. Obviamente, ninguém interpretou o desconhecido. Mas havia um que reconhecia o Detentor da onisciência. Daniel sabia que nada é obscuro para o Pai das luzes. Buscou em Deus a significação do sonho e trouxe ao rei a revelação de um mistério para além daquele contexto, um mistério que tem as suas repercussões estendidas até as gerações posteriores à nossa. Eis o mistério. O rei sonhou com uma estátua de aspecto terrível e composição heterogênea: Cabeça de ouro, busto de prata, ventre de bronze, pés de ferro e barro. Sonhou também com uma Pedra enorme que rolava por cima da estátua, reduzindo-a a pó! A interpretação dada por Daniel para o sonho foi a seguinte: A estátua é o reinado humano, e suas partes são os diferentes impérios humanos que dominarão sobre a terra. A Pedra do verso 35 é Jesus (Mateus 21:42-44; Romanos 9:33; 1 Pedro 2:8; Isaías 28:16), que virá com um Reino que jamais será destruído e cuja soberania jamais passará a outro povo: destruirá e aniquilará todos os outros, enquanto que ele subsistirá eternamente. Uma das regras de interpretação das Sagradas Escrituras é a consciência de sua dupla eficácia temporal: Ela serve para um tempo próximo à sua composição como também para um tempo futuro. Tanto a tradição judaica quanto a cristã reconhecem esta dupla-face desta revelação. Reconhecem que tanto trata-se da sucessão dos impérios (do babilônio ao medo, do medo ao persa, do persa ao alexandrino e do alexandrino ao romano) como reconhecem que se trata de um texto puramente escatológico, tendo em mente que as revelações posteriores e complementares encontradas nos capítulos 7 e 8 deixam bem claro que esta revelação se refere a dias longínquos (Daniel 8:26), ou seja, para além daquele contexto imediato. Agora olhe para os impérios humanos vigentes: Do estupendo império Chinês às confrarias satânicas, da Entréia aos principados opressores da sua vida cotidiana. Olhe para eles e olhe para os cristãos que estão sendo oprimidos por eles. Agora olhe para esta parte em especial desta revelação de Daniel:


Proferirá insultos contra o Altíssimo, maltratará os santos do Altíssimo, e formará o projeto de mudar os tempos e a lei; e os santos serão entregues a seu poder durante um tempo, tempos e metade de um tempo. Mas realizar-se-á o julgamento e lhe será arrancado seu domínio, para destruí-lo e suprimi-lo definitivamente. A realeza, o império e a suzerania de todos os reinos situados sob os céus, serão devolvidos ao povo dos santos do altíssimo, cujo Reino é eterno e a quem todas as soberanias, renderão seu tributo de obediência. Daniel 7:25-28. Isto significa a parousia. Esta vinda da Pedra pra julgar o mundo, esmiuçar o mal e estabelecer o seu Reinado de Justiça. Até lá nos é dado este paradoxo existencial de sermos Reino peregrino em terras estranhas, de sermos nômades sem realeza reconhecida. Esta consciência de transitorialidade semelhante à do nosso Senhor enquanto esteve aqui (João 13:3) é o que nos dá significado pra prosseguir nessa linha do paradoxo da existência real-nômade. Poderíamos parar por aqui, com o conforto da certeza de que, assim como foi cumprida a profecia numa perspectiva mais imediata com a destruição dos impérios antigos, também será cumprida a promessa de destruição dos impérios vigentes. Mas é bom continuarmos para ver o que nos é reservado.


3. A Cidade de Deus. Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. II Pedro 3:13

Eu vou dizer pra você. Eu não estou na Entréia nem na China nem em nenhum desses países que censuram idéias por meio de violência física. Atualmente moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, laico, sem censura e sem embargos ideológicos, e ainda assim me é dado o privilégio de sofrer o mínimo pelo evangelho (Mateus 5:10-12; Mateus 10:24-25). Só não posso comparar, nem de longe, nossas perseguições com as que se passam na vida de irmãos como a Helen, ou como os mártires canônicos: Pedro¹, Paulo² e Tiago3, entre muitos outros. Estes sim tiveram suas vidas perseguidas pelos principados. A parte boa da história deles certamente é o futuro (Apocalipse 20:4-6). Mas dentre estes gostaria de destacar o diácono Estevão, que durante a sua execução contemplou o reino da Glória que mencionamos no capítulo primeiro, fazendo com que sua leve e momentânea tribulação fosse relativizada como nada diante do peso de glória que lhe estava proposto (2 Coríntios 4:17). A Palavra de Deus diz que: Cheio do Espírito Santo, Estevão fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus: 'eis que vejo, disse ele, os céus abertos e o Filho do homem, de pé, à direita de Deus'. (…) Estevão (…) orava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito. Atos 7: 55, 59. Os seus carrascos taparam os ouvidos e iniciaram a execução. E mesmo assim, enquanto recebia pedradas dolorosas na carne, exultava no espírito e abstraia a ignorância espiritual dos seus algozes, Posto de joelhos exclamou com alta voz: 'Senhor, não lhes leves em conta este pecado (v. 60). Pois como homem glorificado era possuidor de uma consciência superior à dos cães enraivados (Filipenses 3:2). Tinha patente em seu espírito quão elevado é Reino de Glória o aguardava. Tente entender. Quando Paulo cita Isaias em 1 Coríntios 2:9 dizendo que 'Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou' e conclui dizendo que tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam, ele está, na verdade, segundo o contexto, aniquilando a possibilidade da linguagem humana relatar as coisas pertinentes à Glória. Ou seja, não há linguagem, não há fala. Assim o Reino se torna patente a vós (Lucas 16:27-17:1-9), por meio do esforço de jejuns, orações, vigílias e tribulações (Atos 14:22). Só então testemunhareis coisas inefáveis que justificarão qualquer sofrimento humano, fazendo com que pareça nada diante da Glória que nos é proposta (1 Pedro 3-7). É nessa dupla perspectiva que o Pai Nosso de cada tem sido feito: Pedindo que o Reino venha em nós e a nós.

1. Seg. Orígenes: crucificado de cabeça pra baixo por Nero nas perseguições entre 67, 68 A.D. 2. Seg. Os Padres Antigos: Decapitado por Nero nas perseguições entre 67, 68 A.D. 3. Seg. Flávio Josefo: atirado do teto do templo pelo sumo sacerdote e apedrejado pelos escribas e fariseus durante o motim dos judeus entre a morte de Festo e a nomeação de seu sucessor.


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