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Na ponta da língua
Proposta de atividades I
DE OLHO NA BNCC As atividades sugeridas nesta subseção contemplam as seguintes habilidades propostas pela BNCC:
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(EM13LGG103) Analisar o funcionamento das linguagens, para interpretar e produzir criticamente discursos em textos de diversas semioses (visuais, verbais, sonoras, gestuais). (EM13LGG201) Utilizar as diversas linguagens (artísticas, corporais e verbais) em diferentes contextos, valorizando-as como fenômeno social, cultural, histórico, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso. (EM13LGG202) Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), compreendendo criticamente o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação e ideologias. (EM13LGG203) Analisar os diálogos e os processos de disputa por legitimidade nas práticas de linguagem e em suas produções (artísticas, corporais e verbais). (EM13LGG302) Posicionar-se criticamente diante de diversas visões de mundo presentes nos discursos em diferentes linguagens, levando em conta seus contextos de produção e de circulação. (EM13LGG303) Debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes argumentos e opiniões, para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de perspectivas distintas. (EM13LGG401) Analisar criticamente textos de modo a compreender e caracterizar as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso.
(EM13LP01) Relacionar o texto, tanto na produção como na leitura/escuta, com suas condições de produção e seu contexto sócio-histórico de circulação (leitor/audiência previstos, objetivos, pontos de vista e perspectivas, papel social do autor, época, gênero do discurso etc.), de forma a ampliar as possibilidades de construção de sentidos e de análise crítica e produzir textos adequados a diferentes situações. (EM13LP02) Estabelecer relações entre as partes do texto, tanto na produção como na leitura/escuta, considerando a construção composicional e o estilo do gênero, usando/reconhecendo adequadamente elementos e recursos coesivos diversos que contribuam para a coerência, a continuidade do texto e sua progressão temática, e organizando informações, tendo em vista as condições de produção e as relações lógico-discursivas envolvidas (causa/efeito ou consequência; tese/argumentos; problema/solução; definição/exemplos etc.). (EM13LP03) Analisar relações de intertextualidade e interdiscursividade que permitam a explicitação de relações dialógicas, a identificação de posicionamentos ou de perspectivas, a compreensão de paráfrases, paródias e estilizações, entre outras possibilidades. (EM13LP04) Estabelecer relações de interdiscursividade e intertextualidade para explicitar, sustentar e conferir consistência a posicionamentos e para construir e corroborar explicações e relatos, fazendo uso de citações e paráfrases devidamente marcadas.
(EM13LP06) Analisar efeitos de sentido decorrentes de usos expressivos da linguagem, da escolha de determinadas palavras ou expressões e da ordenação, combinação e contraposição de palavras, dentre outros, para ampliar as possibilidades de construção de sentidos e de uso crítico da língua. (EM13LP07) Analisar, em textos de diferentes gêneros, marcas que expressam a posição do enunciador frente àquilo que é dito: uso de diferentes modalidades (epistêmica, deôntica e apreciativa) e de diferentes recursos gramaticais que operam como modalizadores (verbos modais, tempos e modos verbais, expressões modais, adjetivos, locuções ou orações adjetivas, advérbios, locuções ou orações adverbiais, entonação etc.), uso de estratégias de impessoalização (uso de terceira pessoa e de voz passiva etc.), com vistas ao incremento da compreensão e da criticidade e ao manejo adequado desses elementos nos textos produzidos, considerando os contextos de produção.
1. O conto, enquanto gênero literário, é uma narrativa curta, densa e tensa, retratando um episódio da vida, do qual o leitor pode tirar um ensinamento, uma moral; o foco narrativo é, em geral, único, centrado em um ou outro personagem, que atua em um espaço reduzido e o tempo transcorrido também é curto. Discutir com os alunos essas características nos contos “Teoria do medalhão” e “O espelho”.
Comentar com os alunos que em “Teoria do medalhão”, por exemplo, temos apenas dois personagens – o pai e o filho – sendo que o pai expõe a sua teoria e o filho ouve; quando este último se pronuncia, o faz com frases curtas ou expressões monossilábicas. O diálogo entre os dois começa às 11 horas da noite e termina exatamente quando o relógio marca meia-noite, ou seja, toda a ação do conto, o diálogo dura exatamente uma hora. O espaço se resume à sala onde eles estão.
Em “O espelho” temos uma narrativa dentro da narrativa, o que resulta em dois narradores: o narrador principal, onisciente e que está fora da ação, que pouco narra, que logo passa a palavra para o narrador Jacobina, que faz o relato de sua experiência fantástica. Na narrativa principal, temos “quatro ou cinco” personagens em uma pequena sala no morro de Santa Teresa e o tempo transcorrido é exatamente o tempo do relato de Jacobina; na narrativa de Jacobina, são poucos os personagens que tomam a palavra e a ação se passa toda em um sítio afastado e solitário em alguns poucos dias.
Comentar com os alunos que o conto “O espelho” foi publicado, na íntegra, na primeira página do jornal Gazeta de Notícias, edição da sexta-feira, 8 de setembro de 1882, um mês antes de ser publicado o livro Papéis avulsos. O fato de o texto ser publicado integralmente em um terço de página de jornal, passa a real noção de quanto é curta a narrativa. Relembrando que os romances que eram publicados em forma de folhetim, ocupando espaço semelhante, levavam meses, e às vezes anos, para se completarem.
Comentar também que o primeiro texto de Papéis avulsos – “O alienista” – tem a estrutura de uma novela, com divisões em capítulos, um número grande de personagens e a ação se desenrola ao longo de um tempo maior; em consequência, foi publicado semanalmente em forma de folhetim durante seis meses.
Primeira página da Gazeta de Notícias, edição de 8 de setembro de 1882, na qual foi publicado o conto “O espelho”, na seção “Folhetim”.
2. Julio Cortázar, em uma famosa palestra intitulada “Alguns aspectos do conto”, fala sobre os contos que ficam em nossa memória, que “crescem” dentro de nós. Sugerimos que seja lido para os alunos o seguinte trecho:
Pensem nos contos que não puderam esquecer e verão que todos têm a mesma característica: são aglutinantes de uma realidade infinitamente mais vasta do que sua narrativa, e por isso exerceram influência em nós com uma força que a modéstia de seu conteúdo
e a brevidade do texto jamais levantariam suspeitas. E esse homem que, em um determinado momento, elege um tema e escreve com ele um conto, será um grande contista se a sua escolha contém — às vezes sem que ele o saiba conscientemente — essa fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e circunscrito à essência da condição humana. Todo conto perdurável é como a semente onde está dormindo a árvore gigantesca. Essa árvore crescerá em nós, dará sua sombra em nossa memória. (Cortázar, p. 155)
Em seguida, perguntar para os alunos se eles já leram algum conto que ficou na memória deles; em caso afirmativo, pedir para que falem sobre o conto e por que ele ficou em suas memórias.
3. Retomar a seguinte passagem da palestra de Julio Cortázar: “fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e circunscrito à essência da condição humana”, a fim de discutir com os alunos se esse conceito se aplica ao conto “O espelho”; por que e como se aplica.
Espera-se que os alunos comentem que Machado de Assis parte de uma experiência particular, individual e circunscrita – o caso do alferes –, que pode ser considerado um “pequeno” episódio da vida, para formular uma nova teoria sobre a alma humana, uma
“grande” questão relativa “à essência da condição humana”.
4. Ler com os alunos duas passagens de Memórias póstumas de
Brás Cubas. Uma é a cena em que o pai de Brás Cubas apresenta duas propostas ao filho: ser deputado e casar (as duas combinadas porque, segundo o pai, um homem público tem de ser casado).
O diálogo termina assim:
– Ah! brejeiro! Contanto que não te deixes ficar aí inútil, obscuro, e triste; não gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te convém, e a todos nós; é preciso continuar o nosso nome, continuá-lo e ilustrá-lo ainda mais. Olha, estou com
sessenta anos, mas se fosse necessário começar vida nova, começava, sem hesitar um só minuto. Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens. Não estragues as vantagens da tua posição, os teus meios...
E foi por diante o mágico, a agitar diante de mim um chocalho, como me faziam, em pequeno, para eu andar depressa. (Cap. XXVIII – Contanto que...)
A outra passagem é uma reflexão de Brás Cubas ao voltar ao Rio de Janeiro após o bacharelado em Direito cursado em Coimbra:
Fiquei prostrado. E contudo era eu, nesse tempo, um fiel compêndio de trivialidade e presunção. Jamais o problema da vida e da morte me oprimira o cérebro; nunca até esse dia me debruçara sobre o abismo do inexplicável; faltava-me o essencial, que é o estímulo, a vertigem. . .
Para lhes dizer a verdade toda, eu refletia as opiniões de um cabeleireiro, que achei em Módena, e que se distinguia por não as ter absolutamente. Era a flor dos cabeleireiros; por mais demorada que fosse a operação do toucado, não enfadava nunca; ele intercalava as penteadelas com muitos motes e pulhas, cheios de um pico, de um sabor... Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação... (Cap. XXIV - Curto, mas alegre)
Pedir para os alunos relacionarem os dois trechos ao conto “Teoria do medalhão”, propondo as seguintes questões: que semelhanças há entre Janjão e seu pai e Brás Cubas e seu pai? Seria Brás Cubas um “medalhão”? Por quê?
Espera-se que os alunos percebam que há muitas semelhanças entre o pai de Janjão e o pai de Brás Cubas, ambos determinando não só o futuro de seus filhos como também o modo de se comportar socialmente, atitudes reveladoras da estrutura patriarcal da sociedade brasileira da época. Brás Cubas, que não casa com Virgília (mas acaba tendo um caso adúltero com ela), torna-se deputado e faz discursos empolados, mas vazios, como manda o manual de um medalhão. Destacar a ironia de Machado de Assis ao colocar Brás Cubas reproduzindo as opiniões de um cabeleireiro que se distinguia por não ter opiniões; de sua experiência na universidade de Coimbra, decorou algumas frases em latim, alguns provérbios, uns versos para as “despesas da conversação”. Ou seja, não sabemos se Janjão aprendeu a lição de seu pai, mas Brás Cubas sim, tornou-se um perfeito “medalhão” e se assumiu como tal... afinal, ele é um defunto-autor
5. Em nota ao conto “O segredo do bonzo”, Machado de Assis afirma que o “capítulo inédito” seria intercalado aos capítulos CCXIII e
CCXIV do livro Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. Para entender melhor a simulação feita pelo escritor, apresentar aos alunos o início do capítulo CCXIII da obra original:
Cap. CCXIII – De tudo o mais que o padre passou com estes bonzos até se embarcar para a China
Não se acabaram por aqui as disputas do nosso santo padre com bonzo Fucarandono, porque ajuntando ele a si outros seis em que tinha confiança, o vieram buscar muitas vezes, e lhe propunham muitas questões, nas quais arguiam sempre muitas coisas de novo contra a verdade que o padre lhes pregava, e duraram nelas por espaço de mais cinco dias, nos quais el-Rei sempre assistiu em pessoa, assim por folgar de os ouvir por via da curiosidade, como pelo seguro que de sua palavra tinha dado ao padre a primeira vez que se viu com ele nesta cidade Fucheo, como atrás fica dito.
O texto de Fernão Mendes Pinto é modelo, no estilo e na construção das frases, da linguagem literária do século XVI em Portugal, notadamente a dos textos dos viajantes. Pedir aos alunos que comparem o fragmento acima com a linguagem empregada no conto por Machado de Assis e apontem semelhanças. Espera-se que os alunos apontem semelhanças tanto na estrutura das frases como no estilo descritivo; os textos dos viajantes eram marcados pelas narrativas em primeira pessoa, com os eles narrando suas experiências, o que viram de exótico, de diferente em outras paisagens. Machado de Assis reproduz esse modelo do princípio ao fim, como se percebe na abertura do conto: “Atrás deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchéu...” e na última frase: “O que tudo deixo relatado para glória do bonzo e benefício do mundo”. Sobre a estrutura da frase, a seguinte passagem é ilustrativa: “mas, enfim, estava feito, e todo redundava em glória do reino de Bungo, e especialmente da cidade Fuchéu, cujo filho era”. Sobre a descritividade e a preocupação em tudo datar e localizar, o seguinte trecho é emblemático: “Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, nesta mesma cidade Fuchéu, naquele ano de 1552, sucedeu deparar-se-nos um ajuntamento de povo, à esquina de uma rua, em torno a um homem da terra, que discorria com grande abundância de gestos e vozes”.
Frontispício da 1ª edição de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, de 1614.
Abertura do capítulo CCXIII de Peregrinação; o longo título é uma característica dos relatos de viagem, sempre preocupados com a descrição de lugares e situações.
6. O bonzo Pomada, quando começa a revelar o seu ‘segredo’, diz:
– Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contato com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador.
Pedir para os alunos relacionar essa fala com o que sucedeu com o alferes, personagem do conto “O espelho”. Espera-se que os alunos comentem que, no fundo, a ideia é a mesma, resumida na frase “não há espetáculo sem espectador”; o alferes, que passou a ter apenas a alma exterior representada pela farda, estava sendo eliminado pela ausência de espectadores; ele recupera a alma exterior quando tem a sua imagem fardada projetada no espelho de origem nobre e passa a ser espetáculo e espectador ao mesmo tempo.