JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO
Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP
ANO 18
N0 118 Novembro 2018
E D I T O R I A L
Não pode Nos últimos meses, mediante a corrida eleitoral, o Brasil rachou-se de forma profunda. Não mais como bipolarização, pois a insatisfação foi quesito decisivo para o enredo e o final das eleições, estilhaçando as massas eleitorais em cacos e sangria. E o conservadorismo levou a faixa presidencial. Amparado pelo ódio ao PT e sob o lema da mudança, mesmo pouco importando os meios, valeram os fins: as “Fake News”, o moralismo, o ódio, e, assim, Jair Bolsonaro irá ao Planalto em primeiro de janeiro. Ultraconservador, o candidato flerta com o que podia-se dizer de “Patrulha de costumes”. E o pior: seus eleitores creem estarem legitimados a praticá-la à luz do dia ou às sombras, no cair da noite é ainda mais perigoso. E é pública e repercutida a opinião do presidente eleito sobre as minorias. Não é difícil encontrar declarações espúrias contra mulheres, negros, LGBT’s, indígenas e não para por aí. O presidente eleito não só demonstra, a cada dia, incoerência, como pouco fez para a população ao longo de quase três décadas de vida pública. O presidente eleito vive uma crise conjugal com seu “posto Ipiranga” Paulo Guedes e é cada vez mais frequente o pedido de silêncio do “capitão” para o possível futuro ministro da pasta econômica. E ele se curva. E na primeira semana de novembro, o presidente eleito dirigiu-se a Brasília para a celebração da efeméride de trinta anos da Constituição Federal. Defendeu-se o respeito ao livro. Tanto pelos Ministros do STF, quando pelo próprio Bolsonaro. E o que causa dúvida à população é: quais das suas promessas ele realmente irá cumprir? E é primordial que se cumpra o respeito à Constituição. Sendo seus valores aplicados às práticas executivas, legislativas e judiciárias, as liberdades estarão asseguradas. Contudo, o legado deixado pelo discurso de ódio segue feito incógnita e faz vítimas pelo país, dos rincões às capitais, o medo, fruto da bipolarização, acelera um clima de “anti-constituição”. O fascismo escancara e põe-se ao lado de quem louva a volta da “patrulha de costumes”. Ao cercear as liberdades individuais, não só a Constituição é ferida como a própria democracia é posta em xeque. Nessas eleições, jornalistas foram ameaçados, professores afrontados, cantores, escritores e artistas foram boicotados. Todos foram agredidos por exigirem respeito às suas liberdades e a dos próximos. Com uma campanha fundamentada em notícias falsas, nota-se pouca seriedade na postura de quem as encoraja. Não só houve ataques aos jornais, sobretudo, como boa parte da imprensa foi impedida de participar da primeira coletiva de imprensa. E, novamente, seguiu-se dizendo que o importante é respeitar a constituição... somente aos seletos convidados. Não pode.
nova fase Jornalismo semana do jornalismo crise ensaio fotográfico liberdade de imprensa alternativas
Adeus CP, Olá CP 40 anos de história, luta e resistência Evento discute fake news, neofascismo, lutas e alternativas Novas tecnologias exigem reinvenção do jornalismo Jornalismo na sociedade Violência contra jornalistas ameaça a democracia Profissionais e ativistas “inventam” novas formas de fazer jornal
Jovem com visto negado em Israel reacende debate sobre o BDS 17 Direitos assegurados pela Carta de 1988 ainda não são praticados... 18 Onde se tem pouca perspectiva, se limitam as exigências 20 Proposta de Bolsonaro vai dessassistir mais de 40 milhões... 21 “As lutas serão colossais” 22 Afinal, Bolsonaro é fascista ou não? 23 Ele Não, pelos direitos e pela liberdade 24 Diversidade étnica deve ser um dos principais temas tratados... 26 Jovens atraídos pelo consumo depositam esperanças no... 28 O limite dos benefícios das escolas públicas 30 Novas formas de expressão democratizam acesso a arte 32 Um sabiá do sertão 34 O “centro” pode ser em qualquer lugar 36 Conservadorismo bloqueia discussões sobre racismo, sexualidade... 38 Batalha de poesia 40 Éramos seis: sempre atual 42 Roupas sujas 42 Desesperança 43 Pegos no merengue 44 Festival 3i. 45 Tolo é quem só vê a bola 46
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Erramos Em nossa edição anterior, por uma falha técnica, deixamos de publicar uma reportagem de Carolina Galvão sobre a crise na PUC e o processo de luta pela estatuinte. A reportagem foi publicada, mas de forma incompleta, sem as informações colhidas por Carolina.
Reitora Maria Amalia Pie Abib Andery Vice-Reitor Fernando Antonio de Almeida Pró-Reitores Márcio Alves da Fonseca (Pós-Graduação) Alexandra Fogli Serpa Geraldini (Graduação) Marcia Flaire Pedroza (Plan.,Desen. e Gestão) Claudia Cahali (Educação Continuada) Antônio Carlos Malheiros (Cul. e Rel. Com.) Chefe de Gabinete Mariangela Belfiore Wanderley Faculdade de FILOSOFIA, Comunicação, LETRAS e artes faficla Diretor Ângela Brambilla P. Lessa Diretor Adjunto Christiano Burmester Chefe do Departamento de Jornalismo Anna Feldmann Coordenador do Jornalismo Fabio Cypriano
EXPEDIENTE C o n t r a ponto Comitê Laboratorial Luiz Carlos Ramos, Rachel Balsalobre, Salomon Cytrynowicz, Wladyr Nader Editor José Arbex Jr. Ombudsman Victoria Azevedo Secretário de redação Matheus Lopes Quirino
SUMÁRIO
palestina cidadania brasil Saúde Pública entrevista polêmica ensaio fotográfico democracia “periferia” ensaio fotográfico cultura personagem São Paulo tabus ensaio fotográfico resenha resenha poesia Crônica Antena contra-ataque
PUC Pontifícia Universidade Católica DE SÃO PAULO PUC-SP
CO N T R A P O N TO
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Secretaria de produção Débora Bandeira, Maria Clara Vieira e Raul Vitor Editor(a) de fotografia Nádya Duarte
Capa: Foto: Reprodução
PUC Simetria Design Gráfico – projeto/editoração Wladimir Senise – Fone: 11 2309.6321 CONTRAPONTO é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUC-SP. Rua Monte Alegre 984 – Perdizes CEP 05.014-901 – São Paulo – SP Fone: 11 3670.8205
Número 118 – Novembro de 2018 Lumen Graph Fone: 11 94708.5762
Novembro 2018
CONTRAPONTO
Nova fase
Adeus CP, Olá CP
José Arbex Jr Editor jornal Contraponto, produto do Departamento de Jornalismo da PUCSP, entra numa nova fase de sua existência, ao ultrapassar os primeiros 18 anos de sua criação. Como dissemos ao chegarmos na edição de número 100, há três anos, o CP constitui um experimento raro, talvez único no meio universitário brasileiro: a publicação de um veículo laboratorial de comunicação com base numa prática democrática livre e radical, em todos os sentidos da expressão. O CP é e sempre foi um jornal “experimental”, mas não no sentido normalmente atribuído à expressão: o jornal não promoveu nenhuma inovação radical na sua linguagem visual, não criou novas formas de fazer a paginação e distribuir as reportagens pelas suas 24 páginas (ou 48, no caso de edições especiais), não teve a pretensão de fazer nenhuma revolução de estilo. Mas foi radicalmente experimental, por ter levado sempre, até o limite, a prática da democracia. É uma história que nos enche de orgulho, não tanto pelos grandes feitos e qualidade das reportagens – já em nosso primeiro ano de existência, ganhamos o prêmio de melhor jornal laboratório do Brasil, num congresso da Expocom realizado em Salvador –, mas muito mais por termos sido coletivamente capazes de exercer a democracia, a liberdade e a luta. Agora, ao final de seu 18º ano de sua existência, o Departamento – que, coincidentemente, acaba de completar 40 anos – resolveu que é chegado o momento de trocar o seu editor – assim como os de outros produtos laboratoriais, incluindo a Agência Maurício Tragtenberg (até agora coordenada pelo professor Sílvio Mieli) e a Rede PUC (Renato Levi), além do coordenador de Laboratórios (Salomon Cytrynowicz). A ideia é promover um “rodízio”, com o objetivo de dar oxigênio ao processo de produção. A nova editora do CP, professora Anna Feldmann, é uma especialista em questões vinculadas a mídia e gênero (objeto de seu doutorado na USP), tema que, nos últimos anos, ganhou importância cada vez maior nas páginas (e capas) do jornal. Além disso, Anna foi uma das responsáveis pela implantação do CP digital na nossa grade curricular. Já mantinha, portanto, uma relação de proximidade com o CP impresso. E, acima de tudo, por sua formação e convicções democráticas está totalmente alinhada com a história, os objetivos e os propósitos do CP. Participação aberta, voluntária e espontânea – Desde o início, o CP foi concebido como um jornal aberto à participação espontânea e voluntária de todos os estudantes do curso de Jornalismo. O CP não seria vinculado a nenhuma disciplina, não faria parte da grade curricular, ninguém seria avaliado pelo material produzido, ninguém ganharia crédito algum pela presença nas reuniões semanais, não haveria qualquer forma de controle ou censura. A motivação seria o prazer – ou, talvez, a necessidade imperiosa – de fazer jornalismo. O vínculo de cada um com a equipe do jornal poderia oscilar livremente entre dois extremos: frequência máxima – com Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
© Arquivo CP
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a participação do “contrapontista” em todas as reuniões, durante todo o período do curso universitário –, ou esporádico, incerto e fluído. Ou, ainda, poderia ser apenas “virtual”, mediante a sua inserção no grupo de discussão. Todas as pautas teriam que ser decididas pela maioria, assim como os critérios de edição e paginação. Caberia ao editor assegurar o funcionamento democrático do jornal, mediante um processo de contínua interlocução com a equipe. As pautas seriam orientadas para o exercício de um jornalismo crítico, capaz de propor interpretações sobre os fatos do mundo destoantes dos consensos fabricados pelas corporações midiáticas. Ao mesmo tempo, deveriam desvendar os interesses políticos, ideológicos e econômicos que orientam as coberturas jornalísticas, revelar os “padrões de manipulação da grande imprensa” – para utilizar a formulação proposta pelo grande Perseu Abramo, integrante de nosso departamento entre 1981 e 1996. O projeto original foi amplamente discutido e transformado por professores e alunos, até ser adotado, em reuniões abertas de professores e estudantes, em 2001, quando começou a nossa aventura. Na prática, munida dos princípios gerais, a equipe iniciou a construção do CP a partir de uma grande vontade de praticar o bom jornalismo. Tudo estava por ser definido: a tiragem, a periodicidade, o número de páginas, a qualidade desejada da impressão, os mecanismos de tomada de decisão. Sempre com a participação do coletivo, fomos chegando à forma atual: seis edições de 24 páginas por ano, ou cinco edições, sendo uma delas um número maior de páginas e dedicada a um tema específico. As pautas são decididas e acompanhadas por reuniões presenciais semanais, ou, para os impossibilitados, via grupo virtual, que funciona de forma intensa e eficaz desde que o jornal existe. O editorial, da mesma forma, é coletivamente decidido. Debate coletivo, exercício da crítica – As mudanças no projeto nunca deixaram de acontecer, algumas mais significativas, outras “cosméticas”, mas sempre como resultado do debate coletivo, e sempre mantendo o foco no exercício da crítica. A única determinação não aberta à negociação era – e é – de natureza prática: os prazos para a entrega das reportagens teriam que ser rigorosamente cumpridos. Atrasos na entrega do material significariam a morte do CP: inevitavelmente, conduziriam à desintegração da equipe e à transformação do jornal num Novembro 2018
veículo pouco sério. Reportagens não entregues no prazo determinado seriam “derrubadas” e no seu lugar entrariam “matérias de gaveta”. Contam-se nos dedos das mãos, felizmente, os momentos em que fomos obrigados a recorrer ao expediente. Optamos, desde o início, por investir também no fotojornalismo: os integrantes da equipe foram incentivados a produzir as fotos referentes às reportagens; como contrapartida, foi fortemente desencorajado o recurso a imagens extraídas da internet (a menos, é claro, de situações justificáveis e excepcionais). Criamos a função do editor de fotografia, em geral ocupado por alguém mais familiarizado com a linguagem por suas inclinações pessoais. De todas as etapas de produção, apenas a diagramação é feita por um profissional – o incansável e dedicado Wladimir Senise –, por razões de ordem exclusivamente operacional. E adotamos, finalmente, a figura do “ombudsman”, um crítico das edições convidado a se reunir com a equipe para fazer as ponderações sobre o material publicado, Nova editora, novas perspectivas – Chegamos, assim, a um momento de “virada”. Por uma grande coincidência, ele acontece quando o próprio país está passando por um momento decisivo de sua história, com a explicitação de grandes divisões sociais, políticas e ideológicas no interior da sociedade, e a eclosão de tensões que permaneceram por muito tempo num estado de perigosa latência. A presente edição, um jornal especial, com 48 páginas, é dedicada a uma reflexão sobre esse momento do Brasil. Nosso editorial defende a liberdade, a democracia e os direitos humanos, contra as tendências autoritárias que hoje ameaçam a sociedade e a universidade, mais especificamente, com a ideologia da “escola sem partido”. Não por acaso, a abertura de nossa Semana do Jornalismo – também contemplada em nossa edição – teve por tema a proliferação da prática de disseminação da fake news como forma autoritária e fraudulenta de fazer política Procuramos trazer aos leitores reportagens e ensaios que contemplam a crise vivida nas esferas da economia, da política, da cultura e da educação de nosso país. O CP reafirma, portanto, o seu compromisso com a produção de um jornalismo voltado para o debate dos grandes temas nacionais. Longa vida ao nosso jornal!
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CONTRAPONTO
Jornalismo
40 anos de história, luta e resistência
om um compromisso ético e humanista, o curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo chega ao seu 40º aniversário. São quatro décadas de uma infraestrutura adequada para as principais atividades de jornalismo e do comprometimento com a profissão. O curso conta com diversos segmentos e realizações que contribuem para o desenvolvimento do olhar jornalístico de cada aluno que passa por ele. O jornal laboratorial Contraponto, as Semanas de Jornalismo que acontecem ano a ano, e até o Centro Acadêmico Benevides Paixão contribuem para a formação intelectual e ética dos estudantes. Todas as atividades fora da sala de aula tratam de experiências prévias do que os estudantes vão vivenciar fora do ambiente acadêmico: criação de projetos, desenvolvimento de matérias e reportagens, vivências no mercado de trabalho e a conversa aguçada com o outro. Contando com professores provocativos e questionadores, o curso tem papel fundamental na transformação social através da educação e de envolvimento com a ética, tanto profissional quanto pessoal de cada indivíduo. O curso da PUC proporciona uma verdadeira paixão pelo jornalismo, trazendo diferentes perspectivas sobre comprometimento com os pontos de vista, e o lado contestador do pensamento crítico. O curso de jornalismo da PUC se moldou e se transformou desde que foi inaugurado, mas algo importantíssimo se manteve: o seu caráter de contestação, reflexão e espaço para o diálogo. É um ambiente amplo para o conhecimento e transgressão, que são essenciais para a formação. O fato de a Universidade ser um recinto que permite que os alunos ocupem seus espaços, tanto acadêmico quanto extracurricular, é um atrativo. O curso de jornalismo concede essa abertura a um espaço democrático que acata a diversidade entre os alunos, e o diálogo com a academia. Celebrar os 40 anos do curso de Jornalismo da PUC-SP é também comemorar a democracia e pluralidade que deve existir em um ambiente de comunicação, extrapolando as cercas da universidade, se expandindo para os meios já conhecidos. Militância ativa – A PUC-SP tem um histórico militante e politicamente ativo. Em 1977, foi invadida por forças da ditadura por estar na organização do Congresso da União dos Estudantes, que havia sido proibido pela
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censura. Desde então, a Universidade conta com um espaço que relembra sua história, e insiste em não a repetir. Para que isso se mantenha, é preciso organização e movimento, e a PUC abre portas para isso. O curso de Jornalismo só foi inaugurado um ano depois da invasão de 77, mas o que ficou marcado desse dia histórico ressoa nos estudantes, que reconhecem a importância de
ter uma Universidade aberta para discussão e para a contestação da sociedade. Diversos alunos já formados, ou que ainda estão na graduação, comentam o fato de a PUC ser um polo político importantíssimo. Outros também mencionam o fato de a faculdade parecer um antro protegido, justamente por reconhecer a importância de ter um espaço que abraça a democracia e o diálogo entre as pessoas.
Concentração no antigo prédio de comunicação/outubro 2010
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A PUC-SP é um oasis de reflexão, de pensamento e de transgressão” (Fabio Cypriano)
©Jéssica Oliveira: via Facebook do Bene
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Formando profissionais com espírito crítico há quatro décadas, o curso mantém seu compromisso com a defesa da democracia, da liberdade e dos direitos humanos
©Stéfano Biagioni Wrobleski: via Facebook do Bene
Por: Isabella Mei, Larissa Santos, Letícia Assis e Sarah Santos
Ato na Prainha/outubro 2010
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Professores debatem o curso
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atual Coordenador do Curso, Fabio Cypriano, 59, é professor doutor formado em Comunicação pela PUC-SP, com pós-doutorado pela USP com o tema “A Bienal de São Paulo e a elite paulista”. Na entrevista concedida ao Jornal ContraPonto, ele apresentou alguns detalhes que fazem da PUC-SP um lugar de respeito e luta. ContraPonto – O que te fez escolher a PUC-SP? Fabio Cypriano – Comecei a lecionar na faculdade em 1995. A PUC-SP é um oasis de reflexão, de pensamento e de transgressão e eu acho que todos esses fatores são essenciais para a construção de um ambiente acadêmico. CP – Há muita responsabilidade em ser coordenador do curso de jornalismo. Como você chegou até esse cargo? Quais são os verdadeiros desafios que se encontra no curso? FC – Me tornei coordenador do curso em Agosto de 2017. Foi uma escolha fácil. Estive praticamente toda a minha vida profissional e acadêmica na PUC, tenho muito carinho pelo curso. A maior dificuldade em ser coordenador é corresponder às demandas dos alunos. Por outro lado, tem muita coisa boa. Pensar em estratégias de acolhimento para alunos com necessidades faz com que todo o esforço seja recompensado. CP – Quais foram as principais mudanças pelas quais a PUC passou durante seus anos de docência? FC – A nossa universidade passou por grandes mudanças ao longo dos anos, principalmente em relação às instalações, a PUC era muito mais problemática quando eu entrei em 95. Havia máquinas de escrever e câmeras que funcionavam somente em imagem verdade, era tudo muito arcaico. Hoje é tudo muito diferente, a tecnologia é mais condizente com a demanda da profissão. No entanto, há algo que perdura na PUC, que faz parte da essência dela. Esse lado de contestação, de reflexão, de pensamento, é algo que faz dela uma universidade de verdade. É um lugar que coloca o jovem para pensar muito além da sala de aula.
© Reprodução: Facebook
CP – Recentemente o curso passou por algumas mudanças na grade curricular. Por que houve tais alterações? Há previsão de novas mudanças? FC – Nós tentamos sanar alguns dos dilemas para que a grade se adaptasse melhor à demanda. No entanto, toda grade sempre terá algumas dificuldades, e é por isso que estamos sempre trabalhan-
do em conjunto com os alunos e professores para entendermos melhor as necessidades do curso. CP – A PUC tem grande prestígio no mercado de trabalho. Ela realmente prepara o jovem? FC – A PUC é bem vista no mercado, nós temos profissionais bem colocados. A última semana de jornalismo deixou bem claro isso, ao trazermos alguns dos ex-alunos para mostrar como eles podem ir longe. Conseguimos inserir nossos alunos nos mais variados veículos, tanto grandes emissoras como jornais alternativos. CP – O quão importante é os alunos se articularem perante ao momento atual do país? FC – A PUC historicamente sempre se manifestou. É muito importante que os alunos se articulem sobre isso, assim como os professores e funcionários. Essa participação como cidadão é essencial para que a gente esteja atento e possa ocupar esses lugares. Eu estaria estranhando se os alunos não estivessem participando, mas obviamente a resistência a tudo o que está acontecendo no país de grave vai ter na PUC um lugar de discussão e resistência. Maria Angela Di Sessa, 59, graduada em Comunicação Visual pela FAAP e Pós-graduada em Fotografia e Artes Visuais pela Unicamp, começou a dar aula na PUC em 1994 quando teve a oportunidade de reestruturar e implantar, junto com a professora Vera Simoneti, as instalações de integração entre o estúdio de fotografia, o laboratório e a área de revelação digital. Vice-coordenadora do curso de Jornalismo a convite de Cypriano, a professora disse que não foi uma decisão fácil por ser uma função de grande responsabilidade. Por outro lado, diz que foi um desafio interessante para propor novas perspectivas para o curso. Sobre as diferenças na PUC em 1994 para os dias de hoje, a professora diz que os alunos têm preocupações diferentes, a própria Universidade passou por várias fases e reestruturações. “No setor de fotografia, existe o impacto da tecnologia, e a PUC conseguiu acompanhar, não havendo grandes atrasos para readequar as condições de trabalho, garantindo qualidade”, afirmou. Di Sessa concilia a carreira de docente e de fotógrafa há 30 anos. “É uma paixão”, completa. Na grade do curso, ela acredita que essa matéria tem um impacto na medida em que cada vez mais o visual está na informação, e a proliferação de fotografia com o uso dos celulares fez com que a cultura visual e o conhecimento
Fabio Cypriano, Coordenador do Curso de Jornalismo da PUC-SP
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dessa linguagem sejam mais importantes do que na era analógica. Sobre as páginas centrais do ContraPonto disponíveis para ensaio fotográfico feito pelos alunos, Di Sessa diz ser importantíssimo: “Criar um meio de circulação para ensaios fotográficos dentro de uma proposta editorial no curso é fundamental”. A docente afirma que um curso não precisa preparar o aluno para o mercado de trabalho: “O emprego é a consequência de uma formação sólida que o aluno terá dentro do curso. Seria reduzir demais a perspectiva de formação em um curso superior apenas ao atendimento do mercado, digo isso como supervisora de estágio”. Sobre o momento atual do país, a docente diz ser inevitável para os alunos da PUC e quaisquer cidadãos se posicionarem de maneira mais articulada e unida. Há uma preocupação quanto à qualidade de educação no país, o que faz com que o corpo docente e discente tenham que se envolver mais para evitar e enfrentar eventuais perdas. Por ser mulher, Di Sessa diz que como fotógrafa existiu barreiras, mas nenhuma muito grande para ela. Como professora, existe alguns obstáculos, geralmente com traços de misoginia por parte de alguns alunos. Já na coordenação, ela reconhece as dificuldades que existem, mas acrescenta que, em linhas gerais, dentro de sua carreira nunca teve grandes problemas por ser mulher. José Salvador Faro, 71, graduado em História e doutor em Jornalismo pela USP, começou a trabalhar na PUC em 2000. Por saber que o corpo docente da PUC é consolidado, não era seu projeto trabalhar na Universidade até que o convidaram para substituir um professor. Assim, ele entrou e desde então trabalha principalmente dando aula de Sistemas de Comunicação e Cultura Contemporânea. Na PUC, em geral, ele diz não perceber nenhuma diferença entre os 18 anos de casa. “A crítica, a objetividade e a militância saudável que pertencem à PUC e ao jornalismo, principalmente, é sempre presente”, disse Faro. A maior diferença que ele acredita é a organização: “Quando entrei, o curso era muito bom, mas era carente de uma linha pedagógica”. A busca dessa linha se deu pelas duas reformas curriculares com base em inúmeras discussões com os professores o que permitiu que o curso adquirisse maior coerência. “O que me chama atenção é a característica de que todo ano, todo semestre, alguma coisa absorve os alunos e os professores”. Para Faro, a PUC não se fecha às questões do Brasil e do Mundo. “Não há um semestre que o Jornalismo não atravessou sem um impacto provocado pelas questões sociais”, completou. Faro afirma que a Universidade é uma instituição com duas funções primordiais: a primeira, ser voltada para a reflexão sobre a realidade e em busca de novas fórmulas de análise e interpretação. “Uma Universidade que não promove a função crítica dos seus membros é uma Universidade que não serve para coisa nenhuma”. A segunda, a Universidade precisa ser um espaço para experimentar, para inovar no campo das práticas e refletir no campo dos conceitos simultaneamente.
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©Alexandre Bazzan: via Facebook do Bene
Centro Acadêmico Benevides Paixão Bueno, atualmente localizado no Bosque da PUC-SP
Filhos da PUC Durante os 40 anos do curso, a PUC já formou inúmeros jornalistas e ainda o faz com dedicação e qualidade. Muitos dos formados hoje estão de volta para lecionar, alguns se tornaram personalidades fortes do mundo jornalístico e outros acabam de começar sua vida fora da PUC. Carinhosamente chamados de Filhos da PUC, todos têm muito orgulho de ser um puquiano. Luccas Balacci, 22, se formou há apenas um ano. Tem um grande carinho pelo corpo docente, principalmente pelo orientador de seu TCC, Fabio Cypriano, no qual criou uma websérie e um documentário sobre “O Espaço da Mulher na Indústria da Música”, juntamente com sua amiga Mariana Presqueliare. Balacci também contou sua admiração por Anna Feldmann, Marcos Cripa e Adriana Felden, considerando o time de docentes de excelente qualidade. Segundo o ex-puquiano, as experiências profissionais durante a faculdade contam muito para determinar a próxima etapa após o término do curso. Em um mercado enxuto e cheio de cortes, até mesmo com um bom currículo é difícil encontrar emprego. Para ele, cursos livres e projetos pessoais ajudam nessa empreitada. Atualmente, trabalha como repórter no site do jornal Metro, do Grupo Bandeirantes. Laís Ferreira Martins, 22, também se formou em dezembro de 2017. Ela, que teve de escolher entre a PUC e a Casper, afirma que preferiu a Pontifícia por ser uma universidade que a faria circular com pessoas de diferentes áreas, criando uma experiência mais enriquecedora. Diego Fonseca Prado, 25, cursa o terceiro semestre de Jornalismo. Ele, que já havia iniciado o curso na Universidade Anhembi Morumbi, teve que trancar a faculdade para trabalhar e ajudar em casa. O fator militante permanente na PUC é algo que desperta o interesse em Diego. Por ser local de debates, a faculdade ensina a ter um pensamento crítico e mostra que, apesar de muitos não possuírem o pensamento igual, dentro da universidade a democracia é garantida. Giovanna Colossi Ratão, 26, é estudante do terceiro semestre de jornalismo da PUC. Sob pressão familiar a estudante se formou em Relações Internacionais, mas não se adaptou ao mercado por achar o ambiente de trabalho tradicional, retrógrado e machista. Buscando um novo rumo para sua vida, a jovem decidiu se engajar no jornalismo por sua vontade e facilidade em escrever. Encantada com a autonomia concedida aos estudantes e com a liberdade cedida pela própria faculdade em poder ocupar espaços, Colossi logo se sentiu parte da comunidade puquiana. O que mais a marcou foi a característica humanista da faculdade, porque, em suas palavras, a PUC quer que os alunos criem um senso crítico, sejam formadores de opiniões, e, para um jornalista, ser ético mas ainda sim conseguir impor sua opinião, é essencial. Ana Paula Menezes Holanda Barros, 42, se formou em Jornalismo em 1995 e atualmente é diretora de redação da revista Vida Simples. Na sua época de faculdade, as aulas eram ministradas no antigo prédio da Cardoso de Almeida, onde hoje permanece o laboratório de vídeo do curso. Ela, que cursou um ano de Direito, conta que quando decidiu mudar para Jornalismo sentiu que estava fazendo a escolha certa. A diretora afirma que, mesmo naquela época, a PUC lhe proporcionou um olhar mais reflexivo, mais aberto, capaz de fazê-la olhar muito além de seu próprio universo. Por estar na PUC exatamente na época do Impeachment de Fernando Collor, Barros relembra que as discussões geradas em torno do assunto não eram produzidas pelos professores, mas sim pelos próprios alunos. Para ela, isso enriquecia a universidade, pois era capaz de proporcionar espaços para a reflexão. O ponto em comum pertinente a todos atuais e ex-alunos é a crítica quanto à infraestrutura concedida pela faculdade. A falta de atualização da PUC quanto às tecnologias do mercado causam discrepância entre as aulas ministradas e a realidade das empresas. Os jornalistas estão migrando para o mercado corporativo e as assessorias de imprensa, enquanto o mercado de atuação do jornalismo tradicional está cada vez menor, portanto, é preciso que a faculdade esteja a par dessas demandas, tanto em questões teóricas como em equipamentos.
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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Jornalismo em greve/outubro 2010
O curso de jornalismo vive Os 40 anos de curso não deixam mentir: o jornalismo está vivo dentro de cada estudante que passou pelos corredores e amplificaram tudo o que aprenderam e vivenciaram dentro da Universidade. A militância ativa é parte da memória, e isso aproxima e prepara o jovem para o cenário que será enfrentado lá fora. O lado politicamente ativo dos estudantes de jornalismo da PUC é algo a ser admirado. Em 2010, os alunos organizaram uma greve geral do curso, em nome de melhorias de infraestrutura, que reuniu estudantes e professores. Entre as reivindicações estavam uma menor burocracia para retirada de aparelhos tecnológicos e a abertura de uma agência de notícias online – conhecida hoje como AGEMT. O movimento foi grande, com concentrações no antigo prédio de Comunicação, na rua Cardoso de Almeida, e após o ato, as demandas foram atendidas pelo Consad (Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração). O curso, sendo militante e ativo, é beneficiado, pois não estagna com os retrocessos que muitas vezes tentam ser colocados de forma antidemocrática. É uma forma de resistir e se mostrar presente na tomada de decisões, que são direitos dos estudantes. É sempre possível fazer mais, mas todos os movimentos organizados que já passaram por aqui mostram que o curso de Jornalismo vive e resiste, em tempos sombrios que assolam nossa futura, antiga, e amada profissão.
Novembro 2018
Os espaços da representação estudantil Benevides Paixão Bueno é o Centro Acadêmico do Curso de Jornalismo da PUC-SP. Criado como um espaço representativo dos estudantes, é onde os alunos se articulam para falar sobre política, cultura e outros assuntos que envolvam a universidade como um todo. Cumprindo muito além de sua função acadêmica, o C.A., carinhosamente apelidado de Benê pelos alunos, cumpre um papel muito importante para a construção do espaço para os estudantes. O prédio demolido do curso de jornalismo que se situava na Rua Cardoso de Almeida, também abrigava o Centro Acadêmico do curso. Após o deslocamento das aulas para o prédio da Ministro Godói, os alunos lutaram para ter um novo local para chamar de Centro, no entanto, o único local vago da universidade era a estufa no bosque, onde hoje é conhecido por Benê. Representando o Benê, está Júlia Forbes, 24, estudante do quarto semestre de jornalismo, sempre teve uma vida política ativa. Integrante do movimento Rua -– Juventude Anticapitalista, e filiada ao PSOL, Forbes já estudou História na USP, mas teve que largar por questões pessoais. Ao mudar de curso e entrar na PUC, ela sempre soube que queria construir espaços coletivos pela faculdade. O histórico de luta estudantil presente na PUC fez com que a trajetória da ex-uspiana se cruzasse desde o primeiro semestre com a do Centro Acadêmico, resultando em uma integrante que estaria disposta a construir uma entidade que representasse os estudantes. Muitas dúvidas pairam sobre o atual estado do prédio do C.A. de jornalismo, sobre como será sua reforma e quanto tempo demorará. Para isso, Forbes explica que é necessária paciência. Há o desejo de reformar o prédio, no entanto, por ser uma entidade financiada pelos próprios alunos, é um processo lento e demorado. Forbes também critica a discrepância entre os Centros de outros cursos e o de jornalismo, enquanto eles dispõem de meios para arrecadar dinheiro, como xerox e as cantinas, o Benevides não possui renda extra, sendo necessário os alunos tirarem do próprio bolso para colocar as reformas em prática. Forbes expressa que entrar em contato com dinâmicas diferentes e ocupar espaços públicos faz com que se aflore o pensamento crítico, algo essencial para um jornalista. Ela também afirma que estar no Benê vai além de ser jornalista, é algo que contribui para a visão de mundo, que acrescenta na bagagem. Semana de jornalismo – A Semana de jornalismo é organizada inteiramente pelos alunos que se voluntariaram, com ajuda do coordenador Fabio Cypriano e apoio do Benê, o aluno possui ampla liberdade para colocar sua a criatividade em prática para montar sua mesa. A semana de jornalismo acontece uma vez ao ano com diversas mesas, rodas de conversa e cine-debates, para discutir mudanças, o mercado de trabalho e a sociedade. O evento não beneficia apenas os alunos, pois é aberto ao público, atraindo estudantes de outras universidades, cursos ou aqueles que se interessam. Os alunos que participam ativamente da organização da semana sempre têm uma experiência muito positiva: “No começo, se tem a impressão de que será algo muito cansativo e desgastante, mas é muito importante para qualquer aluno de jornalismo, o que se aprende na semana em uma semana não se aprende em sala de aula”, diz Enzo Kfouri, 19, aluno do quarto semestre de jornalismo da PUC, que participou da organização duas vezes. “A gente sempre pode contar com a ajuda de outros colegas do jornalismo. Sem falar da receptividade dos convidados que chamamos que é sempre excelente”. Comenta Amanda Pucci, 19, do quarto semestre que organizou sua primeira mesa esse ano. “O Cypriano é uma espécie de ‘editor chefe’ da Semana. Ele organiza reuniões nas quais os alunos discutem sobre os possíveis temas. O papel do coordenador é assegurar de que a semana vai acontecer. Praticamente 95% das tarefas são feitas pela frente organizadora. O Coordenador oferece uma espécie de consultoria, uma ponte entre a universidade e os alunos”, expõe Kfouri. Mesmo com algumas dificuldades, como a não disponibilização de verba, a experiência proporcionada pela semana de jornalismo é imensuravelmente positiva para todos os participantes.
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CP 01.2001
Entrar em contato com dinâmicas diferentes e ocupar
espaços públicos faz com que se
aflore o pensamento crítico, algo essencial para um jornalista.”
© Reprodução
(Júlia Forbes, estudante do 4º período)
CP 112.2017
CP 76.2012
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
CP 60.2009
Novembro 2018
Um jornal laboratório democrático e combativo
J
osé Arbex Júnior, 61, graduado em Jornalismo pela USP, criou o Contraponto (CP) em 2000, mesmo ano em que entrou para lecionar na PUC. Contraponto – Qual a maior diferença do ano em que entrou na PUC para hoje? Arbex – A PUC era uma universidade muito vibrante naquela época, muito politizada, tudo passava pelo filtro da discussão política. E como existe até hoje, naquela época também existia movimentos contra o aumento das mensalidades, contra o preço do restaurante universitário. Nesse aspecto a PUC nunca mudou, sempre foi super reivindicativa. Para o projeto do Contraponto, por exemplo, a gente fazia discussões com 80/90 pessoas na sala, era uma assembleia para discutir tudo: como seria o jornal, o que ele ia debater, qual seria o nome. Era um negócio que envolveu o curso inteiro, era essa a diferença. CP – Por que o nome Contraponto? Arbex – Porque a ideia era fazer um jornal que fosse um contra ponto da narrativa da mídia, da grande mídia. CP – E onde surgiu a ideia do jornal? Arbex – Era uma coisa do departamento de jornalismo, o departamento achava que tinha que ter um jornal dos alunos, um jornal laboratório, e quando nós fomos discutir as características do jornal laboratório, chegamos à conclusão que tem que ser um jornal que não esteja na grade curricular, o aluno não vai ganhar nada participando do jornal, só vai ganhar pelo prazer de fazer jornalismo, que fazia do nosso jornal completamente diferente de qualquer outro do país. Matheus Lopes Quirino, 19, estudante do 4º período de Jornalismo é secretário de Redação do Contraponto. Quirino diz que mesmo sendo um jornal colaborativo, há momentos que rendem boas discussões. “O CP é uma experiência única no Brasil, a PUC é uma das poucas a bancar um projeto dessa forma e com essa proposta, é um espaço democrático, onde se trabalha em cima de boas pautas“. “O bom do Contraponto é que ele é independente do curso. Eu acredito que o jornalismo se faz fora da sala de aula”, diz Quirino. Júlia Castello Goulart, 20, é estudante do sexto semestre e ex-secretária de redação do CP. Goulart diz ter escolhido a PUC por ser uma Universidade reconhecida além de incentivar os princípios humanos da profissão fazendo o aluno olhar o outro lado. Goulart foi secretária de produção de redação do CP e antes foi Copydesk. Ela diz que o jornal foi fundamental, pois foi sua primeira experiência profissional e é um ambiente que serve para sanar suas dúvidas. “O que eu acho mais incrível do CP é que ele é dos alunos, você não ganha nada fazendo, você ganha uma experiência, o que para mim é fundamental. Permite você ser profissional, não sendo”, completa.
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CONTRAPONTO
Semana do Jornalismo
Evento discute fake news, neofacismo, lutas e alternativas Programação permitiu a participação de importantes jornalistas, profissionais, militantes e ativistas de diversos setores sociais
Por: Beatriz Oliveira, Letícia Assis e Natasha Meneguelli
l O período noturno contou com a presença de ex-alunos da casa.O tema abordado foi “40 anos do curso de jornalismo e novas perspectivas de ensino”. Colocou-se em discussão a atual situação da profissão. Pedro Durán comentou o aumento no número de agressões aos jornalistas: “Além de atacar a mensagem estão atacando o mensageiro”. Franz Vacek divergiu de seus colegas na ideia de um atual descrédito da área: “Não concordo que o jornalismo está sem credibilidade. Acho que é uma grande possibilidade de resistência para o jornalismo, assim como em 64 e 68”, disse. No que tange ao ensino, relembraram seus tempos de puquianos: “A PUC é incrível porque é uma universidade que faz a gente refletir”, elogiaram também as atividades paralelas às aulas que ocorrem na PUC-SP como um fator enriquecedor. Comentaram também sobre a importância das aulas em que se “aprende a ser humano antes de ser jornalista”. Concluíram que, com o passar dos anos, mesmo que surjam novas tecnologias e com elas novos meios de se fazer jornalismo, a universidade sempre deverá favorecer discussões
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Mesa “Novos mercados de trabalho”
© João Guilerme de Lima
© João Guilerme de Lima
Mesa “O impacto das fakes news nas eleições presidenciais”
Mesa “Entre o antes e o depois do jornalismo de entretenimento” Auditório lotado
Mesa “Rádio e TV - O Ibope caiu!”
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Semana de Jornalismo da PUC-SP, evento organizado por alunos e professores da instituição, ocorreu durante os dias 22 e 26 de outubro e buscou debater assuntos relevantes para a formação dos estudantes. A fala do Coordenador de Curso de Jornalismo, Fábio Cypriano, deu início à 40° semana do curso. Ressaltando a importância de uma ocorrência como essa em um momento pré-eleições, a primeira mesa teve como tema “O impacto das fake news nas eleições presidenciais”. Um dia após a denúncia da Folha sobre o esquema de Caixa 2 contrário ao PT, a professora Pollyana Ferrari contou com a ajuda de Bárbara Libório, da Agência Aos Fatos, Alessandra Monnerat, do Estadão Verifica, senador Eduardo Suplicy e sua coordenadora de campanha, Monica Dallari, para discutir maneiras de barrar a onda avassaladora de fake news que vinha percorrendo as eleições.As representantes de duas agências de checagem, Barbara e Alessandra, alertaram para o fato de que nem todo conteúdo é necessariamente falso.Diversas vezes são imagens reais que estão fora de contexto. Pontuaram também sobre como o WhatsApp é a principal rede por onde essas notícias falsas percorrem. A assustadora disseminação de notícias falsas criadas pela página Movimento Brasil Livre (MBL) foi um dos destaques, além de como essas notícias estavam ajudando o presidenciável Jair Bolsonaro a subir nas pesquisas, enquanto seu opositor Fernando Haddad estava perdendo pontos por conta das difamações. Um estudo intitulado “Perigos da Percepção”, do instituto britânico Ipsos Mori, identificou o Brasil como o terceiro país mais ignorante num ranking de 33 países. Ao final, a mediadora Pollyana Ferrari reforçou o baixo letramento midiático da população brasileira e como isso ajuda na disseminação dessas notícias.
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e reflexões. Afinal, é esse o fator decisivo para a formação do estudante. Por fim, reforçaram uma das características essenciais da profissão: a curiosidade. l Na manhã da terça-feira o assunto foi o machismo no jornalismo esportivo, com a hashtag #DeixaElaTrabalhar. As convidadas foram Ale Xavier, apresentadora dos Desimpedidos; Roberta Nina, jornalista e cofundadora do Dibradoras; Aira Bonfim, pesquisadora do centro de referência do futebol brasileiro; e Lívia Laranjeira, repórter do Sportv e autora do #LíviaOpina na plataforma online do Globo Esporte. Elas falaram da campanha que reuniu 50 jornalistas, e das dificuldades de ser mulher na profissão. Além dos casos graves de assédio, como o da repórter Bruna Dealtry, que foi beijada durante uma transmissão, ou de momentos de agressão verbal, as profissionais ainda têm que lidar com a falta de confiança e a necessidade de provação em relação aos colegas de trabalho homens.
audiência estendida – quando as pessoas escutam em outros horários programas já passados – e afirmando que “o jornalismo não vai morrer. É uma profissão que passa por um momento delicado, mas há redescobertas e novas formas de atuar”. Radialista na rádio Bandeirantes, Agostinho Teixeira falou das dificuldades de ser um jornalista investigativo e da importância de se saber que “as rádios são concessões públicas, e, portanto, têm uma obrigação pública”. Celso Teixeira, diretor de comunicação da emissora Record, trouxe dados e estatísticas sobre a realidade da televisão hoje e suas audiências, contando também sobre suas perspectivas para o futuro. Luciana Liviero, jornalista que já passou por canais como a Rede TV, contou sobre suas novas experiências como youtuber. “O YouTube é a possibilidade de nós exercermos a comunicação por vídeo sem depender da TV. Significou a independência, inclusive de falar o que é importante para você, sem a interferência ou direção tanto da emissora quanto da pauta do dia”.
l À noite, a mesa de tema “Rádio e TV – O Ibope caiu” se iniciou com a fala de Ricardo Gandour, diretor executivo da CBN, que indicou sobre como “o rádio é o que você ouve enquanto faz outra coisa”. Ele falou também do aumento da
l A mesa da manhã de quarta-feira abordou o tema “Realidades escondidas dos grandes jornais”, e teve como foco principal debater a questão do jornalismo humanitário e
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Novembro 2018
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Mesa “40 anos do curso de jornalismo e novas perspectivas de ensino”
© Artur Ferreira
Mesa “Consequências sociais dos desastres ambientais”
Mesa “Roda de debate do prêmio Vladimir Herzog”
l Na noite da quarta-feira, foi momento de se discutir “Novos mercados de trabalho: freela, independente e outras plataformas”, com o objetivo de trazer experiências para além das grandes redações. Oslaim Brito, produz vídeos factuais de assuntos cotidianos na cidade de São Paulo, disponibiliza o material em seu canal do YouTube, City News. Muitos deles são vendidos para emissoras, e alguns deles já foram vendidos para veículos internacionais. Durante a mesa, Oslaim mostrou um compilado de vídeos gravados por ele nas Jornadas de Junho de 2013. Andréia Lago apresenta a agência Eder Content, da qual faz parte. Tem como uma das motivações abrir o mercado jornalístico, para jornalistas que não estão em grandes redações. Propõe a ideia de um jornalismo inovador, despertando interesse de leitores com grandes histórias e a devida apuração jornalística. As reportagens produzidas são licenciadas para diferentes veículos de comunicação. Andréia comentou também sobre o Eder+, braço educacional da agência que promove “workshops, cursos e eventos para compartilhar experiências em jornalismo independente, digital e inovador”. Por fim, apresentou aos estudantes um jogo de tabuleiro que pretende fomentar o ensino de jornalismo investigativo, o jogo é sobre a reportagem “No Rastro de um Torturador”. Arthur Stabile é jornalista do Ponte Jornalismo, veículo que aborda segurança pública, justiça e direitos humanos. Ele comenta sobre as dificuldades da iniciativa, um delas a falta de confiança das fontes, por não conhecerem o veículo. Há também a dificuldade financeira, para tal buscam parcerias. Foi abordada a temática da segurança jurídica, ressaltando a novidade que são as ameaças digitais aos jornalistas. Camila Braga, da Folha de S. Paulo, comenta sobre a proteção de jornalistas ameaçados: “100% responsabilidade da empresa”. Arthur diz que na Ponte também há essa responsabilidade, tendo em vista a delicadeza dos temas tratados por eles.
comunitário. A fala do professor Urbano Nobre Nojosa, assim como em mesas anteriores, reforçou o posicionamento crítico defendido pela PUC e ressaltou a importância de uma semana como essa em meio ao cenário político atual. As convidadas Amanda Rahra, jornalista e cofundadora da Énois; Camila da Silva, repórter da Énois; Marlene Bergamo, escritora e fotojornalista da Folha de SP; e Priscila Pachco, da Agência Mural, destacaram o fotojornalismo humanitário durante o debate. Segundo dados da ONU, em 2017, o mundo já estava vivendo a maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial. Com o crescimento dessa situação, foram discutidas propostas para se repensar no fotojornalismo comunitário para que não se perpetue a violação dos direitos humanos ao cobrir esses trágicos episódios. A editora adjunta da Agência Mural explicou a importância de ter um jornalismo diversificado, disposto a romper os estereótipos negativos que foram impostos sobre as periferias. Pacheco explica que o principal fator que faz com que os jornalistas das grandes redações acabem por cair nesse senso comum, é o distanciamento entre repórter e comunidade. O desafio é chegar perto do leitor de base, adentrar com o jornal nas periferias e cativar o morador.
l Na manhã da quinta-feira, o tema tratado foi “Novas narrativas da cultura”. A mesa estava composta por duas duplas, o designer gráfico Loud e o youtuber Load, e o produtor Gomes Freitera e o cantor San Joe. San Joe traçou a sua carreira musical, na qual obteve o auge com o sucesso do hit Desculpa Doutor. A música está mais ligada ao funk do que ao rap, que é o que o cantor se propõe a fazer (atualmente é artista oficial do Rap Box). Gomes Freitera explica o contexto que possibilitou o sucesso ao explicitar que na sociedade há um movimento e logo em seguida outro totalmente avesso a ele, e que “no rap não é diferente”. Diz que em 2010 havia um rap mais politizado, exemplificando com a faixa Não Existe Amor em SP de Criolo e o aparecimento do rapper Emicida, e fez uma aposta, “de 2020 pra frente não verão algo tão politizado quanto isso”. Em meio a um cenário em que o dedo na ferida do rap não faz mais tanto efeito e que o preconceito contra o funk é menor, surge a Desculpa Doutor. Load e Loud se juntaram para elaborar o projeto Rap em Quadrinhos, que consiste na recriação de capas de HQ’s de super-heróis colocando rappers nacionais como personagens. Load diz que criou seu canal (LØAD) porque queria falar sobre quadrinhos com quem também gosta dessa arte, seu trabalho proporcionou abertura de horizontes na medida em que foi além da cabeça
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de moleque de quebrada e percebeu que podia fazer muitas coisas. No canal, Load fala sobre o rap usar a cultura pop para passar mensagem; no Rap em Quadrinhos, seu colega literalmente desenhou essa relação entre as duas expressões. l Durante a tarde, a roda de conversa do prêmio Vladimir Herzog trouxe os vencedores e as menções honrosas para o Tucarena, onde contaram sobre seus projetos e sobre os desafios na realização deles. As dificuldades do jornalismo brasileiro também foram pautas, tendo os convidados feito previsões sobre os próximos anos e dado dicas para os estudantes presentes de como é a profissão em áreas de risco e dentro das empresas. l À noite, a mesa “Entre o antes e o depois do jornalismo de entretenimento” trouxe Mônica Salgado, ex-diretora da Glamour, hoje no Vídeo Show, que falou das mudanças que observou no jornalismo de entretenimento durante a sua carreira. Para ela, muitas das revistas de moda que fecharam deixaram de se conectar com o público. A editora de entretenimento da Capricho, Gabi Zocchi, relembrou seus tempos com a Fernanda, conhecida como Foquinha, que hoje é youtuber, mas que foi uma das que selecionou Gabi quando iniciou na revista. Além de também comentarem as mudanças que perceberam na profissão, falaram dos bastidores com os artistas. Foquinha contou sobre sua transição para o YouTube e do preconceito com o jornalismo de entretenimento. l Na manhã de sexta, a historiadora e indígena Letycia Rendy Yobá abriu a mesa com um canto para afastar más energias, logo depois relatando as dificuldades que diferentes grupos indígenas passam no Brasil inteiro. Heloísa Mendonça, repórter do El País, detalhou sua cobertura do desastre de Mariana e de como a população ainda está longe de conseguir o retorno que merece da Samarco. Daniela Chiaretti, correspondente ambiental do Valor Econômico, falou sobre algumas das histórias que conheceu durante sua carreira, e de como sempre foi destemida para alcançar seus objetivos dentro do jornalismo. Explicou as preocupações do jornalismo socioambiental com a então possibilidade do candidato Jair Bolsonaro ser eleito. O nome socioambiental, segundo a própria jornalista, é em função de o meio ambiente e as questões sociais estarem profundamente ligados. Ana Amaral, atualmente jornalista da Folha, introduziu o termo ecofeminismo no debate, explicando sobre como sua carreira a levou para a pauta e a importância dela. Gustavo Faleiros contou sobre o Infoamazônia, do qual é criador. O projeto tem como objetivo unir jornalismo e ciência, e ser abrangente no que diz respeito à contextualização dos dados e à mistura de áreas, como a social e a ambiental, por exemplo. Falou também da necessidade do profissional de jornalismo, hoje em dia, se reinventar e criar, sem esperar teses e pesquisas de terceiros, mas criando seus próprios instrumentos e dados. Durante os períodos da tarde, exceto pela quinta-feira, trabalhos de conclusão de curso de alunos e ex-alunos foram apresentados. A festa de encerramento aconteceu no Bar Azul, às 19 horas, organizada pela parceria entre o centro acadêmico de jornalismo Benevides Paixão e a atlética de comunicação, o Pucão.
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CONTRAPONTO
Crise
Novas tecnologias exigem reinvenção do jornalismo
A
ssim como em outras áreas, a era digital também está presente no jornalismo e como consequência, está o transformando. Hoje estamos consumindo mais as informações através de outras plataformas para além dos jornais impressos, como a versão online dos veículos, sendo que as próprias redes sociais tornaram-se espaços de circulação de informações. De um modo geral, o jornalismo passa por um período de expansão, onde o acesso dos leitores às informações está entrando em uma era de multi plataformas. Com o advento das novas tecnologias, o jornalismo parece entrar em uma era de crise, onde a maneira tradicional de se transmitir as informações está sendo colocada em xeque. Segundo pesquisa realizada, ainda este ano, pelo portal Poder 360, em parceria com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), nos últimos três anos, os 11 principais jornais impressos no Brasil apresentaram uma queda na sua circulação. Ao comparar dados deste ano com os de 2014, estes jornais brasileiros apresentaram cerca de 520 mil exemplares a menos. A questão que vem sendo colocada pelos próprios profissionais da área é se ainda há espaço para os veículos impressos? E quais os impactos que surgem com a era digital entrando dentro da fórmula de se fazer jornalismo? Em entrevista, o professor do curso de jornalismo da universidade PUC-SP, José Salvador Faro, comentou sobre o tema, dividindo a reinvenção do jornalismo a partir de dois grandes aspectos. “O primeiro é que parece que o jornalismo enfrenta uma crise de identidade em função do assédio que ele sofreu com as novas tecnologias de informação e comunicação. A formação das redes, a formação dessa arquitetura horizontal da informação, desautorizou o jornalismo tradicional, e acabou impondo no circuito das informações e da esfera pública uma dinâmica, e um nível de abrangência com o qual o jornalismo não teve condições de competir, porque ele é concebido como um veículo verticalizado, baseado em um conceito clássico de jornalismo e essa mudança que as tecnologias digitais provocaram colocaram isso em choque”. O aspecto observado pelo professor Faro, se relaciona com um dos impactos da era digital dentro da transmissão das notícias. Para o entrevistado, o jornalismo precisa se reinventar principalmente porque a sua forma tradicional perdeu força e há uma necessidade de se adaptar a novas dinâmicas de realidade. “Não adianta nada o um jornal tradicional ter um portal para o qual se exige uma assinatura que afasta o leitor dessa dinâmica. Hoje, há jornais bem-sucedidos, justamente porque eles se abriram para a democracia da informação, acabaram ganhando mais público e portanto aumentaram as suas ações publicitárias. No caso, me parece que o jornalismo brasileiro não entendeu esse processo.” Hoje, grande parte dos jornais já possui sua versão online e que muitas vezes é mais lida do que a versão impressa. A questão colocada
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Por: Gabriela Testa
Segundo estudos sobre notícias digitais da agência de notícias britânica Reuters, no ano de 2017, os celulares superaram os computadores como principal fonte de notícias, atingindo 65% de uso para a leitura
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O primeiro é que parece que o jornalismo enfrenta uma crise de identidade em função do assédio que ele sofreu com as novas tecnologias de informação e comunicação
(...)”
(José Salvador Faro) pelo Professor Faro, é que muitos destes portais passaram a exigir uma assinatura para a leitura, assim como era feito com a versão em papel dos jornais. Entretanto o professor de jornalismo discorda que esta prática seja um caminho para a nova era. Foi realizada uma entrevista também, com o professor da PUC-SP Diogo Hollanda, que enfatizou sua visão em relação a esta nova lógica de mercado que se abre na era digital. “O que eu acho muito importante dizer é que a crise pela qual o jornalismo passa se deve fundamentalmente as consequências de sua digitalização, porque isso primeiro, colocou em xeque o modelo de negócios do jornalismo. Hoje em dia ninguém quer pagar por informações, você tem um mundo de informações gratuitas”. Segundo sua visão, a digitalização das informações está sobre uma nova perspectiva econômica, onde o mercado criou uma nova cultura, novas maneiras de se produzir e de se consumir a informação. O jornalismo passou a imperar mediante um imediatismo, onde a notícia tem que ser dada instantaneamente, ao momento que ela ocorre, caso contrário torna-se algo já antigo, e que perde força de visualização das informações. Essa nova lógica influência no que se vê hoje como uma crise. “O jornalismo passou a seguir uma rapidez extrema, essa notícia em cima do lance, de maneira quase incompatível, com uma rapidez incompatível com a própria qualidade. Você não pode ter um conteúdo bom e profundo se você quer que ele seja feito pra 10 minutos, meia hora depois, a apuração não é bem feita”. A segunda observação feita pelo professor Faro, tem a ver com uma lógica empresarial,
que teria tomado conta do jornalismo em sua era digital. “O jornalismo já vinha há algum tempo, em especial nestes últimos vinte anos, sido dominado por uma lógica empresarial, que transformou o jornal, até assim de uma maneira um pouco descarada, em uma mercadoria pura e simplesmente. O jornal concebe a notícia como um produto e faz o que for possível para que a notícia fique valendo mais como produto do que como notícia, o que desfigurou um pouco o compromisso do jornal com o interesse público”. Conforme dito na entrevista, levando em consideração a confiança estabelecida entre a fonte de informação, os jornais; e seus leitores, a mercantilização do jornalismo afeta essa relação. A nova “regência” do jornalismo gera, segundo o entrevistado, um desprestígio das grandes reportagens, o enxugamento de textos e uma pobreza do próprio trabalho do repórter. “Essa financeirização do jornalismo acabou criando um vazio que coloca em prejuízo o interesse público que normalmente o leitor enxerga retratado no veículo que ele lê”. Além disso, a lógica empresarial colocada pelos professores, também passa pela questão dos algoritmos dentro das redes sociais. As empresas digitais hoje, são capazes de obter informação dos usuários, de modo a lançar propagandas, lançar informações, de acordo com aquilo que se deseja. A manipulação do que se tem na internet hoje em dia, torna-se cada vez mais fácil. O advento do Big Data e o uso de softwares que se baseiam em algoritmos estão influenciando na maneira pelo qual são difundidas as informações para os leitores, causando um impasse entre o receptor da notícia e aquele que a realiza.
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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O que eu acho muito importante dizer é
que a crise pela qual o
jornalismo passa se deve fundamentalmente as consequências de sua digitalização, porque isso primeiro, colocou em xeque o modelo de negócios do jornalismo.
Hoje em dia
ninguém quer pagar por informações, você tem um mundo de informações gratuitas”
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caráter de imediatismo de uma nova lógica da era digital no jornalismo, é apontado por ambos os entrevistados. O professor Diogo Hollanda enxerga que o problema também vai muito além desta nova lógica empresarial. “Não se trata só de uma falta de um modelo de negócios sustentável, o problema não é só o jornalismo não ter assinantes nem propaganda. O problema é que a própria qualidade do jornalismo tem se deteriorado em função de características do mundo digital. E isso incide não só sobre quem produz, sob o jornalista, mas também sob o público, isso gera alterações na maneira como as pessoas lidam com as informações”. Ambos indicam essa distinção do modelo antigo de se fazer jornalismo com o atual, quando se trata da relação que o leitor hoje tem com as notícias que ele lê. Hoje os receptores das informações recebem milhões de dados em questão de minutos, fazendo com que a absorção das informações no final de um período de 24 horas seja muito baixa. Em 2013, a Revista Galileu juntou dados sobre a quantidade de informações que recebemos ao longo de um dia. Segundo a pesquisa realizada pela Universidade do Sul da Califórnia, absorvemos cerca de 34GB de informações por dia, equivalente a informações vindas de 174 jornais inteiros e cerca de 34 mil livros, isto há 5 anos atrás. O que foi apontado também pelo entrevistado Diogo Hollanda foi que uma pessoa passa o dia todo lendo jornal, lendo notícia, mas no fim do dia ela não vai lembrar de nada, tamanha a quantidade de informações. E em segundo lugar há uma apatia. O que acontece hoje, é que vemos na televisão, na internet, as maiores catástrofes acontecendo, e isso já não produz efeito nenhum em nós, parecemos não sofrer mais com isso. Entre as consequências da nova era na profissão, foi colocado pelos entrevistados a horizontalidade de informações entre os jornais tradicionais e notícias divulgadas por redes sociais. O professor Diogo Hollanda aponta que outra coisa fundamental, ditada pela cultura digital é a ideia de horizontalidade no fluxo de informações. Com o surgimento das redes sociais, qualquer pessoa hoje pode achar um documento de divulga-lo via Facebook, via twitter, o que, segundo o professor, causa uma ilusão de que todos são capazes de fazer jornalismo. “Só que isso acaba rebaixando um pouco a ideia do que é jornalismo, porque jornalismo não é só você divulgar uma informação, divulgar uma foto, o jornalista precisa saber apurar uma informação, saber selecionar os dados mais importantes, verificá-los, agir com competências específicas, com ética, responsabilidade. Isso acaba levando a um problema maior que é tão grave quanto o da falta de uma sustentabilidade econômica hoje, que é o da perda da centralidade do jornalismo entre as fontes de informação de que as pessoas se valem”. Antes o jornalismo era mediador por excelência entre os fatos e o público, porém hoje vemos que ele deixou de ser essa referência, saiu de seu posto de protagonista. “Cada vez mais as pessoas igualam informação da Folha de São Paulo, ou do The New York Times, a uma informação que vem no WhatsApp ou em um site qualquer. Inclusive porque as Fake News, além de circularem com uma profusão assombrosa, elas se refinaram, hoje em dia elas tem uma roupagem, que faz com que as pessoas acreditem muito mais nelas, existe uma verossimilhança, que antes elas não tinham”. Quando perguntados sobre uma possível solução, ou seja, a reinvenção do jornalismo, foi observado por José Salvador Faro que o jornalismo deve partir do questionamento dos dois aspectos que ele coloca em sua fala, a nova lógica empresarial e a confirmação de que a lógica antiga de fazer jornalismo não pode ser mais concebida. “Eu por exemplo sou um leitor antigo de vários jornais e confesso pra você que praticamente me decepcionei com a maioria deles, pela fragilidade, pela pobreza intelectual das matérias, pelo caráter imediatista do texto, e pela sensação de que eu estou lendo quase que um anúncio de um produto e não um jornal. Penso que são esses dois desafios mais importantes. A reinvenção tem que passar pelo questionamento dessas duas coisas”. Para o professor Diogo Hollanda, o que podemos fazer para o futuro da profissão é apontar os fatores que colocam em xeque seu futuro. “O futuro do jornalismo depende da superação de certos fatores, entre os mais evidentes essa questão econômica e da perda da centralidade, perda de protagonismo, e até mesmo de credibilidade”. Para os jornais, a solução é fazer jornalismo. “Os jornais precisam fazer jornalismo, porque muitas vezes eles dizem que fazem, mas não fazem. As notícias são mal apuradas, feitas de maneira superficial”. De maneira geral, o jornalismo deve enfrentar a sua crise olhando para aquilo que o colocou nesta situação. O comentário final feito pelo professor Diogo de Hollanda, demonstrou sua visão sobre o futuro do jornalismo. “Nós não sabemos como vai ser daqui a quarenta anos, porque esses impasses podem pesar mais ainda, se a crise do jornalismo já chegou em seu pior momento, pode piorar muito. Entretanto, na minha visão, não existe o fim do jornalismo, em hipótese alguma ele vai deixar de existir, já que é uma atividade básica para qualquer sociedade mais ou menos complexa”.
© Reprodução
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(Diogo de Hollanda)
Imediatismo ameaça qualidade da informação
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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CONTRAPONTO
ensaio fotográfico
Jornalismo na sociedade
© Fotos: Marina Pires
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e no século 19 a Revolução Industrial provocou mudanças profundas na sociedade, com a Revolução Digital dos séculos 20 e 21, não aconteceria diferente. O jornalismo, ao longo das décadas, sofreu mudanças não só na sua forma de vender a notícia, mas, também, na forma como se apresenta. O impresso, junto com as bancas de jornais, vem cada vez mais perdendo seu poder e leitores, e com a rapidez desse mundo globalizado, o digital, que virou sinônimo de praticidade, ganhou espaço e tornou-se o maior concorrente dos jornalistas e das editoras. Porém, o avanço das mídias sociais acabou abrindo espaço para que as fakes news ganhassem força. Todos passaram a ser jornalistas, e todos passaram a acreditar e repassar qualquer coisa que liam pela frente. O mundo ficou sem filtro e modificado cada vez mais pela tamanha propagação de notícias falsas e verdadeiras. E assim, consequentemente, o jornalismo foi abraçando essas ações e reações e sofrendo mudanças, porque, afinal, é disto que ele se alimenta: do movimento da sociedade.
Professor José Faro expondo sua opinião ma mesa “fake news nas eleições” da 40a semana de jornalismo
E co g
Por: Marina Pires
Estudante lendo o jornal Folha de S.Paulo um dia depois da vitória de Jair Bolsonaro
Pro Ne
Joven lendo uma matéria da revista Piauí
Homem lendo o jornal em um d
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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Novembro 2018
© Artur Ferreira
Fotógrafo registrando a roda de conversa do prêmio Vladimir Herzog
Estudante de jornalismo fazendo perguntas aos onvidados da mesa “Realidades escondidas dos grandes jornais” da 40a semana de jonalismo
TV PUC entrevistando uma das integrantes da mesa “fake news nas eleições da 40a semana de jornalismo
© Fotos: Marina Pires
ofessor Marcos Cripa debatendo na mesa “Fake ews nas eleições” da 40a semana de jornalismo
domingo na Avenida Paulista Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Banca de jornal da Avenida Paulista que vende revistas importadas Novembro 2018
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CONTRAPONTO
Liberdade de imprensa
Violência contra jornalistas ameaça a democracia Por: Gabriela Neves e Natasha Meneguelli
O Brasil está na 102º posição no ranking feito pela ONG Repórteres sem Fronteiras; é um dos piores do mundo, e a situação ainda se agrava em períodos eleitorais
Contraponto – Como surgiu o projeto? Como funciona? Janaina Garcia – Nosso projeto é um coletivo. Nasceu de um caso localizado de uma estagiária que tinha sido demitida depois de relatar um episódio de assédio sexual que ela sofreu de uma fonte. A partir daí nós, de uma forma muito orgânica, começamos a nos mobilizar. Eu e a Taís Nunes, do SBT, começamos a pensar em uma campanha, em algo que mostrasse aquilo, e que também fosse solidário com a menina. A partir disso, dessa primeira campanha, que a gente pediu que jornalistas mulheres mandassem frases, casos, que já tinham ouvido na profissão, a gente percebeu que tinha uma demanda grande e muito reprimida, de se falar de assédio no meio jornalístico. Nós fomos o primeiro coletivo, a primeira iniciativa na nossa categoria, o primeiro grupo a falar de um assédio que nós também sofremos. Não é só reportar o assédio que os outros sofrem. A partir desse momento, nos últimos dois anos e meio, tivemos quatro campanhas de conscientização sobre o problema do assédio sofrido pela mulher jornalista. Ao longo desse tempo, também, acabamos falando do assédio que homens sofrem, porque também está sujeito, principalmente ao moral,
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Vladimir Herzog, jornalista “suicidado” em outubro de 1975
Tim Lopes, jornalista assassinado no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, em junho de 2002
© Reprodução
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, ABRAJI, identificou mais de 120 agressões à profissionais de comunicação apenas durante as eleições presidenciais de 2018. O número, alarmante, é visto como resultado da polarização da sociedade brasileira. De acordo com a presidenta da FENAJ, Maria José Braga, “Durante essas eleições, o número de casos de agressões e ameaças, principalmente pelas redes sociais, cresceram bastante. Acreditamos que esse crescimento se deveu à própria atmosfera de intolerância e violência que está presente na sociedade como um todo, e que refletiu também na perseguição a jornalistas. Um dos candidatos faz apologia à violência e alguns dos seus seguidores estão se sentindo autorizados a cometer atos violentos, a ameaçar quem critica o candidato.” O Brasil está na 102º posição no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de 2018, realizado pelos Repórteres sem Fronteiras. A situação não se justifica pelo grau de “desenvolvimento” do país, já que tanto países considerados de primeiro mundo quanto de terceiro assumem resultados melhores, como os EUA, a Alemanha, o Haiti, e os nossos vizinhos, Argentina e Chile. A violência contra jornalistas vai desde casos de assédio moral, até os que envolvem agressões físicas e assassinatos, e não ocorrem apenas durante os períodos eleitorais. Além disso, há também a violência de gênero intrínseca ao cotidiano das jornalistas. Janaina Garcia, representante do coletivo Jornalistas contra o Assédio, que surgiu em 2016, e repórter do Uol, cedeu entrevista ao Contraponto.
© Reprodução
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ainda que a mulher tenha outras dificuldades que o homem não tem. Fizemos inclusive campanhas em que colocamos homens para falar com os jornalistas. Em algum momento da nossa trajetória chegamos à conclusão de que não adianta falar de assédio, combater o assédio, sem que primeiro a gente explicasse a raiz do assédio, deste tipo de comportamento que é o machismo. Inclusive às vezes o machismo de mulher mesmo, ou sem que falássemos com o principal autor, muitas vezes, dessas práticas de assédio no ambiente profissional, que é o homem, não só o homem, mas principalmente. Foi assim que viemos construindo essa trajetória, por meio de campanhas informativas, palestras em universidades. É muito legal essa iniciativa de vocês da PUC, e de outras universidades, de ver que os alunos estão discutindo isso hoje, em trabalhos de conclusão, em palestras, em eventos, então a gente espera que seja uma geração mais consciente para lidar com esse problema, porque o problema vai existir. Você não acaba com o machismo que está enraizado há décadas na sociedade tão facilmente, mas a gente vê, também pelo trabalho do coletivo, mas não só, que a gente fomentou uma discussão que esperamos que tenha frutos com as próximas gerações que vão entrar no mercado de trabalho.
Fizemos também participação em eventos com entidades de classe, como o sindicato, a ABRAJI, na USP. Colocar o assunto em pauta, refletir sobre formas de combate, de prevenção. Mas o mais importante de tudo é desnaturalizar, isso a gente tem feito, mas ainda tem um caminho longo. E claro, nos posicionado sobre casos que aconteceram durante esse tempo.
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CP – Quem são as colaboradoras? JG – Temos um grupo de aproximadamente 30 mulheres, que é uma espécie de cabeça pensante do coletivo, com mulheres de praticamente todas as redações, de assessorias também, de órgão públicos, de entidades da sociedade civil. Tudo que fazemos passa por esse grupo. Eu acabo canalizando muita coisa por ser uma das portavozes do movimento. CP – Quais os casos que considera mais graves? JG – Houve casos que me chocaram, quando o coletivo já tinha mais de um ano, que é o assédio à mulher que se torna mãe, ou a jornalista gestante, de ver a jornalista grávida, ou que quer ter um filho, sofrer o assédio. É difícil, porque faz a gente pensar que todo mundo que está aqui é filho de alguém. Se minha mãe tivesse coibido um assédio desse tipo, ela teria pensado antes de me ter?
O assédio é muito grande, tem casos que a gente tem dado agora que são atitudes criminosas, de você assediar virtualmente um jornalista, invadir a privacidade dele, do WhatsApp. Teve um caso recente de um jornalista da Folha que sofreu isso, que se tornou uma investigação na polícia federal. Também tivemos vários casos de assédio que acabaram resultando em agressões físicas. A semana da prisão do Lula foi muito tensa de trabalhar. E o que motivou a abertura do coletivo, que para gente é bem emblemático, é da menina que denunciou o assédio e uma semana depois foi demitida. Por fim, um dos casos que mais chocaram a gente, foi um jornalista que fez uma matéria crítica às ações da prefeitura, uma matéria com amplo interesse público, que apesar de todo o procedimento jornalístico, de ouvir o outro lado, apurar, teve o perfil pessoal dele exposto nas redes sociais. Um prefeito que tinha ali milhões de seguidores, expôs o veículo, mas o jornalista. É um tipo de assédio perigoso porque agride não o veículo, ou a apuração, mas a pessoa, que é a parte mais frágil dessa relação. Acho que a mensagem que isso traz, para o jornalista, é cuidado com o que você vai escrever, porque senão vou te expor na sociedade. É um recado de intimidação muito forte, que a gente tem tentado trabalhar no coletivo.
CP – Quais as diferenças entre a violência contra homens e contra mulheres? JG – Acredito, pelo que já passei, pelo que amigas minhas passaram, pelo que vemos no coletivo, que a mulher tem um componente sexual. O fato de ser mulher conta mais na hora de fazer o ataque, o gênero é muito mais presente que no homem. Não se chama o homem de vadio. Você não sugere que aquele homem é um prostituto para ter conseguido aquela informação. Então com homem você vai fazer outras relações para desqualificar o trabalho. Com a mulher você pega justamente naquilo que eu falei, das alegações de uma sociedade machista. Faz apontamentos sobre a aparência física. Acho que se leva muito mais para esse lado sexual, de desqualificar a profissional, e basta ver os xingamentos e insinuações que são feitas para a mulher e as feitas para o homem. CP – Nas eleições, essa diferença existiu? Percebeu aumento de violência? JG – Os assédios aumentaram. Ainda é recente, mas teve muito mais ataques. Não tanto em virtude de gênero. Foi uma eleição muito marcada pela violência e pela deslegitimação do trabalho do jornalista, independente de ser homem ou mulher. Houve muito assédio virtual, houve hackeamento de contas. Foi uma luta contra o trabalho da imprensa.
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O relatório da FENAJ de violência contra jornalistas em 2017 traz informações interessantes sobre o perfil do problema. Grande parte dos agressores são policiais militares e civis, representantes políticos e juízes, procuradores e promotores. A relação entre posição de poder e violência não é coincidência. Sendo o jornalista responsável por investigar e levar à público assuntos e acontecimentos de relevância para a sociedade, é inevitável esbarrar nas pessoas que assumem esse poder, principalmente num país onde a corrupção das funções é tão clara e recorrente. Maria José, em entrevista, detalhou sobre a Federação e os relatórios.
CP – A diferença dessa violência entre o meio urbano e rural, ou entre cidades, ou estados, é significativa? MGB – No caso da violência contra jornalistas, ela é essencialmente urbana. A região Sudeste é que concentra o maior número de casos, em razão das agressões cometidas durante manifestações. Esses dados estão nos nossos relatórios, ano a ano.
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Gráfico de tipos de violência do relatório de violência contra jornalistas da Fenaj de 2017
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Contraponto – Como é a associação dos jornalistas com a FENAJ? Como eles colaboram? Maria José Braga – A FENAJ é a federação sindical que reúne os Sindicatos de Jornalistas de todo o país. Pelo sistema federativo, somos uma entidade sindical de segundo grau, de representação nacional, constituída pelos sindicatos, que são entidades de primeiro grau e podem ser estaduais ou municipais. Os jornalistas filiam-se aos Sindicatos e não a FENAJ, mas colaboram com a Federação fortalecendo o sistema sindical, ao se filiarem aos sindicatos. CP – Com é feito relatório de violência contra jornalistas? MJB – O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa é feito pela FENAJ anualmente, com o auxílio dos sindicatos filiados. As denúncias de agressões são feitas pelos próprios jornalistas vítimas ou por colegas. Às vezes, as denúncias chegam diretamente à FENAJ, mas na maioria dos casos, os profissionais procuram os Sindicatos, que buscam o apoio da FENAJ para a denúncia pública. Também recorremos às informações veiculadas pela imprensa, com confirmação por parte dos Sindicatos. CP – Vocês têm algum trabalho de proteção a jornalistas em conjunto com os sindicatos ou veículos de comunicação? Se sim, como é feito? MJB – Nosso trabalho de combate à violência contra jornalistas é de denúncia e de cobrança das autoridades para que todo caso seja investigado, com os culpados identificados e punidos. Eventualmente, podemos atuar no sentido de dar proteção física ao profissional, por meio do programa de proteção da Federação Internacional dos Jornalistas. Na maioria dos casos de ameaças à integridade física dos profissionais, as próprias empresas tomam medidas preventivas, como deslocamento do profissional para outras áreas de cobertura (que não a da atuação que gerou a ameaça) ou mesmo a retirada do jornalista das coberturas de rua, por determinado tempo. Cada caso exige um tipo de medida.
Gráfico de agressores do relatório de violência contra jornalistas da Fenaj de 2017
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De acordo com o relatório “Impunity Index”, divulgado em outubro de 2018, o Brasil é o 10º país com o pior índice de impunidade em crimes contra jornalistas. Isso ocorre mesmo com projetos como o Programa Tim Lopes da ABRAJI, o que alerta que é necessária uma maior ajuda do Estado. O jornalismo tem um papel insubstituível em qualquer sociedade, e num país onde a média de leitura anual é de 2 livros, e o número de brasileiros que não leem é de por volta de 40%, as dificuldades do trabalho jornalístico são ainda maiores, e necessitam ainda mais de apoio, tanto no espaço virtual quanto no físico.
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CONTRAPONTO
Alternativas
Profissionais e ativistas “inventam” novas formas de fazer jornal
internet vem possibilitando maior velocidade e também uma maior democratização da informação dentro das suas plataformas, principalmente no que diz respeito às redes sociais. Diante disso, um segmento do jornalismo enxergou nela a possibilidade de cobrir a lacuna de conteúdo muitas vezes deixada pela chamada grande mídia, especialmente se pensarmos nos temas que abordam a violação dos direitos humanos, a violência institucional presente na nossa sociedade, e a valorização da cultura das periferias. O jornalismo alternativo tem conquistado cada vez mais espaço dentro da mídia e, além de abordar temas que grandes empresas de comunicação deixam de fora de suas pautas, outro fator que vem permitindo a ascensão de quem pratica esse tipo de jornalismo é a sua relação transparente com seus leitores. Seja ao abrir para todos como se dá o financiamento para a produção de suas matérias, seja ao permitir uma participação direta de seus seguidores na sugestão de conteúdo para as suas páginas, o jornalismo independente tem como uma de suas principais marcas a proximidade com seus leitores. E essas especificidades dos coletivos jornalísticos que se desenvolveram dentro da internet tem gerado resultado, ainda mais se atentarmos para o crescimento de alguns desses jornais dentro da sociedade. Entre os mais conhecidos, temos: Agência pública: fundada em 2011 por repórteres mulheres, tem como foco principal reportagens do gênero investigativo. Além disso, possui um espaço físico de discussões, a Casa Pública, localizada no Rio de Janeiro. Mídia Ninja: ganhou visibilidade no contexto das chamadas Jornadas de junho de 2013, quando, com muita agilidade, fazia uma espécie de ponte para que o que acontecesse nas manifestações chegasse rapidamente a quem estava em casa. Jornalistas Livres: surgiu de uma iniciativa de fazer uma cobertura das manifestações de março de 2015 que pudesse mostrar de fato quem eram as pessoas que estavam presentes na Avenida Paulista, e quais eram as pautas e reivindicações que elas traziam. Nexo: lançado em novembro de 2015, destaca-se pelos seus levantamentos de dados e estatísticas, quase sempre amparados por gráficos muito interessantes, que dão ainda mais profundidade às notícias. Agência Lupa*: é a primeira agência de notícias do Brasil a se especializar na técnica jornalística conhecida como fact-checking. Fundada em 2015, publica seu conteúdo de checagem no próprio site, mas também vende seu trabalho para outros veículos de comunicação. A agência também desenvolveu o LupaEducação, um programa de treinamento e capacitação que ensina técnicas básicas de fact-checking. Trabalhando a ideia do jornalismo especializado nas checagens do que dizem políticos e autoridades nacionais, temos ainda o Aos Fatos*. Desenvolvido em 2015, os criadores desta plata-
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forma entenderam que aquele era um período de suma importância para a sociedade brasileira, e por isso era preciso checar ao máximo o que era dito pelos políticos. “A gente sentia a necessidade de fazer esse trabalho de checagem num período que já era conturbado, não tanto quanto agora, mas a gente já via que seria necessário este tipo de trabalho”, explica Bárbara Libório, repórter do Aos Fatos. Bárbara destaca que o jornalismo independente tem conquistado espaço não só pelo trabalho de qualidade dos jornais que seguem esse ramo alternativo da mídia, mas também por culpa de uma crise de credibilidade da grande mídia e por uma mudança na forma como as pessoas estão consumindo informação. A jornalista ainda atenta para o fato de que o atual cenário político brasileiro é de muita oportunidade para quem faz jornalismo de qualidade, e que todos devem “trabalhar juntos pelo bem do acesso à informação, pelo bem do leitor, pelo bem do país e da democracia”. Outro membro do jornalismo alternativo que vem ganhando visibilidade no cenário midiático brasileiro é a Revista Vaidapé. Fundada em 2012, a revista é um coletivo de mídia formado por jovens comunicadores de São Paulo, que vão desde jornalistas até produtores culturais. Iuri Salles, repórter que cobre violência policial e pixação na Vaidapé, afirma que o jornalismo independente está longe de uma consolidação dentro da sociedade brasileira, mesmo entenden-
do que há especificidades que mantém esse tipo de jornalismo numa luta por espaço. “O que nos mantém é o fato de ter um novo ângulo para fazer jornalismo. Mas por exemplo, estamos muito distante de um dia pautar um debate nacional”, destaca Iuri. Tanto Iuri como Bárbara salientam que o principal empecilho frente ao desenvolvimento do jornalismo independente no Brasil é o financiamento. Enquanto a grande mídia conta com muitos patrocinadores que sustentam a sua estrutura e financiam suas produções, a mídia alternativa carece de quem realmente invista na produção de suas matérias, fazendo com que muitas vezes quem faz um jornalismo de extrema qualidade fique atrás das cortinas de grandes empresas de comunicação. “O brasileiro não entende ainda que jornalismo de qualidade é caro e que alguém precisa pagar por ele”, destaca Bárbara. O repórter da Vaidapé dá ênfase também a como será o futuro do jornalismo diante do cenário político que está se desenhando para os próximos anos. “Acho que como em 2013 será um momento de expansão, porque essas mídias serão cada vez mais necessárias e novas narrativas terão mais destaque. Pensando no que esse novo governo representa, a mídia alternativa terá mais trabalho do que nunca, e terá que cumprir sua função de ser um ponto de quebra no discurso hegemônico”.
Capa Aos Fatos
© Reprodução: Agência Pública
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Cada vez mais coletivos independentes buscam levar informações deixadas de lado pela grande mídia
© Reprodução
Por: João Guilherme de Lima
“Política e LGBT+” na Casa Pública
*Tanto a Lupa como o Aos Fatos integram a International Fact-Checking Network, uma rede mundial de checadores fundada em 2015 pelo Instituto Poynter, dos EUA.
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CONTRAPONTO
Palestina
Jovem com visto negado em Israel reacende debate sobre o BDS Por: Daniel Gateno, de Israel
Movimento mundial de protesto contra assentamentos ilegais na Cisjordânia aumenta pressão sobre estado judeu
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to meramente acadêmico nos Estados Unidos, mas não necessariamente antissemita: “ é um movimento que é famoso nos Estados Unidos apenas entre os intelectuais e não representa algo antissemita já que existem organizações judaicas que apoiam o BDS, principalmente nos EUA onde existe um numero consideravelmente grande de judeus”. No ano de 2016, o então presidente americano Barack Obama assinou uma lei antiboicote, no intuito de proteger Israel, aliado mais importante dos americanos no oriente médio. A lei institui, que empresários norte-americanos não participem de negócios envolvendo empresas que apoiam o movimento BDS. Além disso, esses empresários também devem denunciar corporações que se envolvam com o movimento, e fazer com que Israel não seja economicamente afetado por essas ações. Na época, Obama declarou estar fortemente contra o BDS, em meio a diversos rumores sobre sua relação ruim com o Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netaniahu: “ Eu instrui minha administração a se opor fortemente aos boicotes, campanhas de desinvestimento e sanções direcionadas ao Estado de Israel. Enquanto eu for presidente nós continuaremos a fazer isso”. O jornalista americano Nathan Thrall, especializado em Oriente médio, escreveu um artigo para o jornal britânico The Guardian, onde questiona como um movimento como o BDS mudou totalmente a forma como debatemos o conflito Israel-palestina: “ esse movimento fez com que a Autoridade Palestina se envergonhasse pela denúncia por corrupção e colaboração da AP com o exercito israelense. Além disso, fez com que diversas empresas que atuam em Israel como Airbnb e Hp ficassem com uma reputação ruim
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m julho deste ano, o governo de Israel negou a entrada da ativista americana Arieh Gold, no país. Ela faz parte do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e tinha um visto de estudante para fazer um mestrado na Universidade Hebraica de Jerusalém. Sua entrada foi negada, após sete horas de espera pelo Ministro de Interiores do governo israelense Arie Dery: “eu estou usando a minha autoridade para prevenir a entrada de uma mulher, que mesmo sendo judia, vem para o nosso país para protestar e pedir o nosso boicote”. Em 2015, Gold entrou em Israel com um visto de turista e fez campanha pela organização BDS em pleno Muro das Lamentações, um dos locais mais importantes para a religião judaica. Após suas manifestações, foi avisada que precisaria avisar as autoridades israelenses, se quisesse voltar ao estado que tem Tel Aviv como sua capital. O reitor da UHJ manifestou-se a favor da estudante e da sua liberdade de expressão, mesmo que isso significasse um boicote a Israel. O BDS é um movimento pacifico, que tem como principais ideais justiça, igualdade e liberdade. O movimento acredita na emancipação dos palestinos e defende o fim da “ocupação” israelense. Além disso, o BDS frisa que o boicote econômico, cultural, esportivo e político de Israel é necessário e válido para a causa. Em janeiro deste ano, o governo israelense publicou uma “lista negra” com o nome de pessoas pertencentes a diversas organizações que seriam proibidas de entrar no país. A lista tem instituições americanas, europeias e latino-americanas. O ministro de assuntos estratégicos de Israel, Gilad Erdan, afirmou que as organizações de boicote devem estar informadas que Israel irá se posicionar contra essa ameaça e não permitirá que afete a seus cidadãos. Em artigo de opinião escrito para o jornal britânico The Guardian, Asad Rehman, presidente da organização War on Want, entidade que apoia o movimento BDS, a publicação de uma “lista negra” é um ato desesperado para silenciar diversos defensores dos direitos humanos: “ o governo israelense quer calar críticos e dar fim a um movimento crescente no mundo pela defesa dos direitos dos palestinos”. Rehman, também comparou as ações do governo israelense com as do governo sul-africano na época do Apartheid: “ essa repressiva ação de Israel lembra a também chamada lista negra do governo sul-africano nos anos 80 e aquela lista negra caiu e esta lista negra israelense também cairá”. Um dos mais famosos tipos de boicotes do movimento é o acadêmico, que consiste em fazer com que universidades ao redor do globo cortem laços de intercambio e pesquisa com instituições israelenses. Intelectuais de países como Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, França e Chile já assinaram em prol do movimento, além de associações de estudantes da famosa universidade de Nova Iorque. O estudante americano Alec Goldman acredita que o movimento BDS é um movimen-
A ativista americana Arieh Gold em sua primeira passagem em Israel com um cartaz de boicote
perante o mundo sem falar do boicote ao âmbito cultural,esportivo e acadêmico israelense”. Uma das principais reivindicações do movimento é o boicote a produtos feitos em assentamentos na Cisjordânia. Mesmo com a constante negação a campanha de boicote feita pela União Europeia, os governos europeus estudam formas de rotular os produtos feitos dentro dos assentamentos, que não são reconhecidos pela comunidade internacional como parte de Israel. A maior ação de uma empresa europeia ocorreu quando o presidente-executivo da Orange, empresa francesa de telefonia móvel, expressou o desejo de finalizar a sua parceria com a empresa israelense Partner Communications, no intuito de tentar melhorar as relações da companhia com o mundo árabe. Após a polemica, o CEO da empresa francesa Stephan Fichard viajou até Israel para se desculpar. Dentro de Israel, além da oposição ao movimento feita pelos cidadãos judeus do estado, também existe uma minoria árabe-israelense que quer combater o BDS. Dima Tayeh, 25, uma muçulmana que vive em Israel, afirma que o Estado é importante para todas as minorias e que ela se sente uma igual perante a seus conterrâneos judeus. Kazem Khalilya, árabe muçulmana moradora de uma vila árabe chamada Iksal afirma que pagou um preço pessoal por suas opiniões a favor do estado de Israel: “Meu primo me removeu da minha casa, meu tio se recusou a me convidar para um casamento e eu fui quase removida da minha família. Porém, continuo acreditando que Israel é um país que mesmo que seja judeu, também é democrático.
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Cidadania
Direitos assegurados pela Carta de 1988 ainda não são praticados no Brasil
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Promulgação da Constituição Federal Brasileira - 05/10/1988
© Acervo pessoal
rente à seção seis, o desânimo reproduziu-se em um suspiro. Era dia de eleição, segundo turno; apressei-me pelos corredores da João Papa Sobrinho, constituinte do colégio eleitoral de Santos, com o intuito único de votar e, sob uma perspectiva individual humanitária, consequentemente, socorrer a nação. A contraditória simplicidade que recai sobre incertas e arriscadas razões brasileiras. Seguiria minuciosamente o básico cronograma sufragista, mas aquele suspiro corrompeume. A distinta figura de um senhor transpassava compreensível abatimento, como se a expressão fosse a lastimável consequência contrária de um passado e, ainda mais danoso, de um amanhã. Prendi-me àquele panorama; os sentidos, de ambos os lados, atraíram-me com cuidados antagônicos à bisbilhotice, rendendo-me a certo zelo de reconhecimento. Aproximei-me; “boa tarde, desculpe a abordagem repentina, mas está tudo bem?”, a resposta foi antecedida por um riso penoso, “creio estar votando pela última vez em minha vida...” – primordialmente associei a fala à idade – “não por males à saúde ou pelo findar de minha existência, mas pelo fim de algo por qual entreguei minha alma”, completou. Meneando a cabeça, fixou o olhar para dentro da sala e, por fim, revelou: “voto pela última vez, pois a democracia será extinta!”. O vigor proveniente da sentença revolveu meu espírito. Mais do que nunca, a dicotômica polarização política, fundamentada em convicções partidárias, fragmentou o corpo social nacional em uma incabível concepção de bem versus mal. A exteriorização de entendimentos particulares atingiu patamares de rivalidade bélica, configurando a corrida presidencial como um legítimo combate. As figuras de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, representaram simultaneamente, conforme a ideologia eleita, o desenvolvimento e o retrocesso. Radicalidades e aflições circundavam ambos os lados, e o do Sr. Valência – nome posteriormente revelado mediante a conversação – temia a volta de um passado sombrio, aludindo 1964, onde o enfrentamento e a luta democrática eram considerados diligências de extremo risco. “Sabe, filho, é como se meus esforços e medos passados não valessem absolutamente nada! Não houve aprendizado e consciência alguma; vejo com muito pesar que nosso Estado Democrático de Direito está em frangalhos...”. Faço aqui, inteirando desesperançada fala, uma ressalva que espero ser capaz de esclarecer uma das mais belas e altruístas manifestações jurídicas: o Estado Democrático de Direito. Superando a simples formulação de estado de direito concebido pelo liberalismo – onde o funcionamento do Estado baseia-se na determinação da lei, que é apresentada como singular fator habilitado a limitar as decisões estatais – o democrático é uma condição que declara respeito pelos direitos humanos e pelas e garantias fundamentais a uma vida digna (direitos individuais, coletivos, sociais e políticos). Para que essa conjuntura seja plenamente
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Trinta anos após sua promulgação, a Constituição sofre constantes ataques dos setores hostis à prevalência do estado de direito no país
Por: Vitor Hugo Gonçalves
Constituição de 1988 - MEC Advogado Bassil Hanna Nejm
atingida, todos os direitos mencionados devem ter proteção constitucional e, através das administrações, serem garantidos pelo Estado. Assim sendo, todos os governantes devem absoluto respeito ao que é previsto e definido pelas leis, cumprindo-as com rigor e sem distinções. Nesse âmbito, configura-se entre suas principais características: • Soberania popular: o controle sobre o poder político é exercido pelo povo, que elege os governantes que vão lhes representar; o povo também é o destinatário dos direitos. • Importância da Constituição Federal: a Constituição é chamada de "Lei Maior", porque é a norma que estabelece quais são os princípios fundamentais que devem orientar as decisões no país. • A ação e as decisões dos governantes devem sempre levar em consideração o que a lei estabelece, colocando, então, limites ao poder de decisão dos governantes. • As ações dos governos devem ser voltadas ao respeito e à satisfação dos direitos dos cidadãos, isto é, faz parte das funções do Estado trabalhar para garantir a justiça social no país. • Divisão entre os três Poderes que fazem parte do Estado: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e cada um tem sua função. O Legislativo é o responsável por fazer as leis que permitem que o Executivo tome decisões. Já o Judiciário é independente para julgar e deve ser imparcial nas suas decisões. Elucido, enfim, trazendo a temática inaugural de nossa Constituição Federal, puramente garantidora dessa democrática temática: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...). Tendo efetiva consciência da supremacia emancipadora que se institui, compreende-se a acentuada aflição. Feita a observação, retorno ao desalento do Sr. Valência... Caminhamos em silêncio até a sala, fiz questão que ele votasse primeiro. Observei-o; o fardo daquele simples procedimento triplicou após nosso curto diálogo. Minha perspectiva, fundamentada pelo inflamado contexto histórico-político, já definida e arduamente de-
fendida, ganhou outro horizonte. Excluem-se personagens, partidos, atuais e ex-governantes e evidenciam-se a compaixão e o entendimento de humanidade. Mais do que política, o teor dessa eleição atingiu graus de empatia e envolvimento social, cultural, factual. A conversa, dali em diante, estendeu-se em uma ligeira complexidade. Seguimos, contemplativos nas ideias, pelo extenso corredor... “Valência, antes de irmos, faço aqui uma promessa: jamais deixarei de lutar por qualquer liberdade, assim como entregarei todos os meus esforços para manter viva a democracia”. “Assim será, rapaz, e nessa luta estarei ao seu lado. Sempre!”. Descemos as escadas, nos cumprimentamos e reafirmamos nosso compromisso com a soberania popular. Sendo assim, utilizarei a oportunidade desta publicação para colocar em prática minha parte do acordo: Trinta anos atrás, o Brasil livrava-se do obscurantismo da ditadura militar, iniciada na década de sessenta, para adentrar em sua era mais democrática. Outorgava-se a sétima constituição do país, a sexta de sua república, que permanece em vigência até os dias atuais. A Carta Magna brasileira foi elaborada por uma Assembleia Constituinte de quinhentos e cinquenta e nove parlamentares, tendo Ulysses Guimarães (PMDBSP) como presidente da convenção, diversificados entre variadas vertentes políticas, possibilitando uma multiplicidade de representatividades. Responsável por restabelecer a inviolabilidade de direitos e liberdades básicas, instaurou também um amplo conjunto de princípios progressistas, como a igualdade de gêneros, a criminalização do racismo, a proibição total da tortura e direitos sociais como educação, trabalho e saúde para todos. Em sua face menos liberal, contudo, ela permitiu certo inchaço do Poder Executivo e decretou o monopólio estatal em áreas como a exploração de recursos do subsolo e do petróleo. Contando com a participação popular em sua composição, a Carta promulgada em 1988 ansiava o livramento do autoritarismo no país tentando, através de um texto minucioso e prolixo, mesclar concepções democráticas, costumes centralizadores e desejos progressistas.
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Além das múltiplas conquistas sociais (Capítulo II), como reação ao autoritarismo da Constituição de 1967, houve a reinstituição do direito à livre manifestação de pensamento (vedado o anonimato) e a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação (fim da censura), além do direito ao habeas data, que
garante a todo cidadão acessar qualquer dado a seu respeito em arquivos do governo. A alcunhada “Constituição Cidadã”, por sua integral inserção na redemocratização do país, assegurou o benefício maior em questões democráticas: a determinação de eleições diretas e universais, sem distinção de classe
ou gênero, embora obrigatórias para todos os maiores de 18 anos, exceto analfabetos (facultativa), para os cargos de Presidente da República, Governador do Estado e do Distrito Federal, Prefeito, Deputado Federal, Estadual e Distrital, Senador e Vereador. Era o poder da escolha voltando para as mãos do povo.
“O século XXI ainda discute a liberdade de amar”
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mbora seja um dos textos mais completos de todo o mundo quanto aos termos de garantias e liberdades individuais e coletivas, a lei maior recebe ainda hoje críticas estruturais, teóricas e práticas, devido, principalmente, a discrepância entre seus fundamentos e a realidade nacional. Em entrevista para o jornal Contraponto, o renomado advogado Dr. Bassil Hanna Nejm comentou alguns pontos relevantes da constituição, abordando o Estado Democrático de Direito, democracia e certas condições judiciárias da suprema lei organizadora do Estado brasileiro: Contraponto – Após 30 anos, a Constituição ainda denota modernidade? Bassil Hanna Nejm – A Constituição Federal já sofreu noventa e nove Emendas Constitucionais Ordinárias e seis Emendas Constitucionais de Revisão, ela está constantemente sendo modernizadas e talvez nunca alcance o conceito de contemporaneidade, visto que a norma, depois de inserida na Constituição Federal, permanece estática, enquanto que a sociedade está em constante alteração. Uma Constituição Federal tão densa, com tantos artigos e tratando de forma quase que exaustiva diversos temas tão diferentes, dificilmente poderá ser considerada moderna. CP – Ela é, de fato, um marco democrático, essencialmente elaborado com e para significativas mudanças sociais? BHN – Podemos considerar a Constituição Federal como um marco democrático, com significativas mudanças sociais, principalmente pela prescrição de tantos direitos fundamentais e sociais, bem como em razão da forma como estabeleceu a organização político-administrativa do Estado. CP – A constituição é integralmente capaz de assegurar a democracia? BHN – Nenhuma constituição é capaz de assegurar de fato a democracia. Ela é preservada, sobretudo, pelo respeito aos direitos e garantias sociais fundamentais, individuais e coletivas. A Constituição certifica sim esses direitos; no entanto, os governantes podem se utilizar da própria Constituição Federal para os violar, ou, como geralmente ocorre, simplesmente descumprir os mandamentos constitucionais, sem sofrer qualquer sanção por isso. A Constituição faz promessas que são constantemente ignoradas pelos agentes políticos. Portanto, ameaças à democracia independem de prescrições contidas na Magna Carta. CP – Ajustes e mudanças são necessários? Seja para a flexibilidade ou rigidez de seus termos. BHN – Certamente mudanças são necessárias, e vem sendo realizadas sistematicamente desde 1992. Atualmente, são cento e seis as emendas – além das já mencionadas, há um tratado internacional aprovado na forma do art. 5.º, § 3.º. Enquanto tivermos uma Constituição Federal tão extensa teremos que reformá-la constantemente; a forma como a Carta-Magna organizou o Estado e as contas públicas são os pontos que mereceriam maior atenção em futuras reformas. CP – Pode-se concluir que parte da atual crise econômica e administrativa corrente no país, deve-se, em partes, à Constituição? BHN – Sem dúvidas, a Constituição Federal trata de forma quase que exaustiva da organização política-administrativa e de questões orçamentárias, fato que contribuiu fortemente para a atual crise econômica e administrativa que enfrentamentos em nosso país. CP – Há brechas jurídicas capazes de colocar em determinado grau de risco o Estado Democrático de Direito? BHN – A ideia de Estado Democrático de Direito foi construída ao longo do tempo, pela evolução da forma como as sociedades foram se organizando, e caracteriza-se pela observância aos direitos fundamentais, individuais e coletivos; direitos civis, direitos sociais, liberdades e respeito às instituições. Quaisquer violações a esses direitos podem colocar em risco o Estado Democrático de Direito, e podem, ou não, se valer de “brechas jurídicas”, como por exemplo, a possibilidade de Decretar Estado de Sítio, ou até mesmo o poder praticamente ilimitado conferido ao Supremo Tribunal Federal, para Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
decidir definitivamente sobre qualquer assunto levado ao Poder Judiciário. Mas não acredito que isso é algo que possa ser completamente assegurado, pois, toda a norma é passível de interpretação, então toda norma é uma possível “brecha jurídica”. CP – Em suma, analisando a conjuntura social do país, é possível atestar que a constituição trouxe um saldo positivo para a nação? BHN – Para atestar que a constituição trouxe um saldo positivo para a nação faz-se necessário um estudo direcionado, realizando um levantamento de quais foram os avanços sociais que a população efetivamente experimentou, desde a promulgação da atual Constituição Federal. Houveram medidas adotadas pelos diferentes governantes para alcançar esses avanços, assim como essas medidas foram executadas em observância a dispositivos constitucionais. O que podemos atestar é que muitos dos dispositivos constitucionais que tratam dos direitos sociais não são observados; muito pelo contrário, são constante e conscientemente violados por aqueles que deveriam observá-los. De fato, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 entrou para a história do país por marcar o fim de uma opressiva ditadura militar, e por conceber uma nova era democrática. Apresenta marcados lapsos e algumas brechas capazes de configurar um legítimo apoio jurídico para a realização de interesses e proveitos particulares, mas, ainda assim, seu papel de caráter humanitário, somando-se a possibilidade de arquitetar emendas, assinala um comprometimento com as liberdades individuais e emancipadoras. A meu caro conhecido, Sr. Valência, digo que nossa luta se faz extremamente necessária e que ela, jamais, padecerá. Deixo aqui, antes de minha consideração final, uma retórica expressão que, para além do pensar, deve constituir ações: Liberdade, liberdade! Abrirá as asas sobre nós? Pode-se dizer que o mundo e as sociedades de hoje, com suas leis e constituições, são o resultado de incríveis transformações decorrentes de processos históricos e de mudanças na forma de ver e compreender o corpo social. O mundo começou a rumar para sua atual configuração no fim da idade média, deu um enorme passo no Renascimento e, ainda na idade moderna, através das grandes navegações, possibilitou-se o intercâmbio de culturas e mercadorias; o conceito de globalização estava em seu princípio, o capitalismo se ajustava cada vez mais. A Primavera dos Povos passou (com toda sua ideologia nacionalista, liberal e de libertação) e deixou como herança o Novo Mundo. O tempo avançou, as indústrias dominaram o cenário urbano, a obtenção de lucros tornou-se o principal propósito dos homens e a aquisição de mercados era a grande finalidade. As conquistas e os progressos obtidos durante essas fases foram fundamentais para que o liberalismo se espalhasse pelas nações e o modelo econômico tomasse o mundo (ou parte dele). Porém, mais importante do que configurar uma economia baseada na prosperidade burguesa, as ondas liberais trouxeram para o continente a concepção de igualdade e liberdade, decretada pelos franceses como lei, como direitos civis. Esse ideal foi incorporado por diversos outros Estados e está presente em constituições do mundo todo até os dias atuais. O hoje; século XXI, cerca de duzentos e vinte anos depois da gloriosa Revolução Francesa. Com o trânsito desses períodos, o conceito de autonomia pessoal foi aprimorado, mas manteve a sua real essência: ser livre para ser; e seguindo uma lógica coerente, devido ao tempo, todos que estão inseridos na sociedade deveriam ser livres, isentos de concepções e julgamentos rudimentares pertencentes ao passado..., mas não são. As ações de um indivíduo é que declaram sua liberdade. No momento em que há repressão, a condição mais básica do ser humano, em sua natureza descendente, deixa de existir. O século XXI ainda discute a liberdade de amar, a liberdade política, de gostos, de escolhas soberanas... Há ainda uma fuga da lúcida concepção de independência, pois é necessário debater o quão livre alguém pode ser. O século XXI ainda vive o Velho Mundo. O século XXI mostra que a liberdade ainda não é um direito. O século XXI ainda é o passado. Chega a ser irônica tamanha contradição: necessitar de decretos e leis para que a natureza real do homem possa de fato existir. Talvez, então, a liberdade seja apenas uma utopia, necessária, para que seja fundamental analisar o real sentido de ser livre. Afinal, ainda que o século XXI não concorde, somos todos iguais. Novembro 2018
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CONTRAPONTO
Brasil
Onde se tem pouca perspectiva, se limitam as exigências
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rentes de luta polarizadas são consequências diretas do culto a sujeitos políticos. Esse culto permite elevar o sujeito a dimensões quase religiosas. Passamos a compreender a personalidade como a única responsável pela criação do mundo (novo), negando a partição de nós, a sociedade. Por isso que para compreender a guerra Haddad contra Bolsonaro, que dividiu a sociedade, devemos entender o papel de cada um de nós na corrida eleitoral. A eleição separou apuradamente a sociedade. Passamos a viver um momento amargo, em que nosso senso crítico está exageradamente alterado. Acreditar ou não, gostar ou não do que você escuta, lê e vê passou a ser um ato político, e, portanto, extremamente delicado. Por conta disso, enaltecer figuras públicas, quando se vive “a falência do regime democrático”, pode ser extremamente prejudicial. Para obter considerações mais precisas, mesmo de um combate democrático, devemos verificar locais de voto, que podem se revelar demasiadamente relevantes, como no caso. Percebemos que o Bolsonaro foi o eleito das cidades mais brancas e ricas e Haddad das negras e pobres. Municípios mais ricos são aqueles com renda acima de 350 reais por mês, enquanto Haddad prevaleceu em 9 de cada 10 municípios mais pobres, aqueles com renda inferior a 200 reais, nos quais os índices de analfabetismo e pobreza são mais altos. Podemos dar outra forma e dizer que Haddad prevaleceu entre beneficiários do Bolsa-família e o Bolsonaro entre os agricultores e empresários. Essas ponderações retratam um Brasil já desmembrado, antes mesmo das eleições. Serve para identificarmos os conflitos de interesses dentro de uma sociedade extremamente desigual e violenta e as necessidades opostas de representação. Nos mostram os tipos de desfrutadores em cada governo e, portanto, as motivações eleitorais.
O culto, manifesta-se também como uma veneração a masculinidade artificial, característico de lideranças políticas e, com isso, torna-se compreensível o momento diatômico que estamos vivendo. Sabemos que o Brasil é um país conservador e um candidato como Jair Bolsonaro representa muitos brasileiros. Seus posicionamentos homofóbicos, misóginos, e o modo como utiliza a política do medo em um país com alto índice de violência, o torna um símbolo, um “mito “para muitos. Estes brasileiros não precisam saber de suas propostas, os vídeos que viralizam com seus discursos já são o suficiente, pois muitos reconhecem o trabalho árduo que Haddad ou, para muitos, “a esquerda” tem para desconstruir os valores conservadores. Nossa relação com os presidenciáveis se tornou danosa, pois, para muitos, pelo menos um dos dois candidatos que foram pro segundo turno eram inaceitáveis e, por tanto, acabam aderindo fortemente a oposição. Num cenário como este, quando percebemos que o sujeito é politizado, devemos reconhecer
sua posição de soldado nessa guerra de valores. Ainda assim, temos aqueles que votam sem discernimento e sua responsabilidade é relativa. Quando cultuamos alguma figura pública, tendemos a ignorar suas falhas e enaltecer suas vitorias. Nos tornamos os próprios responsáveis por positivamente divulga-los e, por vezes, perseguir a oposição. Devemos ser cautelosos e buscar informações por diversas direções para ter um consenso final sensato. Ter um candidato de estimação é perigoso. Manter-se informado por diversas direções é o melhor modo de sair dessa areia movediça. Num momento em que há um alto índice de manipulação de dados na internet, devemos manter o bom senso e a coerência. Essa eleição não se trata apenas de Bolsonaro e do Haddad, mas de quem e o que eles representam. Do que legitimam. Essa eleição também não se trata apenas do presidente, se trata do Congresso e, principalmente, de você. Desconstruase todos os dias, se informe, esteja ativo. Há muitas pessoas que dependem disso.
© Reprodução
Por: Carolina Varella
A gravidade da crise econômica cria tensões sociais que, associadas à desilusão com as instituições políticas, empurra às pessoas a esperarem soluções “messiânicas”
O risco de virar a face para o outro lado “Se nós computarmos os quase 60 milhões de votos do bolsonarismo, teria um número irrisório de pessoas que estariam dispostas a violar, linchar, matar, estuprar, humilhar e barbarizar. O que é mais assustador é que o Bolsonaro não enganou ninguém. Ele fala disso há muito tempo. (...) Então, por que que as pessoas não ligam para isso? Como não são 60 milhões de fascistas, o que significa uma maioria esmagadora de pessoas para as quais esse discurso não conta, não afeta, que podem ficar indiferentes a isso, simplesmente virar o rosto para o outro lado? Isso é o que eu acho mais terrível. Não é o fato de que o fascista seja um brutamontes e vá barbarizar – é da natureza dele, não pode fazer nada que não seja isso. O mais assustador é que haja essa imensa maioria que vira a cara para o outro lado e fica indiferente. E não é apenas por medo. Eu não diria cumplicidade porque as pessoas ficariam horrorizadas se assistissem a um ato de selvageria, com pessoas sendo oprimidas e massacradas. Mas isso não as afeta nessa vontade de ser indiferentes a um horror que é anunciado. Significa então que tudo é possível. As comparações históricas são muito complicadas, mas no entre-guerras na Alemanha as pessoas tendiam a virar o rosto para o outro lado. Havia uma espécie de consentimento. E isso é o mais aterrorizante. Chegamos a um ponto que nós não entendemos mais como uma pessoa pode raciocinar friamente, articuladamente e racionalmente quando vota e adere [à campanha de Bolsonaro]. Eu não falo dos apoiadores fanáticos, mas aquele que faz o voto estratégico no Bolsonaro e diz que não concorda com homofobia, racismo, xenofobia. Se deve imaginar que a vida se tornou tão invivível que, mesmo alguém que fala coisas horríveis, eu tendo a dar um desconto porque eu quero mudar, não dá mais para viver desse jeito.” (Trecho de uma entrevista do professor Paulo Arantes ao jornal Brasil de Fato, em 13.nov.2018.)
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CONTRAPONTO
Saúde pública
Proposta de Bolsonaro vai desassistir mais de 40 milhões de brasileiros Programa do governo eleito, se implementado, significará o desmonte do SUS e dos sistemas de proteção aos mais pobres, com consequências trágicas
Por: Isabella Marzolla, Lucas Estanislau e Lucas Freitas
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Presidente eleito muda postura em relação ao programa de saúde
Mais Médicos e assusta especialista da área
© Reprodução: Valter Campanato/Agência Brasil
o longo da campanha e no seu programa de governo, o presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu um processo de transformações na saúde pública que iria desde mudanças de gestão no Sistema Único de Saúde (SUS) até a repatriação de profissionais estrangeiros do Programa Mais Médicos. Para o ex-secretário do Ministério da Saúde e coordenador do programa Mais Médicos durante o governo de Dilma Rousseff, Heider Pinto, as propostas de Bolsonaro representam um desmonte na área da saúde pública que poderá deixar de beneficiar mais de 40 milhões de pessoas. “O projeto de Bolsonaro é um embuste, não é cientificamente embasado e serve como pretexto para mandar os médicos cubanos embora, o que irá deixar mais de 40 milhões de pessoas sem atendimento e sem condições de terem seus problemas de saúde resolvidos”, afirma o especialista. Em seu programa de governo, o ex-deputado aponta a abertura de concursos públicos nas áreas assistidas pelo Mais Médicos como uma possível solução e justificativa para o fim do programa. Para Pinto, essa ideia vem de uma ala conservadora de profissionais da saúde do Brasil que foi incorporada sem críticas pela candidatura de Bolsonaro e aponta para exemplos nacionais e internacionais que indicam o desajuste que tal prática traria. “Brasília e Belo Horizonte, que são capitais, mesmo tendo concurso público com boas remunerações, não conseguem garantir médicos nas periferias da cidade, o que o programa Mais Médicos conseguiu, e assim acontece no Canadá, na Austrália, cada um com seu programa de incentivo”, destaca o médico sanitarista. Além disso, o ex-secretário do Ministério da Saúde aponta que essa prática proposta por Bolsonaro já foi iniciada pelo governo do presidente Michel Temer e se mostrou ineficiente por não ser uma “experiência baseada nos exemplos nacionais e internacionais”, mas sim de caráter ideológico e populista sob o ponto de vista do eleitorado conservador. “O Bolsonaro foi um dos únicos deputados que votaram contra o programa, mesmo ele tendo sido aprovado por ampla maioria no Congresso Nacional. Se Bolsonaro colocar em prática o que diz, todos os brasileiros que hoje têm acesso a esses médicos perderão esse direito”, afirma Pinto. O médico sanitarista da USP Marco Manfredini destaca os avanços trazidos pelo Mais Médicos, mas admite que após a eleição de Bolsonaro o futuro do programa é incerto. “O programa Mais Médicos tem apoio de todos as estruturas do SUS, e em um governo Bolsonaro existiria um enfrentamento político muito forte independente da questão político-partidária nas prefeituras.”
Manfredini considera os gastos com a saúde pública no Brasil muito baixos comparado com outros países da região, e acredita que o governo Bolsonaro pode fazer agravar esse problema. “Nós temos indicadores que mostram a saúde piorando, mortalidade infantil aumentando. Hoje claramente há um avanço de um conjunto de doenças, e se não forem traçadas novas políticas para financiar o setor da saúde, a situação vai se agravar cada vez mais e prejudicar a população mais vulnerável.” O início do programa – O programa de saúde Mais Médicos começou no governo petista de Dilma Rousseff em julho de 2013, em seu primeiro mandato. O programa de saúde pública foi criado para suprir a necessidade da ausência de médicos em todo o território nacional e principalmente em lugares mais remotos, onde a escassez de infraestrutura e profissionais de saúde é maior. Para isso, o programa pretendia levar 15 mil médicos para as áreas onde faltavam profissionais.
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O Mais Médicos tem três eixos. O primeiro é fixar médicos, brasileiros ou estrangeiros, na rede pública de saúde de municípios do interior e nas periferias das grandes cidades. O segundo é ampliar o investimento em infraestrutura. E o terceiro seria ampliar o curso de medicina em dois anos – proposta já flexibilizada pelo próprio governo frente a uma avalanche de críticas. Após a primeira fase, destinada à inscrição de médicos formados no Brasil ou que já têm autorização para atuar no país, foram abertas as inscrições para médicos que atuam no exterior. O governo custeia a passagem dos selecionados ao Brasil. Os médicos estrangeiros passam três semanas sob avaliação de uma universidade pública antes de iniciar sua atuação, e o prazo de estadia no Brasil é de três anos, podendo ser prorrogado por mais três.
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© Reprodução: Valter Campanato/Agência Brasil
*Via Agência Maurício Tragtemberg
O programa Mais Médicos tem apoio de todos as estruturas do
SUS, e em um governo Bolsonaro
existiria um enfrentamento político muito forte independente da questão político-partidária nas prefeituras.”
(Marco Manfredini) Novembro 2018
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Entrevista
“As lutas serão colossais” O movimento “Ele Não”, convocado por redes sociais, foram mais uma expressão de novos métodos de mobilização que as esquerdas terão que entender e usar no próximo período Garotas em manifestação no Largo da Batata
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Contraponto – Como o movimento se estruturou? Mauro Luiz Peron – As novas tecnologias de processamento e de comunicação on-line, nos últimos anos, foram rápida e crescentemente mobilizadas por distintos grupos sociais, de perfis político-culturais bastante amplos. Evidentemente que as campanhas políticas não tardaram em acionar esses poderosos nichos. Um dos exemplos mais marcantes é a campanha do então candidato Donald Trump, em 2016. Estamos diante, de fato, de dimensões multifacetadas das interfaces sociopolíticas, acionadas pelo grande poder de articulação temática, construída ou voltada para as mais diferenciadas classes sociais. Isso, também para a História dos Movimentos Sociais de Esquerda – e no caso particular do EleNão – também tem sido crucial, atingindo expressividade nacional. Essa tecnologia das redes vem assumindo um alcance em termos planetários, uma vez que novas escalas de articulação e de difusão de informações, bem como de projetos políticos, vêm reordenando territorialidades virtuais. CP – Teve algum movimento que pode ser comparado com o “EleNão”? MLP – Penso que o alcance atingido pelo Movimento “EleNão” não é inédito, ainda que seu desempenho tenha sido muito significativo, por sua rápida e influente ascensão. Em contextos bem diversos, a resistência a políticos de extrema direita, como aquela construída pelo EleNão, tem proximidades com outros movimentos no Brasil, ainda que de natureza bem diversa, mas expressiva, em termos de abrangência. Refiro-me ao alcance obtido pelo Movimento Passe Livre, em junho de 2013, quando uma multidão foi para as ruas, defendendo a “tarifa zero” para o transporte coletivo. Ressalte-se, ademais, como os jornais brasileiros hegemônicos, inicialmente, criticaram negativamente aquela imensa mo-
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Professor Mauro Luiz Peron
© Beatriz Cripa
movimento “EleNão” foi inicialmente estruturado no Facebook com o intuito de reunir mulheres que se sentiam ameaçadas com a candidatura de Jair Bolsonaro. O que surgiu de um pequeno número de pessoas na plataforma digital, mais tarde se transformou em um fenômeno nacional que reuniu milhões de pessoas. Em função da grande força gerada por manifestações de intelectuais e artistas em apoio ao movimento, no dia 29 de setembro deste ano, aconteceram diversos protestos. Milhares de pessoas foram às ruas para demonstrarem indignação e força de resistência. Em São Paulo, cerca de 150 mil pessoas compareceram ao ato realizado no Largo da Batata. Essa onda de insatisfação é espelho da polarização política do Brasil e da crescente força dos movimentos sociais no país. Para analisar o movimento “EleNão”, o Contraponto foi conversar com o professor da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, Mauro Luiz Peron, que é estudioso dos movimentos sociais urbanos.
bilização e que, devido à sua rápida e intensa expressão, bem como devido à sua aceitação por boa parte da população, nos grandes centros urbanos, fez com que essa grande imprensa se resignasse e mudasse sua estratégia, passando a “reconhecer” toda aquela mobilização. Mas o Movimento Passe Livre - e isso é crucial - também estava atento às discussões e às mobilizações sobre mobilidade urbana presentes, igualmente, em importantes centros urbanos internacionais. E nisso, novamente, as redes sociais virtuais desempenharam uma ação avassaladora. CP – Você diria que o “EleNão” é consequência de outros movimentos prévios? MLP – De certa forma, sim, numa dialética na qual movimentos sociais estão num corpo a corpo de lutas que redefinem os diferentes flancos de lutas sociais, orientando o mundo empírico para novas dinâmicas de confrontos, para novos reordenamentos que, então, sabemos, impulsionam tanto os movimentos sociais já presentes, quanto novas formas de projetos políticos solidários. E, apesar do crescimento preocupante de movimentos de extrema direita no mundo atual, se olharmos especificamente para movimentos sociais daquilo que podemos identificar de esquerda, nos últimos anos, em termos nacionais e internacionais, é clara uma busca por fortalecimentos de lutas que sejam, simultaneamente, nacionais e internacionais. Lembremos, do crescimento, nos últimos anos, dos movimentos de negros, indígenas, comunidades LGBTQ+, de trabalhadores rurais, com o MST à frente. Neste último exemplo, observemos que embora estejamos, tendencialmente, num movimento de crescente urbanização, em grandes centros, os problemas agrários seguem sendo renovados, uma vez que a lógica do Capital, no campo, segue sendo devastadora. Tais movimentos seguem em luta, o que, com a eleição de Jair Bolsonaro, pode significar novas estratégias de mobilização – nacional e internacional, tornando as lutas possivelmente mais explosivas. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
© Reprodução
Por: Beatriz Cripa
CP – O que a História pode nos mostrar com a evolução dos movimentos sociais? O que mudou no Brasil? MLP – Movimentos Sociais são processos que reconstroem a História, e ocorrem na interface entre explosivos confrontos econômicos e políticos, e novos projetos de sociedade. Se identificarmos a trajetória dos movimentos sociais no Brasil e no Mundo, veremos que está em jogo a luta de trabalhadores pela conquista de uma Cidadania sempre subtraída, e isso em termos econômicos, sociais, políticos e culturais. Foi assim a violência da Escravidão de negros e indígenas, a brutalidade contra as mulheres - sobretudo trabalhadoras. Essa violência se explicita na ausência de direitos para a Moradia, para a Educação, para a Saúde, para o Trabalho Pleno, pela autonomia dos trabalhadores na construção e reconquista de sua Liberdade. No Brasil, a crescente mobilização das esquerdas, diante do golpe civil-militar de 1964, foi fundamental na encampação de uma pauta de lutas nas frentes econômicas, políticas e culturais. Posteriormente, o processo de redemocratização, a partir de 1985, impulsionou a reorganização das pautas de lutas, de suas estratégias. Mas, lembremos, a elite econômica também acionou novas formas de violência, procurando sempre obliterar a expansão das conquistas dos trabalhadores na economia e na participação política. Mais recentemente, a aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017, significou um duro golpe para a força de trabalho que, agora, deve reorganizar, novamente, suas pautas de lutas e de novas estratégias. A eleição de Jair Bolsonaro foi outro grande impacto, cujos desdobramentos práticos já estão aos poucos sendo anunciados. São tempos sombrios que se anunciam. As esquerdas estão com um novo desafio. E a palavra de ordem que se delineia, rapidamente, parecer ser mesmo a resistência. E as lutas serão colossais.
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CONTRAPONTO
Polêmica
Afinal, Bolsonaro é fascista ou não? O presidente eleito não esconde sua visão de mundo, que mistura, de forma confusa, autoritarismo, militarismo, liberalismo e desprezo pelos direitos humanos
Por: Geovanna Vides e Vinícius Batista
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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Para seus defensores esse estrelismo devese somente a um aspecto populista. Mas é mais do que isto. Bolsonaro utiliza da violência como propaganda política. Sua imagem se constitui, nada mais nada menos, em posar com armas, sejam elas reais, mãos ou até mesmo tripés. Ressalvo que a violência é um instrumento primeiro dos regimes totalitários, sendo a principal arma de repressão contra minorias, sejam elas do século XX ou XXI. “Mas ele não incita ódio contra as minorias”. Não?! “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.” (Jair Bolsonaro em entrevista sobre homossexualidade na revista Playboy). “Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados” (Bolsonaro para Preta Gil, sobre o que faria se seus filhos se relacionassem com uma mulher negra ou com homossexuais). “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater.” (Afirmação de Jair Bolsonaro após caçoar de FHC sobre este segurar uma bandeira com as cores do arco-íris). Essas três frases integram a grande coletânea de barbaridades declaradas pelo (acredite) futuro presidente do Brasil. Os regimes nazifascistas tinham como sua base o militarismo. Por coincidência, o “mito” foi ex-capitão do Exército Brasileiro – e conseguiu a proeza de ser expulso por atos de indisciplina e deslealdade. Já seu vice é um general em exercício da profissão. A vitória de Bolsonaro representa, literalmente com Mourão, a presença dos militares no poder. Mas será que isto é tão catastrófico assim? Da última vez que um general assumiu o poder no Brasil, foi em 1 de abril de 1964. A partir desse dia, o país viveu uma ditadura militar, recheada de mortes, torturas e desaparecimentos. Para o candidato extremista, no entanto, o regime não surtiu o efeito necessário, porque “ele torturou e não matou”. Pois é.
Outra característica importante do fascismo é a retórica anticomunista. Isso faria sentido se realmente houvesse uma ameaça comunista no Brasil. Construída em grande parte pela mídia, a figura do demônio vermelho é representada pelo PT – partido que ficou 16 anos no poder e o deixou no momento de maior recessão da história brasileira. No Brasil, o anticomunismo virou antipetismo. “A nossa bandeira jamais será vermelha”, ecoam aos gritos os bolsominions no Aeroporto de Uberaba. “Mas o Bolsonaro não é liberal?” – Depende do seu ponto de vista. Por um lado, convidou um símbolo do liberalismo, o economista Paulo Guedes para ser seu ministro da Fazenda. Por outro, já deixou claro ser contra privatizações de certas estatais, como a Petrobrás e Eletrobrás. Se absteve, também, de votar a favor das leis da terceirização. O candidato, que saiu do Partido Social Cristão para filiar-se ao Partido Social Liberal, adota o discurso de livre-comércio com o único intuito de conquistar votos. Vale lembrar que a maior parte de seu eleitorado pertence à chamada classe média e alta. Acontece que o liberalismo não é só econômico. A ideia de liberdade individual como direito fundamental está na base dessa doutrina. O fascismo tradicional, ao contrário, preconiza que cada homem e mulher subordine-se ao “bem comum”, com estreita margem para escolhas livres e pessoais, o que o torna essencialmente antidemocrático. Apesar de defender abertamente a revogação do estatuto do desarmamento como política pública de segurança, não há registros de defesa da descriminalização das drogas, por exemplo. É abertamente contra a adoção de crianças por casais gays, pautas sólidas entre defensores da liberdade individual, o que nos faz estranhar a popularidade de Bolsonaro entre aqueles que se definem politicamente como liberais.
© Reprodução/Rolling Stones
Cartoon e telão do Show do Roger Waters que fazem críticas às atitudes similares de Bolsonaro e Hitlher
© Reprodução/Twitter
questão, amplamente debatida nas redes sociais, ganhou destaque na mídia após um show um tanto quanto polêmico do ex-vocalista da banda Pink Floyd, Rogers Waters. O cantor, que teve seu pai morto em combate durante a 2 Guerra Mundial por tropas nazistas, sempre se posicionou contra regimes autoritários. O álbum Dark Side of the Moon inicia a produção ativista banda, atingindo seu ponto máximo no hit “Another Brick in the Wall” (parte 2). Durante a noite do último dia 9, em São Paulo, dizeres em oposição ao candidato do PSL foram exibidos no telão, acusando-o de neofascismo. A hashtag #ELENÃO, amplamente divulgada por celebridades que se posicionam contra Bolsonaro, foi acompanhada de vaias por parte do público. A expressão referente ao governo de Mussolini, presente com grande frequência nas discussões políticas, foi popularizada ao ponto de perder o seu significado. Hoje qualquer um que discorde de ideais da esquerda é chamado de fascista. Mas o que é o fascismo? O termo tem origem na palavra italiana fascio, que significa feixe. Feixe era um machado revestido por varas de madeira da Roma Antiga utilizado por guarda-costas de detentores do poder, para punição corporal. O instrumento simbolizava a essência do fascismo: a autoridade e a união. Nas palavras de George Orwell, a palavra é “quase inteiramente sem sentido”. Isso acontece porque o fascismo não possui um arcabouço teórico forte, como o marxismo, mas foi pautado nas ações de Mussolini. A sua definição, segundo o próprio Duce, é que a “doutrina é a ação”. Embora o fascismo seja um tema de difícil definição, é possível ser identificado por meio de um conjunto de características e ações realizadas pelos seus defensores. Algumas das principais são: nacionalismo, totalitarismo, militarismo, imperialismo, desprezo pelos direitos humanos, controle da mídia e censura e anticomunismo. Esse tipo de regime autoritário toma força em momentos de crise – seja ela política ou econômica. Arrastando-se desde sua unificação tardia até o fim da Primeira Guerra Mundial, a instabilidade italiana possibilitou que Mussolini emergisse como um salvador da pátria. A população, jogada às traças, encontrou no líder uma espécie de messias que tiraria o país do caos, restaurando a ordem. Ainda bem que isso nada tem a ver com o momento próspero que o Brasil está passando. 13 milhões de pessoas se encontram desempregadas, recorrendo à bicos “quando aparecem né? – para colocar comida na mesa. O caos político resultou num impeachment – ou um golpe constitucional. A maioria dos políticos da chamada velha política foram arremessados para fora do cenário durante as eleições de 2018. É nesse cenário que emerge a figura de Jair MESSIAS Bolsonaro. Chamado de “O mito” pelos seus seguidores, palavra curiosamente presente nas falas de Mussolini, o candidato da extrema-direita é visto como uma força sobrenatural, capaz de consertar os problemas da nação e guiá-la no caminho do “bem comum”. Surge a figura imprescindível o líder, da qual o fascismo necessita.
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ensaio fotográfico
Ele Não, pelos direitos e pela li
Por: Nádya Duarte
© Fotos: Nádya Duarte
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o dia 29 de outubro ocorreu a grande manifestação contra o presidenciável Jair Bolsonaro. O ato, que foi organizado inicialmente pelo grande grupo de mulheres que se reuniu nas redes sociais contra o candidato, aumentou com a #ELENAO e agregou homens, trans, crianças, idosos, e todos que iam contra às ideologias de ódio e intolerância. Em São Paulo as pessoas se reuniram no Largo da Batata a partir das 15h. O evento contou com shows, protestos, poesias e muito amor. Foi uma corrente forte e um grande movimento contra a repressão. No Brasil foram mais de 60 cidades registradas que realizaram o mesmo movimento, o que fez com que esse fosse o maior ato dessas eleições.
Trio elétrico da organização “Mulheres Contra Bolsonaro”
Eduardo representando causas LGBTQ+ Bandeiras com frases antifascistas
Amigas protestando juntas
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Estudante universitária Giulia com símbolo do feminismo no protesto Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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iberdade
Bandeira com frases feministas
© Fotos: Nádya Duarte
Mulher tocando berrante na manifestação
Multidão no Largo da Batata
Senhora cantando os gritos da manifestação Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Criança com sua mãe e pai no ato Novembro 2018
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CONTRAPONTO
Democracia
Diversidade étnica deve ser um dos principais temas tratados em sala de aula Por: Gabriela Neves e Natasha Meneguelli
Casos recorrentes de racismo entre crianças e adolescentes geram necessidade de debate
Contraponto – Você já presenciou casos de racismo em sala de aula? Com que frequência? Como você lida com isso? Gisele Avelino – Infelizmente sim, já presenciei. Por estar trabalhando com crianças, os casos não são tão frequentes, mas acontece. Geralmente são ofensas que relacionam crianças negras a macacos, ou até atos de hostilidade com alunos de outras etnias como, por exemplo, alunos bolivianos, índios, muçulmanos, etc. Nem sempre conviver com etnias diferentes proporciona curiosidade, às vezes ocorre preconceito puro. CP – Nas escolas onde trabalhou havia a preocupação de tratar do assunto ou prevenir casos de racismo? Se sim, como foi feito? GA – Trabalho no Colégio Alvorada desde 2009, e já desenvolvi diversos projetos que trabalham essa questão de preconceito. Em 2015, desenvolvi o projeto “Gentileza gerando gentileza”.
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Gisele Avelino e Xuxa Meneguel
© Acervo pessoal
Brasil é um dos países mais racistas do mundo, com uma alta taxa de morte por conta da discriminação, e uma história que envergonha, já que foi o último país ocidental a abolir a escravidão, deixando rastros que afetam até hoje a população negra e também de outras etnias que vivem no país. As questões raciais atingem a população de várias maneiras. Os negros e pardos, por exemplo, ganham R$ 1,2 mil a menos que brancos, são a maioria dos desempregados, ocupam menos cadeiras em universidades e os que mais morrem pelas forças policiais, mostrando, assim, um racismo institucional. Uma das alternativas para resolver este impasse tão presente na sociedade brasileira é analisar como essas questões são tratadas com as crianças e jovens, nas escolas e nas universidades. Se aprendemos por preconceito, também há como aprender a desconstruí-lo. O Contraponto conversou com duas professoras para entender melhor como funciona a questão em sala de aula. Uma delas é Rita Fonseca, que preside suas aulas na E. E. Professor Odon Cavalcanti. Questionada sobre já ter presenciado casos de racismo em sala de aula, disse que não, mas tem amigas professoras que já presenciaram. Relatou que o assunto deve ser tratado na escola, mesmo porque faz parte do currículo oficial do estado de São Paulo. O tema tem maior destaque no terceiro e quarto bimestre e são ligados ao Dia da Consciência Negra. O debate sobre diversidade étnica é ligado à data específica, tendo uma defasagem durante o restante do ano, quando o tema é tratado com menos ênfase. Rita disse que “grande parte da educação das crianças e dos adolescentes foi transferida para escola, portanto, os educadores são fundamentais nesse trabalho de conscientização do respeito ao ser humano”. Gisele Avelino, que dá suas aulas no Colégio Alvorada, para crianças que estão na primeira fase do fundamental, respondeu algumas perguntas:
© Reprodução
O
Meus alunos realizaram atos de generosidade, afeto e demonstração de carinho gratuitamente nos corredores do colégio onde distribuíram folders com mensagens de tolerância e fizeram diversos cartazes com relatos de preconceito e suas consequências. O projeto deu tão certo que a editora Positivo nos selecionou para participarmos do livro em que a Xuxa escreveu sobre ações que geram o bem. Assim, tive a honra de conhecer a eterna rainha dos baixinhos. Foi muito gratificante.
revelar o verdadeiro significado de alguns valores, como, por exemplo, a tolerância. Vivemos uma época onde crianças não sabem esperar, são seres ansiosos, e assim depositam na comida e em atitudes não convenientes sua ansiedade. Eu, como educadora, procuro sempre ser o mais clara possível quando o assunto é racismo, gosto de apresentar filmes e reportagens nos quais esse tema fica em evidência, e faço questões em que o aluno tenta analisar de fato como podemos evitar esse crime, principalmente em nosso país, onde nossas origens são tão diversificadas.
CP – Em sua opinião qual o papel dos educadores e dos pais no combate ao racismo? GA – Bom, na minha opinião, os pais são o alicerce dos valores que todas as crianças aprendem em suas vidas. Independentemente de a família ter duas personalidades masculinas ou duas femininas, ou até a falta de um gênero. O que de verdade importa são os valores que a família implanta em seu cotidiano. Parece banal, mas infelizmente estamos vivendo uma época em que crianças recebem recompensas para suprir a ausência dos seus pais, gerando assim pessoas extremamente inseguras e egoístas. A nós, educadores, fica o papel de ser a ponte entre conhecer o desconhecido, que são os conteúdos científicos que passamos em sala de aula, e de
As entrevistas e os dados demonstram a importância do papel do professor na discussão sobre os preconceitos na sociedade e sobre as formas de resolvê-lo. Carolina Anjos, que é estudante de pedagogia da PUC-SP, ao falar sobre como sua grade trata do assunto, relatou que não há muitas discussões sobre diversidade étnica e também não existem matérias obrigatórias que tratem do assunto, apenas optativas. Há uma defasagem, já que futuramente, atuando na profissão, esses profissionais terão muitas vezes esse papel de fazer a conscientização, a mediação, e até mesmo com a resolução de conflitos na sala de aula.
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CONTRAPONTO
Sexualidade
Escola sem Homofobia causa a ira dos setores mais conservadores Por: Beatriz Aguiar, Gabriella Lopes, Letícia Galatro e Vitória Martins
Fake news e informações distorcidas e preconceituosas boicotam tentativas de promover o diálogo com os jovens
O
S
da empresa
Atlas
notícias enganosas mais disseminadas e creditadas durante o período eleitoral:
36% disseram
confiar na versão enganosa.
Página do bolesh que está incluso no material do projeto Escola Sem Homofobia, fornecido online pelo MEC
preconceitos e tabus para que, sozinho, o aluno desenvolvesse sua própria referência. Fica claro nele que a escola não substituiria a educação familiar, mas sim a complementaria. Diante de tantas informações difusas sobre a educação sexual, o Contraponto decidiu realizar uma pesquisa a fim de saber o quanto as pessoas sabiam sobre o tema e se eram favoráveis ou não a aplicação em escolas. Com 48 participantes, dentro os quais mais de 60% com filhos, 66,7% se mostraram a favor da educação sexual. Entre os porquês, encontrava-se que a educação sexual “ajuda na formação de cidadãos bem instruídos” e “permite que as crianças saibam respeitar o próprio corpo e das outras pessoas”. Os que se mostraram contra justificaram que o dever não era da escola e sim dos pais e que o assunto não deveria ser comentado com crianças. Foi perguntado sobre o programa Escola Sem Homofobia, que muitos se posicionaram contra por acharem “absurdo”, “uma imoralidade” e até “irresponsabilidade de quem criou”. Desses, metade achava que não era da alçada
Consequências da falta de educação sexual • 126 mortes de LGBT registradas pela ONG Grupo Gay da Bahia no primeiro semestre deste ano; • 68% dos registros de estupro no Brasil, segundo o Atlas da Violência do IPEA, são de crianças de até 13 anos e, desses registros, quase dois terços dos agressores são conhecidos das vítimas; • A taxa de feminicídio do Brasil é a quinta maior do mundo, segundo a ONU; • Em 2012, um estudo realizado pela Caixa Seguros em parceria com o Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde, apontou que quatro em cada dez jovens brasileiros achavam desnecessário o uso de camisinha em um relacionamento estável; • Entre 2014 e 2015, houve um aumento de 20,9% nos diagnósticos de sífilis na gravidez, segundo o MS; • Um em cada cinco bebês é filho de mãe adolescente, segundo relatório lançado pelo Fundo de População das Nações Unidas em 2017.
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egundo uma pesquisa
Político para o jornal Valor Econômico, o “kit gay” foi uma das
© MEC
lançamento se deu quase um ano após um grupo de pais em Rondônia acionar o Ministério Público para retirar de sala de aula o livro de ciências do oitavo ano que continha ilustrações dos órgãos sexuais e seis meses antes de Bolsonaro, em sua campanha para a presidência, espalhar notícias falsas sobre um programa da gestão Dilma usando o livro Aparelho sexual e Cia., que nunca o compôs. O programa em questão é o Escola Sem Homofobia, que ficou conhecido como “kit gay”, apelido dado pelo na época candidato. A partir de sua visão negativa do programa, que seria, segundo ele, incentivo à homossexualidade e ao sexo, espalhou-se o nome pejorativo e uma versão errônea do programa, criando-se uma das maiores fake news dessa eleição. Segundo uma pesquisa da empresa Atlas Político para o jornal Valor Econômico, o “kit gay” foi uma das notícias enganosas mais disseminadas e creditadas durante o período eleitoral: 36% disseram confiar na versão enganosa. O Programa, criado na gestão Dilma Rousseff, era o braço educacional do Programa Brasil Sem Homofobia, lançado em 2004 pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação. O material, que devido a pressões conservadoras civis e da Câmara de Deputados nunca foi enviado às escolas, era destinado aos estudantes do Ensino Médio. Dentre os três itens que compunham o projeto, o mais controverso foi o caderno voltado aos professores, ensinando como abordar questões de gênero, como a desigualdade social entre homens e mulheres, a diversidade sexual e combater a homofobia em sala de aula. Os outros dois, um DVD com vídeos e seis “Boleshs” (Boletins Escola Sem Homofobia), mais o caderno encontram-se agora disponíveis online graças a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais). Antes do Programa, os únicos documentos do governo que abordavam a questão eram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que em 1997 estabeleceram diretrizes aos educadores, sejam de escolas privadas ou públicas. Segundo os PCN, o papel da escola seria mostrar ao aluno pontos de vista, crenças e valores diferentes dos transmitidos pela família, abordando
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da escola esse debate e a outra que o assunto não era pertinente na infância. Um número considerável mostrou desconhecimento total do assunto. Os a favor pensaram que “reforçar o respeito às pessoas sem discriminação é muito importante” e “seria um programa interessante para que se desenvolvesse uma mentalidade não preconceituosa nas crianças, de forma a serem adultos conscientes e respeitosos”. A maioria, 81,3%, disse conversar sobre sexualidade em casa ou pretende fazê-lo. Entre os motivos que os levam a ter essa conversa estão que “se não aprender em casa, (as crianças) vão aprender de forma errada na rua” e que “é papel dos pais orientar”. Os que disseram que “não” justificaram não sentir conforto ou liberdade para isso. No Brasil, onde a iniciação sexual começa entre os 13 e 17 anos e somente um terço da população usa preservativos conscientemente, segundo uma pesquisa feita por Carmita Abdo, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da USP, a educação sexual é importante não só por abordar assuntos científicos, como menstruação, reprodução e prevenção a DSTs e a gravidez precoce, como também questões sociais e emocionais, por exemplo a igualdade de gênero, orientação sexual e identidade de gênero a fim de combater a homofobia, a violência contra à mulher e a pedofilia. Isso não acontece e a consequência é o ódio contra as ditas minorias: mulheres, LGBT e crianças.
É
possível obter orientação e tomar providências para resolver casos de violação de direitos anonimamente. Basta discar 100 ou acessar o site Humaniza Redes ou baixar o aplicativo Projeta Brasil, disponível no Google Play e na App Store.
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“Periferia”
Jovens atraídos pelo consumo depositam esperanças no “salvador da pátria” Bolsonaro e a juventude periférica – No livro, O ódio como política, a reinvenção das direitas no Brasil, as cientistas sociais e antropólogas, Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco escreveram um ensaio através da realização de uma etnografia longitudinal, que vem sendo elaborada desde 2009, sobre consumo e política com jovens do Morro da Cruz, a maior periferia de Porto Alegre. Ambas pesquisadoras puderam acompanhar a transformação sofrida pelo grupo de jovens e seu entorno, antes, durante e após o processo de polarização política, onde houve a emergência de um crescimento econômico e, em seguida, seu colapso. As autoras acrescentam que as pessoas de grupos de baixa renda tiveram, num contexto de redução de impostos e incentivo do consumo interno de produtos, pela primeira vez, acesso a crédito bancário e produtos eletrônicos ou manufaturados. Por isso a inclusão financeira tornou-se emblema da era Lula. O auge do consumo pelos jovens de periferia se materializou nos “rolezinhos”, entre 2013 e 2014. “Os meninos que nós acompanhávamos nos shoppings centers viviam essa tensão: o ato de consumir conspicuamente e ostentar marcas operava como um espelho de um mundo que se mantinha segregado, violento, racista e desigual”. O trabalho de campo no Morro foi retomado no fim de 2016, logo após as ocupações secundaristas nas escolas públicas e as pesquisadoras buscavam relacionar essa forma de mobilização com os ‘rolezinhos’. “Acreditávamos que os rolezinhos continham uma ‘semente de insurgência’, pois eram uma espécie de ‘rebelião primitiva’, marcada pela ambiguidade e que, portanto, poderiam pender à esquerda ou à direita dependendo da correlação de forças no contexto e das oportunidades políticas”, aponta as autoras. As sociólogas relatam que “em nossa primeira visita a uma escola do Morro em 2016, foi revelador descobrir que os meninos que veneravam marcas e davam ‘rolês’ em shopping centers ignoravam – quando não desprezavam como ‘coisa de vagabundo’ – as ocupações”. As pesquisadoras apontam que a balança das ‘rebeliões primitivas’ pesava para o lado do conservadorismo. Segundo as autoras, 30% dos alunos secundaristas das escolas que visitaram demonstravam grande interesse na figura de Jair Bolsonaro. “Em 2017, era raro conhecer um menino que não fosse admirador do candidato. O político se tornou um fenômeno, um símbolo totêmico de identificação juvenil masculina semelhante ao papel da Nike ou a Adidas, como exemplos de grife, desempenhavam em tempos de crescimento econômico e apologia governamental ao consumo”. As pesquisadoras apontam, que nos debates promovido nas escolas desde dezembro de 2016, os meninos têm se mostrado mais retraídos em sala de aula, enquanto as meninas não.
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Adolescentes de baixa renda não defendem a volta da ditadura, mas admiram valores como “pulso”, “ordem” e “disciplina”, afirmam sociólogas
© Danilo Ramos/RBA
Por: Carolina Varella e Raul Vitor
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“em nossa primeira visita a uma escola do Morro em 2016, foi revelador descobrir que os meninos que veneravam marcas e davam ‘rolês’ em shopping centers ignoravam – quando não desprezavam como ‘coisa de vagabundo’ – as ocupações”. s sociólogas relatam que
Elas, diferentemente dos meninos, apresentam mais articulação e argumentos críticos mais bem elaborados. “Um dos fatores que nos parece decisivo para a formação de uma juventude bolsonarista é justamente a perda de protagonismo social e sensação de desestabilização da masculinidade hegemônica. Isso fica bastante evidente nas rodas de conversa mais descontraídas, quando os meninos chamam algumas meninas de ‘vagabundas’ e ‘maconheiras’. O argumento de que a adesão bolsonarista pela juventude masculina periférica seja consequência do aumento do protagonismo feminino juvenil periférico, é de fato contundente. Entretanto apenas essa justificativa não sustenta a complexidade do caso. As pesquisadoras indicam que a masculinidade desses jovens é desafiada diariamente devido à crise de violência urbana de Porto Alegre. “Quando o assunto era segurança pública, os jovens falavam do candidato com afinco e com conhecimento de pautas e propostas. Demonstravam raiva contra um sistema penal e prisional que consideram frouxo e que supostamente ninguém respeita. [...] Na mesma linha temática, o tema mais forte entre os simpatizantes homens de Bolsonaro, sejam eles jovens ou não, era a fé no armamento da população”.
A partir da análise das autoras, fica claro que o problema de segurança, que aparece incessantemente nos telejornais, em bairros nobres das cidades do Brasil, não se concentra apenas nesse nicho. A favela não é lugar apenas do bandido. Torna-se evidente o reconhecimento dos jovens de periferia na figura de Bolsonaro, quando, segundo as autoras, “nenhum adolescente entrevistado defendeu a volta da ditadura, mas achavam importante os valores de ‘pulso’, ‘ordem’, ‘disciplina’, ‘mão forte’ e ‘autoridade’”. Elas complementam, “eles viam na imagem do militar uma forma de ‘último recurso’, um pedido de socorro de jovens que já foram tomados pelo desalento”.
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Educar e recuperar – O Brasil elegeu Jair Messias Bolsonaro para presidente. O Trump brasileiro venceu o petista Fernando Haddad no segundo turno e isso não deveria ser uma surpresa. Sua hostilidade, seus discursos assustadoramente preconceituosos, de ódio e até antidemocráticos não foram o suficiente. O Brasil elegeu o Bolsonaro porque o antipetismo venceu num ato de desespero. Em termos práticos, o que chega ao cidadão comum, leigo e distante das esferas de poder,
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eles viam na imagem do militar uma forma de
‘último recurso’, um pedido de socorro de jovens que já foram tomados pelo desalento”.
Os discursos são fatores determinantes numa corrida eleitoral como esta, uma vez que o candidato eleito não precisou participar de debates e nem encaminhar muitas propostas. Isso acontece pois, ao identificarmos um culpado e uma solução, fica aparentemente mais fácil resolver a situação e essa relação de causa-efeito pode ser assimilada por qualquer pessoa, pois “todo problema exige uma solução”. Identificar-se com o discurso de Bolsonaro é isso, fácil. Seus posicionamentos são limitados pois este mesmo é um analfabeto político, que quer usar das leis para blindar seus medos. Seu discurso contempla o sujeito que tem medo da violência; ampara o sujeito que tem medo de gays e de negros, medo de ser menos másculo, medo dos índios, medo que os pobres sejam gente como eles. Saber que o presidente foi eleito de forma democrática mostra que temos brasileiros que aderem ao Bolsonarismo, como aqueles que acreditam na sua postura honesta correspondendo às exigências anticorrupção na sua sociedade corrupta e isso basta. Mesmo que a corrupção ainda contamine o Congresso. Seus posicionamentos criminosos contra as minorias e contra a constituição tornam-se irrelevantes quando se preocupa mais com os valores do seu bolso. Mesmo que pobre não Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
dessa eleição. A sociedade brasileira é patriarcal e esta condição submete a maioria das mulheres aos homens, inclusive intelectualmente. Algumas mulheres se opõem a um candidato abertamente machista, enquanto muitas, leigas ou amedrontadas, votam nele. Devemos entender também que a frente de luta nas escolas públicas atualmente tem predominância feminina. Documentários e livros foram feitos a respeito desse novo protagonismo e da preocupação dos meninos, que estavam perdendo seu privilegio. Muitos meninos passam a reconhecer no candidato Bolsonaro um paizão, aquele que irá devolver a eles seu espaço. Lembrar como Dilma era tratada durante seu mandato, é mais uma razão para considerarmos a presença do machismo significativa nessas eleições. Os argumentos desconexos e falhos, a incapacidade de debater se tornaram a “marca” da ex-presidente. Ela foi vexada e atacada pelos brasileiros, a rebaixaram e usaram de seu problema como motivo para alegarem irresponsabilidade, enquanto Jair Bolsonaro tem a mesma dificuldade, mas sua “característica” é irrelevante ou justificável. Reparar os erros dessa eleição só será possível quando elegermos funcionários que prezem por nosso direito de boa educação. Instrua os brasileiros sobre diversidade e política. Escolheremos então o professor, não o militar. Estaremos preferindo desenvolver senso crítico ao invés de doutrinar. Entender desses assuntos é de extrema importância para nosso futuro, pois as eleições têm consequências substanciais; leis de armamento, políticas para imigrantes, saúde, clima, reforma prisional e até sua habilidade de votar. Uma sociedade bem-educada e empática não colocaria o país em risco, elegendo um sujeito como Jair Bolsonaro.
© Policial Federal Flavio Moreno
Rolezinho shopping Itaquera
compre dólar. Tornam-se insignificantes quando você mora num bairro rico e o seu presidente da carta branca pra policial matar, pelo fim da violência. Porte de arma legalizado em um país de ignorantes, pela segurança. Uma pesquisa realizada pelo Ibope em 11 de setembro mostrou que Bolsonaro tinha 33% das intenções de voto entre os evangélicos. Esse cenário é consequência dos seus posicionamentos contra a quebra dos valores conservadores que a esquerda promove insistentemente, como a legalização do aborto, casamento gay, etc. Além do vídeo de Jean Wyllys cuspindo em Bolsonaro e, é claro, o falso “kit gay” que exacerbou de ódio à oposição. A propagação de informações como estas esta ligada diretamente a vitória da ultradireita, que tem em seus preceitos conservadores julgamentos que fomentam a intolerância. Assim como já identificamos em diversos discursos do recémeleito presidente. As fake News, inclusive, foram desonrosamente as maiores responsáveis pela decisão de voto no Brasil, o país que está em 2º lugar no ranking de pais no qual o cidadão tem menos noção sobre a própria realidade, mas muitos têm Whatsapp. Quando suas convicções são bordadas por seus valores ou na sua falta de senso crítico, desinformar com fake news é uma manobra estratégica. Outros estudos mostram o machismo como um lastimoso motivador dos resultados
© Reprodução
© Fábio H. Mendes/Folhapress
é que há uma macilenta crise generalizada, sendo esta responsável pela corrosão das instituições e da política brasileira; ou, pelo menos, esta é a premissa dos discursos propagados. Com a falta de confiança no governo, qualquer outro candidato se torna palpável. A necessidade da mudança ecoa e aquele que possui a melhor estratégia para destacar sua existência aumenta a chance de vencer. Apostar nos discursos polêmicos foi um caminho manjado, porém certeiro, seja pela viralização de uma nova figura para presidência, seja pelo conteúdo em si que serve uma sociedade preconceituosa.
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ensaio fotográfico
O limite dos benefícios das esco
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m uma das melhores escolas públicas de Santos, UME dos Andradas II, no litoral de São Paulo, também se encontram os prós e contras de depender do governo para estudar em uma escola bancada pelo mesmo. Para muitos alunos só de estar todas as manhãs em um colégio já é um privilégio. Sair do ambiente hostil que são suas casas para aprender, conviver e até comer é uma oportunidade que nem todas as crianças da periferia possuem. E, além disso, estar com professoras e professores que são atenciosos e se preocupam com os alunos permite um incentivo à educação que merece ser mantido. Em contra partida a esses reais aspectos positivos que a escola se cerca, há um inegável descaso da prefeitura quanto a sua estrutura, com vazamentos que causaram o acidente de um aluno, alega a professora Lilian Morais: “O desinteresse da Prefeitura com a escola, com esses vazamentos, causou a quebra do fêmur de um aluno autista, ao andar no corredor e escorregar numa poça de água. E ficou por isso mesmo, ninguém veio ver ou providenciar reparos. Ainda esperamos melhorias”
Professora ensinando os alunos em sala de aula
Por: Lais Morais
© Fotos: Lais Moraes
Área de lazer descoberta na escola
Vazamento no teto que causou acidente de um estudante
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Sala de aula Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Mofo causado por vazamento d sala de aula Novembro 2018
olas públicas
dentro da
Situação precária do ventilador segurado por cordas na sala de aula
Biblioteca a disposição dos professores da escola
Projeto “Biblioteca Móvel” que os livros circulam pela escola em um carrinho
Mesa de estudos de duas alunas
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© Fotos: Lais Moraes
Quadra de esportes
Criança com o uniforme da escola na sala de aula Novembro 2018
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Cultura
Novas formas de expressão democratizam acesso à arte
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© barbarawagner.com.br
ão é novidade que as formas de expressão cultural estão em constante mudança, principalmente nos últimos 60 anos. Entre a cena da Arte Moderna e a Contemporânea, a sociedade se tornou não somente fonte de inspiração, mas também a personagem principal e até a própria produtora de conteúdo. Atrelada a essa maior participação do espectador, a popularização de ferramentas como a câmera, a filmadora e o gravador faz com que qualquer um possa criar um documentário, gravar o próximo hit ou fazer e editar um ensaio fotográfico em questão de dias, por exemplo. Essas heranças que adquirimos em menos de um século nos levam a entender as produções atuais, que nos levam a tradicionalidade de uma exposição em um museu, por exemplo, até a influência das redes sociais e circulação de conteúdo em massa, onde tudo é interligado e carregado de referências de outras obras. Essa liberdade de produção artística do audiovisual não tem nem um século e está em constante mudança, já que varia com as novas tecnologias que se popularizam ao longo do tempo. Desde o final da Arte Moderna, vemos uma mudança em conceitos determinantes para a arte até aquele momento. O que é ser um espectador, quem determina o que é arte, até onde vai o artista e se ele necessariamente precisa ser um pintor ou pode também se deslocar da tela são indiretamente debatidos nas próprias produções. Pollock em 1950, por exemplo, já oferecia uma prévia de que a obra dependeria da subjetividade de cada indivíduo e a sua interpretação das linhas aleatórias e sem qualquer racionalidade, além da proporção dos quadros que traz a sensação de imersão num ambiente além da realidade. Ele, com o “action painting”, mostra um último momento de um fazer gestual antes do amadurecimento da Arte Pop em 1960/70. Com a popularização, ainda que tímida, da câmera fotográfica e da filmadora em meio a um contexto de valorização dos veículos de comunicação, a Arte Pop influencia diretamente nas produções contemporâneas atuais. Desde a apropriação do contexto urbano e as novas linguagens (cinema, quadrinhos, etc) até a dissolução dos limites artísticos tradicionais e a utilização de imagens pré-existentes na produção, as artes de uma forma geral foram se arquitetando de acordo com os movimentos da sociedade. No Brasil, essa influência chega entre os anos 60 e 80, em meio a uma sensação de progresso pelo movimento inicial de industrialização, a Ditadura Militar em 64 e o principal símbolo da “contracultura à brasileira” surge: a Tropicália. Poemas Neoconcretos criam não somente uma nova área de produção literária, mas também visual quando a posição, o tamanho e a fonte das palavras e determinante para causar um impacto. Ao mesmo tempo, e as letras e melodias de Caetano, Gil, Os Mutantes e outros músicos são consideradas um verdadeiro radicalismo musical e literário, diferente de tudo que se viu na cena nacional até aquele momento.
Uma das fotografias da sessão “A procura do 5º elemento”, por Bárbara Wagner
Wagner LOUD e um de seus desenhos para a equipe da Turma da Mônica
© Rosiel Mendonça
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Adolescentes adotam novas plataformas, quebram conceitos e visões tradicionais e revolucionam relações entre arte, artista e espectador, com uma produção que não hesita em discutir questões sociais e os direitos das minorias
© wagnerloud.blogspot.com
Por: Giulia Avventurato
Foto do penetrável “Tropicália”, de Hélio Oiticica
Uma das relações mais interessantes entre a produção musical e a artística/visual daquela época foi quando Hélio Oiticica e Caetano Veloso se conhecem e seus ideais conversam entre si. Inicialmente, Caetano é fotografado por Geraldo Viola usando um dos “Parangolés” de Hélio, que são pedaços de panos que precisam do movimento de quem usa para ser um trabalho artístico. Inspirado no samba de carnaval da Mangueira, Caetano faz jus à obra de Oiticica, dando vida aos panos conforme usa e molda de acordo com a sua subjetividade. Em menos de um ano, Hélio cria o penetrável “Tropicália”, labirinto de madeira forrado com areia e pedras, que, ao ser percorrido pelo espectador, colocava-o em contato corporal com diversos elementos naturais e culturais do Brasil, num percurso que terminava em frente a um aparelho de televisão ligado. A crítica de que o país precisava voltar às suas origens e criar um movimento próprio tem seu eco quando Caetano batiza com o nome de Tropicalismo essa nova fase da música brasileira.
Palestra – Durante a 40ª Semana de Jornalismo da PUC-SP, uma das palestras tinha o foco nessa nova geração que produz cultura hoje. Enquanto de um lado San Joe e o produtor Gomes Feiteira entram na cena do rap/funk com o primeiro e polêmico hit “Desculpa, Doutor”, do outro LOUD e LAUD se juntaram para criar a série “Rap em Quadrinhos”, com o objetivo de mostrar como o Rap usa da literatura pop para simplificar conceitos que podem ser entendidos como complexos se expostos por uma outra linguagem. Atualmente com mais de 43 Milhões de views, “Desculpa, Doutor” é o exemplo de hit que surge pelas redes sociais, como o YouTube e o WhatsApp, mas que para San Joe não é o trabalho de maior relevância. Desde os 15 anos, o artista produz letras que falam sobre a perspectiva política e social de ser negro e “da quebrada”, já fez parte do coletivo “Viagem Poética” onde cantava a realidade em Trens com rap de protesto, que produz até hoje.
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Desculpa, Doutor” pode ser lida de 3 formas diferentes: é uma declaração de amor, a história de um adolescente que gosta de beber, fumar e se divertir ou um discurso político apresentado de forma
© podcastmano.com.br
palatável.
Foto do vídeo “Desenho Canteiro”, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca Seu produtor, Gomes Freiteira, explica que o Rap nacional de 2018 é uma aversão às produções de 2010, que se baseavam no discurso comercial existente nos Estados Unidos. A batida de funk, antes mal vista, é incorporada às músicas populares, e em conjunto com as letras, temos um “discurso forte dentro de uma canção de amor” nas suas palavras. Assim, “Desculpa, Doutor” pode ser lida de 3 formas diferentes: é uma declaração de amor, a história de um adolescente que gosta de beber, fumar e se divertir ou um discurso político apresentado de forma palatável. Enquanto Sam fez parte do “Slam Resistência”, um dos principais campeonatos de spoken word do mundo que potencializa os protestos em meio a cena do Rap, Gomes faz parte do “Rapbox”, um canal no YouTube e gravadora que serve de plataforma para novos talentos que não tem visibilidade na mídia hegemônica tradicional. Assim ambos trabalham para expandir a representatividade cultural, quando se tem letras e produções em que o público se Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
©Geraldo Viola
© barbarawagner.com.br
Alguns dos desenhos integrantes do projeto “Rap em quadrinhos”, do LOAD e LOUD
identifica e se vê como protagonista da história que eles contam. Indiretamente, eles abrem as portas para mais produções musicais de dentro das comunidades e minorias, dizendo que eles podem fazer parte desse meio; não pela capacidade de se encaixar no estereótipo, mas sim pelo que eles realmente são. Quando se trata da produção visual, LOAD and LOUD conseguiram conciliar suas paixões numa produção que mistura rap com desenhos em quadrinhos. Quando LOAD criou o seu canal no YouTube em 2012, focava principalmente na discussão dos significados por trás dos quadrinhos, mas aos poucos foi expandindo para o rap e como a cultura pop está inserida nas composições. Já LOUD começou a se profissionalizar no desenho muito novo e com 17 anos já fazia parte da equipe de desenho da ‘Turma da Mônica’ e criou alguns designs para camisetas da banda ‘Dead Fish’ em 2012. Em 2016, quis sair da sua zona de conforto e desenhou artistas de punk rock como personagens de desenhos em quadrinhos. Da habilidade artística de LOUD e o conhecimento de LOAD nasceu o “Rap em Quadrinhos”, que explicita a influência da cultura pop nas letras do rap. Mano Brown como Pantera Negra, Negra Li como Tempestade, Emicida como o Homem-Aranha, Sabotage como Dr. Manhattan e muitos outros da cena nacional se transformaram em heróis pelas mãos de LOUD.
Caetano Veloso posa usando a obra de Hélio Oiticica, “Parangolé”
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um meio onde as redes sociais imperam na
decisão e visibilidade de
determinados problemas sociais, as produções se tornaram cada vez mais palatáveis e passíveis de reprodução, já que neste momento, não é importante a unicidade, mas sim a possibilidade de passar uma informação ou crítica.
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Para muitos que os admiram, eles realmente são vistos como heróis. LOUD, durante a palestra, chega a comentar que, ao ver o desenho do Mano Brown, um menino pequeno fala pra sua mãe: “tudo faz sentido agora! Não teria como o Pantera Negra ser outra pessoa”. Esse é um exemplo de como, com uma linguagem acessível e de identificação com o público, os quadrinhos e o rap podem passar mensagens de resistência e assim, dar voz a comunidade negra neste caso. Mas quando se fala do fazer artístico como conhecemos, Bárbara Wagner é uma das artistas contemporâneas que não se mantém em somente uma plataforma de produção. Desde entrevistas, músicas, fotografias e até mesmo programas que simulam a construção de um ambiente usado por arquitetos, Bárbara trabalha em torno do que ela chama de corpo popular e como ele se relaciona com a cultura pop e as tradições culturais brasileiras. Sua principais influências é o New Media Social Realism ou Documentary Mode, que usa ferramentas documentais para discutir questões sociais. Assim suas obras, de forma intencional ou não, apresentam um caráter de flexibilidade e de maior alcance, considerando as formas como eles são apresentados (vídeos publicados em seu canal no Vimeo e em seu site, livros, exposições, etc.). Em “A procura do quinto elemento”, por exemplo, ela explora a relação do funk com os corpos, os acessórios usados e a ideia de ostentação dessa comunidade. Assim, cria retratos de algumas dessas personalidades ao acompanhar uma seleção de MC’s organizada pela produtora KL em São Paulo. Numa outra produção, “Desenho Canteiro” ela usa um software digital para criar projetos imobiliários ainda em construção para criar uma espécie de vídeo-colagem. Isso atrelada a uma narrativa que aborda slogans e falas discriminatórias, e uma crítica aos empreendimentos privados regidos pela lógica da exclusividade e da exclusão. O projeto “Rap em Quadrinhos”, as letras de San Joe e a arte de Bárbara Wagner tem características que resumem o que são as novas formas de expressão. Num meio onde as redes sociais imperam na decisão e visibilidade de determinados problemas sociais, as produções se tornaram cada vez mais palatáveis e passíveis de reprodução, já que neste momento, não é importante a unicidade, mas sim a possibilidade de passar uma informação ou crítica. Tudo isso cabe na ideia de que o espectador não é mais passivo diante de uma obra, ele deve fazer parte dela, inserir seus conceitos subjetivos e discutir qual é a sua relevância diante da sociedade. Não é a toa que Agamben diz que a produção atual é daquele que “percebe o escuro e não cessa de interpretá-lo”, uma frase que não vale somente para os artistas, mas também para o espectador. As produções são feitas com ferramentas palatáveis e flexíveis, que traz identificação, facilidade no seu consumo e principalmente na sua circulação. As obras da Bárbara estão no YouTube e no Vimeo, o “Rap em Quadrinhos” no instagram, o canal do LOAD tem mais de 9 milhões de visualizações e os projetos do San Joe e do Gomes somam mais de 65 milhões de views. É importante trazer essa representatividade das minorias em meio a uma arte que aos poucos deixa de ser elitizada para termos produções atreladas a questões político- sociais que rodeiam a existência de uma sociedade como a brasileira.
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Personagem
Um sabiá do sertão Por: Matheus Lopes Quirino*
“A gente vive um eterno Flashback”, canta Xico Sá, cronista de volta à poesia, das viagens à sua terra, mesmo não tendo a deixado de lado
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O jornalista viajante Xico Sá
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mbientada no final da manhã, horário até então impensável para um boêmio, a entrevista – que mais se assemelhou a um bate-papo desses de “bar bom” – transcorreu conforme a lírica prosa se justificava ao rés do chão, mesmo que bem acima deste, pois foi em seu apartamento, na sucursal londrina dos trópicos, a San Pablo – como ele mesmo costuma brincar em portunhol –, que Xico Sá nos recebeu, excepcionalmente sem suas floridas camisas, cuja ocasião trajava uma malha flanelada xadrez, pois o tempo estava mais londrino do que nunca, mesmo longe de ofuscar a inquietação, buliçosa, de um cronista calejado pela aridez das redações. Francisco Reginaldo de Sá Menezes é seu nome de batismo. Sendo seu segundo nome uma paixão materna pelo cantor Reginaldo Rossi – outro embalador de multidões, também frequentador das filosofias de boteco, as mesmas que Francisco canta em suas crônicas, como um sabiá do sertão, por certo em: Garçom, eu estou aqui nesta mesa de bar/ E você já cansou de escutar, centenas de casos de amor.... Esta é de Rossi, mas tranquilamente poderia ser coisa de Francisco. Cearense da região do Crato, há poucos dias de nosso encontro ele havia visitado suas raízes, via debate do projeto Você é o que lê – do qual participa falando sobre formação literária e cultural, junto do comediante Gregório Duvivier e da atriz Maria Ribeiro. Jornalista, escritor, poeta, papeador, boêmio convicto – embora ele negue estas láureas envergadas em lúpulo: “É tudo folclore que fizeram de mim... (risos) ”. Hoje Xico viaja o país como escritor e, sobretudo, como cronista afiado que é, mantendo coluna no periódico El País Brasil. Voltar ao Cariri cearense foi um flashback, justo quando Francisco reencontrou-se com a poesia, lançando seu Sertão Japão [Livro de Haicais nesta leva de 2018, dedicado à primeira filha, Irene, de um ano e sete meses]; segundo ele sua poesia é de fases. Discípulo da Geração Mimeógrafo no Recife, Xico publicou desde aquela época, começando na clandestinidade dos mimeógrafos até levantar voos a outros ares. Passou pelas mais intimistas editoras até as grandes companhias. Sempre fazendo escala nas páginas efêmeras dos jornais, “Sua doce perdição”, onde foi repórter de política, ele diz: “Dá época em que eu era um homem sério”, brinca. O jornal lhe conferiu notoriedade e patente de cronista. Na manga, embora ainda no crivo das ideias, ele prepara um novo romance, cujo personagem central será um goleiro louco de amores. E a região do Crato, mesmo a quilómetros da Pauliceia Desvairada, pulsa no peito do cronista do amor louco – outro epíteto a ele atribuído. Seu romance publicado em 2012, Big Jato (Companhia das Letras), chegou de pipa [Tradicional veículo que comporta água. Este se tornou símbolo do romance homônimo no cinema, em 2016, conduzido pelo diretor Cláudio Assis] nas telonas, sendo reprisado, com certa frequência, pelo Canal Brasil.
© Acervo/xico sá
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Xico Sá encantou-se pela “garota de Ipanema” do jornalismo, a crônica, quando esta lhe servia de válvula de escape da “pauleira da redação”: “Eu escrevia de madrugada, não podia perder o fio da meada”, nos conta. E mais adiante, deu tão certo o fio, como a corda toda, tendo laçado leitores com a trilogia Modos de Macho & Modinhas de Fêmea, publicada pela editora Record do início dos anos 2000 a 2016 – embora estes textos sejam fruto de um pente fino de longa data, em períodos anteriores ao primeiro livro da trilogia. Francisco reconhece a carga memorialística da coletânea, que evoca trejeitos de figuras do Crato e das metrópoles onde viveu. Talvez o mais famoso desses, remexido ora outra por seu autor, seja o “macho jurubeba”, ressaltado com pingos de dendê para narrar os trejeitos e chistes do homem mais rústico possível: “É uma inspiração nos meus tios, típicos jurubebas do Cariri”, completa o cronista. Tão árida condição, mesmo hoje à mingua nos tempos de feminismo, não foste apagada pelo lirismo de Xico, que (des)jurubebou-se com o passar dos anos, ou até o fim da trilogia.
A conversa prosseguiu na sala do apartamento, ou na brinquedoteca de Irene, e contou com a pequena pulando feliz, com os olhinhos curiosos, observando seu “dá-dá” – o “avôhai”, como Xico costuma adjetivar-se, tendo entrado ao time dos camisas “avô e pai”, dada sua paternidade tardia, hoje aos 56 anos. “É lindo, fosse em qualquer época que tivesse vindo [A paternidade] seria lindo. Aconteceu agora, rapaz, e eu estou mais coruja do que nunca”. Irene pula, Irene ri. Mas foi no lançamento do Sertão Japão, semanas antes, na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho, que a pequena, impressionada, assustou-se com o Ultraseven, o guerreiro samurai contratado pelo pai coruja para fazer a alegria dos presentes, adornando o lançamento do Sertão. Irene pôs-se a chorar, o que levou o velho Xico a refletir: “Ela não gosta mesmo de monstros japoneses”. Ainda no caminho do Sertão, Xico, Larissa, sua companheira, e Irene, em viagem ao Ceará, deram por se inserir na chamada “nostalgia planejada”. O “avôhai”, embebido no ócio familiar, saquês e més da prosa poética, recorreu ao veterano dos cordéis José Lourenço, da Lira
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A infância é a coisa mais forte, deixa ecos na vida toda, na escrita, nas pessoas [...], é um eco permanente que volta todo dia”
Nordestina, Centro Cultural da antiga tipografia São Francisco, no seu amado Cariri, para ilustrar, ao lado de Thais Uêda o Sertão Japão, em um processo artesanal, como pede a deixa. O livro de haicais com tipos de cordel traz a conexão nipônico-nordestina, como périplo de afeto do jornalista com sua pequena: uma viagem ao centro de Xico, através de suas raízes e suculentas, frutificadas nos versos de cinco, sete, cinco sílabas. Da São Paulo, são os passeios pelo bairro da Liberdade que ele delira em meninices, entre samurais do oriente e a seca do Cariri, sempre acompanhado das duas companheiras em suas idas e voltas. “Acho que tudo é volta, a gente vive um eterno flashback... É aquela música dos Beatles ‘Yesterdayyyyy, yesterdayyyy (gargalhadas) ’”. Se o Sertão (literário) contempla sua volta ao Sertão (literal), Xico ainda procura debulhar os fragmentos que o levaram a essa “nostalgia planejada”. Observando Irene brincar com sua Olivetti Studio 44, máquina de escrever antiquíssima, Francisco envereda à terra batida da infância. “A infância é a coisa mais forte, deixa ecos na vida toda, na escrita, nas pessoas [...], é um eco permanente que volta todo dia”. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Há décadas, o Cariri cearense era fustigado pela seca, embora hoje, contemplado pelas políticas do governo do ex-presidente Lula, o impacto da madrasta do nordeste dificilmente chega ao crítico nível das intempéries encontradas nas décadas de 1960/1970, durante a infância de Francisco. Este Sertão, com resquícios de aridez, salva-se pelos bons ventos trazidos da Chapada do Araripe. E embora materialmente o Cariri tenha sofrido revés histórico e climático, culturalmente estabeleceu-se o efeito contrário: um mar de cultura, diz Xico, com brilho nos olhos, fazendo questão de ressaltar esse solo fértil. Na graça do primário, o menino Francisco nutria gosto até pelos livros didáticos. Embora seu ninho não possuísse a cultura livresca, tida erudita, Xico enveredou-se cedo pela literatura, atraído pelas histórias da família, contadas oralmente, no Sítio das Cobras, seu terreiro infante. Mas foi sob a responsabilidade de Geraldo Bilé, seu professor do segundo ano do primário, que o jovem contador de histórias começou a escarafunchar prosa de melhor qualidade, na cumbuca prodigiosa de ninguém menos que Graciliano Ramos, o “Machado do Nordeste”, do qual Xico guarda com demasiado afeto o romance Vidas Secas, de 1938. “O Graciliano, pra mim, foi o maior. Na minha modestíssima opinião – pra não ficar também nessa babaquice de melhor ou pior, embora eu tenha lido Machado (risos). Ele [Vidas Secas] me atraiu pela temática, eu sou de lá [do Sertão]; a temática também aterrorizou todos nós, mas mesmo assim me deu vontade de escrever, de entrar nesse mundo das letras”, completou o pupilo à moda graciliana. Da literatura, anos a fio, o menino Francisco começou a frequentar as redações, até pousar nas bacanais das letras do país afora. Do Recife, na juventude, não demorou para Xico embarcar rumo a São Paulo, onde colaborou com publicações de todos os gêneros – da Folha de S. Paulo [onde ficou décadas] ao “Baixo Augusta” das publicações alternativas. “E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. [...] Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos.” (Graciliano Ramos, Vidas Secas)
No começo dos anos 2000, ele alimentava diariamente o site O Carapuceiro, com crônicas que conversavam com os dilemas e causos do homem urbano: “Depois de correr atrás do PC Farias [do caso Collorgate, 1992, da época em que ele era um repórter obsessivo], ser repórter de política, ganhar prêmio de melhor reportagem – que, inclusive, não acho que o mereça, pois o texto era uma merda! –, lembro de quando comecei a escrever crônicas pra revista semanal da Folha. Eu fui fazer um troço de humor, que comentava esse universo do macho, feito uma sátira, na época em que as colunas de comportamento surgiram, daí, até, comecei a ganhar a vida como cronista”. Paralelamente à atividade jornalística, Xico celebrizou-se um “Freud de boteco”, como ele mesmo diz, donde juntava suas paixões em diversos “escritórios” pela cidade. Nos bares, segundo ele: “O melhor lugar de trabalho (risos)”, sendo pago na melhor moeda, em rodadas de bebidas e comidas. Prestava consultoria, na maciota, a amigos e amigas que chegavam com suas epopeias sentimentais. De habitués noturnos, discorrer sobre o terreno do afeto floresceu o canteiro do cronista, ligado em todas as tribos e credos. Tendo galgado narrativas para servir bem o leitor, papos das noitadas na Mercearia São Pedro e arredores à garçonnière na Bela Cintra, Xico Sá sempre buscou penetrar com afinco na psique humana, sobretudo a da femme, tornando-se especialista em galanteios – haja vista alguns depoimentos de amigos, mas não só destes; dá-se a prova via escritura do (santo) ofício, talhada em Catecismo de devoções, intimidades e pornografias (2005), de sua autoria, publicado pela editora do Bispo. Depois houve a temporada na televisão, como comentarista de programas de comportamento e futebol – outra paixão desse Freud de boteco, torcedor do Santos, Icasa (em Juazeiro) e Sport (em Recife). Hoje articulista de um jornal estrangeiro, Xico não deixa de “soltar a mão” em artigos carregados de lirismo, nordestinês e outros recursos estilísticos, frutos de uma vida como ávido leitor e escritor compulsivo. A hora do almoço se aproxima e Irene já fisgou os olhos e as deixas de todos ali no recinto. O pai Francisco, todo dengoso, pede à filha para escrever o seu nome no quadro negro, bem atrás do sofá, um dos móveis integrados à brinquedoteca da meninota. Da conexão ao Sertão, sob a égide de uma infância toda poética, embalada em histórias e ecos do Cariri ao Mississipi [Um livro de formação para Xico, do escritor Mark Twain, foi “As Aventuras de Tom Sawyer”, cujo personagem homônimo é oriundo do estado americano], Xico olha para a pequena, sob os tímidos raios de sol do dia londrino, e faz sua projeção: “É, você vai escrever muito ainda, minha pequena, e bem melhor que papai aqui”. Terreno fértil não faltará pois ela possui o Sertão dentro de si, com todas as suas lendas, sabiás e histórias maravilhosas assoviadas pelo pai, em estado coruja, ali mesmo. Ao fim deste perfil, Xico Sá ganhou, na categoria colunista de cultura, pelo El País Brasil, o prêmio “Comunique-se, 2018”
O charque literário de Francisco, durante muitos anos, fora amaciado pelo jornalismo, esta profissão que abrigou, e ainda retém, amantes das letras. “Eu vivi o conflito jornalismo x literatura, claro... Até conseguir uma moralzinha no jornal demorou um tempo. A pauleira dos tempos de redação me tirou um pouco desse lirismo, embora eu sempre tenha resistido e muito; queria ser escritor – e ficava até com vergonha dos meus amigos dos tempos de escola me lerem, porque, cá entre nós, eu sempre fui o cara que escrevia bem, aí seria uma furada eles pegarem um texto meu e pensarem que foi um robô que escreveu... Foi a época da camisa de força dos manuais de redação”, relembrou os meados da época de Folha de S. Paulo.
*A revista Veredas é uma publicação literária que mantém coluna hospedada no jornal Contraponto.
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São Paulo
O “centro” pode ser em qualquer lugar o movimento Hip Hop aos grupos de samba, diversas expressões culturais surgiram nas periferias da cidade. Promovidas geralmente por coletivos compostos de moradores e artistas, as atividades promovem as ações que são frequentemente vistas nas regiões centrais. Segundo o estudo “Viver em São Paulo: Cultura” feita pelo IBOPE Inteligência com a Rede Nossa São Paulo, aproximadamente um em cada quatro paulistanos não frequenta nenhuma das atividades culturais pesquisadas, como cinemas, centros culturais, shows, museus, teatros e bibliotecas. Os dados mostram que a participação em atividades culturais foi maior entre pessoas com rendas familiares mais elevadas. Além disso, os fatores que mais impedem a presença em espaços como esses são os preços e a distância de casa. A plataforma da prefeitura de São Paulo, “SPCultura”, mapeia de forma colaborativa e gratuita a distribuição de agentes e espaços na cidade. Mais de 900 coletivos estão cadastrados como produtores culturais, por exemplo, mesmo concentrados na região central, há grupos em todas as zonas da capital, como o Cooperifa.
© Larissa Teixeira
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Mesa “Literatura: Narrativas Poéticas de Liberdade” durante a 11a Mostra Cultural da Cooperifa
Distribuição de coletivos ligados a produção cultural em São Paulo
“A Periferia nos une pela dor, pela cor e pelo amor” É uma frase do Manifesto da Antropofagia Periférica, escrito por Sérgio Vaz. O poeta é um dos fundadores da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), coletivo que promove intervenções culturais no bar do Zé Batidão, na zona sul de São Paulo. Cinemas ao ar livre e saraus, por exemplo, são realizados há 17 anos pelo coletivo. A “Mostra Cultural da Cooperifa” nasceu como um contraponto à “Semana de Arte Moderna de 22” em novembro de 2007, chamada de “Semana de Arte Moderna da Periferia”. Rose Dorea, integrante do coletivo, explica que as mostras do Cooperifa são pensadas para estimular a fala: “Falar sobre literatura que é o nosso carro chefe, falar sobre a nossa literatura, como é feita, por quem ela é feita e falar principalmente dos nossos, da nossa periferia, do nosso povo e do nosso jeito.”, afirma Rose. A 11ª Mostra Cultural Da Cooperifa aconteceu entre os dias 3 e 11 de novembro deste ano em escolas, CEUs, unidades do Sesc, entre outros. Rose conta que os preparativos começaram em junho com a abertura de um site para receber projetos, houve a análise destes e, também, a realização de uma curadoria para a programação e convidados. Os organizadores da mostra promoveram mais de 50 eventos como oficinas, shows, exposições e saraus envolvendo literatura, cinema, circo, música, dança e teatro, por exemplo. Entre os primeiros participantes, a escritora, atriz, diretora de teatro e professora, Cristiane Sobral, esteve com o também escritor e professor, Jeferson Tenório, no debate “Literatura: Narrativas Poéticas de Liberdade”.
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©SP CULTURA (Mapeamento colaborativo da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo)
Mais de 900 coletivos cadastrados pelo programa SPCultura produzem, divulgam e organizam manifestações artísticas em todas as regiões da capital
Por: Larissa Teixeira
Rose Dorea trabalha no setor administrativo de um posto de saúde em Taboão da Serra. A profissional conta que terminou o ensino médio por incentivo do Cooperifa, grupo que participa desde o início das atividades. Além da busca pelo aprendizado, ela acredita que outros impactos positivos da cooperativa são: a promoção do respeito para todos e o incentivo à produção cultural, que desperta a vontade de escrever livros, tornar-se rapper e fazer teatro, são exemplos. Cristiane Sobral reforça a ideia de que iniciativas, como a de coletivos culturais, são capazes de mudar a trajetória das pessoas por serem, talvez, a única oportunidade delas de acessar tais atividades: “Eu fui essa menina da escola pública de um bairro que não tinha teatro, cinema, espaço cultural e que até hoje continua assim”, relembra a escritora.
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O nosso povo, que é a periferia, tá tomando
consciência de que eles
são possíveis, entendeu?
Que a gente pode, que sabe escrever, é lindo e é inteligente.” (Rose Dorea, Cooperifa)
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
A escola também é um local importante para fomentar a produção cultural. Jeferson acredita que o contato com os livros e com mediadores, como professores e bibliotecários, são muito importantes. Cristiane complementa ao afirmar que a leitura cria possibilidades para que o adolescente se coloque além da própria realidade e até queira escrever, mesmo que não viva profissionalmente disso depois. A educadora cita um festival de cinema que ocorreu em uma escola que acompanha. Os cerca de 30 filmes não abordavam temas variados: bullying, terror, depressão e suicídio foram os mais vistos nas produções. Para Cristiane, os trabalhos foram construídos na lógica das novelas, mais próximas aos estudantes do que as obras cinematográficas. Assim, ela afirma a necessidade de uma alfabetização artística em diferentes áreas para a ampliação do repertório cultural. Quando estes jovens conhecem obras de autores provenientes de camadas populares “faz com que acreditem realmente nas possibilidades. Que um escritor não é, necessariamente, alguém de outra classe social, que nasceu numa família rica... Existem barreiras, mas tem algumas pessoas que estão conseguindo furar esses espaços”. De acordo com Jeferson Tenório, levar cultura, literatura e conhecimento para locais em que eles não chegam com facilidade é um grande trabalho. Ele acredita que, além de terem um impacto imensurável, é necessário que esses coletivos se fortaleçam para tornar a cultura democrática: “É mostrar que o centro é em qualquer lugar, mesmo que as periferias Novembro 2018
tenham problemas básicos e nós sabemos que têm, né?”, explica. Para Rose, a produção periférica cresceu bastante, ponto exemplificado pelo número crescente de lançamentos de livros nos eventos do Cooperifa em 2018 e na explosão de saraus pela cidade: “Aumentou muito. Acho que não tem nem comparação do que era para o que é hoje. (...) As pessoas tão sentindo a necessidade de falar, de ter o espaço em que elas possam ser ouvidas”, afirma.
Segundo ela, antes a comunidade estava adormecida por viver uma fase em que as pessoas não acreditavam mais nos negros e nas mulheres. Atualmente, “o nosso povo, que é a periferia, tá tomando consciência de que eles são possíveis, entendeu? Que a gente pode, que sabe escrever, é lindo e é inteligente”, complementa Rose. Jeferson destaca que a produção cultural humaniza e ajuda a formar pessoas com mais condições de questionar: “Talvez se nós não tivéssemos pessoas mais críticas, nós
não chegaríamos onde chegamos”, reflete o educador. Para Cristiane, “uma sociedade que não tem cultura é uma das sociedades mais decadentes, que beira a barbárie. Quanto mais ausência de cultura, mais violência, mais morte, mais crime.” Para ela, a arte estimula a sensibilidade e a emoção. Além disso, a escritora afirma que a cultura “não liberta ninguém, mas faz com que as pessoas, [por meio] do contato, queiram se libertar.”.
© Reprodução:Instagram@ricardotvaz
Há mais de duas décadas Segundo o mestre em ciências sociais e professor Renato de Almeida, em artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil em 2011, a cultura nestes bairros sempre existiu, mas apenas ganhou força a partir de 1990. Mesmo com grupos circenses e violeiros, por exemplo, a palavra “periferia” não era comum em 1980. Renato exemplifica afirmando como as músicas do Racionais MC, com o Mano Brown, na zona sul e do Negritude Junior, com Netinho de Paula, na zona leste contribuíram para desenvolver um sentimento de orgulho por pertencer às periferias. Assim, a partir de 1990 essa valorização simbólica crescia no mesmo cenário de violência transmitido pela mídia. Para o professor e doutor em sociologia Tiajuru D’Andrea, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, IHU Online, as atividades artísticas que aumentaram em São Paulo naqueles anos foram impulsionadas por fatores como: pacificação, uma saída para a violência; participação política; emancipação humana, ou seja, a humanização das pessoas diante de violência, humilhação e estigmas; resposta à segregação espacial, já que os equipamentos culturais concentram-se no centro e sudoeste da cidade; e sobrevivência material, na qual a renda é extraída da produção artística. D’Andrea destaca que este último, o trabalho na arte, aumentou ainda mais nos anos 2000. O período também foi mencionado por Almeida, principalmente no âmbito da literatura marginal, no qual alguns escritores foram reconhecidos como integrantes desde movimento, dentre eles: Alessandro Buzo, Allan da Rosa e Sérgio Vaz. Renato de Almeida define o termo “periferia” como algo que significa mais do que a localização geográfica: “Periferia assume um conjunto de representações simbólicas que congrega aspectos relacionados à classe, à etnia, ao lugar de moradia e à condição de jovem na metrópole.”, afirma no artigo.
Jeferson Tenório durante a 11a Mostra Cultural da Cooperifa
© Larissa Teixeira
“Só não funciona mais, porque não tem mais dinheiro”
Cristiane Sobral com seu livro “Uma Boneca no Lixo” durante a 11a Mostra Cultural da Cooperifa
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Isso faz com que acreditem realmente nas possibilidades. Que um escritor não é, necessariamente, alguém de outra classe social, que nasceu numa família rica... Existem barreiras, mas tem algumas pessoas que estão conseguindo furar esses espaços.”
“Falta capital. Tem muita gente boa produzindo. As pessoas sabem o que tão fazendo, tem uma estrutura de qualidade. Funciona como qualquer outros grandes eventos, só não funciona mais, porque não tem mais dinheiro pra fazer”, argumenta Cristiane Sobral sobre a atual dificuldade da produção cultural. A autora de Não vou mais lavar os pratos lançou o primeiro texto em uma antologia há 18 anos e acredita que hoje é mais fácil publicar, já que as redes sociais ajudam na divulgação, por exemplo. Mas o mercado literário ainda é restrito. Nem todas as pessoas podem investir na distribuição e promoção da obra: “Se não tiver toda uma estratégia de como esse livro vai caminhar pode ser uma experiencia bem frustrante para o autor e desmotivar”, Cristiane explica. Para a profissional, a falta de oportunidade das pessoas entrarem em contato com diversas linguagens artísticas resulta, também, em perdas econômicas: a nível individual, já que a população poderia ter mais prosperidade; regional, quando o bairro passa a reconhecer, valorizar e consumir itens que foram produzidos pelos vizinhos; e nacional, pois o país poderia ter uma produção cultural ampla e de qualidade. Políticas públicas contribuem para que as atividades culturais continuem. O VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) existe desde 2003 para apoiar financeiramente o funcionamento de coletivos da cidade de São Paulo em regiões de baixa renda. A iniciativa é semelhante ao Programa de Fomento à Cultura da Periferia, que visa auxiliar grupos que promovem ações como produção artística e gestão de espaços culturais em distritos com índices de vulnerabilidade social elevados, ou seja, locais com grande concentração de famílias com renda de até meio salário mínimo per capita. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, além de reconhecer a pluralidade das produções, o objetivo é “consolidar o direito à cultura e diminuir as desigualdades socioeconômicas; (...) descentralizar e democratizar o acesso a recursos públicos.”.
(Cristiane Sobral, escritora)
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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Tabus
Conservadorismo bloqueia discussões sobre racismo, sexualidade e direito ao aborto Por Gustavo Henrique Honório de Morais e Lucas Gomes Kosio
Embalados pelo mito da “democracia racial” e por valores religiosos, muitos brasileiros sequer admitem abrir um diálogo sobre esses temas
Racismo – A pauta sobre racismo no Brasil, por exemplo, nunca foi totalmente aberta, ampla, receptiva ao debate. Sempre houve algum motivo que não deixou o assunto ser plenamente discutido. O motivo? Uns dizem que é porque simplesmente não existe racismo na Terra de Vera Cruz, afinal, somos uma das sociedades mais miscigenadas e cordiais do mundo, outros alegam ser um assunto muito delicado, difícil de falar, muito pessoal. Bom, uma coisa é certa, é tabu. Se é tabu, há margem para ser quebrado. Falar de relações raciais no Brasil sempre constituiu um tabu, principalmente pela forma como essas relações foram construídas ao longo dos tempos. Mesmo assim, a questão do negro na sociedade brasileira é uma discussão que começou a ganhar destaque atualmente. Sempre é tempo, todavia nota-se que ainda existe um “pé atrás” no inconsciente social ao tocar no assunto, quase que um constrangimento, o que designa um tabu. As pessoas sentem-se incomodadas, constrangidas e acuadas. Por que há um bloqueio em cima desse tema? Os números dizem muito sobre a questão. A população brasileira é composta por cerca de 54% de pessoas negras (pardas e pretas). Enquanto isso, a população carcerária negra representa 64%, já a porção de negros formados em Medicina foi somente de 2,66% em 2010, segundo o IBGE. Um estudo (Mapa da Violência de 2015 - FLACSO Brasil) realizado entre 2003 e 2013 evidenciou que a taxa de feminicídio contra mulheres negras cresceu 54%, enquanto o de mulheres brancas caiu 10%. De acordo com o Atlas da Violência de 2017 (IPEA), homens jovens, negros e de baixa escolaridade estão incluídos na faixa de 10% dos indivíduos com maiores chances de serem vítimas de homicídio. A cada 100 pessoas mortas no Brasil, 71 são negras. Somente 10% dos livros escritos entre 1965 e 2014 foram escritos por autores negros. Como afirmou o sociólogo baiano Antônio Risério em sua obra: “Está claro que o racismo existe nos Estados Unidos. E está claro que o racismo existe no Brasil. Mas são tipos diferentes
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Parada do orgulho LGBT em São Paulo
© Sarah Azoubel
onsidera-se Tabu uma proibição imposta por costume social ou como medida protetora. A expressão Tabu denota uma interdição cultural e/ou religiosa quanto a determinado uso, comportamento, gesto ou linguagem. Cada sociedade possui os seus próprios padrões morais. Tabus existentes em uma cultura podem não existir em outras. Segundo Cristiano das Neves Bodart, Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), o tabu está, em seu uso mais adequado, diretamente associado à religião, tratando-se, mais precisamente, do elemento de “limite” e “negativo”, podendo ser uma proibição ou um alerta. Ao longo do tempo, passou a ser manifestado fora do âmbito religioso, habitando nas mais diversas sociedades durantes os séculos.
© Paulo Pinto/Fotos Públicas
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Infográfico contra negros
de racismo”. No Brasil, diz ele, o racismo é velado. Partindo desse pressuposto, entende-se por que as definições raciais foram ignoradas por tanto tempo. “No Brasil, temos um inimigo invisível. Ninguém é racista. Mas quando sua filha começa a sair com um rapaz negro, as coisas mudam”, diz Ivanir dos Santos, um ativista negro do Rio de Janeiro. Educação Sexual nas Escolas – A educação sexual nas escolas é um tabu cultural por conta da falta de informação da população. A grande massa que atua contra esse ensino crê que a escola ensinará seus filhos a praticarem o ato sexual, o que não condiz com a realidade. Infelizmente, há muita irresponsabilidade nas falas sobre o assunto; as eleições presidenciais brasileiras de 2018, por exemplo, ficaram marcadas pela insistente fala sobre o “kit gay” pelo até então candidato Jair Bolsonaro. O fato é que nunca existiu o tal kit, sempre se tratou de um material educativo chamado Escola Sem Homofobia, voltado para crianças a partir de 11 anos que fazia reflexões sobre gênero e sexualidade, comportamento preconceituoso e expressões sexistas da língua portuguesa. A Secretaria de Educação Fundamental apresenta, no portal do Ministério da Educação
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No Brasil, temos um inimigo invisível. Ninguém é racista. Mas quando sua filha começa a sair com um rapaz negro, as coisas mudam”
(Ivanir dos Santos, ativista negro)
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
(MEC), uma cartilha que orienta a população sobre o que é, de fato, a Orientação Sexual: “Ao tratar do tema Orientação Sexual, busca-se considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa no ser humano, do nascimento até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à diversidade de crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática e pluralista. Inclui a importância da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS e da gravidez indesejada na adolescência, entre outras questões polêmicas. Pretende contribuir para a superação de tabus e preconceitos ainda arraigados no contexto sociocultural brasileiro”. Um estudo realizado em cinco países da América Latina (Argentina, Colômbia, Chile, México e Brasil) pela Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), uma rede global de prestadores de serviços e líder na promoção e defesa de direitos sexuais e reprodutivos, colocou o Brasil na última colocação em relação à introdução do tema no currículo educacional. A socióloga Jacqueline Pitanguy afirma que a educação é o melhor método contraceptivo, além de exaltar as benesses do programa, apontando que, em países que adotam esse tipo de currículo, há significativa diminuição da gravidez na adolescência e de doenças sexualmente transmissíveis, as DST’s. No Brasil, há pouca informação sobre sexualidade até mesmo fora das escolas. As campanhas sobre o assunto ocorrem somente em períodos de festa, principalmente no Carnaval. Além de ser uma campanha apenas sazonal, é limitada, já que aborda somente a prevenção do HIV, esquecendo-se de todas as outras questões que envolvem o sexo, como consentimento. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) afirma que a educação sexual nas escolas é um tema Novembro 2018
Fernando Holiday
Aborto – O aborto é um dos tabus mais fortes existentes na sociedade brasileira. É uma questão médica, religiosa, jurídica e de escolha, segundo a filósofa, teóloga feminista e freia católica Ivone Gebara. Talvez o ponto que mais afete o assunto seja a tradição católica/cristã do país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a proibição do aborto não reduz o número de práticas, somente aumenta a quantidade de procedimentos inseguros, o que ocasiona a morte de milhares de mulheres. Um estudo da organização apontou que a taxa de procedimentos de risco em países onde há a proibição é de
“Sou contra o Dia da Consciência Negra”
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ernando Holiday, vereador na capital paulista, é negro e homossexual. Ele é uma das pessoas públicas/políticas mais controversas em relação ao tema, já que se posiciona contra as cotas raciais em vestibulares e concursos públicos e se diz contrário ao Dia da Consciência Negra. Em uma entrevista cedida ao Contraponto, foram questionados posicionamentos em relação à questão do negro no Brasil: Contraponto – Por que você se diz contra o dia da consciência negra, sendo negro? Fernando Holiday – Eu me coloco contra do Dia da Consciência Negra por dois motivos básicos: o primeiro é o próprio nome ‘’Consciência Negra’’. Antes de eu ter um posicionamento político, isso já me incomodava, o fato de ter um dia dedicado especialmente para pessoas daquela cor, acho que isso mais uma vez remete ao Apartheid, à segregação; o segundo é realmente o caráter histórico, até 1950, Zumbi dos Palmares, que é o sujeito homenageado nessa data, era visto pela maior parte dos historiadores sob um olhar de desconfiança, porque não se sabia muito sobre ele, mas todas as evidencias levavam a crer que ele também era um figura totalitária, até por conta do contexto em que ele vivia, e ele usava desse sistema ditatorial para governar os quilombos, escravizando, inclusive, outros negros, como acontecia em países da África. Portanto, o Zumbi é uma figura muito controversa, que não representa a libertação dos negros, e só passou a ser visto como um herói nacional a partir da década de 50, sob uma visão do historiador Darci Ribeiro, que tentou colocar Zumbi dos Palmares como um exemplo de “socialismo que deu certo” antes de seu tempo, o que não é verdade. Então, por conta da figura homenageada e por conta do próprio nome, sou contra o Dia da Consciência Negra, mas acho que o dia poderia ser transferido para homenagear outra figura, em outra data, com outro nome, como, por exemplo, Luis Gama, que foi um advogado autodidata que libertou mais de 600 escravos, ou a data da abolição da escravatura, que acho que não deveria ter deixado de ser um feriado. CP – A Câmara dos Vereadores possui 55 vereadores, correto? Menos de cinco são negros. Nesse sentido, numa sociedade como o Brasil, como você entende a questão do racismo? FH – Eu acho que o racismo no Brasil possui uma característica interessante se comparado ao racismo americano. O racismo americano é evidente, principalmente por parte do Estado. O período Jim Crow, no sul do país, foi o mais evidente disso, com políticas racistas claras e objetivas. No Brasil, a gente não viu isso, viu isso muito velado por parte do Estado e das pessoas. A gente vê isso ainda hoje no país. Quando você institui um sistema de cotas raciais, seja em concursos públicos ou universidades, você, na verdade, acaba reforçando esse racismo velado porque o negro entrando em determinado local, principalmente nas universidades, obviamente ninguém vai lá fazer uma manifestação contra isso, “Olha lá, o preto entrando aqui, tomando minha vaga”, mas isso vai entrando no chamado inconsciente coletivo, como Durkheim dizia, uma vez enraizado no inconsciente da sociedade, cria-se a impressão de que aquele negro não seria capaz de entrar senão por meio das cotas raciais. Mesmo assim, você não deve se abster de incluir essa população nas universidades e nos concursos. Uma saída para isso seriam as cotas sociais, que levam em conta a classe social das pessoas, sua situação econômica, o estudo na escola pública, que é péssima, e, consequentemente, acaba incluindo o negro que está na maior parte dessa população. CP – Mais precisamente na Câmara dos Vereadores, o ingresso é através do voto popular. Você entende que essa diferença entre a representação do negro e do branco dentro da Câmara é por conta do racismo? FH – Há um argumento favorável às cotas, acho muito interessante, inclusive, que fala da equidade social, que a sociedade brasileira não está acostumada a ver negros em posição de destaque. Isso acontece muito porque grande parte dos negros, isto é, a população mais pobre, tem uma educação pública de péssima qualidade. Acho que um jeito de se resolver isso seria instalando o sistema de vouchers, já existente no Chile, onde, ao invés do Estado administrar essas escolas, ele passa vales de educação para as famílias e elas passam a matricular seus filhos seja em escolas públicas ou privadas, mas passam a ter esse poder de escola; dessa forma você conseguiria fazer com que negros e pobres, de uma forma geral, tivessem uma melhor qualidade de ensino. A partir dessa qualidade de ensino, naturalmente os negros vão começar a alcançar posições de maior destaque e sucesso. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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75%, ou seja, a cada quatro procedimentos, apenas um não gera risco de morte para a mulher. Os dados sobre aborto no Brasil são muito obscuros, já que só são pelo computados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) os procedimentos “legais”, casos em que a prática do aborto não é criminalizada, ou seja, em decorrência de feto anencéfalo, estupro ou quando há risco de vida da mãe, de acordo com o artigo 128 do Código Penal vigente. Um estudo realizado pela Anis – Instituto de Bioética/Universidade de Brasília( UnB), a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), evidenciou números alarmante: no Brasil, são realizados pelos menos 500 mil abortos ao ano; 1500 mulheres morrem durante o procedimento; a cada cinco mulheres entre 18 e 40 anos, pelo menos uma já realizou um aborto. É um assunto muito aberto que demanda, ainda, muito debate. O atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em entrevista ao portal Quebrando o Tabu disse que se os homens engravidassem, a situação do aborto já estaria resolvida há muito tempo. É sobre machismo, é sobre sobrevivência. Transsexualidade – O Brasil é o país que possui a maior parada do orgulho LGBT do mundo, apesar disso, é o país que mais mata transexuais no mundo. Em contraponto, é o país que mais acessa conteúdo pornográfico transsexual no mundo, segundo levantamento realizado pelo site Redtube. A expectativa de vida nacional do Brasil é de 75 anos, a população trans atinge os 35, em média. A legislação penal não acompanha a intensidade que atinge essa esfera da população, tanto que LGBTFobia ainda não é considerado crime. Além de ser um tabu, ser transexual no Brasil é motivo de extremo preconceito. Há dificuldades enormes para conseguir emprego em decorrência da discriminação, de se integrar à sociedade e estudar, por exemplo. Para trazer um sopro de esperança à discussão – além de elevar os níveis de fé na humanidade – a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) se tornou a primeira Instituição brasileira a adotar cotas para homens e mulheres transgênero.
© Fernando Frazão/AG. Brasil
© Instagram/Fernando Holiday
extremamente pertinente e não incentiva o comportamento sexual precoce, pelo contrário, ensina responsabilidade.
Manifestação em prol da desciminalização do abroto
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aborto é um dos tabus mais fortes existentes
na sociedade brasileira.
É uma questão médica, religiosa, jurídica e de escolha, segundo a filósofa, teóloga feminista e freira católica Ivone
Gebara.
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CONTRAPONTO
ensaio fotográfico
Batalha de poesia
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movimento Slam ganha a adesão de um número cada vez maior de jovens que, por meio de poemas declamados, manifestam suas visões de mundo e fazem a denúncia do racismo, do machismo, da homofobia e das condições precárias de vida da imensa maioria da população brasileira. As “batalhas” acontecem em espaços públicos, nas ruas, em todos os locais que possam aglutinar interessados. O movimento, que nasceu nos Estados Unidos, já está bem forte em São Paulo e outras cidades e capitais brasileiras. Por: Gabriela Neves
Competidora ao redor do público
© Fotos: Gabriela Neves
Competidora da batalha
Organizadora desfilando com roupas do Slam
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Competidora ao redor do público
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Competidora da batalha
Jurada anunciando sua nota
Competidora e intérprete de libras
Competidora da batalha
Competidora e intérprete de libras
Público ao final de uma batalha
© Fotos: Gabriela Neves
Competidora da batalha
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amília Lemos, 1921, São Paulo. Este Por: Helena B. Lorga é o ambiente do livro Éramos Seis, escrito por Maria José Dupré, que é tão reaSão Paulo, aos poucos, deixava seu lista e em alguns pontos bem parecido com aspecto interiorano para se tornar uma megaos dias atuais, que parece ser “Fake News” a lópole. Os parentes de Lola, que moravam em informação de que ele é ficção. Vencedor do Itapetininga e vinham visita-la de trem, achavam prêmio Raul Pompéia, na Academia Brasileira a capital cada vez mais sofisticada. O contrário de Letras, foi adaptado para o cinema e teletambém acontecia: quando a família ia para o visão, sempre com grande sucesso. interior, considerava Itapetininga um lugar calmo A autora retrata de forma simples e e confortável. verdadeira a vida de uma família comum de Dupré também mostra com fidelidade São Paulo, da década de 20, que passa por acontecimentos históricos, como por exemplo a dificuldades financeiras, mas também por Revolução de 1932. Nessa ocasião, os filhos de muitas alegrias. Lola vão lutar o conflito e muitas mulheres doam Contado em primeira pessoa por D. suas joias à causa constitucionalista. Apesar dos Lola, ela começa relatando como Júlio, seu rapazes ficarem bem animados em partir para marido, comprou a casa na Avenida Angélica essa luta, também há a tristeza das inúmeras através de várias prestações na Caixa Econômimortes. ca Federal, do qual levaram muitos anos para Dos filhos de Lola, o que mais chama quitar. É lá que cresceram os seus quatro filhos: atenção é o Alfredo, que sempre foi rebelde. Carlos, Alfredo, Isabel e Julinho. Com personaQuando adulto, se dedica ao comunismo, o lidades bem diferentes, cada um contribui ao que incomoda a sua mãe, que era totalmente enredo de forma única e marcante. contrária a essa ideologia. “O melhor ideal é o A vida de Lola sempre girou em torno Éramos seis trabalho, seja qual for. Essa é a mais bela teode sua família. Além de ser dona de casa, Autora: Maria José Dupré ria. Se cada um pensasse assim, o mundo seria também vendia doces e costurava para ajudar Editora: Ática outro”, era o que dizia Lola ao Alfredo. Mas, a pagar as contas. Mas há outros personagens apesar de aconselhar, ela nunca quis interferir que também são de grande destaque, como: os parentes da cidade natal de Lola, em Itapetininga (SP); a rica Tia nas decisões de seus filhos. Depois de dedicar toda a sua vida à família, o término é realista e Emília; a vizinha Genu; a empregada Durvalina, a sogra, etc... Através da Tia Emília, podemos conhecer um pouco mais sobre frio: Lola passa os seus últimos dias sozinha em um asilo de idosos. Seus a história de São Paulo. Ela morava na refinada rua Guaianases, em um quatro filhos tiveram destinos diferentes e alguns familiares já morreram. palacete, onde sempre dava festas para a elite paulistana. Mas também Porém, apesar de ser um final melancólico, do qual só restam lembranças, tinha um grande talento: sabia de cor a árvore genealógica de todas as ele não deixa de ser emocionante! famílias que fundaram a cidade. © Reprodução
RESENHA
Éramos seis: sempre atual
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Roupas Sujas
Por: Isabella Marzolla
© Reprodução
romance, com tintas rústicas, mo gaúcho da década de 1970, como por exemplo, Roupas Sujas (Companhia Das a necessidade da filha mais velha se casar primeiro, Letras, 2017) de Leonardo Brasiliense, conta as que no livro foi um dos conflitos enfrentados pela memórias familiares de um “Brasil profundo” Geni, justamente a primeira filha, que “perdeu a através dos olhos, na maior parte dos capítulos, vez” do casamento para a segunda mais velha. Um do protagonista Antônio, de oito anos. A hisdos grandes conflitos passados pela família no livro tória é ambientada em uma pequena colônia mostra a competição de dois irmãos pelo coração da rural do Rio Grande do Sul, em 1970. mesma moça. Os preconceitos, as inseguranças, as Em uma família tradicional de colonos frustrações e tristezas eram enterrados no fundo da Pedro, o caçula, já nasceu carregando um fardo: cabeça de cada um dos personagens, que o autor não teve tempo de conhecer quem o pariu. retrata serem bem divergentes. Com um pai áspero como a terra batida da Brasiliense descreve os pensamentos ocullavoura, os filhos assumem mais responsabilidatos de cada personagem na história quando ele des, preenchendo a vida simples que a família troca a “visão”/narração de Antônio para seus levava. Antônio limpava espingardas e ajudava a outros irmãos, que se tornam protagonistas em irmã, Valentina, de doze, a cuidar do mais novo, cada capítulo. O autor utiliza-se da idade e da Pedro. Os gêmeos Ferrucio e Estevam auxiliavam personalidade de cada membro da família para o pai no campo, e as duas filhas mais velhas situar o leitor, com uma escrita mais inocente, no cuidavam dos afazeres domésticos. caso do caçula, que com oito anos batalha para O autor explora a personalidade de compreender o mundo e os conflitos que vive cada um dos sete filhos, com a dor, a perda, em casa; ou com a escrita mais rígida e madura a frustração e a tristeza. quando se trata de um irmão adulto. A trama familiar passa por turbulências É no âmago dessa família, por vezes, com perdas, desavenças familiares; que não Roupas Sujas distópico que a trama se passa. Se é na infância parecem gerar grandes expressões sentimenAutor: Leonardo Brasiliense que surgem nossas neuroses, que nossa personatais no lar da família, onde não há espaço Editora: Companhia Das Letras lidade é moldada, onde nos são passados valores para esse tipo de sentimentalidade, como ressaltado pelo autor muitas vezes: “(…) O que não é falado, não deixa e tradições, o autor explora bem esse viés e nos toca o coração. Leonardo Brasiliense ganhou o Prêmio Jabuti com o livro infanto-juvenil de existir” – assim o silêncio prevalece, prendendo tensões e anseios Adeus Conto de Fadas (7Letras) em 2006 e por Três Dúvidas (novelas, Comna cabeça dos personagens. Amadurecer em um ambiente tão hostil moldou a identidade, de ma- panhia Das Letras) em 2010, e é um romancista brasileiro com uma escrita neira diferente, para cada filho, que acabaram se tornando adultos amargos. extremamente fluida e que prende o leitor ao abordar de maneira sensível e A atmosfera da situação da família e a colônia evidenciavam o conservadoris- humana questões primordiais que todos passam.
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Desesperança POESIA
© Reprodução: Salvador Dali
Por: Débora Bandeira
Invejo profundamente aquele que ainda acredita, Que se ajoelha com o terço entre os dedos, Que agradece às próprias desgraças Como se fossem presentes divinos Do ser no qual sua fé se debita. Admiro intensamente aquele que sente na boca o azedo e gosta, Que engole o gosto amargo da cachaça e gosta, Que se embebeda e esquece, Que se embriaga e esquece, Que se entorpece e esquece, Que festeja o próprio declínio. Aprecio com certo fascínio, Aquele a quem o estresse incomoda, Mas não surte efeito. Que enaltece as adversidades, porque crê que para tudo se tem jeito. Que comemora e fica satisfeito com cada uma de suas dificuldades, Que resolve todos os problemas com sorriso, otimismo e positividade. Quem dera eu… Eu, que já fui Quixote, Que já enfrentei gigantes, Hoje sou Sancho Pança que enxerga moinhos. Eu, que já vi a cobra dar o bote e engolir elefante, Vejo somente o chapéu de quem já não imagina. De quem já não fantasia, incompreendida. Eu, que queria ser como Maria Que possui essa “mania estranha de ter fé na vida”, Já não sei. Já não sou. Já não sonho.
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Debaixo da luzinha da geladeira, veio-me a seguinte estripulia moral: comê-los ou não?
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erta noite fui a um jantar na companhia de uma amiga – na condição de meio estranho, pois ali conhecia três dos seis banqueteáveis. Ao chegarmos, estranhamente, fomos direto à cozinha. No recinto – perfumado de forma indescritível –, eram preparadas, com demasiado zelo, estas delícias: galeto na laranja, cuscuz marroquino, salada de agrião com tomates cereja, panine com queijo de cabra e pesto de manjericão e, de sobremesa, oh, um merengue desses cinematográficos! Tão bonitos (e gostosos) que chegava a ser um pecado ocular admirá-los ali, mesmo sob a aquiescência da saliva inundando a boca! Logo debandamos da sedutora cozinha para sentarmos à mesa – um tanto desgastada, coberta por uma toalha branca em algum lugar do passado, como tudo ali. Vieram os petiscos – aqueles amendoinzinhos salgados. Deu sede. E logo minha amiga reclamava da bebida, para variar, quente. Ela conhecia a dona da festa. Eram meio amicíssimas – sendo as duas apenas boas conhecidas – e nada mais. Deu-se um instante. Ela me olhou suplicando, talvez com pitadas de ódio à garota. Fiz que não vi, ela se mexeu. Levantou-se da cadeira e me puxou junto. Fomos à cozinha. Meio engalfinhados, sabidos, mesmo não arriscando olhar para trás, dos olhares sagazes de que éramos acometidos pelo pessoal da mesa, risonhos, observando os dois jovens se arrastando em direção às trevas da cozinha. Só iríamos pegar um balde de gelo. Mas o pecado mora ao lado. Ao abrirmos a geladeira demos de cara com oito taças de merengue dispostas simetricamente na prateleira de cima. Minha amiga, espoleta, meteu uma dedada no creme da sobremesa, que ainda quente estava. Por um instante esquecemos do gelo e da confraria – idem glacial, pois tanto o papo quanto a bebida não eram dos melhores – e ficamos lá na cozinha admirando aquele jardim das delícias proibidas, pois como a anfitriã já havia advertido, os merengues só seriam servidos na hora da sobremesa. Oh, os merengues! Não pensamos em nada a não ser no pantagruélico desejo de degustar suspiro por suspiro, ensaiando, a pormenores, um orgasmo culinário concretizado na apreciação da geleia de morango fresca contrastando com o chantilly e vice-versa. Dado o lado bom da história, bem às claras aqui e literalmente, eis que o cronista, momentos depois de voltar da cozinha, viu-se na seguinte estripulia moral: comê-los ou não os comer? Recônditos e refrigerados, os merengues suspiravam em plenitude divina – haja vista aquela luzinha de geladeira. O tempo de gelar o merengue parecia se prolongar por uma eternidade. Atiçados, mesmo assim voltamos à mesa meio ressabiados, sem o balde de gelo. O que levantou dignas suspeitas, um tanto libidinosas. Obsessiva, minha amiga deu uma resposta de pernas curtas – pois se as respostas ruins tivessem corpos como nós humanos, suas pernas seriam tão curtas quanto as da mentira – quando perguntada do balde de gelo: “Esqueci, não sei onde estava com a cabeça”.
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Por: Matheus Lopes Quirino Jorge, outro amigável quase (des)conhecido, soltou um risinho com requintes maliciosos. E eles pareciam não se importar, nem com nossas caras, vermelhas feito aqueles morangos que estavam para gelar. E a amicíssima anfitriã, não satisfeita, perguntou novamente: “E o que você ficou fazendo, então?” – não quis usar a forma plural para não constranger o cronista. Minha amiga respondeu, tão seca quanto o espumante de liquidação: “Nada”. Subiu um clima amargo – por sorte logo disperso pela chegada do galeto à laranja. E Rosamaria, a cozinheira, entrava na sala com a bandeja, cantarolando, baixinho, Carlos Gardel. Um tanto incomodada com a postura de sua amicíssima, minha amiga pôs os talheres de lado, garfo e faca em paralelo, e disparou: “Não como”. Rosamaria fitou-lhe consternada. A anfitriã amicíssima, indignada, novamente indagou a amiga. Percebendo a catapulta fraterna, logo o cronista sugeriu, com toda boa fé para dispersar uma previsível catástrofe: “Vamos pegar gelo”. E novamente levantaram-se os dois em direção à cozinha. Depois de pegarmos o gelo, enfastiada daquele jantar não cordial, a amiga resolveu experimentar uma boa porção do merengue. Dentre as inúmeras gavetas, obsessivos e obstinados, fomos atrás de uma colher para satisfazer nossos desejos espevitados, naquela luxúria cremosa de morangos, suspiros e outras crocâncias que porventura estavam ali contidas. Tiramos uma taça e juntos a degustamos com tanta paixão, como enamorados na noite de núpcias. Cada um estava munido de uma colher, prova máxima, para a posteridade, da nossa não união – para fins flertivos e serelepes. Pois se fôssemos um casal usaríamos apenas uma. Depois de devorar a sobremesa, desta vez chegamos à mesa com o gelo e caras mais aprazíveis. Todos se entreolharam, já sem palavras. Havia um lugar vazio à mesa. Jorge havia ido embora, iria participar de uma maratona na manhã seguinte. Dispensaria a sobremesa. Sentamo-nos, calibrados, procurando, agora, servir um bom papo aos que ali estavam. Jorge foi pela sombra, certamente desgostoso com a nossa ausência. Pela primeira vez no jantar, satisfeitos e absolvidos pelos valores morais dos companheiros, o papo fluiu e, à guisa etílica, flambou. A cozinheira veio segurando uma bandeja com sete merengues! Falávamos mal de Jorge que, graças ao destino, havia ido embora. A anfitriã não percebeu, mas, de olhos cerrados, a cozinheira nos culpava, pois havia visto tudo. Sabia de nossos crimes e pecados ao colocar a colher na sobremesa antes da hora. E para dispersarmos qualquer vã acusação, alongamos o papo, passando a exaltar as qualidades do moço (chocólatra e etc.) que, por ora, havia nos deixado. E como ele devia nos odiar! Rosamaria disse-me, depois, baixinho: “Vocês são dois sortudos”. Comemos cada um uma taça. Deliciosíssimo. Sob os consternados olhos de Rosamaria, disfarçamos, pois fomos pegos no merengue.
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
© Reprodução
CRÔNICA
Pegos no merengue
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ANTENA
Por: Raul Vitor
■ Festival 3i
© Reprodução: Facebook
No dia 10 de novembro, no campus da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em Recife, acontecerá a edição “pocket” do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente. Em sua primeira edição no Nordeste, o evento promoverá uma discussão sobre a cobertura eleitoral, trazendo exemplos bem-sucedidos em termos de financiamento e inovação no jornalismo brasileiro e como os jornalistas enfrentarão futuras coberturas eleitorais. O Festival 3i contará com 3 painéis: A primeira mesa apresentará o tema “Como o Jornalismo Sobreviveu às eleições”, analisando a polarização, o assédio a jornalistas, as fake news e a ética. A mesa conta com a participação de Cristina Tardáguila (Lupa), Beatriz Ivo (Sistema Jornal do Commercio), Saulo Moreira (Tribunal Regional Eleitoral) e Daniela Pinheiro (Época). A mediação é de Natalia Viana (Agência Pública). A segunda mesa discutirá “Como inovar sem milhões de dólares”, a partir do relato de jornalistas e programadores sobre como conseguiram inovar sem grandes investimentos. Integrarão a mesa, Ricardo Brazileiro, do Lab Coco, e Jean Souza, da equipe do aplicativo da Folha/Datafolha Match Eleitoral. A mediação será de Cristina Tardáguila, da Lupa. Por fim, a terceira mesa apresentará “Histórias de sucesso: como viabilizamos projetos de jornalismo e ganhamos financiamento”, buscando entender como realizar projetos prósperos e conseguir
dinheiro para sustentá-lo. A mesa contará com a mediação de Carolina Monteiro (Marco Zero Conteúdo) e a participação de Helena Portilho (Além da Cura) e Giulliana Bianconi (Gênero e Número). O festival ocorreu pela primeira vez em 2017, no Rio de Janeiro, e seguiu pelo país em mais duas edições “pockets” – Belo Horizonte e Porto Alegre. É importante ressaltar que o festival é uma parceria das plataformas Agência Lupa, Agência Pública, BRIO, JOTA, Nexo, Nova Escola, Ponte Jornalismo e Repórter Brasil com o Google News Initiative.
Quem é Ruy Castro? – Nascido em 1949, na cidade de Caratinga, em Minas Gerais, Ruy Castro passou por todos os grandes veículos da imprensa carioca e paulistana. A partir de 1990 dedicou-se aos livros e consagrou-se através de grandes obras biográficas como de Carmem Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. Castro atualmente atua como jornalista, colunista da Folha de S. Paulo, escritor e professor.
■ Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados
© Reprodução: MSF
No dia 10 de novembro, em Porto Alegre (RS), a organização Internacional Médicos Sem Fronteira (MSF) realizará o seminário gratuito “Ajuda Humanitária em Pauta – Como cobrir conflitos armados, desastres naturais e epidemias”. O evento contará com a participação de jornalistas experientes nesse tipo de cobertura e representantes comunitários. Irão palestrar, o jornalista Humberto Trezzi, o especialista em Marketing Social Miguel Pachioni, a diretora de Comunicação do MSF-Brasil, Nira Torres, e o coordenador de Relações com a Imprensa do MSF-Brasil, Paulo Braga. O Seminário de Jornalismo faz parte da série de eventos Conexões MSF, e tem como objetivo compartilhar práticas de campo, entender contextos e conceitos e dar dicas sobre como promover uma cobertura diferenciada. Os eventos Conexões MSF visam, através de atividades gratuitas, como exposições, filmes, debates científicos e debates abertos ao público, conscientizar pessoas sobre as crises humanitárias e sobre o trabalho do MSF.
© Reprodução: Folha
■ Médicos Sem Fronteira
Em São Paulo, nos dias 10 e 11 de novembro, acontecerá, no campus da ESPM, a 3ª edição da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais. Promovido pela Open Knowledge Brasil, em parceria com a Google News Initiative, o evento terá mais de 60 horas de workshops, apresentações e oficinas práticas. É a primeira vez, no Brasil, que o evento será focado em jornalismo de dados e contará com palestrantes convidados internacionais, como: Jeremy Merril, da ProPublica (veículo norte-americano de jornalismo investigativo com dados), Alberto Cairo, referência internacional quando o assunto é visualização de informações, Fernanda Viegas, PhD pelo MIT Media Lab e pesquisadora sênior em inteligência artificial no Google e Neale El-Dash, cientista político fundador do Polling Data.
■ Curso 5x Ruy Castro
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
© Reprodução: CODA
No Rio de Janeiro, o premiado escritor Ruy Castro conduzirá um curso sobre gêneros literários, ao longo do mês de novembro. Através de cinco encontros, que dão nome as aulas, “5x Ruy Castro: Jornalismo, biografia, reconstituição histórica, ficção histórica e crônica”, os alunos encontrarão temas diretamente ligados a produção do professor, como suas reconhecidas produções biográficas. Além disso, os alunos terão acesso a temas como, ciência e a arte da Biografia e a escolha do biografado – quem é e quem não é “biografável”; como se preparar para uma entrevista; a técnica de escrever – macetes, truques e muitas dicas úteis e por que Ruy Castro resolveu biografar Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, e não outras pessoas? Cada módulo custará R$ 250.
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Contra-ataque
Tolo é quem só vê a bola
Por: Gabriel Paes, Henrique Sales Barros, Pedro Gomes e Thiago Félix
Três causos mostram o entrelaçamento entre futebol e política
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protestar.
Não podemos esquecer da fundação do clube, em 1910,
criado por operários que também queriam jogar futebol, até então, um esporte da burguesia”
(Chico Malfitani, jornalista e fundador da
Torcida Organizada Gaviões da Fiel)
Chico é jornalista e publicitário. Em 1977, cobriu para revista VEJA a invasão da PUC-SP:
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Corinthians estampa no uniforme a chamada para eleições diretas de 15 de novembro de 1982, para a escolha do Governador do Estado
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
© CEJIL
José Maria Marin de mãos dadas com Paulo Maluf
Vladimir Herzog, jornalista e um dos mártires da democracia brasileira
© Jorge Araújo/Folhapress
o povo pelo direto de votar e
O envolvimento de Marin no assassinato de Vladimir Herzog – De um lado, se completam 48 anos do brutal assassinato do jornalista Vladimir Herzog, pelo DOI-CODI, no ápice da tortura e violência do período militar no Brasil (1964-1985). Membro do Partido Comunista Brasileiro, Vlado foi uma das vítimas do regime, que não tolerava críticas ou posições ideológicas. Do outro lado está José Maria Marin, preso em dezembro de 2017 pela justiça dos EUA,
sob 6 acusações: conspiração para organização criminosa, fraude financeira nas Copas América, Libertadores e do Brasil e lavagem de dinheiro nas Copas América e Libertadores. Marin era deputado estadual em São Paulo pela ARENA, partido criado para os políticos alinhados com a ditadura militar. Na mesma época, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura, que não expunha os feitos do governo de forma heroica como a propaganda que eles pregavam. A ausência da TV nas principais coberturas da imprensa levantaram as suspeitas de que a emissora estava “tomada pela onda vermelha”. O discurso do então deputado na Alesp, no dia 7 de outubro de 1975, dizia: “Quero fazer um apelo ao senhor governador do Estado: ou o jornalista está errado ou então o jornalista está certo. O que não pode continuar é essa omissão, tanto por parte do senhor secretário de Cultura, como do senhor governador. É preciso mais do que nunca uma providência, a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nesta Casa, mas, principalmente, nos lares paulistanos”, disse Marin naquela sessão, que debatia a “presença de membros de esquerda na TV Cultura”. Em 2013, o então presidente da CBF se mostrou irritadíssimo ao negar qualquer envolvimento no assassinato de Vlado. O fato foi levantado por Juca Kfouri em seu blog no portal UOL, em 2013, e o caso rendeu ao jornalista um processo movido pelo cartola, que deu as seguintes declarações:
© Sidney Corralo/15/05/1982/Estadão Conteúdo
“
Na verdade, o Corinthians é o Povo, e o maior interessado na democracia é o povo. Corinthians e Democracia tem tudo a ver, uma coisa é sinônimo da outra, unir
“Eu estava saindo de casa para jantar, e recebi a ligação da redação da Veja, me falaram que a PUC tinha sido invadida pela PM do Erasmo Dias. Fui correndo para lá, fui um dos primeiros a chegar. Vi a repressão da polícia, os estudantes sendo colocados em fila indiana, colocados num estacionamento que existia em frente à PUC. Todos os alunos estavam sendo colocados ali, todos sentados olhando para o chão, passando num corredor polonês, o Erasmo Dias enlouquecido, babando de ódio, o policias também. Estavam ali para reprimir um congresso da UNE que tinha sido proibido. Muita violência, jogaram bombas, meninas foram queimadas, foi um clima de muito terror”. A Gaviões da Fiel foi a primeira entidade a levantar uma faixa contra a Ditadura Militar em um estádio de Futebol, com os dizeres “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.” Em 28 de agosto de 1979, seis meses depois da faixa da Gaviões da Fiel, a Lei de Anistia foi aprovada por Figueiredo.
© Trecho do filme “Democracia em Preto e Branco”
ombinação Democrática – Nenhum terreno inóspito para a liberdade de ideais e fértil para repressões foi suficiente para impedir o nascimento de um movimento que ajudou a mudar o Corinthians e, acima de tudo, contribuiu para as mudanças no Brasil. Com a saída de Vicente Matheus da presidência do clube paulistano, abriu-se um espaço para a chegada de Waldemar Pires. Além do novo presidente, o clube recebeu um novo gestor do futebol no time, o sociólogo Adilson Monteiro Alves, filho do dirigente Orlando Monteiro Alves. A combinação de um sociólogo comandando o futebol do clube com jogadores politizados e rebeldes – como Dr. Sócrates, Casagrande, Wladimir, Zé Maria e o zagueiro uruguaio Daniel Gonzales – somados à nova presidência de Pires, formaram a combinação perfeita para o nascimento da Democracia Corintiana. Com início no ano de 1982, permaneceu até o final de 1984, depois de conquistar o bicampeonato Paulista de 1982/83. Em termos de futebol e do clube, a Democracia Corintiana deu voz aos jogadores. Eles opinavam nas palestras do técnico, na escalação, na escolha de novos atletas, etc. A concentração e seu conservadorismo era outra pauta importante do clube; foi determinado que casados poderiam ficar fora da concentração, apresentando-se apenas para o almoço. Bebida alcoólica não era mais tabu, todos tinham liberdade para tomar cerveja. Reformando a constituição do clube, Zé Maria, Sócrates e Wladimir tornaram-se conselheiros. Liberdade era o lema. “Gaviões nasceu para combater o Wadih Helu (na época atual presidente do clube), deputado que era do partido Arena (militares), que se elegia sucessivamente usando o prestigio do Corinthians. Foi um movimento da arquibancada para dentro do clube”, diz Chico Malfitani, fundador da Torcida Organizada Gaviões da Fiel. Chico enfatizou a importância da democracia para o Brasil e a influência do Corinthians no Processo:
Gaviões clamam por anistia nas arquibancadas
Novembro 2018
“Estou com a consciência totalmente tranquila. Isso faz parte de uma intriga lançada por um colega seu (Juca Kfouri), e que vai responder na Justiça. Desafio que você me traga um documento em que eu tenha citado alguma vez essa pessoa na minha vida, e que eu tenha feito menção a esses acontecimentos. Se quiser mais detalhes, dou o cartão dos advogados que estão tratando do caso.” Não se posicionar é tomar uma posição. Os constantes elogios ao delegado Sergio Fleury, um dos principais torturadores da ditadura; o posicionamento político no partido que apoiava o regime; esse era o presidente da entidade máxima do futebol brasileiro, durante a segunda copa que sediamos em casa. Ele, Ricardo Teixeira, Carlos Arthur Nuzman e Marco Polo del Nero fazem o superfaturamento dos estádios parecer fichinha. Lembro do programa “Bem Amigos”, do SporTV, em que Galvão Bueno levou Marin para a clássica bajulação nas tevês, em uma das milhões de tentativas da imprensa mainstream de minimizar nossos problemas, reduzir nossa história às 4 linhas e ignorar todo o complexo cenário político do futebol brasileiro. É, acima de tudo, jogar nosso trabalho no lixo. Outro guru do futebol arte, João Saldanha, deu a letra sobre como agir em situações forçadas, como encontros com chefes de estado. Quando o jornalista era treinador da Seleção Brasileira, recebeu a indicação direta do general presidente Médici, para escalar o jogador Dario:
“
É importante que pesquisemos a nossa história. Precisamos saber o que aconteceu para que não sejamos surpreendidos por encontros aparentemente tranquilos, décadas depois de tempos de barbárie que parecem não ter nos ensinado muita coisa. Não podemos deixar a memória de pessoas como Vlado desaparecer. Não podemos ignorar nossa própria história. E, sobretudo, não podemos dissociar política e futebol. Os escândalos de superfaturamento nas obras da copa-14 são, literalmente, a ponta minúscula de um iceberg gigantesco, com raízes na ditadura militar brasileira. Precisamos urgente de um mea culpa, ou então seguiremos reféns dos políticos que – esses sim – mamam nas tetas do estado a vida inteira, sem nunca terem feito nada pelo povo. Quando o pior da política se mistura ao futebol
“
Considero Médici o maior assassino da história do
Brasil. Ele nunca tinha visto o Dario jogar. Aquilo foi uma
imposição só para forçar a barra.
Recusei um convite para jantar com ele em Porto Alegre. Pô, o cara matou amigos meus. Tenho um nome a zelar. Não poderia compactuar com um ser desses” (João Saldanha, jornalista e treinador
© Jorge Araújo/Folhapress
de futebol)
© Reprodução
Sócrates comemora título paulista do Corinthians com a camisa da Democracia Corintiana contra o São Paulo em 1983
Reinaldo: ídolo do Galo e pelo visto esquecido na cabeça de alguns torcedores Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Ô cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar veado”
Tal canto foi entoado por torcedores do Atlético-MG, nas arquibancadas do Mineirão, no clássico ante o Cruzeiro, válido pelo returno do campeonato brasileiro de 2018. O jogo, que reunia duas grandes equipes do futebol brasileiro e teve atuações de destaque dos goleiros de ambos times, acabou ficando em segundo plano graças a este episódio lamentável. Vivemos falando de racismo no futebol, desde as bananas que são arremessadas em jogadores negros, passando pelas imitações de macaco nas arquibancadas, e chegando até o velho estereótipo preconceituoso que sempre aparece em época de Copa do Mundo, de que “as seleções africanas são pura correria” ou “eles têm pouca técnica e organização por virem da África”. O que faz então o torcedor médio brasileiro, que tanto repudia o racismo, entoar cânticos homofóbicos tão lamentáveis? A verdade é que o combate ao racismo no esporte brasileiro é apenas velado. O que mas se escuta é que “se pararmos de falar em racismo, ele some”, como já afirmou o presidente eleito Jair Bolsonaro, ao parafrasear o ator negro Morgan Freeman. Acontece que o americano vem de outra realidade, outra sociedade e, mesmo assim, não concordamos com a fala dele. Inclusive, pensamos que o problema no Brasil se deve ao fato de não termos feito uma série de autocríticas – termo que está na moda – extremamente necessárias para avançarmos como sociedade. A reflexão sobre o período escravocrata e a execução de uma reforma agrária eficaz poderiam ter dado um destino diferente às milhares de favelas brasileiras, em que a maioria do povo é pobre e negro; a historiografia e as comissões da verdade deveriam ter dado luz aos escândalos de corrupção, tortura e barbárie cometidos pelos governos militares; e agora chegamos ao ponto em que precisamos urgentemente de uma política pública eficaz para que o Brasil deixe de ser o país que mais mata LGBT’s no mundo. Certamente com um presidente que já reiterou diversas vezes que “de gay ninguém gosta, no máximo tolera” essa onda de violência não tende a cessar. Seja com gritos de “Bicha!” ou com o clássico “Gaúcho da o c* e fala tchê”, o ato de rebaixar o outro com dizeres homofóbicos infelizmente está longe de acabar no futebol brasileiro. “É brincadeira, pô!”, vão dizer alguns. Brincadeira é você tirar sarro do seu amigo clubista que Novembro 2018
jurou de pés juntos que o time dele ia vencer o jogo ou dar aquela cutucada naquele parente chato que ficou te enchendo o saco a semana inteira e nessa altura do campeonato já está xingando Deus e o mundo depois que o camisa 9 da equipe dele perdeu o possível e o impossível no jogo. Isso que aconteceu nas arquibancadas do Mineirão é outra coisa: é intolerância, é discurso de ódio, é tudo, menos brincadeira sadia. O episódio fica ainda mais grotesco vindo de torcedores de um clube como o Atlético Mineiro, que tem como um de seus ídolos o grande Reinaldo, que se posicionava constantemente – em seu clube e na Seleção Brasileira – contra um regime que Jair Messias Bolsonaro passa pano e defende sem medo. Será que esse pessoal nunca parou pra pensar o porque do punho em riste quando Reinaldo comemorava os gols? O gesto, em alusão ao movimento de resistência dos Panteras Negras, foi repetido na Copa de 1978, na Argentina, que também vivia sob uma ditadura. Se precisamos reviver esse episódio 30 anos depois, alguma coisa deu errado na tentativa de consolidarmos nossa história democrática. Bolsonaro não vai matar “viado”. O problema do presidente do Brasil a partir de 2019 é que ele, por ser quem é e ser popular, acaba sendo um escudo e porta voz dos instintos mais odiosos de uma parcela da população brasileira que, se pudesse, gostaria de ver os homossexuais daqui na mesma situação que os da Chechênia. E quem dera se o problema dessa galera fosse só com os homossexuais: é com os negros que se empoderam, é com as mulheres que se tornam independentes e não aceitam serem submissas, e por aí vai. Nem todo o eleitorado do militar compartilha desse pensamento, mas com certeza todo mundo que compartilha dessas ideias aqui no Brasil adorou poder votar em alguém tão representativo ao posto mais alto da política brasileira. Bolsonaro tomar posse como presidente é quase uma carta branca com firma reconhecida e tudo para esse pessoal agir fora da lei contra qualquer coisa que ofenda a moral e os bons costumes da família tradicional brasileira, seja lá o que isso quer dizer. Afinal, se o presidente do Brasil está conosco, quem irá se opor? Vale aproveitar esse ambiente para falar de uma proposta do próprio Bolsonaro em relação a segurança pública que cai bem nessa questão: “Policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude. Nós brasileiros precisamos garantir e reconhecer que a vida de um policial vale muito e seu trabalho será lembrado por todos nós! Pela Nação Brasileira!”. Em outras palavras, é dar salvo conduto para matar, é dar um poder perigoso para uma instituição que se suja todo dia de “casos isolados”. É fazer com que crimes permaneçam impunes. Soa no mínimo contraditório com quem reclamou por tanto tempo de um possível indulto ao Lula, caso o PT ganhasse as eleições. Pedro Aleixo disse no longínquo ano de 1968, se referindo a promulgação do AI-5, algo que vale a pena ser replicado aqui 50 anos depois: “Não tenho nenhum receio em relação ao presidente. Meu medo mesmo é do guarda da esquina”. Cabe a nós, amantes do futebol e defensores da tolerância, fazer desse esporte um ambiente onde ninguém precise temer o “guarda da esquina” que, nesse caso em específico, se veste de torcedor.
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Jornal Laboratรณrio do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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