JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO
Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP
ANO 16
N0 106 Outubro 2016
E D I T O R I A L Violência nas manifestações
Reitor
As manifestações com os gritos:“Fora Temer” e “Diretas Já”, apesar da violência que sempre pautam as notícias da mídia, continuam crescendo e se reverberando. Em manifestações pacíficas, e sem motivo aparente, a PM dispara bombas, não raro já no fim dos protestos, quando as pessoas já estão se dispersando. Por que nessas manifestações - diferentemente do verificado nas pró-impeachment, meses atrás, na Paulista – a PM usou balas de borracha e bombas e foram noticiadas pela mídia, como violentas? Há algo muito errado com um país, quando a polícia perde sua função de proteção e passa a utilizar meios de agressão nos cidadãos, que independente de suas ideologias políticas, tentam se manifestar. Argumentam-se que nessas manifestações, os black blocs agem com violência. As manifestações seriam violentas, porque um grupo de pessoas mascaradas destrói bancos, locais públicos. Muitos meios de comunicação se manifestaram a favor da intensificação da repressão policial. Esses defensores são contra os ataques ao patrimônio, mas se esquecem da violência da polícia contra as pessoas que ali estão. É crime destruir bancos, mas não é crime o fato de pessoas serem agredidos e presas pela arbitrariedade policial? Não só black Blocs, mas manifestantes e jornalistas. Concordando ou não, com a ação de depredação dos black blocs, é necessário conhece-los. Os black blocs são na maioria jovens da periferia. Sofrem com a exclusão de um Estado que não lhes proporciona oportunidades e os mantem sempre a margem, como se não fizessem parte da sociedade. Sofrem com a repressão policial dentro das favelas, e são apontados como bandidos, assassinos, traficantes. Muitos deles, usam das manifestações, o centro da cidade e quando a mídia está disposta a noticiar, para chamarem atenção para a realidade em que vivem. No momento em que a mídia só consegue dar destaque a manifestações violentas, mais violentas elas se tornarão. Essa é a tese de David Graeber, professor de Antropologia da London School of Economics. “Sem uma imprensa e livre e atuante, as manifestações não violentas, são ignoradas”. O problema da violência das manifestações, não é assim apontar quem são os maus e bonzinhos da história-Para a mídia, os bons policiais e os maus black blocs, como para muitos manifestantes, os bons são os black blocs e a polícia os maus- é a própria violência como única forma de resolver nossos conflitos ideológicos, as injustiças, a própria violência e as inúmeras formas de desigualdade. Como público, nós mantemos o mercado de notícias violentas, como usamos argumentos ideológicos para apoiar qualquer tipo de violência. Estamos falando de qualquer tipo de violência, simbólica, contra pessoas e contra o patrimônio, mesmo que material. Nossa democracia – o Estado democrático de direito brasileiro – realmente está muito doente. Parece que não conseguimos encontrar outros caminhos de melhorias, sem ser de forma violenta. Por isso talvez, o mal do nosso século será os discursos de ódio. O próprio Estado mantém a violência, como forma de nos calar e de nos fazer cegos. Essa violência estimulada, só enfraquece o real motivo das manifestações, que é realmente se manifestar, exigir o que queremos a um Estado que não nos representa. Pessoas que gostariam de estar em manifestações, muitas vezes não o fazem. Tem medo de ambas a violência, uma violência cruel que pode nos cegar, literalmente.
SUMÁRIO
contemporaneidade
Lugar de fala é saber ouvir
pág. 3
sociedade
A influência social do funk
pág. 4
esporte
Os desafios de ser Paralímpico
pág. 6
biopolítica
Geração 2.0 e a utopia da saúde perfeita
pág. 8
tecnologia
Da realidade virtual para a vida real
pág. 9
ensaio fotográfico
!Fuera Temer!
pág. 12
semana de jornalismo
Uma profissão, múltiplos caminhos
pág. 14
política
A cultura da violência na era Temer
pág. 16
como na ditadura
Exército infiltra agente no Tinder para “mapear” manifestantes
pág. 17
cinema
A vida em 20 minutos
pág. 18
música
O samba pede passagem
pág. 21
Resenha
O sonho Trotski e o pesadelo Stalin
pág. 22
Crônica
Triste mundo, triste menina
pág. 22
Antena
João Dória é eleito no primeiro turno: PT desmorona como sigla
pág. 23
tuca
Teatro da democracia e da resistência
pág. 24
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CO N T R A P O N TO
PUC Pontifícia Universidade Católica DE SÃO PAULO PUC-SP
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Vice-Reitor
Pró-Reitora de Graduação Pró-Reitor Comunitário
Faculdade de FILOSOFIA, Comunicação, LETRAS e artes faficla
Diretor Márcio Alves da Fonseca Diretora Adjunta Regiane Miranda Nakagawa Chefe do Departamento de Jornalismo Valdir Mengardo Coordenador do Jornalismo Cristiano Burmester Vice-Coordenador do Jornalismo José Salvador Faro
EXPEDIENTE C o n t r a ponto Comitê Laboratorial Luiz Carlos Ramos, Rachel Balsalobre, Salomon Cytrynowicz, Wladyr Nader Editor José Arbex Jr. Ombudsman Rodrigo Borges Delfim Secretária de redação André Vieira Secretária de produção Julia Castello Editor(a) de fotografia Leonardo M. Macedo e Juliana Stern Capa: Maria Eduarda Gulman Buenos Aires, Argentina
PUC Simetria Design Gráfico – projeto/editoração Wladimir Senise – Fone: 2309.6321 CONTRAPONTO é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUC-SP. Rua Monte Alegre 984 – Perdizes CEP 05.014-901 – São Paulo – SP Fone: 3670.8205 Número 106 – Outubro de 2016 Cill Press Gráfica e Editora Fone: 993.583.533
Outubro 2016
CONTRAPONTO
Contemporaneidade
Lugar de fala é saber ouvir À medida que a luta contra os preconceitos ganha visibilidade, “especialistas” tentam assumir o protagonismo, em busca de seus 15 minutos de fama
Por: Ana Beatriz Pattoli e Isabel Rabelo
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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© Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Marcha do Orgulho Crespo
Marcha do Orgulho LGBT
Marcha das Mulheres Negras da Mulher (8 de março). Esse dia é o resultado de uma série de fatos, lutas e reivindicações das mulheres por melhores condições de trabalho e direitos sociais e políticos. Já no dia 25 de julho deste ano ocorreu em São Paulo, dentro do movimento feminista a “Marcha das Mulheres Negras”. A data foi escolhida por ser o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, instituído em 1992 no 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas. O objetivo da marcha é protestar contra retrocessos na questão da igualdade racial promovidos pelo governo do Michel Temer, a favor da liberdade sexual e contra lesbofobia. Outro exemplo é a “Marcha do Orgulho LGBT”, que desde 1997, ocupa as ruas da capital paulista, um dos eventos que mais movimenta a cidade. Com o objetivo de unir gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, o evento é mais uma forma de mostrar representatividade, celebrar orgulho e combater o preconceito. A discriminação sofrida por esses grupos é muito grande em nossa sociedade. Desse modo nos deparamos com situações de preconceitos diariamente em locais públicos ou mesmo nas
© Reprodução: Facebook
om o avanço dos movimentos sociais, muitas lutas ganharam voz e espaço na sociedade. Negrxs, mulheres e LGBTTs vêm colocando suas pautas em jogo, contrariando a estrutura branca, patriarcal e cisgênera. Cada vez mais vemos movimentos, principalmente, na rede de grupos considerados minorias lutando por um espaço de igualdade e direitos, quebrando preconceitos impostos a décadas pela sociedade. Hoje, a luta de mulheres contra o machismo, de negros contra o racismo e de LGBTTs contra a fobia LGBTfobia ganham cada vez mais espaço. Os padrões impostos pela sociedade, como cabelos lisos, mulheres magras, entre muitos outros vem sendo derrubados: a autoaceitação e a diversidade tomam lugar. A luta não foi facilitada, mas, com o passar do tempo, o preconceito se tornou mais “perceptível” dando visibilidade ao seu combate. De acordo com a Bruna Mara, estudante de Rádio e TV na Universidade Anhembi Morumbi, militante negra e feminista: “Temos um cenário que atualmente exalta a cultura negra e isso é um progresso graças ao próprio movimento negro. Porém o sistema continua capitalista, racista e consequentemente mantendo brancos no topo das relações de poder. Logo, se você tem a exaltação de uma cultura e a valorização de uma estética relacionada a um grupo de pessoas, o mercado vai se voltar para isso e, consequentemente, promover e ofertar um produto para essa demanda. Por isso, temos ‘Africa’ como apresentação de várias campanhas publicitárias. A questão é que o homem branco sempre foi higienista e sempre se apropriou da cultura do negro”. Os negros, em sua maioria, continuam a ocupar as classes mais baixas da sociedade e são discriminados, regularmente, por aqueles que não aceitam as diversidades. Em relação às mulheres, os LGBTTs e vários outros grupos considerados minorias, como imigrantes, a situação de discriminação se assemelha. O índice de violência contra esses é absurdo e vemos, constantemente, casos de espancamentos e até mortes causadas pelo preconceito. Por isso, a luta se torna tão importante. Por muitas décadas esses grupos, principalmente, os negros não tiveram voz, escondiam ou renegavam sua ancestralidade para não se deparar com tamanho desprezo social. Agora estão alcançando suas autonomias e trazendo representatividade. Antes, buscavam seguir um padrão social, para serem mais aceitos, como alisar o cabelo. Muitas mulheres, hoje, assumem suas diferenças com orgulho, tanto que surgiu um movimento, “Marcha do Orgulho Crespo”, unindo milhares de adeptas. Isso faz com que muitas mulheres, de crianças até as adultas percebam que o cabelo crespo ou enrolado não se trata de uma vergonha, e sim, de uma beleza não representada na mídia tradicional. A Marcha das Mulheres, também. Um movimento com um aspecto mais político, ele mostra a força das mulheres que lutam por seus direitos de igualdade em relação aos homens. A marcha ocorre todos os anos no Dia Internacional
© Reprodução: VICE
C
redes sociais. Em alguns casos, pessoas que concordam com o grupo e o apoiam acabam se exaltando e, portanto, roubando o local de fala. Até onde uma pessoa pode acrescentar na luta de um grupo no qual não faz parte? Por muitas décadas esses grupos foram marginalizados e, agora, ganham força. Tendo alcançado essa autonomia, eles não podem perder a própria representatividade deixando uma pessoa que não entende daquela realidade ter a fala. “O lugar de fala é sobre saber ouvir. Um branco não pode falar para um negro o que é ou não é racismo. Ele pode até se achar solidário com a causa, mas não sofre o preconceito por ser branco”, diz Bruna, que acrescenta: “Acho importante a colaboração de outros, mas se as pessoas querem contribuir na luta contra um sistema de opressão, elas precisam se informar sobre ele e se desconstruir para não reproduzir essas opressões. Reconhecer privilégio é fundamental e isso não significa abrir mão deles. Se você é homem cisgênero dentro de uma sociedade machista, por mais que você saiba disso e ache o machismo algo opressor, você ainda exerce privilégio por ser homem. Não tem como abrir mão disso.” Fernando Morais, estudante de direito da PUC Campinas, gay e negro concorda: “sem sombra de dúvidas é importante sim, tanto para o movimento negro, quanto para o movimento LGBT apoio de pessoas engajadas que queiram somar nessa luta que é diária. O problema é que há muita vaidade e disputa de ego nesse campo e sempre há um absurdo roubo de protagonismo. É muito complicado quando pessoas que não vivenciam uma realidade começam a ocupar espaços com falas que não lhes cabem. Pertence a nós expor e lutar contra a opressão que sofremos.”
Marcha das Mulheres Outubro 2016
CO N T R A P O N TO
CONTRAPONTO
Sociedade
A influência social do funk
Funk como cultura – Há muitas pessoas que acreditam que o funk não incentiva à disseminação da cultura do estupro. Renato Barreiros foi subprefeito de Cidade Tiradentes e durante o tempo em que esteve no cargo olhou para a expressão cultural do funk e implementou políticas públicas acerca do tema. O funk ainda hoje recebe uma conotação negativa de boa parte da população, Renato, porém, vê essa questão de uma forma mais otimista e desmistifica essa
CO N T R A P O N TO
Baile funk como cultura brasileira
Documentário No Fluxo de Renato Barreiros rotulação: “O funk hoje toca em qualquer balada de faculdade frequentada por alunos de classe média alta, ele não está mais só nas comunidades e periferias. Acho que o preconceito ao funk diminuiu muito e pela aceitação popular tende a diminuir mais”. Apesar de estar presente em locais além das periferias, Barreiros acredita que esse estilo musical cumpre um papel que já foi do samba – dar voz à periferia através da manifestação por meio das letras das músicas. Renato crê que os jovens gostam de funk porque “por juntar a música eletrônica com um ritmo brasileiro e letras em português, caiu no gosto dos jovens. No caso dos bailes funk de rua, essa é muitas vezes a única diversão noturna dos jovens na periferia. Como no interior desde muito tempo atrás os jovens se reuniam nas praças, com violão para ouvir música. Hoje a dinâmica é a mesma, mas com as redes sociais junta muito mais gente e o violão foi substituído por equipamentos de som de alta potência que ficam nos carros”. Sobre o teor sexual de boa parte das músicas funk. Renato Barreiros é categórico: “músicas com conteúdo sexual explícito devem
“
Já presenciei meninos e meninas de quatro anos
de idade dançando da mesma
forma que mulheres adultas dançam em bailes funk.
A
inocência da infância dura pouco tempo e dá lugar à cultura do funk, na qual as crianças fazem gestos e danças que não sabem nem o que significa”
(Professora de educação infantil, Silvana Oliveira)
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
© Fernando Torres/reprodução revistalouge.com.br
movimento surgiu nas favelas do Rio de Janeiro, na década de 70. Se diferenciando do funk nos Estados Unidos, DJs buscaram introduzir outros ritmos musicais negros, que têm influência direta do Miami bass e do freestyle. Começaram então a surgir os chamados “bailes da pesada”, que hoje são os famosos “Bailes funk” ou “Pancadões”. Inicialmente, nos anos 80, o ritmo era tocado em subúrbios da cidade do Rio de Janeiro, que foi levado para as ruas, onde equipes rivais dispunham de aparelhos de som potentes e disputavam os melhores grupos e DJs. Com o tempo o funk, engajado, trouxe às comunidades carentes um movimento que mostrava a vida cotidiana dos moradores da favela, abordando a violência e a pobreza presente nesses lugares. Em 90, o funk carioca, usando apenas as batidas do Miami bass, cria sua identidade nacional no Brasil. Suas letras passaram a refletir o dia-a-dia da favela, que eram promovidos em concursos de rap. A frequência dos bailes aumentou, e o preconceito começou a surgir. Já nos anos 2000, foi criada uma lei que regulamentava o acontecimento dos bailes. Surgem então os revolucionários da musica, como o grupo de pagode É o Tchan, que dedicou um álbum inteiro a esse ritmo musical, Tati QuebraBarracos que se tornou símbolo da resistência feminina. Nessa época, o estilo musical passou a ter conotação erótica, com letras sensuais, e muitas vezes vulgares, e com a temática denominada de “Pancadão” ou “Tamborzão”, com rimas fáceis e batidas contagiantes. O funk passou a ser usado como forma de chamar a atenção para a comunidade pobre que habitam as favelas, com letras que mostram as dificuldades passada pelos moradores, descobrindo talentos da música escondidos nesses locais. Mas alguns dizem que a música trouxe uma distorção da cultura brasileira, devido a suas letras, incentivando o brasileiro a buscar formas ilícitas de se divertir, como o uso de drogas e a prostituição. Ultimamente o funk vem sendo extremamente criticado pelas classes mais altas, afirmando não ser cultural. Mas em 2009 foi elaborado um projeto de lei pelos deputados Marcelo Freixo (PSOL) e Paulo Melo (PMDB), que foi aprovado e agora o funk é um patrimônio cultural. O funk vem evoluindo a cada ano, se adaptando a forma como a sociedade vive. Hoje vemos cantoras revolucionárias e feministas como Ludmilla, Valesca Popuzuda, Anitta, entre outras. Temos acesso a todos os tipos de funk, com letras mais leves e sem conotações eróticas.
© Reprodução: vangoomusic.com
O
Expressão cultural das periferias, modismo que incentiva o consumo ou propagador de práticas machistas e sexistas? O movimento coloca grandes indagações, especialmente para a juventude brasileira
© Reprodução: Vice
Por: Marina Benini e Thalita Archangelo
Baile do Dennis recebe atores e cantores ser escutadas de acordo com os critérios de classificação etária do Ministério da Justiça”. Ele ainda justifica que “as letras são feitas por jovens que ainda tem uma visão imatura do sexo, e pelo sexo ser uma coisa nova na vida deles é que eles ainda não sabem lidar, fazem esse tipo de letras e escutam essas músicas. Para o ex-subprefeito, é importante frisar que a escola e o poder público têm que cumprir seu papel educativo dando condições para que o jovem tenha discernimento. Ele ainda pontua que “o discurso de que músicas, jogos ou filmes influenciam de maneira determinante o comportamento das pessoas e por isso devem ser proibidas é muito complicado, pois pode trazer de volta à censura moral como existia na época da ditadura militar” e defende que deveria haver uma classificação etária definindo o conteúdo a ser consumido por crianças e adolescentes. Renato ainda lembra de um episódio em particular “o caso do massacre no Instituto Columbine nos Estados Unidos onde dois estudantes mataram mais de dez pessoas, a direita radical americana tentou imputar a culpa da tragédia ao cantor Marilyn Manson, uma vez que os estudantes eram fãs de suas músicas, mas essa teoria de que os crimes ocorreram por causa das músicas não tem base sólida”. Nas discussões sobre cultura do estupro, o funk costuma estar presente na maior parte delas. Isso porque muito se discute quanto ao teor das letras que muitas vezes contém apelo sexual e diminuição da mulher. Para Renato Barreiros, no entanto , isso não procede, já que segundo ele “o funk é uma música adolescente feita por adolescentes e para adolescentes e por isso muitas vezes trata o sexo de maneira imatura, muitas vezes coloca um discurso de ‘eu sou mais potente, mais sedutor, mais insaciável’ que na minha visão é imatura.” Ele ainda acha importante ressaltar “uma música não deve ser levada a sério, é uma construção artística e em boa parte das letras é uma ficção que, no caso do funk, os jovens ouvem para se divertir despretensiosamente e não para balizarem sua moral ou ética e menos ainda como instrumento de formação Outubro 2016
“No fluxo”, é colocada a questão da paquera. Quando indagado se notou excessos da juventude na abordagem, Renato declarou que a relação entre os jovens é a mesma do que em qualquer balada. Em geral, as pessoas que gostam de funk defendem que esse gênero musical é somente uma forma de diversão. Brenda Sinsen, 15 anos, acredita que as letras e as danças do funk não contribuem com a cultura do estupro e que de fato existem certas músicas que fazem com que algumas mulheres se sintam desconfortáveis. Brenda ainda declarou que costuma cantar, mas que não dança e não frequenta bailes funk, pois infelizmente não tem permissão da mãe. Ela escuta funk desde os 10 anos de idade e, segundo ela, o que a faz escutar funk é a batida. Fomento à cultura do estupro – Cultura é todo aquele comportamento do ser humano que é tratado como natural pela sociedade. A cultura do estupro está relacionada a qualquer tipo de violência sexual à mulher. Ela se caracteriza por naturalizar essa violação ao direito da mesma sobre o próprio corpo, inferiorizando-a, tratando como objeto de desejo sexual. Nos anos 70 essa expressão foi criada para indicar um ambiente que fosse propício para tais acontecimentos, no qual, geralmente a culpa para a ocorrência dessas atrocidades é da própria mulher.
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ou educação.” Para Renato, “quem não ouve funk corriqueiramente leva o funk muito mais a sério do que quem ouve. Algumas mulheres podem não gostar e por isso não ouvem, como em outros estilos musicais”. Sobre a possível ligação do funk e de casos de estupro, como aconteceu no final do mês de maio deste ano no Rio de Janeiro onde uma jovem de 16 anos foi vítima de um estupro coletivo depois de frequentar um baile funk, Renato Barreiros afirma que desconhece dados oficiais que comprovem a frequência de casos de estupro em bailes funk e que o único dado concreto que reconhece é de que 70% dos casos de estupro são praticados principalmente por pais, padrastos, namorados e “amigos” da vítima, dado presente em uma matéria da BBC Brasil (http://www.bbc.com/portuguese/brasil36401054). Ainda sobre os casos de estupro, Renato afirma: “não vejo relação com nenhum tipo de música e sim uma relação com certeza de impunidade, uma vez que contam com o medo da vítima, que pela matéria da BBC são na maioria jovens e crianças, em denunciar. O estupro é o crime mais covarde”. Renato Barreiros, que também é produtor cultural, já lançou dois documentários que abordam temas relacionados ao funk – “Funk O$tentação” que trata mais especificamente desse gênero e “No fluxo” que traz um panorama sobre os bailes funk. Em certo momento de
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Charge que coloca em questão a legitimidade do funk como manifestação cultural
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Crítica irônica à culpabilização que o funk carrega acerca dos problemas sociais
Garotos da periferia dançando funk
“
O funk hoje toca em qualquer balada de faculdade frequentada por alunos de classe média alta, ele não está mais só nas comunidades e periferias. Acho que o
preconceito ao funk diminuiu muito e pela aceitação popular tende a diminuir mais”
Uma pesquisa feita pela DataFolha, revela que 30% da população, mesmo entre as mulheres, diz que a culpa é da vítima por ter se permitido ser estuprada. Sendo a mulher culpada por estar usando roupas inapropriadas, saindo sozinha na rua à noite ou se portando de forma inadequada. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. O funk é visto como incentivo devido a suas letras erotizadas, que mostram a sexualidade de forma explícita, mesmo as letras não demonstrando inconsciência da mulher. O funk não é visto com tanto otimismo por muitas pessoas. Para a professora de educação infantil Silvana Oliveira, 50, a juventude gosta tanto de funk porque não é apresentado aos jovens opções mais apropriadas para sua faixa etária, uma falha do Estado segundo ela. Ela reconhece, no entanto que pela maneira contagiante que é tocado, muitas outras pessoas, inclusive a classe média gostam do ritmo. Apesar disso, a professora ressalta que o funk ainda é muito associado à periferia porque a classe média não quer ter sua reputação ligada à coisas negativas dos bailes funk como, por exemplo o uso de drogas, muito velado na alta sociedade. Para a professora, o conteúdo sexual das letras gera algo muito precoce em crianças e adolescentes. Ela relata que na comunidade em que trabalha, por exemplo, muitas crianças convivem com funk diariamente e apresentam comportamentos não condizentes com sua idade – “já presenciei meninos e meninas de quatro anos de idade dançando da mesma forma que mulheres adultas dançam em bailes funk. A inocência da infância dura pouco tempo e dá lugar à cultura do funk, na qual as crianças fazem gestos e danças que não sabem nem o que significa”. Silvana ainda pontua que a diminuição da mulher é evidente na maioria das músicas – “é como se as letras dessem a entender algo que na verdade a mulher não quer e não permite”. A professora ainda afirma que “não posso afirmar que ocorram casos de estupro com frequência em bailes funk, mas posso afirmar que a cultura do estupro é alimentada ali”. Ela lamenta que os jovens da periferia não recebam incentivo para se expressar de outra forma, mas valido que hoje o funk é um dos meios que a periferia encontrou para se pronunciar e que muda a todo momento acompanhando as mudanças da sociedade”. Para Vithoria Xavier, 15, o que a faz escutar funk há pelo menos cinco anos é a forma envolvente do ritmo. Ela costuma frequentar bailes funk que são promovidos na rua e pontua que o rítmo musical é uma expressão cultural que muitos consomem, inclusive crianças, e por isso não concorda com músicas que tenham palavrões e expressões excessivamente sexuais. Segundo Vithoria, “a maneira que algumas meninas dançam é muito vulgar, chama muito a atenção principalmente dos homens, e elas gostam, então o funk acaba contribuindo com a cultura do estupro”. É preciso ter um olhar crítico quanto a forma com que a expressão cultural está acontecendo. As letras com palavrões e termos explicitamente sexuais que chegam a todos, inclusive crianças, devem receber maior atenção quanto à sua circulação. No entanto, segundo Adorno e Horkheimer, filósofos alemães estudiosos da indústria cultura, “faz parte da cultura, tudo aquilo que seja coerente para si mesmo e em conjunto”. Partindo desse pressuposto, não se pode ignorar a presença do funk na construção cultural dos indivíduos.
(Renato Barreiros que foi subprefeito de Cidade Tiradentes) Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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CONTRAPONTO
Esporte
Os desafios de ser Paralímpico Atletas portadores de deficiência sofrem com desafios diários dentro e fora das arenas, mas seus dramas não adquirem visibilidade comparável à conferida aos olímpicos
Por: Beatriz Gimenez, Marina Benini e Leticia Sepulveda
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Registro dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga
Olimpíadas, havendo problemas de acessibilidade aos locais de competição, uma vez que ainda não havia tanto empenho do Comitê Olímpico Internacional (COI) em preparar a organização das competições. Nestes anos, o evento mudou da Cidade do México para Tel Aviv, Israel, e de Munique para Heidelberg, Alemanha. Além disso, 1972 foi o ano em que o Brasil passou a enviar atletas para o evento. A partir de 1982 iniciou-se um período de rápida evolução, sendo primeiro criado o Comitê Internacional Co-coordenador de Esportes para Deficientes no Mundo (ICC) com o objetivo de unir os jogos paralímpicos com entidades ligadas a pessoas com deficiência. Os Jogos de Seul, em 1988, foram um marco para a Paralimpíada, uma vez que o evento foi expandido para 17 esportes, os quais passaram a ter um sistema de classifica-
Há esportes que
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s primeiros jogos olímpicos surgiram na Grécia Antiga, século VIII, na cidade de Olímpia, de onde foi derivado o nome “Olimpíadas”. Mas e as Paralimpíadas? Em 1888, em Berlim, na Alemanha, já existiam clubes que promoviam a prática de esportes para deficientes auditivos e em 1920, modalidades como atletismo e natação começaram a ter a participação de cegos. Enquanto isso, os deficientes físicos eram deixados de lado. Com vida considerada de curta duração e de má qualidade, não havia grandes esforços na reabilitação de amputados ou paralíticos até a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939. Ludwig Guttmann era um neurologista e neurocirurgião alemão de origem judia que, no início da Grande Guerra, fugiu com sua família da Alemanha nazista rumo a Inglaterra e passou a trabalhar na Universidade de Oxford. Em 1943, o médico tornou-se chefe do Centro Nacional de Traumatismos, focado em traumas medulares (atual Centro Nacional de Lesões na Coluna), a convite do governo britânico no Hospital Stoke Mandeville, de modo a ajudar na recuperação de soldados que serviram na guerra. Assim, com o objetivo de inovar no campo da reabilitação e dar uma nova oportunidade aos seus pacientes, Guttmann uniu o esporte ao tratamento, introduzindo o basquete, tiro com arco, dardos e bilhar no próprio jardim do hospital, o que foi um empurrão inicial para a adaptação dessas modalidades para o público deficiente. Em 28 de julho de 1948, no mesmo dia que começaram os jogos olímpicos de Londres, ocorreu o primeiro evento esportivo exclusivo para veteranos de guerra com ferimentos na medula espinal, reunindo 16 atletas (14 homens e 2 mulheres) compondo dois grupos de arqueiros paraplégicos e um jogo de basquete em cadeira de rodas. Os jogos passaram a ser anuais, e no ano de 1952, tornaram-se, também, internacionais com a participação de holandeses e um total de 130 atletas. Estes ficaram conhecidos como Jogos Internacionais de Stoke Mandeville. Oito anos depois, Roma, Itália, recebeu a nona edição dos jogos devido à sugestão de Antonio Maglia, diretor do Centro de Lesionados Medulares de Ostia, juntamente com as Olimpíadas. Contando com a participação de 400 atletas de 23 países diferentes, o evento sediou jogos de tênis de mesa para usuários de cadeira de rodas, tiro com arco, basquete, natação, esgrima e atletismo. Essa edição, assim como em Tóquio, em 1964, o nome “Jogos Internacionais de Stoke Mandeville” se manteve, porém o nome “Paralimpíadas” já era comum, principalmente na mídia. Neste mesmo ano, foi criada a Organização Internacional Esportiva para os Deficientes, a fim de incluir atletas com deficiência visual, membros amputados, paralisia cerebral e paraplégicos. Mesmo assim, nos anos de 1968 e 1972, o evento ainda ocorria em uma cidade diferente daquela reservada às
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O
Coube ao neurologista Ludwig Guttmann a iniciativa de propor os Jogos Paralímpicos ção por tipo e grau de deficiência; a partir desse momento, as Olimpíadas e as Paralimpíadas passaram a ser disputadas na mesma cidade. Em 1989, o ICC passou a atuar como órgão dirigente do movimento paralímpico global, reunindo 167 países, o Comitê Paralímpico Internacional (CPI) foi criado e foi também a primeira vez em que o termo “Paralímpico” foi oficialmente utilizado: “para” como ao lado, significando a parceria intrínseca com os Jogos Olímpicos. Nessa mesma época, teve início a chamada “era moderna” dos Jogos Paralímpicos, em que a organização da competição era feita de forma conjunta com o comitê olímpico, sendo Barcelona, 1992, o primeiro evento com essa característica, e em 2000 a cidade sede da competição deveria passar a incorporar as exigências relativas às Paralimpíadas. Atualmente, existem 23 modalidades, somando mais de 500 provas. Entre os esportes, existem adaptações das mais variadas, com o objetivo de incorporar os atletas ao esporte.
recebem competidores com características diferentes, como natação e atletismo.
Nesses casos,
os concorrentes são separados, dentro da modalidade, pelo grau de deficiência.
Sendo indicados com letras e números. No atletismo, por exemplo, usam-se as letras T (track, em inglês) ou F (de field), que indicam pista ou campo, e os números que mostram o tipo e a intensidade da deficiência,
11 a 13, que são os deficientes visuais.
como
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Modalidades paralímpicas: tipos de atletas – Os jogos apresentam 23 modalidades esportivas, nas quais os atletas com diferentes deficiências podem participar de um mesmo esporte. A classificação é feita de forma que haja equilíbrio entre os competidores da mesma modalidade esportiva. O objetivo é garantir a igualdade, de forma que os concorrentes não sejam favorecidos diante de seus rivais. A classificação dos atletas é feita por um grupo de profissionais na área do esporte, além de médicos e fisioterapeutas, que analisam a lesão ou patologia do competidor, seu potencial, considerando suas limitações. Essas avaliações são supervisionadas pela Federação Internacional, que são revisadas periodicamente, que pode mudar o atleta de categoria. É feita assim a divisão dos atletas paralímpicos mediante a cada deficiência, que são separados entre essas seis classificações: visual, mental, paralisia cerebral, lesão medular, amputados e os chamados “les autres” (“os outros”, Outubro 2016
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Jogadores de futebol de 5 com suas medalhas de ouro dos Jogos Paralímpicos Rio 2016
© Imagem cedida por Viicius Tranchezzi
A vida do deficiente dentro e fora do esporte – Os portadores de deficiências físicas, mentais, visuais, auditivas e entre muitas outras, enfrentam as dificuldades da precariedade de nosso país em relação às adaptações necessárias para que seu cotidiano não encontre desafios. Há a falta de rampas nos edifícios e nas ruas para o melhor acesso dos cadeirantes, assim como em muitos ônibus não ocorre a instalação de elevadores e locais reservados para as pessoas com muletas; há falta de pisos táteis para o auxílio de deficientes visuais e existem pouquíssimos semáforos sonoros para orientá-los nas travessias entre ruas e avenidas. O governo de Michel Temer não promete melhoras para essa situação e nem para a saúde dos portadores de alguma deficiência, uma vez que visa implantar a PEC 241/16, a qual tem a proposta de congelar os gastos públicos por 20 anos, período em que o dinheiro economizado será destinado para o pagamento da dívida pública, que atualmente consome quase metade do orçamento brasileiro, ou seja, os gastos com a
saúde diminuirão drasticamente, caso a proposta seja aprovada. Os brasileiros se mostram resistentes em adotar medidas que previnem acidentes e ferimentos graves. Na cidade de São Paulo, apesar de a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) ter constatado que os acidentes com vítimas tiveram queda de 36% com a redução das velocidades nas marginais Tietê e Pinheiros em apenas dois meses de aplicação da redução, grande parte dos paulistas se mostram relutantes com a mudança, a qual ajudaria a evitar acidentes mais graves, com sequelas irreversíveis. Segundo dados do CPB (Comitê Paralímpico do Brasil), um em cada cinco atletas do Brasil nas Paralimpíadas foi vítima de acidente de trânsito. Nosso país está longe de apresentar condições satisfatórias para a vida e o cotidiano dos portadores de deficiências. Apesar de ser um meio importante para a inserção social, nosso esporte adaptado enfrenta a falta de patrocínio
e incentivo. Tiago da Silva, craque da nossa seleção de futebol de 5 é a prova que o esporte muda a vida das pessoas e que deveria ser mais incentivado, ele explica: ”Depois que entrei para o esporte minha vida mudou, as pessoas não me olham com pena, me veem como um atleta de verdade”. Ambos, Tiago e Vinícius, ganharam ouro pela seleção brasileira de futebol de 5. A visibilidade do esporte paralímpico – O Contraponto entrevistou duas jovens estudantes que acompanharam os jogos paralímpicos, ambas conseguiram perceber a falta de incentivo ao esporte e a pouca atenção que os jogos receberam da mídia. Luiza Lavezzo, estudante de 18 anos, explicou: “percebi que havia poucas pessoas nos estádios, menos divulgação em relação às olimpíadas. Mesmo quando já tinham acabado, eu vi muita divulgação dos jogos olímpicos”. Rafaela Mileo, estudante de 19 anos, explicou suas impressões: “gostei muito das paralimpíadas, o Centro Paralímpico estava cheio, vi muitas excursões de crianças estudantes de escolas estaduais do Rio de Janeiro indo ver os jogos, gostei muito disso. Como os preços dos ingressos eram mais baratos, eles receberam um público bem mais diversificado, gostei do que vi. Mas a repercussão dos jogos paralímpicos é horrível no nosso país, o Brasil ganhou várias medalhas de ouro e quase ninguém ficou sabendo disso. Acho que os jogos deveriam ter sido mais televisionados”. Como solução para essa realidade de pouca valorização dos jogos paralímpicos, podese ressaltar a mídia, a qual poderia ter uma cobertura mais ampla dos jogos do evento, além de transmiti-los fora do período paralímpico. A emissora “SporTV”, colocou à disposição 16 canais nos jogos Olímpicos, enquanto que nas Paralimpíadas, disponibilizou apenas 2. Além disso, as emissoras abertas ignoraram a abertura dos jogos paralímpicos. Nenhum dos nossos canais abertos exibiu a cerimônia em tempo real, alguns exibiram os principais momentos em horário alternativo, outros nem isso fizeram, a ignoraram completamente. Os atletas concordam que se as grandes emissoras fizessem uma cobertura mais ampla dos jogos, teriam mais incentivo. Ambos também acreditam que o principal legado dos jogos Rio 2016 pode ser a maior visibilidade dos esportes adaptados e de seus atletas. © Reprodução: noticias.bol.uol.com.br
em francês), que não podem ser colocados nessas cinco categorias. Há esportes que recebem competidores com características diferentes, como natação e atletismo. Nesses casos, os concorrentes são separados, dentro da modalidade, pelo grau de deficiência. Sendo indicados com letras e números. No atletismo, por exemplo, usam-se as letras T (track, em inglês) ou F (de field), que indicam pista ou campo, e os números que mostram o tipo e a intensidade da deficiência, como 11 a 13, que são os deficientes visuais. Algumas modalidades são voltadas apenas a jogadores com tipos específicos de deficiência, como basquete de cadeira de rodas, em que apenas homens e mulheres com habilidades motoras limitadas jogam, utilizado um critério similar no voleibol sentado. Enquanto no futebol de 5, competem apenas deficientes visuais, com exceção do goleiro, no qual os jogadores são guiados por guizos internos, e por um chamador que os auxilia a direcionar a bola, os torcedores, portanto devem permanecer em silêncio. Tiago da Silva, de 20 anos é um dos jogadores mais importantes da seleção brasileira de futebol de 5. Ele, que nasceu com miopia e aos 5 anos de idade sofreu um grave deslocamento na retina, hoje joga como titular. Em entrevista, Tiago conta “como toda criança, sempre quis ser jogador de futebol, mas fiz outros esportes, como natação e atletismo, que é um esporte específico para quem é cego. Com cinco anos, quando entrei para o instituto de cegos, descobri que o futebol adaptado existia mesmo, dois colegas meus, no final de 2009, me chamaram para a associação lá de Curitiba. A partir daí eu comecei a competir em 2010, e em 2013 fui convocado para fazer parte da Seleção Brasileira, que estou até hoje e me dedico só ao futebol”. Vinicius (23), o goleiro da seleção, conta que sempre teve contato com o futebol convencional, e sempre sonhou em seguir carreira no esporte, mas aos 15 anos optou pelos estudos, até que em 2009, foi apresentado ao futebol de 5 e ficou surpreso, pois não tinha conhecimento de que os cegos também jogavam bola.
Vinícius e Tiago em treino da Seleção Brasileira de Futebol Paralímpico
Outubro 2016
CO N T R A P O N TO
CONTRAPONTO
Biopolítica
Geração 2.0 e a utopia da saúde perfeita Ditadura do corpo eficaz lota as academias, cria uma indústria global bilionária e alimenta a ansiedade e a depressão
Por: Natália Novais
CO N T R A P O N TO
© Reprodução: Saúde em Dia
© Reprodução: Samp
Jovens são maioria em busca pela saúde perfeita
© Reprodução: Blog Smart Fit
domínio do próprio corpo é a mais forte expressão de controle do homem sobre o mundo. Desde a antiguidade as mais diferentes civilizações tem a saúde como uma das preocupações centrais para atingir o desenvolvimento e progresso. Com a medicina moderna, ficou mais fácil identificar os males que atingiam o ser humano. No livro A saúde perfeita – Crítica de uma nova utopia o autor Lucien Sfez, faz uma análise antropológica sobre a obsessão das sociedades contemporâneas na busca do controle do próprio corpo e sua relação com conceitos como vaidade, aceitação social e eugenia. Após concluir estudos sobre o assunto em países como Estados Unidos, Canadá, França e Japão o escritor conclui que a busca incessante por uma saúde perfeita criou um quadro patológico na comunidade levando a síndromes próprias da era moderna. Este comportamento está conectado com questões que acompanham o homem desde os primórdios, segundo ele “a procura por um padrão de vida livre de doenças fez com que as pessoas conectassem o termo felicidade a um imaginário coletivo”. A obra debate ainda questões psicológicas como fracasso, disciplina e força de vontade que estariam ligados a ser ou não uma pessoa saudável, desvitalizando assim seu verdadeiro sentido criando então utopias e metas inatingíveis. O comportamento social que hoje tende buscar a superação dos limites biológicos do próprio corpo, para Sfez remete à ideia dedutiva do fim de todos os sofrimentos do homem. Com a chegada do novo milênio o culto ao corpo se intensificou, revelando o consumo cultural como principal fonte que alimenta toda uma estética e consequentemente uma indústria que cobre este segmento. A mídia também é coautora deste desenho de padrões, revistas como Corpo à Corpo e Boa Forma foram criadas em meados da década de 80, exatamente em um momento onde houve expansão dos meios de comunicação e principalmente a massificação da televisão. Um levantamento feito pelo Sebrae aponta que nos últimos três anos o número de academias cresceu em 29% na cidade de São Paulo, os dados ilustram a preocupação das pessoas com o aspecto físico. Já outra pesquisa realizada pela Mintel, empresa especializada em análises de tendências do mercado, indica que o consumo de suplementos e vitaminas sintéticas registrou um aumento em mais de 102% nos últimos cinco anos. O curioso em ambas as pesquisas é faixa etária apontadas nestes aumentos dos índices, é cada vez mais jovem a parcela da população que busca um estilo mais saudável, com idades que ficam entre os 22 e 34 anos, é esta geração que vem discursando sobre uma vida sadia. Conhecida como geração 2.0, é usado o auxílio da tecnologia para monitorar a saúde e melhorar o desempenho em treinos físicos, aplicativos como o “Vamos beber água” e “Runtastic” estão entre os mais populares baixados na loja do Playstore.
© Reprodução
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Alimentos naturais estão mais presentes nos hábitos alimentares
Número de academias cresceu na cidade de São Paulo
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O excesso de um grande bem torna-se um mal muito grande.” (Jean Pierre-Florian)
O comportamento deste grupo também se reflete nos hábitos alimentares, é crescente o surgimento de lojas especializadas na venda de produtos naturais e receitas de alimentos que não contém glúten.Porém, a maioria não busca acompanhamento nutricional, como a internet oferece uma gama de informações, sites e blogs acabam fazendo o papel dos médicos, mas nem tudo que está na rede é confiável e verídico e o risco dessas pessoas desenvolverem deficiências nutricionais é grande. A psicoterapeuta Andréa Freire professora no Instituto Nacional de Psicanálise afirma que “a ideologia da saúde está relacionada com temáticas como juventude e imortalidade. Manter um estilo de vida mais saudável pode significar para o indivíduo a conquista de objetivos internos que refletem exteriormente na maneira com a qual ele entende o mundo e o conceito de felicidade, seria para ele a cura da velhice, a busca pelo belo”. Segundo ela “ter saúde é bom, o problema é que quando em excesso esta mesma noção faz com que a pessoa projete de forma negativa, excluindo membros que não correspondam ao mesmo arquétipo do grupo, podendo gerar então o que se entende por preconceito”. Outro ponto abordado é que geralmente este indivíduo se penaliza por não alcançar a perfeição, a dificuldade está em entender que ela não existe. Algumas pessoas acabam passam por um processo de auto confinamento quando percebem que não atendem aos modelos préestabelecido e não conseguem alcançar suas metas. Para Andréa “o erro está na associação que se faz em se dizer que felicidade e saúde
andam juntas, um fumante ou uma pessoa que está acima do peso, por exemplo, podem ser plenamente felizes, e isto não tem nada a ver com o estado de saúde delas, embora geralmente se pense desta maneira.”. Campo de estudos como o da biomedicina tem gerado controversas quando o assunto é saúde, com pesquisas que avançam cada vez mais na busca pela prevenção de doenças, a solução apontada parece estar por conta dos genes. O Google X, um grupo da gigante da internet voltado para pesquisas genéticas, começou em 2014 um projeto chamado ‘Baseline Study’ que faz testes e estudos em mais de 174 pessoasvisando estabelecer um mapa genético mais preciso do homem, identificando exatamente possíveis genes defeituosos. O conceito deste estudo esbarra em questões da bioética um tema que há bastante tempo vem sendo discutido no mundo acadêmico. A cruzada da saúde moderna também faz com que grandes corporações se aproveitem do contexto, a influência de companhias farmacêuticas geralmente esta mais ligada a questões de negócios do que de saúde e estão mais associadas a argumentos estéticos do que na ciência propriamente dita. Saúde, bem estar e qualidade de vida refletem os ideais buscados cada vez mais pelas novas gerações. É benéfico que se tome consciência de estabelecer cuidados com a saúde, porém como já dizia o poeta e escritor francês Jean Pierre-Florian: “O excesso de um grande bem torna-se um mal muito grande.”
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Outubro 2016
CONTRAPONTO
Tecnologia
Da realidade virtual para a vida real O mundo dos videogames, um dos principais setores de investimento no Brasil e no mundo, coloca novas questões sobre a relação entre o homem e a tecnologia
Por: Julia Castello Goulart
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Um dos maiores estandes do evento, o Youtube
Além dos videogames, os heróis e vilões das histórias em quadrinhos são grande atração da BGS (Brasil Game Show)
© Julia Castello Goulart
© Julia Castello Goulart
evento, Brasil Game Show que aconteceu entre os dias, 01 a 05 de setembro em São Paulo, é o maior evento de games e tecnologia da América Latina. Participam do evento, grandes empresas mundiais de games, as pequenas e novas empresas e, o público interessado no mercado de games que hoje é o quinto maior do país. O evento conta com a participação de grandes nomes, como os produtores de algumas das franquias de maior sucesso do mundo, como PlayStation, Xbox, Nitendo. Além disso, as empresas oferecem ao público a oportunidade de jogar, games que ainda não foram lançados no mercado. Com grande alcance mundial, pequenas empresas brasileiras aproveitam o evento para divulgar seus jogos e conquistar jogadores. Brasil Game Show no ano de 2015, segundo o site oficial (brasilgameshow.com.br) contou com “Mais de 300 mil visitantes e mais de 180 marcas em 2015 – crescimento de quase 20% com relação ao ano anterior. A BGS é o local escolhido para a realização de 80% dos lançamentos e anúncios para a região”. Desses 300 mil visitantes, existe uma diversidade de idades, tendo o videogame alcançado não só o público infantil e adolescente, mas como os adultos.
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... O jornalismo de games era basicamente um jornalismo de serviço, ou seja, era para ajudar as pessoas a jogar ou para ajudar a pessoa a comprar. Não tinha notícia, não tinha preocupação jornalística. E isso mudou muito, porque os videogames se tornaram um produto diferente, evoluiu, se tornou uma indústria muito importante, que rende muito dinheiro, naturalmente houve um desenvolvimento de um jornalismo apropriado”
História do videogame e a indústria no Brasil – Em uma das mais famosas atrações do evento, você pode se deparar com um “museu” dos videogames e comparar assim, a evolução dos consoles, durante as décadas. A primeira geração de videogames foi com o lançamento de consoles entre 1972 e 1977. A maioria desses consoles rodavam diferentes versões do clássico e famoso jogo: “Pong”. A segunda geração marcou o início do crescimento e da explosão dos games, com o lançamento do Atari 2600 e o primeiro console portátil da história, o Microvision. Mas foi na terceira geração que as maiores empresas globais hoje, nasceram: Sonic, Mario Bros, Final Fantasy. Na quarta geração teve o início de novos lançamentos de consoles. A quinta geração já foi marcada por um grande desenvolvimento para os videogames, como o lançamento Playstation e o Nintendo 64 que, são grandes empresas ainda hoje que, na época foram as responsáveis por popularizar os games. A sexta geração conta com a chegada da Microsoft e novas disputas pelo mercado de games. A sétima geração foi responsável por estabelecer as grandes empresas, nas altas vendas e popularidade entre jogadores, com os consoles: Playstation 3, Xbox 360 e Wii. E a oitava geração, esse momento atual, iniciou com o lançamento do WiiU em 2012, pela Nitendo. No Brasil, as indústrias de games surgiram ainda na época da ditadura militar, quando o governo determinava a reserva do mercado de informática para empresas brasileiras. Mas teve seu salto partir de 1980. A “MessierAnimations” é uma empresa de games brasileira fundada em 2014. Segundo a própria empresa, o nome foi em homenagem ao astrônomo francês Charles Joseph Messier,
que durante sua vida observou, catalogou e descobriu 110 objetos do céu profundo, entre eles galáxias, nebulosas e cometas. O jogo deles em destaque na BGS, “Kriaturaz”, é o segundo jogo brasileiro a garantir a Lei de Incentivo à Cultura, (Lei Rouanet), do Ministério da Cultura. O game segundo o site oficial da empresa é “fruto de uma pesquisa de mais de quatro meses sobre as diferentes lendas, mitos e personagens do folclore do Brasil”. Entrevistado pelo Contraponto um dos colaboradores do game e expositor no estande, Rodrigo, fala sobre o avanço da indústria de games no Brasil e os obstáculos que ainda existem: ”Os jogos no Brasil estão crescendo muito agora, estão conseguindo bastante espaço, ainda mais como eventos como a BGS que podemos divulgar melhor o nosso trabalho. Os obstáculos que a gente está tendo agora é com mão de obra, que tem muita gente hoje que está precisando de emprego no Brasil, mas tem pouca gente qualificada nessa área”. O jogo além de ser um incentivo à cultura brasileira permite que os jogadores conheçam os principais personagens das lendas e folclores, sendo os próprios personagens, já que o jogo é em primeira pessoa.
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Outubro 2016
(editor da IGN BRASIL Pablo Miyazawa) Mídia de games: de jornalismo a youtubers – Com a popularização dos videogames e um aumento de jogadores no mundo todo, surgiu um novo tipo de jornalismo especializado em cobrir o mundo dos games. Apesar do jornalismo de games, ser ainda algo muito novo, ele está se solidificando como uma forte mídia, mas há ainda muitos obstáculos ainda há serem ultrapassados. Muitas das críticas à mídia de games, é em relação a própria autocrítica. Sobre os caminhos alcançados e seus desafios, o editor chefe da IGN Brasil, hoje uma das maiores mídias de games do país, Pablo Miyazawa, formado na PUC-SP em jornalismo, diz: “Quando eu comecei a escrever sobre videogame, não existia uma coisa chamada jornalismo de games. Porque era uma imprensa, produzida para criança por adultos que não eram exatamente entendidos do assunto. E o jornalismo de games era basicamente um jornalismo de serviço, ou seja, era para ajudar as pessoas a jogar ou para ajudar a pessoa a comprar. Não tinha notícia, não tinha preocupação jornalística. E isso mudou muito, porque os videogames se tornaram um produto diferente, evoluiu, se tornou uma indústria muito importante, que rende muito dinheiro, naturalmente houve um desenvolvimen-
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to de um jornalismo apropriado. Mas assim como os videogames ainda estão entrando na vida das pessoas, a imprensa de games ainda está aprendendo a lidar consigo mesma. É muito mais uma questão de chegar em uma maturidade, do que mudar alguma coisa. O jornalismo de videogames está no caminho certo, ele é informativo, ele é investigativo. Então acho que o que ainda falta, é ele ficar mais maduro mesmo. E é com o tempo. Com o tempo a gente vai chegar lá...”. Segundo ainda a repórter de games, Bruna Panilhas da IGN Brasil, “A gente do IGN Brasil, nosso lema é fazer o Brasil jogar mais. Então o que a gente vai criticar quando estamos analisando um game, vamos analisar os pontos positivos, mostrar o que esse jogo tem de bom para oferecer para o consumidor. Eu acho muito vazia, uma análise que apenas olhe os pontos negativos de um jogo novo. Porque independente se você gosta do game ou não, gosta da franquia que produziu esse game ou não, você tem que mostrar os dois lados. E no IGN Brasil é o que a gente tenta fazer. Muita gente aqui no Brasil gosta de ver análise de games e isso cresceu não só no jornalismo de games, mas como os YouTubers também. Então não posso deixar de falar que os YouTubers influenciam muito esse mercado de jornalismo de games”. Os YouTubers hoje, são as mais novas celebridades do mundo. São pessoas, na maioria jovens, de várias nacionalidades que ocupam a plataforma de vídeo, o Youtube, postando vídeos dos mais variados assuntos. Cinema, música, teatro, livros, games e também para falar de polêmicas, causar polêmicas e criar “vídeos virais” que são visualizados por milhares de pessoas no mundo inteiro. Guilherme Heitzmann Nogueira, é um YouTuber brasileiro dono do canal “PhoenixBRproductions”, que aborda temas de games. Ele que tem hoje 19 anos, começou a gravar seus vídeos ainda garoto, conquistando fãs gamers como ele, em todo o país. “Comecei meu canal no dia 11 de agosto de 2011, faz 5 anos e 1 mês.
Eu comecei o canal inspirado em alguns YouTubers americanos que faziam vídeos mostrando suas criações e mods no Minecraft, e como eu já participava de alguns fóruns fazendo alguns tutoriais por texto, resolvi passar para vídeos. Na época da criação do canal eu não imaginava que ia se tornar um trabalho, nem sabia que era possível ganhar dinheiro com isso, o objetivo era apenas me divertir fazendo alguns vídeos, e depois me divertir fazendo vídeos com meus amigos’’. Phoenix, como é chamado nas redes ainda fala sobre como ser um YouTuber de games, ajuda na divulgação e no crescimento da indústria de games e como o Youtube se tornou um grande porta voz fundamental da liberdade de expressão: “Eu sempre achei o Youtube muito bom para informar pessoas pela liberdade que ele traz, qualquer um pode expressar sua opinião lá, e as pessoas tem a liberdade de assistir o que elas querem na hora que elas querem, acho que a mídia de comunicação devia ser assim. Os YouTubers em geral conquistam um público pela sua personalidade, e assim as pessoas se tornam fãs do YouTuber em si. E isso é muito positivo para a indústria de games, pois quando um YouTuber gamer faz vídeo de um jogo que ninguém conhece, ele acaba divulgando o jogo. As pessoas vão assistir mesmo sem se interessar pelo jogo, e no final podem passar a gostar dele, então ajuda muito na divulgação dos games desconhecidos, indies, entre outros”. Phoenix hoje possui 648.569 inscritos em seu canal, e vídeos com até 187.529 visualizações. Há uma grande influência sobre o que falam, o que jogam, o que torna os YouTubers, como as celebridades, programas de TV, palco de propagandas de produtos. O caso polêmico do maior YouTuber do mundo, “Pewdiepie’’ e, outros YouTubers que segundo a Comissão Federal de Comercio (FTC) dos Estados Unidos identificou que a “Warner Bros” pagou para que alguns canais no Youtube fizesse críticas positivas do jogo “Terra-média: Sombras de Mordor”,
como forma de tornar popular entre o público e assim, vender. Phoenix em relação a polêmica da propaganda diz: “Quando ocorre uma propaganda desse tipo geralmente o influenciador deve avisar que é uma propaganda no vídeo, isso é inclusive uma lei nos Estados Unidos. Acho importante mostrar que é uma divulgação paga, deixando claro isso, tudo bem, mas eu tenho um problema em fazer propaganda de produtos que eu pessoalmente não gosto, acho isso errado, até por que o meu canal é baseado na minha opinião pessoal sobre as coisas”. Os dois lados opostos do videogame: Vício, banalização da violência, novo tipo de interação social? – O videogame é ainda um meio de interação e entretenimento novo que abre muito espaço para discussões das suas consequências na vida dos usuários. As crianças cada vez mais cedo têm contato com a tecnologia, contendo consequências positivas e negativas para a geração nascida no século 20. Segundo a psicóloga e psicanalista, Maria José Pinto, Psicóloga com licenciatura e bacharelado, pela USP de Ribeirão Preto, e pós graduação em Psicologia Psicanalítica, em convênio com a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e Uniube, ela define a importância da tecnologia para essa nova geração e a idade mínima considerada não prejudicial para o desenvolvimento da criança: “Os pontos positivos são sem dúvida o ganho que está geração está tendo em se comunicar à distância com pessoas do mundo todo e principalmente
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Eu sempre achei o Youtube muito bom
para informar pessoas pela liberdade que ele
traz, qualquer um pode expressar sua opinião lá, e as pessoas tem a liberdade de assistir o que elas querem na hora que elas querem, acho que a mídia de comunicação devia ser assim”
(YouTuber Guilherme Heitzmann, “PhoenixBr”)
© Julia Castello Goulart
Gamer joga Counter Strike, conhecido como CS, um dos maiores jogos de tiros do mundo
© Julia Castello Goulart
© Julia Castello Goulart
Cosplays que se fantasiam de personagens de games
O famoso controle do console do Xbox
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Existe um limite de idade, acima de dois anos,
segundo neurologistas para ser apresentado um tablete
às crianças sem causar danos ao seu desenvolvimento neurológico e emocional.
Considero que quanto mais tardiamente for dado, outras atividades lúdicas e infantis poderão prevalecer no imaginário da criança”
(Maria José Pinto, psicóloga e psicanalista)
© Reprodução: torcedores.com
com seus pares, o aprendizado de diferenças e similaridades , a cooperação em jogos em equipe, a aprendizagem dos seus limites, a capacidade de lidar com a vitória e principalmente com a derrota. Existe um limite de idade, acima de 2 anos, segundo neurologistas para ser apresentado um tablete às crianças sem causar danos ao seu desenvolvimento neurológico e emocional. Considero que quanto mais tardiamente for dado, outras atividades lúdicas e infantis poderão prevalecer no imaginário da criança”. O uso cada vez mais frequente dos videogames pode ser considerado vício quando utilizado de forma inconsequente, começando a atrapalhar a vida do indivíduo ou causar alterações em seu comportamento. A psicóloga e psicanalista Maria José destaca: “O Jogo, o
vídeo game pode ser considerado um vício a partir do momento em que seu uso impede o jovem de fazer qualquer outra atividade, como sair com colegas, namorados, a cumprir compromissos sociais, ter um comportamento que evita relacionamentos em casa, escola e amigos”. Comportamentos como isolamento familiar e social, falta de limites para começar e finalizar os jogos, falta de responsabilidade com outros compromissos como estudo, tarefas cotidianas, aparecimento de comportamento de ansiedade e excitabilidade, comprometendo o sono e o horário de acordar, são comuns entre pessoas que utilizam o videogame constantemente. Para o YouTuber e gamer Phoenix, admite que a questão do vício é complicada e acredita que realmente pode trazer malefícios para a vida do gamer. Entretanto apresenta como o videogame pode tornar-se um novo meio de interação social: “Dentro dos jogos multiplayer dá pra conhecer muitas pessoas, por mais que muita gente duvide, eu mesmo fiz vários amigos online que se tornaram amigos da vida e conheci eles pessoalmente depois.”. Para os pais, Maria Maciel,54 anos e seu marido que vieram acompanhar o filho de 13 anos ao evento, eles afirmam que incentivam seu filho a jogar videogame, porque acreditam que os games estimulam o raciocínio e a criatividade. Mas confessam que já tiveram problemas com o filho, tendo que controlar as horas que ele passava dentro do mundo virtual: “Acho que você deve sempre conversar com seu filho e mostrar que é importante não viver só no jogo. Teve uma fase que ele vivia no jogo, e aí, eu como mãe comecei a cortar, diminuía o tempo de jogo, conversava mesmo. . .”. A psicóloga e psicanalista Maria José apresenta a importância da participação dos pais no controle das horas disponíveis para o videogame dos filhos: “Os pais tem a função de apresentar os jogos, mas também de criar regras e limites desde o início do uso pelos filhos, segundo um acordo em que estes não deixem de
Wendell Lira quando ganhou o prêmio de gol mais bonito de 2015
De jogador profissional na vida real para jogador de videogame na internet Wendel Lira foi destaque no mundo do futebol brasileiro em 2015 ao ganhar o Prêmio Puskas, de gol mais bonito do ano. Wendel nasceu em Goiânia e era jogador profissional que atuava como atacante no tipo Goianésia, quando ganhou o prêmio com o gol, uma bicicleta rotatória após triangulação. Ele foi o segundo Brasileiro a conquistar esse prêmio, depois de Neymar em 2011. Entrevistado pelo Contraponto, Wendel diz quais serão seus próximos passos depois de aposentar com 27 anos, e seus novos obstáculos, não mais como jogador, mas agora como YouTuber: “Eu aposentei no futebol tem 1 mês e 2 dias, e virei YouTuber. Eu gravo vídeo para o pessoal faz pouco tempo e já tenho muitas visualizações. Gravo vídeos como game plays , informações táticas, essas coisas. O canal tem 1 mês e pouco, no começo eu estava mais preso, mas agora está ficando legal. (risos) Até a BGS está me servindo de experiência, estou começando a me soltar mais, converso com o pessoal, subo no palco, interajo e isso vai fazer com que os meus vídeos, fiquem mais legais e mais soltos daqui para frente”. Wendel, confessa que sempre jogou videogame e acha o jogo de futebol da FIFA um jogo muito realístico. Diz que treinadores usam as vezes o game, para avaliar como os jogadores jogam, para colocá-los em determinadas posições no campo. Como ele mesmo brinca: “Do videogame, para a vida real”. Questionado ainda se ele achava que o videogame, a simulação do jogo, ajudava na hora de jogar no campo, e se ter uma noção do futebol na vida real ajuda no videogame, ele responde: “Claro, eu acho que ajuda muito. Eu jogo futebol profissional e jogava muito videogame e isso me ajudava muito. Quando eu jogava FIFA com os meus amigos que não eram jogadores (de futebol profissional), ajudava, porque você acaba sabendo o atalho, sabendo onde cortar e isso facilita muito. Jogar videogame para a vida real também ajuda muito, você fica sabendo de muita coisa que uma pessoa pode fazer. Por exemplo qual a formação que o time joga, qual jogadores o time tem e isso é muito legal, bem bacana”.
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cumprir outras atividades como estudo, esporte e lazer. Percebendo alterações, podem refazer o acordo feito no início da liberação. Aconselho também quando não usar adequadamente, o confisco dos vídeos games e, só devolver quando conseguirem usar saudavelmente”. Ainda existe o polêmico debate se os videogames violentos influenciam ou não usuários, e se por tratar da violência muitas vezes de maneira explícita, banalizam-na. Segundo a jornalista de game, Bruna Penilhas, os jogos mais vendidos do mundo são os jogos de tiros, como os jogos “Call of Duty”, “Counter Strike: Global Offensive”, “Battefield”, entre outros. O editor chefe da IGN Brasil, Pablo Miyazawa concorda que de certa forma, os jogos banalizam a violência: “Acho que os games banalizam a violência, tanto como uma série de TV, quanto o cinema, a literatura, os quadrinhos, tudo que serve para você pegar e reinterpretar e trazer aquela informação diferente para o consumidor, você pode dizer que banaliza. Mas banalizar não significa, desmerecer. A gente quando joga um jogo violento, a gente não está desmerecendo a violência ou evitando pensar nela como uma coisa real. A gente simplesmente está querendo experimentar sensações novas, que é uma coisa que o videogame proporciona muito bem. Assim, como ninguém fica mais violento, porque lê sobre violência, assiste filmes violentos ou vê filmes violentos no Youtube. Então sim, banaliza, mas para o lado bom. Faz a gente se acostumar a certas coisas e talvez não precisar passar por elas na vida real. É isso, você dá tiros no jogo, possivelmente você nunca vai ter vontade de dar tiro na vida real. O game descomplica a violência e não dificulta ainda mais”. Entretanto em relação se a violência pode influenciar as atitudes violentas, a psicóloga Maria José argumenta: “A psicologia e a psicanálise se atentam para o comportamento das pessoas e o quanto estão vivendo de acordo com seu potencial emocional, assim cada indivíduo é olhado com suas peculiaridades. Ao falar o quanto a prática pode desenvolver um comportamento violento e agressivo, é difícil, mas se o jovem tiver uma natureza psíquica mais violenta, agressiva, os jogos podem influenciar na alteração do seu comportamento. Diria que estes jogos podem nestas pessoas desencadear aquilo que já há de pior nelas”. O videogame marcou e ainda marca gerações no mundo inteiro, como forma interativa de entretenimento. Mas não só isso, os videogames hoje desenvolvem-se com histórias cada vez mais elaboradas, criativas, onde os jogadores são os próprios personagens. Os videogames possibilitam conhecer novas culturas, idiomas, pessoas e é considerada uma forma de arte, já que é produzido por escritores, artistas, atores, desenvolvedores, desde a criação da história e personagens, como a parte gráfica. Os videogames, como qualquer outra tecnologia é um novo meio de se relacionar com o mundo e com as pessoas, mas também pode trazer muitos problemas quando não usada de forma consciente e equilibrada. O mercado de games ainda muito novo, mas com grande força, ainda possui grandes desafios ao decorrer do desenvolvimento de novas tecnologias. O videogame é de certa forma, um novo meio de contar histórias, passar mensagens, fazer críticas sociais e históricas, fazer arte, possibilitando uma interatividade virtual cada vez mais realística, literalmente, dos seus admiradores ao redor do mundo.
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ensaio fotográfico
¡Fuera Temer!
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o dia 03 de outubro, o presidente golpista Michel Temer pousou em Buenos Aires, em sua primeira viagem bilateral de seu governo ilegítimo, para reunir-se com o presidente argentino Mauricio Macri e consolidar uma nova agenda neoliberal conservadora para a região. A princípio, o encontro aconteceria na manhã de segunda-feira na Casa Rosada, localizada na Plaza de Mayo, porém, após uma grande movimentação e confirmação de mais de 40 organizações latinoamericanas para repudiar esse acontecimento, os políticos mudaram a reunião de endereço. Com isso, a manifestação seguiu até a Quinta presidencial de Olivos, respectiva casa do presidente argentino localizada em Vicente Lopez, uma cidade próxima a capital. Lá, Temer contou com o apoio e reconhecimento automático do governo Macri, que se alia com os golpistas brasileiros, afim de fazer retrocessos sociais, políticos e econômicos na região. Além disso, pela parte da tarde, manifestantes se reuniram na Plaza de Mayo para uma roda de capoeira, como uma arte de luta, emancipatória e de resistência à opressão, e um grande ato político, mostrando revolta e indignação tanto em relação ao golpe instaurado no Brasil, quanto a essa onda de práticas neoliberais instauradas na América Latina.
© Fotos: Maria Eduarda Gulman
Por: Maria Eduarda Gulman
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38a Semana do Jornalismo
Uma profissão, múltiplos caminhos Da Redação
Realizado entre os dias 26 e 30 de setembro, o evento ressaltou a importância do ofício num cenário de desmantelamento das instituições democráticas
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Além de ter grandes nomes do jornalismo como convidados e assuntos diversificados como temas, o evento contou com um público amplo por parte dos alunos.
Todos os dias,
alunos de todos os anos do curso de jornalismo participavam ativamente fazendo perguntas interessantes e comentários positivos sobre a mesa e seu conteúdo
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A casa foi cheia em todos os dias do evento © Fotos: Ana Lourenço
nualmente no curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ocorre uma pausa, uma suspenção das atividades acadêmicas relacionadas ao jornalismo na Universidade, durante uma semana para que alunos, professores, profissionais da área e pensadores dos mais diversos campos do conhecimento – ciências sociais, relações internacionais, direitos humanos etc. – possam refletir sobre os novos caminhos da profissão, seus impactos na vida diária de milhões de ouvintes, leitores e telespectadores e, sobretudo, novas maneiras de combater uma mídia que não nos representa; está lá retratando uma realidade que lhe agrada e convém não aquela que tange a todos: negros, pobres, representantes de movimentos LGBT, indígenas, de minorias religiosas e étnicas. Essa Semana, carinhosamente apelidada de Semana do Jornalismo representa um momento único na Universidade, onde os alunos tomam as rédeas da organização do evento e decidem quais atividades serão realizadas. No entanto, os professores não são esquecidos: são esses formadores de conceitos e de opinião que ficam responsáveis em indicar nomes, dar palpites, mediar mesas e, sobretudo, passar tranquilidade e experiência para novos jornalistas. Já as atividades, ou melhor dizendo, as palestras, as coletivas, os worshops e as atividades culturais que acontecem tanto no período da manhã quanto da noite estão, necessariamente, vinculadas a um tema que dialogue com um Brasil que vivemos hoje e pretendem fazer uma análise crítica de como o jornalismo interfere dentro de cada segmento definido na mesa. O tema desse ano foi “Jornalismo e a Prática da Democrática” que trouxe para o debate a participação da mídia brasileira na manutenção da estrutura antidemocrática e, mais especificamente, o papel crucial que os grandes meios de comunicação tiveram para a deposição da ex-presidente Dilma Rousseff.
Alguns organizadores da Semana, que se empenharam arduamente para que tudo desse certo
O professor e ativista social, Douglas Belchior foi um dos convidados que mais mostrou otimismo com a reestruturação dos movimentos sociais no cenário de crise atual, na mesa de abertura na segunda
Fica claro, no entanto, principalmente depois da linda homenagem feita para Hamilton Octavio de Souza, Sérgio Pinto de Almeida, Luiz Carlos Ramos e Perseu Abramo que esse problema estrutural que leva à distorção, fragmentação, manipulação, à inversão, e à indução estigmatizada da realidade é algo que existe há tempos e precisa ser, veementemente, combatido a todo custo para uma melhor representação de nós mesmos: seja nas capas dos jornais, nas ondas curtas do rádio ou nas telinhas de televisão. Sendo assim, no dia 26 de setembro por volta das 19 horas ocorreu a abertura da 38º semana de jornalismo .O tema da mesa retratou a atual crise política brasileira, que teve como mediador o professor José Arbex Júnior e como convidados o professor de política e sociologia da casa, Rafael Araújo, a professora de filosofia Luiza Coppiters, a jornalista Neusa Pereira do portal Abayomi Comunicação, o jornalista Luiz Carlos Azenha do portal Viomundo e o professor Douglas Belchior, do blog Negro Belchior da Carta Capital. Durante o debate, vários temas foram discutidos, entre eles, as razões históricas da atual crise política, a falência do sistema educacional brasileiro, as dificuldades da cobertura jornalística relacionada a política e a falta de visibilidade da população negra e LGBT do país. O professor Rafael Araújo deu um ótimo parecer sociológico do que está ocorrendo atualmente em nosso país, o qual vive uma intensa crise política que prejudica a boa apuração dos fatos pelos jornalistas. Luiz Azenha comentou
sobre as dificuldades da cobertura do processo de impeachment diante as várias opiniões adversas da população. Luiza Coppiters e Douglas Belchior se voltaram à críticas do sistema educacional brasileiro, deixando claro que desde o início de sua história, nosso país teve uma defasagem nesse sentido e Neusa Pereira enfatizou a falta da inserção da população negra em nossa sociedade, diante da realidade do preconceito racial que ainda temos no Brasil. Como futuros jornalistas é importante que os alunos do curso saibam dialogar com esses fatos. O conhecimento da história de nosso país e de nossa população é essencial para o entendimento da crise política que vivemos atualmente e dialoga diretamente com a profissão, responsável por transmitir a verdade aos leitores. O debate durou aproximadamente uma hora, logo depois houve a abertura para as perguntas dos alunos, que durou aproximadamente o mesmo tempo. Ao final todos agradeceram a oportunidade de participar do evento e os alunos conseguiram perceber a importância do debate para as suas formações enquanto jornalistas.
Uma das editorias mais procuradas pelos estudantes da PUC, o jornalismo esportivo havia ficado de fora dos debates nas duas últimas Semanas Acadêmicas do curso (2014 e 2015). Mas neste ano o tema retornou à agenda do evento e trouxe quatro convidados para discutir as estruturas antidemocráticas da mídia e prática
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Terça-feira:
Mesa “Estuturas antidemocráticas da mídia e prática esportiva” (da esq.-dir.) (plano principal): Gabriela Moreira, Jamil Chade, Fabíola Andrade, Yoanna Dimitrios, João Abel, Paola Micheletti e Luíza Vilela. Ao fundo; Ana Lourenço e marcelo Gomes. Na frente, Elias Novellino
© Nadine Nascimento
esportiva: Gabriela Moreira (ESPN) Fabíola Andrade (SporTV), Marcelo Gomes (ESPN) e Jamil Chade (Estadão). Os palestrantes falaram sobre temas como a ética do profissional esportivo, a corrupção nas federações, a participação feminina no esporte e a falta de visibilidade para atletas de modalidades menos conhecidas. No período noturno foi a vez da mesa do Cine-debate, onde além de exibirem um episódio da série “Resistir é preciso” participaram do Júlio Wainer, diretor da TV PUC, Luiz Antônio Dias, professor da PUC-SP e Ricardo Carvalho, autor do documentário e foi mediado por Mauron Peron, também professor da Pontifícia. O debate girou em torno do papel que o jornalismo teve para a instauração do Golpe Militar de 1964 e, sobretudo, como a linguagem audiovisual interfere na percepção da realidade que temos do mundo.
Mesa “Moda, comportamento: padrões excludentes” (da esq.dir.) Stephanie Ribeiro, Nadine Nascimento, Luciana Console, Maria Rita Casagrande, Nanda Cury e Pollyana Ferrari © Ana Lourenço
Quarta-feira: Na mesa da manhã, houve, mesmo com as abstenções de Marina Pita, do Intervozes e de Pedro Alexandre, dos Jornalistas Livres, um grande debate sobre como a questão do feminismo é hoje retratado dentro dos grandes meios de informação e de quais abordagens como comunicador e, sobretudo, como pessoa são válidas para retratar um tema delicado como um possível caso de estupro ou uma violenta briga de casal. Mesmo tendo sido muito criticada em sua abertura por não abranger, na mesa, representantes de todos os segmentos prejudicados por um jornalismo arbitrário e à serviço das classes dominantes – Lgbt, movimentos sociais, negro -, a oficina “Descontruindo o Jornalismo tendencioso” trouxe, diversas atividades multimídia – vídeo, áudio, texto – tentando mostrar ao público geral e a futuros jornalistas quais vícios devem ser deixados de lado e qual linguagem é mais ‘recomendável’ para cada situação. A medidora Anna Flávia Feldmann e a convidada Luíse Bello, do Think Olga, foram as principais responsáveis por puxar o debate e enfatizar grande omissão ou banalização dos grandes meios de comunicação quando se referem a casos de violência à mulher. À noite foi a vez da moda e padrões de beleza. Com o tema “Moda, comportamento: e padrões excludentes”, as convidadas Maria Rita Casagrande (Blogueiras Negras), Stephanie Ribeiro (ativista feminista negra) e Nanda Cury (Marcha do Orgulho Crespo) debateram sobre imposições feitas às mulheres em relação ao modo de se vestir, se comportar, lugares a serem ocupados e frequentados e principalmente, o cabelo. Nanda nos conta sua trajetória e luta em se aceitar com o cabelo crespo, culminando com a origem à Marcha do Orgulho Crespo. Maria Rita vai mais fundo: como mulher negra, periférica, gorda e de cabeça raspada, nos conta sua luta diária para enfrentar a sociedade machista e racista e sobre sua militância com o Blogueiras Negras. Stephanie aborda a importância do feminismo negro na luta contra os padrões impostos e dentro do próprio feminismo, que como toda questão social, precisa de recortes.
Carta Capital), o debate levantou questões sobre o que é considerado cultura para os meios de comunicação tradicionais e alternativos e como a diversidade cultural é importante para a construção de uma sociedade mais igualitária e tolerante. A mediação foi feita pelo professor Fábio Cypriano e o debate girou em torno de assuntos como racismo, cultura periférica, educação e informação. Uma crítica importante foi feita em relação a invisibilidade dada às culturas periféricas até mesmo dentro de veículos considerados alternativos. Já à noite, a palestra de Fotojornalismo debateu, com a presença de Sérgio Silva, Jardiel Carvalho, Renato Stockler, Rogério Assis, Rodrigo Zaim e o professor Samuca, os retratos de humanidade presentes nas fotografias atuais e premiadas. O debate se alternou entre fotos, demonstradas em slides, a explicações da prática dos fotógrafos e várias dúvidas dos alunos presentes. As pautas foram variadas, sempre focando na precariedade encontrada nos direitos humanos: fotos de invasões, agressões da Polícia Militar com estudantes em manifestações e ocupações, a captura de festas na periferia e muitos outros, exemplificando a variedade do assunto.
Balanço geral:
Sexta-feira:
“Cultura Hegemônica: o que fica de fora” foi o tema da mesa de quinta-feira de manhã. Com Renata Prado (Festa Batekoo), Daniel Benevides (Revista Cultura!Brasileiros), Thiago Vinícius (Agência Solano trindade) e Rosane Pavam (Revista
No último dia da Semana (30), a mesa de repórteres e reportagens internacionais abordou os conflitos geopolíticos que instantaneamente viraram pauta jornalística, procurando entender de que maneira o repórter correspondente, o redator e todos os profissionais envolvidos no contar de uma história contribuem para a construção da memória quando cobrem tais acontecimentos. O debate foi inaugurado por fala da Profª Marijane Lisboa (Ciências Sociais), e contou com nomes de destaque na cobertura internacional. Hélio Campos Mello (Brasileiros), Patrícia Campos Mello (Folha de S. Paulo), Kamil Ergin e Lourival Sant’Anna (Estadão) partilharam com os ouvintes não só suas experiências profissionais – enquanto jornalistas de consagrados veículos de comunicação - mas também íntimas, de pessoas que viram guerras e violações de direitos humanos bem de perto. Estiveram em pauta a invasão do Panamá pelos Estados Unidos (1989), a invasão do Kuwait pelo Iraque (1990) e a subsequente Guerra do
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Quinta-feira:
Golfo, a Guerra do Iraque (2003), os Taleban no Afeganistão, as mulheres Yazidi, escravas sexuais do Estado Islâmico e tantos outros temas. Ao final, os convidados responderam às várias perguntas feitas pelos alunos e pelas alunas, que mostraram muito interesse por todos os desafios, incluindo os emocionais, que cercam a nossa (futura) profissão. Por fim, no horário noturno aconteceu a última mesa da Semana. O encerramento da 38º edição da Semana do Jornalismo tratou da “Democratização da Mídia” e teve como convidados: Adriana Reid (Band), Ana Flávia Marx (Barão de Itararé), Fernando Sato (Jornalistas Livres), Laurindo Lalo Leal (TV Brasil) e Sinval Itacarambi (Revista Imprensa). “Tenho certeza de que os alunos de jornalismo da PUC depois de formados se tornam jornalistas respeitáveis ou da linha de frente”, ressaltou o professor Laurindo, um dos fundadores do curso. A discussão levantada pelos convidados e debatida pelos alunos foi desde o financiamento da mídia alternativa, regulamentação da imprensa até as dificuldades do jornalista dentro dos grandes veículos de comunicação.
A semana como um todo foi muito positiva. Além de ter grandes nomes do jornalismo como convidados e assuntos diversificados como temas, o evento contou com um público amplo por parte dos alunos. Todos os dias, alunos de todos os anos do curso de jornalismo participavam ativamente fazendo perguntas interessantes e comentários positivos sobre a mesa e seu conteúdo. No entanto, a semana não foi só recheada de alegrias. Dentre os desafios da semana, o não comparecimento de convidados foi o que mais teve peso. Na quarta-feira, dois dos três palestrantes não vieram, fazendo com que a mesa ficasse fragilizada. Para nós, organizadores, é um prazer e orgulho proporcionar esse tipo de ensinamento para os estudantes. Apesar de ter dado muito trabalho, acreditamos que a 38ª Semana de Jornalismo foi excelente. Adoramos os bons momentos e aprendemos com todos os erros para fazermos com que a 39ª seja mais especial ainda!
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CONTRAPONTO
Política
A cultura da violência na era Temer Por: André Vieira
O levante das Jornadas de Junho e o desabrochar do Movimento secundaristas provocaram drásticas mudanças na postura nos órgãos de repreensão do Estado
Legado de violência – Lei sobre as Organizações Criminosas (12.850/13), Portaria 3461/MD, Lei Geral das Copa (Lei 12.663) e, mais recentemente, a Lei antiterrorismo (Lei 13.260/16) foram os principais instrumentos jurídicos, em gestões consideradas como progressistas e voltas àqueles que mais precisam e menos têm, homologados para a classificação de movimentos sociais e levantes populares como atos criminosos e não demonstrações claras do exercício da cidadania e da índole, do símbolo, de uma democracia plural, pujante, onde deve haver – seja no Congresso, seja nas ruas – a representação de diversos grupos sociais e segmentos políticos. Ou seja, viveríamos, de fato, dentro de um País onde, segundo os próprios governos petistas anunciavam “De todos”? Ou depois do estopim das Jornadas de Junho e da ocupação das escolas municipais e estaduais, pelo movimento secundarista, essa política “amistosa” do Governo Federal teria sido revista? Para o ativista social gaúcho e militante do partido social PSTU, Matheus Gomes, essa estigmatização jurídica negativa do Estado em torno dos movimentos sociais ocorre: “Primeiramente, durante os governos Lula os gastos com a ABIN já haviam aumentado 44% e no governo Dilma a Agência foi a responsável por 50% dos gastos sigilosos do governo, ou mais de R$ 10,5 milhões, agora o <investimento> se ampliará, ou seja, crescerá o monitoramento e a perseguição aos
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Atos de protesto em resposta à deposição da ex-presidente Dilma Rousseff, resultaram em uma onda de violência nas ruas das principais capitais do País
© Lula Marques/Agiencia PT
unca tivemos tanto medo. Nunca fomos tão expostos a tanta violência, a tantas armas, a tantas bombas; nunca houve – como há hoje – uma assimetria tão brutal entre as forças repreensivas do Estado e os integrantes da sociedade civil que sentem, na pele, na carne e nos olhos a barbárie imposta pelos órgãos de segurança e das instâncias de proteção que, em tese, deveriam zelar pela vida dos cidadãos. Num cenário de crise global e local, de corte de direitos trabalhistas e de garantias constitucionais que, até outrora, eram intocáveis, estamos aprendendo o verdadeiro sentido da palavra Temer: que de um simples infame e nebuloso substantivo próprio se tornou um grande verbo de terror a grande parte da sociedade que depende do dialogo das instituições com o povo e dos programas sociais. Por mais que o atual governo impopular, juntamente com seu ministro de Justiça, Alexandre de Moraes tenha feito o (im)possível para renegar direitos a manifestantes em atos políticos no País e o Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, continue sua intifada incessante contra aqueles protestantes que se recusam a vestir o manto canarinho da Seleção de Futebol de Brasileira, assim como tirar selfies ao lado agentes das forças coercitivas do Estado de São Paulo – robocops, como popularmente conhecidos – por uma pauta mais à direita; vale lembrar, no entanto, que os principais mecanismos de estigmatização e, sobretudo, repressão a manifestações democráticas e levantes populares surgiram no auge de governos petistas, de Dilma Rousseff e Lula.
© Reprodução: Jornal GGN
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O direito de protestar é o único que pode fazer
valer os demais direitos
fundamentais, especialmente destinados aos mais vulneráveis e à diversidade.
Numa sociedade democrática, as marchas e manifestações devem protegidas pela polícia
Estado, e não atacadas”
e pelos poderes do
(juíza Kenarik Boujikian) movimentos sociais para tentar coibir a revolta nas ruas contra os planos de Temer”. Ainda segundo Matheus, essa guinada à direita no quadro dos direitos sociais no País é resultado de um grande medo dos detentores do capital produtivo e político que viram, principalmente nas Jornadas de Junho, a possibilidade do esfacelamento de seus lucros e suas instâncias de poder sobre a sociedade civil: “As jornadas foram perigosas aos donos do poder político, econômico e midiático por inspirarem reivindicações que só poderiam se concretizar atacando diretamente os seus privilégios, reduzindo suas taxas de lucro, diminuindo seu poder de decisão sobre temas cruciais nos grandes centros urbanos, como o transporte e a habitação”. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Direito ao protesto – Já para a procuradora e juíza Kenarik Boujikian, co-fundadora da Associação Juízes para a Democracia, e infelizmente, mais uma vítima da inoperância da Polícia Militar no Estado, a ação truculenta da polícia contra o direito de protestar: “É para impedir a luta contra o retrocesso em relação aos demais direitos. É tentar tirar a base para a preservação dos demais direitos. O direito de protestar é o único que pode fazer valer os demais direitos fundamentais, especialmente destinados aos mais vulneráveis e à diversidade. Numa sociedade democrática, as marchas e manifestações devem protegidas pela polícia e pelos poderes do Estado, e não atacadas.” Para a juíza, o direito de liberdade de expressão, inexoravelmente ligado ao direito de protesto cívico, de reunião e manifestação e, sistematicamente descartado pelas elites política e econômica e brutalmente reprendido pelas forças coercitivas do Estado, precisa ser revisto não apenas uma garantia constitucional, mais, sim, como um tratado de proteção a todos os membros da sociedade civil, “A Organização dos Estados Americanos (OEA) indica a importância da liberdade de expressão com sua relação estrutural com a democracia, qualificada como estreita, indissolúvel, essencial, fundamental, de modo que o objetivo do artigo 13 da Convenção Interamericana é o de fortalecer o funcionamento do sistema democrático pluralista, mediante a proteção e fomento da livre circulação de informações, ideias e expressões de toda índole.” Ainda segundo Kenarik, o direito de liberdade de expressão: “trata-se, de uma ferramenta chave para o exercício dos demais direitos fundamentais e, por esta importância, encontra-se no centro de sistema de proteção dos direitos humanos.” Dessa forma, mesmo que vivemos tempos sombrios, de sérios atentados à nossa jovem constituição civil (ou o que restará dela) e do aumento progressivo de ondas de violência, pela mão da Polícia Militar, em periferias e em comunidades menos abastadas; pouco a pouco, percebe-se uma retomada gradual das ruas pela massa e, sobretudo, da vontade civil. Por maior que a desesperança e a falta de novas perspectivas para o País preponderem o sentimento geral da sociedade é preciso, uma vez mais, ter fé na luta constante por direitos cívicos e na manutenção de conquistas históricas para, assim, (re)construir um País que represente o povo que nele habita e não os empresários que abriga.
Outubro 2016
CONTRAPONTO
Como na ditadura
Exército infiltra agente no Tinder para “mapear” manifestantes
Por: Evelyn Nogueira
Capitão William Botelho é desmascarado, após a prisão ilegal de 18 jovens antes de ato contra o governo Temer
Mídia – Quando surgiram as primeiras reportagens da Ponte Jornalismo, o site espanhol El País também começou a publicar reportagens sobre a infiltração do capitão do exército na Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Willian Pina Botelho, em foto do Tinder e como capitão do Exército
© Reprodução: Site Ponte Jornbalismo
A verdadeira identidade do capitão, formado em Ciências Militares pela academia de Agulhas Negras (RJ), só foi confirmada por conhecidos
Willian depois que viram suas fotos como “Balta” publicadas no site da Ponte de
emboscada que prendeu o grupo de jovens. O El País publicou três reportagens envolvendo Willian a ação planejada. Tirando os veículos de mídia alternativa, como os pioneiros da repercussão, a grande mídia só deu atenção ao caso alguns dias após a primeira divulgação das imagens de Balta, e publicou apenas pequenas notas. Foi o caso do jornal O Globo, por exemplo, que publicou uma nota com o perfil de “Balta” no aplicativo Tinder, e falava que a infiltração do capitão do exército no grupo de manifestantes fora descoberta pelo jornal El País. A matéria vinculada ao Globo procurou o ministro da defesa, Raul Jungmann, que deixou claro que não se manifestaria sobre o caso envolvendo WIllian, e somente o Centro de Comunicação Social do Exército afirmou em nota a identidade de Willian.
© Reprodução: site Pontye Jornalismo
a noite do domingo, 4 de setembro, a Polícia Militar deteve 18 jovens em uma manifestação contra o governo Temer, em São Paulo. A manifestação, foi pacífica em todo seu trajeto, porém teve um pouco de caos no final, no Largo da Batata, quando a PM começou a jogar gás lacrimogêneo na população com o intuito de dispersá-la. A Secretaria de Segurança Pública do Estado afirmou que os manifestantes carregavam máscaras de gás, óculos, estilingues e vinagre, além de pedras e uma barra de ferro, que foi negado por eles. Na segunda-feira, 5, o juiz Paulo Rodrigo Tellini considerou a prisão como ilegal, e liberou o grupo de jovens após uma audiência que ocorreu no Fórum da Barra Funda. Entretanto, o caso precisou ganhar repercussão na mídia, e quase uma semana depois, a ação da PM se mostrou além de ilegal, planejada. Willian Pina Botelho, o “Balta”, foi o único integrante do grupo detido que não foi levado para o DEIC, e não muito tempo depois, foi apontado como infiltrado pelos demais detidos. Na noite da prisão, Balta postou em seu Facebook que tinha sido levado para outra delegacia, e liberado logo em seguida. No dia seguinte, agradeceu as orações por ele, e fez um post dizendo que passaria um tempo longe das redes sociais, com medo de sofrer retaliações de quem “não entende a luta”. O site Ponte Jornalismo foi quem divulgou as primeiras imagens de William, e também quem revelou que o falso militante de esquerda é na verdade capitão de inteligência do Exército, e utilizava o Tinder – um aplicativo de paquera – para se infiltrar em movimentos sociais, e se aproximava de jovens de esquerda. A reportagem publicada pelo site Ponte Jornalismo na sexta-feira seguinte a manifestação. 9, revelou que a infiltração do capitão no Tinder ajudou a Polícia Militar a deter o grupo de jovens na Vergueiro. Como a abordagem da PM foi extremamente bem calculada, e planejada literalmente para emboscar os manifestantes, logo perceberam que tinha algum infiltrado no grupo ajudando os policiais, e quando Balta foi o único liberado em seguida, não ficaram dúvidas de que ele era o ajudante da polícia de Geraldo Alckmin. A identidade do capitão só foi confirmada por conhecidos de Willian depois que viram suas fotos como “Balta” publicadas no site da Ponte. Formado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, o capitão ainda concluiu um mestrado em Operações Militares, e em 2013 lançou um artigo em uma conhecida revista militar, A Lucerna. Em momento algum Willian se afastou do exército, e portanto, foi um agente decisivo na prisão do grupo de jovens.
© Reprodução: site Ponte Jornalismo
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Willian Pina Botelho, o “Balta” Outubro 2016
O site do G1 publicou a primeira matéria envolvendo o caso apenas no dia 12, que afirmava que o ministério público de São Paulo estaria investigando a denúncia sobre a possível infiltração de um capitão do exército entre os manifestantes. Em entrevista ao site, a promotora de justiça Luciana Frugiuele afirmou que o grupo de manifestantes seria ouvido assim como “Balta”, e que todos seriam questionados sobre a presença do capitão, apurando se havia ou não autorização de seus superiores para participar de tal ação. Na mesma noite o Jornal Nacional publicou uma matéria com quase três minutos falando sobre a infiltração de Willian entre os manifestantes. A reportagem da Globo, assim como da Ponte procurou Willian em seu endereço, e o porteiro afirmou que não tinha ninguém em casa, mas confirmou o endereço do então conhecido como “Balta”. No dia seguinte o G1 voltou a publicar uma nota sobre o caso, quando um professor da USP compartilhou em seu Facebook prints de sua conversa pelo chat com o capitão do exército. As imagens publicadas no perfil do professor tinham o intuito de “colaborar com o esclarecimento dos fatos”, como o próprio disse em sua postagem. Outros grandes veículos de comunicação não publicaram notícias sobre o caso do capitão. A Folha e o Estado de São Paulo, por exemplo, não se manifestaram quanto a ação ilegal comandada pela polícia de Alckmin, tratando o caso como se fosse normal, e não abuso de autoridades.
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Cinema
A vida em 20 minutos
Por: Beatriz Gimenez e Luiza Amaral
Sem deixar de lado a produção Hollywoodiana, cineastas conseguem passar sua proposta em poucos minutos, abrindo espaço para os curtas-metragens
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© Divulgação: Flickr
homem sempre sentiu necessidade de registrar seu cotidiano, seja nos primórdios, por meio de pinturas nas cavernas, pela escrita, música ou, após a evolução da ciência óptica, através do cinema. O exato momento da criação do trabalho cinematográfico ainda é discutido, porém a maior parte dos estudiosos concorda que se deve dar a responsabilidade pelo feito aos irmãos Louis (1864-1948) e Auguste (1862-1954) Lumière que, em 1895, criaram o primeiro filme de que se tem registro. Com duração de apenas 40 segundos e intitulado A saída dos operários da fábrica Lumière, os irmãos filmaram os trabalhadores no fim de seu expediente deixando a fábrica, gravação essa que foi projetada para os integrantes da Sociétê d’Encouragement pour L’Industrie Nationale (Sociedade de Fomento à Indústria Nacional) no dia 22 de março, e dia 10 de junho fizeram uma demonstração particular de suas obras no Congresso Fotográfico, em Lyon. No dia 28 de dezembro, eles organizaram a primeira exibição de filmes de todos os tempos para um público pagante no Hotel Scribe, em Paris. Após 20 anos, a disseminação do cinema, ainda mudo, já havia acontecido por plateias ao redor do mundo e Charles Chaplin (1889-1977) ganhou fama após sua primeira aparição nas telas em 1914, momento esse em que apenas as técnicas de som, cor e 3D ainda não haviam sido inventadas. Os irmãos Lumière estabeleceram um padrão de duração e de método para a produção de suas obras. Eram utilizados filmes em rolos de 35mm de largura por 15 metros de comprimento, os quais, ao passar pelo cinematógrafo na velocidade média da época, resultava em um tempo de filmagem de, em média, 45 a 50 segundos. Com isso, é perceptível que o sistema ainda arcaico de produção limitava a gravação para um tempo extremamente curto, havendo uma barreira que só seria transponível com a futura evolução da produção cinematográfica, resultando em longas-metragens que podem chegar atualmente a até mais de 3 horas. Porém, a partir da década de 20, passou-se a entender o conceito de “filme” como uma sequência ou uma história contada em imagens com duração de 90 a 120 minutos, ou seja, qualquer obra que fugisse a essa definição, precisaria ser nomeada de forma diferente, surgindo assim, o conceito de curta-metragem. O curta-metragem, ou simplesmente “curta”, passou a ser utilizado para tipos específicos de filmes, assim como comédias as quais a história se dava em um tempo aproximado de 15 minutos. Como herança das comédias mudas principalmente de Chaplin, esse gênero evoluiu para o cinema falado com “O Gordo e o Magro” e “Os Três Patetas”, já na televisão, e aumentou seu tempo de duração para 25 a 30 minutos, permitindo a inserção de comerciais e entrando também com o conceito de “sitcom”. Além disso, durante as décadas de 20 e 30, Walt Disney,
Danilo Godoy
Eva Randolph
© Divulgação: Facebook
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© Divulgação: Facebook
O nascimento do cinema
Frederico Moreira
A partir dos anos 50, o cinema passou a ser visto também como uma matéria acadêmica e na década de 80 surgiu no Brasil a “Escola do Curta”. Dessa forma, o curta-metragem parou de ser visto como apenas um espaço de experimentação e passou a ser considerado um real formato de cinema
juntamente com outros pioneiros no campo da animação, definia o tempo de 6 a 8 minutos como ideal para suas obras, conquistando assim mais de 30 Oscars antes mesmo de prolongar a duração de seus filmes. Com base no curta de animação e sua capacidade de síntese e impacto visual, surgiram os comerciais de 30 segundos utilizados até os dias atuais. A partir dos anos 50, o cinema passou a ser visto também como uma matéria acadêmica e na década de 80 surgiu no Brasil a “Escola do Curta”. Dessa forma, o curta-metragem parou de ser visto como apenas um espaço de experimentação e passou a ser considerado um real formato de cinema. A “Lei do Curta”, criada em 1974 pela Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), ratificou esse conceito ao criar em poucos anos um mercado de produção e distribuição desse tipo conteúdo, mas, mesmo assim, ainda faltava um mecanismo de exibição de curtas para o grande público, o que culminou na inviabilização da lei no ano de 1990. Atualmente, eventos como o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo (Kinoforum) toma seu papel de disseminador, entretanto ainda existem poucos espaços para a população entrar em contato com essas obras, e os eventos que ocorrem têm pouca visibilidade. As diferenças entre curta e longa-metragem – O que se sabe, popularmente, sobre curtas-metragens, é muito básico: filmes de pouca duração. No entanto, esses breves filmes vão muito além disso. Segundo o cineasta Toniko Melo, curtas apresentam abordagem da trama
e tema diferentes de longas-metragens. “Curtas tem de ser mais contidos, às vezes sintéticos, o que pode ser um atrativo positivo para o público, se bem explorado”, diz o cineasta. Os curtas-metragens, geralmente, são produtos de experimentos para estudo de linguagem, explica Toniko, que acabam estabelecendo diálogo somente com o diretor, mas quando feitos com a proposta de criar cumplicidade com o público, são capazes de gerar interesse nas pessoas. Ele também conta que, apesar de um curta-metragem precisar de menos tempo de planejamento, não dispensa métodos requisitados num longa-metragem: análise técnica de roteiro, que calculará quantos atores e dias serão precisos para rodar o filme, além de levantar a necessidade de locações, viagens, cenários e efeitos. Tem-se, também, o costume de se achar que curtas-metragens têm, indispensavelmente, a função de contar uma história, com personagens interpretados por atores. Mas isso é um engano. O diretor e roteirista Danilo Godoy, de 26 anos, conta que os curtas-metragens estão por todo parte na internet, principalmente. Com o surgimento e popularização do YouTube, esses tipos de filmes, ou vídeos, passaram a ser mais comuns e, muitas vezes, possuem mais visualizações do que um longa-metragem que demorou, por exemplo, seis anos para ser finalizado. “As pessoas não têm paciência para ver mais de 5 minutos de vídeo na internet, então os vídeos mais curtos estão em alta” , diz Danilo. Para o cineasta, a grande diferença entre longas e curtasmetragens é o fato de que algumas histórias são
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© Reprodução: captura de tela do curta © Reprodução: captura de tela do curta
Cena dos curtas O sepulcro do gato preto...
© Reprodução: captura de tela do curta
...Quando os dias eram eternos...
© Reprodução: captura de tela do curta
...A vez de matar, a vez de morrer...
...Não me prometa nada mais longas e outras mais curtas, necessitando, respectivamente, de mais e menos tempo para serem contadas. Danilo explica que o tempo que um filme demora para ser feito, depende muito do cineasta . Ele dá o exemplo do filme Que Horas Ela Volta, de Anna Muylaert, escrito em 1996,
mas que só foi para as telas dos cinemas no ano passado (2015), o que não quer dizer que Anna passou todos esses anos fazendo o filme. “No meu caso, por exemplo, – conta Danilo – escrevi um curta-metragem de abril a junho de 2012, ele ganhou um concurso para produção em de-
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zembro de 2013, foi lançado em um festival em 2014, e em 2015 continuou em outros festivais. Só depois foi para a TV e internet. É possível, também, fazer um curta-metragem com o celular em um dia. Eu já gravei alguns assim, e finalizei todo o processo em um mês.” Técnicas cinematográficas – As pessoas vão com certa frequência ao cinema, mas pouco sabem sobre as técnicas de filmagem utilizadas para que os filmes ganhem o formato que têm, diferente em cada um. “No cinema há regras clássicas, tipos diferentes de planos, com imagens e intenções”, diz Danilo Godoy. O cineasta conta sobre os diferentes métodos usados no cinema, de posicionamento e movimentação de câmera, para causar o efeito esperado pelo diretor. Por exemplo, há o plongée e o contre-plongée que são, respectivamente, quando se filma com uma câmera olhando para cima e para baixo, engrandecendo ou diminuindo o ator ou atores. Dentro do módulo “enquadramentos” tem o plano fechado, que é quando se filma, por exemplo, o rosto de uma pessoa e só aparece ele na tela. E tem, também, o plano aberto, em que se vê, por exemplo, a vista inteira de uma cidade. Danilo conta, também, que o trabalho do diretor, de coordenar todos os artifícios em cena, que é tudo aquilo que você vê na cena de um filme: ator, cenário, luz e som, é a misancene. O que está fora do quadro é o extraquadro, que é, por exemplo, quando você escuta o telefone tocando num filme, mas ele não está em cena, está, portanto, fora de quadro. Todo o filme tem um roteiro, em que se tem as falas dos atores, e suas ações, além da sequência de cenas. Para que esse projeto possa ser desenvolvido, é necessário uma storytelling, “o processo de contar uma história”, diz Danilo. Existem narrativas clássicas, explica o cineasta, com começo, meio e fim. Nos primeiros minutos do filme você entende a situação: quem são as personagens, e um conflito inicial é apresentado. No meio tenta-se resolver esse conflito, e, no fim, tem-se o ápice, a reviravolta final, e ,finalmente, volta-se ao “estado comum” das coisas. “No meu caso – conta Danilo –, depende muito da história que estou escrevendo. O curta-metragem que fiz e ganhei um prêmio de estímulo, da secretaria da cultura, chama-se Minhas Piores Lembranças do Fim do Mundo, São Aquelas Que Não Guardei Por Nem Um Segundo. Esse filme surgiu do próprio título. Um dia acordei, peguei um caderno e anotei, “minhas piores lembranças do fim do mundo”, dai comecei a pensar o que essa frase significava, e a partir disso iniciei a história. Já o meu longa-metragem, chamado Sobrevôos, nasceu num dia quando eu estava voltando para casa, da rua, e me deparei com um contêiner vermelho gigante, aqueles de carga, na minha porta. Fiquei intrigado. Daí surgiu a ideia de escrever sobre uma família que morou mais de dez anos fora do Brasil, em Lisboa. E eu conto sobre o dia da sua mudança de volta para o Brasil. O meu processo criativo surge muito do meu dia-dia. Você sempre tem que estar aberto a momentos preciosos, porque depois eles viram material para o processo criativo.” 27o Festival Internacional de CurtasMetragens de São Paulo – Não me prometa nada foi um dos curtas apresentados no 27º Festival de Curtas-Metragens de São Paulo (Kinoforum). Com um roteiro e direção de Eva Randolph, montadora, roteirista e diretora de 33
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Giovani Barros
Marcus Vasconcelos
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anos, o curta conta a história dos primos secretamente apaixonados Hua e Ayon em somente 21 minutos. Porém, em meio ao Ano Novo Chinês e as preparações para as Olimpíadas no Rio de Janeiro, Ayon é chamado de volta para a China. Com o objetivo simplesmente de “contar uma história de amor”, Eva alegou sempre se sentir estrangeira por ser filha de imigrantes, além de ter se interessado muito pela cultura chinesa durante seus estudos na Espanha, o que contribuiu para a produção do roteiro. “Quando fui estudar fora, morei no bairro chinês de Barcelona e achei incrível a forma como mantinham sua comunidade. Segundo um adolescente que entrevistei, a China era como uma ilha, só que do tamanho de um continente. Um continente capaz de gerar sua própria cultura espontaneamente”. Mesmo com sua afinidade pela cultura do país, Eva não deixou de encontrar dificuldades pela frente. “O mais difícil foi reunir o elenco e locação. Tive muita sorte e contei com o trabalho de grandes parceiras como Elsa Romero, responsável pela direção de arte, e Julia Francesquini, que me acompanhou em 6 meses de pesquisa e casting”. A diretora também demonstrou se sentir em casa durante o Festival, mesmo com os recentes acontecimentos políticos. “Infelizmente as datas este ano coincidiram com o golpe, então não pude festejar tanto, mas sempre é uma alegria estar dentro do Festival”. Outro curta presente no festival foi A vez de matar, a vez de morrer com direção de Giovani Barros e roteiro de Daniel Nolasco e Giovani. Com duração de 25 minutos, a produção conta a história de um assassinato, mostrando para o espectador as causas e as consequências do crime. O diretor afirma ter abordado o tema “orgulho e vingança” com base em sua vivência pessoal. “O filme se inspirou em histórias que a minha mãe me contava quando eu voltava pra casa dela que ficava em uma vila no interior do Mato Grosso do Sul. O que me interessava bastante é que as histórias de violência que aconteciam na região acabavam virando quase lendas urbanas, eram histórias que estavam impregnadas no imaginário de todas as pessoas daquela região e isso me interessava muito enquanto possibilidade de dramaturgia e de como essas relações de masculinidade se davam ali”. Pensando principalmente em registrar o interior de seu estado natal, Mato Grosso do Sul, Giovani afirma que desafios não faltaram na produção de seu curta. Sendo o local de filmagem um vilarejo de apenas 3 mil habitantes, o acesso à hospedagem, internet e equipamentos foi dificultado, sendo necessário trazer ferramentas de outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro. “Eram muitos desafios, e acho que o principal deles era trazer todas essas coisas de vários estados e tudo funcionar em prol da produção do filme”. Além disso, o cineasta optou por utilizar um elenco local, e integrar os moradores à história do filme também foi um trabalho árduo. O Kinoforum foi um festival extremamente importante na formação de Giovani, uma vez que, como antigo estudante de economia em São Paulo, este foi seu primeiro contato com curtasmetragens e com o cinema brasileiro de forma geral, inspirando-o a futuramente formar-se em cinema. Além de já ter trabalhado no evento anteriormente, ele mostra sua gratidão ao ter seu filme escolhido para fazer parte da 27ª edição do festival. “Só posso dizer que fico muito feliz cada vez que um filme meu participa de um festival porque é uma possibilidade de novas pessoas estarem assistindo, de seu filme estar em outros
Toniko Melo lugares, abrir novas janelas, estabelecer contatos e criar relações de significado com as pessoas. Isso é o mais importante”. O cineasta Marcus Vasconcelos, de 30 anos, também teve um de seus curta-metragem, Quando os dias eram eternos, exposto no festival. O filme, de aproximadamente 13 minutos, inicia-se com o retorno de um filho a sua casa de infância, para cuidar da mãe doente em seus últimos tempos de vida. Todas as cenas são desenhos animados em branco e preto, o que, segundo Marcus, é por o filme ser baseado em uma dança japonesa que tem o(a) dançarino(a) com o corpo todo branco à frente de um fundo escuro. Outro detalhe é que esse curta-metragem não trabalha com falas, “o filme não parecia me pedir diálogos, é um filme que trabalha memória, que pra mim, é muito visual”, diz o cineasta. O processo todo, para a produção de “Quando os dias eram eternos”, levou em torno de três anos, e necessitou de trabalho em grupo, além de paciência e capacidade, como conta Marcus ser o necessário para se criar um desenho animado. Marcus considera incrível o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, pois esse se preocupa em exibir o que há de mais relevante nas produções de curtas-metragens do ano. O cineasta ainda comenta, “eu, particularmente, tenho Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
uma relação de muito carinho com esse festival. Lançar o filme no Kinoforum, pra mim, tem um duplo sentido: primeiro, de um reconhecimento por passar em um festival tão importante, depois porque me sinto muito em casa. É um lugar que fico muito a vontade para discutir e aprender.” O sepulcro do gato preto, um curta-metragem peculiar que mistura cultura e memórias, além de contar uma história sobre luta por território. Também esteve no Kinoforum e é autoria do cineasta Frederico Moreira, de 30 anos. O filme se passa na região noroeste da cidade de São Paulo, mais especificamente no distrito de Perus, onde estão situadas as ruínas da Cimento Perus, a primeira grande fábrica de cimento do Brasil. Nesse cenário encontram-se organizações populares que lutam, desde décadas atrás, pela conquista de direitos igualitários. A luta começou com os trabalhadores da Cimento Perus e foi continuada por seus filhos e netos, tornando-se algo cultural da região. “Retratar o resgate à memória a partir de um elemento que simboliza algo que tem a ver com nossa construção como sociedade faz com que possamos conhecer melhor a nossa própria história e assim gerar ferramentas pra ajudar a seguir em frente nas nossas buscas e questões como coletivo e indivíduo”, comenta Frederico. Por estar repleto de relatos, o filme pode ser considerado um documentário, e quanto a isso Frederico diz, “consideramos O sepulcro não apenas um documentário, como também uma ferramenta que soma-se à luta do povo resistente em Gato Preto.” Mas não há só fatos reais no curta-metragem, há nele fragmentos em que se apresenta uma história fictícia, a do desaparecimento de Billy. “O desaparecimento do Billy foi nosso apelo para retratar a cultura do desaparecimento. Um indivíduo que pensa ideologicamente diferente do Estado pode desaparecer da mesma forma que uma comunidade. Um pichador é assassinado pela polícia, assim como uma comunidade inteira é expulsa de seu lugar para dar espaço a galpões de logística”, explica o cineasta. Além disso, Frederico diz que junto à cultura do desaparecimento, vem o fim da cultura popular, da história e memória. Para diferenciar fatos reais e fictícios, o cineasta usou a ferramenta do preto e branco, assim quando queria simbolizar os fatos não reais, ou seja, a história paralela de Billy, as imagens ficavam sem cores. “O filme começa em um formato de ficção, os personagens vão em busca de um amigo desaparecido. Em um segundo momento aquela busca ficcional vai de encontro a algo real. Nesse momento abrimos a discussão do quanto a ficção também está retratando a realidade”, explica Frederico. Para o autor de O sepulcro do gato preto, esse curta-metragem tem como objetivo trazer à tona o debate da cultura do desaparecimento, a importância dos espaços para uso público, o direito à terra, o resgate às memórias, o esclarecimento sobre o funcionamento de uma estrutura de poder, e, principalmente, ser uma ferramenta para uso dos moradores de Gato Preto e Perus como forma de protesto. O curta-metragem de Frederico foi selecionado para participar do Kinoforum depois de fazer parte de outros festivais com menos repercussão, e considera ter sido uma boa experiência. Somandose a isso, o cineasta considera importante ocupar lugares como o CineSesc, o CCSP (Centro Cultural de São Paulo) e o MIS (Museu da Imagem e Som), pois é preciso aproveitá-los para trazer debates que nem sempre tem espaço para discussão.
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CONTRAPONTO
Música
O samba pede passagem
Por: Sofia Missiato
“Podem me bater / podem me prender / que eu não mudo de opinião / daqui do morro eu não saio não”
Cartola, uma vida de verde e rosa
na qual vinha se destacando pelas composições, época em que Noel Rosa e Carmen Miranda já eram seus amigos. Nos anos 1940 passando por muitas dificuldades, começou a desaparecer do meio artístico, e essa fase durou muito anos, dando grande espaço para as opiniões públicas constatar uma possível morte; porém na década de 50 apareceu novamente morando na mangueira e namorando Dona Zica. No começo dos anos 1960 tornouse zelador da Associação das Escolas de Samba do Rio, que funcionava num casarão no centro da cidade. O local começou a promover rodas de samba, alimentadas pela sopa de Dona Zica. O sucesso foi tanto que logo o casal abriria sua própria casa de samba e restaurante, o Zicartola, num outro casarão na rua da Carioca, também no centro do Rio de Janeiro. Vale ressaltar que os grandes frequentadores do casarão eram intelectuais, jovens universitários e outros grupos interessados em fugir da cultura que a ditadura exponha e disseminava. Mestres como Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, Zé Kéti e Paulinho da Viola foi no palco do Zicartola.
!CARTOLA VIVE! l Ocupação Cartola – Itaú Cultural apresenta: sábado 17 de setembro a domingo 13 de novembro de 2016 terça a sexta 9h às 20h [permanência até as 20h30] sábado, domingo e feriado 11h às 20h piso térreo – Entrada gratuita l Cartola O musical – O Mundo é um Moinho De Artur Xexéu, direção Roberto Lage e idealização Jô Santana. Sextas e segundas às 20h, sábados às 21h e domingos às 18h – 150 min (com intervalo de 15 min) – R$ 120 (inteira) R$ 60 (meia) Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
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á dizia Noel Rosa: ‘’O samba, na realidade, não é do morro nem da cidade e quem suportar uma paixão, saberá então que o samba vem do coração’’, e seu contemporâneo Cartola efetivou essa citação na sua mais bela trajetória de vida onde começou nos subúrbios do Rio de Janeiro. Angenor de Oliveira nasceu em 1908 na cidade do Rio de Janeiro. Era o mais velho dos oito filhos do casal Sebastião Joaquim de Oliveira e Aída Gomes de Oliveira. Apesar de ter recebido o nome de Agenor, foi registrado como Angenor – fato que só viria a descobrir muitos anos mais tarde, ao tratar dos papéis para seu casamento com Dona Zica na década de 1960. Foi filho de amante sambista, aprendeu aos 11 anos a tocar cavaquinho e logo criou o costume de olhar ‘as escondidas’ as rodas de samba perto de sua casa, aperfeiçoando assim, seu futuro dom. Na adolescência Cartola parou de estudar para trabalhar ajudando financeiramente seus pais, fazia vários ‘bicos’, mas foi na profissão de pedreiro que recebeu o famoso apelido ’’Cartola’’, tinha o hábito de usar um chapéu coco para não sujar seu cabelo, e seus amigos achavam que parecia mais com uma Cartola, nasceu assim um codinome. Porém as coisas não iam tão bem na casa de Cartola, seu pai não gostava de seu filho boêmio e como lidava com o trabalho, faltando muitas vezes para dormir, e foi com a morte de Aída, mãe de Cartola, que seu pai o expulsou de casa. Com apenas 18 anos Cartola se via morando sozinho, levando por algum tempo uma vida de vadio, bebendo ainda mais, criou um novo hábito de frequentar casas de prostituição, chegando até contrair doenças venéreas, perambulando pelas noites e dormindo em trens de subúrbio. Esses hábitos o levaram a se enfraquecer fisicamente, adoecido e mal-alimentado, e foi nestas condições que uma vizinha do seu barraco chamada Deolinda o encontrou e passou a ajudar Cartola, pouco depois formavam um casal. Com ajuda de seus amigos mas principalmente de Carlos Cachaça, com quem já havia composto alguns sambas, que Cartola se animava para adentrar no mundo musical novamente e foi em 1928 que a primeira escola de samba carioca se formava, seu nome ‘’Primavera de Mangueira’’ exalava verde e rosa para todos os lados. Em pouco tempo, a escola já ganhava reconhecimento do público, sendo Cartola o diretor de harmonia,
© Cynthia Brito
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Cartola e a primeira dama do samba, Dona Zica O Samba conhecido até então era da classe baixa, dos subúrbios; porém a classe média começou a aderir o estilo de música, que, ganhava seu espaço nas rádios. O samba era dado como ‘busca da identidade brasileira’ que valorizava o pensamento na música. No filme: Cartola – música para os olhos (2005) de Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, mostra que Cartola na sua segunda fase afirmava que o samba não era mais uma busca pelas raízes, mas uma reafirmação de um modo diverso pela identidade, era fazer frente a uma indústria cultural que era feita pelo governo militar.
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Por: João Gabriel
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eonardo Padura consagra, em tom Destes três pontos de vista, o livro apresenta emde romance policial, a história da briagante reflexão sobre o rumo do comunismo sob o morte de um sonho. O livro O Homem que mando de Stalin. A distorção completa de uma utopia da Amava os Cachorros (Editora Boitempo, São qual um burocrata se apropriou em benefício da própria Paulo, 2013) conta essa narrativa do ponto ascensão e busca pelo poder. Estão presentes aspectos de vistas de três personagens entrelaçados: fundamentais da hipocrisia stalinista, como o pacto e a seLeon Trotski, Ramón Mercader e Ivan. melhança com o nazismo, a perseguição sem precedentes Do ponto de vista do exilado, é traçada contra comunistas, as atrocidades e os crimes cometidos a história de terror do regime stalinista, que nos julgamentos e nos campos de concentração. não só assassinou muitos dos maiores comuOs capítulos, alternadamente, contam a história nistas do século, mas os apagou da memória de cada um destes personagens, em momentos difedo povo soviético, em prol unicamente da rentes de suas trajetórias que fatalmente se encontrabusca pelo próprio poder. Não à toa a comrão. Desta forma, a narrativa caminha em constante paração de Stalin com Luis XVI e a certeira crescente até o inevitável clímax, o cruzamento entre adaptação de sua frase para “La societé c’est Ramón e Trotski. moi” (“A sociedade sou eu” – p. 403). O amor aos cachorros é o denominador comum Ramón Mercader, o enérgico combaentre os três. É por meio da relação com os cachorros tente espanhol que passa pelo treinamento O Homem que Amava os Cachorros que o leitor conhece os mais íntimos sentimentos dos especial do serviço secreto soviético, é movido Autor: Leonardo Padura personagens, que confessam ali todas as suas dúvidas. pela adoração à figura de Stalin para, mesmo Editora: Boitempo - São Paulo, 2013 A crítica certeira ao stalinismo, entretanto, leva a com dúvidas, “cumprir qualquer missão, fazer qualquer sacrifício, inclusive coisas (...) amorais e até criminosas” (p. interpretações equivocadas. Foi o que aconteceu quando Padura se depa103) para seguir o caminho que acredita ser sua consagração como rou com o jornalismo brasileiro conservador. No programa Roda Viva do herói comunista. Não só acaba preso e esquecido, como também, em dia 19 de Julho de 2015 o autor foi confrontado pela jornalista Nathalia seus diálogos com o mentor Kotov, já após voltar à União Soviética na Watikins sobre a pobreza e miséria a qual o povo cubano são submetidos. segunda metade do século XX, descobre o mar de mentiras pelo qual Precisamente, respondeu que “em Cuba, ninguém morre de fome. De uma forma ou de outra, as pessoas comem e têm um teto. Há mais gente na foi engolido e convencido a assassinar Lev Davidovich. Ivan, escritor cubano que já foi prodígio, mas que trabalha como rua em um quarteirão aqui de São Paulo do que em toda Cuba”. Por tudo, O Homem que Amava os Cachorros é um livro necessário veterinário clandestino para sobreviver, é deixado de lado pelo regime cubano, que segue as diretrizes stalinistas, e cala qualquer voz dissonan- para a reflexão de esquerda. Uma obra que versa sobre a transfiguração te. Por acaso, em uma praia vazia encontra Ramón, que “desde o dia do que um dia foi o sonho de uma sociedade diferente, mais igual e justa em que o conheci, sempre chamei – o homem que amava os cachorros” para todos. Porque a história da morte de Trotski é a história de como Stalin (p. 28). Vagarosamente, Mercader lhe conta sua fantástica trajetória, assassinou não só este, mas 20 milhões de pessoas e o sonho socialista. deixada às sombras pela história inventada por Stalin. © Divulgação
RESENHA
O sonho Trotski e o pesadelo Stalin
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de uma hora para outra, o mundo colorido, torna-se cinza. Pobre menina que talvez tarde demais, percebe que está cega. Pensa que só ela, mas muito antes, outros também haviam sidos tomados pelo mesmo mal. Talvez essas pessoas tenham ficado tão presas nas suas próprias afirmações, esquecendo-se que existia todo um mundo lá fora. Esqueceram-se de buscar novas perguntas e foram morrendo aos poucos, pois viviam remoendo e convivendo somente com aqueles que concordavam com eles. Talvez ela se importasse demais. Sentia o mundo e sofria junto com ele, quando via a violência, a pobreza e miséria. Mas essas coisas tristes e trágicas, se tornaram primeiras páginas nos jornais e, na hora de seu jantar, via pessoas serem baleadas, mas já não se importava mais. Tudo tinha ficado sem importância. Tudo tinha se tornado banal. Talvez a TV e aqueles que falam nela, tenham certa culpa. Também cegos, por defender uma democracia que nem mesmo acreditam, e políticos cegos, sem palavras. Eles já gastaram as suas próprias, com promessas para se elegerem. Contudo, depois que não as cumprem, desaparecem, juntamente com a esperança de mudanças. Talvez ela tenha sido tomada pela ilusão de um novo mundo, mais globalizado, supostamente justo, com um sistema que há tempos se impunha. Ela deveria saber que não era verdade quando olhava para fora da sua janela e via pessoas que dormiam em um lugar sem portas e sem paredes. Talvez ela tenha sido contra esse novo mundo. Fez muito por sair dos muros do dia a dia, da ordem, do despertar e do adormecer. Mas o que viu lá fora era bem diferente do que esperava. © Ilustrações Tumbir
CRÔNICA
Triste mundo, triste menina
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Por: Julia Castello Goulart Via pessoas que gritavam contra a violência, agindo com violência. E elas se acreditavam certas, apenas por possuir seus próprios motivos. Talvez ela tenha visto de perto uma justiça, que deveria ser “cega”, mas mantém os olhos bem apertos e distintivos para aqueles que vão julgar. Uma justiça que vê raça, classe social, poder. Mas não vê suborno, violência dos que próprios agem em nome dela. A própria máscara que tampa seus olhos, que diz assim, ser igual para todos, não é mais que uma máscara que “mascara” a desigualdade de igualdade... Talvez ela simplesmente não consiga achar bonzinhos e maus em toda essa história. Quando vê países, que comemoram sua liberdade e independência, reprimindo, interferindo, causando guerras, para tirar a liberdade de outros, simplesmente por não estar a favor de seus próprios interesses. Pessoas que deveriam exercer a função de proteção, para assegurar essa tal liberdade, reprimem, agem com violência em nome de um Estado que se diz ser de todos. Talvez ela tenha visto o pior do ser humano. Seus interesses o fazem ser controverso, hipócrito e injusto. Talvez as pessoas estejam tão preocupadas por escolher um lado da história, que se esquecem que atrás de cada ato ou fala, existe uma pessoa, como ela própria. Triste mundo, triste menina. E talvez as pessoas que acharam motivos justificáveis pela sua cegueira de um dos olhos*, já estavam há muito tempo cegas. Não só elas, mas eu, você... todos nós. Ainda esperamos encontrar uma cura, para essa cegueira que afasta esse tal “ser” do humano. *Referência a menina que perdeu a visão de um dos olhos durante uma manifestação
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ANTENA
Por André Vieira
■ João Dória é eleito no primeiro turno; PT desmorona como sigla Em uma eleição marcada pelo alto índice de abstenções, nulos e em branco, que somados totalizaram cerca 38,84% de todo colégio eleitoral na cidade de São Paulo, o empresário João Dória (PSDB) se sagrou vitorioso, logo no primeiro turno, nas eleições à prefeitura na capital paulista. O tucano se elegeu com cerca de 53% dos votos válidos, deixando para trás Fernando Haddad (PT), com 16%; Celso Russomano (PRB, 13%; Marta Suplicy (PMDB), 11% e Luiza Erundina (PSOL), 3%. É a primeira vez na eleições de São Paulo, desde 1992, quando as eleições passaram a ter dois turnos, que um candidato consegue ter maioria absoluta de votos no primeiro turno. Assim como na capital, o PT teve na região metropolitana de São Paulo – GuaA legenda tem, desde sua fundação, seu rulhos, ABC, Osasco, Mauá, Embu das Artes e outras cidades – derrotadas pior desempenho nas prefeituras e nas significativas nas urnas para outras siglas. O “grande cinturão vermelho”, câmaras municipais pelo país como apelidado a região por analistas políticos que referendavam a predominância do partido na região, é hoje frágil e fragmentado, uma metáfora da representação do grupo petista hoje que ocupa apenas 256 prefeituras em todo País. A situação piora se analisarmos o número de vereadores que ocupam as cadeiras das câmaras municipais em cada município. Se tomemos como base as eleições de 2012, podemos observar que houve um encolhimento de cerca de 44,8% do número de representantes petistas nos cargos legislativos em cidades brasileiras, um número surpreendente que só pode ser explicado pelos escândalos de corrupção, supostamente, ligados à sigla e a deposição da ex-presidente Dilma Rousseff. © Reprodução: Futura Press/Estadão
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No mês passado, o país ficou perplexo com o curioso falecimento do ator e artista global, Domingos Montagner. Principal estrela do elenco da novela Velho Chico, na Globo, e conhecido nacionalmente por seu trabalho no teatro e, principalmente, no circo, o teatrólogo de 54 anos perdeu a vida enquanto nadava num afluente do rio São Francisco– represado pela Usina Xingó –, na Prainha do Canindé. Segundo a Atriz e colega de Domingos, Camila Pitanga, quando os dois estavam na água, se banhando após um longo de filmagens da novela: “a correnteza ficou forte de repente. Nadei rápido e conseguiu abraçar uma pedra. Vi Domingos nadar contra a correnteza, Conhecido mas ele cansou e afundou”. Para o sítio popularmente por de internet The Intercept Brasil, que estampar sorrisos, conseguiu documentos sobre a vazão Montagner deixa da Xingó no horário em que os dois uma legião de fãs artistas estavam na água, houve um aumento drástico no volume de água no afluente fazendo que, de uma hora para outra, a densidade da água mudasse tornado ela “pesada” demais para locomoção na água; segundo a Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), o afogamento de Domingos ocorreu devido a uma mudança na quantidade de vazão de água para o rio, por meio atendimento de consumo de energia automático e não em razão de um erro humana. O Ministério Público Federal (MPF) reprovou a falta de placas de sinalização e os demais dispositivos de alerta sobre os perigos da região, condenou a Prefeitura de Canindé de São Francisco a pagar uma grande indenização à família de Domingos e aconselhou a órgão administrativo da cidade a construir um teatro e uma escola de circo, onde o autor veio a falecer. ■ “Não” é predominante em plebiscito de paz com as Farc No último dia 3, colombianos foram às urnas votar sobre a ratificação do tratado de paz no conflito entre o estado colombiano e as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (Farc), que já dura mais de 52 anos e atingiu mais de 8 milhões pessoas, deixando 260.000 mortos. Com mais de 60% de abstenções às urnas – o voto não é obrigatório na Colômbia – e expressa maioria de eleitores das classes médias e altas, a medida foi derrota por 60 mil votos; sendo 50,2% “não”, 49,7% “sim”. A sinalização negativa urnas não representa, no entanto, uma rejeição da população colombiana pelo desejo de paz o estado da Colômbia e as Farc, mas, sim uma recusa pelas soluções propostas para que essa mesma paz seja instaurada no país.
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O resultado chocou o governo colombiano e a comunidade internacional que esperavam uma vitória tranquila do “sim”. Jornalistas e analistas políticos acreditam que dentre os principais motivos encontrados para recusa do tratado de paz, a desconfiança nas Farc foi um sentimento preponderante na rejeição do acordo e, sobretudo, a não ida de mais de metade da população colombiana – em sua maioria, os integrantes das classes menos abastadas. Além disso, a Bolsa guerrilheiro, os auxílios políticos para na inclusão na democracia representativa de estado e a anistia total e inexorável de todos os sequestros, mortes, atentados e terror físico e psicológico que a sociedade colombiana teve que aturar por mais de 50 anos, seja pelas forças de estado, seja pelas Farc – foram outros motivos os quais desestimularam o eleitorado colombiano e apontaram para o absurdo político que a proposta de refendo representava. Sendo assim, será necessário outra formulação de acordo de paz para, assim, incentivar a sociedade civil da Colômbia optar o cessar fogo.
■ MP de reforma à educação é recebida por protestos em todo País Num cenário de grande impopularidade de sua gestão no Governo, Michel Temer aprovou, mesmo cercada de polêmica, uma medida provisória sobre a educação. No dossiê, o Ministério da Educação (MEC) referendou mudanças importantes na carga horária dos estudantes, na obrigatoriedade de disciplinas, na qualificação necessária para docentes ingressarem à vaga de professor e, por fim, os conteúdos abordados nos vestibulares de todo País. Dentre as medidas discutidas para reformulação do ensino no Brasil, uma que chamou atenção foi a exclusão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que representa, em outras palavras, o fim do ensino obrigatório de artes, sociologia, filosofia e das aulas de educação física. A proposta de MP causou grande revolta nas redes, levando milhares de professores e defensores de um ensino de qualidade às ruas e aguçando, ainda mais a impopularidade de Temer. Tendo em vista as reações adversas que o projeto provocou o MEC recuou em sua decisão e adiou a votação da MP da educação para depois da aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), daqui a 120 dias.
A reforma beneficia quem? Qual a verdadeira intenção da MB ao “remodelar” o ensino médio?
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CO N T R A P O N TO
© Reprodução: filosofiahoje.com
■ A misteriosa morte de Domingos Montagner
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CONTRAPONTO
Tuca
Teatro da democracia
Por: Ana Beatriz Pattoli e Giulia Villa Real Seabra
e da resistência
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História de resistência – O Tuca garante uma longa trajetória política e cultural. Inaugurado em 1965 pela vontade da universidade, PUCSP, de ter um espaço cultural para discutir questões importantes na sociedade. A fundação do teatro que se iniciou em 1961 contava com a idéia de proporcionar arte no meio universitário e para camadas de baixa renda. E assim em abril de 1965 foram espalhados cartazes pelo campus perdizes anunciando “O Tuca vem ai” o teatro dos universitários da católica estava prestes a ser inaugurado em 1965. O teatro foi ganhando sua identidade política na época da Ditadura se tornando centro de manifestações contra o regime da época e atribuindo a sua história um papel importante no contexto histórico do país. Em 1968, o teatro sofreu interferência na produção cultural com a desagregação dos movimentos estudantis e a censura e exílio de grandes intelectuais. Nos anos seguintes com a postura do Tuca contra o regime seu palco contou com movimentos expressivos levando nomes que enfrentaram a censura como Elis Regina, Caetano Veloso e Chico Buarque. Um palco privilegiado por debates e atos públicos, idéias expressas claramente assegurando sua força e resistência. Em 1984 o Tuca passa por um período difícil sofrendo dois incêndios, um em setembro e outro em dezembro que o destruíram quase por completo. Foram instalados inquéritos para averiguar a suspeita de que haviam sido atos de cunho criminoso, o que nunca foi comprovado.
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Mais do que uma casa de espetáculos e entretenimento, o espaço tornou-se um símbolo da luta contra a ditadura
Sérgio Rezende, atual diretor do Teatro Tuca
© Divulgação
Tuca completa 51 anos em 2016
© Giulia Vella Real
sse teatro é mágico em todos os sentidos” aclama Sérgio Rezende, atual diretor do TUCA. O teatro nasceu no seio da Pontifícia Universidade Católica em 1965 e foi, desde seus primeiros passos, formado e influenciado pelos movimentos estudantis que permeavam as faculdades da PUC. Enraizado na história do Grupo Tuca, que carregava na sua essência a resistência cultural agregada a uma vertente política e artística, o Teatro da Universidade Católica, nesse momento de nascimento, já pré-definia o seu futuro: ser um berço emblemático de embates políticos, criações artísticas e cultura importante não só para a PUC como também para São Paulo. O teatro, que esse ano completa 51 anos, teve sua estreia histórica no dia 11 de setembro de 65, com a peça Vida e morte Severina, escolha proposital dando espaço ao texto nacional de João Cabral de Melo Neto e mais importante à um enredo que de ponta a ponta retratava a realidade do nordeste brasileiro além de estabelecer uma nova estética teatral. O Grupo que faziam parte do tal novo centro teatral contracenava no palco ao som de “Carioca”, apelido de Chico Buarque de Holanda na época. A peça, que antes era um tiro no escuro, se mostrou um grande sucesso, sendo encenada 227 vezes em território nacional, angariando fundos suficientes para o teatro realizar a revolução cultural em que mudanças sociais ocorreriam a partir de movimentos artísticos. O Tuca se tornou palco da história paulistana e de todo o país, lugar em que se construiu uma nova possibilidade de discutir política e de fazer arte.
Com a união da universidade, empresários, intelectuais e artistas em uma grande campanha para sua reconstrução o teatro contou com o projeto do arquiteto Joaquim Guedes para voltar a funcionar. Porém a insuficiência de recursos não permitiu a conclusão da obra. Em 1998 o teatro passa a ser reconhecido como Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo por ter sido sede de significativos acontecimentos artísticos e atos políticos. A reinauguração do Tuca ocorreu no dia 22 de agosto de 2003. A aparência atual do teatro reverbera seu passado marcado pela resistência. As paredes de tijolos inacabadas, o teto com as vigas cimentadas e fios de ferro a amostra lembram a todos aqueles que entram na construção o que na realidade nunca foi esquecido: a insurreição da comunidade cultural frente ao sistema autoritário e mais especificamente a consolidação do TUCA como um ambiente historicamente não só artístico mas combativo.
Eventos no Tuca Tuca Meio Dia – O evento que ocorre toda última quarta-feira do mês à 12h, em frente ao teatro é um projeto de intervenção musical. Rezende assina em baixo “Nós abrimos o TUCA Meio Dia como uma forma de apresentar novos valores, como uma forma de abrir um novo espaço para as pessoas virem aqui e apresentarem seu trabalho.”. O projeto que tem gerado grande repercussão no meio está com sua agenda lotada e praticamente fechada para 2017. Peças em cartaz: l Improvável Comédia Dias: Quintas-feiras às 21h30 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP
Esperando Godot Dias: Sextas e Sábados às 21h e Domingo às 19h Se fosse fácil não teria graça Tragicomédia Dias: Quintas-feiras, às 21h Vermelho Drama Dias: Sextas e sábados às 21h30 e Domingos às 18h00 O espaço que hoje tem infraestrutura para receber 672 pessoas sedia diversas peças que oferecem preços acessíveis, valendo ressaltar o preço especial para alunos e funcionários da PUC que pagam o valor simbólico de R$10,00. Além do espaço do teatro, há o chamado Tucarena, espaço menor que acomoda 300 lugares que tem como grande diferencial a quebra do padrão clássico italiano em que a platéia fica na frente do palco. No Tucarena o palco se localiza no centro e a platéia ao seu redor quase o abraça, oferecendo uma experiência mais íntima entre o ator e o público. “Os alunos, professores e funcionários sempre envolvidos com questões sociais e políticas proporcionam debates aqui, sempre relacionando-os a nossa história, por isso essa diferença em relação aos outros teatros, por isso essa importância do TUCA, esse diferencial de estar ligado a universidade é fundamental” se orgulha Sérgio Rezende. Assim, até os dias de hoje, o TUCA perpetua seu legado como um centro cultural que aborda e pauta não só peças como debates e palestras, abrindo suas portas “mágicas” para uma oportunidade de falar sobre os problemas brasileiros de maneira democrática e irreverente.
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Outubro 2016