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Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA Cícero Cotrim/Labfoto
2016.1
Protagonismo nas comunidades pelas vias da tecnologia Página 9 a 11
Página 12 a 15
Páginas 18 e 19
Términos de relacionamento e a exposição na internet
Jovens se aproximam da população com a tecnologia
Novas iniciativas digitais na educação infantil
N
Caíque Bouzas/Labfoto
a matéria de capa da segunda edição do semestre 2016.1 do JF, exploramos a atuação de jovens que usam a internet e as tecnologias digitais como uma plataforma para a difusão de conhecimento e luta por causas sociais. Em outro texto, mapeamos três projetos soteropolitanos que buscam outros moldes de educação, com processos mais abertos e horizontalizados (em grande parte, também com o auxílio da tecnologia). No limiar entre a formação e o mercado de trabalho, investigamos a precariedade à qual os estudantes estão submetidos em sua atuação nos estágios. Destacamos problemas comuns na capital baiana, como a carga horária abusiva e bolsas abaixo da média nacional, e esclarecemos o papel das faculdades e dos órgãos intermediadores na garantia dos direitos dos estagiários. Também tratamos dos profissionais que optam por outro caminho e abrem mão do diploma universitário: pessoas que transformam o hobby em profissão e contam com a internet tanto como um meio de aprendizado quanto como uma forma de divulgação dos seus trabalhos. Depois de abordar a troca de nudes na primeira edição, damos prosseguimento à temática dos relacionamentos em rede. Nesta edição, trazemos uma matéria sobre a superexposição dos namoros (e seus términos) em tempos de hiperconectividade, destacando a influência das redes sociais nos nossos envolvimentos afetivos. Traçamos também um panorama da prostituição masculina em Salvador: quem são os garotos de programa? Onde oferecem seus serviços? Quais são os inconvenientes dessa ocupação? Desejamos uma boa leitura e até o próximo semestre!
Produção da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso Segunda edição, semestre 2016-1 Reitor: João Carlos Salles Diretora da Facom: Suzana Barbosa Coordenação Editorial: Graciela Natansohn-DRT/BA 2702 Edição de Arte e Diagramação: Vinicius Gericó Outubro 2016 Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia Rua Barão de Geremoabo s/n, Campus de Ondina CEP 40.170-115 Salvador – Bahia — Brasil
Repórteres (turma 2016.1) Artur Mello, Beatriz Bulhões, Bruna Leite, Carla Silva, Cristian Reis, Flávia Lima, Gess Alencar, Jaqueline Leão, Kelven Figueiredo, Lara Pinheiro, Larissa Silva, Laura Lorenzo, Lilian Galvão, Lucas Brandão, Luiza Leão, Marcos William, Marina Aragão, Marina Montenegro, Naiane Aline, Pablo Santana, Priscila Silva Santos, Rafaela Oliveira, Sara Lima, Victória Libório, Vinicius Gericó, Yumi Kuwano
Editor chefe: Ygor Bahia
Fotógrafos: Aniel Soares/Labfoto , Cícero Cotrim/ LabFoto, Kelven Figueredo, Marco Correia/LabFoto, Natácia Guimaráes/LabFoto, Vinicius Gericó, Yumi Kuwano
Editores: Lara Pinheiro - Política & Sociedade
Projeto Gráfico: Amanda Lauton Carilho/EDUFBA
Gess Alencar - Educação, Ciência e Tecnologia,
Distribuição gratuita
Yumi Kuwano - Cultura e comportamento,
Contato: jornaldafacomufba@gmail.com
Consultoria de Arte e Diagramação: Carla Risso, - MTb 19.260
Artur Mello -Fotografia Marina Aragão - Cidade
Os 15 minutos de fama do Pokémon Go Kelven Figueiredo
O jogo sofre com a perda diária de usuários após grande sucesso mundial
O jogo teve recordes em dowload no Brasil e no mundo, mas nas últimas semanas tem perdido usuários em todo o mundo.
Kelven Figueiredo
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okémon GO entrou para o livro dos recordes cinco vezes na semana em que foi lançado, no mês de julho de 2016. Considerada a atividade mais utilizada do sistema Android, ultrapassou funções como acessar o menu e aplicativos como Facebook, Snapchat, Instagram e Tinder. Contudo, o jogo vem perdendo jogadores diariamente. De acordo com a empresa de análises Apptopia, já perdeu 15 milhões de jogadores desde a data de seu lançamento até o final de agosto. A empresa lança constantemente novas versões do jogo, corrigindo bugs e implementando novos recursos, mas não parece ser suficiente para manter o público fiel. “É visível que a Niantic lançou o jogo antes de ter uma versão final do sistema” diz Lucas Arraz, 22, fã da franquia Pokémon há 10 anos. “Isso resulta em duas coisas bem desmotivantes, que são os bugs e a falta de coisas para fazer dentro do jogo”, completa Arraz. Pokémon Go é pioneiro em misturar a realidade com o virtual, uma vez que o jogador precisa caJORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
minhar no mundo real para se movimentar no jogo. Um dos objetivos da plataforma é fazer o usuário andar pela cidade, conhecer novos lugares e até mesmo novos jogadores. Entretanto, na prática, os objetivos do jogo não conseguem ser alcançados. “Falta um sistema de interatividade, falta também uma forma de adicionar amigos, um sistema de troca e batalhas entre amigo.”, aponta Levy Teles, 19, que acompanha Pokémon há 14 anos. Outro fator no qual o jogo peca é na distribuição de Pokéstops - lugar onde jogadores podem conseguir itens gratuitamente - e ginásios - lugar onde jogadores podem batalhar entre si. Em bairros mais populares a quantidade dessas Pokéstops e ginásios é menor do que em regiões de classe média e alta. Arraz relata que, ainda quando era assíduo no jogo, em uma de suas viagens para a cidade de Itabuna - interior da Bahia -, só existiam duas Pokéstops e um ginásio em toda cidade. Ele afirma ainda que os jogadores da cidade precisavam comprar os itens para jogar. “É absurdo” comenta. Esse não é um problema exclusivo de Itabuna.
Há relatos em várias cidades do interior do Brasil de pessoas se queixando da falta de Pokéstops e ginásios em suas localidades, o que acaba influenciando na jogabilidade e ritmo da plataforma. Outra crítica feita ao jogo é que ele consome muito a bateria do celular. Essa foi uma das razões que desmotivou o estudante de Direito Bernardo Freitas, 25, fã de Pokémon há 16 anos. Ele acrescenta que, “o jogo não possui nenhum tipo de estratégia e o formato de batalha atual é sem graça”, critica. Em resposta, a Niantic comunicou através de suas redes sociais que já existe um projeto para a melhoria das batalhas para torná-las mais estratégicas e mais parecidas com os jogos da franquia. Também prometeu estabelecer um sistema de trocas entre os jogadores, o que pode possibilitar maior interação entre eles. Mais recentemente, devido a reclamações dos usuários, a empresa elaborou o modo “Battery Saver”, que reduz o consumo de bateria do aparelho celular, embora essa redução não seja muito significativa.
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UFBA, precisamos falar sobre o Buzufba Criado para solucionar problemas estudantis, Buzufba acumula reclamações diárias dos alunos da universidade
Artur Mello
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Ajudando a UFBA a construir um melhor Buzufba
Cansado com a falta de organização da UFBA em relação Buzufba, sistema de transporte coletivo da Universidaà divulgação dos horários e rotas do transporte, e atendendo de Federal da Bahia (UFBA), foi criado no semestre de a reclamações de alunos que se viam perdidos em meio a ta2012.2 para atender às demandas e dificuldades que os manha desorganização, Fábio Senna, estudante do 7º semesalunos universitários encontravam na locomoção entre os camtre de Economia, decidiu criar por conta própria um site, “Para pi. Com a ideia inicial de facilitar a vida dos mais de 40 mil esOnde Vai Este Buzufba”, em que os alunos poderiam saber os tudantes da Universidade, o serviço hoje se encontra defasado roteiros e horários do Buzufba. Esta iniciativa surgiu porque, e com uma série de problemas que acabam por dificultar mais segundo Senna, a comunicação da Universidade não acompaainda a vida dos estudantes que tentam utilizar o transporte. As nha o avanço dos novos meios tecnológicos de troca de inforqueixas variam entre o atraso para sair, superlotação, insegumações. rança e uso do serviço pela comunidade externa da UniversidaO site traz a informação completa de todas as rotas que de. eram utilizadas pelo bus, mas hoje está defasado por conta Não há dúvidas de que a criação do serviço do Buzufba foi das constantes mudanças de rotas. “No último mês, a Pró-Reide grande auxílio para os alunos que, antes, para se locomover toria de Administração (PROAD) realizou diversos testes e alentre os campi mais distantes da UFBA, tinham que escolher enterações nas rotas. Criaram novas linhas e o serviço virou uma tre pegar ônibus comuns ou não cursar a matéria. No entanto, verdadeira loteria: o Buzufba que ontem fazia um roteiro hoje o serviço, que começou com uma frota de quatro ônibus e hoje faz outro, e ninguém sabe. Isso defasou o site de uma forma possui sete veículos, ainda é muito precário e não atende de maespetacular. Antes, os estudantes tinham neira completa às necessidades dos estuas informações corretas, e agora nem eu e dantes da UFBA. nem ninguém sabe de mais nada”, afirmou Em uma viagem é possível encontrar Eu espero uns 40 minutos, Fábio. alunos de diferentes cursos com as mesmas porque eles têm um horário de Os alunos deveriam ter mais espaço de queixas. É o caso da Thais Borges, estudansair e não respeitam isso participação nas decisões e mudanças de te de Psicologia, que conta que já perdeu diThais Borges rotas do Buzufba, já que são eles os mais versas aulas por conta do atraso do ônibus beneficiados. É o que opina Senna, pois e o superlotamento de alguns. “Eu espero “o ideal seria a criação de uma Comissão uns 40 minutos, porque eles têm um horáPermanente do Buzufba com participação dos estudantes”. rio de sair e não respeitam isso. A fiscalização sobre eles é muito Pior está para quem estuda na Faculdade de Economia, na Piefraca. Muitas vezes eles chegam lotados e você tem que esperar dade. “Em janeiro de 2014 o então Pró-Reitor Dirceu Martins o próximo Buzufba, e isso acaba te atrasando demais. Eu já perdi anunciou que seria acrescentado um ônibus grande que atenaula várias vezes, porque tem dias que a aula é 7 horas e o Buzuderia à Piedade com catracas e tudo mais”, lembra o estudanfba só passa 7h30”, conta a estudante. te, “mas isso nunca aconteceu”, conclui. Para ele, Buzufba é Outra queixa muito comum é o problema com a identificação sempre “uma lenda”, desabafa. das pessoas que utilizam o serviço, que foi criado para atender a comunidade universitária. A aluna de História Erica Mendes Fala a Proad acredita que deve haver uma melhora neste quesito. “Tem que Apesar das reclamações dos alunos quanto aos horários existir um sistema de identificação, mas não pode ser um sistedo Buzufba, os ônibus têm os horários marcados para saírem ma burocrático, porque ao invés de ajudar vai atrapalhar mais e o cumprem, é o que afirma Iuri dos Reis, Servidor da PROAD ainda”, opina. A aluna ainda falou que muitas vezes já presene atualmente no Núcleo de Transportes da UFBA, responsável ciou comportamentos hostis dos motoristas com os alunos e inpelo funcionamento do Buzufba. “Às vezes os alunos não endicou que deve haver uma maior fiscalização sobre este aspecto.
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Aniel Soares/Labfoto
Todos os dias estudantes que usam os ônibus da UFBA encontram conduções lotadas nos horários de maior fluxo de estudantes, normalmente nos intervalos entre turnos.
tendem que ter vários ônibus parados no ponto de Ondina não é sinônimo de desleixo da nossa parte. Cada ônibus tem sua rota e o horário certo para sair, caso contrário ele acaba chegando mais cedo nos pontos e os alunos serão mais prejudicados ainda, pois não terão saído da aula quado o motorista chegar no ponto”, afirma Iuri. Quando questionado sobre a falta de interlocução da Universidade com os alunos sobre os detalhes das rotas e horários de funcionamento do Buzufba, Iuri ressalta que há um grande esforço por parte da UFBA em estabelecer esta comunicação. “Nós estamos nos esforçando para JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Nós estamos nos esforçando para deixar os alunos satisfeitos e por dentro do Buzufba Iuri dos Reis
deixar os alunos satisfeitos e por dentro do Buzufba. No site da Proad nós disponibilizamos todas as rotas e horários de saída atualizados, nós prezamos por esta comunicação eficaz. As mudanças que fizemos foram pensadas para ajudar
os alunos, testamos muito antes de aplicá-las e depois informamos no nosso site”, conclui. Apesar de todo o avanço e benefícios já alcançados pelo sistema e todas as tentativas da comunidade de ajudar a Universidade na melhora do funcionamento do serviço, o sistema do Buzufba, além de não dar conta de todas as necessidades dos próprios estudantes, não apresenta condições de conforto e segurança para os alunos trafegarem pelos campi da Universidade. Contatado, o atual Pró-Reitor de Administração não deu retorno à nossa equipe.
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Michês: dinheiro rápido, mas não fácil Sites, saunas e ruas diversificam os locais de prostituição masculina em Salvador Marina Aragão
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os jovens adolescentes da Grécia Antiga aos michês do século XXI, a prostituição masculina é cada vez mais recorrente na realidade das cidades. Conhecida como a profissão mais antiga do mundo, a prostituição baseia-se no sexo pago e, apesar da popularidade, ainda carrega consigo a reprovação e o preconceito. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apesar de ter sido cadastrado, em 2002, pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o “profissional do sexo” não tem sua atividade reconhecida como emprego formal. Em Salvador, os michês oferecem seus serviços nas ruas, atividade coloquialmente chamada de prostituição aberta, ou em locais mais reservados, como saunas e sites. “A prostituição aberta é identificada em ambientes públicos. Na Barra e no Porto existem vários homens que prostituem-se constantemente. Já na prostituição fechada, há garotos de programas em saunas e clubes da cidade, além do espaço virtual”, explica o historiador e pesquisador do assunto Élcio Gomes. Marcados pelo estereótipo da virilidade, os homens baianos são muito procurados tanto em Salvador quanto no exterior. Espanha e Itália são os países com maior preferência por rapazes brasileiros. “Existe a percepção de que o baiano, especialmente o negro, sabe fazer coisas [sexuais] que os outros não sabem, por isso são mais solicitados. Os turistas já vêm para cá com essa visão”, aponta Gomes. Espaço virtual Antes nos jornais, hoje a divulgação acontece essencialmente na internet. Sites destinados ao serviço, blogs e redes sociais são os principais meios nos quais os garotos de programa - ou GPs, como costumam se identificar - promovem seu trabalho no espaço virtual, em nome da segurança e da comodidade.
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Fotos: Natácia Guimarães/Labfoto
Pedro Rangel, nome de trabalho, 25, atua na área há cerca de três anos. Anunciando seu trabalho na internet. Pedro assume que sempre optou pelos sites por conta da discrição e da existência de um público com maior poder aquisitivo. “Eu prefiro pagar ao site, atender os clientes que pagam bem e que são educados”, revela. Ele admite que entrou na profissão por conta da rentabilidade. Sua antiga barbearia nunca conseguiu proporcionar o que a prostituição, seu único meio de renda atualmente, lhe dá. “Ser garoto de programa é um vício porque sabe-se que sempre haverá dinheiro rápido, estamos acostumados a ganhar todos os dias”, conta. Por ser heterossexual, Pedro menciona as relações com o grande público masculino como a principal dificuldade da profissão. “É difícil me relacionar com pessoas que eu não sinto vontade. A procura feminina é muito pequena. A maioria [dos clientes] é masculina e 80% dos homens são casados com mulheres. Fazemos aquilo que não gostamos por dinheiro”. Além disso, pontua que precisa abrir mão da vida social. “Essa profissão nos prende muito, ficamos em casa na expectativa de receber ligações. Isso não é vida para se manter por muito tempo”, assegura. Saunas e clubes
O dinheiro é o principal atrativo para os garotos de programa em Salvador.
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As saunas masculinas são locais para encontros, com conhecidos ou não, nos quais homens vão em busca de socialização e sexo com outros homens. Segundo Gomes, em algumas saunas os garotos de programa trabalham regularmente, pagam uma taxa para estarem lá e seus ganhos consistem apenas na quantidade de clientes que atendem. Mas existem saunas onde não necessariamente há a presença de michês. “Nessas, as pessoas marcam encontros pessoais e não são ‘incomodadas’ por ninguém”, explica. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), Salvador possui pelo menos 10 saunas, localizadas geralmente em regiões mais centrais da cidade. No entanto, é difícil mensurar a quantidade de ambientes como esse, pois a procura é grande e frequentemente são abertos novos clubes e saunas.
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Thiago*, 22, trabalha em uma sauna no centro da cidade há cerca de dois anos. “Comecei a me prostituir através de um amigo que já atuava na área. Entrei na profissão na tentativa de aumentar a renda familiar. Mas, hoje deixei de fazer os ‘bicos’ antigos para ser apenas garoto de programa”, relata. Segundo ele, os michês seguem as regras já estabelecidas nas saunas referentes a horário, valores e comportamento. Os programas já possuem um valor padrão, mas podem variar de acordo com cada michê e seu combinado com os clientes individualmente. “Nós cobramos, em média, R$ 80,00 por cliente, mas há aqueles já conhecidos que pagam mais, ou os que não nos pedem muito, e acabamos cobrando menos”, conta. Os garotos de programa de saunas estabelecem um código de silêncio entre eles. Por receio de serem considerados homossexuais tendo em vista as frequentes relações com homens, os michês omitem o papel que exercem durante as relações com os clientes e os preços dos programas. Thiago*, namorado de uma mulher, afirma que as relações com o público masculino é puramente profissional. Aberto ao público Diferente da prostituição feminina, a rua é o local menos frequentado pelos garotos de programa. Por medo da violência e das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), poucos michês apostam nos locais abertos como ambiente de trabalho. Para o antropólogo Tedson Souza, nas ruas da capital baiana, ocorrem os “bicos” da prostituição. “Percebo que Salvador tem uma característica diferente de outras cidades do país”, comenta. “Aqui a relação ‘casa grande e senzala’ ainda é muito viva e a prática é bastante amadora. Um agrado, uma cerveja, um tênis em troca de favores sexuais ou uma ponta de 50 reais. Não é um pagamento expresso, é um mimo. A relação é pouco profissional”, avalia. A rua também é cenário de condutas criminosas. Menores de idade são vítimas do mercado do sexo. Rafael*, 16, iniciou na prostituição aos 15 e trabalha na região da Pituba, próximo a um motel do bairro. A falta de dinheiro foi o motivo para tornar-se garoto de programa. “Minha família é pobre, possuo muitos irmãos e não tenho pai, por isso comecei a me prostituir”, explica. Rendendo-lhe, em média, R$ 400,00 por noite, Rafael* relaciona-se essencialmente com homens. Policiais e empresários com alto poder aquisitivo são os que mais lhe procuram. Entretanto, por estar na rua, cita a violência como seu principal medo, além dos clientes que não queiram pagar pelo serviço. Existe uma linha tênue entre a informalidade e o crime. Garotos de diferentes idades submetem-se às condições arriscadas do comércio sexual em busca de uma estabilidade financeira. *Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistadosO
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Sites na internet com anúncios têm se destacado no mercado sexual.
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Devemos expor na internet os amores que acabam? Fotos: Flávia Lima
Uma produtora de casamentos, um estudante e uma administradora num relacionamento “ioiô” falam sobre a internet após términos
O Facebook e outras redes sociais possuem configurações para que os usuários possam escolher o que mantém privado.
Flávia Lima
A nova esfera pública
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Para Luciana São Pedro, a superexposição vale a pena. A administradora de 31 anos adora expor seus relacionamentos nas redes sociais. Para ela, seus amigos e familiares querem saber sobre vários aspectos de sua vida pessoal, incluindo sua vida amorosa. “Nas redes sociais eu coloco que estou num relacionamento sério, coloco fotografias, coloco mensagens românticas sem nomear [o namorado], deixando subentendido que é pra ele. De vez em quando a gente briga e volta, eu tiro relacionamento sério e faço aquela exposição de que estou solteira. Quando a gente faz as pazes, eu coloco que estou num relacionamento sério e volto com as mensagens fofas”, diz a administradora.
ygmunt Bauman estava certo, o amor moderno é líquido. Dissolve-se com facilidade, é difícil de não fazer bagunça e, principalmente, precisa ser transparente como água para quem o observa. Na atualidade, relacionamentos virtuais, além de frágeis e liquefeitos, são superexpostos; desde a solicitação de “amizade” nas redes sociais, a “mudança de status” de Facebook e até o “unfollow” no Twitter. Na efervescência da exposição de momentos felizes em fotos clichês no instagram, ninguém pensa no término. E quando o relacionamento finalmente evapora, você não precisa ser Fátima Bernardes ou Gregório Duvivier para correr o risco de também pôr o fim a sua privacidade. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Já o estudante Caique Gomes, de 19 anos, ainda não gosta de expor demais o seu relacionamento na internet. Durante quatro anos, o estudante não colocava nada sobre o seu relacionamento anterior no seu mural do Facebook; era escondido dentro e fora das redes sociais, sem direito a “mudança de status” ou até mãos dadas na rua. Quando o relacionamento acabou, ele e seu ex trocaram indiretas virtuais. “Eu tava triste então eu mandei. Ele recebeu, eu sei que ele recebeu porque eu vi reações, mas não dá em nada. É um mico da p... porque todo mundo vê que é indireta. Hoje em dia não tenho nem vontade”, assume. Luciana também percebe algumas desvantagens de expor o término do relacionamento e continuar mantendo o contato com o ex. “No caso do meu ex
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namorado, ele colocou que tava solteiro. As amigas guem um ao outro na rua. A série sugere contextos começaram a curtir falando ‘vamo sair’, ‘vamos sociais futurísticos em seus episódios, mas o que marcar de nos encontrar’. Até paqueras anteriores parece é que o futuro já chegou. dele [comentaram] e aí eu fiquei muito incomodaSe os términos ajudam alguns negócios, prejuda. Principalmente porque depois dessa situação dicam outros. Fernanda Rocha não reclama do seu nós voltamos”, diz Luciana. trabalho. A empresária de 31 anos adora ser orgaMas ela não é a única a “stalkear” o ex amor. nizadora de casamentos, mas alguns términos de De acordo com uma pesquisa realizada em 2012 relacionamento quase causaram transtornos para pela Nokia em parceria com a TNS Research, dos a sua empresa. “Já tive casos de pessoas que con601 brasileiros e brasileiras ensumaram o casamento e depois trevistados, 67% deles afirmam de alguns meses separaram. que checam o perfil das ex parTeve um caso em particular que ceiras ou parceiros. depois de onze meses o casal se Tiro relacionamento Pensando nisso algumas emseparou. Na época ela me pediu sério e faço aquela presas criaram aplicativos para para tirar as fotos de divulgação exposição de que estou varrer o ex da internet. De acordo do casamento dela da rede social solteira com o Site Block Your Ex, o aplida empresa. Então respeitamos o Luciana São Pedro cativo The Ex-Blocker já removeu direito de uso da imagem e remo23.298 dados de ex namorados e vemos”, disse a organizadora. namoradas. Além desses, outros aplicativos como A página do Facebook é uma das formas de KillSwitch, Ex Lover Blocker, Eternal Sunshine, Nemostrar os casamentos feitos pela empresa, por ver Like It Anyway, Drunk Dial prometem remover isso, ao excluir as fotos do casal que terminou, a os dados do “falecido” ou “falecida” dos navegadoempresa deixa de divulgar sua produção. A estrares e redes sociais. É parecido com a cena da série tégia é manter algumas fotos do casamento que Black Mirror, quando o personagem Joe Potter (innão mostrem o casal, excluindo as fotos do amor terpretado por Rafe Spall) é literalmente bloqueacompartilhado que não existe mais. do pela ex, impedindo que ambos sequer enxer-
Perigos do amor líquido online: O pornô de vingança é uma das exposições após término mais danosas na internet. Mesmo com a atualização de política de privacidade em sites como Facebook, Google e PornHub, com o processo de modificação da lei como PL 5555/2016 - projeto que aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania - e com a iniciativa de grupos para criação de sites para relatar casos, criar consciência dos danos causados pelo ato criminoso, a prática de ameaçar ou publicar fotos ou vídeos íntimos não autorizados ainda é frequente. De acordo com a organização de defesa de direitos humanos SaferNet Brasil, foram recebidas e processadas 3.746.062 denúncias anônimas com relação a páginas com conteúdo de pornô de vingança em 10 anos. Grande parte dessas denúncias ainda é feita por alguém que terminou um relacionamento.
Luciana São Pedro diz gostar de exibir todas as fases dos seus relacionamentos em suas redes sociais.
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Caique Gomes prefere filtrar o que da sua vida é exposto na internet.
Luciana acredita que não há mal em saber da vida amorosa alheia. “A partir do momento que A cultura de expor os relacionamentos na ineles se tornam figuras públicas, esses aspectos ínternet é até previsível. No livro The Breakup 2.0: timos, de se tá junto ou tá separado de alguém acaDisconnecting over New Media (ainda inédito no bam sendo de curiosidade geral. Eu particularmenBrasil), a antropologista cultural Ilana Gershon te sou curiosa”. Mas o que acontece quando todos argumenta que se expõe términos de relacionanós passamos a ser figuras públicas por causa da mentos porque é algo considerado positivo pela exposição na internet? Redes sociais, blogs e o yousociedade. Para a autora essa prática é tão hatube estão saturados de pessoas comuns expondo bitual que se tornou um “idioma de prática”, um suas vidas pessoais, incluindo seus términos de retipo de atitude esperada na internet, funcionando lacionamento. O facebook se tornou a nova revista como um protocolo social legitimado. Na web a de fofoca e com um smartphone e internet 4G você celebridade é cobrada pelos seus fãs sobre mais pode ter seu próprio reality show. Por causa disso, informações pessoais, é comum saber sobre quem mais e mais pessoas espetacularizam suas vidas ela está namorando ou acabou privadas em espaços virtuais, de terminar, principalmente porespaços esses que trazem conseque isso foi normalizado desse quências para além da rede. Nunca vi uma pessoa jeito. E toda curtida, comentário Segundo dados do IBGE (Insfazer um texto tão ou retuitada pode incentivar o tituto Brasileiro de Geografia e hábito expositivo. Estatística), desde 2014 mais da romântico e amoroso Nem foi preciso perguntar metade da população brasileira para uma ex Fernanda Rocha sobre Brangelina para Caique tem acesso a internet. O Brasil e Luciana. Ou sobre as novas é o 5º país com mais conexões solteiras Taylor Swift ou Luana online do mundo. Se há fórmula Piovani. Os términos de relacionamento das cepara lidar com os relacionamentos líquidos ainda lebridades estão presentes em todos os sites de não se sabe, mas para esse percentual em rede, a notícia de entretenimento. Fernanda comentou habilidade ou falta dela para lidar com o fim dos resobre Gregório Duvivier logo no início da entrevislacionamentos na web não importa. Ainda haverá ta. “Eu nunca vi uma pessoa fazer um texto tão superexposição de relações amorosas e seus fins se romântico e amoroso para uma ex”, comenta soainda houver quem “curta”, afinal esse foi o idioma bre a carta aberta que o artista postou sobre a ex que aprendemos. Porém, para que haja mais térnamorada na sua coluna da Folha de S.Paulo, no minos sem transtornos talvez seja necessária uma mês passado. nova gramática. Meu facebook, minhas regras?
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Jovens se aproximam da população com a tecnologia Fotos: Divulgação
Projetos reaproveitam objetos e levam conhecimento a quem não tem acesso
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Cristian Reis
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ovem, 21 anos, negra, militante desde que se entende por gente, cheia de sonhos, moradora da periferia de Salvador, uma pessoa que possui um grande desejo por mudança. Palavras
que não definem Hellen Caroline, uma mulher em construção. Hellen reside no bairro de Fazenda Coutos, subúrbio ferroviário, da capital baiana. Segundo o último levantamento do IBGE, em 2010, trata-se do segundo bairro da capital baiana com maior proporção de negros na população, totalizando 90,57%, perdendo apenas para Ilha de Maré. Infelizmente o local é também marcado pela violência, e em muitos casos a presença do Estado se resume à Polícia. É neste ambiente aparentemente desfavorável que Hellen, estudante de publicidade, batalha para garantir voz àquelas pessoas dificilmente lembradas pelos grandes veículos de comunicação. Há um ano ela é mobilizadora do Instituto Mídia Étnica (IME). A instituição possui dez anos de atuação, e tem como proposta dar representatividade aos negros e negras. Uma das formas é a partir da página de notícias, Correio Nagô, que tem foco em conteúdos sobre afrodescendentes. Vojo Brasil
Integrantes do JACA
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A mobilidade dos smartphones permitiu a criação de diversas ferramentas que facilitam a comunicação. Mas onde a internet não chega, o que fazer? O IME, em parceria com o Massachusetts Institute of Technology (MIT), está colocando em prática a tecnologia Vojo, plataforma de comunicação que possibilita o envio de notícias sem a necessidade de conexão com a internet. Para funcionar é utilizado um número de telefone que pode ser ligado de qualquer aparelho, inclusive um telefone público, para a transmissão das mensagens. A ferramenta utiliza o sistema Voz sobre o IP (VOIP). Segundo Hellen, é dado prioridade às comunidades onde a conectividade é limitada, como Ilha de Maré. “Nós pegamos pessoas de áreas estratégicas, nas quebradas de Salvador, para formar multiplicadores e assim não ser apenas assistencialistas, mas formar uma rede”, declarou. Os jovens da ilha formaram a primeira turma, e o Correio Nagô já publicou as notícias criadas pelos novos comunicadores.
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Hellen Caroline na sede do IME
Fazenda na Rede
comportamental. As crianças, segundo Mariana, Há pouco mais de dois meses Hellen foi aprenão estão acostumadas a esse tipo de didática. sentada a Mariana Queiroz, uma mineira sem “O ambiente em que moram é violento, e elas relocal fixo, como a própria se define. Engenheira fletem isso nas brincadeiras”, afirmou. eletricista, especialista em automação indusMesmo com todas as dificuldades encontratrial atuante por treze anos, e hoje mobilizadora das, as reuniões ocorrem todas as segundas e sexsocial, ambas entraram em sintonia e decidiram tas pela manhã e tarde. As crianças são expostas iniciar um projeto com uma proposta de educação a um modelo diferente de aprendizado, onde o dia diferente, o Fazenda na Rede. a dia entre eles é o que vai perA iniciativa carece de estrumitir a construção de conteúdos. tura para levar a frente uma de A partir da interação uns com os O aprendizado não suas ideias principais, o de ser outros, Hellen e Mariana espeé cristalizado, mas um centro de inclusão digital. O ram que as crianças passem a se estabelecido na relação local escolhido é num prédio em desenvolver melhor. De acordo com o outro Fazenda Coutos, construído com com Mariana, “o propósito é a Mariana Queiroz o intuito de ser um centro comuconstrução de um ambiente de nitário, mas que hoje encontrainclusão digital focado na auto -se abandonado. A escolha se deu por ser o bairro aprendizagem com uma abordagem pedagógica onde Hellen reside. diferente da que estão mais acostumados, que é a O local detém vários computadores que ainda opressão. Nossa pedagogia é a do amor, onde da não estão disponíveis para as crianças, pois todos são iguais, sem castigo, sem limites. Nós falta alguém preparado para a manutenção dos acreditamos que o limite é o aprendizado e ele não aparelhos que já estão parados há meses. Além é cristalizado, mas estabelecido a partir da relada dificuldade estrutural, há também a questão ção com o outro”, declarou.
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A proposta pretende dar liberdade para as crianças criarem o que quiserem. Lá não existe uma figura autoritária, todos estão no mesmo patamar, e isso é evidenciado pela maneira em que as reuniões são realizadas, em roda, onde todos podem olhar uns para os outros. Ambas buscam recursos e aguardam por doações para conseguir lidar com todas as crianças nos dois turnos de atividade. Para a ajuda que necessitam, elas pretendem montar uma campanha de financiamento coletivo. Como o Fazenda na Rede, existem várias outras iniciativas em Salvador que buscam promover a utilização da tecnologia como um instrumento para contribuir na difusão do conhecimento. Raul Hacker Club Um espaço onde qualquer um pode chegar e tocar um projeto. Este é o ponto de partida para o Raul Hacker Club, localizado no Rio Vermelho. Os encontros começaram há quatro anos. Inicialmente eram realizados na casa de pessoas que apoiavam a ideia, e também em espaços públicos. Graças a contribuições de diversos apoiadores ao JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
ou criar um ventilador reaproveitando um cooler e motor de impressora. A comunidade é convidada a participar através de oficinas realizadas na sede do JACA, adquirida em parceria com a Superintendência de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Estado da Bahia (SUDIC). Segundo Cairo Costa, “as oficinas são desenvolvidas a partir dos conhecimentos que vamos adquirindo a cada dia. Na medida que o discernimento do coletivo vai aumentando, elaboramos as oficinas, por exemplo: manutenção de micro e elaboração de produtos a partir dos inservíveis da metarreciclagem”, destacou. Os encontros não possuem uma periodicidade para ocorrer, devido às demandas de cada membro, pois “apesar de trabalharmos no JACA, ainda Jovens Ativistas de Cajazeiras (JACA) não conseguimos garantir uma renda fixa atraEm Cajazeiras V um grupo de quinze jovens esvés da metarreciclagem”, afirmou Cairo. Uma das tão engajados em dar um novo destino ao lixo elepoucas rendas extraídas da atividade do projeto é trônico que é produzido a cada oriunda da venda e manutenção dia e, em conjunto, levar conhede computadores. cimento e geração de renda para Para envolver a comunidade, Ainda não conseguimos as pessoas da comunidade. os jovens ativistas não poupam garantir uma renda Nascido em 2004, o JACA esforços e levam até as praças de fixa através da veio ao mundo graças a alguns Cajazeiras sessões de jazz, onde a metarreciclagem jovens do bairro que estavam em improvisação é o ponto forte. Eles Cairo Costa busca de novas oportunidades visitam escolas e apresentam aos para os moradores da região. alunos várias linguagens artísEles atuam com a Metarreciclagem, que segunticas. Para aproximar os jovens da sede do JACA, do Cairo Costa, estudante de Economia da UFBA e saraus de poesia são realizados e deixam a ideia um dos membros desde 2005, “é a triagem e a sesempre viva. paração de resíduos tecnológicos que são reaproEmma, Cairo e Hellen, cada um deles iniciou veitados”. Os equipamentos chegam até eles por sua empreitada na difícil tarefa de ampliar o comeio de doações. nhecimento em tecnologia em diferentes épocas Além de colocar produtos descartados para e lugares. Todos eles juntos contribuem para que funcionar novamente, o JACA ressignifica esses oba rede permaneça conectada e seja estendida a jetos, gerando novas utilidades, como por exemplo quem ainda não está familiarizado com as novas transformar um velho monitor de tubo em lixeira ferramentas do mundo digital.
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Gabrielle Guido/Labfoto
redor do Brasil, o hackspace funciona há dois anos em sede própria. Apesar do nome, o grupo não se resume a computação. A ideia é que o Raul receba gente de todas as áreas do conhecimento. Segundo Emma Pinheiro, uma das idealizadoras da casa e pesquisadora em segurança de dados, “a ideia foi fazer um espaço onde tivesse uma auto-gestão, horizontalidade e fosse aberto para todos, um laboratório onde as pessoas criassem por gostar de fazer isso”, afirmou. Na casa, diversos projetos estão em andamento, entre eles o Crianças Hackers (veja mais detalhes sobre o projeto, na matéria A educação não cabe mais na sala de aula, página 18 desta edição).
Cairo Costa membro do JACA
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Estágio à moda exploração Vinicius Gericó
Com legislação frágil e pouco específica, estagiários vivem o desamparo da fiscalização
Carla Jesus
F
Os contratos de estágio, em geral, são pouco específicos no que diz respeito às condições de trabalho especialmente em relação à carga horária e dias de trabalho durante a semana.
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requentemente usamos a palavra “limbo” de forma figurada para representar um espaço onde cabem os esquecidos e as coisas com pouco valor. Esse também parece ser o espaço reservado aos estagiários de nível superior. Com a vigência de uma lei ampla sobre a prática do estágio, nº 11.788/08, e longe de serem contemplados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nº 5.452/1943, já que não são colaboradores, os estudantes vivem um desamparo de supervisão das empresas de intermediação e de fiscalização por parte das instituições de ensino. O que pretendia ser um ato educativo escolar supervisionado, segundo trecho do primeiro artigo da lei, resultou em mão-de-obra barata para a maioria das empresas, principalmente em terras soteropolitanas. Se por um lado a lei do estágio determinada amplamente os limites dessa modalidade de atuação, por outro é pouco específica quanto a remuneração e fiscalização. Carga horária de até 35 horas semanais e expediente durante o final de semana, que excede a carga horária semanal, são as ilegalidades mais frequentes. Elas são quase sempre acompanhadas de uma bolsa-auxílio na quantia de R$ 450 — muito abaixo da média nacional no valor de R$969,83, de acordo com pesquisa do Núcleo Brasileiro de Estágios (NUBE). E essa não é uma novidade para a maioria das instituições envolvidas no processo de contratação dos estagiários. Entre os três maiores intermediadores baianos desta mão de obra (os chamados “centros de integração de estudantes”) não é incomum encontrar vagas que desrespeitam parte dos artigos da lei do estágio. Um exemplo é a vaga diJORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
vulgada pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL), do Sistemo significa criar barreiras para o surgimento de ma FIEB, no dia 4 de outubro. A oportunidade para vagas em algumas regiões do país. “Há municípios o estudante de comunicação informava que o horáque terão dificuldade de honrar esse compromisrio a ser cumprido seria das 7h às 14hs, de segunda so”, opina. a sexta, o que representa 35 horas semanais, cinco Se os centros parecem desatentos ao processo horas além do determinado em lei. de elaboração das cláusulas dos Termos de ComA bolsa ofertada para essa vaga é de R$ 700, promisso dos estudantes ao estabelecer valores e ainda abaixo da média nacional e, no entanto, acihorários, as instituições de ensino não ficam atrás. ma da média do estado, que é de R$ 600, segundo o Todos os termos são levados até os colegiados dos IEL. Mas o valor da bolsa auxílio pode até parecer cursos para serem assinados. E se os documentos justo, se não for comparado às 15 atribuições desigcontendo ilegalidades seguem adiante é porque nadas na descrição da função. Destas, apenas duas passaram despercebidos pela universidade. indicavam que o estudante teO coordenador de estágio ria uma supervisão. da Escola Politécnica da UniA bolsa auxílio é um dos O valor aplicado às bolsas versidade Federal da Bahia, principais patrocinadores é outro ponto de controvérsia. José Roque Morais, explica que da carreira de muitos Valores quase simbólicos praa avaliação desses termos deve estudantes, inclusive de ticados por algumas empresas ser minuciosa e envolve, em albaixa renda levantam a discussão sobre guns casos, até cálculos. Carlos Henrique Mencaci qual seria o valor médio a ser “Quando a carta de estágio pago a um estagiário. Proposchega, fazemos uma avaliação tas como o Projeto de Lei 4273/12, que tramita na não apenas da proposta, mas também do currículo Câmara de Deputados e proíbe a concessão de boldo aluno, para podermos balizar se as atribuições sa de estágio em valor inferior ao do salário mínidescritas na vaga podem ser praticadas”, conta. mo, tentam inibir valores atualmente praticados, Depois dessa etapa, Morais explica que é reacomo o de R$ 250, custo de uma bolsa auxílio que a lizada uma soma da carga horária do estágio e das estudante de direito Júlia Handam recebeu durante horas das disciplinas cursadas pelo estudante no um estágio de 20 horas semanais. semestre vigente. No entanto essa não é uma realidade a longo “Se essa soma ultrapassar 54 horas semanais o prazo, afirma o diretor da Associação Brasileira de termo não é assinado porque entendemos que não Estágios (ABRES), Carlos Henrique Mencaci. Para será possível equilibrar as atividades”, esclarece. ele, estabelecer valores similares ao salário míni-
R$ 969,83 É o valor médio de bolsa estágio no Brasil, segundo pesquisa do Núcleo Brasileiro de Estágios (NUBE) ESTÁGIO EM NÚMEROS 740 mil estagiários no Brasil, em 2014 21% dos estagiários estão no Nordeste R$ 600 - É o valor médio da bolsa na Bahia, segundo IEL Se o estagiário trabalhar 30h semanais por esse valor, cada hora terá custado, em média, R$ 5 a empresa JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Começando a rotina Com o contrato assinado os estudantes parecem livres da burocracia, para o bem e para o mal. Se na teoria todo o estudante tem determinado por lei um supervisor responsável pelo plano de estágio, na prática a rotina mostra aos estudantes que eles têm poucas opções para reportar qualquer desvio de função. Em sua primeira experiência de estágio em um dos jornais centenários da capital, uma estudante de jornalismo descobriu que a supervisão prevista no termo de compromisso que assinou era apenas virtual. Ao conversar com a sua supervisora sobre o excesso de atividades que realizava, a estudante revela ter sido recebida com surpresa. “Ela disse que não sabia da situação porque não era ela que me acompanhava de perto”, afirma a estudante. Inicialmente a futura jornalista tinha como responsabilidade produzir notas e colunas para uma página do jornal, mas pouco tempo depois, ela tinha sob sua responsabilidade a produção de três páginas diárias, além da matéria do dia. E para conseguir realizar todas essas obrigações foram necessárias diversas horas extras dentro da redação. “No final de ano, quando a rotina do jornal funciona por escala, cheguei a ficar dez horas por dia, sem almoçar, para dar conta de entrevistas e a produção de textos. Sempre fui cobrada como uma profissional, ninguém entendia que além da redação também tinha a rotina como estudante”, diz. Na parte mais frágil do processo, o estagiário sempre depende em alguma instância dessa primeira formação profissional. Seja para não prejudicar sua imagem no mercado de trabalho ou não perder o auxílio financeiro que a bolsa oferece, alguns estudantes não se arriscam a fazer reivindicações. “É um fato que a bolsa auxílio é um dos principais patrocinadores da carreira de muitos estudantes, inclusive de baixa renda. Por menor que seja o valor oferecido, ele ajuda a custear os gastos com os estudos. Se desfazer desse auxílio pode significar estar fora da sala de aula”, afirma o diretor da ABRES. Quando o peso do estágio não está sobre a ajuda financeira, recai sobre a chance de construir uma rede de relacionamento para fomentar futuras oportunidades. Isso explica porque não é recorrente a denúncia de estagiários junto ao IEL, por exemplo. A gerente de desenvolvimento de carreiras do IEL Bahia, Edneide Oliveira esclarece que a instituição realiza um acompanhamento durante o período de estágio, no entanto este é feito apenas por lista de freqüência disponibilizada pela faculdade e contato com a área de recursos humanos das empresas. Caso nenhum problema seja identificado nesta etapa, nada é feito, reconhece Edneide. “É necessário que o estudante venha até a instituição para informar os desvios em relação a sua atuação. Inicialmente indicamos que ele converse primeiro com o seu superior direto e só depois recorra ao IEL para fazer uma denúncia”, finaliza.
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A educação não cabe mais na sala de aula Fotos: Divulgação
Iniciativas na Bahia levam o processo de aprendizado para outros espaços
Bicicleta Geradora de Energia na Praça da Ciência de Mulungu do Morro.
Marcos William
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educação brasileira passa ainda por uma transformação profunda em seus métodos. O processo de aprendizado, na maioria das vezes, centrado na relação unilateral professor-aluno, encontra hoje novos rumos: o de compartilhamento do conhecimento entre diversas instâncias do ensino. Isto é, entre os próprios alunos, entre alunos e professores, entre alunos e instituições. Nessa perspectiva, iniciativas baianas rompem com as barreiras da sala de aula levando o processo educativo para outros espaços, criando formas de aprendizado que aconteçam de maneira coletiva e horizontal, sem a hierarquização do saber.
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Crianças Hackers Para estimular a troca de experiências entre seus filhos, há mais ou menos 4 anos, as mães Karina Menezes e Marina Argelles Cohen decidiram criar oportunidades educativas e lúdicas para os garotos Ian e Sansão, ambos com 3 anos de idade. Mas o que a pedagoga Karina não sabia é que, a partir daí, surgiria o projeto “Crianças Hackers”: uma série de encontros onde as crianças, através do uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), desenvolvem suas habilidades cognitivas. Isso tudo, em contato com outras crianças. Como Karina é pesquisadora de tecnologias contemporâneas na educação, ela decidiu inserir um quê a mais na “brincadeira de criança”. Nasce, assim, o “Crianças Hackers”.
“O projeto foi se mostrando como uma oportunidade de brincar com os nossos filhos e, ao mesmo tempo, revelando a possibilidade de eles aprenderem um pouco mais sobre tecnologias, tudo isso coletivamente”, disse a pedagoga. Para ajudá-la nessa empreitada, o profissional de Tecnologias da Informação (TI), Cristiano Furtado, juntou-se ao projeto levando a esposa Valdenice e, claro, o filho Cristian. O “Crianças Hackers” tem esse nome pelo fato de os primeiros encontros terem acontecido no Raul Hacker Club, no Rio Vermelho. Para Karina, as TIC’S foram escolhidas como possibilidades agregadoras porque “uma criança tem mais facilidade de se expressar pela imagem, outra pelo áudio, por exemplo. Assim, todas aprendem se comunicando e da forma mais confortável”, explicou. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Hoje, são 20 crianças participantes. Somado à quantidade de pais, o projeto atende mais de 50 pessoas. O objetivo principal é promover encontros nos quais a curiosidade infantil seja a norteadora da aprendizagem do adulto e da criança, assim como ampliar a visão delas em relação às tecnologias e tudo o que as rodeia, favorecendo, também, o aprendizado colaborativo e “contribuindo para disseminar a cultura do conhecimento livre”, concluiu Karina.
Praças da ciência
As praças do interior da Bahia sempre foram um espaço para brincar, paquerar e conversar com amigos mas agora também servem para aprender. Nessa perspectiva surge o projeto Praças da Ciência, do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti). Através da instalação permanente de equipamentos educativos em Tabuleiros digitais praças de 40 municípios, a iniciativa pretende incentivar O uso de tecnologias digitais na educação não é unao conhecimento de maneira lúdica e interativa, a partir do nimidade, pelo fato de alguns alunos não poderem arcar convívio social. Uma criança tem mais com os custos dessas ferramentas ou pelos docentes não Um exemplo é a “bicicleta geradora de energia”, que facilidade de se expressar terem capacitação suficiente para lidar com esses suportes. transforma energia muscular em elétrica a partir das pepela imagem, outra pelo Pensando nisso, o Grupo de Pesquisa em Educação, Comudaladas. O equipamento é parecido com uma bicicleta de áudio. Assim, todas nicação e Tecnologias da Faculdade de Educação da UFBA academia, só que tem um rádio e lâmpadas acionadas peaprendem se comunicando Karina Menezes (Faced), coordenado pelo professor Nelson Pretto, criou o los usuários. projeto “Tabuleiros Digitais”. No projeto Praças da Ciência, o mais importante não é Usando o simbolismo dos tabuleiros das baianas de a sala de aula, e sim o cotidiano do aluno. Para o secretário acarajé, presentes a cada esquina de Salvador, o projeto disManoel Mendonça, da Secti, o principal foco é possibilitar ponibiliza gratuitamente, nos três andares da Faced, computadores acessíveis a que os jovens aprendam algumas das teorias ensinadas na escola a partir do toda a comunidade acadêmica da UFBA, assim como à comunidade em geral que reconhecimento delas em seu convívio social. “No projeto, os professores da estuda, mora ou trabalha nas proximidades do Vale do Canela. rede pública estadual, atuantes nos municípios, são treinados para dar aulas O objetivo é favorecer a inclusão digital através do acesso público à internet. nos equipamentos, mostrando ao estudante como a ciência está presente em Além disso, a iniciativa pretende disseminar também o uso de softwares livres (sisnosso dia a dia”, disse. Muritiba, Mulugum do Morro, Caém, Maetinga, Caetité, temas operacionais que permitem a liberdade de executar, estudar, modificar e Irecê, América Dourada e Biritinga são alguns dos municípios que já receberam distribuir o programa), na tentativa de tornar coletivo o processo de aprendizado. as suas Praças da Ciência.
Encontro ampliado do Crianças Hacker no Parque do Piatuaçu, em Salvador
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Comida fora do cardápio NatáciaGuimarães/Labfoto
Plantas comestíveis invisíveis à população e ao agronegócio
Agronegócios
A língua-de-vaca pode ser refogada ou acrescentada a sopas, farofas e massas.
Larissa Silva
L
íngua-de-vaca, beldroega, taioba, palma, capeba, capuchinha, hibisco… Inúmeras plantas próprias para o consumo humano passam despercebidas pela população. As plantas alimentícias não convencionais, ou abreviadamente PANCs, estão fora da cadeia produtiva formal. Sementes, fertilizantes e dados oficiais sobre seu cultivo, necessários para a produção em larga escala, dificilmente são encontrados. Talvez não tenha no tabuleiro da baiana, na quitanda da esquina ou no hipermercado, mas elas estão nas ruas e nos quintais sendo descartadas como lixo. Nascem de forma espontânea em locais impróprios para outros cultivos e não dependem de muitos cuidados, por isso são consideradas ervas daninhas e seu potencial alimentício não é notado. “A maioria delas é vista como mato porque aparece naturalmente.
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O Brasil, segundo o Ministério do Meio Ambiente, é o país com maior biodiversidade do planeta, mas essa pluralidade não chega ao prato. José Assis, coordenador da Rede Panc Bahia, grupo que incentiva o uso dessas variedades em comunidades baianas, aponta a existência do que chama de imperialismo gastronômico. A tendência da agricultura convencional de priorizar o cultivo de determinadas espécies para facilitar o plantio. Assis defende a existência de forte pressão do mercado para o consumo de produtos convencionais. “Os grandes mercados dificilmente comercializam o que não tem regularidade de oferta”, constata. Segundo o Portal Brasil, os pequenos produtores são responsáveis por cerca de 70% dos alimentos consumidos em todo o país. Porém, eles também não investem nessas variedades mesmo com sua facilidade de adaptação às mais diversas condições de solo e clima. Como o escoamento da produção é difícil, priorizar os cultivos que serão facilmente repassados para o mercado é uma opção mais atrativa. Não é o caso de Pedro Coni, 61, pequeno produSão cultivadas sem agrotóxicos e adubos químicos”, tor de Conceição do Almeida, a 160 quilômetros de afirma a técnica em agricultura e estudante de gasSalvador. Desde 2007, quando conseguiu algumas tronomia Rosália Galvão. Também são denominadas mudas de araruta, aposta no cultivo do vegetal simiPANCs os frutos, folhas e raízes que têm sua distribuilar à batata doce para o seu sustento. “Sou produtor ção limitada ao local de onde são nativos. É o caso do e incentivador”, revela ao contar que além de resgaumbu, muito popular no Nordeste tar o cultivo dessa planta brasileido Brasil, mas pouco conhecido em ra pouco conhecida, também estioutras regiões. mula outros agricultores a investir Ao nosso lado tem uma Muitas delas, inclusive, já finela como fonte de renda. planta comestível e as zeram parte da cultura alimentar Coni aponta o êxodo rural pessoas não dão valor. brasileira e hoje estão fora das como uma das dificuldades para refeições. Exemplo disso é o brea expansão do cultivo. “Hoje, quaComida vai além de do, também chamado de caruru. se ninguém quer ficar no campo”, alface, rúculae couve Maíra Damião O prato típico da culinária baiana declara. Além disso, também desrecebe esse nome por causa da taca a falta de equipamentos adefolha, que antes de ser substituíquados à produção. A técnica em da pelo quiabo, era a matéria prima da receita. Essas agricultura Rosália explica que, como as PANCs são plantas, embora não convencionais, são de alto teor espécies em desuso, técnicas de aumento de pronutricional. O bredo possui quatro vezes mais ferro do dução não são desenvolvidas, o que dificulta a sua que a couve. introdução no agronegócio. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Divulgação
Tanto as flores como as folhas da capuchinha são comestíveis. Podem ser usadas nas saladas cruas.
Fotos: NatáciaGuimarães/Labfoto
De volta ao prato Maíra Damião usa plantas alimentícias atípicas no dia a dia.
José Assis coordena a Rede Panc Bahia, que estimula o uso de plantas alimentícias não convencionais em comunidades baianas.
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José Assis ressalta que há preconceito com o consumo de PANCs porque elas são associadas a comida de má qualidade. O estudante Lucas Santos, 23, ao provar pela primeira vez um relish (tipo de conserva) de batata da serra, vegetal encontrado somente na Chapada Diamantina, percebeu o sabor como diferente. Ele acredita ser possível acrescentar PANCs no dia a dia. “Mas demanda um tempo, porque estamos muito acostumados com os alimentos padronizados”, pondera. Maíra Damião, 23, é estudante do 8º semestre de gastronomia e usa plantas não convencionais em diversas preparações. “Ao nosso lado tem uma planta comestível e as pessoas não dão valor. Comida vai além de alface, rúcula, agrião e couve”, defende. Ela explica que conhecer o universo das PANCs traz um novo olhar para a alimentação. “Olho para o chão e não enxergo só mato, me pergunto se é comestível e vou pesquisar”, conta. Embora seja possível encontrar as espécies não convencionais nas ruas, é importante ter certeza do seu uso alimentício antes de ingerí-las. A taioba, por exemplo, pode ser consumida, mas há um tipo de hortaliça tóxica bastante semelhante a ela. Também é mais indicado consumir as PANCs encontradas em feiras ou as colhidas em locais pouco movimentados para que não haja risco de contaminação. “O ideal é que venha de lugares com pouco trânsito de pessoas e animais”, recomenda Rosália.
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(Ama)dores: quando o hobby é profissão Yumi Kuwano
Com dedicação e nenhuma formação, jovens mostram que o amor ao ofício é o primeiro passo para ser bem sucedido
Rafaela Fleur
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ode-se dizer que é, no mínimo, curioso que em plena crise financeira e crescente desemprego no Brasil, com tantos discursos sobre a necessidade de uma formação profissional, curso superior e o que mais estiver ao alcance para conseguir diploma, existem tantas pessoas no mercado de trabalho que nunca adquiriram um diploma na sua área de atuação, porque não querem. Em 2012, Emerson Coelho, assim como tantos jovens da sua idade, entrou na faculdade. Porém, a tão sonhada experiência acadêmica não durou um ano. “Eu achava chato, não gostava, não era pra mim. Foi então que eu percebi que precisava trabalhar”, conta. A decisão parece ter sido adequada. Hoje, aos 23 e ainda sem diploma, Coelho é administrador e já trabalhou em dois hotéis, um restaurante e até em transatlânticos, faturando quase 7 mil reais por mês. Atualmente, administra
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um restaurante. “Os contatos são essenciais. Como eu não trabalho com arte, não posso fazer um portfólio para apresentar o meu trabalho, o que conta é o currículo mesmo”, avalia Coelho. Se em outras profissões existe espaço para aqueles que decidiram não ir atrás do diploma, é na arte que o fenômeno se torna ainda mais claro. Com a ajuda da internet, os profissionais divulgam os seus trabalhos e encontram outras pessoas que, como eles, escolheram o amor como combustível. “Hoje em dia, o meu meio de divulgação principal é o Instagram, onde posto a maioria das minhas fotos”, declara Marcelo Moraes, 20, fotógrafo oficial de uma marca de camisetas. Moraes confessa que através da rede social consegue aprender, se reciclar e, principalmente, divulgar e compartilhar o seu trabalho amador. “Acho ridícula a ideia de precisar de um diploma para ser visto como profissional. Existem outras vias, outras escolas”. A frase é do músico Luan Tavares, 20, vocalista da banda Ofá - e, como ele gosta de dizer, aspirante a poeta. Com cinco anos na pro-
fissão, ele conta que já tocou pra ganhar 20 reais e uma pizza para dividir com um amigo mas que hoje, através da internet, as coisas começaram a mudar. “Uso o bom e velho boca a boca, mas invisto pesado nas redes sociais. A gente começa a aprender e a tomar consciência de como e quanto cobrar’’. Cácia Aragão, 37, trabalha como secretária em uma rede de hospitais. Porém, nos fins de semana, troca as linhas telefônicas por convites de aniversário, balões coloridos e muitos doces. Dona de uma empresa que organiza festas infantis, Cácia nunca estudou design ou fez cursos de eventos nem gastronomia. “Eu sempre amei crianças, desde sempre sonhava em fazer algo que as envolvesse. O amor bastou pra me fazer começar a trabalhar”. Espectadora frequente de vlogs do Youtube, principalmente aqueles de tutoriais, ela viu sua dedicação dar tanto resultado que precisou aumentar a equipe. “Não dava mais pra ser o trabalho de uma mulher só”, confessa. Foi então que Cácia, amadora, chamou outros três profissionais, também amadores, para ajudá-la. Sobre os lucros, ela não tem dúvidas que está no caminho certo. “Além de amar o que faço, me sinto independente, tanto emocionalmente quanto financeiramente. Ganho em um evento quase o que ganho em um mês de trabalho”. Segundo o levantamento divulgado em 2014 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 82% dos brasileiros com carteira assinada não possuem diploma na faculdade, e isso acaba se refletindo em baixa remuneração. “Existe um alto índice de pessoas que não tem ensino superior, e isso, para quem lida com contratações, faz a diferença. Alguém com faculdade sempre vai sair na frente, a não ser que o currículo da pessoa que não tem diploma seja extremamente bom’’, revela Adriana Oliveira, responsável pelo RH de uma empresa especializada em soluções tecnológicas. Se para muitas empresas ter diploma é prioridade, para esses profissionais o que importa mesmo é o conhecimento, que aliado ao esforço, é capaz de trazer inúmeros resultados positivos. “Consegui estudar e aprender tudo pela internet, tem muito material incrível disponibilizado gratuitamente. A faculdade, até o momento, não fez falta”, confessou o fotógrafo Marcelo. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA