1
Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA Bruna Castelo Branco/Labfoto
2015.1
Páginas 08 e 09
Colonia de Pescadores de Buraquinho luta por sobrevivência Páginas 10 e 11 Páginas 04 e 05
Página 06
Revendedoras de cosméticos sofrem com falta de regulamentação da atividade
Indígenas nômades têm reserva em Lauro de Freitas
Página 15 Projeto VOJO: internet sem internet?
Bruna Castelo Branco
Teatro A 4ª edição do Festival de Teatro Gente (FESTG) traz para 12 escolas públicas de Cajazeiras, praças, ONGs, ruas, ônibus e espaços alternativos do bairro mais de 60 apresentações culturais gratuitas, até 23 de maio. O evento contará com a participação de diversas companhias e artistas do teatro baiano, como a Cia. Solidário de Brotas, e os artistas Leno Sacramento, Fernando Lopes e Tai Lopes, além da Cia. Aglomerados, do Rio de Janeiro. A programação completa do FESTG está disponível no site da Cia. de Teatro Gente.
Manuel Castells Um dos pensadores mais influentes da atualidade, o doutor em sociologia Manuel Castells abriu a temporada 2015 do projeto Fronteiras Braskem do Pensamento, no dia 12 de maio no Teatro Castro Alves. A conferência teve como tema os Movimentos sociais em rede e processo político na era da Internet. Castells citou os recentes movimentos sociais ocorridos no Brasil e a mobilização nas redes sociais. Com pesquisas nas áreas de economia, cultura, comunicação e sociedade, o professor espanhol estuda a dinâmica social e econômica na era da informação.
N
a primeira edição do Jornal da Facom da turma de 2015.1, nossa equipe traz uma série de reportagens de temas sócio-culturais variados. Como manter a tradição da pesca artesanal em meio às crescentes adversidades ambientais? Na nossa matéria de capa, abordamos os desafios da colônia de pescadores da praia de Buraquinho, em Lauro de Freitas. Você sabia que existe um Jardim Botânico em Salvador? Desconhecido por grande parte da população, o espaço localizado no bairro de São Marcos entra em pauta ilustrando uma possibilidade de lazer e educação ambiental na cidade. Como vivem as revendedoras de cosméticos, profissionais carentes de direitos trabalhistas como FGTS e décimo terceiro salário? Numa época em que os direitos dos trabalhadores são tão discutidos, investigamos a precariedade das condições destas mulheres. Trazemos também um perfil sobre dona Ilka, a maior referência da Apae de Salvador, à frente da instituição há quase 40 anos, e uma entrevista com a professora Maria Auxiliadora Minahim, da Faculdade de Direito da UFBA, a respeito da polêmica proposta de redução da maioridade penal (PEC 171/93), em atual tramitação na Câmara. Boa leitura! João Bertonie e Tarsila Carvalho , Comitê Editorial JF
Produção da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso Primeira edição, semestre 2015-1 Reitor: João Carlos Salles Diretora da Facom: Suzana Barbosa Coordenação Editorial: Graciela Natansohn-DRT/BA 2702 Maio 2015 Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia Rua Barão de Geremoabo s/n, Campus de Ondina CEP 40.170-115 Salvador – Bahia - Brasil
Editores chefes: Thalita Lima Javier Vázquez Basilio
Repórteres (turma 2015.1) Jasmin Chalegre, Carla Ribeiro, Milena Hidete, Jade Giallorenzo, Michelle Oliveira, Jessica Carvalho, Sérgio Loureiro, Pollyanna Pinheiro, Tarsila Carvalho, João Bertonie, Janaina Vidal, Tatyane Ferreira e Mallu Silva Fotógrafos: Matheus Buranelli, Bruna Castelo Branco, Brisa Andrade, Carolina Pereira, Mallu Silva, Luca Castro e Natácia Guimarães
Comitê Editorial: João Bertonie Tarsila Carvalho
Projeto Gráfico: Amanda Lauton Carilho/EDUFBA
Edição de fotografia: Carla Ribeiro e Mallu Silva
Distribuição gratuita
Diagramação: Carla Risso, - MTb 19.260
Jardim Botânico de Salvador preza por educação ambiental Espaço agradável para caminhadas ainda é desconhecido por grande parte da população Michelle Oliveira
N
No local, encontram-se um herbário, utilizado para catalogação de plantas em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espaço Etnobotânico, que abriga espécies ligadas à cultura afro-brasileira, e o Orquidário, que preserva orquídeas raras. Os visitantes podem tocar plantas com diferentes texturas no Jardim dos Sentidos e caminhar nas trilhas entre as árvores.
ão fosse pelos aviões que passam de vez em quando, não lembraríamos que estamos em área urbana. À medida que adentramos a mata, o barulho das pessoas e das buzinas dos carros vão sumindo. No silêncio que não estamos acostumados, é possível ouvir pássaros e outros animais, como os micos que nos olham, intrigados. O único Jardim Botânico do estado Falta visitação da Bahia se localiza em Salvador. Os 91,5% dos 17 hectares de mata preservada, cerca A maior parte das visitas do Jardim Boentrevistados de 15 campos de futebol, se encontram nunca visitaram o tânico de Salvador são escolares, cerca de entre a Avenida Gal Costa e o bairro Jardim Botânico 100 alunos por mês. Entretanto, qualquer de São Marcos. O espaço foi projetado pessoa pode visitar o Jardim de segunda à em 2002 visando a preservação da Mata sexta-feira, pela manhã ou tarde. Também é posdos Oitis, fragmento da Mata Atlântica que recesível agendar visitas em grupos nas quais o público be esse nome devido à predominância do oititem acesso a palestras e vídeos informativos sobre -da-bahia (licania salzmannii), árvore frutífera de o espaço. grande porte. O Jardim Botânico de Salvador funciona de maO Jardim Botânico de Salvador abriga cerca neira diferente dos parques da cidade. Enquanto de 60 mil espécies de plantas de diversas partes esses têm foco em lazer, o Jardim preza por edudo Brasil e do mundo, além de ser abrigo de anicação ambiental e pesquisa. Apesar disso, Márcio mais. Suas ações visam a pesquisa científica, a Pinheiro, chefe do setor de educação ambiental do conservação e a educação ambiental. O espaço Jardim, diz que o espaço é aberto à população e é administrado pela Secretaria Cidade Sustentável muitos moradores do bairro o visitam para ter con(SECIS) do município. tato com a natureza. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Carolina Pereira/Labfoto
Espaço Etnobotânico preserva espécies ligadas à cultura afro-brasileira
Embora exista há 13 anos, muitas pessoas não conhecem o Jardim Botânico. Segundo pesquisa realizada na internet para esta matéria, 52% dos entrevistados não conhecem o espaço e 91,5% nunca o visitaram. Os maiores inconvenientes citados são a falta de divulgação, o horário que se restringe aos dias úteis, quando muitos trabalham e estudam, e a falta de atualização do site. Vitor Torres, 28, professor e morador da Pituba, se surpreendeu com a possível existência de um Jardim Botânico na cidade. “Moro há quase cinco anos em Salvador e nunca tive conhecimento dele”, comentou. Ana Costa, 40, professora, soteropolitana e moradora de Nazaré, também não. Sandra Cristina da Silva, 44, auxiliar administrativa e moradora do bairro de Pau da Lima, próximo ao Jardim, nunca o visitou. Um projeto de reforma do Jardim Botânico, orçado em R$ 7 milhões, foi aprovado pela prefeitura e está sendo finalizado. “Planejamos refazer o herbário, o centro de visitantes e todo o espaço físico, incluindo algumas galerias de arte pela mata”, afirma André Fraga, Secretário da SECIS. O projeto prevê ainda construção de biblioteca e museu. O estudo do solo já foi feito, mas as obras ainda não têm data definida para terminar. Dificuldades A falta de reconhecimento não é o único problema do Jardim Botânico de Salvador. A ausência de vigilância municipal permite a ação de vândalos que destroem placas informativas e outros objetos. “Essa escultura do Bel Borba foi derrubada por vândalos”, afirma Márcio, apontando uma das duas obras que se encontram numa das trilhas do Jardim. O quadro de funcionários conta com 19 pessoas, entre técnicos e pessoal de campo, que cuidam das pesquisas e jardinagem. Muitos deles estão perto de se aposentar. A redução constante de pessoas resultou na suspensão do projeto “Jardim Botânico vai à escola”, programa que levava profissionais do Jardim às instituições de ensino. Também há problemas com lixos depositados nos arredores do Jardim Botânico que podem causar incêndios no verão, além de poluir área que preserva espécies da mata nativa do local, herança da época colonial. Apesar das dificuldades, Pinheiro afirma que vem sendo feitas, nas comunidades próximas, ações de conscientização e divulgação. A intenção é que a reforma que está sendo planejada torne o Jardim Botânico de Salvador um espaço ainda mais importante para a cidade, preparado para acolher melhor seus visitantes.
Visitas livres: segunda a sexta, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 16h30. Visitas em grupos: terça a sexta, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 16h30. Para agendar: tel. (71) 3393-1266 ou email visitajb@salvador.ba. gov.br. Entrada franca. CIDADE | PÁGINA 3
(ln)Formal: o trabalho de um exército de mulheres Infográfico: Jessica Carvalho
Venda de cosméticos de porta em porta é fonte de renda de 2,8 milhões de revendedoras que não têm vínculos trabalhistas reconhecidos
PÁGINA 4 | COMPORTAMENTO
Jessica Carvalho
A
venda de cosméticos na modalidade “porta em porta” pode exercer fascínio em mulheres que desejam ganhos e horários flexíveis associados ao universo da beleza. No entanto, a atividade tem pouco glamour. Para a legislação, os mais de 4 milhões e meio de revendedores atuantes no país, segundo dados da Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABEVD), são considerados comerciantes ambulantes e não têm direitos trabalhistas garantidos, como FGTS e décimo terceiro salário. Marília Carneiro é formada em Administração e aos 12 anos iniciou o primeiro trabalho que, aos 30, ainda é sua principal fonte de renda. Ela revende produtos de conhecidas empresas de cosméticos, como Natura e Avon, tirando da atividade seu sustento. Mesmo após 18 anos de dedicação, nenhuma garantia legal lhe seria assegurada caso decidisse abandonar a atividade. “Eu não tenho dinheiro, tenho que respeitar as regras de quem tem. Ou, então, procurar outra fonte de renda”, justifica Marília. A venda de porta em porta, hoje também conhecida como venda direta, não é uma atividade nova. O mercado, que no início era predominado por homens, muitos deles vendedores de enciclopédias, hoje se destaca pela presença feminina no segmento de cosméticos. Segundo a ABEVD, as empresas de cosméticos representam 80% de todo o cenário das vendas diretas no país. As mulheres são maioria, representando 95% de um mercado que, só em 2013, movimentou mais de 41 bilhões de reais. A extensão do mercado é proporcional ao contingente de trabalhadoras que movimentam o segmento. As empresas Avon, Mary Kay e Natura são as que mais geram receita e juntas possuem 2,8 milhões de revendedores que atuam na condição de autônomos. A socióloga e autora da tese de doutorado que originou o livro “Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos”, Ludmila Abílio, fala em um exército de consultoras que age em um trabalho sem formas com condições precárias. A autora acredita que a atividade está associada às características précarias do trabalho feminino, evidentes em ocupações de menor qualificação e remuneração, comparadas às desempenhadas por homens. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Natácia Guimarães/Labfoto
Informalidade ou Empreendedorismo Para lldelãndia Silva, 38, a venda de cosméticos é a principal fonte de renda. A revendedora começou a atividade há dois anos, quando abandonou o emprego de carteira assinada em busca de maior independência no trabalho. “Eu gosto de vigor. Não gosto de ser mandada”, alega. Ao invés da rotina de passar de “porta em porta”, a ambulante trabalha em um ponto fixo na rua e passa nove horas vendendo os produtos que estoca. O que as empresas de cosméticos afirmam ser uma forma positiva de empreendedorismo, Ludmila Abílio acredita se relacionar com a informalidade e o crescimento do número de proprietários de pequenos negócios com baixa produtividade. Para ela, estes não geram lucro, apenas garantem a sobrevivência diante da impossibilidade de financiar uma formalização. lldelãndia revela que a formalidade é seu maior desejo. “Meu sonho é montar uma lojinha. Não pretendo fazer uma carreira como revendedora”, afirma. O advogado Leonardo Farias, especialista em direito trabalhista e atuante em causas que reconhecem o vínculo de emprego de representantes autônomos, explica que “quando nos referimos às revendedoras, àquelas que atuam com a revista da empresa de cosméticos, falamos de relação de autonomia. Elas têm como remuneração pelo trabalho somente o lucro decorrente da venda dos produtos”. O advogado acredita que é algo compreensível, tendo em vista os custos de produção e transporte das encomendas para as empresas. Contudo, a socióloga Ludmila Abílio discorda. Para ela, além de uma jornada sem contornos definidos e de, muitas vezes, baixa lucratividade, as revendedoras arcam com riscos ao estocar produtos sem garantia de venda e inadiplência dos consumidores. Vínculo A ausência de vínculo livra as empresas de encargos trabalhistas, mas não se constitui uma prática ilegal, já que é expressamente prevista em lei. Muitas consultoras, no entanto, recorrem à justiça após trabalharem por anos na empresa e serem dispensadas sem nenhuma garantia. “Existem casos, inclusive, que tendo sido reconhecido na Justiça o vínculo de emprego, a empresa que ‘mascarou’ esse vínculo é condenada a ressarcir todos as taxas e outras despesas que a trabalhadora teve”, explica Farias. A maior parte das reclamações trabalhistas vem das chamadas consultoras executivas. Elas coordenam o trabalho de grupos de revendedoras, ganhando comissões sobre a venda delas. A remuneração é proporcional ao desempenho da trabalhadora, mas não há carteira assinada, assim como as revendedoras “de porta em porta”. Ticiane Braga, 24, tem a carreira de revendedora executiva como a principal meta. Desde que começou a revender cosméticos da Mary Kay, uma JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
das mais expressivas empresas do trabalhistas não é algo que incomoEu não tenho mercado de venda direta, sua pretenda. “Consigo dobrar meu salário apesão era se tornar uma Diretora. “Atu- dinheiro, tenho que nas com os meus esforços. Onde mais almente sou Futura Diretora. Tenho respeitar as regras de conseguiria isso?”. quem tem metas, faço meus horários e tenho de Não há, porém, um consenso nas uma a duas reuniões por mês”, afirma decisões judiciais. Farias lembra um Marília Carneiro Ticiane. O cargo de Diretora é o posto caso que sua cliente teve sentença máximo que uma revendedora pode alcançar na favorável ao pedido de reconhecimento de víncucarreira da empresa e pode vir acompanhado de lo pela juíza, mas, no Tribunal, a sentença foi reprêmios e viagens, mas também é uma das princiformada. “Ainda estamos recorrendo ao Tribunal pais fontes de reclamações trabalhistas. Superior do Trabalho para tentar ter o reconheO posto pretendido por Ticiane é o mesmo cimento de vínculo reestabelecido”. O advogado ocupado por Clarissa Cruz, de 34 anos. A diretora afirma que há discordância sobre o tema, o que traz está entre as 800 revendedoras do Brasil que já gainsegurança para as trabalhadoras. “Nesta situanharam carros cor de rosa, o prêmio mais cobiçado ção, vivemos uma completa insegurança jurídica e entre as revendedoras da Mary Kay. Clarissa, no o sistema judiciário passa a ser visto como ‘loteria’ entanto, desconhece o tipo de vínculo que possui pelo cidadão”, lamenta. com a empresa. “Presto consultoria. Devo ter algum vínculo”, acredita. Para ela, a falta de direitos
COMPORTAMENTO | PÁGINA 5
Luca Castro/Labfoto
Há 20 anos os índios da aldeia Thá Fene lutam diariamente para cultivar suas tradições
PÁGINA 6 | CIDADE
Luca Castro/Labfoto
Uma reserva indígena no século XXI
Milena Hildete
S
os remédios para tratamento e cura de doenças são também elaborados na reserva. Eles utilizam plantas e ervas medicinais, como o velandinho, que é usado para febre, dor de cabeça e cólica.
ituada no bairro de Quingoma, em Lauro de Freitas, a reserva indígena Thá Fene (que significa “semente viva”), enfrenta dificulSobrevivência dades para sobreviver mantendo seus costumes, “A sobrevivência é feita da nossa cultura”, diz tradições e crenças. Os índios da tribo Kariri-Xocó Pathaká Tanoné, artesão e membro da aldeia. Para e Funil-ô são oriundos de Alagoas e Pernambuco, preservar uma vida em consonância com suas tramas há cerca de 20 anos chegaram à Bahia em dições, os índios da Thá Fene produzem artesanabusca de melhor qualidade de vida. to e oferecem oficinas e palestras indígenas para O espaço da reserva foi doado pela artista plásescolas municipais das regiões, em parceria com tica e ambientalista Débora Fontes, em 1995, quana prefeitura, através do projeto Mais do Wakay Cícero Pontes, líder da reserCultura. “A ideia é que os índios se Somos filhos va Thá Fene, chegou a Lauro de Freitas. 2 sintam representados por eles mesA área possui cerca de 28 mil m e abriga da natureza, todos mos. Essas oficinas buscam resgatar de quatro a dez famílias. “A população filho da terra essas tradições”, conta Tassio Reveé irregular, mudamos periodicamenWakay Cícero Pontes, lat, historiador e coordenador de te de aldeia, conforme as estações do líder da reserva Ações Transversais do município. Esano”, comenta Wakay. sas atividades escolares materializam a aplicação Entrar na reserva provoca a sensação de ser da lei Nº 11.645 de 2008, que determina o estudo de deslocado do ambiente urbano. Ao longo do tertradições africanas e costumes e hábitos indígenas reno há uma maloca (casa) e três espaços consiem escolas. derados sagrados: o núcleo das crianças, espaço Entre os desafios enfrentados pela reserva Thá onde ocorre as festividades e rituais; o núcleo dos Fene está a educação, pois a cidade de Lauro de sonhos, espaço reservado aos jovens; e o núcleo Freitas ainda não possui uma escola indígena, ou dos anciões, espaço onde os mais velhos se reúseja, uma instituição diferenciada, multilíngue e nem para contar histórias indígenas. Além disso, direcionada à comunidade indígena, como prevê há uma ampla área verde, com resquícios da Mata a legislação nacional brasileira que fundamenta a Atlântica. “Somos filhos da natureza, todos filhos Educação Escolar Indígena, acordada pela Constida terra, por isso preservamos esta área, para que tuição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Batenhamos uma constante relação com a natureza”, ses da Educação Nacional (LDB). “Ainda falta muirevela Wakay. to para chegarmos a uma situação favorável para A reserva Thá Fene é uma fusão dos índios da a comunidade indígena na cidade. É por esta razão tribo Kariri Xocó (Alagoas) e Fulni-ô (Pernambuco). que estamos ministrando cursos para capacitar os Os índios da tribo Fulni-ô são os únicos da região professores da região”, diz Revelat. Nordeste que ainda mantêm viva e ativa sua própria língua, o la- tê. Além disso, na aldeia Thá Fene JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Divulgação
Aqui poderia ter pessoas
Nas margens do rio Lucaia, artistas questionam sobre o descaso com espaços públicos
Coletivos de Salvador acreditam que a ocupação é a melhor alternativa para repensar a cidade
Janaína Vidal
O
conceito de lugar define este termo como um espaço onde as pessoas transitam e a vida se realiza. Pelo sentido contrário, um espaço onde a vida não acontece e não há gente se encontrando, é considerado um lugar invisível. A cidade de Salvador possui vários lugares invisíveis, especialmente pela falta de uso, e as pessoas se afastam constantemente desses locais pela atmosfera de insegurança que o abandono provoca. Lixos e entulhos pelas ruas por onde passamos cotidianamente são exemplos de descaso com o espaço compartilhado. Este é o caso da pracinha do Pôr do Sol, no Rio Vermelho, ao lado da Paróquia de Sant’Anna. Ela vem se tornando estacionamento aos fins de semana e depósito de lixo em dias de festa. Com o intuito de modificar esse cenário, alguns grupos atuam de forma espontânea em Salvador, com ações que pretendem ocupar e dar vida aos espaços públicos. Nas margens do rio Lucaia, na rua do Canal, localizado no bairro do Rio Vermelho, um grupo de jovens desperta a curiosidade dos transeuntes ao movimentar a cena com música, teatro e diversão. A iniciativa consiste em reunir pessoas para tocar violão, cantar e fazer piquenique à beira de um rio poluído que exala cheiro desagradável. A ação, batizada como “Aqui poderia ser um rio”, mostra que esse lugar tem potencial para convivência, mesmo com o inconveniente do canal poluído. O professor de teatro, doutorando em artes cênicas e precursor da ação, Marcelo Sousa Brito, acredita JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
que a partir do momento em que as necessário que se criem ou revitaliQuando um pessoas que vivem a cidade ocupam zem espaços que sejam enxergados lugar invisível esses lugares, eles terão mais chances como potencial para permanência e começa a ser de serem requalificados. “A maioria igofereçam melhor qualidade de vida”. ocupado, deixa de nora esse local, mas aqui tem sombra Atualmente, o movimento está preser vulnerável para sente nas comunidades de Binócue é um ótimo lugar para ler um livro. aqueles que querem lo, no bairro da Federação, e Gantois, Quando um lugar invisível começa a depredar ser ocupado, mostra-se que tem genonde realizam trabalhos participativos te que reivindica a utilização daquele e oficinas sobre conforto ambiental, esMarcelo Sousa Brito, professor de teatro espaço, e não o torna vulnerável para trutura, saneamento básico e hidráuliaqueles que querem depredar”, afirma. ca, em conjunto com os moradores das A intervenção viária faz parte da sua pesquisa de comunidades. Também atuam em outros pontos da mestrado, que aborda a produção teatral da cidade, cidade que necessitam de reparação, em parceria e também atua em lugares invisíveis com potencial com o grupo Canteiros Coletivos - entidade sem fins para se transformar em espaços de convivência da lucrativos ou apoio governamental que cuida de pepopulação. Outros locais que já passaram pela interquenos espaços abandonados da cidade. venção são o Largo do Campo Grande, Mirante dos Inicialmente com debates nas redes sociais soAflitos e os bairros do São Caetano, Cajazeiras X, ltabre a cidade, o movimento “Canteiros Coletivos” puã e São Cristóvão. aposta na iniciativa de recuperar canteiros abandonaOcupar e urbanizar No mesmo sonho de melhorar espaços públicos esquecidos de Salvador, o projeto Curiar - Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFBA, busca através de ações e mutirões ampliar a participação dos cidadãos na revitalização desses espaços. ‘Curiar’ é um termo tipicamente baiano e significa ‘estar curioso’. Este coletivo é formado por estudantes que buscam compartilhar os conhecimentos de arquitetura para fora dos muros da universidade, em locais pouco assistidos pelos órgãos responsáveis por infraestrutura. Para Caroline Liu, integrante do coletivo, “é
dos. A primeira semente foi plantada no canteiro do Vale do Canela em fevereiro de 2012, e hoje o projeto segue com a proposta de revitalizar canteiros em outros três lugares: Gantois, Solar Boa Vista e a Praça do Pôr do sol, no Rio Vermelho. Apesar de usar ferramentas de intervenção diferentes, o que estes coletivos têm em comum é a crença de que a interferência no espaço público é uma forma de provocar uma cidadania mais ativa, fazendo com que todos se compreendam como atores essenciais no cuidado das áreas comuns da cidade e sejamos também responsáveis pela “cara” do lugar em que vivemos.
CIDADE | PÁGINA 7
Tecnologia Gadget: Brinquedo de criança? Estudos apontam o uso crescente das novas tecnologias ainda na primeira infância Mallu Silva/Labfoto
Jasmin Chalegre
O uso da tecnologia, quando supervisionado por adultos, pode estimular na busca por conhecimento
PÁGINA 8 | TECNOLOGIA
A
facilidade do acesso às tecnologias digitais parece não ter limite de idade. Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil(CGl.br), entre 2012 e 2013, 79% dos usuários dos sites de redes sociais eram crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos. Um estudo realizado pela AVG Tecnologies, com 6 mil famílias de cinco países, indica que 66% das crianças entre 3 e 5 anos de idade já utilizam jogos de computador, 47% sabem como usar um smartphone, porém somente 14% são capazes de amarrar os sapatos sozinha. O levantamento também apontou que, dentre as crianças entre 6 e 9 anos que participaram no estudo, no Brasil, 97% usam a internet e 54% têm perfil no Facebook. Marcella Batista, psicóloga especializada em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), explica que o perigo do contato com os mecanismos está na comodidade que a tecnologia oferece para os pais e para a criança, pois os gadgets são de uso individual e dispensam a interatividade presencial. A ideia não é coibir a exposição das crianças aos aparelhos tecnológicos, mas estimular de forma positiva, delimitando os horários e os aplicativos compatíveis com a idade. “Em crianças com TEA não verbal, o uso da tecnologia ajuda na intervenção educativa por meio de figuras e estímulos sonoros. Os dispositivos trabalham a coordenação motora, a cognição social, percepção, raciocínio e funções cognitivas. A utilização deve ser direcionada para o aprendizado da criança e não apenas para o lazer alienado”, concluiu Marcella. O professor André Lemos, pesquisador em cibercultura na Universidade Federal da Bahia (Ufba) acredita que o uso supervisionado pelos adultos estimula a criança a buscar conhecimento, visto que a internet permite acesso a diversos conteúdos. Rossana de Lima, professora de português e mãe de Luiza, 2 anos, ensina em uma escola onde os alunos recebem aulas de linguagens com auxílio de iPad’s e outros mecanismos tecnológicos e afirma que o emprego da tecnologia tornam as atividades escolares cada vez mais dinâmicas. A filha de Rossana começou a utilizar o iPad por volta dos sete meses, assistindo vídeos infantis. “Agora, com dois anos, ela já clica no ícone dos seus vídeos preferidos para cantar e dançar e também faz uso do quebra-cabeça e jogo da memória”, explica a mãe, que acredita que a tecnologia influencia no desenvolvimento da concentração e estimula a realização de atividades de racioclnio cognitivo. A mãe também atribuiu o rápido aprendizado oral de Luiza, que hoje já consegue formular frases completas, à exposição precoce aos aplicativos. Por outro lado, Ressana também crê que o abuso das novas tecnologias pode comprometer a saúde psicológica e física, causando isolamento social. Assim, estimula o interesse da filha por outras brincadeiras que não envolvam computadores, pois acredita ser fundamental para o desenvolvimento da pequena a convivência com outras crianças.
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Imagem: Carla A. Risso
Aulas às terças, quintas e sextas das 14 às 16h ou segundas, quartas e sextas das 9 às 11h Mais informações podem ser obtidas através dos telefones 3331-2169 e 3283-6253 ou pelo e-mail propeep@yahoo. com.br
Visto para estrangeiros estudarem a língua portuguesa UFBA é a única universidade pública do país a oferecer curso que permite visto de estudante Carla Ribeiro
A
UFBA é a única universidade pública do Brasil que concede documentos para que o estudante solicite visto de permanência no país apenas para estudar a língua portuguesa. Medida pouco divulgada, a Universidade Federal da Bahia oferece ao estrangeiro que deseje morar no Brasil uma oportunidade ímpar de se inserir na cultura brasileira e aprender o idioma. Sem a necessidade de estar matriculado num curso de graduação, o estudante estrangeiro pode fazer parte do corpo discente da UFBA graças ao curso de Extensão em Língua Portuguesa que é oferecido pela universidade. Segundo a professora Denise Scheyerl, coordenadora do curso para estrangeiros, o perfil dos estudantes varia muito entre professores, empresários e visitantes que, por diferentes motivos, desejam ter uma estadia prolongada no país, pois o visto de turista autoriza o indivíduo a permanecer apenas três meses. “Na verdade, o nosso curso JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
pode ser frequentado por qualquer estrangeiro”, afirmou. Apesar de não haver uma metodologia diferenciada para alunos que têm como língua mãe idiomas próximos ao português, Scheyerl garante que há estratégias que pretendem ajudar os estudantes. “No caso de espanhol, o léxico prepara muitas armadilhas para seus aprendizes: embarazada quer dizer ‘grávida’, exquisito quer dizer ‘delicioso’, dentre outros. Esses falantes acabam tendo outras dificuldades por falarem línguas próximas ao português”, ponderou. Na opinião de Lorenzo Scarpino, estudante italiano que está no primeiro semestre do curso, a maior dificuldade é a proibição de trabalhar no Brasil. Por se tratar do visto de estudante, o governo brasileiro não permite que o requerente exerça nenhuma atividade remunerada no país e, caso o estudante encontre algum emprego, a polícia federal recomenda que seja feita imediatamente uma solicitação de transformação de visto. Ele deixa de ser visto de estudante e passa a ser visto de trabalho, cuja tramitação é muito mais dificultosa.
Para Lorenzo, no entanto, o processo de solicitação do visto foi muito tranquilo apesar da falta de informações no site da universidade. “Foi fácil juntar os papéis, mas tudo parece bem informal. Você vai até o escritório [do Programa de Pesquisa, Ensino e Extensão de Português], paga em dinheiro a taxa referente a três semestres e recebe os formulários para preencher”, explicou. É necessário que o estudante pague três semestres de curso - que tem uma duração de 60 horas por semestre - no ato da solicitação de matricula, mesmo que pretenda ficar no país por um ano. Isso, porque para tramitar visto de um ano, é necessário justificar um curso de, no mínimo, 180 horas. Uma das maiores dificuldades do processo é que quase tudo deve ser feito presencialmente e apenas documentos originais podem ser levados para análise no consulado do país estrangeiro no Brasil. Isto impede tramitar o visto aos estrangeiros nos seus locais de origem. A maioria dos estudantes vem para o país com visto de turista e só o transforma uma vez matriculado na UFBA. Para os estrangeiros com visto de turista que já estão no país, a tramitação é muito mais simples e deve ser feita pessoalmente no escritório do Programa de Pesquisa, Ensino e Extensão de Português que fica no PAF III da UFBA, em Ondina. Após efetuar o pagamento dos semestres, o estudante recebe um formulário que deve ser preenchido e levado ao seu consulado no Brasil para solicitar transformação de visto. No caso de pessoas que ainda estejam em seu país de origem, a tramitação pode ser feita por algum parente ou amigo que esteja em solo brasileiro, já que o processo só pode ser iniciado pessoalmente mediante pagamento do curso no escritório em Ondina. As aulas acontecem três vezes por semana no PAF III da UFBA e o curso tem duração total de seis semestres, a um custo de R$ 450 reais por semestre. Com foco na compreensão e na produção oral e escrita, as aulas capacitam o estudante para o teste de proficiência em língua portuguesa, o Celpe-Bras, que é requerido por empresas e universidades brasileiras no momento da admissão do trabalhador ou estudante estrangeiro.
UFBA | PÁGINA 9
Bruna Castelo Branco/Labfoto
Pescadores da colônia de Buraquinho encontram dificuldades em preservar a pesca artesanal
Contra a correnteza Colônia de pescadores de Buraquinho tenta manter as tradições da pesca artesanal diante de adversidades ambientais PÁGINA 10 | MATÉRIA DE CAPA
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
za as mudas, os pescadores são responsáveis pelo plantio e fiscalização. Sim, fiscalização. Pois, segundo Brocado, muitas casas e condomínios que têm praia de Buraquinho é a escolha perfeita saídas para o Joanes costumam podar e arrancar espara quem está indeciso se gosta mais do sas plantas. “Não adianta a gente plantar e eles armar ou da água doce. Marcada pelo encontro do Rio Joanes com o Oceano Atlântico, o cenário rancarem. A gente cuida do rio, cuida da praia, mas é motivo de contemplação para nativos e turistas, precisamos da ajuda de todos”, afirma o pescador. que fizeram do local, anos atrás, ponto obrigatóAinda assim, pescadores e o secretário Márcio rio de parada. Mas o que antes era uma paisagem Crusoé, alegam que mais de 40.000 mudas já foexuberante, hoje está um local debilitado devido à ram plantadas. A meta para 2015 é de mais 20.000 poluição que tomou conta do Joanes. mudas. Este investimento é o retorA colônia de pescadores de Buraquino justo para quem tanto luta pela Investimento nho existe há mais de meio século. Ultipreservação local. Mas, de acordo para o meio mamente, porém, ela sobrevive mais do com Jonas Tomaz, o Mestre Touro, ambiente é o que existe. Isto porque o local onde se presidente da colônia de pescadodinheiro mais fácil encontra é o novo alvo das empreiteiras, res de Buraquinho, nem sempre para sair. Falta que aproveitam a área (que é reserva houve essa política. Ele conta que vontade de ambiental) para lançar novos empreenentidades representantes do poder fazer dimentos. O resultado é a especulação público não costumam olhar para a Mestre Touro imobiliária, que traz consigo o desmatacolônia, e conseguir investimentos e mento de áreas de preservação ambienparcerias é complicado. tal, poluição de rios, despejo irregular de lixo, entre “O investimento para o meio ambiente é o dioutros impactos causados. nheiro mais fácil para sair. “Falta vontade de fazer”, O Secretário de Meio Ambiente e Recursos Híafirma Touro. Entretanto, ele conta que a colônia dricos de Lauro de Freitas, Márcio Crusoé, chama conseguiu um financiamento de trezentos mil do atenção para a falta de saneamento nos bairros do Governo Federal, no ano passado, para melhoria na município e alerta sobre a necessidade de ter mais infraestrutura. A verba foi usada, principalmente, estações de tratamento de efluentes (ETE). ‘Toda para equipar as embarcações, hoje motorizadas e construção é obrigada a ter uma ETE, que visa dicom GPS. Touro lembra, no entanto, que “somente minuir a quantidade de poluentes do cada motor, custa, em média, 28 mil efluente antes de despejá-lo na natureais”. Isso aqui era reza”, relata. Segundo o Secretário, maravilhoso. Muito além da pesca quanto maior a demanda de empreEra uma endimentos, maiores são os impactos A luta diária pela preservação abundância de ambientais. da tradição da pesca artesanal não peixe A questão é que com as águas do se resume à conservação ambiental Brocado Joanes poluídas, as condições de exisda praia de Buraquinho. Os pescatência de vida marinha são reduzidas e dores da colônias mantinham outros os impactos são evidentes. “O rio Joanes é o local costumes, como a mariscagem de lambretas, ostras, onde os peixes marinhos desovam. Se o rio não escaranguejos e sururus, além de passeios turísticos, tiver limpo, os peixes não têm como vir e isso afeta quando os pescadores levavam os turistas até a ponna pesca. Sem falar dos mariscos que viviam na rete do rio Joanes em suas pequenas embarcações. gião do manguezal e hoje são raros de achar’, reTouro, que admite não fazer mais os passeios por lata João Bonfim, mais conhecido como “Brocado”, vergonha da paisagem cheia de lixo e pela falta de pescador mais antigo da colônia de Buraquinho, procura, mantém a esperança de reviver os tempos com “cinquenta anos de mar”. de outrora: “isso aqui é bonito demais para ser abanBrocado, como prefere ser chamado, conta que donado”. Abandono este que já se toma preocupanquinze anos atrás costumava pescar uma tonelate, pois muitas mulheres que costumavam mariscar da de peixe por semana, e que agora a produção no manguezal do Joanes estão procurando outra atisemanal não passa dos dez quilos. “Hoje nós venvidade, pois não conseguem mais se sustentar atrademos peixe que trazemos da colônia de Subaúma vés do comércio de marisco. [pra suprir a carência]”, relata. Seja com o vento soprando a favor ou remando contra a correnteza, os pescadores de Buraquinho Replantio seguem sua rotina para preservar sua cultura traA fim de minimizar os impactos, a Secretaria dicional. Com várias ações sociais para além-mar, de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Lauro de estes homens e mulheres põem, na ponta de seus Freitas iniciou uma parceria com a colônia de pesanzóis, esperança de reconquistarem o valor que cadores de Buraquinho. Ambas as partes estão entinham perante a sociedade e o poder público. Eles volvidas no replantio de mudas de árvores nativas só não querem ser pescadores de ilusões. do manguezal: enquanto a Secretaria disponibili-
Bruna Castelo Branco/Labfoto
Sérgio Loureiro
A
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Pesca na Bahia A pesca artesanal é uma das atividades mais antigas da história da humanidade, e se configura como um patrimônio cultural para as comunidades que fazem questão de preservar as milenares tradições da atividade pesqueira, como a colônia de Buraquinho. Além desta, a Bahia tem outras 79 colônias espalhadas pelo seu território - tanto na parte litorânea, quanto no interior. São mais de 125 mil pescadores artesanais registrados no Ministério de Pesca e Agricultura. O biólogo Roberto Pantaleão, técnico da Bahia Pesca - órgão do Governo do Estado da Bahia que fomenta a aquicultura e a pesca -, explica que “além das colônias, existem outras formas de associativismo, como cooperativas e associações, que congregam pescadores artesanais. Segundo Pantaleão, a pesca artesanal é majoritária na Bahia: “O nosso litoral prevalece esse tipo de pesca [artesanal], pois é um litoral muito recortado e que favorece as embarcações de pequeno porte”, explica. Sendo assim, não há condições para o desenvolvimento de uma indústria pesqueira, pelas condições geográficas e biológicas da costa baiana - a plataforma continental baiana é considerada a menor do mundo, com 8 km de extensão, e possui correntes marítimas quentes, com poucos nutrientes. De acordo com uma pesquisa divulgada pela Bahia Pesca, o estado produz 105 mil toneladas por ano e consome 132 miltoneladas do pescado. Por isso, há a necessidade de importação do pescado de outras regiões, tanto de estados do Norte, como Pará e Amazonas, como de estados do Sul do país, como São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, e Santa Catarina. MATÉRIA DE CAPA | PÁGINA 11
Programa Recicle atua na coleta seletiva de lixo na UFBA Mallu Silva/LabFoto
Estudos mostram que apenas 1% do lixo chega às cooperativas para recuperação Entre as cooperativas assistidas pelo programa estão a Cooperativa Caçadores da Nova República (CANORE), a Cooperativa de Reciclagem e Serviços do Estado da Bahia (Coopers), o Projeto Ação Reciclar - Paciência Viva e a Cooperativa de Recicladores de Lixo - Cooperlix. Entre as principais dificuldades encontradas pelo programa está o baixo engajamento da comunidade acadêmica para a segregação dos recicláveis nos coletores apropriados. Esta situação traz perdas consideráveis para a instituição, pois o sistema adotado acaba desperdiçando o potencial de recursos materiais e energéticos presentes nos resíduos descartados. “Apesar de termos as lixeiras próprias para a coleta, não dá para fazer corretamente porque os próprios alunos jogam os lixos nos lugares errados”, concluiu um dos zeladores da Faculdade de Comunicação da UFBA. Políticas
Pollyanna Couto
C
om 90% das suas unidades com ações voltadas à coleta seletiva do lixo, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) é cheia das típicas lixeiras de coleta seletiva. As lixeiras azuis, verdes, vermelhas e amarelas para, respectivamente, papel, vidros, plásticos e metais são vistas por todo o campus. Porém, na prática, elas não são utilizadas como deveriam. Copos plásticos nos cestos que seriam para papéis e bolinhas de papel de cadernos nos cestos que deveriam ser dos metais são comumente encontrados. Na busca de uma solução para esse desafio, o Núcleo de Ações Ambientais (NAAMB) da UFBA criou o programa de coleta seletiva Recicle. Iniciado em fevereiro de 2013, o programa tem o objetivo de promover a separação dos resíduos recicláveis gerados nas unidades acadêmicas e encaminhá-los para cooperativas de catadores de Salvador. Até o fim de 2014, 54 unidades da UFBA tinham ações do Recicle, o que corresponde a cerca de 90% de toda a universidade, mas a meta é estender as ações para todas as unidades.
PÁGINA 12 | UFBA
O processo consiste em realizar contato com a comunidade acadêmica para que a divulgação chegue até os estudantes, professores e funcionários. Nessa etapa inicial é realizada a distribuição dos coletores para a separação dos resíduos e o treinamento dos agentes de limpeza para coleta e discriminação no armazenamento. Os materiais recolhidos são separados em sacos plásticos, divididos por cores, e em caixas de papelão. Em seguida, é transportado até o galpão da Divisão de Materiais, onde é pesado e fica no aguardo do recolhimento pelas cooperativas de catadores. Os materiais são separados nas categorias “papel e papelão” e “plástico, metal e vidro”. Atualmente, a equipe que trabalha no programa é composta por quatro colaboradores, responsáveis pelo recolhimento semanal dos recicláveis nas unidades acadêmicas e também pela pesagem e organização do galpão de armazenamento. O grupo conta ainda com dois motoristas para realizar o transporte dos recicláveis.
A coleta seletiva foi definida na Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, como a coleta de resíduos sólidos previamente separados de acordo com a sua constituição e composição, devendo ser implementada em todos os municípios. Porém, não há um modelo definido de como essa coleta deve ser feita. Estimativas preliminares do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) mostram que quase 90% dos resíduos entregues para as indústrias de reciclagem são recolhidos pelos catadores que atuam de forma independente. “A coleta seletiva na realidade é realizada por catadores que coletam diretamente e vendem o material reciclado”, fala a bióloga Talita Lima, especialista no tratamento de resíduos sólidos. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) organizou um estudo sobre a situação dos resíduos sólidos na Bahia, o “Estudo de Regionalização da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos”. Segundo dados deste estudo, em Salvador, 53% do total da coleta de resíduos sólidos urbanos é coletado por caminhões compactadores e vão para o Aterro Sanitário Metropolitano Centro, o que totaliza 728 mil toneladas por ano. Porém, atualmente, apenas 1% chega até as cooperativas de reciclagem para ser finalmente recuperado.
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Projeto de Lei que garante psicólogos nas escolas divide a categoria e levanta discussão sobre o papel dos profissionais neste espaço
Natácia Guimarães/Labfoto
A serviço da escola?
Mallu Silva
Q
uando um estudante demonstra dificuldades de aprendizado ou problemas de comportamento na escola, ele geralmente é encaminhando para um serviço de psicologia que lhe dará um diagnóstico clínico. O responsável por este diagnóstico é o psicólogo escolar, que pode atuar ou não dentro da escola, mas tem o papel essencial de facilitar o processo de escolarização do aluno. No Brasil, a presença do profissional de psicologia nas escolas públicas e privadas em âmbito nacional não é obrigatória. No entanto, existe um Projeto de Lei direcionado a inclusão dos psicólogos e assistentes sociais na rede escolar. Conforme a proposta original, o PL 3688/00 previa que o atendimento fosse feito por psicólogos do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2007, o PL recebeu um texto substitutivo elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e entidades parceiras. De acordo com a nova proposta, as redes públicas contarão com equipes multidisciplinares próprias, e algumas necessidades especfficas de alunos poderão ser tratadas em parceria com o SUS. Desde 2013 o PL aguarda a aprovação da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Desafios da implementação Apoiado por apenas uma parcela da categoria, o PL levanta polêmicas, visto que não regulamenta as modalidades de contratação de psicólogos. O PL é discricionário, dá margem à regulamentação posterior a aprovação. Somente após a publicação da lei sancionada será estabelecido um prazo para que sejam definidas as diretrizes de funcionamento. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
EDUCAÇÃO | PÁGINA 13
Natácia Guimarães/Labfoto
Erika Kokay defende a aprovação do projeto. Ainda assim, assumiu em audiência pública que o principal desafio para implementação do PL é adequar corretamente a forma como o serviço será prestado por esses profissionais, de modo que a regulamentação do projeto seja clara com relação ao papel que eles terão dentro da escola. Afinal, nem todo problema escolar pode ser considerado de índole psicológica. Há conflitos onde o papel dos docentes, dos colegas e as regras da própria instituição funcionam como entraves para a resolução de problemas, e não haveria nada de “psicológico” nisto. Outra discussão que envolve o PL são as diferentes vertentes que existem dentro da própria psicologia educacional sobre como o psicólogo escolar deve atuar e pensar a escola. Lygia Viégas, doutora em psicologia escolar e integrante da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), teme que os psicólogos se concentrem no diagnóstico e não atuem no processo de escolarização do aluno. “Se a gente não tiver muita clareza de qual é o papel do psicólogo na escola ele pode virar um carimbador maluco, vai sair distribuindo diagnóstico para professores e alunos”, opina. nas escolas para garantir a possibilidade de alde mero atendimento clínico. “O Viégas ainda alerta para um guma mudança no modelo educacional, do que que temos que defender é que o processo conhecido como mediNos acostumamos permanecer com o sistema de educação que exisSUS funcione bem para que haja calização, em que os problemas a ver doença te hoje. profissionais que possam acomde aprendizado, por exemplo, onde deveríamos panhar crianças que necessitem são explicados como patologias. enxergar dificuldade Atuação especializada de acompanhamento especial”, Hoje, ela diz, “se a criança não no processo de Outra ressalva ao projeto de lei diz respeito afirma. Lygia Viégas aponta que fica quieta não se fala mais em inescolarização ao tipo de formação que os psicólogos teriam que o melhor caminho para soluciodisciplina, mas em TDAH [TransLygia Viégas obter para atuar nas escolas. Liliane Teles explica nar essa problemática do projetorno do Déficit de Atenção com to envolveria não só uma política Hiperatividade]. “Então, se uma que para um psicólogo ser inserido na escola pública que atendesse as diretricriança não consegue aprender a hoje, não importa o tipo de preparação teórizes da psicologia escolar crítica, mas mudanças gente acha que ela tem uma doença, um distúrbio ca e prática que ele obteve em sua formação bánas relações de poder, em questões institucioneurológico. Nos acostumamos a ver doença onde sica, os estágios profissionalizantes que fez, ou nais que abrangem as escolas e deveríamos enxergar dificuldade no processo de que tipo de prática desenvolveu. no material pedagógico ofereciescolarização”. “Esse profissional que entra na do por elas. De acordo com a linha da psicologia escolar escola [pode não ter] noção neA escola está Teles, que já atuou em escoque se denomina crítica, o psicólogo escolar deve nhuma do que é política pública, organizada de las como psicóloga escolar, afirtrabalhar no desenvolvimento de ações preventide como funciona a escola, a rotiforma hierárquica, ma que a precarização do trabavas, desenvolver ações com o corpo docente sona e os problemas enfrentados”. opressora e lho do docente é um exemplo da bre temas pertinentes que merecem atenção na Isso, porque para atuar nela individualista mudança que teria que ocorrer. escola, realizar trabalhos com familiares e partiprecisa apenas do registro pro“Os professores hoje não tem cipar da construção do projeto político pedagógifissional no Conselho Federal de Liliane Teles nem espaço, nem estímulo denco da escola. A Comissão de Educação da Câmara Psicologia. E nenhuma especialitro da agenda deles para discudos Deputados já promoveu audiências com entização ou experiência é exigida. tir sobre esse assunto. A escola dades da área e especialistas para discutir como É essencial que o psicólogo está organizada de forma hierárquica, opressora funcionaria a inserção do psicólogo no ambienque atua na escola leve em consideração o e individualista. É esse tipo de estrutura que prete escolar. No entanto, ficará a cargo do Poder cotidiano escolar e as vivências pessoais do escisa ser repensado”, diz. E essa organização é a Executivo pontuar as diretrizes que conduzirão a tudante no momento fazer uma avaliação desque gera a maioria dos conflitos escolares. proposta inicial. sa criança. “Nós precisamos superar a pergunta Mesmo com o receio de que o projeto sirva clássica ‘o que a criança tem?’, para não fazer soNovo modelo educacional apenas para garantir a ampliação do mercado de mente uma investigação em torno dela, mas no trabalho dos psicólogos, pois a escola é a quarLiliane Teles, ex-presidente e atual conseprocesso de escolarização que ela está inserida”, ta principal área de atuação deles, profissionais lheira do Conselho Regional de Psicologia, tem afirma Lygia Viégas. como AndréGarcez o defendem. Para ele, é mais ressalvas ao projeto pois acredita que o psicólogo importante que os psicólogos estejam inseridos não deve entrar na escola para fazer um trabalho
PÁGINA 14 | EDUCAÇÃO
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Divulgação
Projeto estimula jornalismo participativo em comunidades periféricas do Brasil
Em busca de um jornalismo participativo
citação, o projeto está habilitando jovens através de oficinas que, depois de Salvador, passarão pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Pernambuco, entre os meses de maio e junho de 2015. Mídia Democrática
A iniciativa faz parte de um esforço de capacitar cidadãos, especialmente jovens que vivem em favelas e comunidades quilombolas, povos indígenas e outros grupos que não costumam ter suas vozes na grande mídia. O jornalista Ivan Moraes, coordenador do Programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire, em seu artigo “Direito Humano à comunicação: que bicho é esse?”, afirma que a maioria Em uma época predominada pelo dos meios pertence a uma pequena eliÉ preciso uso de smartphones, o mecanismo perte do centro sul do país, que ditam o que mite que qualquer um compartilhe noestimular a estará em pauta. “Toda pessoa tem o tícias de sua comunidade a partir de sociedade a produzir direito de dizer o que quiser, através dos uma ligação por telefone fixo, celular ou instrumentos de meios que achar conveniente, além de telefone público, sem a necessidade de comunicação e receber informações livres de preconacesso à internet. Através de um númefomentar mídias ceitos ou distorções”, acredita. ro fornecido pelo Vojo, a pessoa registra comunitárias Em busca de uma mídia mais deseu conteúdo em áudio por voz que será Ivan Moraes mocrática, a campanha “Para Exprestransmitido online, podendo ser comparsar a Liberdade - uma nova lei, para tilhado e divulgado. Atualmente, mais de um novo tempo”, a partir da iniciativa de entidades 100 pessoas foram capacitadas a utilizar a ferramendo movimento social brasileiro, lançou um projeto ta, em Workshops na Bahia e em São Paulo. de lei de iniciativa popular para regulamentar os Paulo Rogério, diretor executivo do Mídia Étniartigos da Constituição que versam sobre comuca, acredita na importância do empoderamento dos nicação. O objetivo da lei é promover pluralidade jovens na produção de conteúdo midiático, como de ideias e fomentar a diversidade através de uma forma de exercer um jornalismo participativo que se mídia democrática. Atualmente, a legislação que distancie do atual monopólio midiático. “Essa tecorienta o serviço de comunicação tem 50 anos e, senologia dá voz a muitas pessoas que anteriormente gundo o Instituto Mídia Étnica, não atende o objetinão tinham como falar sobre seus problemas, devivo de ampliar a liberdade de expressão. “É preciso do à falta de conectividade ou de alfabetização em estimular a sociedade a produzir instrumentos de tecnologia”, afirma o diretor. comunicação e fomentar mídias populares e comuApesar da iniciativa, ainda há pouco conteúdo nitárias”, afirma Moraes. disponível em rede nas plataformas do Vojo, e de maneira pouco organizada. Ainda na fase de capa-
Projeto Vojo auxilia jovens de comunidades periféricas com escasso acesso à internet a produzir conteúdo midiático Jessica Carvalho
“A
lô Bahia, Brasil, mundo, aqui é Josemar Ferreira de Jesus”. É assim que o líder comunitário e pescador de Ilha de Maré inicia sua fala, alertando para as más condições de sua comunidade e solicitando melhorias às autoridades. O relato de Josemar de Jesus foi transmitido através da ferramenta Vojo, um sistema que permite a divulgação de informações através de áudio, vídeo e imagens em comunidades com acesso limitado à internet. O projeto foi lançado 28 de maio, em Salvador, com oficinas e discussões que buscam capacitar jovens no uso da tecnologia. O Vojo, desenvolvido em parceira por pesquisadores do Center for Civic Media do MIT (Massachusets lnstitute of Technology), do RAD (Research Action Design) e o Instituto Mídia Étnica, foi utilizado pela primeira vez no Brasil na comunidade de Ilha de Maré, no final de 2013. Na ocasião, jovens quilombolas e moradores do local denunciaram crimes ambientais e problemas do cotidiano dos habitantes, chamando atenção de autoridades da região para problemas sociais que passavam despercebidos. JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
TECNOLOGIA | PÁGINA 15
Arquivo Pessoal
Idosos das Obras Sociais Irmã Dulce se divertem com as aulas de música
Tatyane Ferreira
Música para os Q ouvidos, mente e alma Pacientes do Irmã Dulce participam de sessões de musicoterapia como forma de ajudar no tratamento de doenças psicoemocionais PÁGINA 16 | COMPORTAMENTO
uem nunca escutou uma música só para relaxar? A música serve para aliviar as tensões da vida cotidiana e amenizar as dores do corpo e da mente. Esses benefícios podem ser adquiridos nas aulas de musicoterapia realizadas com os pacientes do Centro Geriátrico Júlia Magalhães, nas Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador. O grupo é formado por 35 pessoas com a faixa etária entre 65 e 100 anos. No trabalho com os idosos, a musicoterapeuta Gislane Guimarães utiliza diferentes ritmos musicais como uma forma de terapia complementar ao tratamento de doenças como a depressão, Mal de Alzheimer e Mal de Parkinson. Durante as sessões, os pacientes participam de jogos rítmicos, usam instrumentos musicais, bem como aprendem novos passos de dança com o objetivo de desenvolver a coordenação motora e a criatividade. “Além de escutarem as músicas, eles também recriam trechos de melodias”, explica. Através da música e de seus elementos (melodia, ritmo e harmonia), a musicoterapia propicia um canal de comunicação entre o paciente e o terapeuta. É o próprio paciente que escolhe as músicas a partir do seu repertório pessoal, enquanto o musicoterapeuJORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
efeitos benéficos da música nos ta planeja atividades sonoromusicais Logo no início do comportamentos dos pacientes direcionadas às escolhas, objetivos e tratamento, os com Doença de Alzheimer (DA) necessidades dos assistidos. pacientes definem em estágio moderado e avança“Logo no início do tratamento, nós as músicas que do. Os resultados mostraram uma realizamos uma ficha musicoterapêuticonhecem ou fazem melhoria significativa no comporca, em que os pacientes definem as múparte da sua vida. tamento e interação social e uma sicas que conhecem ou fazem parte da A maioria escolhe diminuição acentuada de atitudes sua vida. A maioria dos idosos escolhe samba e as canções mais antigas”, exsamba e as canções negativas relacionadas aos períodos de agitação e agressividades plica a musicoterapeuta. mais antigas dos pacientes que participaram O repertório musical é variado a Gislane Guimarães, das atividades musicais. depender do gosto do paciente. O grumusicoterapeuta Situação semelhante acontece po pode escutar desde rock até múcom os pacientes das Obras Sosica erudita. O contato com a música ciais Irmã Dulce. As sessões de musicoterapia estimula conexões cerebrais e desperta sentimenrealizadas nessa instituição têm demonstrado tos, o que melhora a autoestima, o humor e promoresultados surpreendentes no comportamento ve uma sensação de bem-estar. Esses efeitos podem dos participantes. Segundo Gislane Guimarães, ser comprovados em estudos realizados pela por meio da música os idosos passaram a inteAmerican Music Therapy Association-AMTA, dos ragir mais em grupo e a prestar mais atenção aos Estados Unidos, e pela World Federation of Music objetos e às pessoas que estão ao seu redor. Therapy-WFMT, localizada em Gênova, na Itália. Quem sente na pele os efeitos benéficos da Ciência comprova música é a aposentada Júlia Pereira do Nascimento, 85 anos, que sofre Mal de Alzheimer. Às vezes As pesquisas realizadas pela Universidaela não se lembra de tomar os medicamentos mas de de Yale, nos Estados Unidos, apontam os JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
nunca esquece os dias das aulas de musicoterapia, pois a faz se sentir livre. “A música me ajuda a ficar calma. Eu moro sozinha, quando chego em casa já canto as canções que ouço aqui”, disse. Conforme Gislane, a partir das sessões de terapia, dona Júlia vem expressando melhor as suas ideias e recordando dos acontecimentos do passado. Outra paciente que tem apresentado melhoras no seu estado de saúde é Edna Maria Mesquita Santos, de 78 anos. Desde 2003 a dona de casa participa do grupo terapêutico para tratar da depressão. “Antes eu era uma pessoa deprimida e não gostava de escutar música. Através da musicoterapia, eu aprendi a cantar e a ser uma pessoa alegre e amável com os outros. Hoje gosto ouvir música erudita, pois sinto tranquilidade”, conta.
Para participar das aulas de música, é necessário consultar primeiro o geriatra. As sessões de musicoterapia acontecem todas as segundas, terças e quartas, às 9h30, no Centro Geriátrico do Hospital Irmã Dulce, Av. Dendezeiros do Bonfim, 165 COMPORTAMENTO | PÁGINA 17
Arquivo Pessoal
Musicoterapeuta Gislane Guimarães trabalha diferentes ritmos musicais com os idosos das Obras Sociais Irmã Dulce
Brisa Andrade/Labfoto
Apesar de fácil, Minahim considera a proposta uma contradição para o país
Professora da UFBA discute a proposta de redução da maioridade penal Tarsila Carvalho
M
aria Auxiliadora Minahim é professora titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Ministra a disciplina em Direito da Criança e do Adolescente. Foi delegada da polícia na área de menores, assessora do Juizado de Menores e Presidente da Fundação Estadual de Atendimento a Menores na Bahia. Realiza pesquisa acadêmica na área e possui livros e artigos publicados. Em entrevista ao Jornal da Facom, ela discute o projeto de Redução da Maioridade Penal (PEC 171/93) sob as perspectivas jurídica e social.
De onde e como emerge,no ano de 2015,a discussão sobre uma redução da maioridade penal dentro da sociedade? Isso é recorrente. Há muitos projetos e anteprojetos de lei na Assembléia e no Senado, mas houve mais força da sociedade para impedir que tais projetos ganhassem a mesma dimensão que este. Imagino que isso surja da sensação de insegurança que a sociedade tem, que acabou provocando uma reação exatamente do lado mais vulnerável, pretensamente “mais fácil” de ser corrigido. Com mais de trinta anos trabalhando nesta área, me surpreende a manutenção de um pensamento binário que diz que não punir é passar a mão pela cabeça, como se não houvesse nenhuma alternativa a essa repetição neurótica de comportamento. Vejo justamente uma repetição obsessiva e compulsiva neste projeto, como se toda nossa trajetória histórica não servisse para mostrar que precisamos buscar uma nova via.
PÁGINA 18 | ENTREVISTA
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
é um retrocesso Há relação efetiva entre a dureza do sistema penal idade dos infratores: 16, 14 anos. Mas o percentual de e a segurança na sociedade? infrações com participação de menores no universo O senso comum costuma dizer que a criminalidas infrações cometidas no Brasil não alcança nem 5%. dade se deve à falta de penas. Ontem, a Globo dizia que os crimes de trânsito existem em Essa comoção social vem acarrenúmero tão grande porque as penas tando uma transformação da figura Esse projeto diz são baixas. Nunca se conseguiu comdo jovem em algo amedrontador? respeito à mesma provar que pena nenhuma, nem mesA figura jovem tem sido colocada fatia de sempre da mo a de morte, servisse para prevenir desta forma. Mesmo que possa vir a população, a ocorrência de crimes. Este projeto ser, a questão é como nós vamos reaselecionados pela causa uma impressão fácil, na consgir a esse signo que eles representam. vulnerabilidade ciência coletiva, de que com ele não Se somos civilizados o suficiente para social e econômica haveria mais insegurança. É uma imfazê-los entender, para socializá-los, e em que vivem pressão passageira. ao mesmo tempo tratá-los como pesUm dos principais argumentos a favor da redução da maioridade penal para os 16 anos é que as medidas de reeducação não seriam suficientemente severas para os jovens infratores. Houve uma reportagem da Globo no Instituto Padre Severino, no Rio de Janeiro, em que os meninos faziam gestos para mostrar que as celas estavam lotadas. Isso deu causa a que muitos deles fossem libertados pelo juiz. Eu não acho que a qualidade da intervenção que o Estado faça nessa área prometa nada de bom se continuarmos colocando números maiores de adolescentes nos sistemas voltados para reeducação ou para pena. Além disso, os jovens já não possuem alguns benefícios que os adultos possuem: livramento condicional, indulto, comutação de pena. Em 1927, o código de menores previa que jovens entre 16 e 18 tinham de responder pelo crime, mas com as penas da tentativa, que são mais baixas. Em 1940, se acabou com isso porque foi visto que não introduzia nada novo no Brasil. Num país que foi assolado pelo golpe militar e cuja população tem lutado pela vivência democrática, esta visão é uma das maiores contradições que se poderia pensar. Há influência, no meio jurídico, das situações de comoção veiculadas pela imprensa, no caso de infrações cometidas por menores? Sim, acredito que a imprensa tem apresentado uma tendência a favor da redução da maioridade penal. Todo os dias se divulgam notícias ressaltando a
JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
soas que estão ainda em processo de crescimento. A personalidade ainda pode ser construída de outra forma ou redirecionada.
Isso que ele fala é a função preventiva da pena. Pela pena, se previne a ocorrência de novos delitos. Porém, mostra-se com muita frequência que aquele que comete o delito sempre acredita que não será pego. Se tal função valesse de forma tão direta, muitos adultos já não praticariam crimes, então, ela é cumprida parcialmente - mas não justifica a redução da maioridade. Vejo isso como uma falta de reflexão sobre a história. Não há uma reflexão crítica sobre esse fato à luz da legislação brasileira. Não sei se os autores do projeto visitaram algum presídio ao longo de suas vidas, para saber se é pra lá mesmo que eles querem mandar os adolescentes brasileiros pobres. De todo modo, duvido que a gente consiga, mesmo rebaixando a maioridade, mandar para prisão pessoas de classe média alta. Esse projeto diz respeito à mesma fatia de sempre da população, àqueles que são selecionados pela vulnerabilidade social e econômica em que vivem.
Em defesa da maioridade penal a partir dos 18 anos,considera-se que o discernimento pleno tem relação com a maturidade afetiva e psíquica Uma das características mais fortes deste projeto do jovem. O que faz com que os apoiadores da reé a fé na constrição da liberdade como panaceia. dução acreditem que esta maturidade está cheHá,no Brasil, uma tendência que aponta para o gando mais cedo? tratamento de consequências e não das causas? Infelizmente, se esquecem que o pleno desenNo mundo inteiro, quem acaba no sistema carvolvimento não significa apenas desenvolvimento cerário são as minorias. E as vulneráveis, não as intelectual. Um argumento muito utiricas. É aquele que não tem como relizado é: “O jovem de hoje não é mais crutar um advogado bem pago para como o de antes”, por ter muitos coimpedir que ele vá para a penitenA imputabilidade nhecimentos acessíveis. Na verdade, ciária. A falta de políticas sociais penal necessita a imputabilidade penal não se satisfaz é óbvia, e falta educação adequade um controle com o conhecimento. Também necesda. Já houve no Brasil um projeto sobre a vontade sita de um controle sobre a vontade chamado “Meninos de Rua”, que e maturidade e maturidade emocional, que o adose baseava no método Paulo Freire. emocional,que o lescente não tem. Imputabilidade Neste, ao invés dos métodos conadolescente não não significa só saber que a capital da vencionais das escolas públicas, se tem França é Paris, é ter um controle adulbuscava atrair o jovem que está nas to, maduro, sobre suas ações. ruas, ou em perigo, através de formas que interessassem especificamente a ele. Você não No parecer vencedor,o deputado Marcos Rogério pode colocar em sala de aula, com a educação afirma que a redução da maioridade penal “tem convencional, pessoas que vêm com fome, maltratacomo objetivo evitar que jovens cometam cridas, que cheiram esgoto o dia inteiro porque não mes na certeza da impunidade”.Considerando a têm saneamento básico, que podem estar doentes. superlotação do sistema carcerário brasileiro, a O nível de evasão é muito grande, assustador. É redução da maioridade penal realmente seria efióbvio que faltam políticas sociais no país. Mas esta caz nesse sentido? proposta é mais fácil do que a política social, não é?
ENTREVISTA | PÁGINA 19
Matheus Buranelli/Labfoto
A veterana da Apae Há 36 anos à frente da associação, dona llka é uma referência na luta das pessoas com deficiências João Bertonie
C
om o andar lento e as mãos inquietas, llka Santos de Carvalho percorre os espaçosos corredores da sede da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Salvador, na Pituba, parando para cumprimentar cada pessoa que vem falar com ela. “Só assim que lhe vejo, na correria”, reclama a uma das moças que vem lhe dar bom dia. Faz sentido que dona llka, como é carinhosamente chamada, seja tão popular naquele prédio. Presente na instituição há quase 40 anos, 36 deles na superintendência, ela é considerada uma das iniciadoras do Movimento “Apaeano” na Bahia. Sua história se confunde com a da associação que ajudou a erguer. Durante todas essas décadas, tanto a baiana natural de Canavieiras quanto a instituição colecionaram prêmios, conquistas e admiradores. Uma das pessoas mais empolgadas ao esbarrar com dona llka pelos corredores é uma senhora baixinha e loira, usando um avental azul. Marisa Gondim começou a trabalhar como fonoaudióloga na associação ainda nos anos 80, quando se tornou
PÁGINA 20 | PERFIL
amiga da superintendente. “Todo mundo tem muito carinho por dona llka. Ela foi uma batalhadora, deu tudo pela Apae. Lembro de quando vendíamos camisetas na rua para fazer esta casa sobreviver”, relembra, com um ar orgulhoso. Os esforços de dona llka e seus companheiros deram resultados, o que é notável pelos inúmeros troféus e certificados expostos na sala de reunião, espaço anexado à sala da superintendência. No início, porém, as coisas eram mais difíceis. Durante os anos batizados pela veterena da Apae como “época do pires na mão”, a superintendente chegou a enfrentar autoridades em nome da instituição. Na década de 1980, por exemplo, o então secretário de Educação pediu de volta o espaço que o Estado tinha cedido à associação, sediado em São Joaquim, sem oferecer uma alternativa. Dona llka foi firme: disse que ia instalar “todos os meninos” na Secretaria de Educação até que um novo espaço fosse providenciado. A pressão funcionou e, apesar da mudança gradual, uma nova sede foi construída no bairro da Pituba em 1988. A dedicação de dona llka parece ter tido duas forças motrizes: sua fé em São Francisco (“ele é o
protetor desta casa”, lembra, tocando com reverência a enorme cruz dourada pendurada em seu pescoço) e sua devoção à Kakau, sua filha, de quem fala com reservas. Nascida excepcional, Kakau foi a grande motivação para que a superintendente começasse a trabalhar como secretária, em 1972, quando a associação ainda funcionava aos trancos num pequeno prédio da Ribeira. “Diziam que era para que euvoltasse para casa porque minha filha não ia sobreviver nunca e a única escola que me aceitou foi a Apae”, recorda. Em retribuição a esse acolhimento, assumiu a missão de que quem passasse pela Apae se sentisse do mesmo jeito. Em 2009, dona llka recebeu o Título de Cidadã de Salvador em sessão solene na Câmara Municipal pelos seus esforços na luta das pessoas excepcionais na cidade. O certificado hoje está pendurado na parede da sala de reunião, fazendo companhia a tantos outros. “As pessoas são muito bondosas, gostam de prestigiar’’, divaga a veterana, muito discreta ao se orgulhar. “Eu vivi a minha vida toda para a Apae e hoje somos uma instituição completa, conduzida com intuição, boa vontade e muito amor.” JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA