ano 15 - edição 43
abril de 2017
revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR
Uma vida no claustro
Life in the cloister
Um mosteiro em Curitiba abriga 19 monjas que vivem isoladas do mundo por vontade própria A monastery in Curitiba is home to 19 sisters who live in the solitude of the cloistered life out of their own volition Jornalismo PUCPR Revista CDM 3
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Corpo da matéria Ano 15 - Edição 43 - Abril de 2017 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR
Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
Eliane C. Francisco Maffezzolli
COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO
Julius Nunes
COORDENADOR EDITORIAL
Julius Nunes
COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL
Paulo Camargo (DRT-PR 2569)
COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO
Rafael Andrade
Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Adriana Barquilha Duarte, Andréa Duarte Ross, Andrey Princival Gabardo, Brenda Iung, Camila Laís Borba, Caroline Ribeiro da Silva, Cecilia Tumler de Carvalho, Daniela Tank Borsuk, Érika Fernanda Lemes Boschiroli, Felipa Andressa Pinheiro Fonseca, Gabriela Bossoni Giannini, Gabriela Marques da Cunha, Gabriela Miguel Jahn, Gabrielle Campos Comandulli, Gilmar da Silva Montargil, Giordana Aparecida Chemin Tonini Marcon, Giulie Hellen Oliveira De Carvalho, Grasieli Vicente Farias, Guilherme Wordell de Oliveira, Íngridy Nayara Dias Moreira, Isabella de Oliveira Eger, Jehnifer Kammer Nogueira, Jessica Mirely Farias, Joana Ciafrino Sabbag, José Luiz Moreira Junior, Karina Tsutsui Harano, Kassio Pereira Pinto, Kiong Ée Ariele Hosseini, Lais Holzmann Cintra, Lara Fonte - Bôa De Oliveira, Larissa Camargo Saldanha, Leonardo Henrique dos Santos, Leticia Joly, Loraine de Fátima Mendes, Louise Fiala Schmitt, Lucas Aron Nogas, Luiza Romani Fogaça de Souza, Marcela Mazetto De Souza, Maria Victoria de Oliveira Lima, Marina Bittencourt Cardoso, Monalisa Rahal, Nicole Lemos Leite, Nicole Lopes Genovez, Pedro Henrique Colatusso, Renata Thais de Souza, Riana Karina De Carvalho, Rodrigo Yoshio Siguimura, Saila Caroline Rodrigues, Samantha Mahara Martynowicz, Sérgio de Oliveira Junior, Tais Coutinho Arruda, Thaís Barbosa Peixoto da Cunha, Vinicius Costa Pinto, Vitor Brunatto Ferraz, Viviani Moura
Imagem de capa: Pedro Henrique Colatusso 6ºP Jornalismo
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SOCIEDADE Vida na clausura Life in the cloister
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PROFISSÃO Céu sem limites
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COMPORTAMENTO
22 26 Barbearias voltam à moda 28
O espelho que não me reflete O que é família?
POlÍTICA Domínio deles em terra delas 00 e confirma
32 36
MEIO-AMBIENTE As artérias da cidade
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AUTOMOBILISMO Dirigindo histórias
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SAÚDE Presta atenção! Não é brincadeira Precisamos falar sobre TOC
54 56
CULTURA
60 64 Da mente às páginas 68 Caminho da música
Você aceita ler uma história?
ENSAIO Os sertões de Guimarães Rosa
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Vida na clausura Monjas carmelitas são mulheres felizes e realizadas, apesar dos muros, grades e da solidão Pedro Henrique Colatusso Viviani Moura
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oca o sino. Irmã Maria Celina do Menino Jesus reconhece o toque, deixa o que está fazendo e sabe que há algo mais importante pela frente. O som não se limita ao bronze que ressoa, mas representa a voz do superior, a de Deus. Maria Celina nasceu Dejanira Bombonatti. Filha de um pastor protestante, desde menina sentia vontade de ser freira. Mas as circunstâncias que pareciam a impedir não foram difíceis o suficiente para que desistisse. Aos 12 anos, recebeu o batismo na Igreja Católica às escondidas. Com o olhar sereno, voz firme e, num largo sorriso, lembra que ao chegar em casa naquele dia sentia tanta alegria que seus pais e irmãos achavam que estava ficando doida. “Depois que descobriram, ficaram desesperados. Mudamos de cidade porque éramos muito conhecidos. Uma filha católica, como podia?!”, lembra a irmã, que, a partir de então, empreendeu um longo caminho até conseguir entrar no mosteiro. Ao mudar de cidade, fugiu de casa e ingressou em um convento, sem o consentimento dos pais. Quando seu pai foi buscá-la, disse que não queria voltar para casa porque queria seguir a Igreja Católica. Seu pai a deixou ficar, mas, quando chegou o momento de receber o hábito, enfrentou um grande dilema, pois se resolvesse ficar, não poderia realizar seu sonho de ir para o carmelo, para
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a clausura. Optou em voltar para a casa dos pais, pois seu desejo de ser monja falou mais alto. Monja é o nome dado à freira que opta pela clausura em um mosteiro. Um dia seu pai foi fazer um culto e Maria Celina, à missa. Ao perder o trem e voltar antes da hora e, ao saber que a filha havia ido à missa, seu pai a expulsou de casa. “Fiquei na rua. Fui para a casa de um vizinho e, no dia seguinte, procurei as irmãs. Minha mãe estava comigo. Acabei indo para Santo André (SP). O bispo me acolheu e, com 21 anos, as irmãs me receberam no carmelo.” E já se passaram 58 anos de consagração na vida carmelita e irmã Maria Celina afirma com um olhar vibrante: “Se eu tivesse que começar, começaria tudo agora e com mais perfeição”, destaca ela. Irmã Maria Celina do Menino Jesus trocou de nome depois que tornou-se monja. A mudança de nome representa uma vida nova no Espírito Santo, além de indicar uma missão e uma devoção para a irmã e, a escolha pode ser tanto da pessoa como da comunidade. Além de enfrentar o desafio de ser católica e carmelita, irmã Maria Celina também participou da fundação do mosteiro na cidade de Curitiba, onde atualmente é a priora, também chamada de madre, que significa a figura de autoridade para as monjas do Carmelo Nossa Senhora da Assunção e São José.
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“Se eu tivesse que começar, começaria tudo agora e com mais perfeição.”
Pedro Henrique Colatusso
Ir. Maria Celina do Menino Jesus, superiora do mosteiro
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As 19 irmãs do carmelo de Curitiba.
No meio da cidade O horário está marcado, temos que esperar um pouco, pois chegamos cedo. A recepcionista nos acolhe e nos leva até o locutório, sala dividida ao meio por uma grade e uma cortina persiana fechada. De um lado, algumas poucas cadeiras. A ansiedade e a alegria do momento tomam conta de nós. De repente, ouvimos um burburinho e, logo, as persianas começam a se abrir. Do outro lado, vemos quatro monjas sorridentes que nos acolhem e dão as boas vindas com um semblante feliz e um brilho no olhar, expressão de quem realmente parece ter encontrado algo de muito valor. O locutório é a sala do mosteiro que, de certa forma, une o mundo exterior com o claustro. Nós não passamos da grade para dentro e as monjas não passam
da grade para fora. A conversa acontece através da grade, que simboliza uma vida exclusiva para Deus. “É uma separação que mostra que as irmãs estão aqui dentro para rezar pelas pessoas. Não tem outro significado do porquê estamos presas. É mais para fortalecer o nosso carisma da oração, da vida comum, reunir as forças para lançar para fora. Não somos isoladas, as grades servem para vivermos nossa vocação com intensidade, muito mais do que uma fuga do mundo, e sim para não ficarmos distraídas e vivermos concentradas na nossa vocação”, explica irmã Margarete de Jesus Ressuscitado, uma das 19 monjas do Carmelo Nossa Senhora da Assunção e São José, no bairro Guabirotuba, em Curitiba. A localização do mosteiro é a mesma desde o início, perto do atual Viaduto Estaiado. O lugar
não fica retirado da cidade, mas basta cruzar os muros e adentrar, que se encontra um ambiente de silêncio e paz. No mosteiro, grande parte do tempo é dedicado à oração. As freiras estão na retaguarda rezando pelas necessidades do mundo e pelos que estão na linha de frente. “Nós temos isso dentro de nós, de que o povo precisa. Então, precisamos ter uma postura diante de Deus e ter uma vida guardada para que saia vida para fora. Deus nos separou por causa das pessoas”, assegura irmã Margarete.
Rotina Vinte para as cinco da manhã, o sino toca e as irmãs deixam as
suas celas, expressão que se usa para designar o quarto individual de cada monja. Às 5 horas, já estão preparadas para a primeira oração do dia no coro, espécie
“Não é por não poder sair, é o não querer sair que entra na nossa vida.” Irmã Margarete de Jesus Ressuscitado
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de sala ao lado do altar da capela do carmelo. Uma grade separa as irmãs do espaço da Igreja, que é aberta para o público externo. Lá, elas rezam até as 7 horas, quando o padre chega para rezar a missa. Somente depois da missa é que elas tomam o café da manhã. Em seguida, inicia-se o horário de formação comunitária, que é um espaço do dia destinado à leitura de livros, textos sagrados, documentos da Igreja e do papa. Das 9 às 11 horas é o período de trabalho. “Dentro desse horário, a gente tem a parte tanto da manutenção da casa, limpeza, cozinha, como também costura, bordado, que vão para o nosso bazar, onde nós apresentamos os trabalhos manuais. Cada irmã tem o seu ofício já de manutenção da casa e de trabalhos de confecção para o bazar que temos. São esses trabalhos manuais que garantem a nossa fonte de renda, além dos benfeitores, que são as pessoas que nos ajudam”, explica irmã Margarete. Ainda antes do almoço, as monjas rezam e seguem juntas para o refeitório. Depois, lavam a louça e então inicia o recreio. As religiosas passam a maior parte do dia em silêncio e falam somente quando é necessário, sobre assuntos pertinentes. O recreio do meio do dia cumpre justamente o papel de unir as irmãs para
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conversar sobre assuntos livres e realizar trabalhos manuais. “Normalmente, dura de meia hora a 40 minutos. Nós contamos as situações do dia, alguma notícia que chegou, damos risada e todas falam ao mesmo tempo. Uma quer dar uma notícia e tem que falar mais alto, tem que cutucar a outra para escutar. Nós somos em 19. Então, a gente faz uma roda de cadeiras, cada uma com o seu trabalhinho manual, conversando com a vizinha do lado, e ainda tendo que dar atenção para uma conversa que surge para todas”, conta irmã Margarete.
Para sempre no carmelo Quando professam os seus votos, as irmãs carmelitas prometem castidade, pobreza e obediência. Mas, além disso, quando uma irmã entra para o carmelo, ela sabe que provavelmente nunca mais vai sair de lá, ou seja, faz a experiência da estabilidade.
Cada irmã possui um toque específico do sino— para elas é a voz de Deus.
Existem exceções quando, por exemplo, uma irmã fica doente e precisa de tratamento externo ou quando os pais pedem a visita em caso de doença ou morte. “Não é por não poder sair, é o não querer sair que entra muito dentro da nossa vida. É um sacrifício muito grande quando uma irmã precisa sair”, explica irmã Margarete. Arquivo do Carmelo
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Se queima uma lâmpada muito alta ou a máquina de lavar quebra, é permitido que algumas pessoas entrem para fazer esses trabalhos. Mas as irmãs procuram aprender, como conta a irmã Margarete: “Até esses tempos atrás, veio um senhor para consertar a máquina de lavar que nós não conseguimos arrumar, e falou: ‘Irmã, tem gente que não se interessa por isso aqui, não faz, e as irmãs já estão mexendo’. Se a gente realmente ficar dependente das pessoas, nós perdemos muito tempo. Então, às vezes, a gente se arrisca. Para fazer a vontade de Deus, não podemos perder tempo”. A estabilidade é tão presente na vida monástica que o cemitério das irmãs fica dentro do mosteiro. Trata-se de uma construção em formato de capela no jardim interno.
Irmã externa Como não saem para o mundo externo as irmãs contam com duas funcionárias que realizam o atendimento às pessoas na portaria do mosteiro e realizam os trabalhos externos. Mas o mosteiro está com uma novidade.
Pela primeira vez, uma jovem que está no carmelo, se encontra no período de formação inicial para ser irmã externa, ou seja, viver dentro da clausura e também fazer o atendimento na parte de fora, além de realizar as atividades que até então só eram realizadas pelas funcionárias. Alguns carmelos já vivem essa realidade. A função da irmã carmelita externa existe sob a licença da igreja, que concede que algumas monjas (duas, três, no máximo, cinco) tenham como trabalho o atendimento externo do mosteiro, como a acolhida das pessoas, encaminhando-as para a conversa com as monjas no locutório, atendimento dos pedidos de oração recebidos pelo telefone, auxílio nas missas, saídas para realizar compras, levar as irmãs ao médico e outras atividades que exigem saída. “Com a ampliação, há pouco mais de dois anos de nossa portaria, ganhou forma um desejo há muito tempo cultivado pela nossa comunidade. A decisão foi unânime de que havia chegado a hora de acolhermos essa especial vocação em nosso mosteiro”, explica irmã Margarete.
Novas gerações de monjas A conversa continua e a jovem irmã Maria da Eucaristia, de 24 anos, mato-grossense de Nova Ubiratã, compartilha como percebeu que o seu desejo era ser monja carmelita. “Antes de entrar para o carmelo, passei um ano com outras irmãs, que tinham como carisma a educação. Elas davam aulas. As irmãs eram muito felizes na missão que realizavam. Mas eu queria alguma coisa a mais. Eu queria um lugar que tivesse mais oração”, afirma, convicta, irmã Maria da Eucaristia. Diante da decisão da jovem de ser freira e viver na clausura, ela conta que sua mãe compreende sua escolha, e diz que ao ver sua filha feliz ela também está feliz, ao contrário de seu pai, que tem resistência quanto ao modo de vida da filha e a quer junto de si. Mas não deixa de visitá-la e gosta de conversar com as irmãs. A visita dos familiares é permitida, quando são de outra cidade ficam na hospedaria do mosteiro quantos dias desejarem e o contato com a filha acontece no locutório por meio da grade.
Pedro Henrique Colatusso
Irmã Maria da Eucaristia: a força da juventude.
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delaide Jasper Dobrotinik, uma das irmãs de irmã Teresa Maria de São José, conta que foi uma surpresa e uma tristeza geral para a família a decisão da irmã. Seu pai sonhava que a filha recém-formada professora viesse a lecionar para o seu orgulho de pai e também para ajudar no sustento da casa, e não se retirar de casa para se trancar num convento; e se fosse para ser freira, que fosse como tantas outras, que pudesse andar livre e visitar a família. “Quem mais sentiu sua saída de casa fomos nós, irmãos, pois ela era para nós uma segunda mãezinha. Cuidava de todos com muito carinho e responsabilidade”, destaca Adelaide. Já para César Sluzalla, irmão da irmã Margarete, a decisão da monja de ingressar no convento carmelita foi uma surpresa para todos na época. Assustava a ideia de não mais partilhar da companhia da irmã nos momentos de encontro e nas datas significativas em família. Já sua mãe aceitou sem muita resistência, ao ver a convicção da irmã. “Saudade é saudável para quem ama. Passamos a aceitar melhor à distância e ausência, pois cada um deve cumprir sua missão na vida”,
recomenda o irmão. Quanto à comunicação com os familiares, é possível falar pelo telefone uma vez ao mês. O carmelo possui um e-mail onde recebem pedidos de oração das pessoas, informações de outros carmelos do Brasil e do exterior. Quem desejar pode ter um e-mail particular, mas o uso é feito sempre com a devida transparência com a madre. É por intermédio deste meio que ficam informadas dos acontecimentos da igreja, pois não assistem televisão, exceto para formação e eventos religiosos. A forma de comunicação usada dentro do mosteiro é o sino. Quando tem a necessidade de entrar em contato com alguma irmã, toca-se o sino. Cada uma tem um toque específico. “O sino tem esse significado da voz de Deus, do grande esposo, do grande rei. Quando a gente está trabalhando com alguma irmã e toca o sino, a gente pensa: vamos rapidinho que Jesus está chamando, então largamos e vamos atender Jesus. Essa vontade de Deus nós temos muito forte dentro de nós”, explica irmã Margarete de Jesus Ressuscitado. (V.M.)
O carmelo e suas origens A Ordem dos Carmelitas tem sua origem no Monte Carmelo em Israel, do qual herdou o nome. Desde o início há duas figuras de destaque: o profeta Elias e a Mãe de Deus. O profeta Elias é considerado o inspirador da Ordem e os traços de sua vida caracterizam o modo de vida no carmelo: vida no deserto e na presença de Deus, zelo pela glória de Deus e intercessão em favor do povo. A tradição da ordem é antiga, mas se têm documentos apenas no fim do século XII e início do século XIII. Tudo começou quando um grupo de fiéis europeus passaram a viver como eremitas no Monte Carmelo, junto à “fonte de Elias”. A partir daí muitas pessoas também se interessaram por esta opção de vida.
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Life in the cloister Carmelite Nuns are happy and fulfilled women, despite the walls, grids and the seclusion Pedro Henrique Colatusso Viviani Moura
Tradução: Christopher Thomaz Freitas e Matheus Maurício Britto Ramos (5º período Curso de Letras Português Inglês Diurno)
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he bell rings. Sister Maria Celina do Menino Jesus recognizes the ring, stops what she is doing and knows that there is something more important ahead. The sound is not limited to the bronze that resonates, but represents the superior voice, God’s voice. Maria Celina was born Dejanira Bombonatti. Daughter of a protestant pastor, she wanted to be a nun since her childhood. But the circumstances that seemed to stop her weren’t hard enough for her to give up. At age 12, she was secretly baptized by the Catholic Church. With a serene look, firm voice and a big grin, she remembers that when she got home that day, she was feeling so much joy that her parents and siblings thought she was going mad. “When they found out, they became desperate. We moved to a different city because we were very well known. A catholic daughter, how could it be?!”, the sister remembers that, from then on, she had a long road to get to the monastery. After moving in, she ran away from home and joined a convent, without her parents’ consent. When her father went to pick her up, she said she didn’t want to go back home because she wanted to follow the Catholic Church. Her father let her stay, but, when the time to get her habit arrived, she faced a major dilemma, because if she decided to
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“If I had to start, I would start it all over again now and more perfectly.” Sister Maria Celina do Menino Jesus
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stay, she would not accomplish her dream of going to the Carmel, to the cloister. She chose to go to back to her parents’ house, as her wish to become a Carmelite nun prevailed. Carmelite nun is the name given to the nun who chooses to cloister in a monastery. One day, her father went to deliver a service and Maria Celina went to mass. When her father missed the train and got home before the time, he discovered that his daughter had gone to mass and then kicked her out of the house. “I became homeless. I went to a neighbor’s house and, the next day, I looked for the sisters. My mom was with me. I ended up going to Santo André (SP). The bishop welcomed me and, being 21 years old, I was accepted in the Carmel.” Fifty eight years of consecration in the Carmelite life has passed and Sister Maria Celina asserts with a vibrant look: “If I had to start, I would start it all over again now and more perfectly”, she highlights. Sister Maria Celina do Menino Jesus changed her name when she became a Carmelite nun. The name change represents a new life in the Holy Spirit, besides indicating a mission of devotion to the sister and the choice can either come from the person or from the community. Besides facing the challenge of being catholic and Carmelite, Sister Maria Celina also took part on the founda-
tion of the monastery in the city of Curitiba, where she is currently the Prioress, also called Madre, which is the authority figure to the nuns of the Carmel Nossa Senhora da Assunção e São José.
In the middle of the city The time is scheduled, we have to wait a little because we arrived early. The receptionist welcomes us and takes us to the locutory, a room divided in the middle by a grid and a closed blind curtain. On one side, some chairs. The joy and anxiety of the moment fill us. Suddenly, we hear a murmur and then the blinds begin to open. On the other side, we see four smiling Carmelite nuns who welcome us with a happy countenance and a glint in the eye, expression of whom actually has found something of great value. The locutory is the monastery’s room that, somehow, unites the outside world with the cloister. We don’t go over the grids to the inside and the Carmelite nuns don’t go over the grids to the outside. The conversation happens through the grids, that symbolizes a life exclusive to God. “It is a separation that shows that the sisters are inside to pray for the people. There is no other meaning of why we are confined. It is more to strengthen our charisma of prayer, of common life, to muster our forces and spread them to the outside. We are not iso-
lated, the grids serve to intensify our vocation”, explains Sister Margarete de Jesus Ressucitado, one of the 19 Carmel Nossa Senhora da Assunção e São José’s nun, in the neighborhood Guabirotuba, in Curitiba. The monastery localization is the same since the beginning, near the current cable-stayed overpass. The place is not out of town, but as one passes through the walls and get in, one will find an ambience of silence and peace. In the monastery, much of the time is dedicated to praying. The nuns are at the rear praying for the needs of the world and those on the front line. “We have it within us that the people need. So we need to have a stand before God and have a life saved so that life comes out. God separated us because of the people”, assures Sister Margarete.
Routine Twenty to five in the morning, the bell rings and the sisters leave their cells, an expression used to designate each Carmelite nun’s individual room. At 5 o’clock, they are ready for the first prayer of the day in the choir, a kind of room next to the altar of the chapel of the Carmel. A grid separates the sisters from the Church’s space, which is open to the outside public. There, they pray until 7 o’clock, when the priest arrives to say Mass. Only after Mass they have breakfast. Then the community traiJornalismo PUCPR Revista CDM 17
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The 19 Sisters of Curitiba’s Carmel. ning schedule begins, which is a time of the day for reading books, sacred texts, documents of the Church and the pope. From 9 to 11 o’clock is the working period. “At this time, we have both the maintenance of the house, cleaning and cooking, and the sewing and embroidery that go to our bazaar, where we show the manual works. Every sister is in charge of the housework and craftwork for the bazaar we have. It is these manual jobs that guarantee our source of income, besides the benefactors, who are the people who help us”, explains Sister Margarete. Before lunch, the Carmelite nuns pray and go together to the dining hall. Then they do the dishes and begin the recess. The religious women spend most of the day in silence and speak only when necessary, on relevant issues. The midday recess fulfills precisely the role of uniting the sisters to talk about free affairs and to do manual work. “Usually it lasts from half an hour to 40 minutes. We tell the situations of the day, some news that has arrived, we laugh and they all talk at the same time. One wants to give the news and has to speak louder and poke the other to listen. There are 19 of us. So we make a circle of chairs, each with her manual work, talking to the next person, and still having to pay attention to a conversation that arises for all”, Sister Margarete says.
Forever in the Carmel When they profess their vows, the Carmelite sisters promise chastity, poverty and obedience. But, in addition, when a sister enters the Carmel, she knows that she will
probably never go out again, that is, she experiences stability. There are exceptions when, for example, a sister is sick and needs external treatment or when parents ask to visit in case of illness or death. “It’s not that we can’t leave, it’s not wanting to leave that goes deep into our lives. It’s a great sacrifice when a sister needs to leave”, explains Sister Margarete. If a high light bulb burns out or the washing machine breaks, some people are allowed to come in to do these repair jobs. But the sisters try to learn, as Sister Margarete says: “One of those days, a man came to fix the washing machine that we could not fix, and he said: ‘Sister, there are people who are not interested in this, and the sisters are already doing it ‘. If we really get dependent on people, we waste a lot of time. So sometimes we take chances. To do God’s will, we can’t waste time”. Stability is so present in the monastic life that the sisters’ cemetery is inside the monastery. It is a chapel-shaped building in the inner garden.
Extern sister Since they do not go out to the outside world, the sisters have two female employees who work assisting people
at the monastery entrance and also do the external work. But the monastery has news. For the first time, a young woman in the Carmel is in the period of initial education to be an extern sister, that is, to live inside the enclosure and also provide the outside assistance, besides performing the activities that until then were only carried out by the employees. Some Carmels already live this reality. The function of the extern Carmelite sister exists under the permission of the church, which grants some Carmelite nuns (two, three, maximum, five) to work with the external services of the monastery, such as the reception of people, leading them to the conversation with the Carmelite nuns in the locutory, as well as answering the prayer requests received by the telephone, helping in the Masses, taking the sisters to the doctor and doing other activities that require exits such as making purchases. “With the expansion, a little more than two years ago, of our reception hall, a desire long cultivated by our community has taken shape. The decision was unanimous that the time had come to welcome this special vocation in our monastery”, explains Sister Margarete.
“It’s not that we can’t leave, it’s not wanting to leave that goes deep into our lives.” Sister Margarete of the Resurrecting Jesus
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New generations of Carmelite nuns
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The chat goes on and the young Sister Maria da Eucaristia, 24 years old, from Mato Grosso of Nova Ubiratã, shares how she realized that her desire was to be a Carmelite nun. “Before entering the Carmel, I spent a year with other sisters who had the charisma of education. They taught.
The sisters were very happy in their mission. But I wanted something else. I wanted a place that had more prayer”, affirms, with conviction, Sister Maria da Eucaristia. Faced with the decision of the young woman to be a nun and live in the cloister, she says that her mother understands her choice, and mentions that when she sees her daughter happy she is also happy, unlike her father, who is resis-
tant to the way of life of the daughter and wants her next to him. Even though, he goes and visit her and he likes to talk to the sisters. The visit of relatives is allowed. When they are from another city they stay in a inn of the monastery as many days as they wish and the contact with the daughter happens in the locutory through the grid.
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delaide Jasper Dobrotinik, one of the sisters of Sister Teresa Maria of St. Joseph, says that it was a surprise and a general sadness for the family the decision of her sister. Her father hoped that his newly graduated daughter would teach, become his pride and also help with the maintenance of the house, but not leave home to lock herself in a convent. And if she were to be a nun, like so many others, that she could walk free and visit her family. “Those who felt the most for her leaving home were us, siblings, for she was a second mother to us. She took care of everyone with a lot of affection and responsibility “, says Adelaide. For César Sluzalla, brother of sister Margarete, the nun’s decision to join
The Carmel and its origins The Order of the Carmelites has its origin in Mount Carmel in the Holy Land (Israel), from which it inherited its name. Since the beginning there are two highlighted figures: the prophet Elijah and the Mother
the Carmelite convent was a surprise for everyone at the time. It frightened the idea of no longer sharing his sister’s company in times of meeting and significant family dates. But his mother accepted without much resistance, seeing his sister’s conviction. “Missing someone is healthy for those who love. We come to accept the distance and absence better, because each one must fulfill his/her mission in life”, recommends the brother. As for communication with family members, it is possible to talk on the phone once a month. Carmel has an e-mail where they receive prayer requests from people, information from other Carmelites in Brazil and abroad. Anyone who wishes may have a private email, but the use is always made with transparency with
of God. The prophet Elijah is considered the inspiration of the Order and the traits of his life characterize the way of life in Carmel: life in the desert and in the presence of God, zeal for the glory of God and intercession for the people. The tradition of the Order is ancient, but documents were
the Sister. It is through this medium that they are informed of the events of the church, since they do not watch television, except for training and religious events. The means of communication used within the monastery is the bell. When you have the need to get in touch with some sister, ring the bell. Each one has a specific ring. “The bell has this meaning of the voice of God, the great husband, the great king. When we are working with a sister and ringing the bell, we think: Let’s go quickly, Jesus is calling, so we let go of everything and we go answer Jesus. This will of God we have within us is very strong, “explains Sister Margarete of Jesus Risen. (V.M.)
only available in the late twelfth and early thirteenth centuries. It all began when a group of Faithful Europeans came to live as hermits on Mount Carmel, near the “fountain of Elijah.” Since then many people have also been interested in this way of life.
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De gerente de loja a comissária, Gabriela enfim realizou seu grande sonho.
Céu sem
LIMITES
Além de ser uma profissão muito valorizada e até invejada por diversos aspectos, a vida de tripulante também apresenta as suas dificuldades. A rotina sem horários e o longo caminho para formação são características deste trabalho que, para muitos, é um sonho de criança Bruna Kurth Érika Lemes José Luíz Moreira Laís Holzmann Marina Cardoso
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céu e suas nuvens brancas sempre despertaram o interesse da jovem Gabriela Frumento. Desde a infância, ao observar os aviões, a menina sonhava em um dia poder estar em um deles. Seu primeiro voo, aos 16 anos, mesclou a ansiedade e a alegria de alguém que tornava o seu desejo realidade. Doze anos depois, os mesmos sentimentos tomaram conta da profissional ao assumir seu primeiro voo como comissária de bordo entre São Paulo e Salvador. “Foi como se eu estivesse pisando pela primeira vez em um avião. Sendo assim, eu tive em mente que da mesma forma com que eu fui encantada há alguns anos, eu queria encantar agora”, conta. Hoje, aos 30 anos, ela contempla cada momento que seu trabalho lhe proporciona. O sorriso marcante da tripulante é inegável. Antes de migrar para a equipe de voo, Gabriela trabalhou como agente de aeroporto em duas companhias aéreas por três anos. Todavia, o curso de comissária foi realizado quando ela tinha apenas 22 anos. “Na época, eu era gerente de uma loja de calçados, mas, mesmo assim, nunca deixei a chama da aviação se apagar. Foi aí que decidi fazer o curso que durou cerca de quatro meses. Assim que terminei, fiz minha banca da ANAC e passei de primeira”, relata.
Sonho de infância Assim como Gabriela, a paixão pela aviação é compartilhada também por Ricardo Saboia, 35 anos. Nascido em São Paulo, ele é comandante de uma das maiores empresas aéreas do Brasil há dez anos. Porém, desde os 16, está no mundo da aviação, no qual começou como piloto privado. Os aviões o fascinam desde a infância. “Sempre fui uma criança extremamente tímida e, em
decorrência disso, brincava com poucos amigos. Quando não estava sozinho dentro do quarto. Eu tinha uma coleção de aviões de brinquedo. O meu sonho, claro, era poder entrar em um daqueles aviõezinhos e sair voando”, conta. E o que era apenas um desejo de criança se fez realidade. O fascínio pelos aviões desde a infância é uma característica comum entre os profissionais da aviação. Flávio Lion Nogara Farias, gerente geral da EPA – empresa voltada para formação e
primeiros treinamentos. Somente após cumprir determinada carga horária, é que o aluno irá realizar seu sonho de voar. “É uma atividade apaixonante, que mexe com a sensação de liberdade e domínio sobre uma máquina mais pesada que o ar”, comenta Farias.
Início de carreira Toda a carreira tem um começo e, a de Ricardo, não foi fácil. “Comecei meus estudos com 16 anos em uma antiga escola que tinha parceria com a TAM. Fazia o
“Eu deixo de lado as preocupações e responsabilidades do trabalho assim que saio do aeroporto.” Ricardo Saboia, comandante qualificação de recursos humanos para a aviação civil, com sede em Curitiba desde 1971 –, conta que a carreira na aviação é frequentemente movida pela paixão. “Grande parte dos alunos da escola tem este sonho desde pequeno e tem como principais jogos, seja no computador ou videogame, a simulação de voos”, conta. O curioso é que este universo digital, mais tarde, torna-se um importante aliado de aprendizagem para quem deseja ingressar na carreira, pois o início da parte prática é feita por meio de simuladores de voos, que reproduzem uma cabine idêntica a real com todos os comandos para os
teórico em São Paulo e o prático em Piracicaba. Após o fechamento dessa escola fui para o aeroclube de Jundiaí, onde terminei todos meus cursos práticos. Nesse período eu fazia em paralelo à faculdade de Aviação Civil na Anhembi Morumbi”, relata. Com a conclusão dos cursos práticos, Saboia voava para fazendeiros com a tarefa de disseminar veneno contra pragas nas plantações. A carreira em companhia aérea começou após o termino de sua faculdade, quando foi contratado para ser instrutor na academia corporativa da TAM. “Próximo ao fim de três anos como instrutor, fui convidado para a seleção de copilotos na empresa, no qual fiquei nessa posição por cerca de
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profissão
cinco anos. Logo depois, fui promovido para comandante, minha atual função”, relata. Para os tripulantes, o peso do uniforme é inquestionável. “A moça bonita, com um cabelo impecável e o batom vermelho.” É assim que Gabriela define o que as pessoas comentam sobre sua profissão. O visual tanto de um comissário, como de um comandante, é marcante e chama a atenção por onde passam.
gosto de ser chamado ou apresentado como comandante quando estou fora do trabalho”, comenta Saboia.
Vida comum No trabalho, a comissária. Na vida amorosa, a parceira. Gabriela é noiva de André em uma relação que já dura três anos. Ele é supervisor de aeroportos em Londrina, no norte do Paraná. A rotina dos voos faz com que Acervo pessoal
passada, por exemplo, tive um pernoite em Fortaleza e ele foi até lá me visitar. Passamos o dia juntos, aproveitando para ir no Beach Park”, relembra Gabriela. Sol, praia e amor. São com essas três palavras que ela se define. Seu noivo surfa desde a adolescência e, sempre que podem, estão na praia aproveitando para aliviar a rotina. “Em abril, tivemos a oportunidade de ir para a Indonésia. Para mim, foi um dos momentos mais especiais da minha vida. Fui pedida em noivado num jantar
Saboia, dia a dia de um piloto de avião também tem seus momentos Tanto ele como ela acreditam que o estereótipo criado sobre o uniforme representa a responsabilidade e a seriedade do profissional. “Consigo separar muito bem minha vida pessoal e profissional. Quando estou de folga, por mais que minha paixão pela aviação esteja sempre presente, eu deixo de lado as preocupações e responsabilidades do trabalho assim que saio do aeroporto. Inclusive não
mais comuns. o casal se veja mais aos finais de semana e durante as folgas. Mas não há uma regra, afinal, as escalas nem sempre podem bater. “Toda metade de mês eu envio minha escala para ele. Afinal, por ele ser supervisor, tem uma facilidade maior em poder definir os seus dias de descanso. Semana
à beira do mar. Sou muito grata por tudo o que ele representa para mim e sempre agradeço à aviação por ter nos apresentado um ao outro”, diz. Já o comandante Saboia lida muito bem com a rigidez da escala e o fato de estar cada a dia em um
Mercado de trabalho Os últimos anos se mostraram desafiadores para as linhas aéreas brasileiras. Por conta da conjuntura econômica, especialmente pelo aumento do dólar, ocorreu uma diminuição dos passageiros transportados. “Isso forçou à melhora dos desempenhos operacionais, busca incessante por redução de custos e alianças que pudessem fortalecer a participação no mercado internacional e reforçar
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o caixa no curto prazo”, explica Farias, gerente comercial da EPA. Neste período do ano, por conta das festividades de Natal e réveillon, espera-se a uma retomada do crescimento da economia e, consequentemente, melhores resultados para o setor de aviação. Segundo Farias, “algumas empresas já começaram a pedir currículos para uma futura contratação,
então para os pilotos formados é um bom momento para deixar suas carteiras em dia e obter os certificados que serão exigidos. Normalmente, como as contratações não são constantes e sim períodos cíclicos, o ideal é estar preparado para aproveitar as próximas chamadas.”
profissão
O curso de pilotagem Para o coronel e professor de
Navegação Aérea da Universidade Tuiuti do Paraná, Marcus Galvão, voar é liberdade, fazer parte do lado belo do universo. Em suas aulas, o professor instrui os estudantes como um piloto deve proceder com segurança, sabendo onde se encontra e para onde deve se deslocar, seguindo as regras e convenções do tráfego aéreo e, em geral, seus alunos se mostram bastante entusiasmados – cada um a sua maneira – pela profissão. O Curso Superior de Tecnologia em Pilotagem Profissional de Aeronaves (CSTPPA) é destinado a preparar profissionais para o ingresso no mercado da aviação comercial, e tem duração de dois anos – durante os quais o aluno local diferente. “Cada pessoa reage de um modo com os horários, eu não tenho nenhum problema em relação a isso. Alguns pernoites durante a nossa programação de voo ainda são bem curtos e no limite de 12 horas entro o pouso e a decolagem. Eu procuro mesmo dentro desse período mais curto, aproveitar o tempo para praticar exercício, comer uma comida mais saudável e descansar”, enfatiza. Em um voo com cinco escalas, tanto Gabriela quanto Ricardo podem passar até mesmo por seis cidades no mesmo dia entre um aeroporto e outro. Ele comenta com bom humor que é corriqueiro acordar em Porto Alegre e dormir em Natal, por exemplo. “Já aproveitei muito os pernoites para passear e conhecer as cidades, mas hoje em dia aproveito para ir à alguma academia e descansar. Quando o pernoite
completa sua formação teórica, na Faculdade de Ciências Aeronáuticas da UTP, e prática (instrução aérea) em qualquer escola de aviação. O professor explica que, ainda mais importante do que as exigências técnicas da profissão – que não diferem tanto das dos demais cursos da universidade – e além de habilidade ou dom que o estudante possa ter, “o piloto deve ter vocação para a profissão, pois só isso garante que ele persistirá até atingir seus objetivos e sonhos nessa bela profissão. Como qualquer outra profissão, o compromisso com as exigências e a dedicação à própria formação são essenciais, mas a vocação trará o
é em alguma cidade que nunca fui, aí sim saio para conhecer”, comenta a comissária. Falar sobre o futuro para os dois é muito fácil. Para Gabriela, tanto na vida pessoal como profissional seus objetivos já estão traçados. “No ano que vem, quero me casar e, quem sabe, engravidar. É o meu sonho.” Entretanto, ela não quer deixar de lado a aviação,
ânimo necessário a superação dos obstáculos”, aponta. Aos indecisos, o professor aconselha “vá conhecer o meio, converse com os alunos que estão cursando, conheça as escolas, observe o movimento de um aeroporto, vá até a faculdade. Seus sentimentos em relação à profissão serão evidenciados. Se a sua vontade de voar é maior do que o medo do insucesso, se o que lhe move é o desejo de pertencer ao meio, e não uma irreal facilidade para obter uma profissão, não desanime frente às dificuldades: siga seu coração, pois os obstáculos são diferentes para cada profissão, mas estão aí para serem superados”, diz.
afinal, lutou muito para estar na posição que conquistou. Os dois compartilham da mesma visão em que todo tripulante sonha em voar cada vez mais alto. Para Ricardo, o céu não possui limites. “A aviação no mundo está crescendo e essa pode ser uma oportunidade para o futuro, mas por enquanto prefiro viver cada pouso e decolagem até ter certeza dos próximos passos”, finaliza.
Bruna Kurth
O simulador de voo reproduz o interior de uma cabine real. Jornalismo PUCPR Revista CDM 23
comportamento
O espelho que não me reflete
Em um mundo onde ser homosexual é ainda um tabu, ser trangênero é estar preso em uma realidade pouco conhecida e muito menos aceita
Isabella Eger e Jehnifer Kammer
U
ma gestação dura, geralmente, nove meses. No primeiro mês, surgem sintomas, como cólica, enjoos e cansaço. No segundo, começam a se formar orelhas e pálpebras. Já no terceiro, os enjoos e náuseas diminuem, e é a partir do quarto que a gestante pode descobrir o sexo do bebê por meio de um exame de ultrassom. É aí que tudo se transforma. O feto passa a dar lugar a um rosto imaginável, os pais começam a pensar em nomes, compram roupinhas, decoram o quarto e esperam ansiosos pela chegada do seu menininho, ou de sua menininha. A psicóloga Alessandra Lara explica que a descoberta do sexo é um pontapé para o imaginário durante a gestação, “A mãe idealiza a vida do filho ainda no útero e a cada fase, tanto do desenvolvimento da gravidez quanto do da criança, as expectativas aparecem. O problema da expectativa é quando não se vai ao encontro do desejo da mãe.” E isso pode acontecer em diferentes proporções: gostos pessoais, escolhas profissionais, caminhos de vida. Mas a expectativa quebrada pode ser ainda maior, quando o sexo biológico não condiz com o gênero com o qual a criança se identifica. Este é o caso de transgêneros e transexuais. Se você nunca foi apresentado a estes termos, saiba que talvez já tenha cruzado com
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algum sem nem saber. Quando uma criança nasce, ela pode ser classificada entre dois gêneros, masculino ou feminino. E essa definição vem a partir do aparelho reprodutor do recém-nascido. Porém, quando se é trans, esse sistema não condiz com o sentimento interno da pessoa. É um homem que se sente incomodado com seu corpo masculino e se identifica com gostos e desejos femininos, é uma mulher que não se sente confortável com seu corpo e seus seios, e vê na figura masculina a projeção do que realmente é. A diferença estre os dois está nas mudanças futuras. Transexuais não se identificam com seu gênero biológico, e para isso fazem mudanças que incluem o nome, a vestimenta e inclusive uma cirurgia para mudança de sexo. Já os transgêneros não sentem a necessidade de realizar a cirurgia, muitas vezes apenas a mudança de roupa e comportamento já basta para que se sintam bem. Bruna Schneider tem 20 anos, é cabeleireira e desde pequena já se atraia por coisas ditas típicas de menina. As brincadeiras preferidas eram sempre boneca e casinha. Até aí tudo só era um pouco estranho, mas ela já sabia que não se encaixava no mundo de Hilerson, seu nome de batismo. Com a adolescência, a famosa época dos hormônios, ela descobriu o que já sentia há alguns anos, seus gostos
afetivos também eram diferentes. E foi quando sentiu sua primeira atração por meninos que Bruna não apenas se deparou com sua homossexualidade. Era mais do que isso. Ela pertencia a um corpo que não competia com seus pensamentos e desejos. Dos 14 anos até agora, apenas foi preciso a maturidade e o conhecimento, adquirido com a idade, para que ela tivesse certeza e pudesse ser o que realmente é: transgênero. Ela não teve o apoio da família no início, mas releva que isso sempre foi o principal. “O suporte da minha mãe era fundamental para mim, não importava o que os outros pensassem ou o que eu escutava quando andava pela rua. Se ela estivesse do meu lado. Eu conseguia”, disse. Apesar de o suporte do pai nunca ter se concretizado, hoje, além do apoio da mãe e da família, ela também conta há dois meses com o acompanhamento de um grupo de pesquisa e atendimento para transexuais. Para a jovem, o grupo é essencial. “Lá, encontramos histórias parecidas com as nossas dificuldades, além de todo o acompanhamento médico e psicológico necessário.” Victor, de 23 anos, é outro integrante do grupo que há pouco tempo iniciou o processo de transição. Vindo de uma pequena cidade do interior, passou anos sem se entender. Compreendia
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que tinha nascido menina, mas não se sentia como uma, “Tudo que meus irmãos faziam, eu seguia como modelo. Porque eu me sentia do mesmo jeito que eles”, conta o jovem, que quando criança gostava de estar na rua, correndo, jogando bola e se divertindo com os garotos. Mas havia algo a mais, algo que só descobriu ao chegar em Curitiba e conhecer uma transexual.
nha todo um universo feminino, mas eu não gostava do que era imposto a mim”, conta, emocionado. Aos 9 anos, com o início da puberdade e as mudanças que ocorrem no corpo feminino, ele passou a se isolar das mulheres que estavam a sua volta, pois se sentia diferente, “Eu comecei a olhar para o espelho e achar tudo muito estranho.”
“Eu comecei a olhar paro o espelho e achar tudo muito estranho.” Victor Guimarães, publicitário Hoje, Victor se sente melhor com o próprio corpo, faz acompanhamento médico e psicológico, toma hormônios masculinos e pensa em uma cirurgia plástica para retirar os seios.
Etapas Além da transição hormonal e sexual, há, também, a questão social, não menos complexa que as demais. No Brasil, ainda não existe uma lei que regulamente o processo para a troca de nomes. Para fazer a alteração, é preciso recorrer à justiça, que de fato não é conhecida por uma rapidez nos processos. Mas, quando o assunto são os transexuais, a demora é ainda maior. Segundo estudo realizado pelo Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Geds-USP), no Brasil, um transexual leva o dobro do tempo médio para conseguir realizar
Jehnifer Kammer
Longe da família, o agora publicitário, segue devagar o caminho para sua mudança. Diferentemente de Bruna, a relação com o passado não é confortável para Victor. “Para eles (os pais), eu ti-
Enquanto não concluí todas as mudanças, prefere se identificar como Guima, a abreviação de seu sobrenome, nas redes sociais, um meio termo entre a pequena garotinha que deixou para trás e o jovem homem que está se tornando.
Mais respeito e apoio é o que Bruna espera para toda a comunidade LGBT.
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Victor está no início do tratamento. Aos poucos, ele percebe as mudanças em seu corpo.
Andréa Ross
a troca do nome. Isso porque a pessoa precisa recorrer a profissionais da saúde, como psicólogos e psiquiatras, que atestem sua transexualidade, e é preciso também juntar provas como fotos da transição, redes sociais em que faça uso do nome social, documentos escolares ou do trabalho, entre outros. Não basta ser, é preciso provar. E, quando finalmente se faz, o nome é alterado na certidão de nascimento e ainda é preciso procurar todos os órgãos públicos responsáveis pelos documentos e modificado um por um. O processo é longo, lento, mas de valor sentimental incomensurável.
Perigo Antes de frequentar o grupo, Bruna fazia uso da automedicação e seguia dicas de amigas sobre produtos para afinar a voz e perder de barba. O uso de anticoncepcionais para obter hormônios femininos também era constante. Tais hábitos a fizeram passar mal repetidas vezes, até que ficou sabendo do grupo, que a guiou
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e orientou sobre o tratamento correto. Hoje, Bruna orienta as demais transexuais e transgêneros que conhece a procurar por atendimento especializado. “O maior vilão dos trans que morrem em procedimentos próprios é a falta de divulgação desses grupos, e a vontade de se tornar uma mulher o mais rápido possível. É desejar mais do que se sentir bem, é ser feliz com seu corpo, ser aceita pela sociedade”, conta a trans. Outro perigo muito comum enfrentado pelo grupo é o preconceito. A jovem que já constantemente passa por isso nas ruas, viu o preconceito alcançar proporções ainda maiores ao perder uma vaga no mercado de trabalho por ser transgênero. Entretanto, segue com a cabeça erguida. procura não responder e nem discutir, dando ouvido apenas às pessoas que lhe fazem bem.
O país que mais mata O Brasil, ainda que seja visto como um país de diversidade, é também um país de preconceitos. Quando se trata de grupos pequenos como os trans, a falta de conhecimento e de contato faz com que o preconceito seja ainda maior. Segundo pesquisa realizada entre 2008 e 2014 pela ONG europeia Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo, um primeiro lugar do qual não se pode sentir orgulho.
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@tecpuc_ Jornalismo PUCPR Revista CDM 27
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O que é família? A definição de família ainda é um tabu na sociedade brasileira, mas quem deve dizer o que é ou não família? O Estado ou os cidadãos? Gilmar Montargil
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halia Aristides veio de Conselheiro Mairinck há dois anos para tentar a vida em Curitiba. Mora junto com o primo, Cezar Ferreira, e com o companheiro dele, Phablo Henrique Gavilak. Todos dividem o mesmo ambiente, compartilham os gastos da casa, almoçam juntos no domingo e fazem tudo o que uma família faz. Mas não são considerados uma família. Para o Projeto de Lei 6.583, apresentado pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE) em 2013, e desengavetado em 2014 pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Para a professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Fernanda Pinheiro, o projeto, quando proposto, até tinha avanços como o fomento de saúde e segurança à família, mas após mudanças,
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tornou se excludente a casais homoafetivos.
outro não teria automaticamente o direito da guarda do filho adotado pelo falecido, prejudicando, assim, a segurança do filho criado conjuntamente pelos dois pais”, relata Toni Reis.
Por volta do ano 2000, Toni Reis e David Harrad, militantes da causa LGBT e fundadores da ONG Dignidade, com sede em Curitiba, começaram a pensar Uma luta que durou dez anos na possibilidade de adotar filhos. se iniciara. O caso foi o primeiIdealmente, queriam uma menina ro de Curitiba e ao juiz faltava e um menino de aproximadaprecedentes para embasar a sua mente cinco ou seis anos de idade. Em 2005, deram entrada na Vara da Infância e Juventude de Phablo Henrique Gavilak, estudante Curitiba, a fim de obter a habilitação para adoção sentença. Quase três anos depois, conjunta, enquanto casal, assim decidiu que poderiam adotar como um casal heterossexual. conjuntamente, mas restringiu a idade e o sexo das crianças. Para evitar toda a burocracia que Teriam que ser maiores de 10 isso viria a causar, pela lei cada anos e somente do sexo feminino. um deles poderia ter adotado Depois de consultar amigos e como solteiro, sem levantar a especialistas, recorreram ao Triquestão de sermos um casal. bunal de Justiça após concluírem Mas para nós havia dois fatores que a decisão foi discriminatória. importantes em jogo: a igualdade de direitos garantida pela Consti- Na segunda instância, ganhatuição Federal, além do bem-estar ram por unanimidade o direito das crianças. “Se adotássemos de adotar conjuntamente sem separadamente como solteiros, qualquer restrição. No entanto, e um de nós viesse a falecer, o um promotor do Ministério
“ O Estado não tem o direito de definir o que é família.”
comportamento Acervo pessoal
Harrad e Reis comemorando 25 anos de união com os filhos (da esq. para dir.) Jéssica, Alyson e Filipe. Público recorreu e levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que casais do mesmo sexo não formam uma entidade familiar e, portanto, não poderiam adotar conjuntamente. O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, rejeitou o recurso porque não dizia respeito à matéria em julgamento, qual seja a restrição quanto à idade e ao sexo das crianças. O ministro Tarso Vieira Sanseverino do STJ só preferiu sua decisão (favorável), em 2014. Mesmo assim, o promotor recorreu novamente da decisão do STJ e a decisão da ministra Carmem Lúcia, do STF, foi dada em março de 2015, dez anos após o início do processo de adoção. Segundo os dados do IBGE, de 2010, no Brasil há ao menos 60 mil casais homoafetivos. Já as famílias compostas por pai, mãe e filho(s) correspondem a cerca de 50% das famílias brasileiras, uma taxa menor à dos anos 1980, quando correspondiam a 66%. Houve uma diminuição também do percentual de casais com filhos e um aumento do número de
divórcios e separações e dos chamados arranjos monoparentais, ou seja, lares formados apenas por mães ou pais e seus filhos.
rada igual à união estável entre casais heterossexuais. Essa decisão tem desdobramentos no campo da adoção também.
Marcela Daprá faz parte de uma família monoparental, pois convive com sua filha e sua mãe em Colombo. Acredita que família é sinônimo de um núcleo social no qual haja amor e não vê problema nenhum em um casal homoafetivo adotar uma criança. “Acho possível, sim, que um casal de homossexuais possa constituir família e criar uma criança. Se houver afeto, pode ser chamado de ‘família’.
Passados alguns meses, Toni e David receberam um telefonema dizendo que uma juíza do Rio de Janeiro tinha sob seu cuidado um menino de 10 anos e os convidou para conhecê-lo.
É o que pensa também Phablo Henrique Gavilak, que constitui uma composição de família diferente, com seu companheiro e a prima dele. “Acredito que o Estado não tem o direito de definir o que é família, principalmente porque estão com aquela visão de família de margarina.” Em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade que, para os efeitos da lei, a união estável entre casais homoafetivos há de ser conside-
Após certa hesitação, uma vez que o menino chamado Alyson não era da idade que tinham imaginado, aceitaram e passaram dois dias com ele no Rio de Janeiro no mês de setembro de 2011. Alyson relata que quando falaram para ele na Vara da Infância que havia um casal gay que estava querendo adotar, no começo disse que não queria conhecer, muito menos ser adotado por eles. Mas, com o tempo, foi se acostumando com a ideia e finalmente aceitou os conhecer.” A partir deste momento, muitas visitas e processos de convivências foram realizados. Mas, hoje, Alyson tem uma família, duas irmãs, dois pais e muito amor.
Família Harrad Reis em alguns de seus momentos pessoais. Acervo pessoal
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comportamento Leticia Joly
Barbearias voltam à moda como “refúgio” masculino Segmento investe em estilo “retrô”, oferecendo novos serviços aos clientes Leticia Joly Giulie Carvalho Samantha Mahara
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C
ortar o cabelo não é mais o único cuidado estético realizado pelos homens atualmente. Hoje, o conjunto “barba, cabelo e bigode” é seguido à risca por grande parte do público masculino, se tornando praticamente um requisito básico. Acompanhando essa mudança comportamental, as barbearias têm deixado de ser apenas locais simplórios para se render às tesouras, passando a oferecer um mix de serviços e espaços para socialização. O novo conceito de barbearias masculinas oferece não apenas o corte de cabelo e barba, mas serviços corporais semelhantes
masculino.“ A barbearia é um espaço underground focada no Rock-and-roll, proporcionando um ambiente totalmente aconchegante para o público masculino. Oferecemos cervejas, café, música ambiente, decoração exclusiva, que lembra as antigas barbearias, poltronas e ambientes para conversar, tudo para deixar o cliente confortável.” Segundo a proprietária, o público não vai à barbearia apenas pelos serviços de corte de cabelo e barba, mas pela experiência em fazê-lo. “Houve um grande aumento de público nesse ramo nos últimos cinco anos. Nós já dobramos o número de cadeiras que tínhamos quando abrimos o negócio, e pretendemos colocar mais”, acrescenta.
sumérios e os egípcios, que são algumas das primeiras civilizações estudadas pela moda, os homens são muito mais adornados do que as mulheres.” Rafaella completa que esses adornos se perderam com a evolução das civilizações, fazendo com que os tratamentos de beleza passassem a ser condenados como características femininas, mascarando cada vez mais a vaidade dos homens. “Acho que eles não perderam a vaidade, mas a reacenderam de acordo com a moda em que estão inseridos”, ressalta. William Matucheski, cliente fiel das barbearias curitibanas, informa que o grande diferencial para o cliente é a exclusividade com
“Apesar de ter que gastar um pouco mais que o normal, vale muito a pena.” - Wilian Matucheski, cliente das barbearias. aos oferecidos nos salões de beleza femininos. Por ser um assunto delicado, esses serviços são adaptados de forma que o público masculino se identifique e se sinta confortável. De acordo com dados da a Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a venda de xampus, produtos de barbear e cremes focados no público masculino aumentou no Brasil nos últimos anos. Entre 2008 e 2014, o crescimento foi de mais de 100%, ilustrando o aumento da procura pelos produtos de beleza. Raquel Zasso, proprietária da Barbearia Visconde, em Curitiba, acredita que o segredo é a harmonia entre lazer, ambiente retrô e um reduto exclusivamente
O aumento desse segmento é o reflexo da nova perspectiva de beleza trazida pelos homens desde os anos 80, eles começaram a assumir e utilizar mais os produtos de beleza. Segundo Rafaella Motta, designer de moda, a reinvenção das barbearias pode ser explicada não pelo aumento da vaidade masculina, mas pela coragem em assumi-la.” A vaidade é própria do ser humano, o homem sempre foi vaidoso. Se você analisar os
que ele é tratado. “Apesar de ter que gastar um pouco mais do que o normal, vale muito a pena. Leticia Joly
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O clima é mais tranquilo, mais focado, e você recebe tratamento individual. Cada cliente tem um barbeiro designado desde a primeira vez que frequenta o local, e ele se torna o seu profissional fixo. Além disso, os profissionais são especializados, o que aumenta a confiança”, informa. Hoje, com a redução significativa do preconceito com os homens vaidosos, o mercado para as barbearias retrô na capital é promissor. Os salões já criam laços de amizade e são utilizadas como ponto de encontro e lazer para seus clientes. Além disso, por atenderem apenas o público masculino, as barbearias não têm os traços femininos e delicados característicos dos segmentos focados no público feminino. Elódio Marcio, mais conhecido como Timy HR, é barbeiro de longa data. Segundo Timy, um ponto interessante das barbearias é a liberdade que os homens têm de ter um local próprio para conversar, sem nenhuma influência do público feminino. “O ambiente próprio de barbearia quebra aquele gelo do barulho de
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salão de beleza, aquele barulho de secador e da mulherada conversando. O legal é que a gente faz amizade com os clientes. Timy ainda ressalta que essa cultura de assumir a vaidade masculina foi em parte resultado da mídia. “Isso veio também pelos artistas, principalmente os cantores sertanejos. Muitos estilos de corte procurados atualmente pelo público masculino são baseados nos artistas e muito mais elaborados e difíceis de executar, o que faz com que os homens procurem estabelecimentos especializados.” A proposta da repaginação das barbearias vai muito além da mudança de visual do ambiente. A proposta de experiência única e diferenciada tem como objetivo resgatar a cordialidade e a visão das antigas barbearias, com a proposta de tornar cada serviço único. Assim, a reformulação do plano de negócio desse novo-antigo empreendimento se baseia não só na ambientação, mas na postura diferente dos funcionários e de como eles tratam o cliente. O propósito é atender exatamente às necessidades do cliente, criando laços de fidelidade com o local.
Barbearias curitibanas Em Curitiba os salões masculinos estão tomando conta da cidade. Confira abaixo sobre alguns locais na capital que são referência para os homens:
• Barbearia Visconde - (41) 3225-5916 R. Visc. do Rio Branco, 1.655 - Centro
• Barbearia Clube - (41) 3333-3961 Av. Água Verde, 373 - Água Verde
• Rei da Barba - (41) 3598-0220 Av. Vicente Machado, 758 - Centro
• Barbearia S. German - (41) 32035007
R. Augusto Severo, 820 - Alto da Glória
Leticia Joly
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política freepik.com
Domínio deles em terra delas
No total da população brasileira, as mulheres somam 51,03%. Na política, apenas 10%. Lutando para conquistar seu espaço em todas as esferas da sociedade, elas enfrentam barreiras ainda maiores para estarem presentes na vida pública. Cecília Tümler
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arla, Maria, Claudia, Lourdes e Cristina são mulheres como qualquer outras. Elas, porém, fazem parte de um time de minoria: estão entre as 12 mulheres que representam Curitiba, na Câmara Municipal, e o Paraná, na Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Juntas, elas formam um número que corresponde a menos de 10% do contingente de políticos, ocupando cargos nessas esferas. Todos os outros 114 são homens.
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Em um país cuja população total tem 51,03% de mulheres, como demonstra o censo populacional de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de mulheres atuantes na política parece revelar certa discrepância entre o mundo da política e o mundo fora dela. Esse quadro, porém, vai de encontro a uma realidade experimentada pelas mulheres em diversos âmbitos, um cenário de disparidade de direitos e funções que levará 95 anos para ser equiparado no Brasil, segundo uma pesquisa deste ano do Fórum
Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). A desigualdade entre gêneros na política, aliás, é histórica. Desde os primórdios excluídas da vida pública, no Brasil foi apenas em 1932 que elas conquistaram o direito ao voto. “Tivemos muito pouco tempo de participação feminina na política, e os espaços de poder ainda se encontram nas mãos dos homens”, explica Karolina Mattos Roeder, cientista política que é da opinião de que a baixa presença feminina, cuja
política
média nacional é de 10%, “É reflexo da sociedade machista e patriarcal em que vivemos.” A diferença de participação entre os gêneros, porém, já poderia ter sido minimizada com a adoção de algumas medidas, defende Karolina. A Lei 12.034/2009, por exemplo, estabelece que a distribuição de candidatos de cada partido, durante as eleições, deve se dar em pelo menos 30% de um sexo e 70% de outro. Na prática, porém, muitas mulheres acabam integrando o grupo de candidatos apenas para preencher o número requerido, e não chegam a possuir nenhum tipo de campanha efetiva. Além de ser um problema histórico que se reflete na formação dos partidos, a ausência feminina na política também tem raízes sociológicas: por não estarem tão ligadas à esfera pública, as mulheres não têm vivência partidária, o que torna o custo de suas campanhas muito mais altos, distanciando-as ainda mais. Muitas das mulheres que se encontram em cargos públicos, inclusive, passaram a ter mais contato com o meio por conta
de algum membro da família — geralmente homem. É o caso da deputada estadual Cristina Silvestri (PPS), que conta que entrou na política por conta marido, que já tem mais de 20 anos de experiência na área; e da deputada estadual Claudia Pereira (PSC), cujo marido também ocupou uma cadeira na Assembléia Legislativa do Paraná (ALEP) e foi prefeito de Foz do Iguaçu. A influência masculina, porém, não é realidade nos mandatos de todas as mulheres. As vereadoras Professora Josete (PT) e Noemia Rocha (PMDB), por exemplo, iniciaram na vida pública por meio do engajamento político e em projetos sociais, respectivamente.
Preconceito e representatividade Das sete políticas entrevistadas para esta reportagem, seis afirmam não terem sofrido preconceito de maneira declarada. Mas Cristina conta que ele ocorre como algo velado. “Homens tendem a pensar que as mulheres na política só participam de causas sociais. Por exemplo, eu
já participei na área de esporte e agricultura e recebi muitos comentários do tipo: ‘Nossa, mas você entende disso?’ Eles ficam espantados”, explica. E o preconceito também ocorre na vida particular, segundo Karolina: “Muitas das mulheres que se dedicam à vida pública estão separadas ou solteiras, demonstrando a dificuldade dos homens aceitarem que elas exerçam tais funções”. Muitas das representantes são de partidos conservadores, e, apesar de defenderem a igualdade entre os gêneros, não se consideram feministas. Entre elas, a deputada estadual Claudia Pereira: “Sempre digo que não sou feminista, sou feminina”. Ainda que de forma não tão frequente, todas as sete procuram defender pautas ligadas aos direitos femininos. E, mesmo quando não trazem discussões de gênero, o fato de estarem nesses ambientes tipicamente masculinos já é relevante para a causa, de acordo com Karolina Roeder. Apenas a vereadora Professora Josete, no entanto, se considera feminista, “com todas as letras”.
Políticas que defendem os direitos das mulheres sofreram preconceito declarado por serem mulheres e participarem da vida pública
71,4% É o número de políticas que declaram não terem sofrido preconceito de maneira declarada por serem mulheres e estarem na vida públcica.
28,6% Declaram terem sido alvo de preconceito.
Das sete políticas entrevistadas para esta reportagem, duas se consideram feministas
Não-feministas
Feministas
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Outras, como Cristina Silvestri, dizem que se enquadram no grupo fazendo a ressalva para que o significado do termo, que muitas vezes pode ser usado de maneira errada. “Se ser feminista é defender a igualdade de direitos das mulheres, posso ser feminista.”
Futuro “Só com uma reforma política conseguiríamos chegar à paridade”, acredita Luciana Panke, pós-doutora em Comunicação Política. Um exemplo a ser seguido, na opinião de Luciana, é o sistema adotado recentemente pelo México. “Desde o ano passado, o país determina que os políticos eleitos devem ser 50% de um sexo e 50% de outro, no Legislativo.”
realizará campanhas de conscientização para que mulheres votem sempre em mulheres. Para os cargos do Executivo, Luciana Panke defende que uma solução seria colocar uma mulher e um homem alternadamente como vice e líder das chapas. Autora do livro Campañas electorales para mujeres – retos y tendencias (Campanhas eleitorais para mulheres - desafios e tendências), Luciana projeta que a ampliação da participação feminina
machismo também revela a necessidade da desconstrução desse conceito em diversas esferas, de acordo com Karolina. “O combate ao machismo é importante em todas as situações e níveis. Deve ser feito no cotidiano, nas tarefas de casa, no trabalho…”. E assim, por enquanto de maneira lenta, o cenário profissional do Brasil poderá contar com mais mulheres. Em Curitiba, por exemplo, o número de representantes mulheres cresceu desde os anos 2000, quando contava com
“Só com uma reforma política conseguiríamos chegar à paridade.”
Dessa maneira, aos poucos, a presença feminina Luciana Panke, pós-doutora em Comunicação Política na política seria vista com maior naturalidade. no percurso político influenciará três vereadoras na Câmara Muni“Como é um terreno muito masem outras esferas da sociedade. cipal. De lá para cá, a quantidade culino, não é algo natural. Ainda “Espero que a paridade acontede integrantes na bancada feminise vê como algo extraordinário, ça tanto na política quanto em na conseguiu atingir um número mesmo depois de quase um sécuqualquer outro cargo de gestão”, recorde nas últimas eleições, e lo de voto feminino.” conclui. em 2017 será a maior da história, A vereadora curitibana Noemia contando com oito vereadoras. O Rocha também defende o sisteE a relação da pouca participanúmero, contudo, ainda reprema, por considerar a disparidade ção feminina na política com o sentará apenas 21% da casa. “um absurdo”, e promete que
Gráfico mostra o aumento no número de mulheres na Câmara Municipal de Curitiba, das legislaturas eleitas de 2000 a 2016.
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00 e confirma Uma onda de votos nulos e brancos dominou as eleições municipais em todo o Brasil. Espanto para alguns e esperança para outros, esse fato retrata a crise política brasileira juntamente com a descrença da população Texto: Loraine Mendes freepik.com
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om a mesma postura dos protestos de que já havia participado antes, Iago Aquino se direcionava à Escola Municipal dos Vinhedos, onde votou próximo a sua casa, no bairro Santa Felicidade, em Curitiba. Sem esperança no olhar, tenso e com passos rápidos, ele se posicionava diante da urna eletrônica, que já havia sido usada por outros eleitores durante o dia. Balançando a cabeça em negação, Aquino aperta o botão verde. Voto nulo! Esta foi sua escolha, assim como a de 96.901 eleitores no segundo turno das eleições municipais de 2016, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2012, durante um dos muitos protestos anticorrupção que participou, Aquino gritava com indignação: “Não dá mais! Esse povo é burro. Não conseguem perceber”. Ele se referia à multidão de pessoas que seguia, cegamente, o caminhão de um partido político que se infiltrará na manifestação. Era tarde de
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domingo e no protesto não havia mais de 50 jovens. Aquino há algum tempo já não via mais saída para a política brasileira. Descrente, ele afirma:“Até hoje, eu só votei no segundo turno de 2014. Todas as outras vezes eu acabei votando nulo. Por quê? Bom... Eu não acredito nessa chamada ‘democracia’.” Na última eleição municipal,
em 2016, Curitiba teve um total de 16.44% de abstenções no primeiro turno e um percentual de 20,12%, no segundo. Aquino, assim como outros 259.399 eleitores que se abstiveram das votações de segundo turno no Paraná em 2016, faz parte dos 32.5% do eleitorado brasileiro que não votaram em canditato algum nas últimas eleições municipais, totalizando mais de 10 Fonte: TSE
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Comentário
Fonte: TSE
milhões de pessoas. Movidos pelo inconformismo, preguiça ideológica e cansaço ao ouvir as notícias de corrupção nos jornais diários, a soma de votos nulos e brancos é a maior já registrada. O cientista político e professor universitário Emerson Cervi (UFPR) explica que este comportamento faz parte de um ciclo natural da vida em sociedade. “É multifatorial. Não tem uma explicação única. Eles variam na forma de ondas, subindo e descendo ao longo do tempo.” Cezar Bueno, também professor e cientista político da PUCPR, complementa que há uma “crise da representação ideológica dos partidos e maior ceticismo da população em geral em ver a política como processo de transformação da realidade social”. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , de 2012 a 2016, menos jovens têm votado. O motivo dessa diminuição não é pela política ser chata e cansativa, mas devido à crise política brasileira que forma um cenário de incertezas. Cezar Bueno explica que os jovens “não veem nos
partidos e nas demais instituições que compõem o Estado, inciativas ou mesmo valores que possam contribuir para realizar seus projetos de vida: estudo, trabalho, consumo..” Ele ainda explica que os jovens de hoje em dia, num mundo globalizado, “nascem e vivem num contexto de incertezas e instabilidades. A ideia de emprego com carteira assinada, de estabilidade, formação acadêmica como algo certo para uma
“Em face do capitalismo globalizado, informatizado e cada vez mais influente na vida política, social e cultural da sociedade, a juventude busca rotas de fuga. Não vê o trabalho como o fim de suas vidas. Recusa comandos vindos de cima para baixo. Quer viver o presente. Quer aproveitar e ter acesso ao mundo das mercadorias, mas não quer acumular. Talvez, sob este ponto de vista, estamos presenciando a reinvenção de novas formas de viver e atribuir valor à vida.” Cezar Bueno, cientista político.
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O Fotógrafo João Paulo Cunha notou algo de errado com os jovens que participaram das manifestações em 2013.
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política Loraine Mendes
inserção segura no mercado de trabalho, não existe mais”, afirma. Um exemplo desse processo é o fotógrafo João Paulo Cunha de 21 anos, que também participava de manifestações antes dos protestos de 2013. Ele conta que costumava anular seu voto sempre que possível. Em 2012, Cunha filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro, ele comenta que votou nulo no segundo turno das eleições municipais por discordar da atual ideologia de seu partido, mas agora entende a importância do seu voto. ”Eu, por muito tempo, votei nulo, depois que eu tive uma aproximação maior com o partido comecei a votar nos nossos candidatos.” Outro jovem revoltado com o cenário político é o músico e anarco-punk Jhonatan Santos Lopes, 24, que até ano passado ia em protestos do Movimento Passe Livre. Lopes, quando criança, sonhava em ser engenheiro mecânico da Aeronáutica, mas, por decisões como a de não cortar o cabelo para entrar na Escola das Forças Armadas, seguiu outro caminho. “Agora eu me imagi-
Lopes acredita que a sociedade não está preparada para o Anarquismo.
no um músico ferrado para o resto da vida, como eu sou. Sem um tostão no bolso, mas, com a esperança de ir morar fora, conseguir uma grana, voltar para o Brasil pra tocar música”. Sem estudo formal, o jovem diz que nunca viu uma urna eletrônica e que não faz questão em participar do processo eleitoral. Ele se cansa ao discutir política e comenta: “O poder está concentrado na mão dos mesmos caras há anos e, quando eles morrem, passa para os filhos. Como vai mudar assim?”
Despojado e com tom sério, Odolare Kohn Sanzone, 32, tem seu negócio próprio e até ver os resultados das eleições não se importava em votar. A última vez que Sanzone votou foi há mais de dez anos. O empresário, de visão econômica liberal, comenta que se sente descrente, assim como muitos brasileiros. “Acho que o povo é igual a mim. Eu não votava porque não achava que meu voto faria diferença. Mas eu refleti nessa eleição que faz diferença sim, e eu não tenho direito nenhum de cobrar nada, porque
Idade do eleitorado curitibano, em % 2012
2014
2016
1 21 a 24 anos: 8,71% 2 20 anos: 2,05% 3 19 anos: 2,04% 4 18 anos: 1,73%
1 21 a 24 anos: 8,38% 2 20 anos: 2,05% 3 19anos: 1,84% 4 18 anos: 1,32%
1 21 a 24 anos: 8,07% 2 20 anos: 1,83% 3 19 anos: 1,58% 4 18 anos: 1,20%
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Jhonatan
Fonte: TRE
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não voto. Se eu não votar, por que eu vou reclamar de político?” Agora, Sanzone pretende votar nas próximas eleições presidenciais, “se aparecer um candidato legal eu vou votar.”
O problema da representatividade Iago Aquino, que votou nulo, considera não votar nas próximas
políticas são realizadas por grupos econômicos diferentes da maioria da população brasileira. “Quem é que vota o que o político propôs? Um monte de gente de mesma posição social que ele. Pra mim numa democracia de verdade toda proposta deveria ser votada pelo povo.” Para Odolare Sanzone a saída da atual crise política brasileira seria a força da população, a mobilização social. “O povo tem que
governo de Michel Temer vem propondo. “Em face da atual crise econômica e de representação política os protestos tendem retomar seu curso percorrendo o ano de 2017.” O combustível que levará os diferentes coletivos às ruas, segundo o professor universitário, está associado ao aprofundamento da crise econômica e da intervenção social do Estado. “O fato de o país presenciar um governo mais comprometido com o interesse econômico do que
“O povo tem que pensar que político é minoria.” - Odolare Sanzone, empresário eleições. “Nós elegemos uma pessoa. Isso significa que eu dei meu voto de confiança para ela. Logo, ganha aquele que tem mais votos de confiança, aquele que tem mais influência sobre as pessoas, e não necessariamente o que tem melhores intenções.” Irritado, o jovem critica a falta de voz dada ao povo por meio de referendos e consultas, já que as decisões
pensar que o político é minoria e todo poder emana do povo, é a constituição! Então o que o povo falar, tem que ser ouvido. Mas o povo se cala, reclama de tudo, e ao mesmo tempo concorda, não tem iniciativa”, diz Sanzone. Na análise de Cezar Bueno, ainda ocorrerão mais protestos devido às medidas econômicas que o
o social irá, por certo, reavaliar a presença dos movimentos sociais na luta pela preservação de direitos”, afirma Bueno. ”Os protestos dos últimos anos têm um caráter mais espontâneo e multifacetado”, complementa.
Loraine Mendes
Sanzone, 32, acreditava que seu voto não faria diferença no resultado das eleições
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De olho no sebo Adriana Barquilha Rua Tr
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Arcádia Livraria e Eventos Com cheiro de café no ar, a Arcádia já existe no mercado há 19 anos e está localizada à Rua Treze de Maio, 601, no Centro. Os donos, músicos formados, buscam um público mais segmentado e voltado para a área de humanas. João Nei de Almeida Barbosa, proprietário, busca não tornar o sebo um comércio comum, que apenas visa ao lucro, mesmo que isso Crédito repórter pese no lado financeiro. “Há lojas que 70% são livros novos. Nós procuramos ter essa cara de livros usados, e definir nosso público na hora da compra”, explica Barbosa.
N essa v a r T
É a mais antiga em Curitiba. Criada há 30 anos, esteve sempre localizada à Travessa Nestor de Castro, 235, no Centro. O sócio Jaime Pena conta que a livraria foi criada com a ideia dos familiares do seu sócio, que trabalhavam com sebos em Buenos Aires. A Papirus trabalha com livros, em sua maioria usados, além de CDs e DVDs, o acervo ultrapassa a casa dos 50 mil. Pena conta que uma vez um escritor foi a sua livraria, e encontrou um livro próprio autografado para um colega. “Foi constrangedor e engraçado. Ele ficou sem graça, mas depois acabou virando piada”, se diverte Pena.
Sebo Líder
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Livraria Papirus Sebo
Um dos maiores da cidade. Existe há 12 anos e está localizado à Rua Emiliano Perneta, 424, no Centro. O sebo, que é de propriedade de Itamar Esquina Navarro, tem um acervo de mais de 150 mil livros, em sua maioria usados, e mais 18 mil CDs, DVDs e discos de vinil. Segundo Navarro, o mais procurado na livraria são os bestsellers, os didáticos, e alguns relacionados ao espiritismo. Por isso é preciso garimpar na hora da compra, pois não vale pegar de tudo, sendo que tem muita coisa que fica parada. “Só o tempo dá a experiência necessária para saber o que vende e o que não”, conta.
Maio
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Você sabia
?
O nome sebo, já vem de muitos anos, antes mesmo do surgimento de energia elétrica. Antigamente, quem lia à noite
Rua Riachuelo
Rua Sã
o Fran
stro
cisco
o Bufren
a ess v a r
A
d lfre
precisava do auxílio de uma vela, e ao manusear a vela e os livros ao mesmo tempo, as páginas ficavam ensebadas. Logo, os livros usados geralmente tinham sebo nas folhas.
Sebomania O Sebomania, que existe há 18 anos, já passou pela Rua Emiliano Perneta e Avenida Brasília antes de se fixar, há seis anos, na Rua São Francisco, 308, no Largo da Ordem. O público do local, segundo o gerente Gabriel Silva Rosa, é variado e busca o sebo, também, para ter o prazer de garimpar os livros. Hoje, o sebo tem um foco singular: brinquedos usados. Rosa explica que começaram a trabalhar com brinquedos sem pretensão, mas perceberam que o retorno financeiro era maior.
T
Joaquim Livraria Devido a sua localização (Travessa Alfredo Bufren, 51, Centro, próxima ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná), a Joaquim Livraria é focada em acervo para universitários: artes, literatura, filosofia, história, sociologia e psicologia. Para o proprietário, Marcos Ramos Duarte, o que funciona para as livrarias menores é a segmentação. “É melhor você ter poucas áreas, mas trabalhar bem, atingir melhor seu público”, explica. A loja existe há dez anos, sempre no mesmo local, e trabalha, também, com discos de vinil. A maior parte do acervo é de livros novos e álbuns raros.
Sebo dos Andarilhos O sebo dos Andarilhos está situado à Rua Riachuelo, 184, no Centro, há quatro anos. Esse nome foi dado devido às muitas viagens estilo “mochileiro” feitas pelos empreendedores Marcelo Simão e sua esposa, Rosana Ardaitz. Simão, tinha a necessidade de abrir um negócio e viu no setor uma oportunidade. Começou o estoque com materiais usados de amigos e parentes e hoje trabalha com livros, CDs, DVDs, brinquedos e antiguidades, mesclando itens novos e usados.
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As artérias da cidade
Vinicius Costa Pinto
Poluição, alagamentos, inundações e enchentes são os principais problemas pelos quais as bacias hidrográficas de Curitiba passam. Problemas afetam diretamento quem vive e convive com os rios Andrey Princival Gabardo Pedro Henrique Colatusso Vinícius Costa Pinto Viviani Moura
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ssim como veias e artérias são vitais para a sobrevivência do ser humano, lagos e córregos são essenciais para a sobrevivência de uma cidade. Mas o que acontece quando uma pessoa não pratica exercícios físicos e não cuida da alimentação? Suas veias e artérias começarão a entupir, fazendo com que o sangue seja transportando com dificuldade, até o momento em que ele não conseguia mais passar, a ponto de causar um enfarto. Essa analogia pode ser comparada, ao descaso com os rios, que são as artérias da cidade, vitais para o seu desenvolvimento, mas que não tiveram a importância devida, tanto dos órgãos responsáveis, como por parte da população ao longo dos anos, resultando nos rios como os vemos hoje, doentes: cheios de esgoto irregular sendo despejado diretamente em seus leitos, sem contar na poluição por conta do lixo. Percorrendo as ruas que margeiam ou estão próximas aos rios da cidade, não é difícil encontrar pessoas que já presenciaram alguma vez, o transbordamento de algum rio. Dona Marli, por
exemplo, que morou e hoje trabalha próximo ao Rio Belém, na região sul da cidade, conta que já sofreu, e ainda sofre, por conta de enchentes: “Na época em que eu morava aqui, minha casa alagava. E toda vez que chovia a gente ficava pensando se a água ia entrar ou não em nossas casas”. Marli afirma que a poluição no rio piorou nos últimos 15 anos. Ela conta, desapontada, que já participou de ações com outros moradores, para tentar mudar a realidade, mas que por conta de algumas pessoas, não obteve êxito: “Nós até tentamos fazer o plantio de árvores na margem, só que os próprios moradores acharam que aquilo era uma afronta, porque aqueles espaços eles usavam como pasto para cavalos. Então, eles amarravam os animais nos pés das árvores e, com isso, a maioria dessas árvores não sobreviveu”, conclui. Perto dali, na Vila Torres, em outro ponto do Rio Belém, José Aparecido Silveira, conhecido como Zézinho, comenta que muitos políticos vêm até a região para pedir votos: “Aqui é um berço político. Muita gente acredita nos políticos que vêm até aqui,
prometendo mudanças. Mas depois que as eleições passam, eles não fazem nada por nós”, afirma. Ele diz que o rio sempre foi poluído, e que, mesmo assim, já viu crianças entrando nas águas para brincar: “Elas entram lá correndo o risco de pegar alguma doença. Eu ouvi dizer que teve gente até que se alimentou de alguns peixes que de vez em quando aparecem. A criançada é inocente, quer brincar. E em vez de estar na escola, ou em casa, ela está ali. Essas crianças queriam estar pescando num rio que não seja poluído. Mas elas só sabem o que é um rio limpo, pela televisão”, lamenta. Moradores do bairro Bom Retiro, compartilham os mesmos problemas enfrentados pelos residentes próximos ao Rio Belém. Lá, é o córrego Pilarzinho o motivo das reclamações. Seu Sérgio, que tem o córrego como seu vizinho de parede, há 13 anos, aponta a falta de planejamento urbano como um dos fatores responsáveis pelos alagamentos na região: “Aqui, onde nós estamos, o córrego tem quatro metros de largura e ali na outra ponte ele tem 2,5 metros, para beneficiar aqueles terrenos Pedro Henrique Colatusso
Marly passa todos os dias pelo Rio Belém e sente-se impotente diante da situação .
Zezinho fez na ponte do rio um pedido de paz para a comunidade. Jornalismo Jornalismo PUCPR PUCPR RevistaRevista CDM 45 CDM 45
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Córrego Pilarzinho é um dos afluentes do Rio Belém. Vinícius Costa Pinto
que estão ali em diante, que são de um político. Então, como a água vai conseguir escoar, se aqui o córrego é mais largo, e afunila ali em diante?”, questiona. Morador da região desde 1974, Norberto conta que a maior enchente que presenciou foi em 1999: “A água chegou a 1,5 metro de altura e estragou muitos móveis da minha casa. Soube de vizinhos que ficaram doentes e até de uma senhora de idade, que faleceu, por ter tido o contato com as águas, que possivelmente tinham urina de rato e esgoto misturados.” Norberto também aponta a falta de planejamento como fator determinante para as enchentes. Segundo ele, a criação do Jardim Schaffer (que fica ruas acima de onde mora) contribuiu para aumentar a incidência dos alagamentos. “Na região onde
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hoje é o Jardim Schaffer, a água tinha espaço para escoar. Mas com o loteamento, o solo acabou sendo impermeabilizado e, com isso, a água da chuva vem pelas galerias pluviais, e desemboca aqui no córrego, aumentando o nível dele, sem que ele tenha sido pensando para suportar tanta água.” Norberto não poupa críticas à má gestão por parte do poder público e a falta de interesse em encontrar uma solução para acabar com as enchentes e com as ligações de esgoto irregulares. “Os rios dependem de verbas federais, então, dado esses problemas com a crise política e econômica, as coisas estão meio paradas. Em 2011 foi que o pessoal começou a se conscientizar para ter um projeto de urbanizar o rio. Mas até agora não foi feito. Por quê? Falta de interesse de administrações públicas.”
De acordo com o professor de Geografia, e especialista em análise ambiental, Eduardo Baptista, há uma série de problemas envolvendo os rios de Curitiba, tais como a falta de uma rede de esgoto sanitário que comporte toda a demanda; a ausência da fiscalização de redes clandestinas de esgoto; a escassez de áreas verdes na cidade, que façam com que o solo seja permeável; dentre outros. Baptista conta que fez um trabalho de monitoramento em três pontos do Córrego da Pedreira e que foi possível identificar três tipos de qualidade de água diferentes em um mesmo rio: “O primeiro ponto analisado, próximo da Universidade Livre do Meio Ambiente, o córrego apresenta um aspecto de poluição não muito elevado, mesmo tendo a presença de esgoto sanitário. No segundo ponto, uma reserva de proteção ambiental particular, que é o Bosque das Corujas (veja
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boxe), os índices de poluição são baixíssimos. No ponto três, na foz do córrego com o Rio Belém, os índices são gritantes. Chega a ter três vezes o índice máximo de poluição considerada aceitável. Lá, mesmo todas as residências tendo saneamento, a maior parte delas não está ligada à rede coletora de esgoto, ou essa rede está rompida”, completa. Baptista argumenta que as redes de esgoto presentes hoje em Curitiba foram construídas na década de 1970 e que o solo mudou muito nesse tempo. Na construção de um prédio, exemplifica, a vibração do solo, causada pelos bate-estacas, pode auxiliar no processo de rompimento tanto do esgoto como das galerias pluviais: “Quando a água acha um buraco por onde pode passar, vai abrindo caminho e vai erodindo, fazendo como se fossem ‘mini-cavernas’ e, volta e meia, abre-se o teto, que pode desabar”. Segundo Baptista, teria sido esse processo que resultou na cratera aberta, em junho de 2016, na Praça Carlos Gomes, por onde passa o Rio Ivo. O engenheiro civil e professor da PUCPR Carlos Garcias afirma que o Rio Ivo é um dos mais poluídos de Curitiba, e também é responsável por parte da poluição do Belém, uma vez que, na época em que os prédios foram construídos no Centro, não existia rede
Bosque das Corujas O Bosque das Corujas, no bairro Pilarzinho, em Curitiba, é uma reserva particular do Patriônio Natural Municipal (RPPNM) e tem cerca de 5 mil m² de floresta nativa. A área oficializada com RPPNM, em 2012, foi adquirida pelo arquiteto Osvaldo Navaro Alvez em 1975. Ele mora no local há 41 anos.
Cratera na Praça Carlos Gomes Quem passava na manhã do dia 22 de junho deste ano pela Praça Carlos Gomes, no centro de Curitiba foi surpreendido por uma gigantesca cratera, em uma das laterais da praça (esquina das ruas Monsenhor Celso e José Loureiro) e que ficava perto de bancos, árvores e de uma banca de revistas. O buraco teria se formado entre a madrugada do dia 21 e 22 de junho e logo chamou atenção de pedestres que normalmente utilizavam a praça para chegar até o trabalho ou colégio, e também de dezenas de curiosos. A notícia do aparecimento desta cratera gigante ganhou repercussão nos veículos de comunicação e foi destaque também em jornais de outras cidades do estado. Por conta das más condições do tempo, o buraco levou dois dias para começar a ser fechado. De acordo com a Secretaria Municipal de Obras, o motivo da formação da cratera teriam sido as fortes chuvas que caíram nos dias anteriores, aliados à obstrução e a possíveis rompimentos nas galerias do Rio Ivo, que são muito antigas e que passam por baixo da praça.
Viviani Moura
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meio ambiente
Bacias Hidrográficas de Curitiba Curitiba possuí seis bacias hidrográficas: rio Barigui, rio Passaúna, rio Belém, rio Atuba, Ribeirão dos Padilhas e rio Iguaçu. A maior delas é a do Barigui, com 140 km², e o menor é a do Ribeirão dos Padilhas, com 33,8 km².
Bacia do Atuba Segundo o professor e especialista em Análise Ambiental Eduardo Baptista, são as mais poluídas de Curitiba e desenbocam no Rio Iguaçu.
Bacia do Belém
Bacia do Passaúna
Bacia do Barigui
É a menos poluída, de onde a Sanepar faz a captação de água para abastecimento público.
Bacia do Ribeirão dos Padilhas
Bacia do Iguaçu
Fonte: IPPUC
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meio ambiente
coletora e os moradores faziam a ligação do esgoto direto no Ivo. Garcias afirma que há um trabalho de pesquisa e análise, desenvolvido pela Sanepar, a companhia de saneamento do Paraná, para verificar se casas e prédios, estão com seus esgotos ligados corretamente. “Quando encontram irregularidades, o morador é notificado e orientado a fazer a ligação na rede ws já são implantados vencidos, porque quando começou o seu planejamento a situação do clima era uma e hoje já é outra.” Outro fator agravante na execução das obras, é a burocracia. “O nosso maior problema não é a falta de dinheiro, não que esteja sobrando, mas o maior problema é a burocracia, os processos que envolvem a licitação e a execução de uma obra”, declara.
O secretário municipal do Meio Ambiente, Renato de Lima, afirmou que está trabalhando em um quarto mapa de inundações e que hoje a capital tem um sistema de alerta que funciona em parceria com a Defesa Civil, além de ter um sistema de gestão de risco. O Secretário diz que além dos parques já existentes, há projetos para a construção de outros parques, em outros pontos da cidade, para que atuem, como os já existentes, proporcionando áreas permeáveis para a infiltração da água da chuva, funcionando como corredores verdes. Lima lembra que outros programas estão em andamento, como a gestão de reservatórios, manutenção, despoluição e conscientização de adultos e crianças: “Eu acho que, para nós, termos um processo de despoluição que deixe a cidade com todos os seus
rios com boa qualidade, temos de pensar em um projeto de 10 a 20 anos. Junto com a comunidade, vai-se conseguindo dar passos, que às vezes parecem pequenos, mas que são importantes”, finaliza. E são os pequenos passos que fazem com que dona Marly não perca a esperança de ver saudáveis os rios da cidade: “O sonho de todo mundo é ver os rios limpos, podendo entrar neles. Não sei se isso vai acontecer na minha geração, ou nas futuras. Como professora, vou continuar o meu trabalho junto às crianças para que elas se tornem cidadãos responsáveis por cuidar dos rios, e com isso melhorem a qualidade de vida delas e de todas as pessoas do planeta.”
“Para nós termos um processo de despoluição que deixe a cidade com todos os seus rios com boa qualidade, temos de pensar em um projeto de 10 a 20 anos.” Renato de Lima, secretário municipal do Meio Ambiente. Vinicius Costa Pinto
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Dirigindo histórias Carros do século XX se misturam a narrativas de famílias tradicionais de Curitiba, onde está localizado um dos mais conceituados museus de automóveis do Brasil
Texto e diagramação: Rodrigo Sigmura Fotos: Camila Borba
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automobilismo
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uando se anda pelas ruas de uma cidade e um automóvel de placa preta cruza uma avenida movimentada, certamente ele será motivo de olhares curiosos. Dirigir esses exemplares de memória pode significar se transportar para uma determinada época da história mundial e perceber que ali está parte de uma pessoa ou lugar, o que pode justificar a paixão dos antigomobilistas. Restaurar, guardar, admirar e, claro, guiar os veículos de épocas diversas do século XX acabam por fazer parte do cotidiano de pessoas apaixonadas por histórias de várias épocas e por um cheiro de combustível que também é nostálgico. Dos 32 carros que a família Heller tem atualmente, 19 estão em um terreno amplo e residencial do bairro Mercês, em Curitiba, que abriga uma garagem grande o
suficiente para que se possa andar entre as relíquias automotivas do século XX. O designer Bernardo Heller já acumula uma longa jornada pelo local, que armazena não só peças, cores e litros de gasolina, como também guarda histórias. “Só de acumular um pouco da história, seja de quando encontramos o carro ou uma história do passado, a gente acaba se apegando. Mas não tenho um preferido”, conta ele. O ato de colecionar, segundo o psicólogo Akim Rohula Neto, depende de cada indíviduo e por isso é importante conhecer o colecionador antes de realizar uma análise dele. “Criar uma coleção pode ser uma maneira de estruturar o mundo, uma atividade prazerosa que nos faz sentir com controle de alguma parte de
nosso universo”, esclarece. Bernardo destaca a saga de seu pai e seu avô até que conseguissem capturar um Volkswagen Karmann Ghia 1968 que, à época, tinha 36 mil quilômetros rodados e é raro no Brasil, por ser um modelo alemão. Comprado no Paraguai, inicialmente por um casal de alemães, o carro foi resgatado debaixo de uma casa com a ajuda dele. Porém, isso só foi possível após o marido da sócia da corretora de seguros que presta serviços a sua família ter conseguido contato com o herdeiro do casal, que faleceu e deixou o sítio com todos os bens na cidade de Tronco, interior do Paraná. Junto ao Karmann Ghia, eles tiverem de comprar uma Variant, que também estava abandonada na propriedade do herdeiro gaúcho e só venderia os dois automóveis juntos.
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automobilismo
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Em uma situação parecida, houve o resgate de um Chevrolet 1933, retirado dos fundos de uma casa no bairro Pilarzinho, em Curitiba. O proprietário não desejava se desfazer do carro por ser uma herança de seu avô, apesar de estar em condição financeira precária. O modelo teve de ser totalmente restaurado para ficar na casa dos Heller. Udo Fernando Heller, falecido em 2015, é o responsável por despertar esse espírito aventureiro que já chega à terceira geração. Bernardo, hoje com 25 anos, atribui ao avô Udo a paixão pelos carros. “Gosto também por motivos históricos, técnicos e estéticos diversos. Carro antigo, para mim, é como uma máquina do tempo, porque eu vivo uma nostalgia que não é minha”, explica.
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O hábito de fazer a manutenção, trocar peças e gerenciar o restauro dos carros da família foi adquirido no convívio com seu avô, um veterano no hobby do antigomobilismo, conhecido justamente por saber das características mais peculiares de cada carro antigo que pertencesse a si ou aos amigos. “Ele conhecia a placa dos carros, a marca, o modelo. Tudo de cor. Ele era uma pessoa maravilhosa”, declara Livio Tito Calderari, amigo de infância de Udo e atual diretor de sede do Clube do Automóvel e Antiguidades Mecânicas do Paraná (CAAMP). O arquiteto, de 83 anos, restaurou seu primeiro carro aos 12 anos, uma caminhonete Chevrolet Ramona 1929, de seu cunhado. Teve, ao longo da vida, um Ford 1929, um Cadillac 1950, um
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Bernardo Heller, na oficina do avô (foto acima) e no interior de um Volkswagen TL 1970. Jornalismo PUCPR Revista CDM 53
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hevrolet 1951 Belair, um Chevy Nova 1962, um Ford 1961 Starliner, uma Nash 1948 conversível e um Jeepster 1949. Hoje em dia, possui uma Nash 1947 quatro portas e uma Mercury Monterey 1953. Este último modelo está exposto no Museu do Automóvel de
sabe que, aos sábados, os integrantes se reúnem para discutir o futuro da sede, que pertence a prefeitura, mas é mantida pelo clube. Aos domingos, no entanto, os proprietários precisam dar a partida nos motores e rodar seus xodós pela cidade. “O que eu sei é que essa encrenca
vezes, vem desde os primeiros anos de vida e pode permanecer por décadas em uma família. “Memórias geram emoções e estas, quando evocadas com certa frequência, criam um estado de humor que pode ser tornar mais ou menos constante”, interpreta Akim.
“Carro antigo para mim é como uma máquina do tempo.” - Bernardo Heller, designer Curitiba, localizado ao lado do Parque Barigüi e que conta com quase 80 automóveis que são guardados no espaço pelos 70 sócios do CAAMP. São eles os responsáveis por fazer a manutenção dos exemplares e patrocinar os encontros de carros antigos, que não têm uma periodicidade definida. A rotina, conhecida pelas famílias dos sócios, acontece aos fins de semana, quando já se
de carro antigo vem de muito tempo e não tem coisa melhor no mundo do que vir aqui no sábado à tarde conversar com os amigos, porque o assunto cheira a gasolina”, admite Livio. A interação – fundamental para o ser humano – alia-se ao impacto positivo do colecionismo, conferindo prazer e satisfação por lidar com uma paixão que, muitas
Serviço Conheça o Museu do Automóvel de Curitiba Avenida Cândido Hartmann, 2.300 Parque Barigüi (41) 3335-1440
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Cadillac – 75 Fleetwood Limousine é um modelo americano de 1952.
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O arquiteto Livio Tito Calderari restaurou seu primeiro carro aos 12 anos.
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Hudson 1930 integra a coleção do Museu do Automóvel de Curitiba. Jornalismo Jornalismo PUCPR PUCPR RevistaRevista CDM 55 CDM 55
saúde
Presta atenção! Não é brincadeira. Giordana Chemin, Ingridy Moreira e Leonardo Henrique
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nquietação, irritabilidade, dificuldade em se relacionar, notas baixas, falta de concentração. Para muitos, esses são apenas sinais de um aluno relaxado e desajustado. Porém, para Cassiano Sangali, de 7 anos, o problema vai muito além da educação.. Desde bebê, Cassiano se comportava de forma diferente das outras crianças. Era muito agitado, dormia pouco e demorou para desenvolver a fala. Durante a pré-escola, sempre foi considerado o “aluno-problema” da turma. Não tinha limites, brigava com os colegas e causava problema aos professores, sendo constantemente retirado de sala de aula. “Para a escola, o problema era na educação que ele recebia em casa e não na sua saúde”, explica Thaís Sangali, mãe de Cassiano.
Segundo a psicóloga Simone Patruni, TDAH é a sigla designada para se referir a Transtorno do Déficit de Atenção com Hipe-
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Depois do laudo médico Thaís passou a tentar ajudar seu filho o máximo possível, e a menor das atividades realizada por Cassiano era uma vitória. “A nossa rotina mudou. Quando estou falando com ele e percebo que ele começa a se desligar, eu seguro seu ombro. Assim, ele nota que precisa prestar atenção em mim. Criei uma agenda de tarefas com método de recompensa. O quarto dele vivia bagunçado por não conseguir lembrar onde cada coisa deveria ficar. Então, colei etiquetas em cada gaveta. Ele tem um quadro com horário para tudo, desde fazer as tarefas da escola até arrumar as coisas. Sempre que consegue ficar o tempo determinado fazendo a atividade, ele ganha algo, como um doce ou mais tempo brincando. Na
escola, os professores começaram a ajuda-lo mais ao invés de apenas chamarem sua atenção. Ele parou de sofrer bullying e consequentemente parou de agredir seus colegas. Seu desempenho aumentou praticamente 90% e hoje tenho muito orgulho dele e de sua força”, conclui Thaís.
Giordana Chermin
Não aguentando mais aquela situação Thaís procurou ajuda médica. Depois de levar um relatório da escola ao neuropediatra Thaís teve o laudo de seu filho: Cassiano tinha TDAH. Sem nunca ter ouvido falar nisso, a primeira coisa que Thaís pensou foi: “Mas o que é esse tal de TDAH?”.
ratividade. Ele é um transtorno neurobiológico (ou seja, ocorre no cérebro) e que atinge diretamente as células do sistema nervoso. Desenvolve-se na infância e na maior parte dos casos acompanha o indivíduo pela vida toda. “Os principais sintomas são a hiperatividade, inquietação e desatenção. Alguém com TDAH tem constantemente dificuldades de concentrar-se em apenas uma atividade ou se manterem focados em algo por muito tempo”, explica
Para cada tarefa realizada, Cassiano ganha uma recompensa. Essa foi a maneira que Thaís achou para ajuda-lo a se concentrar.
saúde
Tratamento Para Simone, na maioria dos casos o TDAH é diagnosticado em meninos devido ao fato de que os sintomas aparentes são diferentes dependendo do sexo. Os meninos tendem a ser mais agressivos enquanto as meninas são mais tímidas e reclusas. Por esse motivo, muitas vezes os familiares das garotas não recorrem a um tratamento adequado por acharem que é apenas uma característica pessoal e não um transtorno. “Durante a época escolar, eu tinha boas notas, porém era muito tímida e distraída. Não tinha amigos, raramente conversava com alguém. Ficava fechada em meu próprio mundo. Por esse motivo, chegaram até a cogitar a possibilidade de eu ter um nível leve de autismo”, relata Vanessa Andrade, de 33 anos. Ela passou 17 anos de sua vida tendo que lidar sozinha com seus problemas
e dificuldades sem saber o que a tornava diferente dos outros adolescentes. O transtorno chegou ao seu ápice no ano em que iria prestar vestibular. Não conseguia focar nas aulas. Ficar horas sentada resolvendo um simulado era praticamente uma tortura. Por conta disso, parou de estudar, ninguém conseguia controlá-la, nem seus professores muito menos seus pais. Depois de procurar ajuda médica, descobriu o motivo de todo seu sofrimento e como resolver essa questão. Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção, o tratamento deve ser multimodal. Ou seja, psicoterapia e medicamentos trabalham juntos. A indicação é que o paciente utilize um medicamento estimulante, que ajuda a pessoa manter a concentração. A Terapia Comportamental-Cog-
nitiva (conhecida como TCC) para TDAH também é recomendada. A partir da técnica é possível controlar os níveis de distração, agitação, hiperatividade, impulsividade, esquecimentos e problemas com memória. Junto a isso, é recomendado que participe de grupos de apoio, nos quais podem trocar experiências. Além disso, o acompanhamento de um psicólogo e/ou neurologista é de extrema importância. Após iniciar o tratamento, Vanessa retomou os estudos. Entrou na faculdade de Pedagogia e tenta ajudar outros jovens com TDAH. “Apesar de tudo, o medo ainda é constante. O medo de surtar devido à sobrecarga a qual me submeto com três empregos, dois filhos e marido. Muitas vezes, é difícil dormir e relaxar: a minha cabeça não desliga e, quando consigo, chego a ser capaz de dormir um dia inteiro”, finaliza.
Sintomas Para diagnosticar o TDAH um dos passos é apresentação de uma série de sintomas que devem ser observados na pessoa com um intervalo mínimo de seis meses. Tais sintomas devem surgir em mais de um ambiente. Mesmo com a presença dos sintomas é de extrema importância que um médico faça os exames necessários para ter um laudo conclusivo.
Tipo: TDAH predominantemente desatento:
Tipo: TDAH predominantemente hiperativo/impulsivo:
• Mover de modo incessante as mãos
• Desviar facilmente a atenção • Distrair-se em seus próprios deva-
ou pés
• Dificuldade de permanecer sentado • Incapaz de relaxar, tem a musculatura sempre tensa
• Dificuldade em se manter silencioso • Fala, come, compra ou trabalha
neios ou com um estímulo externo
• Não ouvir quando chamam ou parar de responder em uma conversa
• Dificuldade de seguir instruções • Dificuldade em organizar o tempo
impulsivamente
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saúde
Precisamos falar sobre TOC
Nem todas as manias são inocentes, algumas podem ser sintomas de Transtorno Obsessivo Compulsivo, que atinge 4,5 milhões de brasileiros Ariele Hosseini Nicole Leite
T
udo começou aos 5 anos. Denise Dantas tinha alguns hábitos não tão comuns quanto as outras crianças de sua idade. Ela sofria com isso, mas não contava a ninguém. Três anos depois, ela já desconfiava de algo, então decidiu pesquisar na internet sobre as coisas “estranhas” que fazia. Foi assim
que descobriu que poderia ter Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
não fiquei muito surpresa com o diagnóstico, até porque não mudou muita coisa”, explica ela.
“Algum tempo depois, eu falei com os meus pais e eles me levaram para consulta, com uma psicóloga infantil, que me confirmou o que eu já tinha pesquisado. Como eu já sabia o que era,
De acordo com a Assossiação Brasileira de Psiquiatria, estima-se que no Brasil 4,5 milhões de pessoas sofrem com TOC. Denise é uma dessas de pessoas que vivem com esse transtorno, que é o segundo distúrbio mais comum no mundo, ficando atrás da depressão – o famoso mal do século.
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O TOC caracteriza-se por ideias ou pensamentos intrusivos na mente (obsessões) que podem gerar comportamentos compulsivos (compulsões). Pode-se apresentar com predomínio de pensamentos obsessivos, de atos compulsivos ou com os dois sintomas associados. “Por exemplo: uma pessoa que possui uma ideia de que sua mão está contaminada acaba tornando-se ansiosa com este ‘fato’ e lava as mãos sempre que o pensamento de ‘mão contaminada’ retorna à sua consciência, repetindo isso diversas vezes por dia. Quem sofre de TOC sabe que esses pensamentos não têm nexo causais de verdade, mas a intrusão e força deles não permitem controle, gerando muita ansiedade”, explica o psiquiatra João Alberto Minho.
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Eduarda Kiatkoski foi diagnosticada com TOC aos 12 anos. “Começou com coisas simples. Eu não conseguia deixar nada fora de
saúde
ordem, me sentia muito mal se eu sentisse algo me tocando de um lado do corpo e do outro não”. Assim como Denise, ela não se surpreendeu com o que o psicólogo disse, e não teve problemas com isso. É comum confundir os traços da personalidade de uma pessoa “organizada”, “metódica”, com TOC. Porém, o que caracteriza
à pessoa”, conta Sheila, psicóloga que atende em seu consultório dez pacientes portadores do transtorno. “Meus pais e familiares próximos ficaram preocupados, porque eu era criança, mas eles acharam que iria passar logo. Mas até hoje sofro com isso. O TOC não é algo estável no meu dia a dia. Tem períodos em que estou mais sensível
É comum confundir aspectos da personalidade de alguém “organizado” e “metódico”, com TOC. uma pessoa portadora ou não do transtorno é a intensidade dos pensamentos. As pessoas que apresentem traços de personalidade ou comportamentos similares, e não têm nenhum prejuízo no cotidiano – por exemplo, indivíduos “organizados”. De modo geral, dizemos que o sujeito tem “mania” disso ou daquilo, ou que são “sistemáticas”. Aqueles que têm o transtorno, muitas vezes, não conseguem nem sair de casa se não verificarem se sua escrivaninha está organizada ou se lavou as mãos.
psicologicamente e tenho crises mais sérias. Fora esses momentos, no geral eu estou meio ‘acostumada’”, conta Denise.
Tratamento Geralmente, é utilizada a técnica do tratamento em conjunto: usando medicamentos (ansiolíticos) e terapia (psicológica, psiquiátrica, em grupo). “Dependendo do grau que o paciente apresenta do TOC, pode ser necessário
utilizar mais do que três medicamentos ao mesmo tempo”, conta Minho. Denise já fez muitos tratamentos para o transtorno, ela diz que melhora, mas com o tempo, se parar a terapia, acaba piorando e tem que voltar à estaca zero. “Já foi muito pior. Há dois anos fiz um tratamento com remédios que me ajudaram muito. O meu ‘normal’ é ter alguns pensamentos durante o dia e conseguir controlá-los ou, simplesmente, não deixar que se tornem uma tortura”, explica ela. “É o TOC. Ele está ali, eu estou aqui, e é isso. Vou levando do melhor jeito que dá, sendo sempre muito grata por ele estar controlado.” Eduarda disse que no início do transtorno, a sensação de agonia aumentava cada vez mais, até começar o tratamento. “Tornou-se mais fácil, consigo me controlar, me distrair e assim passo com tranquilidade o meu dia a dia. É só questão de cuidado e tratamento para não se agravar.” O psiquiatra Minho afirma que o TOC pode ser leve, moderado ou grave, mas independentemente do grau sempre é necessário um tratamento. “Não haverá melhora sem um recurso terapêutico. A psicoterapia é o tratamento mais eficaz, pois expõe o paciente a situações que geram ansiedade. Sendo assim, uma forma de reduzir o estresse”, afirma ele.
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“Vale a pena ressaltar que somente uma mania não indica necessariamente que a pessoa sofra da doença. O que caracteriza o TOC são obsessões ou compulsões frequentes e repetitivas, que consomem tempo e causam sofrimento
O tratamento consiste em autocuidados e terapia, seja com psicoterapia ou medicamentos, ou ambos. Jornalismo PUCPR Revista CDM 59
saúde
Negação Isadora Costa conta que uma de suas primas tem TOC, mas é considerado um tabu nas reuniões familiares. “Ninguém fala nada sobre o ‘problema’ da L.C., ela quase nunca sai do quarto, por vergonha e medo. Se algum dia alguém pensar em mencionar a palavra ‘TOC’ ou ‘psicólogo’ perto dela, já vira discussão e choro. Ela sofre muito por causa disso, mas meus tios não sabem o que fazer’’, conta a menina. O pai de Isabella Felix também não aceita seu diagnóstico descoberto por um psicólogo há alguns meses, e conta que as manias dele tornaram-se insuportáveis. “Ele tem mania de arrumar milimetricamente a cama, os jogos de videogame, as almofadas do sofá, entre outras coisas.” Ela conta que, nas consultas com o psicólogo, sua mãe tem que o acompanhar para “dedurar” todas suas ações. “Essa grande quantidade de pequenas manias se tornam o TOC, mas ele não gosta que digam que ele tem isso, e fica muito bravo quando alguém toca no assunto”, diz Isabella.
“Muitas pessoas ainda não aceitam que precisam conversar com um psicólogo, acham que estão loucas, mas não é isso não gente! Nós somos legais, e estamos aqui para ajudar você se tornar a melhor versão de você mesmo!”, conta Sheila. Denise também não concorda com essa atitude de esconder e fingir que está tudo bem. Ela
ressalta a importância de tratamentos, e de usos de remédios, caso necessário, para controlar o transtorno. “Queria também que tivessem me dito que a vida pode ficar muito mais leve e fácil com a terapia. Uma coisa que aprendi com os anos que funciona pra mim é explicar pra mim mesma o que tá acontecendo durante as crises e tentar manter a calma.”
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“A vida pode ficar mais fácil com terapia.” - Denise Dantas, estudante Algumas pessoas não conseguem relaxar enquanto não estiver tudo limpo e arrumado na casa dela.
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saúde Você não está louca! O site “Você não está louca” foi criado no início de 2016, e conta com uma equipe de seis meninas. Administrado por Denise, o propósito delas e do blog é simplesmente dizer que está tudo bem não estar bem, que ter problemas psicológicos não significa que você está louca, que tudo pode ser resolvido e não é o fim do mundo. As escritoras falam sobre vários tipos de casos de saúde mental – ansiedade, depressão ou transtorno de personalidade Borderline. Elas trazem relatos, experiências pessoais, dicas e como lidar com a opinião e comentários alheios, pois muitas das colaboradoras do site já passaram ou ainda estão recuperando-se desses problemas. Assim, além de apoiarem umas às outras, elas podem apoiar milhões de outras pessoas que também precisam de uma palavra de conforto e encorajamento. “Eu queria muito que alguém tivesse me segurado pelos ombros em alguns momentos e falado ‘VOCÊ NÃO TÁ LOUCA’. Até hoje quero isso. Então sintam que eu estou sacudindo vocês e falando isso”, diz Denise. Aqueles que acompanham o site e as redes sociais estão muito contentes e gratos pelo trabalho das meninas, como a Isabella Butturi, que não perde uma postagem. “Há dias que são horríveis, as crises se intensificam e torna tudo mais difícil! Então, eu abro o facebook do VNEL e sempre tem uma publicação que parece que foi escrita diretamewnte para mim, que se encaixa perfeitamente com a situação que estou vivendo e me sinto mais leve, porque sei que não estou louca e não estou sozinha.” Já a Isadora utilliza as dicas e informações do site para poder ajudar seus amigos próximos que sofrem com tais problemas. “Sempre procuro entender e ajudar minhas amigas, e o site ajuda muito nisso.”
Dicas de como lidar com alguém que tem TOC Seja um amigo, um familiar, um colega de trabalho ou conhecido, essa pessoa precisa de sua empatia. informações. Estude a respeito do transtorno e se livre de 1 Procure todas ideias erradas que você tem sobre o assunto. force. Pessoas com TOC não conseguem controlar sempre 2 Não suas ações. facilite os comportamentos. Não o ajude a evitar coisas que o 3 Não deixa mal, como mesas sujas de um restaurante. julgue. Isso pode prejudicar a pessoa e forçar ela a esconder o 4 Não seu transtorno. apoio. Incentive-o a continuar tratamento e utilizar medicação, 5 Dê caso necessário.
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cultura
Gabrielle Comand
Igor Pazzini: primeiros passos.
Patrick Gomes: vida dupla.
Guto Krainski: dedicação exclusiva.
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cultura
dulli
Caminho da música As dificuldades enfrentadas, em diferentes estágios da vida, por pessoas que nasceram com o sonho de viver de música Gabrielle Comandulli, Joana Sabbag e Monalisa Rahal
I
nfluenciados pela família ou pelo desejo de serem astros da música, muitas pessoas sonham em poder viver sobre os palcos. Muitas vezes a pessoa se depara com algumas dificuldades e a resiliência é o que vai definir o quão longe é capaz de chegar.
como rádios e redes sociais, para observar o estilo músical que está agradando as pessoas e fazendo sucesso. Com isso, cria ideias e garante que o estilo musical vai sendo moldado com o passar dos anos e com a experiência adquirida.
Início
De acordo com Igor, uma das maiores dificuldades de quem está no início de carreira é o investimento financeiro e grandes empresários influenciadores por trás de um artista iniciante. “O preço do investimento para alguma gravação é alto e algum empresário tem que gostar da música para gravar. Isto é bem complicado.”
Com vontade de seguir este sonho de infância, Igor Pazzini, de 19 anos, encontra nos momentos de lazer uma oportunidade para seguir seus desejos. Com o apoio da família desde muito cedo, Igor teve o primeiro contato nas aulas de violão que fazia quando era criança e, a partir disso, enxergou inúmeras oportunidades. Um dos pontapés iniciais que Igor teve foi no início deste ano, quando teve a oportunidade de gravar a primeira música que tinha escrito em um estúdio musical. Antigamente, os vídeos eram feitos e postados apenas no Youtube, os quais poucas pessoas visualizavam. A maioria era composta pelos próprios amigos. Após uma gravação profissional em estúdio, cresceu o número de visualizações. Outros canais, como por exemplo o Spotify e o Itunes, também passaram a divulgar o seu trabalho. Igor se baseia em canais de comunicação,
os trabalhos e livros da faculdade. Com vontade de continuar e persistir, Igor pretende nos próximos anos gravar todas as músicas que já compôs até aqui e, se possível, conseguir uma aceitação maior do público. Ele está disposto a sair da rotina, da casa dos pais e fazer
”o sonho de viver de música é grandioso, mas é uma loteria.” Patrick Gomes, músico
Apesar dessas dificuldades, e sendo acadêmico de Direito, Igor gostaria de seguir apenas o caminho musical fazendo shows, para um público jovem, mas reconhece que não é simples assim e que o mercado de trabalho é complicado. A escolha por Direito foi feita por ser uma área para a qual tem facilidade e, apesar de gostar muito de compor e tocar violão, ele precisa dividir o tempo com
o que for preciso. “Se eu precisar sair daqui para estourar no Rio de Janeiro ou em São Paulo, quero agarrar todas as oportunidades possíveis.”
Conciliação Já em outros casos, o sonho de viver de música fica mais próximo de se tornar real, mas, devido a algumas dificuldades, principalmente financeiras, esse desejo é deixado de lado. Assim é a história de Patrick Gomes, 37 anos, que desde pequeno sonha em ser músico. Apaixonado pelo rock dos anos 50 e 60, tem como inspiração a música desta época, Jornalismo PUCPR Revista CDM 63
cultura Divulgação
A maioria dos integrantes da Boogie Woogie conciliam, assim como Patrick, música e o trabalho convencional. além do boogie woogie dos anos 20, estilo que deu nome à sua banda The Boogie Woogie Pineland’s. Com o passar do tempo, ele percebeu que seria muito difícil se dedicar completamente à profissão de músico, principalmente aqui no Brasil, já que, segundo ele, o reconhecimento, tanto pessoal quanto financeiro, ainda é pequeno. Por isso, o músico também se dedica a outro rumo que desvia um pouco de seu sonho: ele é empresário no ramo do turismo. Como começou a trabalhar em agências de viagens desde cedo, sempre conciliou as duas profissões. Com essa decisão, Patrick, aos 21 anos, passou a se dividir e assumir uma rotina intensa, se revezando entre shows e momentos no escritório. Os dias eram focados em rotas para clientes e descobertas de novos destinos, e as noites se voltavam aos palcos e holofotes. Para ele, não adiantava apenas ter um emprego convencional e tocar na garagem de sua casa: ele queria ultrapassar barreiras. Segundo Gomes, “o sonho de viver de música é grandioso, mas é uma loteria. Poucos conseguem ter êxito e qualidade e viver dignamente”. Em meio a essa nova rotina, Patrick, que tinha o sonho de viver viajando com a sua banda, também se encontrou no turis-
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mo, profissão na qual também conseguiu conhecer vários lugares do globo. Ele pensou diversas vezes em largar o emprego tradicional e, se pudesse, viveria só de música. Mas, como se apaixonou pelo turismo, investe em suas duas carreiras. Com os pés no chão e ciente das dificuldades que a música o obriga a enfrentar, Patrick diz que acreditar no sonho é essencial, mas estudar muito é o fator principal para não se tornar mais um músico em meio a milhões. Hoje, ele encontra realização com suas duas profissões. Com um disco
gravado, pretende gravar mais dois nos próximos cinco anos e, é claro, conhecer vários outros países como agente de viagens. “A música é minha vida, minha inspiração, minha alma. Mas meu sonho um dia é poder concretizar tudo aquilo que me faça feliz por completo”, finaliza o músico. Realização Já o baixista Guto Krainski, integrante do grupo Gringos Washboard Band, está em outra fase, pois conseguiu atingir um grande objetivo de vida: viver da música. Aos 15 anos, por influência dos amigos, Guto começou a tocar
Divulgação
Após a participação no SuperStar, a Gringos Washboard Band conquistou mais espaço no cenário musical.
cultura
em uma banda de seus vizinhos. Durante a adolescência, a música, para ele, nunca passou de um hobby. Guto já trabalhou com eventos e tem currículo de chef de cozinha, mas independentemente de onde estivesse com sua vida profissional, sempre conseguia conciliar com a sua maior paixão: a música. Dois anos atrás, Guto inscreveu sua banda no programa SuperStar, da Rede Globo e, para surpresa de todos integrantes do grupo, eles foram chamados e participaram do reality show. Se-
gundo ele, o programa proporcionou o reconhecimento da banda. “Hoje em dia, para onde eu ligo para marcar show, eles já conhecem o Gringos. Ficou muito mais fácil.” Krainski comentou também sobre a dificuldade do cenário atual da música. A Gringos Washboard Band toca jazz, pois tem como objetivo resgatar a música que era muito comum e admirada por todos antigamente. Porém, a banda hoje tem a dificuldade em atrair e conquistar o público. Afinal, segundo Guto, estamos
em uma época em que a música é para dançar. “Você vai ouvir, sertanejo, pagode, e tudo é pra dançar. Pouco importa a letra da música”, afirma o baixista. Independentemente da idade, situação financeira ou o apoio da família, o essencial para os personagens é a busca e a persistência pelo que desejam. Não só na vida pessoal como também na profissional, é importante se dedicar e acreditar em todas as possíveis oportunidades, mantendo os pés no chão e entendendo o mercado atual.
Fragmentada, disforme e desunida, mas tem jeito Mais de dez anos separam a entrevista de Ivan Santos, músico e produtor cultural em Curitiba, para o jornalista Marcelo Costa no portal de música do Terra. Nela, Santos fazia críticas ao público e à cena musical local. Dentre os problemas apontados naquele primeiro de junho de 2004, como a falta de espaço nas rádios locais e a ausência de união entre os vários movimentos existentes, muitos ainda persistem. O segmento musical viveu ao longo dos últimos 15 anos uma profunda transformação. O surgimento da internet possibilitou aproximar público e artistas sem a necessidade de intermediários. Nesse novo contexto, a música autoral tornou-se acessível, não apenas para quem produz, mas também para quem consome. Surge então um novo problema para os músicos: como se destacar em um mar de infinitas produções, bandas e novos artistas?
Como apontado por Santos, Curitiba não possui uma cena local, mas sim “várias pequenas cenas paralelas que convivem de forma estanque, não existindo entre elas comunicação”. Se em 2004 isso era uma regra, em 2016 avançamos, mas pouco. Outro problema possível de ser constatado é que em Curitiba bandas e artistas autorais costumam ter menos espaço nos bares e casas de shows que, por sua vez, mantêm suas agendas repletas com bandas cover. A música, como disse o filósofo Josef Pieper, é instrumento essencial para a reflexão das realizações do homem. Mas onde se encontram Curitiba e o Paraná neste raciocínio? E como se dá o debate sobre uma cena musical fragmentada, disforme e desunida? Existem grupos e coletivos que vêm procurando transformar esta realidade, fomentando a cena local atra-
vés da união entre artistas e da cessão de espaços para apresentações. A isto, soma-se o crescente enriquecimento da cadeia produtiva curitibana, com bons estúdios e profissionais engajados na produção de material local entregando material de extrema qualidade, algo raro há 15 ou 20 anos atrás. Hoje, Curitiba possui uma quantidade grande de bons artistas nos mais variados gêneros. No hardcore e no hip hop é provavelmente a cena mais forte do país. Também existem bons exemplos no rock, no sertanejo e na MPB, mas talvez ainda falte um elemento capaz de agregar os artistas em torno de um mesmo objetivo: o fortalecimento da cena para todos. Quem sabe assim mostremos que santo de casa faz milagre, sim. Alejandro Mercado, crítico musical.
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cultura Grasieli Farias Lídia Hanke é uma das colaboradoras mais antigas da casa do contador de histórias.
Você aceita ler uma história? Conheça a Casa do Contador de Histórias, que há 13 anos promove ações sociais através da literatura Daniela Borsuk e Grasieli Farias
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viveram felizes para sempre.” É assim, com esse tom positivo, que tudo acontece na Casa do Contador de Histórias, no bairro São Francisco, em Curitiba. Formada por voluntários que vislumbram na contação de histórias um agente modificador, o espaço atende instituições com diferentes necessidades psicossociais. Agora, convido você, caro leitor, a ler algumas páginas sobre solidariedade, doação e amor ao próximo. Se acomode e pegue uma xícara de café, que lá vem história… Era uma vez, há 13 anos, em uma cidade chuvosa e fria, algumas pessoas curiosas por aprender a profundidade que as histórias
tão, não seria apenas um espaço para oficinas e, sim, uma base de formação para tornar voluntários em profissionais. O intuito? Fazer das histórias uma opção para melhorar a vida de pessoas em estado de vulnerabilidade social.
Experiências Quem impacta também se sente impactado, pois estar em contato com as pessoas pode mudar o modo de se ver a vida. É o que conta a pedagoga Lídia Hanke, de 58 anos, uma das colaboradoras mais antigas da casa, que realiza seu trabalho há dez anos. “As histórias são transformadoras. Começamos a olhar o outro com mais empatia, enxergando pessoas
Barreiras Como toda boa história, porém, os voluntários tiveram que enfrentar um grande desafio. A casa, doada pela prefeitura de Curitiba em 2006, teve, por motivos burocráticos, que esperar por anos para poder começar as atividades. Nesse tempo, a construção foi se deteriorando pouco a pouco. Quando finalmente foi autorizada, tornou-se necessária uma reforma, que contou com a arrecadação de cerca de R$ 350 mil. Em dezembro de 2013, foi inaugurada. Houve uma festa linda, que durou três dias, com direito à comemoração de aniversário da fundação.
“Eu olhava e não acreditava, tudo o que eu tinha sonhado estava ali, sendo destruído pelo fogo.” Lídia Hanke, colaboradora poderiam ter. A vontade de saber mais e mais era tanta, que logo formaram-se contadores. E eles não estavam só. Dezenas de voluntários abraçaram a ideia e ergueram a Casa do Contador de Histórias (CCH), fundada no dia 3 de dezembro de 2003. Talvez você esteja se perguntando agora: “Mas, afinal, quem são essas pessoas?” São professores, psicólogos, comerciantes e médicos. Gente das mais variadas áreas, que hoje totalizam 40 indivíduos, ávidos pelo crescimento que a prática da contação pode proporcionar. Aos poucos, o desejo de compartilhar esse sentimento foi se aprofundando, o que deu uma nova visão à casa. A partir de en-
que estão doentes, seja por aids, ou tratamento psicológico para dependentes químicos. Você consegue perceber e ver o outro de maneira diferente.” O início de Lídia na casa foi por acaso. Tendo tido afinidade por histórias desde pequena, ouvindo contos inventados por sua avó, ela foi convidada a participar da casa por uma das 11 fundadoras. “Ela me contou sobre o curso da Casa do Contador de Histórias e eu acabei conhecendo... E aqui estou eu, há dez anos. Me encantando com as pessoas, porque cada vez que você conta uma história, mesmo sendo a mesma, ela acaba saindo de um modo diferente. É esse encantamento de estar com elas, de dividir, que é muito especial”, relembra.
Um pequeno sobrado amarelo, a construção histórica com 300 metros quadrados exibe grandes janelas, e está localizada à Rua Trajano Reis, uma das vias mais antigas de Curitiba. De um lado, uma construção abandonada. Do outro, uma casa de eventos. No centro, um lugar intocado pela pressa do dia a dia. Um espaço onde a tranquilidade reina e é possível ouvir o som do pin — instrumento musical que utilizam no início de cada história — nos trazendo ao presente. Os frequentadores se encontram para debater sobre ficção e realidade, para aprender e ensinar. O que os voluntários não esperavam, no entanto, é que o pior estaria por vir: um incêndio atingiu a casa em maio de 2014, consu Jornalismo PUCPR Revista CDM 67
cultura Grasieli Farias
A casa do contador de histórias funciona desde 2003.
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mindo boa parte da construção. “Eu vim para cá e parei do outro lado da rua. A gente não podia entrar e o Corpo de Bombeiros já estava aqui. Eu olhava e não acreditava. Tudo o que eu tinha sonhado estava ali dentro sendo destruído pelo fogo”, relatou Lídia, emocionada. O desespero, aos poucos, foi dando lugar à esperança. “No dia do incêndio, houve um rapaz, assessor de imprensa da prefeitura, que mobilizou uma roda de histórias na frente da casa. Muita gente veio, alguns viram nas redes sociais, outros na televisão, e alguns que estavam de passagem. Eu lembro que dois adolescentes pararam para ouvir as histórias, quando um deles enfiou a mão na bolsa, tirou algumas moedinhas e colocou no chapéu que tínhamos no centro da roda. Para mim, esse era o sinal de que precisávamos continuar.” Essa esperança moveu os participantes da casa, apesar do tortuoso caminho. Eles tiveram a ideia de fazer a arrecadação para a reconstrução por meio de finan-
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ciamento coletivo. Foi necessária, então, a mobilização de todos os envolvidos para conseguir as doações, obtidas pelo sistema de crowdfunding. “A gente tinha feito uma meta de R$ 47 mil em 40 dias. Foi muito sufocante. Cada dia que passava, a gente ia pedindo às pessoas ajudarem. Quatro dias antes de terminar o prazo, nós conseguimos fechar o valor e arrecadamos ainda mais do que o previsto. Além dessa ação, conseguimos a doação do projeto e acompanhamento da obra da casa por um arquiteto. Lojas de construções doaram os materiais e fomos nos reestruturando”, disse Lídia.
Trabalho realizado Maisa Guapyassú, aconselhadora biográfica, 59 anos, é uma das voluntárias da casa, que começou o trabalho em 2004 e há anos faz a contação para pessoas que tenham algum tipo de deficiência motora. “A gente tem que aprender a improvisar e acolher sem perder o fio da história. Eles gritam, se movimentam e você
tem que se manter concentrada.” Além de oficinas de reciclagem a cada seis meses, os voluntários também treinam sozinhos. “Eu, por exemplo, ensaio com minha cachorra. Ela fica quietinha me olhando enquanto eu conto as histórias para ela.” Rodas de contação acontecem sempre no terceiro domingo de cada mês e são abertas ao público. Para ser voluntário, é necessário participar das oficinas ofertadas pela própria associação, e é nesse momento que os interessados descobrem por quais assuntos sentem mais afinidade e onde poderão contar histórias. Enquanto Maisa define sua trajetória na instituição com a palavra “Gratidão”, Lídia escolhe “amor” para retratar tudo aquilo que já passou contando histórias. E assim elas vão, junto dos outros voluntários, mostrar um novo desfecho à história de quem mais precisa.
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Da mente às páginas Escritores e editores explicam como funciona o processo de publicação de um livro Maria Victória Lima
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udo começa com uma ideia. Na rua, no banho, quando alguém fala algo. Pode ser até mesmo em um sonho. Mas tudo começa como um pensamento que inunda o seu cérebro, invade a sua rotina e se desenvolve por muito tempo – pode chegar a anos – até estar pronto para que o mundo o veja. Para Cesar Bravo, não foi diferente. O escritor começou a sua carreira de forma independente em 2011, e de lá para cá foram muitas situações indesejáveis. “Tenho minha própria coleção de rejeições. Elas ficam guardadas, para que eu não me esqueça de como foi difícil chegar aonde estou, para que eu nunca esmoreça”, afirma. Porém, até chegar às editoras o manuscrito passa por muitas fases. Para os iniciantes na carreira de escritor, o melhor a fazer é ler. “Eu sabia o que queria dizer, apenas não sabia como. Procurei material técnico, reli vários romances, me mantendo distante da trama e dedicando minha atenção a observar como as ideias
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e cenas se uniam e compunham uma obra de qualidade”, afirma Bravo. Breno Soares explica que, em seu caso, o processo não é planejado. “Uma ideia simples aparece e eu só vou escrevendo pra ver o que sai. É como se ela já estivesse lá e eu só estivesse a revelando.” Ele, porém, também explica que, durante seu método de escrita, pequenos resumos de cada capítulo são produzidos; apenas depois de organizada a trama, é que passa para o computador e começa a transformá-la em literatura. Mas, como qualquer projeto, além das dificuldades de organização das ideias, existem outros obstáculos, Bravo cita a ansiedade como o maior deles. Por mais que o processo seja divertido, “você nunca sabe se o que criou é bom ou ruim, não até ouvir a opinião das outras pessoas. A hora mais difícil da escrita é sempre essa, quando você compartilha o que guardou por meses”, explica. Depois de meses de trabalho, a história está organizada, escrita e
detalhada. Então chega a hora de mandar para as editoras. Todavia, se fosse tão fácil assim, haveria muito mais livros à venda nas livrarias. Algumas respostas são rápidas. “A maioria delas com os dizeres: ‘Gostamos do seu livro, mas ele não se encaixa em nossa linha editorial’”, conta Bravo. Por outro lado, Soares espera há seis meses a resposta das editoras sobre o seu segundo livro, Aqueles Olhos Verdes. Porém, o primeiro livro publicado (Por Isso Tudo Era Vermelho) teve todo o processo realizado em quatro meses, por ter sido publicado por uma editora pequena, Inverso. Normalmente o contato inicial dos escritores com as editoras, se dá por meio de e-mail. “Abrimos uma conta de e-mail especificamente para receber originais: originais@ darksidebooks.com. Ao escrever, o interessado receberá uma resposta automática explicando como funciona o processo de seleção”, explicam o editor Bruno Dorigatti e o diretor editorial da DarkSide® Books , Christiano Menezes.
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Depois de recebidos. os editores e editores-assistentes fazem um primeiro filtro. Nesse processo, é levada em consideração uma avaliação da apresentação, da sinopse. Uma lida no início do texto ajuda a filtrar o que merece mais atenção. Para isso, o teto deve conter os elementos fundamentais para que possa virar um livro: um bom enredo, personagens verossímeis, diálogos que não soem artificiais e originalidade. “Quando algum original reúne estas qualidades, após uma primeira leitura, ele é encaminhado para outro editor ou editor assistente para uma segunda opinião. Caso passe pelo crivo desta segunda leitura, ele então é separado e reunido com outros originais que tenham qualidades semelhantes para uma possível publicação”, explicam os editores da Darkside. Caso o original venha a ser selecionado, os responsáveis entram em contato com o autor por e-mail ou telefone. Marcam uma reunião para conhece-lo pessoalmente, conversar com ele e avaliar a possibilidade de publicação. “O mais importante nessa fase do processo é a maturidade e a flexibilidade do autor. Um
processo de edição pode levar meses, ou anos, de acordo com a dedicação de ambos, até o próprio amadurecimento da obra”, explica Dorigatti. Como a maioria dos originais recebidos são de autores inéditos ou autopublicados , e o objetivo é publicar um livro editado por uma casa editorial, ele receberá os direitos autorais somente após a obra começar a ser vendida. Todavia, no caso dos livros originalmente publicados no exterior, os direitos autorais são pagos em adiantamento, para, então, a editora ter o direito de publicar a obra. “Quando o interesse seja em um título publicado no exterior, entramos em contato direto com a editora originária ou com seu agente literário”, conta a irmã Bernadete Boff, a diretora da Editora Paulinas. No caso de Ultra Carnem (próxima obra de Cesar Bravo), o livro é exclusivo para a DarkSide. De acordo com Cesar Bravo, sua aprovação levou alguns meses. “As negociações com a ‘Caveira’ [apelido carinhoso para a editora], foram feitas com muita transparência e confiança de am-
bas as partes. Participei de todo o processo, tivemos várias reuniões, algumas presenciais. Quando vi a capa fiquei boquiaberto, sobre o miolo do livro, pude opinar em tudo, e chegamos a um entendimento bem rápido”, conta o escritor. Dependendo do tamanho do livro, a quantidade de imagens também influencia no tempo consumido pela edição. Para livros em língua estrangeira, a qualidade da tradução é outro fator importante. “Se houver problemas, levará mais tempo na preparação e revisão da obra”, explica o diretor editorial da Darkside, Christiano Menezes. “Em média, levamos entre cinco e seis meses para deixar um título pronto.” Com toda a concepção gráfica – do projeto da obra à capa – já pronta, os autores têm o direito de aprovar. “No caso de traduções, geralmente temos que aprovar a capa com os agentes literários. Alguns também pedem para conferir o texto final em português”, detalham os editores da “Caveira”. Depois de um período que pode divulgação/Dark Side Books
Impressão do livro Jornalismo Jornalismo PUCPR PUCPR RevistaRevista CDM 71 CDM 71
w cultura variar entre três e seis meses, mas pode se estender a um ano, o livro finalmente está pronto. Porém, de acordo com Menezes e Dorigatti, o momento de colocá-lo à venda também é prnsado. Isso porque, para cada gênero da literatura há um momento certo para o lançamento. Na Paulinas, “no final de cada ano é feita a
programação semestral ou anual, levando em conta a filosofia da editora, as prioridades, a realidade de cada obra e a agenda de lançamentos”, explica irmã Bernadete. E assim um livro sai da mente do escritor para as estantes das livrarias e, futuramente, para as mãos de um leitor. Entretanto,
o trabalho nunca está finalizado. “Escrevo sem parar. Estou revisando um novo projeto para entregar à DarkSide. Espero que eles gostem e que logo tenhamos novas surpresas”, informa Bravo. Soares diz que está esperando as respostas sobre o original que mandou para algumas editoras.
“Foi divertido e cansativo. Juntar tudo e ver a história se construir é bem legal, mas leva tempo e dá trabalho.” Breno Soares, escritor. Um pouco sobre Por Isso Tudo Era Vermelho, por Breno H. M. Soares “Uma serie de crimes misteriosos em circunstancias estranhas deixa a população de uma cidade apavorada e as autoridades perplexas. Um serial killer sádico não deixa nada mais do que uma enorme poça de sangue em diversas cenas e assassinatos, surpreendendo e intrigando a polícia. Um jovem e talentoso escritor se envolve da maneira mais trágica possível na trama, e isso irá mudar a sua vida e carreira definivamente.”
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Um pouco sobre Ultra Carnem, por Cesar Bravo “O livro se inicia com um personagem enigmático, uma criança cigana chamada Wladimir Lester. Lester é um pintor, um verdadeiro prodígio, mas ele traz algo sombrio consigo. Nas partes seguintes o livro trata da relação das obras do menino com o mundo, muitas décadas depois. Mergulhamos na vida de outros personagens, compartilhamos seus anseios, seus medos, notamos como essas pessoas são influenciadas pela batalha entre o céu e o inferno.”
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Os sertões de Guimarães Rosa Uma travessia de 12 dias no interior de Minas Gerais.
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Guimarães Rosa. Um híbrido do radical germânico “saga” e a palavra tupi “rana”, o título significa algo como “a próxima saga” e, fantasias à parte, pode ser considerado uma premonição do que seriam os próximos capítulos da vida nos sertões das gerais. Em meados da década de 70, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deu vida ao primeiro assentamento da reforma agrária na região, o vilarejo Sagarana. Após 30 anos da sua fundação, o preceito é o mesmo escrito por Guimarães: “O real não está na saída e nem na chegada: Ele se dispõe para gente é no meio da travessia”. Nicole Lopes
stá calor. Um grupo de 58 pessoas já andou a metade dos 180 quilômetros da caminhada inspirada no escritor João Guimarães Rosa (19081967), que vai do vilarejo de Sagarana aos sertões das gerais. A terra é vermelha. O céu de um azul turquesa inédito nas paletas de cores celestes do Sul. Entre minas preciosas e cidades históricas, percorremos terras esquecidas do estado de Minas Gerais. Mas já avisa o romancista: “Quem entrou no sertão, jamais esquece”. Marcado pelo calor do cerrado, pela seca e o canto das araras sob os buritis e veredas, nasce Sagarana, obra literária de
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Fim de tarde no Rio Urucuia.
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No meio do caminho.. havia uma Igrejinha.
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Terceiro dia de caminhada. Por do sol na Fazenda Menino. Ultimos raios de sol no Vão dos Buracos.
Futebol na areia do sertão. Jornalismo PUCPR Revista CDM 75
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Quase faltou braço pra trazer
tantos
troféus pra
Mas trouxemos casa.
mesmo assim. O Curso de Jornalismo da PUCPR é o grande campeão do 20º Prêmio Sangue Novo, com 18 trabalhos premiados. Parabéns a todos que participaram desta conquista!
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