Que horas ele passa?
revista
corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR
ano 20 - edição 61 | junho de 2023
CURITIBA 330
As dificuldades enfrentadas pelos usuários do sistema de transporte publico referencia no país e no mundo
Corpo da matéria
Ano 20 - Edição 61 - Junho de 2023
Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR
REITOR
Ir. Rogério Renato Mateucci
DECANA DA ESCOLA DE BELAS ARTES
COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO
Suyanne Tolentino De Souza
COORDENADORA EDITORIAL
Suyanne Tolentino De Souza
COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL
Paulo Camargo (DRT-PR 2569)
COORDENADOR
DE PROJETO GRÁFICO
Rafael Andrade
Alunos - 4º Período Jornalismo PUCPR
Adriano Sirius Dalto Pinto, Amanda Gabrielle dos Santos, Ana Carolina Rossini Augusto, Annelise Mariano, Bruna Naomi Noda Pelegrini, Caio Yuke Remza, Eduardo Albano da Silva, Enrique Ceni Guinart, Felipe Artigas Tomaz, Felipe Marques Lunardi, Felipe Worliczeck Martins, Gabriela Alves de Jesus, Giovanna Catapan, Ingrid Caroline Von Knoblauch Lopes, Isabela Faria da Costa Lobianco, Isabella Naime Elias, Ivan Martins Cintra, João Américo Harrich Goulart, João Caetano Ozores Guimarães, João Vitor Luchesi Lourenço Vieira, José Henrique de Souza Garlet, Julia Almeida Moreira, Julia da Silva Barossi, Julia Vitoria Sobkowiak, Juliana Boff, Lívia Berbel de Sousa Santana, Lorena Motter Kikuti, Luis Gustavo Schuh Bocatios, Maria Fernanda Vieira Dalitz, Mariana Gomes Santos, Mariana Trevisol Bridi, Marina Jorge Geiger, Nicolas Kirilov de Oliveira, Pietra Gabiatti, Thaynara Goes da Graça, Valentina Silva Nunes, Victor Augusto Gambetta Dobjenski, Vinicius Oliveira Setta, Vitor Junqueira Meirelles Marcolini
Imagem de capa: Lívia Berbel
revistacdm | editoria 2
Ângela Leitão
CURITIBA 330
editoria | revistacdm 3 SUMÁRIO De lá para cá 4 Madalena, a eterna mariposa 10 Teatro Guaíra: cultura e resistência 16 Mais uma dose... 20 Curitiba para vestir 28 Roupa velha faz moda boa 34 A pequena grande feira 38 O império Madalosso 42 Pinheirão: entre a nostalgia e o abandono 46 Curitiba e a imigração 50 O calçadão modelo de Curitiba 54 História viva 58 revista
De lá para cá
Há quase 50 anos, o sistema de integração do transporte público de Curitiba se tornou referência para outras cidades do país. Meio século depois, os problemas de planejamento urbano e o afastamento das regiões periféricas questionam a eficiência e o título da cidade modelo
Julia Sobkowiaki
Lívia Berbel
Thaynara Goes
| transportes 4
Victor Gambetta Dobjenski
Ás 6h40 Ana Luíza de Souza, de 27 anos, caminha até o ponto de ônibus em frente ao condomínio onde reside para iniciar sua viagem até o trabalho, que fica em Curitiba, e cujo percurso dura em média uma hora e vinte minutos. Moradora de São José dos Pinhais há três anos, ela faz parte dos 62,9 milhões de passageiros da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) que utilizam o transporte público por ano para realizar o deslocamento diário. Segundo a Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná (AMEP), antiga Comec, esse levantamento de usuários realizado em 2022 caiu em relação a 2019, que contabilizou 75,7 milhões de passageiros por ano.
O transporte público de Curitiba é reconhecido por permitir que os usuários realizem a integração entre vários bairros e a Região Metropolitana de Curitiba (RMC) pagando apenas uma passagem. O sistema utilizado para proporcionar essa integração é o Bus Rapid Transit (BRT), modelo de mobilidade urbana que visa agilizar o deslocamento do maior número de passageiros. O BRT, por essência, é um transporte de massa feito por ônibus e tem por característica a criação de vias exclusivas e ônibus de
na cidade de Ottawa, capital do país. Foi em 1974 que Curitiba, sob a gestão do então prefeito e arquiteto Jaime Lerner, lançou o sistema de Rede Integrada de Transporte (RIT) e se consolidou como referência em mobilidade pública no Brasil e no mundo.
Ao longo das décadas de 1970, 80 e 90 foi implementada uma série de melhorias que fizeram o sistema de transporte coletivo ser mais parecido com o modelo que conhecemos hoje. Sylvia Leitão, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e professora pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), acredita que o sucesso que fez Curitiba se tornar referência em mobilidade urbana foi o planejamento adotado desde a criação do transporte coletivo. “O plano de Curitiba, ao contrário de outras cidades, tinha como premissa privilegiar o transporte coletivo sobre o individual. A cidade foi estruturada para operar com o transporte coletivo.”, diz a arquiteta.
A professora acrescenta que apesar do bom planejamento na época, a capital ainda não tinha passado por um grande crescimento populacional e a região metropolitana ainda não havia se estabelecido. “Curitiba se planejou antes da demanda ficar tão grande e
5
Em horario de pico, a população se expreme para entrar no ônibus.
transportes | revista
Lívia Berbel
ROTINA
A rotina de Ana Luíza é marcada pela dupla jornada. Para chegar até a empresa onde trabalha como assistente administrativa, depois do ônibus alimentador, ela tem duas opções de rota que partem do Terminal Central de São José dos Pinhais: Centro São José/Terminal do Boqueirão e São José/Guadalupe. Após o horário de trabalho, quando não está chovendo, ela faz uma caminhada de 20 minutos até a faculdade, onde cursa Ciências Contábeis. Ela diz que consegue realizar o trajeto até a faculdade de ônibus, mas prefere utilizar esse tempo para realizar alguma atividade física no dia, além de tentar economizar o dinheiro da passagem: “O valor da passagem me força a ir a pé até a faculdade”. Pela noite, ela opta por sair 40 minutos antes do fim da aula para não perder o ônibus de volta para casa. Se ela perder o primeiro ônibus, o próximo só passa por volta das 23h.
identifica outras dificuldades em usar o transporte público: “Os ônibus são muito cheios, as pessoas não abrem as janelas, sempre é aquele caos andar de ônibus, acaba deixando a gente estressado”.
Assim como Ana Luiza, outros usuários do transporte público buscam formas alternativas de deslocamento para economizar no valor da passagem. Para aSylvia Leitão, devido ao preço atual da passagem, o transporte coletivo pode ser entendido como disponível, e não acessível. “Não é porque o transporte passa na frente da casa da pessoa que ele é acessível. Ele está disponível, mas você só vai ter acesso se tiver condições de pagar por esse serviço”, afirma.
Ela contextualiza que no momento de compor o preço da passagem são levados em consideração os custos de manutenção dos veículos, vias e terminais. Além dos gastos com combus
“O valor da passagem me força a ir a pé até a
| transportes 6
Ana Luiza, assistente administrativa
normalmente na área central, ajudasse quem mora mais longe a pagar.”
Apesar da justificativa da tarifa social, na prática aqueles que saem das zonas mais afastadas ficam dentro do transporte coletivo por mais tempo e em inúmeros casos precisam realizar um deslocamento maior para fazer a integração. Esse deslocamento negativo - trecho que um usuário é forçado a ir para um ponto específico para realizar a integração - é proveniente da falta de uma linha BRT que chegue até as zonas periféricas.
Pinheirinho, onde pega o Boqueirão Pinheirinho. Além da superlotação, ela ressalta a dificuldade do ônibus em trafegar pela BR: “A linha Fazenda Direto é mega lotada em qualquer horário. Muitas vezes demora muito quando tem acidente ou quando está chovendo”. Carolaine passa em média 3h por dia no ônibus fazendo o trajeto casa-trabalho, tempo que pode aumentar consideravelmente caso ocorra algum engarrafamento ou acidente no percurso.
Quando chega do trabalho, Carolaine cuida dos afazeres domésticos enquanto assiste às aulas. Estudante de Pedagogia e tecnólogo em Educador Social, ela conta que sua rotina pesada é ainda pior por conta do trajeto: “Se os ônibus não demorassem tanto tempo, eu chegaria mais cedo em casa, e não precisaria sair tão cedo de casa. E também o estresse que é pegar ônibus, muita gente acumulada”, comenta.
Para Turbay, um transporte de massa precisa atender às demandas das periferias “Quando nasceu o BRT curitibano ele atendia as áreas periféricas, mas hoje a periferia está em outros lugares. E ele nunca se expandiu”.
Existem algumas linhas que fazem conexão de Curitiba com o município onde Carolaine Bonato, 25, mora. Nascida e criada em Fazenda Rio Grande, ela sempre utilizou o transporte público para trabalhar e para o lazer. Professora da educação infantil, Carolaine pega o Fazenda Direto para fazer a integração até o Terminal do
Planejado na década de 1960 e implementado em 1974, o BRT transportava os passageiros por uma faixa de 20km que fazia o eixo Norte-Sul da cidade. Com a passagem do tempo, novas expansões foram criadas. Na década de 80, o eixo Leste-Oeste foi implementado e na mesma época, o Terminal do Pinheirinho expandiu o eixo sul da cidade.
Apesar da criação de novos eixos, terminais e linhas de transporte, Turbay acredita que o sistema BRT ficou restrito às zonas centrais da capital. Para ele, isso se deve a uma lógica de desenvolvimento que privilegia o centro da cidade, concentra oportunidades e força o cidadão das zonas periféricas a se deslocarem. “Em Curitiba há uma altíssima centralização do desenvolvimento econômico nas áreas centrais, tem que ter uma política de desenvolvimento econômico nas áreas periféricas para que essas pessoas tenham
“Não é porque o transporte passa na frente da casa da pessoa que ele é acessível.
Ele está disponível, mas você só vai ter acesso se tiver condições de pagar por esse serviço.”
Lívia Berbel
transportes | revista 7
Sylvia Leitão, urbanista
Ana Luiza esperando o terceiro ônibus do dia para ir para a faculdade.
a oportunidade de trabalharem mais próximas de suas casas.”
Há oito anos, Guilherme Alves, 23, utiliza o transporte público como principal meio de locomoção e precisa fazer algumas conexões no seu dia a dia. Residente em Colombo desde que nasceu, ele utiliza a linha Guaraituba/Cabral para chegar até Curitiba e depois embarca no Inter 2 para chegar até a empresa onde trabalha como analista financeiro. Alguns dias da semana, depois do horário de trabalho, Guilherme faz pós-graduação. Nos dias que estuda, ele costuma sair da faculdade que fica no Centro de Curitiba às 22h50. Ele relata que o ônibus que usa para voltar para casa depois das aulas chega em intervalos de 30 minutos. Por conta da espera e dos atrasos dessa linha, Guilherme chega em casa por volta da meia-noite.
Apesar de ter outra opção de rota, ele diz que a outra linha que faz mais paradas, o que aumenta o tempo de deslocamento: “Eu faço em uma hora e meia com o ligeirinho, com essa outra linha eu faço em uma hora e quarenta, uma hora e cinquenta. Pra mim
compensa mais esperar o ligeirinho.”
Guilherme ainda relata que na época que fazia graduação, ele precisava se deslocar para três municípios diferentes: morava em Colombo, trabalhava em Curitiba e estudava em São José dos Pinhais. “Tinha uma linha que atendia Colombo até São José dos Pinhais, então isso me ajudou. Mas realmente afeta, né? Passar duas horas em uma linha urbana é complicado”, completa.
GESTÃO
A Companhia de Urbanização de Curitiba – URBS foi criada em 1963 com o objetivo de desenvolver obras de infraestrutura e atividades relacionadas ao desenvolvimento urbano da cidade. Em seus primeiros anos, a URBS ficou responsável pelos projetos de pavimentação, iluminação, paisagismo e saneamento da cidade. Em 1966, as atribuições relativas ao saneamento da cidade foram repassadas à Companhia Mista de Saneamento de Curitiba (COMISA), dez anos depois a URBS passou a gerenciar integralmente o sistema de transporte público de Curitiba e há 37 anos segue na gestão.
| transportes
Lívia Berbel
Veja também
Confira no QR Code abaixo o ensaio fotografico portalcomunicare.com.br
A Comec era responsável por coordenar o Transporte Coletivo nos 19 municípios que integram a região metropolitana. Fundada em janeiro de 1974, só passou a fazer parte do sistema de transporte coletivo em 2005 quando o Programa de Integração do Transporte da Região Metropolitana de Curitiba (PIT), passou a realizar obras para criação dos terminais da RMC. No início de 2023 a Comec foi extinta, dando lugar a Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná (AMEP), que agora abrange também as regiões metropolitanas de Cascavel, Londrina e Maringá.
Atualmente, Curitiba detém o posto de capital com a tarifa de ônibus mais cara do Brasil. Usando duas passagens por dia dentro da bilhetagem da Urbs, um trabalhador que ganha um salário mínimo gasta aproximadamente R$ 264 reais por mês com transporte, cerca de 20% do salário mensal. À exceção de Araucária, a população que reside nos municípios da região metropolitana ou que realiza a integração por meio da Amep, paga R$ 4,75 no cartão transporte e R$ 5,50 em dinheiro. Segundo a prefeitura de Araucária, desde 2018, foi apresentado reajuste de tarifa pela oitava vez, sempre diminuindo o valor. Hoje, os usuários do transporte da cidade pagam R$1,25 na passagem, com gratuidade nos domingos.
A doutora em Gestão Urbana pela PUCPR Jaqueline Massucheto analisa que a ampla participação dos usuários de ônibus é o primeiro passo para propor melhorias no sistema de transporte coletivo. O estatuto da cidade regulamentado pela Lei Federal nº 10.257 de
2001 garante à população o direito a participar do processo de planejamento urbano das cidades.
Para ela, no início do planejamento do transporte urbano há uma tentativa de conciliar as demandas populacionais com o serviço que será ofertado. No entanto, há um abismo entre a coleta e o que será praticado. “Existe um gap muito grande entre o coletar e o que fazer com essas informações. E como isso vai ser traduzido vai depender muito das articulações do município, da força da comunidade e da boa vontade politica”.
Turbay acrescenta que, além de incentivar a população a participar desse processo de planejamento, é necessário a real intenção de entender os problemas dessas pessoas. Ele afirma que as melhorias não devem estar centradas apenas na criação de um bom relacionamento entre a comunidade e o poder público, mas também na incorporação de meios de transporte alternativo ao transporte coletivo.
Procurada inúmeras vezes durante a produção desta reportagem, a assessoria da URBS decidiu não se manifestar sobre o assunto, alegando não ter um porta-voz para falar sobre o tema.
Aglomeração dos usuários de transporte publico, esperando no terminal.
Lívia Berbel
transportes | revista
Madalena, a eterna mariposa
Prostitutas são perseguidas desde os tempos bíblicos de Maria Madalena e, em Curitiba, há três momentos
marcantes: anos 1920, 50 e 80
Ana Rossini, Nanda Dalitz e Julia Moreira
10 revistacdm | sociedade
Priscila trabalha noites alternadas.
Em algumas, como enfermeira hospitalar, em outras, como prostituta.
As borboletas são puras. As mariposas são sujas e pecadoras. Maria, mãe de Jesus, era uma mulher virgem e imaculada. Maria Madalena, foi considerada o oposto pela Igreja Católica por muito tempo, ou seja, uma mulher profana, e uma prostituta. “Borboleta” e “mariposa“ eram apelidos para as mulheres prostitutas, as belezas da noite que são transformadas em sujas, corrompidas pelo ambiente e que vivem marginalizadas durante o dia no centro urbano. As mariposas vivem às margens das árvores escurecidas pela fuligem da Curitiba industrial e moderna dos anos 1920.
Carmen Costa, prostituta idosa de 64 anos, tinha como referência da infância duas vizinhas do Capão Raso, Santa e, também, Carmen, com quem a mãe conservadora não permitia conversar por morarem em casas de tolerância, conhecidas como prostíbulos. Carmen se prostitui há 40 anos e só começou depois de perder um grande amor porque a mãe achava que virgindade era tudo. “Ser conservadora e católica na época não era muito o perfil de
sa. A mariposa seguiu em metamorfoses com outros casamentos, trabalhos e estudos na área de enfermagem, e afirma com orgulho: “eu não gosto muito de dizer que sou técnica de enfermagem, prefiro dizer que sou realmente uma prostituta, sabe? Porque foi essa profissão que me garantiu na vida [financeiramente], fez com que meus filhos crescessem e fizessem faculdade”.
Carmen se diz ser tão chique por sempre ter trabalhado na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba. Remom Bortolozzi, fundador do Acervo Bajubá, projeto voltado à preservação e investigação historiográfica da memória e cultura LGBT+ brasileira, comenta sobre três momentos marcantes das campanhas sistemáticas policiais que mapeiam os principais pontos de prostituição na cidade: a Belle Époque, o início da Ditadura Militar e a Era da Aids.
SISTEMATIZAÇÃO
quem gostaria que a filha se prostituísse ou coisa parecida. Aliás, nem se prostituir, né? Por minha mãe ser conservadora, não me deixou ir atrás do rapaz”, revela.
Quando tinha 18 anos, o avô a informou que o homem estava para se casar, ela saiu de casa chorando muito e concluiu que queria agredir a mãe de alguma forma, já que não a deixou ir atrás do grande amor da vida dela. “Eu precisava agredir alguém, mas na verdade estava agredindo a mim mesma, né? Infelizmente depois eu tive esse entendimento”, diz, pesaro-
A partir da modernização de Curitiba nos anos 20 a 40, a Polícia Civil do Paraná (PCPR) criou a Delegacia de Costumes em 1928, que era responsável por controlar as pessoas com desvios do comportamento tradicional e, assim, assegurar a moralidade curitibana nas ruas. As pessoas sob supervisão da nova delegacia eram prostitutas, mendigos, vadios, menores abandonados, embriagados, empregadas domésticas e jogadores. Há prontuários do Gabinete de Identificação e Estatística do Estado do Paraná, onde o Departamento Médico Legal e Anexos revelava, em detalhes, a vida das meretrizes - nacionalidade, estado civil, de quem era filha e o retrato narrado (caracterização da face como nariz reto, queixo saliente, voz baixa, lábios grossos finos ou médios, dentes estragados ou bons, cor dos olhos, cabelo e pele, assim vai).
Os lugares mais identificados, entre os anos 20 e fim dos 30, foram pensões na Rua Desembargador Westphalen
Nanda Dalitz
“
Eu precisava agredir alguém, mas na verdade estava agredindo a mim mesma...
”
Carmen Costa, prostituta
11 sociedade | revistacdm
da Visconde de Guarapuava. No fim da década de 30, a esquina da Visconde de Guarapuava com a rua João Negrão foi um dos principais focos. A Rodoviária de Curitiba também pode ser um ponto de prostituição até hoje por ter cortiços baratos ao redor do terminal e grande circulação de pessoas.
A segunda campanha de sistematização policial foi nos anos 1950, próxima à Ditadura Militar. A Rua Tiradentes era conhecida como Far West, um local cheio de cafés-cabarés e apresentações artísticas de travestis. O local sofreu intensa ação policial a fim de higienizar a região. Os shows de travestis em casas da noite também eram pontos de prostituição. O Passeio Público sempre foi um local para encontros sexuais, principalmente entre homens, mas só a partir desta metade do século XX existe a certeza que lá acontecia a prostituição, sobretudo de mulheres cis gênero. Em 1957, as organizações lucrativas de prostituição, as caftens, começam a tomar corpo.
Na década de 80, na Era da Aids, a Praça Osório virou um ponto de michês e travestis - principalmente o “Banheirão”, onde homens gays se encontravam. Além disso, é quando começou a campanha da caça a esses grupos, tanto por policiais quanto por civis.
Há alguns padrões sobre a formação da geografia sexual nas grandes cidades que Remom ressalta: espaços públicos de práticas sexuais (Passeio Público e Banheirão da Praça Osório), as zonas de centro moral (ruas Riachuelo e Cruz Machado), espaços sem residências que os transeuntes perpassam durante o dia para ir ao
mas são pontos culturais (teatros, cinemas e cinemões - lugares grandes de pegação) e lugares próximos aos cafés-cabarés (shows de travestis na Praça Tiradentes).
O delegado Luiz Carlos de Oliveira, paulistano e há 37 anos na Polícia Civil do Paraná, conta que as meretrizes corriam quando avistavam os policiais fazendo as rondas em buscas dos vadios sem carteira assinada. Mas, quando pegas, as mulheres eram resgatadas pelos cafetões, ou então os policiais extorquiam toda a grana das prostitutas e ordenavam: “Me dá uma mamada e eu não te espanco” - isto quem conta é Remom. O especialista explica que, apesar de nunca ter tido um texto legal para criminalizá-las, isso sempre foi uma questão, tanto de perseguição policial jurídica quanto sobre campanhas sistemáticas médicas morais, a fim de catalogar o sujo, as mariposas. As imagens de prontuários anteriormente são exemplos deste objetivo.
RUFIANISMO
Popularmente conhecido como cafetinagem, o crime de rufianismo é caracterizado por tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou sustentando o todo ou em parte por quem a exerça. O ato em si, de se prostituir, nunca foi um crime, mas sim o rufianismo, afirma o delegado. Inclusive, a exploração sexual também é prevista no Código Penal por envolver tráfico de pessoas e o envolvimento de crianças e adolescentes menores de 18 anos para este fim. Todo rufião, cafetão, cafetina ou gigolô são exploradores sexuais, porém o contrário
| sociedade
não. Quem promove ou facilita a entrada e deslocamento, no território nacional, ou a saída para o estrangeiro, de alguém que nele vá exercer a prostituição, é um explorador sexual, mas não cafetão.
Muitos bordéis, prostíbulos e até bares restaurantes - como o Restaurante Gato Preto - ainda permanecem de pé porque, primeiro, entrou para o ´usos e costumes´ da sociedade, segundo, o mercado sexual gera muito lucro - há oferta e procura - e, terceiro, a sexualidade é uma esfera da vida das pessoas. Carmen diz que a prostituição nunca irá acabar por causa dos direitos de ir e vir e de fazer o que quiser com o corpo.
O LUCRO CUSTA CARO
Débora Priscila
Bueno, 35 anos, é uma das que ganha pela alta procura do mercado sexual. Ela está no Gato Preto pela quarta
vez, sentada sozinha à mesa marrom lustrada e de costas para a entrada, por volta das dez e meia da noite, e conta que começou há pouco tempo na prostituição, mas trabalhou intensamente por um ano e depois parou por um outro. Para ela sustentar a filha de 4 anos e os pais, fez oito clientes por dia em um ano, o que soma 2.920 clientes e se multiplicar pelo valor fixo da hora, que é R$ 300, (ignorando os valores extras que ganhava: R$100 para sexo anal, R$ 5 mil que um grande empresário do Paraná pagou só por achá-la linda, R$ 400 do mendigo que apenas pede para cheirar e beijar o corpo dela) ela arrecadou R$ 876 mil. O “quase” um milhão de reais custou a saúde mental de Priscila. “Esse negócio é viciante, é dinheiro que vem muito fácil, mas também se vai fácil. Já ganhei 2500 numa noite e gastei ‘milão’ num dia”, disse repetidamente com pesar sobre a ruindade do negócio.
Além do vício da fortuna fácil para algumas, a prostituição está em simbiose com o tráfico de drogas, alcoolismo e a exploração sexual. Quem vê a beleza de Priscila - com maquiagem leve e cílios preenchidos, óculos de grau dourado, cabelo preto liso e comprido que contrasta a pele branca e o sutil decote do macaquinho bege que mostra o sutiã rendado - não imagina que já sofreu com o alcoolismo, assim como outras garotas de programa. Naquele ano intenso de trabalho expõe que “ficou retardada da cabeça”. “Comecei a beber muito. Você pira uma hora”, confessou.
Tudo começa quando algum homem se senta com copo de cerveja em mãos e lhe oferece o álcool, ela é induzida a tomar porque, assim, o cliente bebe mais, gasta mais e o ponto de prostituição lucra mais (o lucro do mer-
Foto:
Gabinete de Identificação e Estatística do Estado do Paraná
“
Esse negócio é viciante, é dinheiro que vem muito fácil, mas também se vai fácil.”
Débora Priscila, prostituta
Prontuário da meretriz Anastasia.
13 sociedade | revistacdm
Prontuário da meretriz Marieta.
cado sexual também envolve o lucro em cima de drogas lícitas e ilícitas). No fim da noite, a profissional já está bêbada e muito mais suscetível a violências. A mariposa, então, prefere néctar de goiaba.
Dentre as violências sofridas, bêbadas ou não, as mais presentes são agressões de policiais, cafetões, traficantes, dos próprios clientes e de outras prostitutas por estar no ponto errado: a violência verbal de transeuntes e familiares, a patrimonial por cafetões que cobram ‘pau’ para se ter um cubículo de quarto sujo mais a porcentagem do lucro arrecadado,sexual por homens violentos focados somente no próprio prazer. Até pelo motivo que Priscila levanta: “se você gosta de mulher, sempre sofrerá violência sexual. Se alguma mulher dizer que nunca sofreu violência sexual, ela está mentindo”.
SEM AMPARO
Após a primeira filha de Carmen nascer, ela fundou a ONG Liberdade, há 30 anos. A instituição é responsável por acolher mulheres cis e trans prostitutas, e com os filhos, em situação precária. As mais diversas assistências são oferecidas: desde entradas no Ministério Público, Defensoria Pública e Conselho Tutelar à doação de cestas básicas, remédios e auxílio com aluguel, contas de água e luz; sem receber nenhum subsídio do governo.
Não há um número exato de mariposas na Curitiba passada ou atual. Somente em 2005, através de sua ONG, a própria Carmen contabilizou 30 mil mulheres prostitutas que se dividiam em 3.174 pontos pela cidade. Não existiu e nunca existirá um perfil de mulheres meretrizes. Há aquelas que assumem ser prostitutas, como a idosa meretriz, mas também há as que não assumem, como a Priscila. Há as de luxo e as em situação de fome, no Passeio Público. Há as estrangeiras da Venezuela e da Colômbia e as da Região Metropolitana de Curitiba. Há
as que nem ao menos sabem que são prostitutas - crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual. Atualmente, também há as massagistas eróticas e as garotas de programa em redes sociais e aplicativos.
Para a prostituição não tem idade e nem beleza. Os valores e moral são postos em xeque a todo momento nesta profissão. Mas as mulheres são a maioria que se prostituem porque
têm o zelo, o apego com os filhos e precisam cuidar deles, não importa a forma que irão conseguir o sustento. Algumas querem ser só Maria, mãe de Jesus, enquanto outras assumem ser Madalena. No fim do expediente, todas são da profissão mais antiga do mundo, a mesma de Maria Madalena - ser mariposa.
Priscila, ao invés de gastar todo o dinheiro com bebida e drogas, faz investimentos.
14
Nanda Dalitz
“Se alguma mulher dizer que nunca sofreu violência sexual, ela está mentindo.” Débora Priscila, prostituta
revistacdm | sociedade
A nova era
A autonomia das profissionais do sexo hoje é bem maior por causa das redes sociais e a busca pela independência financeira. A plataforma Only Fans é um meio usado por prostitutas, atrizes pornográficas e criadores de conteúdo adulto. Em 2021, o site tinha cerca de 220 milhões de usuários e mais de dois milhões de produtores de conteúdo em todo o mundo, os quais lucraram R$ 21 bilhões em apenas um ano no ramo. O serviço de acomodações e hospedagens Airbnb também é utilizados pelas profissionais do sexo para fazer turnês e fidelizar clientes de diferentes
cidades do país e do mundo. Contanto, o delegado Polícia Civil do Paraná, Luiz Carlos de Oliveira vê esse mercado dividido. ’”Ainda há mulheres que têm muito medo e por isso se submetem ao cafetão. Mas hoje é muito pequeno esse mercado por causa da figura das redes sociais e não precisa de ninguém para dar cobertura para ela”, argumentou.
Confira o mapa interativo dos pontos históricos da prostituição citados na reportagem:
portalcomunicare.com.br
15
Veja também
Nanda Dalitz
Aliadas ao álcool, as mariposas garantem lucro os locais onde estão seus clientes.
sociedade | revistacdm
Teatro Guaíra: cultura e resistência
Com quase 140 anos de excelência artística e cultural, o Teatro Guaíra é um marco na história de Curitiba e do Brasil
revistacdm | cultura 16
Bruna Pelegrini, Felipe Lunardi, Ingrid Lopes e Mariana Bridi 5º Período
Inaugurado em 1884 e nomeado de Theatro São Theodoro, em homenagem a Theodoro Ébano Pereira, o teatro tinha como sede a Rua Doutor Muricy, onde hoje é localizada a Biblioteca Pública do Paraná. O terreno, que foi doado pela Assembleia Provincial à Sociedade Teatral Beneficente União Curitibana, abrigou por mais de dez anos o centro da vida cultural de Curitiba.
opção foi que as duas primeiras eram com arquiteturas neoclássicas, e a terceira uma arquitetura modernista. A ideia de Bento era usar a obra para modernizar a cidade de Curitiba e o estado do Paraná.
Em 1955, foi inaugurado o primeiro dos três auditórios que compõem, hoje, o Teatro Guaíra. No mesmo ano as apresentações começam, no Auditório Salvador de Ferrante, apelidado de “Guairinha”. E por fim, foi inaugurado, em 1974, o grande auditório, também conhecido como Guairão. O que deu início à uma era, sem igual, na cultura paranaense.
A história do Teatro Guaíra também é marcada por muitas curiosidades. Em seus mais de 139 anos de existência, o teatro já recebeu importantes personalidades do mundo da cultura, como Tom Jobim e Elis Regina, grandes nomes da MPB, a bailarina Ana Botafogo e os atores Fernanda Montenegro e Paulo Autran.
No ano de 1894 o teatro entrou em declínio. Com a chegada da Revolução Federalista no Paraná, as apresentações artísticas foram suspensas e o local, que antes lotava suas plateias para fins culturais, passou a abrigar rebeldes presos das forças legalistas. Em 1900, a casa de espetáculos foi reaberta com o nome de Theatro Guayra, e, 39 anos depois, foi demolida.
Sem um lugar para as apresentações, iniciou-se então uma campanha liderada pela Academia Paranaense de Letras para a construção de um novo teatro na cidade. Diante disso, em 1952, começaram as obras. Nesta época, o estado do Paraná passava pelo clímax da economia do mate.
Com essa ótima condição financeira do Estado, Curitiba, durante o governo de Bento Munhoz da Rocha, se tornou um expoente da expansão cultural. Não somente inaugurando o novo teatro mas outros projetos também, como a Biblioteca Pública do Paraná e o Centro Cívico.
Bento Munhoz analisa os três projetos vencedores de um concurso de arquitetura feito por Moisés Lupión na década de 1940, e escolhe a terceira opção das vencedoras. O diferencial para esta
Além dos espetáculos teatrais e de dança, o Teatro Guaíra também é utilizado para apresentações musicais e eventos corporativos. Atualmente, o complexo conta com três auditórios: o Guairão, com capacidade para 2.173 pessoas, Guairinha, com capacidade para 400 pessoas, e o mini auditório com capacidade para 67 pessoas.
Áldice Lopes, atual diretor artístico do teatro, fala, com carinho, da história dos auditórios. Áldice relembra que o Teatro Guaíra, hoje, não é somente um lugar onde acontecem shows e apresentações, mas, principalmente, um lugar onde se gera arte. “Este complexo é um centro cultural que produz. Produz teatro, ópera, ballet, cenografia e figurino. O centro cultural tem excelência em carpintaria, marcenaria e costura. Paralelo a isso, foram criados vários corpos artísticos mantidos pelo Governo do Paraná.” O diretor ainda discorre sobre o fato da locação dos espaços da instituição funcionar em paralelo à produção.
Lopes também explica o funcionamento do Centro Cultural Teatro Guaíra. Composto pela Orquestra Sinfônica, Cia de dança Ballet Teatro Guaíra, Escola de dança e a G2 Cia de dança (única
17 cultura | revistacdm
“O teatro é a minha segunda casa. Eu sempre falo pra todo mundo que eu não trabalho, eu venho aqui todos os dias como uma continuação da minha vida.”
Diego Martins Avelleda, ator
companhia de dança para pessoas com mais de 60 anos da America Latina). “Uma companhia de 54 anos, uma orquestra de 40 anos, e uma instituição que, ano que vem, completa 140 anos”, comenta. “O CCTG, tem como principal função levar a arte a todos os curitibanos. Totalmente financiado pelo governo, essa iniciativa traz à capital do Paraná uma visibilidade única, quando relacionada à cultura”.
O Teatro Guaíra é mantido pelo governo do Paraná, dessa forma, ele pertence a 399 municípios que recebem o fruto elaborado dentro do CCTG. Entretanto sua sede de produção fica no centro da capital paranaense. “Dentro dos 330 anos de Curitiba, a maioria das pessoas se sente dona desse complexo, de proteger, de zelar por ele. Se sai alguma fumaça daqui já tem um vizinho ligando alertando sobre”, destaca Lopes, se referindo aos moradores que vivem nos entornos do Guaíra.
Mesmo com a arquitetura do edifício sendo considerada à frente do seu tempo, ele enfatiza a dificuldade existente para ampliar e acessibilizar o espaço do centro cultural: “O prédio é tombado e patrimoniado, quando você fala de 1950, ninguém discute acessibilidade, no entanto, a arquitetura modernista já tinha esse viés. Se você perceber, o guaíra tem rampa por fora. Quando o senhor Rubens Meister inaugurou o Guaíra, ele deixou o buraco do elevador.” A dificuldade dessas reformas tem ligação direta com o fato do prédio ser tombado,
com fins de preservação histórica. No entanto, Lopes conta que o teatro tem se esforçado ao máximo para torná-lo mais acessível para todos e que também, por essa razão, o número de lugares vem diminuindo.
O CCTG recebe, todos os anos desde a primeira edição, o Festival de Teatro de Curitiba, que em 2023 completa 31 anos. Criado pelos amigos Leandro Knoplholz, Carlos Eduardo Bittencourt, Cássio Chamecki e Victor Aronis, o festival hoje é uma referência em artes cênicas no Brasil, trazendo artistas nacionais e internacionais todos os anos.
Perguntado a respeito da relação do teatro com o festival, Lopes responde com muito carinho e orgulho: “O teatro tem uma parceria de 31 anos com o festival já. Uma parceria muito amarrada, de respeito, comprometimento, amor, entrega, paixão, poesia e tudo.” Ele também explica que durante os dez dias de evento, a organização é a parte que fica responsável por tudo que acontece, como entrada, saída, montagem e desmontagem de tudo que for utilizado.
Giulia Bially, bailarina e moradora dos arredores do Guaíra, relata sobre o carinho que ela e os moradores têm pelo o lugar: “Pelo prédio ser tombado é preciso cuidar dele ao redor, eu consigo notar essa preocupação e zelo em diversas pessoas, não só moradores mas frequentadores do teatro também. Como moradora, me vejo como alguém que incenti-
18 revistacdm | cultura
Bruna Pelegrini
va, apoia e frequenta. Quando tem manifestações fica mais fácil estar lá a favor da arte, da educação. Pode se dizer que sou como uma protetora”, complementa a bailarina.
O impacto da criação do Festival de Teatro de Curitiba foi muito significativo, principalmente para o Teatro Guaíra e seus entornos. Do ponto de vista de moradora, Giulia comenta sobre a importância de eventos como o festival para a localidade. “Quando tem festival ou um espetáculo ali, muda completamente o ambiente da rua. Já é bem movimentado mas aumenta drasticamente, consigo ver a fila da minha casa. Sem dúvida o teatro movimenta a cidade como um todo com a arte. Felizmente a torna mais segura também, por movimentar mais, chamar mais atenção para a segurança e para a região”.
No lugar de artista, Bially considera o Guaíra um lugar de referência, valorizando muito as condições e oportunidades que o teatro proporciona para os artistas. “Na minha opinião é um dos melhores palcos para dançar. Ele não é muito fundo e nem muito largo, isso faz com que a dança ocorra no meio do palco, o que é muito bom, além de ser um lugar de alto padrão e de muita referência para a dança nacional”.
Além de ter um papel fundamental na formação e difusão de arte e cultura na região, o teatro Guaíra é também uma fonte de emprego para muitas pessoas que trabalham em seus bastidores, mantendo a instituição em atividade e colaborando para o sucesso das suas produções.
Para Diego Martins Avelleda, ator e também assessor da Orquestra Sinfônica do Paraná, trabalhar no teatro é muito mais que apenas um emprego. “O teatro é a minha segunda casa. Eu sempre falo pra todo mundo que eu não trabalho, eu venho aqui todos os dias como uma continuação da minha vida. A minha mãe trabalhou aqui e meu pai estava no elenco da fundação do guairão. A minha história com o Guaíra é bastante íntima, muito por eu ter crescido aqui dentro e também pelo fato de eu ser ator”.
Ao longo de sua história, o Guaíra já empregou milhares de pessoas em diferentes áreas e funções, oferecendo muitas oportunidades de crescimento profissional e desenvolvimento pessoal. Perguntado sobre a evolução do teatro ao longo dos anos, Diego comenta que enxerga as mudanças como um processo natural de evolução e adaptação às demandas e necessidades da sociedade. “Sem dúvidas existe a evolução na cultura de Curitiba nos dias atuais. Se eu for olhar o teatro da época do meu pai, que está com 83 anos, e o teatro hoje, existe uma mudança de linguagem, de formas. Acredito que a maior mudança e diferença do um teatro de 30, 40 anos atrás pra hoje, é justamente de como você quer informar, comunicar. O teatro por ser um organismo vivo tem que sofrer modificações saudáveis”.
Avelleda entende a importância de manter a tradição e a história do Guaíra viva, mas também valoriza a modernização e a busca por novas formas de se conectar com o público. “Vida longa ao teatro Guaíra, eu espero que amplie com bastante cuidado, sem deixar a essência pelo caminho com as mudanças de diretoria. Que cada vez mais as pessoas estejam mais próximas e venham mais”, finaliza.
O Teatro Guaíra é um marco na história cultural do Paraná e do Brasil, sendo considerado um importante espaço para a arte e cultura. Por meio de uma programação cuidadosa e variada, o teatro oferece ao público um amplo conjunto de opções artísticas, desde grandes musicais até apresentações intimistas de teatro experimental. Com sua arquitetura imponente, acústica perfeita e um público fiel, o Guaíra segue sendo um espaço inesquecível para quem tem a oportunidade de assisti-lo.
O youtube oficial do CCTG retrata a mágica que acontece dentro do teatro.
https://www.youtube. com/@TeatroGuairaoficial/featured
19 cultura | revistacdm
Bruna Pelegrini
Saiba mais
Um vislumbre dos bastidores e da fachada do Teatro Guaíra- lar de algumas das performances mais emocionantes do Brasil.
Mais uma dose...
Entre becos mal iluminados e garrafas de litrão, Curitiba conta sua história
Felipe Worliczeck, Ivan Cintra e Luís Schuh Bocatios
Fotos: Ivan Cintra
20 revistacdm | gonzo
“Aqui no Cavalo Babão?— o motorista pergunta precisamente às 19 horas e dois minutos.
— Isso mesmo, até mais…— digo no momento em que saio do carro e fecho a porta, entrecortado pelo som dos carros, músicas, bares e bêbados.
Nem tenho tempo para andar pelos paralelepipedos inerentes ao Largo da Ordem quando um homem se aproxima:
— Fala garoto, verdinho?— pergunta ao passo que enrola um cigarro de maconha.
Minha resposta foi rir, não dele, mas sim da noite que me aguardava e mal havia começado, com os últimos raios de luz tingindo o céu das cores mais variadas possíveis.
Ri porque havia prometido a mim mesmo que nunca mais iria para a gandaia na semana anterior. E na semana anterior à anterior.
Na verdade, acho que desde que botei meus pés em um pé sujo pela primeira vez, prometi a mim mesmo que aquela pisada seria a última.
Hoje em dia, eu prometo mais a promessa do que qualquer outra coisa.
Sabia da minha total cara de pau quando propus a cobrir a história dos bares em Curitiba. Agora, porém, era tarde demais para recusar a pauta, da mesma forma que recuso bala, verdinho e raio1 de estranhos no centro.
O itinerário consistia em uma visita ao Largo da Ordem, uma passada no Gato Preto e uma despedida no PL, tudo embalado na música Sambinha do Grilo, onde “de bar em bar o mundo gira”. Agora, bastava mergulhar de cabeça e fígado na história.
O Largo da Ordem representa de certa forma um microcosmo de Curitiba, onde todas as suas pessoas encontram-se em completo desarranjo, acentuando o que tenta ser apagado da cidade. Da ordem à desordem, o nome vem da igreja, “Ordem Terceira de São Francisco das Chagas”, fundada em 1737.
Hoje, o espaço é repleto de bares e restaurantes, anos atrás o cenário era bem diferente. No século XVII os colonizadores, predominantemente portugueses, vinham para a então chamada Curityba. Na época, o clima frio propiciava o consumo de bebidas alcoólicas mais fortes – nos casebres e barracos que formavam o que hoje é o centro, mas nunca no religioso Largo da Ordem. O rigor da Igreja proibia o consumo de certas bebidas, muitas das destilarias atuavam clandestinamente.
A segunda metade do século XIX trouxe a Curitiba os imigrantes alemães, franceses, italianos, poloneses e ucranianos. Os novos moradores transformaram os costumes da população e trouxeram bebidas diferentes à cachaça.
Foi apenas no século XX, porém, que os bares começaram a ocupar os antigos casarões do centro. A palavra “bar” sequer existia no português, os espaços
21
O pão e o vinho, a santa ceia –quase todas as relações humanas começam ou terminam com comida na mesa e o copo na mão. Nesta reportagem, o jornalista Felipe Worliczeck visita alguns dos bares mais tradicionais de Curitiba e conta um pouco da história e da cultura boêmia.
Imagem de arquivo do Site Curitiba Antiga.
gonzo | revistacdm
Largo da Ordem em tempos longínquos.
eram chamados de confeitarias.
Sento-me com Ivan Cintra, fotógrafo da pauta, no bar que já apelidamos de nosso na região. O Largo’s Bar fica na esquina das ruas Dr. Claudino e da José Bonifácio, bem no Pátio da Ordem.
O espaço fica na antiquíssima Casa Strobel, construída em 1930 com finalidade de abrigar lojas comerciais no térreo e a residência da família no andar superior. A loja, que antes era uma unidade das “Casas Pernambucanas”, hoje dá lugar ao “Largo’s” e a um hostel.
Lá, toda sorte de gente nos aborda, sempre querendo vender algo. Um monge mostra livros de meditação e sânscritos de Bagavadguitá, afirmando que os livros por si só curam a depressão.
Ele possuía um cheiro inusitado, para dizer o mínimo. Como se estivesse banhado em amaciante ou sabão em pó. Minhas dúvidas sobre a origem de seu aroma acabaram quando senti o cheiro dos incensos que um homem tentou nos vender minutos depois que o monge saiu.
O inusitado não é sorte minha, mas, sim, uma característica do próprio centro histórico. Wesley tem apenas 23 anos, contrastando com a região com mais de três séculos, tão velha quanto a própria cidade. O caixista de um dos restaurantes mais tradicionais comenta que, em um mês e meio de trabalho, já viu uma freira sentar, sozinha, e pedir um litrão.
O encontro no Largo da Ordem se baseia no desencontro. Olhares difusos que se conectam podem fazer de você um amigo ou amor de uma noite. Foi dessa forma que conhecemos Rafael e Éder.
Os dois gaúchos atestam que o curitibano até pode ser frio, mas uma latinha de cerveja trincando é o suficiente
para derreter seus corações. Apesar de manter aparências limpas, a pobreza e desigualdade no Centro Histórico de Curitiba lembra os dois que ainda estão, afinal, no Brasil.
Era aproximadamente 20h30. Para eles, porém, já eram altas horas: o álcool no sangue falava mais que o cérebro na cabeça. Diziam que trabalhavam na construção do palco para o show do Coldplay. A camiseta do Grêmio que Éder usava era o mais próximo de uma prova que eles eram da onde diziam que eram.
Há poucas quadras, a configuração da cidade já muda: se no Largo da Ordem há o tráfico, no Gato Preto há a prostituição.
Não passava nem das nove horas quando chegamos ao restaurante Pantera Negra, como tradicionalmente é chamado. A entrada parece um túnel: tímida, escondida e com aparência elegante, assim como o trabalho de muitas acompanhantes que esperam seus clientes no bar.
O espaço é de meados dos anos 1970, é um famoso restaurante noturno, funciona todos os dias das 18 às 7 horas. Conhecido pela costela, o Gato
Ouça também
Escute a playlist musical baseada em cada um dos bares citados na reportagem.
portalcomunicare.com.br
22
“
O Largo da Ordem é onde todas as pessoas encontram-se em completo desarranjo, acentuando o que tenta ser aopagado da cidade. ”
revistacdm | gonzo
23 gonzo | revistacdm
Preto é o local onde as prostitutas da Rua Cruz Machado param em busca de um drink e de mais clientes.
Se o Largo da Ordem é euforia, o Gato Preto é melancolia: algumas mulheres e garotas conversam sem interesse com homens que poderiam ser seus pais, seus avós.
Não há valsa nem samba no Restaurante Dançante: um senhor vesgo, com uma bandana vermelha cobrindo sua careca, canta forró para filas de
Em uma cidade inacabada como Curitiba, becos e vielas nos revelam segredos que muitos gostariam de manter velados. Seus encontros discretos não passam do que eles propõem: finitude. Me pergunto nas mais de nove vidas que as mulheres do Gato Preto vivem.
Uma mulher loira aguarda seu cliente atrasado sob a luz laranja e fraca de uma lamparina artificial. Outra passa de mesa e mesa, tentando chamar a atenção de homens que parecem ter dinheiro e disposição.
cadeiras vazias. Em seus 56 anos de vida e 15 de Gato Preto, afirma que muitos da “velha boêmia” já morreram, assim como o compasso das músicas que outrora dançavam.
Se há uma música digna de ser tocada no restaurante dançante em um começo de noite é “Onde Anda Você”, tocada de um jeito tímido, contando as histórias dos bares de então onde as pessoas ficavam, onde se amavam em total solidão.
Depois de algumas horas, chegamos perto da meia-noite no Bar do PL, onde a história de Curitiba perpassa as garrafas e engradados em suas paredes.
Pedro Lauro Domaradski fala muito, mas diz pouco. Isso, porém, é algo normal para uma figura mitológica da cidade, onde o nome o precede. Quando perguntei sua idade, disse que é precisamente dois meses mais novo que Roberto Carlos; quando indago sobre o tempo de operação do Bar, a placa diz que está aberto “Desde Sempre”.
Ilustração do Gato Preto. Créditos: Felipe Martins
24
Felipe Martins
“
revistacdm | gonzo
Uma lenda curitibana é que o renomado cantor Julio Iglesias foi visto dentro do GatoPreto, deixando a Espanha para entrar na história de Curitiba. ”
Hoje, porém, seus 82 anos pesam em seus ombros, e a figura imponente de outrora anda agora com as costas curvadas, encolhendo-se. O bar, com 15 anos de operação, é quase da mesma idade de sua clientela, que consiste em universitários.
Pedro Lauro cresceu em Curitiba, assim como Curitiba cresceu com Pedro Lauro. Quando criança, perguntavam a ele o que queria ser quando crescesse, e respondia: “vereador, para canalizar esses rios fedidos [sic] e botar luz nas ruas”. Conseguiu seu primeiro mandato como deputado a partir da eleição em 1975 de Álvaro Dias pelo MDB, único partido de oposição à ditadura na época. Em seus dois mandatos, foi autor direto de mais de 120 projetos de lei.
Muitos de seus projetos podem ser considerados inusitados para alguns, como a proibição à referência de moedas estrangeiras em documentos oficiais. Outros são marcas impor -
tantes na história do Brasil, como a asseguração dos direitos das mulheres na prática do futebol.
A pauta mais cara para ele, porém, nunca foi atendida. A volta dos cassinos no Brasil é algo pessoal para Pedro Lauro, visto que seu tio ficou sem emprego após eles serem banidos do país. Aqui, os cassinos foram proibidos em 1946, no governo Gaspar Dutra. Curitiba viveu a era de ouro dos jogos de azar na década de 30, até o fatídico banimento. “Tem apenas dois países em que cassinos são proibidos” , grita Pedro Lauro “o Brasil e aquela Cuba de merda [sic] do Fidel Castro”, referindo-se ao revolucionário que morreu há sete anos.
O comerciante curitibano chegou a conversar sobre o assunto com João Figueiredo, trigésimo presidente do Brasil e último do período da ditadura militar. Àquela época, porém, “se um Marechal cagasse, não podia nem criticar a merda dele”, como diz Pedro Lauro.
25
gonzo | revistacdm
Pedro Lauro, lenda da vida noturna curitibana, em seu estabelecimento, Bar do PL.
26
revistacdm | gonzo
No Bar do PL, a noite corre solta.
Para ele, os jogos de aposta servem para tirar dinheiro do rico que joga, para depois colocar nas mãos dos funcionários que trabalham lá, vendo o jogo do bicho como uma espécie de Robin Hood.
Pedro Lauro é o atavismo curitibano em caricatura, em toda sua beleza, contradição e estranheza. Seu bar reflete sua história, com cacarecos que vão desde memes que fãs grudam nas paredes à pôsteres de filmes clássicos e fotos do José Sarney.
Pedro diz que, se tiver fôlego, concorrerá ano que vem para vereador. Os muros de Curitiba agora aguardam o homem que, há cinquenta anos atrás, foi pioneiro na pichação de números eleitorais pela cidade modelo.
A apuração bêbada encerrou-se no Bowie, com um grupo de amigos insultados que foi se formando pelo caminho. O nome do bar homenageia o cantor americano David Bowie, autor de músicas clássicas como “Modern Love” e “Moonage Daydream”.
Seu atrativo é, óbvio, o Karaokê.
Cada bar em Curitiba conta uma história própria. Mais importante que isso, contam as histórias da própria Curitiba. Desde que saí do carro às
dezenove horas e dois minutos, pensei na música que cantaria: a boêmia do Largo da Ordem me lembrava ao clássico de Elvis “Heartbreak Hotel”; à melancolia do Gato Preto me lembrava a música “California Dreamin’”, com sua melodia otimista que mascara o tema de sua letra; No final, pensava em “Careless Whisper”, de George Michael.
Chegando nao Bowie, descobri que o karaokê já havia fechado. Afinal, já eram exatas duas da manhã.
No caminho de volta para a casa, lembrei-me do motivo de sempre prometer a mim mesmo nunca mais passar a madrugada de bar em bar. Olhando da janela para as luzes da cidade, penso nas inúmeras pessoas acordadas no momento, histórias que nunca descobrirei. Posso ter encontrado várias pessoas na noite, mas não conheci nenhuma. Em poucas semanas, mal lembrarei delas se encontrá-las.
O que lembro sempre, porém, é como me sinto na manhã após-noite.
Escrevo esse texto às dez horas, em manhã de ressaca. Os sintomas são rosto inchado, voz rouca, enjoo e sono mal calibrado. Eu nunca mais vou beber como eu bebi. Eu prometo.
27
Largo da Ordem, foto datada de 1936.
Imagem de arquivo do Site Curitiba Antiga.
gonzo | revistacdm
Curitiba para vestir
Moda local aposta em peças artesanais e sustentáveis.
Curitibanos são
exigentes, querem um vestuário ecológico, exclusivo e revolucionário
Isabela Lobianco
revistacdm | sociedade 28
Isabela Lobianco, Lorena Motter, Mariana Gomes e Valentina Nunes
Alta costura ou haute couture, como o próprio nome já revela, é uma moda de qualidade excelente e glamour que vai muito além do luxo. São “diversos porquês”, regras e bastante história.
Em tese, não se pode dizer que aqui, em Curitiba, se faz Alta- costura, mas, ao mesmo tempo, é o que as marcas autorais locais estão buscando e, em parte, fazendo.
As marcas autorais e sustentáveis de Curitiba geram empregos e movimentam o mercado local da cidade, segundo Ana Fonsaca.
As marcas autorais curitibanas têm essência própria, fazem uma seleção minuciosa de materiais e modelagens e têm optado cada vez mais pela mão de obra artesanal, assim como na alta-costura francesa. Além desses cuidados, os empreendimentos curitibanos estão cada vez mais engajados na cultura sustentável e têm se tornado referência no modelo slow fashion (moda lenta).
O conceito envolve a prática do consumo consciente, que é a valorização do mercado local, utilização de tecidos ecológicos ou reutilizados, sistema de produção
transparente com o consumidor e a economia circular que visa incentivar o ciclo dos produtos passando assim para outras pessoas ou levando para empresas que reutilizam o tecido do produto ao invés de jogar no lixo.
Hoje, existem cerca de 120 marcas autorais sendo algumas delas: Reptilia, Rocio Canvas, Fashion & Co, Arbol, Projeto Zero Um, Ana Fonsaca, Estúdio 363, Jovita e muitas outras.
Ana Fonsaca, proprietária da marca de mesmo nome, conta que desde 2021, quando lançou sua marca, sempre almejou trazer conforto e identidade para as curitibanas. “Meu produto é muito no detalhe”, conta. Em sua marca, as peças são feitas a mão, as costureiras são da cidade, o material é natural e brasileiro e os designs são sempre muito criativos, exclusivos e milimetricamente pensados. “Não tem como você começar uma marca hoje sem pensar nisso, sem você olhar para toda a produção, para toda a escala”.
A designer enfatiza que a moda local movimenta o mercado regional e gera emprego para os moradores, sendo fundamental para a renda dessas famílias.
29
“
A gente está mostrando para as pessoas que existe uma moda acontecendo, que ela é tão boa quanto a de fora.”
sociedade | revistacdm
Isabela Lobianco.
Para ela, a moda curitibana está num momento muito significativo, com marcas nascendo e, as antigas, crescendo ao trazer um estilo único, uma personalidade de um urbanismo descolado, e a forte influência do slow fashion e da sustentabilidade. “A gente está mostrando para as pessoas que existe uma moda acontecendo, que ela é tão boa quanto a de fora”.
“Agora, nós estamos num burburinho de moda autoral curitibana. Ah, e eu acredito muito! Eu sou daqui. Eu abraço muitas marcas nascidas aqui.”Assim, percebe-se que a própria comunidade se apoia ao entender a importância da união para o fortalecimento, não só dos negócios, mas também da cultura da cidade.
Já os homens utilizavam modelos de alfaiataria sóbrios, como o terno, além do uso de relógios com corrente e consumo de charuto, um clássico.
Poitevin tinha 39 anos, em 1910, era gerente da Companhia Fiat Lux e os elementos que compunham o seu vestuário, revelavam a sua prosperidade. A moda sempre teve esse poder, sempre foi uma linguagem não verbal e sempre identificou grupos e classes sociais.
“Moda é tudo, um contexto sócio-econômico, a história de uma época, sociologia, antropologia e comunicação de quem somos.”, diz Renata Artacho, professora e consultora nas áreas de estilo, imagem, visagismo e marketing de moda. Ela comenta que a moda re-
Moda não é só um pedaço de pano, a moda é história. A própria Ana diz que aprendeu a costurar e recebeu uma base de modelagem de sua avó. Quantas memórias afetivas a moda não coleciona? Quantas famílias a moda não impacta? Já faz muito tempo que a moda tem uma participação indispensável na memória, consolidação da identidade e no funcionamento da nossa amada Curitiba e dos curitibanos.
Um dos registros mais antigos da moda local está na Casa da Memória de Curitiba, divisão da Fundação Cultural de Curitiba: um retrato da família do imigrante francês Celestino Poitevin, em 1910. A foto é a captação das condutas daquele tempo e espaço, contendo forte adaptação do vestuário europeu.
As mulheres usavam vestidos ou saias abaixo dos joelhos e a cintura marcada, nos pés eram usadas botinhas, famosas no começo do século XIX, e os cabelos ficavam amarrados em coque. Uma característica era que as peças continham detalhes em bordado, não tão comuns hoje.
vela a história da humanidade, basta reparar que existem roupas típicas por todo o mundo. São tecidos adequados aos climas locais, cores e modelagens que seguem a cultura de um povo.
Sobre a indústria têxtil, Renata explica que esse setor paga altos tributos, sendo o Brasil, um país em que as roupas são mais caras em relação a outras nações. É o sétimo mais caro, segundo o índice Zara, do Banco BTG
Moda nacional inspirou-se na moda europeia, mas a cultura brasileira a adaptou para as condições do país.
revistacdm | editoria 30
“Moda é tudo, um contexto sócio-econômico, a história de uma época, sociologia, antropologia e comunicação de quem somos.”
Renata Artacho
sociedade
Arquivo da Casa da Memória de Curitiba.
Pactual. A especialista afirma que esse segmento é um dos que mais polui, descartando mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis, segundo dados: Global Fashion Agenda, e que, muitas vezes, explora a mão de obra. De acordo com a educadora, apesar disso, é um mercado que emprega muita gente e que precisa de maior atenção.
Observando a procura e potencial desse mercado, em 1984, foi criado o Instituto de Moda do Paraná pela Comissão Comercial e de Serviços do Conselho Consultivo da Política Comercial e Industrial, com o objetivo de tornar o Paraná um centro gerador de moda, incentivando as micros, pequenas e médias empresas locais, além de gerar empregos na região e estimular mais pessoas a abrirem lojas de marcas locais.
Foi um passo necessário para o comércio regional, para alcançar o patamar que está hoje, com reconhecimento nacional.
Desde 2003, o Paraná possui uma indústria de moda com grande poten-
cial. Nessa época, o estado contava com aproximadamente 900 indústrias de confecções, que geraram 11 mil empregos, concentradas principalmente nas regiões de Londrina, Maringá, Apucarana, Cianorte e Curitiba, sendo hoje o 4° principal em número de postos de trabalho e em número de empresas relacionadas à indústria têxtil.
Algumas reportagens do mesmo ano (2003), publicadas pela Gazeta do Povo, encontradas na Casa da Memória, revelam que a indústria têxtil já era muito aclamada por servir conforto e praticidade. Nela, o falecido estilista Júnior Gabardo, ex proprietário da marca curitibana Sexxes, afirmava que além desse segmento contribuir para o bem-estar e funcionalidade, futuramente, poderia se tornar mais sustentável, misturando a moda e o bom uso do meio ambiente, hipótese que atualmente se comprova verídica.
Hoje, o público da cidade, famosa por ser uma smart city derna, clama por um estilo sustentá vel, de qualidade e revolucionário.
Fran Cavalca,que lançou a marca autoral Jovita há menos de um mês, compartilha as dificuldades para empreender nesse mercado: “Você precisa ter um histórico financeiro. Nem todo mundo tem.” Cavalca conta que, por exemplo, ao comprar tecidos de fornecedores bons, o investidor iniciante acaba por ter que pagar tudo à vista. “Não existe uma linha de crédito que ajude essas pessoas”.
A empresária afirma, ainda, que há uma carência de mão de obra especializada em técnicas de costura. “Hoje em dia, você vê uma resistência de uma profissão que é linda! Todo mundo aqui precisou de uma costureira. Então, eu acho que é muito mais uma questão de valorizar essa profissão. Ter orgulho de ser aquilo!”. Ela sente
falta, também, de que o mercado se reinvente, como por exemplo, per mitir que o profissional de costura trabalhe de casa.
“Se a gente dá certo em Curitiba, o mundo é nosso! O curitibano é um cliente super exigente.” A estilista afirma que, há muitos anos, a cidade é uma praça de teste da moda, por isso o consu midor nativo é mais antenado e menos conservador. Ela sente falta de um reconhecimen to do potencial da capital, de uma Curitiba Fashion Week. “Acham que comprar em São Paulo é chique, sabe? Como se fosse algo raro. Poxa...tem tanta coisa bacana aqui!”.
E para quem está pensando em entrar nesse mercado, quais são as dificuldades?
sociedade | revista
O garimpo curitibano
A cultura de brechós em Curitiba garante a ressignificação de roupas antigas e reafirma a tendência de moda sustentável
| sociedade
Por Isabela Lobianco, Lorena Motter, Mariana Gomes e Valentina Nunes
Além da moda autoral e local ser valorizada pelos curitibanos, a economia circular tem sido enaltecida, em decorrência disso percebe-se o crescimento de brechós na capital do Paraná.
Um dos brechós mais queridinhos pelos curitibanos chegou na cidade em 2020, a Dig For Fashion. A Dig nasceu em um bazar de garagem na casa da Mariza Rezende, formada em administração de empresas, a fundadora da loja. Assim que viu que as pessoas estavam gostando do bazar e adotando a moda circular, chamou seu sócio
organizadas e separadas por seções e tamanhos. A loja disponibiliza provadores confortáveis para os clientes experimentarem e montarem look se o principal: são diversas roupas para todos os estilos com preços baratinhos e peças de boa qualidade mesmo sendo Uma das vendedoras da Dig For Fashion, Laura Bevilaqua, explica como é feito o processo de avaliação das peças na loja. Passada uma inspeção de qualidade da peça, as roupas são selecionadas e compradas dos clientes, depois disso, elas vão para uma curadoria, precificação e classificação
para começarem a garimpar em bazar de igrejas, faziam a curadoria das peças e vendiam.
Com o tempo fizeram bazares maiores, saíram da garagem e investiram na primeira loja, em Maringá, depois expandiram para outras cidades do Paraná, São Paulo e Santa Catarina.
A loja não é franqueada, existe apenas uma Dig por cidade e todas são da Mariza, mas cada uma tem uma gerente e subgerente, e são elas que têm contato direto com a criadora que tem e passa todas as ideias criativas.
Além disso, um detalhe muito interessante, a Marisa optou que todas as lojas da Dig fossem administradas somente por mulheres.
A Dig For Fashion se diferencia de outros brechós por ser moderna e descolada, a decoração chama atenção dos clientes, as roupas são
Leia mais
Escaneie o QR Code ou visite o portal para conferir uma linha do tempo sobre a história da moda no mundo. portalcomunicare.com.br
de tamanhos. Quem precifica são os gerentes e subgerentes. Após esse processo, é feita a etiquetagem e, então, os produtos são separados por tipo e levados aos seus respectivos setores na loja.
Quando as roupas não passam pela avaliação da loja, as vendedoras indi cam a doação da peça, “Temos parce ria com várias instituições, que vêm aqui retirar doações. Justamente para que essas peças não voltem para o guarda roupa. A pessoa já tirou elas dali por um motivo e não tem porque levá-las de volta”, diz a vendedora.
Laura também conta como é trabalhar com moda no brechó, “Para mim, pessoalmente, trabalhar com moda ajuda muito na criatividade. Até mesmo na questão de criação pessoal dos looks, ver que todas as peças da loja são diferentes e existem um milhão de possibilidades. Acho que trabalhar com moda abriu minha cabeça na parte de criatividade e me deixou muito mais tranquila do que a minha área antiga, que era biologia.”
“Acho que trabalhar com moda abriu minha cabeça na parte de criatividade.”
Laura Bevilaqua
sociedade | revista
Roupa velha faz moda boa
Moda, estilo, sustentabilidade e inclusão. Brechós retomam lugar de protagonismo no guarda roupa dos curitibanos
revistacdm | editoria 34
Eduardo Albano Felipe Artigas Juliana Boff
Bazar São Francisco, há mais de 30 anos referência no comércio de roupas usadas.
Eduardo Albano
Remontar a história dos brechós em Curitiba é contar a memória de famílias que compram e vendem partes de seu cotidiano. A história desse tipo de comércio faz elo com movimentos sociais, ecoa na formação de ruas, traz um alerta a respeito do consumo consciente, promove sustento, inclui e, por fim, recentemente, retoma um lugar de protagonismo no universo do slow fashion.
A capital paranaense ocupa um lugar de destaque nesse segmento em nível nacional. Embora essa história seja bem mais antiga do que as novas tendências que carregam a alcunha de “Brechós Premium”, existe um movimento muito significativo quando se fala sobre comércio de roupas usadas. Já não se vê mais, com certa estranheza, a possibilidade de comprar roupas, calçados e acessórios em lojas que carregam o nome de Brechó. É exatamente o efeito oposto que chama atenção!
consumir roupas, aliada a conceitos que estão em alta no mundo da moda. “Hoje em dia, comprar roupas usadas tem muito mais a ver com uma questão de estilo. Os clientes conseguem encontrar nos brechós as roupas da época que mais têm a ver com a sua personalidade, as roupas das bandas que já não são mais produzidas mas que fazem parte da história das suas vidas, entre vários outros exemplos.” Somente neste ano, mais de 30 lojas participaram do evento e puderam durante dois dias vender e apresentar seus produtos, contornando os mais variados estilos e gostos.
De acordo com Matheus Rodrigues, assessor de imprensa da Associação Comercial do Paraná (ACP), entre brechós, outlets e bazares, existem 241 comércios registrados legalmente em Curitiba. No estado do Paraná, o número total é de 954. Somente em 2022, houve um registro de 54 novas lojas filiadas à ACP. “Certamente esse número tende a ter uma variação para
“Concluímos a sexta edição do nosso evento, e a cada ano eu fico extremamente satisfeita com a aceitação do público, com a diversidade de gente que nos procura para parcerias, com aumento de brechós dos mais diversos nichos e cada vez mais especializados em atender um público específico. É extremamente gratificante conhecer e ter a oportunidade de trocar experiências com todo esse público, sem contar ainda que isso promove o sustento da maioria das famílias que estão envolvidas nesse meio”, diz Stacy Barbosa, coordenadora da feira Brechozei.
Stacy apresenta justamente o panorama que nos chama atenção quando falamos sobre uma nova forma de
mais, pois existe um grande número de bazares que funcionam de forma esporádica, muitas vezes de forma voluntária e até mesmo sem fins lucrativos. Nós pudemos perceber um aumento significativo desse segmento após a pandemia, o setor está super aquecido e a tendência é continuar crescendo.”
A tradicional Rua São Francisco, no Centro, é o reduto de uma variedade imensa de brechós e histórias que nos remetem à fundação do Centro Cívico e dos arredores da região central de Curitiba, e que pode ser contada, curiosamente, pelas roupas que cada época vestiu!
“Os nossos pais já trabalhavam com
editoria | revistacdm 35
“
Eu fico extremamente satisfeira com a aceitação do público e com a diversidade de gente que nos procura.”
comércio de roupa assim que chegaram aqui. O gosto pela coisa nos foi passado por eles. Curitiba sempre foi uma cidade que consumiu muita moda, e o curitibano especificamente sempre gostou de se vestir bem, ou de acordo com o que estava na moda a cada tempo. Nossa família viu de perto, através das roupas, o que cada época estava querendo dizer pela forma como as pessoas se vestiam. Isso continua até hoje”, diz Maria Marisa, que trabalha com comércio de roupas usadas há 30 anos, e é natural de Caxias do Sul (RS), grande polo têxtil.
O brechó São Francisco, um dos mais tradicionais da cidade, teve seu início em 2001, mas algumas roupas que fazem parte do acervo datam da década de 1960. O lugar ainda mantém a arquitetura original e faz o cliente ter a real sensação de ser transportado para a época. Ao visitar o lugar, temos a nítida impressão de estarmos em outro momento. As peças carregam histórias e são indícios muito importantes de como a nossa sociedade foi construída por meio da moda.
Para além das significativas histórias de vida que estão atreladas aos brechós, existe também um lugar muito importante de inclusão de movimentos sociais e identitários. Há um fluxo de artistas independentes buscando compor seus figurinos de maneira cada vez mais alternativa e única. Esse movimento de busca por autenticidade ganha lugar e abrigo justamente nos
brechós. As peças que são comercializadas em segunda mão muitas vezes passam por um processo de customização por esses artistas e ganham um novo significado.
Construir um repertório de figurino que é sustentável e vai na contramão do consumo excessivo ganha força em expressões artísticas locais. Sendo assim, os bazares e brechós viabilizam e dão acesso em termos de custo às mais diversas expressões de corpos e identidades de gênero. Dão espaço e voz aos artistas que querem usar roupas cada vez mais originais e personalizadas, sem ter que pagar um preço altíssimo às grandes marcas.
A qualidade das peças que estão à venda também parece atrair esse público, considerando que a maioria delas ainda não havia passado pelo
revistacdm | editoria 36
“Nossa família viu de perto, através das roupas, o que cada época estava querendo dizer pela forma como as pessoas se vestiam”
Brechó Libélula. Unidade Batel. Foto: Eduardo Albano
processo do que se chama hoje de fast fashion, portanto é possível comprar e construir figurinos garimpando as lojas do centro da cidade com preços muitos mais acessíveis.
“Por questões de preço e acessibilidade, e até mesmo pela minha identidade de gênero enquanto uma mulher trans, eu procuro roupas que dialoguem com as minhas vivências e com as vivências de uma artista independente. Esses foram alguns dos motivos pelos quais eu busquei em meu primeiro vídeo clipe compor meus figurinos numa parceria no aluguel das roupas que fiz com um brechó também com esse tipo de proposta”, conta Willa Thomas, cantora e atriz. Sua carreira começou no teatro e logo entrou para música. O antigo estereótipo associado aos brechós mais antigos da cidade, como lugares entulhados e empoeirados, deu espaço a um novo tipo de experiência. O famoso brechó Libélula, que tem cinco lojas na cidade, contém uma lavanderia própria em cada unidade e todas as peças que compõem o acervo passam por um processo de higienização cuidadoso para que o cliente realmente tenha a sensação de estar comprando uma peça que acabou de ser produzida.
O Libélula tem ao todo em suas unidades, mais de 30 mil peças, e
personaliza suas lojas de acordo com o perfil de roupa que se busca. “Cada uma das lojas é voltada para um perfil de consumidor. A unidade do Portão funciona quase como um outlet, com peças contemporâneas e populares, a partir de R$ 3. Já as do Centro são essencialmente vintage e as do Batel e do Juvevê têm marcas mais selecionadas”, explica Rafael Savae, sócio proprietário.
Ainda assim, há quem goste da experiência mais antiga, de ser levado pela história de cada época e de tentar reviver, através do vestuário, as várias fases e formas que nossa cidade passou até chegar nos dias de hoje.
Veja também
Fizemos uma lista com alguns brechós. Confira.
O mundo do garimpo de roupas é enorme. Para quem está curioso e pretende começar a renovar o guarda roupa, ou se identifica com alguns estilo em especial e está buscando autenticidade na forma de se vestir, os brechós podem ser uma saída muito interessante. Do infantil ao clássico, fizemos uma lista com alguns brechós que merecem destaque em Curitiba.
editoria | revistacdm 37
Esquina da rua Paula Gomes com a Mateus Leme, os brechós ocupam a maior parte do comércio da região.
“Por questões de preço e acessibilidade, e até mesmo pela minha identidade de gênero enquano uma mulher trans.”
Foto: Eduardo Albano
A pequena grande feira
Do movimento hippie até os dias
da-sol. Em quatro anos, conseguiu sua primeira barraca. Até hoje, vende seus biscoitos. “Eu trabalho a semana inteira para vir à feira aos domingos. Ela me deu tudo o que eu precisava.”
Assim como Linda, Angela Hasselmann também tem muito tempo na Feira do Largo da Ordem. Há 46 anos, vende artesanato em MDF e começou para conciliar seu trabalho com a maternidade. “Meus filhos começaram a vir ao mundo e eles já participavam da Feira. Como eu não tinha com quem deixar, trazia junto”.
Levantando da cama às 3h30, Linda Grabowski faz sua rotina para enfrentar mais um dia de feirinha. Um domingo que será de muito sol e muitos turistas e que trará uma parte de sua renda. Vai ao banheiro, faz sua higiene pessoal e vai até sua cozinha. Observa seus preparos da semana e respira fundo. Sabe que vai ser mais um dia importante e não se incomoda de acordar tão cedo, pois gosta do que faz. Sai de casa em direção à feirinha e monta sua barraquinha no Largo da Ordem… enquanto isso, o sol ainda não nasceu.
O SUSTENTO DE CADA DOMINGO
Linda Grabowski é cozinheira e vende biscoitos artesanais na feira há 42 anos. Conheceu o mundo da cozinha quando trabalhou por oito anos na casa de uma família - até engravidar de gêmeos. “Eu precisava achar um jeito de pagar a educação das crianças, meu marido ganhava pouco, então precisava ajudar no sustento da família e cuidar dos meus filhos. Assim, aos domingos ele me trazia para a feira e voltava para casa para cuidar das crianças”. Ela começou expondo no chão, com uma mesinha e guar-
Devido à pandemia da Covid-19, os feirantes tiveram que se reinventar e, durante o período de isolamento social, a feira passou a acontecer de forma on-line - que contou com mais de 150 cadastros. Em agosto de 2020, a feira retomou as atividades presenciais, porém, de forma parcial e com medidas preventivas. Apenas 300 barracas puderam voltar e a Feiri-
38 revistacdm | economia
atuais, entenda como a Feira do Largo da Ordem se transformou no que é hoje
Feirinha do Largo da Ordem com vista de cima.
Divulgação/Cláudio Graziani
Julia Barossi Isabella Elias
nha acontecia também aos sábados, para evitar maiores aglomerações. O funcionamento tradicional só voltou a acontecer em fevereiro de 2022.
Angela conta que foi difícil durante o período da pandemia, mas nunca desistiu. “Meus filhos estão acostumados com tecnologia, e eu já tinha alguns clientes fiéis. Começamos a comercializar online, pelo site e pelas nossas redes sociais. Conseguimos manter nosso sustento também com o auxílio do emprego do meu marido. Hoje, voltei a expor presencialmente aos domingos e tudo está bem novamente.”
Isaías Teixeira, expositor que vende sapatos e cinto de couro, também passou dificuldade na pandemia. “A feira depende do turismo, né? Todo mundo passou por uma fase difícil. O que me ajudou foi ter clientes de gerações: vendi para mães, depois
Além disso, o público é muito bacana. Passa muita gente legal por aqui.”
Passeando pela feirinha, a advogada Gabriele Oliveira percebe a organização do local. “É visível a percepção de cuidado dos feirantes, tudo bem arrumado para vender os produtos e receber quem vem visitar”. Ela gosta de visitar o Largo da Ordem aos domingos, e sempre que pode, compra algum item dos feirantes. “Eu nasci aqui em Curitiba e a feirinha sempre fez parte da minha vida. Vinha quando era mais nova com a minha mãe e continuo vindo aos domingos. Tem bastante opção de presentes e lembranças para comprar, sempre levo algo para alguém. Além das barraquinhas de comida… não tem como manter a dieta aqui!”, brinca.
para filhas e agora para netas. Esses clientes que me ajudaram muito, pois já conheciam o meu serviço.”
Atualmente, a Feirinha conta com mais de 500 expositores e recebe cerca de 30 mil visitantes todos os domingos. Seu funcionamento é das 9h às 14h, mas os comerciantes começam a montar a barraquinha bem mais cedo. Isaías conta que sai de madrugada da sua casa em rumo ao Largo da Ordem. “Eu chego para montar minha barraca por volta das 4 ou 5 horas. Acordo bem cedo e vou, mas nunca tive preguiça. É o que amo fazer.” O expositor de sapatos e cintos de couro tem uma história de vida junto com a Feirinha do Largo da Ordem. “Eu vi a formação das minhas filhas com o dinheiro que ganhei aqui
Além dos fiéis frequentadores, todos os domingos é fácil encontrar turistas passeando pelas ruas do Centro Histórico, como é o caso do paulista Gustavo Bueno, de 29 anos, que aproveitou o feriado de Páscoa para visitar a família e visitou a feira pela primeira vez. “Já tinha vindo algumas outras vezes para Curitiba mas sempre era muito rápido... Dessa vez, tive mais tempo e, meus tios, que sempre estão por aqui, me trouxeram. Gostei bastante, quando tiver oportunidade vou voltar com certeza.”
O INÍCIO DE TUDO
Em 2023, a Feira do Largo da Ordem completa 53 anos de existência. A primeira edição ocorreu em meados de 1970, sem organização oficial, como a união de várias feiras que já existiam em diversos pontos de Curitiba, como a Feira da Praça Tiradentes.
Oficialmente, a feira urbana iniciou em 1971, com a criação do Decreto nº 981, que legaliza a criação do evento e garantiu o lugar para os expositores, que na época se localizavam na Praça Zacarias. Desde então, a feira se estabeleceu no bairro São Francisco, na Praça Garibaldi.
39 economia | revistacdm
“Atualmente, a Feirinha conta com mais de 500 expositores e recebe cerca de 30 mil visitantes todos os domingos.”
Em âmbito nacional, a década de 1970 foi marcada pela ditadura militar no Brasil, que se estendeu até meados da década de 1980. Nesse período, a produção cultural sofria censura com a vigilância praticada de forma legal, a partir do Ato Institucional nº 5, que inaugurou o período conhecido como o mais sombrio da ditadura. Muitas obras foram desautorizadas com base em argumentos políticos. Ao mesmo tempo, a contracultura internacional chegava ao país e o Movimento Hippie se tornou popular, influenciando a produção de obras e exposições das feiras curitibanas.
O Decreto da prefeitura de Curitiba, nº 509, de 1972, regulamenta a Feira do Largo da Ordem, alegando que o evento visa promover o artesanato e a comercialização de obras artísticas, promover a cultura e divulgar a arte, além de incentivar pesquisas sobre a Arte Popular do Paraná.
De 1980 até início da década de 90, a Feira já contava com aproximadamente 200 expositores.
Em 2018 a feira foi reconhecida como patrimônio imaterial de Curitiba pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural: “O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”, segundo o site do governo federal.
HISTÓRIAS E RETRATOS
Buscando uma forma de homenagem, a antropóloga e produtora cultural Luana Camargo, de 31 anos, lançou em dezembro de 2022 o livro “Histó-
rias e Retratos da Feira do Largo da Ordem”, no qual conta as histórias de famílias que transformaram a feirinha em sua segunda casa. A obra, parceria entre a Flutua Produções e Canô Produções, é um conjunto de pesquisas e teorias, narrativas e histórias, pessoas e imagens, com participação da fotógrafa Carol Castanho e da historiadora Soraia Gatti. O livro está disponível gratuitamente na versão e-Book, além dos 1.000 exemplares físicos.
A autora conta que, desde nova, frequenta o ponto turístico ao lado de sua família, guarda com carinho as lembranças da infância e cria novas sempre que possível. “Acho que todo curitibano tem alguma memória afetiva na feirinha, é quase uma regra”, diz a escritora, com algumas risadas.
Luana ainda fala que seu objetivo ao escrever o livro era, principalmente, dar voz e visibilidade aos feirantes e que de alguma forma conseguiu se conectar com cada um que teve contato. “São cerca de 1.300 indivíduos que lutam dia após dia, domingo após domingo, para manter a feirinha em pé e funcionando. Há vida naquele lugar.” Recentemente, a versão em quadrinhos animados do livro também foi lançada, ilustrada pela quadrinista e pesquisadora Raphaela Corsi.
Ainda nas comemorações dos 330 anos da capital paranaense, o Museu da Fotografia da Cidade de Curitiba (anexo ao Solar do Barão) colocou em exposição as ilustrações de Carol presentes no livro. A exposição é gratuita e estará disponível para visitação até o dia 7 de maio. Seu horário de funcionamento é de terça a sexta, das 9h às 18h, e sábados, domingos e feriados das 12h
40
revistacdm | economia
“A Feira do Largo está entre as tres principais feiras de artesanato ao ar livre do Brasil, junto com a Afonso Pena, de BH. ”
às 18h. A curadoria foi realizada pela produtora cultural Lu Berlese.
A fotógrafa conta que não esperava que seu trabalho chegasse até o Museu e que foi uma grande realização profissional e pessoal. “A gente espera e trabalha para chegar longe, mas quando de fato acontece é até difícil de acreditar, espero poder voltar muitas outras vezes”.
A Feira do Largo está entre as três principais feiras de artesanato ao ar livre do Brasil, juntamente com a Afonso Pena, localizada em Belo Horizonte, e a Benedito Calixto, em São Paulo. Indo além do artesanato, em Curitiba há cerca de outras 80 feiras livres que comercializam hortifrutigranjeiros, massas, pescados, cosméticos, brinquedos, cereais, frios, orgânicos, entre vários outros produtos.
NOS DIAS ATUAIS
Em média 25 a 30 mil pessoas visitam as feiras todos os domingos, com mais de mil expositores, entre artesanato, artes plásticas, coleccionismo, antiguidades e gastronomias. Todo o entorno do Largo da Ordem fica movimentado aos domingos de manhã trazendo vida ao Centro Histórico, bares, restaurantes, lojas e estacionamentos que ficam lotados.
Segundo Emi Luane de Andrade, do Instituto Municipal de Turismo de Curitiba, o que agrada os turistas em suas visitas é a diversidade de culturas.
“Curitiba tem raízes nos imigrantes ucranianos, alemães, poloneses, italianos, portugueses, africanos, japoneses e tantos outros, como os próprios índios que já habitavam nossas terras, e fazem do nosso artesanato tão rico e diversificado. Prezando sempre pelo produto autoral e manufaturado, a feira traz técnicas antigas e novas técnicas que surgiram a partir do aprimoramento, que gera sustento de várias famílias. Sendo assim, hoje a feira é coordenada pelo Instituto Municipal de Turismo por entendermos com todas as vertentes que a mesma é uma produção associada ao turismo e que agrega ao destino Curitiba e ao Centro Histórico da Cidade.”
Veja também
Saiba mais feiras de artesanato e culinárias em Curitiba e confira os horários de funcionamento portalcomunicare.com.br
A feirinha da praça Osório e da praça Santos Andradeabriga as feiras especiais com quatro edições especiais por ano: as de Páscoa, Inverno, Primavera (também conhecida como a da Criança) e a feira especial de Natal. Os horários de funcionamento variam, mas a feira acontece geralmente de terça a sábado e o horário varia de acordo com a com a estação. Há muitas possibilidades de comprar lembrancinhas e se alimentar nas banquinhas gastronômicas.
41
Conheça sobre outra feira muito famosa em Curitiba
Feirinha da Osório
Curitibanos e turistas visitando a feirinha no domingo
economia | revistacdm
Divulgação/ Prefeitura de Curitiba
O império Madalosso
Oreconhecimento da grandeza do sobrenome Madalosso não é novidade. E isso se comprova com os 6.000 mil clientes que visitam o local todo final de semana. Além do título de maior restaurante das Américas pelo Guinness Book de 1995, o Madalosso conta com um total de 4.600 lugares e 120 garçons.
A comemoração do aniversário de 60 anos teve início no dia 4 de abril, com uma degustação das estrelas da gastronomia curitibana e do Paraná. O restaurante surgiu de uma família imigrante italiana e a necessidade de sair da pobreza, assim como boa parte dos primeiros habitantes de Santa Felicidade. Após algumas tentativas de negócios que falharam, foi nas raízes de seu país natal, a Itália, que a família Madalosso encontrou a felicidade, o sucesso e construiu um império que conta com quatro restaurantes sob o nome Madalosso, em sua maioria
Da esquerda para direita, Carlos, Flora e Severino, os irmãos Madalosso.
revista 42
Um dos grandes nomes da gastronomia curitibana comemora 60 anos em 2023 e está localizado em um dos bairros mais tradicionais da capital do Paraná
Reproducão/Arquivo Madalosso
| gastronomia
Annelise Mariano Gabriela Alves Pietra Gabiatti 5º Período
localizados em Santa Felicidade, e outros estabelecimentos que são ligados ao nome apenas, como o mais novo Trolha, de Beto Madalosso.
Com a evolução de seu cardápio, a família teve uma preocupação que condiz muito com a tradição e a essência do bairro de Santa Felicidade nos dias de hoje: manter a cultura italiana, mas adaptá-la com um toque “abrasileirado”. Os típicos pratos que deram fama ao restaurante em seu início, a polenta cremosa, o frango ensopado e a salada de radite, foram substituídos pela fritura que o brasileiro ama, como a polenta em cubos frita e o frango à passarinho.
Esse cardápio se tornou uma marca não somente para os amantes da comida feita pela família Madalosso, mas também para a concorrência e para os moradores do bairro. “O que em outros bairros o frango assado e a costela
O próprio neto da família, Vinicius Madalosso, considera que essa influência sobre outros restaurantes da região foi extremamente positiva. “O famoso frango com polenta, com a mesma linha de rodízio de massas está presente em outros restaurantes de Santa Felicidade. Como o Madalosso foi o primeiro, dando início a essa onda, essa foi a grande influência no bairro. Se o bairro de Santa Felicidade hoje é um bairro conhecido pela gastronomia, é por conta do Madalosso que inspirou isso a outros restaurantes.”
A professora docente do curso de História na PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), com especialização em História da Alimentação e Patrimônio Alimentar, Maria Cecília Pilla explica como a tradição se cria através da comida. “A tradição não é imóvel, ela está sempre em construção, mas mantém sua origem. No caso do Madalosso, a polenta e o frango
é a comida típica comercializada no domingo, quando a preguiça de cozinhar bate, em ‘Santa’ é a polenta, o frango à passarinho e o risoto”, comenta Laura Manfron, estudante de Engenharia Elétrica que morou em Santa Felicidade durante toda sua infância e adolescência. Sua família sempre residiu na região e reside até hoje.
Stephanie Mueller, também estudante de Psicologia e moradora do bairro, confirma essa tradição de fim de semana e a expansão por toda a capital paranaense. “É comum o costume das pessoas almoçarem nos restaurantes Madalosso aos domingos, mas acredito que essa não é mais uma prática somente dos moradores de Santa Felicidade, e sim de Curitiba como um todo”, enfatiza a jovem.
são grandes referências. Com os anos, o cardápio foi aumentando, de acordo com as experiências daquela família e foi sendo moldado de acordo com o que dava certo com o cliente ou não, mas uma coisa sempre se mantém, que é: independentemente da mudança que houver, o cliente sempre saberá que determinados pratos ele com certeza vai encontrar no Madalosso”, explica a especialista.
As tradições são fortes e valiosas para os moradores de Santa Felicidade, graças à própria origem do bairro que se deu em um período do Brasil, no fim do século XIX, onde havia muitas terras vazias e incentivo à agricultura. Por isso, as terras brasileiras se tornaram refúgio para tantos imigrantes buscando novas
43
“A nossa tradição como família não começou no restaurante, mas na nossa mesa. O jeito de comer, de falar e de viver italiano com muita união entre nós.”
gastronomia | revistacdm
Vinicius Madalosso, neto de um dos fundadores
oportunidades para a família, como era o caso dos italianos.
Com o clima similar ao europeu e com o desejo de ter a própria terra e um espaço para chamar de seu, os italianos, em sua maioria vindos de Trento e Vêneto, e conhecidos pela produção de queijo e vinho, se estabeleceram na região de Curitiba que antes se chamava Taquaral.
O nome surgiu porque Felicidade Borges, uma das imigrantes recém-chegada na cidade, possuía muitas terras e as doou para que seus irmãos, Arlindo e Antônio, vendessem para outros imigrantes que chegavam. Por isso, batizaram o bairro de Santa Felicidade, em homenagem à irmã e à fé dos italianos.
Com toda essa origem, a gastronomia e a arquitetura – como por exemplo na Igreja Matriz, que segue um padrão arquitetônico do país europeu – seguiram os padrões italianos, tornando o local um grande ponto turístico da cidade – chamada de pedaço da Itália no Brasil.
Por isso, a agricultura, a culinária, mas também o dialeto e a música se preservaram nas famílias como nas das estudantes Laura e Stephanie. Algo que é visitado e contemplado por toda Curitiba nas Festas da Uva, por exemplo, e estampado em uma grande vitrine para os curitibanos
com a grande fama que o Restaurante Madalosso conquistou.
Segundo Laura Manfron, por ser um bairro pequeno, de apenas 12,27 quilômetros quadrados, é comum que todos se conheçam pelos nomes de família. “Quando você encontra alguém e diz seu nome, é comum que a outra pessoa pergunte qual é seu sobrenome e, a partir dele, ela já reconhece quem é sua família”, conta.
Essa familiaridade presente no bairro foi a essência de como o Madalosso surgiu e se estabeleceu na cidade. Maria Cecília Pilla explica que “não basta servir comida boa para a gastronomia influenciar um local, tudo leva a crer que a influência [dos Madalossos] começou lá atrás porque a família era simpática. Precisa ser regado por afeto, conforto e, em uma soma de coisas, ter uma comida simples capaz de agradar a todos”.
Para Vinicius Madalosso, esse foi o principal motivo do êxito de seus avós na construção do Império. “A aceitação que o público deu para o restaurante foi porque ele sempre teve essa característica de uma comida muito caseira, então as pessoas se sentem muito em casa aqui [no restaurante]. Essa receita, e não falo só de comida, mas da perspectiva de negócio e empreendimento, funcionou e continua funcionando muito bem”, ressalta o descendente de italiano.
Restaurante Velho Madalosso, aberto no ano de 1963 e continua com suas tradiçoes até os dias de hoje.
revista 44
| gastronomia
Pietra Gabiatti
Ele conta que, ao longo da história da família, a cultura brasileira também foi importante para conseguirem se estabelecer. Os costumes brasileiros e italianos nos toques calorosos, na valorização familiar e na comida como centro de uma boa comunhão, são coisas que unem ambas as culturas. “Não perdemos a essência da cultura italiana, mas todos meus parentes hoje são brasileiros. Portanto, unimos, em nossos costumes, o melhor das duas origens e passamos isso para o restaurante. Acho isso muito legal”, conta com orgulho.
lecimentos gastronômicos em Curitiba comandados por quatro gerações.
“Eu acho que pode enganar pelo tamanho mas, por ser um restaurante que atende mais de quatro mil pessoas, a gente ainda conseguiu manter essa intimidade com o cliente, de passar as tradições da nossa família para frente, de fazer com que o cliente se sinta da família, fazer com que o colaborador se sinta parte da família. Independente do tamanho do restaurante, não perdemos essa coisa. Eu acho que a gente teve muito sucesso com isso”, conta Vinicius.
Vinicius, descendente de Severino Madalosso
E, assim como grande parte das famílias italianas imigrantes se apossaram das terras vazias e fizeram seu lar, com a junção dos valores, cultura e afeto pela culinária, a família Madalosso se apossou do título de restaurante italiano referência de Santa Felicidade e do Paraná. Atualmente, fundaram o maior restaurante da América Latina e tem outros estabe-
Faça você mesmo
Do Madalosso para a sua família: faça em casa a famosa polenta do restaurante italiano portalcomunicare.com.br
45
“No fim das contas, quando você fala do Madalosso você está falando de família, de tradição, de acolhimento. É sinônimo de tanta coisa, mas eu diria que família. Família é um bom meio de definir.”
Obra de construcão do Restaurante Madalosso em 1970.
gastronomia | revistacdm
Reproducão/Arquivo Madalosso
Pinheirão: entre a nostalgia e o abandono
O Pinheirão hoje encontra-se adormecido em meio ao abandono e à deterioração
46
Nome fotógrafo revistacdm | esportes
Adriano Sirius, Amanda Gabrielle e Marina Geiger
Oque era um sonho, hoje não passa de um abandono. O Pinheirão, grande projeto do futebol paranaense, começpu a ser planejado na década de 50, com o centenário da emancipação política do Paraná. O primeiro projeto previa a sua construção na Praça Rui Barbosa, no centro de Curitiba. Anos mais tarde, a Prefeitura Municipal de Curitiba doou o terreno localizado no bairro Tarumã para a FPF (Federação Paranaense de Futebol). No projeto inicial, o Pinheirão seria o segundo maior estádio do Brasil, atrás apenas do Maracanã.
receber grandes públicos. O jornalista esportivo Marcos Assef comenta: “Hoje se adota uma filosofia de locais menores e mais confortáveis.
Marco Antonio Assef trabalhou no Pinheirão durante toda a sua existência: na inauguração no ano de 1985 e acompanhou o seu fechamento. Ele comenta que o estádio sempre teve estrutura precária para aqueles que
Marco Antonio Assef, jornalista
Nunca chegou a ser, mas foi palco de grandes eventos em Curitiba. O tempo passou, o projeto não saiu do papel e no início da década de 70, voltou-se a falar nele. O então presidente da FPF, José Milani, deu início às obras em terreno doado pela prefeitura de Curitiba. Não conseguiu concluir. O projeto inicial era para mais de 180 mil pessoas. A partir de 1985, Onaireves Moura, presidente da Federação Paranaense de Futebol, conseguiu fazer o estádio funcionar de forma precária, como, aliás, funcionou até o fim dos seus dias.
Até algumas competições de atletismo chegaram a ser disputadas lá. O Pinheirão representava um momento da história esportiva de Curitiba, do Paraná e do Brasil que visava a construção de estádios com capacidade para
lá trabalhavam. “As cabines de imprensa eram distantes do campo de jogo, eram pequenas e mal-acabadas. Lembro-me que embaixo do estádio tinha uma fonte de água, um rio, que nos dias de muita chuva fazia os acessos dos vestiários ao gramado ficarem alagados. Segundo o jornalista, eram cenas grotescas que não se admitem no esporte profissional. “Nos tempos em que as rádios usavam fios para as transmissões dos jogos, nas partidas em dias de chuva, quando aconteciam raios e relâmpagos, os repórteres sofriam com choques elétricos. Em diversas situações, trabalhar no Pinheirão era uma atividade insalubre” - completa. Assef também comenta que, mesmo durante a vida útil do do Pinheirão como estádio de futebol, era uma luta para que os clubes usassem o campo e que, na opinião dele, hoje não há mais o que fazer com o estádio em relação à disputa de jogos de futebol.
47
“
Em diversas situações, trabalhar no Pinheirão era uma atividade insalubre.”
esportes | revistacdm
Amanda Gabrielle dos Santos
O local pertence à iniciativa privada e o proprietário não parece ter pressa para fazer algo no local. Para se tornar um bom estádio, seria necessária reconstruí-lo nos moldes atuais. Além disso, também não seria tão viável a sua utilização para os três principais clubes da cidade: Athletico, Coritiba e Paraná Clube. “Hoje em dia, acho que apenas o Coritiba poderia pensar em utilizar o Pinheirão, algo que nunca fez enquanto ele existiu. O Athletico construiu seu estádio moderno e o Paraná Clube não tem mais capacidade financeira de realizar qualquer projeto e luta pela sua sobrevivência. O Coritiba tem um estádio confortável, mas envelhecido. A construção de um novo estádio, no local onde hoje estão as ruínas do Pinheirão, seria uma alternativa interessante, desde que o clube busque um investidor para a obra, que é muito cara”, afirmou Assef. Ainda, segundo o jornalista, a derrocada do Pinheirão foi resultado de um descaso e má gestão da FPF, que não soube administrar seu patrimônio.
Além do descaso e má gestão da Federação Paranaense de Futebol, mencionados por Marcos Assef, o Pinheirão enfrentou vários problemas ao longo dos anos que contribuíram para a sua queda. Com o passar dos anos, o estádio passou a apresentar problemas estruturais e de conservação, como rachaduras, infiltrações e problemas na cobertura. A falta de investimentos em manutenção e reformas acabou levando à degradação do estádio, que era de propriedade do governo do estado do Paraná. Problemas de ordem ambiental também foram decisivos no rumo da história do estádio. O Pinheirão foi construído em uma área de preservação ambiental, o que dificultava a realização de obras e reformas no local.
A ÉPOCA DE OURO DO PINHEIRÃO
O auge da história do Pinheirão foi na década de 1990, quando o Paraná Clube passou a utilizar o estádio como sua casa. Nessa época, o tricolor viveu a sua fase mais vitoriosa, conquistando títulos como o Campeonato Brasileiro da Série B de 1992 e os títulos estaduais de 1991, 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997. Além disso,
o Pinheirão sediou vários jogos importantes do Campeonato Brasileiro e também recebeu partidas internacionais, como jogos das eliminatórias da Copa do Mundo e amistosos de seleções estrangeiras.
O Paraná Clube continuou sendo um time forte no início dos anos 2000 e, mesmo sem o mesmo brilho e sucesso que teve na década anterior, foi o grande responsável pelas últimas grandes festas que o estádio viveu em sua história. A última taça levantada pelos tricolores foi no Pinheirão, em 2006. André Guilherme Moreira Lopes, um engenheiro civil de 26 anos que tem uma história pessoal com o estádio, uma vez que foi lá que assistiu a seu primeiro jogo de futebol, quando tinha apenas 6 anos. Para ele, o Pinheirão traz à mente lembranças de bons momentos em família.
“Para mim, o momento mais marcante quando lembro do Pinheirão é o título conquistado pelo Paraná em 2006. Ganhamos a partida de ida pelo placar de 3 a 0, mas no Pinheirão começamos atrás no placar. O gol de empate, marcado pelo Marcelinho, foi muito especial porque ele era amigo do meu pai” - disse. Assim como Marcos Assef, André também acredita ser difícil que algo seja feito no estádio para que ele volte a ter a mesma utilidade de antes e diz que, se tivesse a oportunidade, faria de tudo para que o Paraná pudesse voltar a mandar seus jogos no estádio.
descaso com o estádio, que já foi um dos mais importantes do país.
48
Amanda Gabrielle dos Santos
revistacdm | esportes
A má conservação da cobertura reflete o
INÍCIO DO SONHO
A Revista Cultura ideias e Debates, publicada pela Secretaria da Cultura e do Esporte do Paraná, recordou algumas reportagens que marcaram o início do sonho do Estádio Pinheirão. Em outubro de 1971, o órgão mensal da FPF publicou que a construção do estádio permitiria que o Paraná sediasse as chaves de classificação da Mini-Copa, competição que congregaria as grandes seleções futebolísticas do mundo, como homenagem aos 150 anos da Independência do Brasil.
Porém, em 22 de junho de 1971, o “Diário Popular” publicou uma reportagem sob o título “Escândalo do Pinheirão”, denunciando o interesse financeiro envolvido na construção do estádio. A reportagem afirma que José Milani, presidente da FPF à época, não abandonaria sua clínica dentária, que seria seu sustento, para se dedicar às 24 horas apenas em prol do estádio. O texto ainda diz que os clubes estavam em pé de guerra por causa de tantas marmeladas e que uma intervenção do CND poderia surgir a qualquer momento.
Em 17 de junho de 1973, a “Gazeta do Povo” publicou um anúncio da Mercado S/A Promoção e Assessoria de Vendas, Comissão de Construção do Estádio do Paraná e Federação Paranaense de Futebol, prometendo uma “fábrica de gols” no Pinheirão. O objetivo era vender cadeiras no estádio, mas a promessa leviana de uma fábrica de gols enganou os interessados e esportistas. O anúncio dizia que quatro mil torcedores já haviam garantido seus lugares na “grande fábrica de gols”, que começaria a produzir naquele ano e que já havia dado lucro de 100% para os primeiros investidores. Ainda afirma que o ano de 1973 já esta longe, e a “fábrica de gols” não deve ter saído da cabeça do Sr. José Milani.
A trajetória do Estádio Pinheirão é marcada por reportagens que evidenciam as dificuldades e escândalos enfrentados em sua construção. No entanto, apesar desses obstáculos, o estádio tornou-se um marco para o futebol paranaense, sediando importantes eventos esportivos ao longo dos anos. A Revista Cultura ideias e Deba-
tes presta uma homenagem à história do Pinheirão e recorda as reportagens que marcaram sua trajetória inicial, que já começou de forma sofrida.
O Pinheirão, apesar de desamparado desde seu início, é importante para a história do futebol de Curitiba. Os três clubes da cidade já mandaram jogos lá, e muitos torcedores têm boas memórias de jogos importantes e emocionantes no estádio. Para André Guilherme Moreira Lopes, um jovem engenheiro civil de 26 anos, o Pinheirão é especialmente associado ao Paraná Clube, já que foi lá que o clube viveu sua época de maior sucesso, incluindo a conquista do título paranaense de 2006.
O Estádio do Pinheirão é um local que carrega um valor inestimável para uma parte dos moradores de Curitiba. Para André, representa uma história pessoal única e emocionante. Foi no Pinheirão que ele assistiu ao seu primeiro jogo de futebol com seus pais, quando tinha apenas seis anos de idade. Desde então, o estádio se tornou um lugar de lembranças e de momentos felizes em família, que carrega emoções e experiências inesquecíveis.
Apesar das tentativas de realizar uma entrevista, o Grupo Destro Macro, que pertence ao João Destro, empresa responsável pelo estádio do Pinheirão, optou por não se pronunciar sobre a situação atual do estádio abandonado. Assim como não autorizaram que fotografássemos dentro do estádio.
Entre o saudosismo das memórias que o local carrega, e o desamparo imemorial, a vegetação que surge em vida do subsolo, em volta do estádio, anuncia a morte do sonho curitibano.
Veja também
Documentário produzido pelos jornalistas
Daniel Malucelli, Gabriel Sawaf, Hélcio Weiss, Leonardo Dulcio, Natália Moraes e Pedro Melo, egressos da PUCPR, conta a história do estádio por meio de relatos de ex-jogadores.
49
esportes | revistacdm
Monumento ao Papa João Paulo II, conhecido como Bosque do Papa.
Curitiba e a imigração: 330 anos de contradições
Curitiba mantém viva sua narrativa como uma encruzilhada amigável de povos, mas essa narrativa não existe sem obstáculos.
João Américo, João Caetano, José de Souza - 5° período
revistacdm | sociedade 50
Em meio à corrida do ouro que chacoalhava o império lusitano, milhares de portugueses migraram para terras tupiniquins em busca de fortuna e glória no garimpo criando pequenos assentamentos que se fundiam em colônias, assim nasceram dezenas de cidades mineradoras brasileiras como Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais, porém muitas dessas expe-
dições nenhum ouro encontraram e tais assentamentos precisavam de novas formas de atividade econômica. Uma dessas cidades “fracassadas” foi Curitiba, fundada em 1693 por colonos portugueses em terras indígenas.
Curitiba encontrou sua atividade econômica mais valiosa no comércio e o reabastecimento de caravanas comerciais e de tropeiros vindos do Sudeste e Centro-Oeste em direção ao Sul (em especial o Rio Grande do Sul). Essa diversidade de viajantes, que poderiam ser gaúchos, hispânicos ou lusitanos, e filhos de portugueses com outros povos, vindos das mais diversas províncias com costumes alienígenas até mesmo para seus conterrâneos. Assim veio o embrião para a cultura de integração migratória curitibana.
Essa cultura vem a se desenvolver de forma mais internacional no séc. XIX com a vinda de imigrantes da periferia europeia como Itália, Alemanha, Polônia e Ucrânia(na época eram parte da Rússia, Áustria e Alemanha), que vinham em busca de uma vida melhor.
A onda de imigração e seu impacto cultural pariu bairros e monumentos famosos da cidade como o Memorial Ucraniano, o Bosque João Paulo II e a clássica arquitetura do bairro de Santa Felicidade. O impacto econômico foi significativo com empresas de famílias vindas dessa imigração como os Essenfelder e os Madalosso.
A Coordenadora do Centro Estadual de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas, Rosana Rodrigues, explica os principais motivos dessas ondas: “A maioria dos auxiliados são de países em situações de crise, sendo guerras, economia fragilizada, tragédias ambientais.”. Ela também frisa a necessidade de apoio para pessoas que passaram pelo trauma de deixar o seu país em busca de uma vida melhor: “Quando eles (imigrantes) acabam de chegar, é um choque muito grande, por conta do idioma, da cultura. Demora um pouco para se ambientarem. O fator cultural dificulta muito para eles, mexe muito com a emoção, de deixar um país e a família para trás.”
César Bueno, historiador
Rosana está no CEIM(Centro Estadual de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas) desde 2016, quando o órgão foi fundado pelo governo estadual do Paraná para auxiliar o processo de integração e defesa da população migrante em Curitiba, Rodrigues explica qual a função do órgão: Nossos serviços são regularização documental, solicitação de refúgio, encaminhamento a escolas e creches, acompanhamento psicológico, entre outros. O CEIM também faz a ponte para imigrantes praticarem cursos e outras atividades pagas, cobrindo os gastos para facilitar para essas pessoas.”. Segundo dados do órgão(atualizados em 2022), o CEIM atendeu 28.483 pessoas em 7 anos, com uma equipe de 10 pessoas, realizando 6.004 novos atendimentos e 3.751 novos cadastros de migrantes só no ano passado(2022). A maior parte destes imigrantes não veio de além-mar, mas da América Latina, 72,2% deles vieram por terra e aproximadamente 86% destes mais de 28 mil migrantes vieram de Venezuela, Haiti e Cuba, sendo 58,6% deles venezuelanos. O órgão porém não age no vácuo, outras
51 sociedade | revistacdm
“Tem diferentes razões para uma onda de imigração. Um país pode estar em uma situação de guerra é algo muito comum.”
instituições civis e internacionais também auxiliam e prestam ajuda a imigrantes como instituições parceiras como a Cáritas, ONG Irmandade Sem Fronteira, a Pastoral do Imigrante em Santa Felicidade e até a Organização Internacional de Migrações(OIM).
Alguns desses migrantes contam como foi a sua trajetória até a cidade, seus motivos e expectativas. Como o venezuelano Nelvinson Jesus Hernandez, 39 anos, residente na cidade há 4 anos, na sua visão Curitiba é uma terra de oportunidades: “aqui tem muita oportunidade de trabalho como técnico, repositor, operador de caixa, auxiliar de cozinha, tem muitas opções”
Para Samer Dorilo de Jesus, 20 anos, residente na cidade há duas semanas(19/04), as oportunidades vêm mas é necessário discernimento para não terminar somente realizando trabalhos braçais “Muitas oportunidades de trabalho, mas tem que olhar bem, porque tem que escolher a melhor opção para você. Alguns trabalhos exigem muito”, ele compara essas oportunidades com as que encontrava em seu país de origem, a Venezuela: “Na minha cidade tinham poucas oportunidades de emprego, e os que tinham, pagavam uma miséria”
Nelvison completa essa fala com um quadro geral da situação do país caribenho: “ Passamos por uma hiperinflação de mil por cento, o preço das coisas será diferente daqui a 10 minutos do está agora, estará mais caro, os trabalhos pagam mal, não dá para comprar nada.”
Segundo Rodrigues muitos desses imigrantes necessitam de proteção e auxílio em se estabelecer: “Xenofobia acontece com frequência, por conta do idioma, da nacionalidade, por medo de tomar o emprego de alguém que é nativo.” ela compara isso com o resto do país por ser uma contradição, visto que, segundo o Instituto Ipsos, no ano de 2022, 86% dos brasileiros apoiavam o direito a refúgio “O curitibano, em grande maioria, não aceita que venham imigrantes para cá, embora seja um país acolhedor. Percebemos que no dia a dia eles sofrem bastante” e completa: “A não aceitação do
outro, que tem exatamente os mesmos direitos que os brasileiros, como SUS, escola, creche. Por isso muitos escolhem vir para cá, por ser um país que respeita os direitos humanos”
No fim do século XIX e início XX, vieram outros povos de origem não europeia(principalmente da Ásia), causando uma certa estranheza entre os nativos e os novos imigrantes. De acordo com o professor de Ciências Sociais e Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, César Bueno de Lima isso é algo comum: “Geralmente o processo de imigração impõe uma relação de estranhamento com um povo diferente com costumes e crenças diferentes.”. Isso também é agravado pelo eurocentrismo que existe em Curitiba. “Curitiba é uma cidade seletivamente mais aberta à cultura europeia. E ocorre intolerância e afastamento quando o imigrante não apresenta o biotipo que a população se identifica”, diz. Esse estranhamento viria a causar muitos problemas no futuro da cidade.
FERIDAS DO PASSADO
Em 1959 durante o governo Kubitschek, o governador do Paraná Moisés Lupion decidiu iniciar uma campanha de arrecadação tributária conhecida como “Seu Talão Vale um Milhão”, em que se o consumidor reunisse notas fiscais no valor de 3 mil cruzeiros poderia trocar as notas por um cupom com direito a um sorteio com um prêmio no valor de 1 milhão de cruzeiros.
No dia 8 de dezembro o subtenente da Polícia Militar Antônio Tavares decidiu comprar um pente do comerciante libanês Ahmed Najar, no Bazar Centenário próximo a Praça Tiradentes, no centro de Curitiba.
Tavares comprou o pente no valor de 15 cruzeiros e exigiu de Najar a nota fiscal para o cupom do sorteio, Najar se recusou a fazê-lo, e tanto o comerciante e o PM se exaltaram e partiram para agressão física. O policial se feriu e esse evento foi o gatilho para uma revolta popular contra as propriedades no bazar. Os populares se armaram com quaisquer objetos que possuíam
| sociedade
e partiram para cima de todos os comércios que viam pela frente, fossem eles de judeus, italianos e até mesmo de nativos. Mas atacavam principalmente os estabelecimentos árabes vistos como responsáveis por aquilo.
Os vândalos destruíram a loja de Najar e de outros, além de agressões contra os lojistas gritando frases nativistas e xenofóbicas. Essa revolta e pilhagem perduraria por três dias, quando as forças de segurança da cidade com apoio do Exército e de seu arsenal conseguem dispersar a turba, o dano, porém, já havia sido feito.
Essa reação popular pode ter sido causada em muito pela situação vivida na época: projetos desenvolvimentistas endividando o país e inflação em alta. Muitos nativos da cidade descarregaram suas frustrações nos imigrantes e seus comércios- “Quando você tem um imigrante vem para um país e esse país também está em crise, seja ela política e/ou econômica, principalmente na questão do trabalho, essa recepção não é positiva, porque cria-se um senso comum de que os imigrantes vem para roubar os trabalhos dos nativos “, diz Bueno
Apesar disso, 64 anos depois, Curitiba conseguiu uma pluralidade e um multiculturalismo que ocupa espaços que eram antigamente eurocêntricos, com seu impacto cultural sendo finalmente demonstrado.
Exemplos disso são a Praça do Japão, a Mesquita Imam Ali ibn Abi Tálib(Mesquita de Curitiba), o Memorial Árabe e o Memorial Africano. Segundo Bueno, esse processo é gradual e natural em uma metrópole: “O crescimento da cidade traz a diversidade, de costumes, cores e raças. Torna-se um polo atrativo de imigrantes. Curitiba não foge à regra, sendo uma cidade importante do ponto de vista econômico e estratégico. Essa plurinacionalidade tende-se a firmar ao longo do tempo”.
Para a estudante sul-mato-grossense, neta de imigrantes palestinos, Rana Ady, de 19 anos, que reside na cidade há um ano, essa diversidade cultural é positiva: “Acho que as pessoas estão muito mais abertas, com religiosida-
des, crenças e costumes de outras culturas. Hoje em dia é até mal visto preconceitos com outras formas de pensamentos e costumes.”, diz a estudante. “ Os centros culturais árabes são muito respeitosos e muito importantes para a diversidade da cidade. Enriquece muito a questão cultural de Curitiba “, completa.
Dorilo, relata um pouco como foi esse contato pluricultural que teve ao chegar na metrópole: “Vi uma cultura muito mista, tem muitas etnias diferentes, e tem uma integração, as culturas se integram em uma, a brasileira.”
Porém Bueno explica as falhas da ideia de globalização: “Globalização é seletiva. Ela produz diferentes tipos de cidadania. Se você tem uma boa formação, fala inglês, trabalha, é considerado um cidadão de primeira classe. Agora um haitiano, venezuelano ou colombiano que não tem esse capital intelectual, acadêmico e material vai sofrer um processo de exclusão, seja social, econômica, cultural e assim por diante”.
Na visão de Nelvison, marido de Rosana, a capital paranaense é seu lar atual sem uma expectativa de saída no futuro próximo: “O destino é incerto, mas por enquanto quero ficar em Curitiba”, quando perguntado sobre como seria ter filhos em Curitiba ele riu timidamente e disse: “Meus filhos seriam brasileiros e curitibanos, com a cultura venezuelana dentro deles”.
O jovem Samer também tem suas expectativas de futuro na cidade: ”Planejo ficar aqui, bom clima, inúmeras boas oportunidades”.
Leia mais
Veja de onde vieram as ondas migratórias para Curitiba em nosso site
portalcomunicare.com.br
sociedade | revista
O calçadão modelo de Curitiba
Da Boca Maldita a Universidade Federal do Paraná, a Rua XV de Novembro é um dos principais marcos urbanistas da história de Curitiba
Enrique Ceni
João Vitor Luchesi
Vitor Marcolini
| cidades
ojovem jornalista, Raul Urban, formado na PUCPR na turma de 1970, estava presencialmente em um dos grandes momentos da Rua XV de Novembro. No dia 19 de maio, o redator do Diário de Paraná tinha a impressão que algo estava prestes a acontecer, mas não tinha ideia que ficaria marcado como o começo da revitalização da principal via pública de Curitiba. “Eu cobria a parte da prefeitura no jornal, e naquele dia tive a impressão de que Lerner ia falar alguma coisa. Liguei para o gabinete, falaram que estava tudo normal, que não havia nada. Eram 3 horas da tarde, quem cobria a prefeitura sempre sabia que tinha alguma coisa acontecendo. Fui encontrar minha turma em um bar e pouco depois comecei a escutar um barulho na rua: eram caminhões da
prolongamento na Rua das Flores. Os moradores da região pediram à prefeitura de Curitiba um acesso direto à região da Matriz, logo após foram feitas mais duas extensões, ambas com o alvará da prefeitura, uma delas na Rua da Assembleia, e a outra, no início de onde seria a Praça Santos Andrade.
Nas últimas décadas do século XIV, a cidade assistiu à introdução de uma série de melhoramentos e novos equipamentos urbanos. A Rua das Flores foi a primeira a ser calçada, além de contar com iluminação de lampiões a gás. Na época, também foi construído o Teatro São Theodoro, nome dado em homenagem a Theodoro Ébano Pereira, no terreno em que hoje está localizada a Biblioteca Pública do Paraná.
prefeitura, descarregando petit-pavê”, conta.
Antes de virar o calçadão mais famoso do Brasil em 1972, a antiga Rua das Flores ganhou esse nome em homenagem ao espírito republicano. Baseado em ideais anti-monarquistas, este famoso ponto turístico curitibano foi batizado em homenagem à Proclamação da República no fim do século XIX. Inicialmente, de 1850 a 1880, era conhecida como Rua das Flores, porém em 1880, após uma visita da família real a Curitiba o nome foi mudado para Rua da Imperatriz, como uma forma de homenagear a coroa. Contudo, nove anos depois, em 1889, com a Proclamação da República, o nome atual foi definido e a Rua XV de Novembro nasceu.
SÉCULO XIV: O iNÍCIO
Por volta de 1860, houve o primeiro
Na primeira década do século XX, já nomeada como Rua XV de Novembro, o automóvel passou a frequentar a rua, gerando um curioso conflito com os proprietários de carros com tração animal. Como os automobilistas costumavam estacionar seus veículos em plena Rua XV, em lugar exclusivo, na frente do Café Mignon, os proprietários das charretes passaram a estacionar em fila, do lado oposto da rua, onde recolhiam e deixavam passageiros. O movimento foi pacífico, mas foi tanto o incômodo por ambos os lados que precisou da intervenção de policiais, gerando a proibição de estacionar no local.
ANOS 20, 30 E 40: O AUGE
Nas décadas de 1920, 30 e 40, o censo apontava a cidade de Curitiba com mais de 78 mil pessoas e a partir deste período a Rua das Flores viveu o seu auge. Com uma passarela bela e elegante, a XV deu vida para a capital paranaense, principalmente, graças às gestões dos prefeitos Cândido Abreu e Moreira Garcez. A Rua XV e a Barão do Rio Branco foram alargadas, o centro foi pavimentado com paralelepípedos
cidades | revistacdm 55
“Eram caminhoes da prefeitura descarregando petit-pavê.” Raul Urban, jornalista.
e as calçadas foram revestidas com Petit Pavê, e assim, a antiga Rua da Imperatriz finalmente trazia uma segurança e comodidade para seus frequentadores. Graças a estas reformas na principal rua de Curitiba, o coméricio em volta pode se desenvolver.
Abrem-se Lojas de Artigos Femininos e Masculinos, expostas em grandes vitrines. Os primeiros cafés e bares são inaugurados no Centro, onde foram palco para diversas discussões políticas e reunião dos principais intelectuais da cidade. Além das centenárias confeitarias e restaurantes que ainda mantiveram o mesmo bom nível até hoje. Caso da Confeitaria das famílias, estabelecimento fundado em outubro
Os principais prédios históricos da região também foram construídos durante este período. Em 1929, o Palácio Avenida, localizado na Avenida Luis Xavier, foi erguido pelo imigrante e empresário Sirio Libanes, Feres Merhy, para ser um imponente complexo de 18 mil metros, completamente revolucionário para a época. Atualmente e desde 1991, o banco Bradesco é o proprietário do local. Antes mesmo do palácio Avenida, a Universidade Federal do Paraná, sede na Praça Santos Andrade, foi construída 17 anos antes, em 1912. Considerada a universidade mais antiga do Brasil é a 12a melhor do Brasil em questão de ensino, segundo a Webometrics Ranking of World Universities.
e 1945 elo espanhol Jesus Alvarez Terzado e sua esposa Nona Adair da Costa Terzado. Contudo, em 1985, o fundador faleceu por um problema de saúde e sua esposa assumiu o comando da loja. Nona Adair, mesmo com seus 85 anos ainda se mantém ativa na chefia do local, porém o gerente, Waldir Franketo, que trabalha no estabelecimento desde 1985, é quem realmente gerencia a tradicional confeitaria atualmente. Franketo acredita que o motivo para se manterem abertos por todos esses anos está em manter a maioria dos confeiteiros que começaram a trabalhar quando o local abriu, além de diminuir os gastos em época de pandemia “Na pandemia , diminuímos os gastos de doce e de funcionários. Foi uma época bem difícil para os comerciantes da região “
No início da década de 70, o prefeito Jaime Lerner não hesitou em promover mudanças significativas nas áreas urbanas da cidade. Lerner tinha como objetivo devolver o espaço tomado por veículos aos pedestres, a rua mais viva e animada da cidade passaria a ser um grande jardim. Dando adeus aos veículos automotivos na sexta-feira de 19 de maio de 1972 se iniciava a obra do calçadão da Rua XV de Novembro, projeto idealizado pelo arquiteto e urbanista Abrão Assad.
A mudança tão brusca na principal rua da capital paranaense gerou uma certa aversão, principalmente dos comerciantes do local, que alegavam queda nas vendas. imprensa paranaense foi
56 revistacdm | cidades
ANOS 70: A REVITALIZA
O Bondinho é um dos principais personages da Rua XV, levando sua cara.
um dos principais personagens na co bertura e rixa entre a prefeitura e co-merciantes. A Tribuna do Paraná, o extinto Diário do Paraná e a Gazeta do Povo foram um dos veículos que mostravam as opiniões dos cidadãos. O calçadão da Rua XV foi o primeiro centro urbano do mundo, uma obra que serviu de modelo para demais cidades.
Em 1973, a Rua XV recebia um dos seus personagens mais importantes: O Bondinho, primeiramente destinado para a recreação de crianças enquanto seus pais faziam compras pelo centro da capital, esse personagem passou por altos e baixos. Na década de 80, o Bondinho da XV passou a ser um ponto de encontro de menores de idade, que na época eram considerados desocupados ew marginais, as autoridades acreditavam que nesse tipo de ponto de encontro era comum o tráfico de drogas como a cola de sapateiro, maconha e outras consideradas mais pesadas.
Depois de décadas servindo para atender as crianças e seus pais, o espaço virou um ponto de informações turísticas, vendas de ingressos de shows e cinema e de acesso a internet, essa decisão acabou gerando protesto de pessoas ligadas à área cultural de Curitiba. Há 13 anos o Bondinho é uma biblioteca pública em uma das ruas corações de Curitiba. Gilberto Pereira, funcionário da prefeitura que trabalha no Bondinho da Rua XV comentou funcionalidade do bonde: “Faz parte de um programa da prefeitura de incentivo à leitura, o Curitiba Lê, da Fundação Cultural de Curitiba.’”
ANOS 90: A DECADÊNCIA
Apesar de viver o seu auge na metade do século passado e da revitalização nos anos 70, a Rua XV passa pelo seu pior momento nos últimos 30 anos
principalmente pela questão da segurança de seus frequentadores. Em 2000, já haviam matérias que apontavam a Rua XV como maior ponto de furtos não armados no centro da cidade e ao descaso da prefeitura com a XV. Como aponta o proprietário do Bar Triângulo, Imade Randar, que durante seus 22 anos como dono do estabelecimento afirma o abandono da Rua XV pela prefeitura. “A atual situação da Rua XV é precária e a principal culpada é a própria prefeitura, que não ajuda em nada e só sabe cobrar e multar. A Rua XV está esquecida”
Outro ponto crítico na Rua XV é a própria questão de insegurança que comerciantes e frequentadores do calçadão sentem ao passar pela região. Em 2022, a Associação Comercial do Paraná pagou cerca de 20 câmeras de segurança do próprio bolso para monitorar ainda mais a vigilância no local. Medida muito necessária confor-
me fala de Camilo Turmina, presidente da Associação Comercial do Paraná, em entrevista à rádio CBN. “Disponibilizamos câmeras de vigilância para qualquer órgão de segurança isto vai ajudar a combater a criminalidade crescente da região”. Esta criminalidade que só cresce ultimamente são mais de mil delitos por mês, segundo Turmina, e a tendência é que aumente cada vez mais.
Confira a linha do tempo sobre os principais marcos da Rua XV durante seus mais de 50 anos
portalcomunicare.com.br
“A atual situação da Rua XV é precária e a principal culpada é a própria prefeitura.”
Imade Randar, gerente do Bar Triângulo.
Leia mais
cidades | revistacdm 57
História viva
de preservar a história da cidade.” Disse Freitas.
Sophia, como estudante de arquitetura e potencial profissional da área, concorda com o pensamento de Freitas e enxerga os edifícios históricos com importante papel no desenvolvimento urbano nos próximos anos.
Completando 330 anos neste ano, a cidade de Curitiba é referência no quesito de planejamento urbano no cenário nacional e mundial, com a integração de parques, praças, museus e um modelo de transporte público exemplar. Além disso, Curitiba se destaca pela preservação de seus prédios históricos, que contrastam com a modernidade dos edifícios modernos principalmente na zona central da cidade.
Como moradores de Curitiba, no nosso dia a dia, estamos acostumados a se deparar com as diferenças arquitetônicas da capital paranaense, por exemplo, em bairros como o Água Verde é mais complicado encontrar prédios históricos, enquanto no Centro esse tipos de edifícios estão mais presentes. Os estudantes Pedro Freitas e Sophia Morais comentaram sobre como as construções históricas estão crescendo em Curitiba.
“De vez em quando vou à feira do Largo da Ordem e vejo diversas construções antigas que sei que já tiveram outro uso no passado, o Palácio Belvedere é um deles. Acho bastante positivo (a preservação do patrimônio histórico arquitetônico de Curitiba) pois querendo ou não é uma maneira
“A arquitetura de tempos passados contribui para manter viva a história de Curitiba e para que esta seja passada para as próximas gerações, como está sendo passada para nós atualmente. Eu acho que a reutilização da estrutura de prédios antigos para novos usos é importante para que a cidade continue evoluindo, já que a arquitetura é uma área de constante mutação e dinâmica. Além disso, utilizar as construções antigas auxilia o planejamento urbano na implantação de equipamentos que fornecem serviços necessários à comunidade atual.”
É claro que a imensa maioria dos edifícios centenários da cidade já não
exerce a mesma função para que foi projetado inicialmente, mas é esse fenômeno de reciclar e ressignificar prédios históricos que tornou a área central curitibana uma verdadeira vitrine do hibridismo temporal da arquitetura urbana.
Para exemplificar, separamos três edifícios que hoje exercem uma função completamente diferente do que foram projetados: o Shopping Curitiba, o Shopping Estação e o Cine Passeio.
58 revistacdm | cidades
Como um dos quarteis mais tradicionais do país e uma ferrovia deram ugares a importantes shoppings de Curitiba
Caio Yuke, Nicolas Kirilov e Vinicius Setta
“A cidade precisa contar a sua história.” Martha Gabardo, professora da PUCPR.
Antigo quartel da Praça Oswaldo Cruz, no bairro Batel, foi negociado e reformado, dando espaço ao Shopping Curitiba.
SHOPPING CURITIBA
Projetado em 1886 pelo engenheiro Francisco Monteiro Tourinho, o quartel hoje ocupado pelo Shopping Curitiba ganhou grande importância e destaque na paisagem da pequena cidade da província que era Curitiba. À época, a cidade estava longe de ter os contornos da grande metrópole de hoje. Na frente da Rua Brigadeiro Franco existia um grande descampado e, em seu entorno, havia apenas pequenas propriedades e chácaras.
A construção seguia os parâmetros do estilo militar do início do século 20. Com linhas retas e alguns detalhes em semi-arcos, principalmente nas janelas que se tornaram grandes aberturas para manter a iluminação. Na fachada do quartel, o destaque era o mastro para bandeira, o brasão e o gradil da sacada, mantidos até hoje em sua forma original. O detalhamento das estruturas principais sempre foi caracterizado apenas com cores diferentes.
A modificação mais marcante nessa estrutura aconteceu na década de 40, com o crescimento da cidade e o plano de urbanização de Curitiba. O campo em frente ao quartel recebeu uma escavação. Foi nessa época que o imóvel recebeu a grande escadaria e os dois acessos, que são mantidos até hoje como elementos decorativos. Por suas características e importância
histórica, o quartel se transformou em uma unidade de interesse de preservação do município.
Segundo os jornais da época, em 1987 surgiu o interesse da prefeitura em ficar com o prédio do quartel. A intenção da prefeitura era de criar um centro administrativo no local, e deixar os departamentos da prefeitura mais centralizados. Para o Exército, a prefeitura entregaria um prédio localizado nas esquinas da Rua Carlos Cavalcanti e um terreno para construção de um novo quartel, totalizando 216 mil metros quadrados.
O aposentado Bruno Remza, de 86 anos, relembra como o fim da utilização do quartel agradou a população da cidade na época. Ele conta como o exército utilizava o quartel como depósito de munições e trafegava muitas vezes com tanques, a região era bastante suja, o que incomodava os curitibanos de uma região cada vez mais central da cidade.
Em 1989, os corretores de imóveis chamaram de ‘‘grande mosca branca“, que é a definição para melhor transação imobiliária que se poderia realizar o que somente uma vez a cada década, disse, à época o diretor do departamento de Compra e Venda da Futurama, Marcos de Assis Machado.
A construção do shopping se deu início em 1993 e seu término em setembro de 1994. A obra gerou 2,500 empregos e, após a inauguração, 3,500. O resto é história. A estrutura se mantém até hoje, agora com 180 lojas e atraindo, por ano, mais de 9 milhões de pessoas.
59 cidades | revistacdm
Reprodução: Gazeta do Povo, março de 1989
Caio Yuke
SHOPPING ESTAÇÃO
O Shopping Estação surgiu a partir de uma estação férrea e preserva o local até hoje no centro de Curitiba, em frente a Praça Eufrásio Correia. Foi construída em 1885 e abriu um importante canal de desenvolvimento econômico e social para a capital da província do Paraná. A arquitetura da estação tem como inspiração os modelos italianos: térrea, com linhas simples, três portas para acesso dos passageiros e um relógio no alto da fachada. “A velha estação internamente era muito bem cuidada e limpa, tinha um piso de pedra e antigos azulejos amarelos escuros com cor de pedras”, assim Bruno descreveu a antiga estação do Centro quando a conheceu pela primeira vez em 1947, vindo da cidade de Rio Azul, no interior do Paraná.
Jornais da época relatam a vontade de derrubar a ferrovia, para o prolongamento da Rua Barão do Rio Branco, que assim ficaria ligada à rua Rockfeller, diminuindo o tráfego da João Negrão, beneficiando o trânsito e possibilitando a construção de um museu ferroviário para servir de recordação.
Apesar de muita discussão e diversos planos feitos para a substituição ou fim do local, o então presidente do IPPUC, Lubomir Ficinski, garantiu para todos que o prédio ficaria onde está. Depois de 25 anos que a estação foi desativada, o Shopping Estação foi aberto em 1997.
Toda a história da primeira estação férrea e do desenvolvimento da ferrovia no estado está preservada no Museu Ferroviário, único museu dentro de um shopping da capital. Os visitantes podem conferir as duas locomotivas a vapor originais, uma delas a Maria Fumaça, de 1917, além de um acervo com mais de 600 peças originais e réplicas de ferrovias, móveis e objetos como telégrafos, telefones, apitos, chapéus, relógios e sinos.
CINE PASSEIO
O antigo prédio da Impressora Paranaense do Barão do Cerro Azul confeccionava nos anos 30 os rótulos de embalagens da erva mate deu lugar
primeiramente ao exército, que usou o edifício como central administrativa no centro da cidade. O Cine Passeio como conhecemos hoje foi inaugurado apenas em 2019, como uma grande homenagem aos cinemas de rua da cidade de Curitiba dos anos 40.
Hoje com duas salas de cinema de 90 lugares, o Cine Passeio também oferece espaços de estudo, trabalho e a primeira sala de streaming do Brasil, espaço locável para que os curitibanos consumam as séries favoritas com os amigos por um período de três horas.
O Cine Passeio é considerado o primeiro grande feito do projeto Rosto da Cidade, da prefeitura de Curitiba, que planeja revitalizar em seis etapas a área do perímetro do centro histórico da cidade. O programa contempla desde a pintura de edifícios, remoção de pichações até reformas completas com novas funções atribuídas a prédios históricos para a cidade, como é o caso da Casa Lerner.
A Casa Lerner, localizada na rua Riachuelo, pertenceu ao casal Dora e Jaime Lerner, não o ex-governador, que chegaram ao Brasil vindos da Europa fugindo da crescente do antissemitismo dos anos 30. Com a instalação e prosperidade da família na cidade de Curitiba, o endereço da Riachuelo 407 se tornou um importante ponto de encontro da comunidade judaica em uma época sombria da humanidade.
Atualmente integrada no projeto
Visite o Cine Passeio
O Cine Paseio oferece sessões presenciais e virtuais. Para saber a programação, e consultar a disponibilidade dos outros espaços oferecidos pelo Cine Passeio, basta escanear o QR code abaixo:
De fábrica de embalagens para escritório dos militares, edifício no centro se tornou espaço de cultura no centro da cidade.
60
Vinicius Setta
revistacdm | cidades
Arquiteta
Rosto da Cidade, a ideia da Prefeitura de Curitiba é aproveitar a estrutura da Casa Lerner para repetir o sucesso obtido no Cine Passeio, inaugurando o Estúdio Riachuelo, um espaço de artes e jogos digitais, como explica a arquiteta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), Carla Frankl.
“A Casa Lerner foi desapropriada recentemente por causa da sua localização estratégica. Ele vai permitir essa integração física entre os dois equipamentos culturais (Cine Passeio e Solar do Barão) e fazer uma ponte entre os usos de cinema e gibis, então ali será instalado artes digitais, uma escola de games e animação, é um espaço pequeno mas com uma importância grande de ligação.”
Frankl vê a capital paranaense em vantagem com relação às outras capitais nacionais no quesito de preservação de patrimônio histórico. Para Frankl, o planejamento urbano contempla o patrimônio histórico e isso facilita a preservação.
“Eu acho que Curitiba já tem sua diferença por causa do planejamento urbano. A gente tem o patrimônio conectado com o planejamento, nunca ele é dissociado disso, então não temos um centro histórico como Salvador e outras cidades brasileiras, aqui ele é bem preservado, mas claro que sempre temos desafios na conservação do patrimônio.”
Sobre estes desafios que demandam o cuidado de edifícios históricos, Frankl exalta a particularidade de cada prédio e processo de obras, lembrando de algumas empreitadas recentes.
“Cada edifício é um caso, cada um tem a sua particularidade. O Cine Passeio por exemplo permitiu adaptação para salas grandes de cinema e assim, o antigo edifício tem uma
estrutura interna de madeira que estava bem comprometida. O Estúdio Riachuelo está em uma condição bem ruim, ele não tem nada porque ele ruiu, então cada edifício tem sua particularidade, dependendo do seu estado de conservação e porte.”
A professora do curso de arquitetura da PUCPR, Martha Gabardo valoriza o que chamou de “veia histórica” que Curitiba tem em seu DNA e elogia a postura da cidade com relação à preservação de seu patrimônio histórico.
“A cidade precisa contar a sua história pois elas trazem as pegadas e marcas do passado, isso faz com que a gente tenha uma ligação com ela. Quando você apaga ou destrói esses rastros, com certeza virão coisas novas, mas sem nenhuma relação com o antigo, a gente sempre procura esse equilíbrio, que em alguns momentos se destrói e acaba não sendo restaurado. Na minha opinião, a valorização do patrimônio é muito importante pois mantém uma ligação com a história e atrai o valor econômico, com turistas e afins.”
Professora do curso de arquitetura da PUCPR, Martha
Veja também
Como funciona o programa de revitalização do Centro Histórico “Rosto da CIdade” da Prefeitura de Curitiba
portalcomunicare.com.br
61
“Temos o patrimônio conectado com o planejamento.”
projetista do IPPUC, Carla Frankl.
Gabardo
Vinicius Setta
cidades | revistacdm
Vinicius Setta