AH - Agronotícias | 31 de dezembro de 2015

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Especial do jornal A Hora

DEZEMBRO | 2015

Circulação mensal ANDERSON LOPES

Sob perigo A degradação do solo é um problema mundial, que coloca em risco a produção de alimentos para as próximas gerações. Para alertar sobre o problema e estimular a preservação desse recurso natural, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) declarou 2015 o Ano Internacional do Solo.

Páginas 12 a 19


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Editorial

A FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura) denominou 2015 o Ano Internacional do Solo. Diante disso, as instituições de ensino e de pesquisa do Brasil voltaram as atenções para esse imenso patrimônio que é o nosso solo. Mais do que uma homenagem, a organização procurou fazer um alerta – um apelo desesperado – para o que o planeta (leia-se as pessoas) está fazendo com o solo, principalmnte, o agrícola. No mundo, a cada minuto, em média, 23 hectares deixam de ser aproveitados para produzir alimentos devido ao desgaste. Conforme estudos, 33% das terras do Planeta estão degradadas, seja por razões físicas, químicas ou biológicas, o que é evidenciado em uma redução da cobertura vegetal, na diminuição da fertilidade, na contaminação do solo e da água e, devido a isso, no empobrecimento das colheitas. O fato do solo não ser um recurso renovável faz sua preservação ser um desafio ainda mais urgente: um centímetro de solo pode levar milhares de anos para ser formado e esse mesmo centímetro pode ser destruído em somente alguns minutos por uma degradação devido ao manejo incorreto. Em Minas Gerais, estima-se que mais de 40% das áreas de pastagens estejam degradadas. No Paraná, 30% dos cerca de seis milhões de hectares cultivados necessitam de intervenção imediata.

a garantia de um futuro melhor e com qualidade de vida para a humanidade depende, entre outras ações, da conservação do solo, da água e da preservação da biodiversidade. É considerada fundamental a tomada de medidas que permitam consciencializar as populações que o solo é um recurso finito, sujeito à rápida degradação, não sendo renovável à escala do tempo da vida humana. Um mau uso pode fazê-lo desaparecer em poucos anos. Como afirma o presidente e pesquisador da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, Gonçalo de Farias, a garantia de um futuro melhor e com qualidade de vida para a humanidade depende, entre outras ações, da conservação do solo, da água e da preservação da biodiversidade. Mas isso somente será possível caso população e poder público compreenderem que o solo é um corpo vivo e dinâmico e não apenas um material inerte que serve de sustentação para o crescimento de plantas, moradia de animais e para exploração por seres humanos. Não bastasse, é pela erosão que é verificada a principal forma de poluição dos arroios e rios. Por isso, é preciso instituir sobre seus utilizadores boas práticas, possibilitar a transferência de conhecimento por meio de cursos, reuniões e projetos a fim de prevenir as principais ameaças do solo – empobrecimento em nutrientes, erosão, compactação, salinização, sodização, perda de matéria orgânica e selagem – de modo a transmitir às gerações futuras solos saudáveis para a produção de alimentos também saudáveis e que garantam a sua segurança alimentar. Fundado em 1º de julho de 2002 Vale do Taquari - Lajeado - RS Diretor Geral: Adair Weiss Diretor de Redação: Fernando Weiss Diretor Comercial: Sandro Lucas Diretor Administrativo: Fabricio Almeida

Índice

A semente da vida

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Mirtilo: benefício à saúde

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Peixes: coloridos, belos e terapêuticos

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Foco no bem-estar animal

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Entrevista com o secretário Tarcisio José Minetto

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Solo: um recurso natural finito

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Cooperativa investe em sistema automatizado

Tenho dito A seguir, a opinião sintetizada sobre este caderno dos integrantes do grupo de discussão, que participam a cada mês da elaboração das principais pautas e temas abordados.

O solo é para o produtor o que as instalações físicas e os equipamentos são para o comerciante e o industrialista. Degradá-lo e não preservá-lo são ações insanas. Com elas, o produtor degrada seu próprio sustento, seu próprio meio de vida. Pior do que na comparação com comércio e indústria: no caso do solo, sua degradação agride a natureza e o meio ambiente, de uso comum de toda a humanidade. O esclarecimento e a cobrança constante, no sentido de uma atitude correta, são imprescindíveis. Oreno Ardêmio Heineck – Diretor-executivo do Instituto Gaúcho do Leite (IGL)

A reposição da qualidade do solo com adubação e calcário é muito importante para termos fertilidade e, com isso, produtividade. Quando falamos em adubação e recuperação de solo, devemos lembrar que a Operação Tatu, na década de 60, foi importante na análise e melhoria do solo. A implantação de curvas de níveis para evitar erosões e perda da parte fértil do solo foi um trabalho árduo, pois o produtor sempre pensava que teria mais custos. Na realidade, era investimento e os resultados mostraram a importância da técnica. Depois surgiu o plantio direto. Num primeiro momento, quando se traz inovações, há certa apreensão por parte do produtor. Hoje, com a tecnologia, temos condições de identificar as áreas de melhor e de menor produção e, assim, podemos aplicar adubação programada por áreas. Melhor qualidade de solo nos dará grandes respostas na produção. Portanto, senhor produtor, tecnologia que objetiva conservar e melhorar o solo é investimento que garantirá maior produção de alimentos. Gilberto Moacir da Silva – Médico-veterinário e consultor técnico

Cuidar e preservar o solo é imprescindível. E nesse quesito a agricultura evoluiu muito, especialmente com o plantio direto, que causou uma verdadeira revolução no manejo do solo e cultivo. Com a intensidade das precipitações pluviométricas, se ainda predominasse o sistema convencional, as lavouras seriam praticamente varridas. Já no sistema de plantio direto, a erosão diminui, com diferença especialmente percebida na região dos Vales por causa do relevo inclinado. Preservar faz parte da continuidade da vida para as futuras gerações. Lauro Baum – Presidente do STR de Lajeado

DIREÇÃO EDITORIAL Fernando Weiss

COORDENAÇÃO Giovane Weber

PRODUÇÃO Giovane Weber

ARTE Gianini Oliveira

Tiragem desta edição: 10.000 exemplares. Disponível para verificação junto ao impressor (ZH Editora Jornalística)



Favorecido pelas condições meteorológicas, preço, alta na demanda, além das propriedades medicinais, o cultivo de mirtilo é uma boa alternativa de diversificação no meio rural. Desafio é torná-lo conhecido e acessível ao consumidor.

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Destaque pelo benefício à saúde DIVULGAÇÃO

frutas. “Poderiam ser mais exploradas na fabricação de sucos, polpas, geleias e outros produtos.” Além do mirtilo, Vacaria mantém cultivos de amora-preta (80 hectares, 120 famílias e produção de 640 toneladas anuais). O morango ocupa 50 hectares, com produtividade média de duas mil toneladas. Framboesa ocupa dez hectares e o rendimento anual alcança 60 toneladas. No estado, a cultura ocupa 61 hectares, reúne 52 produtores e alcança 265 toneladas.

Exigente em mão de obra

Conforme o engenheiro agrônomo, Derli Paulo

Frozza armazena as frutas colhidas em um freezer e revende o produto durante o ano para mercados de todo estado

A

colheita da fruta exige cuidado e delicadeza. Sensível, precisa ser tirada do pé uma a uma. O mirtilo necessita de frio e umidade para se desenvolver. Por isso, a Região Sul concentra a maior área cultivada no país, pois os pomares encontram as melhores condições para produzir de forma mais adequada. Para esta safra, há previsão de uma redução de até 30% na produtividade devido ao inverno ameno. Mas se a produção caiu o preço compensa. No ano passado, a caixa de 1,2 quilo era vendida a R$ 10. Neste ciclo, chega a R$ 15. A fruta é valorizada por apresentar propriedades medicinais. Rica em vitaminas, tem substâncias que fazem bem ao coração e à memória, auxiliam na mobilidade e combatem o envelhecimento. Tem baixo

valor calórico e cada cem gramas equivalem a 32 calorias, o que torna a fruta uma aliada nas dietas de emagrecimento. Pomares comerciais foram implantadas em 1990 em Vacaria, hoje maior produtor estadual. Conforme a técnica em Agropecuária, Morgane Toigo do Nascimento, 11 produtores mantêm uma área de 20 hectares. Projeta-se colher até 120 toneladas no ciclo atual. Segundo a técnica, a planta requer um acúmulo de frio que varia de 300 a 1,1 mil horas de tempera-

tura inferior a 7,2ºC. Prefere solos ácidos, com elevado teor de matéria orgânica, boa retenção de umidade e boa drenagem. “A irrigação é imprescindível.” As mudas podem ser cultivadas a partir do outono e se estender até o início do verão, desde que as plantas sejam irrigadas com frequência. A safra começa no fim de outubro e termina em fevereiro. Para valorizar a matéria-prima, a Emater realiza um trabalho com os produtores para incentivar a agroindustrialização das

Poderiam ser mais exploradas na fabricação de sucos, polpas, geleias e outros produtos.” Morgane Toigo do Nascimento, técnica em Agropecuária

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Bonine, da Emater Regional de Lajeado, a planta, além de frágil, é bastante exigente em mão de obra. “Para colher 20 quilos, é preciso um dia inteiro. A oferta de trabalhadores está cada vez menor.” Por se tratar de uma fruta exótica, desconhecida dos consumidores, o comércio para o consumo ao natural é muito difícil. No Vale do Taquari, a planta ocupa seis hectares, em Arvorezinha, Putinga e Capitão. A área permanece inalterada desde a implantação da cultura em 2006. A frutificação começa no segundo ano e o auge é atingido após os 15. “Pode-se colher até 13 toneladas por hectare.”

“É difícil cultivar, mas rende bons lucros” O enólogo Rafael Frozza, de Putinga, plantou 450 mudas em 2007. Mesmo desconhecendo a fruta, após um curso na Embrapa Pelotas, investiu R$ 10 mil na estruturação do pomar e no sistema de irrigação. As variedades são bluegen, florida M, climax, woodard, powder blue, além da misty, em fase de testes. Por ciclo, a produção chega a uma tonelada. Devido às intempéries, principalmente pela queda de granizo, neste ano a estimativa é de colher apenas 600 quilos. As frutas são armazenadas em freezers e vendidas durante o ano para mercados de todo estado. Por quilo, recebe

em média R$ 10. A falta de mão de obra e infraestrutura física precária, principalmente na hora de armazenar o fruto, impedem a ampliação da área. Entre as dificuldades, destaca a insuficiência de horas de frio exigidas pela planta. Esse fator alterou nos primeiros anos a época de floração e colheita. “Mantive o pomar por teimosia.” Na propriedade, mantém 350 pés de amora-preta, cujo rendimento deve superar os 800 quilos nesta safra. Em 2016, terá um pomar de framboesa. “Precisamos aprimorar a forma de cultivar. Existe mercado e o preço compensa.”



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A criação de peixes ornamentais cresce em média 35% ao ano. O setor abrange 4,8 mil criadores e movimentou US$ 10,5 milhões em 2013. Segundo levantamento da Abinpet, o peixe é o segundo animal de estimação preferido do brasileiro. Há 26,5 milhões colorindo os aquários no país.

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Coloridos, belos e terapêuticos A criação e venda de peixes ornamentais cresce 35% ao ano. De acordo com o Mapa, a exportação rendeu US$ 10,5 milhões (R$ 33 milhões) aos criadores em 2013. O valor unitário médio registra alta de 744% entre 2007 e 2012. Segundo José Edson Galvão de França, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), há uma crescente valorização no mercado e, em decorrência, um grande poten-

Os aquários caseiros são excelentes ambientes para conscientizar as pessoas, especialmente crianças, de quão importante é um ecossistema para sobrevivência das espécies.” José Edson Galvão de França, presidente-executivo da Abinpet

cial a ser explorado. Na lista das espécies mais procuradas, estão: guppy, kinguio, cuja criação iniciou há mais de 2,5 mil anos na China, carpas douradas e o acará-disco. As unidades podem custar de R$ 1 até, em casos raros, R$ 10 mil. Por dispensar aparelho para oxigenar o aquário, a espécie betta lidera a preferência. “Ele mesmo se desloca até a superfície para respirar.” Os pet-shops, cerca de 60 mil no país, são os principais destinos dos peixes criados

pelos piscicultores. De lá, seguem para as casas dos clientes e colecionadores com aquários de até mil litros de água. Outros segmentos consumidores são lojas, escritórios e restaurantes, onde enfeitam os ambientes. “O mercado de jardinagem e paisagismo é outro cliente em potencial.” No país há quatro mil espécies catalogadas para criação e 725 liberadas para comercialização. Conforme levantamento da Abinpet, os peixes são o segundo animal de estimação preferido do brasileiro. Há 26,5


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os especialistas, os peixes ornamentais se adaptaram bem à região por conta do clima quente o ano inteiro e a disponibilidade de água.

Os queridinhos da vez

Segundo Marcos, peixes reduzem o estresse, demandam pouco trabalho e enfeitem o ambiente

O piscicultor Marcos Aurélio Cassal, 46, de Novo Paraíso, Estrela, começou a criação faz mais de 20 anos. Na época, participou de um curso de piscicultura na Unisinos. “O professor era criador de peixes ornamentais. Então conversamos e resolvi iniciar na atividade.” Aquários e tanques ocupam apenas meio hectare dos quatro disponíveis na propriedade. Como em qualquer outra cultura, a dedicação é diária. Os peixes são alimentados duas vezes ao dia. “São 50 mil unidades de 30 espécies diferentes, com tamanhos que variam entre 5 centímetros e meio metro.” Entre as espécies mais procuradas, estão: beta, cauda-de-véu, paulistinha, carpa colorida, plati, guppy, espada, molinésia e vários da família dos ciclídeos africanos e americanos. O neon é o menor peixe oferecido. Mede um centímetro. Já a carpa pode medir até um metro e pesar

mais de dez quilos. O valor da unidade depende do tamanho e da espécie. Varia entre R$ 1 e R$ 1 mil (gar fish). Entre os cuidados principais, cita a necessidade de trocar 30% da água dos aquários a cada mês e manter uma boa oxigenação. Cassal destaca a docilidade dos animais. “É uma terapia cuidar deles. Reduzem o estresse e interagem bastante com o dono. Uma cliente inclusive dá mamadeira com ração para eles.” A venda é feita direta ao cliente, além de atacadistas e pet-shops da região. “Apenas 2% da população tem peixe em casa. Existe um vasto mercado a ser explorado. Eles já ocupam o segundo lugar quando falamos de bichos de estimação, ficam apenas atrás dos cachorros.” De acordo com Cassal, a criação em açude exige cuidado com predadores como cobras, rãs e pássaros. Por isso, aconselha criar os animais em tanques de cimento cobertos. “Eles chamam atenção pela cor e são facilmente capturados no meio de outros peixes.” Uma carpa colorida pode viver até 70 anos. Conforme ele, no Japão um peixe ornamental viveu mais de 225 anos. “Foi o bicho de estimação da família por três gerações.”

Fabricação de aquários Além da criação, Cassal fabrica aquários e vende plantas aquáticas. O preço varia entre R$ 100 e R$ 3 mil, dependendo do tamanho e do número de animais alojados. Relata que a limpeza é simples. “Caramujos e cascudinho ajudam a deixar o ambiente limpo, diminuindo a mão de obra.” Segundo Cassal, os peixes exigem pouco cuidado. “Só adoecem quando estão em uma água que esteja em más condições, seja por excesso de comida, o PH da água ou por ter pouca oxigenação.” Além de medicamentos específicos, que, aplicados no aquário, não devem entrar em contato com a pessoa, é aconselhado interagir com os peixes somente com as mãos bem limpas. A decoração deve levar em conta o tamanho e a espécie que será colocada naquele habitat. Mas o ideal é não atulhá-lo com peças decorativas e garantir o mínimo de contato com o ambiente externo. Montado e habitado, um aquário é dado como concluído após pelo menos uma semana de adaptação dos peixes. A manutenção se resume à alimentação e limpeza.

“Ele divide espaço com o cachorro” milhões colorindo os aquários no país, atrás apenas dos cães, que seguem em primeiro lugar, com 37,1 milhões. Em terceiro, aparecem os gatos, com 21,3 milhões. Segundo França, o fato de os animais darem pouco trabalho e também a disposição de equipamentos, tecnologias e difusão de conhecimento impulsionam o crescimento. Os principais polos produtores estão em São Paulo, Paraná e Minas Gerais. A cidade mineira de Muriaé concentra mais de 400 produtores responsáveis por 60% da produção nacional. Segundo

Já se comprovou cientificamente que o aquário tem efeito calmante, diminuindo a ansiedade e o estresse. Marcos Aurélio Cassal, piscicultor

O casal Tatiane Rückert Costa, 30, e Valdeci Costa, 35, de Teutônia, comprou um peixe da espécie gold há sete anos. A tranquilidade proporcionada foi o principal motivo. “Quando chegamos em casa, ele começa a ficar agitado e abrir a boca”, conta Tatiane. Toda estrutura, incluindo a instalação do aquário, bomba para oxigenar a água e materiais de decoração, custou R$

400. Por mês, são gastos R$ 16 em alimentação. A limpeza do espaço é feita duas vezes a cada 30 dias. O filho Murilo, 2, é fascinado pelo peixe e fica horas admirando seus movimentos. Conforme Tatiane, o gold tranquiliza o ambiente, enquanto a cadela Pretinha anima e diverte. “Dentro de casa preferimos a calmaria do gold, e na rua a agitação da Pretinha.”


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Tratar o suíno com técnicas que evitem lesões e reduzam o estresse melhora a rentabilidade e ajuda a abrir mercados. Primeira granja a seguir as normas internacionais de bem-estar animal está em construção em Westfália. Alojamento de matrizes iniciará em janeiro.

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Foco no bem-estar animal A

mbiente climatizado, alimentação controlada, criação sem gaiolas e com espaço livre para circular. Essas técnicas priorizam o bem-estar, reduzem o sofrimento durante o trato e o abate, resultam em melhor qualidade dos alimentos produzidos e atendem uma exigência mundial dos consumidores. A mudança na forma de criar é fruto de acordos entre quem produz e quem defende os direitos dos animais. O assunto começou a ganhar destaque em junho de 2006, quando foi criada a Declaração Universal de Bem-estar Animal, que reconhece os animais como seres que têm sentimentos. Entre as regras estabelecidas, o animal deve ser livre de fome, sede, desconforto, dor, lesões ou doenças. Tem o direito de expressar os comportamentos normais e ser isento de medo, sofrimento e aflição. Estudos dão conta de que práticas de bem-estar reduzem de 5% a 10% as perdas ocasionadas por lesões e hematomas nos animais. Segundo especialistas, o estresse no manejo pré-abate faz os músculos se contraírem com mais frequência, resultando em carne mais dura e de cor escura. Segundo Ronei Lauxen, presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado (Sicadergs), a sanidade e o bem-estar refletem também na taxa de conversão, acelerando o ganho de peso e, consequentemente, o tempo de abate. No caso de ferimentos causados no campo ou no transporte até os frigoríficos, os prejuízos são contabilizados quando o pagamento é feito pela carcaça dos animais. Partes machucadas da carne são descartadas pela indústria, reduzindo os lucros. Parte das perdas geradas pela ausência de práticas de bem-es-

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Segundo Horst, bem-estar é cada vez mais exigido. Porcas prenhas ficam soltas e têm mais conforto para esperar os leitões

Para atender os mercados mais exigentes, o país adotou o abate humanitário. Mas para manter as exportações nos próximos anos será inevitável priorizar o bem-estar. Carla Molento, médica-veterinária

tar animal se concentra no deslocamento entre a propriedade e o frigorífico. Em rotas longas e cansativas, a carga aglomerada em caminhões fica exposta a estresse e sujeita a lesões. Com as normas de boas práticas no transporte implantadas na União Europeia, existe a expectativa de as indústrias exportadoras mudarem seus critérios. “A demanda é dos consumidores. No exterior, as exigências tendem a aumentar e nós precisamos nos adaptar para manter esses clientes e conquistar novos.” Conforme Lauxen, a adoção de práticas de conforto animal comprova a evolução do ser humano.

Sistema ainda é desconhecido De acordo com o Conselho Federal de Medicina Veterinária, o mercado que dá prioridade ao

bem-estar animal ainda é pequeno e desconhecido. Faltam produtores que sigam regras, normas que regulamentem o setor e falta conhecimento dos consumidores. A pesquisa da veterinária Carla Molento, da Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária, mostra que ao conhecer o sistema de produção intensivo os consumidores se tornam mais exigentes. Carla Molento consultou 481 pessoas nos supermercados de Curitiba, perguntando o que levavam em conta ao comprar frango. Em um primeiro momento, apenas 3,7% disse se preocupar com o bem-estar animal. No entanto, quando viu fotos do sistema produtivo, o percentual subiu para 24,1%. A pesquisa mostrou que 70,9% dos consumidores pagariam mais por produtos com certificação de bem-estar animal, carne firme e rosada. “Intensifica-se


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a criação com o intuito de aumentar a produção, colocando mais animais em uma área muito pequena. Com isso registramos múltiplos problemas de saúde. O objetivo é ter muita carne com o menor custo possível. Boa parte desse custo é paga com o sofrimento do animal”, diz a pesquisadora. Segundo ela, a produção intensiva, mais praticada no Brasil para aves e suínos, tem mais de 40 anos e acaba se tornando mais competitiva no mercado. Um produto que valoriza o bem-estar animal custa de 30% a 70% mais caro e, em alguns casos, o preço pode dobrar, comparado a produtos similares. De acordo com ela, não há normas específicas que visem ao bem-estar, o que torna subjetiva a fiscalização e até mesmo a certificação dos produtos. Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Brasil lidera o ranking de maior exportador de carne bovina do mundo desde 2008, e as estatísticas mostram crescimento de 2,15% para os próximos anos. O país também lidera a exportação de frango, com crescimento previsto de 4,22% ao ano. Em carne suína, o país é o quarto maior exportador.

Pioneirismo

Em Linha Schmidt Alta, Westfália, os suinocultores Alberto Horst, Luiz Bayer e Ângelo Kaisenkamp estão implantando dois galpões, um para gestação e o outro para maternidade, num modelo revolucionário de criação, baseado no que já é adotado em países desenvolvidos como Alemanha e Estados Unidos, e em poucos estados brasileiros. O projeto é desenvolvido em parceria com a cooperativa Languiru, de Teutônia. A granja terá capacidade para 1,1 mil matrizes suínas, sendo 800 em gestação e as demais na maternidade, ambos em ambiente climatizado. O investimento chega a R$ 3 milhões. Segundo Bayer, o alojamento iniciará em janeiro. Para o mês de maio estão previstos os primeiros partos e a venda dos leitões começará em junho. Uma média de 600 animais por semana. “É uma exigência de mercado. Sem estresse, a produtividade será maior. Esses cuidados com o bem-estar resultam numa carne mais saborosa e saudável.” Todos os animais recebem um chip auricular, o Electronic Sow Feeding (ESF). Ao ingressar na máquina, por meio do chip é

acionado o sistema que abre o cocho e dosa a quantidade de ração, definida para cada matriz via computador. “Teremos melhor conversão alimentar, sem desperdício.” Dentro das baias de gestação, as matrizes ficarão soltas em grupos de 80 animais. Elas se organizam de forma hierárquica para se alimentar e dispõem de área de descanso para seu conforto. De acordo com Bayer, esse modelo de granja é um exemplo para quem deseja conciliar eficiência e responsabilidade socioambiental. Os 150 mil litros de dejetos gerados a cada oito dias serão tratados em uma estação. Pelo sistema, é separado o sólido do líquido, e a água, ultrafiltrada, será reutilizada na granja para limpeza e consumo dos animais. “O esterco, após 120 dias armazenado, vira adubo orgânico.” Outra granja de modelo semelhante está em fase de instalação em Nova Bréscia, da integradora BRF.

“O modelo antigo é desumano” Orlando Horst, pai de Alberto, é produtor de suínos desde

1989. Tem 360 matrizes alojadas no sistema de gaiolas, onde ficam presas durante todo processo. Apenas conseguem deitar, levantar, beber e comer. “É desumano manter este modelo. Na prática em outros países temos a prova de quanto mais confortáveis estão, melhor é o rendimento.” Horst registra muitos problemas de saúde, interferência na taxa de reprodução e altos índices de estresse. “O bom manejo influencia na qualidade do leitão parido, da carne produzida, interfere até na maciez e no sabor. Sem contar que a sociedade não admite mais que os animais sofram maus-tratos.” Segundo ele, os produtores têm “liberdade” para escolher seu modelo de produção, mas no futuro sofrerão com uma imagem ruim entre os consumidores, o que pode gerar prejuízos, assim como já ocorre na Alemanha e nos Estados Unidos. “Lá grandes redes de restaurantes exigiram mudanças na forma de produzir. Fatalmente chegará aqui.” A JBS, uma das maiores processadoras de proteína animal, pretende se adequar às normas de bem-estar até 2025.


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Entre as metas, estão: fortalecer a agricultura familiar, responsável pela produção de 70% dos alimentos, apoiar as cooperativas e Emater e orientar o produtor. Segundo Minetto, é preciso aumentar a industrialização da matéria-prima. Para a próxima safra, recomenda cautela na hora de investir e racionalidade na aplicação dos insumos.

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ENTREVISTA

“É preciso ter racionalidade nos investimentos”

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atural de Caiçara, , Tarcisio Minetto aplica na secretaria a familiaridade com o interior e a expeexpe riência de 30 anos de trabalho e formação acadêmica ligada ao setor. Entre as metas, está o fortalecimento da agricultura familiar no estado, fundamental para produ-

ção de alimentos. De acordo o Censo do IBGE de 2006, as

propriedades rurais familiares representam 86% dos 431 mil estabelecimentos do RS e têm participação de 74,4% do pessoal ocu ocupado no campo no paí país. Mi Segundo o Ministério do Desenvolv Desenvolvimento Agrário, 70% dos alimentos que vvão para o prato do brasi brasileiro vêm da agricultura familiar. “Precisamos in incrementar a industrial industrialização da matéria-prima. O modelo empregado pelas empregad cooperativas é um cooperat exempl exemplo a ser seguido.” seguid Para a próxi-

ma safra, recomenda ao produtor buscar orientação técnica para aplicar da melhor forma o crédito ofertado e os insumos usados na lavoura. “É preciso estar bastante atento ao mercado e avaliar cuidadosamente os preços.” A Hora – O modelo cooperativista é um exemplo a ser fortalecido para melhorar a renda da agricultura familiar e enfrentar a crise econômica? Tarcisio José Minetto – Sem dúvidas, o cooperativismo é um exemplo

que deve ser seguido e replicado, pois é um modelo integrado, que une esforços de diferentes atores com um objetivo comum. Temos no estado uma série de exemplos de cadeias produtivas que se fortaleceram em torno de cooperativas, que hoje são motores do desenvolvimento local e regional, contribuindo para o crescimento do estado e do país. Quais os meios para incrementar a industrialização da matéria-prima? Minetto – Uma das

Secretário do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), Tarcisio José Minetto


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formas de aumentar a industrialização é pensar de forma coletiva, com redes de intercooperação. Como exemplo, neste mês participamos da inauguração das instalações do primeiro condomínio associativo da América Latina para produção de leite com ordenha robotizada, em Nova Bréscia, na Região dos Vales. Também temos exemplos na produção de frango e outras matérias-primas. Como promover a sustentabilidade das cadeias produtivas? Minetto – A sustentabilidade abrange os pilares econômico, social e ambiental, e cada qual exige cuidados específicos. Então, temos de promover a gestão de riscos dos gargalos. Todos têm responsabilidade e devem ter consciência de que é preciso preservar e conservar o ambiente, seja o produtor rural, a indústria e o Estado.

Tecnologia é ferramenta básica da agricultura para garantir alimentos e de que forma podemos aproximar o produtor dos centros de pesquisas? Minetto – É possível levar informações sobre novas tecnologias e processos ao agricultor por meio de dias de campo ou visitas a experiências exitosas. Podemos aproximar o agricultor por meio da extensão

rural, feita por meio dos técnicos da Emater ou de cooperativas agropecuárias. Os técnicos têm de fazer essa relação direta para o agricultor, e o esse também precisa de recursos e disponibilidade para aplicação dessas tecnologias. Citando novamente o condomínio para produção de leite em Nova Bréscia, o empreendimento recebeu financiamento da Finep (Financiadora

É preciso estar bastante atento ao mercado e avaliar cuidadosamente os preços

de Estudos e Projetos), empresa pública de fomento à ciência, tecnologia e inovação ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O produtor também deve ter iniciativa para participar de ações, ter integração de propósitos com governo e cooperativas e fazer investimentos. Como fortalecer a cadeia leiteira e aumentar a segurança de quem produz? Minetto – A cadeia leiteira se fortalece com uma série de ações, que dependem tanto do poder público quanto dos produtores rurais, das cooperativas e das indústrias. Temos de qualificar cada vez mais nossos produtores, com assistência técnica, melhoramento genético e sanidade animal. A nossa conveniada Emater realiza projetos de irrigação, que melhoram a pastagem e influenciam na produtividade dos rebanhos. Aqui na

secretaria, temos programa de melhoria de infraestrutura rural e a busca de melhoria na infraestrutura de energia. Também temos de estar cientes de que o fortalecimento da cadeia depende das condições de mercado, de preço. Considerações finais Minetto – A principal recomendação é que o agricultor tenha racionalidade nos investimentos e no uso dos insumos, que tiveram custo aumentado em razão do câmbio. Então, é preciso estar bastante atento ao mercado e avaliar os preços com cuidado. Obviamente que tudo depende da produção e da produtividade, tendo ainda o tempo como fator-chave para o resultado. Nesse caso, o agricultor deve observar recomendações técnicas como: zoneamento agrícola de risco climático, culturas recomendadas e controle de pragas, entre outras.


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CAPA

A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 2015 como o Ano Internacional dos Solos. Com isso, espera mobilizar a sociedade para a importância de preservar os solos. A cada ano, 12 milhões de hectares produtivos (ou 23 hectares por minuto) são perdidos para a desertificação.

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Um recurso natural finito O s solos são essenciais para a vida na terra. Dentre as diversas funções, proporciona, direta ou indiretamente, mais de 95% da produção mundial de alimentos. No entanto, essa fina e frágil camada que recobre a superfície da Terra e leva milhões de anos para ser formada pode ser perdida e degradada pela erosão em poucos anos de uso, tornando-se improdutiva. De acordo com o professor da Universidade Federal de Viçosa e secretário-geral da SBCS, Reinaldo Cantarutti, a cada ano, 12 milhões de hectares produtivos ( ou23 hectares por minuto) são perdidos para a desertificação. As perdas no solo brasileiro atingem 500 milhões de toneladas de terra. Cerca de oito milhões de toneladas são de nitrogênio, fósforo e potássio,

nutrientes fornecidos às lavouras para aumento de produção. Para Cantarutti, caso o país produzisse grãos em solos degradados (cem milhões de hectares só com pastagens), a produção saltaria de 200 milhões de toneladas para 550. “A insegurança alimentar do mundo estaria sanada, sem precisar derrubar mais uma árvore.” Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a população mundial crescerá dos atuais sete bilhões de habitantes para 9,2 bilhões em 2050. Isso exigirá um aumento na produção de alimentos dos atuais 1,64 bilhões de toneladas para 2,60 bilhões – aumento de 60% em apenas 40 anos. “O solo será a base de sustentação para assegurar o crescimento populacional, entretanto, seu uso deve

Facilmente degradável, sua recuperação é lenta, difícil e cara Jacques Diouf, diretor- geral da FAO

ser associado à conservação e ao aumento da eficiência dos sistemas de produção agrícola, além da eficácia das políticas públicas para gestão adequada desse recurso natural.” Durante a abertura da conferência Aliança Mundial Sobre Solos para a Segurança Alimentar e a Adaptação às Mudanças Climáticas e Redução de Seus Efeitos, em Roma, em setembro, o diretor- geral da FAO, Jacques Diouf, afirmou que a pressão sobre os recursos do solo aliada ao desgaste das terras é uma ameaça à segurança alimentar do mundo. “O solo é um componente essencial dos sistemas de produção e dos ecossistemas terrestres. Mas é também um recurso frágil e não renovável. Facilmente degradável, sua recuperação é lenta, difícil e cara”, advertiu.


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“O solo é um corpo vivo” De acordo com o pesquisador Gonçalo de Farias, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), a garantia de um futuro melhor e com qualidade de vida para a humanidade depende, entre outras ações, da conservação do solo, da água e preservação da biodiversidade. “Isto só será possível se a sociedade compreender que o solo é um corpo vivo e dinâmico e não é apenas um material inerte que serve de sustentação para o crescimento de plantas, moradia de animais e para exploração pelos seres humanos.” Mundialmente, cerca de 52% das terras agrícolas já estão danificadas,

de acordo com o estudo publicado pelo The Economics of Land Degradation (ELD), compilado por 30 grupos

... não é apenas um material inerte que serve de sustentação para o crescimento de plantas, moradia de animais e para exploração pelos seres humanos.” Gonçalo de Farias, presidente da SBCS

de pesquisa ao redor do mundo. O estudo estimou que a desgaste do solo mundialmente custa entre US$ 6,3 trilhões e US$ 10,6 trilhões por ano em perdas de benefícios, como a produção de comida, madeira, medicamentos, água fresca, ciclo de nutrientes ou absorção de gases causadores do efeito estufa. De acordo com o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, toda base produtiva da agricultura reside na qualidade do solo. “Se ele estiver desprovido de nutrientes, empobrecido ou em extremo desgaste, a agricultura não terá condições de manter o alto rendimento, o que será problemático para o setor produtivo e para a sociedade, em razão da menor oferta de alimentos.”

ANDERSON LOPES


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DEZEMBRO/2015 FOTO DIVULGAÇÃO EMATER

CAPA

Operação Tatu, um salto de produtividade Como já ocorreu no passado, a Emater elabora projetos e ações para provocar a reflexão sobre o uso do solo e as formas de manejo, fundamentais para garantir a produção de alimentos. Segundo Edemar Valdir Streck, assistente técnico estadual em Recursos Naturais da Emater/RS-Ascar, a primeira ação ocorreu com a Operação Tatu (de 1950 a 1970). Desenvolvido principalmente em Santa Rosa, o Plano Estadual de Melhoramento da Fertilidade dos Solos banhou as lavouras por quantidades excepcionais de calcário, iniciando-se os primeiros saltos de produtividade. “Os solos da região Noroeste estavam desgastados devido aos

sucessivos plantios de soja e ao manejo inadequado da terra. A impossibilidade de produzir forçava as famílias a saírem de suas terras à procura de outras ou em busca de empregos na cidade.” A operação foi coordenada pelo engenheiro agrônomo natural dos Estados Unidos, John Murdock. Ele também capitaneou a instalação do curso de pós-graduação em Ciência do Solo na Faculdade de Agronomia da UFRGS, em 1965, o primeiro no país. Na década de 60, o RS produzia 219 mil toneladas de soja, saltando para 5,1 milhões em 1980. O projeto recebeu o nome de Operação Tatu pela grande quantidade de buracos abertos


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Preservar e consumir de maneira racional nas lavouras para submeter o solo à análise técnica. “O Banco do Brasil só liberava financiamento mediante avaliação do solo.” O aprimoramento do sistema de plantio direto também ajudou a melhorar a produtividade nas lavouras e a sua conservação. No entanto, em muitas propriedades, a técnica era mal aplicada, o que gerava grandes perdas de solo, principalmente de água. Com a terra compactada, se impedia a entrada das raízes e da água em profundidades maiores. A água que não infiltrava no solo causava erosão nas lavouras e nas estradas, depositando sedimentos nas baixadas e assoreando rios, levando agroquímicos e contaminando os mananciais hídricos, o que exigiu uma reflexão dos produtores e técnicos quanto à sua eficiência. Conforme Streck, “Com a produção de palha menor, a terra diminui a capacidade de infiltração e retenção de água.”

O solo responde ao tratamento recebido, resume o produtor José Hélio Diedrich, de Linha Lenz, Estrela. Em 14 hectares, cultiva soja e milho para silagem, utilizada para alimentar as18 vacas leiteiras. Há 25 anos, implantou o sistema de plantio direto. Antes, toda área era lavrada pelo menos uma vez por ano. “O uso inadequado provocou erosão, perdas na fertilidade e capacidade produtiva. Sem palha, em anos de estiagem o prejuízo era enorme pela falta de umidade na terra.” Outro problema era a compactação de solo, que afetava diretamente a produtividade, a sanidade as plantas e diminuía a reserva de água. Na lavoura, pela falta de cobertura vegetal, Diedrich perdia cerca de 50% dos volumes de chuva anuais. “A água corria pela área compactada, levava embora fertilizantes e agrotóxicos, causando até a poluição de mananciais. Tudo tinha que ser reposto para manter a produtividade das culturas.” A mudança na forma de gerenciar a terra trouxe benefícios e reduziu custos com agrotóxicos e adubos. Apenas as áreas de pastagem são gradeadas a cada 4 anos, caso seja necessário. No inverno, toda área recebe o plantio de aveia. São feitas análises de solo a cada dois anos. Conforme a necessidade apontada por laudos técnicos, são acrescidos 90 mil quilos de esterco de galinha e 25 toneladas de calcário.

O segredo da conservação está na produção de matéria orgânica. Por ciclo, são produzidas em média dez toneladas para cobrir a superfície do solo. Outro diferencial é a rotação de culturas. “A palha reduz o impacto da gota de chuva no chão, evita a erosão e garante umidade para a planta mesmo em épocas de escassez hídrica.” Os resultados são visíveis: a produção por hectare triplicou, o impacto ambiental é menor, a erosão foi controlada, diminuiu o uso de insumos, o ciclo de pragas e doenças devido à rotatividade das culturas foi quebrada e a retenção de umidade favorece as plantas em épocas de estiagem.

O solo precisa estar coberto o ano inteiro. Evita erosão, mantém a umidade na lavoura, faz a planta ter mais vitalidade para expressar seu potencial produtivo e reduz os custos com agrotóxicos e adubos.” José Hélio Diedrich, produtor


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Monocultura favorece erosão Principais fatores que aceleram o processo de erosão do solo: expansão da agricultura, especialmente das monoculturas trigo/soja, mecanização intensa e desproporcional à capacidade das lavouras, desrespeito ao zoneamento agroclimático das culturas, aplicação excessiva de agrotóxicos e a eliminação de algumas práticas conservacionistas, com redução da capacidade de armazenamento de água. Segundo Streck, a taxa de erosão varia de acordo com o regime e a intensidade das chuvas, do tipo e da declividade do solo, do sistema de uso e manejo adotado e em função das práticas conservacionistas complementares utilizadas, como o cultivo em contorno e transversal ao declive, a manutenção e construção de terraços e a implantação de cordões vegetados.

Sem essas técnicas, a água da chuva não é absorvida pelo solo e ocorre grande perda de água, redução no armazenamento hídrico no lençol freático e maior oscilação de vazão dos mananciais, observa o técnico. Osmar Levinus, de Teutônia, faz duas safras de milho na propriedade de dez hectares. Durante o inverno, para garantir a cobertura do solo para o ciclo de verão, semeia aveia. “Na confecção de silagem quase nada de matéria orgânica fica sobre a terra. Por isso plantamos a forrageira. Além de evitar a erosão, ajuda a absorver a umidade essencial para o desenvolvimento da planta.” Para manter o potencial produtivo, acrescenta 150 quilos de calcário e dejetos de bovinos à lavoura por ciclo. “Reduz a aplicação de adubos químicos e mantém a terra rica em nutrientes.”

Na confecção de silagem quase nada de matéria orgânica fica sobre a terra. Por isso plantamos a forrageira Osmar Levinus, produtor


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DEZEMBRO/2015 MACIEL DELFINO

Programa quer reduzir perdas Neste mês o governo estadual lançou o Programa Estadual de Conservação de Solo e Água. A meta é diminuir, até 2020, em 20% as perdas de produtividade causadas pela uso inadequado desse recurso. Conforme o secretário da Agricultura, Ernani Polo, ao ano, são perdidas de seis a oito toneladas de solo por hectare devido à erosão hídrica. “Com melhor manejo e uma terra mais fértil, teremos potencial de aumentar a produtividade”, pontua. No pacote das ações, estão debates, treinamento, extensão rural, campanha, seminários regionais e materiais educativos, dentro do tripé econômico, social e ambiental. “O plantio direto é executado de qualquer jeito, morro abaixo, morro acima.

E vai contra os princípios “conservacionistas”, pondera Streck. Destaca a necessidade de retomar técnicas como rotação de culturas, cobertura do solo e plantio direto para ampliar a capacidade de armazenagem de água do solo em momentos de falta chuva. A ideia é desenvolver ainda ações nas salas de aulas e premiar produtores e escolas com projetos-modelo. O RS se equipara aos estados de Paraná e de São Paulo, e ao país vizinho Uruguai, que também já seguem uma legislação específica para evitar erosão e degradação das terras agrícolas. “No Uruguai, só é permitido plantar soja em no máximo 1/3 da área. Aqui, a escolha fica por conta do agricultor”, compara Edemar Streck.


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CAPA

Perde-se 23 hectares por minuto •No país, são cultivados 57 milhões de hectares •Em torno de 100 milhões estão degradados •As lavouras brasileiras sofrem perdas anuais de 500 milhões de toneladas de terras que arrastam junto cerca de 8 milhões de toneladas de nitrogênio, fósforo e potássio •No mundo, 1/3 das terras agrícolas tem “alto ou médio” grau de degradação •A cada ano, 12 milhões de hectares produtivos são perdidos para a desertificação

Importância do solo • Solos saudáveis são a base para produção de comida saudável • São a fundação para a produção vegetal que fornece comida, fibras, energia e produtos medicinais • Suportam a biodiversidade do planeta • Ajudam a sociedade a combater e se adaptar às mudanças climáticas, por ter um papel fundamental no ciclo do carbono • Filtram e armazenam água, melhorando a resiliência a enchentes e secas • É um recurso não renovável, então, a preservação é essencial para a segurança alimentar e um futuro sustentável.

Principais razões para as perdas

Desafio: armazenar mais água Em razão do estado ter um clima muito instável, períodos de chuvas excessivas e outros, de estiagens, são necessárias ações de uso, manejo e conservação do solo e da água, para reduzir perdas por erosão e armazenar mais água na terra, afirma Streck. Investir no cultivo de plantas recuperadoras de solo, como o nabo forrageiro após colheita da soja precoce e depois com trigo ou aveia no inverno, é uma alternativa destacada como viável para melhorar as condi-

ções físicas e o armazenamento de água no solo. De acordo com o técnico, a degradação do solo e a escassez de água impõem um novo desafio à tarefa de alimentar a futura população mundial. Esse alerta foi dado pelas Nações Unidas ao declarando e 2015 o Ano Internacional dos Solos, para chamar a atenção da sociedade e setor público da necessidade de desenvolver ações para aumentar a produtividade e a conservação dos recursos naturais, adverte Streck.

• Baixa quantidade de resíduos culturais remanescentes dos cultivos anteriores (pouca produção de matéria orgânica). • Excesso de pressão mecânica no solo • Normalmente as máquinas entram no campo sob condições de excesso de água no terreno, o que favorece a compactação, aumenta a densidade, diminui o volume de macroporos e a infiltração de água. • A operação de semeadura não é realizada em contorno ao declive na quase totalidade das lavouras. • A falta de práticas conservacionistas de suporte, como o cultivo em contorno e o terraceamento • Não há rotação de culturas Fonte – FAO, Embrapa e Sociedade Brasileira da Ciência do Solo (SBCS)

Precisamos produzir mais palha, cobrir a terra o ano inteiro. Isso reduz a compactação e eleva a capacidade de reter água da chuva nas lavouras. Fazer a rotação de culturas também conserva o solo e o preserva para as futuras gerações garantir a produção de alimentos.” Egon Bünecker, produtor


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DEZEMBRO/2015 MARCELO GOUVEA

“É preciso manter o solo coberto”

Além do plantio direto, implantado em 1986, Martin e Egon apostam na formação de palha e rotação de culturas para conservar o potencial do solo

Dos mais de sete milhões de hectares cultivados no RS na safra de verão, apenas 2,5 milhões foram ocupados por outras culturas no inverno. O restante, recebeu pastagem ou ficou sem cultivo (pousio) neste período. Nos 120 hectares cultivados pela família Bünecker, em Cruzeiro do Sul, a realidade é diferente. Além do plantio direto, implantado 1986, Martin aposta na rotação de culturas para manter o solo coberto e produzir a quantidade ideal de palha para ajudar a preservar o solo e a umidade. “O êxito do sistema de plantio direto depende da produção anual de oito a 12 toneladas de palha e raiz. E isso só se consegue com rotação e sucessão de culturas.” Na época quando a técnica foi implantada, Martin precisava superar alguns

obstáculos – como a falta de conhecimento, orientação técnica e equipamentos. Ele fez parte de um grupo de agricultores interessados em viabilizar o sistema do sistema. Foi criado o extinto Clube Amigos da Terra, sediado em Teutônia. Com a entidade, participou de eventos técnicos para tentar popularizar e implantar o plantio direto em mais propriedades do município e região. Para qualificar a utilização do método, trouxeram especialistas do Paraná, na época, estado considerado referência no sistema, para palestrar no clube. Ano após ano, os resultados foram percebidos e o plantio direto expandido para mais áreas. “Tendo cobertura vegetal, o solo absorve mais água, se torna mais fértil e conseguimos aumentar a produ-

tividade por hectare, além de preservar a terra. Sem matéria orgânica, ocorre a compactação, quando a terra diminui a capacidade de infiltração e retenção de água.” O próximo desafio segundo Bünecker é reduzir a aplicação de defensivos e químicos na lavoura. “Apesar de manter a lavoura limpa, aos poucos mata a terra.” A adoção do sistema de plantio direto também reflete em menores custos com serviços de maquinário e combustíveis. “Com a aração e gradagem éramos obrigados a passar pela mesma área várias vezes. Além de compactar o solo, aumentava o custo”, comenta o filho Egon, 26. Para ele inexiste eficácia no plantio direto, sem priorizar a produção de palha e a rotação de culturas.


Dália Alimentos aplicará R$ 20 milhões na construção de quatro condomínios leiteiros. A primeira estrutura foi inaugurada neste mês, em Nova Bréscia, com capacidade para 262 animais. São 16 famílias associadas. Sistema operado por robôs eliminará trabalho braçal, qualificará o processo produtivo e amenizará a falta de mão de obra.

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Cooperativa investe em sistema automatizado U

m dos projetos mais ousados da cadeia leiteira no RS foi colocado em prática neste mês. Pioneiro e inovador, reúne 16 famílias associadas. Recebeu investimento de R$ 5 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A estrutura ocupa 13 hectares em Linha Tigrinho Baixo, Nova Bréscia. Outras três estão em construção em Roca Sales, Arroio do Meio e Candelária. O condomínio Dei Produttori di Latte Bréscia é o primeiro a ter ordenha robotizada executado de forma associativa no país e na América Latina constituído por pequenos produtores de leite. O pavilhão central, dividido em pista de alimen-

JUREMIR VERSETTI/CHINELAGEM PRESS

As informações coletadas durante a ordenha são encaminhadas para a tela do computador

tação, área de camas e sala de espera, tem capacidade para 262 animais. No momento, há 115 animais em lactação e 66 vacas secas e novilhas. A produção atual é de 2,5 mil litros,

Estruturados em sociedade, com alta tecnologia e baixo custo de produção, um produtor que é pequeno em escala pode ficar grande com os demais do grupo e se manter na atividade.” Gilberto Antônio Piccinini, presidente

com estimativa de atingir 6,5 mil litros em sua capacidade máxima. Todo automatizado, o projeto opera com três robôs da marca DeLaval, importados da Suécia.Eles fazem a ordenha das vacas 24 horas por dia, sete dias por semana. Cancelas, que são abertas conforme diagnóstico de um chip acoplado em cada animal, determinam a direção de cada vaca. Dessa forma, elas sabem o momento exato de ordenhar ou se alimentar. De acordo com o presidente do Conselho de Administração, Gilberto Antônio Piccinini, a escolha pela ordenha robotizada foi motivada pela busca de uma solução para o déficit de mão de

obra na região e uma alternativa para incrementar a produtividade. Na área do leite, a

cooperativa buscou subsídios e modelos implantados na Europa e EUA. “Muitas famílias não têm como competir com a realidade de produção que está sendo implantada. Estruturados em sociedade, com alta tecnologia e baixo custo de produção, um produtor que é pequeno em escala pode ficar grande com os demais do grupo e se manter na atividade.” Segundo o presidente-executivo da cooperativa, Carlos Alberto de Figueiredo Freitas, o projeto surgiu depois de várias viagens, estudos e debates. “O mundo atual necessita de escala de produção, por isso, apostamos nessa ideia revolucionária.”

De volta à atividade Após desistir por falta de mão de obra há 27 anos, Admir Lorenzon, 62, é um dos 16 produtores a integrar a associação. Alojará 20 animais. Como diferencial, destaca o uso da tecnologia para facilitar o trabalho, fazer o controle da qualidade e aumentar a produtividade, quesitos exigidos pela indústria e mercado consumidor. Aposta na contenção do êxodo rural. “Por não terem férias ou

folga, poucos jovens investem no setor. Esta nova forma de produzir pode atrair novos criadores. Inclusive podem buscar outras alternativas de lucro na propriedade e melhorar a qualidade de vida sem precisar migrar para a cidade.” Cada produtor é responsável por comprar as vacas e fornecer o alimento, sendo remunerado por cotas, com base no número de animais alojados.



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Com a demanda por carne e derivados em alta, associação busca novos criadores e pretende expandir os plantéis. Vendas registram crescimento de até 15% ao ano. Facilidade de manejo, rusticidade e desenvolvimento mais rápido para abate são atrativos para quem pretende iniciar a atividade e diversificar a economia.

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Mais espaço na prateleira A

pontada como nova opção para a diversificação da pequena propriedade, a criação de bubalinos pode oferecer lucro maior que o gado, devido às qualidades nutricionais. Por meio de parcerias com redes de varejo, a carne e derivados ganham cada vez mais destaque nos supermercados e conquistam novos consumidores. Há nove anos foi firmado o primeiro acordo da Cooperativa Sul-Riograndense de Bubalinocultores (Cooperbúfalo) com as Redes Zaffari/Bourbon. Mais recentemente, em novembro, foi estabelecida parceria com a redes de Lojas Imec. As vendas registram aumento de até 15% ao ano. Conforme o presidente da Cooperbúfalo, Julio César da Veiga Ketzer,

Precisamos superar o desconhecimento quanto às questões nutricionais.” Júlio Ketzer, presidente

ANDERSON LOPES

o maior desafio é suprir a demanda por matéria-prima. Hoje o rebanho gaúcho chega a 70 mil animais. Outro empecilho é o preço, que acompanha a cotação da carne bovina. Com a redução do poder de compra, está prevista uma pequena queda nas vendas. “Precisamos superar o desconhecimento quanto às questões nutricionais.” Segundo Ketzer, 70% dos abates são realizados nos frigoríficos Coopsul, de Bom Retiro do Sul, e Gassen, de Santa Cruz do Sul. No Frigorífico Ouro do Sul, são produzidos embutidos como linguiça mista (salsichão) e dois tipos de salsichas, a bock e a dog. Por semana, são abatidos entre 75 e cem animais com até 24 meses de idade. Em 2014, o total de abates ultrapassou seis mil cabeças. Com a procura constante e garantia de venda, a entidade busca novos criadores e a expansão dos plantéis. O preço da carne se equipara ao pago pela bovina, média de R$ 5,20 o quilo. Hoje 80% do rebanho está concentrado na metade sul (38% na fronteira, 25% na Região Central e Vale do Rio Pardo e 17% nas regiões Sudeste e Metropolitana). Há 1.448 criadores. As principais raças são murrah e mediterrâneo. Segundo dados relativos a 2014, os criadores movimentaram R$ 6,9 milhões. Foram produzidos 47 mil quilos de queijo. Até 2016, a meta é am-

Para estimular a compra, supermercados destacam propriedades nutricionais da carne pliar em 28% a industrialização, chegando a 60 mil quilos/ano.

Oferta ampliada A partir deste mês, os clientes do Imec Supermercados têm mais uma opção em carnes – a de búfalo, produto visado para quem busca uma comida mais nutritiva, saudável e saborosa. Quinze das 18 lojas oferecem o produto. Segundo o gestor comercial, Marcelino Schwerz, essa é uma parceria com o Frigorífico Gassen e a CooperBúfalos, com a finalidade de oferecer um produto com alto padrão de qualidade, saudabilidade e com preço atrativo. “Serão oferecidos todos os cortes de dianteiro, costela, chuleta, carnes para churrasco e bifes.” O volume inicial nego-

Criadores investem Erni Hartmann, 50, de Teutônia, comprou o primeiro casal de búfalos há 29 anos. Na época, a ideia era aproveitar uma área de terras alagadas, onde outra atividade seria inviável. A rusticidade e as qualidades nutricionais da carne incentivam o produtor a ampliar o plantel.

ciado é de 11 cabeças, com a perspectiva de chegar a 25 no próximo ano. “É um volume limitado, pois o rebanho no RS é muito pequeno.” Para incentivar a compra e explicar o potencial nutritivo da carne, todos os açougueiros passaram por treinamento.

Em 25 hectares, cria 11 animais. O abate ocorre aos 18 meses, quando o peso médio de cada animal chega a 200 quilos. Destaca a facilidade de manejo como um dos diferenciais. “Se adapta a qualquer ambiente.” A textura da carne é igual à bovina, no entanto, muito mais nutritiva.

De acordo com a nutricionista Giovana Bianchetti, em comparação com a carne de boi, a de búfalo tem cerca de 40% menos colesterol, 55% menos calorias e 12 vezes menos gorduras, além de oferecer mais proteínas, minerais e vitaminas.


DEZEMBRO/2015

A rizipiscicultura, a criação de peixes consorciada com a cultura de arroz irrigado, ganha espaço nas lavouras e aumenta os lucros. Atividade foi implantada no estado faz dez anos. Por ciclo, produção de pescado chega a sete mil quilos.

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Lavoura que dá peixe E

nquanto produtores de arroz lutam contra dificuldades econômicas, os agricultores familiares diversificam e obtêm uma renda anual de cerca de R$ 4 mil por hectare com a produção de arroz irrigado integrada à criação de peixes. Conforme o técnico da Emater de Faxinal do Soturno, Roque Dall Asta, a rizipiscicultura foi implantada no estado faz mais de dez anos. Os tabuleiros de arroz na atividade ocupam em média um hectare. Em um dos lados longitudinais, é construída uma vala de cerca de 1 metro de profundidade e 80 centímetros de largura, que serve como abrigo para os peixes nos dias mais frios ou durante a colheita do arroz. Ao redor de todo arrozal, são feitas elevações de terra (taipas) de cerca de 80 centímetros. O custo de adaptação de uma área para iniciar a criação está orçado em R$ 600. Cerca de 20 dias após a semeadura do arroz, em meados de outubro, os alevinos são colocados na área, onde se desenvolvem durante um ano. A lâmina de água que cobre a área é elevada conforme o crescimento das plantas. Ela chega a atingir cerca de 30 centímetros e possibilita que os peixes se desloquem livremente. Quando chega a hora da colheita, em abril, os peixes se escondem na vala de refúgio durante o trabalho das colheitadeiras. Em seguida, o arrozal é novamente coberto de

água, transformando-se em um açude, onde os peixes permanecem sete meses até o período da nova semeadura, alimentando-se de restos de culturas. “Com um manejo adequado e um pouco de alimentação suplementar, o produtor pode tirar cerca de sete t/ ha de peixe.” O consórcio é uma alternativa para reduzir custos, pois os peixes reciclam a matéria orgânica, preparam o terreno para a próxima safra e consomem sementes de plantas invasoras, larvas de insetos e sementes perdidas na colheita. As espécies recomendadas para iniciar a criação são as carpas capim, prateada e húngara.

Engorda pós-colheita

Em Faxinal do Soturno, a atividade iniciou em 1995 com a adesão de três produtores. Hoje, apenas Moacir Galetti permanece. Os alevinos são depositados nas áreas após a colheita do grão. O peso de cada exemplar varia entre 800 gramas e um quilo. “Sapos, passarinhos, cobras e outros animais se alimentavam dos alevinos. As perdas

Produção chega a 7 toneladas por hectare. Peixes ajudam a preparar a terra, reciclam a matéria orgânica e consomem sementes de plantas invasoras

chegavam a 70%, por isso, invertemos o processo.” Após a colheita, o terreno é nivelado e alagado. “O ideal é transferir os peixes do açude para a nova área após 20 dias, quando passou o período de fermentação da área.” O aconselhado é criar até 350 animais por hectare. A alimentação é feita a partir dos restos culturais e adubação. A despesca ocorre em outubro, um mês antes do produtor iniciar o preparo da terra para a nova safra. O preço do quilo acompanha a cotação do gado de corte, cerca de R$ 5.

“Desisti por falta de apoio” Silberto Grützmacher,

de São Borja, era um grande orizicultor. Em 1980, o cereal chegou a ocupar 1,7 mil hectares. Com a queda brusca dos rendimentos e a alta nos custos, ele, assim como a maioria, faliu. Como o modelo antigo não servia mais, migrou para uma atividade até então pouco explorada, a rizipiscicultura (integração ecológica arroz + carpas). A redução de até 50% na aplicação de agroquímicos, eliminação total das pragas e doenças e a oportunidade de produzir um grão livre de agrotóxicos foram as principais vantagens observadas. “Não há produto químico que faça um controle tão bem-feito da lavoura que nem o peixe.”

No entanto, há três anos, desistiu por falta de apoio técnico e pela contrariedade das empresas multinacionais vendedoras de agrotóxicos e adubos. “Lutei contra tudo e contra todos para implantar esse modelo, mas acabei falindo. Me transformei em um ambientalista, mas isso interessa para poucos, pois não reverte em lucros.” Grützmacher despescou três mil quilos de carpas por hectare em 24 meses, além da produção de até nove mil quilos do cereal. Sem ter como beneficiar o grão, a média paga por saca é igual ao produzido em lavouras convencionais. Mesmo tendo desistido, ressalta que o sistema é lucrativo. Pode ser feito em consórcio com a lavoura ou após a colheita. Parte das terras onde o arroz era cultivado foi arrendada. No restante, o produtor começou a construir açudes para criar peixes. DIVULGAÇÃO EMATER



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