Artefato - 4/2011

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artefato

Jornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília,

Um raio-X dos problemas da Estrada Parque Taguatinga Guará (EPTG) 48 e 9

ano 12, número 1

Como informar corretamente o endereço na cidade que não tem bairros44

“Pela primeira vez quis fechar os olhos e morrer também”

abril de 2011

Estudantes relatam experiências de intercâmbio em outros países412 e 13 Mariana Santiago

Essa mulher perdeu os três filhos. A história dela engrossa as estatísticas que colocam o DF quase no topo do ranking de homicídios de jovens 410 e 11


opininão

Editorial

Primeira etapa vencida D Amanda Perissê

e cara nova e equipe estreante, o Artefato chega à primeira edição de sua 12ª temporada. A opção decidida em consenso pelas turmas (manhã e noite) foi por dar mais atenção à parte gráfica. Tanto na diagramação, com aposta em cores leves e imagens abertas, quanto no espaço fixo dedicado a infográficos, uma forma de mostrar que boa apuração e reportagem rigorosa combinam com um visual atraente. A manchete traz um dado vergonhoso para a capital. Um estudo chamado Mapa da Violência indica que o DF é a quarta pior unidade da Federação nos índices de homicídios entre jovens. Uma equipe de repórteres colheu depoi-

mentos e transformou os números em tristes histórias de quem vive sob influência da violência e do tráfico. Outro assunto importante são os transtornos causados pela obra inacabada na EPTG. Depois de dias de apuração, a reportagem gráfica identifica os pontos mais críticos da via, como falta iluminação, pontos de alagamento e sinalização deficiente. Um chamado aos responsáveis por políticas públicas. Os recorrentes apagões e os problemas que eles trazem a quem depende de energia 24h como condição de sobrevivência também mereceram destaque, assim como as dificuldades que

as mulheres enfrentam para conquistar espaço no mercado de trabalho. As venturas e desventuras de quem embarca em intercâmbios, uma análise do crescimento do número de bares em Águas Claras e uma incursão nos conceitos da nutrição funcional ajudam a dar o ar de diversidade a que o jornal se propõe. Para completar, uma contribuição que espelha o espírito do Artefato, de abertura às contribuições dos alunos de jornalismo da UCB. Uma estudante do sexto semestre ofereceu à redação um olhar diferenciado sobre um encontro cheio de cartas marcadas com Michelle Obama. Boa leitura! artefato

Ombudskvinna

Análise da edição anterior do Artefato

M

ais um ciclo do Artefato é finalizado. Um jornal que no semestre passado evoluiu na estética e no modo de fazer jornalismo do grupo que o idealizou. Grupo este que enfrentou problemas graves como o plágio, mas se superou na qualidade das matérias em cada edição publicada. Nesta última, a preocupação com a saúde e o trânsito trouxe os temas mais tratados em todas as edições. Temas pertinentes que sempre vão fazer parte da nossa agenda jornalística.

Expediente Artefato

Jornal-jaboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Ano 12, nº 1, abril de 2011 Reitor: Pe. José Romualdo Degasperi Direção do Curso de Comunicação Social: Prof. André Luís Carvalho Disciplina: Produção e Edição de Impressos Editores-chefe: André de Castro e Amanda Perissê

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No tema saúde, destaque para a matéria “Dinheiro não falta, mas o paciente não vê” que mostrou com dados específicos aquilo que o senso comum já suspeitava: a falta de administração do dinheiro público que é investido na saúde. Já no tema trânsito o uso da primeira pessoa foi muito comum para descrever experiências diante das peripécias do trânsito do DF. Algo que precisa ser mais aperfeiçoado para o jornal nas próximas edições é a melhor descrição dos fatos acontecidos e acompanhados pelos repórteres de forma que os leitoresnos se sintam dentro do metrô ou do ônibus lotado, principalmente para quem não costuma passar por esse tipo de situação no seu dia-a-dia.

Retomar uma ferida do início do semestre foi crucial para o jornal. A equipe do Artefato provou com a matéria “Cópia” que repudia o ato praticado pelo estudante e de certa forma pede desculpa ao leitor trazendo a fala arrependida do plagiador. Algo inesperado que ajudou a edição a fechar com chave de ouro. Em todas as edições, a cada texto lido e analisado, pude perceber falhas e acertos que eu mesma canso de cometer, como estudante de jornalismo que sou. Fecho esse ciclo e passo o aprendizado, então, à próxima Ombuskvinna, Nathália Coelho. artefato

Projeto gráfico: Eduardo Pessoa

Orientação gráfica: Profs. Amaro Jr. e Thiago Sabino

Ane Gottlieb

Repórteres: Amandda Souza, Cleicilene Lobato, Gabriela Lobato, Gilmar Satão, Haiany Melo, Kellen Karina, Lilian Alves, Mariana Santiago, Paulo Freire e Renata Bittes

Estágio docente: Vânia Gurgel

Fotógrafos: Gabriela Melo, Jônathas Oliveira, Nilson Carvalho e Rick Astley

Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: F Câmara Gráfica

Editor de fotografia: Nilson Carvalho Editora de texto: Narlla Salles Professores responsáveis: Gustavo Cunha e Karina Gomes Barbosa

Orientação de fotografia: Prof. Thiago Sabino

Universidade Católica de Brasília EPCT QS 07 lote 1 Águas Claras - DF CEP: 71966-700 Telefone: 3356-9337 artefato@ucb.br

artefato


Gilmar Satão

cidades

Energia vital

Os apagões no DF colocam em risco a vida de gente como Adailton Alves Gilmar Satão

Q

uem anda por Brasília à noite consegue contemplar, de alguns pontos, a cidade toda iluminada – desde a pensada por Lúcio Costa até as estradas-parque que rasgam a cidade ao meio. Mas, de vez em quando – e cada vez mais – quem anda pela capital vê uma cena muito diferente: Brasília às escuras. Os apagões atrapalham o cotidiano dos brasilienses, sem escolher classe social: do Lago Norte à Samambaia, passando por Ceilândia, Águas Claras e Brazlândia, todos estão na mesma situação. “A falta de energia é constante. Isso causa problemas domésticos sempre. O microondas, as lâmpadas, foram alvo da ultima falta de energia. Teve um dia que a energia faltou e ficamos mais ou menos 17 horas sem energia. Os alimentos da geladeira estragaram”, conta Maria Vaneide dos Santos, 52 moradora de Águas claras. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Brazlândia foi a cidade mais afetada: foram 29,3 horas de escuridão em 2010. O máximo aceito pelo órgão são 16 horas. Enquanto muitos brasilienses enfrentam prejuízos com os apagões, o resultado da falta de luz pode ser muito pior para gente como Adailton Alves de Carvalho, que precisa de energia elétrica para continuar vivo. Aos 18 anos, o jovem brinca-

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va com o irmão caçula, Adailson, de correr atrás de pipas. Subiu no telhado da casa da avó, em Taguatinga, e não reparou num fio que estava perto. O choque nas costas foi tão grande que ele teve uma parada respiratória de 13 minutos. O diagnóstico foi tetraplegia. Hoje, aos 22 anos, Adailton não fala nem se mo-vimenta, e depende de equipamentos para limpar as secreções e os restos de comida acumulados da traqueostomia. No quarto da casa onde mora com a mãe, Maria de Lourdes, 49, a televisão fica ligada no mesmo canal, quase o dia todo. Parece que ninguém assiste, mas Adailton observa tudo, os olhos arregalados. “São quase quatro anos deita-do em cima da cama”, conta a mãe, que já não consegue carregar o filho, sozinha, para colocá-lo na cadeira de rodas. A rotina de Adailton depende completamente da mesma energia elétrica que o colocou na condição atual. “Meu filho tem que se alimentar seis vezes ao dia, fazer ne-bulização quatro vezes e usar o aspirador para limpar a região por onde a comida passa, no pescoço”, relata Maria de Loudes. A alimentação, especial, é toda batida no liquidificador, para passar na sonda. A nebulização o ajuda a respirar direito. A drenagem impede que Adailton engasgue. Para ajudar nos cuidados com o irmão mais velho, Adailson instalou um sistema de monito-

ramento com câmeras e uma tevê. Da cozinha, a mãe via o filhe na cama. Desde a última queda de energia, Maria de Lourdes mal consegue dormir. O motivo? O apagão queimou todos os equipamentos. “Teve um dia que acabou a luz aqui em casa. Quando voltou, o sistema de monitoramento queimou. Foram duas tevês e um computador. Comprei apenas outra televisão porque é a única coisa que o Adailton gosta. O resto está lá, queimado”, lamenta a dona de casa.

Histórico de problemas

Atualmente, a Companhia Energética de Brasília (CEB) acumula dívida de R$ 800 milhões. Só de multas aplicadas pela Aneel foram R$ 31 milhões em 2010. Das 27 multas que a CEB tomou nos últimos 10 anos, oito foram por conta de apagões. A agência realiza periodicamente fiscalizações em concessionárias e transmissoras em todo o Brasil. Quando ocorrem apagões, a empresa é notificada. Se for constatada falta de planejamento, operação ou manutenção, as penalidades vão de advertência à multa de 1% do faturamento anual. Um dos resultados do serviço ruim é a queda da satisfação do brasiliense com a empresa em 2010. Procurada pelo Artefato, a CEB não quis se manifestar. artefato

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cidades

Bairros, RAs, cidades-satélites?

Falta consenso e sobra confusão sobre a divisão do DF

Nilson Carvalho

Gabriela Lobato

P

ara quem não conhece o Distrito Federal, entender o padrão de endereços da capital pode ser complicado. SQN, SQS, SAAN, SAIN, QSA, CSA, “M” Norte, QE, QI. Essas são apenas algumas das siglas, espalhadas por todas as regiões do DF, que dão nó na cabeça de turistas, moradores, atendentes de telemarketing... Ainda por cima, não existem bairros como no resto do país. Mas há outra questão que confunde: a falta de um posicionamento único sobre as divisões da capital. O artigo 10 da Lei Orgânica do DF deixa clara a organização em regiões administrativas, com a proposta de descentralização. Mas isso não responde a questão. Marisol Carvalho da Silva, 38, se mudou para Ceilândia há dois anos e ainda tem dúvidas. Ao procurar assistência social, o atendente preencheu o campo “Cidade” como “Brasília” e, no bairro, “Ceilândia. Mas as duas não são regiões administrativas diferentes? E nenhuma das duas é bairro ou cidade.

Nem estado nem município

Apesar de parecer uma cidade independente, Taguatinga é uma das 30 regiões administrativas do DF 4

O Distrito Federal não é município nem estado. Como entidade federativa única no país, é regido por lei orgânica, típica de municípios. Como os estados, tem apenas governador. As RAs não têm autonomia – são comandadas por administradores submetidos ao GDF. A Constituição proíbe a divisão do DF em municípios, mas afirma que o distrito tem algumas competências comuns a eles e outras atribuídas a estados. Ou seja, é um misto de ambos sem ser nenhum dos dois. As regiões administrativas parecem, sim, os bairros das outras cidades do país, só que mais independentes. A autonomia é superior à dos bairros, mas menor que a das cidades que orbitam à volta das capitais estaduais. Não são cidades, mas também não são “cidades-satélites”, como era comum dizer antigamente. Um decreto de 1998 do GDF proibiu o uso da expressão em documentos oficiais, já que a idéia de “satélite” é meio pejorativa. Mas diante das diferenças, como explicar o DF a quem é de fora? O jornalista Rafael Barifouse, 28, se aventurou em terras candangas pela primeira vez em 2008. “Visitar Brasília pela primeira vez é uma experiência quase extraterrena para um carioca”, brinca. “Por mais que a gente tenha na mente o Plano Piloto, no já manjado formato de avião, para entender como isso se distribui no espaço, só mesmo com a maquete próxima ao Palácio do

Planalto”, lembra. Ele foi levado à Praça dos Três Poderes para ter uma noção da divisão territorial da capital.

Cidade, sim

Marisol Carvalho prefere definir para as pessoas de fora Brasília como uma “cidade única”. Já o morador do Gama Joel Ribeiro, 41, discorda de Marisol. Ele afirma com toda certeza que o Gama é uma cidade independente. Para o arquiteto Júlio Lobato, as opiniões diferentes são resultado de falta de informação. “O leigo aceita isso naturalmente.” Segundo ele, essa falta de entendimento sobre as RAs está ligada às questões que nasceram com a criação das ocupações não planejadas. São questões históricas. O arquiteto explica que Brasília era uma cidade planejada para fugir do convencional. “Não há avenidas nem outras características de cidade grande. Era só o Plano Piloto. Para dar moradia aos operários das construtoras, houve a necessidade de se criar os núcleos habitacionais – as atuais regiões administrativas.” Ele reforça o pensamento de Marisol Carvalho: “Quando vou para fora do DF, prefiro dizer que moro em Brasília, que é o Plano Piloto, e que as cidadessatélites se equiparam aos bairros tradicionais das cidades brasileiras”. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contribui para o desencontro geral. O órgão considera o quadrilátero do Distrito Federal como um único município e as 29 RAs, exceto o Plano, como setores habitacionais. Assim, os dados estatísticos do DF apurados nacionalmente não são divididos internamente, o que dificulta ao brasiliense – e ao brasileiro – ter uma clara noção das diferenças econômicas e sociais da capital. A ausência de nomenclatura uniformizada sobre o DF deixa dúvidas e abre discussões. Na internet o debate é dominado sobre o fato de os Correios adotarem as RAs como bairros e não municípios. Em janeiro, o órgão soltou uma norma ensinando os brasilienses a preencherem endereços em cartas e formulários. A idéia é que cada RA seja um bairro. No campo “Cidade” se escreve sempre Brasília. DF fica sendo o estado. Se a região administrativa tiver uma divisão interna, esse é o bairro. Entre parênteses vem o nome da RA. De acordo com os Correios, a normatização é para facilitar o sistema de endereçamento de correspondência e formulários. A empresa aconselha, contudo, que o mais importante é não errar o CEP, talvez prevendo ainda mais confusão pela frente. artefato

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Stephany Cardoso*

Q

uando se é convidado a almoçar com alguém, a socialização é implícita. Mas, e se o convite é da primeira-dama dos EUA, Michelle Obama? Dos 70 estudantes escolhidos para o evento, 31 eram do Centro Interescolar de Línguas. Depois do êxtase com a notícia, a dúvida: como aproveitar a oportunidade e fazê-la sair, ainda que pouco, do discurso pronto repetido à imprensa? Depois de nomes e documentos checados, e de seguir a recomendação prévia de usarmos roupas informais, embora arrumadas, o embarque nos ônibus com funcionários da Embaixada dos EUA. No caminho até a Oca da Tribo, instruções: nada de levantar cartazes. Nas mãos, só celulares. Ir ao banheiro, só antes. Depois de sentados, ninguém levantaria. Nada de presentinhos à primeira-dama: uma funcionária da embaixada guardaria tudo. Fotos, só depois do evento. Quando Michelle chegasse, os aplausos deveriam ser de pé. Nas apresentações dos grupos Raízes do Brasil e Batalá, era até permitido levantar e dançar, mas só no espaço em torno da cadeira. À entrada do restaurante, revista pelos agentes do serviço secreto. Já dentro, café da manhã à base de pão de queijo e suco de caju servido em taças de vinho. Com o informe de que a primeira-dama chegaria a qualquer momento, nos avisam para “comer tudo em cinco minutos”. A funcionária que nos trouxe me acomoda de frente para o púlpito.

Elza Fiúza/ABr

“Convidada” a evento com a primeira-dama dos EUA, repórter da UCB revela jogo de cartas marcadas

Observo a imprensa entrevistando ilustres jovens embaixadores, “íntimos” de Michelle, pois a visitaram na Casa Branca em 2010. O atraso da comitiva nos mantém sob sol forte, já que a plateia precisa manter em ordem o cenário “tropical”.

Coro Aliviada a irritação em tweets, me ajeito com o anúncio da chegada célebre. Após os demorados aplausos (de pé, como rezava o figurino), ouvimos o relato da universitária e jovem embaixadora Raquel Silva. Os olhares de todos percorrem Michelle, sua mãe, as filhas Malia e Sasha e a madrinha de uma das meninas. A curiosidade é mútua: Malia analisa a todos da cabeça aos pés. Raquel conta sua história de superação, de quem não tinha nada e conseguiu circular entre os grandes. Sua voz não faz coro com os estudantes que não têm sua sorte ou sua aspiração. Mas, da primeira-dama, ganha um sorriso. Quando se levanta, Michelle desfila o terceiro modelito do dia: vestido nude, de corte que evidencia as longas pernas e o porte quase encolhido, tornando menos impositivos seus 1,82m. Cada detalhe de seu badalado estilo fala mais que palavras, como as pulseiras tribais em contraste com o tecido nobre. Leva a presença altiva e o sorriso simpático ao microfone. “Bom dia”, diz, e arranca aplausos agradecidos pelo esforço em “falar” nosso idioma. Está agora “em nossa vizinhança”. Em seguida, nos aproxima de sua trajetória: sua família não era rica, nem a do presidente. Ambos ascenderam pelos estudos. Saca o discurso da

política

Desencontro com Michelle

superação individual, e, por um instante, baixa o olhar das câmeras e o direciona a mim: “Nunca imaginei ser primeira-dama e estou aqui. Se consegui, para vocês também é possível, não importa de onde vieram, desde que sonhem grande e trabalhem arduamente”. O inesperado contato me faz consentir, desconfortavelmente. Não falou muito. Pediu para mostrarmos “o que temos”. Durante a roda de capoeira, agentes vigiam sérios os pés que voam próximos a Michelle. Enquanto me empolgo cantando, percebo palmas desritmadas ao lado. As mulheres do Batalá derramam sua beleza às câmeras e a percussão tira caretas de Malia e balanço da cadeira de Michelle. Ao fim, as Obamas saem, deixando os participantes entre elogios e murmúrios por não terem conseguido fotos. Da ausência de debate, nem um pio. Se a intenção era um simulacro, uma aura de proximidade para nos distrair do abismo que nos separa, foi excelente. Da encenação com estudantes ao descontraído discurso de Barack Obama no Theatro Municipal do Rio, a sensação de aproximação emana da tela da TV e das páginas dos jornais. Mas, à nossa “nação soberana”, que pede apoio para ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, resta o “apreço”. À demanda de que nossos produtos entrem livres no mercado deles, esquivas. E, enquanto exalta as belezas de uma democracia viva, “exemplo ao Oriente Médio”, aproveita o intervalo das batucadas para dar um telefonema que detona a guerra contra Muamar Kadafi, na Líbia. artefato *Sexto semestre de jornalismo da UCB, especial para o Artefato

“Nada de levantar cartazes. Nas mãos, só celulares. Quando Michelle chegar, aplausos de pé”

Apresentação do Batalá sob palmas de Michelle: espontaneidade cerceada

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economia

Tão perto, tão longe Mulheres estão distantes da igualdade na política André de Castro

N

Gabriela Melo

a Grécia antiga já se discutia a inserção da mulher em cargos de poder. Platão, por exemplo, foi um dos grandes defensores da mulher. Dados do Dicionário Enciclopédico ilustrado SAV (Sexo amor e vida) de 1968, obra originada do trabalho de diversos especialistas e médicos, diz que o filósofo pregava a abertura de todas as carreiras e oportunidades para todos os sexos. Aristóteles, ao contrário, influenciado pelos preconceitos da época, caracterizou a mulher como “um desenvolvimento interrompido”. E foi mais além: “quando a natureza erra na fabricação de um homem, sai uma mulher”. Um salto no tempo: da Grécia Antiga para o Brasil do século XX. Em 1933, a médica pedagoga Carlota Prereira de Queirós se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de deputada federal. Depois disso, se passaram longos 77 anos até que uma mulher conseguisse chegar ao cargo de presidente. Mas o fato de hoje uma mulher estar à frente do Poder Executivo não significa que elas conseguiram igualdade na participação política. Eliana Magalhães Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômico (INESC) e ex-integrante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), afirma que a baixa participação da mulher nessa área não se deve à falta de interesse. De acordo com ela, o fator primordial é “o embarreiramento”. Segundo a especialista, “hoje temos uma estrutura de poder machista e patrimonialista”. As barreiras começam na organização política. Os partidos, em geral, não têm uma política de inclusão das mulheres na vida partidária. “Logi-

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Geralda Godinho é uma das cinco administradoras regionais do DF

camente, com isso, há poucas que se dispõem a serem candidatas”. Eliana afirma que entre homens e mulheres ocorre uma disputa desigual com o poder econômico e político, porque os homens controlam a máquina partidária. Por isso mesmo, uma das lutas dos movimentos feministas é a inserção da mulher na política, afirma. Outro fator desestimulante apontado por Eliana é a “avaliação negativa que hoje a maioria da população faz da política”. Para ela, as mulheres ficam receosas de entrarem nessa arena, preferencialmente dominada pelo homem. 37 ministros brasileiros só NoDosDistrito Federal, apenas cinco mulheres aparecem à frente das 9 são do sexo feminino administrações regionais, enquanto os hoEntre os 513 deputados federais mens são 25. Apenas 34 são mulheres quatro mulheres comandam secretarias Dos 81 senadores em exercício de Estado, enquanto apenas 10 são mulheres os homens, 31. E entre os 24 deputados Nos estados do Brasil apenas 2 mulheres ocupam as cadeiras de governado distritais apenas qua25 estados Os homens estão à frente dos governos dos outros tro são mulheres. As dificuldades para a mulher Nas capitais brasileiras apenas 2 mulheres são prefeitas:chegar aodepoder são muitas. Luizianne Lins (Fortaleza) e Micarla Souza (Natal). Geralda Godinho Sales começou sua atuação política em 1985. Estava à frente da primeira greve ocorrida em shoppings no Distrito Federal. Passou pelo movimento sindical e foi da diretoria da Central Única dos Trabalhadores (CUT). É a atual Secretária Geral do Sindicato dos Comerciários, cargo do qual deverá renunciar por ter sido nomeada administradora do Riacho Fundo II em 2011. Quando assumiu o Sindicato dos Comerciários no DF, Geralda sentiu a discriminação na pele. “E na administração do Riacho Fundo II não é diferente”. Ela coordena a região administrativa há dois meses e afirma que as pessoas sentem insegurança em ter uma mu-lher na chefia. “Eu sinto isso. Quando a coisa ‘pega’, a concepção que a maioria tem de nós [mulhe-

“Temos uma estrutura de poder machista” Eliana Magalhães

1933

1979

1982

1989

Carlota Prereira de Queirós se torna a primeira deputada federal do país

Eunice Michiles é a primeira senadora, suplente. Só em 1990 duas senadoras foram eleitas

Esther de Figueiredo Ferraz assume o cargo de ministra no Brasil, na pasta da Educação

Lívia Maria Ledo Pio de Abreu Se candidata à Presidência da República pelo PN

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Maioria silenciosa

De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada no Distrito Fe-deral entre 2000 e 2010 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em parceira com a Se-cretaria de Estado de Trabalho (SETRAB), as mulheres estão melhores qualificadas para o mercado de trabalho do que os homens. Elas são maioria nos cursos superiores e nos cargos de gerência. Porém, os salários são menores, comparados aos de homens com o mesmo nível profissional. Isso significa que “ainda temos muito a caminhar, muitas barreiras a romper, muita discriminação e preconceito a combater”, afirma Eliana Magalhães. Tanto a especialista quanto a administradora acreditam que Dilma Rousseff na Presidência é uma quebra de paradigmas. Geralda se diz otimista quanto à participação da mulher nas próximas eleições: “Se a mu-lher chegou à Presidência, pode chegar a assumir qualquer outro cargo”, conclui. Eliana ressalta a importância

“Precisamos provar nossa força nas tomadas de decisões”

de se ter uma mulher à frente do Palácio do Planalto. Ela acredita que “influencia o imaginário da população feminina como possibilidade ao alcance de todas”. Mas é preciso ir além do simbólico, reforça: “Há que ter políticas públicas concretas de estímulo e de combate à discriminação contra as mulheres”. Quando se trata de mulheres no poder nos deparamos com um fator mais agravante, segundo observação de Eliana: “Com certeza não estamos falando de mulheres pobres e negras”. Essas mulheres, em especial, recebem os piores salários, são excluídas do acesso aos serviços públicos básicos e não chegam aos cargos de direção. “Quando isso acontece, é uma exceção que confirma a regra”, afirma.

tem a opinião de que as cotas como medidas de ação afirmativa para diminuir desigualdades são uma boa alternativa, ainda que por determinado período de tempo. “Se deixarmos pelo fluxo natural a igualdade não será atingida nem no próximo século”, sustenta a especialista. Garantir esse espaço de participação para as mulheres é uma forma de acelerar o processo de obtenção da igualdade, completa.

política

res] é que vamos chorar, nos descabelar. Precisamos provar nossa força nas tomadas de decisões, e estamos provando.”

Geralda Godinho

As cotas

Geralda declara que destinar um determinado número de vagas para as mulheres em todas as esferas de poder e nos cargos comissionados “não resolve o problema, mas ajuda”. Eliana

Longa trajetória

Foi em 1932, no governo de Getúlio Vargas, que as mulheres adquiriram o direito de voto e de candidatura. Pouco antes da década de 1970 a mulher não podia nem ter negócio próprio sem autorização do marido, previamente autenticada e registrada em cartório. Da mesma forma era o voto: sem autorização não se podia exercer o direito. Agora, já são chefes de estado, deputadas, gerentes, chefes de polícia e até ‘presidentas’, como gosta de ressaltar Dilma Rousseff. artefato

ora.

Dos 37 ministros brasileiros só

9 são do sexo feminino

Entre os 513 deputados federais

34 são mulheres

81 senadores em exercício apenas 10 são mulheres Dos

Nos estados do Brasil apenas 2 mulheres ocupam as cadeiras de governadora.

1995

2010

Roseana Sarney torna-se a primeira governadora brasileira, no Maranhão

Dilma Rouseff é a primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil

Os homens estão à frente dos governos dos outros

25 estados

Nas capitais brasileiras apenas 2 mulheres são prefeitas: Luizianne Lins (Fortaleza) e Micarla de Souza (Natal).

Infográfico: Thiago Sabino

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infogrรกfico


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cidadania

Perto do topo no ranking da violência contra jovens Lilian Alves Haiany Melo Amanda Perissê Kellen Karina Mariana Santiago

P

arecia que eu não estava ali, que não era uma coisa que estava acontecendo. Novamente um filho meu deitado no chão, sem vida. Eu pela primeira vez quis fechar os olhos e morrer também”. As frases são de Maria* , mãe solteira de 41 anos que perdeu três dos sete filhos em crimes ligados ao tráfico e à violência na periferia do Plano Piloto. “Eu vi esses meninos crescerem juntos, ficavam a tarde toda na minha casa, eu fazia lanche e tudo pra eles. Olha só o que fizeram com a minha vida e com a dos meus filhos?”, desabafa, às lágrimas. Maria é um triste retrato real de números apontados pelo estudo Mapa a Violência 2011 – os jovens do Brasil. A pesquisa revela que os jovens brasileiros, sobretudo os que moram na periferia dos grandes centros urbanos, são as principais vítimas de homicídios. E o Distrito Federal ocupa um lugar de destaque às avessas na lista. Em dez anos, saiu do 6º lugar no ranking nacional em números de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos para a 4ª posição, atrás apenas de Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco. O DF pulou de 75,6 mortes a cada grupo de 100 mil habitantes, em 1998, para 77,2 em 2008. Uma característica dos números é que eles retratam uma exclusão geográfica. Quando a análise leva em conta apenas capitais, Brasília aparece em 18º. Há dez anos, estava em 12º. Ou seja, enquanto no centro do poder aquisitivo a situação melhora, na periferia o problema ganha contornos de gravidade extrema. Uma pesquisa do DataFolha, também realizada em fevereiro, revela que dos 5.185 jovens entrevistados em 31 municípios de 18 estados e do DF, 30,3% estão submetidos a alguma exposição ou risco de violência. Entre os mais expostos, 44,5% afirmaram ter visto pessoas serem mortas por armas de fogo. Segundo delegados consultados pela reportagem, o tráfico, um dos potencializadores do problema, ganha espaço entre os jovens tanto como alternativa de fuga da realidade como de sobrevivência.

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“Olha só o que fizeram com a minha vida e com a dos meus meninos?”

Mariana Santiago

Estudo indica que as políticas de segurança são ativas apenas no Plano Piloto. Na periferia, o DF só perde, nos índices de homicídio na faixa entre 15 e 24 anos, para Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco

Maria*, que perdeu três filhos para o tráfico

30%

Dos jovens entrevistados em pesquisa do Datafolha dizem estar submetidos a risco de violência “De um certo tempo pra cá houve um aumento assustador do tráfico de drogas. Isso impulsionou um boom na violência e, por sua vez, os casos de homicídios”, explica Josué Ribeiro da Silva, titular da 17ª DP, em Taguatinga Norte. Há 12 anos na profissão, Josué afirma que os homicídios entre jovens decorrem, em considerável número, da luta pelo poder do tráfico. “Eles querem disputar território a qualquer custo. É também uma questão de auto-afirmação. Além da realidade de exclusão em que vive, o jovem é mais suscetível a entrar nesse caminho para mostrar que tem força, em uma falsa expectativa de poder”, afirma.

A família de Maria ilustra o cenário. Moradora de uma região administrativa carente e violenta, ela trabalhava o dia todo e não tinha como cuidar dos filhos. Com o tempo, mesmo com a rotina puxada, viu que algo estava errado. “Fui ao colégio conversar com as professoras e descobri que meu mais velho aparecia. Começou a andar com traficantes”, conta. Na tentativa de evitar a permanência do filho no mundo das drogas, a mãe discutiu, castigou e chegou a bater, mas nada foi suficiente pra convencê-lo. O primogênito saiu de casa e voltou, anos depois, com uma companheira, um filho e um posto de destaque no tráfico. Três meses depois, foi morto. Os outros dois filhos mortos formavam um casal de gêmeos. A menina se envolveu em um relacionamento amoroso com um traficante, que logo acabou. O traficante quis reatar. A jovem, não. A mãe proibiu o relacionamento. Foi ameaçada e levou dois tiros, um em cada pé, do traficante. O filho gêmeo quis se vingar. Acabou morto com quatro tiros. Dias depois, foi a vez da irmã, sequestrada e morta num acidente automobilístico.

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Clara diferença de oportunidades Além da exclusão social, a falta de qualificação é apontada como uma das razões pelas quais os jovens da periferia se veem distante do mercado de trabalho e, não raro, encontram opções no tráfico. Para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), o problema está na falta de infraestrutura social. “É preciso que o governo invista em qualificação profissional nas cidades satélites. Hoje esses investimentos estão muito concentrados no Plano Piloto”, diz. Dois estudos divulgados no início do ano ajudam a pontuar o caso. O primeiro, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para Crianças (Unicef), relata que 38% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros vivem na linha da pobreza. Já o segundo, do

Taxasdede homicídio grupos Taxas homicídio (%)(%) em em grupos dehabitantes. 100 mil habitantes. de 100 mil Faixa de 15 a 24 anos Faixa de 15 a 24 anos

1998 TAXA POS.

2008 TAXA POS.

Alagoas Espírito Santo Pernambuco

30,6 102,2 115,7

13º 3º 1º

125,3 120,0 106,1

1º 2º 3º

Distrito Federal

75,6

77,2

Rio de Janeiro Paraná Amapá Pará Bahia Goiás Mato Grosso do Sul Paraíba Sergipe Mato Grosso Amazonas Rio Grande do Norte Ceará Rondônia Minas Gerais Rio Grande do Sul Maranhão Tocantins Acre Santa Catarina São Paulo Piauí Roraima

110,7 28,5 75,5 24,1 16,5 19,6 50,8 21,9 14,9 46,9 46,4 17,0 22,5 53,7 13,4 26,9 6,6 16,9 45,3 11,3 79,2 9,4 82,5

2º 14º 7º 16º 22º 19º 9º 18º 23º 10º 11º 20º 17º 8º 24º 15º 27º 21º 12º 25º 5º 26º 4º

76,9 73,3 72,5 71,3 70.7 57,7 55,9 49,8 47,2 47,0 46,0 46,0 45,5 45,5 41,6 40,4 33,6 31,7 31,7 25,4 25,3 19,5 18,1

5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º 13º 14º 15º 16º 17º 18º 19º 20º 21º 22º 23º 24º 25º 26º 27º

UF

Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), mostra que 54% dos desempregados no Brasil são jovens entre 18 e 29 anos. Diante do diagnóstico, o Ministério da Justiça reuniu especialistas em tornodo seminário Juventude, Prevenção da Violência e Territórios da Paz. O objetivo é induzir ações públicas compartilhadas. “Temos de criar políticas eficazes envolvendo todos os órgãos de segurança, federais, estaduais e municipais. Só assim teremos ações preventivas e repressivas eficazes na área da violência”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). artefato

Depoimento Kellen Karina

Rodrigo Rollemberg, senador (PSB-DF)

cidadania

“É preciso que o governo invista em qualificação profissional nas cidades satélites”

O cabeleireiro Alves Rabelo viu a família desfeita pela violência na periferia do DF

“Eu só tenho paz quando me ligam avisando que meu filho está preso”. A frase, em tom de decepção, é de Alves Rabelo, ex- militar e barbeiro de um salão no Senado. Alves e sua mulher criaram os filhos com rigidez. Mas, trabalhando o dia inteiro, não conseguiam dar a atenção que os mesmos necessitavam. O drama familiar teve início quando ele saiu de um apartamento funcional no Cruzeiro e se viu obrigado morar em um barraco nos fundos da casa da mãe, em Samambaia. Ricardo, o filho mais velho, aos 14 anos começou a se envolver com drogas. Aos 24, acabou assassinado com quatro tiros no Riacho Fundo em dezembro de 2007. “Fiz de tudo para ele ter uma vida digna. Consegui emprego na Câmara para ele, mas ele dizia que o salário era pouco, que traficando ganhava mais.” John, o filho do meio, morreu por engano, no lugar do caçula. Foi atingido por dois tiros enquanto trabalhava na instalação de portões eletrônicos no Recanto das Emas. Charles, o mais novo, estava jurado de morte por dívida de drogas. Ele chegou a roubar uma bicicleta para saldar o compromisso, mas não houve tempo para conversa. Os traficantes não acharam Charles e mataram John. Hoje, Charles, o filho citado no primeiro parágrafo, mora na rua e é viciado em crack. “Certa vez encontramos uma arma embaixo da cama dele. Ligamos para a polícia, eles foram lá, pegaram a arma e foram embora. Não tomaram atitude em relação ao meu filho. Ele já assaltou ônibus, levou tiro, quase ficou paraplégico. Eu sempre mostrei o lado certo, mas eles preferiram o outro”, desabafa Alves. Charles tem dois filhos. Ambos são portadores de HIV.

Fonte: Mapa da Violência 2011, pesquisa do Instituto Sangari e do Ministério da Justiça

artefato

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universidade

Vida de intercambista Estudar e trabalhar em outro país pode trazer contratempos, mas é uma boa forma de aprimorar o currículo Fotos: acervo pessoal

Renata Bittes

E

Kit de

sobrevivência:

studar no exterior é o sonho de muitos alunos brasileiros. Prova disso é que, só em 2009, 140 mil estudantes viajaram para fora do país com esse objetivo*. De olho no mercado promissor, cerca de 30 empresas participaram da 20ª edição da Expo Estude no Exterior, realizada em março, em Brasília. Mas, além das agências privadas, mais conhecidas, organizações não governamentais e universidades também oferecem bolsas e programas de intercâmbio cultural. Na Universidade Católica de Brasília (UCB), os aspirantes a intercambistas podem se candidatar ao Programa de Mobilidade. O candidato deve ser estudante da instituição, cursar entre o segundo e o penúltimo semestre e ter índice-vida (média das notas finais das disciplinas cursadas) de, no mínimo, sete. O custo da mensalidade da universidade do exterior é o mesmo da UCB e o aluno arca com alimentação, passagem e hospedagem. Em 2010, 15 estudantes participaram do programa. Neste ano, outros 12 estão fora do país. Juliana Campelo, estudante de jornalismo, foi uma das interessadas em 2010 e a experiência dela em Braga, Portugal, reuniu alguns contratempos. No primeiro contato com a assessoria de Relações Interinstitucionais da Católica, ela e Estela Monteiro, outra estudante de jornalismo, receberam a informação de que o visto era a

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140 mil Número de estudantes brasileiros que viajaram para estudar no exterior em 2009

Estela e Juliana: bons momentos e dificuldades em Portugal

última coisa com a qual precisavam se preocupar. Em julho, foram comprar passagens em uma agência de intercâmbio. “O atendente nos perguntou sobre o visto e nos aconselhou a ver isso antes, porque, se não tivéssemos, provavelmente teríamos que trocar a data da viagem e pagar uma multa”, recorda Juliana. Alertadas, foram à Embaixada de Portugal e souberam que era preciso marcar entrevista, entregar uma série de documentos e dar entrada no visto. E só havia vaga em setembro. As aulas em Braga começariam em 20 de setembro. “Corremos na assessoria e perguntamos por que ninguém tinha nos falado disso antes.

Ficamos perdidas”, diz Campelo. Segundo ela, só através de contatos na embaixada conseguiram o documento a tempo. Além disso, as alunas reclamam da qualidade do ensino encontrado d´além mar. Apesar da possibilidade de aproveitarem as disciplinas cursadas em Braga, as alunas preferiram repeti-las na Católica por conta da qualidade aquém do que elas esperavam. Segundo Fernanda Torres, analista de relações interinstitucionais da UCB, o programa se pauta por buscar um padrão de excelência e o feedback dos alunos é indispensável. Ela ressalta que a avaliação da qualidade do ensino em outros países leva em conta, também, aspectos

Cultura

Viaje com a mente aberta e conviva com a cultura do país de destino. É normal haver dificuldades de adaptação, mas não seja resistente.

Documentação

Alguns países, como os da União Europeia, não pedem visto para turistas. Mas, quando se é intercambista, é diferente. Antes de ir à embaixada, verifique a validade do passaporte. Caso o perca, procure o consulado mais próximo.

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Número de estudantes da Católica que estão em intercâmbio em 2011

Clima

Lembre-se de que o frio e o calor oferecem vantagens e desvantagens. Assim que chegar ao país, mesmo que ainda não seja inverno, prepare-se para a estação.

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culturais. “Para os portugueses, a universidade é ótima, mas talvez poderíamos repensar o envio de estudantes de comunicação para lá”, diz. Quanto ao apoio durante a experiência, Fernanda diz que a universidade está sempre à disposição, via e-mail, mas, de acordo com ela, nem sempre os estudantes respondem. Também é fornecido ao intercambista o contato de outros alunos no país de destino. Ainda segundo a analista, é natural haver um choque de cultura, o que pode dificultar a adaptação. Sobre a documentação, ela informa que uma providência adicional foi tomada. “Agora em 2011 é passada uma lista com toda a documentação necessária para a retirada do visto e o aluno corre atrás”, conta. Rafael Sandoval é aluno de Filosofia da UCB e também foi intercambista em Portugal. Diferentemente das estudantes de jornalismo, ele teve uma experiência positiva. “O curso da universidade portuguesa era um dos mais prestigiados e tem a maior biblioteca com livros de filosofia da Península Ibérica”, relata. O estudante esteve em constante comunicação com a Assessoria de Relações Interinstitucionais e, dessa maneira, disse ter tido o apoio necessário. Entretanto, também encontrou dificuldades quanto ao visto. “Houve inexperiência no que concerne à organização da viagem, com a burocracia de tirar o visto e, quanto à chegada em Portugal, no que diz respeito ao processo do título de residência temporária”. Apesar de alguns problemas, Rafael afirma que a oportunidade é única, uma vez que enriquece o currículo.

Voluntariado

Além de grupos privados e da universidade, há experiências de intercâmbio oferecidas por entidades mais ligadas à área social. A organização não governamental AFS Intercutural Programs é uma das opções. Sem fins lucrativos, é promotora da paz e tem foco voltado para programas de ensino médio, trabalho voluntário e professores.

Ivan Kimura (D) pesca com um amigo na Noruega: hoje, ele hospeda estrangeiros Ivan Kimura foi intercambista na Noruega em 2004, já hospedou estudantes estrangeiros em casa e atualmente é voluntário. Seu “pai hospedeiro” era o presidente do comitê e devido à falta de famílias voluntárias, abriu sua casa para outros dois estudantes, um japonês e outro chinês. Como família hospedeira, Ivan diz que a oportunidade de fazer parte de uma grande mudança na vida de uma pessoa é impressionante. Houve fatos que o marcaram, como um alemão que tinha interesse em fazer ‘musculização’e a teimosia de uma intercambista da Nova Zelândia ao con-

Comida

Tente experimentar o que o cardápio do país oferece. A comida também faz parte da cultura. Comer é uma maneira de entender o modo de vida de um povo. Não se assuste se engordar um pouquinho. É normal ganhar uns quilos, já que você vive outra rotina e come outros nutrientes.

firmar que entendeu inúmeras explicações sobre o cuidado que precisava ter para comer pequi, sendo que, na primeira mordida, encheu a língua de espinhos”, conta. Hoje, Ivan é presidente do comitê Brasília. De acordo com ele, ser voluntário é retribuir o que fizeram por ele. “Além disso, é indescritível a sensação de preparar adolescentes para o intercâmbio e após um ano conhecê-los como homens e mulheres mais prontos para o mundo”, afirma. artefato * Segundo a Brazilian Educational & Language Travel Association

Amizades Escola ou faculdade

Não espere o mesmo ensino oferecido no Brasil. As disciplinas podem ser diferentes. Se for aproveitar o ano escolar ou aproveitar matérias na faculdade, saiba qual o processo antes de viajar.

Há casos em que fazer amigos é fácil e outros em que é extremamente difícil. Muitas vezes é necessário se apresentar e até forçar conversa. Algumas culturas não recebem o estrangeiro de forma tão receptiva. Viaje preparado para exercitar o jogo de cintura.

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saúde

Thadeu Soares

Cada corpo, uma dieta Nutrição funcional analisa sintomas e características genéticas em busca de cardápios individualizados. Mas há ressalvas Amandda Souza

P

roblemas respiratórios, alergia e enxaqueca intermináveis. Sintomas como esses eram comuns na vida da consultora de tecnologia da informação Mannuela Cruz (foto) desde os dois anos. Agora, aos 30, ela conheceu uma área da saúde que minimizou consideravelmente o problema. “Os procedimentos da nutrição funcional melhoraram muito minha saúde. Se sigo a dieta, não tenho crises e evito tomar medicamentos”, contwa. A diferença entre a nutrição funcional e os tratamentos mais convencionais está numa individualização rigorosa das dietas. “Cada pessoa tem um metabolismo, um perfil bioquímico, uma interação da genética com o meio que devem ser avaliados. O nutricionista fará a adequação da dieta para que o corpo funcione em perfeitas condições”, explica Daiane Sousa, pós-graduanda em Nutrição Clínica Funcional pelo Instituto UnicSul, de São Paulo. Ao recomendar a dieta, o nutricionista identifica sintomas e características do paciente e os relaciona com a ingestão ou restrição de nutrientes. O conceito é simples: o que é saudável para uma pessoa pode causar doença a outra. “Assim como um corte de cabelo não serve para todo mundo, a individualidade é uma característica básica da nutrição funcional. Por isso, em todos os pacientes deve-se avaliar o que é ingerido, se é digerido, absorvido, metabolizado e como está sendo excretado”, detalha Daiane. Na etapa de detectar os alimentos indicados, é necessário analisar a história de vida do paciente, como gestação, alimentação da mãe, tipo de parto, uso de medicamentos, traumas, doenças e tratamentos. Só depois o paciente recebe o cardápio. Segundo os especialistas da área, seguir o cardápio definido pode ter consequências benéficas, como evitar obesidade, depressão, artrite, Síndrome do Pânico, diabetes, distúrbios de comportamento e hiperatividade infantil. Além disso, destacam melhorias na pele, cabelo e sono.

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A dieta de Mannuela inclui restrições a vários junto com outros, pode prevenir doenças e amenialimentos. Cedinho, come tapioca e toma suco ver- zar sintomas. Mas a concentração de ingredientes de, com frutas e couve. No meio da manhã, uma para que um alimento faça o efeito desejado tem de fruta com amaranto ou quinoa. No almoço, comida ser enorme, e, às vezes, só pode ser encontrada em tradicional: arroz, feijão, carne e salada. Já à tarde, remédios. Segundo ele, o alimento é estudado como funinclui uma barra de gergelim ou uma salada de frutas e, à noite, salada ou omelete. “É uma dieta onde cional enquanto ingrediente, mas há vários fatores se trata o indivíduo e não a doença. Busco entender que podem interferir e alterar o resultado, como como o corpo funciona nos detalhes”, explica Ga- calor, exposição ao sol, ar-condicionado, temperatubriela Calsing, nutricionista de Mannuela, pós-gra- ras. “Há que levar em conta a exposição, o preparo, como você cozinha, guarda e consome. O alimento duada em Nutrição Clínica Funcional. no laboratório é distinto Embora o cardápio do encontrado na feira. seja individualizado, GaE uma caixa de tomate briela procura associar pode ser equivalente a alimentos antiinflamatóuma cápsula”, comparios, como frutas, verdura. O professor afirma, ras, castanhas, cereais, ainda, que uma dieta só peixes marinhos, azeite previne doenças crônie chá verde. De acordo cas se for acompanhada com o perfil do pacienMarcos Cerqueira, diretor do de qualidade de vida. te, frutas vermelhas são “Os alimentos são só curso de nutrição da UCB incluídas. Evitam-se exuma parte do processo. cesso de carne vermelha, É necessário ter saúde, praticar esportes, relacionardoces, gordura trans e carboidratos de alto índice glicêmico, ou seja, que aumentam o açúcar no sangue e -se bem com as pessoas e, até mesmo, trabalhar em um bom ambiente”, esclarece. a gordura saturada.

“Os benefícios devem ser comprovados e é vedada a alegação de cura de enfermidade”

Benefício x cura

Diretor do curso de Nutrição da UCB e nutricionista há 12 anos, o professor Marcos Cerqueira ressalva que não se pode confundir nutrição funcional com medicina. Segundo ele, o termo vem da nutracêutica,w linha de pensamento japonesa que tenta associar e igualar alimentos a remédios. “Segundo a legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é preciso estabelecer critérios para a avaliação de riscos e segurança de alimentos baseados em estudos e evidências científicas. Os benefícios devem ser comprovados e é vedada a alegação de cura de enfermidades”, explica ele. Para ele, a dieta é um instrumento, que, em con-

Contraindicação

De acordo com o clínico geral Clayton Franco Moraes, professor da UCB, em algumas situações uma mudança no estilo de vida pode reduzir o número de remédios na vida de um paciente . “Um exemplo é um paciente obeso e sedentário com hipertensão. A ingestão de alimentos indicados por um especialista, aliada a exercícios, pode ajudar na redução de peso e fazer com que ele deixe de usar hipotensores”, diz. Mas há contraindicações. Pessoas que tenham disfunção hepática, problemas gastrointestinais e relativos à diminuição do apetite, insônia, além de hiperatividade, nervosismo e irritação gástrica devem procurar orientação médica. artefato

artefato


J

unto ao crescimento populacional de Águas Claras (cidade a 20km do Plano Piloto, com aproximadamente 60 mil habitantes apenas na região central), aumentam também as opções de lazer, especialmente quando o assunto é a vida noturna. “Está ficando divertido sair à noite por aqui. Os bares estão bombando e têm surgido casas noturnas legais”, declara o estudante de Direito Lucas Olic. Cerveja à vontade, bebidas quentes e drinks para todos os gostos regam a noite dos moradores das proximidades. Em busca de comodidade, facilidade de acesso e um lugar confortável, esse publico lota as calçadas de Águas Claras. A estudante Chris Moreira, 21 anos, mora em Águas Claras há um ano. Ela não sente falta de sair pelos bares do Plano. Para ela, o local atende todas as necessidades. “Tenho saído bastante por aqui, é tão divertido quantos os bares do Plano, além de ser bem mais perto de casa.” O Sindicato de Bares e Restaurantes de Brasília (Sindhobar) não tem o número exato de quantos bares e restaurantes existem em Águas Claras, mas o que muitos moradores relatam é que opções não faltam. “Cada dia surge alguma coisa nova, seja bar ou restaurante. Deve ser pelo crescimento da cidade”, especula a moradora Nágila Mariana. Os empresários estão atentos a esse crescimento em ritmo acelerado, diz uma das sócias do bar Piratas, Mônica Moura. Segundo clientes, é o point do momento, frequentado por “gente interessante”, de diferentes idades. “Sempre venho com os meus amigos, o lugar é muito bom e tem muita mulher bonita”, afirma o estudante Gabriel Meireles. O bar é cheio de detalhes, bem decorado e tem atendimento especializado – além de preços salgados. Talvez aí esteja o motivo de ser mais selecionado. “Nosso publico é muito exigente, quer um atendimento perfeito. Temos garçons preparados para atender qualquer tipo de gente que frequente nosso bar”, diz Mônica.

Atendimento e competição

“Por noite vendemos cerca de 100 litros de chope, mas o lucro maior vem das bebidas quentes, como vodcas, whisky e drinks” diz Israel Lopes, gerente do Poizé. A casa noturna vende, além de bebidas, comidas típicas de boteco e conta com uma área reservada para quem gosta de jogar sinuca. “Tentamos atender todos os públicos. Por isso, temos uma agenda diferente toda semana, que varia de sertanejo a DJ tocando os maiores sucessos do momento”, explica Israel. Atentos às inaugurações que ampliam a competição, o público sabe os melhores dias de cada bar. “Agora que o Piratas inaugurou o Poizé está um pouco mais vazio, mas final de semana sempre lota. Ai é diversão garantida”, garante o bancário Jorge Luiz.

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A N R U T O N A D I V EM ÁGUAS CLARAS

Moradores já não precisam ir ao Plano para se divertir Os dois estabelecimentos estão localizados em um comércio que conta, ainda, com padaria, restaurantes e lojas de roupas. A movimentação por ali é grande, uma vez que o espaço conta com muitas opções em um único lugar, avalia o funcionário público Marcus Fábio. “Tudo que preciso tem aqui. É muito mais cômodo para mim”. No mesmo complexo, existem opções de bares diferentes. De acordo com o gerente do bar Barbagatto, Walter Gomes, os dias de maior movimento são quinta e sexta-feira, quando os clientes querem relaxar e conversar com os amigos. “As pessoas que vêm aqui são mais maduras, querem um ambiente mais calmo para tomar sua cerveja em paz”, diz.

De açougue a bar

O comércio ainda tem o bar Ossobuco, um antigo açougue que vendia churrasquinho e cerveja gelada à noite. Hoje, funciona apenas como bar. O proprietário Daniel Borges conta que, para aumentar o lucro, mantinha o bar paralelo ao açougue. A crescente demanda impossibilitou o pleno atendimento dos dois comércios. De olho no mercado e com a grande procura, Daniel resolveu abandonar o ramo das carnes e focar somente no público noturno. “Vendemos cerveja barata e churrasco, os clientes gostam dessa combinação.” artefato

Ao lado, clientes tomam a calçada. Acima, um dos points de Águas Claras, lotado

Fotos: Rick Astley

cotidiano

Paulo Freire


Luta diária

Quem admira Núbia e o seu talento sequer imagina os desafios que ela enfrenta para dar conta de todas as obrigações. A rotina começa cedo e inclui superar obstáculos do caminho que faz até o ponto de ônibus, além de conviver com o lixo e o esgoto a céu aberto do trajeto. Tudo isso, segundo ela, não tem força para desanimá-la na hora de ir para a escola. “Meus pais não me deixam matar aula, nem quando estou doente. Eles dizem que não posso perder uma oportunidade destas”, explica. Diante da falta de estrutura, a perseverança faz de Núbia um talento em destaque. Ela tem mais uma obra para ser publicada e outra em fase de andamento. “Depois que publiquei meu livro passei a ser reconhecida na escola e os outros alunos me apontam como a ‘Núbia do livro’”. Sem titubear, a menina delicada afirma que quer continuar escrevendo.

perfil

Jônathas Oliveira

Mentes evoluídas

Alunos com habilidades como a de Núbia precisam de atendimento diferenciado na escola, para adquirirem experiências que o ensino regular, e até mesmo os pais, não conseguem Veja fotos do suprir. Por essa e outrajeto de Núbia tras razões, a Secretaaté a escola em http://migre.me/470zR ria de Estado de Educação do DF oferece atendimento especializado para estudantes da rede pública e particular, em 43 Salas de Recursos, distribuídas entre 15 unidades escolares, de nove Diretorias Regionais de Ensino em Brasília. Mas como distinguir se uma pessoa é ou não superdotada? A pedagoga Gizelle Pires Ferreira, 32, conta que as crianças na escola dão sinais de comportamento diferenciados. “Geralmente elas gostam de fazer perguntas muito intelectuais”, diz. Segundo Gizelle Pires, o pensamento popular ainda tem uma porção de conceitos errados sobre a superdotação. A pedagoga ressalta ainda que as pessoas acham que o fator genético influencia sobre a capacidade intelectual da criança. “Ate ajuda, mas não é um fator determinante”, declara. Para ser atendido em uma das salas de Recursos, o aluno tem de ser indicado pela escola, professor, profissionais de saúde, família ou ainda por colegas de turma. Depois o estudante recebe um atendimento avaliativo feito por um psicólogo, professor itinerante e professor tutor. Tudo isso acontece em 16 encontros presenciais, de frequência obrigatória. Em seguida a família é chamada para saber quais foram os resultados da avaliação. artefato

@ Núbia contou com o apoio de empresário para publicar seu primeiro livro

Uma flor de menina

Estudante superdotada de Ceilândia enfrenta falta de estrutura para escrever Cleicilene Lobato

E

m meio às cores, pinturas e desenhos de uma sala de aula, é possível encontrar estudantes com idades entre seis e 13 anos, na Escola Classe 64 de Ceilândia, com capacidade intelectual superior à média normal, co-nhecidos como superdotados. Em locais chamados Salas de Recursos, esses alunos recebem atendimento especializado. Em uma dessas salas encontramos uma menina de olhos esverdeados, batom rosa, adereços de miçanga. Na Sala de Recursos da Ceilândia, Núbia Nathália Bertoldo Luiz da Silva, 13 anos, desenvolve o dom de criação e ilustração de histórias. A estudante fala com muito orgulho do trabalho, um livro. A florzinha Delicada, escrito quando tinha 11 anos, relata a amizade de uma menina por uma flor. Quando a professora-tutora, Maria Cláudia Maciel, 43, propôs o desafio, ela não imaginava que algo tão intenso e gratificante aconteceria. Maria Cláudia, então, perguntou se Núbia tinha

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interesse em escrever uma história de criação original, para de participar de um concurso que premiaria as melhores histórias criadas por alunos de Ceilândia. Núbia aceitou escrever e com o apoio da professora e sua dedicação, finalizou a história. Para a decepção das duas, o concurso foi cancelado. Mas nem por isso a criação ficou de lado. Surgiu um evento literário e a professora-tutora propôs outro desafio: que Núbia apresentasse o livro, narrando-o espontaneamente no auditório do SESC de Ceilândia. Núbia topou. “Lembro que, nesse dia, o auditório estava cheio e tinha alguns empresários de Brasília”, recorda a professora. A partir daí tudo se transformaria para Núbia. Após a apresentação do livro, um dos executivos teve interesse em publicar a obra. “Depois de alguns minutos da apresentação vi a Núbia chorando e fiquei sem entender o porquê, achei que era pelo nervosismo de ela ter falado em público, mas depois outra professora veio até mim e disse que um empresário resolveu publicar a obra dela. O choro era emoção mesmo”, conta Maria Cláudia.

SERVIÇO: Para doar materiais como lápis de cor, papéis canson, argila, livros de arte, telas de pintura e computador pode ligar para a professora Cláudia: (61) 9842-3380.

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