Jornal Artefato 04/2017

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Ano 17 - N° 10 - Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita - Julho/Agosto/Setembro de 2017

CULTURA É possível se divertir gastando pouco em Brasília, conheça as alternativas Pág 22 e 23

TURISMO Couchsurfing, o turismo de sofá, que ganha cada vez mais adeptos Pág 6 e 7

TRABALHO Enfermeiros, técnicos e auxiliares reclamam da desvalorização Pág 20 e 21

SOCIEDADE

Interromper a gravidez, dentro da lei, esbarra em burocracia e moral Pág 12 e 13 Arte: Fernando Esteban


EDITORIAL A interrupção da gravidez desconhecida por muitas brasileiras que sofrem ao saberem de uma gestação indesejada, resultado de um estupro, se a vida delas está ameaçada ou quando feto é anencéfalo foi o propósito da matéria de capa da primeira edição do jornal Artefato. Há dificuldades para o ato legal que perpassam pela burocracia, a moral e a ausência de infraestrutura do Estado. Os abortos legais enfrentam obstáculos. A prática não encontra espaço para ser sancionada, por estarmos em um país que sustenta ideias conservadoras e fundamentalismos religiosos. Em Taguatinga, grávidas que se veem sem apoio nem assistência ganham colo, suporte e orientações durante a gestação. Um abrigo, sustentado por religiosos, atende mulheres em situação de risco e sem condições financeiras. O Artefato mostra o trabalho que vai além da assistência social. Entendemos que o jornalismo é o espaço para o debate e a discussão na busca de expor realidades, apresentar a controvérsia e sugerir resoluções. Neste momento, decidimos falar também sobre o suicídio durante a campanha Setembro Amarelo, no esforço de indicar que, mesmo diante do desespero, há alternativas de apoio e valorização da vida. Por vezes, o começo de tudo é a depressão, mal que tem cura e deve ser tratado. Uma reportagem especial mostra que quem sofre de depressão precisa de atenção e cuidados. Especialistas afirmam: pedir ajuda não é sinal de fraqueza, é demonstração de força. Também nos preocupa certos “esquecimentos” de fatos que marcaram a história e a vida do nosso país. Daí a decisão de uma série especial sobre a ditadura militar: um episódio que nem todos se recordam nos dias atuais. Devemos relembrar desse capítulo obscuro e triste da nossa história, dado que, se parece até com a ficção. Deixar cair no esquecimento é permitir que certos fatos históricos sejam trazidos à tona com uma outra roupagem e carregados de oportunismo. Conseguir um emprego é meta para cerca de 13 milhões de brasileiros que estão em busca de uma vaga no mercado. Mas há, ainda, os empregados que sofrem com a discriminação no ambiente de trabalho e daqueles que os cercam. Nesta edição os enfermeiros, técnicos e auxiliares relatam como convivem com a desvalorização das carreiras. Por outro lado, mostramos profissionais transgêneros vitoriosos que ultrapassaram as barreiras do preconceito, da dor e vergonha, e apesar de tudo conseguem se tornar profissionais de sucesso. Um exemplo para um grupo ainda marginal e discriminado. Viajar é o sonho de muitos, se a hospedagem for de graça, melhor ainda. Contamos nessa edição experiências negativas e positivas de usuários do aplicativo colaborativo de viagens Couch Surfing. Como o assunto é diversão, preparamos também uma matéria sobre as opções baratas de lazer em Brasília, separamos as opções de passeios mais em conta na nossa cidade. No fechamento desta edição do Artefato, temos tudo de melhor da XVI Semana de Comunicação da nossa querida Universidade Católica de Brasília. Na SeComunica, o tema é “Diversidade e Adversidade: o incomum da comunicação”. Cada reportagem desta edição foi pensada e realizada com muito carinho para você, leitor.

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EXPEDIENTE Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Ano 17, nº 9, julho/agosto/setembro de 2017 Reitor: Prof. Dr. Gilberto Gonçalves Garcia Pró-Reitor Acadêmico: Dr. Daniel Rey de Carvalho Pró-Reitor de Administração: Prof. Dr. Dilnei Lorenzi Chefe de Gabinete da Reitoria: Prof. Dr. Dilnei Lorenzi Diretora da Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação: Prof. Msc. Anelise Pereira Sihler Coordenador de Curso de Jornalsimo: Prof. Dr. Joadir Foresti Professora Responsável: Profa. Drª. Renata Giraldi Professor Auxiliar: Fernando Esteban Orientação de Fotografia: MsC. Bernadete Brasiliense Apoio: Benny Leite, Larissa Nogueira e Maria Isabel Vilanova Apoio Técnico: Sued Vieira Monitoras: Germana Brito e Layla Andrade Editores-chefes: André Rocha e Mirelle Bernardino Editores de texto: Ana Clara Arantes e Sara Sane Editores de arte: Iago Kieling e Matheus Dantas Diagramadores: Benny Leite, Daniel Neblina, Iago Kieling, Joksã Natividade e Matheus Pereira Editores de fotografia: Fernanda Soraggi e Renata Nagashima e Sub-editora de fotografia: Mari Alves e Matheus Nascimento Editores de web: Bruna Neres e Lukas Soares Social mídia: Joksã Natividade, Luana Pontes e Rodrigo Neves Repórteres: Adriana Botelho, Aline Brito, Aline Cabral, Anderson Miranda, Andressa Paulino, Bruna Neres, Caio Almeida, Camila Sousa, Daniel Neblina, Juliana Dracz, Karyne Nogueira, Luana Pontes, Lukas Soares, Marcos Prudencio, Maria Isabel Félix, Patrícia Nadir, Péricles Lugos, Rodrigo Neves e Yasmin Cruz Checadores: Aline Brito, Andressa Paulino, Marcos Prudencio e Yasmin Cruz Fotógrafos: Alessandra Miranda, Amanda de Castro, Bianca Boleli, Brenda Abreu, Gabriela Ribeiro Anacleto, Gustavo Mamede, Laryssa Passos, Luiza Barros, Marcus Castro, Mari Alves, Matheus Nascimento, Tatiana Castro e Rafaela Gonçalves Ilustrações: Freepik.com Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Athalaia Universidade Católica de Brasília EPTC QS 7, Lote 1, Bloco K, Sala 212 Laboratório Digital Águas Claras, DF Telefones: 3356-9098/9237 Leia o Artefato também na web. Acesse nossas redes sociais e site. E-mail: artefatoucb1@gmail.com Jornal online: issuu.com/jornalartefato Facebook: facebook.com/jornalartefato Site: artefatojornal.wordpress.com Snapchat: @artefato Instagram: @jornalartefato


ARTIGO

Política e políticos em descrédito, triste constatação Camila Sousa

A pouco mais de um ano para as eleições de 2018, o brasileiro mostra alta rejeição aos políticos que estão no poder e muitos não acreditam na democracia brasileira, o que se percebe na rua, no ônibus e em qualquer lugar que se fale sobre o assunto, como constatada por uma pesquisa do Instituto Ipsos, empresa francesa que está presente em 87 países. Não era para menos, há quase três anos vivemos “em crise política”. É óbvio que há impactos. E isso acarreta impactos. O levantamento, feito entre 1º a 14 de julho deste ano, com 1,2 mil pessoas em 72 municípios, mostra que o brasileiro está desencantado com a democracia brasileira e que reprova a atuação dos políticos. Pelo menos 94% dos entrevistados consideraram não ser representados pelos políticos e 86% não se veem nos candidatos em que votaram. O motivo da frustração dos eleitores é, sem dúvida, em relação aos escândalos políticos a partir de 2014, quando foi deflagrada a Operação Lava Jato, que investiga esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, empresários e políticos. O que parecia ser apenas mais uma operação com nome curioso passou a ser a investigação que mostrou ao mundo uma série de escândalos envolvendo a maioria dos políticos que foram eleitos neste mesmo ano. Ao longo das apurações, observamos que não só os prin-

cipais partidos políticos estavam envolvidos, como também quase todas as legendas. Dos 35 partidos políticos, reconhecidos pela Justiça Eleitoral, 28 partidos receberam doações de empresas que estão relacionadas à Lava Jato. Para a professora Marilde Loiola, do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (IPOL - UnB), após tantas denúncias e escândalos, é natural que o cidadão passe a se desinteressar de forma progressiva pela política nacional. Segundo ela, o brasileiro não deve se afastar, mas fazer uma reflexão política cujo foco seja uma análise objetiva das estruturas do sistema eleitoral partidário do nosso país. Como o descrédito do eleitor pode refletir nas próximas eleições? A professora da UnB alerta que é preciso tomar muito cuidado, pois historicamente busca-se um “salvador da pátria”, “alguém que diga que não é político, que vai “passar a limpo o país” e acabar com a corrupção.” Marilde Loiola adverte ainda que é preciso estar atento à possibilidade de mais atos de corrupção, pois muitos eleitores descrentes com o cenário políticos optam por não votar ou anular. Na prática, pode acabar favorecendo o político corrupto e com más intenções, lembra alerta a professora. “Max Weber dizia que existem dois tipos de políticos: aqueles que

vivem da política e aqueles que vivem para a política”. Qual será o futuro do país? Sinceramente? Prefiro manter meu otimismo sempre. É preciso transformar esse período de crise em aprendizagem, observo que todos estão mais preocupados e em busca de informação. Percebo que estamos mais críticos e a culpa da crise não é só apenas dos políticos. O brasileiro está olhando no espelho, enxergando as suas próprias falhas e erros. Notamos que a escolha foi nossa, nós os colocamos eles para nos representar a gente. E, portanto, somos os únicos que podem renovar a política brasileira. Devemos pensar no novo, pensar em outras formas de política e dar uma grande resposta nas urnas, em 2018. Não se pode concentrar todos os problemas na Presidência da República, pois no Legislativo estão vários dos denunciados, por exemplo. Assim, vamos abrir os braços para uma nova realidade e novas ideias, pois desta forma todos serão levados a repensar em uma nova maneira de fazer política. A participação da população é fundamental para demonstrar que a política não pode ser usada apenas em benefício próprio, para enriquecimento fácil e ilícito, mas como parte fundamental da democracia em busca da dignidade, transparência e representação.

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POLÍTICA

A história que deve ser lembrada Há 21 anos, a ditadura militar comandava no país, mas nem todos têm essa memória Andressa Paulino Caio Almeida

Por mais de duas décadas, de 1964 a 1985, 191 pessoas morreram e 243 desapareceram, segundo a Comissão Nacional da Verdade. Um total de 434 homens e mulheres que nunca voltaram para suas casas e deixaram um vazio nas famílias. Era ditadura militar no Brasil, a imprensa foi controlada, o Congresso seguia as ordens do governo e nas ruas havia medo e apreensão pelo dia seguinte. Os números são cruéis e a memória mais ainda. Apesar dos dados, há entre os jovens muitos que nem pensam sobre o assunto e desconhecem parte da história do Brasil. Porém, há, exceções que consideram o tema essencial para compreensão do cenário político nacional. Para o estudante Gabriel Lima, 14 anos, olhar para este período da história do país é pouco útil. “Vejo que é importante, mas acho que não devemos ficar voltando a isso porque devemos olhar para frente para o futuro”, disse ele, reproduzindo o que alguns

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“A ditadura não é algo que a gente tem que optar por saber ou não. É obrigatório termos conhecimento sobre isso. para que isso nunca mais ocorra” jovens pensam apesar de o tema ser explorado por filmes, livros, séries, novelas, canções e peças de teatro. Já a estudante de ciência política Ana Beatriz Figueiredo, 20 anos, considera inadmissível questionar se é

importante estudar o assunto. “A ditadura não é algo que a gente tem que optar por saber ou não. É obrigatório termos conhecimento sobre isso”, observou a universitária. “Por ser um tema muito pesado muitos não gostam de explorá-lo, mas só conscientes das atrocidades que já fizeram ao nosso povo e ao nosso país é que teremos capacidade de moldarmos nosso futuro para que isso nunca mais ocorra”. Para pesquisadores, é fundamental manter o assunto na pauta de debates e discussões. Segundo o historiador Rafael Nascimento, a ditadura brasileira é um tema inesgotável e precisa estar permanentemente em discussão. “A história da ditadura não pode ser esquecida, pelo contrário, precisa ser cada vez mais discutida e disseminada para toda a sociedade brasileira. Teremos em mente tamanha violência institucionalizada vivida durante esses 21 anos.” Pela definição tradicional, ditadura é quando o chefe de Estado ou de go-


verno exerce o poder sem respeitar a democracia. Na prática, impõe suas vontades e dos grupos políticos que o cercam, sem respeitar o equilíbrio de Poderes, a liberdade de opinião ou de imprensa. Ensino

Foto: Arquivo EBC

A professora de história Elienaide Almeida, 59 anos, afirmou que o interesse dos alunos pelo conteúdo alterna na sala de aula. Segundo ela, se há um ou outro estudante que teve um parente ou conhecido que viveu experiências intensas durante a ditadura, o interesse da turma aumenta. “Alguns demonstram interesse porque a avó ou o avô comentaram sobre o assunto, e durante as aulas se sentem interessados a saber mais principal-

“Alguns demonstram interesse porque a avó ou o avô comentaram sobre o assunto, e durante as aulas se sentem interessados a saber mais”

mente quando o professor conta que vivenciou e diz que acontecia durante o período. Muitos alunos não acreditam que tais coisas como falta de liberdade e tortura tivessem realmente acontecido”, analisou a professora. O ensino sobre o período da ditadura faz parte da grade curricular do ensino fundamental e médio brasileiro. Porém, o Ministério da Educação informa que as escolas possuem autonomia didático-pedagógica para ensinar o tema de acordo com a necessidade de cada instituição de ensino. Ao longo deste semestre, o Artefato publicará uma série de reportagens sobre a ditadura militar. A próxima edição abordará como a ditadura no Brasil se transformou em tema de livros, filmes, séries, minisséries, novelas e peças de teatro.

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TURISMO

Couchsurfing: turismo de sofá Aplicativo faz a ponte entre quem quer viajar e anfitriões

Luana Pontes

Jovens procuram alternativas de baixo custo para conhecer o mundo e o celular facilita por meio de aplicativos

A proposta do couchsurfing – o “surf no sofá” – é simples e atraente: o interessado deve se inscrever no site específico, responder a um extenso formulário, em que fala sobre si, a viagem, hobbies e histórias de vida. É no formulário que se marca também a disponibilidade para receber alguém em sua casa e, caso positivo, você pode escrever uma descrição do seu “sofá”, que pode também ser um quarto de hóspedes. O mesmo ocorre com o hóspede que quer ser recebido. Porém, o que parece ser claro e sem complicações pode virar um problema. A porta sanfonada e entreaberta na casa do anfitrião em Lisboa dava a visão quase total para dentro do banheiro onde a estudante, Kamila de Lara, brasi-

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leira, 21 anos, ficou hospedada no início deste ano. Foi sua primeira experiência fruto do aplicativo (app) Couchsurfing conhecido como CS. Criado em 2004, o aplicativo propõe hospedagens colaborativas, sem cobranças financeiras apenas com trocas de cultura e experiência. Do inglês, o termo ‘coushsurfing’ significa ‘surfe de sofá’. A comunidade global conta com 12 milhões de pessoas e está disponível em mais de 200 mil cidades, segundo os organizadores. Do Paraná, Kamila de Lara está em Portugal, desde janeiro, onde faz mestrado em Ciências Farmacêuticas. A estudante utilizou o aplicativo na tentativa de baratear e conhecer novas pessoas em suas viagens pela Europa. “Nós preenchemos um formulário com foto,

Foto: Rafaela Gonçalves

Luana Pontes

gostos e experiências e assim podemos solicitar ou disponibilizar hospedagem”, explicou. Na primeira tentativa de surfe para Lisboa, a paranaense esbarrou com alguns problemas. “O host (hospedeiro), um português de 38 anos, começou a chegar muito perto de mim e me passou a mão várias vezes”, descreveu. A estudante acrescentou ainda que a porta do banheiro não fechava. A segunda experiência foi em Londres, onde ficou na casa de um brasileiro, 42 anos, que começou a fazer comentários sobre a depilação íntima das gringas. A garota relata que o homem chegou a assediá-la.


com um alemão, que aceitou recebêla desde que dividissem a mesma cama. “Cancelei o convite na hora e procurei um hostel que me desse mais segurança”, disse. Na busca por host em Paris, a estudante passou por outra situação desagradável. O responsável pela hospedagem perguntou ainda pelo app se não o achava velho e sugeriu que tivessem algo a mais: “Fiquei assustada e recusei a hospegadem”. Outro lado “Já recebi mais de 100 hóspedes de todos os cantos do mundo”, afirmou o português Pedro Brandão, 31 anos. Profissional da área de tecnologia e inovação, Brandão mora em Amsterdã e é anfitrião do Couchsurfing desde 2013. A sua primeira experiência foi quando recebeu dois hóspedes da Finlândia para conhecer Amsterdã. “O intuito do aplicativo não é apenas oferecer hospedagem gratuita. É preciso ter o mínimo de empatia”, reforçou o host. Brandão disse não ter preferência por gênero nas hospedagens. Para ele, é indiferente o hóspede ser homem ou mulher, o difícil é organizar a agenda e

dedicar tempo aos surfistas que passam pelo seu sofá. “Tento tirar pelo menos 30 minutos por dia para sentar, conversar e conhecer cada um deles”, disse. A sergipana Ethe Costa, 29 anos, conheceu o aplicativo em 2009. A estudante de Biotecnologia Industrial recebe e faz surfes nos sofás. Segundo ela, não teve problema algum ao ser hóspede ou anfitriã. “São sempre pessoas que buscam compartilhar suas experiências de vida, viagens, religião e outros”, contou. A moça disse ter feitos laços de amizade para a vida toda por intermédio da comunidade de viajantes. Para não ter de contar apenas com a sorte, o soldado da Polícia Militar do Distrito Federal Bruno Erckmam reforçou que é preciso ter cuidado e precaução. Erckmam orientou: o ideal é avaliar o perfil dos hóspedes e se resguardar contra possíveis situações desagradáveis. “Anotar os dados e avisar familiares sobre os hosts pode ajudar”, disse o militar. O policial lembrou ainda, que as vítimas devem procurar a delegacia mais próxima. Leia mais no Artefato online.

Foto: Arquivo Pessoal

Discriminação Para o brasileiro Lucas Tovar, de 21 anos, a interação no app foi mais difícil. Os pedidos de hospedagem compartilhada para Sevilha, Lisboa, Porto e Amsterdã foram boa parte negados. “A maioria dava desculpas de que não estaria na cidade, isso quando respondiam” expressou. A opção de colocar preferência por gênero chamou a atenção de Lucas Tovar. “Grande parte dos anfitriões eram do sexo masculino e só aceitavam mulheres”, frisou o carioca. Durante o mesmo período que procurava por estadia na plataforma, algumas de suas colegas tentaram para os mesmos lugares e conseguiram. “Para elas, as solicitações eram aceitas quase que instantaneamente.” Segundo ele, a proposta do app é válida e inovadora. “O problema é existirem pessoas malintencionadas e que querem mudar o conceito de colaborativo.” Kamila Freitas, 19 anos, estudante de arquitetura e urbanismo da Universidade Católica de Brasília (UCB), também tentou algumas hospedagens via app e surpreendeu-se

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SOCIEDADE

Do abandono ao recomeço com amor Lar Maria de Nazaré, em Taguatinga, auxilia gestantes e crianças até um ano Marcos Prudencio Yasmin Cruz

Lar doce lar Nas paredes do edifício, estão diversas citações, entre elas, uma essencial chama a atenção: “Minha mãe, lembro-te mãe revendo a nossa casa, o pequeno jardim, o poço, a horta, o vento brando que transpunha a porta, afagando o fogão de lenha em brasa”. Para as mães que se encontram no lar, são oferecidas oficinas para ensino de atividades que podem render retorno financeiro, como

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Foto: Amanda de Castro

Mais do que um trabalho social, o Lar Maria de Nazaré se transformou em uma oportunidade única para grávidas sem condições financeiras e abandonadas pelas famílias. No abrigo, mantido pelo Centro Espírita Auta de Souza, elas recebem suporte financeiro e emocional para criar os filhos por um ano, após o parto. Em mais de 25 anos, mais de mil gestantes passaram pelo local. Há 20 anos, Gilvanete Diniz Nascimento, 49 anos, chegou à instituição em busca de apoio, hoje ela e o filho é que ajudam mães e bebês que se vêem esquecidos pela sorte. “Eu trabalho em uma casa voluntária, faço enxoval. O Lar Maria de Nazaré significa esperança e recomeço. Aprendi a respeitar e confraternizar, o que é o amor. A sociedade é minha casa agora. ”, contou. O coordenador do Centro Espírita Auta de Souza, Elias Santos, 32 anos, emocionase ao falar do trabalho desenvolvido por uma equipe de voluntários. Segundo ele, a instituição não só vive como põe em prática a caridade. No período em que as mães moram no lar, recebem auxilio para buscar emprego e formas para se sustentarem no futuro, além de serem inseridas novamente na comunidade. “Recebemos gestantes necessitadas de abrigos de atenção”, resumiu ele.

Bruna Souza deu à luz a Emily no Lar Maria de Nazaré e faz planos para o futuro de ambas


Exclusão social De acordo com Sociedade de Divulgação Espírita, muitas grávidas chegam ao local com relatos de agressão dos companheiros e exclusão pela família. Há, ainda, casos de moradoras de rua, que são acolhidas, recebem acompanhamento de pré-natal, psicológico e de clínica geral, trabalho feito por pessoas voluntárias. Elas recebem alimentação e ganham o enxoval. Para morar no local, é preciso respeitar regras: horário para sair e voltar. Ao ingressarem no lar, elas assinam um termo de responsabilidade, e se saírem sem comunicar ou não informar onde se encontram, acabam por receber advertência. Se insistirem, são convidadas a migrar para outras casas de acolhimento. Herança De voz mansa, mas firme a paraibana de Princesa Isabel, Gilvanete Diniz Nascimento, disse que veio para Brasília com planos de permanecer por aqui por três meses. Mas o tempo passou e houve a surpresa de uma gravidez. A gestação ocorreu no momento em que estava desempregada e sem apoio na nova cidade. Porém, uma amiga contou sobre a existência do Lar Maria de Nazaré, Gilvanete não acreditou. “Eu não acreditava, eu sempre trabalhei desde criança, trabalhava até escondida do meu pai, não acreditava que existia algo assim de apoio e tudo mais sem receber nada em troca”, afirmou a costureira. “Cheguei a achar que era até uma casa de prostituição, estava com medo”, admitiu, que atualmente é plantonista do lar, cuida das mães e dos bebês ao lado do filho, de 19 anos, que atua também como voluntário.

Um futuro para Emily Sentada no sofá da recepção da Sociedade de Divulgação Espírita Auta de Souza, Bruna Gabriele Souza, 18 anos, parece tranqüila. Quando começa a falar, conta como encontrou o Lar Maria de Nazaré, por meio do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e que está no local desde fevereiro, e fala do futuro para sua filha Emily. A história dela não é diferente de tantas jovens. “Assim que fiquei grávida fui morar com um amigo meu, em Águas Claras, onde fiquei por 15 dias. Lá tinha muito acesso a droga. Eu saí de lá e procurei me tratar, onde fui ao psicólogo e depois na assistente social e acabei vindo para o Lar Maria de Nazaré”. Feliz, Bruna disse que gosta muito do lar, que ganhou o enxoval e vários cursos de evangelização. De parentes, em Brasília, há apenas sua mãe e sua irmã mais nova de seis anos. Dentre idas e vindas, ela foi à única que restou até agora. “Aqui as mães têm certeza e se sentem seguras, além de estarem preparadas para a vida que as aguarda, para o trabalho e para um futuro para nossos bebês”, observou. Segundo Bruna, foi boa aluna no colégio, mas não concluiu o ensino médio e abandonou os estudos. Porém, planeja em breve voltar à escola e preparar-se para o ensino superior. “Meu plano é entrar em uma faculdade administração a distância. Arranjar uma creche para a Emily e fazer um estágio enquanto

ela estiver na creche, aqui mesmo em Brasília”, disse. Bruna nasceu na cidade de Teresina (PI), não conheceu o pai e sua mãe trabalhava como doméstica em uma casa onde a jovem passou a infância morando e brincando até os 7 anos de idade. Morou com os avós, amigos, usuários de drogas e conheceu o pai da filha dela, que descobriu ser casado. Foram cinco anos, nos quais ela passou por períodos de depressão e automutilação. Bruna se irritou com o então “namorado”, não quis mais saber do homem, e recorreu à defensoria pública abriu um processo para pagamento de alimento gravídico contra o pai de Emily. Atualmente, o homem tem descontado do salário, mensalmente, uma porcentagem que vai direto para a conta dela.

Onde procurar ajuda - Centro espírita André Luiz - Yoga para a comunidade 9h, nos sábados. AE 16 A, Qe 16 - Guará,DF -Centro espírita Lamana (também chamado de lar Maria de Nazaré). Proporciona uma creche. - St. A Norte QS 608 - Samambaia Sul. - Centro espírita O Consolador- promove educação socioprofissional que se fundamenta na lei do aprendiz visando formação pessoal e a preparação para o mundo do trabalho de adolescentes e jovens entre (14 a 24 anos) - SH Sol Nascente Conj. N - Ceilândia.

Foto: Amanda de Castro

crochê, costura, tapeçaria, pintura, tricô e bordados. Há, ainda, palestras sobre gestação saudável e a prática de auxílio mútuo.

Emily poderá ficar no abrigo até 1 ano de idade, neste periodo ela e a mãe receberão assistencia

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EDUCAÇÃO

Pedocracia: quem obedece são os pais Uma geração de crianças autoritárias e adultos subservientes Aline Cabral

alguma coisa, como mexer no celular, eu atendo o que ele quer, só para não chorar e me estressar ainda mais”, relatou a mãe do Matheus. Preocupada com esse tipo de comportamento, a psicanalista Marcia Neder, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Psicanálise e Educação da USP, resolveu pesquisar o tema e acabou batizando a situação de “pedocracia”. Termo que, segundo ela, significa ditadura da criança. É a cultura que se organiza em torno da criança, criada como rei ou rainha, o centro do mundo, em que tudo que é desejado, é também realizado.

Raiana Matte reconhece dificuldades para lidar com o filho Matheus, 5 anos

A cena se repete em qualquer hora do dia ou da noite: filhos, ainda crianças, que dão ordens aos pais. E o pior, são obedecidos. Raiana Carla Matte, auxiliar administrativo, 27 anos, mãe de Matheus, 5, admite que sofre com a “pressão” do filho e o temperamento dele. Segundo a mãe, o menino “não gosta” de obedecer e “tem um gênio forte”, pois quer que a opinião dele prevaleça. “Meu filho é muito teimoso, ele sempre tenta mandar em mim da

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Foto: Aline Cabral

‘‘Na maioria das vezes meus filhos não me obedecem, fazem birra e choram muito.”

forma dele. Quando quer as coisas, normalmente chora, faz birra ou para de falar comigo até conseguir o que quer ou esquecer o que pediu”, disse. “Normalmente faço as vontades do meu filho, não porque ele chora, mas por culpa, pois trabalho o dia todo e normalmente quando chego em casa ele já está quase dormindo”, contou. “Não sei se preguiça é a palavra certa, mas às vezes estou tão cansada e estressada do trabalho, que quando o Matheus quer

Antônio Eraldo Pereira de Sousa, policial militar, 40 anos, pai de Miguel Sousa, 5, e Luísa Sousa, 4, também passa por situação semelhante à de Raiana Matte. “Na maioria das vezes meus filhos não me obedecem, principalmente quando envolve algo que eles querem muito e eu não dou ou quando não deixo fazerem algo, aí tem birra e choram muito”, disse Antônio de Sousa. A angústia de Antônio Sousa pode ser resumida em um episódio recente: “Uma história sobre isso envolve o meu filho Miguel, que estava de castigo por ter aprontado na escola, por isso eu passei a não levar ele para passear comigo ou jogar bola. Um dia ele fez muita birra,


me estressei e acabei levando ele para o futebol em um sábado, com a condição de que ele passaria a se comportar na escola”. Inversão Para a psicanalista Marcia Neder, os papéis estão se invertendo e os pais deixam suas vidas girarem ao redor dos filhos. “Os adultos passam a viver mais em função do desejo de ser amado pelos filhos do que aquele ao qual eram habituados anos antes, de serem obedecidos e respeitados, hoje em dia é mais valorizado ser amado, aprovado pela criança”, analisou. Segundo a psicanalista, o comportamento dos filhos é reforçado pelos pais. Ela relata o que observou em uma creche, quando um pai não aceitou as regras da instituição. “Meu filho vai usar celular dentro da sala de aula sim porque é meu filho”, contou ela, acrescentando que: “Não estamos falando só de crianças, mas também de adultos que exigem para seus filhos, tratamentos especiais”.

Marcia Neder explica mais sobre o assunto nos seguintes livros: Déspotas Mirins Editora Zagodoni 2012 Preço médio: R$ 36, 00 A autora mostra que o século XX fez da criança o tirano da família, instituindo um novo regime social que ela chama de ‘pedocracia’. Nele, as crianças mandam e os pais obedecem com medo e culpa. Os Filhos Da Mãe Editora Leya 2016 Preço médio: R$ 35, 00 É a publicação mais recente da psicanalista que detalha como muitas famílias se organizam em função da criança, de tal forma que a mãe se coloca a serviço dos filhos e capaz de abrir mão da própria vida, tornandose uma verdadeira escrava.

Culpa A psicóloga e professora Ângela Uchoa Branco, psicóloga e professora, do Instituto de Psicologia da UnB, atribui o comportamento à culpa dos

Filhos que dão ordens para os pais, relatos cada vez mais comuns no pais

Foto: Matheus Nascimento

Foto: Ivo Vicentim

Marcia Neder é autora de livros sobre pedocracia

pais pela falta de tempo e o excesso de atividades que têm. “Muitas vezes os pais se sentem culpados por não estarem tão presentes, e acabam achando que uma maneira de compensar isso é fazendo todas as vontades dos filhos”, disse. Para a especialista, o impacto desse tipo de comportamento pode ser bastante grave no futuro. “Os filhos terão dificuldades de conviver, cooperar e negociar com as pessoas em geral, seja colegas ou adultos. Crianças e adolescentes precisam de limites para o seu próprio bem, e precisam aprender a se colocar no lugar dos outros, a entender cada situação e, sobretudo, a cooperar com as pessoas”, concluiu. A psicanalista Marcia Neder faz um alerta aos pais: “Quando você valoriza ao extremo ser amado pela criança, você deixa de exigir o que você precisa exigir e passa a aceitar e adotar como norma nessa relação, entre pais e filhos a permissividade, o permitir, daí é birra, manha, o que pode afetar a criança no futuro”.

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SOCIEDADE

O aborto é legal, mas burocracia e moral atrapalham Mesmo em casos de estupro, risco de morte para mãe e anencéfalos, há dificuldades para interrupção da gravidez

Patrícia Nadir

Uma em cada cinco mulheres brasileiras até 40 anos já fez um aborto ao longo da vida. A estimativa aponta para 4,7 milhões de mulheres, entre 18 e 39 anos, que em algum momento interrompeu a gestação. As constatações são da Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, realizada pelo Instituto de Bioética Anis da Universidade de Brasília (UnB). A situação se agrava, inclusive, em casos em que a lei permite a interrupção da gravidez, devido aos entraves burocráticos e às pressões para impedir que a mulher busque o aborto como alternativa.

A interrupção da gestação, no Brasil, é permitida nos seguintes casos: quando a mulher corre risco de morte, se a gravidez é fruto de estupro e quando o feto é diagnosticado com anencefalia (sem cérebro). O Código Penal de 1940 considera crime o aborto feito em quaisquer circunstâncias diferentes Apesar das previsões em lei, sobram empecilhos para mulheres que precisam desse tipo de ajuda. Aquelas que engravidam depois de sofrerem um estupro, por exemplo, vivem uma realidade difícil. Há deficiência em divulgação de orientações e os atendimentos são difíceis. A reportagem contatou o Ligue 180, serviço de denúncia de violência contra a mulher, criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres em 2005, a fim de conseguir informações sobre o procedimento abortivo para esses casos. Ao perguntar sobre as alternativas, o Artefato foi instruído a procurar uma unidade de saúde porque o atendimento “não possuía essa informação”. Estivemos em três hospitais públicos da capital para tentar descobrir como é o procedimento. Todas tentativas foram sem sucesso.

Pobre, sozinha, estuprada e grávida

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Arte: Benny Leite

“Abortei por dor e desespero” “Eu fui estuprada pelo patrão da casa de família em que trabalhava. De forma dura, seca e brutal. Três meses depois, descobri que estava grávida. Na época, eu era adolescente. Lembro que uma colega do colégio comentou comigo que a lei permitia que eu fizesse um aborto. Cheguei a ir a um posto de saúde perto do cortiço, que passei a morar depois que saí da casa do meu abusador. Antes, eu trabalhava de doméstica e morava na casa dele. A moça do posto disse que eu tinha que ir numa delegacia. Fiquei com medo da reação dele caso eu fosse à polícia. O desespero me levou a tirá-lo [o feto] de uma forma que não consigo nem contar”, relatou a brasiliense Antonieta Silva*, 26 anos. *Entrevistada preferiu não se identificar.


Obstáculos

Assim como nas demais unidades federativas do país, o DF conta com o Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei, que segue diretrizes do Ministério da Saúde. Ao buscarem essa alternativa, entretanto, as mulheres passam por uma minuciosa análise dos casos e, nem sempre, os procedimentos são autorizados. No ano passado, das 62 atendidas pelo programa, 35 mulheres abortaram no capital. Há, ainda, restrições quantos as unidades de saúde que realizam a prática. A advogada Tâmara Gonçalves, doutora em Direitos Humanos pela USP e integrante do Comitê Latino-Americano para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), acentua a má distribuição pelo território

nacional dos centros de abortos legais. “Muitas mulheres não conseguem amparo legal, e acabam caindo na clandestinidade e se arriscando em procedimentos ilegais”. Os obstáculos ao aborto legal encontram espaço também em projetos de leis sustentados por ideias conservadoras e fundamentalismos religiosos. Recentemente, uma proposta da deputada distrital Celina Leão (PPS) determinava a exibição de fetos às grávidas vítimas de estupro. O projeto foi vetado pelo governador Rodrigo Rollemberg. Para além do Legislativo, tramita na Câmara o projeto de lei 478/2007 que prevê normas mais severas para o aborto. Intitulado Estatuto do Nascituro, o texto estabelece direitos ao feto desde o momento da concepção e transforma a prática– em qualquer situação – em um

Argumentos dos favoráveis Defensores da legalização do aborto apoiam a prática até a 12ª semana – período em que as conexões nervosas no cérebro do feto ainda não estão formadas, nem há qualquer possibilidade de vida fora do útero. A advogada Tâmara Gonçalves esclareceu que não se pode equiparar os direitos de embriões e fetos aos seres humanos já nascidos. “O direito brasileiro coloca a salvo e resguarda a expectativa de direitos dos não nascidos. Significa que eles têm possibilidade de adquirir direitos caso nasçam com vida”, apontou. Para a professora Izaura Santos, 35 anos, a legalização do aborto, no Brasil, é um tabu que deve ser vencido. “Algumas confusões são intencionais, eu acredito. Nós somos a favor do direito das mulheres escolherem se querem ou não ser mães. Defendemos o direito de escolha daquelas que arcam com todos os pesares da maternidade”. A universitária Adriana Passos, 22 anos, pensa que o discurso contra o aborto é carregado de falso moralismo e esconde o desejo de punir as mulheres por exercerem sua sexualidade. “Essa polêmica é fruto de uma vontade de castigar a ‘mulher não se cuidou, que teve relações não adequadas’. Na hora de apedrejar, muitos esquecem que métodos contraceptivos falham. Mesmo se cuidando, sempre há riscos de gravidez”.

crime hediondo. Nos casos de gravidez gerada por abuso, a proposta impõe ao Estado a obrigação do pagamento de auxílio para as necessidades da criança. Tânia Siqueira Montoro, professora doutora da Faculdade de Comunicação da UnB, afirmou que uma série de equívocos marca o impasse em torno da descriminalização do aborto. Segundo ela, são falhas de informação, questões de responsabilidade pessoal e também de ausência de isenção sobre o tema. “Falta informação e responsabilidade dos parceiros na experiência sexual. Ainda achamos que o problema é com a mulher e não responsabilidade mútua”, ressaltou. “Legalizar o aborto é um dever do Estado, fazer um aborto é uma decisão individual. Você pode ter um direito legalizado e não querer usufruir por crenças e valores.”

O que pensam os contrários

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Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) revelou que o conservadorismo é uma forte característica da população brasileira. Pelo levantamento, 79% dos brasileiros ainda são contrários à descriminalização do aborto, o mesmo percentual é contra a legalização da maconha e 53% rejeitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A pesquisa foi feita entre 31 de agosto a 2 de setembro de 2014, ouvindo 2.506 pessoas. A técnica de enfermagem Maria Silva, 32 anos, está entre as pessoas contrárias à descriminalização do aborto. Para ela, a medida vai contra o “direito à vida”, além de antagonizar com seus princípios religiosos. “O aborto é um assassinato cruel a alguém que não tem como se defender. Não sei como alguém é capaz de apoiar uma atrocidade dessa. Eu nem ouço essas pessoas. Para mim, o direito à vida também deve ser garantido ao feto”, opinou veementemente. A professora universitária Ana Leite, 40 anos, disse sentir-se dividida em relação à interrupção da gravidez em casos de estupro. “Realmente não deve ser fácil. Criar um filho, fruto de um momento de violência. Não me sinto à vontade para julgar mulheres que se vêem numa situação tão dramática e dolorosa”, afirmou a professora, que é católica praticante.

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SAÚDE

Depressão, um mal sem distinção de idade e sexo Só no Brasil, mais de 11,5 milhões de pessoas sofrem com a doença

Anderson Miranda Péricles Lugos

A depressão é considerada um dos transtornos mentais incapacitantes mais frequentes do mundo. Mais de 350 milhões de pessoas no mundo convivem com a depressão, só no Brasil, são aproximadamente 11,5 milhões, segundo dados de 2015, da Organização mundial de Saúde (OMS). Em geral, a dificuldade maior é diferenciar a tristeza momentânea de uma depressão. “A tristeza pode ser, por exemplo, o luto. É uma tristeza muito profunda quando perde alguém próximo, mas com duas, três semanas, a pessoa começa a melhorar. Na depressão com duas, três semanas, a pessoa só piora. Depressão, em geral, dura vários meses”, analisou o professor Luciano da Costa, do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Segundo o professor, é preciso observar os sintomas e reações que, geralmente, aparecem gradualmente. Foi assim com Patrícia Carvalho*, 22 anos, estudante de psicologia, moradora de Bauru (SP). Ela descobriu es-

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tar com o transtorno há quatro anos. “Eu atendia pessoas com todos os tipos de problemas, ouvia reclamações de todos os tipos, por horas e isso foi me deixando depressiva”, disse Patrícia que ainda faz uso de medicamentos e acompanhamento com o psiquiatra. O estudante de medicina Gustavo Kogos*, 26 anos, contou ter sofrido até identificar o diagnóstico de depressão. “Sentia vergonha do meu estado e muitos ao meu redor, incluindo familiares, me julgavam como vagabundo e preguiçoso. Isso me fez me isolar por muito tempo cada vez mais, o que só agravou o quadro”, lamentou o universitário. Tratamento Para o tratamento da depressão, o paciente consiste em associar sessões de análise com psicólogo e psiquiatra e mais o uso de medicamentos específicos. A família e os amigos também devem ser integrados ao processo, segundo o médico psiquiatra Hector Vinicius Cala. “Uma maneira simples para se

ajudar alguém doente é literalmente arrastar a pessoa para novos programas, como caminhadas, passeios no parque, estimulação de novas atividades e tentar evitar ao máximo que a pessoa fique na cama durante o dia”, observou o psiquiatra. * Entrevistados pediram para não serem identificados com os nomes reais.

Sinais de depressão: Tristeza constante Sentimento de culpa Baixa autoestima Isolamento Distúrbios no sono Perda do apetite Falta de energia


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Foto: Renata Nagashina


SAÚDE

Buscar ajuda é sinal de força Suicídio mata mais de 800 mil pessoas por ano, principalmente jovens, segundo a OMS Rodrigo Neves

Encontrado morto em 20 de julho, aos 41 anos, o vocalista da banda norte-americana Linkin Park, Chester Bennington, enfrentava a depressão e dependência de álcool e drogas, problemas que podem ter levado a tirar a própria vida. As dificuldades de Chester não estão muito distantes da realidade de milhares de pessoas que lidam com situações parecidas diariamente. Bennington conquistou uma carreira de sucesso, construiu uma família e garantiu sua estabilidade financeira. Mesmo assim, sua angústia venceu o entusiasmo pela vida. O artista faz parte de uma estatística dramática: 800 mil pessoas que morrem, por ano, em decorrência do suicídio - uma das principais causas de mortes entre jovens de 14 e 29 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Geralmente, a pessoa que tenta se suicidar está em desespero porque não encontra nenhuma saída nem suporta mais o sofrimento repetido”, afirmou Alexandre Galvão, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). “Na maioria das vezes as tentativas existem como alternativas para evitar um grande problema”. Em geral, segundo especialistas, a pessoa que pensa em suicídio dá alguns sinais, como o isolamento, irritação constante, variação de humor, uso exces-

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sivo de remédios, hipersonia ou insônia. Desespero Por desespero e após dar vários “sinais de alerta”, a estudante A.S, de 20 anos, disse ter tentado suicídio.“Tudo que eu pensava era em acabar com a dor que existia dentro de mim e aquela parecia ser a única maneira de acabar”, contou. “Por não ter procurado ajuda, eu me senti sem apoio de ninguém”, acrescentou ela, informando que a mãe descobriu e, desde então, passou a lhe dar apoio,incentivando-a a procurar um tratamento.

“Ninguém pensa em ser um suicida. Quando você chega a fazer isso, você não calculou. É quando você não vê mais escapatória” Casada com um pastor, E.A, 39 anos, contou sobre o constrangimento que seu marido sentiu quando a encontrou após a tentativa de suicídio: “Meu marido não queria que ninguém soubesse. Foi um problema muito grande pra mim”. Para a família de E.A, compreender o que ocorria só foi possível depois da terapia. “Se a família não for envolvida, não tem solução. Era preciso aprender a lidar e como trabalhar isso comigo”, dis-

se. “Ninguém pensa em ser um suicida. Quando você chega a fazer isso, você não calculou, não pensou. É quando você não vê mais escapatória”. E.A disse ter sofrido com o julgamento das pessoas do seu círculo religioso. “Por ser evangélica, as pessoas falavam que era falta de Deus, que eu não buscava, não confiava ou não conhecia Deus”, relatou. “Às vezes o que você precisa é do Deus que habita nas pessoas pra vir falar que isso é normal e humano”, desabafou ela. O psicólogo Vitor Barros Rego disse que o ideal seria incluir discussões sobre dificuldades e sofrimento mentais que bem tratados colaboram para desenvolvimento de todos: “O fator religioso pesa bastante quando postulam que a pessoa que tenta suiicídio terá punições em outro plano astral”. Porém, o especialista acrescentou a importância da religião: “Muitos padres, pastores, pais de santo têm acolhido seus seguidores no próprio reduto religioso de maneira menos julgadora e mais voltada para um problema de saúde. É uma mudança de postura muito importante, mesmo que não sejam agentes de saúde”. Para Barros Rego, é preciso prestar atenção nas cobranças sobre si: “O problema é que temos um discurso positivista de que você só não é feliz, rico e profissional de sucesso porque não quer. Quem não alcança isso é um fracassado”.


Foto: Laryssa Passos

Prevenir é possível Pelos dados da Organização Mundial de Saúde, o Brasil tem a oitava maior taxa de suicídio do mundo. As razões apontadas vão desde a desigualdade social aos programas sociais frágeis, uma rede de saúde que não consegue absorver as demandas de tentativas de suicídio, além da violência física e psicológica naturalizada e as condições psicossociais de trabalho. Alexandre Galvão, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), disse que o primeiro passo para as pessoas poderem ajudar é compreender que depressão não tem relação com frescura ou manha. “Transtorno de humor são patologias severas em que a pessoa precisa de um tratamento especializado para isso”, disse ele, informando que há muitos casos associados ao transtorno manifestado de diferentes formas. Há três anos, é promovida a campanha Setembro Amarelo, cujo objetivo é prevenir e conscientizar a população sobre as faces do suicídio. Ao longo do mês haverá caminhadas, encontros e palestras para discussões sobre o tema. O Centro de Valorização da Vida (CVV), associação sem fins lucrativos, fundada em 1962, está à frente do Setembro Amarelo. Porém, a tradição da instituição é nos atendimentos gratuitos por telefone, chat, e-mail e skype. São mais de 2 mil voluntários, em 18 estados e Distrito Federal, para prestar apoio emocional e preventivo ao suicídio para as pessoas que precisam e buscam conversar. Voluntário no CVV, Gilson Aguiar disse que o trabalho consiste em “ouvir, respeitar e compreender o outro”: “São pessoas comuns movidas por boa vontade, que se propõem a compreender outras pessoas”, disse. Segundo ele, os atendentes têm outro perfil. “São consultores profissionais, como médicos, advogados, psicólogos, porém, dentro de seus quadros de plantonistas, atuando apenas como consultores”, afirmou. SERVIÇO: CVV - Centro de rização da Vida Telefone: 141 Site: www.cvv.org.br

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TRABALHO

Elxs buscam espaço no mercado Transgêneros que vencem a discriminação e conquistam seu espaço profissional Karyne Nogueira

A discriminação e o preconceito rondam a realidade dos transexuais que buscam trabalho no país, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% deles e delas ainda buscam a prostituição como alternativa de sobrevivência. A realidade das pessoas que não se reconhecem com o sexo de nascimento, é uma angústia diária. Mas muitos e muitas vencem as barreiras e colocam-se como referência nas suas áreas de atuação: comércio e gastronomia, por exemplo. O Artefato foi atrás de histórias de profissionais bem-sucedidos que venceram as dificuldades e são respeitados. Thales e Joana são dois desses profissionais, mas reconhecem ainda que há um longo caminho a percorrer até que a comunidade trans seja respeitada e reconhecida. Há três meses, antes de fazer a resignação de gênero, pois nasceu com o corpo feminino com o qual jamais se reconheceu, Thales Luis Alves dos Anjos, de 24 anos, definia a vida dessa forma: feche os olhos e imagine um espelho diante de si. Imediatamente reconhece a imagem que é refletida, porém, ao abrir os olhos, é atingido por uma surpresa: não é você que está ali. Homem transgênero, bancário e empreendedor, Thales emergiu das estatísticas negativas que englobam a comunidade transexual. Situação semelhante vive uma morena de cabelos longos e traços delicados, Joana Fernandes Andrade é uma jovem trans que há quatro anos trabalha como consultora de jeans em uma loja de departamento.

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Descoberta Aos 15, após ser aprovado em três faculdades, Thales optou por psicologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). No meio acadêmico, encontrou um núcleo de gênero e conheceu o trabalho do, então professor do curso de Serviço Social da Universidade Católica de Brasília (UCB), Carlos Alberto Santos de Paulo. Durante esse período, começou a fazer shows em bares pela cidade e economizou dinheiro. “Na época, cheguei a enviar mais de 600 currículos para todos os tipos de vagas de emprego, de auxiliar de carregamento a estagiário em psicologia, mas nunca fui contratado”, contou. Aprovado para o cargo de escriturário em um grande banco, Thales se viu finalmente no mercado de trabalho. “Eu fiquei desesperado porque não sabia como iria ser o reflexo no banco, mas mesmo assim, dei a cara a tapa. Não dava mais para permanecer com aquele corpo. Ou eu viveria sendo eu mesmo ou não queria mais viver”, disse. Thales tomou coragem, fez o tratamento e ainda partiu para um segundo curso superior: gastronomia. Segundo ele, foi inspirado no modelo francês de empreendimento gastronômico, o restaurante secreto. Neste modelo gastronômico, um jantar completo é oferecido para seis convidados sorteados. “Reformei meu apartamento e comecei a fazer os jantares, os convidados gostaram da proposta e agora já sou contratado para levar o restaurante secreto para eventos”, disse o chef de cozinha,

que tem 600 pessoas na lista de espera. Quem vê Joana Andrade, desenvolta e feliz, gerenciando a página no Facebook, I Am Trans, voltada para o público trans, com mais de 34 mil curtidas, não imagina o que ela passou até conseguir assumir-se e transformar-se. Aos 20 anos de idade, Joana saiu do interior da Paraíba e seguiu rumo ao Rio de Janeiro em busca de novas oportunidades.

“Foi um passo em vão na minha transição e ainda precisei abrir mão da minha vaidade como mulher” No Rio, a consultora partiu para a terapia hormonal sozinha, sem acompanhamento endocrinológico – quando são usados três tipos de medicamentos mais os complementos vitamínicos para promover as mudanças desejadas do organismo e aparência masculinos para o feminino. Passando por sua transição e tendo dificuldades para conseguir um emprego, Joana encarou um impasse: retroceder na sua resignação para ser contratada. “Tive de cortar meu cabelo e me apresentar como um homem para conseguir a vaga na loja. Foi um passo em vão na minha transição e ainda precisei abrir mão da minha vaidade como mulher”, disse Joana no diálogo com o chefe.


“Não dava mais para permanecer com aquele corpo. Ou eu viveria sendo eu mesmo ou não queria mais viver”

O Coordenador de Diversidades, órgão responsável na Subsecretaria de Políticas de Direitos Humanos, da Secretaria-Adjunta de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEDESTMIDH) do governo federal, Flávio Brebis, admitiu que há deficiências no tratamento oficial sobre o tema. “A população trans é uma das mais vulneráveis, quando se trata da garantia de direitos e, na maioria das vezes, o Estado não oferece condições para a capacitação, informação e formação para o empreendedorismo voltada a população de travestis e transexuais”, disse Brebis. Para o coordenador, o ideal é que houvesse mais parcerias para a contratação de pessoas trans no mercado de trabalho formal, mas não no momento de tais mecanismos para esse direito seja efetivado a curto prazo. Mestranda em Comunicação, Taya Carneiro, ativista transexual, pesquisa a empregabilidade de pessoas trans no DF. Segundo ela, é preciso atualizar os dados para verificar de fato como está a empregabilidade de homens e mulheres transgêneros na capital. “Acredito que a defasagem é motivada especialmente pela situação de marginalização de pessoas trans na sociedade e pelo preconceito. Como o ensino sobre identidade de gênero não chega nas escolas e universidades, os pesquisadores acabam por acreditar que não é possível fazer esse tipo de análise”, argumentou Taya. Segundo a pesquisadora, a falta de interesse do governo em fazer esse tipo de pesquisa leva a um certo descaso sobre os dados.

Thales Alves passou pela resignação de gênero, superou barreiras e conquistou seu espaço

Violência constante A Rede Nacional de Pessoas Trans – Brasil (Rede Trans), organização que lida com a violência contra a comunidade transgênera, informa que a transfobia, discriminação contra travestis e transexuais, faz vítimas diariamente. Até julho deste ano, foram contabilizados 114 homicídios e 72 situações de violação dos direitos humanos. As vítimas, em geral, são alvos de agressões violentas e crueldade. Porém, o preconceito e a invisibilidade das pessoas transexuais não só ocultam os crimes contra a vida, mas também afetam diretamente a falta de espaço no mercado de trabalho.

Foto: Mari Alves

Tratamento

Serviços *Transempregos: É um site que divulga vagas de empregos para o público transgênero. É administrado pela empresária e advogada trans Márcia Rocha. Há mais de 1 mil currículos cadastrados. Endereço do site: transemprego.com.br *Ambulatório transexual no Distrito Federal: Primeiro especializado no tratamento de transexuais presta serviços nas áreas de endocrinologia, enfermagem, psicologia, psiquiatria e serviço social. Endereço: Hospital Dia na 508/509 Sul Horário: De segunda a sexta-feira, das 7h às 12h e das 14h às 16h.

114 homicídios

72 trans em situações de viloção dos direitos humanos

*Fonte: Rede Nacional de Pessoas Trans - Brasil (Rede Trans) de 1 de janeiro a 31 de julho de 2017.

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TRABALHO

Desvalorização no ambiente hospitalar Enfermeiros, técnicos e auxiliares, eles existem

Foto: Bruna Abreu

Adriana Botelho Maria Isabel Felix

Para trabalhar na área da saúde é necessário aliar amor, paciência e uma boa dose de compreensão, pois é comum ouvir críticas, comentários e sentir na pele a desvalorização profissional. A situação se aplica aos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, profissões classificadas pela pesquisa Health Education Authority entre as atividades mais estressantes no setor público. Para piorar, na maioria das vezes o salário não corresponde com as longas jornadas de trabalho. Com quase 50 mil funcionários registrados no Distrito Federal, segundo dados do Conselho Regional de Enfermagem do DF (Coren-DF), a enfermagem passa por uma contínua desvalorização

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de trabalhadores de nível superior, técnico e auxiliar. “Nós cuidamos da saúde dos outros, mas ninguém se preocupa com a nossa”, desabafou o tesoureiro do Coren, Adriano Araújo, que já chegou a dormir no chão durante o horário de descanso por falta de local adequado.

“Nós cuidamos da saúde dos outros, mas ninguém se preocupa com a nossa” Para o enfermeiro e conselheiro suplente do Coren-DF, Ricardo Cristiano da Silva, a parte financeira é o grande calcanhar de Aquiles da área. De acordo com a pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, encomendada pela Fundação

Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), foi constatado um alto percentual de pessoas (13,3%) na condição de subsalário, com renda mensal de até R$ 1.000. A grande maioria dos trabalhadores (23,7%) se encontram na faixa de R$ 1.000 a R$ 3.000. A pesquisa revela ainda que há excesso de trabalho e poucas vagas de emprego. Os profissionais se queixam também de violência psicológica e discriminação de gênero. Segundo o estudo, há “injeção de mais profissionais” do que o mercado consegue absorver, além da insegurança no local de trabalho, pois muitos funcionários não se sentem protegidos,


principalmente contra a violência psicológica e a discriminação de gênero. É o que conta o auxiliar, Cleidson de Sá Alves, 38 anos e 20 de carreira em instituições públicas e privadas. “O mercado teve mudanças substanciais em virtude de novos cursos em novos locais, mas são poucos hospitas para abranger os novos formandos”, afirmou o profissional. Desigualdade

Como se já não bastasse, dentro do ambiente hospitalar, a equipe de enfermagem acaba, muitas vezes, sendo posta de lado em detrimento da figura hipervalorizada do médico. Isso fica claro na diferença de tratamento recebido entre a área profissional de cada um. A estudante do 8º semestre de enfermagem da Universidade de Brasília (UnB) Maruska Alves, 20 anos, contou a experiência que viveu no estágio: “Os próprios pacientes nos chamam de doutores. Eles acham que todo mundo que está dentro do hospital é médico”. Segundo Maruska, os estudantes

de enfermagem têm sido orientados a assumir uma posição mais empoderada e autônoma. “Os professores falam muito que devemos estudar e nos empoderar da profissão, para que não sejamos subordinados e façamos as coisas que terceiros nos mandam”, disse a universitária. Na sua tese de doutorado, a pesquisadora Itala Maria Silva afirma que, em hospitais gerais, o trabalho que deveria ocorrer em sintonia, acaba restrito a um universo que valoriza a hegemonia média. Porém, isso não ocorre. Trabalhando em um dos maiores hospitais particulares do DF, a técnica de enfermagem Maria Silva*, de 34 anos, conta que convive com a pressão dos médicos em cada atividade que desempenha. “Eu só recebo ordens, é como se achassem que não sei realizar o meu trabalho”, relatou. Há mais de 16 anos na área, o conselheiro suplente o Coren-DF, Ricardo Cristiano da Silva, afirmou, com pesar, que ainda ouve frases do tipo ‘enfermeiro não faz falta alguma nesta instituição’. “Durante as 24 horas quem

cuida do paciente somos nós, os profissionais de enfermagem. Então, se não fosse a enfermagem, quem estaria lá?”, questionou ele. Após campanha do Coren-DF, a Câmara Legislativa aprovou a lei do descanso digno 5.885/2017. Nela, fica estabelecido que todas as instituições de saúde têm de dispor de locais arejados e adequados para que os profissionais de plantão consigam descansar o período necessário. Também está em tramitação, na Câmara Legislativa, uma proposta que define a fixação de um piso salarial. Atualmente o piso é definido em convenção coletiva de trabalho das categorias sob coordenação do Coren-DF. Os auxiliares conseguem receber, no máximo, R$ 1.080 para 44 horas semanais, os técnicos R$ 1.130 também nesta jornada e os enfermeiros R$ 1.752,28. *O nome da técnica de enfermagem é fictício a pedido dela.

Perfil da equipe de enfermagem no DF Total de profissionais: 43.886

ENFERMEIROS: 11.354

AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM: 32.532

SEXO: Feminino 85,6 Masculino 14,1

SEXO: Masculino 13,3 % Feminino 86,4 %

FAIXA ETÁRIA Até 40 anos 65,3 De 26 - 35 anos 35,5 De 36 - 50 anos 43,7 Mais de 61 anos 1,5

FAIXA ETÁRIA Até 40 anos 63,3 De 26 - 35 anos 31,9 De 36 - 50 anos 47,5 Mais de 61 anos 2,0

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DIVERSÃO

Divirta-se bem e barato, é possível Daniel Neblina

Tem balada barata, ateliês, brechós e apresentações ao ar livre

Juliana Dracz

capital, com uma programação que conta com um time diversificado de artistas que levam ao público apresentações, documentários, encontros temáticos, entre outras atrações. Bem perto está o Teatro Bar, localizado no Setor Comercial Sul, ideal para quem gosta de bebidas e muita música: às terças-feiras à noite e em um ambiente descontraído, artistas fazem suas performances. Ana Clara Terce, estudante de medicina veterinária, que freqüenta o Teatro Bar comprovou a qualidade das apresentações. “Hoje muitos eventos são em locais de difícil acesso, que carecem de carros. Brasília é uma cidade que possui público para os mais variados tipos de eventos, mas falta opção. O preço é justo e é uma opção quando

a gente quer fugir das preocupações da semana”, afirmou. Em Taguatinga Sul, não faltam alternativas nos blocos do Mercado Sul. O local é palco de produções culturais e economia solidária. No espaço, há oficinas de artesanato, ateliê de reparos e fabricação de instrumentos musicais, brechós e ainda um teatro de bolso - aquele com pequena platéia. Na onda de uma noite animada e sem muitas despesas, a opção pode ser o “Balada em tempos de crise”, criado pelos amigos Igor Albuquerque, Babi Bressan e Kaká Guimarães: a proposta é agitar a noite underground comfestas de baixo custo, regadas a música eletrônica e em espaços públicos do Distrito Federal. Foto: Gabriela Anacleto

Trabalho, faculdade, obrigações ...quando o fim de semana chega, a vontade é sair de casa e curtir uma boa programação, mas em tempos de crise, as opções de lazer parecem estar limitadas. Engana-se quem pensa que o lazer no coração do Brasil se resume aos tradicionais pontos turísticos, como Conjunto Cultural do Banco do Brasil (CCBB), Caixa Cultural e Planetário. Com criatividade, originalidade e informação é possível se divertir gastando pouco ou quase nada. Brasília é palco de inúmeras atrações artísticas que possuem como princípio a cultura dos valores acessíveis. O Teatro Dulcina, que fica no Conic ao lado da rodoviária central, tem um valioso retrato do movimento cultural da

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Brasilienses curtem tarde no Festival dos Ipês, no Eixão Norte


Gastronomia

Há, ainda, projetos como o da produtora Invento Produções, que promove festivais gastronômicos com entrada franca, reunindo várias opções de bar, restaurante e chefs em um espaço público. Já houveram festivais de doce de leite, pastel, pizza, churros, brigadeiro, açaí e sorvete. Ygor Brito, sócio editor da Invento Produções, disse que há sempre a preocupação com o público gastar pouco, inclusive em locomoção, daí a decisão de escolher locais centrais

para os eventos. Também são negociadas parcerias com empresas de transportes, como Uber e Cabify, oferecendo aos clientes códigos especiais com descontos para aqueles que têm como destino os festivais. “Nosso festival surgiu exatamente no período de crise e a ideia era valorizar as empresas de um determinado segmento para que elas fossem para a rua. Sempre buscamos trabalhar com eventos criativos e acessível a todos”, ponderou o empresário. As opções também se esten-

dem aos amantes de cinema, como o Cine Brasília. Projeto de Oscar Niemeyer, inaugurado em 1960 com o objetivo de trazer mais oportunidades de entretenimento aos candangos. Tem na sua programação festivais de cinema, lançamentos de filmes nacionais e internacionais, exposições, mostras e debates que contribuem com o enriquecimento de nossa cultura. A programação pode ser acessada por meio da página no Facebook e os ingressos variam entre R$ 6,00 e R$ 12,00.

Daniel Zukko, jornalista e diretor, desde 2013, tem chamado atenção nas redes sociais. Morador da capital e a bordo de sua “Brasília”, pega estrada com várias personalidades conhecidas em um bate-papo descontraído pelas ruas candangas. Para ele, que respira a cidade, não há limitações para se divertir quando a criatividade está em cena, seja em eventos promovidos por alguém, como shows e peças. “Brasília é uma cidade praticamente gratuita onde é possível ir a todos os lugares. Por exemplo: estender uma toalha na Torre de TV, com alguns amigos, ao som de um violão, tomar um suco e brincar com os filhos, é de graça e seguro também. Acho que em poucos lugares do Brasil isso seja possível”, avaliou Daniel.

Foto: Vinicius Rosa / Divulgação

Fica a dica

Daniel Zukko e sua Brasília amarela promovem a cultura do DF

Programe-se! Setembro: 29/08 a 19/09 – Peça “Admirável Mundo Cão”no Teatro Bar 01/09 – Balada em Tempos de Crise – Edição Deja Vu 02/9 – Baile Dionisiaco no SubDulcina 02 e 03/9 – Festival “Quanto mais Tropicália Melhor” no CCBB 06/09 – Toca na Favela no Mercado Sul 08/9 – Festa/ Show Groselha e os Boogarins no Teatro Dulcina 09/09 – Eco feira Mercado Su 14 e 15/9 Espetáculo “O mito das mulheres que viraram borboletas” no Sub Dulcina 15/09 – Festival Cultura do Rock no Sub Dulcina 18 a 22/09 – Mostra Brasília no Cine Brasília 26/09 a 17/10 - Espetáculo “Para Todas as Mães do Mundo” no Teatro Bar Outubro: 7 e 8 – Festival de Churros A programação ainda está sendo fechada

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Comunicação em debate

Lukas Soares

“Diversidade e Adversidade: o incomum da comunicação”são os temas da XVI edição da Semana da Comunicação da Universidade Católica de Brasília (SeComunica), de 18 a 22 de setembro. Com ciclo de debates, painéis e oficinas, a SeComunica faz parte do calendário de eventos da UCB, envolvendo alunos, professores e comunidade externa. Entre os convidados estão o professor doutor em ciência da comunicação Pedro Russi, da Universidade de Brasília. O professor de Publicidade da UCB Leandro de Bessa, um dos organizadores da SeComunica, destacou que o objetivo é agregar aqueles que se interessam em discutir

e elevar a qualidade da comunicação no país. Além dos alunos e professores, há especialistas e integrantes da sociedade civil. “O curso de comunicação por ser bem prático, deve ser olhado com uma perspectiva crítica o que a gente faz como prática”, disse Bessa. Porém, ele ressalta: não há a pretensão de mudança de olhar, mas de discussão sobre novas possibilidades. “Não é uma mudança de olhar, mais uma perspectiva que possa ampliar dúvidas, problemas e levantar questões”, disse. Os interessados em participar dos debates terão uma vasta lista de opções de palestras e mesas-redondas cujo objetivo é ampliar a reflexão sobre a diversidade e o fluxo de informação e suas consequências dentro do fazer e do pensar comunicacional. Nesta edição, o evento conta com uma extensa programação de palestras, seminários, oficinas e em um novo formato, painéis temáticos e m que um palestrante principal apresentará o tema que será debatido logo em seguida pelos demais convidados e pelo público. Dessa forma os estudantes terão uma participação mais dinâmica na discussão de temas relevantes.

SERVIÇO:

Diferente Doutor em Ciência da Comunicação, o professor Pedro Russi, da Universidade de Brasília, é um entusiasta do tema da SeComunica. “Todo mundo é diferente, o que implica em pensar a comunicação na adversidade, essa discussão trazida pela SeComunica é muito importante para a compreensão dessa diversidade, que não é simplesmente distinta, os processos comunicacionais como forma de compreender o mundo, de como as diferenças fazem parte de compreendê-lo pelas particularidades lógicas no lugar de fala do outro”, observou. Com o professor que tem uma trajetória marcada por passagens pela medicina e pedagogia até chegar na comunicação. “O sentido de comunicação no processo de ruídos e diferenças compreende a comunicação no âmbito de a simetria, não sendo igual, compreendendo o processo de comunicação se vai entender, que se não tem sociedade, não se tem comunicação, não quer dizer que esteja em acordo ou desacordo com a opinião do outro, estou falando de lugares de fala. A sociedade tem na sua essência a interação, uma tensão constante é o fato de concordar com o outro”, disse.

O quê: XVI Semana de Comunicação - SeComunica Quando: 18 a 22 de setembro de 2017 Que horas: Manhã, tarde e noite Onde: Universidade Católica de Brasília (UCB) – Campus I, Águas Claras

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