Artefato 11/2013

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Foto: Renata Ribas

Artefato

Ano 14, Nº 7 Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Distribuição Gratuita Brasília, novembro de 2013

Foto: Amanda Costa e Gustavo Góes

Proibido fotografar em shoppings Visitantes são barrados quando tentam tirar fotos perto de vitrines e fachadas Páginas 6 e 7

Individualismo nas vias do DF Brasilienses preferem o carro ao transporte público e trânsito na capital federal fica cada vez mais intenso Páginas 4 e 5

Ser mãe na capital Na hora do parto, doulas dão apoio emocional e físico. Durante a amamentação, bancos de leite recebem doações e ajudam mulheres e bebês; mas estoques estão baixos

Xingamentos são as principais denuncias registradas no Disque Racismo Página 11

Dublagem Vozes que dão vida a personagens são reconhecidos Páginas 22 e 23

Smartphone População encontra aplicativos de fitness e acessam redes sociais de paquera Páginas 18 e 19

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Páginas 14 e 15

Preconceito camuflado na ponta da língua

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opinião EDITORIAL

“A imprensa é muito ingênua” FOI essa a avaliação do estudante Flávio Renato Queiroz, 20 anos, que fingiu ter chegado atrasado para fazer o Enem e “trollou” a mídia nacional. No último dia de prova do maior concurso do Enem já realizado, Flávio fez uma grande encenação: chegou correndo, pulou sobre o portão fechado da Uninove, em São Paulo, e pediu para entrar. Com o pedido rejeitado, ele se virou e, cercado por fotógrafos e repórteres, deu entrevista como se tivesse acabado de perder o exame. E foi assim que ele foi parar em vários sites de peso, como G1 e Folha. Convenhamos: em tempos em que 90,8% dos internautas brasileiros acessam as mídias sociais e gastam em média cinco horas do seu dia nestes sites de relacionamento, fazendo caras e bocas e postando fotos tiradas na frente do espelho, até que Flávio foi muito criativo. O pai dele reconhece que o garoto “é um piadista”. Com isso, será mesmo que o estudante provou que a imprensa é ingênua? Ou os repórteres que estavam ali é que foram bem bobinhos? Ou será que é tudo a mesma coisa? O que podemos aprender com a encenação do piadista? O que esse episódio tem a ver conosco, alunos de um curso de Jornalismo que acaba de obter nota 4 no Enade? Ora, a mesma grande lição que estamos tendo desde o primeiro contato com as técnicas de produção jornalística: checar, checar de novo, checar mais uma vez e só então noticiar. Flávio falou aos repórteres: “Eu disse que queria fazer ciências econômicas na UFSCar. Só que nem existe esse curso lá”. E ninguém se deu conta da mentira, ou melhor, da sequência de mentiras. Diante de qualquer declaração da fonte, a regra é clara: desconfiar e questionar sempre. O repórter não pode ser ingênuo e aceitar como verdade tudo que é dito, muito menos criar “realidades fictícias”. Uma informação errada manipula a opinião pública e prejudica o ordenamento social, uma vez que o jornalista atua como agente transformador da sociedade. Mesmo com a cobrança constante dentro das redações, o papel principal do repórter – passar uma informação verídica ao leitor – não pode ser esquecido. O jornalismo é sinônimo de ética, essa norteia a profissão e o profissional que produz as matérias veiculadas na imprensa. Esses princípios iniciais devem ser adquiridos ainda dentro de sala de aula e perpetuados ao longo da carreira do profissional.

CRÔNICA

Cadê o cachorrinho que tava aqui?

Ilustração: Shizuo Alves

ANNA LOURENÇO

O CACHORRO é o melhor amigo do homem. Apesar de ser clichê, a sentença divide opiniões entre os que acreditam que cães só trazem trabalho e sujeira para a casa. Mimo, carinho, atenção, bagunça, transtornos, amor. Sim. Eles são capazes de nos proporcionar tudo isso ao mesmo tempo. São capazes de sujar toda a varanda minutos depois de ser lavada. São capazes de rasgar o jornal todos os dias, antes mesmo de você ler. São capazes de fazer xixi no

tapete da sala e até mesmo de destruir todos os seus sapatos, ou todo o seu jardim. Mas, acima de tudo isso, são capazes de amar incondicionalmente seu dono e ter por ele uma fidelidade rara, raríssima. Recentemente, uma notícia relacionada aos totós chocou todo o país. Ativistas invadiram o laboratório do Instituto Royal para recuperar 178 cãezinhos da raça beagle, suspeitos de maus-tratos ao serem usados para pesquisas e testes da empresa. Outros

animais também foram encontrados, como gatos e coelhos. O instituto é responsável por pesquisas em fármacos e seu objetivo é, a partir de estudos, realizar testes para medicamentos destinados ao tratamento de doenças. Sensibilizados com tamanha crueldade, milhares de brasileiros se pronunciaram via redes sociais para adotar esses animais. A questão parece ficar cada vez mais crítica ao ser vista também pelos olhares dos pesquisadores e cientistas, que não concordaram com a invasão do laboratório e afirmam que o grupo Royal estava trabalhando segundo as leis e os protocolos científicos estabelecidos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A invasão prejudicou pesquisas e um patrimônio genético que demorou dez anos para ser reunido. Uma questão um tanto quanto delicada vem à tona: afinal, quanto vale a vida desses animais? Seria realmente ético se utilizar desses seres para proveito humano em testes e pesquisas como se fossem criaturas banais? Não, não podemos estipular valores econômicos quando estamos lidando com vidas – animais também. Não, não é ético, do ponto de vista moral e emocional, usar essas vidas como objetos. Mesmo sendo para benefício da população, maltratar vidas para salvar vidas me parece contraditório. Porém, a essa altura, o instituto não parece estar preocupado com o bem-estar desses animais quando seu maior interesse está nas pesquisas que vão gerar futuros lucros em cosméticos e medicamentos. Ops, mas dessa vez há uma pedra no meio do caminho, ou melhor, há ativistas e uma boa parte da sociedade no meio do caminho.

Artefato Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Ano 14, n. 7, novembro de 2013 Reitor: Prof. Dr. Afonso Tanus Galvão Diretora do Curso: Profa. Me. Angélica Córdova Machado Miletto Professoras responsáveis: Me. Karina Gomes Barbosa e Me. Fernanda Vasques Orientação de fotografia: Me. Bernadete Brasiliense Monitores: Anna Cléa Maduro e Henrique Carmo Editores-chefes: Anna Mizzu e Marcela Luiza Editores de arte: Ana Paz e Lucimar Bento Editores de fotografia: Júlia Amarante e Stefany Sales Subeditores de fotografia: Juliana Macedo Editoras web: Murilo Lins e Ricardo Felizola

Editoras de texto: Rhayne Ravane, Thalyne Carneiro, Rayanne Larissa, Jusciane Matos, Amanda Vilas Boas e Renata de Paula Projeto gráfico: Alessandra Modzeleski, Ana Paz, Igor Bruno, Nayara de Andrade, Renato Gomes, Shizuo Alves Diagramadores: Alana Araújo, Evely Leão, Lucimar Bento, Renato Gomes, Bruno Santos, Alessandra Modzeleski e Shizuo Alves Repórteres: Alessandro Alves, Anna Karlla, Renata Ribas, Lucimar Bento, Renata de Paula, Marcela Luiza, Rayanne Larissa, Jusciane Matos, Stefany Sales, Anna Mizzu, Adriele Vieira, Rhaynne Ravanne, Karinne Rodrigues, Júlia Amarante, Alana Letícia, Paula Morais, Amanda Vilas Boas, Christian Kelly Soares, Gledstiane Laíssia, Luiz Fernando Souza, Murilo Lins, Narla Bianca, Thalyne Carneiro, Ana Paz, Renato Gomes, Shizuo Alves Checadores: Caroline Paixão, Paula Morais, Alana

Letícia, Luiz Fernando, Karinne Rodrigues e Narla Bianca Fotógrafos: Ramila Moura, Enoque Aguiar, Rodrigo Mattioli, Letícia Sousa, Guilherme Rocha, Jhonatan Vieira, Quésia Fernanda, Jéssica Eufrásio, (faltam os fotógrafos da manhã) Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Saturno Universidade Católica de Brasília EPCT QS 7, Lote 1 - Bloco K, sala 212 Águas Claras, DF Fone: 3356-9098/9237 Email: artefato@ucb.br Site: pulsatil.com.br Facebook: facebook.com/artefato.ucb Edições anteriores: isssuu.com/jornalartefato

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cidades Foto: Ana Beatriz Santos

“Acho que o profeta erra menos porque sabe menos. Eu acho que o que sabe mais erra mais do que o que sabe menos.” Chico Mariano, profeta da chuva

De acordo com a crença popular, quando a umidade do ar aumenta, as formigas saem das tocas

PREVISÃO

Será que vai chover? Comportamento dos animais pode indicar mudanças climáticas RAYANNE LARISSA

VOCÊ, com certeza, já deve ter ouvido algum ditado popular sobre a previsão do tempo. Na China, mosquito voando em bando é sinal de chuva. Na Espanha, sapo cantando ao anoitecer é sinal de bom tempo. Na Índia e no Japão, formigas carregando ovos barranco acima é sinal de que a chuva está se aproximando. No Brasil, acredita-se que, quando as formigas saem de suas tocas, é sinal de que a umidade do ar aumentou. Essas crenças são antigas e passam de geração para geração. “Minha avó dizia que, quando os cachorros ficam agitados, é porque vai vir uma tempestade. E acho que é verdade, porque minha cadela sempre fica agitada quando o tempo fecha”, conta a estudante Rafaela Castro. Até os cientistas estão começando a acreditar nessas crenças populares. Prova disso é que pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e da University of Western Ontario, no Canadá, publicaram um estudo que comprova que insetos

de Quixadá, no interior do Ceará, e os profetas previram fortes chuvas para a região. Eles acertaram. Em geral, o público-alvo das previsões são moradores de pequenas comunidades no sertão, mas os profetas da chuva também são procurados por pessoas de todo o país que procuram pelo serviço de previsão. O documentário Profetas da chuva e da esperança (2007), de Marcia Paraiso, traz depoimentos de três profetas, entre eles, Chico Mariano. “Acho que o profeta erra menos porque sabe menos. Acho que o que sabe mais erra mais do que o que sabe menos”, diz, com toda a simplicidade de quem sempre viveu rodeado pela natureza. “A natureza é sábia, nós precisamos aprender Profetas da chuva Os profetas da chuva, ou profetas do com ela”, completa. tempo, como também são conhecidos, são Fundação Cacique Cobra Coral pessoas que, na maioria, moram na zona Com a missão de minimizar as catástrorural do Nordeste brasileiro e fazem previsões do tempo baseadas em métodos tradi- fes naturais, a Fundação Cacique Cobra Coral é liderada pela médium Adelaide cionais, como a observação da natureza. Todos os anos, acontece o encontro de alguns deles, que já está na 17ª edição. Este na web ano, o evento ocorreu em janeiro, na cidade http://bit.ly/gbv0lH indicam mudanças climáticas por meio do comportamento. A previsão do tempo que vemos nos jornais é feita por meteorologistas depois de muitas análises. Eles estudam o comportamento da atmosfera com a ajuda de imagens de satélite. De acordo com o que foi observado, fazem uma simulação matemática para ter uma base de como a atmosfera vai estar no futuro. Depois se reúnem para discutir e chegar a um consenso. Só então a informação é divulgada para o público. Mas existe um grupo de pessoas que faz uma previsão bem diferente dos meteorologistas: os profetas da chuva.

Scritori, a “senhora do tempo”, que afirma ter o poder de prever catástrofes e controlar as ações da natureza. Filha do também médium Ângelo Scritori, Adelaide assumiu o controle da fundação depois da morte do pai, em 2002. De acordo com o site da ONG (http://www. fccc.org.br), a médium incorpora o espírito do Cacique Cobra Coral, que também teria sido de Galileu Galilei e Abraham Lincoln. No começo do ano, a prefeitura do Rio de Janeiro renovou a parceria que mantém[rr3] com a fundação, depois de ter rompido o convênio em 2012. A parceria mais recente aconteceu durante o Rock in Rio 2013. A organização do evento contratou os serviços da fundação para garantir que as chuvas não atrapalhassem o espetáculo. Choveu em vários dias do evento, como no show da banda Metallica.

CURIOSIDADE O site Mother Nature Network fez uma lista de oito animais que são capazes de prever o tempo.

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cidades CARRO

Não é passageiro Trânsito paralisado, desperdício de tempo e de combustível, mortes violentas e danos ambientais – problemas do sistema de circulação baseado no transporte individual Foto: Eduardo Kirst

Distrito Federal tem a terceira maior frota de carros do país. São 1,5 milhão de veículos que circulam em todas as regiões

ANNA MIZZU

A PROFESSORA Raquel Portugal mora em Brasília há 30 anos. É casada e tem dois filhos, ambos brasilienses e adultos. Já moraram no Guará, na Asa Norte, na Asa Sul, em um condomínio no Lago Sul e, atualmente, vivem em Águas Claras. “Ninguém da família usou, até hoje, transporte coletivo – ônibus ou metrô. Cada um tem um carro”, conta

Raquel. Exemplos como esse são comuns no Distrito Federal e há alguns fatores que explicam a dinâmica que a família da professora escolheu para o deslocamento no dia a dia. O primeiro e mais significativo é o projeto que o arquiteto e urbanista Lucio Costa apresentou para participar do concurso que decidiria o formato da

nova capital brasileira. É evidente a ênfase que o urbanista deu à utilização do carro na cidade. Por sua vez, a escolha de Lucio Costa foi motivada pela onda desenvolvimentista implementada pelo então presidente Juscelino Kubitschek desde que tomou posse em 31 de janeiro de 1956 e anunciou o Plano de Metas. O slogan “50 anos em 5” tornou-se a marca

do presidente bossa-nova, que assumiu o compromisso de industrializar o Brasil, implantando aqui a indústria automobilística como o principal setor. A construção de Brasília não fazia parte, formalmente, do Plano de Metas. Mas a cidade nasceu, cresceu, se multiplicou, tendo a ainda curta história entrelaçada aos benefícios e problemas trazidos pelo

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cidades carro. Adorado por alguns e amaldiçoado por outros – esses últimos cada vez mais numerosos –, o carro foi incluído no projeto de Lucio Costa com a seguinte justificativa do arquiteto: “O automóvel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconciliável do homem, domesticou-se, já faz, por assim dizer, parte da família”. O fato é que o vencedor do concurso para a construção de Brasília entendeu que aquele momento histórico e político brasileiro tinha de ser marcado por algo que representasse um país urbano, moderno e industrializado: o automóvel. Problemas A opção de Lucio Costa, confirmada pelos brasilienses nesses 53 anos, transformou-se em um sistema de circulação mais conhecido pelos fracassos do que pelos benefícios: subordinou a circulação da população – e, assim, de grande parte das atividades cotidianas do DF – a um veículo até hoje inacessível à maioria da população, mesmo com todos os incentivos para a compra de carros; e desconsiderou meios de transporte coletivo. Igor Lacroix, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB) e professor de Projeto de Arquitetura do Uniceub, ensina que “Lucio Costa adotou a visão do uso do automóvel como formador de uma nova sociedade, de um novo padrão de circulação.

Hoje a gente coloca isso muito em questão”. O professor destaca que são divergentes os pontos de vista sobre a adoção do carro na cidade. Se, por um lado, é um grande facilitador da vida, em termos de movimentação para o trabalho, para o lazer e para a própria sociabilidade, por outro, o uso tem sido exagerado. Por isso, há quem acredite que o carro é um mal necessário institucionalizado, algo que deveria ser abolido para que seja possível criar cidades humanizadas, para pedestres que se deslocariam a pé para o trabalho. Enquanto as cidades humanizadas não são uma realidade, o cidadão comum, morador da cidade grande, padece as consequências do uso do automóvel em detrimento de outros sistemas de transporte. “A parcela da população que não tem acesso a esse veículo é justamente a que mora mais longe e gasta duas horas para vir para o trabalho num transporte coletivo precário e caro. O que se vê, então, é a falência do sistema de circulação das grandes cidades”, completa Igor. Aldo Paviani, geógrafo, doutor e professor emérito da UnB e assessor da presidência da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), garante: “A questão básica é que, em termos de número de veículos, em Brasília, o número de carros individuais é superavitário”. Hoje, a frota da capital se compõe de quase 1 milhão e 500 mil veículos e muitos de-

les são utilizados para fim de trabalho, fazendo o deslocamento das cidades-satélites para o Plano Piloto. “Quanto ao volume, o metrô e os ônibus transportam um número bem superior de pessoas para o trabalho e para a busca de serviços, como hospitais, escolas, universidades”, afirma Paviani. Cerca de 700 mil brasilienses utilizam todos os dias o metrô e os ônibus, além de 250 mil pessoas que vêm da área metropolitana – “que os antigos chamavam de Entorno”, critica o geógrafo. Para os próximos dois anos, a expectativa é que importantes transformações nos sistemas de transporte aconteçam em muitas cidades brasileiras. Isso se os governantes se empenharem em cumprir a Lei nº 12.587 de 2012, conhecida como Lei de Mobilidade Urbana, que exige que municípios com mais de 200 mil habitantes implementem soluções para o transporte público até 2015. De novo, Paviani é categórico: “O governo tenta suprir uma demanda que já tinha de ter sido atendida há mais de 20 anos. Resultado: todos os dias você vê a população tocando fogo em ônibus porque eles quebram. A população anda tresloucada com tudo isso que a faz sofrer – ônibus precários, transporte público deficiente, ônibus velhos que estão sendo retirados, mas não há número suficiente de novos ônibus chegando à linha.” Isso sem falar no metrô, que já Ilustração: Renato Gomes

está defasado tecnologicamente, com poucos vagões que transitam apinhados. Violência no trânsito Em 2011, o site mobilize.org.br fez um estudo sobre mortes em acidentes de trânsito. O resultado é assustador: Brasília ganhou nota zero, com 18 mortes por 100 mil habitantes, ficando atrás de Curitiba, que recebeu nota dez, com cinco mortes, Rio de Janeiro (5,4 mortes), Natal (8,2), Salvador (9,9), Porto Alegre (10,1), Belo Horizonte (11), Cuiabá (12) e São Paulo (12,1). “Há muita irracionalidade no trânsito aqui. As avenidas largas de Brasília facilitam a alta velocidade, apesar das barreiras e dos pardais. Além disso, às vezes, você vê pessoas atravessando as vias pelo asfalto onde há passarelas, por exemplo, na Estrutural e na EPTG. Mas, sobretudo, motos são responsáveis por muitas dessas mortes. São muitos milhares de motocicletas circulando, sempre em alta velocidade, passando entre os carros.” A análise de Aldo Paviani não poupa críticas: “Isso cabe ao Detran coibir, mas ele não está presente. Ele tem um recurso enorme proveniente de coleta de multas, mas não aplica na educação no trânsito. Você não vê uma campanha.” Duas rodas A bicicleta tem sido apontada como uma alternativa saudável, não poluente e sustentável para o deslocamento urbano. O Rio de Janeiro é um bom exemplo: sua malha de ciclovias tem mais de 270 km e o município mantém o projeto Bike Rio. Santos e Sorocaba, cidades do estado de São Paulo, também já circulam em duas rodas: Bike Santos e IntegraBike emprestam bicicletas aos usuários de transporte coletivo e não negligenciam a manutenção constante dos equipamentos. Outras iniciativas semelhantes podem ser conferidas em Porto Alegre (RS), Recife (PE), Campinas (SP) e São Caetano do Sul (SP). Brasília caminha nesse sentido também, e o GDF se gaba de, até o fim do próximo ano, transformar a capital da República em uma das cidades líderes mundiais em malha cicloviária, com 600 km de faixas exclusivas para as bicicletas. Apaixonado por bicicleta, Igor Lacroix não dispensa as duas rodas e conta: “eu me sinto mais seguro para andar de bicicleta hoje por conta das ciclovias. Uso equipamento e sinalização, evito transitar em ruas muito movimentadas e, com a bicicleta, tenho a possibilidade de trilhar caminhos alternativos”, comemora o arquiteto”.

Em 2011, Brasília ganhou nota zero num estudo sobre mortes em acidentes de trânsito

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cidades IMPEDIMENTO

Proibido fotografar

Foto: Enoque Aguiar

Shoppings do DF não permitem que clientes tirem fotos perto das vitrines e fachadas das lojas. Público desconhece a restrição LUCIMAR BENTO RENATA RIBAS

PASSEAR no shopping com a família ou com os amigos é um dos hábitos mais comuns do brasiliense. Com o crescimento do uso das redes sociais e a popularização dos smartphones, registrar esses momentos e postar na internet está cada vez mais frequente. O Artefato visitou cinco shoppings do Distrito Federal – Alameda, Taguatinga, Park Shop-ping, Conjunto Nacional e Pátio Brasil –, e descobriu que existem regras para os cliques realizados no interior dos estabelecimentos. Contudo, a população desconhece as normas e pode se sentir constrangida ao ser informada da proibição. É o caso da professora Ana Paula Alves, 34 anos. Ela conta que, no mês de setembro, ao levar a família para lanchar no Alameda Shopping, em Taguatinga Sul, foi abordada pelo segurança do estabelecimento quando fotografava as filhas com o celular. Ana Paula afirma que as meninas estavam no corredor, próximo à praça de alimentação, mas ainda assim foi avisada de que não era permitido fotografar no local. “Fiquei muito sem graça porque eu não sabia disso. Minhas filhas não estavam em frente a nenhuma loja e eu só queria registrar o passeio. O segurança não foi grosseiro, mas também não me deu nenhum esclarecimento sobre os motivos de eu não poder tirar fotos ali”, relata. Já a empresária Flaviane de Oliveira Carvalho, 26 anos, critica a postura da

“Nunca ouvi dizer que não se pode tirar fotos dentro de shoppings. E na época de Natal? As pessoas só podem olhar a decoração?” Flaviane de Oliveira, 26 anos, empresária

segurança do Alameda. Ano passado, ela e o marido foram impedidos de tirar fotos junto com os dois filhos na brinquedoteca do shopping. “A segurança que nos abordou foi muito mal-educada. Ela chegou e ordenou que nós parássemos de fotografar. Eu perguntei o motivo, mas ela só disse que era proibido, que era norma interna. Ela ainda queria que nós apagássemos as fotos”, relembra. A empresária afirma também que se arrepende de não ter procurado a administração do Alameda para reclamar, pois gostaria de ver um documento que justifique a proibição. “Nunca ouvi dizer que não se pode tirar fotos dentro de shoppings. E na época de Natal? As pessoas só podem olhar a decoração? Se é proibido, eles deveriam ao menos colocar placas com essa informação”, argumenta. A placa questionada por Flaviane existe, mas é pequena, tem fontes minúsculas e está afixada no lado externo da entrada principal do shopping. Nela, está uma lista de normas, e a advertência de que é proibido fotografar e filmar no estabelecimento passa despercebida pelos frequentadores. O servidor público Gleiçon Borges de Oliveira, 36 anos, é prova disso. Ao ser informado pela reportagem a respeito da proibição, ficou surpreso e afirmou nunca ter visto nenhum aviso sobre o assunto. A professora Ivania Patrícia Pereira de Matos, 37 anos, também achou estranha a restrição: “Todas as vezes que eu vim ao Alameda nunca vi nada dizendo que não podia fotografar aqui”. O Alameda confirmou, por meio da central de atendimento, que não é permitido fotografar dentro do centro comercial. Um funcionário da segurança do shopping explicou que, como o estabelecimento é privado, as pessoas que o frequentam devem seguir as normas internas do local. A administração do

Placa de avisos na entrada do Alameda Shopping passa despercebida pelos frequentadores

shopping, entretanto, não quis prestar esclarecimentos sobre o porquê de adotarem essa proibição. O Artefato procurou outros quatro shoppings do DF para verificar quais as normas de cada um deles para as fotografias. A administração do Park Shopping comunicou que as restrições para fotos no local são somente para os clientes que fizerem algum tipo de exposição das marcas e produtos das empresas comercias. No Conjunto Nacional, a proibição é similar: apenas para fotos que mostram a fachada das lojas e as vitrines. As mesmas medidas foram apontadas pelas centrais de atendimento do

Pátio Brasil e do Taguatinga Shopping. Todos os estabelecimentos afirmaram ainda que é preciso autorização para fotografar no interior das lojas. A gerente de marketing do Taguatinga Shopping Renata Monnerat informa que a proibição de fotos do centro comercial e das vitrines/fachadas de lojas sempre foi praticada pelos shoppings devido a uma preocupação estratégica com a composição de mix de lojas, referências de projetos arquitetônicos, escolhas de materiais construtivos e de comunicação. Ela admite, no entanto, que, como o universo digital possibilita pesquisas e troca de informações, tal proibição

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cidades Foto: Enoque Aguiar

Com letras pequenas, informações são difíceis de serem visualizadas

ou tentativa de inibição fica desmedida e sem sentido. Contudo, Renata ressalta que “o Taguatinga Shopping sempre continuará a intervir e, quem sabe, proibir, fotografias e filmagens profissionais que não estejam de acordo com os objetivos do estabelecimento, lojistas e clientes”. Para Alexandre Gomes, especialista em Direito Privado, os shoppings podem, sim, estabelecer restrições para fotografias no interior dos estabelecimentos. Ele explica que, como esses centros comerciais são espaços privados, funcionam do mesmo modo que os edifícios de apartamentos. “Entendo que não há qualquer impedimento legal para a fixação de regras, tanto a convenção condominial quanto o regimento interno podem criar normas de utilização para condôminos e usuários”, afirma. Alexandre acrescenta que é muito natural que as famílias se dirijam aos shoppings para se divertirem e muitas delas queiram registrar o momento, seja enquanto passeiam, almoçam, descansam ou aproveitam os jardins, fontes e enfeites natalinos desses espaços. Nessas situações, segundo ele, não há qualquer problema em fotografar e ser fotografado, e os centros comerciais devem agir com razoabilidade. “Agora, se o cidadão pega uma câmera e sai fotografando pessoas, lojas, lojistas, vitrines, produtos, indiscriminada e indistintamente, penso que há, sim, espaço para o shopping proibi-lo”, completa. Até o fechamento desta edição, as assessorias de imprensa do Park Shopping, Conjunto Nacional e Pátio Brasil

EXPERIÊNCIA DAS REPÓRTERES Domingo, 20 de outubro. Saímos de carro em uma tarde quente para darmos início a nossa missão: visitar os principais shoppings da capital federal e testar se seríamos abordadas pelos seguranças ao fotografar dentro dos estabelecimentos. Eu estava tensa e ao mesmo tempo ansiosa para saber como tudo iria acontecer. Porém, minha parceira aparentava estar mais tranquila e segura quanto ao nosso objetivo. Nossa primeira parada foi o Alameda Shopping. Ao chegarmos à entrada principal do Alameda, suspendemos os passos para averiguar uma informação que nos foi dada. E lá estava o que procurávamos: as placas com os avisos das regras do shopping. E a primei-

ra norma, quem diria, é essa aqui: “É proibido fotografar ou filmar no interior do Alameda Shopping”. Com letras tão pequenas, logo notamos que as pessoas entravam e saíam do local sem perceber aquele recado. Em seguida, entramos no Alameda Shopping. Como frequentadoras, começamos a caminhar e a olhar as vitrines até subirmos ao segundo andar do prédio e dar de cara com um segurança. Pronto! Era o momento. Pegamos o celular e começamos a nos fotografar em um corredor decorado com belas plantas e bem debaixo do nariz dele. Ficamos nervosas e atentas para ver quando ele iria nos parar. Entretanto, nada nos aconteceu: o segurança bateu em retirada.

não retornaram as ligações e e-mails da reportagem. Mania Hoje é cada vez mais normal ver em redes sociais, como Instagram e Facebook, pessoas postarem fotografias de diversos momentos da vida, do cotidiano e até mesmo de pratos apetitosos prestes a serem devorados. O ato de registrar em fotos não só os momentos especiais, mas tudo que se faz a cada minuto tem se tornado para muitos um vício. Para o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Duda Bentes a tecnologia digital permite que a informação fotográfica circule com mais facilidade e tem poder para fazer de um clique um ato de conversação nas redes sociais. Segundo ele, o hábito de fotografar coisas do cotidiano não é nova, está na prática de nossos álbuns de família e lembranças pessoais. “Essa ‘mania’ já existia, o que faltava era a tecnologia que permitisse que isso se tornasse coletivo, compartilhado com pessoas desconhecidas, que podem passar a ser amigos ou amigas virtuais”, afirma. O professor do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília (UCB) Thiago Sabino esclarece que o comportamento de fotografar tudo e postar no mundo virtual também pode estar relacionado ao desejo de tornar-se visível. “Quando as pessoas entram em um restaurante, por exemplo, e compram um prato muito apetitoso e bonito e o fotografam, as pessoas querem mostrar que estão comendo bem e que a vida delas é interessante”, observa.

Três vezes foi o número de tentativas, mal sucedidas, pois nenhum segurança nos advertia sobre o veto de fotografar no local. Eles apenas passavam ao nosso lado com seus elegantes uniformes e olhares fixos. Nos observavam, mas nada faziam. Vinte minutos depois, fomos embora para o nosso próximo destino, sem entender o porquê de os seguranças não agirem para fazer cumprir a norma. Taguatinga Shopping, Park Shopping, Pátio Brasil e Conjunto Nacional foram os outros lugares que visitamos. Em todos eles, tiramos diversas fotos em frente às vitrines, próximos às lojas, nos corredores, e, claro, não poderíamos nos esquecer de registrar uma foto nos famosos espelhos

do Taguatinga Shopping. Em nenhum dos estabelecimentos tivemos problemas. Nenhuma advertência. Nenhuma restrição. Os guardas não davam a menor bola para o que estávamos fazendo. No final da tarde, estávamos cansadas e nossa missão chegava ao fim. Então resolvemos comer alguma coisa para fechar o dia. Ah! Sem esquecer de dar aquele click nos nossos pratos apetitosos. Definitivamente, já estávamos contagiadas pela tal mania de fotografar. Lucimar Bento na web http://www.pulsatil.com.br

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cidades LAZER

Todos os ritmos

Foto: Jhonatan Vieira

Dança ganha mais espaço no DF; além de diversão e profissão, pode ser uma maneira de viver de forma mais saudável ALESSANDRO ALVES

A DANÇA sempre constituiu importante área artística em Brasília. E, desde 2010, após uma consulta pública e a pedido da comunidade, o Instituto Federal de Brasília (IFB) abriu um curso para formar professores de dança. Danças clássicas como o balé e modernas como o hip-hop são alguns dos estilos com que o aluno tem contato durante os quatro anos de curso. Para ingressar nas aulas de licenciatura é preciso que o interessado tenha feito o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). De acordo com a coordenadora do Curso de Dança do IFB, Carla Sabrina Cunha, Elementos do Movimento, Práticas Corporais, Anatomia e Fisiologia do Corpo Humano são algumas das disciplinas que fazem parte do currículo. “O aluno que fizer graduação em dança vai aprender mais que alguns estilos. Vai pensar e teorizar sobre a dança como um professor de qualquer outra área do conhecimento”, explica. A pedagoga Cristiane Souza, 30 anos, começou a frequentar as aulas de formação superior em dança do IFB em 2012. Ela participa como voluntária do projeto Educar Dançando, que tem como objetivo a inclusão social de crianças carentes por meio da dança e da música. “Mesmo já formada, quis me tornar professora de dança com nível superior, pois quando terminar, em 2016, quero dar aulas de dança para crianças com síndrome de Down”, diz. É vasto o campo de atuação profissional dos alunos que se formarem em Dança. Segundo o site do IFB, os alunos poderão ser professores no ensino superior, em escolas de danças, companhia de danças profissionais, clubes, fundações, empresas, espaços públicos, organizações não governamentais, projetos de inclusão social e ações positivas diversificadas, ou atuar de forma autônoma. Além de poderem trabalhar diretamente em produções artísticas e culturais

Fora da universidade O Curso de Dança no DF não é o único meio de entrar em contato com a atividade. Em academias espalhadas pela capital, muitos professores usam o dom e a paixão pela prática da dança para ensinar. Antes lutador de artes marciais – e hoje professor de dança, Paulo Pivetta conta que após assistir a uma apresentação de um grupo de dança de salão, em Florianópolis – cidade onde nasceu – decidiu largar o curso de Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para se dedicar à dança. Há mais de 22 anos em Brasília, o ex-lutador de artes marciais agora ensina os mais variados passos. “Em Brasília, as pessoas procuram aprender mais o forró. Nesse estilo você encontra passos genuinamente do forró, mas também de rock e de salsa. São passos mais incrementados”, explica. O aposentado Afonso Correa, 71 anos, observa atentamente o professor ensinar mais alguns ritmos aos alunos. Dançarino de quase todos os estilos, Afonso diz que gosta mais dos lentos passos do bolero. “Faço dança há cinco anos e, sem falsa modéstia, já me considero um exímio dançarino”, conta. Ele acredita que as aulas também serviram para ele se socializar e buscar novas convivências. “Após me aposentar, depois de um tempo eu também me separei. A dança serviu para que eu ocupasse espaços vazios”, afirma. Para o auxiliar de serviços gerais Célio de Oliveira, 38 anos, a dança o ajuda a suportar a rotina de trabalho a mais de 40 quilômetros de casa, em Planaltina. Ele sai do serviço às 15h, mas como faz um curso à noite, tem que ficar até às 19h no Plano Piloto. No tempo tempo, treina passos de ritmos nordestinos. “Como já tem um tempo que eu queria aprender forró, uma amiga do trabalho me chamou para fazer aulas de dança junto com ela e aceitei”, conta.

Como atividade física os benefícios da dança vão além do bem-estar físico

Saúde em ritmos A cirugiã-dentista Samiramys Sousa, 40 anos, começou com as aulas de dança há mais de quatro anos. E ela conta que em cada estilo que aprendeu encontrou mais do que uma forma de arte. “A dança me trouxe muitos benefícios, principalmente de saúde, pois você exercita todos os músculos”, conta. Samiramys pratica soltinho, forró e bolero, mas prefere mesmo é o samba de gafieira, por ser um ritmo mais alegre. “A dança mudou meu pensamento. Foi uma terapia. Hoje consigo desempenhar melhor minhas atividades profissionais diárias”, diz. A médica Isabel Romeu é homeopata da Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF) há mais de 20 anos. Como homeopata ela tenta curar os pacientes com pequenas

doses do que pode ter causado a doença. Segundo ela, para a vida corrida dos dias de hoje, dança é um bom exercício físico: melhora a concentração, a coordenação motora, o equilíbrio e a postura corporal. “A maneira como agimos na dança torna transparente a maneira como agimos na vida: timidez, ansiedade, desconfiança, e insegurança. A dança nos ajuda a meditar e transpor estes obstáculos. Além de ser uma excelente válvula para o estresse,” conclui.

SERVIÇO AULAS DE DANÇA Professor Paulo Pivetta 303/304 Norte- Escola Parque

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cidades

ONDE BRINCAR

Localizador de parquinhos garante diversão de crianças Casal de publicitários troca Brasília por Londres e, inspirado na filha, cria site para mapear parques do mundo inteiro estátua gigante de Gulliver – protagonista do livro As viagens de Gulliver, escrito em 1726 por Jonathan Swift. A estátua é tão grande que os fios de cabelo são escorregadores e o corpo é repleto de escadas e atalhos para escalar o boneco. De tão grande, a figura completa só pode ser vista a metros de altura. No Brasil, o parquinho Adalbertolandia é um dos queridinhos do casal. Ele foi criado em 1969, por um senhor de 82 anos chamado Adalberto. Todos os brinquedos foram construídos com as próprias mãos e os dotes de marceneiro do artista. Na capital federal, Rodrigo conta que há uma particuRodrigo Matiolli, Verônica Lacerda e Alice divertem no parquinho encontrado em Durham, no Reino Unido laridade, pois as pessoas costumam mapear muitos parquinhos de restaurantes, que MARCELA LUIZA acabam sendo uma alternativa de diversão RENATA DE PAULA para as crianças durante os almoços de fim LOCALIZADA no centro da Inglaterra, “Com o tempo, vimos que só parquinhos de semana. O casal lembra ainda do Parque Londres ocupa uma área com 8,174 milhões não era muito útil, porque, quando você Ana Lídia, no Parque da Cidade, que, para de habitantes. A alta qualidade de vida e os mora em um lugar, descobre que ali existem eles, é “um clássico”. diversos pontos turísticos, como o Palácio outras coisas interessantes, por isso resolvede Buckingham e o de Westminster, além de mos incluir museus e bibliotecas que tamBrincar é coisa séria parques famosos como o Diana Memorial bém podem interessar as crianças. A ideia é Para Verônica, o ato de brincar em parPlayground, criado em memoria à prince- assim: você está ali com seu filho, sem fazer ques possibilita o desenvolvimento das sa Diana, atraem pessoas do mundo todo, nada, entra na página e descobre o lugar crianças, além de promover a socialização como os brasilienses Rodrigo Mattioli, 31 mais perto para levá-lo”, explica Rodrigo. com meninos e meninas de todas as idades anos, e Verônica Lacerda, 29. Foi na capital e com as mais diversas limitações, diferente britânica que os dois publicitários criaram, Projeto aprimorado do que é vivido no ambiente escolar. Nesem 2012, um site para mapear parques para Com a ampliação, o nome do site muse sentido, ela e Rodrigo contam que o site crianças – os famosos parquinhos. dou para nossomapa.com em janeiro dessurge como um facilitador para a localizaMotivados pela filha e inspirados por uma te ano. Na nova versão, o internauta pode ção de parquinhos, e, assim, possibilitar que grande quantidade de parques na cidade, a tanto procurar um determinado lugar para a diversão esteja acessível a todas as crianideia do projeto surgiu quando passeavam levar as crianças quanto adicionar ao mapa ças, sem estar vinculada ao consumo. no centro de Londres com Alice – a filha de um outro estabelecimento de interesse dos A analista pedagógica da brinquedosete anos. Eles lembram que ela pediu para pequenos. Para acrescentar um parquinho, teca da Universidade Católica de Brasília ir a um parquinho e, apesar de saberem que por exemplo, o usuário pode selecionar a (UCB), Camille Anjos de Oliveira, explihavia muitos por perto, não conseguiam idade recomendada e, por meio de ícones, ca que a brincadeira é importante para a localizá-los. Verônica conta que “era difícil informar os brinquedos disponíveis, como criança conhecer a si mesmo e o mundo, encontrá-los”. tirolesa, balanço, areia, gangorra – além de além de propiciar, ainda na infância, a autoAo se deparar com o problema, o publi- atividades ao redor como quadra de espornomia necessária para viver em sociedade. citário, que já havia trabalhado com design tes e ciclovias. O internauta também pode A pedagoga também lembra que brincar é e entendia um pouco de programação, re- ranquear os lugares com até cinco estrelas e fundamental não apenas na infância. “Nós solveu criar um site para encontrar parques opinar sobre algum lugar já adicionado no adultos também precisamos de brincadeipara crianças. O resultado da ideia foi o mapa. ra. A criança vivencia os prazeres da vida surgimento, em setembro de 2012, do nosso Ao todo, cerca de 400 parquinhos, em o tempo todo, porque na maior parte da inmapadotesouro.com, que funciona como diversos locais do mundo, já foram mapefância ela está brincando.” um localizador de parquinhos pelo mundo. ados. Para o casal, o parque Gulliver, locaPara a pedagoga, o melhor brinquedo O projeto deu certo: o site tem mais de 20 lizado na cidade de Valência, na Espanha, é é aquele que a criança quer brincar. Conmil acessos e o casal já começou a ampliá-lo. um dos favoritos. O lugar conta com uma tudo, Camille explica que o importante dos Foto: Rodrigo Mattioli

parquinhos é a socialização com pessoas da mesma idade. “Nós precisamos dos nossos pares. As crianças não podem viver só no mundo adulto. Se elas não têm essa vivencia com pares, no futuro, o caráter egocêntrico fica supervalorizado.”

VIDA ALTERNATIVA A história de Rodrigo e Verônica começa antes da idealização do site. Eles se conheceram durante as aulas do curso de Publicidade, na Universidade de Brasília (UnB). O início do namoro foi em 2005 e no ano seguinte tiveram Alice – o casamento veio 12 meses depois. Em 2008 abandonaram tudo em Brasília e se mudaram para Londres, onde moraram até junho deste ano. Como fonte de renda, Verônica trabalhava como fotógrafa e Rodrigo na área publicitária, como freelancer. Estabilidade não faz parte da rotina de Rodrigo, Verônica e Alice. Decididos a descobrir novos ares, a família deixou a Inglaterra este ano para se aventurar na Espanha. O país de Dom Quixote será o novo lar dos brasileiros, que estão longe de se preocupar com o que os outros vão pensar do estilo de vida que escolheram viver. Caso o projeto de vida alternativa dê errado, eles confessam que “o plano ‘B’ é arrumar um emprego, e o plano ‘Z’ é “passar em um concurso público”. Mas, por enquanto, tudo tem saído como planejado. Criar raízes já passa pela cabeça do casal, que pensa em ter um segundo filho. Eles ainda não decidiram onde pode ser o lar definitivo da família, mas a presença de praias, estação de trem perto de casa e ciclovias podem influenciar na escolha. “Nós estabelecemos que a nossa prioridade é estar junto e não perder tempo com besteiras. A gente põe primeiro na jarra as pedras grandes e depois colocamos as menores, do contrário não vai ter espaço para o que realmente importa.” Verônica Lacerda

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cidades Foto: Ana Póvoa

PREVISÃO DE ENTREGA FEVEREIRO DE 2014 PRIMEIRA ETAPA Governadoria, Centro de Convenções e mais quatro prédios, de quatro andares cada, que abrigarão as primeiras secretarias. Nessa fase, está prevista a mudança de 2.500 a 3.000 servidores. DEZEMBRO DE 2014 SEGUNDA E ÚLTIMA ETAPA seis prédios, de quatro andares e quatro torres de 15 andares. Nessa fase, está prevista a mudança de 9.000 a 9.500 servidores Torres prometem centralizar órgãos e procedimentos administrativos do governo, em instalaçoes modernas e sustentáveis

GDF

Novo centro administrativo promete melhorias

Construção de sede do governo em Taguatinga deve incluir supervalorização da área e solução para os problemas de transporte ANNA LOURENÇO

TAGUATINGA está ganhando importância política e econômica. Quem passa pela avenida Elmo Serejo se depara com uma enorme construção. O antigo terminal rodoviário de Taguatinga Norte, ao lado do estádio Serejão, será substituído pelo Centro Administrativo do Distrito Federal (CADF). Brasília não tem uma sede que comporte todas as repartições do GDF. Existem, atualmente, unidades ligadas a cada região administrativa espalhadas pelo DF. Assim, a proposta do governo com essa mudança é juntar todas essas unidades em uma mesma localização. Além disso, a maioria dos prédios atuais das administrações encontra-se em condições precárias, envelhecidos e abandonados. A questão vai além disso. Segundo a assessoria de comunicação do GDF, a reunião de todos os setores administrativos em um

único local vai racionalizar e deixar os processos mais eficientes, modernizar a infraestrutura, aumentar a produtividade e reduzir os custos operacionais da máquina administrativa, ou seja, economizar os aluguéis atualmente pagos pelo governo de prédios que abrigam as secretarias. Para Rogério Alcântara, morador de Taguatinga Norte há mais de 30 anos, a escolha do lugar ainda traz muitas dúvidas: “Por que decidiram fazer esse grande centro em uma área tão desvalorizada como essa? O grande poder político e econômico não está nem 10% aqui nessa região”. A proposta do governo é uma reconfiguração urbana do território que tem como objetivo aliviar o fluxo sobre a região do Plano Piloto, de acordo com a Secretaria de Estado de Planejamento e Orçamento do GDF. Estudos mostram que 70% dos servidores

do GDF moram fora do Plano Piloto, que é onde a maior parte dos órgãos governamentais está localizada. O governo acredita que o mais novo CADF trará algumas soluções para o transporte urbano, facilitando o acesso dos empregados ao local de trabalho e evitando engarrafamentos na região central do DF. A proposta governamental para a futura localização também é trazer mais desenvolvimento urbano para as regiões de Taguatinga, Samambaia, Ceilândia, Águas Claras e Vicente Pires. De acordo com a Secretaria de Estado de Planejamento e Orçamento, o custo da obra, calculado em 2008, era de R$ 440 milhões. Hoje não há dados atualizados sobre esse valor. O assessor do GDF Henrique Matute explica como será feito o pagamento da obra: “Tratando-se de um contrato de parceria público-privada, o empreendimento

será financiado pela empresa responsável pela construção contratada pelo governo e, somente após a entrega da obra, o GDF começará a pagar contraprestações mensais. Parte de cada prestação compensará o investimento pela construção, e o restante compensará os serviços mensalmente prestados pela contratada, entre os quais, manutenção predial, jardinagem, limpeza, segurança, brigada de incêndio, controle de acesso e copas”. Maria da Lurdes, aposentada e moradora da QNL há 20 anos, acredita que o novo CADF só trará benefícios para os moradores do local. “Além de dar uma nova importância para Taguatinga e Ceilândia, esse novo centro vai valorizar muito as casas daqui”, conta ela, que há menos de um mês fez a avaliação de seu apartamento na QNL 9 de Taguatinga por R$ 200 mil e daqui a um ano pretende aumentar o valor em pelo menos 30 mil.

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cidadania PRECONCEITO

O racismo na ponta da língua Brasilienses têm sistema para denúncia; as maiores reclamações são sobre ofensas com xingamentos

Ramila Moura

Jusciane Matos Stefany Sales

A PALAVRA racismo é definida no dicionário on-line Priberam da língua portuguesa como “atitude hostil ou discriminatória em relação a um grupo de pessoas com características diferentes, como etnia, religião e cultura”. Quer alguns exemplos? Negão, negro fedorento, macumbeiro, macaco, nego safado – todas comuns ao vocabulário de algumas pessoas. Apesar de corriqueiras, são formas negativas de se referir aos negros. Essas falas podem ter uma carga negativa, dependendo da maneira como e do contexto em que são colocadas. O mestre em linguística e professor da Universidade Federal do Acre Shelton Lima discorre sobre como a linguagem pode refletir a ideologia de um país. Expressões como “negão” parecem ser normais[AK4] por causa do preconceito enraizado no país pela herança histórica de escravização e desvalorização do negro na sociedade. Logo, não é comum ouvir uma pessoa chamar a outra de “brancão“. Segundo o linguista, não estranhamos esse tipo de expressão porque o palavreado se naturalizou. “Quando alguém fala isso, geralmente, não reflete que essa palavra surgiu para marcar uma característica racial de uma pessoa, para, exatamente, menosprezá-la por ser negra.” Denúncia

Essa discussão sobre linguagem é para introduzir um problema pouco tratado quan-

do o assunto é racismo. Em Brasília, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepir) criou, em março deste ano, o Disque Racismo para dar voz às minorias. Um trabalho inédito no país. Segundo a ouvidora da Sepir Jacira da Silva, as denúncias recebidas na central de atendimento vêm na maioria de mulheres acima de 60 anos; grande parte dos casos são ofensas verbais que ocorrem geralmente em momentos de conflitos com vizinhos, no trânsito e na rua. Desde a criação do Disque Racismo, foram recebidas 5.558 ligações, sendo que apenas 77 delas são classificadas como de-

núncias. Durante o período analisado, outros 14 casos foram registrados diretamente na ouvidoria da Sepir, totalizando 91 contatos. As demais ligações são esclarecimentos de dúvidas e testes para saber se o número 176 realmente funciona. Senti na pele Negra e de cabelo crespo, Alline de Almeida Paz, há dois anos, sentiu na pele o que é o racismo. Literalmente. A recepcionista de 27 anos foi ofendida verbalmente enquanto esperava o lanche em um fast food de Brasília. Alline não imaginou que, ao olhar o painel que mostrava as senhas, estaria ofendendo a senhora sentada em uma mesa embaixo do letreiro. Ela conta que a mulher se incomodou e chamou o garçom para reclamar. Pediu que perguntasse se “aquela negra ali queria pagar a conta dela” e ainda sugeriu ao funcionário que o estabelecimento não deveria aceitar pessoas como Alline. “Negra”, “preta”, “nega safada”, “escrava”, “ negra da senzala”, “neguinha” foram as palavras que Alline escutou e que corroboram a ideia do uso de palavras para difamar a imagem de uma pessoa. Ela nunca pensou que o lugar do negro no Brasil fosse tão restrito. Depois do que passou, automaticamente, começou a observar a maneira como as pessoas a olham e a diferença de tratamento que ela e um branco recebem quando entram em uma loja. Alline conta que a violência gratuita em meio a muitas pessoas causou vergonha, indignação. Em alto e bom tom, ouviu que aquele lugar não era uma prisão e que ela não deveria se aproximar, pois sua agressora tinha nojo. Em certo momento, quis partir para a violência física, que era a única maneira como sabia se defender, mas foi orientada a manter a calma e processar a mulher. Ela registrou ocorrência como racismo na delegacia do Cruzeiro Novo. Ficou indignada ao perceber, no dia da audiência, que o processo estava como injúria e di-

Mulheres são as que mais sofrem com a discriminação em Brasília

famação. Essas são duas formas de julgar crimes de condutas discriminatórias contra indivíduos. De acordo com o artigo 140 do Código Penal, o crime de injúria é classificado por ofender a honra de uma pessoa com aspectos que se relacionem a cor, raça, etnia e religião. Já o crime de racismo, que está na Lei nº 7.716/89, é quando a discriminação é voltada pwara um grupo ou coletividade, sendo vista como mais grave e ofensivo. Alline pensou em deixar o caso como estava, mas foi orientada a fazer alguma coisa para não ser apenas mais um caso sem solução. Quando a agressão ocorreu, ainda não existia o Disque Racismo. Agora, a vítima conhece o recurso e pensa em procurá-lo, já que não obteve resultado com a queixa feita na delegacia. Ela acredita que o servi-

ço orienta qual a melhor forma de procurar ajuda, a quais lugares deve ir, além de mostrar que quem sofre preconceito e racismo pode e dever recorrer à Justiça. O serviço não atende apenas pessoas que sofreram preconceito por causa da cor. Além das denúncias de preconceito contra negros, questões discriminatórias religiosas relacionadas aos ciganos, indígenas e a comunidades de matriz africana também podem ser denunciadas.

SERVIÇO Disque Racismo Telefone: 156 opçao 7 Horário: 8h às 19h, de segunda à sexta-feira.

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educação MOBILIDADE

À procura dos universitários dos sonhos

Calouros se espalham por todo o país em busca de um futuro promissor, mas encontram muitas barreiras para realizar a formação Fotos: Fernanda Pinheiro

Oportunidades de mobilidade estudanil movimentam jovens pelo país

ANA PAZ

ESTUDANTES do Brasil inteiro se deslocam entre cidades do país para terem oportunidades nas universidades. A história dos vestibulares não é nova por aqui. Há 102 anos, o “exame vestibular” foi instituído para controlar a demanda de alunos, e por isso é um dos maiores fatores da mobilidade de jovens atualmente. Eles se arriscam em novas aventuras, pensando sempre em um futuro de sucesso. Mas as dificuldades não são poucas para os estudantes que resolvem participar de vários processos seletivos. Os gastos, a distância da família e muitas vezes o fator psicológico podem influenciar na decisão. Qual o perfil desse estudante? E o que ele representa em um país em que as oportunidades são tão escassas? Acre, Brasília, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Tocantins e Goiás foram os destinos da estudante do primeiro semestre de medicina Tathiane

(Mandic) de Campinas, contabilizada a mais cara pelo site das Escolas Médicas do Brasil, é de R$ 8.800. Acrescente ainda os valores de moradia, alimentação, transporte e material necessário para os estudos, e contando que são seis anos de aulas, se tornar médico no país pode custar mais de R$ 600 mil. Quem não quer ou não pode se dispor a gastar tal quantia e se prepara para enfrentar os vestibulares pelo país saiba que os gastos ainda serão absurdos: estadia, alimentação, inscrições e passagem também pesam no bolso. Tathiane morou com os tios, em Brasília, para diminuir os gastos. Mas em Cuiabá e Londrina, onde também fez cursinho, teve que segurar a barra, pois as viagens para fazer as provas ficavam entre R$ 600 e R$ 700, cada uma. “Eu economizava na alimentação e no transporte enquanto estava fora de casa. Algumas viagens fiz de avião, outras de ônibus.” Um desembolso a perder de vista, ela confessa. “O problema é que foi tanto tempo. Tantos vestibulares que nem sei se lembro todas as informações.” Oportunidades escassas E os estudantes do interior do Brasil ainda enfrentam mais um dilema, pois o curso desejado, nem sempre, é disponível nas instituições de ensino superior de suas cidade. Quando elas são existentes na região. A estudante do segundo ano do ensino médio Camila Oliveira, 16 anos, de Bagé (RS), acredita que por morar em cidade pequena as chances são bem menores. “Na minha cidade são só duas faculdades e com poucos cursos, isso diminui a oportunidades de muitos.” Os dois cursos que ela anseia, jornalismo ou biologia, não existem em Bagé. Por isso a adolescente faz o Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília todo o ano. Ela vem a Brasília em dezembro para fazer segunda etapa do programa e conta que não teria oportunidade não fosse a família para ajudá-la. Camila acredita que o empenho nos estudos fez com que os padrinhos concedessem a oportunidade de tentar estudar em uma universidade federal.

Bezerra, 21 anos, de Tangará da Serra (MT). Depois de quase cinco anos de estudos e de três a cinco provas por semestre, ela começou o curso no segundo semestre deste ano, na Universidade Rio Verde, em Goiás. A estudante conta que a trajetória não foi fácil. Ela chegou a desistir quando a pressão de ser a primeira da família a fazer medicina falou mais alto, mas conta que valeu a pena: “Fiz isso porque desde criança queria ser médica. Todos apostavam em mim, não é fácil. Aprendi a me virar sozinha, pois desde os 16 Sisu anos viajo para fazer vestibular”. O Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi criado em 2009 e é coordenado pelo MinisContas exageradas Pagar uma mensalidade muito cara não é tério da Educação (MEC). É um sistema em opção para a maioria dos vestibulandos. O que instituições públicas de ensino superior curso de medicina é o mais caro nas facul- de todo o país oferecem vagas para alunos dades e universidades particulares e, em ge- que fazem as provas do Exame Nacional de ral, o mais concorrido nas públicas. O valor Ensino Médio (Enem). Duas vezes ao ano mensal do curso na Faculdade São Leopoldo acontecem as inscrições, gratuitas, para os

concorrentes às vagas do sistema. E assim, os candidatos por ordem de colocação preenchem as ofertas. Nesse ano, 13% dos estudantes que foram selecionados para ingressar nas 101 instituições públicas que participaram do Sisu estão se deslocando de suas cidades de origem. Tathiane tentou quatro vezes ingressar na universidade pelo sistema. Uma de suas tentativas foi para a Faculdade de Medicina de Marília (Famema), em São Paulo. Segundo levantamento feito pelo MEC, mais de 15 mil jovens se arriscam na oportunidade, e pelo menos um terço deles está indo para estados que não fazem fronteira com seus estados natais. Ainda pelo levantamento do MEC, entre as instituições que participaram do sistema nesse ano estão 43 universidades federais, 38 institutos, 2 centros federais de educação tecnológica, uma faculdade federal e 17 institutos estaduais. Pela pesquisa do MEC, o DF é um dos três estados onde há o maior número de saída de calouros. Aqui, isso acontece pela baixa oferta de vagas, pois só temos uma universidade federal, a UnB. Em 2012, o percentual de evasão foi de 100% dos inscritos no sistema, pois não havia participação da UnB no processo. Já neste ano, cerca de 80% dos alunos deram adeus a suas casas. A partir de 2014, o primeiro processo seletivo do ano na UnB será realizado pelo Sisu, incluindo as vagas destinadas ao PAS. A estudante Camila Oliveira acredita que pelo Enem ela pode ter uma chance na UnB: “Acho a prova mais fácil”.

SAIBA MAIS Mobilidade acadêmica A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e as Instituições Federais de Ensino Superiores (Ifes) formalizaram um convênio, que resultou no aumento da mobilidade dos estudantes matriculados nas universidades federais conveniadas. Nesse programa o aluno pode cursar até dois semestres letivos de seu curso em outra universidade, que não seja na sua instituição de origem.

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saúde

HIPNOTERAPIA

Autocontrole para tratar doenças Técnica prioriza o tratamento de problemas emocionais para a cura de problemas físicos

EVELY LEÃO NAYANE GAMA

DEPRESSÃO, tristeza, desânimo, insônia, problemas no relacionamento, ejaculação precoce, fobia social e ansiedade são algumas das causas que levam uma pessoa a procurar a hipnoterapia. O tratamento, desenvolvido no século 18 pelo médico austríaco Franz Anton Mesmer, é realizado pela técnica da hipnose que ajuda a controlar o problema do paciente por meio do autocontrole. A hipnoterapia é uma forma de tratamento que reduz o sentido crítico e as respostas são auto programadas permitindo uma relação eficaz entre o corpo e a mente. O método é utilizado para tratar problemas psicológicos e físicos, como medos, obesidade e tabagismo. Para cada situação, o procedimento é diferente. Ela pode ser também um recurso auxiliar para o relaxamento na hora do parto. A técnica vem sendo utilizada por obstetras do Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib). Segundo o especialista em hipnoterapia, Henrique Azevedo, o tratamento pode começar a partir dos três meses de gestação para que a mulher sinta tranquilidade no parto por meio da anestesia. Neste caso, o relaxamento só é complementar. O objetivo do tratamento é fazer com que a mulher perca o medo e tente confiar na capacidade natural do próprio corpo no momento de dar a luz, ajudando no relaxamento profundo e assim evitar os possíveis traumas do parto normal. “O procedimento varia muito conforme a paciente. Cada gestante responde de forma diferente e em tempos diferentes”, explica o especialista. O hospital oferece o tratamento, mas a prática do método é facultativa.

emoções são codificadas e o paciente tem ligação com estímulos externos e internos, durante um estado meditativo. O código de ética dos hipnoterapeutas determina que os métodos devem ser os mais naturais possíveis, para que a pessoa atendida busque o autoequilíbrio com os seus próprios recursos. Além disso, é recomendável que os hipnoterapeutas mantenham o constante desenvolvimento pessoal, científico, técnico, ético e filosó-

fico, por meio de supervisão, terapia e/ ou psicoterapia. Procedimento Para realizar o tratamento é necessário que a pessoa saiba responder a estímulos verbais e não verbais. A estudante Darlyn Tavares, de 21 anos, foi a uma sessão de hipnoterapia por curiosidade e conta que sentiu um relaxamento no corpo inteiro, mas não perdeu os sentidos. “É como se você não tivesse controle do que

está fazendo, mas ainda tem consciência de tudo”, relata a jovem. Em relação aos sintomas pós-terapia, o hipnoterapeuta Henrique Azevedo explica que o paciente pode sentir sonolência. Isso geralmente ocorre quando a pessoa não saiu do estado de transe - objetivo a ser atingido pela hipnose, em que a pessoa fica sob controle do profissional. Se o paciente ainda estiver sentindo os efeitos do tratamento, deve informar ao hipnoterapeuta. Ilustração: Henrique Carmo

Autorizado Apesar de ter surgido há três séculos, o método só teve potencial técnico-científico reconhecido em 1996. Hoje auxilia profissionais de saúde no tratamento de doenças físicas e psicológicas. Em 2000, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) aprovou o uso da hipnose como recurso psicoterapêutico, e que pode ser utilizado por médicos, dentistas e psicólogos. A base do tratamento é a conversação e a interpretação, em que as

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saúde AMAMENTAÇÃO

É o melhor para crescer

Bancos de leite humano do DF estão com os estoques abaixo do estimado. Apenas 10% das mulheres doam leite ALANA LETÍCIA PAULA MORAIS

O LEITE materno é o primeiro e mais importante alimento dos bebês. Indispensável desde os primeiros minutos de vida, a amamentação deve ser realizada para poder passar todos os nutrientes que vão garantir a saúde dos recém-nascidos. Porém, nem todas as crianças têm a oportunidade de se alimentar adequadamente. Por motivos emocionais e inexperiência do bebê ao mamar, entre outros, as mamães deixam de produzir o alimento e precisam recorrer a outras alternativas como os bancos de leite, por exemplo. No Distrito Federal, são 12 bancos de leite e dois pontos de coleta que ficam disponíveis para recolher e fazer a distribuição. Mas, atualmente, a situação não está muito boa. Os estoques estão abaixo dos 1.500 litros/mês, necessários para atender os bebês prematuros e de baixo peso. Foto: Jéssica Eufrásio

A pediatra Miriam Oliveira dos Santos, atual coordenadora de Aleitamento Materno da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), explica que o principal objetivo dos bancos de leite é promover, apurar e incentivar o aleitamento materno e a doação da lactante que tenha excedente de leite. “A mãe sadia que esteja amamentando seu filho e tenha muito leite é uma potencial doadora. Ela só precisa preencher os critérios de doação. Na distribuição a prioridade são os recém-nascidos internados nas UTIs neonatais”. Explica a coordenadora. Toda mulher que esteja amamentando e perceber grande quantidade na produção do leite não só pode como deve fazer doação. Principalmente porque esta pode ser a única fonte de vida para muitos bebês. Afinal, não existe alimento mais completo do que o leite materno, porque possui fatores de proteção, nutrientes próprios para o ser humano, além de outras substâncias que auxiliam no desenvolvimento saudável tanto físico e mental do bebê. Especialmente para a criança prematura, que nasceu antes do amadurecimento e precisa de todas as fontes para garantir uma vida mais saudável.

Segurança

Postura da mãe e posição correta do bebê facilitam a saída do leite

Dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) revelam que de janeiro a setembro deste ano, o Banco de Leite Humano do Hos-

pital Regional de Taguatinga (BLH/HRT) atendeu 6.148 pacientes (individuais e em grupos); realizou 2.858 visitas domiciliares; coletou 1.745 e distribui 1.179 litros de leite humano e ainda contou com a parceria de 545 doadoras. Mas o período atual, na avaliação dos especialistas, é considerado bem crítico. Sandi Sato, pediatra do Centro de Referência do banco do HRT, explica que a doação ainda está abaixo do potencial necessário. Na estimativa atual, ela considera que apenas 10% das mulheres que têm excesso na produção doam leite doam. Entre os fatores que contribuem para a redução das doações, estão a falta de conhecimento ou receio de algumas mães em doar e fazer falta para seus bebês. “No período de férias também é comum a falta de doação porque é quando as pessoas viajam e reduz o nosso estoque, só que não reduz o número de pacientes. É um período que a gente considera crítico e, por isso estamos em busca de doadoras” Explica. Outro fator importante a ser considerado é o período da seca. Boa parte do material disponível no estoque não pode ser doado por apresentar algum tipo de contaminação devido à poeira que costuma ter no clima seco. De acordo com a pediatra, a baixa no estoque dos últimos dois meses foi causada pelo o aumento da demanda de bebês prematuros no período. A especialista assegura a importância de as mães terem tranquilidade em relação às doações. Todo o processo de coletagem garante a saúde da mãe e do filho. Caso ocorra algum problema, a doação é suspensa. Mas para que isso não ocorra, alguns testes devem ser realizados anteriormente. O primeiro deles é o teste da acidez. Ele é feito para ter certeza de que o leite está pronto para ser consumido. O resultado deve ficar entre 2 a 8, acima disso é impróprio para o uso porque o alimento pode estar em processo de degradação. O segundo teste realizado antes da doação é o microbiológico: trata-se de um exame feito para verificar a pasteurização do leite. Além disso, todos os frascos devem ser testados para verificar a eficácia pasteurização. O

terceiro e último teste é o crematópito. Este vai medir a caloria do leite. Diferente do leite de caixinha, o leite materno varia com relação à quantidade de calorias de acordo com o período no qual foi ordenhado. Por exemplo, caso a mãe faça a ordenha no período da manhã, o alimento vai ter uma determinada quantidade de calorias. Mas caso essa mesma mãe faça esse processo na parte da tarde ou da noite, o leite poderá apresentar quantidade de caloria diferente. É comum o fato de algumas mães não produzirem o leite, mas não significa que seja falta. Segundo informações da pediatra Sandi Sato, se a mulher não produz o alimento de forma adequada significa que algo está incorreto. “Pode ser desde uma depressão pós-parto, ansiedade e insegurança ou a ‘pegada’ incorreta do bebê no peito, e isso também dificulta a saída do leite. E aqui no banco de leite temos o ambulatório para apoiar e instruir as mães que estão com dificuldade”, argumenta a pediatra.

Um gesto solidário

Rayanne Oliveira, estudante e mãe de Otávio Augusto, dois meses, resolveu dividir o leite com outras crianças que precisam do alimento para sobreviver, ao conversar com uma amiga que a informou sobre o banco de leite do HRT. Ela conta que produz muito leite, seu seio incha, causando muita dor. Ao tirar o leite para doação, este problema é resolvido. Toda semana, o bombeiro vai à casa da estudante fazer a coleta. “É muito prazeroso saber que estou ajudando outros bebezinhos tão pequeninos e indefesos. Me sinto muito bem em poder fazer alguma coisa pela saúde deles”, comemora. Rayanne faz as doações desde o 5° dia de vida de Otávio, e isso não causou alterações na amamentação de seu filho. Ela explica que, para fazer as doações, precisou apenas responder um questionário de como foi a gestação e se teve algum problema de saúde. o tipo certo de frascos, que devem ser de vidro com tampas de plástico. Além de manter a higienização das mãos (com álcool em gel), usar luvas, máscaras, toucas e gorro.

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saúde MATERNIDADE

Doulas: anjos do parto

As mulheres que tranquilizam e apoiam as gestantes antes e durante o nascimento dos filhos JÚLIA AMARANTE

DOULAS, você já ouviu falar sobre elas? A palavra tem origem grega e significa “mulher que serve”. São mulheres que acompanham as gestantes e dão apoio físico e emocional antes e durante o parto natural. Elas ajudam a mulher a encontrar a posição mais confortável, ensinam técnicas de respiração, fazem massagens que ajudam a acalmar e aliviar as dores e auxiliam os pais que, na maioria das vezes, não sabem como agir ou o que fazer com o nervosismo. É importante ressaltar que a doula não substitui o acompanhante escolhido pela gestante e muito menos o obstetra. Para se tornar uma doula, existem cursos de capacitação. Qualquer mulher que tenha mais de 18 anos pode se candidatar, mesmo não sendo profissional da área de saúde, já que a elas não cabe a função de realizar procedimentos médicos. O mais importante é ter vocação para realizar esse trabalho com amor. Existem as doulas voluntárias, que fazem o trabalho sem remuneração, e as particulares, que cobram entre R$ 200 e R$ 1.000 pelo atendimento durante o parto e as visitas antes e após. O trabalho da doula não é reconhecido como profissão, por isso não existe sindicato nem regulamento formal, apenas associações informais. As doulas atuantes, geralmente, têm outros trabalhos – são psicólogas, fisioterapeutas, acupunturistas, educadoras físicas, professoras de yoga, entre outras profissões. O parto humanizado Muitos pensam que o parto humanizado é aquele que acontece na água ou em casa, mas vai além disso. Ele leva em conta e respeita a vontade e as decisões da gestante para que tudo aconteça da forma mais natural possível, sempre priorizando a saúde da mãe e do bebê. Nesse processo, a mulher tem a liberdade de movimentação antes do parto, escolhe por quem vai ser acompanhada, além da doula, e decide a posição mais confortável e o local do parto. A cirurgia cesariana pode ser um parto humanizado, quando indicada corretamente, caso a mulher ou o bebê sofra risco no parto natural. Pequenas mudanças podem deixar a cesárea mais humanizada, como,

por exemplo, diminuir a quantidade de luz e ruídos, permitir a presença de um acompanhante, deixar que o bebê mame assim que nascer ou deixar que o pai corte o cordão umbilical. A estudante Jéssica Pereira, 21 anos, está grávida de 29 semanas e defende a escolha que fez pelo parto humanizado: “Quero ter o direito de ser a dona do meu parto, ter a liberdade de poder tomar algumas decisões que eu considere melhor para mim e para o meu filho”, afirma. Anna Luisa Milanez, 20 anos, é a doula da Jéssica. Elas fizeram o curso de doulas juntas, e esse vai ser o primeiro parto que ela vai acompanhar. Para Anna, o momento de escolher a doula tem que ser pensado com calma, e o que mais deve ser levado em consideração é a afinidade: “É preciso saber se uma está de acordo com o que a outra pensa. A disponibilidade de horário também é muito importante, mas o mais importante mesmo é a afinidade entre as duas”. A médica Jussara Pasquali é obstetra há 28 anos e perdeu as contas de quantos partos já realizou. Todas as experiências que teve com as doulas durante o parto foram muito boas. Ela fala da importância dessas mulheres para a gestante. “A função da doula é trazer apoio, carinho, suporte emocional. Ela dá uma tranquilidade que faz toda diferença na hora do parto. Eu aprendi muito com as doulas, parte do que uso hoje aprendi com elas”, declara.

Foto: Gustavo Goes e Amanda Costa

Jéssica Pereira, grávida de 30 semanas, recebe o carinho e atenção da doula Anna Luisa Milanez

vagas. “A doula lutou contra toda a burocracia e o descaso do hospital e encontrou um local onde eu pudesse concluir o trabalho de parto com privacidade e tranquilidade”. Moema e a doula entraram em uma sala de medicação – que estava vazia – no pronto-socorro do hospital. E lá a doula preparou todo o ambiente para parto humanizado. A obstetra e o marido de Moema se juntaram a elas e ali o bebê nasceu. “A atuação da doula fez com que nada Experiência A cientista social Moema Freire, 30 anos, do que estava se passando no hospital me passou pela experiência do parto humani- atingisse e que o meu parto fosse lindo e zado com o segundo filho. Ela queria ter tranquilo, da forma como eu desejava.” um parto natural desde a primeira gravidez, mas foi conduzida pelo médico a optar Cesáreas O índice de cesáreas realizadas no Brasil, pela cesárea. Durante a segunda gestação, novamente o obstetra quis convencer Moe- segundo a Organização Mundial de Saúde, ma a fazer cesárea. “Dessa vez, estava mais é de 15%. De acordo com o Ministério da informada e decidi trocar de obstetra para Saúde, esse número é de 52%, maior taxa não ser forçada novamente a uma cesaria- de cesarianas do mundo. O que era para ser um fenômeno natural e fisiológico – o nasna”, afirma. Para Moema, foi fundamental a presença cimento de um bebê – está se tornando um processo cirúrgico. A cesárea é uma cirurda doula antes e durante o parto. Ela chegou ao hospital no processo final gia que deveria ser realizada apenas quando de dilatação e passou por várias dificuldades o parto normal não for possível, mas não é relacionadas à internação, pois não havia isso que acontece.

Érica de Paula é doula e acupunturista e já auxiliou cerca de 120 partos. Ela produziu e dirigiu o documentário O renascimento do parto, que estreou nos cinemas dia 9 de agosto. Para ela, o alto índice de cesarianas no Brasil está relacionado a vários fatores, entre eles a falta de informação da população, mitos a respeito do assunto e questões financeiras que envolvem o profissional. “Para o médico, é evidente que a cesariana é uma opção muito mais cômoda, pois gera mais lucros e permite maior controle de agenda. O hospital e o plano de saúde também não têm interesse na gestante de parto normal, uma vez que ela não gasta nada além da hotelaria do hospital”, reclama.

SERVIÇO Saiba mais sobre as doulas e como se tornar uma no site: www.doulas.com.br

na web http://www.doulas.com.br/

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saúde DIETAS

Os perigos do rápido emagrecimento Dietas restritivas prometem perda de peso em pouco tempo, mas quem faz não sabe os prejuízos que elas podem trazer à saúde

Foto: Eduarda Szochalewicz Lopes e Rosi Araújo

Na era das facilidades dietas malucas prometem perder peso em poucos dias

KARINNE RODRIGUES RHAYNE RAVANNE

A VALORIZAÇÃO da beleza física faz com que muitas pessoas queiram deixar seus corpos “perfeitos”. No desespero, muitas recorrem a dietas milagrosas que prometem perda de peso em pouco tempo. Dieta da proteína, do vinagre, da sopa, da lua... Existem várias que podem ser encontradas tanto na internet quanto em revistas especializadas que asseguram acabar com aqueles quilinhos indesejáveis em poucos dias. Entre as principais dietas malucas – as chamadas dietas de restrição –, destacam-se a dieta do ovo cozido, a dieta da papinha de neném, a dieta do suco de pepino e a dieta do limão. “Em geral são dietas de baixíssimo teor calórico, o que causa, sim, perda de peso, mas de certo modo prejudica a saúde”, como explica a nutricionista Thaís de Souza. A dieta do suco de pepino, por exemplo, promete a perda de 4,5 kg em três dias devido à suposta ação purificante que elimina a gordura da pele. Uma das regras da dieta é não consumir qualquer outro tipo de bebida ou alimento quando sentir fome, somente o suco de pepino, o que pode causar mal-estar. A estudante Bianca*, 19 anos, fez a dieta durante dois dias, mas logo desistiu. “Senti muita tontura, fraqueza e queda de pressão. Aí parti direto para a sopa do Hospital do Coração, que não me deu nenhum efeito colateral”, relata. A dieta da sopa do Hospital do Coração foi elaborada pensando nas pessoas que têm problemas cardíacos ou que já fizeram cirurgia no coração e que precisam perder peso de forma rápida quando o órgão se encontra sobrecarregado. Essa dieta promete perder 7 kg em uma semana – com acompanhamento médico. O consumo de arroz, pães, biscoitos, frituras e bebidas gasosas é

proibido. Por ser uma dieta pobre em carboidratos, as taxas energéticas ficam muito baixas e a pessoa acaba sentindo fraqueza, indisposição e dores de cabeça. Por esse motivo não deve ser feita por mais de sete dias. A dieta da sopa é uma das mais populares entre as dietas da moda. Entre os efeitos colaterais, os mais frequentes são fraqueza, irritabilidade, tontura e dor de cabeça. Vistos como os culpados das gordurinhas localizadas, os carboidratos são excluídos de muitas dietas. Porém, ao contrário do que muitos pensam, tirá-los de vez da alimentação não é a melhor forma de perder peso, como ressalta a nutricionista Olívia Borges. “O carboidrato não pode ser considerado, jamais, um vilão da dieta, pois representa a maior fonte de energia ao organismo. O que devemos fazer é controlar a quantidade, a qualidade e o melhor horário para consumi-lo.” De acordo com a nutricionista, devemos priorizar os carboidratos integrais, pois auxiliam no bom funcionamento intestinal e controlam a fome devido ao alto poder de saciedade conferida pela fibra presente.

gura requer o acompanhamento de um especialista, pois é o melhor caminho para se alcançar um resultado eficaz. Um programa alimentar prescrito e acompanhado por um nutricionista é feito de acordo com o objetivo a ser atingido. “O acompanhamento nutricional garante não apenas a obtenção de resultados, como também a preservação do estado de saúde”, afirma Olívia. Outro risco da rápida perda de peso é o famoso “efeito sanfona”, o tal do emagrecer-engordar-emagrecer de novo e engordar. Isso acontece porque muitas pessoas não aguentam passar um longo tempo com uma alimentação só à base de frutas ou sopas, por exemplo. Geralmente, elas voltam a comer em excesso, deixam de se exercitar e recuperam o peso anterior. A estudante Kelly Rodrigues, 30 anos, já sofreu o efeito sanfona na adolescência por ter parado de fazer a dieta da sopa. “Por volta dos 15 anos fiz a dieta e consegui perder 3kg em duas semanas. O problema veio quando interrompi o regime e passei a me alimentar normalmente, pois engordei o dobro do que havia perdido.” Segundo Viviane Teixeira, do Centro de Medicina Integrativa (CMI), as principais causas do Riscos “efeito sanfona” são aumento de peso, frusA verdade é que iniciar uma dieta sem tração por não conseguir mudar hábitos aliorientação médica pode trazer prejuízos mentares e desequilíbrio emocional. à saúde. Em busca de um corpo ideal, as pessoas consomem de forma inadequada Restrição X Reeducação nutrientes essenciais para o bom funcionaPor mais que as dietas restritivas propormento do organismo. “O emagrecimento cionem a rápida redução de peso, elas não rápido é devido à perda de líquidos e massa modificam hábitos. O que fazer nesse caso? muscular. Além disso, proporciona efeitos “Para uma verdadeira redução de peso, deindesejáveis como cefaleia, constipação in- vemos ter em mente que é requerido temtestinal, fraqueza muscular, cansaço, altera- po e esforço, associando uma alimentação ção no sono e estresse físico e emocional”, balanceada e atividade física, visando a explica a nutricionista Olívia Borges. um menor consumo calórico e a um maior Fazer uma dieta de forma saudável e se- gasto energético”, explica a nutricionista

Thaís de Souza. O segredo é investir na reeducação alimentar: “O que hoje conhecemos por reeducação nutricional é o único caminho com eficácia comprovada no longo prazo e que, além de peso e medidas mais interessantes, aumenta muito a qualidade de vida como um todo”, completa a nutricionista. Alimentos ricos em proteínas, fibras, vitaminas e carboidratos influenciam o emagrecimento por regular o metabolismo da gordura corporal. Portanto, a reeducação alimentar é um processo cujos benefícios são obtidos aos poucos, mas que deve ser mantida para a vida toda. Logo, é importante destacar a necessidade de um acompanhamento profissional para detectar as necessidades e propor os tipos de alimentos que o organismo precisa e as quantidades necessárias.

“Para uma verdadeira redução de peso devemos ter em mente que é requerido tempo e esforço, associando uma alimentação balanceada e atividade física visando assim um menor consumo calórico e também um maior gasto energético” Thaís de Souza, nutricionista

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saúde

TECNOLOGIA

Acelere o passo com um smartphone Apesar de ferramentas importantes para uma vida mais saudável, aplicativos devem ser usados com cuidado ALESSANDRA MODZELESKI Foto: Ana Póvoa

Opinião profissional Algumas pessoas não têm conhecimento de anatomia ou fisiologia do exercício. Baixam os aplicativos e tentam malhar em cima daquilo. “O agrupamento muscular e as séries que eles criam são aleatórias e, na hora de executar, sem orientação, a pessoa pode ter sérios danos, como uma lesão articular e muscular. Isso pode obrigar a pessoa a fazer fisioterapia de três a seis meses”, alerta o

personal trainer Diego Gonçalves Silva, da academia Unique, no Sudoeste. Segundo o profissional, o ideal para quem pratica exercícios físicos por conta própria é usar apenas aplicativos que monitoram caminhadas e pedaladas. Diego explica ainda que usa e indica aplicativos para os alunos, mas apenas como ferramenta para se lembrarem de movimentos aprendidos nas aulas.

Layanne Cristine Golveia, 18 anos, perdeu 8 quilos com ajuda de aplicativos

DADOS da consultoria Morgan Stanley, divulgados no início deste ano, na Califórnia, comprovam o quão difundido o smartphone está no Brasil. Nosso país está classificado como o quarto do mundo em número de celulares inteligentes. São 70 milhões, ou seja, três em cada dez brasileiros têm um smartphone. Entre as tecnologias fornecidas pelos smartphones estão os aplicativos. Eles costumam facilitar e ajudar em diversas tarefas diárias, inclusive na hora de fazer exercícios físicos. Os aplicativos de fitness podem auxiliar desde uma caminhada, controlando a frequência cardíaca e o percurso feito pelo usuário, até em instruções sobre exercícios mais complexos, como ioga e pilates, em que o aplicativo ensina os movimentos e auxilia na criação de séries. Pedro Koenigkan Machado, 23 anos, conta que usa dois aplicativos que ajudam em corridas, o Pumatrac e o Runtastic. Ambos são gratuitos. Entre as funcionalidades, há exibição da distância percorrida, montagem de um mapa do percurso, controle do

tempo. Além disso, há a opção de criar uma lista de músicas para serem ouvidas durante a corrida. Pedro conta que usa aplicativos de fitness desde que começou a se exercitar, em março de 2012. Ao ser questionado sobre quanto emagreceu, diz não ser “apegado” a isso, mas garante que o percentual de gordura diminuiu de 26% para 12%. Entretanto, Pedro esclarece que não faz exercícios físicos sem orientação profissional: “Tanto nas corridas quanto na academia em que frequento, tenho acompanhamento de um personal trainer.” Layanne Cristine Golveia, 18 anos, declara não ter nenhum acompanhamento direto, apenas as orientações dos aplicativos Medida Certa e Bem-Estar, derivados de programas de TV. “Eles mostram quantos quilos perdemos em uma dieta, orientam na execução de exercícios aeróbicos e corridas e nos direcionam a uma meta que ele estabelece.” A estudante conta animada que perdeu oito quilos em oito meses, sem nenhuma lesão: “Com a ajuda do aplicativo e da minha força de vontade, consegui emagrecer”.

*Valores em real são do Google Play. Em dólar, da Apple Store.

Infográfico: Shizuo Alves

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comportamento PAQUERA

Flerte na palma da mão

Aplicativos são tendência para solteiros à procura de companhias; há apps para heteros e homossexuais ADRIELE VIEIRA GLEDSTIANE LAÍSSIA

ENCONTRAR o par ideal está mais fácil e próximo do que se imagina. Quem tem o costume de “dar uma voltinha na rua” para ver se acha alguém interessante ganhou um aliado, o Tinder. Trata-se de um aplicativo para smartphones conectado a uma conta do Facebook, que leva dados do usuário ao apli-

cativo, rastreando pessoas também conectadas e em localizações geograficamente próximas. O resultado: ele mostra perfis próximos à sua localidade, possibilitando que o usuário dê um “like” (representado por um coração) ou um “dislike” (representado por um X). Caso o interesse seja recíproco, abre-se uma janela Foto: Reprodução/ Tinder

Interface do Tinder: O “X”é usado quando não há interesse. O “i” mostra informações da pessoa, com uma frase de perfil e até cinco fotos. O coração significa interesse.

de bate-papo, chamada “match”, para os dois marcarem um encontro. “Bem legal”, é como o estudante Leonardo*, 24 anos, define o aplicativo. Em menos de um mês de uso, ele saiu com quatro garotas. Leonardo diz que o programa já lhe rendeu noites bem divertidas, como festas e filmes no Cine Drive-in. “É bacana, as garotas tomam a iniciativa e não têm medo de marcar os encontros.” Os criadores da plataforma, a dupla de americanos Justin Mateen e Sean Rad, buscaram criar um software que não possibilite falsos usuários: não é necessário preencher um cadastro. Por meio dos dados obtidos pelo Facebook, o aplicativo se encarrega de eliminar os perfis inexistentes. Assim, o usuário tem apenas que baixar o app no sistema iOS ou Android, que também exige um número de celular, dificultando o acesso de “fakes”. A interface do aplicativo é simples e o cliente pode gerenciar distância, faixa etária e sexo dos “alvos”. O objetivo pode ser fazer amizades, começar namoros ou apenas sexo casual. Laura*, estudante, 32, vê o aplicativo como uma diversão: “Eu uso mais quando estou em shoppings ou bares. Como não estou na melhor das formas, não arrisquei um encontro ao vivo. Mas vejo uns caras bonitos lá, nem parece Brasília! Posso dizer que o aplicativo vicia”. Ela ri ao lembrar que já encontrou ex-chefes, homens casados e até filho de deputado no Tinder. Arriscar ou não? Ir ao encontro de um desconhecido em busca de um novo relacionamento ou aventura, tendo como base apenas uma foto em um ambiente virtual, levanta questões de segurança, tanto física como emocional. Rafaela*, 24, foi ousada. Saiu da sua cidade, Campo Grande (MS) e veio a Brasília somente para conhecer Túlio*, jornalista, 24. Em uma viagem que ele fez a Campo Grande, conheceu-a no Tinder, conversaram, mas ele voltou para cá. Depois de muito bate-papo, ela decidiu passar um fim de semana com ele e correu tudo bem. Os dois ainda mantêm contato, mas não fazem planos para o futuro. Porém, o próprio Túlio, que usa o aplicativo desde março deste ano, confessa ter deixado de ir a alguns encontros por se sentir inseguro e também levou vários “bolos”. O Tinder faz bem o seu papel de “cupido”, mas mesmo com todo o cuidado para se evitarem perfis falsos, a pessoa ainda pode acabar

tendo experiências ruins. Foi o caso de Serena*, estudante, 20 anos. Ela conheceu Fabrício*, modelo, 24, conversaram por uns dois dias e descobriram muitos amigos em comum. Dias depois, ela estava em uma festa com o grupo de colegas, abriu o Tinder e resolveu convidá-lo. “Ele foi. Nós ficamos lá e depois mais umas duas vezes. Eu estava curtindo bastante, pois ele era legal, além de lindo. Mas acabei descobrindo, por meio de amigos em comum, que ele é muito mulherengo e mantinha vários encontros ao mesmo tempo. Cortei a relação”, conta a estudante. A idéia de se relacionar com alguém sobre quem pouco se conhece, é séria e às vezes se torna algo perigoso. Foi o caso de Vinícius*, bacharel em Direito, 26 anos. Ele conheceu Ana*, cabeleireira, 32, pelo Tinder, logo começaram a namorar e Vinícius parou de encontrar até com os amigos por causa da relação. Após dois meses de namoro, Vinícius acordou e notou que não só a namorada havia sumido, como também seu notebook, Ipad, Ipod, dentre outros objetos, somando o R$ seis mil. Ao procurar saber mais sobre a moça, descobriu que além de cabeleireira, era também estelionatária. Apesar de algumas experiências ruins, o aplicativo, lançado em agosto de 2012, cresce de forma impressionante, principalmente no Brasil, que já ocupa a quinta posição no ranking de países que mais baixaram o app. Um levantamento do próprio Tinder mostra que os usuários de todo o mundo acessam o serviço aproximadamente 11 vezes ao dia, avaliando 3 bilhões de “matches” (combinação de pessoas por curtidas) por mês. Aparentemente, os usuários ficam bem à vontade para disponibilizar suas fotos e marcar encontros com desconhecidos pelo programa. Em entrevista ao site Business Insider, Sean Rad, um dos criadores, disse que o aplicativo já gerou mais de 50 pedidos de casamentos. Ainda segundo a empresa, uma média de 1,5 milhão de “matches” são feitos diariamente e o número de usuários já ultrapassou os 40 milhões. Inclusive já existem tutoriais na internet de como “se dar bem” no Tinder. Opção Outro aplicativo que funciona à base da localização geográfica é o Grindr. Também disponível para Android e iOS, é destinado a gays e bissexuais do mundo inteiro. A ideia

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comportamento Foto: Letícia Sousa

O Grindr facilita o encontro de aproximadamente 6 milhões de gays em 192 países; uma média de 130 mil pessoas no Brasil

surgiu bem antes do Tinder, em 2009. Criado pelo israelense Joel Simkhai, o objetivo é ajudar gays que estão geograficamente perto uns dos outros, a se conhecerem. Assim como o Tinder, ele também evita constrangimentos, pois o usuário não precisa tentar “adivinhar” a orientação sexual da pessoa que foi vista na rua, restaurante ou em uma festa. O estudante de teledramaturgia Rodrigo*, 25 anos, conta que o uso dos aplicativos para relacionamentos já se tornou algo super comum entre o público gay: “É muito normal, quase todos os gays solteiros usam. Eu não curto muito, mas já me encontrei com alguns homens assim, inclusive conheci meu ex-namorado pelo Grindr”. Com muitas fotos de abdomens malhados, peitorais definidos e corpos seminus, a maioria dos usuários do Grindr deixa clara a principal intenção do uso do aplicativo: conseguir sexo de forma fácil. O sucesso chega a ser tão grande que, na Olimpíada de Londres do ano passado, com a chegada dos atletas à cidade, o número

de acessos ao mesmo tempo chegou a travar o sistema e o aplicativo ficou fora do ar. João*, 20, estudante, diz que é impossível se lembrar quantos encontros já teve. Para se ter uma idéia, no intervalo de uma semana ele se encontrou com nove homens. Antes dos aplicativos ele tinha no máximo um encontro por

semana. Além de conhecer pessoas, os programas também possibilitaram novas experiências ao estudante, como o sexo a três. Mas também causaram decepções. Em um dos aplicativos encontrou um rapaz e começaram a namorar, mas sete meses depois descobriu que havia sido traído várias vezes. João também já recebeu

várias propostas de menores de idade. Ele diz que nunca respondeu a nenhum deles, mas que a tentativa de contato é freqüente. * Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.

FIQUE ATENTO Em 2012 o Grindr foi acusado pelo ministério da saúde da Nova Zelândia pelo aumento de jovens infectados por sífilis, baseando-se em depoimento dos jovens infectados. A companhia desenvolvedora do programa se defendeu, afirmando que procura apagar perfis que procuram sexo sem proteção, e que mostram

mensagens de prevenção de DSTs quando o usuário abre o aplicativo, além de não serem responsáveis pelas atitudes pessoais de seus usuários. Salvo os casos de sucesso, os softwares de relacionamentos têm sido acusados por casos de infidelidade, levando até a términos de namoros.

Pesquisadores da Universidade de Paris, também advertem sobre perfis que vem utilizando a rede para provocar homofobia, pois, na França em maio de 2012 um jovem relatou que foi brutalmente agredido por uma gangue de skins heads que utilizavam o Grindr para promover encontros com homossexuais.

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cidadania FILHOS

As modernas famílias brasileiras Foto: Arquivo pessoal

David, Alyson eToni. A Familia Harrad Reis na cidade de Morretes, em Curitiba

Após decisão do STF, casais homossexuais se amparam na lei para adotar crianças, mas novos arranjos familiares ainda enfrentam preconceito NARLA BIANCA THALYNE CARNEIRO

O PROFESSOR Toni Reis, 49 anos, secretário de Educação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGBLT), e o tradutor David Harrad, 55, adotaram Alyson Miguel Harrad Reis, 13 anos, em 2012. O processo de adoção foi extremamente burocrático e precisou de sete anos para ser aprovado. Hoje, os três moram em Curitiba e servem de modelo para outros casais que vivem essa realidade. Famílias como as de Toni, David e Alyson estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil. Em março deste ano, o Ibope realizou uma pesquisa com 2.363 pessoas sobre adoção de crianças. Dos que se declaram homossexuais, 60% afirmaram ter interesse em adotar. Esse novo modelo de família tem gerado discussões acerca do bem estar das crianças, assim como os possíveis impactos causados por essa mudança. As adoções homoafetivas não se diferem

judicialmente de adoções feitas por casais ou pessoas héteros. Os procedimentos são exatamente iguais: apresentação de documentos obrigatórios, realização de entrevistas psicológicas, realização de visita domiciliar por assistentes sociais, atuação do Ministério Público e sentença judicial. Além da opinião do casal ou pessoa que irá adotar, profissionais são ouvidos e, é claro, a criança, quando tem idade. Alyson conheceu a nova família aos dez anos, quando Toni e David procuravam uma criança para adotar. Primeiro ele passou por um processo de aproximação com seus futuros pais e depois por convivência. Aos onze anos e meio, quando a sentença de adoção foi proferida, o menino pôde ficar com a nova família definitivamente. Adoção O processo de adoção geralmente não demora muito tempo para ser concluído,

como explica a advogada Silvana Moreira. “O processo de adoção por qualquer pessoa demora cerca de 9 meses”, mas, segundo ela, esse processo pode ser mais longo, dependendo da situação da criança. A adoção de Alyson levou um tempo mais longo para acontecer. O processo começou em agosto de 2005 e durou até julho de 2012, quando saiu a sentença. O menino teve de ser adotado no Rio de Janeiro, apesar de os pais morarem em Curitiba. A dificuldade se deveu ao fato de nunca ter existido antes uma solicitação de adoção por um casal homoafetivo na Vara onde o pedido foi feito, o que gerou dúvidas e novas discussões judiciais sobre o assunto. Na sentença inicial, o juiz da Vara de Curitiba, depois de quase três anos, concedeu a adoção conjunta, mas com restrições. Somente seria possível adotar meninas com mais de dez anos. A restrição de idade foi justificada com base no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto ao bem estar destes, no sentido de que a criança precisaria ter discernimento o suficiente para entender as implicações de ser adotada por um casal gay e concordar com isso. A restrição quanto ao sexo não foi justificada, mas foi interpretada pelo casal como discriminatória. Adaptação O bem estar da criança que será adotada é uma das principais preocupações da Justiça brasileira. Antes de irem morar com os pais definitivamente, todas passam por um processo de adaptação, em que são acompanhados, com os pais, por psicólogos e assistentes sociais. E, caso seja necessário, posteriormente, a família continua a ser acompanhada. Mas para identificar problemas, os pais devem estar abertos para o diálogo com os filhos. “Adoções por casais homoafetivos não são um tipo mais complicado de adoção. São adoções como quaisquer outras que, como quaisquer outras, podem ter dificuldades”, diz Eliana Bayer, psicóloga especialista em casos de adoção. “Quando há dificuldades em qualquer tipo de adoção – hetero, homo, monoparental, intrafamiliar, unilateral – nós oferecemos acompanhamento”, completa. Segundo a psicóloga, o preconceito que algumas crianças podem ter ao serem adotadas por homossexuais, geralmente manifestado nas mais velhas, é aprendido e pode gerar desconforto. Se isso acontece, a criança não é obrigada a ser adotada, como em outras situações. “As crianças e adoles-

centes também escolhem, não são só escolhidos”, esclarece Eliana. Influência Por serem uma mudança recente na configuração familiar, adoções feitas por casais homoafetivos ainda são motivos de dúvidas, debates e medos. Os pais teriam alguma influência na sexualidade dos filhos? A ausência de uma figura materna ou paterna fará falta? Essas crianças podem ter dificuldades na escola por sofrerem mais discriminação ou bullying? Um estudo da Universidade Cambridge, nos Estados Unidos, comparou filhos de mães lésbicas com filhos de mães héteros e não encontrou nenhuma diferença significativa em relação à sexualidade deles. Hoje, a ciência considera que a homossexualidade tem mais causas genéticas que ambientais. Por isso, um casal heterossexual pode ter um filho gay, assim como casais homossexuais, filhos héteros. “A sexualidade não é ensinada, não é transmitida por exemplo, não é aprendida no ambiente”, explica Eliana. “Pais homossexuais podem, sim, ser mais tolerantes na aceitação de uma orientação homoafetiva de seus filhos.” Um outro estudo norte-americano chamado National Longitudinal Lesbian Family Study acompanha 84 famílias com duas mães, comparando-as a um grupo de casais héteros. Analisou-se quantos filhos já haviam tido experiências sexuais com alguém do mesmo sexo. Entre as meninas de famílias gays, 15,4% já haviam vivido essa experiência, contra 5% das meninas de famílias héteros. Já nos meninos os resultados foram inversos. O índice é maior nos filhos de casais héteros: 6,6% contra 5,6%. Uma das dificuldades é o preconceito. A possibilidade de as crianças sofrerem por serem “diferentes” do meio é grande, como mostra uma pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Foram ouvidas quase 19 mil pessoas, entre elas, pouco mais de 15 mil estudantes. Deles, 99,3% sofrem algum tipo de preconceito. A maioria das ações de bullying é contra alunos pobres e negros, seguida de preconceito contra homossexuais. No caso de Alyson, os pais acompanham a rotina do filho para que juntos, se necessário, possam resolver situações de conflito. “Desde o início, temos uma relação muito estreita com as pedagogas da escola do Alyson e o corpo docente está preparado em caso de nosso arranjo familiar causar problemas de bullying para ele na escola”, assegura Toni.

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comportamento TRABALHO

Tem gente que vive da web

Crescimento da internet cria novos meios de ganhar a vida Fotos: Luiz Fernando Souza

Mauricio Cid (centro) é blogueiro do Não Salvo, um dos blogs de maior sucesso do Brasil. A sua renda vem de conteúdos postados na internet

LUIZ FERNANDO SOUZA MURILO LINS

O PAULISTA Mauricio Cid, 28 anos, criou o blog Não Salvo no fim de 2008, depois de ter sido expulso do Orkut, onde tinha mais de cinco milhões de membros em 1.024 comunidades e porque já produzia conteúdo para a web havia dez anos. A ideia central dele é mobilizar e movimentar a internet. O objetivo principal é fazer e dar risada, já que o blog Não Salvo é voltado para o humor. Hoje, o site conta com um milhão de fãs no Facebook, recebe diariamente três mil e-mails e quase meio milhão de visitantes. Cid faz questão de publicar conteúdos nacionais e, até 2012, não apresentava banners em seu site, mas, desde o começo de 2013, cedeu à pressão do Google e começou a divulgá-los. Ele posta conteúdo todos os dias no Não Salvo e em mais 22 blogs. A atualização é feita por ele de uma a quatro vezes por dia. No total, são mais de 60 postagens diárias. Mauricio já fez investimentos em seus blogs, que hoje são a sua fonte de renda, como ele mesmo define. ‘‘Minha renda vem 100% da internet e, apesar de considerar um hobby, não deixa de ser minha profissão.” Os maiores investimentos foram a contratação de novos editores, já que atualizam 23 blogs, com vídeos, fotos e textos. Cid dá dicas para quem pretende começar um novo negócio na internet. “Criar conte-

údo na internet porque gosta, não somente para ganhar dinheiro e se inspirar em outros casos que fizeram sucesso tendo seu próprio diferencial criativo.” Os brasilienses Gabriel Mustefaga e Frederico Fernandes, ambos de 21 anos, criaram o Nerdcetera em 2011. A ideia de criar um blog e um canal no YouTube surgiu depois que Gabriel sofreu um acidente no ombro enquanto praticava Muay Thai. Ele conta que, no tempo em que ficou sem trabalhar, entre fisioterapia e estudos, procurou formas de passar o tempo. “Minha paixão por histórias em quadrinhos existe desde os 12 anos, quando comecei a ler e colecionar, e mantenho isso até hoje. Então criei o blog para escrever sobre o tema e o canal foi criado logo em seguida. Meu amigo e sócio, Fred, entrou também.” Gabriel diz que, no começo, tratava a sua ‘‘carreira” como um hobby, mas hoje já a vê como profissão, já que, assim como Cid, tem a sua renda a partir da produção de conteúdos. Mustefaga dá dicas para quem pretende começar um novo negócio na internet. ‘‘Procure fazer conteúdo de que você gosta. Não tente entrar na ‘moda da vez’ da internet. Faça aquilo que você ama. Dedique-se ao máximo na qualidade do seu trabalho, tanto em imagem,

“Minha renda vem 100% da internet. Apesar de considerar um hobby, não deixa de ser minha profissão.” Mauricio Cid, 28, blogueiro

quanto em áudio, pauta, edição.” Os maiores investimentos feitos no Nerdcetera pelos amigos Gabriel e Frederico foram a compra de um estúdio, duas câmeras semiprofissionais, dois microfones profissionais, três kits de iluminação para vídeo, abafadores de som e três computadores bem equipados para edição e renderização. Eles investiram cerca de R$ 20 mil. Isso inclui as viagens que fizeram para cobertura de eventos (Tokyo Game Show e Brasil Game Show 2012). ‘‘Todo esse dinheiro valeu a pena porque hoje podemos fazer um trabalho muito melhor e com mais qualidade.” Os sócios produzem vídeos mensais, quinzenais e semanais. Tratam de assuntos da cul-

tura pop em geral, mas estão mais focados em histórias em quadrinhos. O Nerdcetera hoje mantém dois canais no YouTube, contando com 181.934 e 108.162 inscritos. O YouTube, maior site de vídeos do mundo, atualmente, disponibiliza esses dados. Mais de um bilhão de usuários únicos o visitam todos os meses, mais de seis bilhões de horas de vídeo são assistidas a cada mês, o que equivale a, aproximadamente, uma hora para cada pessoa na Terra e 50% mais do que no ano passado. Cem horas de vídeo são enviadas ao site a cada minuto, e 70% do tráfego vêm de fora dos EUA. O YouTube está localizado em 56 países e disponível em 61 idiomas. De acordo com a Nielsen, empresa de medição de audiência, o YouTube atinge mais adultos dos EUA entre 18 e 34 anos do que qualquer outra rede a cabo. Milhões de inscrições são realizadas todos os dias, e o número de inscritos mais do que dobrou desde o ano passado. Criado em 2007, o programa de parcerias do YouTube – pelo qual as pessoas podem ganhar dinheiro no portal –, atualmente, tem mais de um milhão de criadores de canais de mais de 30 países em todo o mundo gerando receita com os vídeos. Milhares de canais geram valores de seis dígitos (milhões) por ano.

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cultura AUDIOVISUAL

Fotos: Shizuo Alves

Élcio Sodré, dublador de personagens famosos como Shiryu, de Cavaleiros do Zodíaco, e Zé Colmeia, fala um pouco de sua história em evento de dublagem.

Ei, se lembra da minha voz?

Profissionais da dublagem ganham espaço na internet para divulgar seus trabalhos e chegam aos games RENATO GOMES SHIZUO ALVES

ANOS e anos sem o devido reconhecimento. Esse foi o passado de uma das profissões que mais revolucionaram a indústria do audiovisual, a dublagem. Essa falta de fama tem mudado de alguns anos para cá, com a ajuda de um veículo teoricamente improvável. Não, não é a TV, nem o cinema, mas a internet. Essas vozes que marcaram a vida de muitas pessoas, além de profissão, são um produto cultural brasileiro. E os fãs dessa arte passaram a ter tanto interesse que começaram a analisar as vozes dos personagens para saber quem dublou quem, como é o caso do estudante José Lucas de Deus Alvarenga, 20 anos, cujo anime preferido é Dragon Ball Z. “Gosto muito dessa dublagem. É interessante porque Goku e Bob Esponja

têm a mesma voz, apesar de os personagens o personagem Finn, no desenho Hora de serem muito diferentes.” José Lucas refere- Aventura. Para o dublador, a rede facilitou -se à dublagem de Wendel Bezerra. a comunicação com os fãs e empresas. “A internet acaba dando um apoio pra gente, Internet pois é por lá que nossos trabalhos são divulBlogs, Youtube, Twitter e fan pages no gados, então o dublador e a internet andam Facebook deram rosto às vozes que mar- lado a lado.” caram personagens famosos do cinema e da TV. Com a chegada da internet e seus Videogames incontáveis vídeos, o público começou a Para conquistar definitivamente o merconhecer como é feito o trabalho de um cado brasileiro, as produtoras de games dublador dentro do estúdio. Atualmente, passaram a investir na dublagem de seus os eventos que envolvem filmes, desenhos, produtos. Dubladores que tinham trabaanimes e tecnologia dão bastante espaço lhos marcados por bordões em animes, depara os profissionais da dublagem se apre- senhos, seriados e filmes agora colocam as sentarem. Luciano Monteiro tem 19 anos e vozes nos mais variados estilos de jogos. O dubla desde os 8. Sua voz ficou marcada nos estúdio Synthesis, que cuidou da dublagem seriados e desenhos. Atualmente, ele dubla de franquias famosas, como Call of Duty e

Tomb Raider, abriu uma filial no Rio de Janeiro este ano. Com escritórios nos Estados Unidos, na Itália, na Espanha, no Japão, na Alemanha e em Cingapura, a companhia decidiu criar um escritório no Brasil após perceber que a demanda dos projetos em português, que eram realizados em Madri, já exigia de um estúdio em território nacional. Os super-heróis sempre foram marcados por suas vozes na versão brasileira. No videogame não poderia ser diferente. Injustice: Gods Among Us, lançado em 2013 pela NetherRealm Studios, revolucionou os jogos de luta, trazendo o game 100% em português, com as dublagens marcantes de Guilherme Briggs (Superman), Manolo Rey (Asa Noturna) e Phillipe Maia (Lan-

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cultura “Eu mesmo me critico mais do que o público. Quando vejo meu próprio trabalho, fico analisando se ele está sincronizado e se dei a inflexão correta. Já o público analisa mais a qualidade do som e o sincronismo, pois às vezes não entende tanto de interpretação.”

“O game talvez seja mais simples de dublar por ser uma reprodução de um áudio”

dublarem no Brasil, inicialmente, trabalhavam nas rádios, fazendo radionovela. Um dos atores mais famosos é Orlando Drummond Cardoso, 93 anos. Ele fez bastante sucesso dublando os desenhos da Hanna Barbera e seus trabalhos mais famosos são Popeye, Alf - o ETeimoso, Gandalf (O Senhor dos Anéis) e Scooby-Doo. Drummond entrou inclusive no Guinness Book como quem mais tempo dublou um único personagem. Ele deu voz ao Scooby-Doo desde a primeira temporada, totalizando 42 anos. Muitos o conhecem também pelo personagem Seu Peru, na Escolinha do Professor Raimundo e no Zorra Total.

Hermes Baroli, dublador

História No Brasil, mais exatamente no Rio de Janeiro, a dublagem teve o primeiro trabalho realizado no final da década de 1930. Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro filme a receber vozes nacionais e marcou o início da profissão no país. Outros filmes da Disney, como Pinóquio, Dumbo e Bambi também foram dublados e lançados nos anos seguintes. Os primeiros profissionais a

SAIBA MAIS

Para ser um dublador, é obrigatório o Registro Profissional de Ator, expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego. É também recomendada a procura de um curso de dublagem. Se o ator for menor de 18 anos, para exercer a profissão basta a autorização dos pais ou responsáveis legais, exceto no Rio de Janeiro, onde o limite é de 16 anos. Ilustração: Shizuo Alves

O dublador Hermes Baroli explica a diferença de dublagem entre desenhos, seriados e jogos

terna Verde). O público está cada vez mais exigente. Esses, por exemplo, eram os dubladores originais dos personagens do seriado animado na TV. Para Eduardo Borgerth (J.A.R.V.I.S, do Homem de Ferro, e Ciborgue, dos Jovens Titãs), a dublagem nos jogos tem que ser uma exigência: “O brasileiro tem que valorizar sua própria língua e nós temos que fazer os games na língua portuguesa porque é bom para o consumidor e para os profissionais”. O dublador Hermes Baroli é conhecido por seus trabalhos como os personagens Seiya de Pégaso (Cavaleiros do Zodíaco), o personagem sem nome de Edward Norton em Clube da Luta e Dio, no jogo Grand Chase. O ator diz que a diferença de dublagem em desenhos, seriados, filmes e jogos é o produto, independentemente da mídia em que será veiculado. “O game talvez seja mais simples de dublar por ser uma reprodução de um áudio, mas o filme e o desenho

dependem do personagem, que pode facilitar ou não o trabalho.” Outro lado As versões brasileiras são consideradas as melhores do mundo. Mesmo com tantos elogios e fãs, há quem critique e não goste de dublagem. Gustavo Viana Pereira, 23 anos, só assiste a filmes e a seriados legendados, apesar de aprovar a dublagem nos jogos. “Nos filmes/animes/seriados dublados, as vozes que ali representam os personagens não transparecem com total fidelidade a emoção que deveria ser passada ao telespectador, mas a grande maioria dos trabalhos de dublagem que já presenciei em games foi de alta qualidade.” Élcio Sodré, dublador desde 1980 (fez as vozes famosas de Zé Colmeia, Pateta, Shiryu de Dragão [Cavaleiros do Zodíaco] e Rowan Atkinson [Mr. Bean]), também ressalta que os próprios dubladores se criticam.

Seiya de Pégaso, personagem dublado por Hermes Baroli

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esporte FUTEBOL AMERICANO

Elas jogam um futebol diferente Foto: Quéssia Fernanda

REGRAS DO FLAG A modalidade não utiliza o fio de gol, como no esporte tradicional. Os pontos só são marcados por touchdown – quando o jogador cruza a linha do gol – que vale seis pontos.O tempo de jogo é de 40 minutos divididos em dois tempos de 20 minutos cada. O play clock – tempo para uma última jogada – é de 25 segundos.

Legenda da foto meninas no jardim jogando bola na chácara que abriga os índios em Brazlândia

Primeiro time feminino de futebol americano de Brasília cresce e busca reconhecimento FILIPE ROCHA RICARDO FELIZOLA

ATRÁS da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) do Distrito Federal, um gramado da quadra 205 Sul serve como centro de treinamento de homens e mulheres, adolescentes e adultos, que praticam nos fins de semana um esportepouco convencionalno Brasil, o futebol americano ou football. Antes de treinarem na 205 Sul, os times, tanto masculino quanto feminino da Associação Brasília Alligators, praticava no gramado da Esplanada dos Ministérios, mas costumavam ser expulsos quando tinha

“Não basta você ser apenas estrategista ou um bom atleta. Você tem que unir os dois para fazer o jogo dar certo”

Mariana Teles Vasconcelos, jogadora do Alligators

algum evento programado no local. Desde julho, a equipe treina atrás da delegacia, espaço disponibilizado pela prefeitura da quadra. A primeira equipe feminina de football amador da capital federal é do Alligators, fundada em outubro de 2011. No DF, existem ainda mais dois times profissionalizados, o Tubarões do Cerrado,criado em 2004, e o V8, que iniciou os trabalhos em 2008. No gramado, o Alligators instalou um fio de gol (uma trave sem rede pendurada por um mastro) utilizado pela equipe masculina. A trave foi comprada com o dinheiro dos próprios jogadores, pagos com a mensalidade, de R$ 20. O time tem um patrocínio pequeno, que dá para custear apenas a compra de equipamentos, segundo a desenvolvedora de software Raquel de Souza Araújo, que integra a equipe desde a fundação e é técnica do Alligators masculino. “A gente sempre banca as viagens com nosso dinheiro”, afirma Raquel. De acordo com a estudante de contabi-

lidade e jogadora do time, Bruna Lunardi Simões Alves, o problema do esporte não ser tão popular no Brasil se deve aos altos preços dos equipamentos. “Conseguir uma bola, ou um capacete é difícil. Para se equipar totalmente na modalidade tradicional, o gasto é de até mil reais”, pontua Bruna. Para a estudante de Direito Mariana Teles Vasconcelos, o futebol americano é um jogo muito dinâmico. “Não basta você ser apenas estrategista ou um bom atleta. Você tem que unir os dois para fazer o jogo dar certo”, comenta. Flag A modalidade que o Alligators feminino joga não tem tanto contato, como o adotado no esporte tradicional. As atletas não usam ombreiras nem capacetes, apenas as flags – fitas coladas com velcro em um cinto. Para encerrar uma jogada no futebol americano é necessário derrubar o adversário no chão, mas como a equipe não tem equipamento, a jogada é finalizada ao puxar a flag da adversária. O jogo reinicia do ponto onde foi

tirada a fita do adversário. O Brasília Alligators já participou de vários campeonatos. Atualmente, o time joga na versão flag 5x5, - cinco jogadoras no ataque e cinco na defesa. “O ataque tem que atravessar o campo e a defesa tem que parar. Tudo sem contato físico, só puxando a fitinha”, explica Raquel. Antes, a modalidade 8x8 também era treinada, mas como não há campeonato nesse estilo no Brasil, a prática foi abolida. No 8x8 há mais contato físico, com empurrões. Crescimento Com mais de cem anos de história, a prática esportiva é a mais popular dos Estados Unidos. No Brasil, o crescimento é gradual, com times amadores. De acordo com a Associação de Futebol Americano no Brasil (Afab), o esporte é a modalidade que mais cresce no país. Atualmente, são 12 entidades filiadas, que representam os estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além do DF. O football não recebe tanto apoio do governo. Para Raquel, mesmo com ajuda da Secretaria de Esportes do DF, ainda falta investimento. “Na verdade qualquer esporte no Brasil necessita de apoio”, acrescenta. Contudo, de acordo com Raquel, o futebol americano tem tido um crescimento satisfatório no Brasil, pois ao conhecer o esporte, as pessoas começam a se familiarizar e a se interessar pela prática esportiva. As atletas esperam que com o crescimento venha também o investimento e o football, no Brasil, passe a ter mais reconhecimento e seja visto sem preconceito. “No Brasil é o esporte que mais cresce, de oito anos pra cá houve um surto, entre times femininos e masculinos. Existem cerca de 500 equipes no Brasil. Todas as modalidades estão crescendo bastante”, finaliza Mariana.

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