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Por que as barragens rompem?

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O museu do crime

O museu do crime

O rompimento da Barragem de Fundão, sob responsabilidade da mineradora Samarco e com participação das mineradoras Vale e BHP Billiton, deixou claro à população que o método de construção e de fiscalização das barragens não garante segurança às comunidades. Desde 2015, foram implementadas novas leis e medidas preventivas, mas que ainda não cumprem o papel de evitar que comunidades, memórias, rios, mares e vidas sejam atingidos e modificados para sempre.

“Nós temos erros gravíssimos em todo o processo de mineração e barragens. O problema começa na escolha do método de disposição dos rejeitos, que é feita pela própria mineradora sem interferência do Estado e da sociedade. A empresa escolhe uma forma de maximizar o lucro, busca o processo e as condições mais baratas. Para as mineradoras, em nenhum instante, a segurança é importante na escolha do processo. O que eles querem é aumentar o lucro.”

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Julio Grillo, ex-Superintendente do Ibama

As mineradoras precisam de licenciamento ambiental para atuar e, para obter essa licença, é necessário que as empresas apresentem o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), chamados de EIA-RIMA. Esses documentos são análises feitas por empresas terceirizadas, contratadas pelas próprias mineradoras, que dizem como a atividade irá impactar a área a ser minerada. Os estudos são entregues e avaliados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e repassados para que o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) autorize ou não as licenças ambientais.

“Se a empresa contratada para fazer o estudo encontra algum problema, a mineradora busca uma outra empresa. Aquela empresa que foi rigorosa, que foi correta, muito provavelmente não será recontratada no futuro. Com isso, eles começaram uma prostituição do mercado de consultoria na área de mineração, porque só vão contratar empresas que serão favoráveis. Esse é o primeiro grande erro. Porque o Estado é quem deveria contratar o estudo ambiental, mas com financiamento da mineração.

O segundo erro é como o processo de licenciamento é feito na Semad. Se a EIA-RIMA omite informações problemáticas para o processo de licenciamento, então, o Estado não vai analisar, porque os analistas se atém somente ao material fornecido pelas mineradoras. O que tiver sido omitido não vai ser analisado.”

Julio Grillo, ex-Superintendente do Ibama

As mineradoras e o poder de voto

O Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), de acordo com a Lei Mineira nº 21.972, de 2016, deve ter representatividade e participação do poder público, da sociedade civil e dos setores de produção minerária, técnico-científicos e de defesa do meio ambiente. No entanto, a sociedade civil tem apenas uma vaga no Conselho. Pessoas de órgãos como o Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra), conhecido por representar os interesses das mineradoras, fazem parte do Conselho como sociedade civil.

Quando o projeto de mineração avaliado pela Semad chega ao Copam, há várias instituições e pessoas que representam os interesses das empresas, o que garante a aprovação de qualquer projeto apresentado pelas mineradoras.

“O Conselho está nas mãos das mineradoras. Os representantes do governo compõem 50% dos votos e sempre votam a favor do parecer apresentado pela Semad. Essas pessoas normalmente não têm condições e nem formação para fazer uma análise técnica de um projeto de mineração. Nos outros 50%, que seria a sociedade civil, as empresas têm quase todos os votos. Então, a mineradora apresenta um projeto e ela mesma vota pelo licenciamento, isso é o cúmulo do absurdo. Uma mineradora não poderia votar pela aprovação do seu próprio projeto.

Com a formação atual dos Conselhos, não há possibilidade de um projeto de mineração não ser aprovado, por pior que seja, por mais inseguro e insustentável.

Depois que o projeto é aprovado, a mineradora constrói a barragem pelo menor preço. E contrata quem vai cobrar mais barato.”

Julio Grillo, ex-Superintendente do Ibama

Durante a construção da barragem, não há um órgão capaz de fiscalizar o processo e de garantir a priorização da segurança ao invés do lucro. Se o processo de licenciamento e de construção já é falho, depois de construídas, as formas de fiscalização também não dão conta de garantir a segurança da estrutura.

Quem fiscaliza as barragens de mineração?

As mineradoras contratam uma empresa terceirizada para efetuar o trabalho de auditoria, que consiste na elaboração de um laudo que assegura ou não a estabilidade da barragem, ou seja, garante que ela não apresenta risco para as comunidades ao seu entorno. Porém, há um conflito de interesses quando o laudo mais importante para a segurança da população é elaborado - e encomendado - pela própria empresa.

“Primeiro, a própria mineradora é quem deve garantir a estabilidade de suas estruturas por meio de uma auditoria interna com os seus técnicos. Segundo, pela lei, além de fazer sua própria fiscalização, as empresas são obrigadas a contratar um auditor externo a cada seis meses. Tecnicamente, a auditoria externa seria independente, mas a opinião desse auditor não é tão imparcial, já que a própria empresa contrata e faz os pagamentos. Existe uma influência corporativa grande em cima dessa auditoria externa.”

Charles Murta, Geólogo da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (Compdec) de Ouro Preto

“É o mesmo problema da EIA-RIMA. Se a empresa não dá o laudo que a mineradora quer, ela troca de empresa, é simples assim. Com isso, ela sempre vai ter uma avaliação positiva. Brumadinho deixou isso extremamente claro.”

Julio Grillo, ex-Superintendente do Ibama

“A empresa deve detectar algum problema que possa comprometer a estrutura da sua barragem e, pela lei, é obrigada a informar isso à Agência Nacional de Mineração (ANM). Essa informação é passada por meio da plataforma digital do Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração, o SIGBM.”

Charles Murta, Geólogo da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (Compdec) de Ouro Preto

Depois de Fundão

“O SIGBM começou em 2017, depois de Fundão, porque nós verificamos que teríamos de repensar o modelo de segurança. Até o rompimento de novembro de 2015, nós fazíamos inspeções anuais. O sistema nos apresenta por ordem [ranqueamento] quais são as barragens mais perigosas, olhamos e, a partir disso, mandamos nossa equipe a campo. Como temos poucos funcionários - somos em torno de 34 para quase 800 barragens de mineração -, baseamos nossas visitas pelo ranqueamento no SIGBM.”

Paulo Santana, Ouvidor da Agência Nacional de Mineração (ANM)

“A ANM vai até a barragem para ver se a Lei nº 12.334, de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), está sendo cumprida. A Defesa Civil, assim como a ANM, não fiscaliza a estabilidade das barragens. Nós, defensores civis, atuamos no preparo, proteção e defesa da população por meio de ações de conscientização e emergência.”

Charles Murta, Geólogo da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (Compdec) de Ouro Preto

“Esse processo precisa ser completamente alterado, não pode continuar como está. Todas as barragens de rejeitos, que são por volta de 300, devem ser descomissionadas porque todas representam risco. O risco não está apenas naquelas com alteamento a montante, essas possuem risco maior, mas todas têm de ser descomissionadas. Ao meu ver, isso deve ser feito do maior potencial de dano para o menor.”

Julio Grillo, ex-Superintendente do Ibama

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