Bebop 01 2015

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Jornal narrativo

ed. 01/2015

Humildade, disciplina sem neurose e sem ca么

MC Catra

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quem experimentou Professor orientador e Planejamento Visual Anderson A. Costa Editora da edição 01/2015 Isabela Lessak Narradores e diagramadores Naiara Persegona Caio Budel Isabela Lessak Nádia Moccelin Priscila Schran O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma B do 4º ano do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A finalidade deste material é informativa, educacional e cultural, sendo expressamente proibida a comercialização. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). Contato: jornalbebop@gmail.com Tiragem: 300 exemplares

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“Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira eletrônica)”. (DELEUZE, G.)


Disciplina para e

ser

seguir

A vida humana tem, desde seu inicio, um caminho disciplinar a seguir. Começamos na família, onde temos regras, crenças e modos de viver. Passamos para a escola, lugar de socialização e disciplina antes mesmo que o horário escolar inicie. Depois, os homens seguem para o quartel e as mulheres são incentivadas a cozinhar, lavar e passar: disciplina para viver e para ser. Depois, há quem siga a profissão independente onde as regras são as próprias regras sociais, e há também, quem seja vinculado as regras empresariais. A disciplina para ser e seguir cerca nos a tanto tempo que não somos mais vítimas, mas parte dela. Nos encaixamos, ou nos encaixam, em espaços que não são de nosso agrado, somos rotulados por coisas que, muitas vezes, não sabemos o porque estamos no meio do bolo. É como se pegassem uma peça redonda e quisessem encaixar em um espaço quadrado, a disciplina como está hoje faz nos assim. Tal cenário incentivou a edição do nosso primeiro jornal laboratório, com o tema disciplina. Nosso jornal está organizado de maneira que você comece sua leitura nos mais altos e rígidos pontos disciplinares e passe por alguns que nem imagina que exista, até encontrar uma tal liberdade, leiase idealista, nas artes e nas expressões. Boa leitura!

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FOTO: MÁRCIO NEI DOS SANTOS / UNICENTRO

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O voto democrático, a igualdade de gêneros, as novas composições familiares, a liberdade de expressão e de imprensa, foram conquistas que acabaram por transformar as regras, as normas e a disciplina de poder que se apresentava nas escolas, nas universidades, nas famílias, na igreja, na política, no

plinares e/ou de controle perante a sociedade? Falar em poder disciplinador em uma realidade que se mostra cada vez mais fragmentada parece bastante contraditório. Problemas no setor educacional, sistema prisional ineficiente, crença no regime político em baixa e outras mazelas nas instituições

Quem narra: Nádia Moccelin

O clássico poder disciplinar

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Em uma sociedade dita moderna, as instituições tradicionais ainda doutrinam nossas ações?

sistema prisional, nos meios de comunicação e nos modos de relações em geral. Mas será que atualmente, tais segmentos doutrinadores ainda apresentam forças disci-

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Regras, normas e disciplina. Há quem diga que esta é a premissa fundamental para qualquer meio de relação em sociedade. Como uma espécie de norte, tais normas guiam as ações individuais, em prol de um objetivo ou interesse em comum, entre os envolvidos. A própria história nos remete a grande adesão e execução de comportamentos disciplinares em diversas instâncias, que doutrinaram determinada classe durante algum período. Sobre isso, sabe-se também que em outras épocas, era bastante rígida e muito intimidadora perante suas exigências e premissas. Com o passar dos anos, diversos movimentos sociais advindos das artes, da literatura e do cinema incitaram e disseminaram ideais de liberdade, que minimizaram o poder de controle e de ordem sobre as classes imersas em grupos ou instituições.

tradicionais enfraquecem nossa visão de um poder disciplinar efetivo ou dominante como havia em épocas passadas. Todavia, não é preciso ir longe para encontrar, ainda em uma escala sig-

nificativa, o poder e as instituições que exercem controle. Quando se fala em disciplina, centros educacionais sempre entrarão em pauta. E com razão, já que o ambiente é disciplinar por excelência em diversos âmbitos. Para quem vive na universidade e faz parte dela, essa disciplina que ainda resiste nos meios de ensino é bastante notável. Cláudio Andrade, doutor em História e Sociedade e professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), apresenta uma referência que considera fundamental para explicar a disciplina no meio acadêmico. “Impossível responder este questionamento sem fazer menção ao pensamento de Michel Foucault e seus herdeiros sobre o processo disciplinar existente em nosso meio universitário, onde o foco maior

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A imagem ao lado trata da cena principal do filme norte-americano de 2006, Flags of our Fathers, dirigido por Clint Eastwood. A produção cinematográfica, trata do antimilitarismo, fazendo referência ao rigor e a disciplina imposta no sistema militar e nos campos de guerra.

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ainda está em reproduzir saberes, sobretudo aqueles que são considerados legítimos, clássicos, referenciais e sagrados. A organização disciplinar nas instituições de ensino superior, e aqui não é exceção, está em aceitar os discursos instituídos como verdades inquestionáveis”. Tal sistema empregado burocraticamente impõe uma disciplina sobre o pensar. “Ao exigir que as cate-

gorias dos servidores, acadêmicos e professores ‘produzam’ a qualquer preço, direta ou indiretamente, está governando a todos nós de forma autocrática. A própria disciplina escolar é um discurso forte de controle, presa em esquematismos rígidos e aos discursos consagrados”. Ainda de acordo com o professor, de uma forma mais prática, essa disciplina está presente de diversas maneiras. “Em um primeiro olhar pode parecer que este aprisionamento se dê em regulamentos, normas e formalidades, mas com certeza, há evidências de um controle

FOTO: FLAGS OF OUR FATHERS/ DIVULGAÇÃO


‘informal’, simbólico que faz com que ‘livremente’, sem correntes, nos sintamos atraídos ou cooptados por uma força cultural invisível que envolve nosso imaginário e nossa concepção de mundo. É preciso considerar as ementas, as grades, a departamentalização, a fragmentação, o distanciamento das áreas, as diretrizes, a obsessão pela ideia da profissionalização , os movimentos em favor de uma determinada ordem que nos sujeita e nos determina. A submissão aos hábitos de pensamentos e formas mentais que herdamos é manifestado através de métodos avaliativos e modelos importados de outros contextos sócio -econômicos”. Mas além dessa disciplina sistematizada, outras normas informais também se fazem presentes no meio universitário. Para a professora

doutora do departamento de História da Unicentro, Rosemeri Moreira, ela pode ser notada em elementos simples. “A maneira correta de vestir, por exemplo, tem espaços que tem que ter tal cabelo, tal vestuário. Não sei se é a universidade que exerce essa disciplina, acho que é uma sociedade, que percebe alguns espaços com certo status e dentro daquela concepção, você precisa se vestir de determinada forma. Acho que é uma questão provinciana. Nenhuma universidade é algo separado da sociedade, ela só reflete o que nós temos de uma maneira mais estrutural em termos de cultura, de economia e política. Ela reflete o próprio coronelismo, a

tradição a subserviência às autoridades”. Assim como a universidade reflete as disciplinas encontradas e institucionalizadas na sociedade, as produções audiovisuais também repetem tal cenário. O próprio cinema, quando cria um sistema de três atos em suas narrativas, estabelece um modo de se criar, narrar e dramatizar uma história. Um método de produção e narração é executado e padronizado nos filmes. Essa disciplina pode ser vista como positiva,

partindo de um ponto organizacional, mas negativa, partindo do pressuposto rigoroso, que não permite fugir do que já fora estabelecido. Além disso, é importante lembrar que tal disciplina, presente em várias instâncias cinematográficas, ganha grandes proporções na montagem, técnica responsável por balizar o olhar do espec-

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FOTO: ZÉ AFONSO/ FREEPIK

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tador. Tudo isso em um discurso de naturalidade que é falso e que esconde intenções ideológicas bastante pontuais. Em outras esferas de instituições disciplinadoras, essas normas são ainda mais extremas. No âmbito religioso, as mesmas regras que afastam algumas pessoas das suas crenças, acabam por aproximar outras. Foi o caso do estudante Matheus Henning. “Ingressei com minha família na igreja evangélica há cerca de dez anos. A partir da disciplina e valores que seguimos lá, nossas relações sociais melhoraram, nos entendemos melhor e evoluímos como pessoas”. Para Matheus, a entrada na igreja lhe abriu novas portas de relações de amizade e de conhecimento pessoal. “Nós temos grupos de jovens que ajudam nos círculos de amigos e fazemos dinâmicas que ajudam a gente a se divertir, a


conhecer nós mesmos”. Já para estudante Mônica Karpinski, o caminho foi o contrário. Aos 15 anos, ela deixou a igreja católica, e por influência de amigas, passou a frequentar a igreja evangélica presbiteriana, que prega a predestinação, partindo do pressuposto de que você é predestinado e escolhido a ser salvo por Deus. Após sua inclusão na igreja, o regime disciplinar passou a ser seguido na íntegra por ela. “A partir do momento que você entra e aceita Jesus, você precisa seguir algumas regras, algumas normas. Tem igrejas evangélicas que para você ser aceito diante de Deus, você tem que fazer algumas coisas, como naquela Assembléia, você não pode cortar o cabelo, precisa usar saia, isso é muita regra, muita disciplina, que a gente acaba seguindo por temor e por medo de Deus”. Em sua visão, na época,

as normas lhe afetaram de um modo positivo. “Um exemplo, quando eu aceitei Jesus, eu parei de ficar, beijar na boca, por que aquilo era errado. Isso foi ‘bom’, por que eu tinha quinze anos e é bom não beijar tanto na boca por que ninguém sabe o que tá fazendo, então me disciplinou nesse sentido. A obedecer pai e mãe também por que seus dias se prolongarão na Terra, então são normas que eu seguia por temor”. Depois de 3 anos, algumas dúvidas levaram Mônica a questionar as certezas que pregavam na igreja. “Eu comecei a ter outra visão das coisas quando eu fui pra uma balada e super gostei, ai eu pensei: porque eu não posso fazer isso? É tão legal me divertir! Aquele dia eu não bebi, não fiquei com nenhum menino e pensei, ‘por que não fiz isso antes?’, ‘Por que a igreja não deixa eu ir

pra balada?’”. Atualmente fora de qualquer instituição e crença religiosa, a estudante reconhece a importância do poder disciplinar da igreja durante o período que a frequentou, mas optou por não seguir mais tal disciplina, tendo em vista suas percepções de mundo. Consciente ou inconscientemente, institucionalizadas ou não, a disciplina ainda permanece presente e marcante nas relações sociais. Ao que parece, continua sendo uma premissa para as relações em sociedade, mas agora de uma nova maneira. Dentro de cada uma delas, as regras, as premissas, os limites e os controles estabelecidos, possuem aspectos positivos de convívio e de organização. Embora, atualmente, algumas extremistas e rigorosas, essas instituições clássicas ainda guiam os comportamentos humanos.

## No mundo da música, uma crítica a disciplina e ao sistema educacional está escancarada na faixa “Another Brick in the Wall” da banda inglesa Pink Floyd. Confira o vídeo:

Na literatura, o romance 1984, é uma boa obra para os interessados em leituras sobre o totalitarismo.

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Quer ajuda? Os livros de autoajuda como construção do modo viver

Quem narra: Isabela Lessak

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** O relógio marcava três horas da tarde. Ana entrou em minha sala de forma tímida, porém com um sorriso leve e descontraído no rosto. Senti que ela estava tranquila, até o momento que começamos a conversar. Ana, sentou-se de forma curvada numa cadeira a minha frente, vestia uma blusa laranja e uma saia preta, trazia os cabelos soltos e negros, negros como os pensamentos que ela teve, negros como seus olhos. Aquele era nosso primeiro encontro físico, mas já tínhamos conversado em outros momentos e ela sempre, de alguma forma, dialogou comigo. Não entendi sua disposição em conversar sobre algo que tanto lhe incomodava: a hora perigosa da tarde. Mesmo sabendo da sua superação, acreditava eu que isso ainda lhe incomodava e muito. Ana, você lê livros de autoajuda. Por quê? As coisas existem para serem explicadas, entendidas, e os livros de autoajuda eles retratam uma realidade que é do ser humano, todas as angústias, o sofrimento do ser humano, que é algo universal, então, isso vai trabalhar com a autoestima. Eu sei que na minha casa eu tenho o controle, mas fora da minha casa o mundo não funciona ordenadamente, então como reagir diante de tanta indiferença, diferença humana?. O livro de autoajuda vai mostrar as características do ser humano, eu vou me encaixar e vou saber que existem pessoas que agem de forma diferente por diversas razões e eu quero entender a minha razão, porque eu ajo dessa maneira, porque eu sou uma mãe superprotetora, pra entender quem eu sou. Eu me sinto importante dentro da minha casa, mas fora da minha casa eu sou só mais um. Então o que eu posso fazer pra sentir de outra forma, de forma diferente? O livro de autoajuda pode me mostrar o caminho. **

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Os livros de autoajuda, hoje, tem lugar certo nas prateleiras dos sebos, livrarias, nas casas, embaixo do travesseiro. Uma das literaturas mais vendidas do mundo traz consigo um modo de viver, de conviver e superar que agrada os olhos. Olhos que precisam dessa estima. A literatura não tem uma função, uma necessidade de recriar o que há, ela só existe porque há, no ser humano, de que a vida só não basta. A doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Carla Lavorati, explica que é na literatura que se busca esse algo que falta na vida do ser humano, algo que o complete. “Assim, a transfiguração da realidade - encontrada na literatura de qualidade estética e significativa - é uma das formas, juntamente com outros tipos de arte, de perceber que nem sempre o que é útil é o mais importante ou verdadeiro. Ela pode ser pensada, portanto, como o ‘reflexo’ da busca incessante de uma

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compreensão que excede os limites da razão e da lógica prática”. A palavra literatura sempre remete às estórias, aos contos ou as fábulas infantis, porém o que menos imaginamos é que os livros de autoajuda são literatura também. O termo literatura excede os limites do texto literário, aqueles os quais tem características e/ou qualidades estéticas do trabalho com a linguagem. As características da literatura de autoajuda são específicos e típicos da obra: linguagem clara, objetiva e de fácil compreensão, são fórmulas pra se viver melhor. Carla complementa dizendo que todas as características desses livros são relacionados ao modo de viver, ao sucesso financeiro, a vida afetiva ou a espiritualidade. E, todos têm reflexos no tempo histórico que se vive, onde grandes paradigmas estão ruindo, ou já desfaleceram, o que deixa a sociedade com insegurança e sem base sólida de orientação.


** No começo da entrevista Ana estava bem e calma. Eu sabia que não seria assim a conversa inteira, pois eu precisava saber da sua hora perigosa. Quando essa pergunta chegou ela mudou sua feição, postura, tom de voz, parecia que ela estava sendo atormentada, e, realmente, estava. Quem fazia isso era eu, com a minha pergunta, e Ana com os pensamentos negros como seus cabelos que lhe faziam fugir as palavras. Ana, em sua hora perigosa da tarde o que você sente? Você consegue explicar isso pra mim? É um sentimento de incapacidade, de fraqueza, de impossibilidade de fazer o que imaginava que fazia, né, tem uma palavrinha que eu quero falar mas não é incapacidade, é, nossa a gente não tem o poder, não vou lembrar a palavra que caberia aqui, que é a nossa insignificância né, diante de tudo que há no mundo, como o mundo é tudo muito bonito, mas ao mesmo tempo dá nojo. Ao mesmo tempo que é vida é morte, então essa, cadê a palavra?, incapacidade? Ai qual mesmo é a pergunta? Então é esse “eu estou aqui para fazer o que?” eu não sou nada, eu sou uma efemeridade na vida, então o que eu tenho feito? É certo? O que eu tenho deixado de fazer me prejudica? Então são os questionamentos que vem nesse momento da tarde que nos leva ao íntimo e nos faz pensar que ser humano que somos? **

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Relacionamos a hora perigosa da tarde ao momento de “esvaziamento” da mente, da rotina cotidiana, esse vazio ou solidão, provocam pensamentos ou questionamentos sobre a existência humana. Todos os seres humanos, com maior ou menor grau, passam por esses momentos. “Por isso, a leitura – seja de livros de autoajuda como de outros livros – sempre de alguma forma, irá contribuir com o repertório de possibilidades reflexivas, alguns de modo mais profundo e construtivo e outros de modo mais rasteiro e superficial”, ressalta a doutoranda. Carla completa o pensamento dizendo que, muitos críticos tem dificuldade em aceitar a autoajuda como peças fundamentais na construção emocional e intelectual do leitor. Muitos dos críticos afirmam que é por reconhecerem um movimento simplista e redutor do trabalho da linguagem, que difere do complexo e criativo das grandes obras literárias. “Lógico, que a leitura é sempre um movimento positivo – independente do gênero que se lê – mas pode se tornar mais ou menos enriquecedora pelas

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possibilidades que cada texto comporta. E nesse sentido, sem dúvida alguma, o texto com qualidades literárias reconhecidas tem maiores chances de produzir no leitor reflexões contundentes sobre a própria natureza humana, que ultrapassam os limites do tempo histórico da sua produção, projetando-se no presente sempre de modo atualizado. Por isso, se tornam clássicos. Já os livros de autoajuda, no modelo que encontramos na atualidade, é um reflexo contumaz do contexto histórico no qual estão inseridos”. No conto “Amor” de Clarice Lispector, temos como personagem Ana, uma dona de casa super atarefada com seus afazeres domésticos, altamente focada em sua família e sua rotina. Durante o conto, Ana sofre algumas perturbações, os pensamentos da “hora perigosa da tarde”. Em uma de suas idas ao supermercado, a dona de casa exemplar, depara-se com um cego mascando um chiclete em uma esquina onde seu bonde passava. É nesse episodio que a história dela muda e muda completamente.


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Se o livro fosse de sua autoria, seria como os que já existem? Eu não poderia escrever só em minha realidade na minha experiência, é necessário escrever baseando-se naquilo que é o ser humano, os sentimentos em si, então a minha realidade, o que me impactou foi um cego, uma outra pessoa pode ser a outra situação que pode impactar, então eu acho que deveria, eu escreveria da mesma forma, porque se não, não teria credibilidade pra falar de algo que é único de uma experiência minha, então teria que ser algo com efeito pra que todos leiam e se adéquem, se encaixem, os livros de autoajuda qualquer um que lê, vai se identificar porque qualquer um sente dor sente saudade, tristeza, medo, anseios. Então, tudo isso deve ser trabalhado de maneira geral, com alguns exemplos que muitas vezes a gente encontra exemplos nos livros de autoajuda, e ai o outro se identifica. Não mudaria nada.

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“O cego que movimenta sua boca automaticamente, mascando, ruminando na escuridão condensa muitos sentidos que dependendo do leitor atento pode ser dilatado para interpretações que o considerem enquanto simbologia do próprio movimento mecânico, automático que muitos indivíduos aplicam as escolhas diárias que a vida exige. Mascando às escuras, tateando de olhos fechados (a simbologia da escuridão e do tatear no escuro potencializam sentidos que podem ser ligados ao próprio modo de viver não-autêntico, que beiram ao autômato conduzido por mãos invisíveis; e que pode ser relacionada às construções culturais e modus vivendis que naturalizam nosso olhar para o mundo e para nós mesmos, mas que não passam sempre de construções)”, articula Carla. Um bom livro pode ser como o cego, que no conto foi o olhar, o entender e o sentir. Se deixar deslocar do que é comum.

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** Ana, a sua experiência seria um bom exemplo para as outras pessoas? Seria, porque eu me fechei em mim mesma, e esse em mim mesma está representado pela minha família e a vida só se resumia a minha casa, ao meu lar. E a vida não é só isso, é o que está dentro e fora de casa. Então é importante, porque ai é uma história que evidencia um egocentrismo. Eu estava só preocupada com os meus e a minha volta há pessoas que dependem muito mais de mim do que os próprios filhos e o marido. **

Essa matéria foi escrita com a colaboração da professora do departamento de Letras da UNICENTRO, graduada em Letras pela UEL, mestre em Linguística, pela UNESP(Assis), Sandra Mendes.

Leia o conto ‘Amor’ da Clarice Lispector

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Muros falantes Quem narra e fotografa: Naiara Persegona

“Uma é controlada, a outra não. Qual o controle que se tem sobre a arte de um e outro? Será que a puBlicidade que está no espaço urbano não é mais nociva a sociedade ou ao imaginário ou a visualidade que uma pichação? Na filosofia da linguagem eu to preocupado com a sociabilidade do homem em termos de ocupação do espaço urbano e das marcas que ele deposita nesse espaço urbano. Quais são as narrativas que existem nesse espaço urbano? O espaço urbano tem narrativas que são contraditórias”. (Francismar Formentão)

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ve la m, at ravé s de su as Pic ha çõ es e gr af ite s re in satis fa çã o iva s de tr an sg re ss ão e at rr na , es ad rid la e/ icu pa rt na m co mo ar ma po lít ica io nc fu s na ba ur s ica so cia l. As pr át -di a er a di sc ipl in a do di a-a ou ar tís tic a de co mb at

Para os observadores que andam pelas ruas da cidade, algo em especial chama atenção: as manifestações visuais estéti cas. Estamos rodeados por me nsagens. Consumimos doses diárias de imagem. E essas imagens não se restringem apen as a propagandas e fotografias. O espaço urbano é usado com o

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suporte para disseminar a imagem durante um tempo indeterminado, como as pichações e grafites, que fazem parte dos percursos de cada indivíduo dentro da cidade. Estas “marcas” sociais passam a fazer parte do espaço visual urbano. Pichação e grafite parecem ocupar espaços diferentes no imaginário social. Um é belo e

o outro é feio, um preenche e o outro agride, um é um grito social e outro é uma intervenção cultural. Porém, até que ponto esses conceitos ainda funcionam e se articulam? As duas formas de intervenção urbana se relacionam de alguma forma? O final dos anos 60 marcou o início do grafite e da pichação como arte de rua. Muros, prédios e edifícios foram ocupados


tanto, existe re ões diversas almente a difecom manifestaç a. rença entre pich públic ão eç oj pr de ação e grafite? a em busc ício a in Co r nf da or ra m pa e e nt D esirée Melo, Foi o suficie docente do Dep pressão visual ex de ar a tamento de rm fo a um Arte e Educação anos depois 45 e qu a, da iv at Universialtern dade Estadual feiçoando e fado Centro-Oescontinua se aper te (Unicentro) espaço urbano. e especialista zendo parte do as em s Comunicação Vi pessoa as , te en m sual, pichaal er G ção e grafite sã ao vandalisão aç ch o pi ar a tes derivasociam das. “Atualmen grafite é visto te o grafite se mo, enquanto o apresenta de representa o forma bastancomo arte. Um as te abrangente. s palavr A . lo be o o tr Há inúmeras ou feio e o amente variações derivad ne ta an st in as das piimpactam ssar uma men- chações (representação pa de to fa lo pe de desenho deixa signos verbais e assinatu sagem direta. O ra s) strato. Entreespaço para o ab

ao grafite pictórico (representações de signos não verbais por meio de pinturas que se aproximam ao muralismo), culminando nos “grapixos” (representação de signos que misturam a linguagem verbal e não verbal, como os desenhos de letras elaboradas)”. O professor Francismar Formentão do Departamento de Comunicação Social da Unicentro e doutor em Comunicação e Cultura, apresenta uma suposição a respeito das linguagem urbana em evidên-

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cia. “Será que o grafite não é uma forma de do mesticação da pichação? Aí é um problema sério. Não é uma forma de tornar a pichação qu e é essa coisa agressiva, subver siva, problematizadora, em al go controlável, dócil? Será qu e não é uma forma de tirar a voz dos marginalizados? O es paço urbano é muito preconce ituoso e segmentado, altamen te dividido em classes. A ár ea central é limpa, bonita, cons ervada, policiada. Quando vo cê vê uma pichação no cent ro, o que é aquilo? É uma m arca, é uma

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ência, invasão, é uma resist ato um uma transgressão. É sério”. político, extremamente posiConcordando com a su soes of pr ção do Francismar, a a um e ra Desirée comenta sobr o Paulo ação do governo de Sã dores. ha pic em relação aos gover“Há preocupação dos z dos nantes em silenciar a vo am fra‘pichadores’ que utiliz denunses impactantes para seus ciarem os problemas de alguns contextos. Conheço que, ulo Pa programas em São acid a na intenção de ‘limpar cursos de’, oferecem espaços e

de pintura para a realização e valorização do grafite pictórico e diminuição e repreensão na produção de pichações”. A disputa pelo espaço público é consequência do contexto econômico e político que a sociedade está inserida. Vemos os muros falando através de frases e imagens que fazem alusão a polícia, a política, ao amor, etc. São gritos de insatisfação. A invasão que essas intervenções artísticas fazem nas ruas é uma forma de expressão alternativa que dá oportunidade de comu-


les que se nicação para àque sociedade. sentem sem voz na her dos Aaron Chrystop a fazer grafiSantos começou ele, o grafite há 15 anos. Para da pichação, te surgiu a partir r considerae ambos podem se te carrega a dos arte. “O grafi ade. Grafite essência da ilegalid sem autode verdade é feito e às vezes rização. Lógico qu so a um lufica difícil ter aces zer e acabar gar legal para fa autorização. conseguindo uma a força, A pichação tem um s do que chaeu creio que, mai

mar a atenção, ela representa a voz de pessoas que querem mostrar a sua revolta e a sua opinião”. O grafiteiro fala também sobre suas preferências na forma de se expressar através dos muros: “nós podemos levar qualquer manifesto, tanto político, social ou cultural. O que mais gosto de fazer são letras!!! Geralmente o meu nome!!! Gosto de deixar a minha marca, para que alguém passe, olhe e pense: ‘nossa, até por aqui ele passou’.”

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Indicações: Documentário: ‘Exit through the gift shop’ Documentário: ‘Pixo’ Música: ‘Diário de um detento’

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Com as mudanças nas referências das relações humanas, como a legislação brasileira tem se adequado para tornar o amor legal? Ou para legalizar o amor?

O Amor é a Lei Quem narra: Priscila Schran

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“Está fazendo 5 meses que sou pai de três adoráveis meninas, Luzia, Luciara e Luciane. Elas vieram de uma família muito simples e complicada e eu o Fer estamos apresentando um novo mundo à elas, dando muito amor, carinho e coisas das quais elas não tinham acesso. Gosto muito de cozinhar e principalmente fazer doces e sempre tenho de cia [companhia] o olhar atento e curioso das minhas três meninas e sempre tem alguma guloseima da qual elas nunca experimentaram, e ontem foi a vez do rocambole! Até fazer a massa, parecia apenas um bolo simples... que fininho!! disse a Luzia depois que tirei a massa do forno. E eu continuei com o trabalho desenformando, recheando e enrolando a massa que depois cortei em fatias. A minha surpresa foi quando a Luciara , admirada com as fatias em forma de caracóis falou: Nossa pai!! Você é um herói! E agora quero fazer rocambole todos os dias...”

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Éder Ramos e Fernando Monteiro vivem uma união homoafetiva há dez anos e há dois anos são pais de três meninas, Luciane Ramos Monteiro, de quatro anos, Luciara Ramos Monteiro, de seis, e Luzia Ramos Monteiro, de dez anos. A família deles representa um novo modelo de relação humana que se uniu pelo amor do casal e transcendeu pelo amor às filhas adotivas. Devido à particularidade da relação deles, foi necessária uma permissão judicial para que o amor do casal e de pais das meninas se tornasse legal perante a sociedade, já que para eles, o afeto é natural e não precisa de um comprovante de papel. Fernando conta que no início da relação deles não havia possibilidade legal de fazer a união estável no cartório e por isso entraram com um processo judicial para regularizar a situação. “Não tinha união estável

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Depois de legalizada a relação do casal, surgiu a vontade de ampliar a família.

para casal homoafetivo. Pegamos uma advogada para fazer a nossa união. Dois dias depois de ganharmos a causa, a união estável foi liberada para todo o Brasil”. Para ele o documento da união estável é uma garantia de direitos civis. “O papel faz diferença na questão do amparo. A gente compartilha tudo. Se um de nós ‘faltasse’ os bens ficariam com a família e não seria justo porque construímos tudo junto. Até questão de plano de saúde, não havia a possibilidade de incluir dependente cônjuge homoafetivo no sistema. Como eles sabiam que tínhamos esse direito na lei, eles adequaram”. Depois de legalizada a relação do casal, surgiu a vontade de ampliar a família. Eles decidiram adotar as crianças porque querem ter uma família grande, cheia de netos. “Uma casa com aconchego é uma casa com muitas pessoas, por isso não queríamos apenas um filho”.


O processo de adoção foi mais rápido do que eles imaginavam. Em menos de seis meses eles já tinham visitado três instituições de abrigo de Guarapuava e região e já se encantaram com as três irmãs. “Em uma das visitas no Candói nos encantamos com as menininhas! Foi amor à primeira vista”. Segundo Éder, não houve resistência nenhuma da assistência social e do fórum para orientar a adoção por eles serem homossexuais. “Todo processo se deu de forma muito natural”. O período de adaptação do casal com as crianças durou quatro meses. Esse é o processo pré-adoção. Eles ficavam com elas durante os fins de semana para passear e se conhecerem melhor. “A gente não fala que vai adotar ‘- Vocês vão passar o fim de semana com o Tio Éder e o Tio Fer’, então a gente começou a perguntar o que elas achavam de ir morar com a gente. Com o passar do tempo elas já não queriam mais voltar para o abrigo, quando chegava a hora de deixar elas no abrigo elas choravam e pediam para que a gente falasse com a juíza para elas ficarem na nossa casa. A Luciane, de três anos, se agarrava no carrinho e chorava”. Já completa quase dois anos que a família do Éder e do Fernando não é mais composta apenas de duas pessoas e sim de cinco. A adoção permitiu ao casal uma nova experiência de amor, o amor de pai, o amor doação. “Elas estão prontas para receber muito amor, mas não estão prontas para dar esse mesmo amor. No começo a gente sofreu bastante por dar e não receber. Elas nunca tiveram uma referência de amor, então elas não tinham como retribuir. Agora elas

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retribuem”. Nos primeiros meses, a família foi acompanhada por um psicólogo para ajudá-los na adaptação da adoção, pois as crianças não tinham a experiência de viver em família. Em pouco tempo eles foram liberados do acompanhamento psicológico porque o amor entre os pais e as filhas transcendeu qualquer diferença, baliza legal ou reconhecimento da sociedade. Hoje o amor se manifesta em tudo, em especial nas pequenas coisas como na frase da pequena Luciara: “Pai, você é um herói” por fazer um simples rocambole, mas isso representa muito mais! Éder e Fernando são os heróis dessas lindas meninas que hoje tem um lar caloroso e cheio de carinho. Mesmo que a nossa sociedade imponha o reconhecimento legal do amor, ou alguns ainda queiram negar o direito de amar aos homossexuais, essa experiência demonstra que o amor é a lei e isso basta. A adoção das crianças mudou a rotina do casal. Agora eles vivem para elas. E principalmente mudou a vidas das meninas, que deixaram o orfanato e hoje tem um mundo novo, amor, atenção, acolhida: uma família. Talvez seja uma família diferente dos padrões, mas nela o amor se dá com heroísmo, de forma simples e natural.

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Com a palavra, a advogada Dinari Estrela. Conheça a legislação e o procedimento para realizar a adoção

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Não existe até o momento legislação própria referente à adoção por casais homoafetivos, mas por analogia É garantindo os princÍpioS constitucionais , é permitidA a adoção. Não há lei que fale literalmente que casais homoafetivos podem adotar. Se for interpretado que são pessoas capazes de serem postulantes da adoção independentemente da orientação sexual, o processo é o mesmo. Ninguém vai deixar de adotar porque é separado, viúvo, solteiro, homossexual, basta habilitar-se, como qualquer outro postulante, e passar pelos mesmos crivos. O dinamismo que envolve o Direito fez com que o Supremo tribunal federal, em processo da relatoria da ministra Carmen Lúcia, decidisse favoravelmente à adoção de crianças por casal homoafetivo. Para tanto, reconheceu a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, nos moldes da decisão da ADI 4277/ADPF 132, que teve como relator o então ministro Ayres Britto, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar. Em consequência, caiu por terra a definição restrita de família, como sendo o núcleo compreendido na união do homem e da mulher. Com a decisão, que quebrou um paradigma que se norteava como um dogma no direito pátrio, deixa de existir qualquer diferença entre os casais heteroafetivos e pares homoafetivos, possibilitando a igualdade de condições para pleitear adoção de crianças e ou adolescentes. Outra barreira quebrada veio em 2009, quando o Conselho Nacional de Justiça mudou o padrão da certidão de nascimento do tradicional “pai e mãe” para o termo “filiação”, abrindo ­caminho para o registro de crianças por casais do mesmo sexo e garantindo à criança todos os direitos sucessórios e patrimoniais, inclusive em caso de separação ou morte de um deles. Os interessados em adotar devem procurar o SAI –Serviço Auxiliar da Infância, diretamente no fórum, onde vão receber as orientações.


Apoie a ideia: Tenho dois Papais

Assista o vídeo: Amor não tem rótulos

Conheça os direitos homoafetivos:

Ouça a música: A lei (Raul Seixas)

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Você pode correr, mas não pode se esconder Quem narra: Caio Budel

Grandes empresas, como o Google, se especializam cada vez mais em rastrear e manipular dados de usuários. Como lidar com a linha tênue entre controle e personalização de navegação na internet?

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Tempos atrás quis comprar um tênis. Como de praxe, fiz uma pesquisa rápida na internet para encontrar um produto que me agradasse. No fim das contas, acabei desistindo da compra, mas o tênis passou a correr atrás de mim. Como se estivesse lendo o meu desejo preso no subconsciente, todos os sites que entrei após a minha primeira pesquisa passaram a mostrar tênis – de todos os tipos – nas propagandas. Até mesmo sites que não eram relacionados com vendas me mostravam os benditos tênis, não me deixando esquecer que, em um dado momento, eu já quis comprá-los. Este tipo de comportamento em ambientes online, que praticamente te forçam a comprar determinado produto, são mais comuns do que se parece atualmente. Exemplo de uma ferramenta muito utilizada por internautas hoje em dia e que pode te manipular ou “roubar” suas informações é o sistema de nuvem Google Drive. Em seu termo unificado de serviço, o Google prevê, entre outras coisas, que a companhia pode reproduzir, modificar, exibir, distribuir e criar com base em obras derivadas de usuários. Em termos simples: seus arquivos no Google Drive não são tão seus assim. Para o chefe executivo de uma empresa de desenvolvimento online de Irati, André Gualhanone, o rastreamento de informações neste meio pode ser visto de duas formas. “Se por um lado pode ser fortemente questionado com relação a questões de privacidade, por outro lado pode ser bastante útil proporcionando uma experiência mais personalizada na internet, oferecendo itens mais relevantes e literalmente mais próximos do usuário. Além disso, pode poupar trabalho evitando por exemplo, que você tenha que se logar em determinado serviço toda vez que abre seu navegador web”. Apesar de seus pontos positivos e negativos, no Brasil, ainda não é muito evidente para os internautas que suas informações pessoais podem estar sendo armazenadas para, por exemplo, serem induzidos a comprar determinada mercadoria. “Normalmente é especificado para o usuário que seus dados são coletados/ monitorados em um determinado serviço. Mas a forma com que isso é feito não é eficiente, e muitas vezes conflita com os interesses da empresa fornecedora de ser-

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Foto: arquivo pessoal

viço. A comunidade europeia há algum tempo estabeleceu que os sites devem apresentar para o usuário um disclaimer, em formato de barra horizontal fixa, sobre a utilização de cookies de monitoramento do usuário. Ele pode ser visto a primeira vez que você visita websites como Telegraph, por exemplo. Para facilitar a compreensão de usuário, que não lê termos de uso de serviços, eu gosto muito de uma abordagem semelhante ao Creative Commons, que sumariza um esquema complexo de licenciamento de conteúdo em tópicos sucintos e com representação visual para o usuário de fácil compreensão”.

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Outra ferramenta muito utilizada atualmente e que também tem controle dos dados de usuários é o Facebook. Em entrevista ao periódico norte-americano Daily Mail, a empresa já admitiu que retém dados dos internautas que participam da rede social através do seu aplicativo para mobile. Porém, a companhia pede permissão, em seu termo de serviço, para ler informações pessoais do usuário. Para Gualhanone, hoje as empresas podem se apropriar destas informações e vendê-las posteriormente para grandes companhias visando facilitar o acesso a um possível cliente em potencial.


Exclusivamente sobre o Facebook, apenas em sistemas operacionais Android, o aplicativo da companhia já foi baixado mais de 100 milhões de vezes por usuários de todo o mundo. Isso significa que, minimamente, 100 milhões de pessoas cedem acesso à companhia – muitas vezes sem saber - para que visionários leiam suas mensagens de texto e tenham acesso a informações mantidas nos cartões de memória dos celulares.

Conheça sites especializados em rastrear dados antigos de usuários em ambientes online

“Existe até um termo específico em ações de marketing digital chamado ‘cost per lead (CPL)’ que nada mais é que o valor unitário pago para uma indicação de potencial cliente. Aliás, essa é uma prática que acontecia em tempos analógicos com as empresas de cartão de crédito minando potenciais clientes para envio de mala direta pelo correio. Na internet a prática ganhou escala e automação”, conclui Gualhanone.

https://pipl.com/ http://www.spokeo.com/ Para ler as Políticas de Privacidade do Google Drive, use o QR code

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A arte de pintar com

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O dia em que William Burroughs visitou a PolĂ­cia Militar de Guarapuava imagens: anderson costa e priscila SCHRAN

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Onze latas mortas

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William S. Burroughs (1914-1997) foi controverso. Dizem por aí que foi um drogado que matou a esposa acidentalmente com um tiro na cabeça. Reza a lenda que, ao tentarem reproduzir a famosa cena de Guilherme Tell, Burroughs e a esposa Joan substituíram a maçã e a besta (derivado do arco e flecha) por um copo de whisky e uma carabina. Burroughs, infelizmente, não tinha a mesma pontaria que a do lendário personagem suíço do século XIV. Mas há muito para além da lenda. Burroughs também foi um dos mais importantes escritores da geração contracultural beatnik, isso nos idos de 1950 e em meio à ácida década de 1960, cuja herança é ainda compartilhada por novos leitores e escritores. Na literatura, Bill, como também é conhecido, experimentou profundamente uma escrita radical calcada na montagem surrealista do cut-up, técnica que trabalha com a colagem de textos diversos. E na arte plástica trabalhou na descontrução dos maneirismos de produção com as chamadas shotgun paintings, técnica de pintura com espingarda (não é só um argumento para dar uns tiros). Uns dos objetivos era colocar em cheque as tradicionais técnicas de pintura. Romper com esse aspecto tradicional era reposicionar a produção artística, com a mesma intensidade que Jackson Pollock com as action paintings, ou mesmo John Cage na música. Afinal, uma técnica clássica é uma norma; norma é lei; e lei, em algum nível, é sempre opressora. Logo, romper com a norma é atingir algum grau de liberdade. Por isso, decidimos reproduzir a ‘técnica’. Em um intencional grau de ironia, unimos essa indisciplina artística com a disciplina da força policial. Agradecemos ao Comandante do 16º Batalhão da Polícia Militar de Guarapuava, o Tenente-coronel Edson Solak, e também todo o apoio e suporte do Major Joas Lins que, juntamente com seus policiais, nos ajudaram a reproduzir a técnica de Burroughs no estande de tiro do Batalhão em Guarapuava. No estande, foram disparados tiros do calibre doze em onze latas de tinta colorida em spray, dispostas em frente a quatro pequenas chapas de compensado (aliás, fica aqui também nosso agradecimento à Repinho Reflorestadora, Madeiras e Compensados pela doação dessas peças que nos serviram de suporte às pinturas). O processo e o resultado é esse que você confere nas fotos e que agradou tanto ao Bebop quanto aos policiais que participaram da atividade (aliás, comentaram da possibilidade de reproduzir o experimento novamente em exercícios futuros do Batalhão). Esperamos que agrade a você também, caro leitor, a quem deixamos ainda a responsabilidade da leitura das entrelinhas. Essas obras, além de ilustrar as próximas páginas, serão expostas na Unicentro e em seguida serão ‘repartidas’ entre universidade, professor, alunos e, claro, uma delas ocupará uma das paredes do Batalhão da PM em Guarapuava! O quão legal é isso?! Acreditamos que Burroughs aprovaria.

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Shotgun Paintings por Bebop

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"Bem, naturalmente palavras são ordens, são comandos. Elas foram moralidades, normas de conduta, isso é meio evidente. As palavras e a linguagem são o que mantém, de certa forma, uma sociedade civil unida, mantém as pessoas trabalhando, as coloca “na linha” (William Burroughs, em entrevista ao poeta, compositor e tradutor Rodrigo Garcia Lopes, em 1996, p. 80 e 81).

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