Bebop Cinco 2014

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MILLÔR

“O desespero eu aguento. Jornal narrativo

O que me apavora é essa

esperança”.

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Imagem: Karin Mila Detlinger

quem experimentou Professor orientador: Anderson A. Costa Editora da edição: Karin Milla Detlinger Narradores: Elis de Oliveira Jean Patrik Jéssica Lange Jasmine Horst Kamila Dussanoski Karin Milla Detlinger

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O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma B do 4º ano do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A finalidade deste material é informativa, educacional e cultural, sendo expressamente proibida a comercialização. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). Ilustração da capa: Jéssica Lange Contato: jornalbebop@gmail.com Tiragem: 350 exemplares


u é C

Festival Literário no

Como editora desta edição do Bebop fui convidada a escrever algumas palavras sobre três referências culturais do meio literário que a pouco nos deixaram. Em menos de sete dias do mês de julho o Brasil lamentou a perda de João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna. Somando formações e atuações, temos três mestres que eram vários: dramaturgos, escritores, poetas, romancistas, ensaístas, roteiristas, jornalistas, professores, educadores, teólogos ou psicanalistas. Certamente deixam um vazio intelectual enorme em nossa sociedade. Suassuna, com imensa capacidade de entender a alma nordestina, deixou aos brasileiros obras que apresentam a riqueza cultural do sertão. O Alto da Compadecida, indiscutivelmente, foi um dos livros mais conhecidos deste autor, sendo mais tarde adaptado para a televisão e cinema. Na telona, incorporando elementos de outras obras do mesmo autor, como O Santo e a Porca e Torturas de um Coração, Guel Arraes dirigiu um dos filmes brasileiros de maior audiência. Já entre os sucessos de João Ubaldo Ribeiro vale destacar Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto e Viva o Povo Brasileiro. Com bom humor e uma pitada de sarcasmo, Ubaldo inventa Brasis, colocando elementos éticos e políticos em seus trabalhos deixando assim o seu recado. Para muitos críticos este era o “porta voz” do Brasil. Por último, mas não menos importante, Rubem Alves. Ele tinha em suas veias a paixão pela educação, transmitindo como poucos a essência do saber. Por muitos é considerado personalidade nos estudos voltados para a teologia, sendo Alves fundador da teologia da libertação. As obras destas três feras da literatura foram reconhecidas pelo povo brasileiro, que as sambou na passarela cantando seus enredos. Aos mestres nosso reconhecimento. Sua partida enluta todos aqueles que souberam aprender com seus legados. Ribeiro, Alves e Suassuna deixam uma grande lacuna na cultura literária, política, espiritual e popular do Brasil.

CARO LEITOR POR KARIN MILLA DETLINGER

Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses

Rubem Alves

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Senhor Willer o motorista!

Do desenho animado ao trAnsito (nada) animado da vida real QUEM NARRA E DIAGRAMA: JEAN PATRIK

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“O automóvel nas mãos de um homem comum já está beirando as margens da extinção. Na verdade, o homem comum é uma pessoa estranha e de hábitos peculiares. Peguemos o senhor Walker como exemplo. O senhor Walker mora num bairro tranquilo de pessoas descentes, ele é o típico homem comum. Considerado um bom cidadão e de inteligência razoável. Um homem gentil, amável, pontual e honesto. O senhor Walker não machucaria uma mosca, tão pouco uma formiga, ele acredita em ‘viva e deixe viver’.

O senhor Walker possui um automóvel, e se considera um bom motorista. Mas quando ele pega no volante, acontece um fenômeno estranho. O senhor Walker se deixa levar pela forte sensação de poder, sua personalidade muda completamente e, de repente, ele se transforma em um monstro incontrolável, um motorista diabólico. O senhor Walker agora é o senhor Willer, o motorista”.

Assim diz o narrador do desenho da Walt Disney, que tem por personagem principal o Pateta, aquele cão da turma do Mickey, conhecido por seu jeito atrapalhado e engraçado. O desenho animado retrata a história do senhor Walker, um cidadão normal, mas que se transforma ao entrar em seu carro. Alí ele tor-

tina das ruas das grande cidades, mas somente das grande cidades? Não mais! Guarapuava é considerada uma cidade pequena, comparada às grande metrópoles, entretanto, seu trânsito também possui problemas. Isso não é exclusividade do personagem antropomórfico, o trânsito tem feito muitos outros senhores Willer por aí.

na-se o senhor Willer, agressivo e intolerante. Willer se acha o dono da rua, facilmente se estressa nos cruzamentos, não aguenta esperar 30 segundos no semáforo, briga por uma vaga para estacionar e, por fim, acaba se envolvendo em uma acidente. O enredo parece refletir a ro-

Carlos Vinicius Sbardelotto (foto ao lado) concorda que muitas pessoas se estressam ao entrar no automóvel, apesar de não admitir que isso ocorra com ele. “Eu só fico alterado quando cometem infrações na minha frente, mas eu não xingo e nem faço gestos obscenos, só dou uma buzinadinha, acho que é uma forma de dizer que a pessoa

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está fazendo coisa errada”. Existe ainda muita irresponsabilidade por parte dos motoristas, mas atribui os acidentes à má sinalização e à falta de fiscalização. “Nunca me envolvi em acidentes, mas perto de casa um dia eu tive que atender uma ‘acidentada’. Era início da noite e o motorista atravessou a preferencial e acabou batendo em outro automóvel que passava, estava escuro e não tinha nenhum tipo de sinalização adequada para a noite, deveria existir mais placas com visibilidade noturna”. Carlos não acha o trânsito de Guarapuava pior que de outros lugares. “É assim em todas os lugares, em todas as cidades

os motociclistas estão envolvidos em acidentes, ele ficam fazendo ziguezague entre os carros e são responsáveis pela maioria dos acidentes”. Para ele, os senhores Willer só irão se controlar quando começarem a fiscalizar de forma mais intensa. “O que realmente falta é maior fiscalização. E tem outra coisa, se não doer no bolso não adianta as criancinhas

Rodrigo decidiu comprar um carro depois de ser envolvido em um acidente. Ele conta que seguia na via esquerda realizando uma ultrapassagem e quando menos esperava, a motorista do carro, que estava na pista da direita, atravessou em sua frente, sem dar sinal, para entrar em um cruzamento à esquerda. “Eu fiquei todo arrebentado, sen-

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tia dores por todo o corpo. Pior que no carro não fez nada, mas a moto ficou toda arrebentada. Não adianta, é como dizem, na moto você é o para-choque, o para-brisa, é tudo”. Ele bem sabe que os motociclistas também tem responsabilidade nos acidentes que acontecem. “As motos vão se enfiando no meio dos carros, querem pas-

falarem ou trazer pessoas acidentadas para assustar”. Rodrigo da Veiga Netz (foto à esquerda), 25, locutor, após quatro anos pilotando uma motocicleta, nesse ano resolveu trocá-la por um automóvel. “O trânsito aqui na cidade é cabuloso, as pessoas não respeitam os motociclistas, é simplesmente horrível”, desabafa.


sar primeiro nos cruzamentos... Na verdade, a responsabilidade é dos dois”. Ou seja, o senhor Willer também ‘pilota’ motos! É comum o pensamento de que Guarapuava não difere de outras cidades, como afirma José Alir Moreira (foto à direita), sacerdote, motorista por essas ruas há sete anos. “Eu já dirigi em várias cidades do Paraná, e não acho o trânsito daqui

ruim, o maior problema é a falta de estacionamentos”. Mesmo assim, ainda concorda que falta maior conscientização e respeito. “Eu acho que a formação e avaliação dos novos motoristas deveria ser mais rigorosa. Para se entregar uma carteira de motorista deveria existir maior educação dos motoristas, deve ser investido, acima de tudo, no respeito ao outro”.

Mas o que parece ser unânime é que todos deveriam ser mais conscientes. Enquanto os patetas do trânsito continuarem perdendo o controle ao entrarem em seus automóveis, não vai adiantar aumentar a fiscalização ou a sinalização. Por fim, após o personagem bater seu carro, o locutor do desenho da Disney conclui: “Que pena, senhor Willer! O senhor quebrou o seu brinquedo, mas que isso seja uma lição! Senhor Willer, dirija com cuidado, seja justo, pare de perturbar os outros e...”. A frase ficou no ar porque a raiva do Pateta impediu que o narrador concluísse.

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Tranรงando a

vida Quem narra e fotografa: Karin Milla Detlinger

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Os raios de sol incidem sobre seus cachinhos grisalhos e refletem no azul intenso de seus olhos. Observar aquele ancião trançando com seus dedos tortos as varas de vime é como ouvir uma melodia dos velhos tempos. Com habilidade, Adam Egles sobrepõe os gravetos para, em instantes, formar a estrela base de sua mais nova obra. O sorriso fácil em sua face emana sabedoria, herdada de seus ancestrais. Como que por encanto, os ramos rígidos come-

çam a tomar forma em movimentos tranqüilos nas mãos do artesão acompanhados de uma fala mansa e paciente de quem faz questão de explicar o processo. O ir e vir dos dedos revela aos poucos um emaranhado de vais e vens que se entrelaçam como gravetos em ninhos de pássaros na base do cesto.

O silêncio no interior do pequeno galpão começa a me incomodar. De repente ele olha para mim e diz: - os tempos eram outros. A serenidade em seu semblante desaparece. Aqueles olhos azuis agora parecem agitados em um mar de sinuosas lembranças. – Tínhamos que sair. As bombas que ameaçavam cair sobre nossas cabeças nos intimidavam a não esperar mais. Deveríamos partir sem olhar para trás. Eu ainda era um garoto. Minha mãe e minha avó seguiam rumo a Áustria junto com outras famílias da minha aldeia. Mas meu pai ficou. Não sei bem ao certo porque ficou, mas ficou.

“ Uso o Hulaker para tudo o que faço, ele me Por um momento as mãos paacompanha o ram e sua boca se cala. O velho fica absorto em seus pensamentos e diade luzinteiro olha para o feixe que surge “ por entre a porta. Do lado de fora se ouve o canto de um sabiá laranjeira. Seus pensamentos vagueiam para um tempo longínquo.

Eram meados de 1944 e deixamos para trás toda nossa existência em solo iugoslavo. Após semanas de marcha pisamos em solo austríaco. Estávamos felizes por conseguir final-

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“Quando meu pai voltou da guerra eu já dominava o ofício” “ Uso o Hulaker para tudo o que faço, ele me acompanha o dia inteiro”

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mente encontrar abrigo no castelo de Heimfeld, na Áustria. Seus olhos fixos em um ponto da tulha parecem visualizar as cenas do passado. Para sobreviver, minha avó me ensinou a trançar. - Agora ele interrompe seu raciocínio e diz. - Está vendo? Você deve passar a vara por cima de duas e voltar por trás de uma. Vá passando todas assim até chegar a primeira e recomece. Entendeu? - Quando meu pai voltou da guerra eu já dominava o ofício. Trocávamos os cestos por comida. Às vezes conseguíamos vender um ou outro, o que rendia uma peça de roupa nova ou outro mimo qualquer. Isso nos alegrava. – E novamente sua atenção se volta à arte de trançar os longos ramos. Na nossa velha pátria os cestos eram usados para tudo. Colhíamos as uvas, recolhíamos as lenhas, acomodávamos as roupas ou colhíamos os legumes e frutas do quintal. O sorriso fácil e sincero de Egles volta ao rosto e contrapõe- se à expressão distante que relembra a importância da atividade ensinada por sua avó, em tempos menos favoráveis. Cenas de

“Hoje não tenho pressa, agora faço o que dá e porque gosto”

pessoas famintas, dando o melhor de si para garantir o sustento com atividades infindas passam por suas retinas. - Eu tinha poucos recursos, apenas o Hulaker (canivete Austríaco) e as ramas que cresciam no entorno do enorme castelo que nos abrigava. A pequena ferramenta depositada no chão da choupana rapta sua atenção. Com presteza ele a pega para que lhe auxilie na tarefa. – Meu bisavô também usava um Hulaker igual a esse. Há séculos nós usamos este tipo de canivete. É ferramenta insubstituível. Nenhum outro é tão bom, me acompanha o dia inteiro. Para onde vou o carrego comigo. Demonstrando total integração com o meio que o cerca ele completa. Seja para enxertar uma árvore, seja para cortar algum galho, seja para descascar as frutas do quintal. Ele sempre está comigo. Você viu quando cortei as ramas como o fio é bom? - Satisfeito com meu aceno positivo, baixa a cabeça sorrindo e volta a dirigir sua atenção ao trançar de sua obra. Fico observando e imaginando quantas histórias não deve ter para contar.

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Estamos em silêncio. Ao longe o latido de um cão me chega aos ouvidos. Estou certa de que neste pequeno mundo em que agora estamos as lembranças pairam soltas no ar. Subindo e descendo, entrelaçando-se umas às outras, ora pelo lado de dentro, hora pelo lado de fora, como rios, as ramas vão serpenteando até que finalmente a última se acomoda em um círculo perfeito. Agora começa uma nova etapa. Novas ramas serão introduzidas para fazer o acabamento. – Esta é a parte que mais gosto de fazer, deixa o cesto bonito, bem acabado. - Com a ajuda do canivete o artesão completa a nova carreira de varas que fará o acabamento. Enquanto trabalha, o pensamento lhe confere mais um sorriso. Agora as lembranças o trazem para o começo de sua vida no Brasil. – Quando vim para

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“ Usamos os cestos para recolher a lenha , a roupa do varal, as frutas do quintal, enfim, para tudo”


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cá em 1951 não havia varas de vime para trançar. Logo me encarreguei de plantar as primeiras mudas. - Em um belo dia de inverno as ramas estavam no ponto de corte. - Era uma ocasião especial. Afinal trançaria o berço de seu primeiro filho. O dia estava com um céu azul intenso e a felicidade brotava de sua alma. Não havia muitos afazeres no campo. As podas no pomar estavam prontas e o galpão arrumado. Era hora de cortar as ramas das videiras. Nem todas

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“O meu sobrinhobisneto foi a terceira geração a usar o berço”

seriam adequadas. Estas deveriam ter a mesma espessura e comprimento. Além disso, precisavam ser mais grossas e firmes, para garantir a segurança do berço. Como o bebê no ventre de sua esposa, os belos ramos devem agora descansar na água. Após o repouso e a retirada da sua casca, surgirá a mais bela das fibras. Os longos ramos do salix viminalis serão agora entrelaçados formando o aconchego.Por gerações a família deitará seus filhos neste berço. Durante as primeiras semanas de vida lhes será oferecido conforto e segurança neste cesto de vime.


Quem narra e fotografa: Kamila Dussanoski

AGORA É QUE SÃO ELAS bebop

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essa matéria” lher é que vai escrever mu a um é e qu e rec Richard Keys: “Pa r jornalista?” a. Mas não sei se Andy Gray: “Uma mulhe do. Falaram que ela é bo en sab i ue fiq e qu o i Richard Keys: “Fo jornalismo?”. a gente pode confiar.” e as mulheres sabem de qu O a. ari nfi co o nã Andy Gray: “Eu os desse preconfelizmente, não sofrem e, l rea o log diá um é o narrador e um coCalma! Isso nã e aconteceu entre um ess a te an elh sem o log do souberam que ceito. Mas um diá orts, da Inglaterra, quan Sp Sky da s bo am ol, eb mentarista de fut avam transmitindo. ar aquela partida que est o preconceito souma mulher iria bandeir mais mascaradamente, e o rçã po pro r no me Mesmo que em sociedade. ainda persiste em nossa tir o quão grande já bre a mulher no futebol r muito tempo para sen lta vo o cis pre é o nã s m permissão para Avançamos, ma que as mulheres tivera 79 19 em só foi l, na Afi tar aulas, lecionar, foi o preconceito. ha o direito de frequen tin já na ini fem ala A am os grupos fepraticar o futebol. masculinas e até já existi mo co as tid s õe fiss pro jogar futebol. Tudo já podia exercer m sem permissão para ava nu nti co res lhe mu em seus corpos ministas, mas as e possuíam inferioridade qu de as mo co s lpa o de que a prática isso graças a descu rcicio, além da afirmaçã exe tal r liza rea de s aze partir dos primeiros que seriam incap dáveis. Foi então que a sau os filh de ão raç ge ininos do Brasil, influenciaria na os os primeiros times fem ad cri am for e qu 80 de anos da década is da modalidade. s campeonatos naciona nascimento de Sinassim como os primeiro a de 80 é também a do cad dé a o, nã ou , nte anos. Seu interesse Coincidenteme 1988. Hoje ela tem 26 em te en am fic eci esp iada por seu pai que tia Boarão, mais da na infância, influenc ain o, ced ito mu giu is marcantes que já pelo futebol sur TV. Um dos presentes ma na ol eb fut u isti ass e a mini bola. sempre praticou co anos de idade, foi um cin ha tin ela do an qu os dos vizinhos, que ganhou foi dado onde eu morava os filh mo Co . ela m co ar nc acabava brincando “Adorava bri de, eram meninos, eu ida a nh mi da s no me gosto pelo futebol. eram mais ou ndo, e sempre junto o sce cre fui im ass ol, eb nca gostou muito com eles de fut ram, mas minha mãe nu rta po im se a nc nu ó av s encardidos de jogar Meu pai e meu mpre ficava com os pé se eu e qu de o fat lo da ideia, até pe do pai, “ele era um no campinho”. também foram ao lado TV la pe tos vis os jog s tornando uma corinOs primeiro el que pareça, acabei me rív inc r po , eu e co áti onei pelo time”. são paulino fan ém pra isso, só me apaix gu nin de ia nc uê infl ri férias e criava seu próthiana. Não sof erior, Sintia passava as int no ava fic e qu , avô . O tempo passou e Na casa do e até bola feita de meias as ad vis pro im s ve tra prio campo com adra de verdade. idade de jogar numa qu com ele veio a oportun

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Foto: Arquivo Pessoal Foto: Kamila Dussanoski Foto: Rádio Najuá

“Começei a pratica r o futsal por volta dos 11 anos. Até en casa e na escola, m as naquela época a tão era só em secretaria de Esporte ofereceu treinamen s da minha cidade to de futsal para m eninas. Eu me inscr nunca mais parei”. evi e depois disso Aos 18 anos mudou de cidade para estu com o esporte, pelo dar Educação Física . Lá não parou contrário, se desta cou ainda mais. En cal e teve inúmeras trou para o time loconquistas. Durant e a faculdade apro nos Jogos Escolares veitou para estagia da cidade e daí, ju r ntamente com sua interesse pela arbit paixão, surgiu seu ragem esportiva. “F oi uma maneira de com o esporte. É um continuar envolvida trabalho em que vo cê recebe remuner por amor. O futebo ação, mas que faz l e o futsal sempre vão fazer parte da m atleta, árbitra, prof inh a vida, seja como essora, e como parte do meu lazer també Entretanto, a paixã m”. o não é suficiente para se tornar um 2009, Sintia fez cu a profissional. Em rso para arbitragem de futebol e futsal, sociação de Repres of erecido pela Asentantes de Árbitro s de Irati - PR, e em Federação Paranaen 2010 o curso foi da se de Futebol de Sa lão. “Então comecei na parte de anotad a atuar. No ínicio ora, cronometrista e posteriormente no nos campeonatos ju ap ito. No futsal, foi venil e infantil das ca tegorias feminina e ganhei experiência m asculina, depois e fui para a categoria adulto. No futebol na assitência e súm de campo trabalho ula nos campeonat os, porém, nos jogo e juvenil atuo como s da categoria infan árbitra principal”. til Sintia contou ainda que sofreu um pouc mulher e estar no m o no início devido ao fato de ser eio de um esporte praticado muito mais mudou muito nos dia por homens. “isso s atuais, mas ainda existem pessoas qu não pode entender e acham que você das regras porque é m ulher”. Ela continuou: “Tra balhar com arbitra gem não é fácil, ind sexo. É um trabalho ependente do onde você vai aplic ar as regras que rege os praticantes sem m aquele esporte e pre irão questionar seus atos, mas noss das regras serem cla a força reside no fat ras e termos a liber o darde de aplicá-las Ficou claro até no m no jogo”. odo de falar que Sin tia impõe respeito mulheres ainda sã o as mais questiona em campo: “As das, mas no nosso gem o instrumento tra ba lho de arbitraprincipal é o apito , então, sendo hom importa, é preciso em ou mulher, não impor respeito e fa zer cumprir as regr Com o tempo, Sintia as de jogo”. tem ganhado confi ança e experiência. tinua estudando as Além disso, conregras “para presta r um bom trabalho servem de motivaçã ”. As cr íticas e dúvidas o para continuar e se aperfeiçoar cada muita coisa da arqu vez mais. “Já ouvi ibancada, dos jogado res, palavras ofensiv falta de respeito co as, de baixo calão, m uma mulher, mas também já ouvi m que faz com que a uitos elogios e isso gente não dê valor a essas pequenas co todos que escolhem isas. De modo gera trabalhar com arbit l, ragem passam por isso”.

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Mas nem só de ‘olhares to rtos’ vivem as mulhe res no mundo do futebol. Esse ol har também po de ser de admiração . Foi assim com Igor Diniz. Ele nheceu a mul coher da sua vi da por meio do espo rte. Gisele da Silva é jogadora amad ora desde os 11 anos, quando entrou na primeira es colinha de futsal feminino de su a cidade. Em 2006, quando ambo s tinham 17 anos, Igor assistiu a um jogo de Gisele e depo is tiveram o pr imeiro contato. Juntos desde então el e faz questão de ac ompanhá-la em todos os jogos, “ver ela jogar é incr ível, eu amo poder di scutir o que precisa melhorar, com o foi o jogo, o que faltou, até a cobr o”. O amor do ca sal começou 2006, mas o em da Gisele pe lo fute

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bol foi ainda mais cedo, aos sete anos de idade. O motivo é que “sempre tive mais amigos homens, cresci junto com eles. Em casa também tenho mais irmãos. Se a brincadeira era futebol, então eu jogava com eles, gostava e assim continuou”. Como boa corinthiana que é, me recebeu com a camisa do clube paulista, uma das tantas que possui. “ Eu comecei a ver os jogos com o meu irmão e então ele deu minha primeira camisa do Corinthians, e falou que era o time que eu tinha que torcer, pra felicidade dele eu aceitei e hoje eu amo esse clube”.


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am Foto: K

E aí está o ú nico motivo corinthiana de ‘discussã , ele é flam o’ entre o ca enguista. D sal: ela é na me conto epois disso u que “não , a voz fem é só com no quer outra inivela, aqui tr programaçã oca-se qualo da TV pa eu vejo ma ra ver fute is que ele, bol. As veze acompanho amistosos, s todos os ca futsal, ligas, mpeonatos, tudo que po blemas com ss o . isso, mas q Nunca tivem uando noss é cada um p os proos times se ro seu lado enfretam, a , até o jogo Questionad i acabar”. o sobre alg deixa claro u que, “pelo co m preconceito masc uli ntrário, é m nós. Podem uito legal pra no, Igor os ver jogos mim e pra juntos, eu te falar, ela en nho alguém tende mais com quem que muitos mais mulhe amigos me res deveria us. Pra mim m se intere ainda são p , ssar assim, oucas”. in felizmente Gisele acred ita que a ide lher já dimin ia de que fu uiu bastante tebol não é para mu, “hoje os h jogos femin omens já go inos. Existe stam de ver m mulhere lhor do que s que jogam ele muito mecomo algo ‘e s, não que admitam is so, mas já n rrado’. Já div ão tratam idem o sofá os jogos. Ele com a mulh s não gosta e r para ver m fala sem pa rar, mas isso quando a mulher não entende e ninguém go Pra ela, “o sta”. p lheres”, isso reconceito, às vezes, vem das pró porque “no prias mufísica, eu jo colégio, na s aulas de gava com o s e ducação meninos po gostava. Ele rque era a s me aceita vam muito única que quando eu bem e até m não ía. Ma e chamavam s eu ouvia que aquilo de algumas não era pra professoras m im, que eu com eles, ti não tinha q nha que jog ue ficar lá a r volêi com a Nada abalo s meninas”. u a confian ça e a amo gostava. E h r po oje ciona troféu , depois de 13 anos pra r fazer aquilo que s, medalhas, ticando, Gis ele coleartilharias e de continu ar, mesmo cada vez ma q is u vontade e das vezes n por conta p ós mesmas, rópria. “Na d maioria o meu time poder jogar. , nos banca Não tem in m ce o tade e amo ntivo, apoio r pelo espo , mas tem m s para rte, então, uita vonPra finalizar, fa zemos o qu ela declaro e é p reciso”. bol é tudo p u: “De dete rminado jeit ra mim. Eu não me ima o , bol na TV, se o futegino sem po m poder jo der ver fute gar, compe um momen ti r, fazer o qu to de lazer, e eu amo. É de realizaçã o futebol, a o , de felicida mo jogar fu de. Eu amo tebol”.

Foto: Ka m

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E n達o sobrou

nenhum... Quem narra: Jasmine Horst

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Duquesa da morte, rainha do crime, rainha do mistério, são só alguns dos títulos atribuídos à Agatha Christie. Seus livros venderam mais de um bilhão de cópias em inglês e outro bilhão em línguas estrangeiras. Ela é a autora mais publicada de todos os tempos em qualquer idioma, ficando atrás apenas da Bíblia e de Shakespeare. Entre suas principais obras, a de maior destaque é O Caso dos Dez Negrinhos (ou E Não Sobrou Nenhum), que completa este ano 75 anos do seu lançamento, e sua história continua sendo uma das mais importantes do cenário policial literário.

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Desde verdes anos percebi que minha natureza era um aglomerado de contradições. Tenho, para começar, uma imaginação incuravelmente romântica. O costume de jogar ao mar uma garrafa contendo algum documento importante foi dos que nunca deixaram de me fazer vibrar quando, em criança, lia histórias de aventuras. Ainda me faz vibrar – e é por isso que adoto agora esta linha de conduta: escrever minha confissão, encerrá-la, numa garrafa, lacrar esta última e lançá-la às ondas. Há, penso eu, uma probabilidade em cem de que minha confissão seja encontrada – e então (ou estarei a gabar-me?) um mistério até agora sem solução será finalmente esclarecido... Eis um trecho da parte final e uma das mais empolgante do livro: a confissão. Como anti-spoiler que sou, não me atreverei a revelar mais. Entretanto, reconheço o quão difícil é guardar para mim o segredo do fim da história. Difícil também é acreditar que até mesmo muitos dos que apreciam a literatura policial desconhecem a obra, que é considerada pelos críticos como uma das melhores já escritas. O livro merece ser lido em doses homeopáticas, saboreando cada cena, embora, até o momento, não haja relatos de pessoas que conseguiram seguir a recomendação. A maioria, me incluo nessa lista, devora-o como se fosse o melhor alimento do mundo, um alimento ingerido rápido, mas digerido aos poucos, com a história voltando à sua cabeça sempre antes de dormir.

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A linguagem fácil de Agatha Christie faz com que a imaginação crie o cenário perfeito para a história. Cada descrição vai acrescentando detalhes ao lugar, faz com que o leitor se envolva na história, sinta medo, e muitas vezes, dê aquela olhadinha de canto de olho, para verificar se está mesmo sozinho no recinto. Neste quesito, O Caso dos Dez Negrinhos é o melhor exemplo, justificando os mais de cem milhões de cópias vendidas, pois fica difícil encontrar alguém que não tenha conseguido se imaginar na remota Ilha do Negro, cenário de todo o livro. No enredo, pessoas acusadas de crimes são confinadas em uma ilha, sem qualquer controle sobre seus des-

tinos, sem saber o que aconteceria, a não ser por uma velha canção infantil inglesa, pregada na parede dos quartos, que deixava pistas sobre como seria a próxima morte. A história foi constantemente adaptada para o teatro e para o cinema. Tal método de usar uma tensão crescente é usado até hoje por diversos autores, e é isso que ainda atrai tantos leitores para a legião de fãs da rainha do crime. Jéssica de Lima, estudante, reconhece que viu muitos filmes nesse estilo, até chegar à fonte provável de muitas dessas histórias: “Sempre fui apaixonada por suspense, via filmes nesse estilo, até que conheci a literatura de Agatha Christie. De-


Sem dúvida, foi o livro que li e que quando percebia, estava na beirinha da poltrona, tamanha a tensão.

morei a ler O Caso dos Dez Negrinhos, mas depois que li minha concepção de suspense mudou. Sem dúvidas, foi o livro que li e que quando percebia, estava na beirinha da poltrona, tamanha a tensão. Lembro que terminei de ler quando estava no ônibus, indo para o colégio, e ao terminar fiquei tão chocada que as pessoas falavam comigo e eu nem conseguia responder. Foi hilário, lembro como se fosse hoje. Durante a aula, naquele dia, não consegui prestar atenção em nada, pois ficava juntando os fatos, tentando compreender o final. Chegaram a me perguntar se eu estava doente”, conta ela, em meio a muitos risos. O Caso dos Dez Negrinhos é, sem dúvidas, o mais vendido e mais conhecido dentre todos os livros da autora. Entretanto, ele não traz os clássicos personagem criados por ela, que marcaram época: Hercule Poirot e Miss Marple. À primeira vista, os mais acostumados com a presença dos famosos detetives podem estranhar, todavia, a cada página virada essa falta deles vai sendo preenchida por um misto de sentimentos que mesmo ao fim do livro ainda se prolonga. Para Tito Prates, cirurgião dentista, administrador de empresas e, mais recentemente, escritor, a obra é a mais importante e a mais valorizada de Agatha Christie. Além disso, a obra é muito marcante para ele, que deu vida a um dos personagens mais emblemáticos da história: “Eu fui o Juiz Wargrave em uma versão amadora, então, a experiência com o livro foi mais intensa. Até hoje, vira e mexe, usam a fórmula

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Depois de ler o primeiro, sempre queremos ler o segundo, evidentemente se gostamos do gênero. Quem ama literatura clássica dificilmente gostará de Agatha.

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que ela criou. Particularmente acho o final da peça de teatro melhor que o do livro e para mim não é o melhor dela, mas com certeza o mais famoso, o mais vendido e o mais filmado”. Quanto a comparação com outros livros da mesma autora, Jéssica diz que ainda é cedo: “Eu não li tudo o que ela escreveu, até porque quero ter o prazer de ler Agatha Christie para sempre, mas até hoje foi o melhor, já devo ter lido o mesmo livro umas oito vezes”. A intensidade da linguagem de Agatha é tão grande que Tito possui uma ligação com a duquesa da morte além do que podemos imaginar: “Não vou dizer que é obsessão, mas há dois anos consegui uma verba razoável e desde então estou me dedicando exclusivamente a escrever meu segundo livro sobre ela, desta vez, uma biografia clássica. Tive a honra de me tornar amigo do neto dela, hoje com 70 anos, e de ser consultado pela Agatha Christie Ltd. sobre qualquer assunto referente ao Brasil. Fui para a Inglaterra em 2012 e fiz um roteiro pelos lugares ligados a ela no país. Onde viveu, locais relacionados com a obra, a cidade dela e por aí vai. Junto com isso, pesquisei para a biografia que quero escrever, embora já existam muitas. No fim da viagem eu tinha muito material e um não combinava muito com o outro. Então decidi fazer o primeiro livro, que é um guia de viagens e curiosidades sobre ela e a Inglaterra , assim nasceu Viagem a Terra da Rainha do Crime - Uma Aventura de Emoções na Inglaterra de Agatha Christie, publicado o ano passado. Embora discordem quanto à posição da obra entre todos os livros dela, Tito e Jéssica demonstram o mesmo sentimento em relação as obras como um todo: “Depois de ler o primeiro, sempre queremos ler o segundo, evidentemente se gostamos do gênero. Quem ama literatura clássica dificilmente gostará de Agatha”, explica Tito. E Jéssica complementa: “Agatha Christie é a típica autora para a qual não existe um meio termo: ou você ama, ou você odeia. E nem preciso dizer em qual lado desta história eu estou, não é mesmo?” .


Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove; Um deles se engasgou e então ficaram nove. Nove negrinhos sem dormir: mas nenhum está afoito! Um deles cai no sono, e então ficaram oito. Oito negrinhos vão a Devon de charrete; Um não quis mais voltar, e então ficaram sete. Sete negrinhos vão rachar lenha, mas eis Que um deles se corta, e então ficaram seis. Seis negrinhos em uma colméia trabalham com afinco; A um deles pica uma abelha, e então ficaram cinco. Cinco negrinhos no tribunal. Ver e julgar um fato; Um ali foi julgado, e então ficaram quatro. Quatro negrinhos no mar; a um tragou de vez O arenque defumado, e então ficaram três. Três negrinhos passeando no zoo. Vendo leões e bois. O urso abraçou um, e então ficaram dois. Dois negrinhos brincando ao sol, sem medo algum; Um deles se queimou, e então ficou só um. Um negrinho aqui está a sós, apenas um; Ele então se enforcou, e não sobrou nenhum.

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A BOSSA DA SAUDADE QUEM NARRA

ELIS OLIVEIRA 28 bebop


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“Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser, dizlhe numa prece que ela regresse”

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A Bossa Nova Estamos falando não somente de uma gíria carioca surgida no fim dos anos de 1950, mas também da sua relação com o entusiasmo dos “anos dourados”. Nesta época um grupo de jovens músicos e compositores de classe média alta da zona sul do Rio de Janeiro começa a buscar algo realmente novo. Um estilo que fosse capaz de fugir da melancolia e tristeza de algumas letras que dominavam a música brasileira na época. A bossa nova lançou não apenas um estilo, evoluiu no sentido do desenvolvimento da criação melódica e as canções tornaram-se mais difíceis de serem entoadas, chamando a atenção de novos compositores, letristas e instrumentistas, como Marcos Valle, Dorival Caymmi, Edu Lobo e Francis Hime. Estes artistas procuraram aproximar a bossa nova ao samba em meados de 1960, ao baião e ao xote nordestino, na mesma época em que ela foi consagrada internacionalmente em um histórico concerto no Carnegie Hall de Nova Iorque, em que participaram Tom Jobim, João Gilberto, Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, Carlos Lyra e outros. O compositor e violinista baiano João Gilberto é apontado como um dos principais criadores e difusores da famosa batida diferente do violão. Num estilo único, reproduz o batimento do tamborim no instrumento de cordas, cantando com uma voz quase sussurrante. Sua primeira gravação lançada comercialmente foi uma participação em duas faixas no disco Canção do Amor Demais na voz de Elizeth Cardoso.


Arquivo pessoal

Foto:s Elis Oliveira

Falar sobre música sempre é algo muito agradável, ainda mais para uma pessoa eclética, que não se prende a nada, que gosta de tudo, com interesses e preferências muito diversificadas. Por isso escrever sobre música, ainda mais sobre um estilo que não se ouve corriqueiramente, é sempre um aprendizado cheio de momentos de descoberta. Foi assim ao conversar com o músico Marcos Bebice. Há 47 anos no mercado musical, ele tem uma relação intima com a bossa nova, porém, foi na década de 1980 que se aprofundou nela, período em que morou no Rio de Janeiro tocando em bares da noite carioca durante seis anos. Marcos diz que a bossa nova surgiu como algo que até então não existia no Brasil, “as músicas eram melancólicas e a bossa nova veio para dar mais alegria, com uma grande qualidade musical, de melodia e harmonia rebuscadas”, conta ele. Algo perceptível na conversa com o músico é o seu envolvimento e amor pela bossa. Por muitos momentos gosta de salientar que é influenciado musicalmente pelo estilo e por seus ídolos: Tom Jobim como compositor e João Gilberto como cantor e instrumentista. Para ele, estes artistas são considerados os grandes nomes da bossa nova. “A Bossa é vanguarda, para quem não conhece pode soar como nostalgia. Eu, quando ouço, sinto alegria e fico mais alegre ainda ao sentir que as pessoas que assistem meu show apreciam também e até pedem alguns clássicos, como de Nara Leão, Marcos Vale, Toquinho e outros”. De acordo com Marcos, muito se discutia na época se era uma reinvenção do samba, ou se era uma imitação do Jazz, porém ela foi tão expressiva que acabou ela mesmo influenciando o próprio Jazz e foi assim que a bossa nova deu nova outra dimensão, nacional e internacional, para a música brasileira. A bossa nova faz tão parte da vida profissional de Marcos que em 1991 gravou um disco de vinil neste estilo com faixas somente de sua autoria.

Bossa Nova

Histórias da

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considera maravilhosa. “A clássica é Tarde em Itapoã na voz de Vinicius de Moraes e com os acordes do violão de Toquinho no especial realizado em Milão. Me faz viajar sem sair do lugar, fecho os olhos e deixo-me levar para longe. Assim como a própria canção diz: - com um olhar esquecido... - E assim tenho a sensação de estar num estado de equilíbrio, de harmonia com a vida, como se não houvesse preocupações, problemas somente a vida para ser sonhada, ao som da bossa nova!”.

eira Foto: Elis Oliv

Cada pessoa, embora goste deste ou daquele tipo de música, às vezes não chega a se dar conta dos motivos de sua preferência. A verdade é que, isso a que chamamos de gosto, para a maioria das pessoas tem a sua explicação. Este é o caso da jovem historiadora Aline Morais. Ela começou a gostar da bossa nova ao estudar o cenário histórico do Brasil dos anos 1950, período em que o país encontrava-se num momento de entusiasmo proporcionado pelos ideais de Juscelino Kubitschek. “Acredito que a bossa nova trás uma leveza em suas melodias, nas letras descompromissadas, tendo como temática o cotidiano, o amor, a saudade, numa linguagem coloquial cheia de diminutivos, fazendo uso de uma voz suave e minimalista”. O que Aline acha mais expressivo na bossa é a harmonia da fusão entre samba e jazz, da nova roupagem e reformulação estética entre estilos musicais. A jovem se diz apaixonada por vários nomes da bossa nova, porém, seu coração bate mais forte ao ouvir Tom Jobim e Nara Leão, devido a sutileza e leveza das letras das canções, que transbordam saudade, solidão e amor. “Entre tantas vozes que ecoaram e ecoam na bossa, tem uma que mexe comigo de uma maneira diferente, Chico Buarque, que não é exatamente da bossa nova, mas flertou bastante com o estilo. Concordo plenamente quando críticos dizem que ele foi o cantor/compositor que mais entendeu as mulheres”. No entanto, Aline também cita outra canção que


Colaboração: Carol Coleto

O estudante do curso de Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) Vinicius Maranhão, ele que também é compositor/cantor e instrumentista, conta que conheceu a bossa nova pelos seus pais, que deram a ele a base musical que o acompanha até hoje. “Minha mãe gosta muito de artistas como Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Meu pai gosta mais de rock n’roll e blues, mas também gosta muito de MPB (Música Popular Brasileira) e bossa nova também. Foi ali que eu cresci ouvindo esses cantores e que ainda hoje estão sempre presentes nas minhas playlists, do carro ou mesmo no celular”. Vinicius diz que seu gosto pela bossa nova é devido a sua cara brasileira, “é meio que uma mistura do jazz com o samba, que é caracteristicamente uma música brasileira, tanto que é comum você ouvir fora do país artistas e produtores chamando de jazz brasileiro”. Vinicius ainda completa que este estilo chamou atenção de um dos maiores nomes do jazz, Frank Sinatra, como também já citado nesta matéria pela outra amante de bossa, a Aline. Como comentei, Vinicius é compositor e não poderia deixar de perguntar para ele no que a bossa nova influencia em sua vida musical. Ele me disse que a poesia presente nas letras, principalmente do Vinicius de Moraes, chama muito a atenção dele, pela veracidade das declarações, sejam de amor ou até mesmo pelas cidades, ou pelo que fazia parte do mundo dos músicos cariocas do final dos anos 50. “Tento trazer um pouco desse estilo de composição para as minhas letras, alguns acordes que eram bastante utilizados também eu utilizo nas minhas músicas”. Entre os cantores da bossa nova, o jovem destaca três nomes: Vinicius de Moraes como um grande letrista e cantor; e dois exímios violonistas que inspiram músicos até hoje, Toquinho e o mestre Baden Powell , este último citado como uma das maiores referências musicais para ele.

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A bossa nova entrou suavemente pelos ouvidos do mundo e muito se deve ao disco Chega de Saudade, de João Gilberto, um disco que influenciou a história da música brasileira e que a projetou internacionalmente. João, com seu jeito de tocar baixinho, mostrou algo novo no violão. Chega de Saudade alcançou um sucesso estrondoso e representou um impacto muito positivo na música brasileira. O disco apenas foi possível, entretanto, com a insistência de Tom Jobim para que Aloysio de Oliveira, diretor musical da Odeon, comprasse a ideia de um disco inteiro do músico baiano. Não podemos deixar de mencionar os outros músicos que participaram das sessões de gravação, como Milton Banana, na bateria; Guarany, na caixeta; Juquinha, no triangulo; Rubens Bassini, nos bongôs; e Copinha, na flauta. Para o músico Marcos Bebice, “a faixa-título do disco deve-se a três gênios da música brasileira: Tom Jobim na melodia; Vinicius de Moraes na composição da letra (juntamente com Jobim); e consagrando João Gilberto na interpretação”. Não podemos esquecer que o repertório também resgatava compositores como Ary Barroso e Dorival Caymmi e revelava Carlos Lyra e Ronaldo Boscoli. Já a jovem Aline fez questão de falar sobre o marco da bossa nova. “Acredito que todos os álbuns tenham seu significado e apesar do frisson que o Chega de Saudade causou, a sincronia do estilo revela-se na inspiração em diversos outros músicos. Até mesmo na regravação e reconhecimento de Frank Sinatra com a música Garota de Ipanema, como também no instrumental de Stan Getz e Charlie Byrd com a música Desafinado de Tom Jobim”. Aline lembra também da admiração e inspiração notada nas composições do Cazuza. Para ela “a bossa nova é uma das coisas de que o Brasil pode ser orgulhar”. O estudante Vinicius Maranhão lembra que, apesar do impacto do disco, muito se deve a Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Carlos Lyra e outros que já estavam em atividade. O próprio Vinicius de Moraes já flertava com o samba desde os anos 1940. “É difícil diferenciar nas suas composições o que era samba e o que seria a bossa nova, tamanha a ligação e importância que o samba teve para o estilo e para a música brasileira. Talvez tenha sido um disco que tenha alcançado grande sucesso, porém, o movimento já estava ali prestes a estourar, tanto que, a própria faixa título do disco, é composta por Vinicius e Tom. Acredito que a contribuição do disco foi ter reunido tantos ótimos compositores para ser interpretado por um grande mestre”. E ainda sobre o álbum, Tom escreve na contracapa: Ele (João Gilberto) acredita, que há sempre lugar para uma coisa nova, diferente e pura que - embora à primeira vista não pareça - pode se tornar, como dizem na linguagem especializada: altamente comercial. Porque o povo compreende o Amor, as notas, a simplicidade e a sinceridade. Eu acredito em João Gilberto, porque ele é simples, sincero e extraordinariamente musical. P. S. - Caymmi também acha.

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o d i r e u q u Me

desenho animado Quem narra e diagrama: JĂŠssica Lange

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Logo que chegou para a entrevista, convidei-o para sentar. Sem formalidades, afinal, estávamos ali para conversar. Não por acaso, André Borges rapidamente foi falando sobre desenhos animados. Nem precisei perguntar nada, as idéias fluíram com naturalidade, talvez uma ‘brainstorming’. “Eu gostava muito da Corrida Maluca, adorava o Mutley. Aquela risadinha dele é épica”, contou-me com um sorriso largo, daqueles que a gente dá quando se lembra de algo bom. Sem hesitar perguntei quais os desenhos que André mais gostava. “O He-man, a She-ra, Cavaleiros do Zodíaco...”, respondeu me olhando como quem pergunta ‘você também assistia esses desenhos, né?’. Fiquei calada e pensei: não, por incrível que pareça, não assisti. Sou de uma geração um pouco mais jovem, que assistia Timão e Pumba e cantava ‘hakuna matata’. Deixei que ele prosseguisse, “eu assistia bastante o programa da Xuxa, do tempo que ela descia de uma espaçonave. Eu estudava a tarde e de manhã ficava vendo esses desenhos. Via-me preso a televisão por conta disso. Minha mãe fazia meu ‘mamá’ e eu ficava ali no sofá”.

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Já José Paulo Martins, que me pediu educadamente que o chamasse somente de Paulo, contou que ainda assiste desenhos, apesar de adulto. “Tenho um arcabouço muito grande de desenhos que gosto, principalmente da Marvel. Na época era muito engraçado, não era bem um desenho animado, parecia um quadrinho que se mexia”, riu um pouco, fazendo com que eu conseguisse imaginar essa situação, afinal, nos anos 70 não havia tantos recursos gráficos como atualmente. “Eu gostava também de desenhos animados japoneses, da Princesa e o Cavaleiro, Fantômas e outros da Hanna-Barbera, como Scooby Doo e Os Flintstones”, relembra Paulo. Para Ana Conti, o que mais lhe atraia eram os mangás. “Gostava muito de mangás, Dragonball, Saillormoon, Pokémon, Cavaleiros do Zodíaco. Também gostava dos da Looney Tunes, Doug, Pink e Cérebro, Tom e Jerry. Hoje assisto desenhos com minhas filhas”, comenta Ana. Nessa onda de mangás me veio à tona uma vez que completei um álbum de figurinhas dos Digimons, aquilo foi incrível, mas, depois que soube que o prêmio era um ioiô fiquei um pouco decepcionada e resolvi guardar o álbum.

Na época era muito engraçado, não era bem um desenho animado, parecia um quadrinho que mexia”.


Foto: André Borges

Nessa geração anos 90, encontrei Hamilton Júnior, que logo de cara declarou que adora desenhos animados. Sua lista de preferências vai desde Os Impossíveis até Johnny Bravo. Para ele, o que mais o atraia eram a fantasia, a ficção científica e ação envolvida neles. “Eu ficava espantado e ainda fico com o tamanho da criatividade. Tanto dos roteiristas quanto de quem fazia a arte-finalização. Lembro dos heróis, vilões, das tramas, da comédia, das emoções envolvidas”, conta com certa nostalgia.

André Borges

Quando vejo as coisas na TV, eu quero imaginar, viajar, ver o impossível e isso tem nos desenhos”.

Lembrei-me do que Paulo havia falado: “quando vejo as coisas na TV, eu quero imaginar, viajar, ver o impossível e isso tem nos desenhos”. Isso faz todo sentido, afinal quem conseguiria voar como o Super-Homem ou ganhar uma mega força ao comer espinafre como o Popeye? Nenhum ser humano normal tem essas capacidades. Mas, o que mais importava era esse poder de imaginação, de criar o seu próprio mundo e até mesmo se inserir na história. Tanta inserção resultou em um tombo ‘daqueles’ para André. “Uma vez um tio meu, já falecido, comprou uma

fantasia do super-homem, eu subi no muro e me joguei pensando que ia sair voando. Já da pra imaginar o que aconteceu, né?” Caímos no riso por alguns segundos. Olhei para ele e disse: ‘isso me fez recordar do tempo em que eu brincava de Power Rangers com meus primos’, ele completou: “brigavam para ver quem seria o Ranger rosa, certo?”. Rapidamente respondi: ‘sim, mas sempre havia uma organização, um respeito, quem pedia primeiro é que saía ganhando’. No meio do bate-papo André contou que quando o Rambo apareceu nas telinhas logo muitas empresas criaram objetos que remetiam ao personagem. “Lançaram a botinha do Rambo, o jipe do Rambo e o boneco. Aí eu pedi pra minha mãe comprar a bota do Rambo porque vinha com uma faixa vermelha pra por na testa. E aí vem a melhor parte: eu ia pra escola com a bota do Rambo e com a faixa, eu me achava o mais forte de todos”. É, assim como André, muitos meninos já devem ter se vestido de Batman, Super-Homem, Hulk e por ai vai.

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Foto: Jéssica Lange

Além disso, os desenhos sempre tiveram o papel de divertir e ao mesmo tempo passar conhecimento. “O desenho animado traz muita informação. Traz uma base de ciências, uma mitologia nórdica com Thor, a questão da genética com Homem-aranha, sabe, eu sempre vi, quanta coisa boa tinha nisso. Eu pensava: pô será que isso é possível? A gente tentava fazer essas maluquices com bombas, coisa de criança. Era isso que me atraia nos desenhos animados, o absurdo e não o comum”, contou-me Paulo com os olhos fixos em uma garrafa de bebida. Ele olhou para mim e se justificou: “enquanto estamos conversando, eu fico lendo o que tem em minha frente. Adoro ler, leio tudo que aparece”.

Paulo Martins

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Para André o que mais importava no desenho era a história. “Por exemplo, o He-man, ele tinha que acabar com o esqueleto, que sempre queria invadir o castelo de Grayskull. Era assim, sempre começava legal, tinha uma briga, uma guerra, uma luta, entre eles. Mas o bem sempre vencia. O bem impunha respeito ao lado mal”. Além disso, ele comenta que os desenhos animados sempre influenciaram em sua educação. “A mãe e o pai sempre ensinando, não faça coisas ruins, faça coisas boas. Olha o He-man como ele faz, olha o super homem, sempre usando eles como exemplos, então eles fazendo coisas boas, as crianças também faziam coisas boas”, ressalta.

Era isso que me atraia nos desenhos animados, o absurdo e não o comum”.


Já André fez questão de salientar que não gosta do Pica-Pau “ele era um ser que ninguém gostava. Utilizava da malandragem pra aparecer e tirar proveito dos outros. O fato dele roubar alguma coisa do Leôncio ou de outros, ou até mesmo jogar a culpa no pé de pano, faz com que a criança faça isso em casa. Utiliza da mentira pra servir de escape em alguma coisa”. Ele ainda confessou que já se utilizou dessa influência para mentir em casa “Quando tinha meus 10, 11 anos, ganhei minha primeira bicicleta de marcha. Como morava em cidade de interior, eu saia de manhã e voltava à noite. E inventava algo pra mãe e pro pai, mas mesmo assim levava uns cascudos, não escapava”.

Hoje, por exemplo, posso achar Tom e Jerry até violento, e rio com isso, pois percebo que a minha ‘ingenuidade’ passou”.

Foto: Hamilton Junior

Também é inegável que muitos desses desenhos, que fizeram a cabeça das crianças nas manhãs ou até mesmo o dia inteiro, possuem certos traços de maldade, como Tom e Jerry e Pica-Pau. “Na época não via esse lado dos personagens ou não assimilava. Hoje, por exemplo, posso achar Tom e Jerry até violento, e rio com isso, pois percebo que a minha ‘ingenuidade’ passou”, fala Ana sorrindo.

Hamilton Junior Depois de algumas conversas também me questionei sobre a atitude de alguns personagens, mas cheguei à conclusão que assim como a Ana, eu achava graça nos desenhos e não percebia essas coisas. Hamilton me disse que sempre se indagava ‘por que o Jerry tinha que provocar o Tom?’ ou ‘Porque o Pica-Pau e o Pernalonga infernizavam tanto a vida de quem estava ao redor?’. Hamilton comenta que depois de adulto isso mudou. “Fazendo uma análise desses personagens eu consigo alinhá-los em uma categoria que está presente em diversas culturas e mitos. O Trickster, brincalhão/trapaceiro, desde Loki na mitologia nórdica

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ao nosso Saci-Pererê. São personagens que existem somente pra azucrinar a vida alheia, sem propósito algum”, riu um pouco e continuou: “repare que ambos, Pica-Pau e Pernalonga, assim como o Máskara, possuem uma habilidade em comum, eles alteram a realidade conforme sua vontade. Burlam as leis da física, transitam entre os gêneros, se multiplicam, mudam de forma, viajam no tempo, se tele-transportam e sempre se dão bem no final”, finaliza rindo mais um pouco.

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Foto: Ana Conti

Para terminar, sentei-me no sofá e fiquei olhando para a TV, com o propósito de recordar as coisas boas que vivi assistindo desenhos animados. Posso não ter assistido He-man ou Caverna do Dragão, mas assisti ‘Coragem, o cão covarde’, ‘Os impossíveis’, ‘Meninas Super Poderosas’, ‘Capitão Caverna’, ‘Tu Tubarão’, entre tantos outros que agora ilustram essas páginas. Não precisa ser um gênio para saber que os desenhos contribuíram para a formação de muitas gerações, desde sua invenção nos anos 30 até o presente momento. Acredito que essa ferramenta, que além de entreter, faz despertar outros sentidos, sempre estará presente, não importa a idade. O importante é ter uma boa história, combinada com um bom trabalho visual.

Repare que ambos, Pica-Pau e Pernalonga, assim como o Máskara, possuem uma habilidade em comum, eles alteram a realidade conforme sua vontade”.

Ana Conti


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