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QUEM EXPERIMENTOU Professor orientador: Anderson A. Costa Editora da ed. 08-2014: Kamila Dussanoski Narradores: Elis de Oliveira Jean Patrik Jasmine Horst Jéssica Lange Kamila Dussanoski Karin Milla Detlinger
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O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma B do 4º ano do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A finalidade deste material é informativa, educacional e cultural, sendo expressamente proibida a comercialização. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). Contato: jornalbebop@gmail.com Tiragem: 250 exemplares
CARO LEITOR
POR KAMILA DUSSANOSKI Chegamos ao fim de mais um ano letivo e, consequentemente, esta é a última edição do Bebop.Durante este ano de 2014, nós, turma B do 4º ano de Jornalismo da Unicentro, trouxemos a você oito edições experimentais e esperamos que cada uma delas tenha correspondido a sua expectativa. Escrever para o Bebop, que exige um diferencial a mais, foi um desafio, mas todos saímos satisfeitos por termos o encarado. Nosso objetivo foi experimentar, de uma maneira um pouco diferente e fora dos padrões, mas sem fugir do fazer jornalístico. Como bem disse nosso professor da disciplina em uma das edições, mais do que a relação do jazz com o jornalismo, “de certa forma, ao reivindicarmos o nome Bebop para o nosso jornal experimental aqui da Unicentro, queremos provocar nos próprios alunos e também nos nossos eleitores esse interesse em ir além das convenções já estruturadas”. Também trouxemos a execução de uma ideia que vinha desde o ano anterior. Uma das edições, mais especificamente a seis, foi especial. Depois de 700 músicas ouvidas, nossa edição, além de contar um pouco sobre a história de grandes músicos do jazz e do blues, vem acompanhada por um CD com 27 faixas, por nós selecionadas. Nessas oito edições, trouxemos curiosas e diferentes histórias, e ao decorrer delas cada um foi deixando sua marca, seu jeito de escrever, de se familiarizar com você, caro leitor. Também com um planejamento visual sempre criativo e instigante. O que esperamos é que esses novos pensamentos, essas novas ideias, ou seja, esses novos narradores, que surgiram em 2014, deixem saudade. Como última editora, te convido a apreciar nossa oitava edição e me despeço de você, enquanto leitor do Bebop, mas, não descartando a possibilidade de nos encontrarmos por ai. Por isso, até mais!
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Filatelia: um mundo de cultura e saber Quem narra e fotografa: Karin Milla Detlinger 4
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JORNAL NARRATIVO
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Querida prima, estou escrevendo uma matéria para o BEBOP sobre os selos postais e sinceramente fiquei fascinada com as descobertas que fiz. Você se lembra quando éramos adolescentes, de como gostávamos de comparar nossas coleções? Na época eu julgava entender algo a respeito, mas hoje percebi que há muito mais coisas para ser desvendado. É inacreditável o mundo de descobertas possíveis por trás dos pequenos pedacinhos de papel chamados selos postais. Cada fragmento desses está carregado de informações inimagináveis. Me convenci de que não importa de qual canto do mundo eles sejam, mas, todos eles, estão impregna-
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dos com histórias de seu país de origem, rememorando as raízes daquele povo, suas personalidades, as datas comemorativas, descobertas científicas ou outros feitos. São verdadeiros universos prontos para serem desvendados por ávidos
“Cerca de 40 milhões de pessoas no mundo colecionam selos” colecionadores. Essas pessoas são chamadas de filatelistas. Elas colecionam selos e elementos comuns a este universo e, pasme, eles somam hoje mais de 40 milhões em todo o mundo. Somente na China,
são 30 milhões. Sabemos que os pequenos pedacinhos de papel fixos na parte superior de uma carta, para muitos, ainda hoje, não passam de uma forma de pagamento pela correspondência postada, como era sua função inicialmente. Acredito que seu idealizador, o inglês Sir Rowland Hill, certamente não imaginava a proporção e importância que os selos postais alcançariam ao longo dos séculos. Foi Hill que em 1840 que criou os primeiros selos com o intuito de facilitar o pagamento dos serviços de correio. Eles não apenas revolucionaram este serviço, como se tornaram verdadeiras relíquias, chegando a valer fortunas em leilões. Li recentemen-
te que o Three-Skilling Yellow, o selo mais caro do mundo, há pouco tempo foi vendido em Genebra, na Suíça, por um valor estimado em mais de 1,82 milhões de euros, ou seja, 4,32 milhões de reais. Independente de seu valor de mercado os selos para os colecionadores, tem muitas vezes um valor sentimental impagável. Vi isso nos olhos de minhas entrevistadas, Irene Stock e Magdalena Remlinger. Ambas colecionam selos desde a adolescência, como nós. Gosto de lembrar da época em que ganhei meus primeiros selos de uma pessoa muito especial. O Nikolaus Pailovics era um parente distante de minha mãe, um senhor da Romênia, cuja deficiência
física, limitava sua vida aos metros quadrados de sua casa. Os selos, para ele, significavam uma forma de viajar para fora de suas quatro paredes. Colecioná-los exprimia a alegria de enxergar além de suas fronteiras domiciliares e assim
“Rowland Hill não imaginava o sucesso que os selos fariam” driblar as dificuldades, decorrentes das pernas tortas e do copo aleijado, agravadas pelas péssimas condições sociais impostas pelo regime comunista de Ceauşescu nos anos 1980.
Mas, quem diria que Niklos, como o chamávamos carinhosamente, algum dia conheceria o Brasil, de cujas cartas trocadas com os parentes daqui, retirava os selos com tanto cuidado. Apesar de debilitado pelos problemas de saúde ele realizou o sonho de nos visitar aqui no Brasil. Niklos trouxe consigo os selos de que tanto gostava. Vendo meu interesse, já no final de sua vida, ele me presenteou com três álbuns de sua coleção. Fiquei fascinada ao analisar cada um dos minúsculos elementos postais, vindos de múltiplos países. Foi assim que consegui a maior parte de minha humilde coleção. Descobri que o Brasil foi o segundo País a aderir ao sistema de
O Three-Skilling Yellow É o selo mais popular e mais caro do mundo. Estima-se que no último leilão em que foi arrematado seu valor tenha sido superior a 1,82 milhões de euros/4,32 milhões de reais.
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selos. Apenas três anos depois dos ingleses nós lançamos nossa própria coleção, a série “Olho-de-boi”. Assim como nós gostávamos de saber de onde vinham as cartas e quem as mandou, a Irene Stock também diz ter sido motivada pelas histórias presentes por trás de cada carta. “Não sei bem quando surgiu meu interesse, mas, eu gostava muito de ver as cartas que as famílias recebiam de vários lugares do mundo”, disse-me ela. Também me contou que muitas vezes faltava a escola para visitar as vovós em sua vizinhança que guardavam os selos para ela. Irene diz que sempre era muito bom por que elas lhe contavam as histórias dos seus parentes e amigos e do conteúdo das cartas que recebiam. É curioso saber que o Brasil teve o primeiro selo do mundo com le-
gendas em “Braille”. Ele foi emitido em 1974. Bacana analisar os selos como elementos de integração entre as pessoas. Irene conta que à medida que ia aumentando a sua coleção ela começou a fazer amizade com outras pessoas do mundo. “Eu lia nas revistas sobre pessoas que queriam trocar selos aí eu pegava o endereço e começava a escrever para elas.” Foi assim que ela conseguiu uma das suas séries preferidas. Na Alemanha conheceu um colecionador que, como ela, tinha deficiência auditiva. Entre ambos surgiu uma grande amizade. Michael Kempel tinha uma coleção de selos da comemoração dos 1000 anos da Áustria e cada selo representava um Estado Austríaco. “A série era muito bonita e eu o convenci a me dar. Até hoje guardo -a com muito carinho.”
“Olho de Boi foi o primeiro selo lançado no Brasil em 1843”
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Quarenta anos mais tarde, Irene soma selos de vários Países como o Vietnã, Rússia, França, Alemão, Áustria e por aí vai, mas esta é a sua série predileta. Concordo com ela quando diz que o número de novos colecionadores esta caindo, já que, por conta das novas tecnologias, não se escreve mais tantas cartas como antigamente.
“A série comemora os 1000 anos da Áustria”
nascimento. Nele há várias informações técnicas incluindo um breve histórico do material lançado, a triagem, a data de emissão, o nome do artista que desenvolveu o selo, entre outras. Para conseguir todos os lançamentos ela combinava com os funcionários do correio para que os deixassem separados até que ela pudesse buscá-los. Mas também parentes e amigos lhe ajudavam na tarefa de conseguir algo novo. “Eu tirava os selos de todas as cartas e correspondências que recebíamos, e muita gente me ajudava a aumentar minha coleção. Às vezes eu trocava selos com algumas pessoas do exterior”. Ela ficava alegre quando alguém lhe presenteava com selos e toda vez que alguém viajava trazia-lhe novidades.
Ainda assim, a filatelia é uma ciência e uma arte que apaixona. Fiquei impressionada quando conheci, na casa de Magdalena, uma das maiores coleções filatélicas que já havia visto na vida. O seu entusiasmo me contagiou e ficamos por horas apreciando todos aqueles detalhes. Aprendi muito neste dia e em determinado momento ela me explicou que os envelopes que segurava na mão eram do primeiro dia de circulação de um selo ou série de selos. Eles ainda existem e são confeccionados especialmente para acompanhar o lançamento do selo ou da série. Geralmente trazem motivos relacionados à emissão. Internacionalmente são conhecidos como “FDC” ou “first day cover”, e para o dia do lançamento são desenvolvidos carimbos específicos relacionados ao tema, aplicados no envelope e no selo no primeiro dia de sua circulação. Junto com o lançamento do selo vem também o edital filatélico, que é como se fosse a sua certidão de
Carimbo de Expedicao data os selos aplicados nas correspondências . Destinado a comemorar eventos importantes ou homenagear personalidades
Usado no dia da emissão e aplicado sobre o selo ao qual se refere
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Perguntei a ela se tinha noção de quantos selos compõe a sua coleção e ela me confessou não ter a mínima idéia. Apesar disso, vi verdadeiros espetáculos de beleza e exclusividade, alguns com mais de 100 anos. Folhando entre os inúmeros álbuns fiquei curiosa para saber qual seria seu selo predileto. Ela me revelou que gosta muito de um selo cujo motivo é um menino com seu cão. “Há anos atrás eu pensei em reproduzi-lo em óleo sobre tela por gostar demais dessa imagem.” De fato tem alguns selos que são verdadeiras obras de arte. Eu mesma me encantei por uma série que vi na casa dela e fiquei imaginando quem os teria desenhado. Pesquisando um pouco descobri que existem centenas de designers que trabalham desenvolvendo esses mimos e que, mundo afora, são feitas diferentes competições premiando os melhores trabalhos dos artistas que desenvolvem os selos ou peças filatélicas. Um desses concursos é o Grande Prémio Asiago de Arte Filatélica. Jô Oliveira, é artista brasileiro e ganhou em 1986 o PRÊMIO INTERNACIONAL AZIAGO DE FILATELIA CATEGORIA TURISMO ao desenvolver uma série muito bonita sobre a literatura de Cordel. Na época participou da XI Exposição Filatélica Luso-Brasileira”. Aqui no Brasil o mais tradicional evento da categoria é a Exposição Nacional de Filatelia – Brapex. Para se ter uma idéia da dimensão deste trabalho, basta dizer que em 1996 houve no Brasil um importante marco no processo de diversificação e melhoria do design das emissões filatélicas: o Concurso “Arte em Selo”, realizado por ocasião
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SELO PREDILETO DE MAGDALENA
“Pensei em reproduzir-lo em óleo sobre tela”
da 23ª Bienal de Arte de São Paulo. Dentre 3000 artistas, foram escolhidos os 50 melhores para trabalharem no processo de criação dos selos brasileiros. Por essas e muitas outras razões digo que estou muito fascinada com esse mundo de descobertas que fiz querida prima. Termino minha carta dizendo que vendo o entusiasmo de minhas entrevistadas me convenço ainda mais de que a filatelia é realmente um hobby muito bacana de se praticar. Abraços
“Selo da coleção de A Magdalena, filha de Magdalena, criado por Sandra Remlinger, Jô Oliveira entusiasma e premiadocom a coleção da mãe. em 1986” bebop
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ENTRE PINCÉIS E SAPATEADOS As danças do pincel sobre a tela se entrelaçam às pinceladas dos passes flamencos QUEM NARRA E DIAGRAMA: JEAN PATRIK Imagem arquivo pessoal
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Não lembro muito bem qual foi a primeira reportagem que escrevi no curso de jornalismo, mas tenho certeza que não me esquecerei da última. Sinto-me grato de ter chegado até aqui. Última matéria para o Bebop, e a última também do curso de Jornalismo. Por isso, o ambiente criado para esse momento foi bem mais descontraído que os demais, já se respira um ar de final de ano e da graduação. Em uma conversa informal, digamos que bastante amigável, foi que realizei essa entrevista com um professor de história, pintor e dançarino de flamenco. O ambiente não poderia ser mais informal, a praça de alimentação de um supermercado, foi um bate papo, uma conversa de fim de tarde, quase um happy hour. Assim, descontraidamente, que Guilherme Lopes me contou um pouco de sua vida e como, aos poucos, foi descobrindo sua diversidade artística, suas duas grandes paixões a pintura de negras e a dança cigana. Em sua fala se revelam suas tendências voltadas a cultura latina, presentes em seu sobrenome, e também em seu próprio sangue. Tanto que prepara uma tela de Nossa Senhora da Guadalupe, padroeira do México e da América bebop
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Latina. Atualmente, pensa e refaz os primeiros rabiscos dessa pintura com todo carinho, isso por uma devoção herdada dos avós. “A influência vem de minha avó e meu avô, que era mexicano. Lá em Curitiba, quando eu era pequininho, nós íamos na igreja de Guadalupe, e também porque eu acho muito bonita a sua imagem”. Inclusive, a obra pode ser a primeira pintura de uma futura exposição que pretende fazer com imagens de santos. Apesar de ainda não ter feito grandes exposições, o pintor já deu passos significativos em sua carreira artística. Nesse ano, já realizou duas exposições, no Sesc e na Unicentro, apresentando seus quadros de mulheres negras, intitulado “Encantos de Sinhá”. Pinturas que revelam sua paixão pela negritude. “Na faculdade fiz minha pesquisa de conclusão de curso a partir do viés afro. Eu pesquisei a cultura afro, a umbanda em Guarapuava na década de 50, sempre tive uma paixão por essa cultura”. A ideia de fazer uma exposição não foi planejada. “Primeiro eu pintei uma negra, depois pintei alguma outra coisa, aí bem depois que pintei as outras negras. Quando eu já tinha os quatro quadros
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fui convidado a fazer a exposição, e foi então que pensei um nome e me veio ‘Encantos de Sinhá’”. Ele ainda pensa em pintar outras negras, pois vê que existem ainda muitas realidades do cotidiano para serem exploradas dentro dessa temática afro. “Se for pensar ainda são poucas obras, tem uma baiana , uma angolana, uma mãe e filha e uma Iemanjá negra”. Guilherme diz não ter uma referência para suas obras, mas admira muito Di Cavalcanti e sua professora de flamenco Alba Rodrigues. “Eu conheci as telas da professora Alba e isso me influenciou, ela me incentivou muito, apesar de nossas telas terem um estilo diferente”. Lopes é um autodidata, começou desenhando na escola, ainda criança foi criando afinidade para pintar rostos e caricaturas. “Eu não gostava de natureza morta ou paisagens, eu gostava de pintar corpos, figuras humanas”. Depois partiu para a pintura, tudo por conta própria, quase como uma brincadeira, como ele mesmo gosta de dizer. Começou a pintar em 2006, incentivado por sua professora de dança, e revela que sua primeira experiência com pintura foi frustrante. “O meu primeiro quadro bebop
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eu joguei fora, eu rasquei ele. Eu fui fazer o teste e não gostei”. Seu modo de pintar é óleo sobre tela, pois diz não ter se acostumado com o acrílico sobre o algodão. Todas as técnicas, seja de desenho ou de pintura, ele foi conhecendo e desenvolvendo sozinho. “Na escola quando precisava pintar algo, os professores sempre me chamavam. ‘Vai ter um cartaz pra pintar, vamos chamar o Guilherme, ele desenha pra nós’”. Eu pinto como hobby, para mim a pintura é uma terapia, quando eu estou estressado e eu pego no pincel, eu relaxo”. Como bom artista, Lopes não se sente obrigado a pintar, espera pacientemente a inspiração surgir. “Eu não me programo, tenho que estar inspirado, agora já faz cinco meses que não pinto, estou gestando uma tela no momento”. Além de pintar, Lopes ainda dedica-se a dança. Ele conta que uma pessoa fundamental em sua vida artística foi a professora Alba Domingues, da qual fala sempre com muito orgulho. “O flamenco surgiu juntamente com a pintura, primeiro comecei a dança pra depois pintar. Com a professora comecei os primeiros passos na dança e vendo os seus trabalhos me senti motivado. E ela viu meus
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Imagem arquivo pessoal Imagem arquivo pessoal
desenhos e falou que eu deveria começar a desenhar”. “O flamenco é bastante desafiador, sempre me chamou a atenção a cultura cigana, e talvez até por uma novela chamada Explode Coração, e o flamenco tem muito dessa cultura. Daí eu tinha uma vontade de aprender, é uma dança bastante técnica, ela é matemática. Sempre achei muito bonito. Os passes, os sapateados, a inspiração das touradas”. Para quem olha desatento não percebe, todos os detalhes dessa dança, como explica o artista dançarino. “É uma dança cheia de sentimentos, além de técnica envolve muita expressão, interpretação. O passe doble, por exemplo, mostra justamente a relação do toureiro com o touro, durante uma tourada. A saia da bailarina simboliza a capa do toureiro, tem toda essa interpretação”. Lopes conta várias das curiosidades presentes na dança. “O flamenco faz parte da cultura espanhola, é uma dança tipicamente espanhola, faz parte do folclore. Existem várias modalidades, como o passe doble, a sevillana, que é uma dança mais bailada, mais dançada. A rumba, a rumba cigana, gitana, bulerías, alegrias, malagueñas. Desde 2006 quanbebop 17
do comecei eu não parei mais de dançar. Claro que nem sempre eu consigo conciliar os horários dos ensaios, às vezes pelo trabalho e outros compromissos”. A dança ainda desperta bastante curiosidade e tem sempre um público garantido. “Nós sempre temos apresentações, inclusive até já participamos de festivais internacionais, como o de Blumenau e outras apresentações que fazemos em eventos de entidades”. Apesar de suas tendências artísticas, Guilherme não vive da arte, e nem da sala de aula, que é sua formação acadêmica. “Bem que gostaria de poder viver somente disso, mas no Brasil isso é complicado, não sei dizer nas grandes cidades, mas aqui no interior isso não é possível. Há pouca valorização e incentivo, que era bem maior na década de 90, mas quem sabe um dia viverei disso”. Atualmente, Lopes trabalha na área administrativa de uma empresa virtual que revela fotografias e outros produtos personalizados. Sobre sua arte ele conclui.”Eu acho nenhum artista pinta aleatoriamente, somente por pintar, tem um sentimento que move. Eu, com minhas telas, pretendo passar essa ideia de brasilidade presente nas negras”.
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Era uma vez...
Quem narra, fotografa e diagrama
Elis Oliveira
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E como professora formada, quis, nessa última edição do ano do Bebop, dedicar um tempinho para falar sobre a profissão, aliás, a vocação de professor. O professor é o habitante da escola, é alguém que escolheu acima de tudo dedicar-se aos outros, que se confunde com a própria escola, ele mesmo se torna um espaço de atravessamento de saberes e das culturas, aquele se desafia, que aponta, mostra o caminho. Para ser professor, precisa abrir-se ao outro, às relações, ser disposto para ser atravessado pelo novo, quebrar barreiras. Precisa jogar-se nas letras e livros, nas imagens e sons, nas ideias e pensamentos, conversas e discussões. E altas doses de leitura, escrever muito, discutir, escutar música, ver filmes, saber e sentir as coisas que passam pelo mundo afora.
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Ser professor é fazer uma viagem à geografia da disposição, da relação, das escolhas.
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Quando penso na figura do professor e na importância deste profissional para a sociedade, recordo-me de um fato da minha infância e de uma pessoa brilhante, que fez parte da minha vida, meu saudoso avô materno, que sempre me dizia: quando você crescer, quero que seja professora! Na época, pouco entendia o que seria isso, entretanto, já admirava minha mãe e minhas tias, que dedicavam-se a escola. As via sempre com livros espalhados pela casa, preparando aulas. Depois de passar por todo o Ensino Médio, precisei tomar uma decisão difícil, estava na hora de ingressar na faculdade. Qual curso fazer? Nisso, lembrei-me de algo presente no meu dia-a-dia, que acompanhei por vários anos: o dom de lecionar. Após quatro anos cursando Pedagogia, segui os passos das mulheres que sempre admirei.
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E vendo o professor como um viajante, lembrei-me daqueles que fazem todo dia uma viagem, literalmente, para uma cidade vizinha de Guarapuava. Há proximadamente 56 Km daqui fica o pequeno município de Pinhão, e ainda mais a frente, 50km ao sul do trevo principal da cidade, fica o Distrito de Pinhalzinho. E é para lá que todos os dias um grupo de professores se desloca, por meio de uma estrada de chão e pontes estreitas, rumo a Comunidade Nossa Senhora do Rocio, onde fica a Escola Estadual do Campo Professora Sebastiana Silvério Caldas- EF. A saída deles é ainda de madrugada, faça sol ou faça chuva, as 6h10 da manhã, a Kombi parte para mais uma jornada no interior, e o retorno é somente às 17h30, devido à distância do lugar. Poderia citar aqui outros inúmeros cantos, distritos ou assentamentos, que os professores precisam deslocar-se para dar aula, ali no Pinhão mesmo, há escolas ainda mais distantes e também com grandes histórias, porém, detenho-me aqui para falar dessa escola do campo, que está dando os primeiros passos, pois tem somente dois anos de fundação e conta com 149 alunos, além de professores, funcionários e motoristas, que se dedicam para que o conhecimento chegue até eles.
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devido a Kombi que nos levaria ao destino estar esperado. Com câmeras e meu bloco de anotações, saímos debaixo de uma baita chuva. Como sou meio medrosa, já me adiantei e perguntei como seriam as estradas. Ele me disse que depois que saíssemos da PR 170, uma via principal, asfaltada, chegaríamos numa estrada de chão, o restante eu teria que ver com meus próprios olhos, onde comecei a ficar com mais medo ainda, pensei em estradas lisas e estreitas, ribanceiras... minha imaginação foi longe. O percurso por onde fomos, acompanhados por relâmpagos e trovoadas, até um posto de gasolina no trevo de acesso a Pinhão, levou cerca de 50 minutos, chegamos e logo pegamos a estrada novamente. E não é que meu temor se concretizou e as estradas estavam escorregadias, além do mais, a chuva incessante. Naquele momento meio que me frustrei, pois tinha programado várias fotos na minha cabeça, cenários externos, porém, estava ali para acompanhar a saga dos professores e era o que eles estavam passando naquele dia, e eu também. O professor Leandro, junto com outro professor de geografia, Ederson dos Santos, iam me mostrando o caminho, para que eu fotografasse, já que nunca tinha ido para aqueles lados, e mesmo com aquele céu cinzento, pude ver as cerrações que encostavam no chão, lá no horizonte.
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Até esqueci, por um momento, de todo o perigo, quando a Kombi quase passa ralando na pirambeira. Em determinado trecho o diretor, professor Antônio Roberto Rousseff, desceu do carro, aproveitei e mesmo em meio à chuva, resolvi tirar algumas fotos. Após 1h de estrada de chão, avistei a Escola ao longe, num lugarzinho no meio do nada, arrodeada de arvores e uma imensidão de campos. Fui bem recepcionada por todos, além do lindo lugar, por uma enxurrada de água que não parava de cair das nuvens, sem falar dos alunos que estavam curiosos com a minha presença. Como o professor Leandro tinha falado, chegaríamos as 7h30 e só retornaríamos a tarde, ou seja, teria muito tempo para conversar com os alunos, professores, funcionários e viver um pouco a realidade de todos eles. Não querendo tumultuar a aula, mas já fazendo isso, entrei na sala, e enquanto os alunos faziam uma atividade sobre os indígenas, o professor foi conversando comigo. “Venho motivado de Guarapuava para dar aula aqui no interior, como você viu é longe e cansativo, mas é gratificante, além de sair da nossa zona de conforto, e melhor ainda é ver que essas crianças são guerreiras, saem cedo das suas casas e como pode ver o comportamento e o empenho delas é excelente”.
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“Gosto também do contato que tenho com a natureza vindo dar aula aqui no campo, venho refletindo durante a viagem e tento aprender muito com cada aluno, com cada pai e mãe que vem até mim, com os colegas que chegam a ser uma família fora de casa, devido a nossa permanência juntos”.
Também aproveitei para conversar com uma professora de História, chamada Marilda Lachovski, que estava fazendo um trabalho com outra turma. Fiquei a observando por um tempo, ela estava muito animada, nem parecia que tinha madrugado. Em meio ao trabalho manual que estavam fazendo, com papel picado e cola, ela me disse que era uma preparação para um evento, onde iriam expor essas atividades. Bateu o sinal para o intervalo, onde pude matar a saudade de comer lanche de escola e os acompanhei no intervalo. Nesses 15 minutinhos de respiro, Marilda também me contou que cada professor que veio na Kombi teria dez aulas naquele dia. Após retornamos para a sala, continuei na companhia da Marilda e de seus alunos, que agora juntaram-se com a turma do professor Leandro. O trabalho se manteve manual, porém, agora, estavam confeccionando os vestidos para as cabeças que tinham acabado de esculpir, foi interessante ver todos com agulha e linhas na mão. Se aproximando do meio dia, a secretária Darlene Ferreira da Rosa, perguntou se não gostaria de acompanhar o motorista Ariel, que faria 12km para frente, até a comunidade de Pocinhos para buscar alguns alunos. Mesmo receosa devido à forte tempestade que acometia a localidade no momento, resolvi ir. Foi uma aventura animada, pois apesar de toda aquela aguaceira, a Kombi voltou lotada.
Quando retornei, fui almoçar com os motoristas, que também me contaram um pouco da saga e da responsabilidade que eles precisam ter todos os dias, e das dificuldades, mas ao mesmo tempo as experiências vividas. bebop
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“A longa distância do cent ro da cidade faz com que a nossa comunidade seja bem unida e lute pelos mesmos ideais, foi pensando no bem estar e no futuro das nossas crianças e adolescentes que jamais pensamos em desistir ”.
A Escola Estadual do Campo Professora Sebastiana Silvério Caldas- EF nasceu do empenho e da luta de cerca de 25 pessoas que fazem parte da associação de moradores, que viam a dificuldade dos alunos. Muitos deles saiam às 4h da manhã para estudar em outras localidades, voltando para casa somente no meio da tarde. Aproveitando que Dona Linei Aparecida Paitner estava numa reunião da APMF (Associação de pais, mestres e funcionários) no dia que estive na comunidade, conversei com ela sobre a fundação da escola, até porque foi uma das idealizadoras do projeto. Com uma voz suave, porém firme e decidida, a professora aposentada contou-me que nem os diversos ‘não’ que ouviram ao longo das reivindicações a desmotivou.
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A tarde os professores continuaram dando suas aulas, e como a chuva tinha dado uma trégua resolvi observar a escola de longe, subi num morro de terra, fiquei olhando e pensando em tudo que estava passando aquele dia, sendo que não é a minha realidade, mas para aqueles alunos e professores, é! Para que haja uma escola, é preciso de estrutura física, de normas e regras, é preciso alunos, da secretária, do assistente administrativo, do diretor, das funcionárias da cozinha, do professor. Nessa altura, eu já estava cansada e querendo ir embora, tinha me sujado de barro, estava com frio e sono, mas ainda não era hora de pegar a estrada e retornar para casa. Para passar o tempo, já que tinha levado algumas edições
anteriores do Bebop, entrei numa reunião da APMF para distribuí-las, nisso fiquei surpresa com a alegria de algumas pessoas ao ver conhecidos numa matéria sobre a dança de São Gonçalo, e aí a conversa foi longe. Assim, perto das 17h, estava prestes a acabar minha aventura, porque posso dizer que passei por uma. Só de me preparar quase uma semana para poder acompanhar os professores, por não saber o que encontraria, se renderia... E apesar de toda chuva e de não conseguir fazer as fotos que pretendia, pude passar um dia muito legal, longe do barulho da cidade e dos meus pensamentos. Os professores continuarão fazendo essa viagem até o interior, e eu continuarei a minha.
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DAS VITRINES PARA O MUNDO: A HISTÓRIA DE AMÉLIA AMÁLIA Quem narra: JASMINE HORST
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Quem não se lembra
da canção que dizia que “Amélia é que era mulher de verdade”? Pois bem, nesse caso, Amélia NÃO é uma mulher de verdade. Amélia Amália é uma manequim, não uma pessoa com essa profissão, mas sim uma manequim que já nasceu predestinada a isso. Nascida em uma fábrica chinesa, ela é uma peça de baixa qualidade, que através de casos e acasos, acabou tendo um destino bastante diferente das suas “irmãs”. bebop
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Facebook.com/amelia.space. Ao abrir esse link no Facebook, os mais distraídos podem nem notar que a foto de perfil é de uma manequim com uma peruca de cabelos longos. O nome, Amélia Amália, reforça ainda mais essa primeira impressão. Entretanto, as fotos dos álbuns de Amélia mostram que ela é diferente, nem humana e nem uma manequim comum. De acordo com a própria Amélia, após seu nascimento, ela foi levada para uma loja de roupas em Reserva do Iguaçu, onde permaneceu por anos, apenas cumprindo seu papel original, sendo uma manequim comum, aparentemente igual a tantas outras. Sua vida útil já se aproximava do fim, quando ocorreu o primeiro fato que a fez diferente de todas as outras. “No natal de 2009, fui roubada, duas vezes pelo mesmo homem. Ele entrou na loja e me levou, juntamente com algumas roupas femininas. Quando foi pego pela polícia, alegou que queria uma namorada e por isso havia me levado. Depois disso, fui devolvida à loja, mas fui condenada a ficar jogada em um depósito, o que sucederia a isso seria a minha morte, minha destruição. Entretanto, um fotógrafo me levou para seu estúdio em Curitiba, onde eu serviria para testes de luz. Foi aí que tudo começou a mudar”.
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Levada para Curitiba, ela ganhou o nome que ostenta hoje. Amélia Amália. Foi uma homenagem à cantora portuguesa Amália Rodrigues, principalmente por um disco, resultado da gravação de um encontro, em 1968, entre o poeta Vinícius de Moraes e a cantora. Vinícius falava do conservadorismo do povo português, que eles deveriam se libertar um pouco das formalidades, o que também servia à Amélia, já que ela apresenta a mesma expressão formal eternamente. De acordo com o fotógrafo, aquele que tirou Amélia da pacata rotina de manequim de loja, a “salvou da morte”, e a levou para o meio virtual, o que mais chama atenção nela são as imperfeições. “Quando pensamos em uma manequim, imaginamos algo perfeito, mas se olharmos bem, a Amélia tem muitas imperfeições, ela é de baixa qualidade, então ela tem umas manchas, um braço que não encaixa direito, e é isso que torna ela interessante. Tudo aquilo que remete à figura humana se torna interessante, chama atenção, isso vem desde o surgimento do homem, por isso há esse interesse, essa aura diferente na Amélia”. Amélia pertence a um universo a parte. Sua identidade é virtual, está sempre em formação, devido às tantas contribuições que recebe. Ela é dife-
rente, difícil de explicar. Suas roupas são diferentes, criadas por estilistas exclusivamente para ela, além disso, possui músicas criadas especialmente para ela. De acordo com seu perfil no Facebook, é moradora da cidade de Los Angeles, lugar onde coleciona fãs, mas, de acordo com o fotógrafo, Amélia vive no espaço. “Ela é virtual, fora da rede praticamente não existe, é uma molécula do universo, um pedaço de massa flutuando por aí, e por isso que o perfil dela é Amélia.space. Não fui eu que criei a identidade dela, ela é mutante, cada um cria uma identidade diferente a partir do que observa nas fotos”. Hoje, Amélia possui quase 4 mil amigos na rede social. Pessoas do mundo inteiro, que interagem, conversam com ela, fazem perguntas. Segundo Amélia, ela os responde com trechos de livros, frases filosóficas, levando a conversa a um nível surreal. “Ao contrário das pessoas que estão no Facebook, eu sou exatamente aquilo que aparento ser. Portanto sou criada pelo coletivo, por identidades coletivas, tenho amigos diferentes, com personalidades diferentes, e cada um cria uma identidade para mim. Sou tudo aquilo na rede e nada, fora dela. No mundo real, sirvo para as fotos, apenas”. Mesmo sendo uma manequim, Amélia Amália já despertou paixões
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por aí, principalmente no continente asiático. Já teve fotos suas vendidas para diversas cidades do mundo. Além disso, há um novo projeto de trabalho, que pretende ampliar ainda mais seu alcance, porém, ele “ainda está em segredo”, segundo ela mesma. Em seu perfil, no Facebook, é possível perceber uma grande quantidade de comentários em outras línguas, alguns comentários difíceis de traduzir, que comprovam essa popularidade de Amélia. Segundo o fotógrafo, foi ele que a apresentou a esse mundo virtual, mas depois de um tempo, ela tomou as rédeas de sua própria existência na rede, e foi moldando, com o passar do tempo, a sua identidade. Amélia afirma que deve muito ao fotógrafo, que permitiu que ela fosse diferente, ti-
vesse um destino improvável, algo que ninguém imaginaria ao vê-la saindo da fábrica. Contrariando o destino da maioria das manequins, que passam a vida toda estrategicamente paradas em alguma vitrine de loja, Amélia, com seus discursos extremamente filosóficos, que dão margem às mais diversas interpretações, com suas fotos, recheadas de significados, atribuídos por quem as vê, possui seu espaço dentro da rede. E mesmo que um dia deixe de existir lá, o que, seguindo a linha de pensamento do fotógrafo, a faria deixar de existir por completo, há a certeza que, de alguma forma, ela terá atingido algumas pessoas nesse mundo, e terá sido, sem dúvidas, uma das manequins mais diferentes de que já se ouviu falar.
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Encerrar o Bebop com um pauta esportiva era tudo que uma fã de esportes poderia desejar. O esporte que atrai, que distrai, que emociona, que é capaz de causar inúmeras e diferentes sensações, e também de colocar no seu caminho grandes histórias. Foi assim, nessa área, que conheci o Rodriguinho, não o que eu conheço após essa matéria, mas, o menino, que tem a mesma idade que a minha, porém, mais do que amor, teve, no esporte, sua vida. Criado sem muito contato com os pais, morando com os avós em uma pequena cidade no interior do Paraná e com um grande sonho em mente. Nasceu no dia 13 de outubro de 1993, em São Paulo, capital, tem pouca idade, mas muita experiência. Ele é Rodrigo Galvão da Silva, hoje conhecido como Rodriguinho.
Imagens: Arquivo Pessoal
Desde menino Rodriguinho tinha um sonho, talvez muito comum para a maioria dos garotos: ser jogador de futebol. Mas, nesse caso, não foi passageiro, pelo contrário, mesmo sem muitas perspectivas ele foi atrás do seu objetivo. No caminho, nem tudo deu certo, mas hoje ele se considera realizado. Rodriguinho teve um inicio difícil, quando tinha apenas dois anos de idade, por motivos familiares teve que morar com seus avós, em Imbituva PR, local onde tudo começaria. Aos 14 anos voltou a São Paulo, dessa vez para tentar oportunidades e se tornar um profissional, mas as coisas não foram como esperava e acabou voltando ao Paraná. Hoje com 21 anos de idade, Rodriguinho é jogador de futsal pelo time Amperé Futsal, onde disputa com a elite paranaense da categoria, a Série Ouro do Paraná. Na equipe, o jovem segue se destacando, conquistando prêmios coletivos e individuais. Esta história é longa, mas dessa vez é contada pelo próprio personagem!
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COMO FOI O INÍCIO DA SUA CARREIRA? Comecei em Imbituva, com o professor Delaney, ainda na escolinha. Com o passar do tempo fui tendo mais espaços e passei a treinar com o professor Toninho, foi com ele que comecei a crescer e a jogar ligas, campeonatos. Com 11 anos eu já jogava com os moleques de 15. O time de Imbituva não disputava muitos campeonatos, mas as cidades vizinhas sim e eles sempre estavam buscando jogadores que se destacavam, foi então que joguei o meu primeiro Campeonato Paranaense sub 15 em Curitiba pela cidade de Arapoty-PR. Depois segui me destacando e sendo indicado pelo meu treinador, representei as cidade de Tibagi, Telêmaco Borba, Ponta Grossa e outras. O QUE FOI MAIS DIFÍCIL PARA VOCÊ EM BUSCA DO SEU SONHO? Minha mãe tinha alguns problemas de saúde e quando eu tinha dois anos meus pais se separaram, meu pai se casou novamente, minha mãe foi morar na Bahia e eu fui morar com meus avós, que pra mim são meus pais. E o mais difícil foi aos 14 anos quando tive que deixar minha avó, chorando, e voltar a São Paulo atrás de oportunidades. E as coisas lá foram mais complicadas, eu fui morar com meu pai e não me dava bem com a atual esposa dele e foi muito difícil passar dois anos lá, foram brigas todos os dias, eu não tinha vontade de voltar pra casa. Eu me perguntava o que eu fazia ali? Eu não era bem vindo, mas foi tudo pelo futebol. AOS 14 ANOS ENTÃO VOCÊ DECIDIU VOLTAR A SÃO PAULO PARA TER MAIS OPORTUNIDADES. PROFISSIONALMENTE FALANDO, COMO FOI ESSA VOLTA? Cheguei sem conhecimento de como eram as coisas e o mundo do futebol por lá, nos primeiros dias eu treinei em campos de terra vermelha, lá existiam muitos garotos que tinham o mesmo sonho que eu. Logo nos primeiros treinos o treinador já me elogiava e um olheiro se impressionou comigo, falavam que eu não poderia continuar ali e que iriam me levar pra um Centro de Treinamento, que era de um ex-profissional e que iria me ajudar, eu achei uma boa oportunidade e passei a treinar. Passado alguns jogos, meu pai assinou um contrato com ele, o problema é que meu pai sempre foi leigo no assunto e pensou que estaria me ajudando fazendo isso. No contrato havia algumas cláusulas, sendo que uma dizia que eu não poderia jogar para nenhuma equipe sem que ele aceitasse e que a multa rescisória era de 500 mil reais. Fiquei preso, o tempo ia passando, ele me enrolava e não me levou para clube nenhum. Com isso eu ia ficando velho demais pra continuar nesse sonho, quem está nesse mundo da bola sabe que é preciso começar muito cedo, foi aí que eu desisti do futebol de campo e voltei a me dedicar ao futsal. Depois eu fui chamado por um time, então de futsal, joguei um campeonato, fomos campeões e eu fui artilheiro
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e eleito melhor jogador. Foi ai que um olheiro do São Paulo Futsal Clube me viu e me levou pra lá onde treinei durante seis meses, mas teve um problema com a diretoria, e eu teria de treinar sem receber salários durante um tempo. O lugar onde eu estava morando ficava longe do local dos treinos e eu tinha que ir pra lá todas as noites, então tinha muitos gastos e eu não tinha condições. Depois de um mês nessa situação eu resolvi sair e logo fui chamado para fazer um teste no Barueri onde também passei, mas no dia seguinte recebi uma ligação de Imbituva, falavam que tinha um empresário interessado em mim para o futebol de campo, não pensei duas vezes, abandonei e voltei. Passei três meses treinando e fui enrolado novamente, esse empresário também não me levou para clube nenhum. CHEGOU ALGUM MOMENTO EM QUE VOCÊ PENSOU EM DESISTIR DE TUDO? Infelizmente sim. Minha idade foi chegando e quando se vem de família humilde a opção é trabalhar e deixar esse sonho de criança de lado. Não surgiam oportunidades e nem ajuda financeira de ninguém da cidade para que eu viesse a fazer algum teste em grandes equipes. Pensei em desistir quando eu estava com 14 anos de idade, mas conversando com meus familiares que optei em ir para São Paulo, mas as coisas não deram certo lá também, voltei para casa dos meus avós e pensei em desistir mais uma vez. Foi quando tive a oportunidade de vir para cidade de Ampére, onde viria para jogar somente os jogos da Juventude sub-17, mas depois tive a oportunidade de treinar com o elenco adulto, o treinador gostou do meu trabalho e foi quando eu recebi a proposta de ficar morando com os outros atletas aqui na cidade e integrar o elenco adulto para jogar o Campeonato Paranaense Serie Bronze. E COMO ANDA SUA CARREIRA NA EQUIPE? Não poderia estar melhor. Quando cheguei aqui, em 2011, a equipe disputava o Campeonato Paranaense Série Bronze, ou seja, a terceira divisão. Ao longo destes quase quatro anos conseguimos fazer com que a equipe subisse para Série Prata e depois para a tão sonhada elite do futsal paranaense, a Série Ouro. Foi um acontecimento inédito para a cidade e para o clube, conseguimos o acesso sendo campeões invictos da série prata em 2013, um titulo que nenhuma outra equipe conseguiu desta mesma forma, não perdemos nenhuma partida durante toda a temporada. Individualmente fui um dos artilheiros da equipe e consegui fazer um ótimo ano. Em 2014, chegamos entre os oito melhores clubes do Paraná e, mais uma vez, graças a Deus, fui muito bem. Encerrei a temporada com 14 gols, artilheiro da equipe, e, juntamente, com todo o grupo deixamos o nome da cidade e do clube bem conhecido no estado e também nacionalmente, já que o campeonato paranaense de futsal é um dos mais bem vistos e disputados do Brasil.
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QUE PESSOAS TIVERAM PAPEL FUNDAMENTAL NA SUA CARREIRA? Morei com meus avós, cresci e aprendi a chama-los de pais, e sempre foi assim já que pais são aqueles que criam. Com cinco anos de idade minha avó me levou treinar em uma escolinha, ali começou tudo. Com muito esforço, não só deles, mas de todos os meus familiares, que no início, acredito eu, não pensavam que eu iria me tornar um atleta de futsal um dia, mas me auxiliaram em tudo. Minha avó sempre lutou para que eu viesse a realizar meus sonhos e objetivos. Também não posso esquecer dos meus professores: Delanei, Vagner (Raio) e o grande professor Toninho. Eles foram pessoas com quem tive o privilégio de receber treinamentos e aprender muito, não só como atleta, mas também como pessoa. HOJE VOCÊ SE SENTE REALIZADO? TEM NOVOS PLANOS PARA O FUTURO? Me sinto muito feliz. Estou cursando Educação Física, faço estágio como professor de ginástica laboral e, principalmente, sou um atleta de futsal. Pretendo terminar minha graduação porque sei que minha carreira depende da minha idade e quero ter uma segunda opção de trabalho na mesma área, seja como treinador ou qualquer cargo do futsal. Também sou feliz por recompensar meus avós, hoje a gente mantém contato toda semana, sempre que posso vou visitá-los e consigo dar uma ajuda financeira, mesmo sabendo que o que eles fizeram por mim não tem dinheiro que pague. Profissionalmente, sempre procuro crescer. Já venho recebendo algumas propostas, mas só irei pensar nisso no próximo ano. Só uma ótima proposta para me tirar do Ampére ou irei continuar e buscarei mais uma excelente temporada na equipe.
FALA, PROFESSOR!
ANTÔNIO CARLOS CAMARGO (TONINHO)
O Rodriguinho sempre foi destaque. Com o passar do tempo, com os treinamentos, ele foi melhorando, evoluindo, foi aprimorando. Sempre muito dedicado, era aquele atleta que não tinha preguiça de treinar, ele estava presente em todos os treinos, sempre muito disciplinado, tanto é que sempre foi o capitão do nosso time. Ele foi destaque não só pelo que sabe jogar, mas pelo comportamento. Tinha um comportamento de atleta que queria ser de alto nível e hoje está sendo esse atleta de alto nível. Para nós é motivo de orgulho, sair daqui, treinar desde novinho e hoje chegar nas maiores competições do Paraná, eu, particularmente, tenho muito orgulho dele. Continua sendo a mesma pessoa, uma cara completamente humilde, inteligente e boa praça. Merece tudo que está acontecendo com ele e muito mais, tenho certeza que irá muito mais longe, por mérito dele e pela qualidade dele. E eu estou aqui torcendo por ele, eu sempre falava pra ele que tinha um sonho de um dia ligar a TV e vê-lo jogando e já tive esse prazer de assisti-lo pela televisão e também ao vivo. Claro que se ele não tivesse qualidade não estaria lá, mas, além disso, é dedicação e força de vontade, nunca pra ele teve tempo ruim, nunca teve atraso no treino, não teve frio, chuva, ele sempre estava aqui. Tudo mérito dele e, graças a Deus, a gente teve uma pequena parcela nisso. E eu me orgulho dele por atleta e por pessoa que é.
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Hatha Yoga A busca pelo equilĂbrio entre corpo e mente
Quem narra, diagrama e fotografa: JĂŠssica Lange
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O entrar na
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Ao chegar em frente à grande casa, onde a prática de yoga acontece, me deparei com uma gatinha, que através de uma cortina nos observava lá fora. Estranhei a presença do animal, que parecia estar muito a vontade com os praticantes. Ela passeava entre as pessoas ao mesmo tempo em que recebia carinho. Tive meu pensamento interrompido. “Entrem, tirem os sapatos, por favor, e os deixem ali na salinha”, disse-me Maristela Souza, professora de yoga. Em seguida, sem que perguntasse nada, ela comentou: “não ligue com a presença da Flor (gata), aqui utilizamos os animais durante a meditação, eles ajudam na prática”. Agora sim, havia entendido o porquê, mas, muitas coisas ainda me inquietavam. O lugar me chamava à atenção por vários aspectos. Primeiramente, o silêncio. Só se ouvia uma música indiana ao fundo, em um estilo calmo e tranqüilo. Nada de pessoas conversando. Mal se ouvia o barulho dos carros passando na rua. Os objetos da decoração eram um show a parte, alguns elefantes coloridos daqueles típicos da Índia, imagens de Shiva, almofadas e fotografias de diversas posições de yoga, coladas em um mural, faziam parte do cenário. À frente, um grande espelho, que refletia tudo o que os participantes faziam. Um gesto errado e todos poderiam ver. Em cada olhada, via algo diferente,
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curioso. Talvez porque nunca havia me interessado por meditação, yoga ou algo do tipo. Me considerava agitada demais para conseguir fazer com que minha mente e meu corpo encontrassem um equilíbrio. Doce engano. Ao iniciar a prática junto aos demais alunos, logo me direcionei ao fundo da sala. Pensei: “quem está na frente deve ser mais experiente, não quero passar vergonha aqui por não saber nada”. Sentei-me no tatame e aguardei as instruções. A professora, com uma voz suave que
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ganhava destaque em meio à música, me transparecia calma. “Agora vocês devem virar o tronco para o lado, sempre mantendo a mesma posição nas pernas”, disse Maristela. Aquela movimentação do corpo foi em poucos segundos,fazendo com que eu me concentrasse, focasse o pensamento para executar o exercício. Isso tudo até parecia fácil. Só não era fácil desligar a mente, conseguir me acalmar a ponto de esquecer o resto do mundo.
Depois de alguns minutos, Maristela se aproximou. Foi em direção às cortinas e as fechou. O ambiente escureceu. “Agora todos deitem-se no chão e soltem os pés e braços, como se estivessem em uma cama, bem relaxados. Deitem os pés para os lados. Fechem os olhos, sintam o corpo, cada movimento, a respiração”, disse ela. Aí consegui conter
meus pensamentos e deixar o corpo falar por si só. Fui aproveitando cada minuto, ouvindo a música e as instruções que a professora falava. “Respirem em quatro segundos e soltem a respiração em oito”, sugeriu Maristela. Com a calmaria da voz dela, consegui enfim, relaxar. Percebi meus batimentos cardíacos, coisa que não fazia há muito tempo. Creio que nesse momento, meditei. Continuamos a aula.Observei ao lado e uma colega estava com os pés para cima, encostada na parede, apoiada apenas na cabeça e nos braços. Achei aquilo incrível, bem sabia que jamais conseguiria fazer aquela posição, chamada ‘invertida’, na primeira aula. Aquilo era uma obra de arte com o corpo. Tentei algo um pouco mais fácil, apoiada nos braços apenas elevando o tronco. “Deixa que eu te ajudo a alinhar”, falou Maristela. Assim, fiquei ali, com as pernas no alto, alinhada, meio insegura, com medo de cair. O asana não era muito confortável, porém, ao ver todos os colegas do mesmo jeito, aceitei e continuei por mais alguns instantes. Para quem não conhece, asana é cada uma das posturas praticadas no yoga. Falando em alinhamento, Maristela se demonstrou muito cuidadosa. Ela passeava durante a aula em meio aos alunos
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arrumando suas posições. Era quase como um artesão que molda uma escultura. Prestava atenção em cada um, mandava erguer mais o braço, arrumar a coluna, esticar a perna. Tudo buscando uma simetria. Algo único, refletido no grande espelho. Mas, nada disso era feito em vão. A professora fazia questão de explicar cada posição que estávamos fazendo, o que ela trabalhava no corpo. A combinação de movimento e meditação iam me conquistando. A decoração peculiar do ambiente também auxiliava nisso. Era como se o ambiente interferisse no pensamento, no modo de pensar. Fui entrando naquele mundo. Consegui relaxar mais um pouco, então, Maristela pediu para sentarmos. Ela mencionava os chackras, que são os pontos de energia do corpo. Fizemos então a posição Samanasana, a mais clássica do hatha yoga. Os polegares encostavam levemente os dedos indicadores de cada mão. A postura reta e o fechar dos olhos iam favorecendo a introspecção. Afinal, meditar é entrar na mente. Não vi as horas passarem, até porque, no local existe apenas um relógio e que fica escondido atrás de uma parede. Assim, terminamos a aula com um saudoso: namastê! Que é um cumprimento do tipo: o deus em mim saúda o deus em você.
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Explorando os
sentidos com o hatha yoga
Maristela, durante toda a aula, deixava transparecer seu amor pelo yoga. Era algo claro, se podia ver nos olhos dela a paixão que sente pela profissão. Ela conta que sua vontade de conhecer mais sobre hatha yoga começou com sua professora da modalidade. “Isso foi em 2000. Já em 2002 comecei a me profissionalizar. Então são basicamente 14 anos de yoga”, comenta. Disse-a que ela já era muito experiente e que fazia casa asana com leveza. Ela me respondeu: “Eu gosto do yoga por ser um desafio. O que me move é isso, o desafio de conquistar novas posições, o desafio de aquietar minha mente. Para sentar e respirar já é um desafio”. Ela ainda complementa: “eu sempre digo, tenham calma, paciência, o yoga é para ver resultado daqui um ano, dois e até dez”.
Sobre a história da modalidade, em meio há tantas posições diferentes e bonitas, Maristela explicou que o yoga surgiu na Índia há mais de cinco mil anos. “Na Índia essa modalidade vem sendo trabalhada de mestre para discípulo. Quando veio para o ocidente, vieram vários ramos de yoga, esse pratica aqui é o hatha yoga, que é a meditação em movimento. É um yoga mais moderno”.
MARISTELA SOUZA
O hatha yoga não é do tipo devocional. “O devocional é mais voltado, têm mais pensamento, mais mantras. O hatha tem interiorização, tem meditação, tem os momentos respiratórios, mas tudo isso junto com o movimento”, conta a professora. O objetivo da modalidade é integrar corpo e mente, transcender a consciência e ao mesmo tempo conseguir melhorar o condicionamento físico. Tudo é trabalhado com delicadeza, cada sentido é explorado. Assim, o ambiente para a prática, principalmente de iniciantes, deve ser calmo. “A interiorização é você quem faz. Se quiser meditar na Avenida Paulista, você consegue. A música ajuda na interiorização, em casa, em parques. Quanto mais contato com a natureza, melhor. Um ambiente fechado não te deixa dispersar tanto, porém, não tem um lugar específico para praticar”, diz Maristela. Ela explica que o lugar deve ser sem barulhos. “É importante para a interiorização, para o movimento, para ouvir a música e se alongar com os asanas”.
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E n t r e os benefícios do yoga, está o controle do estresse e a melhoria no condicionamento físico. André Paulena Alves, Desenvolvedor, que pratica a modalidade há um mês, comenta que já sentiu mudanças no corpo. “Eu sempre fiz kung fu, e tinha certos movimentos que eu não conseguia fazer. Com o yoga agora consigo. Melhorou a questão dos alongamentos, a flexibilidade do corpo”. Ele também ressalta que, como trabalha com programação, o yoga o ajudou a dominar o estresse. “Além de conseguir me concentrar melhor, percebi esses dias, que eu estava sentado trabalhando e minha coluna estava reta, certinha e não todo torto como eu sempre ficava no computador”. O yoga trabalha bastante com concentração. Durante toda a aula os praticantes precisam dedicar a mente para conseguir executar os asanas com perfeição. Segundo Maristela, ele busca o equilíbrio físico e emocional, através dos movimentos respiratórios. “Porque quando respiramos trabalhamos isso. Eu trabalho o yoga aqui para você sair e ir para o trânsito, interagir com esse equilíbrio das pessoas. Fora a parte física, os asanas trabalham muito a flexibilidade, esses alongamentos. Quanto mais concentração você tiver, mais benefícios vai ter”. Perguntei a André como ele se sentia quando estava praticando yoga e a resposta foi clara: “meu corpo pede para estar aqui, não sei ficar sem. Preciso da medita-
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ção, do yoga. É difícil explicar como me sinto. Você trabalha a semana inteira, fica filhado, estressado, isso aqui te faz liberar esse estresse, relaxar. Parece que quando chega quinta, sexta-feira, já me sinto travado, com vontade de vir aqui. É muito bom”. Ele, que já consegue fazer a posição invertida sem se apoiar na parede ressalta que precisou se dedicar para conseguir. “No começo foi mais complicado, essa posição não é fácil de fazer. Precisa estar muito bem alinhado e concentrado, mas depois que você aprende vai certinho”. Para finalizar, quis saber se todos podem praticar yoga ou se há alguma restrição. Maristela disse que qualquer pessoa pode praticar desde que tenha boa vontade. “Minhas filhas pequenas praticam yoga. Não existe perfil, você tem que começar a fazer. Cada posição que eu faço podemos adaptar, uma versão mais simples e outra mais complicada”. Saí do lugar com vontade de voltar. Afinal, em meio a tanta agitação do dia a adia consegui enfim entender o que era meditar.
ANDRÉ PAULENA ALVES
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