Jornal Contramão - edição 19

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO MULTIMÍDIA - UNA Ano 5 - Fevereiro/Março 2012 - Distribuição Gratuita

nº 19

GEORGE ISARAEL + INVASÃO ZUMBI + 30 ANOS DE KID ABELHA + VERTICALIZAÇÃO + BURITIS + MOBILIDADE + TV + PAMPULHA + PLANEJAMENTO URBANO + DIVERSIDADE SEXUAL+ HIPERLOCAL + SAGUI-DE-CABEÇA-PRETA + SÉRIES


2 contramão Foto: Felipe Bueno

EDITORIAL

Reinaldo Maximiano e Jorge Rocha A edição 19 do CONTRAMÃO que chega às suas mãos é fruto de um trabalho de reportagem dos alunos do 5º e 6º período de Jornalismo. A missão era conhecer os meandros de um processo que vem alterando os contornos das cidades, a verticalização. Com o esforço de apuração concentrado nos bairros Buritis e Pampulha, os alunos se depararam com um problema grave: a infraestrutura dessas regiões não comporta o adensamento populacional proveniente da verticalização, e isso se reflete, no trânsito, na qualidade de vida e no mercado imobioliário que, uma vez

aquecido, transforma lugares como o Buritis, por exemplo, em uma verdadeira selva de pedra. As reportagens revelam, ainda, um problema histórico da capital mineira: o uso e ocupação do solo. As sucessivas leis postas em prática na cidade abriram o caminho para um redesenho desordenado da paisagem urbana. Hoje, a população sente os impactos principalmente na mobilidade. Neste cenário, surge um outro dilema, a Pampulha e a preservação de seus mananciais hídricos e do conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer e pelo paisagista Burle Marx, além de Cândido

Portinari, autor do mural da Igreja São Francisco de Assis. Esta edição destaca, ainda, os 30 anos da banda Kid Abelha, com uma entrevista exclusiva com músico George Israel. O artista acredita que a longevidade da banda se deve ao cuidadoso processo de composição das letras e das melodias, além da presença de Paula Toller à frente do trio. O sucesso da série The walking dead é o tema da crítica de mídia desta edição. Resgistra-se, ainda, uma matéria que mostra o esforço dos grupos universitários mineiros que lutam contra a homofobia dentro das universidades.

EXPEDIENTE Jornal-laboratório do curso de Jornalismo Multimídia do Instituto de Comunicação e Artes - Centro Universitário UNA. Vice-reitor: Átila Simões. Diretor do ICA: Lélio Fabiano dos Santos. Coordenadora do curso de Jornalismo Multimídia: Piedra Magnani da Cunha. Contramão. Coordenação: Reinaldo Maximiano (MTb 06489) e Jorge Rocha. Diagramação: Rodolfo Assis e Juliana Anacleto. Supervisão: Reinaldo Maximiano. Revisor: Roberto Alves Reis. Estagiários: Ana Carolina Nazareno, Bárbara Andrade, Bruno Coelho, Duda Gonzalez, Felipe Bueno, Herberth Zscherber, João Vitor Fernandes, Juliana Anacleto, Natália Alvarenga, Raquel Ribas, Rodolfo Assis, Rute de Santa, William Gomes. Tiragem: 2.000 exemplares. Impressão: Sempre Editora.

Foto da capa

Edição Anterior

Foto: Christian Gaul

Foto: Felipe Bueno


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Desenho: Diego Gurgel - 4° período de PP

CRÍTICA DE MÍDIA

TENHA MEDO! Os zumbis, personagens centrais da série The walking dead, atraem pesquisadores e metaforizam o medo do fim da humanidade

Por Bárbara Andrade - 3º período A revista Galileu do mês de março (n°248) trouxe, na editoria de cultura, uma reportagem sobre zumbis, seres que vêm ganhando cada vez mais espaço na mídia, principalmente em decorrência do sucesso da série The walking dead, do canal Fox, que está em sua segunda temporada. A reportagem levanta a pergunta: “O que levam acadêmicos sérios a investigar mortos-vivos que ficam zanzando por aí em busca de carne e miolos humanos?”. O repórter, Tiago Cordeiro, recorreu ao professor de política internacional da Universidade de Tuffs (Boston) Daniel Drezner, que defende a ideia da presença dos zumbis na produção cultural devido aos problemas na política e na economia. Drezner é autor do livro Theories of International Politics and Zombies (Teoria de política internacional

de zumbis) que faz essa relação entre crise e sobrenatural. Ao mostrar o ponto de vista do professor Daniel Drezner, Cordeiro instiga o leitor a pensar sobre a possibilidade de crises vivenciadas no cotidiano serem responsáveis pela explosão zumbi na mídia. Ao mencionar e citar, nominalmente, as pesquisas científicas neste ramo, a matéria desperta a curiosidade dos leitores, já que, para muitos, essas informações são novidades. Desta forma, a tendência é prender o leitor e mostrar que zumbis podem, sim, ser um assunto sério. Invasões Assim como The walking dead, vários filmes relatam a invasão zumbi, como Eu sou a lenda (2007), Resident Evil (que já está em seu quarto filme) e A

noite dos mortos vivos (1968). Outros seres também já invadiram às telas para atormentar a humanidade. É o caso de V (1983 e 2010), que mostra a invasão da Terra por seres extraterrestres que se parecem conosco, mas, na verdade, são répteis comedores de carne humana. Tanto em The walking dead como em V há um grupo de humanos que formam uma resistência para salvar o planeta. O que se ajusta de forma metafórica ao

Segundo Davis, a poção é produzida por feiticeiros vodus. No Haiti, o vodu é uma crença e faz parte do folclore do país. De acordo etnobotânico, dedicou a carreira a entender e conhecer a verdade sobre os zumbis, os ingredientes para tal poção de “zumbificação” são: toxina de um peixe nativo misturada às ervas alucinógenas e restos humanos como ossos e pele. Será? Os zumbis invadiram também as redes sociais. No

discurso de “Vamos salvar a Terra”, muito difundido, hoje. Redes sociais Em entrevista ao G1, no dia 28 de janeiro de 2010, o etnobotânico Wade Davis, autor do livro A serpente e o arco-íris: Zumbis, Vodu, magia negra, afirma existir uma poção que desacelera o batimento cardíaco fazendo com que as pessoas pareçam mortas.

Facebook, há uma página chamada Zumbis no Face que divulga, informações, montagens, desenhos, cenas de filmes e seriados, vídeos e frases sobre zumbis. A página tem 78.000 curtidas. O site teoriadaconspiracao.org, apresenta informações, um tanto duvidosas sobre a “invasão zumbi”, além de outras teorias apocalípticas debatidas por entusiastas desses temas. Tenha medo!


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Fotos: Christian Gaul

A fantástica fábrica de hits

George Israel: longevidade do Kid Abelha se deve às canções; o grupo sobe aos palcos para comemorar 30 anos de carreira com a turnê Glitter de Principiante

Em ENTREVISTA exclusiva, o músico e compositor George Israel, do conjunto Kid Abelha, avalia os 30 anos da banda e explica o processo de criação de músicas que não envelheceram com o tempo Por Felipe Bueno - 5º período Parece que o tempo não passou para as músicas do Kid Abelha, assim como parece não ter passado para a sua líder, a cantora Paula Toller, 49. Foi em 1982, em pleno período de agitação e renovação da música brasileira, que surgiu o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. O palco da estreia foi o Circo Voador, na Lapa. De lá pra cá a banda não parou de emplacar sucessos. Na estrada, numa turnê comemorativa aos 30 anos, Paula Toller, em várias entrevistas à imprensa, reafirma a necessidade que o grupo sentia de voltar à ativa e celebrar a trajetória, após um intervalo de quatro anos, período em que George Israel e Paula Toller se dedicaram aos projetos independentes. A banda voltou aos

palcos em Tóquio, em setembro de 2010, quando os brasileiros que moram no Japão tiveram a oportunidade de matar as saudades do Brasil dos anos 1980. Em referência ao início da carreira foi idealizada a turnê Glitter de Principiante, nome também da faixa inédita de trabalho, que sintetiza o espírito de revival da banda que foi apelidada de “Fábrica de Hits”. Para o jornalista, pesquisador e produtor musical Rodrigo Faour, as composições de letra e melodia com a marca do Kid Abelha são os elementos que contribuíram para o sucesso duradouro do grupo. “O Kid faz um som pop/romântico com letras melodiosas muito bem feitas. Nunca quis ser um grupo engajado ou pretensioso e, por isso, grande parte de seu

trabalho acabou não ficando datado”, explica Faour. Em entrevista ao CONTRAMÃO, o instrumentista e compositor do Kid Abelha, George Israel, atribui a longevidade do Kid Abelha principalmente às canções. “O sucesso do acústico [MTV, em 2002] mostra isso. Ali as músicas estão sem roupa. E, claro que, certos riffs e solos de guitarra e sax já fazem parte delas. Temos o diferencial de ter à frente da banda uma mulher com estilo vocal próprio que compõe e tem o que dizer”, avalia. Resistente ao tempo, o Kid Abelha segue seduzindo gerações. O estudante Gabriel Rodrigues, 11, é músico e fã do grupo por influência do pai. “Curto muito as músicas dos anos 1980. O que me chamou

atenção no Kid Abelha foram as melodias e, principalmente, a voz da Paula [Toller]”, revela. O cantor e compositor Renato Russo, líder da extinta Legião Urbana, morto em 1996, foi amigo de Paula Toller e deixou o seguinte registro sobre a banda: “O Kid Abelha é aquele exemplo raro dentro do chamado Rock Brasil: uma banda assumidamente Pop, com uma formação originalíssima: voz, sax e guitarra. Sem pretender desvendar grandes mistérios da psiqué humana ou tentar um registro destes tempos conturbados, o Kid acaba fazendo exatamente isso e de uma maneira, ao mesmo tempo, incisiva, bem-humorada e, extremamente, dançante”, escreveu Russo em um release sobre o álbum Tudo é Permitido (1991).


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CONTRAMÃO - O Kid Abelha é uma banda assumidamente Pop, mas com o pé no Rock. Como você avalia esse cruzamento de rotas entre entre um estilo musical e outro? George Israel - O Kid surgiu numa época de ebulição do New Wave, onde cabiam influências do Punk, do Reggae, eletrônico, do Rockabilly, do Rock e do Pop. E, no Brasil, a isso se somavam nossas influências da MPB. Como éramos uma banda autoral, a forma de arranjar e buscar uma sonoridade veio desse leque amplo. Mas, na nossa experiência musical inicial, a escola era Beatles, The Police, Rita Lee, The Pretenders, além do Blues, tudo isso dava um espírito Rock ao Pop do Kid.

CONTRAMÃO - Os seus solos de saxofone são marcas do Kid Abelha. Como foi fazer parte de várias bandas na década de 1980 e, como você se consolidou como um integrante e fiel compositor de hits do Kid Abelha? George Israel - Essas coisas você só vai avaliar muito tempo depois. Tive a sorte de encontrar pessoas muito talentosas e, junto a elas, o que eu tinha a contribuir foi valorizado. Quando entrei no Kid já compunha, tocava violão, tinha outras bandas, mas, só tocava sax, há um ano. Minhas limitações viraram estilo, pois sempre foquei mais na construção de riffs e solos

Tive a sorte de encontrar pessoas muito talentosas e junto com elas o que eu tinha a contribuir foi valorizado.

cantáveis. Como compositor, minhas primeiras músicas gravadas nem foram pelo Kid. No segundo disco, já havia duas parcerias com o Leoni. Quando ele saiu da banda, eu e a Paula começamos uma parceria que deu muito certo e rendeu mais de 50 canções. Eu, também, tive o privilegio de compor com o Cazuza.

CONTRAMÃO - As letras do Kid Abelha enfatizam as relação amorosas e, vem por outra, o sexo de forma explícita. Elas foram compostas como uma forma de quebrar os tabus dos anos 1980? Há uma relação entre a composição dessas letras com a imagem de sex symbol da Paula Toller? George Israel - Desde o começo com Como eu quero e Garotos, as letras já mostravam uma visão feminina, ácida e provocativa do sexo e do amor. Acho que a Paula gosta e sabe desenvolver e explorar isso de uma forma inteligente e particular, até com a própria imagem.

CONTRAMÃO - O Kid Abelha se consolidou como um trio, assim, a banda reúne as referências musicais que são do Bruno Fortunato, da Paula Toller e suas. Como é esse processo criativo? George Israel - Eu me vejo ligado à composição, arranjo e produção musical. Tenho estúdio e acabo dando um start nas músicas novas e fazendo um meio de campo com o produtor e outros músicos. Nos shows, sou meio coringa tocando outros instrumentos e fazendo vocal. O Bruno traz sua personalidade meticulosa e crítica, seus timbres um toque são elegantes e seus exuberantes e virtuosos. Ele, também, é bastante atento à qualidade de som em cada show que fazemos. Já a Paula faz as letras e, consequentemente, o discurso central. Ela confia bastante à parte musical a nós e costuma se concentrar nos acabamentos de voz e na mixagem. No lado estético das capas, clipes e shows, ela costuma participar e trabalhar bastante. Acho que somos complementares.


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REPORTAGEM ESPECIAL: VERTICALIZAÇÃO Raam Raa am n m mn mmm n Renata Flávia Batista- 6º período

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Nas páginas que seguem, você vai caminhar pelos canteiros de obras sem precisar suar a camisa ou sujar os sapatos. Nossa equipe de reportagem pesquisou e observou as implicações da verticalização no bairro Buritis e na Pampulha. Duas localidades com presença forte no mercado imobiliário que, por sua vez, exerce influência nas alternâncias das leis para o uso e a ocupação do solo, um problema histórico da capital. Ao longo dos anos, leis foram criadas e reformuladas, mas, no geral, todas permitiram a alteração da composição urbanística da cidade com impactos severos sobre a mobilidade. O leitor já imaginou uma Pampulha cercada por prédios? Como ficaria esse cartão postal de Belo Horizonte? O leitor já imaginou um Buritis entupido

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de construções rumo ao Belvedere (que não será o assunto deste especial), se tornando uma babel, uma selva de pedra, sem uma mobilidade eficiente? “O espaço físico é um reflexo do espaço social”, já dizia Pierre Bourdieu, em Razões Práticas: sobre a teoria da Ação, obra em que o autor analisa as diversas formas de hierarquização dos espaços, ou seja, como um indivíduo se sente mediante ao contexto social, inclusive na ostentação de um status ao morar em uma determinada localidade. Semelhante fenômeno pode ser observado na ocupação do Buritis. Os primeiros loteamentos do bairro foram anunciados, nos anos 1980, como sendo uma Zona Residencial que seria a extensão da Zona Sul e livre de qualquer obra de construção de edifícios.

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Nestas três décadas, o Buritis foi o cenário de conflitos intrínsecos à hierarquização social que alteraram o traçado original: “Uma região bem planejada para que a cidade tenha um núcleo residencial livre, arborizado, humanizado”, dizia um panfleto de venda lotes. Neste ínterim, abordase, ainda, a Pampulha, cuja concepção previa a consolidação de um bairro de referência para as elites de Belo Horizonte. Hoje, é palco de um “cabo de guerra” entre as empreiteiras e a Prefeitura, de um lado, e associação de moradores, de outro. Acompanhe, ainda, uma entrevista com o urbanista Rogério Zschaber, professor da Escola de Arquitetura da UFMG que explica os aspectos da verticalização para o desenvolvimento da cidade.

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à área pela Lei nº 7.166/96 – Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo – como Zona de Adensamento Preferencial, bem como pelo gradativo aquecimento do mercado imobiliário, fatores estes, somados à escassez de terrenos de valor acessível nos bairros da Regional Centro-Sul”, explica Vieira.

que autorizam e regulamentam todas as obras e movimentações na arquitetura de Belo Horizonte, afirmam que, realmente, esse frisson de aumento urbanístico está, sim, acontecendo na cidade e tem nome, verticalização. O Buritis, bairro da Zona Oeste de Belo Horizonte, registrou um crescimento médio populacional recorde entre todos os bairros da América do Sul – crescimento maior que 27% ao ano, em menos de 15 anos, de acordo com o gerente da Legislação e Gestão Urbana, José Júlio Vieira, arquiteto da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). “A verticalização no Buritis é um fenômeno que remonta à década de 1990. Parte de um processo de expansão de Belo Horizonte em direção ao sul, propiciada pela classificação dada

– o aumento do fluxo de veículos gera sobrecarga das vias de acesso ao bairro – e o impacto sobre a paisagem da Serra do Curral”, explica o arquiteto José Júlio Vieira. Segundo Vieira, os moradores do Buritis se manifestam contrários à verticalização não somente devido ao problema da mobilidade, mas ao impacto sobre o preço dos imóveis. “Apesar de todo o discurso de preservar a qualidade ambiental, preservar o espaço urbanístico do bairro, os moradores não desejam aquela paisagem de aglomerado predial”, afirma.

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Essa é a rotina de quem mora ou trabalha no bairro Buritis, que, hoje, se transfomou em um canteirão de obras. As ruas estão recheadas de onomatopeias que ditam o ritmo de uma parte da cidade que se expande para o alto. Aglomerados de tijolos, cimento, máquinas a todo vapor, o suor da mão-de-obra. Um vai e vem de cidadãos curiosos e questionadores em descobrir, para onde todo esse Tum, Tum, Tum vai caminhar. Um cheiro de terraplanagem. Um misto de desenvolvimento e insatisfações. Nós vamos caminhar por esse canteiro e revelar que o Buritis não foi idealizado para ser essa selva de pedra. Houve uma época em que se anunciava que os prédios jamais seriam vistos no bairro. Impressão? Ou, de fato, há excessos? Os órgãos como o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG)

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Impactos Até 1990, o bairro reunia moradores com padrão de rende-média alta. Mas com a entrada de novos empreendimentos habi-tacionais para nova classe média (pós-Plano Real), o bairro atraiu novos moradores. O crescimento ocupacional impactou na mobilidade que, de acordo com a Associação de Moradores do Buritis (ABB), é o principal problema do bairro. Os impacto também são vistos na paisagem do Buritis. “Os problemas decorrentes da verticalização estão ligados a dois temas principais: a questão viária

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Normas Há normas para o uso e ocupação do solo que limitam o processo de verticalização. Em 2003, o Conselho Deliberativo do

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Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte publicou a resolução nº 147/2003 que tem por objetivo evitar um incremento do impacto das construções do bairro na paisagem da Serra do Curral. Em 2010, com a entrada em vigor da Lei nº 9.959/10, que alterou a Lei nº 7.166/96, o coeficiente de aproveitamento (índice que, multiplicado pela área de cada terreno, resulta na medida da área que nele pode ser edificada) do Buritis foi reduzido em mais de 40%, passando de 1,7 para 1,0. Essa medida teve como objetivo evitar a continuidade do processo de adensamento na área, bem como suas consequências negativas para o local. O que devemos observar é que esta nova concepção do bairro, mediante a verticalização e aque-cimento das vendas de lotes, vem recheada de novos ingredientes: participação popular, questões ambientais e, claro, um ingrediente funda-

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mental e, fortemente, intrínseco ao Buritis, que é a presença do mercado imobiliário, que contribui para as alternâncias das leis. Quanto à desvalorização dos terrenos no bairro, este não é resultado exclusivamente do adensamento construtivo no local, mas da soma de uma série de fatores que vão desde os serviços disponíveis na região até a demanda do mercado por novos imóveis. Isto posto, os imóveis do bairro Buritis observaram um processo de valorização significativo nos últimos anos. De acordo com o arquiteto, José Júlio Vieira, apesar de BH ser apontada como uma cidade em desenvolvimento, ainda há fatores que são desconsiderados, como a infraestrutura de planejamento, por exemplo.

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CONSTRUÇÕES

Adensamento acelerado e predatório Atualmente, há 30 novos edifícios sendo erguidos no Buritis e os moradores temem a falta de fiscalização. CREA garante que as legislções são respeitadas Por Luigi Reis e Tatiane Ribeiro - 5º período Foto: Felipe Bueno

As obras não cessam no Buritis, são cerca de 30 novos “espigões” que brotam, em diferentes pontos do bairro. De acordo com a presidente da Associação de Moradores do Buritis, Fátima Gottschalg, o processo de verticalização alterou o desenho original do bairro e estrangulou suas vias de acesso viário. “Houve um adensamento acelerado e predatório em um espaço planejado para ser horizontal. Quando os novos apartamentos forem ocupados, serão em média mais dois veículos para cada unidade. O bairro não possui vias de acesso para suportar este crescimento”, explica. A presidente explica que, em 16 anos, sucessivas legislações para o uso e ocupação do solo foram se avolumando, mas o problema de mobilidade persiste na Área de Diretrizes Especiais (ADE, lei 7166). “De 1996 pra cá, houve um aumento exorbitante de construções no bairro, isso, até 2009, quando conseguimos mudar a legislação para uma mais restritiva”, explica Fátima Gottschalg. “O poder público foi omisso e a tendência é piorar. Não vemos o governo agir e, infelizmente, não temos o poder de decisão”, reconhece. Obras Mesmo com o adensamento proveniente do processo de verticalização, o bairro Buritis segue sua rotina em meio às obras. Três das maiores construtoras que operam na região possuem, juntas, 30 novos empreendimentos. A Construtora

Habitare soma 22 novas construções, com 70% dos apartamentos vendidos. A Sol Construtora possui seis com 85% dos apartamentos vendidos. E a Construtora Somathos que, também, possui duas obras, está, hoje, com cerca de 90% desses imóveis já vendidos. Em média, esses prédios têm 12 andares com dois apartamentos por andar. As construtoras não informaram as dimensões por metro quadrado de cada uma desses edifícios. O desabamento do Edifício Vale dos Buritis, em janeiro de 2012, não afugentou as obras. Os impactos nas vendas foram poucos. “As vendas não caíram, mas o consumidor está atento e quer saber quais as nossas precauções”, explica o diretor de Marketing da Construtora Sol. Já a Construtora Habitare registrou uma queda no período em que o edifício estava interditado pela Defesa Civil. “Em outubro, novembro e dezembro, as vendas caíram em 10%, mas já se normalizaram. A procura é grande”, garante o agente de vendas Reginaldo Moreira. Segundo a presidente da Associação de Moradores, Fátima Gottschalg, a população do Buritis, hoje, está preocupada com a fiscalização das novas obras. “A população não teme desabamentos, mas a falta de uma fiscalização rigorosa”, declara. De acordo com o CREA, são cumpridos todos os artigos referentes à fiscalização previstos nas leis LPOUS 71 66/96 – Leis 8137/00, 9037/05, 9959/10, em vigor.


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PAMPULHA

Queda de braço entre moradores e PBH Para urbanista, a verticalização da Pampulha é uma “insanidade”; moradores temem impactos ambientais e na mobilidade, já a Prefeitura acredita que construção de hotéis não irá alterar a paisagem do cartão postal de BH Foto: Felipe Bueno

Por Gisele Sena - 5º período

Atualmente, a verticalização da Pampulha é tema de divergência entre a prefeitura, a associação dos moradores e os próprios moradores, devido aos possíveis problemas decorrentes da construção de dois hotéis a mais de 500 metros da orla da lagoa e seus possíveis impactos ambientais, arquitetônicos e na mobilidade. O prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda ressaltou que está de acordo com a edificação. “Eles não vão se destacar na paisagem, e não trazem impacto para o trânsito”. Os moradores têm opiniões divergentes. “A verticalização pode ser boa, desde que as empresas se responsabilizem por seus empreendimentos com sustentabilidade e cooperem para a recuperação da Lagoa da Pampulha. Também pode haver uma valorização maior deste cartão postal”, defende o morador Márcio Alessandro Brambila, 32, consultor de informática. Já a moradora Joyce Mello é contra: “a Pampulha poderá sofrer um grande impacto ambiental, além de aumentar a poluição, tanto sonora como visual, além disso, temos o trânsito que já está caótico”.

anos. Ela é integrante da Associação Pró-Civitas, com ações desenvolvidas nos bairros São Luiz e São José, e define o processo de verticalização que se quer inaugurar na Pampulha como sendo “uma insanidade”. “Ela [a verticalização] altera, fortemente, a mobilidade devido ao aumento do fluxo de veículos gerando impacto nas características da paisagem na região”, declara. Suzana Schimidt afirma que quem vai sair perdendo é a própria população: “a prefeitura só fez contato com a associação dos moradores da Pampulha depois que a terraplanagem para construção dos hotéis já estava realizada”.Ainda segundo a arquiteta e urbanista, “a verticalização só inviabiliza outras coisas, como por exemplo, empresas que já abriram mão de seus projetos, por considerar a Pampulha um nicho de problemas ao que se refere à mobilidade”, defende.

Nascentes Outro aspecto destacado pela arquiteta refere-se à preservação ambiental. A verticalização e os processos de drenagem ocasionariam a contaminação das várias nascentes de água que saem da Pampulha para os afluentes do Rio das Velhas. SeInsanidade A arquiteta e urbanista gundo a urbanista, isso geraria Suzana Meinberg Schimidt, 68, um custo alto para futuras recumora na região há mais de 20 perações da lagoa.


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ENTREVISTA

O planejamento da cidade parou

Foto: Felipe Bueno

Para o urbanista Rogério Palhares Zschaber de Araújo, 56, professor adjunto do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG, o uso e ocupação do solo em BH é um problema histórico e os transtornos surgem quando não se dimensiona a infraestrutura da cidade. Palhares é mestre em planejamento urbano pela Universidade de Rhode Island (EUA) e doutor em geografia pelo IGC-UFMG.

Por Tatiane Ribeiro - 5º período

CONTRAMÃO - Existe uma queda de braço entre o mercado da construção civil e o poder público no contexto de desenvolvimento e mobilidade de BH? Rogério Palhares - Com certeza. Não só nós, moradores e possíveis compradores, precisamos e fomentamos a demanda imobiliária quanto há um certo afrouxamento das regras, por exemplo, o zoneamento previsto na Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo como um instrumento de controle do furor do mercado pelo lucro. Esta lei deveria atuar como uma guardiã dos interesses coletivos, como a não verticalização da Pampulha e do Buritis, visando a um equilíbrio maior entre as áreas. E, no geral, a população está pouco mobilizada para garantir que a lei 7.166, ou outros instrumentos de política urbana, defenda os interesses coletivos. Já o mercado imobiliário está totalmente organizado, tem vereadores que representam e fazem valer seus interesses. Existe um peso desigual

CONTRAMÃO - Na visão urbanística, o que a verticalização traz de benefícios e malefícios para o Buritis e a Pampulha? Rogério Palhares - A verticalização em si não é um problema. Ela passa a ser um problema quando torna-se sinônimo de adensamento populacional indevido, como ocorre no bairro Buritis. A verticalização no Buritis é prejudicial porque ela traduz um número de unidades habitacionais incompatível com o traçado e a largura das vias, resultando num problema de mobilidade, pois a infraestrutura deste bairro foi planejado para receber casas. No caso da Pampulha, a infraestrutura, os acessos para esta região, a largura das vias e a topografia são propícias para ocupação. Do ponto de vista do patrimônio e paisagem cultural, a verticalização ocasionaria o tráfego de veículos e de passagem, a poluição e o ruído que concorrem de forma negativa para este patrimônio que a entre os interesses imobiliários presentes na legislação de Ocugente gostaria de ter. pação e Uso do Solo e os interesses coletivos.

CONTRAMÃO - De acordo com Fátima Godishow, presidente da Associação de Bairros do Buritis, está ocorrendo neste momento um “adensamento predatório” no bairro, já que a cada andar ou apartamento podemos considerar dois carros a mais nas ruas causando problemas de mobilidade. O adensamento é necessário para o desenvolvimento da cidade, mas como evitar esse impacto? Rogério Palhares - O planejamento ideal dimensiona o adensamento à capacidade de suporte de território da infraestrutura. Em Belo Horizonte, isso é complicado porque há situações de fato instaladas.Vamos imaginar o metrô chegando no Buritis - grande parte desses problemas de mobilidade poderiam estar equacionados, pois as pessoas deixariam seus carros em casa e usariam o metrô para irem trabalhar. Acredito que seja uma questão de tempo para haver talvez uma revolução pela pressão da sociedade para um transporte públicoe coletivo de qualidade, porque as pessoas já estão quase imóveis na cidade.

A população está pouco mobilizada para garantir que a lei 7.166, ou outros instrumentos de política urbana, defenda os interesses coletivos Rogério Palhares CONTRAMÃO - O problema de ocupação do solo em Belo Horizonte é histórico? Rogério Palhares - É histórico e peca desde o início. O engenheiro Aarão Reis foi brilhante no seu planejamento do início da cidade. Destina os espaços privilegiados da cidade para as localizações mais altas: coloca a Praça da Liberdade no topo, faz a avenida Afonso Pena ascendente num sentido à Serra do Curral. Mas esse planejamento não reserva área para as populações de baixa renda, erra numa série de coisas que a gente continuou errando ao longo da história. Esse padrão que a gente vê dentro da avenida do Contorno não se reproduziu no resto da cidade. O planejamento da cidade parou.


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DIVERSIDADE

Estudantes unidos contra a homofobia Universitários se reúnem em grupos para combater o preconceito e debater temas relacionados à sexualidade Por Bruno Coelho - 1º período - e João Vitor Fernandes - 2º período Diante de casos e relatos, cada vez mais comuns, de preconceito dentro do ambiente universitário, estudantes universitários e diferentes instituições se mobilizam para formar uma consciência que respeite a diversidade sexual. O Grupo Universitário pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero (GLOS), criado em 2011, no Centro Universitário UNA, é um exemplo. “Precisamos respeitar a liberdade e a diversidade. A proposta do GLOS é promover discussões dentro de uma perspectiva multidisciplinar a respeito da diversidade sexual, tendo como eixo a educação”, explica o estudante do curso de Serviço Social, José Ribeiro, integrante do grupo. Outro exemplo é o Grupo Universitário em Defesa da Diversidade Sexual (GUDDS), que foi criado em 2007, após o registro de casos de homofobia dentro da UFMG. “O grupo foi criado para amparar essas vítimas, prestando auxílio na constante luta contra o preconceito, além de promover eventos para

o debate da diversidade sexual”, explica um dos idealizadores do grupo, Daniel Arruda. A maior dificuldade dos alunos LGBTs é o preconceito presente nas faculdades. “Tive que trancar o curso e fazer terapia devido ao forte preconceito que sofri no primeiro ano da faculdade. Eram piadinhas e indiretas irritantes, pensei até em morrer. Mas, hoje, sei que seria uma besteira. Sou como eu sou, ninguém tem o direito de dizer como eu devo ser“, relata a estudante de Administração, Mayla Soares. Relatos O estudante de Psicologia Fabrício da Costa Silva, também, lida com o preconceito na faculdade. “A homossexualidade é escassamente debatida dentro das salas de aula. Estou no 10° período de Psicologia e, lamentavelmente, me deparo com o preconceito no curso”, declara. Relatos como esses assinalam que as instituições de ensino, apesar dos regimentos internos que coíbem atos

de desrespeito e intolerância, precisam debater o tema das diversidades no ambiente universitário para combater o preconceito. De acordo com o sociólogo Alfredo Grupioni, a intolerância é um reflexo de uma sociedade desigual. “O preconceito quanto à sexualidade existe e não é apenas no ambiente universitário. O preconceito existe em todos os âmbitos do nosso país, é uma questão que passa pela educação”, defende Grupioni. Direitos O Núcleo de Direitos Humanos e cidadania LGBT (Nuh), criado em 2007 na UFMG, questiona as práticas e os valores presentes nas escolas de níveis básico e médio com o projeto Educação sem Homofobia. O objetivo é capacitar os professores das escolas públicas do Estado para lidar com questões relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero, em sala de aula e na comunidade em que atuam. O diretor executivo do projeto Educação sem Homo-

fobia, Igor Monteiro, destaca que essa iniciativa de atuar em escolas básicas é apenas uma das tentativas de erradicar a homofobia. “A conscientização da juventude é mais uma dentre várias estratégias possíveis, neste campo. A atuação com profissionais da educação, o fortalecimento da rede de proteção a direitos humanos, a formulação e efetivação de políticas públicas no âmbito da diversidade sexual, assim como a garantia dos direitos fundamentais às populações LGBT(s) são exemplos de ações que podem e devem ser tomadas nesse sentido”, informa. Em 2011, um grupo de estudantes, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), se mobilizou e criou, com o apoio dos professores, Coletivo Batalho, após registrar casos de homofobia. “A Universidade é um espaço público, regido pelo princípio da igualdade. A homofobia vai contra a base da Universidade, impedindo que o aluno LGBT se manifeste plenamente”, conclui em nota o grupo Coletivo Batalho.

Fotos: Roberto Reis


12 contramão

HIPERLOCAL

Cinco micos da espécie Sagui-de-cabeça-preta foram vistos nas árvores do cruzamento das ruas Aimorés e Bahia, ao lado do Santuário de Lourdes, próximo à redação do CONTRAMÃO, no dia 08 de março. Por ser uma região de grande movimento, com muitos prédios e pouca área verde, a presença desses ilustres habitantes da cidade surpreenderam os pedestres em meio à pressa do cotidiano. A espécie é conhecida, também, pelo nome de Mico-estrela e habita o cerrado e a savana. Texto e fotos: Felipe Bueno

contramao.una.br


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