JORNAL DE
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Publicando Cultura JORNAL DE
ARTES
Artes Plásticas | Artes Cênicas | Cinema | Musica | Literatura Porto Alegre | Agosto | 2013 | R$ 3,00 www.facebook.com/jornaldeartes www.issuu.com/jornaldeartes
OLY JR.
E A MILONGA BLUES Por
Icaro Bittencourt
Foto: Caroline Corso
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 2
Foto: Cloveci Muruci
FOTOGRAFIA
A FOTOGRAFIA COMO ATO CRIADOR Por
Clauveci Muruci de Porto Alegre/RS
O ato de criar com imagens é antes de tudo um exercício de pensar. O acaso não revela tendência que se possa ter como apoio para uma con nuidade criadora. É um ato fortuito, um acidente que poderá não mais se repe r. Criar é uma necessidade de expressão, e demanda série de cuidados, principalmente formação, (não necessariamente acadêmica). Não basta bons equipamentos, as melhores lentes e vasto conhecimento técnico se não exis r percepção e cria vidade. Esses elementos somados será o tempero que não se encontra em nenhum receituário. Não há manual para um criador, porque ele desrespeita todas as regras em busca da esté ca que se sustente como arte. Mas, ao entrar no século XXI repleto de novos conceitos e tendências. O criador, possuidor dessa considerável tecnologia e amplo conhecimento percebeu, - talvez perplexo - a massa de novos fotógrafos munidos de pequenos celulares e câmeras digitais. Agora o suporte para a fotografia deixou o papel, elaborado em sofis cados laboratórios. A foto digital, subitamente viaja em segundos a qualquer parte do planeta. O monopólio acabou. A fotografia passou a pertencer a todos. Mas, assume um novo sen do e nova nomenclatura. Fotografia Contemporânea. E como tal ainda, permanece uma esté ca estranha aos olhos de muitos observadores. É usual se dizer, que as fotografias concebidas após o grande desenvolvimento tecnológico (digital) e elaboradas no tempo presente, sejam classificadas como “contemporânea”. O que se pode observar, é que realmente, após esse avanço na técnica, houve uma revolução no campo da fotografia. Mais e mais se fotografa. E a fotografia virou mania cole va, e se democra zou a níveis nunca vistos. Não é preciso ser um grande evento social, ou acontecimentos significa vo em nossa vida par cular, para se apontar a câmera de disparar nossa emoção. Agora, qualquer coisa em qualquer hora, por qualquer mo vo é merecedor de um clic. Ficou fácil ser autor, e felizmente, temos a possibilidade de poder exercer uma a vidade que nos permite registrar acontecimentos e deles fazer uma leitura da realidade atual. A fotografia desceu das elites às massas. E a linguagem exercida pelos criadores populares é mais esclarecedora. Há o registro fiel de uma sociedade pensante, que se propõem par cipa va e conduz sua forma de ver a realidade social, sem preconceitos es lís cos próprios dos donos da técnica. O resultado dessa revolução na forma e conceito se escancara diante da Rede, repleta dessas manifestações ar s ca, apresenta a mais gigantesca galeria de fotografia. É só aprender a ler esse novo conceito. Esses trabalhos, não estão focalizando momentos de lazer, festas, ou alguma situação de entretenimento. Ao registrar a experiência os novos autores, estão criando novas percepções. O contexto esta diante de nossos olhos, imortalizado. Estamos diante de cenas urbanas com a intenção de contar história que não seriam contadas. Os novos fotógrafos estão propondo situações subje vas ou não, que levam a reflexão. O que começou como uma forma de registrar um co diano familiar se transforma em suporte a expressão com a linguagem ar s ca. Por traz de uma simples intenção de realizar uma foto, há a proposta maior de se estar criando um novo objeto de arte, de posse de um realismo despido de preconceitos. Uma nova linguagem esta cada vez mais presente, a paisagem urbana se revela por inteira, onde antes, não havia glamour, porque havia a paisagem cruel de rua de bairro, surge o gesto, impondo a imagem que não deveria exis r. Não há como ignorar a esté ca da periferia.
JORNAL DE
ARTES
EXPEDIENTE Colaboradores desta edição
Artes Plásticas | Artes Cênicas | Cinema | Musica | Literatua
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Capa: Foto de Caroline Corso
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 3
MÚSICA
Foto: Caroline Corso
OLY JR. E A MILONGA BLUES Por
Icaro Bittencourt de Farroupilha/RS *
No processo cria vo de um ar sta, uma das principais dificuldades talvez seja encontrar o próprio fio de Ariadne nos labirintos da tradição cultural ao qual ele se vincula. Ainda mais se pensarmos que esse ar sta pretende contribuir com uma originalidade que não vende uma "pureza" falaciosa, mas evidencia constantemente suas raízes e suas referências, deixando claro que parte considerável da arte emana de manifestações culturais cole vas e do ato de par lhar sen dos e significados. Para quem conhece o es lo "Milonga Blues" do cantor e compositor Oly Jr, a procura por uma iden dade musical que dialoga fortemente com as tradições musicais da milonga e do blues, mas tenta imprimir uma marca específica e qualita vamente diferenciada nesta dupla apropriação, é percebida imediatamente na arte deste músico. Oly Jr. começou profissionalmente na música a par r do Blues, em 1998. E desta escola musical veio não só a sua consolidação no meio ar s co como também uma gama de referências sonoras e culturais preservadas por ele até hoje. No entanto, a cena blueseira não sa sfez totalmente o ar sta que buscava uma marca própria e original e não apenas ser mais um representante local de um es lo musical "estrangeiro". Foi a par r daí que o músico começou a incorporar explicitamente na sua criação ar s ca os elementos da música regional que sempre fizeram parte do imaginário cultural onde viveu (o Rio Grande do Sul). Assim, entre Robert Johnson e Muddy Waters intercalaram-se a inven vidade milongueira de Bebeto Alves e Vitor Ramil, dois ícones no que diz respeito à renovação do relacionamento com a tradição musical regional. Se à primeira vista poderia parecer estranha a combinação do blues e da milonga (sen mento logo desfeito ao escutar os acordes das canções de Oly Jr.), devemos lembrar da similaridade entre essas duas tradições musicais, relacionadas à cultura afro-americana, seja aquela que se desenvolveu à beira do Mississipi nos E.U.A. ou às margens do Rio da Prata na América do Sul. U lizando-se da técnica do slide blues e dos acordes milongueiros, Oly fez uma fusão cria va e diversificada entre os dois es los, sendo que as canções do álbum Milonga Blues transitam do ponto de vista temá co e da sonoridade por diferentes combinações, como podemos exemplificar com o paralelo entre o "pacto com o demônio" e a lenda do M'boitatá, presente na letra da faixa- tulo do disco. Além disso, a combinação entre o blues e a milonga já mostra a maneira heterodoxa que o ar sta lança mão para reelaborar a sonoridade de caracterís ca regional, sem encará-la como algo estanque e digno de culto. Assim, o regional não é um "projeto iden tário" e nem uma "tradição inventada", mas uma matéria-prima móvel e aberta ao intercâmbio cultural. Desse modo, o regional nas canções de Milonga Blues é uma referência de inven vidade e diálogo com outras culturas, o que só pode ter como resultado uma produção ar s ca de cunho universalizante, isto é, de contato e de proliferação de trocas entre contextos e tradições diferentes. Na canção Delta do Jacuí, Oly Jr. expressa bem essa fusão proposta por sua arte: “Eu canto Blues com uma charla e sotaque que é só daqui/ Toco milonga como um blueseiro do delta do Jacuí”.
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 4
Por tudo isso, um dos grandes méritos, entre tantos outros, da criação musical de Oly Jr. é a postura audaciosa em relação a alguns paradigmas culturais que muitas vezes são engessados demais, como o foco no universal ou no regional, como se fossem aspectos excludentes ou o aprisionamento a es los supostamente hermé cos. Nesse caso, o ar sta é perspicaz em assumir a sua vocação cria va e experimentar intensamente as potencialidades das trocas culturais, desde à sonoridade aos temas das letras das canções. No segundo lançamento discográfico do ar sta dentro dessa proposta, Oly Jr. construiu o repertório de 10 canções com milongas presentes nos discos de Bebeto Alves e Vitor Ramil. O álbum Milonga em Blue (Notas do Delta) apresenta o músico e seus parceiros Jacques Jardim (baixolão) e Jacques Trajano (cajón e bombo leguero), conhecidos como Os Tocaios, na releitura da tradição milongueira do sul do Brasil que inspirou o ar sta. Mas engana-se quem pensa que este é um disco de "versões". Nas releituras presentes no repertório do álbum, Oly Jr. faz mesmo uma intervenção ar s ca na tradição revisitando-a pela ó ca da milonga blues e propondo novos arranjos e novas formas de abordagem das canções. Para essa tarefa, além do trio já citado, o álbum contou com a par cipação especial dos instrumen stas Paulo Inchauspe (violão solo, ukelelê e banjo), Paulinho Cardoso (acordeon) e Arthur de Faria (acordeon). Os méritos dessa empreitada ar s ca atravessam o disco do início ao fim. Primeiro, a escolha do repertório: só a presença de ¿Qué se Pasa?, do histórico LP Paralelo 30, já coloca em evidência a valorização e a pesquisa que o ar sta faz das referências cancioneiras da sua aldeia. Segundo, os arranjos bem cuidados e cria vos conseguem demonstrar as potencialidades tanto das milongas mais heterodoxas de Bebeto e Mauro Moraes quanto daquelas mais hermé cas de Vitor. Nesse sen do, Oly Jr. não só mostra a sua qualidade como compositor e arranjador, mas também contribui para iden ficarmos ainda mais as riquezas dos milongueiros urbanos sulistas.
Oly Jr. & Os Tocaios - Milonga em Blue (Notas do Delta) Ano: 2012
Foto: Caroline Corso
* Icaro Bi encourt. Nascido em Cachoeira do Sul-RS, no ano de 1985, graduado em História pela Universidade Federal de Santa Maria e Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente sou Professor de História no Ins tuto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) - Câmpus Farroupilha.
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 5 ARQUITETURA
O FENÔMENO BIENAL DE ARTE Por
Almandrade de Salvador/BA *
A proliferação de bienais de arte no mundo, nas úl mas décadas, chama a atenção para o espetáculo e a banalização da chamada “arte contemporânea”. Conforme o po de público, de curador, de ar sta, de patrocinador existe um modelo de bienal. Cada uma com suas especificidades, umas privilegiam a universalidade, outras as linguagens regionais, cada uma imprime sua marca. Qualquer coisa pode ser transformada em material ar s co e qualquer lugar pode ser este zado. Tem as dos grandes centros e as de periferia. Por trás está um sistema econômico que envolve negócios, turismo, entretenimento, economia cria va. Essas mostras não se sustentam de demandas culturais. O ingrediente cultural é como aquela pitada de sal lançada sobre a porção de batata frita. Uma bienal de arte serve para apresentar novos produtos, ou “novos autores” de um “déjà-vu” para aquecer a sociedade da mercadoria. Com o fim da modernidade e as histórias das grandes inovações na arte, em termos de novas formas e técnicas que surpreendiam, veio uma sensação de esgotamento esté co. A solução do mercado foi inves r no inusitado da ideologia da juventude, no que parece ser e revelar “novos talentos”. Não temos mais as surpresas modernas, a exemplo do Cubismo, então, reinventam-se outras com a ajuda do departamento de marke ng, porque o consumo se abastece através do fantasma do novo. Mas a arte precisa mais de reflexão do que de talentos surpreendentes. As bienais estão ligadas ao mercado como amantes apaixonados, dependentes um do outro. Se elas não são centros diretos de consumo, estão indiretamente à serviço do consumo de mercadorias culturais e de lazer. O alto custo de sua realização implica na par cipação decisiva de inves dores, patrocinadores com expecta vas de retorno. O montante considerável que movimentado anualmente mostra que o mercado está em alta. Entre a brincadeira e o ininteligível expostos, a mostra é uma vitrine onde as galerias apresentam jovens ar stas e suas novidades para ser valorizados e receber o selo de garan a cultural. Espera-se do ar sta de bienal que ele tenha pres gio, reconhecimento e valor de mercado. O sistema das galerias acaba exercendo forte influência na escolha dos ar stas, muito bem jus ficado e disfarçado no discurso do curador. Par cipar de uma bienal é uma experiência no currículo de uma ar sta que contribui para a sua inserção no mercado de arte. Até trabalhos gerados pela intuição, na total ignorância da arte produzida no passado, são valorizados e e quetados. A história da cultura não interessa para o mercado, mas a culpa não é do mercado nem do ar sta, e sim, de uma sociedade perversa que tem como referência a mercan lização da cultura.
Almandrade (ar sta plás co, poeta e arquiteto)
Uma quan dade crescente de ar stas, curadores, marchands reivindicam e apontam como alterna va para a divulgação e desenvolvimento da arte, a criação de uma bienal. Em centros com museus precários, com dificuldades de manutenção, ensino de arte comprome do, tem um crescimento indiscu vel da produção de “arte contemporânea”. Apelar para uma bienal é uma forma de escoar e dar visibilidade a essa produção. A cada dois anos uma safra nova de ar stas desperta a atenção da mídia e do comércio. As bienais são as par das preliminares das feiras de arte, elas criam público e incen vam compradores.
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 6
ARTES PLÁSTICAS
LEÓN FERRARI – O PROVOCADOR Por
Clauveci Muruci de Porto Alegre/RS
León Ferrari (1926 – 1913), ar sta plás co argen no, fez de sua obra suporte para o discurso ideológico, mais significa vo do século XX. Tal postura o submeteu a longo exílio de 15 anos em São Paulo, durante o período do golpe militar argen no. Reconhecido no circuito das artes em todo o mundo, León Ferrari, ousou em toda a sua plenitude cria va. Seus trabalhos com caracterís cas temá cas, como a“La civilización occidental y cris ana” exposta na Exposição no Centro Cultural Recoleta, em Buenos Aires (2004), sofreu perseguição de vários grupos católicos, liderados pelo então Cardeal Jorge Bergoglio, hoje o papa Francisco. A peça escultórica que mostra um Cristo crucificado sobre um bombardeiro norte-americano ganhou o Leão de Ouro da 52ª Bienal de Veneza, a mais importante bienal de artes plás cas do mundo. Ferrari teve até dia 2 de Junho uma exposição no Centro Cultural da Memória Haroldo Con , em Buenos Aires, um centro clandes no da época da ditadura transformado num espaço dedicado às artes e aos direitos humanos. Foi um lutador contra o poder e a intolerância, provocador e polêmico, fundou o clube an rreligioso dos ímpios,hereges, apostadas, flasfemos, ateus, pagãos, agnós cos e infiéis. A instalação de uma gaiola com fezes de pombos com uma reprodução do famoso afresco “Juízo Final”, de Michelângelo, na Capela Sis na no Va cano. Na inauguração da exposição, um grupo de a vistas ultra- católicos, entrou no centro cultural, danificando algumas das obras, o que ocasionou um comício em apoio ao ar sta. Pouco depois, em 1976, compilou no cias sobre a repressão da ditadura militar e as publicou num livro in tulado “Nosotros no sabíamos”. No mesmo ano, deixou o país e se exilou em São Paulo, onde ampliou suas técnicas, ingressando na litografia, nas fotocópias, entre outras linguagens. Em 1983, fez colagens com ilustrações da Bíblia e imagens eró cas orientais. Foi um crí co ferrenho da igreja, como sua obra exposta Buenos Aires, com o tulo, “Infiernos e idolatatrias”, uma cri ca as “torturas humanas e divinas”, o que rendeu a revolta furiosa da igreja católica argen na, lançando bombas de gás lacrimogêneo, no interior da ins tuição que abrigava a exposição. León Ferrari faleceu nesse final de julho, aos 92 anos, na Argen na e não pode comparecer a sua úl ma retrospec va em Buenos Aires.
León Ferrari : “Infiernos e idolatatrias”
Porto Alegre |Agosto| 2013 | ARTES | 7 CONTO
Anticuario
GAMBÁ
RESTO BAR
Por
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Sérgio Marques Teixeira de Viamão/RS
Ordem: Didelphimorphia; Família: Didelphidae; Nome popular:Gambá; Distribuição geográfica: Do oeste do Canadá ao sul da Argen na; Habitat: Floresta; Hábitos alimentares: Onívoro. O gambá possui um líquido fé do produzido por glândulas odoríferas que é u lizado como meio de defesa quando perturbado. A maioria das espécies possui hábitos noturnos e uma dieta onívora, que pode incluir frutos, artrópodes, nectar e pequenos vertebrados. Mas o que ele gosta mesmo são dos ovos e dos pin nhos do galinheiro do Seu Valdemar. A fêmea do Gambá é uma fiel companheira de seu macho. Ordem: beberrões; Família: Hominidae com hábitos e licos; Nome popular: Gambá; Nome cien fico: Alcólatra; Distribuição geográfica: Do boteco da esquina até a casa onde mora, quando acha o rumo; Habitat: Balcão de boteco, sarjeta, e às vezes em casa, às vêzes dorme encostado à cerca entre sua casa e a do vizinho. Hábitos alimentares: Vodka, Wisk, Cachaça. Igualmente ao outro gambá também este possui um cheiro caracterís co. O organismo tenta desvencilhar-se do álcool expelindo-o, o quanto o gado puder filtrar, pelos poros da pele do infeliz. O álcool assim eliminado mistura-se ao suor e a poeira formando uma “nhaca” que lhe recobre integralmente a pele. Daí emana o cheiro que lhe rendeu a alcunha de “Gambá”, por lembrar ao cheiro daquele outro animal. A fêmea deste gambá é fiel, paciente e caridosa. Acredita que um dia o seu marido ainda vai deixar de beber. Tem fé, a coitada. Espera o homem chegar em casa para lhe rar os sapatos para que ele não suja o sofá, já que é ali que ele dorme quando está neste estado. O Seu Valdemar convive com os dois Gambás, um de cada espécie. Ele acordou com a baderna que a cachorrada fazia não pá o. Saltou da cama e foi verificar. Os cachorros estavam cercando o galinheiro lá nos fundos do quintal. Imediatamente, ainda de pijama, ele pega a espingarda e a cartucheira e se bandeou para fora de casa. -Hoje eu mato este desgraçado! - Disse o Valdemar, enquanto a rava a cartucheira por cima de um ombro. Chegando ao galinheiro, viu que a cachorrada havia expulsado o gambá da área. Ele agora corria em direção ao porão de sua casa. Sal tante e com o rabo empinado, a qualquer momento ele iria expelir a sua arma letal, talvez por isso mesmo que os cachorros, espertos, não se atreviam a concluir a caçada, nham medo do banho. Então man nham uma respeitável distancia. Apesar de enormes não conseguiam alcançá-lo, ou não queriam, mas ba am-se atrás da presa, la ndo e acordando toda a gente. O animal embrenhou-se entre as tábuas que o Seu Valdemar guardava empilhadas no porão e ficou escondidinho, fazendo-se de morto e só abrindo os olhos de vez em quando para ver se os seus predadores já desis ram da caçada. O facho da lanterna percorria o porão de ponta a ponta, até que numa destas passadas, refle u num par de olhos brilhantes. Imediatamente a espingarda funcionou. E voou pedaços de gambá para todo o lado, misturado com madeiras es lhaçadas. Seu Valdemar estava orgulhoso. Acertou o bicho no primeiro ro.
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A baderna dos cachorros seguida do estrondo da espingarda acordou a vizinhança de seu Valdemar. A Vizinha de cerca nem precisou acordar ela já estava acordada, esperando o marido, outro gambá, que ainda não voltara do boteco. Estava já na hora de a rá-lo no sofá e re rar-lhe os sapatos embarrados. Ela acendeu a luz da rua e veio correndo para o pá o. - O que é que houve seu Valdemar? - Matei o Gambá.
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Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 8
LITERATURA
MAR, PAMPA, AZUL E VENTANIA Por
Eduardo Jablonski de Porto Alegre/RS *
Poeta nascido em Uruguaiana e já com mais de quarenta e cinco anos de carreira literária, Luiz de Miranda possui 38 livros publicados num total de 3.432 páginas impressas, a mais extensa obra do mundo. Com “Trilogia do Azul, do Mar, da Madrugada e da Ventania”, ganhou o prêmio da Academia Brasileira de Letras e integrou a finalíssima do Jabu em 2001. A Secretaria de Cultura de Porto Alegre concedeu-lhe o Açorianos como melhor livro de poemas em 2009. Também recebeu prêmio da Academia de Letras, Ciências e Artes Francesa em 2010, entre outros prêmios e dis nções. Os poetas sempre trabalham a cadência e a concatenação melódica da palavra. Mario Faus no disse que o poeta, ao perceber um objeto, nota um ritmo próprio nas coisas.1 Ao ler os trabalhos de Luiz de Miranda – do primeiro ao úl mo verso – percebe-se que ele compõe quase por ins nto. As orações brotam ao natural, como se o poeta as 2 recebesse de uma energia divina, mas nada tem a ver com a inspiração cul vada pelos amadores e maus poetas. Luiz de Miranda estuda poesia, lê os maiores e escreve há 45 anos. Nesse tempo, aperfeiçoou a dicção própria e seu mundo lírico e escreve como quem respira. Nestas “Vas dões da Pampa Inteira”, já no início, ele trabalha a rima, Vas dões do mundo, / eu estou aqui, / na casa onde nasci, / preparado para par r” (MIRANDA, 2013, p. 4) e desenvolve rimas toantes, porque transmite som parecido, mesmo sem trazer as mesmas consoantes e vogais. João Cabral de Melo Neto, muito admirado por Luiz de Miranda, u lizava excessivamente esse po de construção, embora o pernambucano não fosse muito adepto às imagens, mas isso não quer dizer que não fizesse algumas. Luiz de Miranda, ao contrário, baseou sua poesia na imagem e no conteúdo, talvez seguindo conselho de Guilhermino César, para quem não existe poesia sem imagens. 3
Na opinião do crí co e poeta Mário Faus no (1977), o ser humano deve exprimir da maneira mais bela o sen mento do seu tempo e do seu mundo. Na verdade, essa ideia pertence a Ezra Pound (1990, 1995). Luiz de Miranda faz poemas filosóficos, explorando o seu espaço territorial. Ele criou um território envolto por auroras, pelo vento, pelo mar, pela madrugada, pelo pampa, pela tempestade e outros símbolos. Não é que Luiz de Miranda incorpore aos seus poemas o sen mento do seu tempo e do seu mundo. O que ele faz é interpretá-los e representá-los conforme a sua ó ca, buscando sempre a maneira mais bela, na sua opinião, de fazê-lo. Não daria para dizer que se trata de autor simbolista, porque a escola pertenceu a outra época e nha caracterís cas formais diferentes. Expressões picas infestavam a obra de Cruz e Sousa, que, segundo Álvaro Lins (1963), talvez tenha sido o único simbolista legí mo no Brasil e por essa razão é considerado um dos três maiores de todos os tempos por Roger Bas de. Os simbolistas não se preocupavam em se comunicar. Queriam ser musicais, trabalhando excessivamente as aliterações (repe ção de consoantes) e as assonâncias (repe ção de vogais). O mundo de Luiz de Miranda está envolto por símbolos sem pertencer à referida escola. A mulher sempre aparece num estágio superior, não porque ele a idealizasse ou a considerasse intocável. Os símbolos do pampa, do vento e do mar embasam uma espécie de filosofia incorporando essa tríade. O poeta explora inúmeras alterna vas filosóficas e poé cas desses três símbolos, mas não lhe permite fugir das suas temá cas prediletas. O pampa e o mar são o mesmo assunto, uma vez que não passam de variações do tema, embasados no verde pampiano. Já o vento o acompanha na sua existência. A solidão não é um símbolo; está mais para um estado de espírito. Abriga poemas filosóficos com elementos que tornam o abandono ainda mais pesado. Como ele não tem muitos amigos, convida o cão e o cavalo fantasiosos para o acompanharem nesse caminho, também desér co. Esse é o mundo mirandiano. 4
O escritor argen no chama a atenção para a “aura poé ca do romance”. Walter Benjamin (1987) já havia citado a repercussão da aura da obra de arte. Quando se lê um livro de Luiz de Miranda, como “Vas dões da Pampa Inteira”, tem-se igual sensação. Penetra-se num mundo onírico, em que a imagem parece ter vida ao transformar-se num símbolo. O mesmo acontece com o pampa, o mar, a aurora, a ventania, a cor azul, a mulher, o amigo e outros elementos, que possibilitam a criação de sen mento sagrado. É como se, ao ler os poemas de Luiz de Miranda, entrássemos em atmosfera envolta pela aura da poesia. 5
No entender do con sta, romancista e crí co portenho, “poesia é, como a música, sua forma”. Luiz de Miranda age como se esta fosse uma verdade absoluta. Tanto é assim que os versos do poeta mundial poderiam ser analisados de acordo com os estudos de Ezra Pound (1990, 1995): fanopeia, logopeia e melopeia. Ainda que a logopeia tenha a ver com o conteúdo e a forma de trabalhá-lo, a fanopeia é a imagem, e a melopeia, as alterna vas de melodia. Enfim, Luiz de Miranda também acredita que poesia é forma, porém não como os parnasianos ou os poetas da geração de 1945. Enfim, desde outubro de 2000, quando iniciei a ler e a publicar resenhas e livros sobre a obra de Luiz de Miranda, o considero o maior poeta do mundo. Principalmente por causa de obras-primas como "Cantos de Sesmaria", "Monolí co", "Vozes do Sul do Mundo", "Rio de Janeiro, Canto de Luz Mar Adentro", "Salve Portugal" e estas “Vas dões da Pampa Inteira”, ninguém no Brasil chega perto em termos de qualidade imagé ca. Também estão num grupo inferior - ou no máximo no mesmo me - poetas como Dante e Virgílio, Pessoa e Pound, Eliot e Whitman. Ave, Luiz de Miranda.
1 - FAUSTINO, Mario. Poesia-Experiência. São Paulo: Perspec va, 1977. 2 - Jorge Luis Borges garan u que as ideias aparecem espontaneamente para os escritores, algo sem explicação. 3 - Ibidem, p. 23. 4 - Ibidem, p. 64. 5 - Ibidem, p. 67.
REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e polí ca. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. BORGES, Jorge Luis. Discusión. Buenos Aires: Emecé, 1964. CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem e outras metas. 4. ed. São Paulo: Perspec va, 1992. ___. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997. ___. A arte no horizonte do provável. 4. ed. São Paulo: Perspec va, 1977. CORTÁZAR, Julio. Obra Crí ca 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. FAUSTINO, Mario. Poesia-Experiência. São Paulo: Perspec va, 1977. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1987. LINS, Álvaro. Literatura e vida literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. MORICONI, Ítalo. A Poesia Brasileira do Século XX. Rio de Janeiro: Obje va, 2002. POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 1990. ___. A Arte da Poesia. São Paulo: Cultrix, 1995. RICHARDS, I. A. Princípios de crí ca literária. Porto Alegre: Globo, 1967.
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 9 Por
Gustavo Insekto de Porto Alegre/RS *
Porto Alegre |Agosto | 2013 | ARTES | 10
POESIA EM PROSA
ANTITÉTICO À FLOR Por
Djine Klein de Porto Alegre/Viamão/RS *
I. Ah, Mãe das criaturas! E Sol o astro que a todos aquece? Ele a abraça, ela túrgida de luz... Terra que o ventre se expande gerando vida! Depois, emerges de redonda ser, recolhe as sementes... Mãe-Terra inventa ternuras, seres arco-íris na planura, e nas barrancas desenha à pétalas florinhas para enfeitar seus campos. Túmida de vida me indicam seus dedos uma esquiva garça, que aos olhos das gentes visões líricas, ver paisagem assim. Estanca as pressas do menino, agora deitado rente a teu corpo estou uma criança com pesadas pálpebra..., um sono bom! Esse meu sonho só tem brotações de PAZ para as criaturas, desejo de ver teus filhos minha Mãe, em um viver com brandura. E que dá uma vontade de ser feliz! Para ser criança a gente se volta pelos caminhos da mãe. Retrocede rastros, volta o rosto e a boca pensa palavra verde. Para uma campina os olhos chamam e, que cansado de ficar rente a um chão de ferro, meu corpo em sobressaltos, esguiam-se em rama os braços... Longos voando asas e, os pés no chão reconhecem a trilha. O tempo cochilava: - Não queres mais ser criança numa ruazinha triste e, que em cada casa nem floria muito bem um quinta?... - Ave e flor atentando-me para o azul!... - Agora esses muitos, azuis (inverno na paisagem) é só um silêncio que a Terra necessita. - Mas breve terão no cias de eu ser à memória das gentes, suas borboletas? - Sim, criança! E de um amarelo passarinho com um oceano tuas asas... - Configuração que meus olhos gostam de ver bonito! Lembro agora lágrimas de Santa Luzia, Flor!
II. Vide uma flor o caule frágil, a haste sustenta um mundo. Redonda de realidades a vida nela, uma flor resguarda um absurdo de milagres. Mas que às vezes fico surda entre o borralho e a engrenagem, entre a náusea e as perplexidades. - Ser humano? Estou a um pulo das voragens.
III. Um ser é sempre um milagre. E ser flor o milagre se engrandece em belezas. Aquilo que os dedos das crianças palpitam nas cores, a forma é flor. E eu sempre fui rea va a flor. A causa disso até escuso-me um perdão: sobre-existo com uma bruta vontade de ser poeta. Eu desenhava uns versos escrevia à flor. Tinha aflições por toda a noite. Ao amanhecer abria os olhos sono lentos para ver a paisagem. Mas da janela de um apartamento vi a mim mesmo grafitada à insônia. Dentro do sono era um botão se preparando e, na manhã seguinte a flor. Voltando o rosto sobre as criaturas do “bom dia”, sorria e, havia um lago, desde o centro nos refle a. E com que gosto afagava os seus rebentos, Mãe-Terra. Naquele instante eu era o seu poeta e nha as licenças pra contar tudo ao vento.
IV. Primeiro mandava escoimar a Terra de humana mácula! Fazer prebenda ao enxadeiro e, recomendava deitar suaves as sementes. Mas semear gotas de fei ço banhando-as à lágrima, o gesto pertence a irmã Lua. E para esperar a flor eu era o mandrião. Mas que pena os homens cegos: olhos anuviados por super cies arenosas. Se a flor ainda lhes acontece estão com pressa. Ou não se reconhecem mais filhos dela: - Mãe-Terra!
V. Os pardais meninos pontuavam em ensaios para o homem à seta. Vendo desse ponto eu via todos os agudos deles, meus primos e irmãos! Na paisagem manifesto os gestos das gentes, e que as lonjuras não respondiam às dúvidas... Eu nha muitas e mais as de se perguntar, o que é uma menina? E, como era longo o tempo, grande o silêncio em que ainda estou dentro. A trilha ajustada para meus passos pensava num atalho pra escutar cigarras. Tomar um propósito para co diano com mimos... Mas a flor dissimulada! Ves da de rendas na borda do caminho se fazia bela, eu prosaico. Agressivo, num impulso roubei a margarida. De pronto a instalei na casa de um botão desertor. No meu peito sua solidez sobre o casaco, ainda me afagou. E fui vida a fora que é sempre dentro eu ter esse an go gosto por flor.
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Sons que ouço na
Cidade Baixa À noite, nem tão escura, revela a magia da música que percorre as ruas da Cidade Baixa. Rock ‘n’ Roll, Pop, Jazz, blues, Samba, Chorinho, entre tantos outros gêneros. A energia vibra no bairro mais Cult da cidade, depois, é só liberar sensibilidades, e se deixar embalar pelo som que esvoaça na noite, nem tão escura.
Circo Pocket Show - 1 ano. Foto Marcelo Amaral.
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