MOSSORÓ/RN | DEZEMBRO DE 2012 | NO 7| ANO 1 | R$ 9,90
O Sanfoneiro do rei
Memórias de guerra
Um nordestino no Braga
Dominguinhos revela detalhes de sua história com Luiz Gonzaga e com a música
O que ficou da cultura norteamericana em Natal mais de seis décadas depois da guerra
Conheça a rotina de Márcio Mossoró, um dos ídolos brasileiros no futebol de Portugal
contexto MOSSORÓ/RN | DEZEMBRO DE 2012 | NO 7 | ANO 1 | R$ 9,90
contexto
Maior que o próprio mito
No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fomos até o sertão de Exu para descobrir algo mais importante que sua própria música.
Mossoró conquista
´tri`no Selo Unicef Numa disputa com 1.799 municípios participantes e 399 vencedores em nível de Brasil, Mossoró alcança um resultado inédito ao conquistar pela terceira vez, no período de oito anos, o Prêmio Selo Unicef Município Aprovado. O prêmio é um reconhecimento ao avanço das políticas públicas no município, direcionadas à melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes, atendidos nas ações de saúde, esporte, educação e social.
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prefeita Fafá Rosado esteve em Brasília no dia 29 de dezembro de 2012, ao lado da secretária da Cidadania, Jaqueline Amaral, e do articulador do Selo em Mossoró, Adonias Vidal, para receber a premiação. O Selo é conferido pelo órgão da Organização das Nações Unidas para a Criança e o Adolescente, e na edição 2009-2012 contemplou 47 municípios do Rio Grande do Norte. O tricampeonato de Mossoró no Selo Unicef leva a prefeita Fafá Rosado a emoção e ter a convicção do dever cumprido. “Nos últimos anos, tivemos essa preocupação de criar e desenvolver ações e projetos que, de fato, contribuíssem para melhorar a vida de nossas crianças e jovens. E, graças a Deus, avançamos em vários indicadores, merecendo o reconhecimento do Unicef em três edições do prêmio”, destaca Fafá. A Organização das Nações Unidas, por meio do Unicef, avalia 32 indicadores de impacto social e de gestão pública nas áreas de saúde, educação e proteção social. “O avanço obtido nestes indicadores e projetos de participação social refletem a qualidade de vida das crianças e adolescentes”, observa a secretária da Cidadania, Jaqueline Amaral. “Um grande presente para uma gestão voltada para o cidadão”, define ela. A ONU avaliou três projetos de participação social - nas áreas da educação, cultura e esporte - e dois fóruns comunitários, encaminhados pela Prefeitura de Mossoró “Vencer todas essas edições do Selo Unicef, significa dizer que ano a ano, desde 2004, a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes está evoluindo em razão das políticas públicas de saúde, educação e proteção social, desenvolvidas pela Prefeitura”, afirma a prefeita. "Os indicadores sociais de saúde, educação e proteção social do município de Mossoró evoluíram não só em relação aos anos anteriores, mas também superaram os resultados dos indicadores sociais dos municípios concorrentes na disputa do Selo Unicef. Estes prêmios atestam o compromisso da prefeita Fafá Rosado com as crianças e os adolescentes, com também como o futuro de Mossoró" lembra Adonias Vidal.
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Os 100 anos do Rei do Baião
Entrevista
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Uma viagem ao sertão de Luiz Gonzaga
Dominguinhos e o Rei O herdeiro do baião conta tudo sobre sua vida com o velho Lua
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Tecnologia
(( Celebridade por acaso – 36
Tradição
(( A resistência das rezadeiras de Mossoró – 54
Turismo
(( As águas milagrosas da Paraíba – 60
COLUNAS & PONTOS DE VISTA POIS BEM... - César Santos
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35 SAÚDE EM AÇÃO – Costa Júnior 59 CONTXTUALIZANDO – Kildare Gomes 63 COZINHA PRÁTICA – Angelina Tavares 64 CONTEXTO INDICA – Kydelmir Dantas 65 RUBENS LEMOS FILHO – 66 PONTO DE VISTA – Anchella Monte
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Carta
do editor
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alar sobre algo que todos conhecem é um desafio dobrado. Quando, nesta edição, decidimos pela homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, assumimos um grande risco. Poderíamos cair na vala comum de escrever sobre sua história, desde o nascimento até a morte em 1989, falar sobre a passagem dele pelo Rio Grande do Norte ou apresentar o seu perfil a partir da visão dos artistas que caminharam com ele. Optamos por nenhuma e por todas elas. Explico: Desde que foi fundada em junho de 2011, a Contexto se propunha a contar histórias de vidas e retratar acontecimentos. Uma linha editorial voltada para a reportagem tendo como ponto principal o humano. Por isso, limitar a revisa a uma biografia já tão conhecida seria desperdiçar palavras e papel, além de perdermos um pouco de nossa direção. Ao descrever a viagem até Exu delineando todo o trajeto que cruza o RN, a PB e o CE e expondo todas as sensações, tendo como ponto de partida a ação de retornar a origens, como fez Gonzaga, nos pareceu muito mais sensato, emotivo e verdadeiro. As opiniões de artistas, familiares e amigos foram fundamentais, mas apenas um complemento do ato jornalístico e literário empregado neste trabalho. O resultado é o que temos em mãos. Um relato que contempla o sensorial, mas sem deixar escapar os fatos históricos, presentes na cronologia do Rei, nem o ponto de vista artístico determinado por essa fantástica entrevista concedida por Dominguinhos, o herdeiro do baião. Entramos, portanto, no segundo ano da Contexto com uma edição pra lá de especial. Mantivemos a linha e a proposta inicial, porém, além de mais leve e com uma diagramação mais limpa, a revista está ainda mais ampla, tanto na estética, quanto no alcance. Neste número, trazemos uma reportagem especial do nosso correspondente internacional em Portugal, Carlos Guerra, que acompanhou a rotina do jogador Márcio Mossoró, no Braga. De Natal, Fábio Araújo revela o que ainda existe da primeira geração Coca-Cola, quando a capital do RN foi “invadida” pelos norte-americanos na segunda grande guerra mundial e transformou nossa base aérea no Trampolim da Vitória. Raildon Lucena, de Caicó, abre as portas do Seridó para a Contexto, falando de um dos vários produtos autênticos daquela região: o boné, esse acessório que nunca sai de moda. Na Paraíba conhecemos as águas milagrosas do Brejo das Freiras e seu poder curativo. Já em Mossoró, a jornalista Izaíra Thalita descobre que a tradição das rezadeiras não desapareceu como se pensa e Higo Lima mostra como a internet tem construído ídolos relâmpagos. Não importa o que aconteça com as mídias, o jornalismo continuará vivo e forte, sobretudo quando o seu foco são as pessoas. Boa leitura. José de Paiva Rebouças Editor
Expediente
Contexto é uma publicação de responsabilidade da Santos Editora
Editor: José de Paiva Rebouças Reportagem: José de Paiva Rebouças, Higo Lima, Carlos Guerra Jr., Izaíra Thalita, Fábio Araújo e Raildon Lucena Projeto Gráfico e Diagramação: Augusto Paiva Revisão: Stella Sâmia Comercial: Hernegildo Silva e Adriana Araújo Marketing: Larissa Gabrielle Araújo Tiragem: 5 mil exemplares Colaboraram nesta edição: César Santos Kildare Gomes Rubens Lemos Filho Angelina Tavares
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Costa Júnior Anchella Monte Kydelmir Dantas
Quer enviar críticas, sugestões, dúvidas ou apenas dar um alô? Envie e-mail para: contextomossoro@gmail.com Fone: (84) 3323 8900 Contato comercial 3323-8914 Email para receber anúncios: augustodefato@gmail.com Endereço: Avenida Rio Branco, 2203 Centro – Mossoró (RN) – CEP: 59.611-400
Entrevista
O herdeiro do rei POR JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS jottapaiva@gmail.com
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ogo aos 16 anos, três depois de conhecer Luiz Gonzaga, José Domingos de Morais, o Dominguinhos, foi proclamado, na imprensa, pelo próprio Rei, como o seu herdeiro musical. 23 anos depois da morte de Gonzaga, ele relembra como tudo começou e como foi viver 35 anos ao lado do maior ídolo nordestino de todos os tempos que, se fosse vivo, completaria 100 anos. Nascido em Garanhuns (PE), o herdeiro do forró autêntico de raiz, hoje com 71 anos, fala ainda sobre a evolução do estilo nordestino e da interferência das bandas eletrônicas no forró brasileiro.
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Arquivo pessoal
EU NÃO sabia quem era Luiz Gonzaga, quem era Carlos Galhardo, quem era Ângela Maria, Nelson Gonçalves, nem Orlando Silva, que era mais velho.
CONTEXTO – QUANDO topou pela primeira vez com Luiz Gonzaga? DOMINGUINHOS – Deixe dizer do início: Quando eu conheci Luiz Gonzaga em Garanhuns (PE), que é minha terra, eu conheci Luiz Gonzaga com meus dois irmãos, Morais (faleceu aos 57 anos em Salvador/BA), que era o sanfoneiro que tocava oito baixos, eu tocava pandeiro, e meu outro irmão Valdomiro, que era o mais novo, tocava um instrumento que meu pai fazia que chamava “melê”. E, num dia, lá em Garanhuns, a gente estava tocando na porta do Hotel Tavares Correia – e nós não podíamos ultrapassar o portão, aquela coisa de hospedes... – pois bem: aí, naquele dia, nos puseram para tocar lá dentro, no salão, para algumas pessoas e, entre essas pessoas, estava Luiz Gonzaga, essa figura. Eu tinha oito anos de idade e meu irmão Morais tinha dez, o Valdomiro tinha seis anos, já tocando no melê. Aí, nós tocamos para aquele cidadão, mais umas dez pessoas, que estavam numa mesa grande. Aí ele meteu a mão no bolso e tirou um bolo de dinheiro e entregou a meu irmão, que era o mais velhinho e, o mais importante de tudo: mandou alguém escrever o endereço dele do Rio de Janeiro que, se um dia, a gente pendesse pra lá, ele ia nos ajudar. Foi assim que eu conheci Luiz Gonzaga sem saber quem ele era. Porque, eu tou com 71 anos, você veja bem há quantos anos isso aconteceu! E O SR. já conhecia ou tinha ouvido falar dele? EU NÃO sabia quem era Luiz Gonzaga, quem era Carlos Galhardo, quem era Ângela Maria, Nelson Gonçalves, nem Orlando Silva, que era mais velho. Eu só escutava algumas coisas nos alto-falantes. Quem tinha um rádio escutava muito as emissoras, quem podia ter um rádio, e nós não podíamos, porque éramos uma família grande: minha mãe teve 16 filhos, morreram alguns logo... E DEPOIS de topar com o rei, o que foi que aconteceu? BOM, nesse mesmo dia, apareceu uma senhora chamada Amerinda, dona de um
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colégio aqui em Olinda, Pernambuco. Aí perguntou: “Vocês estudam?”. “Não senhora”. “E vocês querem estudar em Olinda, Recife, Pernambuco?”. “A senhora fala com meu pai...” Aí levamos ela para conversar com pai e mãe e os dois aprovaram a ida da gente pra ficar interno, no colégio chamado Escola Prática Comercial de Olinda. Lá, era externo e internado. Nós ficamos internos. Eu passei, junto com meus irmãos, quatro anos. Chegamos lá, ganhamos uma sanfona do dono da Rádio Globo de Pernambuco, dr. Arnaldo Moreira Pinto, de 48 baixos. Meu irmão (Morais) começou a tocar e “desarnou” logo. Depois foi a minha vez e, assim, ficamos quatro anos. Aí, ela virou empresária da gente. Ela dava o estudo, mas a gente fazia programa na Rádio Clube de Pernambuco, na Rádio Jornal do Comércio, nas emissoras todas daquela época. Ganhávamos prêmio e tudo. Tocávamos nas festas dos meninos mais ricos. Mas era uma época da palmatória. A palmatória comia solta. Qualquer errinho da gente, a gente apanhava: hora de palmatória, hora de rebenque, de corda, com o que quisessem bater. A professora mesmo batia na gente. E aí, ela vestia a gente muito bem vestidinhos, vendia a gente nas festas dos meninos mais ricos, de aniversário, e a gente ia deixando ali e ela não fazia conta de nada, de dinheiro nem de coisa nenhuma, nem ela nunca mandou ajuda pro meu pai nem pra minha mãe. Nem notícia dava! Aí, quando foi um dia, nós fomos na casa do Arnaldo Moreia Pinto e Morais aprendeu o caminho. Aí, pelo menos uma vez por semana, ia bater na casa dele. Quando foi um dia o homem se incomodou: “Ô meu filho, você não está em horário de colégio?”. “Tou, mas tão batendo na gente”. Pronto, foi o suficiente para seu Arnaldo mandar fazer uma sindicância. Porque, em todo tempo da vida é proibido bater em criança, ninguém nunca ligou porque todo pai dava “um corretivo”, mas, bater em criança e ainda dos outros, é um negócio muito sério em qualquer época da vida. Aí o que sobrou pra nós? A expulsão. “Vocês vão embora pra Garanhuns que não quero mais saber de vocês aqui!”. Ela ficou com a sanfona e ficou com todas as roupas. Nós
QUEM descobriu que você e seus irmãos tinham o talento para a música? QUEM descobriu que a gente podia ganhar um dinheirinho tocando na feira foi minha mãe, num foi nem meu pai que era tocador. Ele era um tocador dos melhores de oito baixos. Afinava a sanfona de todo mundo, era conhecidíssimo, tocava em toda festa e não ia levar os filhos dele para tocar em batente de hotel, nem em feira. Mas minha mãe tinha muitos filhos e não queria que passassem necessidade; que ela mesma trabalhava numa padaria e trazia, no final da noite, aqueles pães dormidos que a gente chamava de “marroque”. Fazia um bule de café nas trempes, a gente molhava o pãozinho duro no café e comia, porque nordestino sempre ceia. E assim, minha mãe foi quem descobriu, num dia de sábado, na feira de Garanhuns, que podia ganhar um dinheirinho com a gente tocando honestamente. Aí meu pai se aproveitou disso, daí, em nossa volta (de Olinda) quatro anos depois, começou a rodar com a gente no estado de Alagoas, porque Garanhuns fica quase na divisa com Alagoas. E QUANDO vocês voltaram a encontrar com Luiz Gonzaga? MEU PAI já tinha o endereço de Luiz Gonzaga desde aquele tempo. O que é que ele disse: “Vamo simbora pro Rio de Janeiro, vamo procurar Luiz Gonzaga”. O Morais, meu irmão mais velho, tinha arranjado um amigo, que era amigo do meu pai, que foi pra o Rio de Janeiro, pra Nilópoles, e carre-
gou Morais, e Morais já estava lá há um ano. E, assim, a gente foi ver como estava a vida dele. E aí ele (o pai) levou nós dois num paude-arara. Foram 11 dias de viagem num caminhão velho. Chegamos, Getúlio (Vargas) ainda era o presidente – foi antes dele se matar – isso foi em 1954. O que é que acontece: Morais (risos) morava numa tinturaria e, nós, fomos pra lá pensando que ele estava numa casa, mas era uma tinturaria (risos), onde trabalhava, lavava roupa, coisa que eu passei a fazer depois, andando lá em Nilópoles, pra cima e pra baixo entregando roupa. Aí, no outro dia, porque ninguém dormiu quase nada, pai disse: vamos procurar Luiz Gonzaga. Chegamos a casa dele – não sei que sorte foi aquela – que o homem tava. Ele viajava demais, mas naquele dia estava em casa (risos). Aí nos reconheceu: “Oh, vocês são aqueles meninos de Garanhuns”. Aí, perguntou o nome de pai: “É Francisco”. “Senta aqui”. Aí meu pai sentou e ele foi lá dentro e veio com uma sanfoninha de 80 baixos e entregou a pai. No mesmo minuto! Num deu tempo nem da gente pedir um copo de água! Ora meu irmão, era tudo que a gente precisava! Nós não tínhamos nada, só o bisaco de botar umas bermudinhas. Aí depois, nós fomos embora e eu marquei onde era a casa de Gonzaga. No outro dia eu tava lá, no outro dia eu tava lá, no outro dia eu tava lá: feito a cantiga da perua (risos). E ele se acostumou comigo. E COMO ERA a rotina do Rei? ELE CANTAVA muito ensaiando as letras das músicas. Ele tinha um conjunto bom, com Marinêz, a rainha do xaxado, já falecida, o marido dela, Abdias, que era um grande sanfoneiro de oito baixos. Zito Borborema e Miudinho, que era o zabumbeiro. Estou lhe contando do início pra você ver que eu, com 13 anos de idade, comecei essa amizade com Gonzaga e foi até o fim da vida. Ele me levava pra gravadora (RCE), me levava por tudo quanto era canto que ele tinha amigos e me apresentava. Porque, naquela época, 1955, 1956, eram aqueles discos de 78 rotações (RPM): uma música de um lado e outra do outro. E ele, quando tinha música
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voltamos com a roupinha do couro. Acho que até pior de que quando a gente veio. A viagem para Garanhuns, 230km de Recife, era muito difícil, levava 24h e, quando chovia, era ainda pior. Não tinha estrada. Nós chegamos a Garanhuns a boquinha da noite. Fomos pra casa que era ali no Arraial, aí meu pai e minha mãe quando nos viram disseram: “Meu Deus, o que vocês estão fazendo aqui, vocês fugiram?”. “Não, a mulher expulsou a gente”. Pai era calado, pensador – minha mãe também – não tomaram nenhuma providência, não quiseram saber. Nós contamos a nossa história e eles aceitaram.
QUEM descobriu que a gente podia ganhar um dinheirinho tocando na feira foi minha mãe, num foi nem meu pai que era tocador. "
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boa, arregimentava o regional e ia pra lá, gravar aquelas duas músicas.
Eu mesmo toquei muito com ele e, quando terminava, ele me dava um bolo de dinheiro que correspondia a tudo que eu tinha feito."
E QUANDO foi que o Sr. participou de uma primeira gravação de um disco de Luiz? EM 1956. Eu fui mais uma vez com ele para a gravação, foi quando ele gravou Forró no Escuro (canta um pedaço). Ele “tava” lançando essa moda e me botou para tocar, pela primeira vez, na companhia dele. Eu tava com 16 anos – pra você ver a sorte quando marca um é pra não perde de vista – e eu não fazia feio. Aí a imprensa tinha ido para ver o lançamento de uma nova música e falar sobre os novos sucessos de Luiz Gonzaga. Foi a revista Radiolândia, na época, que fez a reportagem. E ele foi e aproveitou a reportagem e me apresentou como “herdeiro artístico dele”. Aí a revista fez duas páginas comigo, ele me apresentando: “Esse cabra da peste é meu herdeiro artístico”. Agora pra tu ver, eu não sabia nem o que era isso (risos). E a minha vida com Gonzaga foi assim. COMO era o relacionamento de Gonzaga com os músicos? ELE não acertava cachê. Eu mesmo toquei muito com ele e, quando terminava, ele me dava um bolo de dinheiro que correspondia a tudo que eu tinha feito. Era assim e eu nunca vi Miudinho, nem Zito, nem Marinêz, nem Abdias, abrir o bico para dizer qualquer besteira sobre Gonzaga. Eles viviam felizes, tocavam felizes e Gonzaga era
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um pai de família muito bom, um amigo que eles podiam contar; era uma pessoa de mão aberta que se amedrontava com pouca coisa. COMO Luiz Gonzaga ajudava a família dele? AS IRMÃS, os irmãos, quem morava lá no Rio de Janeiro morava em Santa Cruz, que era onde vivia a família dele. Ele comprou um terreno muito grande e a família toda morava lá. E eu ia nos domingos e nos sábados que eu tava à toa, e tocava com Zé Gonzaga a tarde todinha; com Chinoca, que é um amigo meu que já está com uns 82 anos e é meu vizinho lá no Rio, quando eu morava lá, porque eu fugi para São Paulo, fui morar em São Paulo. Essa família foi toda ajeitada pelo irmão. Então, tudo que eles tinham deviam a Gonzaga, sem dúvida nenhuma! Quando ele comprou as terras do Exu, um dia, ele dividiu essas terras todinhas – ainda novo. Ele mandou dividir as terras, perto da serra. Todo irmão ganhou um pedaço. Ele tinha umas encrencas bestas com Zé Gonzaga (risos), porque era muito atirado, brincalhão e falava muito e ele não gostava muito das tiradas do Zé, e ele se esqueceu dele. Aí Wilson, que era um cunhado dele, disse assim: “Gonzaga você está sendo injusto”. E ele perguntou: “Em que?” Ele disse: “Você não tá vendo que tá faltando uma pessoa?” Aí ele disse: “Quem, Zé Gonzaga?” (gargalhada) “Então você vai lá naquele pé de serra, lá aonde a água nem chega e dá o pedaço dele e ele que se vire”.
Eu sei que eu tinha de 13 pra 14 anos e estava vendo Gonzaguinha todo dia lá dentro da casa comendo bolacha e tocando violão.
(gargalhada) Foi como uma gozação, uma coisa premeditada. Ele sabia que Wilson ia ser contra, porque era quem estava fazendo a conta da divisão. NO FILME “Gonzaga – De pai pra filho”, Gonzaga aparece muito ausente da família por causa dos shows, sobretudo das mulheres com quem conviveu. Era isso mesmo ou esse é um comportamento típico de artistas, ou mesmo de nordestinos? RAPAZ, o distanciamento do nordestino é muito natural, porque, ele mesmo levou aquela surra (de sua mãe Santana, em 1930, quando ela descobriu que ele peitou o comerciante Raimundo Deolindo, que não o queria para genro e ameaçou-o de morte) e desabou no mundo pra virar Luiz Gonzaga, e voltou 16 anos depois, como ele conta, pra casa e voltou já como um grande astro da música. Esse distanciamento que acontece com a maioria dos nordestinos e gente do Norte que procura o Sul do País, o Sudeste, pra ver se melhora uma coisinha e vai ficando e, quando dá fé, já tem 30 anos que mora em São Paulo e Rio de Janeiro e não consegue voltar porque não melhorou de vida. Conquistou um “quixózinho” ali nos bairros mais distantes para morar com a família e ele não quer voltar de qualquer jeito e vai ficando. Aí, isso soa como um distanciamento da família, mas não é verdadeiro. As pessoas se comunicam direto, ficam se falando, hoje em dia com muito mais facilidade. Gonzaga ficou distante o suficiente para depois mandar buscar todo mundo pro Rio de Janeiro. Botou os irmãos tudinho para morar em terra dele, com suas casinhas, com suas coisas. E eu sou testemunha. Agora, a questão de casamento era uma coisa muito difícil, porque ele viajava muito e dona Helena (a esposa) ficava muito só. Mas ele voltava sempre. Eu mesmo ia com ele e a gente fazia a temporada toda que tinha que fazer e voltava pra casa. LUIZ falava de seu passado, de sua vida particular, de seus amores de infância ou mesmo de Gonzaguinha? PELO menos para mim ele era muito fechado pra essas histórias. Você sabe que existe um detalhe no nordestino mais antigo
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dos mais novos não questionarem coisa nenhuma. A gente tinha vergonha de fazer pergunta, viajava o tempo todo calado. Mas eu sei que Gonzaguinha morava lá no morro de São Carlos e depois foi morar com ele (Gonzaga). Eu sei que eu tinha de 13 pra 14 anos e estava vendo Gonzaguinha todo dia lá dentro da casa comendo bolacha e tocando violão. Aí o Gonzaga dizia: “Tá vendo?”. Olha só: a gente chegava da fazenda de Miguel Ferreira com o carro cheio de frutas, aí eu começava a tirar as coisas, Toinho, o zabumbeiro também, e todo mundo tirando as coisas e Gonzaguinha comendo bolacha e tocando violão. “Você tá vendo? Tem jeito não!”, Gonzaga só dizia isso (risos). LUIZ GONZAGA foi o primeiro a gravar músicas de Gonzaguinha. Como foi isso? QUANDO ele notou que Gonzaguinha já era um compositor e fez algumas músicas bonitas, como alguns maracatus, ele foi para o estúdio com o regional, comigo e todo mundo, e gravou umas quatro músicas (Na verdade foram duas) de Gonzaguinha naquele disco “Festa”. Ele foi o primeiro a gravar Gonzaguinha. Ele fez aquele disco e a gente passou a noite todinha gravando no estúdio de “Evaí” na Central do Brasil. E esse disco começou a abrir as portas para Gonzaguinha. Ele fez isso sem dizer nada pra ninguém. Ele foi gravando que tudo que ele gravava ficava bonito. Depois Gonzaguinha foi se ajeitando com ele, arengava aqui e ali, e ele cortava o dinheiro que ele dava para pagar a faculdade. Quando Gonzaguinha “mijava fora do penico” aí ele “pá!” cortava (o dinheiro). Aí depois, quando ele (Gonzaguinha) melhorava, ele (Luiz) afrouxava de novo. Fazia tudo que um pai deve fazer. Depois, Gonzaguinha se chegou mais, teve aquela fase de comunismo, de esquerda, ficou tuberculoso... Gonzaga falou numa ocasião em que estava com ele: “Ó, você é muito magrinho, você não tem corpo para aguentar o rojão não, viu! Tome cuidado. Mas não tem nada não, eu vou lá de vez em quando levar um cigarrinho pra você” (gargalhada). QUAIS eram as fragilidades de Luiz Gonzaga?
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ELE tinha uma fragilidade nos rompantes. Isso, às vezes, atrapalhava muita coisa. Porque ele tomava umas medidas, assim, muito apertadas, e depois, se a pessoa morasse longe, levava dias pra ele pedir desculpas, etc. Agora, se morasse perto, não demorava dez minutos que ele pedia desculpas. Isso é uma coisa de nordestino, mas era uma fragilidade que ele tinha. Eu mesmo levei muito grito dele, fiquei calado e fui vencendo, porque, como diz o malandro, “bom cabrito não berra” (gargalhada). Quando eu casei (1958) eu tinha 17 anos. Janete estava grávida e eu fui comunicar a ele. Aí eu cheguei e disse: “Seu Luiz eu queria falar com o Sr”. “Que é? Pode falar meu filho!”. “Seu Luiz eu vou ter de casar”. Ah, rapaz, foi mesmo que ter dado um tapa nele. Ele me deu um grito: “O que que você tá me contando rapaz! Você é doido, é? Você não é doido que eu sei, eu lhe conheço! Que história de casar é essa “Domingos?” Eu digo: “Seu Luiz, Janete está grávida”. “Mas isso lá é motivo de você casar? Você espere, você é um menino. Eu casei com 34 anos e quase não caso, como é que você vai casar com 17, você é doido? Você é um artista, rapaz! Você não pode fazer uma coisa dessas. Vá simbora que não quero mais lhe ver aqui, desapareça!”. Olhe aí o rompante. Aí eu fui embora. Veja bem: dias depois, ele me procurou e disse: “Quando vai ser o casamento que eu quero ser o padrinho” (gargalhada). Eu fui passar a lua de mel lá na fazenda dele (risos). Então ele tinha essa fragilidade.
Toquei em boate, toquei em dance, tive conjunto de baile, tudo como Neném do Acordeom (primeiro nome artístico)."
O SENHOR é do tempo do Trio Mossoró? Conheceu seus integrantes? O OSÉIAS Lopes (hoje Carlos André) eu conheci lá no Rio de Janeiro, do Trio Mossoró: João Mossoró e Hermelinda. Eu gravei muitos discos produzidos por Bastinho (Calixto) que por aqui vivia com Hermelinda. O Oséias produziu cinco discos de Luiz Gonzaga e eu toquei em todos eles. O SR. É HOJE um dos maiores músicos do Brasil, com uma das maiores sensibilidades auditivas e musicais. De onde surgiu isso? EU DEI muita sorte porque, além de tocar com Gonzaga, eu tocava na rádio e isso aguçava muito o meu ouvido: acompanhando
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calouros que nem davam o tom já entravam cantando e a gente saia procurando. Toquei em boate, toquei em dance, tive conjunto de baile, tudo como Neném do Acordeom (primeiro nome artístico). Então, isso me ajudou, porque eu peguei várias épocas: bossa-nova, peguei a época do Gil, da Gal, dos Novos Baianos, essas coisas todas. Fui músico da noite, então, músico da noite aprende muita coisa e a tocar em todos os idiomas. E eu fui desses músicos que, além de tocar com Luiz Gonzaga, que eu nunca abandonei, eu tocava moderno, tocava acompanhando todo mundo. Aí já conheci Sivuca, já conheci Chiquinho do Acordeom que tocava comigo na Rádio Nacional, porque eu tocava lá também (gargalhada). Eu me virava de tudo quanto era lado: eu tinha dois “bacurinzinho”, né? (risos). Aí eu tinha de me virar. Na Rádio Nacional era o regional de Décio Santana, na Rádio Tupy era de Rogério Guimarães. E tinha também o regional de Arlindo. Tinha o Arlindo branco e o Arlindo preto (gargalhada). Aí eu tocava com eles todos, era uma miscelânea danada e isso foi fazendo a minha música. Fui participando de tudo e, graças a Deus, nunca deixei a peteca cair. MUITOS artistas se opõem ao chamado “forró eletrônico”, tocado por essas bandas que fazem sucesso hoje, quase todas do Ceará. O que o Sr. pensa dessa nova música tocada pelo povo do Nordeste? AQUILO ali tem o lado bom. Eu vejo aquilo ali como um momento de lucidez, porque alguém tinha de fazer alguma coisa para dar uma sacudida na música nordestina. Exatamente Emanuel Gurgel formou as primeiras bandas no Ceará, conseguiu esse furo: o novo forró. Desde que eles começaram, nós sabemos que nenhuma banda toca forró, por que, um forró depende de um triângulo e um zabumba, pode ter bateria, pode ter guitarra, pode ter piano, o que quiser, mas se não tiver o zabumba e o triângulo para tocar redondo, não vai dizer que é forró que não é, é uma invenção. Mas eles, através dessa sacada do Emanuel, deram um chute muito grande e esse chute atravessou o mundo. A música nordestina muito parada despertou.
E COMO foi que surgiu o fenômeno do Forró Universitário? ENTÃO isso (o aparecimento das bandas de forró eletrônico) fez com que a gente desse uma sacudida. Apareceram os meninos de São Paulo. O Tato, do Falamansa, ficava por ali. O Paulinho, do Canto da Ema, que é um dono de forró muito amigo meu lá de São Paulo, dizia: “Dominguinhos, num dá pra você deixar o Tato dar uma canjinha aí?” e eu dizia: “Dá o que que tem, pode mandar subir”. Ele dava o tom ali em cima comigo, cantava algumas musiquinhas. Mas eles iam lá, tudo garoto bonito, novo, iam tudo ali, acho que pra arrumar namorada (risos). Durante a festa tinha muita garota bonita e eles faziam mais uma farra entre eles e eu botava eles pra cantar. Depois virou o Falamansa e aí estourou. Começou a fazer muito sucesso. Aí eu vim uma viagem aqui pra Recife e, conversando com alguns jornalistas, eu disse pra
eles: “Olhe, nós vamos passar uma vergonha danada, porque, hora dessas, vocês vão escutar falar do Forró Universitário lá em São Paulo, que é o nosso pé-de-serra, não tem diferença, mas São Paulo botando esse forró acima da média e, nós aqui, vamos passar em baixo mais uma vez. Que vocês não estão ligando pra música nordestina. Vocês estão ligando pra música de tudo quanto é canto, menos pra música nordestina. Vão dizer que lá em São Paulo estão fazendo o novo forró nordestino”. TODOS nós vimos esse fenômeno, mas isso foi de alguma valia pra o forró raiz? ISSO aí aconteceu e foi bom demais e aí, despertou o forró pé-de-serra de novo e, todo mundo, começou a arengar e as bandas começaram a dizer que eram banda de forró tal: Matruz com Leite, Forró Aquários e inventaram mil e uma bandas. Aí pronto. Eles foram benéficos pra nós. Então eu não fico com raiva deles (forró eletrônico) porque ali dentro tem muito músico bom que toca para ganhar o seu sustento. Tá entendendo meu irmão? Então eles ajudaram a gente e ajudam até hoje e estão aí dizendo que tocam forró e a gente sabe que não toca, mas vamos levando tudo irmanados e vai dando certo. Arquivo pessoal
QUAIS FORAM os prejuízos dessa música para os sanfoneiros de raiz? OS SANFONEIROS perderam espaço. Todos nós fomos tolhidos porque as bandas faziam um show-baile. Eles botavam dois bateristas, quatro cantores, dois guitarristas, tudo em dobro desde que começava até às 4h da manhã. Eu toquei muito no Ceará, no Rio Grande do Norte, no Piauí, aí as portas se fecharam. Por quê? Quando as bandas iam tocar numa festa, a meia-noite era a hora do artista. Aí a banda parava, ia descansar, tomar e comer um negocinho e o artista fazia, por volta de uma hora, o seu show. As bandas tomaram conta de tudo e não foi mais possível artista nenhum fazer show porque comandavam a noite toda e o dono da festa pagava um cachê só. Isso aí foi uma coisa muito ruim para nós, integrantes da música nordestina de raiz, porque eu só tocava, naquela época, com zabumba, triângulo e pandeiro. Era um trio. Daí uma banda daquelas com trombone, com pistão, com isso e com aquilo, e a nós éramos três gatos pingados, você imagine a diferença de som. E, muitas vezes, o som era do cara da banda que ficava fazendo maldade: tirava o som, deixava baixinho. Isso aí, até o Flávio José já passou em épocas mais perto agora, já famoso como é.
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Pois bem...
Ó Santa Luzia CÉSAR SANTOS *
A
inda adolescente, motivado pela formação religiosa de Dona Cristina e Seu Teobaldo, esperava o ano inteiro pela Festa de Santa Luzia. Do rito religioso às atividades sociais – mistura do religioso com o profano –, era o melhor período do ano, já de férias da Escola Estadual Moreira Dias, no bairro Doze Anos. Naquela época, sem a necessidade de “heróis” ou “heroínas” da educação, cumpria-se rigorosamente o calendário letivo. Na sala de aula, o compromisso firmado com os colegas para o encontro na Catedral ou na “Praça da Rádio Rural” (Vigário Antônio Joaquim). Todos devotos da santa padroeira. Roupa nova, comprada com meses de antecedência, mas guardada para o grande momento, era finalmente tirada do baú, já cheirando a naftalina, mas que dava um “charme” especial para as dez noites de festa. A noite começava com a novena. Igreja lotada. Depois, descia os degraus da Catedral de Santa Luzia para um giro na área das barraquinhas instaladas ao redor do Mercado Público Central, que hoje recebe o nome de Mercado Público Manoel Teobaldo dos Santos, meu Pai. Os jogos de “azar”, como o bazar de seu Antônio Bedel, eram tão inocentes quanto divertidos. Eu não arriscava nada, pois os trocados no bolso eram para a merenda na volta para casa. Em seguida, o passeio pela Vigário Antônio Joaquim, onde dividia a atenção entre a paquera inocente e o show da Rádio Rural (990kHz), com os radialistas Seu Mané e Duarte Neto e a música da hora do The Pop Som, depois Elo Musical, dos irmãos Hubener e Pirrita. A disputa pela “A Mais Bela Voz” era um capítulo a parte, maravilhoso. E a procissão de 13 de dezembro, com um mar de gente, um esplendor. Lembranças vivas de um passado que não volta nunca mais, porém, alimenta o espírito da devoção à Santa dos Olhos, que serve para aceitar – e entender – as mudanças
*César Santos – é jornalista e diretor da Santos Editora • email: cesar@defato.com
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de hoje na festa da padroeira dos mossoroenses. O sentimento de amor, fé e gratidão permanece intocável e ainda ecoado pela voz do padre Américo: “Mossoró, com alegria, saúda a Santa Luzia.”
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Carlos Guerra
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Uma estrela discreta Márcio Mossoró é considerado um dos principais nomes do Braga, clube que mais cresce em Portugal, mas procura ser humilde, discreto e caseiro POR: CARLOS GUERRA JR.
Q
ual é o estereótipo de um jogador de futebol? Roupas folgadas, brincos, colares, muita marra, pouca cultura, falas com muitas gírias e cercado de “mariachuteiras”? Pode até ser, mas não quando o jogador em questão é Márcio Mossoró, o meia do Sporting Clube de Braga, um dos times de elite do futebol português. Com um comportamento discreto, humildade, avesso a baladas, evangélico e sem roupas típicas de jogador, ele dificilmente seria apontado por quem não o conhece como atleta de futebol, pois procura fugir ao máximo do estilo “boleirão”. Além disso, não se atraiu pelas inúmeras “mariachuteiras” que o procuraram por conta da fama. Ele é casado com a namorada da juventude, que conheceu bem antes da fama e do prestígio que hoje possui. Com a esposa Alline, possui um filho: Nikolas, de cinco anos, a quem Márcio dedica a maior parte de sua atenção diária. “Meu maior lazer é estar com meu filho”, resume o jogador, revelando que a saudade aperta em dias de partidas em que tem concentração ou viagens. “Ligo de vez em quando para ele, se não ele chora. Eu também fico muito sentido”, confessa. Apesar de toda essa humildade, ele é visto como algo acima de uma pessoa normal pela torcida do Braga, clube que defende há quatro anos. O futebol português sempre teve uma linha divisória muito clara. De um lado, ficavam os três times que têm chances de título (Porto, Benfica e Sporting de Lisboa), do outro lado o resto dos clubes. Mas o Braga, que era visto como um pequenino há
cerca de dez anos, quebrou esse parâmetro justamente nos últimos quatro anos, ultrapassando o Sporting de Lisboa em resultados e se estabelecendo no grupo dos melhores clubes de Portugal. Além disso, participou de duas edições da Liga dos Campeões nos últimos três anos, competição que o clube nunca havia participado em seus noventa anos de história. E Márcio Mossoró é um dos poucos remanescentes desde o início dessa reviravolta. Sendo assim, seu nome é gritado intensamente nos jogos. Pela cidade, onde ele passa são pedidos inúmeros autógrafos e fotos. Além disso, recebe diversos convites, por todas as partes. E, em meio a essa fama e prestígio, o jogador diz “tentar levar uma vida normal” e explica esse reconhecimento de forma simples. “Não é nada demais, sou uma pessoa normal. Como o Braga mudou muito nesses últimos anos, é normal que o povo me reconheça. Mas isso não quer dizer nada. É normal no mundo do futebol”, justifica, ao ser perguntando se sente famoso no país. Essa simplicidade também é vista no dia a dia do Sporting Braga. Ele é conhecido por ser um jogador que integraliza o grupo, não procura problemas e é muito esforçado. Além disso, está sempre avesso a brigas. Para Marquinhos Mossoró, irmão mais velho do jogador, e que o visitou entre outubro e novembro, Márcio Mossoró é tão tranquilo que precisa se impor. “Ele é muito bonzinho, sorridente. Mesmo que esteja achando ruim alguma coisa, ele procura evitar atritos. Sempre falo para ele se impor um pouco mais, pois no mundo do futebol existe muita gente querendo tirar proveito de pessoas assim. Ele tem que mostrar suas opiniões, saber dizer não em algumas coisas”, aconselha o irmão, que atualmente trabalha como gerente de futebol, mas já jogou em vários clubes brasileiros. Em Braga, Mossoró inclusive já passou por situações como nitidamente pagar preço por produto/serviço bem maior do que deveria, porque as pessoas se aproveitaram do fato de se tratar de um jogador famoso. “Tem que dizer não uma hora dessas e ponto final”, reclama Marquinhos Mossoró. “E no time que joga, tem que aproveitar o seu prestígio para opinar nas diversas situações. Fazer com que a idolatria se torne também liderança”.
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Carlos Guerra
Márcio Mossoró, no aquecimento antes de jogo pela Uefa Champions League
O presidente, a torcida e o treinador Para o presidente do Braga, António Rodrigues, Márcio Mossoró é “um jogador invendável e inegociável”. A torcida o define como mito e canta frequentemente o grito “E ninguém para o Mossoró, ia, ia, ô”. Mas para o treinador José Peseiro, que chegou no início da temporada, trata-se apenas de um bom reserva. O jogador se acostumou a ser considerado insubstituível desde que chegou ao Braga. Seu status de meia titular, dono da camisa 8, sempre foi praticamente inquestionável. Entretanto, desde a derrota para o Cluj, clube romeno, em setembro, o atleta se tornou reserva na equipe de José Peseiro. O treinador, por enquanto, vem mantendo o prestígio com a diretoria do clube, mas a opção de colocar Mossoró no banco de reservas tem causado muitos questionamentos por parte da torcida. A segunda derrota de virada para o Manchester United, que foi decisiva para a não classificação do time na Liga dos Campeões, pesou bastante para as críticas ao técnico. E o assunto Mossoró é o número 1 nas reclamações. Na segunda partida diante do Manchester, em que o time estava vencendo por 1 a 0 e deixou os ingleses marcarem três gols nos 12 minutos finais, os xingamentos pedindo Mossoró eram intensos. Teve gente até que tentou jogar objetos no treinador, algo incomum na Europa. A entrada dele só aconteceu depois do segundo gol do Manchester, aos 38 minutos do segundo tempo. Mossoró, como de hábito, procura evitar polêmica, mas não entende os motivos que fazem o técnico optar por colocá-lo no banco de reservas, já que tem sido considerado o destaque da equipe em algumas partidas em que é titular e ainda foi escolhido o melhor jogador do país em março deste ano, pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. O Sindicato é o órgão português que gere diversas questões da carreira dos jogadores do país e faz uma importante premiação mensal, para escolher os destaques. Ainda em março, o Jornal Público, um dos mais populares e respeitados de Portugal, descreveu a im-
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portância do mossoroense na edição do dia 27 do referido mês. “Um lance em que a inteligência de Mossoró esteve a serviço do futebol. O brasileiro leu rapidamente a situação e, quando se esperava que parasse a bola no peito, optou por um cabeceamento, que teve a virtude de sobrevoar toda a gente e acabar dentro da baliza. A partir daí, o Sporting Braga estava na situação em que se sente normalmente mais confortável e o segundo golo não demorou, fruto de uma assistência primorosa de Mossoró”, publicou o diário após a vitória do Braga por 2 a 1 sobre o Acadêmica de Coimbra, que colocou a equipe na liderança do Campeonato Português pela primeira vez na temporada 2011-2012. “Acredito que posso contribuir, como sempre fiz, desde que cheguei ao Braga, mas a decisão final é do treinador”, comenta o jogador, não escondendo, porém, uma certa frustração com o banco de reservas. “O que mais estranhei foi que ele me disse que sou o jogador mais importante da equipe e depois me coloca no banco nas principais partidas”, estranha. O meio-campista já estava cogitando deixar o Braga, antes do início da temporada vigente. O objetivo inicial é retornar ao Brasil, mas ele possui contrato até 2014 e, o presidente, não aceita liberá-lo sem o pagamento da multa rescisória de 15 milhões de euros. O banco de reservas é um fator que intensifica esse desejo, mas a liberação não é algo tão simples. “O presidente é taxativo em dizer que sou inegociável e que não me deixa jogar em outro clube português. Para outro país, ele não é tão inflexível, mas só aceita se pagar a multa integral”, comenta Márcio Mossoró. “Outro dia um clube chegou oferecendo dois milhões e o presidente não aceita conversar”, complementa. Mas o desejo de sair não chega a ser intenso. Ele se sente muito à vontade na cidade e no clube. Além disso, tem como meta a conquista de um título oficial, já que a equipe ficou inúmeras vezes “no quase”. “Já fomos vice da Liga Europa e do Campeonato Português, mas chega de tanto vice. Quero mesmo é conquistar um título pelo Braga”, confessa. A torcedora do Braga Jéssica Miranda resume a importância de Márcio Mossoró para o clube. “Sem dúvida um dos melhores jogadores da história do grande Sporting Clube do Braga, adorado por todos os adeptos braguistas e muito elogiado pela imprensa portuguesa. ‘E ninguém para o Mossoró, ia, ia, ô’ é a música mais cantada no estádio quando o Braga joga, é a maneira que os torcedores mostram a insatisfação com a ausência constante do jogador Márcio Mossoró em campo. Tal manifestação mostra que este grande jogador ganhou o coração de muitos com o valor futebolístico que mostrou no Braga durante os últimos quatro anos. Os torcedores devem ao Mossoró um grande respeito por todas as conquistas nunca antes conseguidas, e também pelo próprio respeito que agora todos os outros times têm por nós, tratando-se de um verdadeiro Guerreiro do Minho (província onde fica localizada Braga) e que todos esperam continuar a dar alegria e orgulho”, disse a torcedora, agradecendo a oportunidade de poder falar sobre o ídolo.
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“Ele merece uma estátua”, diz o roupeiro
Carlos Guerra
A humildade de Márcio Mossoró é percebida na ação dele na vida do garoto Marcos Heronildes, então roupeiro do Baraúnas. Márcio realizou treinos no time de Mossoró, durante as férias do meio do ano e percebeu o esforço do rapaz. Com isso, conseguiu uma vaga para o jovem no Braga. E Marcos, de 19 anos, foi acolhido na casa do ídolo, onde recebeu um quarto próprio e bastante confortável. “Ele estava lá nos treinamentos do Baraúnas, aí percebeu que eu tratava bem os jogadores, que me esforçava para conservar as chuteiras de todos eles. Daí, começou a dizer que ia me levar para o Braga, mas eu pensava que era brincadeira. De repente, ele mandou eu tirar meu passaporte e depois enviou as passagens. Fiquei sem acreditar”, conta o rapaz. Antes de conhecer pessoalmente Márcio Mossoró, o roupeiro diz que tinha uma admiração por ele, além de ter amizade com os três irmãos do jogador, já que todos passaram pelo Baraúnas. Pedrinho joga no Leão desde 2010, Zezinho é gerente de futebol e já realizou outras funções no clube nos últimos cinco anos e Marquinhos jogou no Tricolor ano passado. E Marquinhos, como é conhecido o roupeiro do Braga-B, conta que Márcio Mossoró o trata como um filho. O jogador não faz diferenciação no tratamento entre o roupeiro e o restante da família, além de não
exigir que o jovem use o dinheiro que recebe para gastar em casa. “Acho que é muito difícil nos dias de hoje, alguém pegar uma pessoa já criada e levar para sua casa, para morar com sua família. Então, eu só tenho a agradecer por demais a esse tratamento que eles têm comigo. Márcio e Alline são meus pais aqui e Nick meu irmão. Nunca imaginei conhecer pessoas tão maravilhosas em minha vida”, comentou. Marquinhos confessa: não imaginava que Márcio Mossoró contava com tanto respeito e fama em Portugal. Segundo ele, todos conhecem bastante o jogador na cidade de Braga e, quando o atleta é visto nas ruas, causa euforia aos torcedores. Por isso, é comum que o jogador seja parado para fotos e autógrafos no dia a dia. “Eu nunca imaginei que ele tivesse tanta moral aqui em Portugal. Ele é muito famoso e tem credibilidade total com o presidente do Braga. É um jogador que vai ficar marcado eternamente na história do clube. Na sala de troféus, tem foto dele. Em todo lugar tem foto dele. Merece que façam uma estátua, pois é o maior ídolo do clube”, comentou Marquinhos, que vai retornar ao Baraúnas no final do ano. “A situação financeira para roupeiro aqui, já que sou do time B, não é muito diferente do Baraúnas, que agora vai melhorar, porque vai jogar a Série C. Então, eu vou voltar, mas a experiência está sendo incrível. Só tenho que agradecer a Márcio Mossoró por essa oportunidade”, declarou, lembrando sobretudo a oportunidade de ter conhecido Cristiano Ronaldo.
Atuando pelo time do Braga no Campeonato Português
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Márcio não se profissionalizou em Mossoró taque da equipe. Como o Marítimo não possuía dinheiro suficiente para comprá-lo junto ao Internacional, o Braga entrou na negociação e adquiriu o atleta por quatro anos, para o início de um projeto de revolução do Braga, que havia sido apenas o oitavo colocado na temporada anterior. Márcio teve alguns problemas de contusão em seu início no Braga, mas se recuperou e se firmou como um dos ídolos do clube e líderes do projeto, que está funcionando. E como está funcionando! Carlos Guerra
A passagem de Márcio Mossoró pelos campos de Mossoró foi muito pequena. Ainda juvenil, o jogador foi levado da Escolinha do Israel, localizada no bairro do Alto São Manoel, para o Ferroviário, clube da cidade de Fortaleza. No Ferrão, se profissionalizou aos 18 anos, em 2001. Depois ainda atuou pelo Santa Catarina, clube que disputava a segunda divisão do Campeonato Catarinense. Nos campos de Santa Catarina chamou a atenção de empresários, que o levaram ao Paulista de JundiaíSP ainda em 2002. Como era jovem, o jogador teve poucas oportunidades no início da passagem pelo clube. Entretanto, surgiu de vez no momento mais importante. Transformou-se na referência do time na Copa do Brasil de 2005, em que o Paulista se tornou campeão. “O Fluminense já se sentia campeão, porque ia enfrentar um time pequeno na final. As faixas já estavam prontas para os jogadores deles, mas a festa foi feita pelo Paulista, que tinha um time muito preparado e coeso”, lembra Márcio Mossoró, que saiu levantado pelos companheiros de time, após o título, e era o craque e capitão da equipe. O jogador recebeu inúmeras propostas, devido ao sucesso. Ele aceitou a oferta do Internacional. Em Porto Alegre, Márcio Mossoró esteve entre 2005 e 2008. Mossoró não se firmou como titular, mas era sempre um jogador útil. Em dois anos, atuou em 58 partidas e marcou cinco gols, além de ter conquistado a Libertadores em 2006 e a Recopa Sul-Americana em 2007. No final de 2006, ficou fora da relação dos convocados para o Mundial Interclubes, que foi vencido pelo Colorado. Essa exclusão arruinou a relação entre o jogador e o técnico Abel Braga. Por isso, o atleta foi emprestado depois de seis meses ao Marítimo, de Portugal. O Marítimo foi o quinto colocado no Campeonato Português de 2007/2008 e o jogador foi o grande des-
Márcio com o filho antes de entrar em campo
Últimas jogadas serão pelo Baraúnas O fato de nunca ter jogado em Mossoró intensifica o desejo do atleta em defender a camisa do seu time do coração: o Baraúnas. Márcio não esconde que é torcedor fanático da equipe e inclusive acompanha todos os jogos que pode, ao lado do filho Nick e do ex-roupeiro leonino, Marcos Heronildes. “Nick já é Baraúnas apaixonado. É paixão de pai para filho”, brinca Márcio Mossoró. A família de Márcio Mossoró é tradicionalmente tricolor. E uma prova dessa ligação com o Baraúnas é que o pai deles, seu Geraldo, chegou a se dizer envergonhado com o filho mais velho, Marquinhos Mossoró, porque ele optou em jogar no rival Potiguar, depois de ter sido pouco aproveitado no Tricolor, em
meados da década de 90, no início da carreira de Marquinhos. “Para ele, não importava se eu tivesse jogando ou não. O que ele queria mesmo era que eu ficasse no Baraúnas para sempre”, comenta Marquinhos. Seu Geraldo, porém, ficou mais aliviado porque Marquinhos esqueceu a mágoa do Baraúnas e encerrou a carreira no clube em 2011. O pai deles ainda pode festejar o Tricolor torcendo também pelos filhos, já que Zezinho e Pedrinho continuam trabalhando no Leão. Zezinho segue como gerente de futebol e o meiocampista Pedrinho tem contrato até 2014. Agora, é só esperar alguns anos e ver Márcio com a camisa do Baraúnas.
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do
chapéu
de couro
Gild oB ent o
ao boné Sob o sol escaldante do sertão, um acessório pra lá de simples pode, sim, fazer a diferença. Aliado a um protetor solar dos bons e àqueles óculos escuros, está formada a vestimenta quase oficial, do neo-sertanejo, ideal para amenizar os efeitos causticantes dos raios solares.
POR: RAILDON LUCENA
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Geraldo dos Santos produz chapéus de couro há 40 anos, em Caicó
E
m pleno semiárido nordestino, o boné tem essa função protetora. Mas, a peça é bem mais relevante do que isso. O município de Caicó, situado a 280km de Natal, é hoje o segundo produtor nacional de boné. Ficando atrás somente de Apucarana, no Estado do Paraná. A capital do Seridó chegou a sediar a Expoboné, em 2010, evento nacional que atraiu os olhares do Brasil para os rincões seridoenses. Além da troca de experiências entre os empresários do segmento, a Expoboné gerou um volume de negócios da ordem de R$ 1 milhão. Mas, antes de falar um pouco mais sobre os aspectos econômicos do boné, é bom voltar no tempo para saber, afinal, como toda essa história começou.
Do couro ao tecido Os vaqueiros seridoenses, desbravadores do sertão, precisavam se proteger do sol e dos espinhos da mata caatinga. Eram os chamados “tropeiros”. A confecção de chapéus de couro acabou emergindo diante dessa necessidade, além da produção de roupas e outros acessórios de couro. Essa tradição ecoa até os dias de hoje. As vaquejadas ainda incorporam esses elementos clássicos, como reminiscências daquela época. Em meados da década de 80, o boné, como conhecemos, enfim, chegou a Caicó. O produto vinha de São Paulo e de Caruaru/PE. O boné pernambucano era confeccionado em tecido sem dublagem, o bico era de papelão, na parte traseira havia um elástico e a pintura era feita à mão. Os símbolos regionais eram retratados nessas peças, vendidas nas vaquejadas, junto aos chapéus de couro, produzidos em Caicó. As chapelarias estavam em alta, mas com a base produtiva local focada na cotonicultura, logo a produção de boné ganhou força. Uma inserção bastante natural, tendo em vista a necessidade de atualizar a tradição do chapéu de couro para o novo público emergente. O boné assumia seu papel no mundo da moda, em meados dos fetichistas anos 80. E quem, diacho, não iria querer se atualizar? Como não existiam lojas de acessórios para bonés em Caicó, os aviamentos eram adquiridos em Caruaru/PE, Campina Grande/PB e Santa Cruz do Capibaribe/PE. O bico e o regulador vinham de Apucarana/PR. Essas bases deram margem para formação do circuito produtivo do boné que hoje é forte e integra os municípios de Caicó, Serra Negra do Norte e São José do Seridó.
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Linha de produção de indústria de bonés: um negócio lucrativo que movimenta a economia do Seridó
Negócio que faz a cabeça O espírito empreendedor do seridoense foi preponderante para impulsionar a produção regional de bonés. Os números são impressionantes. A região do Seridó conta, hoje, com 80 empresas que geram, em média, 30 empregos diretos. Cada funcionário produz cerca de 1000 peças por mês. O que representa uma produção de 2 milhões e 400 mil bonés mensais. Ou seja, o negócio é lucrativo e sustenta muita gente. De olho na Copa do Mundo da Fifa, o setor boneleiro já está se organizando. O torneio de futebol será uma excelente oportunidade de negócios, através da produção maciça de bonés promocionais. O Sebrae pretende auxiliar os micro e pequenos empresários desse segmento com realização de rodadas de negócios e desfiles personalizados, aproveitando muito bem esse filão. Para o empresário Francisco das Chagas Sena de Medeiros, a Copa do Mundo vai proporcionar oportunidades incríveis para o segmento, levando o boné seridoense para todos os recantos do planeta. “Esperamos que apareçam oportunidades de negócios. Estamos preparados com produtos de alta qualidade e trabalhando com o diferencial do marketing”, completou. Essa organização da indústria boneleira já vem sendo feita através do Arranjo Produtivo Local (APL) que conta com a participação das empresas da região. Também integram essa APL o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN), a Associação Seridoense dos Fabricantes de Bonés, o Sebrae a as prefeituras. As empresas participantes da APL recebem ações de consultoria, capacitações gerenciais e financeiras, análise de custo e possibilidade de acesso a mercado. É uma forma e tanto de atualizar os empresários sobre as tendências do mercado, promover a capacitação dos funcionários e incentivar a adoção de novas técnicas para melhorar o produto.
Heróis da resistência Apesar do sucesso do boné, há quem ainda resista na produção de chapéus de couro. O senhor Geraldo dos Santos produz chapéus de couro há 40 anos, em Caicó.
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Ele utiliza como matéria-prima o couro de carneiro ou de bode, adquirido em Caicó ou em Cabaceiras/PB. Os seus principais clientes vêm de Juazeiro (CE) e Caruaru (PE). Segundo ele, o chapéu de couro tem tudo a ver com o forró, não esse industrial que toca por aí, atualmente. O autêntico pé-de-serra. “A admiração dos nordestinos por Luís Gonzaga e Dominguinhos faz com que sempre tenhamos encomendas de chapéus, utilizados pelos reis do forró”, completou Geraldo. Seguindo essa premissa, o lançamento do filme “Gonzaga – De Pai Para Filho”, do diretor Breno Silveira, bem que poderia impulsionar a produção de chapéus de couro no Brasil. Ecos da pós-modernidade onde a tradição convive, muito bem, com o que há de mais o moderno. A comoção ocasionada pelo filme pode, quem sabe, gerar uma série de artigos inspirados no “Rei do Baião”, que em 2012 comemorou o seu centenário. Seria o retorno triunfal do chapéu de couro?
• Crônica-reportagem A morte como inimiga
A
campanha de Jailson Bento foi uma das melhores que ele já fez. Só não contava com uma inimiga impiedosa, a morte. Tudo estava certinho como manda a cartilha. A propaganda, os apoios e a participação popular, o que o tornava favorito, mesmo sendo da oposição. É obvio que tudo isso pode não passar de superstição, mau agouro ou coisa desse tipo, mas que há muita coincidência, ninguém duvida disso. Parece que a dita cuja caminhou contrária a seu projeto só pelo capricho de fazer injustiça. Começou deixando recado. Logo cedo, antes de Jailson decidir disputar o cargo, foi avisado da morte de um velho amigo e apoiador. Francisco Hélinton Parente, 65 anos, conhecido por todos como Beba Parente, era um ilustre filho de Exu, no sertão de Pernambuco, bem no pé da Serra do Araripe. Era gerente do Parque Aza Branca, último patrimônio deixado por Luiz Gonzaga, o rei do baião, nascido naquelas terras. Um homem de estima e de muita confiança de Jailson que foi levado num dia em que o sertão nublou de tristeza. O candidato sofreu a perda do amigo, como ainda sofre, mas nunca desconfiou que esse acontecimento fosse apenas um dos episódios drásticos de sua trajetória recente. Jailson fora prefeito por um mandato e pensava em retornar à chefia do executivo com a ajuda dos amigos. Contava com os ilustres, como o Beba, mas também tinha do seu lado os Alencar, outra gente importante e responsável pelo desenvolvimento do Exu. Os Alencar, da mesma árvore da heroína brasileira Bárbara de Alencar, nascida ali mesmo naquelas plagas, e do ilustríssimo escritor cearense José de Alencar. Os Gonzagas, da família de Luiz, também tinham simpatia por ele que foi um dos grandes incentivadores e apoiadores da cultura gonzaguiana. Jailson é um dos tantos que teve a oportunidade de ver Luiz Gonzaga arrastar as sandálias pelas ruas de Exu. Ainda ganhou dele um terno de futebol que o tornou ainda mais exuense, por poder cumprir a tradição de que todo filho da cidade tem de ter uma história com o rei do baião. Mais não era tudo: ele teve o avô, Chico Bento, citado numa das músicas do velho Lua e, isso, o tornava ilustre, mas não um besta, pelo contrário: o homem se fez um grande populista e, por conseguinte, candidato. Vem desse contexto, histórico e familiar, grande parte da coragem de continuar político, porque dinheiro ele nunca teve. O descendente da família Bento, embora tenha sido prefeito, nunca conquistou posses. Só comprova um salário mínimo como funcionário público, mora na mesma casa que pode comprar faz tempo e anda num desses carros dos mais populares. Isso, talvez, seja o que o torna mais próximo do povo pobre do Exu. Conhece tudo pelo nome e vai tomar café e jogar conversa fora
Jailson Bento perdeu a eleição em Exu (PE) por ironias da morte
com quem lhe der cabimento. Foi inclusive num desses passeios que ele começou a desconfiar da traição. Partiu cedo, no sábado, véspera da eleição, para visitar Raimundo Izá, morador da zona rural, mas bateu em porta vazia. Izá tinha ido à feira. Antes de chegar de volta na cidade, o visitante recebeu a notícia: Izá morreu. No caminho para Exu, Izá, forte feito um garrote, sentiu o ataque nos peitos e caiu pronto. Morreu na estrada sem direito a reclamar de nada. Um golpe para o candidato que além de perder um velho amigo de prosa, seguia para o pleito com um voto a menos. Obvio que, na altura dos acontecimentos, não era essa a sua lembrança. Amigo é amigo, independente de voto, embora a situação tenha sido fatídica. Jailson se preparava para o velório quando foi informado do inusitado. Toinho, outro que gostava de ver de quando em vez, também partira, assim, sem dizer por que. A notícia foi um tiro. Perder um amigo já é ruim, agora perder dois no mesmo dia é assombração. E perder era um verbo indigesto àquelas alturas. Pensou um pouco em tudo isso, mas não podia se dar ao luxo. Domingo era a eleição e ele precisava votar e pedir voto até o final do dia, que quase não chega. Jailson contava com seu retorno ao comando do município, mas não desconfiava do estrago da inimiga. Quando terminou a apuração é que se deu conta do golpe. Faltaram dois votos para a sua vitória. Um que fosse deixaria a eleição empatada e ele, por ser mais velho, levaria o pleito e seria prefeito. Teve 10.022 pessoas do seu lado, contra 10.023 do seu oponente, prefeito e candidato à reeleição, Léo Saraiva. Trágica coincidência, duas pelo menos, mas já era tarde e não havia o que dizer: destino é destino e ele ainda tinha dois enterros para acompanhar.
POR: JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS
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Sobreviventes
Mais de 67 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, fomos procurar o que ia restou da influênc , na ca eri norte-am la pe el áv ns respo implantação do a Trampolim da Vitóri
da geração coca-cola
POR: FÁBIO ARAÚJO
“
Comandado por militares dos EUA, um campo aéreo brasileiro em Natal se torna a encruzilhada mundial do período da guerra”. Com essas palavras de abertura, a prestigiosa revista Life dedicou, na edição de 6 de setembro de 1943, seis páginas a uma reportagem, ricamente ilustrada, sobre a rotina dos soldados norte-americanos na capital potiguar durante a Segunda Guerra Mundial. Não era para menos: um ano antes, o Departamento de Guerra dos EUA classificara Natal como “um dos quatro pontos mais estratégicos do mundo”, no mesmo nível de Suez, Gibraltar e Bósforo. De fato, a posição geográfica do litoral potiguar – ponto mais próximo entre América e África – permitia o controle militar do Oceano Atlântico, o que lhe transformou em ponto crucial durante o conflito. A presença dos soldados americanos mudou a cidade para sempre: a pacata capital, que contava com cerca de 40 mil habitantes e ia apenas da Ribeira ao atual Aeroclube, viu-se de repente “invadida” por um imenso contingente militar que chegou a 10 mil soldados e ficou na cidade entre 1941 e 1947. O impacto foi imenso e duradouro. Testemunha ocular da época, o comerciante Antônio Figueiredo Cavalcanti, nascido em 1933, é taxativo: “Natal só é Natal por causa daquele período, que trouxe um avanço muito grande”. Para se ter uma ideia, o Rio Grande do Norte foi o primeiro lugar da América Latina a ter uma fábrica da Coca-Cola, a quarta do mundo, construída especialmente para atender aos militares. O natalense aprovou a novida-
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Frankie Marcone
de, claro. Outros costumes “modernos”, como mascar chicletes, também chegaram aqui primeiro. “Muita gente trabalhava na base e levava Coca-cola pra casa”. “Seu Figueiredo”, como é conhecido, nunca se esqueceu das noites escuras em que todos os irmãos se juntavam no quarto sob a luz de uma única vela – a escuridão era imposta por causa do risco de ataques alemães. “A gente colocava a vela embaixo de um alguidar (bacia de barro) para a claridade não subir. A luz ficava só no chão”, conta. O medo era alimentado por notícias como “o iminente ataque de uma esquadrilha alemã vinda de Dacar, no Senegal”, que eram transmitidas pelo sistema de autofalantes nos postes montados por Luiz Romão nas ruas da cidade. Felizmente, a informação se provou falsa. “Era como estar na zona de guerra, pessoas desmaiavam, não saiam de casa. Teve gente que saiu correndo e não voltou até hoje”, diverte-se Figueiredo, dono de uma loja de eletrodomésticos na rua das Virgens, Ribeira, onde atua há 40 anos. Ele se lembra da pista construída para fazer a ligação da cidade com a base aérea de Parnamirim. Foi a primeira do estado com uso de asfalto e correspondia às atuais avenidas Hermes da Fonseca, Salgado Filho e a BR-101. “Na época, mal dava para passar dois carros. Depois é que alargaram”. Do traçado original sobrou muito pouco; dois trechos da marginal da BR, um em frente à fábrica da Kero-Kero e outro nas proximidades da Avenida Maria Lacerda, este ameaçado por obras realizadas pelo DNIT. Um capítulo à parte eram os cabarés da Ribeira, points preferidos dos gringos para as agitadas noites dos finais de semana. Nomes que marcaram época e adquiram grande status na cidade, como Rita Loura, Maria Boa, Zéfa Paula. “Todas mulheres muito bonitas. Já havia cabarés antes dos americanos, mas eles cresceram muito durante a guerra. Depois, com o tempo, fecharam todos”. O antigo Grande Hotel também vivia cheio, com grande movimento de oficiais e autoridades de vários países. A lista de famosos que passaram por Natal na época inclui o arcebispo de Nova York, dom Francis J. Spellman; o príncipe Bernard, da Holanda; o presidente do Paraguai, Higinio Morringo; as primeiras-damas dos Estados Unidos e de Formosa; o embaixador britânico, Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil); o ministro das Relações Exteriores da China, T. V. Soong; atores como Humphrey Bogart e Clark Gable e músicos do quilate de Glenn Miller e Al Johnson. Foi uma época em que o dinheiro circulava fartamente em Natal, com efeitos negativos e positivos. “Muitos engraxates de rua aprenderam inglês e diziam ‘goodshine, myfriend’, pois os americanos adoravam manter suas botas bem brilhosas. Eu tinha vontade de fazer isso também, pois via vários deles ganhar dinheiro e comprar até bicicleta, mas minha mãe não deixava, dizia que era coisa de marginal”, lembra Figueiredo. Ao mesmo tempo, muitos “bandoleiros” vinham de fora atraídos pela movimentação. E o custo de vida aumentou muito na cidade. O comerciante lembra que uma dúzia de ovos aumentou de 100 para 500 réis.
“Natal só é Natal por causa daquele período, que trouxe um avanço muito grande” Antônio Figueiredo Testemunha ocular da época
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Tipógrafo aposentado Dinarte Bezerra, 80 anos, ia para as matinês todos os domingos
As matinês – Outro integrante da nossa primeira “geração Coca-Cola” que guarda na memória as impressões e lembranças da época é Dinarte Bezerra de Andrade, 80 anos, tipógrafo aposentado. “A gente ia no domingo para as matinês e via o pessoal bem vestido. Todo mundo ganhava o dinheiro que os galegos despejavam aqui. Não só bares e restaurantes, mas todos os fornecedores. Os engraxates viviam bem, ganhavam igual a gerente de loja e saíam de táxi com as namoradas”, atesta. Dinarte tinha uma irmã que trabalhava para a Pan Air e um irmão que era funcionário da Base Aérea. Ele lembra que muitos natalenses criaram a família vendendo verduras para os americanos. “O pagamento era em dólar mesmo e era preciso trocar por mil-réis e depois cruzeiros, as moedas nacionais da época. No Grande Hotel funcionava uma casa de câmbio. Nos cassinos, frequentados principalmente pelos oficiais, também se podia trocar o dinheiro”, acrescenta. Para efeito de comparação, Dinarte afirma que, antes dos americanos chegarem, quem tivesse uma nota de 500 mil-réis já era automaticamente considerado suspeito de ter participado do assalto ao Banco do Brasil, durante a Intentona Comunista de 1935. “Isso mudou com a guerra, pois o dinheiro apareceu, ficou farto”. Apesar dos benefícios, “seu” Dinarte lembra que muita gente tinha rixa contra os militares por motivos, digamos, pessoais. “Era porque eles perdiam as namoradas para os americanos! Mas houve poucos casamentos. Lembro apenas de uma enteada de Kerginaldo Cavalcanti que se mudou para os EUA e não voltou mais”. Depois da guerra, conta ele, houve uma queda grande na economia. Muita gente foi embora da cidade
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e poucos dos que permaneceram se deram bem. Aproveitando o boom econômico, Dinarte começou a trabalhar cedo e diz que teve apenas infância e velhice, pois a juventude foi dedicada à labuta. “Papai era militar e se aposentou em 1943, quando comprou a tipografia Santo Antônio, na Ribeira, vizinha do Beco da Quarentena. Eu ia lá e comecei a gostar daquilo. O resultado foi que trabalhei 44 anos da minha vida nesse ramo. A Ribeira era uma festa naquela época, com os melhores bares e lojas da cidade”, conta.
capitão souza: de natal a monte castelo não havia transporte público, os próprios americanos levavam os trabalhadores para o canteiro de obras”, destaca Souza. De acordo com ele, nessa época quase toda a população estava empregada. Quem não trabalhava para os “gringos” ia para o Exército. “O efetivo no Nordeste passou de 12 mil para 65 mil nesse período, sem falar nos quadros da Marinha, que também cresceram”, diz. Como militar, Souza afirma que tinha quase nenhum contato com os visitantes. “Apenas socialmente, nos clubes e nas ruas”. Houve progresso econômico acentuado, mas os preços subiam, porque tudo passou a custar ‘um dólar’. Suprimentos comuns faltavam porque a demanda aumentou muito”, assegura. Capitão Souza foi para a reserva em 1973 e hoje reside na Zona Sul de Natal.
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Hoje, com 88 anos, o militar da reserva Severino Gomes de Souza, conhecido como Capitão Souza, assegura que a Guerra chegou muito mais perto do Rio Grande do Norte do que se pensa. Destacado para a vigilância da então distante praia de Ponta Negra, ele garante ter presenciado combate entre um submarino alemão e um avião americano Catilina. “Estávamos em regime de guerra, dentro de um buraco na praia, cobertos com lonas. Nossa presença era necessária porque os alemães poderiam querer sabotar a base americana em Parnamirim, usando o rio Pium para se aproximar. O Catalina estava no horizonte e, de repente, o submarino emergiu e abriu fogo”, conta. Capitão Souza não sabe se a aeronave foi avariada, mas lembra que ela voltou para a Rampa, às margens do rio Potengi, onde os aviões americanos ficavam. “O submarino submergiu e desapareceu. Tempos depois, descobri que o episódio havia sido fotografado pelos americanos. O submarino tinha a identificação U-517. Em outra ocasião, também vi um bote de borracha com o cadáver de um aviador americano em avançado estado de decomposição, que deve ter caído em alto-mar”, diz. O militar presenciou os dois lados da guerra. Incorporado ao Exército em novembro de 1941, acompanhou de perto a presença americana em Natal. E, em junho de 1944, já como Terceiro Sargento, foi designado para o 1º Regimento de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira (FEB). “Passamos dez dias no Recife, fomos de lá para o Rio de Janeiro e finalmente para a Itália. Saímos no dia 22 de junho de 1944, à meia noite. Éramos 301 norte-rio-grandenses, com 616 pernambucanos”, relembra. No total, a FEB tinha 25 mil homens. Em solo italiano, Capitão Souza juntou-se ao 5º Exército e participou dos dois ataques a Monte Castelo. “O primeiro foi um insucesso, mas no segundo nós tomamos o monte. Depois, partimos em perseguição aos alemães e combatemos novamente em Zocca”, diz. Foram cerca de dez meses na Guerra, com patrulhas constantes. Quando a guerra acabou, o capitão estava em Piacenza, norte da Itália. “Era maio de 1945 e eu tomei o primeiro e único pileque da minha vida. Continuamos lá como tropa de ocupação, mantendo a ordem no país. Nossa tarefa mais importante era impedir represálias contra os italianos acusados de colaborar com os alemães”, afirma, fazendo questão de citar os antigos companheiros de farda: Cleantho, Alcindo, Seabra, Barbosa....
A Natal de 40 – Capitão Souza lembra o contexto da Natal da época, que recebeu os militares americanos. “Era uma capital provinciana, com talvez 40 e poucos mil habitantes. Não havia vida noturna nenhuma. Os americanos causaram um impacto enorme, fazendo também a cidade inchar com uma grande população flutuante, que veio para as obras da base. Como contexto dezembro de 2012
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O empresário Augusto Maranhão é um estudioso do período americano em Natal
As memórias de uma Natal de guerra Estudioso do período americano em Natal e secretário da Fundação Rampa, o empresário Augusto Maranhão começou a se interessar pelo tema quando serviu o Exército na ilha de Fernando de Noronha, que também serviu como ponto de apoio aos americanos durante a guerra. Hoje, ele mantém em sua empresa um acervo com relíquias da época e sonha em viabilizar a reforma da sede da Fundação para fazer um museu sobre a presença dos EUA na capital. “A Segunda Guerra é um tema empolgante por ter sido o último evento verdadeiramente mundial. Depois houve apenas conflitos de fronteiras, com a questão Israel/Palestina. Getúlio Vargas teve grande visão ao saber se posicionar na hora certa, ao lado das nações que trariam a indústria para o Brasil”, opina. A implantação da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, foi um dos ganhos com decisão de entrar no conflito ao lado dos Aliados. Nas palavras de Augusto Maranhão, além de ter sido o melhor ponto estratégico para o embarque de suprimentos para a África, Europa e Ásia (“até a China recebeu material saído daqui”), Natal foi essencial também nas negociações políticas. “Em 28 de janeiro de 1943, a Conferência do Potengi reuniu, aqui, os presidentes Roosevelt e Vargas, que selaram ali o envio das tropas brasileiras para a Guerra. Para o Brasil, participar do conflito foi um divisor de águas, o marco zero para a industrialização de um país ainda agrícola. Natal teve a maior base dos EUA, que também marcaram presença no Amapá, Pará, Ceará,
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Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina”, informa o empresário. Maranhão diz que a presença das tropas estrangeiras – estacionadas e em trânsito – mudou economicamente a cidade. “A quarta fábrica da Coca-Cola do mundo foi implantada aqui. Antes só havia nos EUA, Inglaterra e Canadá. Hambúrguer e chiclete chegaram aqui primeiro. O dia a dia mudou, a cidade se tornou mais liberal. A Natal vanguardista que surgiu desde os anos 60, com um povo mais aberto e esclarecido, é fruto desse período”, define. Hoje em dia, a cidade ainda guarda marcos da presença americana. A Rampa, construção às margens do rio Potengi, onde os hidroaviões desciam durante a presença dos EUA, está abandonada. O Grande Hotel, na Ribeira, onde o movimento era intenso no período, hoje abriga um Fórum. E da antiga “Parnamirim Road”, primeira estrada asfaltada do Estado, construída pelos americanos para melhorar o acesso da cidade à base, ainda restam trechos do seu traçado original. Segundo Maranhão, os membros da Fundação Rampa – criada em 2001 para preservar a história da aviação no RN – estão adquirindo, com recursos próprios, materiais da época. “Pretendemos restaurar o espaço cultural da Rampa para colocar o acervo, que já totaliza 300 peças, em exposição. O interesse pelo assunto está voltando a crescer e a opinião pública já pressiona os governantes a tomar providências, inclusive a restauração do prédio da Rampa”, afirma.
Ponto de Vista
Nova a cada instante, a poesia Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas *
S
empre que um poeta é indagado sobre seu fazer poético, surge a pergunta:
Como, ou quando, você se descobriu poeta? Às vezes: O que é a poesia para você? Perguntas recorrentes. Márcio-
André, poeta e contista carioca, no artigo A origem da Poesia, diz: “A poesia e a arte não surgiram num momento específico, mas surgem a cada instante e com ela o homem...”. Essa afirmação do poeta multifacetado me faz lembrar um poema de Vicente Vitoriano, artista potiguar também de muitas faces: Eu me
despedaço. Não continuo. / Eu sou novo a cada instante./ Morro e nasço./ Morro e nasço./ De uma linha para outra que eu escrevo/ Eu morro e nasço. Respondemos, então, as duas perguntas: O poeta descobre-se poeta a cada instante. E cada instante é novo. E a poesia faz nascer o homem, ou renascer. É vital. O homem e a poesia morrem e nascem a cada instante e nesse perpétuo renascer o novo se impõe. Ao renascer, existe um ovo a ser quebrado, uma nova casca a ser retirada para a luz chegar e deflagrar vida. Como disse Márcio-André, a poesia e a arte não surgiram em um momento específico, estão sempre surgindo e com ela o homem (e o poeta). Concordando com ele, permito-me apenas uma inversão: o homem é sempre outro, e por isso a poesia, a arte, renova-se, transcende. É claro que existe o pensamento coletivo de cada época, do qual não podemos nos furtar, daí o enfeixamento da literatura em escolas literárias. Mas cada poeta, assim como cada pessoa humana, é de seu tempo, porém o assimila a seu modo. A seu modo prepara o pão nosso de cada dia de sua compartilhada existência. A poesia é um processo de releitura, do mundo, da alma de alguém, de uma alma em outra alma. Revela-nos Mário de Sá-Carneiro, no Poema 7: Eu não sou nem sou o outro,/ Sou
qualquer coisa de intermédio:/ Pilar da ponte
de tédio/ Que vai de mim para o outro. Eu não
sou eu nem sou o outro porque sou todos, e ao ser todos, matematicamente, uno conjuntos. Há uma ponte entre nós e a vida flui sob ela, comumente, com tédio ou em festa, levando cada um. Por isso um poema antigo não é velho. Ao ler um poema, o leitor novo, tendo o livro de data tão pretérita, passa a lê-lo com os elos do seu tempo. O túnel entre épocas se abre, haverá um poema novo. Temos que pensar ainda na própria natureza da poesia, em sua capacidade de inquietar. A poesia pode inquietar tanto que o mesmo poema, lido pela mesma pessoa, incansavelmente, é novo a cada instante. Quem não se lembra do velho ditado “Em boca calada não entra mosquito”? Porque se o espaço para a poesia for aberto, ela, poesia-mosquito, entra sem ser chamada. Faz rir ou chorar. Engasga. Provoca. A síntese é sua maior aliada. Para que tanta palavra se basta a palavra certa? Qual é a palavra certa? Poeta e leitor tornam-se seletivos, a poesia ensina a exigência. Mas também a premência. A permanente vontade de ler versos. O leitor de poesia não desiste de tê-la em livro e alma. O que não pode ocorrer é poeta desistir do seu poema. Fabrício Carpinejar, no artigo “Por que não se lê poesia?”, comenta que, ao entrevistá-lo, muitas vezes perguntam quando escreverá um romance. Diante de um poeta de inegáveis qualidades, toma-se o partido da prosa, vendo-a como superior à poesia. Ao responder que não pretende escrever romances, diz perceber claramente o constrangimento do interlocutor. Carpinejar visita outros gêneros literários, notadamente a crônica, mas a poesia é seu habitat. Corpo pequeno, nela cabem todos os romances. Todos os renascimentos. Quando nasce o poeta? O que é poesia? Basta isso: são novos a cada instante. Morrem e nascem. Morrem e nascem.
O leitor de poesia não desiste de tê-la em livro e alma. O que não pode ocorrer é poeta desistir do seu poema."
*Anchella Monte Fernandes Ribeiro Dantas – é cearense-potiguar. Formou-se em Letras e especializou-se em Educação (leitura de imagem) pela UFRN. Publicou: Passagem (poesia, obra coletiva- 1976), ATO (poesia, obra coletiva/ geração mimeógrafo-1978) e, em criação “solo”, os seguintes livros, também de poesia: A Trama da Aranha (2001, Sebo Vermelho), Temas Roubados (2006, Sebo Vermelho) e Pesos & Penas (2011, Sebo Vermelho). Faz parte das antologias As 14 mais da Poesia Potiguar (2007, org. Abimael Silva) e Presença da Mulher na Literatura do Rio Grande do norte (org. Zelma Furtado e Kacianni Ferreira). Nas revistas Preá e Oeste publicou contos.
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Celebridade
por acaso
Eles são pessoas comuns; dormiram no anonimato e acordaram com a rotina alterada depois que um vídeo ganhou dimensões inesperadas na rede mundial de computadores
V
POR: HIGO LIMA
ocê já imaginou dormir no anonimato, curtindo o dia a dia da vida de uma pessoa normal e, por acaso, acordar conhecido por milhões de pessoas, ser o assunto de todas as rodas de conversa e mais, andar na rua e ser reconhecido por terceiros? Pois se você está na rede, cuidado, isso pode acontecer a qualquer momento. Pelo menos foi dessa forma, inesperadamente, que os dois personagens que vamos mostrar mais abaixo se tornaram fenômenos das multidões. O primeiro fator a se entender, no entanto, é que essas celebridades estão longe das telonas, dos rádios e meios tradicionais de comunicação. Eles emergiram da virtualidade. Foi na Internet que os passos não planejados desses “famosos” foram traçados. O segundo fator é que nada foi pirotecnicamente produzido, ou seja, eles não contaram com aula de dança, canto, oratório, teatro ou qualquer outra expressão artística, eles apenas foram espontâneos e criativos. O terceiro e talvez o fator mais importante é que eles continuam sua vida normal, a fama instantânea não os fizeram mudar de profissão ou mesmo acarretaram grandes mudanças na vida como um todo. Não há fórmula certa para conseguir emplacar um vídeo na internet. O que se sabe ao certo é que a criatividade e a espontaneidade é um ponto em comum a todos os vídeos que “bombaram” na rede. São artefatos de poucos minutos. Por sinal, proporcional ao tempo que dura a fama desses “stars”. A única coisa que não é modesta na história deles é a dimensão que eles conseguem atingir em pouco tempo. Por exemplo, você tem noção de quantos anos um artista renomado, cantores com longa trajetória, gasta para atingir um público de 10 milhões de pessoas? Pois um garoto de apenas 12 anos, sem sair da sua casa, beira as 11 milhões de visualizações de um vídeo de apenas 3 minutos postado no YouTube. Todo o esforço que o Dheymerson Lima fez, na verdade, foi brincar dublando uma canção típica para crianças. No tempo
livre da escola, ele colocou uma câmera caseira na cozinha da sua casa, focou seu rosto, ligou o som do computador com a canção cuja letra insistentemente repete o trecho “e o pintinho piu, e o pintinho piu, e o pintinho...” e, postou no site. Simples e, inesperadamente, o vídeo caiu nas graças dos internautas. Um acesso, que depois foi compartilhado nas redes sociais, ou indicado a mais um amigo, que indicou para mais um terceiro, que curtiu a postagem, que foi vista por mais um leque de pessoas e, de repente, o curtíssimo vídeo que fora postado em 27 de setembro de 2011, completou um mês ultrapassando a marca de 2,3 milhões de acessos. O pai, Elias Santos Farias, tomou um susto. “Ele ouviu essa música no celular de um colega meu e pediu para passar para o Pen Drive. Quando chegou em casa repassou para o computador. Todas as vezes que eu passava por ele, ele tava cantarolando, mas sequer imaginei que fosse gravar”, relata o pai. A postagem ganhou resposta em vídeo de outros internautas de outras partes do Brasil, que também fizeram postagem parodiando a canção e dialogando com o cearense Dheymerson. Uma semana depois, o Programa do Gugu já destaca a postagem como uma das mais vistas na rede. Isso foi só o pontapé inicial para uma sucessão de atrações que tomou de conta da vida do garoto. “Tive um susto quando vi os amigos comentando do vídeo. Achei que ia ficar só por aqui mesmo, mas a ficha começou a cair porque as emissoras nacionais começaram a nos procurar”, aponta. Em pouco tempo, Dheymerson estava agendando entrevista para a Rede Record, Rede TV, SBT, canais de TV a Cabo e chegou ao ponto de receber a equipe do programa Profissão Repórter, da Rede Globo, comandado pelo jornalista Caco Barcelos, em casa para uma edição especial do programa que mostrou o dia a dia dessas celebridades da internet. Foram matérias em
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jornais impressos, participação em programas de rádio, convites para participar de eventos e, até mesmo a campanha política nas eleições municipais de 2012 pegou carona na fama do “Pintinho Piu”. Diversos candidatos produziram jingles parodiando a letra da canção. E o que mudou na vida do garoto? Tudo! Uma brincadeira que se tornou coisa séria dentro de casa. Depois do susto, o pai e a mãe Eliana Lima Faria conversaram com o filho a fim de cuidar e ajustar a situação em casa. Para mais uma surpresa do Elias, Dheymerson – filho único – decidiu que queria aproveitar o momento e estender os “quinze minutos de fama”. A família pegou carona e hoje se desdobra para dar assistência à criança.
O pai, por exemplo, abandonou o emprego de carteira assinada como motorista em uma padaria para buscar apoios e agenciar o filho. Atualmente, ele luta para conseguir produzir um CD infantil devido “a grande procura que temos de pessoas convidando para que ele participe de eventos”, diz Elias. O último passo de Dheymerson foi a participação no programa Astros, do SBT, cuja descrição da atração visa “caçar e premiar a nova estrela da música nacional”. E o garoto cearense está no páreo. Ele agora busca uma segunda chance através de uma votação na internet para a disputa que irá escolher a atração mais votada. “É um sonho para ele porque é uma chance de ganhar a produção de um CD infantil”, repassa o pai.
A voz da Educação O fator “surpresa” também é a palavra que define a dimensão recebida pelo vídeo da professora Amanda Gurgel com seu discurso realista e incisivo ao desnudar a realidade do professor da rede pública de ensino. Para contextualizar, Amanda participava de uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para discutir questões relacionadas à Educação. Na bancada oficial estavam deputados representando a Casa, além da professora Betânia Ramalho, titular da Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEEC). Depois que todos expuseram seus posicionamentos, a professora pediu a palavra e, surpresa: iniciou suas palavras expondo as cifras do seu contracheque (à época, R$ 930) que, segundo ela: “não pagaria sequer as indumentárias para os senhores [os que estavam na mesa] estarem aqui [na audiência]”. O vídeo foi o pontapé inicial de um discurso que expôs as “feridas”, sem cerimônia, do ofício de ensinar justamente para os gestores da Educação. A diferença da professora Amanda Gurgel para o exemplo do cearense acima é que a produção do vídeo não foi feita por ela. Na verdade, ela sequer sabia que estava sendo filmada enquanto falava. A surpresa mesmo veio quatro dias depois quando o “percurso formiguinha” transformou o vídeo no mais novo viral da internet. Ela garante que o discurso não foi premeditado: “construí a fala na hora mesmo, depois que eu ouvi a explanação das autoridades”, garantiu. E, ainda mais inesperadamente, sua fala começou a se espalhar e receber apoio de professores e pessoas comuns de todas as partes do Brasil. Os convites, claro, não faltaram. Além do assédio da imprensa local, ela deu entrevista para as principais emissoras do país e ainda foi uma das principais convidadas do programa Domingão do Faustão, uma das principais atrações dominical da Rede Globo, para comentar o sucesso. Até o dia 20 de novembro deste ano, a postagem do vídeo no YouTube já havia ultrapassado a cifra dos 2,3 milhões de acesso e mais de 11.800 comentários. Amanda sempre fez questão de ponderar o efeito
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O vídeo da professora Amanda Gurgel defendendo a educação se tornou viral na internet e a levou para a Câmara dos Vereadores
avalanche de sua fala. Em entrevistas, sempre destacou que gostaria que toda a repercussão se concentrasse ao seu discurso – com foco na luta pela educação – e não no apelo à sua imagem. Porém, o uso da imagem da professora potiguar foi inevitável, uma vez que surgiram perfis falsos no micro blog Twitter após o estouro do vídeo. A professora se tornou uma pessoa pública, sendo convidada para participar de eventos – como palestrante – e logo se cercou de uma assessora, recebendo página na internet, contas nas redes sociais e afins. Amanda é professora de Língua Portuguesa e está dentro da sala de aula desde 2002, um ano após ingressar no Ensino Superior, quando iniciou sua carreia dando aula no Cursinho do DCE. À época da Audiência, ela estava lotada na rede municipal de Natal, mas encabeçando o movimento grevista em curso.
A repercussão da postagem ganhou outras vozes e ecoou através do compartilhamento de grandes nomes do cenário nacional. É o caso do músico Gilberto Gil e Zélia Ducan que comentaram sobre o vídeo no seu microblog. Até mesmo a professora Betânia Ramalho, secretária de Educação, reconheceu em entrevista o realismo das palavras da professora. “É uma situação que assola a educação e ela colocou com muita realidade esse quadro”, justificou a gestora. O vídeo de Amanda foi postado no YouTube no dia 10 de maio de 2011. E, pouco mais de um ano depois,
os passos da professora foram alargados. Ela entrou na disputa por uma vaga na Câmara dos Vereadores de Natal e, não só foi eleita, como também se consagrou a vereadora mais votada em números absolutos da história da capital. Filiada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Amanda angariou a confiança de quase 33 mil eleitores que, com ela, ajudaram a puxar outros dois candidatos da coligação PSTU-PSol. “Vou levar a minha voz, a voz da Educação, para dentro da Câmara”, garante.
Fama com data de validade A internet está na nossa vida quase que de forma indissociável, haja vista a consolidação de uma sociedade cada vez mais fortalecida em plataformas de comunicação e amplo apelo da imagem. Porém, especialistas alertam para o cuidado com o inverso: a vida e o cotidiano imerso na virtualidade de forma a perder os limites da exposição. “É natural que todos queiram ser percebidos. De certa forma, a internet facilitou a atração de novos olhares para a nossa individualidade, tornando-nos cada vez mais integrados ao nosso meio”, diz a psicóloga Nádia Vanderlânia Dias, ao alertar para os cuidados com o excesso: “até que ponto o meu eu precisa ser visto e exposto na rede? Os internautas devem pensar duas vezes antes de postar qualquer conteúdo porque, não esqueçamos, depois que cai na rede, qualquer um, sobretudo aqueles que nem conhecemos, poderá nos ver em qualquer momento”. A internet é uma plataforma razoavelmente nova e a sua disseminação nas camadas mais populares da
Dheymerson Lima dublou o ‘Pintinho Piu’ e agora tenta emplacar uma carreira depois de conseguir quase 11 milhões de visualizações
população começa a se ramificar na mesma velocidade que os seus usuários descobrem os seus mistérios, alcançam os seus fetiches. Portanto, é inevitável que os desavisados acabem vitimados dos perigos da rede. Para evitar isso, o psicólogo Fred de Sousa aponta a família como o melhor meio para evitar os danos e, recomenda ele, aproveitar os “quinze minutos de fama”: “existem dois pontos que devem ser medidos. De um lado temos aqueles usuários que têm uma estrutura familiar e uma personalidade bem definida; já no outro ponto, há aqueles que carecem dos dois fatores”. Para o primeiro, Fred é otimista e diz não haver problema quando a pessoa usa do momento para tirar bons proveitos, desde que “ela saiba que aquilo é momentâneo e não necessariamente irá fazer parte do cotidiano dela”. Isso é importante porque, segundo ele, evita que o usuário que caiu na rede descarte a possibilidade de uma depressão, ou mesmo necessidade excessiva de visibilidade. Já para o segundo caso, a família deve estar próxima. No caso dos mais jovens, é importante que ela acompanhe o que está sendo feito pelos filhos na rede. “Não se pode esquecer que essa ‘fama’ tem data de validade e é preciso ter cautela para analisar tudo de novo que está acontecendo na sua vida para poder ponderar os pontos”, alerta Fred de Sousa. O professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), aponta que a personalidade nascida do dia para a noite é da natureza da indústria do entretenimento. “O que faz de uma celebridade instantânea ou não é a capacidade de abastecer a condição de celebridade por mais ou por menos tempo”, atesta. E essa capacidade de segurar a sua “fama”, na verdade, é uma luta que nem sempre prossegue. Enquanto a professora Amanda Gurgel conseguiu estender a sua voz de um simples vídeo na internet para o cenário político – defendendo a sua bandeira – o garoto Dheymerson Lima continua com o seu pai tentando emplacar o sucesso no seu cotidiano. O segundo vídeo do cearense (O pintinho piu 2 "novo" (a véia do pintinho piu) a volta) não conseguiu alavancar a mesma repercussão. Postado em janeiro deste ano, chegou ao meio de novembro com pouco mais de 135 mil visualizações.
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do mito e do homem
Percorremos, em dois dias, o sertãoberço do rei do baião, Luiz Gonzaga, e descobrimos que, além de mito da música brasileira, ele foi o homem mais generoso que pisou pelo sertão; mais que artista, Gonzaga foi o maior coração do Nordeste.
POR: JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS
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ão há luar como este do sertão. A modinha sertaneja criada por João Pernambuco e o maranhense Catullo da Paixão Cearense se tornou uma verdade universal. Luiz Gonzaga, que sabia disso, cantou e decantou essa canção até torná-la outro hino nordestino. Com um talento nato de transformar tudo que cantava em ouro, Gonzaga, que também era Lua, refez o Nordeste com a sua voz. Nos 100 anos de seu nascimento, o pernambucano do século 20 não só firmou-se como a maior referência de nordestinidade do mundo, como também devolveu ao homem sofrido da caatinga a identidade perdida com o tempo. Foi o retorno às suas origens que tornou Gonzaga a estrela do Nordeste. Sem saber, ele concretizou a premissa do maior escritor russo da história e um dos maiores do mundo, Leon Tolstói: canta a tua aldeia e serás universal. Ao perceber que os ritmos estrangeiros não lhe dariam futuro, foi buscar em suas origens a inspiração para compor a sua ópera do sertão, uma espécie de crônica musicada que determinou o sucesso enquanto artista, mas também a sua missão como defensor das origens sertanejas. Isso tudo determinou a construção
do ídolo, entretanto, ao pisar o chão de Exu para exalar o clima gonzagueano, nos deparamos com algo mais forte que a própria música: o Gonzaga humano, que também foi mitificado, mas de outra maneira: pela sua bondade e generosidade.
DE SERTãO A SERTãO – De Mossoró até Exu, no Pernambuco, beira os 500 quilômetros sertão adentro. Uma estrada viva que vai se construindo em cada verso musicado pelo maior ídolo da música nordestina. A paisagem ressequida da caatinga esconde milhões de vidas entre os organismos xerófilos, imagens comuns retratadas pela xilogravura dos mestres catingueiros. 2012 é ano de seca, de sofrimento para o homem do campo que vê seu gado morrendo de sede e fome, que também não sabe se terá o de comer mais tarde. Porém, ao contrário do retrato cantado na Triste Partida, o sertanejo tem motivos para estar em festa. É ano do centenário de Luiz Gonzaga, Rei do Baião. Logo nos primeiros quilômetros da viagem, percebemos como é forte a imagem do Rei do Baião. Bastávamos, ao pedir informação na estrada, informar sobre o nosso destino que, ao perceber o carro da reporta-
CRONOLOGIA DA vIDA DE LUIZ GONZAGA
1912
No dia 13 de Dezembro, uma sextafeira, nasce, na fazenda Caiçara, terras do barão de Exu, o segundo dos nove filhos do casal Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus, que na pia batismal da matriz de Exu recebe o nome de Luiz (por ser o dia de Santa Luzia) Gonzaga (por sugestão do vigário) Nascimento (por ter nascido em dezembro, também mês de nascimento de Jesus Cristo).
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1915 1920
Nasce no dia 05 de Janeiro, Humberto Cavalcanti Teixeira
Luiz Gonzaga, com apenas 8 (oito) anos de idade substitui um sanfoneiro em festa tradicional na fazenda Caiçara, no Araripe, Exu, a pedido de amigos do pai. Canta e toca a noite inteira e, pela primeira vez, recebe o que hoje se chamaria cachê; o dinheiro - 20$000 (vinte mil réis). Antes mesmo de completar 16 anos, "Luiz de Januário", "Lula" ou Luiz Gonzaga já é nome conhecido no Araripe e em toda a redondeza, como Canoa Brava, Viração, Bodocó e Rancharia.
1924
Houve uma grande cheia e o rio Brígida subiu de nível, inundando os arredores. A casa de Januário foi atingida, encheu de água, obrigando a família a se mudar. Foram morar no povoado do Araripe, na Fazenda Várzea Grande. A pedido do coronel Manoel Ayres de Alencar, (Sr. Ayres) chefe político local, Luiz, já um caboclo taludo, vai com este a Ouricuri para tomar conta de cavalo. Chegando lá vê um fole Kock de oito baixos, marca Veado, pelo qual fica louco e passa a amolar o coronel por causa dele. No mês seguinte, repetindo a viagem, o político concorda em pagar a metade dos 120 mil réis do fole, desde que Luiz arque com o resto, o que fez sem muita dificuldade, pois a essa altura já estava ganhando tanto ou mais que o pai, para tocar.
gem, o informante compreendia a nossa peregrinação. “Terra de Luiz Gonzaga”, diziam. Na medida em que avançávamos, íamos descobrindoo quanto o sertão se transformou e ainda assim, era o sertão de Luiz. Pastos vazios, rios sem água, gado morto na estrada denunciavam a estiagem brusca que se alastra feito uma serpente sobre o dorso do sertão; contudo, por todas as cidades uma linha de contentamento. Anúncio de festas, feiras lotadas e gente falando alto com toda a sua nordestinidade, uma prova do avanço político dos últimos dez anos. Em mais de cinco horas de viagem, cortamos um dos pedaços mais emblemáticos do Nordeste. Na Paraíba cruzamos as cidades de São João do Rio do Peixe, terra das águas milagrosas do Brejo das Freiras, e a belíssima Cajazeiras, no extremo ocidente paraibano. Entramos no Ceará pela microrregião de Barro, mesorregião do Sul Cearense, com uma cidadezinha do mesmo nome (Barro), localizada um pouco antes de Milagres e suas gigantescas linhas de transmissão da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Entrando pela cidade de 30 mil habitantes, cortamos caminho para Missão Velha,
1926
Início real de sua vida artística, quando tocou seu primeiro "samba" ganhando dinheiro. Começou também a estudar no grupo de escoteiros de um sargento da polícia do Rio de Janeiro chamado Aprígio. Seu amigo Gilberto Ayres, filho do Cel. Ayres, o convenceu a mudarse para a cidade, deixando o Araripe. Hospedaram-se na casa de Dona Vitalina e o amigo Gilberto foi seu primeiro empresário.
1929
Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato, última cidade do Ceará antes de entrar no Estado de Pernambuco. Cariri e microrregião do Araripina, terra da gipsita e das florestas petrificadas. Nesse momento, o Nordeste gonzaguiano se reestrutura em nossas cabeças e as placas de sinalização começam a explicar muitas palavras das músicas ouvidas desde o tempo de menino. Quase todas cidades: Rancharia, Salgueiro, Bodocó... Na descida da serra do Araripe, a mata atlântica da Floresta Nacional do Araripe-Apodi confunde o sertão. 39 milhões de hectares de mata virgem deixam o clima ameno e resfriado. Depois das curvas perigosas ladeira abaixo, uma reta interminável impacienta e estica o tempo. Parece que nunca chega. Uma pequena curva e outra reta a perder de vista. Quase 14h e, nem eu nem Francisco Chagas, o fotógrafo, havíamos almoçado, quando avistamos, em frente a um posto de fiscalização da Polícia Militar, um restaurante caseiro, coisa muito simples, mas com um ar sertanejo adequado para a excursão. Nem imaginávamos que ali, naquele pequeno lugar, começaríamos a contar a história de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
Conhece Nazarena, por quem se apaixona e com quem namora às escondidas. Rejeitado pelo pai da moça, de família importante, vai tirar satisfações da desfeita armado com uma faquinha, após uns goles de cana. Leva uma surra de Santana, e foge de casa para o Crato, no Ceará, onde vende sua sanfoninha de 8 baixos.
1930
Luiz Gonzaga aumenta sua idade para sentar praça no Exército, na cidade de Fortaleza. Com o advento da Revolução de 30, segue em missão militar pelo Brasil como soldado Nascimento. Mestre Januário consegue reaver a sanfona vendida no Crato por 80 mil réis, através de um amigo, o Sr. José Lindolfo.
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FRancisco Chagas
Dona Chuta, a mulher que recebeu uma feira de Luiz Gonzaga; Mário, o soldado que já foi atendente do velho Lua.
O Soldado, a cozinheira e o bancário Mal desci do carro e um PM fardado me deu boasvindas. Parecia que me esperava. Provando um aperitivo e conversando com outros três sujeitos numa mesa ao lado. Um deles bêbado às quedas. Lá de dentro se apresentou a dona do estabelecimento, Maria José, conhecida como Dona Chuta, que também parecia preparada para atender os visitantes. Levou-nos para a cozinha e foi debulhando o rosário enquanto nos preparava o almoço. Já estávamos no município de Exu, sertão pernambucano, há poucos quilômetros da cidade onde Luiz nasceu e viveu sua meninice e seus últimos dias. Ali mesmo, começamos a ouvir as primeiras histórias e definir um novo perfil do filho de Januário. Dona Chuta só encontrou Luiz Gonzaga duas vezes, uma delas foi no meio da rua. Ela passou por ele e não teve coragem de cumprimentá-lo. A outra foi num momento muito delicado. Era setembro de 1983, um ano tão seco quanto este que vivemos. Gonzaga chegou em Exu trazendo um caminhão carregado de feiras para distribuir com os pobres, uma delas foi para dona Chuta. “Recebi minha feira das mãos dele, foi uma bênção que chegou na hora certa”, comenta. Mário, o soldado, foi funcionário da extinta Telecomunicações de Pernambuco (TELPE) e era quem
atendia Luiz Gonzaga quando ele precisava falar com seu povo no Rio de Janeiro, na época em que telefone era um bem público. “Ganhei dele uma ‘caixinha’ (gorjeta) que era três tantos o valor da ligação”, disse o PM. Lá de fora, um dos três sujeitos se aproximou e contou a sua. Era Antônio Juarez, o “Tuba”. Ele era funcionário do extinto Banco do Estado de Pernambuco (BANDEPE) e uma das pessoas que atendia Luiz Gonzaga no Exu. Por conta disso, foi convidado pelo Rei a fazer sua contabilidade no Parque Aza Branca, propriedade onde Luiz morava e mantinha uma pousada. “‘Caba feio’”, era como Luiz me chamava, “‘Vá almoçar lá em casa pra gente conversar’”, repetiu o ex-funcionário. Tuba foi contemporâneo e colega de trabalho de outro ilustre artista da música brasileira, Santanna, o Cantador. Santanna era gerente de contas do Bandepe e responsável pela conta 0001 que pertencia a Gonzaga, um dos responsáveis por levar a agência para Exu. A admiração pelo Rei transformou-se em grande amizade, tanto que ele participou de vários shows seus, fazendo a abertura e, em seguida, fazendo vocal. Hoje, Santanna, ao lado de Dominguinhos, é considerado outro herdeiro do forró autêntico de Luiz Gonzaga.
1933
1939
Por não conhecer a escala musical, é reprovado num concurso para músico numa unidade do exército, em Minas Gerais. Vira soldadocorneteiro e ganha o apelido de “bico de aço”.
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1936
Gonzaga aprende a tocar sanfona de 120 baixos em Minas Gerais, com um soldado de polícia chamado Domingos Ambrósio. Para treinar, adquire uma sanfona de 48 baixos e aproveita as folgas da caserna para tocar em festas.
Luiz Gonzaga dá baixa das Forças Armadas, impulsionado por um decreto que proibia para os soldados um engajamento superior a dez anos no Exército. Desembarca no Rio com bilhetes comprados para Recife, de navio, de onde pretendia voltar de trem para o Exu. Enquanto aguardava a chegada do navio que o levaria ao Recife, resolve conhecer o Mangue, o bairro boêmio vizinho. E lá, com sua sanfona Honner branca, faz sucesso tocando valsas, tangos, choros, foxtrotes e outros ritmos da época. Através de um músico amigo, o baiano Xavier Pinheiro, casado com uma portuguesa, Gonzaga vai morar no morro de São Carlos, à época tranqüilo reduto português no Rio.
FRancisco Chagas
Embora conhecida nacionalmente, Exu ainda expõe, timidamente a imagem de Luiz Gonzaga
Praça em homenagem ao Rei do Baião é única referência material feita pelo poder público
A pousada Rio Brígida e a cidade do Exu Ao entrar na cidade do Exu, percebemos um pouco mais da dimensão da importância de Luiz Gonzaga para aquela terra. O posto de combustível, a farmácia, a funerária, a sorveteria e até as pousadas levam o nome ou fazem referência ao Rei. As referências, na verdade, são todas da própria região, mas como foi imortalizada nas mais de 600 músicas gravadas pelo mestre da sanfona, é difícil separar. A pousada onde ficamos hospedados leva o nome de Rio Brígida, nome do rio que nasce em Exu e desagua no São Francisco, banhando 15 outros municípios numa extensão de 15 mil quilômetros quadrados. Era desse rio que Januário e Santana, pais de Luiz, tiravam a água do dia a dia e foi nas suas margens que, na década de 1920, eles se esconderam por, três dias, do bando de Lampião que diziam que ia passar pela fazenda Araripe no rumo de Juazeiro, o que nunca aconteceu. A pousada simples no Centro da cidade é uma referência para os visitantes, muitos, principalmente às vésperas do centenário do rei. Todo mundo se preparava para a maior festa da história da cidade desde que Luiz Gonzaga construiu o parque Aza Branca, na década de 80, com seu retorno ao município de forma
1940
Como outros artistas disputa à duras penas um lugar ao Sol. Toca todo tipo de música, de Blues a Foxtrotes; imita artistas famosos da época, como Manezinho Araújo, Augusto Calheiros e Antenógenes Silva. Começa a apresentarse em programas de rádio, como calouro. Luiz Gonzaga modifica o seu repertório, pressionado por estudantes cearenses, e consegue tirar nota máxima no programa Calouros em desfile, de Ary Barroso, na Rádio Tupi, executando a música Vira e Mexe, um “xamego” (chorinho) lá do seu pé-de-serra. Pouco tempo depois vai trabalhar com Zé do Norte no programa A hora sertaneja, na Rádio Transmissora. Chega ao Rio seu irmão José Januário Gonzaga (Zé Gonzaga), fugindo da seca devastadora e trazendo um pedido de ajuda por parte de Santana. Zé Gonzaga passa a morar com o irmão.
mais efetiva. Por essas alturas, todas as acomodações da cidade estavam alugadas para a semana do 13 de dezembro, data de aniversário de nascimento do rei, além de algumas casas alugadas a preços exorbitantes, entre R$ 7 mil e R$ 12 mil pela temporada. O evento se organizou para ser grande, mas bastava um olhar rasante para perceber que nem o povo nem o Município tinham se preparado para aquilo tudo. Não que fosse novidade, porque todo ano a festa é grande, mas por nunca terem se dado conta da dimensão do filho ilustre. A impressão, compartilhada por Ana, dona da pensão e outros exuenses, é que o Município não se interessa ou não sabe usufruir do potencial turístico e econômico deixado por Gonzaga. Mesmo com toda a atração e a imprensa do país inteiro voltada para o lugar, tudo caminha lentamente, sem monumentos e sem atrativos, como se tudo fosse meramente virtual. As únicas referências feitas pela prefeitura é uma praça na entrada da zona urbana, apelidada de “pirulito” por causa do busto do Rei instalado dentro de uma estrutura redonda, e um uma estátua de barro no trevo para a fazenda Araripe que, dizem as fofocas, custou 800 reais.
1941
5 de março. Data da primeira participação de Luiz Gonzaga numa gravação da Victor, atuando como sanfoneiro da dupla Genésio Arruda e Januário França, na “cena cômica” A viagem de Genésio. Seu talento chama a atenção de Ernesto Augusto Matos, chefe do setor de vendas da Victor. E no dia 14 de março Luiz Gonzaga grava, assinando pela primeira vez como artista principal, e exclusivo da Victor, quatro músicas que são lançadas em dois 78 rotações. É publicada a primeira reportagem sobre Luiz Gonzaga na revista carioca Vitrine, com o título Luiz Gonzaga, o virtuoso do acordeom. Ainda em 41, Gonzaga grava mais dois 78 rotações. O sucesso havia chegado, e Gonzaga já era chamado como “o maior sanfoneiro do nordeste, e até do Brasil”. Foi quando apareceu Dino, violonista de sete cordas que tinha a mania de apelidar todo mundo. Ao ver a cara redonda de Luiz Gonzaga Dino imediatamente o chamou de Lua.
Dominguinhos
Nasce em Garanhuns José Domingos de Morais que viria a ser o sanfoneiro Dominguinhos, de quem Luiz Gonzaga se tornou um segundo pai e que o tratava como "pai impostor".
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JOQUINHA GONZAGA, O SOBRINHO DO REI
1943
Inspirado no sanfoneiro catarinense Pedro Raimundo, Gonzagão passa a se apresentar vestido de nordestino.
Janeiro. Januário voltou logo para o Exu, mas as mulheres ficaram morando num quartinho dos fundos do apartamento do casal, no bairro Maria das Graças, região do Méia. Como Luiz vivia no mundo, a mãe e as tias ficavam se submetendo aos gostos e desgostos de Helena e de sua mãe que também moravam no apartamento. “Minha mãe contava que quando tio Luiz chegava, Helena fazia enredo e ele ainda brigava com elas”, disse Joquinha. Quando elas não aguentaram mais é que Luiz resolveu comprar o sítio Santa Cruz da Serra e formar o primeiro núcleo nordestino do Sul, abrigando o resto da família e construindo um pedaço do Nordeste no Rio de Janeiro. “Lá tinha festa com frequência, casamentos, batizados e tio Luiz sempre estava lá”, disse Joquinha. “Luiz Gonzaga era uma pessoa normal que não se abalava com o que as pessoas achavam dele e não tinha noção do poder que tinha”, completou. (Veja mais no site: www.defato.com)
Joquinha Gonzaga tocou 14 anos com o tio Luiz Gonzaga
1945
Consegue então o que desejava. Grava seu primeiro disco tocando e cantando, a mazurca Dança Mariquinha, parceria com Miguel Lima. Querendo dar um rumo mais nordestino para suas composições, procura o maestro e compositor Lauro Maia, porém, ele apresenta-lhe o cunhado, o advogado cearense Humberto Cavalcanti Teixeira, com quem Luiz Gonzaga viria a compor vários clássicos.
Gonzaguinha No dia 22 de setembro, nasce de uma relação com a cantora Odaléia Guedes dos Santos o Seu filho Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior.
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FRancisco Chagas
A primeira visita do dia foi ao sobrinho de Luiz Gonzaga. Joquinha Gonzaga é o último parente direto do Rei que ainda vive em Exu, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro. Sanfoneiro dos bons começou a acompanhar o tio em 1975, ficando de 1981 até 1989 no grupo principal. Era final da tarde e nós chegamos à casa de Joquinha minutos depois de ele ter chegado de Recife, de um show. Viagem maior do que a nossa, de mais de 600 quilômetros. Aparentava muito desgaste físico, mas outro cansaço chamou-nos a atenção. Nos últimos tempos a quantidade de jornalistas lhe procurando para falar o mesmo assunto modificou sua rotina e lhe provocou um pouco de enfado. Mesmo assim nos recebera com a espontaneidade que lhe fora possível. No sofá da sala, na companhia da sua esposa Nice, muito gentil, Joquinha contou particularidades do Rei. “Gonzaga conversava com qualquer um como se fosse da família, por isso, ficaram de seu lado gente boa e gente ruim”, revelou o sobrinho, norteando dois assuntos reveladores sobre Gonzaga: que ele dava tudo que tinha ao povo e que acabou morrendo pobre. Joquinha também não escondeu o desgosto que a família tinha de Helena, mulher de Luiz. Segundo ele, no final da década de 1940, o Rei levou sua família composta pelo seu pai Januário, sua mãe Santana, suas irmãs Muniz (mãe de Joquinha), Geni, Socorro e Chiquinha Gonzaga (que depois se tornou uma referência da sanfona) e seus irmãos Aluízio, Zé Gonzaga e Severino Gonzaga para morar com ele no Rio de
FRancisco Chagas
a menina centenária Pelas contas de Priscila Vicente dos Santos, no dia 21 de novembro ela completou 90 anos, mas pelo Exu a conversa é outra. Há quem diga que ela já beira os 100 faz tempo. A desconfiança não é para menos, Priscila viu quando Gonzaga, ainda menino, saiu dizendo que ia tocar no Crato e só voltou 16 anos depois. Embora seja uma peça fundamental na contação da história de Luiz, ela foi uma das poucas pessoas que não recebeu uma pontinha da herança do Rei. Mora numa casinha comprada com a ajuda da família e dos amigos e vive sob os cuidados de duas pessoas que se revezam. Quando nem um nem outro está, Priscila fica sozinha, sentadinha numa cadeira no terraço da cozinha esperando o tempo passar. Coisa difícil para quem passou por um século com tanta lucidez. O olhar cansado, um pouco triste, denuncia o tempo, mas a voz encanta pela delicadeza. Parece uma menina falando. A claridade da memória dessa senhora é outra surpresa. Lembra-se de tudo e conta como se tivesse sido ontem. Ri quando se lembrou da surra que Santana deu em Luiz quando ele se meteu a brigador e recorda que pediu para que ela parasse. “Bata nele não mãe Santana”, repete jogando o olhar para uma distância inalcançável. Conta Priscila que tinha de 6 para 9 anos quando sua mãe morreu e ela, que morava pelo Araripe, ficou vivendo na casa de Santana. No filme “Gonzaga – de pai pra filho” Priscila está numa rede quando o menino Luiz vai saindo pela porta. Ela é a única que o vê e pergunta aonde ele vai. Mas ao contrário do que mostra na película, ela recorda que o fujão ainda passou uns oito dias amuado e sem querer trocar de roupa antes de empreitar a fuga. Outra aparição dessa personagem no longa-metragem é quando Gonzaguinha vai ao Exu em busca do pai que está em crise na carreira. Ela intervém para que Luiz tenha mais paciência com o filho e ajuda na reapro-
1946
Depois de receber a visita de Santana, Gonzaga volta à sua terra, Exu, após 16 anos ausente. No retorno para o Rio, passa pela primeira vez no Recife, participando de vários programas de rádio e muitas festas. Nesse momento conhece Sivuca, Nelson Ferreira, Capiba e Zé Dantas, estudante de medicina, músico por vocação, apaixonado pela cultura nordestina.
1947
Priscila cresceu com Luiz Gonzaga e esteve ao seu lado até a morte
ximação. “Gonzaguinha foi muito querido. Ele também foi uma criatura que foi dos meus braços e ele dizia que eu era a pessoa mais importante da família Gonzaga”, diz sorrindo. Gonzaguinha tinha sua razão. Priscila dedicou sua vida a cuidar de sua família, inclusive no Rio de Janeiro. Ficou lá até perto dos 40 anos, quando precisou voltar para cuidar de uma irmã. Do sítio Santa Cruz da Serra recorda das festas e dos vários artistas que conheceu como Carlos Galhardo, Orlando Silva, Elizete Cardoso, Emilinha Borba e tantos outros que iam para o aniversário de Luiz Gonzaga. O tempo era de festa e é assim que ela se lembra do Rei que, para ela, era mesmo que um irmão. “Luiz foi um chefe de família que não deixava faltar nada”, completa. Sua pior lembrança de Gonzaga é dos dias que ficou com ele no Hospital Santa Luzia no Recife. “Quando a gente pensava que daquele estado ele não se levantava mais, deixava a gente muito arrasada”, finalizou. (Veja mais no site: www.defato.com)
Luiz Gonzaga grava em março o 78 rpm que se tornaria um clássico da música brasileira: a toada Asa Branca, sua terceira parceria com Humberto Teixeira, inspirado no repertório de tradição oral nordestina. A partir desse ano, Luiz Gonzaga adota o chapéu de couro semelhante ao usado por Lampião, a quem tinha verdadeira admiração. Num domingo de julho, Gonzaga conhece na Rádio Nacional, a contadora Helena das Neves Cavalcanti, e a contrata para ser sua secretária. Casa-se com ela em 1948.
1949
Aproveitando uma folga entre as gravações, Luiz Gonzaga leva a esposa e sogra para conhecerem o Araripe, e sua terra Exu. Porém, grande violência que marcava a disputa entre as famílias Sampaio e Alencar ameaçava sua família, ligada aos Alencar. Preocupado, Gonzaga aluga uma casa no Crato, para onde leva seus pais e irmãos, enquanto preparava a mudança de sua família para o RJ, o que ocorreu ainda em 49.
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Zé Praxedes cuidava do gado e dos cavalos do Rei Luiz
O vAQUEIRO DO REI
FRancisco Chagas
Nós já tínhamos visto Zé Praxedes na casa de Mundica no dia anterior, mas só soubemos que era ele quando fomos visitar a casa de Januário no Parque Aza Branca, na saída de Exu para a fazenda Araripe. Um negro médio de olhos caídos, mas de riso frouxo. Contando 80 anos, trabalhou como vaqueiro de Luiz Gonzaga durante 21 anos, de 1968 até 1989, ano de sua morte. Começou a função ainda na fazenda Araripe, indo para o sítio Itamaragi, hoje Parque Aza Branca. No começo, cuidava de um sítio de banana e de umas vaquinhas, mas logo o rebanho aumentou chegando a mais de 100 cabeças de gado, ovelha e cabra. “Funcionário de seu Luiz não passava fome”, enfatiza, lembrando da bondade do patrão que costumava andar a cavalo, juntar e contar seus bichos. Também fazia comércio e chegou a montar um frigorífico para uma irmã. “Seu Luiz sofreu muito para chegar aonde chegou”, relata no vazio. Hoje, Zé Praxedes é o guia na casinha onde morou Januário, no Parque, e do mausoléu do Rei. Vive por ali atendendo as pessoas que vão conhecer o local e ter o prazer de conversar com alguém que teve tanta importância para o sanfoneiro da asa branca.
1950
Em janeiro, o médico formando Zé Dantas chega ao Rio, a fim de prestar residência no Hospital dos Servidores, para alegria de Gonzaga, que vai esperá-lo na plataforma da estação de trem. Em junho lança a música A dança da moda, parceria com Zé Dantas que retratava a febre nacional pelo baião.
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(Veja mais n(Veja mais no site: www.defato.com) efato.com)
1951
Luiz Gonzaga já era o consagrado ‘Rei do Baião’, e o advogado Humberto Teixeira o ‘Doutor do Baião’! Em maio Luiz Gonzaga sofre um grave acidente de carro.
Trio Mossoró
1952
Luiz Gonzaga e Helena adotam uma menina: Rosa Maria, a Rosinha.
Em março deste ano encerrou seu contrato com a Rádio Nacional e firmou um novo com a Rádio Mayrink Veiga, mesmo oficialmente vinculado à Rádio Cultura de São Paulo. Nesse tempo, leva para tocar com ele os mossoroenses João Mossoró e Hermelinda, que tinham sido levados para o RJ por seu irmão, Oséias Lopes, hoje Carlos André.
FRancisco Chagas
FRancisco Chagas
Casa da fazenda Aza Branca ainda está do jeitinho que Gonzaga e Helena deixaram
Mausoléu guarda restos mortais do Rei do Baião, de Helena, Januário e Santana
A última casa de Luiz O parque Aza Branca, grifado assim mesmo com Z, foi iniciado pelo próprio Luiz Gonzaga que, retornando a Exu, teve a ideia de criar esse espaço cultural, dotando-o com objetos pessoais, tanto próprios, como de seu pai, o sanfoneiro Januário. É um espaço muito grande com diversas construções, incluindo a residência onde ele morou no Exu. Uma casa enorme cheia de quartos e um sótão que só alguns poucos têm acesso. Decorada de forma simples e rústica, a construção ao estilo sertanejo tem uma cozinha enorme, um alpendre arrodeando as áreas comuns, muita planta e muitos quadros. Fazem parte da decoração ainda alguns objetos que pertenceram ao cangaceiro Lampião, ídolo de Luiz Gonzaga. O Museu do Gonzagão é outro atrativo do local porque traz a marca de seu caráter, cultor de raízes e nordestino assumido. Ali deixaria a melhor parte de sua história, marcada por grandes mudanças, pelejas e o sucesso conhecido de todos. Parte da
1954
Luiz Gonzaga reencontra Neném, mais tarde Dominguinhos, aos 14 anos, no Rio de Janeiro. Gonzagão convida Jackson do Pandeiro e sua mulher Almira, para morarem no Rio de Janeiro. Fariam grande sucesso com seus cocos e são considerados o lado urbano da música nordestina, enquanto Gonzaga seria o agreste.
Raimundo Jacó
Já no Sertão Pernambucano, em Serrita, nas Caatingas do sítio Lages, era encontrado morto, no dia 08 do mês de Julho, o vaqueiro Raimundo Jacó, primo de Luiz Gonzaga, fato que depois viria a originar a Missa do Vaqueiro.
história de Luiz está contada nos objetos expostos no pequeno espaço, incluindo suas sanfonas brancas e seus títulos de cidadão que inclui três dos seis dados a ele no Rio Grande do Norte: Natal, Caicó e Caraúbas. Tudo muito protegido, inclusive das fotografias. Nossa equipe só teve direito de fotografar quatro objetos, o que limitou bruscamente a visão sobre as lembranças físicas do rei. É comum equipes da imprensa voltarem da porta do Parque, mesmo as vindas do Recife, quando sabem da limitação. No mesmo espaço, está a casa de Januário, um lugarzinho pequeno e com poucos objetos e, logo do lado, a última casa do rei. O mausoléu contendo os restos mortais de Luiz Gonzaga e Helena, Januário e Santana, foram removidos para lá depois de pronto. Todo esse trabalho foi continuado por Gonzaguina depois da morte do pai, mas como ele morreu de um acidente de carro em abril de 1991, ficou sob o comando de Rosinha, a filha adotiva de Luiz com Helena.
1955
Luiz Gonzaga grava seus primeiros discos compactos de 45 rpm. Também neste mesmo ano gravou o seu primeiro LP de 10 polegadas, 33 rpm, pela RCA Victor. Uma Compilação dos disco de 78 RPM. Luiz Gonzaga apresenta o trio formado por Marines, Abdias e Chiquinho, que ficou conhecido como Patrulha de Choque Luiz Gonzaga.
1956
A Lei 1544/56, de autoria do então Deputado Federal Humberto Cavalcanti Teixeira, que limita a execução de músicas estrangeiras no Brasil é aprovada. A cantora japonesa Keiko Ikuta grava as músicas Baião de Dois e Paraíba.
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Parque Aza Branca foi vendido por família de Gonzaga a família de Exu
A venda do parque Foi uma grande polêmica quando Rosinha Gonzaga vendeu o Parque Aza Branca em 1993. Dizem que gente do Rio de Janeiro queria comprar o local, mas, preocupado com a decisão, José Alves de Alencar, conhecido na região como Zito, um grande amigo de Luiz, resolveu comprar e deixar o patrimônio nas mãos dos exuenses. Com a morte de Zito em 1999, assumiu o amigo Beba Parente, que também morreu em março deste ano. De acordo com os jornais Folha de Exu e Diário de Pernambuco, a história do Parque Aza Branca começou em 1964 quando Luiz Gonzaga comprou as terras do sítio Itamaragi. A ideia era transformar o lugar não só na moradia em Exu, mas fazer dali um local que reunisse o acervo (o Museu Luiz Gonzaga), lugar para shows dos amigos e duas pousadas. A construção começou no final da década de 1970. Após a morte do Rei do Baião, em 1989, Gonzaguinha assumiu a administração. O músico morreu dois anos depois, em um acidente de carro no Paraná. Com isso, o parque ficou sob a responsabilidade de Dona Helena, que continuou morando na casa de Luiz Gonzaga mesmo após a separação, ocorrida por volta de 1987. Ela morreu no quarto do casal, em 1993, de problemas do
coração. Após a morte da mãe, Rosinha Gonzaga vendeu o parque. Agora, o neto de Luiz, Daniel Gonzaga, que tem 12,5% das ações do Parque, que herdou do pai Gonzaguinha, está fazendo um abaixo-assinado e pedindo a desapropriação da área e solicita ao governo de Pernambuco que o transforme num patrimônio imaterial do Estado. Em documento publicado recentemente, Daniel defende que o governo assuma a responsabilidade pela manutenção da memória do avô. “O Parque Aza Branca, a derradeira residência, hoje é a meca de estudiosos da vida e da obra de Gonzaga. É um polo antropológico único e insubstituível, que contém suas pegadas, seus motes de criação, seu entorno, suas referências e que, justamente pela distância, por si só demonstra as dificuldades encontradas em idos de 1930 para percorrer a distância entre o anonimato e a fama”, diz um trecho da petição enviada ao governo. Ele também afirma que tem o apoio de Rosinha. “Ela fica tímida em falar sobre o assunto, pela responsabilidade em relação à venda da parte dela. Ela me disse que, se fosse em outra época, jamais teria vendido. Mas foi por problemas pessoais, financeiros, que ela se desfez do parque”, lamenta Daniel.
1958
1961
Começa o apogeu da Bossa Nova com João Gilberto, Tom Jobin, Vinícius e outros. O movimento cresce com adesão de Carlos Lira, Roberto Menescal, Baden e outros mais. Luiz Gonzaga por sua vez gravou seu primeiro LP de 12 polegadas, 33 rpm. Pela RCA Victor. XAMEGO
50 contexto dezembro de 2012
1960
11 de junho: morre Santana, vitimada pela doença de Chagas, no Rio de Janeiro. 05 de novembro: Januário, aos 71 anos, casa-se com Maria Raimunda de Jesus, 32 anos, no Exu. Gonzaga participa, gratuitamente, da campanha de Jânio Quadros à Presidência da República.
Luiz Gonzaga entra para a Maçonaria. Neste ano compõe com Lourival Silva e grava Alvorada de Paz, em homenagem ao então Presidente Jânio Quadros. Conheceu pessoalmente José Marcolino - o Zé Marcolino, de quem gravaria depois várias obras. Gonzaguinha vai morar com o pai em Cocotá, Rio de Janeiro. Luiz Gonzaga torna-se maçom, e sofre outro acidente de carro, ferindo gravemente o seu olho direito.
1962
11 de março: morre Zé Dantas, aos 41 anos. Luiz Gonzaga conhece João Silva.
1963
De sua parceria com Nelson Barbalho grava A Morte do Vaqueiro no mesmo ano conhece o poeta popular cearense Patativa do Assaré.
Amparo Alencar mostra fechadura que pode ter sido da casa onde Luiz Nasceu Alencar, que vieram a ser os seus padrinhos. Ainda criança, Luiz foi levado pelos pais para a fazenda Araripe para morar em outra casinha de taipa que foi reconstruída recentemente. Foi justamente nesta casa, hoje com a cor amarela, que, em 1946, Luiz reencontrou seus pais após 16 anos, o que retratou depois na música “Respeita Januário”. O lugar era tão pobre que nos dias que ele ficou por lá teve de dormir na casa da fazenda dos Alencar. Vendo a situação, Luiz consegue provimentos para construir FRancisco Chagas
Entrar na fazenda Araripe, onde Luiz Gonzaga viveu quando menino, é voltar no tempo. As terras do Barão do Araripe não são apenas o berço do Rei do Baião, mas de uma parte da história do Brasil. Há 600 metros do centro do povoado que tem pouco mais de 20 casas, nasceu a heroína e revolucionária brasileira Bárbara de Alencar (1760 – 1832) que lutou na Revolução Pernambucana (1817) e na Confederação do Equador (1824), movimentos emancipalistas contra a continuidade dos portugueses na administração direta. Mãe dos também revolucionários José Martiniano Pereira de Alencar, Tristão Gonçalves e Carlos José dos Santos, era ainda avó do escritor e político cearense José de Alencar, autor de O Guarani e do célebre Iracema. Luiz Gonzaga nasceu numa casinha de taipa que já não existe mais, praticamente no terreiro da casa onde nasceu Bárbara de Alencar. Na época, a construção rústica era a casa de Ana Florinda Carvalho de Alencar (Dona Neném) e João Batista Moreira de
FRancisco Chagas
A fazenda Araripe
Casa onde Gonzaga reencontrou os pais na década de 40
A vila do Araripe foi onde Luiz viveu toda sua meninice até fugir para Fortaleza em 1930
1964
Grava a composição A Triste Partida de Patativa do Assaré. O sucesso é total principalmente junto ao nordestino que vive no Sul. Grava também, no LP O Sanfoneiro do Povo de Deus a primeira composição de Gonzaguinha, "Lembrança de Primavera".
1966
Sinval Sá lança o livro O Sanfoneiro do Riacho da Brígida - Vida e Andanças de Luiz Gonzaga - O Rei do Baião. O sanfoneiro é impedido de cantar no festival FIC 66, a música São os do Norte Que Vêm, de Capiba e Ariano Suassuna.
1968
Um pouco fora de destaque no cenário musical, Luiz Gonzaga viu seu nome novamente em ascensão depois que, neste ano, Carlos Imperial espalhou no Rio de Janeiro que o conjunto Inglês The Beatles acabara de gravar a música Asa Branca. Não era verdade, mas foi o que bastou para que Gonzaga voltasse às manchetes. Luiz Gonzaga é destaque na 1ª edição da Revista Veja, em 11 de setembro, com a matéria Gonzaga: a volta do Baião. Luiz Gonzaga conhece Edelzuíta Rabelo numa festa junina em Caruaru.
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uma casa para os pais no começo da vila e que ainda é preservada. O sítio Araripe é a parte mais bonita da viagem porque, além de ter o espírito de duas épocas importantes para o Brasil, está bem preservado e o povo é receptivo. No comando está Amparo Alencar, outra alma doce que não se cansa de contar a história de sua terra. Amparo é a guardiã dos bens gonzagueanos no lugar onde ele nasceu, assim como da memória da família Alencar. Foi ela quem reconstruiu e transformou a casa de Bárbara de Alencar num memorial aberto ao público. Mandou fazer um monumento no lugar onde o rei nasceu, preparou homenagem para o seu centenário e fez da casa um verdadeiro antiquário de peças raras e históricas da história pernambucana. Além de tudo isso, recebeu, recentemente, um fole que pertenceu a Januário para completar a fortuna de seu acervo.
O coração de Luiz Surpreendente a revelação de Amparo Alencar. Segundo ela, Luiz morreu pobre e dependeu dos outros para manter-se no hospital em Recife. E não foi apenas por ter o baião sido superado por outros estilos, mas por Luiz ter repartido tudo que tinha com a família e ajudado a todo mundo, até a quem não conhecia. “Luiz deu sanfona a todo mundo aqui da região e não media esforços para ajudar aos outros, seja como fosse”, diz ela, lembrando de sua generosidade com o próximo. Joquinha Gonzaga reclamava que os músicos de Gonzaga não tinham cachê definido e que, quase sempre, ganhavam pouco, mas seu tio vivia fazendo festa de graça para quem não podia pagar. Não é a toa que muitos artistas do forró nordestino foram fruto do cuidado de Luiz Gonzaga, começando por Dominguinhos, que ele tomou pra si desde os 13 anos, mas também Oswaldinho, Fágner, Jackson do Pandeiro, Chiquinha Gonzaga, Zé Gonzaga, Waldonys, Alcimar Monteiro e tantos mais que hoje são reflexo do trabalho, paciência e cuidado de Luiz, Rei do Baião.
1971
Lança o LP "O Canto Jovem de Luiz Gonzaga". Em Londres Caetano Veloso grava Asa Branca, assim como Sérgio Mendes e seu Brasil 77. É o ano do primeiro contato do então desconhecido Fagner com Luiz Gonzaga, no Rio. Foi também do ano de 1971 que, por iniciativa do Padre João Câncio, com o apoio do cantor Luiz Gonzaga e pelo poeta Pedro Bandeira, famoso repentista do Cariri, realizou-se a primeira Missa do vaqueiro, no sítio Lages, na cidade de Serrita, em pleno sertão Pernambucano.
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1973
O outro Luiz Gonzaga Quando Gonzaga desapareceu, após acompanhar o exército onde sentou praça em 1930, logo que fugiu de casa, e depois ir para o Rio de Janeiro, Santana, sua mãe, chegou a pensar que ele tivesse morrido, tanto tempo passou sem dar notícias. Foram 16 anos de silêncio. Nesse meio tempo, nasceu outro filho que, em homenagem ao desaparecido foi batizado com o nome de Luiz. Era, dos irmãos de Gonzaga, o que a família de Amparo Alencar mais gostava por ser prestativo e esperto. Quando o Rei voltou em 46, Santana teve de tomar uma atitude e o registrou com o nome de Aloísio, mas todo mundo continuou chamando o rapaz de Luizinho.
O retorno a Mossoró Voltamos de Exu com a sensação de que esse lugar nunca mais sairá de nós. Ficou impregnada em nossas lembranças a história do Rei Luiz Gonzaga, não apenas como a ideia do artista, mas também do homem. Em todos os lugares que visitamos alguém tinha uma história para contar dele, quase todas para dizer que ele deu algo a alguém ou que fez um favor qualquer. Luiz era ídolo no Exu não por causa da música que, sinceramente, parece nunca ter sido a preferência do povo de lá, mas pela sua bondade e generosidade e por deixar um legado tão importante a ponto de colocar Exu, uma cidadezinha de 30 mil habitantes, em destaque no mapa da cultura brasileira.
Para saber mais sobre Luiz Gonzaga:
www.luizluagonzaga.mus.br Livro: O sanfoneiro do Riacho da Brígida (Sinval Sá) Livro: A Saga de Luiz Gonzaga (Dominique Dreyfus) Livro: Luiz Gonzaga e o RN (Kydelmir Dantas) Filme: Gonzaga – de pai pra filho
Deixa a RCA Victor e passa para a Odeon, por um breve espaço de tempo, embalado pelo sucesso reconquistado. Tenta lançar sua candidatura a deputado Federal pelo então MDB, mas desiste logo da idéia, quando sentiu que os votos que obteria seria em troca de favores. Inezita Barroso grava Asa Branca como também o cantor grego Demis Roussos, sob nome de White Wings, com letra em inglês.
1974
É construído o Parque Nacional do Vaqueiro, e criada em 24 de Outubro desse mesmo ano a Associação dos Vaqueiros do Alto Sertão Pernambucano.
1975
Luiz Gonzaga reencontra Edelzuíta, o grande amor da fase final de sua vida.
1976
1979
1980
1981
1982
1983
O Projeto Minerva dedica um especial à obra de Luiz Gonzaga. Neste mesmo ano grava seu primeiro compacto simples de 33 rpm pelo selo Jangada, com a música Samarica Parteira de Zé Dantas. A música ocupou as duas faces do disco.
A RCA Victor prestalhe significativa homenagem pelo marco de seus 40 anos de carreira, com o lançamento do disco A Festa. Grava Junto com Gonzaguinha o Disco Descanso em Casa, Moro no Mundo. Os dois fizeram juntos incríveis apresentações por todo Brasil.
1985
É agraciado com o troféu Nipper de Ouro. Além dele, somente o cantor Nelson Gonçalves recebe tal troféu no Brasil.
1986
Luiz Gonzaga participa do festival de música brasileira na França, Couleurs Brésil, evento que inaugura o programa dos anos Brasil-França 86-88. O LP Forró de Cabo a Rabo, deu a Luiz Gonzaga dois discos de ouro.
1988
A RCA Victor lança uma caixa luxuosa com cinco LPs, batizada de 50 Anos de Chão. Fagner produz o segundo LP de encontro com o Rei. Luiz Gonzaga assina contrato com a gravadora Copacabana, que lançaria seus últimos quatro LPs. Em junho pede o desquite, separa-se de Helena, e assume o relacionamento com Edelzuíta Rabelo.
Morre o compositor, advogado e instrumentista Humberto Teixeira. E Luiz Gonzaga grava o Disco Eu e Meu Pai em homenagem a Januário.
Atendendo convite da cantora Nazaré Pereira, viaja para a França apresentando-se em Paris no teatro Bobinot. A partir desse ano, Luiz Gonzaga passa a assinar como Gonzagão quase todos os seus disco, forma como havia sido chamado por ocasião de sua turnê com Gonzaguinha.
Em Fortaleza, depois de ser literalmente atropelado pêlos seus fãs e por fiéis da igreja, Luiz Gonzaga canta para o Papa João Paulo II. Recebe do sumo pontífice a expressão - Obrigado Cantador. Foi um dos mais emocionantes e gratificantes momentos da vida do sanfoneiro. Lança o disco 70 anos de sanfona e simpatia.
1984
Gonzaga recebe o primeiro disco de Ouro com o LP Danado de Bom, no qual tinha João Silva por principal parceiro. Gonzaga recebe o Prêmio Shell. Luiz Gonzaga canta no disco de Gal Costa - Profana em uma faixa em homenagem a Jackson do Pandeiro. Grava seu primeiro LP com o Cearense Raimundo Fagner.
1989
Grava seu primeiro LP pela Copacabana, seguidos de mais três LPs, que seriam os últimos de sua carreira. No dia 06 de Junho, Luiz Gonzaga sobe pela última vez num palco, com o auxílio de uma cadeira de rodas. A platéia presente no teatro Guararapes no Centro de Convenções no Recife não podia prever que não mais veria o Velho Lua. Ao lado de Dominguinhos, Gonzaguinha, Alceu Valença e vários outros amigos e parceiros, e desobedecendo às ordens médicas. Luiz Gonzaga morreu no dia 02 de Agosto de 1989, às 05.15hs, no Hospital Santa Joana, no Recife, onde dera entrada havia 42 dias. Seu corpo foi velado na Assembléia Legislativa do Estado e o Governo de Pernambuco decretou luto oficial por três dias.
A última homenagem No dia 13 de dezembro, Gonzaguinha, Fagner, Elba Ramalho, Domiguinhos, Joãozinho do Exu e Joquinha Gonzaga cantam à meia noite parabéns para Luiz Gonzaga, em Show realizado em Exu. Nesse mesmo dia, pela manhã, foi inaugurado em Exu por Domiguinhos e Gonzaguinha o Museu do Gonzagão
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Gildo Bento
Damiana Maria da Conceição, 78 anos, não sabe ler e nem escrever, mas não esquece o que aprendeu ainda criança com a mãe, quando a via curar as pessoas
‘Reza forte,
seu doutô’
Muitas vezes restritas a periferias da cidade de Mossoró, as rezadeiras sobrevivem ao crescimento urbano, prometendo o fim de enfermidades como o ‘mau olhado’, ‘espinhela caída’, mazelas do corpo e da alma. POR: IZAÍRA THALITA
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‘Ô de casa! É aqui que mora Dona Damiana, a rezadeira?’ ‘É a minha mãe’, diz Sandra Maria, convidando a desconhecida mulher a entrar na sua casa, espaço pequeno e com um corredor escuro que no final se ilumina com uma luz forte que vem do quintal, este amplo, cheio de plantas, onde dona Damiana está a estender roupas. Ela já sabe que se trata de alguém em busca de uma cura. Abre o sorriso e, de pronto, manda a visita se sentar em um dos tamboretes encostados à parede da casa e já se dirige a uma árvore onde retira dos galhos um ramo de folhas bem verdes. Concentrada e já com o semblante sério no rosto, senta-se ao lado da mulher que vai dizendo de sua indisposição e dores. “É espinhela caída!”, vai logo dando o diagnóstico. Entra na casa e traz um barbante onde mede de um ombro a outro e depois, do pescoço ao umbigo. Leva a mulher para a “passadeira” da porta e começa uma reza silenciosa, balbuciada e de difícil compreensão, passando o ramo no corpo da mulher, levantando as suas mãos espalmadas sobre a cabeça dela que, por sua vez, fecha os olhos e em silêncio segue cada orientação da rezadeira: entra e sai, fica de costas, senta-se, fica de pé até que a cura termina. Dona Damiana pega novamente o barbante marcado e mostra para a mulher que ela já está melhor da espinhela caída. Depois pede para ela voltar mais dois dias para completar a cura com a reza. Damiana Maria da Conceição, 78 anos, nove filhos, natural de Almino Afonso, há muitos anos residindo em Mossoró, não sabe ler e nem escrever, mas não esquece o que aprendeu ainda criança com a mãe, quando a via curar as pessoas. Sempre fez a cura, em muitas crianças com “ventre caído”, “quebranto ou mau olhado”, mazelas que deixam o recém-nascido ou bebê, esmorecido, com disenterias e indisposição.
“Quem põe o quebranto em criança é sempre uma mulher. Homem não coloca mau olhado porque tem cinco Salomão no peito”, conta ela, sem dar explicações ou se preocupar com um sentido “racional” do que está dizendo. Da mesma maneira, responde quando perguntada por que tem de fazer a cura de espinhela caída na passadeira da última porta da casa: “Porque é assim que tem que ser”. E pronto. Não está dentro de uma lógica racional entender as coisas místicas porque é nesse campo em que as rezadeiras atuam. Damiana Maria é uma das rezadeiras de Mossoró, prova da resistência de uma tradição que não se perde completamente com o passar dos anos, mesmo que a maioria delas não esteja transmitindo para novas gerações da família o dom da reza. No grande bairro de Santo Antônio, o segundo mais populoso de Mossoró, é onde Dona Damiana está, mas não só ela. Por ser um dos bairros periféricos da cidade, ainda é possível encontrar, a partir de indicações dos moradores, mais dessas mulheres que mantêm viva a reza, hoje um pouco camuflada pelo crescimento urbano. O fato de uma certa invisibilidade das rezadeiras no meio urbano de Mossoró ainda está, de certo modo, atrelado ao preconceito de que a “reza” está no campo de ações que muitas religiões não aprovam, de que se trata de uma coisa “do mal”, uma concepção equivocada que por vezes, faz com que a própria família não aceite que as rezadeiras continuem atendendo às pessoas em casa. “Já tentei entrar pra lei de crente, mas eu não consigo deixar a reza. Eu me sinto bem, as pessoas se sentem bem e eu não deixo mais! Podem falar que eu sou macumbeira, eu não ligo. Meu dom vem de Deus, só ele pode curar, mas eu tenho fé e acredito na cura”, conta Damiana.
O CORPO COMUNICA Mas, não teria alguém na família que quisesse receber a reza? Dona Ritinha revela que ninguém vai receber sua reza, as filhas não acreditam e não têm interesse de receber essa herança espiritual. “Quando eu morrer, a reza morre comigo”, ressalta.
Gildo Bento
A reza de Rita Maria de Souza, 79 anos, lhe foi passada pela mãe. Depois de anos atendendo às pessoas, Ritinha como é conhecida, havia deixado de rezar pela falta de saúde. Quando as pessoas perguntavam se ela rezava ainda, logo os familiares diziam que não. Mas quando ela sente que pode rezar, faz a cura. Ritinha realiza a reza mais tradicional, com ramo de folhas e que promove uma cura de todo o corpo, numa única reza. Tem um contato firme de suas mãos com a pessoa que pede a cura, segura firme pelos pulsos, cruza os braços do paciente sobre a cabeça, faz força para levantar o corpo, põe os dedos sobre as têmporas onde a dor de cabeça é mais frequente e reza baixo, concentrada, uníssona. Ao final, percebe-se que dona Ritinha está fisicamente cansada, empreendeu esforço físico e mental que desagrada aos familiares. “Sempre peço a pessoa que venha completar a cura, pois do contrário, aquela energia fica em mim, eu adoeço”, conta Ritinha referindo-se ao ritual de curar três dias seguidos.
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Gildo Bento
A qualquer hora Durante todo o dia, seja quem for que bate à porta de dona Inês Araújo, 43 anos, na rua Riachuelo, bairro Santo Antônio, têm a atenção que necessita. Seja lá o que for que ela estiver fazendo, para tudo: o feijão cozinhando no fogo ou a refeição posta no prato. O movimento em sua porta, de pessoas vindas de todas as partes da cidade, a maioria, pessoas desconhecidas, mas que sabem da reza forte de dona Inês, chega a fazer uma fila de espera na antessala da casa pequena. Em seu quarto de costura que fica na área externa da casa, vai chamando um a um. Mas ela não é como as rezadeiras que utilizam galhos para a cura. Aos 8 anos conta que percebeu um dom diferente para a cura através das orações e desejou ser freira, se ofereceu a um convento na adolescência: “A madre disse que eu esperasse para ver se era isso que queria e me disse que eu teria muitos filhos. Acredito que ela não falava dos filhos da carne, mas de todos aqueles que consigo ajudar com minhas preces”, conta. Casou, constituiu família, mas sempre muito católica, se encontrou no movimento carismático. “Minhas orações são cristãs, é o Pai Nosso, a Ave Maria, o terço da misericórdia e enquanto rezo, penso na dor da pessoa, sinto tudo o que ela sente naquele momento. Se a pessoa estiver chorando por dentro, eu choro também”, conta. Acompanhado da esposa e com a filha recém-nascida nos braços, Emery Costa Júnior chega para pedir que dona Inês reze na pequena Maria Fernanda, mas também em todos da família. “Acredito muito no dom da cura através da oração.
Inês Araújo, 43 anos: atende a qualquer hora do dia ou da noite Dona Inês reza com fé, com o terço na mão, sempre que possível a gente vem aqui, conversa com ela, pede orações. Veja que a casa dela é sempre cheia, não tem dia que não seja assim”, conta Emery Júnior. De pronto, ela interrompe e diz: “Antes me sentia muito angustiada porque não sabia se fazer isso era considerado bom, até que Frei Damião em um encontro que tive com ele, me disse que eu continuasse e nunca mais parei. Não quero imitar ninguém, rezo do jeito que sei e com o dom que Deus me deu. De mim, só emana amor”, completa.
Cobreiro só cura com reza Cobreiro é uma das doenças que muitas pessoas acreditam que só a rezadeira pode curar. O cobreiro é uma doença de pele que deixa um rastro pelo corpo da pessoa, há ainda a crença de que se não for curado pela rezadeira ou benzedeira, se o rastro chegar a se encontrar, a pessoa morre. Rosanilton Lima mora em Pau dos Ferros, região do Alto Oeste potiguar, onde percebe que a reza tem presença. Ele conta que foi criado indo, quando criança, às rezadeiras, por vezes curado pela própria mãe. Hoje, professor da educação básica, ainda vê isso muito forte na sua família, com familiares que trocam o saber médico pelo da curadeira. Recentemente ele teve o famoso cobreiro: “Quando surgiu a doença eu procurei o posto de saúde, as pessoas começaram a dizer que eu estava no lugar errado, que cobreiro tinha que ser curado com a reza. Muitos colegas questionaram se iria procurar essa ajuda, pelo fato de já ter um nível de escolaridade, de ter embasamento, e que eu não deveria dar ouvidos à crença. Procurei o médico que recomendou um tratamento de cinco dias, mas também procurei um senhor no Sítio Flechas, no município de José da Penha, seu Miguel Calixto. Ele olhou com seriedade e afirmou que iria matar o cobreiro, rezou em mim fazendo uns traços com o lápis no meu corpo, matando o cobreiro. Já estava há duas noites sem dormir, a queimadura na pele, passando gelo para diminuir a dor, e o benzedeiro garantiu que dormiria bem. Ainda recomendou que voltasse caso o cobreiro passasse de onde ele colocou os traços. Com medicamentos e com a cura, fiquei bom do cobreiro 15 dias depois”, conta. Quando perguntado sobre o que o curou, o professor afirma que os dois: “Eu acredito na reza. O ser humano é mítico por natureza, lida com essa força espiritual, acredita em um ser supremo e, mesmo que eu acredite na ciência, como pesquisador, acho que nós temos de ter esse apoio espiritual”, afirma.
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Voz da experiência todas as doenças. E logo começa a reza em voz alta, mas de difícil compreensão ao se escutar a primeira vez: “Deus quando andou no mundo, todo o mal ele curou: A ‘arca’, o ‘vento’. ‘Espinhela caída’ Jesus cristo levantou. Curo-te pela frente, senhor são Vicente, curo-te por trás senhor São Brás. Cristo vive, Cristo reina, Cristo reinará, nenhum mal te pegará. Doença e todo o mal, sai de ti, sai de tuas carnes, sai da belezura, sai da formosura, pai nosso..., ave maria... e salve rainha”. Com o ramo de pinhão murcho nas mãos, dona Kinara olha pra mulher: “Botaram olhado na senhora e forte viu?”. Agradecida, a mulher se vai satisfeita. Dona Kinara, volta a assistir televisão, na sala da casa. Mais duas crianças seriam rezadas naquele mesmo dia.
Gildo Bento
No Planalto 13 de Maio, zona leste de Mossoró, dona Clinária ou Kinara como é mais conhecida, é a rezadeira mais conhecida. Na sabedoria dos seus 94 anos, recebe as pessoas para realizar todo o tipo de cura, reza que aprendeu com a sua mãe, dona Joana Sofia. “Na época, as pessoas eram curadas assim mesmo. A gente que morava no sítio curava tudo com reza”, lembra ela. Das filhas mulheres, só Dona Kinara herdou a reza e afirma que também não passou pra ninguém. “Não tenho a quem ensinar, os mais novos não querem”, diz. Chega uma mulher em busca de alívio de fortes dores de cabeça e que acha que está com quebranto. Devagar, vai até a frente da casa e colhe um ramo de pinhão, planta que segundo ela ajuda no trabalho de afastar
Dona Kinara herdou a reza e afirma que também não passou pra ninguém
SABERES “A reza não desaparecerá, mas está sendo transformada” O professor e doutor em Antropologia José Glebson Vieira, que atualmente, entre outras atribuições, leciona a disciplina de Saberes e Tradição Oral no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uern, fala sobre como a tradição da reza está sendo transformada, mas continua viva e não deve desaparecer: CONTEXTO – Professor, o senhor acha que a rezadeira, ou mesma a reza como cura, está acabando? JOSÉ GLEBSON – Acho que não. Acredito que está ha-
vendo uma transformação bem considerável, da própria percepção do que é essa cura. Hoje, a medicina tem apontado para novas possibilidades de cura, que em muitos casos não desconsidera esse aspecto espiritual, e tem ainda surgido outras possibilidades de cura por diversas religiões. Se pensarmos que em determinadas religiões, colocar um copo de água em cima da televisão para ser abençoado pelo pastor ou pelo padre para a cura das pessoas e elas acreditam que essa água cura, pode-se perceber que é ainda a força da reza, da oração que opera. Hoje temos
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um cardápio religioso muito amplo, uma oferta diversificada e dentre estes, tem um estilo um pouco mais antigo que é próprio e muito semelhante à benzedura. Concordo que o fato dessa transmissão ter tido um certo impacto é, sobretudo, o fato dessa oferta maior de religiões que contribui, inclusive, para que se construa a imagem negativa da benzedura, embora, para muitas pessoas, a reza continue sendo uma opção e continuam a recorrer à rezadeira ou benzedeira para resolv2er problemas simples como o “mau olhado”, “o cobreiro”, “a espinhela caída” e etc. A reza é colocada como uma alternativa à medicina tradicional. Eu não vejo um fim das rezadeiras, mas acredito que essa tradição está se redefinindo. Hoje, você pode ter um pouco mais de dificuldade de encontrar aquela pessoa que é apenas rezadeira, mas pode-se ter hoje uma rezadeira que é mãe de santo ou que é filha de santo e que faz esse trabalho. Talvez até se sofistique mais os instrumentos rituais. Pensando melhor sobre isso, podemos afirmar que não tem essa possibilidade de a reza estar se acabando porque a ideia de ‘reza forte’ está muito presente. Os fiéis acreditam muito em reza forte, independente de se ter um trabalho individual que é o trabalho das rezadeiras, mas se tem nos rituais de cura nas igrejas também tem pessoas que são conhecidas e produzem pela reza forte. DE ONDE veio a origem da rezadeira que utiliza o ramo de folhas para a cura? NÃO saberia lhe dizer a origem específica, mas a própria posição que os Xamãs tinham e têm nas sociedades indígenas onde se tem, na pajelança, uma reza muito forte em que essas pessoas são iniciadas dentro de uma especialidade ritual, capaz de em uma reza produzir várias curas. Mas também se percebe a mesma característica nas religiões afro, em que o uso de determinadas poções, de palavras, que é uma característica fundamental da reza, a oralidade, as palavras, promovem a cura. Muitas benzedeiras começam a praticar essa benzedura depois que são curadas, ou de uma história pessoal e voltando a falar sobre a influência indígena, o Xamã, antes de curar tem de ser curado, a benzedeira também. Não saberia te dizer se decorre de uma herança indígena, acho que é um pouco indígena, um pouco negro e também um pouco cristão porque se você observar as palavras das rezadeiras, a linguagem é cristã, fala em Nossa Senhor, Jesus Cristo, Espírito Santo, mesclado com a força da natureza ou do espírito que são um pouco herança indígena e afro.
que não irão transmitir a ninguém. O que é importante colocar é que nem sempre a reza se dá por uma transmissão familiar, de mãe para filha, ou neta. Existem aquelas pessoas que aprendem sozinhas a rezar, algumas desenvolvem esse dom, outras transmitem a um parente, mas não é simplesmente hereditário. Não se pode avaliar se a rezadeira está deixando de existir pela ausência de uma única forma de transmissão porque existem várias formas. Aqui a dinâmica em Mossoró pode ser um pouco distinta de outras cidades onde a rezadeira é uma figura conhecida e muito acionada. QUAL a importância de se pesquisar esse universo das rezadeiras? É MUITO importante porque se tem a produção de um saber que é extremamente válido e eficaz simbolicamente, onde se percebe a relação entre os sujeitos com o sobrenatural. E a reza é um dos momentos em que as pessoas reconstroem o seu sentido de vida e de pensar na própria vida, mas também na cura, além da relação com o sagrado. Tem-se o agente que é a rezadeira ou benzedeira, há o aspecto pragmático da reza e há um conjunto de representações. Tem-se, portanto, uma dimensão social fundamental ali. Embora que seja aquela pessoa que esteja rezando, mas há ali uma dimensão social e coletiva dessa reza. A reza só faz sentido porque existe uma força coletiva em torno dela, que acredita na reza e daí a qualidade de se compreender esse mundo, de como elas estão se relacionando com o sagrado, além de uma produção de um conhecimento que é transmitido, é fundamental. A benzedura é uma forma de ciência, no sentido de se lidar com o sagrado e de como se especializa nele.
AS REZADEIRAS não costumam pronunciar em voz alta a reza e nem explicam. Por quê? MUITAS não passam a reza. O que é interessante é que ela só repassa a reza em quem confia e nesse sentido se percebe um pouco essa crise da transmissão da reza, pois ela é da tradição da oralidade, não se tem uma cartilha ensinando a rezar. A reza é ação na palavra e ação mágica, de estar articulando vários elementos ligados ao sobrenatural. MAS se não está sendo repassada, o que se pode dizer sobre o futuro desta forma de reza? TEM uma característica destas pessoas que você entrevistou que certamente em outras não aconteceu isso. Há um certo contexto mais amplo de oferta maior de possibilidades de cura, mas que não são responsáveis por um desaparecimento das rezadeiras. Em outros espaços, as rezadeiras continuam muito presentes na vida das pessoas. Tem algumas que quando despertam para a reza já sabem
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José Glebson Vieira
Saúde em Ação
O Mundo dos Esportes no País de Mossoró Costa Júnior*
C
omo profissional de Educação Física e viciado em esportes, costumo observar o potencial esportivo de nossa cidade e vejo hoje um momento de ouro para a prática esportiva, porém pouco explorado por uma grande parcela da população. Considero um bom momento não apenas devido às iniciativas públicas, mas também devido às iniciativas que podemos chamar de governanças, onde os amantes dos esportes arregaçam as mangas e desenvolvem um projeto para captar novos adeptos, seja através da formação de grupos e associações ou através do simples aproveitamento dos espaços públicos enfim, me refiro ao tal do “quer vim, venha...” (como diria o matuto) que às vezes funciona muito bem. Fazendo uma lista rápida dos esportes hoje praticados espontaneamente pela cidade e me desculpem, pois com certeza esquecerei de alguns: futebol, basquete, handball, volley, tênis, corrida, ciclismo (speed, dirt bike, downhill, mountain bike, bmx), natação, artes marciais (jiu-jítsu, taekwondo, muai thai, boxe, capoeira), parkour, skate, long board, patins, rappel, escalada, slack line, vôo livre, corrida de aventura, motocross, sem esquecer o potencial do litoral (wind surf, surf, kite surf, stand up paddle e bodyboard). Também poderíamos ter outros como remo e kayak, fazendo uso do potencial das águas da região Oeste do estado, ou corrida de orientação, arvorismo e caving (exploração de cavernas), com a formação do Parque Nacional da Furna Feia. Os problemas são diversos, os motivos pelos quais muitos deixam de praticar seu esporte preferido ou não procuram por algo novo também são. Mas na vida temos que ser proativos e encontrar soluções e não escavar problemas antigos. A emoção de alcançar uma meta, superar limites do nosso corpo, quebrar paradigmas, superar expectativas é
algo que nos ajuda a sermos humanos melhores e a lidar com nossos problemas pessoais com mais serenidade. Em se falando de saúde, o movimento é hoje um dos grandes pilares do nosso desenvolvimento, estando relacionado à melhora da saúde mental através da socialização, da promoção de desafios, da interação com o próprio corpo, bem como a prevenção e tratamento de muitas doenças crônico-degenerativas, acelera o metabolismo, retarda o envelhecimento, desenvolve capacidades físicas e muitos mais. Está esperando o que para voltar a se mexer? Grupos e lugares onde você pode se engajar em Mossoró: • Grupo Oeste Escalada (oesteescalada.blogspot. com): escalada indoor e outdoor, rapel e slack line; • Grupo Trilheiros Mossoró (facebook): especializado em trilhas de bike; • Grupo Rapel e Trilha (facebook): especializados em trekking e prática de Rapel; • Praça dos Esportes (Av. Rio Branco): futebol, vôlei, basquete, tênis e corrida de rua; • Praça do Teatro Municipal: ponto de encontro de grupos de ciclismo, capoeira e corrida de rua; • Pista de Bicicross (Conjunto Ulrick Graff, Costa e Silva. Próximo ao IFRN);
Quer divulgar seu grupo me manda um twiter: @Costa_fit
A emoção de alcançar uma meta, superar limites do nosso corpo, quebrar paradigmas, superar expectativas é algo que nos ajuda a ser humanos melhores..."
* Educador Físico (CREF: 1014g/RN) e Personal Trainer – Twitter: @costa_fit
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• Turismo
O poder radioativo das águas das Freiras da Paraíba
No meio da caatinga paraibana, uma estância de águas termais guarda segredos milagrosos de cura, além de um retorno ao bucólico passado sertanejo. POR: José de Paiva Rebouças
Francisco Chagas
Do Brejo das Freitas/PB
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Q
Delegado exibe um sorriso de quem tem muita vida ainda para viver... e bebe da água que lhe permite ficar jovem por mais tempo Francisco Chagas
uem vê o sorriso de seu José de Souza Lima, o Delegado, como é conhecido, nem desconfia a idade que ele tem. Enxuto e disposto, o velho guardião se passa por um cinquentão sem dificuldades, mas na identidade a história é outra. Delegado nasceu em 1941 e, portanto, tem 71 anos bem vividos. E não é força de expressão. Ao longo desse tempo, arrumou três mulheres e fez filhos em cada uma delas. São seis ao todo. A receita do homem é nunca beber álcool, nunca fumar e trabalhar todo dia, de preferência com alguma atividade física. Mas há quem desconfie de um milagre. Delegado é o cuidador da Estância Brejo das Freiras, localizada no município de São João do Rio do Peixe, na Paraíba, a 230 km de Mossoró e que, segundo a lenda e alguns estudos científicos, possui uma fonte de água milagrosa ou, no mínimo, com extraordinário poder de cura. O local é tão respeitado que dizem que até a lama tem propriedades medicinais. “Nasci e me criei tomando dessa água”, explica o funcionário que acredita piamente no poder curativo da água. Ele é responsável pela parte mais valiosa do hotel-fazenda: a própria fonte que jorra sem parar a uma temperatura de 40 graus. O local paradisíaco no meio do sertão virou patrimônio do Estado e é cuidado com toda a mística e tradição possível. Delegado é responsável por abastecer as piscinas e liberar a água dos chuveiros e banheiras para as pessoas que buscam tratamento ou, simplesmente, usam o local como balneário. Parece inusitado? Não para as pessoas que convivem diretamente com esse fenômeno. Delegado garante ter visto muitas pessoas importantes chegarem em estado de lástima e saírem curadas após alguns dias de tratamento. E ele não é o único a afirmar. Josineide da Silva Souza, de 45 anos, tem a pele de uma adolescente e também não duvida do poder divino da água das freiras. Ela trabalha no local há apenas dois anos e conta muitos casos de tratamentos que parecem absurdos. Obviamente que eles guardam sigilo dos nomes e das patologias por uma questão de ética, mas nas redondezas de São João, todo mundo sabe dos recebedores das graças quando se vão. Independente do poder milagroso, a Estância Brejo das Freiras é um oásis em plena caatinga. Por ter água abundante, o local possui muito verde. O hotel não é de luxo, mas o clima em que ele está inserido é um convite ao bucólico. Uma experiência que ultrapassa qualquer lenda pela reaproximação com o sertão profundo. A estrutura já não funciona como antigamente. Os chalés foram fechados e da estrutura geral, uma parte está desativada, mas ainda assim é bem cuidada e convidativa. Além disso, o hotel-fazenda possui piscinas e banheiras termais, restaurante especializado em comidas típicas, quadras, salão de jogos, playground, capela, ampla área verde para caminhadas e contemplação e outras delícias para quem procura fugir da vida moderna e sentir o tempo parar por alguns instantes.
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Uma história de três séculos O nome Brejo das Freiras foi dado ao lugar por ter pertencido às freiras do Convento da Glória do Recife, que o adquiriram por doação dos Jesuítas. Nos fins do século 19, o clínico sertanejo Fausto Meira de Vasconcelos despertou a atenção para as virtudes terapêuticas das águas de Brejo das Freiras, mas só em 1922, no governo de Solon de Lucena, é que se buscou comprovar o poder das águas termais que brotavam no lugar. Isso porque, a área seria invadida pelo açude de Pilões que deixaria o Brejo mergulhado nas profundezas. O governador Solon pediu ao então presidente da república, Epitácio Pessoa, um exame detalhado das águas, de forma que viesse a justificar o salvamento das fontes termais. Para isso, foram designados os professores Lafayete e Sá Benevides que fizeram os exames completos no Laboratório Bromatológico do Rio de Janeiro e constataram tratar-se de uma água dominantemente clorobicarbonatada sódica, atestando toda a fama dada à fonte e garantindo o seu salvamento. De acordo com estudo, as águas de Brejo das Freiras saponificam as gorduras, limpando completamente a pele quando aplicadas em banhos. Suas propriedades terapêuticas são conhecidas na dispepsia e, Francisco Chagas
principalmente, na síndrome de Reichmann, pela virtude inexcedível de neutralizarem o excesso de ácido clorídrico em vista da reação alcalina pelo bicarbonato de sódio que contêm, aumentando o suco gástrico, auxiliando as digestões; nas gastralgias produzem considerável ação sedativa; atuam mais sobre o sangue, aumentando-lhe em pequena quantidade a dosagem de bicarbonato de sódio, de modo que contribuem prodigiosamente para a sua fácil oxigenação, ou melhor, hematose ao nível dos alvéolos pulmonares; é manifesta ainda a ação dessas águas sobre o estado da bílis porque embaraçam a produção exagerada de colesterina, resultando assim sério obstáculo à formação de cálculos biliares. Em síntese, os estudos afirmaram que as águas termo-minerais de Brejo das Freiras devem ser prescritas na cura de dispepsia, litiase biliar, reumatismo, artrites, escrófula, linfatismo, clorose, anemia, de todas as dermatoses, chagas atônicas, fraturas dolorosas e de lenta consolidação, luxações etc. Só são contraindicadas na tuberculose pulmonar. Outra observação é que as águas só possuem o poder curativo ainda quente, quando saem da fonte. Depois que esfriam perdem muito o seu valor e sofrem modificações químicas.
Kallyne Amaro e Aldemira Santos aproveitam os momentos de folga para usar o Brejo como balneário
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ConTXTextualizando
As várias fases da rede: do social ao tecnológico KILDARE GOMES*
A
ideia de rede e compartilhamento desde sempre é desenvolvida pelo Homem. Nas relações coletivas, os indivíduos se apresentam como elo dinâmico do espaço social. Com o passar do tempo, algumas práticas sociais se transformam e se moldam às necessidades da época. Os seres humanos aprendem a identificar potencialidades do outro e fazem dispor a colaboração que gera resultados positivos. Os primatas aprenderam a dividir espaço com o pensamento em rede, quando nas suas experiências elaboravam uma dinâmica de trabalho configurada na relação de maneira integrativa. Ao dividir espaço nas árvores – ajudando-se mutuamente – eles dispunham de uma comunicação que já esbouçava essa incorporação solidária no perfil coletivo, dessas experiências compartilhadas na busca de efetivação da comunicabilidade. Como resultante dessas relações, surgiu os instrumentos de trabalho na agricultura, a facilitação no trato da comunicação interpessoal, a elaboração de espaços coletivos para o lazer, a construção cultural dos traços identitários de cada povo; enfim, com a tecnologia da inteligência as redes foram se consolidando no cenário civilizatório. Tempos mais tarde, essa consolidação de inteligências, dentre elas a tecnológica, transforma completamente o mundo em rede. Outra tecnologia, a industrial, tornou-se aliada da ciência. Os valores passaram a ser construídos na perspectiva de que o cenário deveria ser ampliado com o caráter massivo. Essa proposta se desenrola em meio a guerras e ataques entre nações, quando outra rede se formava: das estratégias militares. No seio da sociedade, os espaços eram utilizados para o ataque e revide de (re)ações. Cessaram o uso da pólvora e deram início a outro tipo de confronto mundial, dessa vez utilizando-se de uma ferramenta criada na disputa das estratégias militares: a rede mundial de computadores. Cadastro. Login. Enviar. Três etapas de
* Jornalista (PB 4830JP) e professor do Curso de Direito da UERN Email: kildare.gomes@gmail.com
compartilhamento que substituiu a expressão “Preparar, atirar, fogo!” O cenário digital virtualizado expressa inequivocamente a capacidade humana em construir alternativas comunicacionais para desenvolver o pensamento em rede. O homem moderno já não dispõe de tempo para subir nas árvores, mas não rejeita a possibilidade de utilizar-se do seu tempo para solidificar a interação junto àqueles que corroboram com a mesma sistemática do pensar. Entre a ‘selva digital’ e a realidade convencional há uma floresta em rede que discute a sustentabilidade social e o poder dessa comunicação. Resta saber em que rede nos comunicamos. Transforma-se a social em tecnológica? Ou aplica-se a digital na interação virtualizada da vida real? A resposta será formulada individualmente, mas enquanto não nos chegam os resultados vou mergulhar na minha rede. ideia de rede social sempre SIM aexistiu nas relações humanas, não
sendo apenas na atualidade que esse instrumento se estabelece em sociedade; antes, a rede social se conjugava com outras formas de comunicar – da escrita à televisão.
que as redes sociais NÃO pensar humanas ficarão estáticas ao
mundo digital é fragilizar a potência mental dos indivíduos. É inegável que no futuro outras formas de compartilhamento de rede surgirão e provocarão mudanças nas estruturas atuais.
TALVEZ
a evolução transformadora das redes sociais poderá operar-se no mesmo plano digital, contudo a sistemática de ação poderá não ser estrategicamente idêntica a que se processa na atualidade – prever o futuro nesse caso é tarefa quase impossível.
Entre a ‘selva digital’ e a realidade convencional há uma floresta em rede que discute a sustentabilidade social e o poder dessa comunicação"
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Cozinha prática
Risoto de aspargos: o par perfeito da carne vermelha Angelina Tavares*
E
Prontinho!! Sirva e acrescente as pontinhas de aspargo! Ah! Também cai bem com um Camarão Provençal!
ntrei na onda do risoto, tenho que admitir. Já tive medo dele em outra época. Medo de passar do ponto, de empapar, de não ter sabor, de engordar horrores, mas hoje acho que é um curinga, indispensável na cozinha. Ele pode ser a estrela da festa como o Risoto de Curry ou um simples coadjuvante. Mas coadjuvante também recebe oscar, certo?! E esse risoto de aspargos ganhou o "Selo Biscoito" de melhor acompanhamento de carne vermelha. Quando se fala de carne vermelha, a gente já associa a um sabor mais forte e marcante e por isso o acompanhamento não pode competir, tem que complementar ou até suavizar o sabor principal. Por isso sempre acompanhamos com arroz branco ou massa. Esse risoto acompanha com charme uma carne forte sem perder a graça e sem passar despercebido. Propaganda feita, vamos ao que interessa: os ingredientes para 2! 1 xícara de arroz carnaroli ou arbório 6 aspargos verdes frescos (Curiosidade: Aspargo não é legume, é flor, e tem baixa caloria! Que Maravilha! Quando for comprar prefira os bem verdes e de caule mais fino que são mais tenros) 1/2 cebola pequena em cubinhos 1 colher (sopa) de azeite 1/2 colher (sopa) de manteiga 1/2 xícara de vinho branco 1 saquinho de "Meu Segredo" ou 1/2 caldo Knorr de Legumes 750ml de água 30g de parmesão ralado na hora sal e pimenta preta a gosto Dica da Angel: Para começar retire delicadamente uma fina camada da pele dos aspargos. De preferência use um descascador ao invés da faca para não desperdiçar nada. Não descasque as pontinhas. Corte as pontas (aproximadamente 4 dedos) e reserve. Descarte a parte mais branquinha do finalzinho do talo que normalmente é mais fi-
*Personal Chef, formada pela Universidade Potiguar – E-mail: angelina_cheff@hotmail.com / (84) 8852-5488
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brosa. Sem exageros, não deve passar de 2 dedos. Corte os talos em rodelas de aproximadamente 1 dedo de espessura. Coloque a água para ferver e acrescente o caldo de legumes. Nem sempre utilizaremos todo o caldo, vai depender do grão do arroz e da chama do fogão. Caldo dissolvido, deixe em fogo baixo para manter quentinho. Em uma panela esquente em fogo alto o azeite e a manteiga, junte a cebola e deixe fritar até ficar transparente. Junte as rodelas de aspargos e deixe refogar por 1 minuto. Acrescente o arroz e deixe refogar (mexendo sempre) por 2 minutos. Despeje o vinho e mexa até secar. Assim que tiver evaporado o vinho, acrescente uma concha do caldo de legumes e as pontas dos aspargos. Mexa delicadamente para não quebrar as pontinhas. Quando essa concha de caldo tiver evaporado, retire as pontas dos aspargos e reserve. Acrescente as conchas de caldo uma a uma sempre mexendo e sempre esperando que uma seque antes de acrescentar a outra. Esse é o segredo do risoto cremoso. Enquanto a gente mexe, o amido do grão vai se soltando e formando aquele creminho delícia. E se você coloca a água toda de uma vez a parte de fora do grão vai ficar muito mole e o centro meio cru. Depois da terceira concha, comece a provar o arroz que estará pronto quando o grão estiver firme, porém sem aquele "pontinho branco" no meio. Quando estiver no ponto, acerte o sal, se for preciso, e acrescente um pouco de pimenta moída na hora. Desligue o fogo e acrescente o parmesão. As receitas originais pedem que se acrescente mais uma colher de manteiga para finalizar, esse processo chama-se mantecare e dá mais brilho e sabor ao risoto. Mas eu venho pulando essa fase, pois não sinto tanta diferença no sabor e sei que manteiga a menos é sempre bem-vindo à saúde. Experimente e escolha seu sabor preferido!
contexto indica
Kydelmir Dantas*
Especial GONZAGÃO Livros
Passeio cultural
A biografia do Rei do Baião já foi escrita de diversas maneiras em prosa e verso; umas mais e outras menos completas. Desde 1952 até este ano do seu Centenário, 2012, muita coisa boa saiu e outras virão, com certeza. A primeira foi Luiz Gonzaga e outras poesias. São Paulo, Continental Artes Gráficas Ltda, 1952, do poeta potiguar ZEPRAXEDI; a de maior conhecimento do público é O Sanfoneiro do Riacho da Brígida - com 4 edições só no ano do seu lançamento e, hoje, na 8ª edição, do jornalista SINVAL SÁ; depois vieram cordéis, monografias, dissertações, doutorados, ‘saites’, blogs, etc. Além dos acima citados, indicamos também: d Luiz
Gonzaga: o matuto que conquistou o Mundo GILDSON OLIVEIRA – 1991. d vida de viajante: A Saga de Luiz Gonzaga DOMINIQUE DREYFUS - 1997.
Gonzagão e Gonzaguinha: uma história brasileira REGINA ECHEVERRIA - 2006. d
Porque o Rei é Imortal JOSÉ NOBRE DE MEDEIROS & ANTONIO COSTA – 2011. d
Luiz Gonzaga e o Rio Grande do Norte KYDELMIR DANTAS – 2012. d
PLAY-LiST
(Composições de autores potiguares)
• Queixumes (Henrique Brito – Noel Rosa) – – 1945 • Meu Padrim (Frei Marcelino) – 1960. • Jesus Sertanejo (Jandhuy Finizola) – 1977. •Ovo de Codorna (Severino Ramos) – 1972. •Ranchinho de Paia (Chico Elion) – 1981. •Renascença (Celso da Silveira – Onildo Almeida) - s/d.
Parque AZA BRANCA (Exu – PE) www.parqueazabranca.com.br/
d
Museu Fonográfico Luiz Gonzaga (Campina Grande – PB) http://www.museuluizgonzaga.com.br/
d
d Museu do vaqueiro – Fazenda Bonfim (São José do Mipibu – RN) http://www.forrodalua.com.br/ d Memorial Luiz Gonzaga (Recife – PE) http://www.recife.pe.gov.br/mlg/gui/Memorial.php
Luiz Gonzaga em filmes d E O MUNDO SE DIvERTE (1948) Direção: Mário Del Rio - Produção: Maristela-Filmes. d É COM ESSE QUE EU vOU (1948) Direção: José Carlos Burle Produção: Atlântida. Cinematográfica. d O COMPRADOR DE FAZENDAS (1951) Direção: Alberto Pieralisi Produção: Companhia Cinematográfica Maristela. d HOJE O GALO SOU EU! (1957) Direção: Aluízio T. Carvalho - Produção: L.Lupovici. d CHAPÉU DE COURO (1978) Direção: Salo Felzen - Produção: Edmar Tomy. d LUIZ GONZAGA, A LUZ DOS SERTÕES (documentário) - Direção: Rose Maria Produção: Anselmo Alves. d GONZAGA – DE PAI PRA FILHO (2012) Direção: Breno Silveira - Produção: Márcia Braga.
Nenhum outro artista brasileiro foi tão homenageado no seu centenário que nem o 'Gênio da Música Popular Nordestina' e um dos maiores nomes da MPB. LUIZ GONZAGA que levou o Nordeste pro Mundo, através do 'BAIÃO' e que bem que merece todas as homenagens. Um bom exemplo deste reconhecimento é o filme GONZAGA: DE PAI PRA FILHO; mais do que um filme é uma História de vidas paralelas e unidas pelos laços de sangue e da música.
*Kydelmir Dantas é (*) Pesquisador, poeta e cordelista; de Nova Floresta – PB, radicado em Mossoró – RN.
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Rubens Lemos Filho
Crise de afeto
P
Costumo dizer que a geração dos avós é melhor que a dos pais que é melhor que a dos filhos que é melhor ainda que a dos netos atuais."
ara os padrões de Natal, o homem representava um magnata. Bemsucedido para seu proveito e dos herdeiros. Nada parecia lhe faltar no apartamento do hospital. Plano de saúde VIP, atendimento em tempo real, equipe extra de massagistas, fisioterapeutas, enfermeiros e cuidadores. Impressionava o aparato. Os doentes em estado regular, acompanhantes, visitantes, curiosos e até flanelinhas proprietários informais das ruas sem lei, comentavam a copia genérica do Sírio Libanês de São Paulo (que entra no currículo dos bacanas palumbos). Grave o estado de saúde do nonagenário e o médico (mantido no anonimato por pedido ético), experiente, prescreveu a medicação devida e, apesar do tempo de jaleco, estranhou tanta estrutura em torno do cidadão resignado e simples, apesar da dinheirama. Um homem de semblante bovino e pensamento ontem. Uma filha, falante, surgia sempre, com uma disciplina militar e prontidão para qualquer eventualidade. O que o médico precisasse fora da estrutura hospitalar e do plano, o dinheiro cobria, custasse o que custasse. O tratamento, lento pela idade do doente, foi dando resultado, o médico viu a progressão do quadro clínico na análise dos exames contínuos e na reação do senhor, sempre calado e de uma tristeza nada proporcional ao seu patrimônio e saldo bancário. A filha, quando aparecia, conferia o desempenho da equipe extra, escolhida como Telê Santana selecionou seus craques de 1982, sorria orgulhosa e repetia ao médico: o que fosse necessário, seria feito. Dinheiro jamais faltaria. O doente, silente, foi melhorando, medicação fazendo efeito, perícia médica funcionando e força-tarefa bem remunerada agindo 24 horas por dia. O velhinho ficou bom. Estava curado. O médico chamou a família no dia da al-
ta e compareceram a filha e líder operacional e mais três irmãos. Foi anunciada a liberação e detalhado o tratamento seguinte. Foram exigidos todos os cuidados em função da idade do homem, sempre sério e olhando ao vazio. O médico anotou a receita em letra que só agente da CIA e balconista sabem ler (eis um mistério da fé) e foi interrompido pela filha antes de encerrar sua missão. “Doutor, não poupe. O que for preciso, o meu pai terá. Se for preciso buscar remédio, importaremos do estrangeiro. Vamos buscar dos Estados Unidos, se for preciso”, ela disse com autoridade sumária, sem imaginar réplicas. Angustiado desde o início do tratamento, o médico que tem fígado e é ser humano (os da Velha Guarda são mais sensíveis e menos empinados), pisou no acelerador do desabafo e bateu no verbo como um Rodrigo Minotauro curador. Nem sei se pigarreou, mas a verdade, ele disse, com força e sem medo de perder o cliente: “Tem um remédio que eu não posso prescrever por mais que eu queira. Vocês deem ao seu pai, de seis em seis horas, como se fosse um antibiótico, o maior remédio que ele precisa tomar e só vocês podem dar: carinho.” Costumo dizer que a geração dos avós é melhor que a dos pais que é melhor que a dos filhos que é melhor ainda que a dos netos atuais. Amigo a gente escolhe, parente ruim vem de mala sem alça. Ele, o médico, me contou que a filha ficou pálida e os outros três, envergonhados. Saíram cabisbaixos sem pronunciar nem o hino do Bangu. Ou do Madureira do tempo de Isaias, Jair e Lelé. Quem sabe Ex Mailove, hit risível de Gaby Amarantos. O velho, mudo, como chegou no internamento. Conhecer sua meninada melhor do que ele, ninguém. Sei com diploma o que é falta de atenção e solidariedade. Na história em que vivi, presente, desesperado e aflito, a da minha avó, ela não teve alta. O afeto está morto.
Rubens Lemos Filho é jornalista desde 1988. Foi repórter e editor dos principais veículos de comunicação de Natal, secretário de Estado de Comunicação Social e hoje é coordenador de Comunicação Social da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte / Twitter: @RubensLemos, e-mail: r.lemosfilho@ uol.com.br
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MOSSORÓ/RN | DEZEMBRO DE 2012 | NO 7| ANO 1 | R$ 9,90
O Sanfoneiro do rei
Memórias de guerra
Um nordestino no Braga
Dominguinhos revela detalhes de sua história com Luiz Gonzaga e com a música
O que ficou da cultura norteamericana em Natal mais de seis décadas depois da guerra
Conheça a rotina de Márcio Mossoró, um dos ídolos brasileiros no futebol de Portugal
contexto MOSSORÓ/RN | DEZEMBRO DE 2012 | NO 7 | ANO 1 | R$ 9,90
contexto
Maior que o próprio mito
No centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fomos até o sertão de Exu para descobrir algo mais importante que sua própria música.