JA Magazine | Julho 2011

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MAGAZINE PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO N.º 2835 DE 28 DE JULHO DE 2011 DO JORNAL DO ALGARVE E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Tesouros subaquáticos João Porfírio

Património arqueológico vulnerável à destruição



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Rogério Silva

Pássaros e seus feitios V

ejo-os todos os dias em que acordo cedo. Quando no levante se começa a erguer o Sol já eles por ali andam, misturados, à cata de mantimento. Aos domingos, então, no rescaldo do mercadeio ao ar livre que na véspera tem lugar, acrescenta-se o ajuntamento e a dobadoira na busca do que com que contentar o papo. Os restos de sementes e cereais caídos das alcofas dos tendeiros, as migalhas de pão ou de doces sacudidos das mesas das esplanadas e mesmo um ou outro peixe rejeitado ou estilha que por ali fica, reúnem junto à praça aquela turba alada que se agita a um e outro lado na urgência de garantir que a fome não se lhe cruze no dia. Demoro-me a observá-los, tentando decifrar as reclamações da vida que movem o rebuliço. Avidez e egoísmo, em frenética rebaldaria mas de olho sempre à coca, é o estilo da pardalada. Pulam por cima uns dos outros, a ver quem primeiro chega e mais petisca, e surri-piam mesmo migalho já no bico dum irmão sem qualquer comiseração por descuidos ou fraquezas. Pudores, penas, partilha, parecem não estar inscritos na cartilha por que se guiam no que ao papo diz respeito. Mostras de entreajuda só quando toca a zarpar. Aí, se gato sonso ou cachorro assomam no horizonte, ou passos madrugadores têm ali o seu caminho, despedem ao mesmo tempo, mais lestos que carteiristas quando lobrigam polícia. Se estes se avisam da bófia! Para dar corda aos sapatos, aqueles terão um sinal que o mais vigilante emite e todo o bando se despede sem que fique algum para trás, mesmo que mouco ou pitosga. Aqui, nesta última circunstância nada há que equiparar, claro. Mas, no que mais acima escrevo, acode-me logo à lembrança o estilo e procedimento dos gabirus da finança, codilhando-se uns aos outros a ver quem mais arrecada no assalto à maçaroca. Dê-se porém

aos gorriões a devida absolvição. Os pobres fazem pela vida, ao mando de leis que os sujeitam, ladinos mas inocentes. Os outros, os gabirus, com os seus modos solenes e fatos de cangalheiro às risquinhas, rapinam com outros propósitos, em demanda do poder os mais graúdos, ou em nome do sucesso os da paróquia, que àqueles pedem emprestados ritos e bacharelices, mas todos venais e fingidos. E se o direito à vida tem o mundo por assente que é mandamento sagrado, não consta em alguma lei que deva ter lustro e preito quem da rapina faz vida. Donde, a comparação é injusta, com dano para o pardais. Os pombos são outros parceiros daquele desassossego. Humildes e confiados, cabecitas a oscilar como brinquedos de corda e um ar de perplexidade de quem parece perdido em caminhos que conhece, ali andam em rota incerta, bando de letras vadias que não compõem um verso. E seja porque é farta a ração ou porque não são garganeiros, embora o façam com afinco debicam sem sofreguidão e compartilham pedaços. Onde o pardal e a gaivota, tal como os galifões da guita, se raspam com os nacos maiores para só o seu papo encherem, os pombos dividem-nos a meias pelos bicos que se apresentem. Se há muito comem todos, se há pouco também comem todos, não há bicadas para o lado para afastar concorrente. Aquilo são uns anjinhos, num cômputo liberalista. Espécie que assim renega o dito tão ecuménico de que burrice denota quem um acervo reparte e não fica com a melhor parte, estes bichos são uns lorpas que jamais ganharão lustre nesta nossa laureada economia de sucesso (o que vai, bem entendido, com uma vénia aprofundada a quem fez pertinaz uso de tão galhardo conceito e que escuso de relembrar). E no entanto, dos três grupos de que nestas linhas falo – o outro é o das gaivotas, que deixarei para o fim – os

pombos são os mais perfeitos no uso da forma alada que a Natureza lhes deu. Quando há que levantar voo por gato que se aproxime, são os pardais os mais lestos a safar-se para árvore ou beiral próximo, onde ficam a espreitar se o tareco faz tensão de amarinhar ou se leva outro destino. Mas o voo é uma cacofonia, com um som cavo de espanador em sótão vago, e movem-se aos repelões, como quem tropeça em pedras e precisa de se reerguer a cada metro do caminho. Eficazes no propósito, como estetas são uns pexotes. Garbo, competência e graça, predicados tão arredios dos nossos postiços dias, esses julgo vê-los quando os pombos também se afastam ante a mesma contingência. Com um saltinho imperceptível abrem espaço sob a quilha para que as asas, tocando-se com as extremidades em movimentos de abraços, os elevem para o ar, verticalmente se preciso, como nunca vi fazer a outro qualquer voador. E quando já lá no alto com percurso definido, são ligeiros e desenvoltos, como as notas mais garridas dum andamento vivaz de inspirada sinfonia. Tudo é donaire e ritmo no voo destes pobretanas citadinos. Mas o seu maior encanto é que parecem guiar-se pelo espírito de partilha que inspirou desde santos, como o Lucas evangelista e o Thomas More londrino até ateus coriáceos como o Marx da Renânia. Há delírio e fantasia neste apreço, está bem visto. Mas aí estão dois desarranjos do espírito que deviam ser levados aos códigos das leis do gosto, e com força de injunção. Agora também vos digo que muito logro desmarcado reveste a farpela poética de afamadas fantasias. As que dizem respeito às gaivotas, por exemplo. São fonte milenar de inspiração para poetas, pintores e malabaristas avulsos que as figuram como símbolos da alforria, da beleza e da candura. Há até um chileno ilustre que afiança num seu livro que

um bicharoco destes era de uma tal inocência que foi um gato baldeado quem a ensinou a voar. E logo um gato... Como enredo, não sei de de maior desatino, de veste mais albardada. Mas sabemos de um outro sujeito, londrino de nascimento, um tal Alfred Hitchcok, que num filme de terror lhes mandou para a sarjeta esse prestígio vazio. Como nada menos que assassinas as pintou o figurão, numa fantasia mórbida, mas que o cinéfilo pagode sorve como obra de culto. Por mim, nem as enfeito com a candura do chileno, nem as tisno no mau foro do britânico. Por ali, no quadro de que vos falo, diverte-me o seu ar furtivo, o andar de bailarinas com pés chatos esfalfando-se no aprumo, a sofreguidão com que engolem o que lhes caia no bico, revelando nesse gesto que o garbo é de fancaria. Parecendo ter andado em explicações de etiqueta, borram toda a cerimónia se petisco se depara a mais do que um par de olhos. Aí abrem e retesam as asas para afastar a concorrência, surripiam a vitamina e ... que se lixe a compostura. Acho que isto me sugere algo sobre a ganância e outras humanas virtudes, mas o fito deste texto não é puxar à parábola, pelo que afasto a tentação. E invoco um atributo que esse sim me maravilha: o seu voo. Canhestro na descolagem e precisado de corrida de balanço, torna-se alegoria do lirismo quando se aquieta no espaço, e sob o ar ascendente desenha volteios serenos, lembrando flores brancas que bailassem, deslizando no azul gentil dum céu bem-aventurado. Jesus! Que serrazina aqui vai. Pombos, pardais e gaivotas, movendo-se pela sobrevivência como a mãe Natura ordena, sem moral nem filosofia, apenas dando à cidade um pouco da sua vida, uma migalha de adorno, o pretexto para uma crónica, mereciam melhor prosa. Pois. Mas foi a eles e não a mim que a Natureza deu asas.

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JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - JULHO/2011


4 Vila Real de Santo António

Conversas sobre a obra de Jorge Amado

Noites do Revelim animam Castro Marim até ao final de agosto

Os encontros do Clube de Leitura começam esta quinta-feira um ciclo através da obra de diversos autores contemporâneos

A

Biblioteca Municipal Vicente Campinas, de Vila Real de Santo António, prossegue esta quinta-feira, dia 28, a iniciativa Livros Mexidos. Trata-se de encontros do denominado Clube de Leitura, cujo objetivo é a partilha das impressões que ficam da leitura dos livros em que “mexemos”, de forma a esboçar outros mundos e inventar novas sensações. No início a temática teve a ver com os mundos que os participantes visitaram em livros, seguiu-se a descoberta da literatura do Oriente e, neste sétimo encontro, que decorrerá a partir das 18h00 de hoje, começará uma viagem através de autores contemporâneos. Nesta sessão, o tema será a obra de Jorge Amado. “Leia um dos seus livros, junte-se a este grupo informal de pessoas que se unem no gosto pela literatura e venha partilhar connosco as suas leituras”, é o desafio lançado pelos responsáveis do Clube de Leitura. A organização destas iniciativas está a cargo da própria biblioteca municipal, do Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela (CIIPC) e da ADRIP – Associação de Defesa, Reabilitação, Investigação e Promoção do Património Natural e Cultural de Cacela.

Espaço original proporciona música de dança (com vários dj), fado e flamenco, à mesa, para desfrutar durante as noites de verão naquela vila do sotavento algarvio

N

um ambiente luxuriante, onde o património histórico edificado se confunde com o património natural, a Câmara Municipal de Castro Marim e a empresa municipal NovBaesuris apresentam um programa de animação na colina do Revelim de Santo António, denominado Noites do Revelim. Este espaço singular da vila de Castro Marim está a propiciar, até ao final de agosto, momentos únicos a castro-marinenses e visitantes, onde o fado, o flamenco, o folclore e a dança, com vários dj, têm presença assegurada. A iniciativa arrancou na passada semana com a fadista Sara Gonçalves, que inaugurou o programa de atuações, seguindo-se o dj Christian F. e o espectáculo de música cubana com o grupo Contratiempo. Nos dias 30 deste mês e 6 de agosto, o fado regressa às Noites do Revelim, desta vez com o grupos Al-Buhera e Raquel Peters,

bem como Al-Mouraria. O Revelim Club voltará a agitar a juventude no dia 12 de agosto, com o dj Nuno Dourado e o grupo Bubblebath. No dia 20 de agosto decorrerá um espectáculo de flamenco com o grupo Chanela de Badajoz. A encerrar o cartaz turístico das Noites do Revelim, no dia 26 de agosto, e integrado na 14.ª edição dos Dias Medievais em Castro Marim, terá lu-

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gar a Noite Medieval, em que os espetadores vão fazer uma viagem na máquina do tempo. Para a Câmara Municipal de Castro Marim e para a NovBaesuris, as Noites do Revelim integram “uma estratégia de valorização cultural e turística da vila, que visa ser um factor de modernidade e afirmação de Castro Marim no contexto da oferta cultural do Algarve, neste verão”.


5 As noites naturais estão de volta à praia Adão e Eva (Castro Marim):

Grande enchente na inauguração do Ricucu A

inauguração do RICUCU Beach Spot, na Praia Adão e Eva, na Retur (Castro Marim) ultrapassou todas as expectativas mais otimistas Uma autêntica multidão encheu o espaço criado, em menos de uma semana, ao melhor estilo naturista do velho Ricucu. A estrutura amovível alí instalada, está perfeitamente enquadrada no ambiente envolvente, numa feliz unidade com o pinhal, a duna e a praia. Os grandes trunfos do RICUCU Beach Spot são, para além desta componente ecológica, um conceito muito caro aos seus promotores, o ambiente alegre mas simultaneamente ordeiro como se vive a festa e a sua abrangência etária. É um espaço de convívio para jovens e adultos, em que o som satisfaz quer as exigências dos mais eufóricos quer as dos que gostam de aliar à diversão, dois dedos de conversa. Para além da excelente performance do DJ residente BenWild, a grande atração da noite foi, sem dúvida, o DJ espanhol Óscar de Rivera, que ao seu melhor estilo, com uma batida que foi crescendo progressivamente, pôs toda a gente a dançar. Sendo um espaço para todos, com um preço acessível e onde não existem diferenças

O realizador João Botelho foi um dos famosos que marcaram presença na inauguração do Ricucu

entre vips e não vips, o RICUCU conseguiu, ainda assim, atrair figuras mediáticas, como o conhecido apresentador Carlos Malato e o realizador João Botelho, entre outros. Em termos de ruído, que é um dos pontos mais críticos deste tipo de animação de

Dj Oscar de Rivera

verão, o RICUCU foi cinco estrelas. O som está num registo que não fere os ouvidos, nem afeta a tranquilidade dos que querem descansar. Uma última nota positiva. Apesar da enchente e do calor da festa, tudo decorreu

A festa durou até de manhã

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dentro do maior civismo e sem incidentes. Para os promotores este vai ser, “o local da moda “para os que procuram a diversão num ambiente natural. Hoje, a atração é o dj China e na sexta-feira, Mike Perez. Sábado é a Noite Dance TV.


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Património arqueológico de valor incalculável está vulnerável à destruição

Tesouros subaquáticos ameaçados no Arade As centenas de achados arqueológicos que já foram identificados mas subsistem no fundo do Arade estão ameaçados. O perigo vem das âncoras das embarcações, da constante mobilidade das areias, das fortes correntes, mas também da falta de apoios para estudar e resgatar a abundância de vestígios perdidos no fundo do rio, que percorrem todas as épocas e podem vir a contar a história completa da região

H

á mais de 30 anos que Alberto Machado mergulha no Arade para revelar ao mundo os tesouros perdidos no rio. Nos primeiros anos, e apesar do nosso passado intimamente ligado ao mar, Portugal estava na infância deste tipo de iniciativas. Apesar do amadorismo inicial, o fundador e diretor do Grupo de Estudos Oceânicos (GEO) encontrou, ao longo de milhares de horas debaixo de água, centenas de vestígios arqueológicos de vários períodos da história, fazendo deste rio algarvio um dos principais palcos da arqueologia subaquática mundial. Punhais decorados, machados e pontas de

lança (Idade do Bronze), esculturas de bronze (Idade do Ferro), ânforas, peças de cerâmica, moedas e selos (Período Romano), cerâmicas, moedas e pratos decorados (Período Árabe) e peças em estanho, compassos de cartear e canhões de bronze (Época Moderna) fazem parte dos “tesouros” submersos já identificados no Arade. Parte deste espólio é também produto do IPSIIS, grupo de detetores de metais que Alberto Machado coordena conjuntamente com José de Sousa e que desenvolve a sua pesquisa nas praias de Ferragudo e Portimão/Alvor. Este rio está ainda envolto num mistério

quanto ao número de embarcações antigas submersas nas suas profundezas. “O trabalho de pesquisa subaquática do GEO já possibilitou o levantamento de mais de uma centena de achados arqueológicos do rio, entre os mais de 200 objetos descobertos ao longo dos últimos anos e que continuam debaixo de água”, revela ao JA Alberto Machado, que mergulha no Arade desde 1977 para “defender o património arqueológico subaquático da região”. Mais de três décadas depois, o responsável do GEO, que também é monitor nacional de mergulho e já formou centenas de mergu-

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lhadores, tendo ainda liderado várias expedições oceânicas, confessa que ainda fica “surpreendido” em cada missão no rio Arade.

Ex-líbris do património subaquático mundial “Ainda existem muitos vestígios por revelar no fundo do rio. É uma autêntica caixinha de surpresas que vai continuar a surpreender os arqueólogos e todas as pessoas durante muitas décadas”, evidencia Alberto Machado, acentuando que “o Arade é um ex-líbris de


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Património em risco

Algumas peças retiradas estão em exposição no museu municipal mas muitas outras permanecem nas profundezas do Arade

cendo achados sistematicamente. E ao longo destes anos enviamos relatórios sobre os nossos avanços a diversas entidades. Mas agora estamos a atingir os limites e não existem verbas para continuar a explorar este património incalculável”, lamenta o fundador e diretor do GEO, que se recusa a virar as costas a estes vestígios que testemunham o “passado glorioso” da região e do país. Porém, se os apoios continuarem a faltar, Alberto Machado adianta que todo o patrimó-

nio arqueológico que ainda subsiste no fundo do Arade vai ficar ameaçado e vulnerável à destruição. “Durante o verão, centenas de embarcações fundeiam as suas âncoras todos os dias nas zonas onde já foram identificados vestígios e isso provoca imensos estragos. Os locais foram sinalizados com boias numa tentativa de preservar as zonas arqueológicas mais importantes, mas os sinais são constantemente desrespeitados e nenhuma autoridade conse-

Alberto Machado - GEO

Segundo Alberto Machado, esta situação exige a tomada de uma “atitude urgente” por parte das entidades responsáveis, nomeadamente do Instituto Portuário dos Transportes Marítimos (IPTM), que tem jurisdição sobre a área, mas também do IGESPAR, das câmaras municipais que partilham o Arade (Portimão e Lagoa), do museu de Portimão, da Capitania do Porto de Portimão, do Turismo do Algarve, dos responsáveis regionais pela Cultura, da marina de Portimão. “Enfim, é preciso outra atitude política e mais sensibilidade para o que está em causa”, comenta. “Em todas as campanhas que temos vindo a fazer ao longo dos últimos anos vão apare-

João Porfírio

Portimão e Lagoa, mas é também um ex-líbris do património subaquático mundial”. “Ninguém imagina a quantidade de material que está debaixo do rio. São dezenas os objetos em que os mergulhadores ´tropeçam´ em cada mergulho”, frisa o responsável do GEO, que co-dirigiu os campos arqueológicos subaquáticos do rio Arade, em Portimão, a partir de 2001, tendo diversos trabalhos publicados. No entanto, a partir de 2006, Alberto Machado afirma que tudo mudou. “Apesar dos resultados muito encorajadores das campanhas, houve um desinvestimento total na arqueologia subaquática no Arade”, lamenta, salientando que, ainda assim, “os membros do GEO não desistem e desde então continuam a mergulhar no rio às suas custas”. “O Arade é uma preocupação constante para nós. Se queremos salvaguardar o património do Arade temos de fazer campanhas contínuas”, sublinha o experiente mergulhador, alertando que “a hidrodinâmica do rio é atualmente tão ativa que só com intervenções permanentes e sistemáticas se pode salvar o património subaquático”.

A equipa do GEO de Portimão já resgatou centenas de vestígios arqueológicos do Arade

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gue impedir esta situação, porque a responsabilidade da sua preservação está diluída”, adverte.

“Estão sempre a surgir novos achados” O trabalho dos mergulhadores no rio Arade não tem sido fácil, devido à dificuldade em obter dados concretos por causa da constante


8 mobilidade das areias, correntes fortes e pouca visibilidade. Mas, para Alberto Machado, “isso é que é fantástico na foz do Arade, pois estão sempre a surgir novos achados em zonas que foram dragadas”. E é exatamente por isso que o responsável do GEO - grupo que esteve desde o início a acompanhar as descobertas no rio Arade, a vigiar as zonas e a proteger os vestígios - defende a realização de “um trabalho sistemático para acautelar e preservar esse património”. No entanto, essa tarefa não tem vindo a ser cumprida por nenhuma entidade nos últimos cinco anos, com o argumento da falta de verbas e por não estar claro a quem compete essa função, o que coloca em risco o patrimó-

nio que ainda subsiste no rio. Contactada esta semana pelo JA, uma fonte próxima da direção do IPTM do Algarve disse que neste momento “não existem indicações para dar à comunicação social” sobre este assunto. O JA sabe que o plano de atividades do IPTM inclui a navegabilidade do rio Arade, através de dragagens, e que a marina de Ferragudo vai estar concluída em 2014. Apesar disso, a delegação do sul do IPTM “ainda não recebeu orientações” devido ao período de transição do novo Governo e à reformulação prevista de muitos institutos e organismos públicos. Nuno Couto

Primeira descoberta surpreendeu o mundo há 40 anos Moedas de ouro romanas e restos de madeira de embarcações antigas foram descobertas acidentalmente, em 1970, durante as dragagens do porto comercial de Portimão. Foram os primeiros achados arqueológicos subaquáticos em Portugal A euforia em torno dos “tesouros” encobertos no fundo das águas algarvias começou – imagine-se – graças a uma descoberta acidental. Na manhã de 10 de outubro de 1970, foi encontrada uma moeda de ouro romana e restos de madeira de embarcações antigas no rio Arade, em Portimão. O achado foi feito durante os trabalhos de dragagem do rio, tendo figurado nas primeiras páginas de todos os jornais do país, dando início a um mito que hoje está mais vivo do que nunca. A descoberta dos dois misteriosos navios naufragados (a que os arqueólogos batizaram de Arade 1 e Arade 2) foram os primeiros achados arqueológicos subaquáticos efetuados em Portugal e, mais tarde, a partir de 1998, viriam a impulsionar a maior campanha arqueológica subaquática até agora organizada no nosso país. As operações foram conduzidas pelo antigo Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) e pelos mergulhadores do Grupo de Estados Oceânicos (GEO), de Portimão, que pesquisaram a foz do Arade e descobriram centenas de artefactos e vestígios arqueológicos. Algumas dessas peças estão hoje expostas no museu municipal de Portimão, mas muitos outros permanecem ocultos nas profundezas do Arade. Desde então, a arqueologia subaquática em Portugal nunca mais foi a mesma. Atualmente, o inventário nacional do património subaquático conta com mais de nove mil registos, dos quais mais de 400 encontram-se no Algarve, a maioria naufrágios. N.C.

Os mergulhadores alertam que o património subaquático está vulnerável à destruição

Primeiro relato de naufrágio remonta ao ano 996 Durante séculos, o rio Arade foi a principal via de comunicação para o interior do barlavento algarvio. Silves era então a capital cultural e económica do Algarve, com o triplo da população que tem hoje Hoje muito assoreado, o rio Arade até já foi navegado pelos víquingues. Segundo os dados oficiais, a referência escrita mais antiga relativa a um naufrágio ou perda de navio em águas portuguesas é da autoria do cronista árabe Ibn Adati. O documento reporta-se ao dia 23 de julho de 996, quando uma frota víquingue que subiu o rio Arade, tentando tomar de assalto a cidade de Silves, foi parcialmente destruída. Deste combate resultaram os mais antigos naufrágios registados em águas que hoje são portuguesas. Xelb – a Silves árabe – era por aqueles tempos a capital cultural e económica do Algarve, opulenta em riquezas e construções, também conhecida pelos estaleiros navais, tendo sido imortalizada através das canções dos poetas.

O rio Arade, atualmente muito assoreado, já foi navegado pelos “vikings”, que tentaram tomar de assalto a cidade de Silves

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9 Câmara motiva e premeia artistas plásticos Foram cinco os artistas plásticos distinguidos na oitava edição do concurso "Cores e Formas dos Nossos Artistas". Das 55 obras a concurso, três foram premiadas pelo município e duas receberam uma menção honrosa. A exposição dos 20 trabalhos selecionados vai ser inaugurada no dia 20 de agosto, na galeria municipal, onde ficará patente até 17 de setembro

Almerinda Romeira lança “Portugal Entre Gerações”

Uma reflexão sobre Portugal P

ortugal Entre Gerações”, da autoria da jornalista algarvia Almerinda Romeira, colaboradora do nosso jornal, foi apresentado no dia 27 de Julho, no Él Corte Inglês de Lisboa, pelas 18h30. A apresentação estará a cargo do ex-ministro das Finanças, João Salgueiro, promotor e fundador da SEDES – Associação de Desenvolvimento Económico e Social, pontificando também na mesa de honra o actual presidente da SEDES, o também ex-ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha e ainda o presidente da Babel, editora que deu o livro à estampa, Paulo Teixeira Pinto. Trata-se de um livro de reflexões em forma de entrevista, num total de 256 páginas, que faz juz ao papel desempenhado pela SEDES no debate nacional ao longo dos últimos 40 anos. “Este livro pretende ser um contributo de pessoas muito diversas para melhorar a nossa vida colectiva”, escreve Luís Campos e Cunha no prefácio de “Portugal Entre Gerações”, adiantando: “Pensar Portugal a dez anos não deixa de depender da forma como, no futuro imediato, vamos resolver e ultrapassar a crise actual.” Almerinda Romeira entrevistou 12 homens e mulheres de diversas faixas etárias e quadrantes da sociedade portuguesa, entre os quais 3 antigos presidentes da SEDES: João Salgueiro, Guilherme d’ Oliveira Martins (presidente do Tribunal de Contas) e Vítor Bento (presidente da SIBS e Conselheiro de Estado) e o actual presidente do Conselho Fiscal, o fundador do BPI, Artur Santos Silva. Os politólogos Marina Costa Lobo

e Pedro Magalhães, a coordenadora da PASC Plataforma Activa da Sociedade Civil, Maria Perpétua Rocha, o secretário-geral da SEDES, Luís Barata, a fundadora da consultora de arte SPARK, Matilde Ferreira de Almeida, a consultora da Deloitte, Inês Black Henriques, o jurisconsulto José Miguel Bettencourt e a artista plástica, Sofia Areal são os outros entrevistados. Almerinda Romeira nasceu em S. Bartolomeu do Sul, concelho de Castro Marim, em 1959. É licenciada em Comunicação Social, com especialização de Jornalismo, pelo ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas). Iniciou a sua actividade profissional no vespertino “A Capital” no ano de 1988, trabalhando depois no semanário O Independente e na revista Fortunas & Negócios. Em 2007 lançou o suplemento “Primeiro Emprego” do Correio da Manhã. Actualmente, é jornalista no jornal OJE – O Jornal Económico. A jornalista, agraciada em 1999 (Ano Internacional das Pessoas Idosas) com o Prémio de Melhor Reportagem num Semanário Nacional (O Independente) atribuído pelo Inatel, com o patrocínio dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade, da Economia e da Saúde, tem um conto publicado – “A Estrela do Avô” – na antologia “50 Histórias de Quem Foi Criança”.

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câmara municipal já encontrou os vencedores da edição 2011 do concurso/exposição "Cores e Formas dos Nossos Artistas". O certame, com caráter bienal, contou com a participação de 19 artistas, num total de 55 obras. O júri, composto por conceituados artistas plásticos, distinguiu as três melhores obras a concurso. O primeiro prémio foi atribuído à tela "Fantasia do meu Sonho", de Carla Neto. A escultura "Os Namorados", de José Teixeira Zurrapa, alcançou o segundo lugar e na terceira posição ficou o trabalho de pintura de Luís Filipe Romão intitulado "Self-Portrait". A organização atribuiu ainda duas menções honrosas às pinturas "Sleeping in a Cheese", de Lino Gonçalves, e "Paisagem Urbana I", de Maria Zélia Rebelo. Os vencedores vão ser contemplados com prémios monetários no valor de mil euros (1.º prémio), 500 euros (2.º prémio) e 400 euros (3.º prémio), a atribuir no dia de inauguração da mostra. O vencedor terá ainda a pos-sibilidade de realizar uma exposição individual, em 2012, na galeria municipal. Dos 55 trabalhos a concurso, 20 foram selecionados pelo júri para integrarem a exposição do certame na galeria municipal, de 20 de agosto a 17 de setembro. A mostra poderá ser visitada de segunda-feira a sá-

Plano arquitetónico de 1966 exposto ao público O museu municipal de Arqueologia está a acolher uma exposição de fundos documentais e espólio fotográfico relativos ao trabalho pioneiro que o arquiteto Cabeça Padrão realizou em Albufeira, no ano de 1966, nos primórdios do turismo no Algarve. A mostra pode ser visitada até 30 de setembro. A mostra divulga o estudo que Cabeça Padrão fez em 1966 para a então vila de Albufeira. Os conteúdos fotográficos e documentais que integram o Plano Estratégico de Intervenção desenvolvido para Albufeira foram cedidos pelo Arquivo Municipal do Barreiro, detentor do valioso espólio do arquiteto, natural dessa cidade. Nos anos 60, Cabeça Padrão elaborou 49 planos para outras tantas cidades, vilas e até aldeias da região. Tratavam-se de estudos de levantamento e caracterização patrimonial de núcleos urbanos, apresentando planos de intervenção para edifícios e espaços públicos mediante a aplicação de uma metodologia precisa e avançada para a época. O estudo sobre a paisagem urbana algarvia, que passava por um levantamento minucioso de cada uma das localidades estudadas, terminava com um regulamento, que estabelecia regras bem definidas para o futuro. Esse trabalho nunca chegou a ser aplicado e apenas 23 daqueles estudos sobreviveram ao tempo. A exposição pode ser visitada de terça-feira a domingo, entre as 18h00 e as 00h00.

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Música I Cinema

10 Fernando Proença

LITERATURA INCLUSA

Número vinte e um Um – Acabo de ver o Benfica – Anderlecht em futebol. Pré – temporada, torneio do Guadiana em pleno estádio do Algarve. Eu podia escrever sobre se o rio internacional em causa passa junto ao estádio. Mas isso é ver a coisa segundo um estrito processo burocrático, género, há certas merdas que não percebemos, embora não façamos grande esforço no sentido de tornar o nosso processo de raciocínio mais claro. O Guadiana passa onde um homem quiser. No entanto, o que o processo de raciocínio não me consegue demonstrar é por que razão a equipa técnica do Benfica apresenta um penteado saído de uma série dos anos oitenta. Lembrei-me porque momentos antes tinha visto um jogo de basquete, entre os Los Angeles Lakers e os Portland Trail Blazers, mas de 1983, na NBA TV. Numa das imagens da assistência, pareceu-me lá ver Jorge Jesus e os respetivos adjuntos, mas a confusão pode ter sido do sol me dar diretamente nos olhos. Mais, vejo mentalmente um episódio de “Crime Disse Ela” e encontro os técnicos do Benfica envolvidos na descoberta do assassino de um industrial que fabricava tinta para o cabelo mas não conseguia acertar com uma certa cor que mistura louro e branco. Só quando filmaram o banco do Benfica, durante o jogo, olhei para a camisola de Jorge Jesus e não descobri os chumaços nos ombros é que dei por mim a pensar que já passámos há muito o equador do ano 2000. Só a equipa técnica dos encarnados ainda não percebeu.

Dois - Existe uma linha de livros (além de todos aqueles que costumam acumular nomes como: “A rapariga que gostava de partir guitarras elétricas”, onde o que lá se lê não tem correspondência no título), parece que com grande êxito editorial, que pretende desmistificar certas e determinadas ideias, aceites desde há muito: uma espécie da crítica à teoria geocêntrica, aqui sem a mão da Inquisição. A perguntas como: “Serão assassinos todos os tubarões?”, adianta respostas do género: “É mentira que todos os tubarões sejam agressivos para a nossa espécie. Aliás praticamente a quase totalidade dos tubarões são uns meninos, digo peixes de coro". Podíamos adiantar que numa situação de aflição não temos tempo para discernir uma coisa dessas, além de que se lhes perguntarmos eles não vão responder se estão ou não com boas intenções. Mas isso não interessa agora. No meu ponto de vista, nestes lugares comuns que nunca mais são desmistificados, pode residir por uns tempos numa singela dúvida: por que razão, quando lemos o nome de uma cidade, de um qualquer buraco no estrangeiro, a correspondência com a língua portuguesa é tão desigual em tamanho e significado? O lugar chama-se Kirov, por exemplo. E o que significa em português? Pois nada mais nada menos que: “o lugar onde os fantasmas da montanha fazem a sua aparição no lado sul virados para o sol”. E isto reporta a exemplos de cidades europeias, que eu só não lhes digo qual é, por que não consigo lembrar-me onde foi que li. Pois o meu espanto esteve aí, nessa evidência. Até aqui tinha um passado de espanto contínuo, mas da parte das cidades chinesas ou japonesas, ou mesmo para o lugar onde os navajos, levantaram um totem, na sua reserva nos Estados Unidos. Estou

habituadíssimo, sócio, a ouvir dizer que uma aldeia chinesa que se chama Huang-koi, significa em português: “lugar onde Confúcio despejou de uma banheira toda a água e onde teve todo o trabalho para que o bebé não fosse também na enxurrada”. Mas para nomes chineses já estamos preparados. Sabemos que aquilo é gente muito rebarbativa, que trabalha muito à base de sons e assim. Por exemplo, Olhão. Alguns dizem que se chama assim, porque existiria aqui um olho de água. Simples. Se fossemos ucranianos Faro significaria; “lugar onde o melhor que existe é a estrada que vai para Olhão". Simples. O Disco – TUNE – YARDS – "WHOKILL" CD, 4AD - 2011 Não aluguei a bola de cristal a um dos professores videntes que nos enchem os para brisas dos automóveis com tratamentos para todos os males. E só por isso não sei dizer-lhes se este disco figurará entre os melhores de 2011, mas podia apostar. No entanto, como sabem, só faço prognósticos em 2012 (quando as listas estiverem publicadas). O poder do bom pop é este que passarei a tentar explicar: existem discos em que os autores experimentam novas sonoridades. Aqui a senhora Merrill Garbus, mentora e tudo o mais que quiserem no projeto (detesto a palavra mas não arranjei melhor), é capaz de se lembrar de tudo: um ukelele, um canto tribal repescado da sua estadia em África, uma linha de reggae; sons eletrónicos pouco estruturados. Noutros discos (geralmente estas duas características não se encontram nem misturam), os seus autores procuram, a perfeição da canção pop. Tudo entra onde tem que entrar, os refrões são lembráveis, os temas têm uma simetria que os torna perfeitos e – por vezes – maçado-

Apontamento de Vídeo Saint-Cyr "No final do século XVII, Anne de Grandiamp e Lucie de Fontenelle, duas raparigas da Normandia, chegam ao Colégio de Saint-Cyr, fundado por Madame de Maintenon para educar as filhas dos nobres arruinados pelas guerras, com o propósito de as tornar mulheres livres". Apoiada por Luís XIV, com quem casara em segredo, Madame de Maintenon oferece às suas duzentas e cinquenta raparigas uma educação lúdica e vanguardista. Anne e Lucie, amigas inseparáveis, deixam-se levar pela promessa de um futuro radioso..." Um notável trabalho de reconstituição histórica, com uma interpretação de grande talento de Isabelle Hupert. Obteve no Festival de Cannes 2000 o Prémio Juventude - Filme Francês e nos Cesars 2001 o Prémio Melhor Guarda-roupa. Edição em DVD. Realização: Patricia Mazuy. Com: Isabelle Hupert, Jean-Pierre Kalfon, Simon Reggiani, entre outros. Distribuição: Atalanta Filmes.

Vítor Cardoso

JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - JULHO/2011

ramente convencionais. Neste disco Merrill Garbus faz o pequeno milagre de tocar os dois extremos da música popular: a capacidade que nos faz perceber que ali há alguém que sabe construir uma perfeita canção pop, mas que é incapaz de produzir um único tema que honre a ortodoxia melódica, porque está demasiadamente embrenhada em satisfazer a sua própria curiosidade. A de saber se todas as ideias que tem na cabeça podem estar incluídas não numa gravação inteira mas num único tema do seu disco. A diferença perante o jazz está aqui marcada. Em Whokill não é a música que está ao serviço da improvisação mas exatamente ao contrário. Toda a suposta improvisação conflui para tornar cada tema mais rico. E o que fica no final? A sensação que tudo o que receávamos ao princípio: mais um disco de intelectuais, feito para intelectuais, esquemático e apresentando boas ideias, mas para não sair de um restrito círculo, não se nota em momento algum. Emseulugartemosumbeloeestranhoobjeto musical que seria consumido até à exaustão, caso o mundo fosse um lugar justo.




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