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DE ALAGOAS Ciências e saberes de Sávio Almeida
from Edição 1205
Ana Cláudia Laurindo
As Ciências Sociais são feitas de tudo aquilo que nos compõem, talvez por isto estejam engatadas em três troncos: Sociologia, Antropologia e Política. Nestas aragens e vendavais conheci Sávio Almeida, com seu minúsculo rabo-de-cavalo e uma ruma de gente a ouvir suas falas entre sabedorias e lorotas.
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Parecia ter debandado para os lados da Antropologia, escavucando saberes de indígenas e apresentando textualidades sobre o povo interiorano que respondia aos pesquisadores que “índio só serve para cagar e comer moroba”.
Era cômico, era fantástico, mas acima de tudo era um canal aberto que nos aproximava de Alagoas com suas características possíveis, assim como ele mesmo me fez compreender.
Como professor de Realidade Alagoana mostrava o rigor de quem precisa pensar, falar e escrever ao mesmo tempo, zombando de leve do papel de “intelectual orgânico” que ocupava no momento histórico, eram tempos lessianos e nosso estado se permitia falar de direitos, valorizar narrativas progressistas e Direitos Humanos.
Eu, arisca, vinda da dor sem designações plausíveis do chão canavieiro, muitas vezes desdenhei Alagoas com sua resolução inconclusa em uma interjeição: Porra! Era sua história predileta. Contava em congressos e em colóquios. Provocava risos, mas todos nós sabíamos das lágrimas, porque cada um havia chorado as suas, mesmo quando brotavam subterrâneas, se é que existem cavernas em nossas almas.
Ao observar minhas notas de final de ano, lá estava o sete. Eu fervi com setenta pragas, esquentei o verbo e ainda durante o período de férias logrei encontrar o fatídico professor em uma barraquinha de lanche, nas proximidades do COS, onde Odilon Rios cursava jornalismo na Ufal. Não me contive.
Olhei nos olhos de Sávio Almeida e tasquei: baseado em quê o senhor me deu nota 7? A resposta foi sonora, uma gargalhada que rufou sob as folhagens daquelas velhas árvores, testemunhas da cena pitoresca.
“Sou um filho da puta mesmo por ter dado 7 a você, uma mulher da porra!” As pragas caíram no chão, a raiva amornou e tudo virou gargalhada, memórias levadas para muitos outros encontros.
Da relação professor/aluna viriam muitas outras, mas dessa nunca quisemos desenlaçar!
Um dia ele me encontrou desiludida e só, escorada em uma calçada nos arredores do bloco de Economia, pois estava tendo problemas relacionais com a minha (nada fácil) orientadora de TCC (que Deus a tenha). Seus estímulos foram diretos, despertando o desejo de fazer jus ao que acreditava sobre mim.
E quando o encontrei depois do mestrado, me disse que eu faria doutorado.
Estivemos juntos em mesas e debates, ex-professor e nas oportunidades, carinhoso parceiro de palestras.
Um dia me pediu textos e fotos e publicou detalhes da minha pesquisa nas páginas de Campus, a coluna que ocupou em partilha com aquelas pessoas nas quais acreditou, estimulando sínteses e publicações.
Pediu outro depois, mas eu já não podia atender. O caminho próprio na Sociologia era meu guia, levando bagagens tão minhas quanto nossas, coletividade cerceada pela astúcia do poder, para mim Alagoas sempre foi um “não”, mesmo quando por conta avancei e peguei o sim.
O ápice dessa crônica foi ter a presença de Sávio Almeida no lançamento do meu quinto livro: Etnotrancoso alagoano: colóquios não autorizados. Antes de abrir as páginas ele profetizou com a brancura da barba e o apoio de um cajado: “Aqui tem coisas bonitas”. Sua aluna, leitora, amiga e admiradora, busquei aproveitar cada segundo com ele, o intelectual que melhor resumiu as Ciências Sociais, pensando, falando e escrevendo sobre Sociologia, Antropologia e Política, guiado pelo sopapo de uma interjeição que nunca lhe convenceu de fato.
Seguirá tentando explicar Alagoas com as histórias que escreveu no chão. Este caminho o tornou imortal.