CIÊNCIA EM PAUTA J o r n a l
d o
Projeto
Popularização
da
Ciência
/
UFU
Abril
de
2 0 1 2
Rodrigo Mendonça
Vai um chazinho aí? A idéia não é nova, vem lá do tempo dos seus avós, mas as plantas medicinais continuam sendo importantes aliados para combater diferentes doenças. Pesquisadores da UFU buscam resgatar e registrar esses saberes para que mais gente também se beneficie deles
você sabia
A história do chá nosso de cada dia
Confira algumas das mais utilizadas plantas medicinais, suas principais indicações e os cuidados necessários Rodrigo Mendonça
Karine Albuquerque A fitoterapia é a prática de tratamento de doenças com plantas medicinais. Em cada parte do mundo esse saber se iniciou em épocas diferentes. Há registros de que, por volta de 2.000 a.C., no Antigo Egito, as plantas já eram usadas como remédio. Na China, a fitoterapia é conhecida há quase 3.000 anos, época em que os livros eram escritos em casca de tartaruga, pergaminhos e seda. Aqui no Brasil, antes da chegada dos portugueses, os povos indígenas utilizavam raízes, flores, folhas, cascas e sementes encontradas na natureza para o tratamento e cura de seus males. Veja as propriedades medicinais de algumas plantas comuns no nosso dia-a-dia: Boldo: utilizada contra falta de apetite, problemas estomacais e do fígado. Alho: expectorante, antigripal, antiinflamatório e auxilia no tratamento de hipertensão leve Camomila: utilizado contra ansiedade, insônia, febre, náuseas, vômitos e cólicas intestinais provocadas por gases Maracujá: calmante natural, combate ao nervosismo, inquietação e insônia Hortelã-da-folha-miúda: utilizado contra má digestão, gases e náuseas Capim-Cidreira: utilizado como calmante e contra cólicas provocadas por gases
As plantas podem ser utilizadas para alívio de diversas enfermidades, são acessíveis e baratas, mas seu uso precisa ser informado ao médico, para evitar efeitos colaterais
Estudos científicos comprovam os benefícios das plantas medicinais. No entanto, é importante estar bem informado, pois elas também podem apresentar riscos se utilizadas de maneira inadequada. Os principais perigos são a automedicação, a confusão entre plantas tóxicas e plantas medicinais, o uso freqüente e excessivo de uma mesma planta e o uso de plantas mal conservadas.
Expediente
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Esta publicação é parte integrante do projeto de popularização da ciência – Universidade Federal de Uberlândia (UFU) / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) Reportagens: Karine Albuquerque e Natália Santana Faria Edição: Ana Spannenberg (MTb 9453) Fotos: Rodrigo Mendonça e Karine Albuquerque Arte e Diagramação: Danielle Buiatti Tiragem: 2.000 exemplares (Distribuição gratuita) Informações: popciencia@ufu.br
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Saúde que vem da natureza
Pesquisadores da UFU buscam nas histórias e memórias dos idosos aprender mais sobre os usos, benefícios e riscos trazidos pelas plantas medicinais em Uberlândia Natália Santana Faria Basta você espirrar para ouvir sua mãe dizendo “tome um chazinho de hortelã para não gripar, sua vó diz que é tiro e queda”? Você nem acha o chá algo tão gostoso assim, mas não é que funciona? Pois é, o uso das propriedades medicinais das plantas é uma prática milenar. Passado de geração para geração, esse saber se manteve vivo por meio do conhecimento
“Com a produção industrial de medicamentos e mudanças de hábitos, esse saber ficou resguardado nas pessoas idosas”.
popular. Na atualidade, com a produção industrial de medicamentos e mudanças de hábitos e costumes, houve uma perda de interesse e esse saber ficou resguardado nas pessoas idosas. Observando isso, o Instituto de Bioquímica da Universidade Federal de Uberlândia está desenvolvendo um projeto em parceria com a ONG Rede Fitocerrado para resgatar esse conhecimento sobre o uso de plantas junto aos idosos da cidade. A pesquisa se chama “Saberes populares e orientação à utilização racional de plantas medicinais e fitoterápicos na terceira idade” e tem como objetivo fazer um
Rodrigo Mendonça
Os diferentes tipos de plantas medicinais utilizados pelos idosos pesquisados foram coletados para análise
na UFU
levantamento de como os idosos residentes em Uberlândia utilizam as plantas para fins medicinais. Para começar, os pesquisadores levantaram uma lista de contatos de pessoas da terceira idade que participam de um projeto de atividades físicas e recreativas desenvolvido pelo Curso de Educação Física. Os estudantes que fazem parte da pesquisa partiram, então, para visitar os idosos e tentar levantar as informações que procuravam. A ideia é que os resultados desse levantamento ajudem a orientar a comunidade no uso correto de plantas e fitoterápicos, principalmente a população idosa e os profissionais da saúde. Ao final, será elaborada uma cartilha explicando como utilizar da melhor maneira as plantas como fontes de saúde. Os pesquisadores também planejam realizar oficinas e palestras voltadas para a terceira idade e para a comunidade científica.
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na UFU
Só benefícios?
Cada planta tem um modo de preparo específico, que deve ser observado para evitar prejuízos à saúde
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A principal preocupação com o uso de plantas medicinais e fitoterápicos é que as pessoas tendem a considerar essa prática inofensiva. “Se não fizer bem, mal não faz”, diz o ditado popular. No entanto, há uma série de cuidados que precisam ser levados em consideração, pois se a fitoterapia for utilizada de forma incorreta, pode causar sérios efeitos colaterais e prejudicar a saúde. Durante as visitas dos pesquisadores aos idosos, eles descobriram vários problemas que podem ser facilmente corrigidos. Os primeiros cuidados para aqueles que cultivam plantas em casa devem ser com o horário de coleta, pois cada uma concentra mais nutrientes em determinada hora do dia, e o modo de guardá-las para não perderem as propriedades medicinais. Além disso, é preciso saber identificar a doença ou sintoma a ser tratado para que se utilize a planta e a dose corretas no tratamento, além de observar o modo de preparo, que é específico para cada tipo. Neire Golveia, secretária da Rede Fitocerrado, explica que além desses cuidados, é importante não utilizar vários tipos de plantas ao mesmo tempo, o que pode ser prejudicial à saúde. O mesmo vale para o uso conjunto de medicamentos convencionais e plantas. Tal precaução é de especial importância para os idosos que, em geral, têm o hábito de se auto-
medicarem com plantas e utilizam elevado número de medicamentos e por período prolongado, o que os torna mais vulneráveis aos riscos. “Nós percebemos ao longo da realização do projeto que a maioria das pessoas têm dúvida com relação à interação medicamento-planta e planta-planta. Então, durante as oficinas ressaltamos que é importante não misturar várias plantas, porque pode causar efeito colateral e nem fazer uso de medicamento associado a plantas”, diz Neire. Outro problema encontrado pelos pesquisadores foi a falta de informação dos médicos sobre a utilização que os idosos fazem de plantas e fitoterápicos. Hélen Lara, estudante e bolsista do projeto, afirma que grande parcela das pessoas de terceira idade não sabe a importância de comunicar aos seus médicos sobre a fitoterapia. “Por isso, nós propusemos o uso de uma caderneta pra que os idosos levem durante a consulta e anotem todas as plantas que eles utilizam para que o médico tenha conhecimento desse outro recurso de tratamento”, explica. A professora coordenadora do projeto, Françoise Botelho, destaca que a substituição do medicamento convencional para o uso exclusivo de plantas sem indicação do médico também não é recomendada. “No caso de doenças crônicas que exigem medicamento de uso diário, não é recomendado substituir o uso da medicação prescrita pela médico pela planta somente”, finaliza.
“Algumas plantas possuem nomes diferentes, que variam de região para região. É preciso estar atento, pois isso pode gerar dúvidas no momento de identificar a planta correta para cada tratamento”
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Saber popular
ENTENDA MAIS O saber popular tem grande valor para a ciência, pois ele pode contribuir para produção de conhecimento científico e este, por sua vez, pode beneficiar a sociedade, estendendo os resultados de pesquisas e descobertas à população. A valorização da cultura popular também é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Valorizar tal conhecimento é uma das vantagens da utilização de plantas medicinais, outras são o fácil acesso que a população tem a elas e o baixo custo, pois o preparo é caseiro. Para você entender de modo fácil e rápido, podemos dizer que o saber popular é o conhecimento tradicional, passado de geração a geração. Já o saber científico é aquele adquirido por meio de experimentos e comprovação empírica dos fatos. Na universidade, por exemplo, através de pesquisas, desenvolve-se o saber científico e, através de ações de extensão, ele é difundido para a população.
GLOSSÁRIO
Rodrigo Mendonça
Planta Medicinal: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é toda planta que administrada ao homem ou animal por qualquer via ou forma, exerça alguma ação terapêutica. Fitoterapia: é o tratamento feito com o uso de plantas medicinais sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal. Medicamento: é um produto farmacêutico com finalidade profiliática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Princípio Ativo: é a substância química presente nas plantas medicinais, responsável por sua ação no organismo e que justifica seu uso como medicamento. Remédio: são cuidados que se utilizam para curar ou aliviar sintomas das doenças, como um banho morno, uma massagem, um medicamento, entre outras coisas. (Fonte: Cartilha Saúde Para Todos – Rede Fitocerrado)
Há 25 anos, a aposentada cultiva plantes no seu quintal para usálas como remédio
Para participar das atividades da ONG Rede Fitocerrado ou saber mais informações sobre o projeto, escreva para redefitocerrado@gmail.com ou ligue (34) 3218-2477 / 3218-2378.
na UFU
Dona Sebastiana Alves de Matos, uma das idosas visitadas pelos pesquisadores, tem um quintal onde cultiva plantas há 25 anos. Hortelã, melissa, sidreira e arnica são algumas das plantações da aposentada. Ela conta que aprendeu a utilizá-las como medicamentos desde criança. “Aprendi com minha mãe. Na época que a gente morava no sítio usava muito era o remedio caseiro. Então, tudo que era planta minha mãe usava pra fazer chá”. Enquanto lava um punhado de arnica com água corrente, dona Sebastiana explica que é preciso ter higiene ao utilizar uma planta. “Nunca me fez mal um chá. Sempre soube preparar direitinho. Se fizer de montão prejudica”. Ela também sabe que é perigoso utilizar várias plantas ao mesmo tempo ou tomando medicamentos. “Eu não costumo misturar o chá com o remédio de farmácia, porque o chá é mais puro, e o comprimido é composto”, diz. Além de contribuir para o projeto com conhecimentos sobre o uso das plantas medicinais, dona Sebastiana também ofereceu amostras de seu quintal. Essas e outras amostras coletadas nas visitas são levadas pelos pesquisadores para análise em laboratório, a fim de observar suas propriedades e verificar aquelas que podem oferecer risco e qual a melhor maneira de preparar chás, extratos e pomadas com cada uma delas.
faรงa vc!
Como usar Plantas Medicinais
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De mãe para filha
Karine Albuquerque
diga aí!
A prática de utilizar plantas medicinais é passada de geração em geração. É comum ouvir de pessoas mais velhas a indicação de um chá para dor ou para uma gripe, por exemplo. Não é preciso procurar muito, a maioria das pessoas tem histórias de receitas passadas pelos mais velhos e, mesmo com o conhecimento científico, não abrem mão das fórmulas caseiras já testadas e aprovadas. A estudante de Engenharia Química, Loyane Pereira, conta que costuma tomar chá de gengibre com hortelã e limão para curar dores de garganta e combater resfriados. A receita é da mãe, Divina Célia: “tem que beber o chá uma vez ao dia durante uma semana”. Outras receitas ela aprendeu com a avó, dona Maria, para curar as gripes que a universitária diz ter com freqüência. “Minha avó diz para tomar chá de arruda, e colocar um pano com arruda na parte do peito e dormir respirando o cheiro da erva”. Ludmila Silva é mais uma jovem que faz o uso frequente de plantas medicinais. A
Karine Albuquerque estudante de Química Industrial utiliza espinheira santa para gastrite e dor de estômago, mestrando para cólicas menstruais e camomila para dormir. “Uso o mestrando no período menstrual de seis em seis horas, a espinheira santa é uma dose única e a camomila, sempre antes de dormir”. Ela afirma que aprendeu com seus avós e tios-avós. “É uma tradição familiar, existe um livro que já está na minha família há algumas gerações”, conta. Na maior parte das vezes a preparação para o consumo da planta é feito com a imersão em água fervente, conta Ludmila, porém nem sempre esta é a forma indicada. “A forma mais usada é infusão, mas isso varia de acordo com cada planta e para o que ela é usada”. Ela ainda diz que os resultados são iguais aos que as pessoas obtêm através de remédios manipulados em laboratórios, porém destaca que não utiliza nenhuma planta sem informar ao seu médico e nem associada a medicamentos manipulados.
Ludmila Silva explica que aprendeu com seus avós e tio-avós quais plantas usar e como prepará-las corretamente
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