FOTO: Bia n ca Ju dice
s e n s o i n co m u m
Novos Olhares Enquadramento da representação do negro contextualizado pela narrativa da história. Pág. 06 e 07
5.8. 10.
( ) Português ( x ) Libras
“Aquele abraço” Orkut
Capoeira: patrimônio cultural
JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO - UFU - ANO 06 - Nº 23 - AGOSTO/SETEMBRO-201 4
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Editorial São Pedro não é o culpado Marcelo França As chuvas escassas no segundo semestre de 201 4 mostraram que aquela velha história que diz que o Brasil tem água para dar e vender não é tão real. A combinação de pouca chuva e dias quentes é o cenário ideal para contribuir para a falta de água. Quanto menos chove, mais quente fica. Quanto mais quente fica, mais água a população gasta para se refrescar. E o que se escuta dos gestores públicos? Que não há risco. Os depoimentos dos governos se tornam incompatíveis com os de moradores. Se por um lado, autoridades descartam o risco de racionamento, por outro, moradores de São Paulo relatam que já se tornou comum não ter água nas torneiras em determinados períodos do dia. Não é preciso exemplificar apenas com o baixo nível de água no Sistema Cantareira, em outubro. Em Uberlândia, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), responsável pela captação e distribuição de água, adotou, em setembro, a distribuição racionada de água e o uso de advertências para quem for pego desperdiçando, como um fato moral, no contexto social. O problema é a falta de controle na distribuição. Recentemente, a Unidade de Atendimento Integrado (UAI) do bairro Martins ficou sem água durante um período. Embora um caminhão pipa tenha demorado a chegar, principalmente por se tratar de um hospital, nada ficou diferente, a população já sabia que estava em um hospital público, sabia que o atendimento é demorado e que a espera seria grande. Até parece que tem algo errado no ciclo da água. Após evaporar e condensar, a precipitação deve estar ocorrendo só
Crise no sistema hídrico
na casa de quem deveria pensar soluções para contornar o problema de falta de chuva. Não é possível que eles não estejam vendo a seca e que não se esforcem para encontrar medidas adequadas para evitar que em lugares como hospitais e escolas não falte água. Nenhuma falta de água é surpresa para o governo. Já se sabe que em determinados períodos do ano os níveis de água de represas abaixam, as vazões dos rios diminuem e as pesquisas indicam, na maioria dos casos, os problemas climáticos que ocorrerão. É possível, então, enfrentá-los através da preparação para períodos em que a quantidade de chuva diminui. Institutos de pesquisas desenvolvem projetos relacionados ao setor hídrico, mas não há o devido aproveitamento dos resultados. Pesquisadores especializados no assunto não têm a possibilidade de sugerir opções alternativas para o abastecimento de água das cidades, visto que os interesses políticos são maiores do que a vontade de resolver o problema de forma efetiva. Falta de preparo para enfrentar a situação, desperdício de água, omissão na cobrança de medidas para contornar o quadro, falta de fiscalização e uma série de fatores podem ser considerados a causa do problema. São Pedro não é o culpado pela seca e isso pode ser facilmente dito, já que notícias de desmatamento e práticas ambientalmente irresponsáveis são mais frequentes do que ações sustentáveis. A responsabilidade é do governo. A responsabilidade é da população. Um por ser omisso e outro por aceitar a omissão. »
Ombudsman José Pedro Bezerra - Jornalista do Praia Clube É preciso ter novos olhares? Claro! Este jornal é um exemplo disto. Lembrar daquela primeira capa mostra a diferença que separam não apenas estes quatro rápidos anos de publicações, como também o amadurecimento e evolução. E, como sempre, há muitos erros e acertos nestes 23 jornais experimentais. Mas em uma breve pesquisa, percebi o quanto cada edição foi importante para compor esta história chamada Jornalismo UFU. Discussões sobre homossexualidade, movimento feminista, assistência social, saúde mental, entre tantos outros assuntos macros que, editorialmente, precisam se tornar micros, e que não perdem a sua importância para a construção social de cada indivíduo. Assim como esta publicação. Falar sobre a representação do negro no contexto histórico, mostrar a Capoeira, esta arte tão intrínseca à cultura brasileira e exibir os primeiros passos de uma criança de 9 anos, a Libras, que ainda engatinha no nosso país, encerra com chave de ouro mais uma edição do jornal. É necessário refletir. Muitas vezes, mudar o foco não basta. É mais que fundamental ter novos olhares. »
Expediente R eitor: Elmiro Santos Resende / Diretor da Fa ced: Marcelo Soares Pereira da Silva / Coorden a dora do Cu rs o de Jorn a lis m o: Ana Cristina Menegotto Spannenberg / Profes s ora da dis cip lin a : Ingrid Gomes / Jorn a lis ta res p on s á vel: Ingrid Gomes MTB
41 . 336 / Editores - ch efe: Luisa Caleffi e Marcelo França / Produ çã o de A rte: Érika Abreu, Bianca Judice e Rinaldo Augusto / Cola b ora çã o de rep orta g em : Bruna Pratali, Caroline Bufelli, Jhonatas Elyel Silva e Muntaser Khalil / R ep órteres : Luisa Caleffi e
Marcelo França / Crôn ica : Talita Vital / Editoria l: Marcelo França / Fotog ra fia : Bianca Judice, Caroline Bufelli e Renato Pinheiro / Ca p a : modelos Érika Abreu e Gabriel Ribeiro / Dia g ra m a çã o, tra ta m en to de im a g en s e Fin a liza çã o: Danielle Buiatti.
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OPIN IÃO
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Aquela que foi embora... Talita Vital Todos os dias começavam com a minha irmã mais velha perguntando se a roupa estava legal para mais um dia de trabalho, e em seguida eu recebia inúmeras lambidas dos meus dois cachorros que dormiam comigo, talvez com o intuito de dizerem: bom dia! Acordar daquela maneira era tudo pra mim, fazer meu próprio café da manhã e brincar com os cães, era a melhor parte do dia. Eu me sentia independente e amada de uma maneira incondicional, e esses momentos faziam da minha casa um lugar de descanso, de privacidade, de alegria, de conversas, de brigas, gritos, era o lugar onde eu não temia as fortes tempestades. Era o lugar onde eu podia ser quem eu sou. Entretanto, decidi seguir meu sonho, como qualquer adulto que almeja o “ser alguém na vida”, e sai de casa por causa da faculdade, troquei-a por um pequeno quarto em um pequeno apartamento que dividia com pessoas estranhas. E na primeira semana, descobri que minha casa era meu lugar favorito.
Só visitava minha casa e minha família um final de semana por mês, e agora meu antigo quarto era vazio, frio e não cheirava mais aquele odor típico de cachorro, mas sim, lavanda industrializada de materiais de limpeza. A cama é a da minha irmã que agora dorme em uma cama de casal, meu travesseiro e guarda roupa ainda marcam sua ausência, um enfeitando e outro na tintura do quarto. Até a porta que continha meu nome, hoje não identifica o meu quarto na casa, mas sim um quarto qualquer destinado a “hóspedes”. Somente a estante de livros e o mensageiro de vento revelam que um dia eu morei ali. Era isso que eu era agora, uma hóspede em minha própria casa. Nada ali era como antes, minhas noites não tinham mais a companhia dos cachorros, as manhãs não eram regadas de úmidos “bom dia” e minha irmã nem se importava em pedir minha opinião sobre o look. Além da estranheza de sentar para almoçar e não reconhecer mais as pessoas a minha frente e lado e desconhe-
cer os assuntos que eles comentavam. Tudo isso me fazia sentir culpada por algo que é só mais uma consequência da distância. Pena que meu eu − hóspede − não percebeu isso antes, eu achava que quando voltasse para casa à saudade seria tanta que todos reivindicariam minha atenção e presença, não imaginava que com o passar do tempo minha ausência se adequaria ao repertório e as pessoas se acostumassem com as rápidas visitas mensais. Ainda bem que agora meu eu − hóspede − sabe que isso não vai mudar, que aquele lugar que eu chamava de casa não será mais a minha casa e que aquelas pessoas não mudaram, quem mudou foi eu. E eu sei que dói não olhar para trás toda vez que vou embora, mas sei que dói mais ainda olhar e me imaginar novamente ali, então em toda despedida me convenço de que as mudanças são necessárias e que com o passar do tempo também me adaptarei com adeus e beijos de despedidas. »
Tem quem faça xixi no banho Marcelo França
cerâmica, favorecendo o desenvolvimento de bactérias e germes. Independente de ser adepto do xixi no banho ou não, o site dá dicas de outras ações sustentáveis como abrir a torneira apenas quando necessário, eliminar vazamentos, não deixar a porta da geladeira aberta e preferir embalagens reutilizáveis. Já o caso do xixi, por não ser apenas uma questão de mudança de atitude e envolver higiene, cada um pode fazer sua escolha. Se optar pelo xixi apenas no vaso sanitário, pense nas outras possibilidades. Qualquer forma de ajudar o meio ambiente é bem vinda. » ILUSTRAÇÃO: Erika Abreu
Com certeza algumas pessoas já praticam atitudes sustentáveis, mas não percebem ou preferem não revelar para as outras pessoas. Às vezes, mesmo sem querer, pessoas consideradas por alguns como “mais porcos” dão uma ajuda para a natureza. Quem nunca chegou ao banheiro e viu aquela lembrança deixada pelo usuário anterior? Vai ver ele não esqueceu ou deixou lá apenas por preguiça de apertar a descarga. E se ele pensou em ser sustentável e economizar a água da descarga? Claro que essa situação pode parecer exagerada. Não é agradável usar o banheiro sujo. Além de falta de higiene, é falta de respeito. Mas o velho papo de cada um fazer sua parte e que as pequenas atitudes realmente podem ajudar o meio ambiente é certo. Numa descarga, o gasto de água é de oito a 1 2 litros, ou seja, uma grande quantidade de água limpa e tratada vai pelo esgoto, literalmente. Voltando ao papo de não perceber a prática de ações sustentáveis, que tal fazer xixi no banho? Nojento, aceitável ou normal? Particularmente, não sou da turma que diria “normal”, mas a organização não-governamental SOS Mata Atlântica defende essa ideia. Caso você não seja da minha turma, a enquete lançada no site www.xixinobanho.org.br lhe surpreenderá. Mais de 70% dos visitantes do site responderam que fazem xixi no banho. Especialistas dizem que há dois lados nessa história. O primeiro é que não há problema, visto que a urina é composta por 95% de água e 5% de outras substâncias. A água leva a urina embora e como se trata de um banho, a sujeira será limpada. O outro lado é que o contato constante com urina propicia o aparecimento de microrganismos e, caso o rejunte do piso esteja mal colocado, o xixi poderá ficar preso embaixo da
4at u ali d ad e s
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Descarte Sustentável
UFU instala coletores de pilhas e baterias nas secretarias dos cursos FOTOS: Bianca Judice
Coletores de pilhas chegam aos corredores da instituição
Luisa Caleffi e Marcelo França Visando a destinação correta das pilhas e baterias, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) instalou coletores nas secretarias dos cursos ou locais próximos a elas. Segundo a resolução 257 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é proibida a destinação final das pilhas e baterias através da queima, a céu aberto e em locais como cursos d’água, cavidades subterrâneas e redes de esgoto, visto que esse tipo de resíduo possui elementos que causam danos à natureza. A UFU optou pela terceirização dos serviços de coleta e destinação final dos resíduos sólidos ao invés de realizar o tratamento na instituição. Segundo o diretor de sustentabilidade da UFU, Euclídes Honório de Araújo, a universidade não possui condições de fazer o tratamento e os resíduos serão acumulados para que as empresas terceirizadas façam o recolhimento para dar a destinação adequada. Em relação aos locais para instalação dos coletores, Eunir Augusto Reis Gonzaga, coordenador de planejamento de gestão ambiental da Diretoria de Sustentabilidade (Dirsu), explica que foi concluído num estudo da área ambiental, que os coletores deveriam ser colocados nas secretarias dos cursos, com o intuito de facilitar o recolhimento periódico quinzenal. “Se encher e não for feito o descarte, o próprio secretário pode entrar em contato”, acrescenta. Segundo Júlio César Costa, técnico em meio ambiente responsável pelo Laboratório de Resíduos que funciona no bloco 5J do campus Santa Mônica, chegou-se a pensar em instalar os coletores em locais públicos, por exemplo, nos Centros de Convivência, mas como poderia haver vandalismo, a opção mais prática foi colocá-los nas secretarias para depois encaminhar os resíduos para o laboratório. O estudo “Gerenciamento de Resíduos Constituídos por Pilhas e Baterias Usadas”, realizado por Nivea Maria Veja Longo Reidler, especialista em Engenharia Ambiental, e Wanda Maria Risso Gunther, especialista em Engenharia da Saúde Pública, apresentado no XXVII Congresso Interameri-
cano de Engenharia Sanitária e Ambiental e disponível no site do Ministério do Meio Ambiente, mostra que a destinação inadequada de pilhas e baterias que contêm mercúrio, níquel e cádmio, metais pesados, são prejudiciais. “Podem provocar danos ao meio ambiente e representam riscos à saúde pública, pela possibilidade dos metais pesados atingirem o organismo através da cadeia alimentar”. “Uma das principais preocupações com a disposição de resíduos de diversas origens em solos é a possibilidade de contaminação por metais pesados”, diz Bruno Teixeira Ribeiro, doutor em Ciência do Solo, especialista na área de Manejo e Conservação do Solo e Água e professor da UFU. Ele completa dizendo que os metais pesados podem ter efeitos deletérios sobre as plantas, animais e humanos. A bióloga Jaqueline Raymondi Silva aponta os problemas que a destinação inadequada de resíduos, como as pilhas e baterias que contêm mercúrio, podem causar ao meio ambiente. Segundo ela, o mercúrio causa danos, principalmente ao sistema nervoso e no caso de descarte inadequado, pode atingir os cursos d’água e ser ingeridos por animais. A bióloga completa dizendo que o maior problema é o aumento da concentração do elemento ao longo da cadeia alimentar, “O último elo da cadeia alimentar é aquele que receberá as maiores concentrações de mercúrio”. “Atualmente a preocupação com a segurança alimentar é destaque em todo o mundo”, esclarece Ribeiro. O metal pode entrar na corrente sanguínea através da ingestão e, após isso, terá contato com vários órgãos. Caso atinja o sistema nervoso, pode levar à vida vegetativa ou morte. »
SER VI Ç O : Os coletores podem ser identificados pela cor laranja e recebem pilhas e baterias usadas tanto nos institutos e laboratórios da universidade quanto as que são utilizadas fora da UFU.
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AT U ALI D AD E S
Inclusão pelos sinais
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Para além da fala oral
Desde 2005 a Língua Brasileira de Sinais reivindica espaço no cotidiano educacional Carol Bufelli em sala e o seu entendimento. Atualmente, o Cepae coordena cerca de dez monitores, entre bolsistas e estagiários, e nove intérpretes, que acompanham os monitores quando esses não sabem a Libras, e realizam a função de interpretação na Universidade, atuando em Uberlândia e em I tuiutaba. Com o crescimento das redes sociais e dos aplicativos com mensagem de texto, ficou mais fácil para o surdo hoje em dia se comunicar com outras pessoas, sejam elas surdas ou não. O TDD, TS ou telefone de texto, como também é conhecido, é um telefone para surdos, com um teclado acoplado, que permite ao usuário a possibilidade de escrever aquilo que queira comunicar. Os alertas são realizados a partir de luminosos e alguns aparelhos podem ser encontrados também em locais públicos, como rodoviárias e aeroportos. Mais ainda, a possibilidade de se usar a webcan para a comunicação a partir da Libras também facilitou a troca de informações entre o surdo e demais pessoas, sejam elas deficientes auditivas ou ouvintes, já que a imagem transmitida permite a realização dos movimentos necessários na Língua Brasileira de Sinais. O professor da UFU, Kleyver Tavares Duarte, Mestre em Educação de Surdos e especializado em Educação Especial pela Universidade Federal de Uberlândia, perdeu sua audição aos três anos de idade, por conta de meningite. Ele destaca a importância das
redes sociais, que se baseiam no compartilhamento de informações visuais, e o uso de mídias como o Youtube, ferramenta importante para o compartilhamento da Libras através dos vídeos, servindo como uma rede de auxílio para quem está aprendendo a Língua, por exemplo. No entanto, Duarte destaca que o maior problema é a questão de identidade e cultura. “Embora a premissa mais forte que sustente a oralidade seja a integração do surdo na comunidade ouvinte, ela não consegue ser alcançada na prática, pelo menos pela grande maioria de surdos. I sso acaba refletindo, principalmente, no desenvolvimento de sua linguagem, sendo então o surdo silenciado pelo ouvinte, por muitas vezes não ser compreendido.” Assim, é preciso destacar que um surdo não tem sua comunicação resumida aos aparatos tecnológicos. Em farmácias, transportes públicos, hospitais, bares e rodas de amigos muitas vezes, quase que em sua totalidade, a acessibilidade se faz ausente e o surdo acaba enfrentando as mais diversas dificuldades para conseguir se expressar e entender aqueles que estão no seu entorno. “Em todos os lugares há barreiras na comunicação. Temos que acabar com isso, mas estamos engatilhando as mudanças que conseguimos em lutas pelos nossos direitos, aos poucos, e vencendo o preconceito que no passado era maior”, comenta Duarte. » FOTO: Carol Bufelli
Em pleno século XXI , várias são as pessoas conectadas em seus aparelhos tecnológicos em todo o mundo, inúmeras informações circulam os meios de comunicação, os meios eletrônicos e chegam até as pessoas todos os dias. Avanços científicos, econômicos e acadêmicos acontecem ao redor do planeta e um surdo, no Brasil, ainda precisa lutar muito para ter um espaço reconhecido. No País, segundo dados do I BGE, de 2000, 4,6 milhões possuem deficiência auditiva e 1 ,1 milhão são surdas, compondo um cenário que somente em 24 de abril de 2002 teve decretada a lei nº 1 0.436 pelo Congresso Nacional, regulamentada pelo decreto n° 5.626 de 22 de dezembro de 2005, reconhecendo como meio legal de comunicação a Língua Brasileira de Sinais, Libras, e outros recursos de expressão a ela associados no Brasil, um reconhecimento que ainda não completou nem dez anos. As instituições de ensino superior, então, precisaram se reformular. Com isso, surgiu a necessidade de incluir a Libras nas grades curriculares, a formação superior de professores e instrutores de Libras e pensar em toda uma estrutura para o ingresso e permanência do estudante surdo no ensino superior. Na Universidade Federal de Uberlânida (UFU), O Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial, Cepae, é um exemplo sobre programas inclusivos que visam à educação especial, de modo que se forme um espaço para reflexões e debates acerca desse cenário, a partir da idealização de um centro que envolvesse não só aqueles que dependem da educação especial por qualquer necessidade, como também os profissionais da área. Segundo a coordenadora do Cepae, Eliamar Godoi, doutora em Estudos Linguísticos, e Especialização em Educação Especial, existem hoje na Universidade, sete alunos surdos na graduação – seis presentes no campi de Uberlândia e um em I tuiutaba – e mais quatro alunos surdos matriculados em Cursos de Pós-graduação, sendo um no Doutorado e três no Mestrado. Esses alunos recebem o acompanhamento de monitores, que realizam a mediação entre o conteúdo ensinado
Alunos e intérpretes em reunião no Cepae
6 Entrevista perfil
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A luta p representação
Num país com mais da metade Guimes coordena o Núcleo de que busca defesa e forta Marcelo França Na última sala do segundo andar do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (IQUFU), o professor Guimes Rodrigues Filho se dispõe a dar uma entrevista, sem hora marcada, sobre sua história e projetos de inclusão sóciocultural-racial que desenvolve e participa. Com o barulho das obras na UFU, surge a possibilidade de realizar a entrevista na sala do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFU (NeabUFU), do qual é coordenador desde 2006. No caminho, mostra o bom humor e comenta o trânsito dentro da universidade “Isso é coisa de maluco!”. Assunto não falta. Em pouco menos de uma hora, Guimes, 54 anos, fala sobre diversos temas como política, religião, culinária, educação, meio ambiente e medicina. “O Neab traz discussões. Nós precisamos discutir abertamente”. Ele acredita, também, que para conhecermos nossa história, precisamos conhecer a do outro. “A história do Brasil é a história do negro, do indígena, do asiático”. Andando pela UFU, é fácil reconhecê-lo. Seus longos dread-locks demonstram sua representação identitária e, para alguns, o Neab é um lugar de defesa e fortalecimento dela. Guimes acredita que o corpo fala. “Enquanto (o corpo) está falando com cabelo alisado, ele está dando uma resposta à repressão que está sofrendo”. Ele exemplifica com o caso de meninas, antes com cabelos lisos, e que agora, participando das atividades do Neab, usam trançados, rastafári ou blackpowers. “Isso altera a cabeça das pessoas, é um lugar de fortalecimento de identidade”.
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
passam a ser obrigados a ensinar história e cultura africana. Guimes lembra que pouco estava sendo feito. “Na verdade era uma daquelas leis da época da escravidão, pra inglês ver”. O professor explica que, numa tentativa de alterar a situação, o Ministério da Educação (MEC) cria uma linha de fomento, a partir de 2006, para educação continuada de professores e publicação de material para tratar de forma adequada a imagem do negro. Quando chegou à universidade, há 1 7 anos, Guimes já praticava a capoeira regional e durante seu mestrado em Química na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em 1 988, conheceu um grupo de “capoeira angola”. Após retornar a Uberlândia, o professor iniciou um projeto de extensão em FOTOS: Bianca Judice
Em 2003, o governo federal sanciona a lei 1 0.639, a qual modifica as leis de diretrizes e bases da educação e, em 2004, com sua reHá oito anos, professor Guimes coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro (Neab) gulamentação, todos os níveis de ensino
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por uma o satisfatória
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de pessoas negras, o professor Estudos Afro-Brasileiros da UFU, alecimento de identidade
Neab busca criar políticas de ações afirmativas para a comunidade negra
escolas da periferia da cidade, onde ensinava capoeira angola com o objetivo de criar a identificação das crianças e combater o racismo. Antes da criação efetiva do Neab, o qual, segundo Guimes, ainda não está no organograma da universidade, “ele existe, mas não existe”, assim como o projeto de capoeira angola, professores e técnicos da universidade realizavam ações individuais. Em 2005, o processo de aglutinação das ações individuais deu origem ao Neab. “A gente tinha grupos de professores que atuavam individualmente, cada um no seu quadrado. É importante ter o núcleo porque aglutina essas ações esparsas”.
Conquistas e desafios
Guimes luta pela criação de políticas afirmativas para a comunidade negra. Em 2009, junto com o Neab, criou o Fórum de Promoção de Igualdade Racial, que possibilitou a criação de Comissões de Igualdade Racial na Câmara Municipal e na Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB), além do Conselho Municipal de Igualdade Racial. Embora ainda não tenha obtido sucesso, busca a criação do feriado no
dia 20 de novembro, dia de Zumbi, em Uberlândia. Uma das conquistas do fórum é a criação das cotas raciais para ingresso na UFU. Foram quatro anos de discussão para que, em 2007, a universidade optasse apenas pelas cotas raciais. “Se você não tem esse lugar que nucleia essas discussões, não acontece nada. Nem as cotas sociais iriam acontecer”. Guimes aponta que com o fim do Programa de Ação Afirmativa de Ingresso no Ensino Superior (PAAES), inicia o programa de cotas raciais. O trabalho do Neab, apoiado pelo professor Guimes enfrenta desafios. O coordenador aponta que na UFU, para a orientação em relação à segurança da comunidade acadêmica, criou-se uma cartilha, na qual o suspeito era associado ao negro. “Nós estamos no século XXI, é uma universidade, que é pra ajudar a sociedade, faz um negócio desses!”. Em Ribeirão Preto, a polícia militar fez algo semelhante criando uma cartilha de orientação para segurança dos usuários de ônibus coletivos, na qual o negro era colocado como “modelo de suspeito”. Fatos que devem ser deslegitimados pela sociedade.
Busca-se, também, a representação nos órgãos governamentais. “Hoje somos 50,7% da população, nós temos que estar representados em todos os espaços”. Há o desejo de retomar o Partido Negro e não ser dependente de outros partidos. “Isso não é divisionismo”. Guimes cita o exemplo dos indígenas que estão se organizando para criar um partido indígena, tal como a representação homossexual existente. “Cada setor da sociedade está procurando se representar. Queremos ver negros ministros da educação, da fazenda”. Guimes finaliza defendendo que devemos aprender com o povo que faz a cultura. Para ele, é preciso dar voz às mães de santo, pais de santo, indígenas, quilombolas, para podermos aprender a história e cultura deles. “Efetivamente, a formação cidadã não ocorre. Quando vai acontecer? Quando a gente estiver dialogando com os indígenas, quilombolas dentro dos nossos cursos”. Culinária e medicina não são feitos apenas nos grandes centros de pesquisa. “Os indígenas não contatados não têm hospital, celular, internet, mas têm medicina porque os caras estão vivos até hoje. É medicina de alto nível.” »
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Foi o fim ...
ILUSTRAÇÃO: Erika Abreu
Orkut se despede com a marca das comunidades na rede
Jhonatas Elyel Silva Desligaram os aparelhos há pouco mais de dois meses, pois o paciente agonizava já há alguns anos. A frase anterior poderia muito bem se referir a um ser humano em estado terminal, mas o paciente no caso era o Orkut. Foi com pesar que milhões de pessoas, receberam no final do mês de junho de 201 4 uma notícia que já se esperava há algum tempo. O Orkut seria descontinuado no último dia de setembro. “Fiquei triste, mas por pouco tempo”, afirma o estudante de Direito da UFU, Geovani Bennato. “Quando uma decisão dessas é tomada e veiculada pela própria do na da rede social, no mínimo um milagre seria necessário para mudar isto.” Assíduo frequentador desde os tempos de ouro do Orkut, Geovani era um dos milhões de utilizadores da rede
que, ao entrar em choque com o Facebook em 2009, entrou em decadência e saiu de cena, mas não totalmente. Em alguns dias seu perfil recebia visitantes, mas nas últimas semanas antes do fim o número se estabilizava na casa do zero. Resumindo: o retrato de uma “cidade em ruínas”. Porém, ainda assim eles resistiram, e conseguiram, inclusive, se divertir. Grande parte desta diversão permanecia nas contas fake. O ato de se fingir de outra pessoa não é nada novo, veja-se o início do teatro, na Grégia Antiga, mas nem todos os usuários do mundo “falso” estavam ali “brincando”. Alguns perfis, como o do próprio Geovani, utilizaram e ainda utilizam a rede para exercitar sua capacidade criativa e, é claro, para fugir das mazelas da vida. Seus perfis eram
utilizados para jogos de RPG interpretativo. “Apesar de eu ter a conta que me pertencia como pessoa física, por indicação de amigos eu me aventurei aos jogos de RPG com personagens inspirados em livros, filmes ou animes. E confesso que sair dos tabuleiros e dados para os fóruns foi uma mudança agradabilíssima! As melhores lembranças estão relacionadas às amizades e os bons momentos que eu passei nos jogos de interpretação nas comunidades. Sim, era tudo fantasia, mas fugir do mundo real e relaxar no mundo surreal sendo quem você quer ser em tramas lindamente elaboradas foi, de verdade, muito divertido!” descreve Geovani ao longo da conversa. Após tantas experiências, sejam no mundo fake dos Gandalfs e Hermiones, ou no mundo real, onde as pessoas adoravam quando o limite dos álbuns aumentava ou quando recebiam dezenas de depoimentos numa batalha sobre qual dos amigos ficaria com “o topo”, é um pouco impensável declarar oficialmente que o Orkut, apenas por ter saído do mercado tenha fracassado. Afinal, redes sociais são produtos com data de validade. O Orkut veio, cumpriu a sua proposta e saiu porque, assim como as relações sustentadas nessas plataformas, elas próprias têm um tempo de duração muito curto. É algo instantâneo; isso é uma característica, inclusive, do momento histórico em que se vive. »
Torcida feminina avança no futebol Luisa Caleffi “Zeeeeeeeiro. É goool do Cruzeiro.” O local é um barzinho popular da cidade, lotado de estudantes e torcedores apaixonados. A comemoração, porém, não vem de nenhum homem vestido com a camisa azul do clube mineiro, barbudo, dos que entendem do assunto. A voz fina e estridente que comemora de maneira fervorosa é de Karina Oliveira, 21 , estudante de engenharia civil da Universidade Federal de Uberlândia. A paixão pelo futebol (e pelo Cruzeiro) é antiga. A estudante, natural de Belo Horizonte, conta que por influência do pai e do irmão, desde criança acompanha os jogos do time do coração e aos poucos foi aprendendo as regras do esporte: “Sempre gostei de futebol. Meu pai me levava aos jogos no Mineirão e foi me explicando sobre os jogadores e eu acabei me apaixonando.” A torcida feminina no futebol obteve um crescimento expressivo nos últimos quatro anos. Dados do IBGE de 201 0 mostravam que do total de 1 92,4 milhões de brasileiros 51 % são mulheres. Em número bruto 98,2 milhões e que, desse total, 67,6 milhões declararam-se torcedoras de algum time de
futebol. Uma pesquisada realizada pela Pluri Consultoria divulgou ainda que o Flamengo é o time com maior número de torcedoras, com 1 4,1 milhões, equivalente a 1 4,4 % da população brasileira. Os números, porém, não garantem a assiduidade das mulheres. Juliane Trajano, 20 anos, aluna de direito da UFU, é um exemplo. Torcedora do São Paulo a estudante também começou a torcer por influência da família. “Cresci com meninos, na rua. Jogava futebol na rua, mas por brincadeira.” Apesar de se declarar torcedora, a estudante diz não acompanhar os campeonatos e não ter vontade de assistir aos jogos em estádios. O futebol, contudo, ainda é um esporte que discrimina as mulheres. Quando questionada sobre o assunto, a estudante de direito finaliza: “O sexismo diminuiu muito, mas ainda existe nesse meio. Se alguma repórter erra, ela é criticada por ser mulher, não pela falha que cometeu. Se um repórter erra ele é criticado por outros motivos, nunca porque ele é um homem.” »
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p o lít i cA
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Direitos humanos e Direito ambiental
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Açúcar amargo
Trabalho semiescravo e prejuízo ambiental evidenciam ausências de políticas públicas na produção do etanol e do açúcar de todo o dia
Muntaser Khalil O Brasil é o maior produtor e exportador de cana-de-açúcar no mundo. Exportando mais da metade da produção de açúcar mundial, os dados só crescem a cada ano, principalmente quando o assunto diz respeito à produção de etanol, já que o consumo do combustível mundialmente só cresce. Apesar de todo esse boom econômico, as condições de trabalho semiescravo nessa área canavial pouco mudaram. Um trabalhador pode chegar a cortar diariamente 1 5 toneladas de cana para o aumento de sua renda mensal. Alguns entram no mundo das drogas na intenção de “esquecer a vida” e conseguir enfrentar as condições degradantes existentes no trabalho. A mente pode resistir, mas o corpo não e alguns chegam a morrer devido ao grande esforço na esperança de dar uma vida melhor para suas famílias que aguardam o dinheiro no final do mês. Apesar de a maioria das usinas de cana usarem, atualmente, métodos mais modernos e mecanizados, os abusos ainda continuam em outros trabalhos relacionados à área, como na aplicação de defensivos agrícolas. A prática da queima da palha da cana para facilitar na colheita é outro fator que prejudica os trabalhadores que infelizmente inalam gases altamente tóxicos liberados nesse processo, como o gás carbônico, de acordo com informações do Grupo Cultivar. A migração de trabalhadores do nordeste vem ocorrendo de forma crescente com o passar dos anos na cidade de Ituiutaba, Minas Gerais. Segundo dados da Secretária Municipal de Desenvolvimento Social a maioria chega de Alagoas e do Piauí. Alguns desses migrantes trazem suas famílias em épocas de safras, que duram em média seis meses, e quando esse período acaba retornam para suas cidades.
Esse período entre safras também se tornou fonte de renda para alguns moradores de Ituiutaba, que encontraram no retorno dos trabalhadores um meio para ganharem dinheiro e empreender. Dessa forma, existem algumas empresas para o transporte dos migrantes no retorno às suas cidades em viagens que duram geralmente três dias em ônibus lotados, velhos e sem conforto.
Problema ambiental
O meio ambiente também sai perdendo nesse processo de queimada da cana, pois a queima elimina toda a cobertura vegetal no solo, fazendo com que aumente a chances de erosões. Ocorre, assim, um desequilíbrio ecológico, já que esse processo também aumenta o número de ervas daninhas no solo, criando a necessidade de um maior uso de herbicidas, segundo Francisco Franco, produtor rural e pesquisador na área canavial. Os animais também são atingidos nesse processo. “Além de todos os gases liberados na atmosfera, é importante salientar os danos causados à fauna. Tendo em vista que vários animais morrem e acabam perdendo seu habitat”, explica Lázara Dayane Muntaser, estudante de geografia da Universidade Federal de Uberlândia e pesquisadora na área ambiental. É fato que a cana-de-açúcar possui importância para a economia nacional, mas também vale lembrar que a necessidade de mais canaviais acaba ultrapassando os limites ambientais e prejudicando cidades e pessoas. Diante disso tornam-se necessárias políticas e leis mais rígidas que as atuais relacionadas ao plantio e colheita da cana-de-açúcar, como também leis trabalhistas especificas e complementares para os cortadores. » ILUSTRAÇÃO: Erika Abreu
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Legitimamente
brasileira!
FOTOS: Renato Pinheiro
Capoeira é mais que laço da identidade negra, tornou-se patrimônio cultural dos de pranão está livre de preconceitos. Elemento da cultura afro-brasileira, a luta não ticar deixou de ser recriminada após a aboliqualquer ção da escravidão e já foi considerada luta, assim crime. Atualmente, praticada tanto por a dança era quem tem interesse em melhorar o deusada como disfarce sempenho físico quanto por quem busca a valorização da cultura brasileira, a e realizada capoeira pode ser encontrada em acacom o demias e rodas ao ar livre. Mas a proacompacura ainda não é representativa. “Um nhamento dos maiores problemas é a falta de mída música. dia”, aponta mestre Tuchê. Os esA inclusão da luta em projetos socicravos ais está cada vez mais frequente e a trouxeram a aceitação é surpreendente. De acordo religião, com mestre Tuchê, responsável por um dança e projeto na cidade de Uberlândia, a música. quantidade de adeptos está aumentanNas rodas de capoeira, do. A professora Jaluza Maria Lima Silo berimbau va, conta que os filhos, praticantes de é um dos capoeira, tiveram benefícios físicos e instrumenProjetos sociais apostam na prática de capoeira melhor percepção da cultura brasileira. tos. JerôniMarcelo França Ela percebe mais preconceito na sua mo Cândido Da Silva, o Mestre Tuchê, É fácil identificar uma roda de capolembra a expressão “O berimbau ensina” geração do que na dos filhos e que as crianças, quando conhecem a luta, eira. A música cantada, acompanhada e aponta que o atabaque, pandeiro e crescem entendendo e defendendo a pelas palmas, instrumentos e os moviagogô acompanham o ritmo tocado mentos dos capoeiristas tornam a união pelo berimbau, que é tocado pelo mes- cultura ensinada nela e por ela. Mestre Caranguejo assume que já tre da roda. de música, dança e luta uma expressão teve preconceito com a capoeira, mas Como a capoeira era uma prática artística brasileira e única. No entanto, o após entender a luta, não parou de praproibida, surgiu a tradição de dar apelidos preconceito que ainda existe, fruto da ticar. “O pessoal mais antigo sofria mais para os praticantes. Os capoeiristas utilirepressão exercida na época de sua cripreconceito. Hoje ela precisa ser mais zam cordões para a graduação, sendo ação, torna a capoeira mais valorizada reconhecida e valorizada”, explica. Mesque a ordem das cores varia de acordo no exterior do que em algumas regiões tre Tuchê ressalta a importância da cacom a região. A primeira troca é chamada do Brasil. de batismo e nela é dado o apelido. “Os poeira e conclui que ela contribui para o Desenvolvida como forma de protecordões significam a valorização do fortalecimento da identidade cultural ção, a luta surgiu durante o período de aprendizado e é representada com cores brasileira. » escravidão e era praticada próximo às de elementos da senzalas e nas capoeiras, locais com natureza. Já o mato baixo e pequenos arbustos. João batismo é um Edson de Melo, conhecido como mestre momento de festa pela graCaranguejo, conta que, devido ao mistiduação do Cacismo, as mortes dos capitães do mato poeirista”, diz nas tentativas de buscar os escravos Tuchê. fugitivos eram atribuídas ao local denominado capoeira. O local e o misticismo Para além deram nome à luta. Caranguejo explica, ainda, que a cado preconpoeira não era utilizada apenas para ceito proteção contra os escravizadores. Por Embora a haver escravos de diferentes origens, as capoeira seja considerada palutas por mulheres e melhores lugares trimônio cultural para dormir eram por meio da capoeira. A cor do cordão varia de acordo com a região brasileiro, ela Porém, como os escravos eram proibi-
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Resenhas
O preso em foco FOTO: Divulgação
Carol Bufelli
Estação Carandiru não é, nem de longe, um livro cético. Lançado em 1 999, escrito pelo médico Drauzio Varella após seus anos de trabalho voluntário de prevenção a AIDS na Casa de Detenção de São Paulo, traz inúmeras histórias de personagens ímpares: doentes que passaram por ele, presos que auxiliavam na enfermaria, alguns funcionários − rostos da, então,
maior penitenciária brasileira. O livro inicialmente apresenta a geografia do “Carandiru” –
basicamente, a distribuição dos mais de sete mil homens que lá estavam. O autor descreve não só sobre as condições de vida dos detentos, como também as razões que levavam cada preso a se dirigir a determinado pavilhão, dentre os nove que compunham a penitenciária. Na sequência da leitura, sutilmente se iniciam as histórias. Sem fazer juízo de valor, Drauzio Varella conseguiu dar voz aos quais ele conheceu. Mais ainda, humaniza seus personagens, dando mais atenção ao que tinham para contar, e menos aos crimes que os levaram até lá. Nos capítulos finais, Varella trata da invasão da PM, após uma briga no pavilhão nove, no dia dois de outubro de 1 992. A invasão, que finaliza a obra, traz a versão dos presos e, como já dito, não é, nem de longe, um livro cético. Estação Carandiru é escrito sem meias palavras e por isso, incomoda. É sobre dor, sobre justiça (ou injustiça) e sobre aquilo que a televisão não conta. É um livro sobre marginais – aqueles que estão à margem – e sobre como, apesar das circunstâncias, sempre há algo para se ouvir e saber em profundidade. »
Ismene Bruna Pratalli causas que ainda se encontram omissas pela Ditadura Militar (1 964-1 985). A peça traz, a todo momento, o sentimento de orgulho e memória da mulher, rompendo com a explicação para a morte da advogada, descrita como “autoestupro” e envenenamento. Esses motivos levaram o grupo Artimanha a resgatarem as reais causas da morte de Ismene, para que sua memória seja limpa, justa e nobre. A peça não é indicada à crianças, já que contém cenas tensas do estupro e tortura. Por outro lado é importante ao público em geral, pois traz a reflexão de todos os que sofreram e mantém sua memória obscura por todo o silêncio causado pela Ditadura Militar. »
E para presidente, Tim Maia!
Luisa Caleffi Irreverente. O filme Tim Maia, de Mauro Lima, que retrata a trajetória de vida e a carreira do irreverente cantor, é desbocado, explosivo, arrebatador e eletrizante assim como a personalidade de Sebastião Rodrigues Maia. Narrado por Cauã Reymond, o filme tem fotografias e maquiagem mais que eficientes. O ponto alto do filme se deu pela interpretação fantástica de Robson Nunes na fase jovem do cantor combinada à de Babu Santana na fase adulta. Além da semelhança física, Babu Santana encara Tim Maia de maneira realista desde sua ascendência até a fase mais obscura do “síndico” do Brasil. A trilha sonora do filme se mistura com a narração de Cauã Rey-
FOTO: Divulgação
mond, intérprete de Fábio Stella, amigo de Tim Maia. Os maiores sucessos do cantor embalam as cenas dos seus shows de sucesso na carreira e de fracasso na vida pessoal. O “mulato Brow”, como o próprio se intitula, é retratado no filme fielmente como homem e artista. Suas embaladas paixões, a infância difícil, a irresponsabilidade, a genialidade de suas composições, o auge do sucesso e sua perda, encaixados com a fotografia emocionante, torna o filme incansável e encantador. Para assistir Tim Maia é necessário despir-se de preconceitos e do vocabulário rebuscado. De Tião Marmita a um dos maiores cantores do Brasil, Tim Maia eterniza personalidade e música. »
FOTO: Divulgação
A peça de teatro Ismênia: a primeira igualdade é a justiça, apresentada pelo grupo teatral Artimanha, formado por membros do Direito da UFU, contou a história de Ismene, uma mulher que lutava incessantemente pelos direitos humanos em Patrocínio (MG) e entornos. A história mostra como Ismênia foi torturada e, posteriormente, morta, por defender causas, como a dos camponeses, que iam de confronto com a classe detentora de posses na época da Ditadura no País. O elenco se empenhou em representar a história dos envolvidos no caso real de Ismene, com um misto de veracidade e fantasia, para trazer a sensibilidade de todo o público para as
12 E X P RE S S Ã O &arT E QUERO ÁGUA Luisa Caleffi e Marcelo França A vida como nós a conhecemos não existe sem água. Seres humanos, animais ou vegetais. N ão há quem escape. Ela é vital, porém finita. A crise do sistema hídrico nos últimos meses preocupa e nos faz pensar na efemeridade da vida e, principalmente, no quanto somos agentes responsáveis por esse cenário e o quanto podemos mudá-lo com poucas atitudes. As fotos a seguir retratam cinco ações que estão presentes em nossa vida, diariamente, e que podem passar despercebidas. Para que elas ocorram é necessária muita água. Responsabilidade e consciência são tão vitais quanto a água, basta apropriar-se disso e usá-las. Água é fonte de vida, de esperança e renovação. Água precisa de cuidado, atenção e respeito. Acima de tudo, precisa de preservação. » FOTOS: Bianca Judice
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