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LEIA E REPASSE
Jornal-laboratório I Jornalismo UFOP I Ano 7- Edição Nº 27 - Julho de 2017
PREFEITURA DE OURO PRETO ABANDONA DISTRITO FOTOGRAFIA: PEDRO FREIRE
MORADORES DE MIGUEL BURNIER RESISTEM Explorado há mais de 100 anos pela mineração, Miguel Burnier hoje é praticamente uma cidade fantasma: não tem farmácias, padarias, lojas ou delegacias. Apesar da resistência, o distrito perdeu cerca de 75% de seus habitantes em uma década. A migração de muitos moradores contrasta com os poucos que se negam a mudar do local. Se há consenso quanto ao abandono pela Prefeitura de Ouro Preto, há divergências sobre a atuação da Gerdau no local. PÁGINA 3
CRESCEM DENÚNCIAS DE AGRESSÃO ÀS MULHERES Em 2016, o número de casos de assédio sexual aumentou cerca de 22% em relação a 2015. Apesar do crescimento no número de denúncias, vários casos deixam de ser notificados devido à ausência de delegacias especializadas em muitos municípios e ao despreparo técnico no amparo às vítimas. PÁGINA 5
CULTURA GUARDIÃS DO CONGADO O protagonismo feminino no Congado sempre foi essencial para a manutenção dessa tradição centenária no país. Em Mariana e Ouro Preto, a presença das mulheres nos grupos se traduz em resistência, fé, respeito, orgulho, esperança e, principalmente, na união do povo negro. As orações cantadas trazem, além da beleza dos ritos, uma conexão com as dores e os sofrimentos dos ancestrais. PÁGINA 9
FOTOGRAFIAS: FLÁVIO REIS E CAROLINA COELHO
CIDADES
REPORTAGEM ESPECIAL MULHERES LUTAM POR ESPAÇO NA ECONOMIA Mulheres enfrentam desvantagens históricas em relação ao salário e às vagas de trabalho, desde a falta de experiência até as diferenças entre gênero, raça, classe e localização geográfica. Com o aumento do desemprego, que já atinge 24% da população em Mariana, muitas delas têm buscado no empreendedorismo uma alternativa para obter renda. Contudo, as oportunidades para abrir o próprio negócio também são desiguais. Tornar-se chefe de família pode significar autonomia para decidir sobre a área de trabalho e a possibilidade de ter o próprio negócio, mas marianenses relatam dificuldades e preconceitos que sofrem no mercado. PÁGINA 6
ENSAIO ENTRE ROSTOS E RUAS
PÁGINA 12
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LAMPIÃO
OPINIÃO
JULHO DE 2017
ARTE: RAÍSSA LESSA
EDITORIAL
ILUSTRAÇÃO: BRUNO MINÉ
Estamos aqui! As lutas por direitos são, antes de tudo, lutas por voz e por espaço. Elas se tornam mais difíceis quando não são vistas, ou pior, quando não somos vistos, quando nossas causas são menosprezadas e nossa voz é calada ou diminuída. Agravando a situação, em muitos casos essa retirada não está dita, ocorre de maneira velada, o silenciamento é duplo. Com isso, alguns sujeitos vão sendo ignorados e constrói-se a ideia de que eles são inconvenientes ou que, simplesmente, não são sujeitos, o que é perigoso. Nossa presença no mundo não deve estar em questão, nós existimos! E nossa existência nos coloca diante de um fator incontestável: a convivência, ver e compreender o outro. Voltando o olhar para nossas cidades, quais são os grupos que ainda continuam sofrendo pela diminuição de suas causas, sendo sentenciados ao silêncio? Em seus 321 anos, a cidade de Mariana tem seu reconhecimento apoiado na arquitetura consagrada, em seu potencial turístico e, principalmente, em sua importância histórica. Mais afastados da mídia e da publicidade, estão os problemas que atravessam e também são parte significante de nossa cidade. Curiosamente, essas questões não exigem muito tempo de observação para que sejam identificadas, estão por perto e por toda parte. A edição 27, que circula durante o aniversário da cidade, nos convida a repensar sobre essas dificuldades. Depois de todos esses anos, quais são as causas que continuam sendo diminuídas? Quais foram os avanços? Para o presente, o que queremos mudar? Em nossa reportagem especial, mostramos as dificuldades enfrentadas pelas marianenses para serem inseridas no mercado e no cenário econômico da cidade, buscando alternativas para driblar a crise e o preconceito. Também falamos, em outra reportagem, da violência que elas, ainda hoje, são obrigadas a enfrentar e dos desafios para denunciar e combater esse problema. Trazemos ainda um retrato de Miguel Burnier, distrito de Ouro Preto, que vem sofrendo com o esquecimento e o abandono das autoridades e encara um verdadeiro êxodo. Na editoria de cultura, falamos do reconhecimento que os projetos culturais desenvolvidos por LGBTs têm ganhado na periferia da cidade. A busca por ser visto como um jornal marianense é, também, um dos propósitos do LAMPIÃO. A construção dessa edição foi pensada a partir do desejo de nos tornarmos parceiros da população. Para tanto, nos apoiamos em uma linguagem mais acessível, uma organização visual menos abstrata e em temas que tentam refletir as demandas da região. Esperamos o retorno dos leitores sobre o resultado. Boa Leitura.
CRÔNICA
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ARTIGO
O tempo em nós Dívida histórica Lethícia Bueno
Não faz um mês. Me vi sentada em frente a um piano desafinado e me pus a tocar. Era uma noite gelada e meus dedos, duros e pesados, dedilharam “Olhos Negros”, melodia aprendida ainda na infância. Lembrei de minha mãe, que também é pianista, e de como era simples e agradável tocar ao lado dela. Naquela noite, porém, ela não estava ali para apontar e ajudar a solucionar meus erros e eu tive que mergulhar fundo na memória para recordar a partitura da música. Entre falhas e tentativas, o som das notas ecoou no espaço. Fui levada pelos sentidos a um lugar distante, a um “eu” que já nem se encontra mais dentro de mim. Nesse momento, me senti inteiramente contente e realizada, porque minhas lembranças não haviam me passado para trás. Só quem se envolve com um instrumento sabe o doloroso abismo que reside entre o hoje e a última tecla pressionada, a última corda vibrada, o último acorde tocado. Rompido o cordão umbilical da dedicação de anos à música junto a minha mãe, tentar lembrar de todas as notas foi um desafio. Até o metrônomo, tipo de aparelho utilizado para marcar o tempo e o ritmo, está mais difícil de acompanhar. No entanto, uma coisa é certa: a memória é um campo minado onde o tempo de cada um existe. Em alguns casos, que também resiste. Na música, não é diferente. Nem nas artes em geral, nem na vida como um todo. No metrônomo interno de cada um, as histórias e as melodias vêm à tona eventualmente, não se pode forçar a chegada. Às vezes precisam ser desvendadas para, tímidas, darem as caras. Outras vezes, elas já estão ali, pedindo passagem e estadia. E há aquelas
que vão embora para sempre, junto ao corpo, deixando saudade para quem ainda pode se lembrar. No metrônomo interno de cada um, passado, presente e futuro se aproximam e se repelem nas múltiplas expressões do ser. Nos breves minutos em que toquei naquela noite, em frente a amigos e envergonhada por ter deslizado em algumas arestas da memória e do piano, meu metrônomo interno começou a palpitar e gritava “basta!”. Eu, que já estou acostumada a ouvir insistentemente “já!”, “agora!” e “logo!”, passei a sentir um comichão da cabeça aos pés. Uma mistura de emoções delatava um privilégio que eu não me concedia há tempos: o de fazer coisas pelo prazer de fazê-las. Tentei recordar quando havia sido a última vez. Me desesperei. Tocar havia se tornado uma lembrança borrada e abandonada para mim, uma das muitas sensações que eu havia desaprendido a vivenciar. Ora! Não me parece certo que devido à correria dos dias eu me esqueça de como é fazer algo que seja prazeroso. Exausta e preocupada, o meu metrônomo não é mais respeitado, nem por mim nem pelos outros, que também estão lutando contra os seus descompassos e o seus limites. Nessa confusão, as lembranças, as minhas e as deles, se perdem pelo caminho e acabo me sentindo incompleta. Fico me perguntando se esse incômodo também não passa à minha mãe e às pessoas próximas e desconhecidas a mim. Voltar ao instante do desalento é constatar o esquecimento e a exaustão. É como se fosse ontem. Mas já é amanhã. O estalo do som das teclas do piano sob meus dedos parece revelar o que meu metrônomo diz. É hora de deixar o meu próprio tempo falar, porque esse espaço de existência também pertence a mim e ao que sou. É hora de mergulhar.
thaLita RodRigues *
Estamos passando por um momento de crise econômica e política. Regionalmente, enfrentamos os estragos do desastre socioambiental da Samarco, oportunidades de trabalho estão cada vez mais escassas e precárias... Mas você já parou para pensar que essa é uma situação que a população negra, infelizmente, sempre enfrentou? E, se essa é uma realidade histórica para nós, negras e negros, diante de um quadro de recessão, as coisas pioram? Sim, isso mesmo, pioram. “Ora, Thalita, na verdade, as oportunidades aparecem, estão aí, só que há aquelas e aqueles que não aproveitam, não se esforçam. É por isso que tem gente rica, bem sucedida e gente pobre que não deu certo!”. Não é isso que sempre ouvimos? Essa ideia de que “esforçando-se e dedicando-se, conseguimos o que queremos” pode ser nomeada como meritocracia. O que é meritocracia? A noção de que os sucessos e fracassos sociais se devem apenas ao mérito pessoal de cada sujeito. Essa é uma mentira perigosa que nos é contada e que despolitiza as relações sociais. Ao acreditarmos nessa lorota, deixamos de lado a história do país, as relações socioeconômicas e culturais que são importantes de serem levadas em consideração. Um crime histórico que precisa ser retomado para compreendermos porque negras/os têm tido maiores dificuldades de inserção profissional e ocupam os cargos menos valorizados socialmente é a escravização. Inclusive, Mariana e Ouro Preto são cidades construídas a partir do trabalho de negras e negros escravizados! Já pensaram nisso? Pois bem, após a abolição da escravidão, a população negra foi deixada “a deus dará!”. Não houve políticas públicas de inclusão social, o que manteve o ciclo de desigualdades sociais e raciais: se
Jornal Laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) - Reitora: Profª. Cláudia Aparecida Marliére de Lima Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Benedito Donadon-Leal - Chefe de Departamento: Prof. Dr. André Quiroga - Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profª Drª. Jan Alyne Barbosa Prado – Professores Responsáveis: Profª Ma. Tamires Coêlho (Reportagem e Multimídia), Prof. Me. Flávio Valle (Fotografia), Profª Drª. Michele Tavares (Planejamento Visual) – Editor Chefe: Matheus Effgen - Editora de Texto: Lethícia Bueno - Sub-editora de Texto: Maria Santos - Editor de Arte: Matheus Bragansa - Editor de fotografia: Flávio Reis - Editora Multimídia: Débora Madeira - Reportagem: Aline Vilela, Eric Castro, João De Belli, Larissa Helena, Marcos Fileto, Maria Santos, Mariana Moschem, Sandra Roza, Sandro Aurélio, Taysa Bocard, Thalia Gonçalves, Viviane Nový, Wandeir Campos - Fotografia: Bruno Miné, Carolina Coelho, João De Belli, Lettícia Lages, Nayara Freitas, Octávio Abrão, Pedro Freire, Samara Araújo, Thiago Dias - Diagramação: Giselle Carvalho, Isabely Pignonato, Laura Viana, Miriã Bonifácio, Paula Koch, Raíssa Lessa - Multimídia: André Ferrari, Daniel Borges, Gabriel Abreu, Matheus Iglesias, Mayron Brito - Designer Multimídia - Daniela Ebner - Repórter Audiovisual: Luiza Felipe - Revisão: Giuliana Terranova, Luiza Boareto - Colaboradores: Bruno Miné, Dalila Almeida, Fábio Frade, Thalita Rodrigues. Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-000
antes a população negra era escravizada e, portanto, não recebia pelo trabalho exercido, agora era livre, mas lançada à própria sorte. Retomar isso tudo é importante para compreender a história da construção das favelas, comunidades e aglomerados, compreender como a maior parte da população brasileira pobre é negra, porque, apesar de sermos a maior parte da população (54%), estamos subrepresentadas/os em espaços de poder como mídia (atrizes e atores, apresentadoras/es de TV, jornalistas), na política institucional (cargos no executivo e legislativo, como por exemplo, prefeitas/os, vereadoras/es, deputadas/os, senadoras/es, presidência), em carreiras profissionais socialmente e financeiramente valorizadas (médicas/os, professoras/es universitárias/os, engenheiras/os, etc.). A maior dificuldade de inserção profissional e ascenção social de negras e negros não pode ser compreendida de forma individual. Ela é produto de uma série de eventos e desigualdades sociais e, conforme o país passa por momentos difíceis, nossa qualidade de vida apenas piora. “Thalita, que pessimismo! Parece que as coisas para nós, pretas e pretos, só são ruins!”. Ora, a realidade para a população negra brasileira é, de fato, pior do que para a população branca. Contudo, felizmente, houve avanços significativos como uma maior entrada no ensino superior. Mas nossa luta continua e é uma luta individual, que cada um/a de nós faz todos os dias, e uma luta coletiva empreendida pelo Movimento Negro nas diversas ações que visibilizam o racismo brasileiro. Sigamos atentas/os e unidas/os! UBUNTU! * Professora do Departamento de Educação da UFOP, integrante do NEABI (Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas) /UFOP, psicóloga e mestra em psicologia/UFMG.
ERRAMOS Em nossa última edição, cometemos um erro na utilização do termo “maquete” para nos referirmos à obra “Reflexível”, que ilustrou a nossa capa. A obra definida pela artista Rachel Falção como “instalação temporária”, integra a série “Labiríntimo”, de 2010. Pedimos desculpas pelo erro e convidamos os leitores para conhecer mais sobre o trabalho da artista em nosso site.
LAMPIÃO
JULHO DE 2017
CIDADES
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ARTE: RAÍSSA LESSA
Distrito sofre com descaso FOTOGRAFIA: PEDRO FREIRE
Na contramão do mito do progresso gerado pela mineração, moradores de Miguel Burnier convivem com distrito cada vez mais vazio
Esquecimento. Miguel Burnier, essencial para a receita da mineração em Ouro Preto, sofre com a falta de apoio do município, o que leva à migração de seus moradores.
ViViane noVý
A estrada de terra é longa. O carro que segue em direção ao isolado distrito Miguel Burnier sacode enquanto passa pelo caminho íngreme. Os vidros precisam ficar fechados para que não se respire poeira. Os olhos ardem. A vegetação não é verde como o esperado, mas uma mistura de tons marrons e pretos. É território explorado pela mineração há séculos. É inquestionável que Ouro Preto possui histórias pertencentes ao patrimônio da humanidade. Mas onde, dentro do município, estão os protagonistas dessa história? Para além da conhecida Praça Tiradentes e das igrejas centenárias está o distrito que carrega o nome do primeiro engenheiro-chefe das ferrovias brasileiras: Miguel Burnier. Localizada a aproximadamente 40 km do centro de Ouro Preto, a região, que já contou com cerca de 4 mil moradores, hoje abriga pouco mais de 150 pessoas, como mostra o gráfico abaixo. A ausência de delegacias, farmácias, bancos, padarias, centros esportivos e praças provoca uma migração populacional que se agrava ao longo dos anos. Na maioria das vezes, o carro próprio é usado para a locomoção dos moradores até Congonhas, a 21 km, ou Itabirito, a 29 km, para atividades básicas. Comprar um simples pão francês não é tarefa fácil. O distrito tem dois mercados. Um deles abre apenas aos domingos; o outro, ao entardecer, “no dia que o dono quer”, como explica Geraldo Vasconcelos, 75 anos, também conhecido como “Túia”. Túia e a esposa, Marilsa Vasconcelos, 69, ambos aposentados, moram ao lado do que um dia foi a delegacia do distrito. Após o falecimento do delegado, em 2012, o espaço se transfor-
mou em um depósito abandonado. Em meio às latas de tinta e ferramentas, uma infestação de morcegos tomou conta das celas, dos escritórios e do banheiro. O casal criou os quatro filhos em Miguel Burnier, porém, devido à falta de estrutura e de investimento público, eles estudaram e se formaram fora. No distrito, a única instituição em atividade, a Escola Municipal Monsenhor Rafael, já funcionou em tempo integral e hoje atende apenas 60 alunos do maternal ao ensino fundamental, pela manhã. Os estudantes que terminam o nono ano utilizam o transporte público escolar para ir até o município de Congonhas e concluir o ensino médio. Caso contrário, a saída é procurar um trabalho que não exija segundo grau completo. “Os jovens daqui não têm perspectiva. Não fazem planos. Não se imaginam com um futuro profissional. A maioria interrompe os estudos por não ver importância”, comenta a funcionária Júlia*. Segundo ela, alunos de diferentes níveis de escolaridade são colocados na mesma sala, já que não há verba para turmas pequenas. Júlia também relata que, quando precisam de ajuda, não procuram mais pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto porque a instituição demora a atender. “Alegam que aqui nós não temos demandas suficientes e [que] não há justificativa para maior atenção na escola. No ano passado, ficamos quatro meses sem receber o dinheiro da merenda”, critica. À mercê da mineração A história de Miguel Burnier sempre foi marcada pela exploração. Desde 1893, a mineração é atividade econômica primária no local. Durante a Primeira Guerra Mundial, a Usina Wigg, siderúrgica ativa no local, foi responsável por sustentar a produção de
ferro do Brasil. Anos depois, a empresa Barra Mansa deu continuidade às atividades da usina e atuou por décadas no distrito. Em 1996, encerrou os trabalhos, afetando negativamente a vida dos moradores. “A Barra Mansa oferecia emprego pra todo mundo. Conversavam com a gente, cuidavam daqui”, conta Silvério Vicente, 53. Em 2005, a multinacional Gerdau Açominas começou a realizar pesquisas no território para expandir a exploração do minério de ferro e comprou o que pertencia à Barra Mansa. A partir daí, o processo de migração populacional começou a se intensificar e a presença da empresa, a gerar opiniões contraditórias. De acordo com alguns moradores do distrito, a multinacional cumpre um papel administrativo, uma vez que eles se sentem abandonados pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto. “Quando acaba a luz ou água, ligamos diretamente na Gerdau. Resolvem na hora”, relata Júlia. Já outros moradores afirmam que a empresa não interage tanto com a comunidade quanto o esperado. João* afirma que a Gerdau realizou um mutirão de pintura para que o distrito tivesse uma propaganda positiva em uma reportagem da Rede Globo. Na época, as fachadas de 14 casas foram coloridas para o programa “Terra de Minas”. “Nossa história não foi contada de verdade. Tudo foi muito bonito, mas nossas dificuldades foram omitidas”, critica. Em nota, a assessoria de comunicação da Gerdau Açominas declarou que está aberta ao diálogo “com a comunidade e com os órgãos responsáveis” e que busca “investir e fortalecer parcerias que envolvam atividades e projetos que possam contribuir com a qualidade de vida e geração de renda dos mo-
radores de Miguel Burnier”. Entretanto, a empresa não respondeu a nenhuma das perguntas levantadas pelo LAMPIÃO. Abandono e calamidade pública Na área em que a empresa Gerdau está instalada, um antigo campo de futebol agora abriga balcões de depósito. Ao lado de uma das usinas de mineração, o cemitério público passa quase despercebido. Cerca de 7 km de onde atualmente se concentra a pequena população do distrito está o abandonado forno de beneficiamento de minérios da Barra Mansa. Na histórica Capela de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastróis, é praticamente impossível entrar sem que insetos comecem a subir pelas roupas de quem tenta se aproximar. Em meio a uma série de construções invadidas pela vegetação, há ainda uma antiga escola municipal. Os vidros das janelas quebradas se misturam aos cacos de telhas espalhados pelo chão. No quadro negro, o giz branco marca o que parece ser a última vez que alguém esteve ali: primeiro de dezembro de 1999. De acordo com especialistas que elaboraram o relatório do Primeiro Seminário Internacional de Reconversão de Territórios, em 2012, Miguel Burnier passa por uma situação de grave degradação ambiental. Dentre as considerações da pesquisa estão os impactos à saúde da população causados pela atividade mineradora. De acordo com dados de 2015 da Secretaria Municipal de Saúde de Ouro Preto, cerca de 14% da população a partir de 15 anos é alcoólatra no distrito. “O pessoal não tem mais nada pra fazer aqui. Não tem mais área de lazer ou esporte. Vão para a rua beber”, disse João. Os moradores observam ainda que os quadros de bronquite se
intensificaram após a instalação da Gerdau. Karen Gomes, 37, conta que o filho de oito anos desenvolveu asma e bronquite por conta da poeira liberada pela extração mineral. “A pediatra falou que se quisermos que ele melhore, precisamos nos mudar”, lamenta. Grávida pela segunda vez, ela teme pela saúde da família. Segundo Cristiane Santos, estudante de medicina, a atividade mineradora pode estar associada aos problemas respiratórios em Miguel Burnier devido à concentração de metais pesados no ar. Diante das denúncias, a Prefeitura Municipal de Ouro Preto não se pronunciou, até a data de encerramento desta edição, sobre o distrito pelo qual é responsável *Nomes fictícios para proteger a identidade dos entrevistados.
Você Sabia? Uma prefeitura municipal tem, dentre várias funções, a de coordenar toda uma cidade (o que inclui seus distritos). De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e com o artigo 30 da Constituição Federal de 1988, é tarefa do município criar leis sobre assuntos de interesse local, arrecadar e direcionar impostos e prestar contas das atividades, organizar distritos, prestar serviços públicos incluindo o de transporte coletivo (que é considerado um serviço essencial), manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental, prestar serviços de atendimento à saúde da população e proteger o patrimônio histórico-cultural.
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Queda na População de Miguel Burnier População diminuiu consideravelmente nos últimos anos devido ao abandono e à falta de serviços básicos no distrito
0 Número de Habitantes
200
2010
2015
2017 400
2004
600
800
1000
1200 1400 FONTE: ASSOCIACÃO DE MORADORES DE MIGUEL BURNIER
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LAMPIÃO
CIDADES
JULHO DE 2017
ARTE: ISABELY PIGNONATO
FOTOGRAFIA: SAMARA ARAÚJO
Primaz dorme no tempo
321 anos. Passado se faz presente no desenvolvimento da primeira capital de Minas Gerais. Aniversário é oportunidade para refletir sobre o futuro social e econômico da cidade. João De Belli
Em 16 de julho de 2017, Mariana completa 321 anos. Em meio à desigualdade atravessada pela descoberta do ouro há três séculos, a cidade ainda hoje enfrenta problemas estruturais e socioeconômicos parecidos com os daquela época. Em crise, Mariana acredita estar olhando para um futuro mais próspero, mas ainda não percebeu que está amarrada às lembranças e às dificuldades do passado. A primeira capital e cidade de Minas Gerais recebeu outros títulos ao longo dos anos. Chegou a ser chamada Arraial e, depois, Vila de Nossa Senhora do Carmo. O nome atual veio com a elevação de vila a cidade, como uma homenagem do rei português D. João V à esposa Maria Ana. Mariana tem a história marcada pela exploração. Junto a Ouro Preto, exportou mais de oito toneladas de ouro para Portugal em apenas 120 anos. Desde aquela época, a mineração é uma das responsáveis por definir o processo de ocupação local. Logo nos primeiros anos, as casas, que eram simples construções de mineiros e se estendiam às margens do Ribeirão do Car-
mo, tiveram de ser mudadas de lugar, pois a extração prejudicava o rio e os moradores. Já em 1730, o ribeirão, que hoje está poluído, apresentava problemas de cheias, fenômeno agravado pelo assoreamento. O acúmulo de resíduos provenientes da exploração do minério fazia com que o nível desse ribeirão subisse, inundando o seu entorno. Um novo Centro deveria ser construído longe dali para abrigar o alto escalão político e religioso que viria para a Vila do Carmo. No cenário político, Mariana disputava com Ouro Preto o centro do poder de Minas Gerais e, em breve, receberia o primeiro Bispo do estado. Definir o processo de ocupação da cidade era uma preocupação do rei. À distância e através de cartas, ele orientava a construção do novo Centro, com decisões que ainda impactam na organização espacial do município. O rei decidiu construir um local para abrigar a nova Casa de Câmara e Cadeia. Assim como a rua Direita, a Praça Minas Gerais também foi idealizada nessa época. As casas foram construídas lado a lado, com quintais e sem jardins, o que foi definido por D. João V e ainda caracteriza a arquitetura marianense.
O peso do passado Mariana ainda carrega lembranças do período colonial. A cidade foi construída para uma elite que pouco representava a realidade de seus moradores. Enquanto isso, a maior parte da população sofria com a escravidão, a exploração do trabalho e a falta de estrutura urbana. O sistema político, formado por uma Câmara Municipal de homens brancos e ricos, era inalcançável para o povo. A educação ainda é um privilégio. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), metade da população não concluiu o ensino médio e o número de pessoas com ensino superior é igual ao de analfabetos: 14% da cidade. Com um pelourinho, símbolo da escravidão à sua frente, apenas 6% da Câmara Municipal é composta por negros, que totalizam mais de 50% da população. Dos 15 vereadores que representam o povo, apenas uma é mulher. Mais de três séculos depois, a Câmara continua sendo governada por poucas pessoas, que ganham sete vezes mais que o restante da cidade. Enquanto o Centro era projetado, a área periférica foi facilmente esquecida pela administração municipal. A falta de planeja-
mento é uma característica presente nos bairros periféricos da cidade. O preconceito é uma marca que permanece. É frequente, nas noites de domingo, a presença de jovens negros de periferia no Jardim, uma das principais praças do Centro Histórico. Porém, há alguns meses, eles estão sendo reprimidos, intimidados e expulsos pela Polícia Militar (PM), com a justificativa de prevenir o tráfico e o uso de drogas. Mais de 300 anos depois, a mineração continua interferindo na vida do marianense. Em 2015, o rompimento de uma das barragens da mineradora Samarco matou 21 pessoas e destruiu vários distritos. Não apenas deslocou comunidades, mas poluiu o Rio Doce, dizimou espécies de animais e plantas e afetou 39 municípios em três estados. A empresa teve suas atividades paralisadas e demitiu mais de mil pessoas, elevando a taxa de desemprego na cidade para 24%. Hoje, Mariana sofre com a falta de opções econômicas a curto prazo. Primaz de Minas, a cidade parece ter a força de uma criança, pronta para dar os primeiros passos. Com pressa, porém, Mariana parece não acompanhar as mudanças do tempo, colocando-se sempre à parte delas
Impasses na acessibilidade
No Cempa, profissional de educação que auxilia estudantes com deficiências enfrenta limitações de inclusão na infraestrutura da escola FOTOGRAFIA: THIAGO DIAS
Contradição. Referência de inclusão no ensino, o CEMPA ainda necessita de adaptação para acesso. Eric Castro
A cidade de Mariana, com suas ladeiras e ruas estreitas, não facilita a vida de pessoas com deficiência. Os empecilhos e a falta de acessibilidade presentes no município implicam limitações para essa parcela da população no cotidiano, como no acesso à educação. A maioria dos colégios ainda não está preparada para recebê-los, à exceção de espaços como o Centro de Educação Municipal Padre Avelar (Cempa), escola de ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA). Atualmente, são cerca de 19 alunos de inclusão atendidos: 13 participam do ensino regular com os demais estudantes e seis são de outras instituições. Apesar de ser utilizada uma sala de recursos no
horário extraclasse, o Cempa ainda possui alguns problemas de acessibilidade em sua estrutura. Quem recebe os alunos na sala de recursos é a professora Regina Paiva, 39 anos. Ela conta que seu interesse pelo ensino de inclusão começou em 2014, quando a Prefeitura Municipal de Mariana (PMM) deixou de contratar a professora de braile que atuava junto a duas crianças com deficiência visual no Cempa. Ciente das necessidades desses jovens, Paiva procurou cursos para se especializar em braile, libras e demais áreas de educação inclusiva. Com isso, acabou trocando a sala de aula comum pela recém-fundada sala de recursos, onde atende individualmente cada um dos estudantes especiais no período extraturno.
O espaço possui objetos pedagógicos, brinquedos adaptados, programas de computador e também materiais confeccionados pela própria professora, a partir da demanda apresentada pelos alunos. “Temos estudantes com diferentes deficiências. Uma criança com deficiência intelectual, por exemplo, é diferente da outra [que possui a mesma deficiência]. São outras dificuldades e o progresso não é rápido”, avalia. Embora a sala tenha equipamentos e estrutura adequados, o Cempa é precário no restante de sua estrutura. O prédio, construído no final da década de 1980, não foi adaptado para esses estudantes. Não há rampas de acesso, sinalização em braile nem piso tátil para cadeirantes. Ao contrário, as áreas da escola são
marcadas por desníveis que dificultam o acesso de cadeiras de rodas e a movimentação dos alunos. Até mesmo as salas de aula, que estão em sua maioria no segundo andar, têm um único acesso através de escadas. Neide Machado, 47, é mãe de Otávio Cota, 7, que possui Síndrome de Down e começou a utilizar a sala de recursos do Cempa em 2016. Ela conta que, antes do acompanhamento extrapedagógico, o filho era “deixado de lado” na sala de aula comum e, por isso, não apresentava progresso. “A professora do meu filho disse que não tinha condições de receber uma criança especial na sala [comum], não tinha experiência”, afirma. Após esse episódio, a mãe procurou a Secretaria de Educação pedindo a contratação de uma monitora para Otávio. O contrato só se iniciou, segundo ela, entre abril e maio de 2017. O serviço de monitoria faz parte do Atendimento Educacional Especializado e a integração social de pessoas com deficiência é garantida por lei. Machado avalia o trabalho extrapedagógico realizado pelo Cempa como muito bom, mas observa que o atendimento de apenas uma hora e meia por semana ainda é pouco. “Meu filho precisa de mais horas, mas a escola alega que não tem condições.” Outra reivindicação é a presença de uma psicopedagoga e uma fonoaudióloga na rede pública de ensino, já que Otávio precisa desse tipo de acompanhamento por tempo indeterminado. “A saída que temos é a consulta particular e que
não sai barato”, pondera. Barreiras (in)visíveis Segundo Elizabeth Araújo, coordenadora de inclusão da Secretaria Municipal, as escolas de ensino inclusivo estão em processo de construção e isso depende de várias etapas. Ela admite que a sala de recursos é somente uma das ações que propiciam o aprendizado e que o Cempa ainda não possui uma estrutura arquitetônica de inclusão. “Há um projeto para reconstruir o prédio. E não só pela questão de acessibilidade, mas por se tratar também de um imóvel antigo”, comenta. Para Marco Antônio Franco, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o fator que limita o trabalho escolar e a inserção e permanência dos alunos especiais são as barreiras. “Quando uma escola possui dois andares e as salas são no segundo andar, e ela se recusa a mudar para o andar de baixo, essa instituição não está promovendo acessibilidade, mas sim barreiras”, contesta. O professor explica que esse impedimento é chamado de barreira “atitudinal” e que é preciso uma conscientização tanto da escola quanto da sociedade e do poder público. “A acessibilidade não é apenas uma, mas um conjunto de acessibilidades que podem garantir uma participação melhor desse sujeito”, explica. Vencer essa barreira depende de ações governamentais que proporcionem uma escola para todos e que não dependam de iniciativas pessoais como única opção
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LAMPIÃO
CIDADES
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ARTE: ISABELY PIGNONATO
Violência nossa de cada dia Estatísticas e relatos apontam para a proximidade entre agressores e mulheres vítimas de abusos, além do aumento das denúncias Taysa Bocard e Thalia Gonçalves
“Ele me batia. Eu não podia reclamar. Eu tinha que sofrer tudo.” É esse o sentimento de impotência com o qual a professora Maria Auxiliadora*, 51 anos, conviveu durante os 26 anos de relacionamento com o ex-parceiro. O histórico de violência física e psicológica sofrido por ela começou logo no princípio da relação. “Já tive revólver apontado no meu ouvido, já amamentei meu filho com ele dando socos na minha cabeça”, revela. Ele ainda a impediu, temporariamente, de dar continuidade aos estudos e ao trabalho, porque dizia que ela estava indo “procurar outros homens”. As agressões sofridas por Maria Auxiliadora não são exceções. De acordo com dados divulgados em março de 2017 pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), 126.710 mulheres denunciaram casos de violência doméstica e familiar em Minas Gerais somente no ano de 2016. O relatório aponta que foram reportados 7.762 casos de agressão na Região Integrada de Segurança Pública do Estado 03, da qual Mariana e Ouro Preto fazem parte. Além disso, segundo o Ministério Público de Mariana, entre março de 2016 e março de 2017, foram registrados na cidade três feminicídios (assassinatos motivados por ódio contra mulheres). “Aconteceu o que não deveria ter acontecido: falei ‘não’, ele não soube respeitar, voou no meu pescoço, me estrangulou e foi um estupro”, relata Joana*, 20. Durante uma festa em fevereiro de 2017, ela consentiu que um amigo a beijasse. No entanto, não imaginava que o rapaz a desrespeitaria quando Joana disse que não queria ter relações sexuais com ele. “Pra mim, tinha sido sexo ruim”, conta. Os sentimentos de nojo e ódio descritos por ela, junto com a desorientação inicial, fizeram com que a jovem demorasse a entender o que realmente havia acontecido. “Como vou denunciar um cara que estuda na minha faculdade, que eu vejo todos os dias, que era meu coleguinha? Fico repassando todo um histórico de amizade que a gente teve”, relembra Joana. Abalada psicologicamente pelo trauma e apoiada por amigos, a jovem decidiu procurar a Delegacia de Polícia Militar de Mariana para registrar a ocorrência, porém foi desencorajada pelos policiais, todos homens. Depois de uma semana, na segunda tentativa, a vítima conseguiu realizar o boletim de ocorrência (BO) na Delegacia Civil de Ouro Preto, mas foi confrontada com perguntas inconvenientes. Os policiais sondaram se ela tentou reagir e se dormiu na mesma cama que a do agressor, questionamentos que parecem banalizar a gravidade da violência. É comum acreditar que os autores das agressões e dos assédios são pessoas desconhecidas das vítimas. Porém, casos como o de Maria Auxiliadora e Joana provam o contrário. De acordo com o diagnóstico da Sesp, 38% dos agressores são cônjuges ou companheiros e 31%, ex-cônjuges ou ex-companheiros. Para Bárbara Caldeira, doutoranda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora das relações entre mídia e violência contra mulheres, nos chamados crimes de proximidade o homem apresenta alguma relação de afeto com a mulher: são maridos, pais ou vizinhos, por exemplo. Esses crimes mostram que os relacionamentos abusivos são cercados por diferentes tipos de violência, o que fragiliza ainda mais a vítima e dificulta no processo de rompimento com o agressor. Devido à proximidade com os agressores,
esses casos, já que muitas vítimas não procuram as Delegacias de Polícia Civil ou Militar. “É importante pensar que essas mulheres podem não denunciar as agressões por uma série de questões, inclusive por uma que, muitas vezes, a gente se esquece: os relacionamentos em que a violência se dá não são compostos apenas por violência”, destaca Caldeira. Segundo ela, outros fatores podem interferir na decisão de não denunciar, como o contexto de pobreza, a privação de recursos imposta pelo homem, a falta de apoio familiar, os filhos e outros.
ILUSTRAÇÃO: DALILA ALMEIDA
as mulheres quase nunca percebem os abusos que sofrem. Segundo Diego de Sousa Carrara, psicólogo do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), as vítimas “relatam uma situação de violência, mas não têm consciência de que são violentadas”. Os casos mais frequentes recebidos pelo Creas são os de violência doméstica, sendo pelo menos dez novos relatos a cada mês e, dessa parcela, a maioria contra as mulheres negras. “Ofereci cerveja pra um cara, estiquei a bandeja. Ele passou a mão dele no seu corpo inteiro, falou ‘pega aqui’ e parou no órgão genital”, conta Meire*, 23. Sentindo-se coagida, ela buscou ajuda e os chefes a remanejaram de função na tentativa de afastá-la do assediador. No entanto, a mudança não os distanciou, o que a obrigou a encerrar o expediente mais cedo. Essa é uma das experiências traumáticas vivenciadas por Meire durante os quatro anos em que trabalhou como garçonete em um bufê infantil. “Se a gente estava trabalhando ali até essa hora da noite, era porque a gente ia ‘estar disponível’. Como se fosse um brinde da festa mesmo”, critica. Além de sujeitas ao assédio de colegas de expediente e de chefes, as mulheres que trabalham no período noturno como recepcionistas, fotógrafas, garçonetes, entre outros, precisam lidar também com os assédios frequentes vindos de clientes do sexo masculino. “Chegam no camarote, se acham o rei, enchem a cara de uísque, ficam loucos e não te deixam trabalhar em paz. Você não pode passar perto pra recolher as coisas, que ficam te pegando e chamando pra dançar”, conta Cleonice*, 22. Essa situação se manteve durante oito meses em uma casa noturna de Mariana. Cleonice se sente desconfortável por considerar que esses comportamentos se relacionam ao seu turno de trabalho e geram mal entendidos. “O que mais tem é você trabalhar em casa noturna e o cara achar que você é menina da noite.” Ausência de Deam dificulta denúncias “Ninguém deveria [se] sentir desta forma: perdido, simplesmente por ser mulher. A impotência é o que mais dói. Não é o soco, não é
a delegacia”, desabafa a estudante Nara Hangai, 25. Em 2016, ela foi agredida por um homem durante uma festa em Ouro Preto. A falta de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) na região obrigou Hangai e suas amigas a procurar a Delegacia de Polícia Civil de Ouro Preto, onde foram atendidas apenas por policiais homens. “A gente ficou no mesmo recinto que o agressor o tempo inteiro”, relata. Apesar de ter conseguido efetuar a ocorrência, o BO foi registrado como uma briga, ao invés de uma agressão caracterizada como violência de gênero. Essa situação é bastante recorrente durante a realização de denúncias de crimes contra a mulher. A falta de preparo e de estrutura das delegacias comuns faz com que muitas vítimas sejam novamente violentadas durante o processo, ao serem submetidas a questionamentos incômodos, por exemplo. De acordo com Hellen Guimarães, militante do coletivo Mulheres Unidas da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Ouro Preto (M.U.N.A), algumas mulheres não se sentem confortáveis ao fazer a ocorrência com um policial homem ou depor na mesma sala em que o agressor está. A Deam foi a primeira política pública de combate à violência de gênero no Brasil. A primeira unidade, implantada em 1985, em São Paulo, serviu de modelo para outros países como Peru, Equador e Nicarágua. A Norma Técnica de Padronização da Deam, de 2010, institui que vítima e agressor fiquem em ambientes separados, que o atendimento seja humanizado, considerando sempre a palavra da mulher e, se possível, feito preferencialmente por profissionais do sexo feminino. Segundo dados do Instituto DataSenado e do Observatório da Mulher, Minas Gerais contava, em 2016, com 91 Delegacias da Mulher, apresentando taxa de 0,86 unidades para cada grupo de cem mil mulheres. “A Deam é importante, mas ela é apenas um pequeno passo no combate à violência contra a mulher”, enfatiza Guimarães. A criação de uma Deam na região contribuiria para que mais mulheres denunciassem
Assédio e Legislação O assédio sexual, segundo o Código Penal, deve ter uma relação hierárquica, ou seja, entre superior e subordinado. Entretanto, os cargos superiores, geralmente ocupados por homens, são o principal fator que impede as denúncias, pelo receio do desemprego e da retaliação. É importante lembrar que nem todo assédio parte de superiores. O assédio sem a relação de subordinação é compreendido pela Legislação como importunação ofensiva ao pudor, que, assim como urinar na rua e promover tumultos, é configurado como contravenção penal (crime de menor grau). Um juiz também pode compreender o assédio como injúria e estupro, segundo os artigos 140 e 213 do Código, respectivamente. Em Minas Gerais, foram registrados 348 casos de assédio sexual em 2015 e 424 em 2016, de acordo com a Sesp. A explicação para esse aumento pode ser vista de duas formas: ou os assédios tornaram-se mais frequentes ou deixaram de ser subnotificados. O aumento do número de denúncias pode ser produto tanto de campanhas conscientizadoras na internet, tal como a hashtag “meu primeiro assédio”, quanto das pautas feministas que vêm ganhando força nas ruas e nas comunidades. Em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) foi sancionada visando frear a violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei, reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores do mundo, configura como violência qualquer ação baseada em gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, psicológico, sexual e danos morais e patrimoniais. Apesar de ser conhecida por 100% das mulheres, como mostra a pesquisa do DataSenado de junho de 2017, 20% delas não se sentem protegidas pela Lei *Nomes fictícios para proteger a identidade das vítimas entrevistadas
Impressões das Repórteres Escrever essa reportagem foi, em muitos momentos, doloroso e difícil. Doloroso, porque a cada conversa com essas mulheres, vítimas silenciadas e desamparadas por uma sociedade machista, os sentimentos de fragilidade, tristeza, raiva, nojo e asco surgiam. As palavras tocavam nosso íntimo ao saber que, inseridas nesse meio, estamos sujeitas a sofrer esses mesmos abusos e agressões, sabendo que podem vir de pessoas próximas, com quem temos relações de afeto. Difícil, porque nos sentimos impotentes, diante de cada relato e de não podermos ajudá-las de outra forma, além de contarmos as suas histórias. A violência que nós, mulheres, sofremos está inserida em nosso cotidiano: nas nossas casas, no trabalho, nas escolas, nas ruas, logo, não há lugar seguro para uma mulher.
Como identificar um assédio Exemplos de assédio Investidas insistentes mesmo com respostas negativas Constrangimento diante de piadas de cunho sexual ou cantadas Toques sem consentimento Chantagem para troca de favores Coação para produção de imagens de partes íntimas Obrigar a realizar ato sexual e exibir a genitália
O que fazer? Ligar gratuitamente para a Central de Atendimento à Mulher pelo Disque 180 Ter testemunha e colher provas que confirmem a violência (mensagens de redes sociais contam como provas) Recorrer ao Sindicato (no caso de ambiente de trabalho) ou à delegacia
Lembre-se Estar sempre atenta, até mesmo aos mais próximos, é um exercício importante para evitar e punir os assédios Mulheres também podem assediar outras mulheres, embora não seja algo comum
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LAMPIÃO
ESPECIAL
JULHO DE 2017
ARTE: MIRIÃ BONIFÁCIO
FOTOGRAFIA: NAYARA FREITAS E SAMARA ARAÚJO
MULHERES NA ECONOMIA
DE MARIANA
Aline VilelA e SAndrA rozA
Com um histórico de desemprego e postos de trabalho socialmente determinados, mulheres apostam no empreendedorismo para conquistar espaço no mercado e lutar contra as desigualdades salarial e de gênero. Em Mariana, o desemprego afeta mais as mulheres, que possuem menos chances de ocupar uma vaga e recebem menos que os homens, desempenhando as mesmas funções. De acordo com o Fórum Econômico Mundial (FEM), a diferença de salários entre os sexos piorou em 2016 e a igualdade só seria alcançada daqui a 170 anos. Diante disso, a opção pelo próprio negócio é uma alternativa, mas não para todas. Mesmo entre elas, as oportunidades são diferentes. A raça, a localização geográfica, a situação financeira e a maternidade são fatores decisivos para empreender. Saldo de pessoas contratadas e demitidas em Mariana (SEDESE) Mesmo com o pior saldo negativo dos últimos anos, 2014 teve um desempenho melhor que o primeiro trimestre de 2017.
-126
2017 2016 2015 2014
2013 2012
-171 -179 -113
-432
2017 2016 2015
+452 +181
2014 2013 2012
*Os números de 2017 equivalem apenas aos meses de janeiro, fevereiro e março.
-688 -447 -2265 +3176 +783
Desde 2014 o pessoas contra demitidas em tem sido negat os dois sexos. E to, percebe-se q lheres são bem contratadas qu mens, já que o saldo para elas zes menor.
LAMPIÃO
JULHO DE 2017
ESPECIAL
São 5h. Os primeiros carros e pedestres já começam a aparecer na rua. Em frente ao Centro de Convenções de Mariana, uma mulher, com passos apressados, entra na fila que já dobra o quarteirão. Seu nome é Carla. Enquanto espera o Sistema Nacional de Empregos (Sine) abrir, ela olha o seu rosto refletido na vidraça e começa a pensar nas tarefas que precisa fazer ao chegar em casa e nos filhos que vão para a escola. Já são 9h. Ao chegar à porta do Sine e ver que não há oportunidades para aquele dia, ela vai embora. No caminho para casa, Carla encontra a amiga Fernanda que, após ficar desempregada, começou a trabalhar de forma autônoma. Como já possuía um curso de design de sobrancelhas, Fernanda passou a atender em domicílio. No começo, atendia apenas as vizinhas e, com o sucesso do negócio, abriu um salão especializado. Carla, ao ouvir a história da amiga, cogitou a possibilidade de abrir sua própria empresa, mas logo desanimou, já que, diferente de Fernanda, não possui recursos financeiros para começar um empreendimento. Essas são personagens fictícias, mas que representam histórias reais como as que serão mostradas a seguir. Sara Dilly, 30 anos, mora no Bairro Santa Clara, é técnica em segurança do trabalho e possui uma filha de quatro anos. Dilly está há quatro meses desempregada, o maior tempo que já ficou sem emprego fixo e dependente do salário do marido. Ela reconhece que há uma desvalorização das mulheres na sua profissão, e que conseguir trabalhar nessa área não é fácil, pois muitas vezes os contratantes preferem homens. “Todo dia eu entro no site do Sine. Às vezes aparece lá: vaga de técnico em segurança do trabalho - sexo masculino.” Outro ponto destacado em sua fala são as entrevistas, nas quais as perguntas mais frequentes são sobre o estado civil das candidatas e se elas possuem filhos, e não sobre suas qualificações e capacitações, como é perguntado no caso dos homens. Elenir de Jesus, 41, reside no Bairro Morada do Sol, possui cinco filhos e está desempregada desde 2014. Em 2015, ela começou a participar do Renda Mínima, programa da Prefeitura Municipal de Mariana (PMM) que oferece apoio às mulheres chefes de família em vulnerabilidade social. A marianense recebe pelo programa R$ 517 para trabalhar de auxiliar de serviços gerais na Escola Municipal Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, no Rosário. Ana Cláudia Nascimento, 35, mora no Bairro São Pedro, tem duas filhas e está desempregada há seis meses. Enquanto aguarda o atendimento no Sine, com uma voz calma e os olhos atentos à senha, ela explica que, depois que sair dali, irá em dois locais que estão contratando auxiliar de cozinha. Ela já foi ao Sine outras vezes e não conseguia se candidatar às vagas por não possuir experiência suficiente em sua carteira de trabalho. Para conseguir pagar o aluguel de R$ 400, ela faz faxinas e recebe ajuda familiar com alguns alimentos e no pagamento da conta de energia elétrica. Além disso, tentou se inscrever no Renda Mínima, mas ainda não conseguiu se cadastrar. Essas três mulheres, assim como muitas outras em Mariana, vão pessoalmente ao Sine ou acessam o site da instituição diariamente à procura de vagas de emprego. Elas já tentaram trabalhar em outras áreas, acreditando ser mais fácil, porém não
saldo de atadas e Mariana tivo para Entretanque as mum menos ue os hoo valor do é três ve-
conseguiram devido à falta de experiência. Para Deysianne Carvalho, economista e professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), é preocupante o índice de desemprego em Mariana, que teve aumento nos últimos anos. Carvalho afirma que a cidade “precisa se reinventar e considerar, muito seriamente, a diversificação de sua economia”. DESIGUALDADE NO MERCADO DE TRABALHO O processo de inserção no mercado de trabalho é orientado pela divisão sexual, que atribui espaços e funções diferentes para cada sexo. Isso concentra as mulheres em postos de emprego menos privilegiados. Além disso, essas trabalhadoras exercem dupla jornada, conciliando a vida profissional com a familiar. De acordo com Mônica Cappelle, professora da Universidade Federal de Lavras (Ufla), “há uma tendência histórica de que as atividades produtivas, ou seja, aquelas desenvolvidas no espaço público, sejam predominantemente ocupadas por homens, enquanto que as atividades reprodutivas ou domésticas sejam realizadas por mulheres”. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado em 2010, apontou a concentração de ocupação em Mariana, a partir de 16 anos, em duas áreas: serviços e indústria. Conforme o gráfico abaixo, em dez anos, apenas 0,2% de mulheres passaram a ocupar o setor industrial. Sara Dilly faz parte dessa pequena porcentagem e acredita que “o mercado teria que dar mais oportunidades para as mulheres”. Apesar disso, a desigualdade salarial persiste em todos os setores. “A questão de gênero ainda não é central nas discussões sobre o desemprego e trabalho, e isso contribui para manter a invisibilidade dessas questões no país”, afirma Cappelle. Ainda hoje, as mulheres recebem menos do que os homens desempenhando as mesmas funções.
A questão de gênero ainda não é central nas discussões sobre o desemprego e trabalho, e isso contribui para manter a invisibilidade dessas questões no país” Mônica Cappelle
sempregada e, para sustentar a família, decidiu abrir uma empresa em parceria com o marido para vender comida caseira com o dinheiro da rescisão do contrato. A opção pelo negócio próprio é uma das alternativas para vencer o desemprego em Mariana, que já atinge 24% da população. Segundo dados do Monitor Global de Empreendedorismo (GEM), as mulheres já representam 51% dos empreendedores brasileiros. “Hoje eu posso afirmar que é melhor eu trabalhar por conta própria mesmo, porque eu faço os meus horários, a minha renda subiu e meu padrão de vida mudou bastante depois que eu abri meu próprio negócio”, conta Souza. Já Bárbara*, que também ficou desempregada recentemente, começou a revender semijoias e produtos de beleza como renda alternativa.
Hoje eu posso afirmar que é melhor eu trabalhar por conta própria mesmo, porque eu faço os meus horários, a minha renda subiu e meu padrão de vida mudou bastante depois que eu abri meu próprio negócio” Marilda de Souza
A importância da participação feminina no orçamento familiar é cada vez maior, em razão de 4 em cada 10 lares brasileiros serem chefiados por mulheres, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). É o caso de Elenir de Jesus, que, para complementar sua renda, começou a revender cosméticos e, antes disso, vendia bombons na rua. O aumento de empreendedoras se relaciona diretamente com a busca por espaço no mercado de trabalho, por maior autonomia e por empoderamento. Marciele Procópio, 36, empreendedora social da Central Única das Favelas (Cufa), residente do Bairro Cabanas, trabalhou por seis anos como cabeleireira em seu próprio salão. Há dois anos ela decidiu fechar o estabelecimento para se dedicar totalmente ao ativismo social, a partir do qual desenvolve projetos que incentivem a mulher a ter um negócio próprio. Entretanto, a ativista ressalta que ainda não conseguiu trazer para Mariana projetos que ajudem as desempregadas. A explicação seria a falta de apoio da PMM aos proje-
Dados do Relatório Global sobre os Salários de 2016/2017 evidenciam que a desigualdade salarial entre sexos está acima de 50% nas profissões mais bem pagas por empresas. Uma pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial (FEM) mostrou que a diferença salarial entre homens e mulheres piorou em 2016 e que a igualdade de salários só aconteceria daqui a 170 anos.
tos sociais na cidade. Porém, ela reforça que “em tudo que as mulheres fazem, elas levam para esse lado empreendedor”. Apesar de o investimento no próprio negócio se apresentar como saída para a crise econômica, é possível perceber que essa “solução mágica” não funciona exatamente assim na prática. Isso porque, em geral, abrir o próprio negócio requer muito mais do que uma ideia. São necessários recursos financeiros para começar e arcar com os riscos de sucesso ou não, assumir jornadas de trabalho mais longas que as previstas pela Consolidação de Leis de Trabalho (CLT) e estar preparado para não obter um retorno tão imediato. Francismar Coelho, 51, moradora do Bairro Barro Preto, mãe de dois filhos e dona de um salão de beleza há 15 anos, relata que trabalhar em um emprego fixo pode ser uma alternativa melhor, por não ter a preocupação se “vai ou não entrar dinheiro”, considerando a crise econômica. Além disso, as oportunidades de empreender são diferentes a partir de características como raça, condição financeira e localização geográfica. Marciele Procópio presencia desigualdades no meio em que atua: “mulheres brancas fazem questão de mostrar superioridade, ainda que você esteja no mesmo local, na mesma condição. Por ser negra, você vai ser [tratada diferente]”. Muitas não conseguem empreender por causa de recursos financeiros, mesmo tendo uma ideia inovadora. Sara Dilly, ao ficar desempregada, pensou em revender produtos de beleza e teve que desistir. Segundo ela, “você tem que entrar com 42%, e 42% são R$ 3.500 de produtos que você tem que comprar. [...] Eu sou uma pessoa que depende muito do meu marido”. A localização geográfica interfere nas possibilidades de falência e sucesso dos empreendimentos. Isso acontece porque há uma maior concentração de investimentos e oportunidades nas áreas centrais, devido à proximidade com os órgãos públicos e os locais turísticos. É evidente a importância do empreendedorismo e de seu visível crescimento em tempos de crise. Há um projeto da Associação Comercial Industrial e Agropecuária de Mariana (Aciam) que visa a criação de uma Câmara da Mulher Empreendedora, órgão consultivo em que as mulheres interessadas receberão instruções para abrir e gerir empresas * Nome fictício para proteger a identidade da entrevistada
Impressões das Repórteres Quando iniciamos essa reportagem, não sabíamos como era ser repórter no dia a dia. Definitivamente, você muda a cada entrevista que faz. Diante das histórias recebidas, percebemos que essas mulheres tinham certo receio em falar conosco, porque, muitas vezes, foram silenciadas. A sociedade é injusta com elas, principalmente quando vêm da periferia. Por sermos mulheres, sabemos a forma como somos vistas no mercado de trabalho e as dificuldades que enfrentamos para conseguir espaços na sociedade. Por isso, escrever sobre a “mulher na economia” foi muito importante. Essa reportagem também nos mostrou que ser repórter vai além do que se imagina. Poderíamos tentar decifrar o que é ser repórter, porém só quando você “vive” a profissão na prática, consegue sentir o que é. Na nossa busca por contar histórias, teremos sempre a esperança de que nossos textos possam promover mudanças.
EMPREENDEDORISMO COMO ALTERNATIVA? Diante de todos esses fatores que afetam a vida profissional das mulheres, elas estão à procura de novas formas de obter renda. Marilda de Souza, 43, mora no Bairro Jardim Santana e trabalhava como cozinheira em um restaurante. Em 2015, ela ficou de-
Concentração por área de ocupação em Mariana (IBGE) 100%
Serviços Indústria
83,6
84,8
9,3
43,9
41,2
MASCULINO
MASCULINO
9,5
0% FEMININO
Serviços Indústria
100%
51,5
39,9
FEMININO
MASCULINO
MASCULINO
ANO 2000
0%
ANO 2010 FEMININO
FEMININO
Concentração de cargos ocupados por mulheres em Mariana (SINE) Auxiliar de serviços
Auxiliar administrativo Atendente
Técnico em Enfermagem Técnico em segurança do trabalho
Recepcionista
Auxiliar de cozinha
gerais Cozinheira
Motorista
Técnico em meio ambiente
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Em 10 anos, o número de concentração de mulheres na área da indústria cresceu de 9,3% para 9,5%, apenas.
0,2%
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LAMPIÃO
CULTURA
JULHO DE 2017
ARTE: LAURA VIANA
LGBTs acolhem jovens em projetos independentes de dança Projetos culturais coordenados por LGBTs são reconhecidos nas comunidades e viabilizam o acesso de jovens ao mercado profissional
O Centro de Referência à Criança e ao Adolescente (Cria), localizado no Bairro Vila Maquiné, em Mariana, acolhe crianças de 6 a 17 anos, desenvolvendo atividades socioeducativas, recreativas, esportivas e culturais. O espaço recebe, de segunda a sextafeira, diversos projetos sociais financiados pela Prefeitura Municipal de Mariana (PMM) e envolvem modalidades artísticas como balé, dança de rua, teatro e capoeira. Diferentes das outras atividades oferecidas pelo Cria, o “Entre no Ritmo” e o “Na Pegada” são projetos de dança independentes e não recebem auxílio da PMM. O “Entre no Ritmo” e o “Na Pegada” são coordenados por Giovanne Silva e Dryka Moraes, ambos agentes sociais da comunidade LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) e moradores dos bairros Santo Antônio, mais conhecido como Prainha, e Cabanas, respectivamente. O objetivo dos programas é incluir os moradores desses bairros, situados nos arredores do Centro Histórico e que, muitas vezes, são invisibilizados pelos preconceitos raciais, de gênero e de classe. “A maior parte dos meus alunos é do ensino fundamental. Acho muito bom, porque é nessa fase que eu percebo o maior preconceito”, comenta Silva, 22 anos, professor do “Entre no Ritmo”, sobre as discussões de gênero e sexualidade dentro da comunidade e de como elas são discutidas com os alunos através da dança. O coreógrafo afirma que cerca de 90% das pessoas da companhia são LGBTs e que o projeto representa uma válvula de escape para quem não tem espaço na periferia, para se reafirmar no mercado de trabalho enquanto dançarino. No início, o projeto contava apenas com Silva e sua família. Cerca de três meses depois de sua criação, os amigos do coreógrafo começaram a fazer parte do grupo, que mudou
FOTOGRAFIA: OCTÁVIO ABRÃO
Wandeir Campos
Militância. Giovanne e Dryka mantêm projetos de valorização da comunidade LGBT.
de nome, aumentou seu reconhecimento na cidade e passou a ganhar prêmios. Hoje a companhia tem mais de 25 alunos que se reúnem no Cria para ensaiar à noite. Em maio de 2017, após a publicação de alguns vídeos do projeto nas redes sociais, o “Entre no Ritmo” ganhou visibilidade nacional e foi convidado para se apresentar em um dos programas de maior audiência da rede SBT. O grupo trabalha com danças urbanas, incluindo os estilos vogue, dancehall, hip-hop dance, afro house e waacking, todos originários de culturas africanas, americanas e brasileiras que possuem como base movimentos alternados dos braços e das mãos. “Sempre vi filmes que traziam a cultura hip-hop como tema e, desde então, me referenciei a partir deles”, acrescenta Silva. O “Entre no Ritmo” já se apresentou em diversas cidades do país e até cruzou fronteiras internacionais. Em 2016 viajou para participar de um concurso de dança na Argentina. Para custear a viagem, o grupo contou com o auxílio de pessoas que se solidarizaram com a causa, dentre elas políticos e lojistas
de Mariana e região. “Quando fomos para Argentina, ficávamos no sinal dia e noite pra conseguir juntar a ‘grana’ pra ir, e conseguimos mais do que era o orçamento”, relata o coordenador do projeto. A companhia também contribui para a formação de novos coordenadores, como Warlley Gabriell, 17, aluno do “Entre no Ritmo” que já ensina danças urbanas para outros adolescentes do Cabanas. O aprendiz que virou mestre disse que conseguiu um emprego como dançarino após as aulas. “Vejo o ‘Entre no Ritmo’ como uma fonte de energia para os bailarinos da companhia aprenderem, capacitando-os como profissionais”, comenta Gabriell. “O preconceito vem também de dentro da casa da gente. A minha família me aceitou. O bom do projeto é que ajuda essas pessoas que não são aceitas”, relata Dryka Moraes, 30, agente social e coordenadora do projeto “Na Pegada”. O “Na pegada”, assim como o “Entre no Ritmo”, também exerce suas atividades no Cria e atende os alunos no turno da noite.
Os estilos de dança ensinados são axé, pagode baiano, funk e uma mistura de pop com os outros ritmos. Moraes atua como dançarina desde os 16 anos e já participou de vários programas voltados para a Prainha, como o “Projeto Sabiá”. Ela relembra que, no início da carreira, sua primeira professora de dança ajudou a complementar a renda mensal de sua família, quando ainda era menor de idade. Isso incentivou a dançarina a continuar na profissão e, hoje, é ela quem acolhe outros alunos. Em 2016, Moraes tentou criar um evento que desse visibilidade para a comunidade LGBT periférica, mas não obteve sucesso. Ela ainda acrescentou que, para formar um coletivo que debatesse as questões de gênero e sexualidade, teria que passar por várias burocracias na PMM, situação que a fez desistir. As aulas conduzidas por Moraes, no entanto, têm gerado recompensas. Entre a comunidade, o sucesso cresce e a procura por matrículas aumenta. Segundo Meyre Pereira, 40, mãe de uma das alunas do projeto, através dos comentários de outras mães, ela decidiu inscrever a filha. “Eu coloquei minha filha na dança para cuidar do colesterol dela que estava alto. Hoje ela melhorou, tem uma rotina certa e ama ir para as aulas”, destaca. Dryka Moraes acredita que o “Na Pegada” é uma forma de combater o preconceito. “O povo daqui já se acostumou com a gente, porque somos muito carinhosos e amorosos com todo mundo, e eles respeitam da mesma forma”, finaliza. Para a realização dos dois projetos e execução das aulas, além das duas salas cedidas pelo Cria, nenhum auxílio financeiro é destinado pelos órgãos públicos. Essa independência reflete na resistência dessas pessoas que lutam diariamente pelo reconhecimento na sociedade e que desenvolvem ações para a mudança social, promovendo a inclusão dos LGBTs nas periferias
Rap feminino luta por espaço Participação das mulheres na cena musical de Mariana é invisibilizada pelo machismo mesmo em espaços marcados pela resistência
FOTOGRAFIA: LETTÍCIA LAGES
O rap é uma ferramenta de resistência e ocupação dos espaços. Entretanto, ele continua sendo um estilo em que os homens predominam, o que não significa que as mulheres não estejam lutando por uma participação ativa nesse cenário. Em Mariana, a Praça Gomes Freire, mais conhecida como Jardim, tem sido palco das Batalhas de Rap, evento onde eles se reúnem para fazer rimas. Mas quantas mulheres conseguem destaque nesse meio? Camila e Samila Fernandes, gêmeas de 17 anos, são rappers marianenses e contam que, nas batalhas da cidade, ainda há uma baixa adesão feminina. De acordo com elas, mui-
Representatividade. As rimas das irmãs Fernandes abordam questoes sociais.
to dessa ausência se dá pela transformação do corpo feminino em objeto sexual nas letras rimadas e do incômodo gerado por isso. É comum que os homens nas “batalhas de ataque” tentem ofender os adversários chamando-os de “mulherzinhas”. As irmãs reforçam ainda que, quando um homem fala de machismo, ele é ouvido, mas quando são mulheres falando sobre o mesmo tema, eles não respeitam. Karen Lidiane dos Santos, 30, é rapper e acredita em uma intensidade ainda maior dos problemas relacionados ao estilo musical, uma vez que a criminalização e a marginalização ainda são vigentes no meio, além do constante preconceito sofrido pelas mulheres. Apesar da vontade de participar das batalhas que acontecem no Jardim, ela não frequenta por não se sentir confortável sendo uma das poucas mulheres rimando em um meio masculino. Isso, quando elas chegam a participar. A rapper gospel canta em uma igreja evangélica da cidade e, em agosto de 2017, lançará o seu primeiro videoclipe, resultado de trabalhos como a música “Obrigada, meu Deus”. A rapper Rayele Sacramento, 17, é uma das artistas que não participa mais das batalhas. Ela conta que as piadas preconceituosas e ofensivas destinadas às mulheres foram decisivas para que abandonasse os encontros. A artista avalia que vive em um sistema desigual e preconceituoso, mas acredita na mudança desses pensamentos através da música. “Eu acho que o baixo número de meninas na batalha é por conta do machismo diário em nossas vidas. Ouvir a frase ‘você parece uma menina’ como tentativa de ofensa nos faz perder a vontade de participar”, critica. Mesmo com todos os problemas, Sacramento reforça que o espaço do rap mostra uma outra realidade, que pode ser rica e construtiva. Além do preconceito com o estilo musical e com as mulheres que lutam pelo seu espaço
dentro dele, há ausência de investimento cultural nas áreas periféricas de Mariana. A própria batalha e outros eventos na cidade são limitados, pois acontecem no Centro e não alcançam outros bairros.. Como afirma Samila Fernandes, ainda há pouca informação nas comunidades mais afastadas do Centro sobre o que são as batalhas, o que desencoraja muitas participantes. De acordo com a cantora, falta conhecimento de que elas podem fazer parte ativamente desses espaços, em vez de apenas assistir e apreciar. Quando se trata dessa ausência feminina no rap da cidade, é notável a indignação das irmãs em relação à falta de representatividade de gênero. Elas contam que os homens costumam ser homofóbicos e objetificar as mulheres, além de ridicularizá-las. Pablo Roberto de Paula, 22, conhecido nas batalhas como Mc Pablo, reconhece que algumas rappers são talentosas, mas supõe que “um motivo para as mulheres não participarem é a falta de coragem mesmo ou medo de a plateia não gostar”. No entanto, desconsidera a hostilidade masculina que elas enfrentam diariamente no cenário musical. As rimas das irmãs Fernandes falam de si próprias, das relações sociais e afetivas, das críticas ao governo e de relatos sobre a vida negra, principalmente de mulheres. E suas inspirações são situações cotidianas geralmente ignoradas ou contextos complexos, tais como o tráfico, o assédio e a violência sexual, além da LGBTfobia (ódio e preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Mesmo dando uma pausa no rap, em maio de 2017 Samila Fernandes ganhou a gravação de uma música que será sua primeira produção. Para ela, gravar é um incentivo, além de um grande passo para a autoafirmação e a confiança no próprio trabalho. “O principal é se escutar para depois falar: ‘estamos aqui, nos escutem’”, ressalta a rapper.
O rap autoral da jovem, intitulado “Óptica de Ascensão”, está sendo escrito e a produção será no Estúdio Lab. Aúdio, no distrito Passagem de Mariana. Ela e outro participante ganharam a gravação da música após empatarem em primeiro lugar no “Islam Invasor”, competição de poesia organizada por Jordânia Marçal e Raquel Satto, estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). O evento aconteceu durante quatro terças-feiras do mês de maio de 2017 no Jardim e as organizadoras estão se mobilizando para garantir a premiação da próxima edição
FOTOGRAFIA: LETTÍCIA LAGES
mariana mosChem e marCos Fileto
Gospel. Karen Lidiane, a religião no rap.
JULHO DE 2017
LAMPIÃO
CULTURA
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ARTE: LAURA VIANA
Mulheres fortalecem tradição do Congado O Congado é uma manifestação religiosa cuja tradição tem vários séculos no Brasil. Nascido da mistura entre a religião católica e os ritos africanos, representa o momento da coroação do Rei Congo e da Rainha Ginga, símbolos da força negra no país. Também presta louvores a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, padroeira dos negros e escravos, e foi amplamente difundido tanto em Mariana quanto em Ouro Preto, cidades que sofreram com a escravidão e de população majoritariamente negra. Essa tradição se mantém viva e muito disso se deve às mulheres. Segundo Solange Palazzi, historiadora e integrante da Comissão Ouropretana de Folclore, a inserção da mulher nas Guardas de Congado foi e ainda é crucial para que os grupos se mantivessem ativos. A adesão delas só se tornou possível porque a nova geração de homens do Congado foi perdendo o interesse pela tradição. Com isso, as mulheres passaram a conquistar espaço dentro desses grupos. Um reflexo dessa transformação pode ser visto no grupo ouropretano de Congado Manto Azul de Nossa Senhora Aparecida e São Benedito. Formado por mais de 60 pessoas, as mulheres são maioria. Jussara da Silva, 39 anos, fundadora e capitã do grupo, conta que não era essa a intenção inicial. “Combinamos, e quando foi sair com a guarda, tinha mais saia do que calça.” Com quatro anos de existência, a Guarda do Manto Azul realiza encontros nos fundos da casa da capitã. Em Mariana, a participação de
mulheres no Congado Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião também é significativa. Com a voz serena e um pouco tímida, Vanda Sousa, 20, umas das fundadoras e segunda capitã do grupo, conta que todos são uma grande família unida pela fé em Nossa Senhora do Rosário. Esse também é o sentimento de sua mãe, Maria Madalena Sousa, 60, que carrega a bandeira com a imagem da santa que dá nome ao grupo. Para a bandeireira, o Congado é uma herança importante e não deve ser vista como brincadeira. Ser congadeiro é um compromisso que se assume com Nossa Senhora e com toda a equipe, já que decisões desde a confecção das roupas até a participação nos eventos são tomadas em conjunto. Além dos desafios de manter a tradição viva, os grupos mais jovens de Congado precisam lidar com a falta de reconhecimento e o preconceito, o que gera desmotivação. De acordo com Palazzi, esse preconceito é fruto do passado escravocrata do país, pois as religiões de matriz africana ainda são vistas como algo ruim. Entretanto, os grupos e as mulheres que passam a tradição de geração em geração conseguem vencer essa barreira aos poucos, porque mostram que é uma afirmação da cultura e colonização negra no Brasil. É com esse sentimento de liberdade que as mulheres do Congado de Nossa Senhora do Rosário e as do Manto Azul seguem como protagonistas dessa tradição. Inspiradas em Nossa Senhora, elas têm força e determinação para passar adiante a cultura e a crença de seus
FOTOGRAFIA: JOÃO DE BELLI
maria santos e João de Belli
Fé. Jussara Fernandes da Silva, fundadora e capitã da Guarda de Congado do Manto Azul.
ancestrais. E não só: elas também aprendem o valor dessa herança ao relembrar todo o sofrimento e a esperança do negro. Como em uma “escola da vida”, o amor, a fé, a resistência, a liberdade e a alegria devem estar presentes em tudo. Cada fita, cada tambor, cada música traz consigo um ensinamento que muda a vida do congadeiro, porque o Congado também ensina o respeito com seu próprio grupo e com os outros. “Um tem que saudar o outro”, explica Kátia Nascimento, que, há quatro anos, é a segunda capitã da Guarda do Manto Azul. Quando estão na rua louvando Nossa Senhora e outros santos, é como se os negros, de antes e de hoje, escravos e livres, se reencontrassem e dessem as mãos ao som do batuque, a pele preta reluzindo, o grito de “eu es-
tou aqui e existo” ecoado do fundo da alma e da garganta. Tornamse um só, povo negro, e dedicam a tradição a quem tanto chorou e sofreu para que eles pudessem cantar. Falta de incentivo é obstáculo Manter uma tradição centenária não é tarefa fácil, ainda mais quando não se tem apoio efetivo dos órgãos públicos. Em junho de 2017, a Guarda de Nossa Senhora do Rosário realizou um Encontro de Congados em Mariana, que contou com a participação de dez guardas de outras cidades. Maria Marta Ramos, 54, presidente do grupo, cuida exclusivamente da parte administrativa e diz que o apoio que receberam da Prefeitura Municipal de Mariana (PMM) foi muito pequeno. Os gastos com comida, divulgação e lo-
gística para receber os outros grupos foram muito mais altos do que a verba disponibilizada. Ramos afirma ainda que, na maioria das vezes, são os próprios integrantes do Congado que reúnem o dinheiro necessário para que a Guarda consiga se apresentar nos eventos dentro e fora da cidade, situação similar à dos Congados ouropretanos. “Quando a Prefeitura não cede [o ônibus], cada congadeiro paga sua passagem. Se faltar, eu intero”, revela. De acordo com Palazzi, toda vez que os Congados saem nas ruas mostrando a força, a dor, a fé e a coragem do povo negro, é como se eles dissessem “nós não morremos, a senzala não nos conteve”. Não serão as dificuldades financeiras que os impedirão
Várias faces de uma Carabina
Ativista ouropretana revela toda sua poesia e luta pela igualdade de direitos das mulheres, das pessoas com deficiência e dos negros FOTOGRAFIA: NAYARA FREITAS
Empoderamento. Efigênia Carabina, símbolo de luta negra.
thalia Gonçalves
Resistência: se fosse possível descrever Efigênia Carabina em uma única palavra, essa seria a que eu escolheria. Mas resumi-la a um conjunto de letras é limitá-la, e isso certamente não condiz com a personalidade da mulher que anseia pela liberdade dos pássaros. “Eu tô livre pra voar. É por isso que eu existo. É por isso que eu incomodo”, confessa, tão certa de si. A ouropretana nasceu Efigênia dos Santos, mas carrega múltiplas Carabinas por dentro: é forte, destemida, sem papas na língua, sonhadora, poética, polêmica e militante. Acima de tudo, é mulher negra. Não precisa pedir licença ao chegar. Independente de onde vai, é bem-vinda e amada por (quase) todos. É que, por se considerar franca e crítica, sabe que algumas pessoas simplesmente não gostam dela. E tudo bem ser assim, “eu não tenho medo de falar o que penso”, avisa. Sem cerimônia, ela compartilha os casos e causos que coleciona durante os seus 70 anos. Nascida em 21 de abril de 1947, brinca que Tiradentes reencarnou em seu corpo. Ela e o inconfidente, porém, dividem mais do que a data de aniversário. Entre eles está o entusiasmo pela política e a vontade de lutar pelo que se acredita. Apesar de já ter sido candidata nas últimas eleições municipais de Ouro Preto, encara a política partidária como uma utopia. Engana-se quem pensa que Carabina tem medo de desafiar o alto escalão e de criticar o go-
verno. Ser “debochada” é um de seus trunfos para botar medo em quem pensa ser superior a ela. Ativista pela igualdade social e líder do Movimento Negro Restaurador Jair Inácio, em Ouro Preto, Carabina colhe dos ancestrais a força e a garra para lutar pelos seus direitos. “Sou negra de quilombo e vou continuar sendo. Negro não é cor, não. Negro é raça”, enaltece. A ela também é dado o título de idealizadora do desfile “Beleza Negra”. O evento, surgido em 1986, busca valorizar a cultura africana através das roupas com amarrações de inspiração africana usadas pelos modelos. Carabina não nega suas raízes e nutre admiração pela terra ouropretana. Amante da música, cantou uma homenagem à cidade no CD “Ouro Preto em Canto”, lançado em 2011. Ela é a compositora do álbum, que teve como inspiração a própria vida e o desabafo das repressões do cotidiano. Em uma das letras, relembra a trajetória de sofrimento de seu povo em busca da liberdade: “quando o negro chora todo seu lamento, se transforma em canção, e esta canção sai de dentro de sua alma em forma de oração, pra quebrar as correntes do grande racismo e opressão”. Colecionadora de cantos e sonhos, ela também acumula angústias. Apesar de não deixar transparecer, Carabina carrega em si mais dores do que se permitiu mostrar. Casada há quase 50 anos com Ademir Gomes, de quem herdou o apelido e teve seis filhos, já passou por várias dificuldades, inclusive sofreu racismo por par-
te da família do marido. Além disso, o companheiro era violento e lhe batia muito. Após uma das agressões, Carabina revidou e atirou uma panela de pressão na direção dele. Apesar de não o ter atingido, a sua atitude provocou um susto, o que levou os episódios de violência ao fim. Inspirada pelo fato, Efigênia criou o slogan “Panela de pressão em homem que bate em mulher” para a primeira Associação de Mulheres de Ouro Preto, em 1989, participando efetivamente de sua criação. Além de lutar pelas mulheres, Carabina também é símbolo na defesa pelos direitos das pessoas com deficiência em Ouro Preto. Impulsionada pelas dificuldades que sua filha e outras crianças com necessidades especiais tinham para conseguir tratamento, ela se empenhou na criação da primeira Associação Comunitária de Deficientes de Ouro Preto (Acodop) e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) no município. Carabina é resistência. Enfrenta desafios desde que nasceu. Depois de muita conversa, risos, canto e café, era hora de nos despedirmos. Ela ainda tinha muitos compromissos para cumprir. “Corre, Dona Efigênia! É o seu ônibus!”. Saímos em disparada até o ponto mais próximo. Entre risos, cansaço, aflição, corrida e convencimento para que o ônibus a esperasse, Carabina resiste até ao usar o transporte público: “eu vou entrar é pela porta da frente!”
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LAMPIÃO
SOCIEDADE
JULHO DE 2017
ARTE: GISELLE CARVALHO
Agressão silenciada
Assédio moral é um problema recorrente, mas ainda passa despercebido e não tem punição
Falar sobre assédio moral ainda é um tabu. Ele é um tipo de violência difícil de identificar e que acontece frequentemente em relações de subordinação, gerando situações de humilhação e constrangimento para a vítima. O assédio moral é um dos grandes responsáveis por causar transtornos físicos, psicológicos e comportamentais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os sintomas são diversificados e aparecem em maior ou menor grau, dependendo da intensidade e da frequência com que acontecem. As manifestações desses sintomas podem começar com uma insônia e evoluir para problemas de concentração, humor depressivo, perda de interesse por coisas ou situações, pesadelos, insegurança, ataques de asma, úlceras estomacais, enxaquecas, torcicolos, queda de cabelo, estresse, transtornos alimentares, consumo de drogas, isolamento social, crises de ansiedade, depressão e até o suicídio. Quando o assédio é constante, o quadro clínico tende a se agravar, assim como os sintomas. Karen Santos, psicóloga e coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Mariana, explica que, nesses casos, a vítima se encontra em situação de hipossuficiência, quando ela se vê inferior a algo ou a alguém. De acordo com Santos, o reconhecimento da violência depende do perfil de cada um. Em alguns casos, a pessoa consegue se desligar do trauma sozinha; em outros, a situação é mais complicada. Independente disso, é necessário o acompanhamento com um especialista, pois a vítima precisa sair da posição de abusada para, então, dar um novo sentido à vida
Só percebi que foi assédio moral depois que terminei o mestrado. Na época, eu não sabia o que fazer e nem para quem contar, eu estava perdendo minha lucidez” Jaqueline*
Apesar de parecer uma realidade distante, os assédios acontecem de diferentes formas e, muitas vezes, passam despercebidos por serem naturalizados pela sociedade. Em um questionário aplicado no Facebook, como mostra o infográfico abaixo, é possível perceber que grande parte das vítimas permanece calada após a agressão e que há proximidade com os assediadores. A seguir, estão alguns relatos de vítimas que aceitaram contar suas histórias para o LAMPIÃO. Aconteceu no trabalho Mariana Reis, estudante de jornalismo, 21 anos, foi vítima de assédio moral na primeira experiência de trabalho. Ela conta que, desde o começo, o agressor a elogiava muito e pedia abraços, criando uma intimidade que ela, em momento algum, havia permitido existir. “Quando você sofre assédio, você demora a perceber que realmente foi vítima. Na época, eu não sabia o que fazer, eu achava que [não] ia dar em nada se eu contasse para alguém.
Aliás, eu era uma mera estagiária que tinha acabado de chegar nesse trabalho” relata Reis. Segundo ela, o ambiente era desconfortável, já que os três chefes, todos homens, não tinham didática e nem paciência com estagiários. Pelo contrário, xingavam e reclamavam quando algo era feito errado. A pressão era uma constante na vida da estudante. Reis revela que sua saúde mental foi completamente afetada depois desse emprego. No início, sua produtividade ficou baixa e a desmotivação para trabalhar era grande, o que desencadeou crises de ansiedade, medo de ir ao local de trabalho, estresse, insegurança em relação ao sexo masculino e o autojulgamento de incapacidade. Atualmente, ela não tenta outros processos seletivos na área, pois sabe que o agressor ainda trabalha no mesmo local e é grande o medo de encontrá-lo e tudo se repetir. Aconteceu na Universidade Jaqueline*, 27, era estudante do mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) quando foi vítima de assédio moral por parte de um professor. A violência durou dois anos, tempo suficiente para que ela adoecesse. O contato da vítima com o assediador, que era seu orientador na pós-graduação, era mínimo. O professor não cumpria com o dever de ajudá-la no desenvolvimento da dissertação do mestrado e chegou a ficar dois meses sem se comunicar com a aluna. “Por eu ter vindo de outro curso, a cobrança comigo era extra. Ele me tratava com arrogância e desprezo. Meu trabalho não era relevante para ele, era um nada”, conta. O agressor desmotivava Jaqueline e parecia sempre diminuir sua capacidade intelectual. Um episódio que ela diz não esquecer aconteceu quando tentou ingressar no doutorado em outra universidade e o professor insinuou que ela não era qualificada para isso. Ao falar da violência sofrida, a vítima diz que ainda hoje está doente. Ela não consegue mais ler e nem ver nada que esteja relacionado ao assunto de sua dissertação, como se tivesse criado um bloqueio. O estresse pós-traumático é uma dura realidade para quem é assediado. Jaqueline ganhou peso, não dorme bem e toma calmantes diariamente. “Só percebi que foi assédio moral depois que terminei o mestrado. Na época, eu não sabia o que fazer e nem para quem contar, eu estava perdendo minha lucidez”, desabafa. Aconteceu no bar Para o marianense Fabio Frade, 23, o assédio é uma violência presente no seu dia a dia devido às diversas ofensas que ele escuta quando anda pelas ruas de Mariana. A primeira vez que sofreu assédio foi em uma choperia da cidade. Quando ele estava indo embora do local, ouviu alguém chamá-lo de “viado”. Na hora, não teve reação e nem contou para ninguém, pois não sabia como fazer isso. Fabio demorou a perceber que havia sido vítima de um assédio moral. A dificuldade em se expressar e o sentimento de vergonha são comuns em pessoas que foram expostas a esse tipo de violência *N o m e f i c t í c i o p a r a p r o t e g e r a i d e n t i dade da entrevistada
ILUSTRAÇÃO: FÁBIO FRADE
Larissa Helena
Impressões da Repórter Quando escolhi fazer jornalismo, não imaginava estar entrando em um universo tão grande e multifacetado. Ele tem seu lado humano, de emoções, de sentimentos e de vivências. Mas também o seu lado político e frio. Ao receber a proposta de pauta com a temática do assédio moral, fiquei aflita. Com medo do que iria encontrar, do que iria ouvir e do que iria escrever. Mas fui para a rua, pois está na alma e na profissão de repórter sentir na pele a história do outro. O que ouvi me fez chorar. Na primeira entrevista, já fui sensibilizada. Voltei para casa pensando sobre as relações humanas e, principalmente, a nossa vivência. Na segunda entrevista, a minha perna bambeou, o coração acelerou e a revolta se instaurou. Tive dificuldade para lidar com a violência em si, especialmente por ter aconte-
CONHECIA O AGRESSOR?
O QUE É ASSÉDIO MORAL?
35,2%
TRABALHO
28,3%
NÃO
RUA BAR/RESTAURANTE EM CASA
ENTRE AS PESSOAS QUE RESPONDERAM
32,2%
64,8%
MANTÊM CONTATO COM O AGRESSOR? 63,5%
57,9%
16,3% 10,7% 8,2%
NÃO CONTARAM SOBRE O OCORRIDO
36,5% NÃO
Fonte: MTE
19%
81%
SIM
“É toda conduta abusiva que intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa”
OS AMBIENTES MAIS COMUNS ESCOLA/FACULDADE
NÃO 20% SIM
SIM 80%
cido no ambiente universitário, o mesmo em que estou inserida. No fim, percebi como o assédio moral é preocupante e grave, responsável por causar danos à saúde da vítima de maneira intensa e prejudicial. Na maioria dos casos, ela demora a entender o que é o assédio moral em si e a repulsa se instaura quando percebe que o agressor não é punido; pelo contrário, continua propagando o assédio. Precisamos “botar a boca no trombone”, como diz aquela velha expressão, pois assédio moral é crime segundo a lei nº 4591/2001. A recomendação, em todos os casos, é fazer um boletim de ocorrência (BO). Caso a agressão aconteça no ambiente de trabalho, a vítima deve procurar também o setor de Recursos Humanos (RH). E, se a violência acontecer no ambiente universitário, deve-se procurar a assistência estudantil da instituição. Não se cale!
63%
AFIRMAM QUE A SAÚDE FOI AFETADA COM O ASSÉDIO
JULHO DE 2017
LAMPIÃO
SAÚDE
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ARTE: GISELLE CARVALHO
Abandono de canis afeta saúde
Ausência de controle pelo Poder Público da região provoca aumento de animais em situação de rua, expondo população a riscos FOTOGRAFIA: OCTÁVIO ABRÃO
Cães de rua. Matilhas de animais abandonados oferecem riscos a moradores de Mariana e Ouro Preto. Sandro Aurélio
Quem anda pelo Centro de Mariana e de Ouro Preto não tem dificuldade em encontrar cachorros abandonados transitando livremente pelas ruas. O trabalho de retirar, prestar atendimento veterinário e encaminhar os animais para adoção é dos Centros de Controle de Zoonoses (CCZ), onde ficam os canis, que são administrados por cada município. Entretanto, a superlotação dos CCZs de ambas as cidades tem impedido novos recolhimentos
dos cães. Por estarem abandonados, os animais se reproduzem facilmente e aumentam de forma considerável o número dos que circulam nas ruas. Desabrigados e sem acompanhamento, esses animais oferecem perigos à comunidade, dentre eles a transmissão de doenças como a raiva. Em março de 2017, Alexandre Figueiredo, estudante de Engenharia Civil da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), estava sentado no Monumento a Tiradentes, quando foi mordido por um cachorro. Figueiredo
procurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e lá foi constatado que ele não havia sido infectado e que a mordida não chegou a causar nenhum tipo de perfuração. O estudante, que reside no Centro Histórico de Ouro Preto, disse que todos os dias vê cachorros andando em bando pela principal praça da cidade. Para Renato Silva, veterinário marianense, a recomendação é que qualquer pessoa que vier a ser mordida por um cachorro em situação de rua “deve procurar imediatamente atendimento médico e fazer
um protocolo de imunização da raiva”. Ele ainda reitera que, como quase todos os cães de rua não são monitorados, a complexidade do problema aumenta. O ideal quando alguém é mordido por um cachorro em situação de rua é uma observação de dez dias, tanto da pessoa quanto do cão. Como o poder público não está cumprindo com as responsabilidades de controle e retirada dos cachorros das ruas, iniciativas pessoais tentam resolver parte do problema. Luciana Salles, voluntária da Associação Ouropretana de Proteção aos Animais (Aopa), conta que a Organização Não Governamental (ONG) é encarregada de todo o processo de adoção de cães em Ouro Preto, inclusive por programas de incentivo à adoção. Na prática, esse papel deveria ser da Prefeitura Municipal. Segundo Salles, o CCZ ouropretano tem capacidade para 120 animais, mas já conta com aproximadamente 130. Uma das principais causas desse problema é a “baixíssima” procura por adoções, que raramente superam a marca de três por semana. Ela também relata que semanas sem nenhuma adoção não são novidades na Aopa. Descaso que gera denúncia Em maio de 2017, Cristiano Vilas Boas, vereador de Mariana, denunciou em uma rede social, maus tratos no canil da cidade. Na publicação, foram divulgadas fotos de cachorros em evidente situação de desamparo. O vereador afirmou que, quando tentou averiguar a denúncia,
foi mal recebido pelos funcionários do canil, que não o deixaram entrar. De acordo com Vilas Boas, a Secretaria de Saúde, responsável pelo canil de Mariana, prometeu que o local seria examinado. A intenção seria melhorar a condição dos animais no local. O secretário de saúde de Mariana, Danilo Brito, alegou que não poderia falar com o LAMPIÃO devido ao excesso de compromissos.
Atitude que faz diferença Maria José Pedrosa, 82 anos, foi professora de Português e Francês em Ouro Preto por quase 40 anos. Ela mora no Bairro Nossa Senhora de Lourdes e conta com a companhia de cinco cachorros em sua casa, todos recolhidos da rua. O mais velho, Ícaro, tem 9 anos; o mais novo, Pretinho, 3. O sorriso da professora aposentada se abre fácil ao falar de seus cachorros. Ao passar a mão carinhosamente em Pretinho, o brilho em seu olhar revela a profundidade do apego humano a um animal doméstico. Ela não faz nem questão de disfarçar: “meu amor pelos meus bichinhos não rivaliza com o amor que tenho nem por pessoas da minha família, é muito maior”, conta. Pedrosa começou a recolher cachorros de rua em 2002. Chegou a ter 11 cães dentro de casa no ano de 2007. Atualmente, ela diz gastar de R$ 500 a R$ 600 por mês só com ração. Ela afirma não receber ajuda de ninguém e, mesmo com todas as dificuldades, enfatiza que “jamais abandonará seus cachorros”
EDUCAÇÃO
Não tinha teto, não tinha nada Marcos Fileto
Setembro atravessa, de muitas maneiras, a Escola Municipal de Educação Infantil Bernardina de Queiroz Carvalho. Também conhecida como Dona Zumbi, o casarão onde estava instalada passou por um incidente em 12 de setembro de 2016, modificando o curso de sua história. Localizada no distrito ouropretano Antônio Pereira, tinha parte de sua cobertura constituída por telhas de cerâmica e amianto que voaram durante uma tempestade. Cerca de 80 crianças ficaram em situação de risco e a estrutura do imóvel, comprometida. Enquanto aguardavam a chegada dos pais e a diminuição da chuva, professoras, funcionárias e pessoas da comunidade se organizaram para garantir a segurança dos alunos, que foram alojados na única sala de alvenaria do prédio. Após o acontecimento, as aulas ficaram paralisadas por uma semana e as negociações com o poder público se intensificaram. A impossibilidade de retornar ao prédio, que teve seus primeiros registros em 1903, fez com que a escola fosse interditada e transferida para outra casa na mesma rua. A comunidade do distrito teve ampla participação nesse processo: contribuiu com a procura por um novo local, negociou com os proprietários a locação da casa, auxiliou na reforma do espaço e até mesmo realizou a mudança dos materiais para que o retorno às aulas fosse possível.
“A estrutura que temos agora é a real, mas não é a ideal. Real porque necessitamos de um lugar para atender as crianças, mas ideal ela não é”, relata Magda Barbosa, diretora desde o início de 2017. Parte do imóvel que hoje aloja a Dona Zumbi é composto por escadas, uma rampa que dá acesso ao segundo andar, canaletas de escoamento das chuvas, alguns pisos quebrados, lençóis cobrindo as janelas, salas apertadas, grades de proteção e uma estrutura que evidencia improviso. Apesar dessas questões, a opinião da maior parte das pessoas entrevistadas é de que as instalações atuais são mais satisfatórias. “Fico tranquila em deixar minha filha na escola, o lugar é bem melhor que o anterior e a equipe é muito atenciosa”, comenta Lara Miné, mãe de uma aluna. De fato, o ambiente é maior que o anterior, mais iluminado e, mesmo com alguns riscos físicos, aparenta atender melhor às necessidades dos estudantes. Quando foi alugado no ano passado, a pretensão era de que o atual prédio da escola fosse provisório, mas o aumento da quantidade de alunos não permitia que ela retornasse ao antigo casarão. “A escola não volta pra lá. O prédio não comporta mais as atividades e o contrato de aluguel da casa onde eles estão hoje será renovado”, afirma Rosa Ana Xavier, secretária de Educação de Ouro Preto. O crescimento do número de alunos desde a fundação da Dona Zumbi é notável e, no início do ano letivo de 2017, uma creche que funcionava em outro local foi ane-
FOTOGRAFIA: BRUNO MINÉ
As lutas passadas, os desafios atuais e os desejos futuros como protagonistas na manutenção da educação infantil de Antônio Pereira
Improviso. Imóvel atual abriga sede da escola municipal e residência dos proprietários.
xada à escola. “Foi constatado que a creche estava num estado lamentável, então eles não podiam continuar ali. Era um lugar com muito mato, pedras e as crianças muito pequenas. Foi aí que me fizeram a proposta (...) de assumir também a creche”, explica a atual diretora. Hoje, a escola atende 232 crianças, número que equivale a cerca de 25% da demanda do distrito. Um projeto para novas instalações foi criado por Juraci Mendes, ex-diretora e fundadora da Dona Zumbi, em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e o Canal Futura, mas ainda não saiu do papel. Segundo Xavier, estudos
estão sendo realizados para encontrar um espaço adequado para a construção de um núcleo de educação infantil em Antônio Pereira. A escola foi fundada em 24 de setembro de 2001 por Juraci Mendes, mais conhecida como Tia Ju, apenas com duas turmas e após muita insistência para conseguir o prédio que pertence à Prefeitura Municipal de Ouro Preto (PMOP). Tia Ju dirigiu as atividades por mais de 12 anos, além de ter atuado também em sala de aula, e se aposentou em 2016. Segundo Mendes, Bernardina de Queiroz, mais conhecida como Dona Zumbi, foi uma professora leiga e conhecida por lutar pela
educação em Antônio Pereira. Uma luta que teve início antes do atual momento da escola, mas que se faz presente nas ações dos moradores do distrito: nas cobranças, nos mutirões para melhoria e manutenção da escola, na constante pressão junto ao poder público por um prédio que atenda melhor às necessidades das crianças ou na figura dessas pessoas que se doam para garantir a continuidade das atividades VEJA OUTRAS INFORMAÇÕES DA REPORTAGEM NA VERSÃO ONLINE: http://goo.gl/yd6UsR
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LAMPIÃO
E NTRE
JULHO DE 2017
ROSTOS E RUAS
FOTO: CAROLINA COELHO ARTE: PAULA KOCH
Mariana está além das igrejas e das ruas
de pedra. Basta olhar com atenção! No vai e vem da rotina, você encontra cores, olhares, sorrisos, expressões, identidades, marcas e histórias das mulheres marianenses. Transforme seu modo de ver e perceba: a cidade também é delas.
ESDRAS DOS SANTOS - SÃO CRISTOVÃO
MARIANA BERNARDES - CHÁCARA
JOSEFINA MORAES - CENTRO
THAIS VIEIRA DE OLIVEIRA - ROSÁRIO
GERALDA SANTOS - BANDEIRANTES
GLEIZIELLE MIRIÃ CÂNDIDO VALENTIM - ESTRELA DO SUL
MARIA TOLENTINO - SANTANA
ANA CAROLINA RODRIGUES - CHÁCARA
GRAÇA SOARES DA SILVA - ROSÁRIO
MATILDE AZEVEDO DA SILVA - JARDIM DOS INCONFIDENTES
GERALDA GONÇALVES - BARRO PRETO
FRANCIENE IZIDORO - CABANAS