JORNAL PEDAL Nº16 - Projecto artístico de Ana Pérez-Quiroga

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8 Uma (quase) questão de gosto Um projecto artístico de Ana Pérez-Quiroga, realizado em Maio de 2013, para o Jornal Pedal.

Ficha técnica: 30 fotografias Instagram cor, filtro earlybird, texto e imagens impresso em papel GraphoBright 52gr., bicicleta características: quadro BLB track mint tamanho 49, bb neco 107, pedaleira mighty prata, corrente kmc prata, rodas: aro branco, cubo e raios prata, carretos livre 20 dentes, avanço zoom prata, guiador riser prata, espigão de selim prata, fita d'aro, pneus pasela pretos 28c, selim not concor creme, pedais ckc nylon, manetes travão dia-compe mx122, ferraduras tektro prata.

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esde sempre que a bicicleta me pareceu um meio de transporte inspirador. Deslocar-me nela do ponto A até B ou, sucessivamente, ir percorrendo outras letras, correspondentes a sítios, é a forma, quanto a mim, é claro, mais agradável de me deslocar em qualquer cidade. As minhas preferências na utilização da "bici" têm um carácter mais de deslocação do que de lazer, sou muito menos dada a '"ir de passeio" e gosto de ter um propósito para a locomoção. Contudo, isto não quer dizer que eu não seja uma flâneur, uma espectadora urbana que deambula pela cidade tirando fotografias. Andar de bicicleta em Lisboa é, para mim, uma novidade, descoberta desde Janeiro deste ano, altura em que comecei a fazê-lo de forma diária. Quando em 2010 a artista plástica Susana Guardado me convidou para participar no seu projecto, Personal DJ, um conjunto de auto-retratos musicados, eu escolhi o meu espaço de atelier para o fazer e quis que à minha imagem fosse também associada a bicicleta. Como eu não tinha nenhuma, pedimos uma emprestada à loja BikeIberia. Neste projecto, eu apareço descendo inúmeras vezes (sete) o troço com o arco da Rua Academia das Ciências que a liga à Rua do Século, onde na altura eu tinha o meu atelier. (Personal DJ Ana Pérez-Quiroga www.youtube.com/ watch?v=ueJzg1oans4). Desde 2007 que todos os anos vou mais de um mês para Xangai e é claro que a ideia que se tem das cidades chinesas passa por imagens de pessoas em bicicletas. Logo que cheguei, uma das primeiras coisas que fiz foi comprar uma bicicleta. Vi algumas nas lojas e em sites. Escolhi uma com um design clássico de senhora, da marca Mengol, que me custou €9.50, nova! Fiquei por lá três meses e esta bicicleta transportou-me por todo o lado, de dia e de noite, desde idas aos fornecedores e assistentes em trabalho, a festas, inaugurações, eventos sociais ou bares de moda. Devo esclarecer que ir para estes sítios mais "in" de bicicleta não era assim tão bem visto, porque andar de táxi em Xangai é muito barato. Mas a minha diversão era incomparavelmente maior e a sensação de liberdade imensa. A esta bicicleta devo um dos projectos artísticos seminais do meu percurso, O quase roubo da bicicleta, 2008 (www.anaperezquiroga.com/Work. aspx?Lang=PT&PRJ=1). Quando me vim embora, dei esta bicicleta à minha Ayi (empregada doméstica) para que a vendesse e ficasse com o dinheiro. Nos anos seguintes, sempre que voltava, iam-me emprestando bicicletas, todas muito melhores do que a primeira. A marca mais famosa é Forever, imortalizada em inúmeros filmes e, mais recentemente, por Ai Weiwei, artista plástico, numa instalação com o mesmo nome. É claro que também pedalei numa dessas. É sempre um prazer renovado pedalar em Xangai e poder misturar-me com os ciclistas locais, seja lá em que "bici" for. Mas, com muita pena minha, esse facto está a diminuir drasticamente. Todos os anos vejo menos bicicletas a circular nas ruas e as aglomerações de ciclistas, à frente dos carros, são de ano para ano menores. Por outro lado, o preço das bicicletas é cada vez mais alto. Xangai é uma cidade plana e as bicicletas podem

quase ser de betão porque o peso não tem importância quando se pedala, mas Lisboa é já uma outra história. Eu vivo na Baixa e durante muitos anos não se viam bicicletas nas ruas que fazem parte do meu perímetro de bairro, que vai até ao Príncipe Real, passando pelo Chiado, Bairro Alto e S. Bento. Mas eu queria mesmo andar de "bici" e pesquisei! Numa procura de qual seria a bicicleta que deveria comprar, que compreendia questões ligadas a estilo, marca e preço, uma das características a ter em conta era seguramente o peso. A "bici" teria que ser leve, porque um 5º andar sem elevador sempre é um 5º andar onde tenho que subir com ela ao ombro. O problema era que quanto mais leve mais cara! Bom, sabia agora o que queria! No meu trabalho artístico, o acaso é uma das determinantes para a criação, numa inseparável ligação entre arte e vida; assim, a escolha da bicicleta foi também um projecto artístico. Em Maio de 2012, fui comprar umas latas de tinta spray à Montana, para um trabalho que estava a fazer em stencil; a um canto estava um quadro de bicicleta a ser pintado. O quadro tinha um tubo fino, a cor era um verde claro e eu imediatamente perguntei onde se comprava. - "No Sota". Ah! Era mesmo ali ao lado. Fui! Depois de uma hora de estimulante conversa, eu tinha encomendado uma "bici", quadro, roda, acessórios, cor, quase tudo ficou definido. Faltava apenas tratar de uma pequena questão, o dinheiro. Fui pagando aos poucos e, finalmente, em Dezembro entrava na fase de montagem. Agora era só esperar mais um pouco para a ter. E, quando a recebi, fiquei tão feliz, que desci a Rua do Carmo a cantar a plenos pulmões. Era tarde, a viagem foi curta e, pela primeira vez, subi as escadas com ela. Foi super fácil! Ao longo destes meses fui conhecendo imensas coisas sobre o mundo das bicicletas, conheço agora desde as míticas, às mais trendies. Fui apurando o meu gosto, tendo pesquisado dezenas de sites e fazendo likes em muitas páginas. Assim, fui tomando opções de comportamento: não uso capacete e raramente levo o kit de manutenção, não gosto nada de carregar peso. Desde há muito que fotografo as bicicletas que encontro e de que, de alguma forma, gosto. Quando surgiu a oportunidade de fazer um projecto para o Jornal Pedal, propus-me contar uma pequena história pessoal, ilustrada com imagens tiradas com o Instagram. São instantâneos que publico na minha página e, como tal, são retratos do quotidiano, representando uma vivência social engajada em alguns acontecimentos políticos. Todas as fotos de bicicletas foram tiradas em Lisboa, com excepção da bicicleta verde que tirei em Pequim e da outra que manifestamente se pode identificar com a Ásia e que tirei em Xangai. Agradeço a todas(os) as(os) donas(os) das bicicletas que fui fotografando e que espero que não se importem de aparecer assim retratadas(os). Ao Jornal Pedal (João Pinheiro e Helena César) pelo convite. Ao Nuno Sota ter feito a minha bicicleta. À Hibou Gris, pela ajuda na produção da fotografia onde eu apareço. Ao livro “Bicycle Diaries”, de David Byrne, sim esse mesmo o músico, por ser um dos livros mais inspiradores que li recentemente.


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