POEIRA A criação de um jornal contestador em meio a Ditadura Militar. Pág. 04
Distribuição Gratuita
VAI TER COPA, SIM O preparo dos torcedores que assistirão aos jogos em casa ou no estádio. Pág. 22 CICLOVIAS Cresce o número de ciclistas em desproporção a infraestrutura e segurança. Pág. 09 BUSÃO Os desafios do Movimento Passe Livre londrinense. Pág. 11
Tarja Preta 2º ano Jornalismo UEL
Nathalia Lainetti
DOZE TRIBOS Alternativa, israelita , isolada e próxima de você. Pág. 17
Londrina, 1º Semestre de 2014
PEQUENOS CRAQUES Os primeiros dribles daqueles que buscam uma carreira no futebol. Pág. 24
SEM ESPADAS E SEM CORTES
A cobertura ao vivo e sem edição da Mídia Ninja é o novo rumo do jornalismo? Até que ponto sua efetividade é discutível? Pág. 12
“Se há um novo jornalismo em proeminência, a Mídia Ninja simboliza a faceta mais bem sucedida.” EDITORIAL - Pág. 02
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OPINIÃO
Editorial
Em tempos de austeros questionamentos acerca da representatividade pública, o jornalista é assimilado à condição e à índole da classe política. O que leva a duas conclusões: a) o jornalismo é uma profissão desmoralizada; b) a sociedade precisa de jornalistas como precisa de políticos. Tão essencial quanto olhar para trás e “buscar o que se perdeu”, nós jornalistas – de formação ou não - não podemos deixar de nos atentar para o curso da história correndo aos nossos olhos e nos abrindo alguns caminhos. Se há um novo jornalismo em proeminência, a Mídia Ninja simboliza a faceta mais bem sucedida, que atende também pela alcunha de midialivrismo. Compartilhado, unidirecional, fragmentário, multifacetado, ativista e chocante. Os termos soam contraditórios e confundem muita gente. Defluência da erupção ainda em vigor desse fenômeno comunicacional. Nas coberturas de protestos, ocupações e confrontos operadas pelo coletivo, a mídia é supervalorizada, intensamente acionada como extensão do homem. Ao vivo e via stre-
EXPEDIENTE
aming são registradas imagens sem cortes - e sem os filtros que somente a figura do jornalista já basta para moldar uma realidade. O espectador, diante do instante, tem a sensação de “sentir o real” muito mais do que nas edições de quaisquer outras plataformas. A Mídia Ninja alçou tal poder simbólico que os ecos de sua abordagem nitidamente influenciaram a cobertura das Jornadas de Junho por parte da mídia tradicional, dessincronizada com os anseios da sociedade. Alguns críticos, entretanto, aferem que esse poder leva à contradição de um coletivo independente tomar para si todo um holofote que também poderia pairar sobre dezenas de outros movimentos semelhantes. A Mídia Ninja, com sua aura rebelde, transformou-se em uma marca? Essa é somente uma centelha dos debates – alguns deles abordados em matéria desta edição do Tarja Preta - impulsionados pelo sucesso da Mídia Ninja, que, a despeito do “certo e errado”, soube, acreditamos, criar uma linguagem que, se não é plenamente jornalística, pode ser apropriada pelo jornalismo.
TARJA PRETA
>> EDITOR CHEFE: Prof. Fábio Alves Silveira >> REPÓRTERES: André Costa Branco, Bruno Amaral, Bruno Petri, Diego de Moraes, Gabriel Siqueira, Giovanna Escobar, Juliana Pereira, Lara Camargo, Lila Cavalcante, Lilian Torres, Maria Isabela Marques, Mariana Tocci, Marjorie Coelho, Mônica Chagas, Natalia Dourado, Nathalia Lainetti, Nesser Andrade, Paulo Henrique Souza e Thaila Nagazawa. >> TIRAGEM: 500 cópias. >> IMPRESSÃO: Gráfica UEL >> Este jornal é um trabalho desenvolvido pelo 2º ano matutino de Jornalismo - turma de 2013 - da Universidade Estadual de Londrina, coordenado e orientado pelo professor Fábio Alves Silveira.
Turma do segundo ano de Jornalismo Matutino 2013 com Professor Fábio Silveira André Dahmer - www.facebook.com/malvadoshq
Para inglês ver Adam Escada Sobral Na Copa do Mundo de 2014, o Brasil irá voltar no tempo de Charles Miller. Com dificuldades de acessibilidade para garantir ingressos para a Copa, o país parece retroceder e vivenciar situações da época em que o futebol chegou. Por imposição da FIFA, a entidade máxima do futebol e organizadora da Copa do Mundo, a venda dos ingressos foi dividida em três etapas. A compra (na primeira e segunda etapa) só pôde ser feita pela internet e paga via cartão de crédito. Apenas na terceira etapa (depois de praticamente todos os ingressos terem sido vendidos), a FIFA abriu para as vendas em locais específicos (apenas) nas cidades-sede. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), divulgados pelo IBGE em maio de 2013, 53% dos brasileiros não têm acesso à internet em suas residências. Ou seja, mais da metade da população não teve condições de participar das primeiras etapas de compra dos ingressos. Não bastasse a dificuldade da compra, os preços dos ingressos são altos e inacessíveis para praticamente toda a população. Eles variam de R$160 a R$1980 reais durante todo o evento. Preços muito superiores aos encontrados em campeonatos regionais e o campeonato nacional que custam, em média, de R$20 a R$30 para adultos, na arquibancada. Enquanto na Copa de 1950, (primeira vez que o país sediou o evento) cerca de 200 mil pessoas puderam acompanhar a final entre Brasil e Uruguai no Ma-
racanã, a Copa do Mundo de 2014 será vista de perto apenas por estrangeiros e pela elite brasileira. Voltamos para o passado, regredimos aos tempos em que o futebol era elitizado. Época em que negros e operários só puderam calçar as chuteiras quando passaram a ser decisivos para que os times dos brancos ricos ganhassem títulos. Tempos em que, nas arquibancadas, as pessoas vestiam terno, gravata e ficavam em silêncio. Na Copa do Mundo do Brasil, o torcedor que acompanha o futebol nacional, o 12º jogador de seus times, para junto com os campeonatos nacionais e cede espaço para os “engravatados” brasileiros e estrangeiros. A Copa do Mundo do Brasil de 2014 será vista pelos brasileiros apenas pela tela de seus televisores.
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CAMPUS
Segurança na Fazenda Escola da UEL
O recente furto de animais de pesquisa na Fazenda da UEL reabre questão sobre a construção dos muros ao redor do campus Giovanna Escobar A Fazenda Escola da Universidade Estadual de Londrina (UEL) vem sofrendo descaso com a segurança há vários anos, comprovado por ocorrências que variam desde furtos e roubos até assédio sexual de filhas de caseiros que trabalham e moram na Fazenda. Neusa Moreira da Silva Vicentini, mulher do caseiro e trabalhador na área de Agronomia da Fazenda, José Vicentini Neto, afirma que houve melhora na segurança, mas relembra as situações de perigo que os moradores de lá já passaram anos antes. “Já assaltaram minha filha em um dia de sol, um moleque descendo aqui com uma faca e um canivete fez ela entregar a bolsa, o remédio do pai e o documento dela. Depois de mais algum tempo, ele roubou mais uma menina e estuprou ela, o mesmo menino. Depois foram na delegacia reconhecer ele. Era casado, tinha uma filha e morava aqui no bairro do lado”, relata Neusa, que mora na Fazenda Escola há 36 anos.
Segundo Neusa, a situação era pior antes da proposta de cercamento com pilastras em uma extensão de cerca de 2,9 quilômetros na faixa oeste da universidade, iniciada em 2009 e até hoje não concluída. A obra visava fechar o perímetro da UEL e do Jardim Columbia, cobrindo 1,7 quilômetro, além da divisa com o loteamento Versales 3, cobrindo uma área de 1,2 quilômetro. O prazo dado para a execução da obra foi de 270 dias corridos do contrato, porém, apenas uma parte de toda a extensão planejada teve a construção efetivada, de acordo com documentos cedidos pela Prefeitura da UEL. Entre os furtos mais comuns estão animais como bois, cavalos e porcos, além de equipamentos técnicos. Também já houve furtos na área de piscicultura. O que deve ser levado em conta não é somente o furto do animal em si, mas também o fato de muitas pesquisas de mestrados e outros projetos serem interrompidas, impedindo a conclusão de me-
ses e até anos de investimentos, como aponta o chefe da Divisão de Nutrição Animal da Fazenda Escola, Alexandre Oba. Para Oba, a segurança na Fazenda é uma questão complicada devido a extensão da área e o pouco número de vigias, que já tiveram o carro de segurança alvejado por tiros dentro da propriedade. Além da questão da segurança física das pessoas, há também a preocupação com a segurança do andamento das pesquisas realizadas na Fazenda, onde a perda de algum animal em experimento torna os resultados deficientes ou até mesmo inexistentes. ‘’Estes furtos são muito prejudiciais para as pesquisas, pois dependendo do alvo dos ladrões, perde-se muito tempo e dinheiro, e complica a vida do pesquisador e seu orientando, pois sempre temos prazo para a realização desses estudos”, explica o chefe da Divisão de Nutrição Animal, apontando a construção da cerca paliteiro ao redor da área da Fa-
zenda e da própria UEL, como fundamental para a segurança das atividades. Além de atrapalhar projetos na área animal, José Leonardo Bruno que é encarregado da Divisão de Produção Vegetal na Fazenda Escola, diz que também existem muitos trabalhos na área de alimentos e vegetais que, por conta de furtos, são interrompidos antes de terem seu estudo concluído. ‘’Tem experimentos de safra. É um ano para você tirar os resultados e às vezes entram animais dos vizinhos e acabam mexendo nos experimentos. Quando não são animais, são pessoas que roubam vegetais, prejudicando a parte de pesquisa”, explicou Bruno. O técnico de produção vegetal também contou que o problema na segurança existe desde quando foi implantada a Fazenda Escola na universidade. ‘’Começou aos poucos e foi se agravando com o aumento da população do Jardim Universitário, Jardim Columbia e Bairro João
Turquino também’’, relata. Com relação à construção da “cerca paliteiro” (estacas que parecem palitos) nos arredores da Fazenda, Bruno diz que a situação foi amenizada mas que as pessoas encontram entradas e fazem passagens para realizarem os furtos. Para ele, a solução seria juntar a produção animal com a vegetal, criando assim uma barreira maior contra as invasões, além da retomada da construção das pilastras. ‘’A administração atual está ciente do problema e esse problema já entrou na pauta do Centro Acadêmico para reaver esse projeto da construção desses pilares’’, esclarece o técnico. Os furtos de animais e até mesmo de frutas, flores e equipamentos utilizados na fazenda são geralmente lrealizados pelo portão que fica na divisa da Fazenda Escola com o Jardim Columbia. É possível ver sinais de depredação no portão, e também sinais de arrombamento nas cercas ao redor da entrada.
Apesar de muitos defenderem o término da construção das pilastras para a melhora na segurança, houve opiniões contrárias ao projeto na época em que foi aprovado. Para Evaristo Coleman, professor do Departamento de Serviço Social, o ato de cercar a UEL com muros é uma medida de afastar os vizinhos dos bairros ao redor e de privatizar um local que é público e que deveria ser de livre acesso a todos os cidadãos. ‘’Quando me mudei para Londrina em 1991, a UEL era como se fosse um parque, onde as pessoas entravam e faziam piquenique, era uma espécie de praça, e isso não pode mais agora. Virou um lugar privado, embora seja público.’’ Sobre a questão de furtos de animais, Colman, que também é diretor do Sindicato dos Professores de Ensino Superior Público e Esta-
dual e Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Londrina (Sindiprol/Aduel), diz não se tratar de ocorrências freqüentes. Na opinião dele, os furtos funcionam mais como um pretexto para o cercamento da universidade. ‘’Isso somente serve para justificar a posição reacionária desse pessoal que quer fechar a universidade. Não existe tanto roubo de animal assim como eles falam, existe de vez em quando, mas existem mais roubos feitos por gente daqui, funcionários da UEL. Aqui se roubam computadores em plena luz do dia, e não é gente de fora. Isso é coisa que não se inibe com muros.’’ Para o professor, existem outras maneiras de evitar crimes além de isolar a universidade dos vizinhos com muros, como por exemplo reforçar o esquema de segurança nos laboratórios e em locais com experimentos. (G.E)
Giovanna Escobar
Em contrapartida...
Portão que divide a Fazenda Escola da UEL do Jardim Columbia
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Há 40 anos eles levantaram a Poeira... Em meio à ditadura militar um grupo de estudantes se reuniu para criar um jornal contestador
Thaila Sayuri Nagazawa Com intenção de fazer um jornal mais político e voltado para os estudantes da universidade, os estudantes Marcelo Oikawa, Roldão Arruda, Nilson Monteiro, Cleusa Venâncio Monteiro, Célia Regina de Souza, Marília Furtado Andrade, Tadeu Felismino e Luzia Tiemi Oikawa criaram o jornal ‘Levanta, sacode a poeira, dá volta por cima’, mais conhecido como Poeira, em 1974. Quase todos participaram da experiência de publicação do jornal Terra Roxa do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Depois de perder a eleição de 1973 para o DCE, o grupo resolveu lançar um jornal, o que só foi possível depois que eles ganharam a eleição para o Diretório Acadêmico Rocha Pombo (Darp – diretório que pertencia ao Centro de Ciências Humanas CCH). Como outros dois diretórios se comprometeram em produzir um jornal (o Centro de Educação e o Diretório Acadêmico Três de Agosto/Cesulon), os três diretórios se reuniram para produzir um jornal coletivo. Em março de 1974 o jornal ‘Levanta, sacode a POEIRA, dá a volta por cima’ estava em circulação. O Jornal Escolhido por Marília Andrade, o nome do jornal vem da música ‘Levante, Sacode a Poeira’, de Paulo Vanzolini. Com proposta menos rebuscada, mais popular e humorística (tanto nos textos quanto na parte gráfica), que o Terra Roxa, o jornal Poeira voltava-se para questões estudantis e era a favor de uma democracia participativa dos estudantes na universidade. “A base central (do jornal) era tirar o estudante da indiferença, da alienação, do comodismo e trazer para uma participação”, afirma Tadeu Felismino – o único que não participou do Terra Roxa. A participação estudantil estava muito presente na produção do jornal. Estudantes podiam enviar charges de sua própria autoria para publicação; sugestões e opiniões sobre a qualidade do material podiam ser entregues aos estudantes-jornalistas (logo depois haveria a implantação das caixinhas de sugestões por todo o campus). Como em 1974 a então Fundação
Universidade Estadual de Londrina (Fuel) – leia texto nesta página – ainda não tinha o curso de Comunicação Social – Jornalismo, os fundadores do Poeira mantiveram o Grupo de Estudos de Imprensa Estudantil (Geie), fundado pelo DCE em 1972. O Geie contava com a participação de alunos de vários graus de escolaridade para produzir matérias para a página Perspectivas da Folha de Londrina e que deu origem ao Terra Roxa – que estava abandonado pela nova diretoria do DCE. A reunião do jornal era feita aos sábados à tarde e toda a comunidade era convidada a participar. O jornal era dirigido por um Conselho Editorial composto por representantes dos diretórios. Abaixo do conselho ficavam o Editor-Chefe e o Secretário de Redação, todos ligados ao Geie para não centralizar o poder e evitar burocracia. No Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH), localizado no Centro de Ciências Humanas (CCH) da UEL, fica guardado grande parte dos jornais físicos do Poeira publicados. Por terem mais de 40 anos, é necessário utilizar máscara e luvas para manusear as edições. Com o lançamento do jornal em versão digital e para preservar o acervo, o acesso à coleção física será mais restrito. Ao folhear o Poeira observa-se que é cheio de charges, ilustrações e imagens. O jornal levantava questões da comunidade universitária com humor e sátira. Muitas questões discutidas ainda se mostram presentes como: trote, vestibular, descaso com o campus, eleição para reitor, passe universitário e Restaurante Universitário. Tinha seções recorrentes como: Livros, Close (mantido pelo Cineclube de Londrina), Imprensa, Literatura, Ciências Sociais, Teatro e o Horosco-pô (que satirizava o horóscopo com previsões para os cursos da universidade). E quando uma notícia de interesse dos estudantes saía em outros veículos impressos, ela era reproduzida no jornal. As notícias produzidas pelos alunos não eram assinadas, apenas quando era uma coluna opinativa. Para conseguir a independência do
jornal para com a universidade, integrantes do Poeira vendiam anúncios. “Além dos diretórios serem pequenos, não tinham recursos, o jornal partiu para a linha de buscar uma independência. Nos primeiros Poeiras meu trabalho era vender anúncio”, relembra Felismino. Para impressão, como tinha alguns estudantes que trabalhavam na Folha de Londrina e tinham amizade com João Milanez e Álvaro Grotti, eles imprimiam o jornal após o expediente da Folha de Londrina e pagavam com o que arrecadavam. Com o tempo o jornal foi crescendo, começou a incorporar outros diretórios e chegava a ter seis mil exemplares por edição. Os estudantes, que distribuíam de sala em sala os jornais, aplicaram uma pesquisa sobre os principais problemas da UEL. Com essa pesquisa, a chapa do Poeira se candidata para o DCE e se elege com apoio da maioria. Com a boa recepção da pesquisa no meio universitário, ela foi repetida nos próximos anos. Mafalda Personagem marcante de Quino, Mafalda foi símbolo do jornal e das manifestações estudantis. Aparece na quinta edição do Poeira junto com outros personagens da tirinha. “A Mafalda foi uma personagem que fez uma diferença tremenda, por que de repente o jornal era irreverente, engraçado, o pessoal adorava ler”, lembra-se Tadeu Felismino. Além das publicações das tiras traduzidas, Mafalda também ilustrava nas reportagens a opinião editorial com falas. 13ª Edição Tendo dificuldades em continuar a imprimir o jornal na Folha de Londrina devido à pressão da Polícia Militar, o Poeira começa a ser impresso em outras cidades como Maringá, Ourinhos e até Bauru. Persistindo o problema, o grupo resolve comprar uma impressora. Por imprimir em tamanho diferente, “e para economizar, era papel jornal, o papel enroscava e demorou quatro dias para imprimir o jornal”, conta Tadeu Felismino. A primeira edição feita na impressora é a 13ª. A capa traz um desabafo sobre a dificuldade de impressão.
Os Anos de Chumbo Quando a Universidade Estadual de Londrina (UEL) foi fundada em 1970, o regime militar estava em pleno vigor e sua regência autoritária se refletia no sistema estudantil. Com seu sistema baseado no ensino americano, que é pago e com avaliação anual dos estudantes, a universidade era nominada como Fundação Universidade Estadual de Londrina (Fuel) e continha medidas que desagradavam alunos e professores. Tendo como primeiro reitor Ascêncio Garcia Lopes, escolhido pelo então governador do Paraná, Paulo Pimentel, ambos de pensamentos mais liberais, a rigidez da ditadura não era tão presente na universidade. No ano de 1972, tem-se a primeira eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE), vencida pela chapa presidida pelo estudante de medicina Márcio Almeida. Essa gestão lançou um jornal denominado Terra Roxa com colaboração dos futuros fundadores do Poeira. Em março de 1974, é lançado o jornal Poeira. Durante a circulação do Poeira, a universidade mudou sua po-
lítica, com a criação do projeto nº 169/74, em que tratava do regime disciplinar do corpo discente, que apresentava proibições além das previstas no decreto 477, ‘vestir em desacordo com o estabelecido, insuflar ou incentivar animosidade entre membros da comunidade universitária e usar sem autorização qualquer meio de comunicação que seja contra à ordem da vida acadêmica ou danoso ao patrimônio da universidade’. Refeita por causa da pressão estudantil e da divulgação feita pelo Poeira desde sua segunda edição, o projeto nº 169 só foi votado três anos depois. Foi feita uma reunião com o Conselho Universitário e a Reitoria para a votação do projeto. Durante a reunião, o movimento estudantil organizou a primeira passeata no Campus contra a aprovação e chegou a atear fogo no regimento como forma de protesto. E um ano depois uma carreata foi feita do Campus até a Concha Acústica contra o projeto e o decreto 477. Com a insatisfação e pressão estudantil o projeto elaborado pela universidade não foi aprovado e posto em prática.
Lutas do movimento Poeira Em novembro de 1974, logo após a posse da chapa Poeira no Diretório Central dos Estudantes (DCE), os membros lutaram para a federalização da universidade, para alcançar o ensino público gratuito e afastar-se assim do sistema americano de ensino (leia texto nesta página). Para isso enviaram um pedido de audiência em Curitiba com o então presidente Ernesto Geisel e o ministro da educação Ney Braga. Eles levaram para a reunião um abaixo-assinado com mais de 5 mil assinaturas. Apesar de não conseguirem aprovar a federalização da Fuel, a luta para o ensino público não foi esquecida.
No ano seguinte, o jornal perde força na parte de humor, pois alguns colaboradores saíram, entre eles o cartunista Marcos Villa, que foi estudante de Sociologia e trabalhava na Folha de Londrina na época. Mesmo assim o Movimento Poeira se mantinha forte no DCE. Porém entre a eleição e a posse, o professor e diretor do Centro de Ciência da Saúde (CCS) Nelson Rodrigues Santos foi preso sem explicação. “O objetivo era aterrorizar, porque ninguém sabia o critério [da prisão]”, afirmou Felismino. Para protestar contra a prisão, o discurso de posse seria em defesa do professor. Porém, no dia do discurso, a Polícia Federal recebe uma
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Quando a primeira edição do Poeira foi lançada, o Brasil vivia em sua época mais rígida e autoritária da ditadura militar. O Ato Institucional nº 5 (AI-5) entrou em vigor em 1968, e diversos decretos contra a liberdade de expressão e informação foram postos em prática, tais como: a suspensão de direitos, proibição de atividades e manifestações políticas e censura prévia à imprensa. Um ano depois, o governo lan-
ça o decreto-lei nº 477, também chamado de “AI-5 das universidades” que tinha como objetivo punir professores, alunos e funcionários de universidades que incitem greves, destruam patrimônio público, iniciam passeatas não autorizadas, pregam contra o regime governamental e imprimam e distribuam material subversivo. Contra este decreto, o jornal critica já em sua primeira edição.
Evento discute jornal quatro décadas depois No dia 30 de maio, das 8 às 18hs, haverá uma oficina de memória sobre os 40 anos do jornal Poeira, com debates, mostra dos jornais e lançamento da coleção digital do jornal. A oficina faz parte da I Semana de Jornalismo do Norte do Paraná promovido pelo curso de Jornalismo da UEL. 08:00 - Recepção e Credenciamento 09:00 - Abertura oficial 09:30 - Lançamento da coleção digital do jornal Poeira e mostra sobre a coleção física 10:00 - Debate com os fundadores do jornal
12:00 - Intervalo para Almoço 14:00 - Oficina de Memória: depoimentos de participantes do jornal e do movimento estudantil da UEL, previamente agendados, para estudantes de Jornalismo da UEL. 16:00 - Debate sobre “Juventude e Movimento Estudantil no Brasil: passado, presente e futuro” 18:00 – Encerramento Mais informações na página do jornal https://www.facebook. com/jornalpoeira ou na página do evento https://www.facebook.com/ events/617350288333110/?ref=5
denúncia anônima sobre uma bomba no teatro e a reitoria muda o local da posse. “Na mesa principal era o conselho de administração, todos os diretores, o reitor e o estudante que seria empossado. Estavam todos na mesa, só faltava um que estava preso”, conta Tadeu Felismino. Ao ler o discurso, a maior parte dos professores ficou constrangida. “Teve impacto, e não foi por acaso que o [professor] Nelson foi o primeiro libertado poucos dias depois”, relembra Felismino. Em 1976, o Poeira conquista o meio passe universitário – na época a meia passagem estudantil valia apenas até
o atual Ensino Médio. Mesmo sendo uma reivindicação de 88% dos universitários, houve uma grande oposição. O Movimento Estudantil do Poeira conseguiu derrubar o exame final obrigatório, em junho de 1978, que obrigava o estudante a fazer a prova independente do aproveitamento, medida que desagradava tanto alunos quanto professores. Para tal mudança, foram recolhidas mais de 3 mil assinaturas em abaixo-assinado e aprovado pelo Conselho Universitário que substituiu o exame final obrigatório para exame final para aqueles com média final abaixo de 7 (hoje a média final é 6).
Felismino: “A gente ia fechar o jornal, varava a madrugada, saía de lá às seis horas da manhã feliz da vida e ia de sala em sala entregar”
Arquivo CDPH/UEL
O movimento estudantil e a ditadura
“Não é problema o modelo [de ensino], o problema era a ditadura”, afirma Felismino. S.W.A.T. Com a vitória de mais um ano da chapa Poeira na eleição do DCE, a política na UEL começou a ser mais ostensiva. A Assessoria Especial de Segurança e Informação (Aesi) da UEL começou a vigiar de perto o movimento. E para isso recrutou os guardas patrimoniais do campus para “treinamento de controle dos distúrbios civis”. Para criticar a vigilância, a edição seguinte do Poeira publicou uma matéria satirizando a guarda com o apelido de S.W.AT., em referência à famosa série americana da época. Extinção dos diretórios Com a hegemonia do Movimento Estudantil do Poeira, o então reitor José Carlos Pinotti extingue os diretórios acadêmicos em novembro de 1978, cassando todos os mandatos e os bens. “O bem que importava para eles era a impressora, que era a independência do jornal. Por pressão da reitoria, tivemos que tirar o DCE da Casa do Estudante, só que a máquina era muito grande e ficou. Quando aprovaram a decisão, os guardas da S.W.A.T. derrubaram a parede e levaram a máquina”, diz Felismino. Fim do Poeira Quando foi aprovada a extinção dos diretórios, alguns estudantes estavam reunidos na Antiga Casa do Estudante e mais estudantes foram mobilizados para impedir o fechamento do diretório. Com a chegada dos professores, os alunos decidem não sair da sala. “Ficamos lá, acho que mais de ano. Por que entramos em processo de vigília, no começo ficava bastante gente, 24 horas por dia”, recorda Felismino. Já o jornal começa a ter mais edições especiais sobre a resistência do que as edições regulares, ficando com menos conteúdo variado e mais político. “Saíram duas ou três edições do Poeira, mas já eram edições especiais falando especificamente sobre a resistência e a rearticulação da UNE, mas aquele movimento de base já tinha acabado”, diz Tadeu Felismino com certa tristeza. Após meses de resistência e esfriamento do assunto, a reitoria chama a Polícia Militar para desocupar o local. Os dois estudantes presentes foram mandados para suas casas e tomaram a sede. Termina assim o jornal estudantil que teve mais de 30 edições (regulares e especiais) e com média de seis mil exemplares de tiragem.
Thaila Sayuri Nagazawa
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A edição oito do Poeira, em que o segundo período do curso de Comunicação criou um texto em cordel protestando contra o vestibular, as altas taxas e a incerteza do retorno do investimento
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Universitários conservam suas crenças dentro de espaço laico
Atuação de grupos religiosos e uso da capela instigam discussão velada André Costa Branco “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” É estranho imaginar a insigne passagem do Evangelho de João sendo exaltada dentro de uma universidade declaradamente laica como a Universidade Estadual de Londrina (UEL), mas isso acontece – e dentro de uma legitimidade no mínimo tolerável. Isabelle Freitas, estudante do terceiro ano de Serviço Social, é quem faz a menção ao versículo bíblico. Ela está ministrando a palavra, após 20 minutos anestésicos de louvor, em sua pregação do Pockets, um dos grupos cristãos presentes na UEL. Era para ser uma terça-feira como outra qualquer, e de fato é, porque todos ali vão por fim deixar aquela porta com uma rotina a cumprir. Mas não se vê todo dia pessoas genuinamente envolvidas com tanta emoção em um horário de almoço. O Pockets tem como uma de suas metodologias o estudo bíblico dedutivo, em que a mensagem é mais unidirecional do que interpretativa. Talvez isso fortaleça tanto mais a comunicabilidade de Isabelle. Toca violão e canta, prega e ora, brinca com os conhecidos e acolhe os “rostinhos novos”. “A nossa ideia não é vir como uma instituição igreja, mas como um corpo de Cristo. A gente fala uma linguagem fácil porque Deus ministra para nós em uma linguagem fácil. Deus é simples”, salienta a jovem. Laicismo O encontro, assim como o de alguns outros grupos religiosos, transcorre dentro da capela ecumênica da universidade. A construção é uma réplica da primeira capela erguida em Londrina, no ano de 1934, e por isso, para Mirian Donat, diretora geral do
André Costa Branco
Capela ecumênica da Universidade Estadual de Londrina: contradições religiosas e administrativas Centro de Ciências Humanas, sua edificação tem um porquê mais “histórico” do que “religioso”. “É como a Casa do Pioneiro. Não é uma casa, mas um símbolo histórico, como a capela não é uma igreja. E dentro da Casa do Pioneiro funciona um projeto [o IPAC/LDA, Inventário e Proteção do Acervo Cultural de Londrina]. Da mesma forma, a capela está ali para servir às atividades acadêmicas”, expõe Donat. A neutralidade religiosa é uma preocupação constante na UEL, assegurada pela soberania do laicismo caucionada no Regimento Interno da instituição. Na academia e no próprio corpo administrativo, não obstante, o consenso para a caracterização desse laicismo não é tão sólido. O que se tem estabelecido é que toda atividade respaldada pela Universidade tem de submeter-se exclusivamente à pesquisa, ao ensino ou à extensão. O cunho religioso da discussão desemboca, assim,
no conflito entre os interesses público e privado. Nos últimos anos, resoluções, denúncias, notificações e processos administrativos restringiram a expressão religiosa – e o consequente uso da capela – respaldados pela UEL. As medidas se desenrolaram eu um contexto no qual a lógica do mais-histórico-que-religioso foi revertida. Missas, batizados e até casamentos chegaram a ser realizados no espaço. Por meio do Ato Executivo de número 045/05, a ex-reitora Lygia Pupatto proibiu a divulgação de informações “que não tenham relação direta com os fins institucionais da Universidade, sejam aquelas de fundo comercial, religioso, filosófico, político, dentre outras” em documentos oficiais que circulem na comunidade universitária. A resolução considera “a incidência de distribuição e veiculação de informações estranhas aos objetivos desta Universidade, em documentos expedi-
dos por órgãos, divisões, programas, dentre outros segmentos desta Instituição” e é, na prática, uma resposta à divulgação feita pela Assessoria de Comunicação da UEL de atividades promovidas pela Pastoral Universitária. Em 2009, o então reitor Wilmar Marçal, com o interesse de normatizar as atividades da capela, encaminhou ao Conselho Administrativo da Universidade proposta de incumbir algum órgão interno à função. Foi a partir daí que a diretoria do CCH ficou responsável por agendar e gerenciar os eventos. O novo direcionamento, porém, foi cercado pelo entendimento de que o local seria de fato manejado como um espaço religioso. Paralelamente, à mesma época, uma denúncia feita ao Ministério Público acusava a instituição de promover manifestações católicas. A Procuradoria Jurídica da UEL foi notificada, e dali em diante atividades já “tradicionais” deixaram de ser promovidas na cape-
la, levantando considerável polêmica na comunidade externa. “Até alguns anos atrás o Centro de Ciências Agrárias realizava uma missa por lá todo fim de ano. E tiveram que parar, pois era uma atividade vinda dos cursos, da própria universidade, uma manifestação tida como oficial”, lembra Mirian Donat. Grupos Ainda assim, pode-se deparar com confraternizações religiosas dentro da universidade, e isso só é viável por se tratarem de reuniões “espontâneas”. “Isso tudo não impede que as pessoas individualmente possam se manifestar”, atesta Donat. “Não podemos cercear a liberdade delas.” E aí é que entram grupos como o Pockets. Eles não são catalogados ou registrados pela Universidade, e sua atuação é comparável a de um conjunto de conhecidos que voluntariamente se dispõem a praticar a sua crença. Informações a respeito de quantos são esses grupos, portanto, não são mais que estimadas. A diversidade, dentro do que se pode apurar, recai mais para os cristãos. Os nomes passam, além do Pockets (um braço do Ministério Dunamis, de São Paulo), por Aliança Bíblica Universitária (que, de camuflada em Londrina, foi proibida na Uninorte), Grupo de Oração Universitária e outros mais esporádicos. Das outras religiões, o grupo mais lembrado é a seção londrinense do Núcleo Espírita Universitário. Na Biblioteca Central encontra-se, em um edital curiosamente dedicado à divulgação dessa sorte de encontros religiosos, alguns folders de 2011. O site redireciona para uma matriz nacional, e o telefone disponibilizado para a região de Londrina tem sete dígitos. Os e-mails da reportagem não foram respondidos. A reportagem também ouviu relatos individuais de iniciados em religiões africanas e adeptos do budismo. Ninguém que tenha ciência de grupos organizados e periódicos, mas houve simpatia com a ideia. Afinal, liberdade para isso, por incrível que possa parecer, existe na Universidade Estadual de Londrina.
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“Essa é a minha área”
Bruno Petri
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Conheça estudantes que tocam em bandas, mas cursam disciplinas distintas à música
Bruno Petri Já pensou trombar com Bruce Dickinson no CCH (Centro de Ciências Humanas), ou encontrar no CCE (Centro de Ciências Exatas) Greg Graffin? Pois é, isso seria possível porque o primeiro, vocalista do Iron Maden, é graduado em História, e o segundo, vocalista da Bad Religion, além de geologia, tem Ph.D. na área de zoologia. Seria crível, também, ver a banda Queen inteira no R.U. (Restaurante Universitário), já que o líder Freddie Mercury cursou Design Gráfico; o bateirista Roger Taylor, biologia; e o guitarrista Brian May, física. Os astros do rock não pararam de fazer música mesmo cursando disciplinas sem som e harmonia. Partindo desses exemplos, o TARJA PRETA conversou com três universitários da UEL que estudam áreas distintas, mas não abrem mão de tocar nas horas vagas. Lay Soares A estudante de psicologia, Lay Soares, canta no {Si}monami, banda que formou com a irmã e outros amigos. “A gente se juntou numa noite, e aí aconteceu de nós tocarmos juntos. A gente se reunia numa praça em Curitiba para cantar”, conta. “Uma vez, um gringo estava passando e viu a gente tocando. O nome dele é Simon. Ele foi o cara que nos incentivou a formar a banda.” Simon também é o responsável pelo nome do grupo. O prefixo si refere-se ao colega estrangeiro, e mon ami é uma expressão francesa cujo significado é “meu amigo”. A banda tem um EP lançado em 2011 e um álbum com 9 faixas de autoria própria registrado em 2013. As letras poéticas não se encaixam em um único estilo. “Me disseram que é folk rock”, brinca. “São várias pessoas na banda, e cada um tem a sua influência. Então, para juntar tudo isso e dar um nome é muito complicado.” A música entrou na vida de Lay Soares depois de sua irmã ter ido embora de casa. As duas eram muito unidas. Lay disse que passou a compor para tentar substituir a soli-
dão. As letras vieram de seu diário, e aos poucos foram ganhando acordes. A banda {Si}monami tem em seu repertório a canção que leva o nome “Irmã”, provando como a vida e a experiência da universitária são influências nesta e em outras composições. Além de sua rotina diária, livros e filmes também inspiram a universitária. A paixão pelo escritor Gabriel García Márquez e pelo cineasta Pedro Almodóvar se deu pelo amor que a estudante tem pela língua espanhola. “Gosto muito da pronúncia das palavras em espanhol”, explica Lay que também compõe no idioma castelhano. Jacques Chiba O estudante de Administração, foi entrevistado enquanto ensaiava com a banda Mour, uma das cinco em que ele faz parte. O local pequeno e aconchegante era tomado por covers de Mumford & Sons, Of Monsters And Men e canções próprias. A música para Chiba começou muito cedo. “Eu tenho um padrinho que é músico, e teve um tempo que minha mãe não podia cuidar de mim em casa nem outra pessoa da minha família, porque todos trabalhavam. Então meus padrinhos se comprometeram a tomar conta de mim até o horário da escola”, disse. “Esse contato fez a minha relação com a música começar. Meu padrinho me ensinou bateria, sem cobrar nada de mim. Ele fez isso por paixão.” Além de estudar e tocar bateiria, o universitário luta karatê. O estudante explica os valores que aprende na arte marcial e ainda a compara com a música: “luto karatê porque me ensina disciplina, respeito e persistência, e isso eu encontro na música também”. A banda Mour tem cinco integrantes e não vive só de covers. Eles têm em seu reportório oito canções de autoria própria. Segundo Jacques Chiba, o grupo toca blues, pop e folk, sendo este o estilo que mais agrada o conjunto. Nos últimos meses, a Mour viu sua agenda de shows aumentar. Já tocaram
no Vitrola Bar e tem apresentações marcadas no Bar Valentino. A banda ainda não tem álbum gravado, mas posta vídeos no site YouTube e no canal Mour M.. Os outros membros da banda, que também são estudantes (três cursam Música e um Ciências Socias), brincaram com a possibilidade de usar o dinheiro da bolsa de projeto de pesquisa para pagar o aluguel do estúdio. Porém, se os shows renderem, o estúdio será orgulhosamente pago com o dinheiro da própria bilheteria. Matheus Scheffer As apresentações já fazem parte da rotina do estudante de Biologia, Matheus Scheffer. O universitário toca na banda country Jukebox Dudes, que mensalmente faz shows no Flannigan’s Irish Pub. Matheus foi garçom no bar, e hoje é atração requisitada. “No Flanningan’s, a gente toca todo mês. No Hush já nos apresentamos e até participamos de um festival com mais outras três bandas country aqui da região. Já tocamos no Menina’s Bar, em festa de rep (gíria para república), no Arraiá da Vet e em festas particulares.” Assim como Chiba, Matheus começou na música ainda criança. “Toco desde meus oito anos, e de início foi o piano. Fui começar a tocar baixo faz uns quatro ou cinco anos, porque estava precisando de um baixista na minha igreja. Então, meu irmão pegou um violão e me ensinou algumas notas.” Há pouco tempo que o estudante de Biologia procurou se aperfeiçoar com o instrumento. “Só fui começar a fazer aula com professor esse ano”, disse Matheus que também confessou, modestamente, ter um pouco de dificuldade por ser autodidata na música e estudá-la por conta própria. A Jukebox Dudes existe há um ano e meio. O estilo country foi escolhido porque um dos integrantes, e também ex-funcionário do Flanningan’s, viajou para o Texas e de lá extraiu e trouxe a cultura musical cultivada no Estado norte-americano. A banda não tem música própria, mas resgata clássicos do cou-
Além de Tiba, um aluno de Ciências Sociais integra a Mour
Por que não música? Mesmo amando o universo musical, outras áreas do conhecimento foram escolhidas por esses estudantes, que deixaram o palco para os fins de semana. Lay Soares hesitou ao responder por que decidiu estudar psicologia. “Está aí a pergunta que não quer calar. Eu ainda não sei direito. A princípio eu escolhi porque meus amigos me influenciaram e minha família também. A minha tia fez psicologia e aí vi que era um curso legal”, explica. Lay conta que encontrou em seu curso maneiras que ajudam em seu processo de composição. A teoria de Freud e o método experimental de Skinner são utilizados por ela. Visando o futuro, Jacques Chiba planeja seu rumo e sua carreira. “Para conseguir um emprego com uma remuneração mais avantajada, escolhi o curso de administração porque ele oferece um leque maior de opções e oportunidades. Então, decidi primeiramenntry, como Alan Jackson e Johnny Cash, e adaptam músicas atuais para o estilo musical do conjunto. A música não para no campus mesmo para aqueles que tomam atitude de rockstar estudando em laboratório científico, calculando lucro líquido de uma empresa ou analisando casos psicológicos ao lado
te cursar administração e mais tarde estudar música, como um hobbie e meta de vida”, completa, denunciando seu amor à arte. Jacques vê que seu curso ajuda na organização da banda. “Algumas vezes ‘departamentalizamos’ as músicas, tipo: o que deve ser melhorado na guitarra, no baixo e no vocal; que instrumento a gente pode usar a mais; qual é o custo que a gente vai ter com as gravações, qual é o retorno esperado e em quanto tempo.” Matheus Scheffer não irá abrir mão de se tornar professor. “A música eu levo como um hobbie. Como profissão, sempre quis ser professor.” Porém, entre um plano de aula e uma correção de prova, Matheus não irá largar seu baixo. Daqui a uns anos, o futuro docente irá dedilhar muito o instrumento, mantendo no bolso uma caneta bic vermelha para avaliar os alunos que não curtirem seu som. Brincadeiras à parte. (B.P.) de um divã. As disciplinas podem ser discrepantes quanto à ciência da música, porém isso não desliga a caixa de som desses artistas universitários. “Essa é a minha área”, finaliza Jacques Chiba ao destrinchar com êxito, no ensaio da Mour, um solo da banda Pantera. Pois é, a música também é deles.
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Isto ou aquilo, eis a questão
Natália Dourado A maioria dos estudantes, na infância, certamente já ouviu a seguinte pergunta: “O que você quer ser quando crescer?”. Alguns tinham a resposta na ponta da língua e outros não sabiam o que responder. O tempo passou, e algumas respostas se mantiveram, outras foram modificadas e realizadas, e algumas ainda estão para ser respondidas. Afinal, escolher a profissão é uma tarefa difícil e, às vezes, angustiante. A Universidade Estadual de Londrina (UEL), assim como várias universidades, tem uma porção de estudantes que deixam de concluir a graduação. Isso ocorre por vários motivos. O principal alegado pelos evasores é a falta de afinidade com o curso que escolheram. Segundo dados da Pró-Reitoria de Graduação, a Prograd, referentes aos anos de 2005 à 2010, os cursos que mais sofrem com a evasão são: Matemática e Física, entre as ciências exatas, Filosofia e Sociologia entre as humanas. O mais curioso é que, apenas 10% à 15% dos evasores realmente não deixam o sonho de se formarem em uma universidade morrer e continuam a procurar o que realmente os façam felizes. Foi isso que o estudante de Educação Física, Paulo Paiva, de 26 anos fez. Ele deixou o curso de bacharelado em Letras-Francês e, nesse ano, iniciou o curso licenciatura em Educação Física. “Eu comecei a ver outros benefícios e ambições pessoais que a licenciatura oferece, diferente do bacharelado, que não te dá muitos caminhos. Com a Educação Física estou realizado”. Paiva contou também que largou o curso por estar desmotivado e querer somente o diploma de graduação. Agora, feliz com a escolha que fez, ele sonha em seguir a carreira de docente. Dois anos atrás, Ana Luísa Casaroli, de 20 anos, estava redigindo reportagens e narrando fatos na disciplina de rádio na gradua-
Natália Dourado
Na busca de encontrar uma profissão satisfatória, jovens mudam de escolhas sem medo de serem felizes
Apenas 10% à 15 % dos evasores trocam de curso
ção de Jornalismo pela UEL. “Decidi fazer jornalismo porque sempre gostei muito de escrever e porque achava muito interessante a preocupação com o factual. Acredito que o jornalista é um profissional bastante culto e engajado com as questões sociais”, disse Luísa. Segundo ela os dois anos no curso foram bem agradáveis e lhe renderam grandes aprendizados. No entanto, ela decidiu interromper o curso por perceber que “o jornalismo não era a área de atuação profissional em que gostaria de estar”. O curso ainda interessava Luísa, porém, “a profissão não se encaixava naquilo que eu imaginava e desejava para o meu futuro.” Inicialmente, a Psicologia a deixou um pouco apreensiva por achar que o curso demandaria, além de uma grande carga teórica, muita leitura e muito estudo. Mesmo assim, ela seguiu em frente por “se tratar de uma graduação rica e um tanto instigante por abordar questões interna do ho-
mem”. “Escolhi a faculdade de Psicologia justamente por esse meu interesse em questões intrinsecamente humanas. Enquanto o jornalismo debruça-se sobre o social, a psicologia tem um olhar mais no indivíduo, em sua subjetividade e em sua unicidade”. Agora, realizada e satisfeita na escolha que fez, Luísa pretende seguir na área da Psicanálise Infantil, “a qual me encanta bastante desde o início da graduação”. Trocar o Vade Mecum pelas partituras foi uma escolha e tanto para Arthur Faraco de 19 anos. Depois de estudar Direito por um ano e meio, ele decidiu se dedicar ao que sempre gostou de fazer, música. “Eu estava saindo do terceirão e já pensava em fazer música, mas fui desestimulado pelo motivo que todo mundo já sabe”. Faraco ouvia opiniões dizendo que a música não lhe daria um futuro, além de não oferecer estabilidade financeira. “Daí eu acabei caindo nessa”, disse. Atraído pela parte de humanas ele escolheu estudar
para entrar no curso de Direito na UEL. E ele gostava? “Não”, responde o estudante aos risos. O primeiro ano já não o deixou animado, porém, mais uma vez ele ouviu as vozes alheias que diziam “o primeiro ano é assim mesmo”. Então, decidiu continuar no segundo ano para ver se definitivamente não era aquilo que queria. “Daí, eu vi como era o curso, tinha professores muitos bons, muita matéria, mas eu ainda não me adaptava, não gostava, então eu vi que eu não queria trabalhar com aquilo”. Já expondo a ideia para amigos e familiares que não estava gostando do curso, ele disse que sofreu um pouco de pressão dos pais para se manter no direito. “Eu fui indo pelas brechas”, disse. Com a inscrição já finalizada, ele até pensou em terminar o segundo ano, mas decidiu se dedicar aos estudos, principalmente para a prova de habilidade específica, realizada antes da prova objetiva. Na primeira chamada de 2014,
Faraco foi convocado e, finalmente, começou a estudar o que sempre sonhou. “Eu já conhecia muitas pessoas aqui, inclusive alguns professores e o legal é que se trata de uma turma pequena, então a relação de aluno com professor é bem bacana, você pode conversar mais, tem bastante flexibilidade pra muita coisa, os professores são muito bons e o currículo de música da UEL está muito bom”. Como o curso de música na UEL é voltado para licenciatura, ele contou que estava com um pouco de medo das matérias que envolviam a educação, mas garantiu que está gostando, inclusive dos estágios, onde ele tem que ir até as escolas. Além de estudar música, Faraco toca na banda Hocus Pocus Machine e, futuramente, quando se formar, pretende conciliar o ensino com as apresentações. Se a Psicologia foi a segunda e definitiva escolha na vida de Luísa, já para Júlia Levy, 20, foi a primeira. Na mesma turma de Faraco, ela sempre teve a música muito presente em sua vida. “Música sempre foi um atrativo para mim, pois meus pais são músicos, então sempre tive um contato muito próximo com esse mundo.” Além de Psicologia, Júlia estudou Fisioterapia, ambos por pouco tempo, já que a música era sempre mais forte. “Só não fiz música por insegurança”, revelou. A insegurança a fez hesitar um pouco antes de escolher o curso: “Eu não fazia ideia do que seria o curso de música, mas senti que precisava dar uma bisbilhotada. Fiz essa escolha pois gosto muito de ter música e músicos ao meu redor”. Júlia está adorando o curso e afirma que “a grade curricular é fantástica e os professores também”. Ela ainda não sabe o que esperar do futuro, pois ainda se sente insegura e exposta com a música. “Mas espero conseguir superar, transmitir e ensinar muita gente com o que estou aprendendo nesse curso”.
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Fotos: Cesar Lopes
Alternativa sobre duas rodas
Cresce número de pessoas que vão de bicicleta para a UEL; as vias de acesso continuam desprovidas de ciclovias e calçadas Lila Cavalcante No lento fluxo de automóveis que é escoado diariamente pelo único portal do campus da Universidade Estadual de Londrina (UEL) há um contingente que contorna o problema. Não são as motos que costuram entre os carros. São os ciclistas. O empecilho que eles enfrentam não é o engarrafamento, porém, um caminho tortuoso: têm que dividir um estreito canto da rua com automóveis que não respeitam o 1,5 metro de distância das bicicletas – estipulado pelo artigo 58 do Código de Trânsito – ou então precisam subir na calçada quando a partilha do asfalto fica impossível diante do comportamento hostil dos apressados para esperar na fila. Entre aqueles que elegeram os pedais como meio de transporte estão estudantes, professores e um expressivo número de funcionários. A prefeitura do campus
declarou não possuir estatísticas quanto à circulação de veículos sem motor dentro da UEL. Contudo, percebe-se que a gama de bicicletas espalhadas pelos quatro cantos da universidade, muitas vezes ignorando os avisos de “proibido estacionar e circular motos e bicicletas”, anunciado em placas, é substancialmente maior se comparada à de 2013. Bruno Pacheco, estudante de Ciências Sociais, aponta o movimento coletivo como um incentivo para ir de bicicleta, “Assim que dá a gente faz uma caravana, de uns três ou quatro amigos, dá bem mais segurança e o ambiente fica bem menos hostil, e nós nos sentimos confiantes para fazer isso todos os dias”. Os caminhos que levam à UEL são desprovidos de ciclovias, ciclofaixas e até mesmo de calçadas, tanto no acesso pela Avenida Castelo Branco, como no da rua Faria
Lima. Além disso, o comportamento dos motoristas de Londrina não ameniza a falta de estrutura para o ciclismo urbano. Segundo Carlos Morais, comerciante que leva a filha todos os dias para a UEL: “As bicicletas atrapalham quase tanto quanto as motos, porque são difíceis de enxergar. Os motoristas têm a responsabilidade de ficar sempre atentos, porque se pegar alguém no ponto cego a culpa é toda nossa. Tem que ter um parafuso a menos para sair pedalando por aí todo dia”. De acordo com o Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR), o número de multas em 2013 foi 4,2% maior do que no ano anterior. Excesso de velocidade e avanço do sinal vermelho são as principais infrações cometidas na cidade. Isso faz com que andar de bicicleta pela cidade possa ser considerado, na melhor das hipóteses, uma aventura.
Estudantes e professores em passeata, realizada em 2013, por implantação de ciclovia e melhorias na acessibilidade no caminho para a UEL
Por dentro do assunto Breno Castello Branco Lopes, estudante de música e ciclista de longa data, pedala entre 10 e 30 quilômetros em dias de semana. É comum vê-lo à tarde pelo campus da UEL com o violino nas costas, em sua bicicleta equipada de retrovisores, luzes, adesivos refletores, garupa e bolsinhas com ferramentas. Ele organizou uma bicicletada em 2013 pela adição de uma ciclovia no projeto de duplicação da Avenida Castelo Branco. Em entrevista ao Tarja Preta, Lopes afirma que como não houve retorno da prefeitura, pretende repetir o evento este ano. T.P. -Quais foram as propostas apresentadas para a instalação de ciclovia no caminho da UEL? B - A Castelo Branco será duplicada e está em processo de licitação e desapropriação do terreno necessário para a construção da calçada e da ciclovia. Planejamos fazer outra bicicletada para exigir a instalação. Na Faria Lima ainda não há previsão para uma ciclovia, mas mais para a frente nós podemos nos movimentar para isso. T.P. -Quais melhorias em infraestrutura você recomenda que sejam feitas na UEL para facilitar a vinda dos ciclistas? B - Os paraciclos da UEL são desatualizados, pois são do tipo que prende na roda, e as rodas são removíveis. Tanto o do RU, como o do CCE e o do CESA, que inclusive é novo,
têm o jeito de prender antigo. O certo seria que houvessem paraciclos onde a bike fica presa pelo cano. Mas uma ideia que eu tenho é a de transformar todas as primeiras vagas dos estacionamentos que se localizam diretamente ao lado das guaritas em vagas para bicicletas, porque onde cabe um carro, cabem 10 bicicletas. E quando essas vagas ficarem cheias, ocupar a vaga ao lado e assim por diante. T.P. - Teria algum conselho a dar para quem está começando a andar de bicicleta no dia-a-dia? B - Aconselho começar por trajetos curtos, em parques, e não pegar avenidas. Depois ficará mais fácil incorporar no cotidiano. A criança precisa primeiro engatinhar para depois ficar de pé, andar e correr. Quanto à bicicleta é o mesmo processo. Acho que deveria ter um curso sobre como andar de bicicleta na cidade. T.P. -Você considera andar de bicicleta uma questão de atitude? B - No meu caso não, porque eu sempre andei de bicicleta desde criança. Com 13 anos eu já ia de bike para a escola, uma hora virou rotina. E como eu nunca tirei carteira [de motorista] a bicicleta sempre fez parte da minha vida. Alguém que dirige todos os dias, resolve deixar o carro na garagem e passa a ir de bicicleta, aí sim eu considero uma questão de atitude. Andar de bicicleta não é uma questão de salvar o mundo, é de gostar. (L.C)
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Cidades
Luta pela redução da tarifa busca maior apoio popular O movimento agenda eventos através das redes sociais para colocar o debate em pauta e conscientizar sobre as dificuldades do transporte público
Lilian Torres A discussão sobre a tarifa do transporte público, em Londrina, uma luta que vem acontecendo há mais de 10 anos, deu origem ao Comitê pelo Passe Livre, que defende um leque de bandeiras. Entre elas está a isenção de tarifas para estudantes e a estatização do transporte, mas é a redução do preço da passagem de ônibus que une o movimento em um objetivo comum desde o seu início. O Comitê pelo Passe Livre foi criado após a morte do estudante Anderson Amaurílio da Silva, em 2003, em um ato que aconteceu no terminal central contra um aumento do preço da passagem. Os manifestantes buscavam impedir a saída dos ônibus quando um dos veículos acelerou e passou por cima de Amaurílio. Após o incidente, os manifestantes sentiram necessidade de organizar a luta a fim de evitar mais mortes e alavancar suas reivindicações, o que culminou na criação do Comitê em janeiro de 2005. Em quase 10 anos de luta desde sua formação, uma das principais conquistas do Comitê pelo Passe Livre foi o processo de reversão da demissão dos cobradores em 2011. A prefeitura e as empresas encarregadas do transporte público alegavam que a mão de obra é um dos maiores pesos na planilha que define o preço da tarifa, justificativa que usaram para tentar dispensar os cobradores. O Passe Livre se organizou
Nesser Andrade
Manifestantes saem às ruas em protesto ao preço da passagem de ônibus para lutar contra a demissão em massa, fazendo manifestações em frente ao terminal central. “Colhemos assinaturas, conversamos com as pessoas e de fato havia uma indignação muito grande com a qualidade do transporte.”, conta Maíra Vieira, estudante de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e membro do Comitê. “Fomos à garagem do terminal conversar
com os trabalhadores porque não era uma pauta só dos usuários do transporte, mas também deles.” No ano passado, a tarifa foi reduzida duas vezes. A primeira, em junho, mudou de R$ 2,45 para R$ 2,35, reflexo da isenção dos impostos federais PIS e do Cofins (que incidem sobre a folha de pagamento), definida pelo governo em maio. A segunda redução, em julho, foi por conta da isenção do
ICMS, imposto estadual sobre a circulação de mercadorias, mudando de R$ 2,35 para R$ 2,30. Várias bandeiras entraram em pauta após as “jornadas de junho”, manifestações ocorridas no ano passado a partir de protestos contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo e que se espalharam por todo o país. Assim, o movimento pelo Passe Livre de Londrina conseguiu maior apoio
do público. O movimento espera, entretanto, que o transporte público seja efetivamente debatido. “As pessoas percebem que alguma coisa está errada, porém esse nível de conscientização é muito incipiente e ainda não permite à população como um todo se organizar e impor o seu juízo crítico acerca da tarifa.”, diz Murilo Pajolla, membro do Comitê. Os planos do Passe Livre para 2014 incluem a Campanha Contra a Repressão e Criminalização dos Movimentos Sociais para se posicionar contra o impedimento de suas atividades reivindicatórias, principalmente por ser o ano em que o Brasil sediará a Copa do Mundo. Segundo Willian Casagrande Fusaro, também integrante do comitê, a repressão prejudica o movimento: “Existe uma série de repressões que sofremos. Com isso temos uma dificuldade maior, as pessoas às vezes têm receio de perder o emprego, sair na TV, ou de serem reprimidas.” O objetivo do Comitê é massificar o movimento no sentido de conscientizar a população. “Quando atraímos, por exemplo, não só estudantes da graduação ou já formados, mas trabalhadores e estudantes do ensino médio, conseguimos ver que eles têm um numero de opiniões muito ricas que podemos agregar para fortalecer o debate. E acreditamos que ir para a rua é o caminho para conseguir os resultados.”, diz Fusaro.
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Descarte irregular de lixo
Igapó inseguro Moradores ainda se queixam de violência e tráfico no local, mesmo após implantação de posto da Guarda Municipal
Bruno Amaral Londrina possui mais de 250 pontos irregulares de despejo de resíduos. A informação é da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU) responsável pela fiscalização e limpeza destes pontos. Segundo a CMTU, a maioria destes locais está localizada na área urbana, não muito longe do centro. Apenas três lugares possuem cadastro e autorização do IAP (Instituto Ambiental do Paraná) para poder receber os resíduos, sendo dois deles na zona norte e um na zona sul. Estes lugares são conhecidos como PEV (Ponto de Entrega Voluntário), voltados para depósito de entulhos em geral, mas principalmente para restos de construção. De acordo com o gerente de resíduos da CMTU, Gilmar Domingues Pereira, a prefeitura precisa gastar aproximadamente R$ 70 mil para receber os resíduos do pequeno gerador, ou seja aquele que gera até um metro cúbico de resíduos ao final de uma obra ou reforma. O gerente afirma que o município não consegue fornecer uma solução para que todos os pequenos geradores possam descartar os seus resíduos como entulhos e galhos de árvores, pois só existem três pontos, e isso facilita o acúmulo de lixo em diversos outros pontos de descarte irregular como beira de ferrovia, fundos de vale e praças públicas. Domingues informou que em Londrina existe uma única empresa licenciada pelo IAP para fazer o recolhimento destes resíduos, entretanto a empresa cobra um valor relativamente alto, pois a maioria dos pequenos geradores moram nas periferias da cidade e não têm como pagar pelo serviço. Fiscalização Existem dois turnos de fiscais que rodam pela cidade inteira especificamente nos locais de despejo irregular com o intuito de coibir este tipo de abuso. Os fiscais trabalham com o respaldo legal do Código de Posturas do município, aprovado em 2011, o qual prevê multas que variam de R$ 60 à R$3 mil para pessoas físicas. Quando se trata de grandes gera-
Paulo Henrique de Souza Mesmo após a implantação do posto de vigilância da Guarda Municipal, moradores da região sul, nas proximidades do lago Igapó, ainda reclamam da falta de segurança e do uso de entorpecentes por jovens às margens do cartão postal da cidade. Conhecido por sua beleza e pelos constantes problemas com poluição, o local que está entre as áreas mais nobres da cidade enfrenta um problema antigo com a presença de autores de delitos e o uso de drogas que pode ser percebido por quem passa pelo local. A reportagem do jornal Tarja Preta passou pelo local quatro vezes, no período da tarde, no final de março e presenciou por várias vezes abordagens da GM em suspeitos no bairro e nas imediações do lago e em certas ocasiões a guarda teve de utilizar de força bruta para com os suspeitos. Dona Célia, moradora das proximidades há mais de duas décadas, reclama das cenas que se acostumou a ver no lago. “Desde que mudei pra Londrina vejo jovens perdendo suas vidas nas margens desse lago e não estou me referindo a afogamentos. Fui assaltada ao longo desses anos mais de cinco vezes e não vejo mudanças tão imediatas”. “Sinto – me privilegiado de morar nessa região, porem às vezes fico pensando em como a segurança deve estar em regiões que historicamente são mais violentas em nossa cidade como o União da Vitória que também faz parte da região sul”, relata Oscar Dias, morador das imediações do lago. “Se existem servidores intitulados agentes da Guarda Municipal, estes devem cuidar da cidade toda e não apenas de prédios públicos ou de áreas mais privilegiados da
Bruno Amaral
A maioria dos dejetos estão em zonas residenciais; Há pouca disponibilidade de pontos regularizados
Existem mais de 250 pontos como este, mas a fiscalização é insuficiente dores, a CMTU faz contato com a Sema (Secretaria Municipal do Meio Ambiente) para poder aplicar as multas com base na lei de crimes ambientais e os valores variam entre R$ 50 e R$ 50 milhões. A reportagem tentou contato por telefone com a Sema, para questionar sobre as multas aos grandes geradores de resíduos e sobre as atribuições do órgão na área de descarte irregular, porém a secretaria não retornou às ligações para agendar a entrevista. Vizinhos As pessoas que moram perto dos pontos não estão contentes com o amontoado de lixo perto de suas casas. O gerente de vendas Elison Riony Dutra da Silva, morador da Zona Leste de Londrina, disse que o lixão próximo de sua casa contribui para desvalorização da região. “Tem bastante casas a venda aqui perto, mas os preços são baixos por causa desse monte de lixo aí perto”. O vendedor reclama do mau cheiro que fica na região: “além de jogarem o lixo de qualquer jeito, eles colocam fogo em tudo, até em animais mortos e sobe aquele cheiro fedido todos os dias”. Riony afirma que uma boa limpeza e a remoção deste lixão para outro local da cidade, que seja distante das casas seria uma solução para esse problema. “E também fazer um tratamento adequado”, conclui. A reportagem esteve num ponto de descarte da Zona Oeste. Lá estava Leandro da Silva Souza, que é morador da região e ajuda voluntariamente na segurança e preservação da ordem no local. “A gente fica aqui mais de olho pra que as pessoas não joguem lixo proibido nem misture o que é reciclável com o que não é”, conta. O rapaz afirma que muitas pessoas se aproveitam de alguns materiais que ali são descartados. “O pessoal pega papelão, pega latinha pra vender, tem uns também que pegam telhas, taubas (sic),
portas, janelas pra usar. Hoje mesmo eu estava ajudando um homem a separar umas taubas (sic) para ele fazer uma reforma no seu barraco”, explica. Leandro disse que as pessoas que frequentam o local são de todos os bairros da região oeste, tanto os que descartam o lixo quanto os que aproveitam os materiais. Também na Zona Oeste conversamos com um senhor que estava despejando restos de madeira e pó de serra no local. Marcos Antônio dos Santos é marceneiro e mora na região. Ele afirma que o local é muito bom para descartar suas sobras de matérias, por ser perto de seu comércio. Embora seja bom por ser próximo, Santos reclama que faz muito tempo que não vê o caminhão recolhendo o lixo: “faz quase um mês, um mês e meio que não passa o caminhão aqui, ninguém vem fazer vistoria aqui, está largado”, reclama indignado. Por outro lado, a falta de frequência da passagem do caminhão que recolhe o lixo, é vista com bons olhos por Santos, pois assim fica fácil para que as pessoas “que realmente precisam”, possam aproveitar para separar os materiais recicláveis e reutilizáveis. “Muita gente aproveita ferragem, alumínio, madeiramento. Esses dias eu joguei um armarinho novinho aqui e um cara pegou e levou embora”, conta. Futuro Existe um projeto prevendo a construção/adequação de pelo menos mais três PEV e a licitação será aberto no mês de abril. A maioria dos pontos de descarte está irregular, porém a CMTU faz a limpeza com bastante freqüência. Desde janeiro os caminhões fizeram mais de 1.600 viagens, transportando cerca de 10 mil metros cúbicos de lixo. O destino é a CTR (Central de Tratamento de Resíduos) no distrito de Maravilha, na região Sul.
cidade”, completa o morador. Efetivo A Guarda Municipal conta com um efetivo de cerca de 350 agentes em Londrina. Para quem trabalha na Guarda Municipal, o efetivo é considerado reduzido. Também há queixa quando à necessidade de uso de armamento, um problema que se estende desde a criação da GM, em 2010. Em fevereiro o site do jornal O Diário publicou uma declaração da Secretaria Municipal de Defesa Social informando o curso para o uso de armamento e as avaliações psicológicas começariam até o fim do primeiro semestre. A lei municipal nº 10773 de setembro de 2009, que criou a Guarda Municipal, prevê o uso de armamento desde a sua instalação, mas esse dispositivo não saiu do papel. Os problemas no treinamento – e em um curso de tiro que foi pago pela Prefeitura, mas não foi ministrado para os guardas – foi objeto de ação judicial proposta pelo Ministério Público. Até o final do primeiro semestre Londrina aguarda novos rumos para a segurança municipal com o armamentos da tropa de agentes municipais da guarda. Nas ruas Em março deste ano, 14 meses depois do prefeito Alexandre Kireeff (PSD) ter colocado a GM para cuidar apenas dos prédios públicos, o efetivo voltou a patrulhar as ruas. “Temos capacidade para monitorar e proteger uma parte do lago, mas estamos passando por dificuldades imensas no que diz respeito à proteção total dessa área”, afirmou um guarda que pediu para não ser identificado. Ele explicou que a GM tem dificuldade para cobrir o lago inteiro. “Quando recebemos um chamado vamos em prontidão até o local. Mas quando estamos em uma ponta do lago já tem outra ocorrência em outra extremidade. Nem sempre temos uma viatura ou moto disponível para a ronda, o que torna o patrulhamento exaustivo”, relata o guarda. Ele explica que apesar de o guardas terem “preparo físico para fazer a ronda sem dificuldade alguma”, a eficiência seria maior se a GM tivesse mais carros e motos.
Jean Wilian
Guarda Municipal sofre com escassez de viaturas para rondas
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Mídia que contrapõe Mídia
Atuação da Mídia Ninja nas jornadas de junho de 2013 funcionou como contraponto à imprensa tradicional Juliana Pereira Acrônimo de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação, a Mídia Ninja se intitula uma nova forma do fazer jornalístico. “Abdicando” da edição no conteúdo audiovisual, o grupo se mostrou uma fonte alternativa de informação em determinados assuntos, e ganhou destaque após as Manifestações de Junho de 2013. Em maio do mesmo ano, os seguidores de sua página no Facebook eram 955; hoje são 254 mil, número que cresce a cada dia. Desde o início (quando faziam transmissões para não mais que 100 pessoas) os ninjas acreditaram no seu potencial e na sua nova forma de informar e, de fato, as expectativas se concretizaram. O grupo ganhou destaque e se tornou a própria pauta; foi alvo de críticas, elogios, acusações de ligações com partidos políticos e Black Blocks e questionamentos sobre seu sistema econômico que poucos entendem. As opiniões divergem quanto à sua efetividade, seriedade e capacidade. No momento e lugar certos Junho de 2013 será lembrado no Brasil como o mês em que eclodiram as grandes manifestações. Estas, quando ganharam visibilidade, foram rapidamente analisadas e, acima de tudo, incompreendidas. Naquela quinta-feira, dia 20 de junho, acontecia um protesto, assim como vinha acontecendo durante toda a semana. A população enfrentava o trânsito causado pelo alvoroço dos manifestantes nas principais avenidas das capitais. O diferencial daquele dia foi a grande quantidade de pessoas que compareceu, o que revelou um despreparo por parte da Polícia Militar em remover os manifestantes e liberar o trânsito nas principais avenidas. A maneira encontrada pelos PMs de reverter a situação foi o uso da violência, ato que foi apoiado pelo governo e também pelos jornais. Até então, a cobertura feita pela grande mídia usava
Felipe Altenfelder / Mídia Ninja
As transmissões feitas ao vivo e sem edição dos protestos se tornaram a principal característica da Mídia Ninja
o trânsito e os atos de vandalismo para desqualificar o movimento, mostrando apenas um lado do acontecimento. Tal maneira de retratar os fatos daquela noite não foi aceita por muito tempo. Quem estava conectado com as redes sociais foi surpreendido no dia seguinte com uma leva de vídeos, fotos e relatos que mostravam o que realmente aconteceu: a violência policial, a manifestação inicialmente pacífica, tiros de borracha, gás lacrimogêneo, cassetetes, gritos que pediam “sem violência”, gente assustada e gente exaltada. Cenas que foram vistas na internet, mas não foram
veiculadas pela mídia convencional. Grande parte do conteúdo disponibilizado online foi trabalho da Mídia Ninja. O grupo fez transmissões ao vivo e sem edição dos protestos por meio de smartphones, além de fotografar e cobrir, com textos no Facebook e no Twitter, o que acontecia em tempo real. Estar no lugar certo e na hora certa foi o diferencial da Mídia Ninja, já que a imprensa manteve sua posição distante dos manifestantes e, por isso, não conseguiu se camuflar na multidão e explicar quem estava ali e por quê. O problema foi que, com a verdade
“revelada” por meio do conteúdo online, a mídia tradicional perdeu credibilidade quando o assunto era manifestação, enquanto os ninjas ganhavam mais acessos, crescendo cada vez mais desde então. Encurralada, a grande mídia mudou sua abordagem. Na Folha de S. Paulo do dia 19 de junho a capa trazia “Ato em SP tem ataque à prefeitura, saque e vandalismo; PM tarda a agir”, enquanto no dia 23 de junho a manchete era “Maioria dos paulistanos defende mais atos nas ruas”. De qualquer maneira, se tornou impossível para a imprensa tradicional fazer a cobertura dos protestos; Caco Barcellos
chegou a ser agredido ao tentar fazer uma reportagem enquanto manifestantes gritavam “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Além disso, dois carros foram queimados pelos manifestantes, um do SBT e outro da TV Record. Foi nesse período que o jornal O Globo publicou o editorial que fazia a mea culpa do apoio à Ditadura Militar. O texto, publicado no dia 31 de agosto de 2013, assumia que “desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: ‘A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura’. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura.”
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Lucas Landau / Reuters
Cria-se o debate
O uso de smartphones foi fundamental para a cobertura de destaque da Mídia Ninja
“Jornalismo de qualidade pode ser feito em baixa resolução” A Midia Ninja pretende estender a sua cobertura e ir além dos protestos que lhe deram notoriedade. É o que dizem nessa entrevista concedida ao Tarja Preta pelo e-mail que é fornecido em sua página no Facebook. As respostas foram feitas por uma pessoa, que se identificou, e faz parte de um coletivo, mas responde em nome da Midia Ninja. Tarja Preta - Depois dos protestos de junho de 2013 o público de vocês aumentou significativamente. Mesmo sendo uma ótima ferramenta, o facebook falha quando o objetivo é procurar posts antigos. A criação de um blog está nos planos da Mídia Ninja? Mídia Ninja - Estamos próximos de lançar a plataforma da Mídia NINJA, um portal colaborativo em parceria com o Oximity. Será um repositório para buscas de conteúdos, acompanhamento ao vivo de noticias do Brasil e do mundo, reportagens especiais, documentários, convocatórias, séries de coberturas de pautas macros, tudo aberto e livre para a intervenção de quem acompanhar, podendo construir junto, enviar suas matérias e conteúdos, assim como já fazemos, mas sem os limites impostos pela plataforma do facebook. Aliás, lá você já pode buscar todo nosso conteúdo, que está catalogado desde o primeiro post feito quando lançamos a página. TP- Além da cobertura de pro-
testos, quais outros assuntos a Mídia Ninja pretende abordar daqui pra frente? E que tipo de noticiário pretende ser? MN - Multiplas pautas e conteúdos são abordados desde que o NINJA foi lançado, em março de 2013, bem antes dos protestos começarem. A pauta socio-ambiental tem crescido entre nossas prioridades, assim como a questão da Segurança Pública e a nossa pauta mais orgânica, a democratização dos meios de comunicação. Somos midiativistas, trabalhamos com informação e engajamento, não temos a necessidade de fazer tudo que um grande veículo faz, estamos focados nas contra-narrativas. TP - É possível ser totalmente livre ao fazer jornalismo, uma vez que este depende de publicidade, pública ou privada, para que seja rentável? MN - Defina liberdade? Nosso jornalismo se propõe a traduzir as ruas, os anseios dos manifestantes, as pautas do Brasil profundo, dar voz a personagens que não tem espaço no sistema. Quem depende de publicidade é o modelo fordista de jornalismo, que é pautado pelos anuncios, e que está sem qualquer legitimidade hoje exatamente por isso. Estamos desenvolvendo um sistema baseado na colaboração do público, trabalhamos com economia solidária, vivemos em casas coleti-
vas, não temos salários e é isso que nos financia e faz com que sejamos capazes de desmonetarizar o processo do Jornalismo, fazemos ele o mais barato possível, pra ser o mais honesto possível. TP - Ao abdicar da edição e priorizar a cobertura ininterrupta por horas a fio, corre-se o risco de afetar a qualidade da informação? MN - Não abdicamos da edição. As transmissões ao vivo, que podem durar horas, são processos que diminuem a interpretação do emissor e facilitam a participação do receptor, mas é complicado falar sobre o fim da edição. Quando escolhemos o angulo, o assunto ou o tema dos debates que realizamos nas transmissões, nas fotos ou em qualquer linguagem estamos editando, impossível pensar no fim da edição. A questão é que se criam, com essas novas tecnologias, possibilidades que facilitam a desintermediação entre informação e o público, que também deixa de ser passivo e passa a construir ativamente essas narrativas. A qualidade da informação não está no “padrão globo de qualidade” como nos fazem acreditar desde que nascemos, grudados na tela da TV. O jornalismo de qualidade pode ser feito em baixa resolução, desde que dialogue, desde que não seja dualista, desde que esteja disposto a gerar mais dúvidas do que certezas.
A discussão sobre a Mídia Ninja começou na imprensa. Em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, uma das primeiras perguntas feitas pelo apresentador Mário Sergio Conti a Pablo Capilé e Bruno Torturra, foi se o que eles fazem é jornalismo. Torturra respondeu que a Mídia Ninja faz jornalismo sim, e afirmou: ”eu acho até curioso que ainda é uma dúvida, se o que a gente faz é ou não jornalismo. Acho que dá pra discutir que tipo de jornalismo que a gente faz, dá pra discutir a qualidade dele, a relevância dele, mas acho que o fato de ser um grupo organizado e se colocar como um veículo, de ter uma dedicação diária, e transmitir informação da maneira mais crua, da maneira mais honesta, da maneira mais abrangente possível, dentro das nossas limitações, eu acredito que é jornalismo sim”. Na academia o debate foi aprofundado. Para André Azevedo, professor de comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), “[A Mídia Ninja] não é propriamente jornalismo, tem mais a ver com infomercial. É uma agência de publicidade que faz contra-publicidade, e eles são publicitários. No entanto, eles criticam a publicidade das grandes corporações, sobretudo eles usam da co-
municação para contra-atacar a própria comunicação. O Fora do Eixo, mais do que jornalismo, tem um discurso publicitário permanente.” Reginaldo Moreira, também professor de comunicação da UEL, considera a Mídia Ninja “um disparador para repensarmos os modos de comunicação. É uma mídia alternativa, importante, que demonstrou que os meios de comunicação de massa não são tão hegemônicos quanto pensam; que a massa, com os novos dispositivos de comunicação, pode produzir produtos alternativos (...) Cumpre o papel de mostrar os vários lados que a mídia tradicional não mostra.” Edição Em relação às transmissões sem edição, Azevedo diz que “eles supervalorizam algo que é muito inicial, começam a acreditar que isso é muito importante e superdimensionam a importância disso, e a rede fica contaminada com esse entusiasmo. Aos poucos a rede está pensando que isso é a coisa mais importante do mundo”. Críticas à parte, a grande imprensa usou, na cobertura aos protestos, técnicas difundidas pela Mídia Ninja como o uso do celular para a produção de imagens. (J.P)
O ponto de partida Foi em 2006 que Pablo Capilé, em conjunto com amigos, idealizou e criou o Fora do Eixo. O objetivo era disseminar cultura e destacar artistas independentes fora do eixo Rio-São Paulo por meio de festivais ou circuitos gratuitos ou com preço muito baixo. Isso tudo era – e ainda é – organizado por coletivos. Ao mesmo tempo, Bruno Torturra trabalhava na Revista Trip e, ao fazer uma reportagem sobre o FdE, conheceu Capilé. Em 2011, ambos criaram o Pós-TV, um canal que transmitia debates realizados pelos jovens que faziam parte dos coletivos, e que depois também passou a transmitir um programa de Torturra chamado “Segunda Dose” e a Marcha da Maconha – ao vivo e sem edição. O termo utilizado para essa nova experiência foi o Midialivismo, uma forma de ativismo que sofreu influência dos movimentos sociais que aconteciam no mundo naquele momento, como o “Occupy Wall Street”. O contexto serviu de inspiração para a criação da Mídia Ninja em março de
2013. Com o intuito de focar na cobertura dos protestos e transmití-los ao vivo, foram desenvolvidas técnicas de transmissão e formas inusitadas de se capturar as imagens – leia-se amarrar smartphones à vassouras ou carrinhos de supermercado. Em abril de 2013 a Mídia Ninja ganhou sua página no Facebook que, além da produção de imagens, passou a compartilhar textos e fotos. Foi nesse momento que surgiu a oportunidade de chamar pessoas para ajudar na produção de material seja via internet, seja indo morar em um dos coletivos. Em entrevista a Ricardo Forastieri para o R7, Bruno Torturra esclareceu a relação do Mídia Ninja com o Fora do Eixo, e afirmou que “a relação do Fora do Eixo com a Mídia Ninja é umbilical. O FdE segue sendo a estrutura humana e física que mantém a MN funcionando e crescendo. O “financiamento” do FdE é, sobretudo, a dedicação total, o investimento humano e a tecnologia social que viabiliza a organização e nossa cobertura. (…) São redes indissociáveis”. (J.P)
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Mau cheiro da Confepar e moradores da Zona Oeste: um dilema antigo
Marjorie Coelho A questão do mau cheiro envolvendo a Confepar AgroIndustrial Cooperativa Central é um problema antigo. Antigas também são as reclamações dos moradores que residem em bairros como Jardim Delta, Tóquio, Bandeirantes, Sabará, Jamaica e Pinheiros, na Zona Oeste de Londrina. As queixas são numerosas e acabam por revelar uma insatisfação antiga da população, que teve de aprender a conviver com esse desconforto instaurado. Vale lembrar que em frente à Confepar foi instalada uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), na Avenida Arthur Thomas. Além do desconforto contínuo, a desvalorização imobiliária é outra consequência desse problema. Um fato vivenciado pela população e que também foi enfrentado ao longo da produção desta reportagem, é a dificuldade de localizar um órgão específico do serviço público, responsável pela fiscalização ou pelo encaminhamento de soluções para a questão. Por se tratar de um impasse que perdura por mais de duas décadas - e que até hoje não foi resolvido -, fica evidente a tentativa de cada um dos órgãos de eximir-se de suas responsabilidades. O problema
Marjorie Coelho
O problema e as reclamações perduram há pelo menos duas décadas; órgãos competentes alegam falta de planejamento urbano
Etapas de tratamento dos efluentes líquidos gerados na indústria: gases canalizados dos tanques de tratamento químico (fig. 1) rumo ao filtro biológico ou biofiltro (fig. 2); tratamento biológico com microorganismos (fig. 3); água já tratada, antes de seguir para o rio (fig. 4) Mario Correa Faria Júnior, mais conhecido como Marinho, é presidente da Associação de Moradores do Jardim Bandeirantes (Sabbi). Ele conta que fez uma parceria com o presidente da Associação de Moradores do Sabará, Paulo Guterres, para resolver a questão do mau cheiro. Eles procuraram o vereador Vilson Bittencourt (PSL) e conseguiram agendar uma reunião com os órgãos competentes envolvidos. Marinho diz que apesar de parte da população reconhecer que o mau cheiro vem diminuindo consideravelmente, agora veio à tona outro grande problema: o pó branco que tem saído pela chaminé - partículas de leite em pó que se
alastram pelas calçadas e carros. Outra questão é o tráfego de caminhões que, irregularmente, passam pelos bairros para carregar e descarregar mercadoria. Mario explica que procurou a Confepar: “sinto que a empresa está com uma visão diferente a fim de resgatar sua credibilidade perante a comunidade”. Ele relata que foi montada uma equipe responsável pelo tratamento do leite dentro da Confepar e que o filtro ecológico prometido anteriormente está em funcionamento. “Também estão investindo em um novo tanque de tratamento e em novas chaminés. Segundo a empresa, a previsão é de que será investido cerca de R$ 400 mil até o final do ano para
troca do sistema de tratamento. Creio que até o fim de 2014 os problemas serão resolvidos”, completou o líder comunitário. Fiscalização De acordo com Maria Sílvia Cebulski, Secretária do Ambiente, há anos a Sema faz monitoramento dessa questão em função de reclamações. Ela explica que, no tocante ao mau cheiro, a Legislação tem alguns aspectos falhos já que não há um aparelho para medir o nível do odor. A última reclamação sobre mau cheiro recebida pela Sema foi no final de 2013. Sobre as irregularidades apontadas, a secretária conta que a Confepar foi autuada, que foram firmados termos de compromisso e que a
fábrica foi multada. A secretária ainda explica que “a empresa tem um problema com a parte da estação de tratamento de efluentes, que é onde o odor é gerado. Antigamente, eles usavam um ácido que liberava o gás sulfídrico responsável pelo cheiro de ovo podre. Por conta disso, eles foram autuados em 2012. A multa está em fase de recurso e agora está nas mãos do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Consemma), antes de ir para cobrança”. A secretária relata que a última visita à empresa foi feita no início do ano e que algumas atas do cronograma já foram cumpridas. “A solução é o enclausuramento de todo o sistema de tratamento, o que está praticamente pronto. Ainda faltam alguns reparos para que não ocorra escape de gás.” Ainda de acordo com Maria Sílvia, do compromisso firmado em 2012, várias etapas foram cumpridas, como no caso da cortina vegetal, do enclausuramento da estação e da troca de tubulação antiga. Ministério Público Para Solange Vicentim, Promotora de Defesa do Meio Ambiente, a questão é que a Confepar é uma indústria pesada que está alocada há muito tempo e que trabalha com produto de origem animal. “A culpa não é somente da indústria. A proximidade entre zonas industriais e residenciais sempre dá problema”, explica. A promotora afirma que do ponto de vista ambiental, o empresário é quem acaba sendo penalizado já que, quando o problema não é resolvido, a empresa é quem tem de se realocar para que não haja conflitos com a comunidade. Isso porque se parte do princípio de que o meio ambiente e a saúde dos cidadãos estão em primeiro plano. Como no caso da Confepar o problema envolve somente o
A proximidade entre zona industrial e zona residencial vem causando mal-estar entre empresa e moradores da região Oeste de Londrina
O problema mora ao lado O vendedor Dehon Ferreira Santos, morador do Jardim Sabará há 17 anos, conta que o problema do mau cheiro não é de hoje: “Eles falam que vão dar um jeito, dão uma mascarada por um tempo, mas depois volta tudo de novo”. Ex-presidente da Associação de Moradores do Sabará, ele conta que muitas vezes seu carro fica envolto por uma camada branca e colante de partículas de leite em pó: “Está faltando filtro na empresa. Os órgãos competentes sempre souberam da existência desse problema, que é inadmissível e chega a ser insuportável.” O morador revela que uma das esperanças era que o problema fosse resolvido com a instalação da UPA. Mas não foi o que aconteceu. Santos acredita que tudo depende da união dos moradores: “pensei em fazermos uma
Acervo pessoal
desconforto e não gera danos à saúde dos moradores, e como a empresa vem tomando as devidas providências, o realocamento não se faz necessário. Desenvolvimento Urbano O vereador Vilson Bittencourt (PSL), presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano, Obras, Viação e Transporte, também residente na Zona Oeste, explica que a decisão para instalação ou construção de um empreendimento depende de um parecer técnico e jurídico. “Do ponto de vista de desenvolvimento urbano, leva-se em conta os benefícios do empreendimento para o desenvolvimento do município. O empreendedor faz um estudo de viabilidade do seu investimento. Em seguida, o município analisa através do corpo técnico e dos vereadores se, para o município, trata-se de um investimento interessante. A partir daí, faz-se um estudo dos impactos ambientais e socioeconômicos”. Ippul A diretoria do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (Ippul) foi procurada pela reportagem, mas não se pronunciou sobre o assunto. O órgão é encarregado de organizar o crescimento do município de forma integrada e responsável pelo gerenciamento do desenvolvimento urbano. Esclarecimentos Cláudia Cristina Carvalho, assessora de comunicação da Confepar, explicou que toda empresa que trabalha com produção de alimento acaba tendo problemas no tratamento de resíduos. E que isso não acontece somente com a Confepar. “O fato é que, antigamente, a região onde hoje a indústria está instalada era distante da cidade”. A assessora da empresa aponta a origem do problema em “falha em gestões passadas, na questão do planejamento urbano”. Ela explica que “não se atentaram para essa questão da proximidade entre área industrial e área residencial e que, hoje, colhe-se os frutos de decisões erradas tomadas no passado”. Para ela, todos têm razão, já que ambos os lados são afetados pelo problema: a população e a empresa.
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manifestação em frente à Confepar e bloquear o tráfego de caminhões na empresa. Sem bagunça, mas um alarde chamando a atenção para a gravidade do problema. Quando a empresa começa a ser prejudicada e sente esse prejuízo no bolso, aí ela toma providências”, lamenta. (M.C.)
Orientação jurídica O advogado e ex-secretário do ambiente, Carlos Levy, diz não entender como os moradores ainda não tomaram providências jurídicas contra essa situação. “Há uma população residente que vem sofrendo deterioração da qualidade urbana e da qualidade de vida. Se o cidadão sofre danos, ele pode pleitear uma indenização”, explicou o advogado. Segundo ele, primeiro é
preciso procurar a empresa e, se isso não for suficiente, o próximo passo é fazer um levantamento do histórico para juntar provas. “Em seguida, é preciso que se vá aos órgãos competentes [Instituto Ambiental do Paraná, Secretaria do Ambiente e Ministério Público] para protocolar pedidos e cobrar providências. Pode-se, por fim, recorrer à medida judicial”, orienta. (M.C)
A empresa se explica
“Empurrando” a culpa
Cristiane Silveira, analista ambiental da Confepar, explica que qualquer tratamento de efluente naturalmente emite mau cheiro. Nesse caso, é importante esclarecer um equívoco: o cheiro dissipado não decorre diretamente do processo de fabricação do leite, mas sim do tratamento dos efluentes líquidos gerados na indústria. Ou seja, do tratamento de toda a água consumida – água da limpeza dos equipamentos, do chão, dos caminhões e da chuva. A partir daí, surge o mau cheiro: quando se começa a utilizar ácidos e bases [tratamento químico] e microorganismos [tratamento biológico], a fim de tornar essa água não agressiva ao meio ambiente. “É um processo normal e natural, e não um modelo exclusivo da Confepar. A água que antes era poluída, pode ser lançada no rio de forma a não poluí-lo. Vale ainda frisar que o mau cheiro que a fábrica emite não é prejudicial à saúde”, conclui. Fatores climáticos Cristiane ainda pontua um fato importante: a dissipação do mau cheiro depende ainda de fatores climáticos. Vento, chuva, calor e inversão térmica são determinantes para a dispersão ou não dos poluentes na atmosfera. “Isso não dá para controlar. O que está ao nosso alcance está sendo feito”, reitera. Investimentos Os investimentos mais recentes da Confepar no setor de tratamento: os tanques de tratamento químico que eram abertos -, foram fechados, e os gases foram canalizados, seguindo para o chamado biofiltro (ou “filtro ecológico”), que também foi construído para atuar na retenção ou absorção de resíduos presentes nos gases. Além disso, foi criada uma cortina verde para que o gás fique retido na barreira vegetal. Cláudia Cristina, assessora de imprensa da empresa comenta que, além do tempo necessário para que se perceba os resultados, falta também tecnologia suficiente para a eliminação completa do mau cheiro. “O valor dos investimentos [em tecnologia] costuma ser altíssimo”, pondera. (M.C)
Sobre possíveis falhas no processo de fiscalização, a secretária do Meio Ambiente, Maria Sílvia Cebulski, revela que na Sema existem problemas estruturais ligados aos recursos humanos. “Em muitos casos, não conseguimos fazer uma fiscalização mais efetiva devido à falta de pessoal. Não conseguimos atender preventivamente, só quando surgem denúncias. Hoje, contamos com somente seis fiscais na cidade.” Ela explica que além da municipal, há a fiscalização do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que é o órgão que concedeu a licença de operação para a instalação da empresa. Hoje a Confepar tem todas as licenças ambientais necessárias para operar. O chefe regional do escritório do IAP de Londrina, Raimundo Maia Campos Júnior, explica que o Isntituto é o órgão responsável não por fiscalizar, mas por licenciar os empreendimentos, promovendo o desenvolvimento sustentável do Estado. Para que isso aconteça, cabe primeiramente à prefeitura dar a anuência ao empreendimento. Além disso, é preciso renovar as licenças a cada dois anos. “No caso da Confepar, o erro foi do município. A indústria chegou primeiro. O erro foi do gestor municipal que permitiu isso. O zoneamento urbano é de responsabilidade da prefeitura.” De acordo com Raimundo, esse é um problema que ocorre na maioria das cidades, o que - segundo ele representa uma falha na Legislação e nas decisões dos vereadores. “Não se pode mudar zoneamento de uma hora para outra. Atendemos a Legislação e sempre pressionamos a empresa para que ela se adeque e tenha equipamentos modernos para dar fim ao problema”, explica. Sobre possíveis falhas na atuação do IAP, Raimundo mostrase categórico: “Não posso afirmar que houve falha. As tecnologias vão se desenvolvendo com o passar dos anos”, alega. Ele ainda revela um problema enfrentado pelo órgão: a falta de técnicos. “Esse escritório atende 26 municípios, incluindo Londrina. Desde 1992 não é feito concurso público para contratação de novos funcionários”, relata. (M.C)
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Ambulâncias operam sem manutenção, denuncia funcionário do Samu Servidor municipal de Londrina revela que dinheiro destinado aos reparos dos veículos não tem chegado; Secretário de Saúde da cidade rechaça denúncia e garante que ambulâncias estão regulares Diego de Moraes “Há um dinheiro especificamente destinado à manutenção das ambulâncias, só que desde o fim do governo Nedson [Micheleti, que administrou de 2001 a 2008] não temos recebido. De lá para cá, ainda não tivemos um prefeito honesto.” Isso quem afirma é um funcionário da prefeitura de Londrina há mais de 20 anos, sendo oito deles trabalhando no Serviço de Atendimento Médico, o (Samu). O homem, que pediu que sua identidade fosse mantida em segredo, aponta a demora e, muitas vezes, a falta de manutenção como principais fatores para o atraso no atendimento à população. “Elas (as ambulâncias), quando estragam, ficam um bom tempo paradas e quando são levadas para serem arrumadas, ficam meses por lá”. Segundo o funcionário, um comprovante é assinado por motoristas caso o coordenador do Samu determine que as ambulâncias operem ainda que com problemas. “É uma forma de os motoristas se protegerem de eventuais acidentes. Não dá para rodar com um carro com pneus carecas, pastilhas de freio gastas. É um grande risco, por isso existe esse documento”. No total, são seis ambulâncias que rodam em Londrina e região metropolitana. Duas delas
são chamadas de ambulâncias avançadas, pois contam com UTI móvel e um aparato mais sofisticado a fim de acolher os pacientes em estados mais graves, e as outras quatro são básicas. O servidor municipal conta que normalmente só metade dessas ambulâncias circula. “No dia a dia, três delas funcionam normalmente. As outras três ou estão paradas por problemas, ou já foram levadas para a manutenção e por lá ficam um bom tempo”. E as mazelas não param por aí: o funcionário municipal revela que tem se tornado corriqueira a morte de pessoas que aguardam pelo atendimento do Samu. “Já houve várias mortes por falta de ambulância, ou por demora em se chegar à casa do paciente. Isso é normal”. O Pronto Atendimento Municipal (PAM), Localizado na rua Benjamin Constant, é um dos locais que mais recebe pacientes socorridos pelas ambulâncias do Samu. A história contada por Dona Ofélia Cardoso, de 73 anos, chama a atenção. A aposentada diz que depende do auxílio do Samu desde a gênese do serviço em meados de 2005 e que muitas vezes teve de pedir ajuda de vizinhos para ser levada ao hospital. “Moro só com minha neta de 15 anos e já passei mal algumas vezes , liguei para a emergência e eles não
Divulgação Ncom
Londrina tem seis ambulâncias, mas segundo denúncia apenas metade funcionam regularmente vieram. Não fossem meus vizinhos, teria morrido em casa.” Outras pessoas, como Seu Arnaldo Ferreira, 68 anos, intervieram na conversa e também relataram dificuldades à espera da ambulância. “Eles atendem a gente muito bem, são atenciosos, mas na maioria das vezes demoram demais para chegar. Já houve uma vez em que eu esperei três horas e meia.” Entre tantas reclamações, a posição de um jovem de 23 anos, morador da zona norte, que acompanhava a avó, destoou. “Não me lembro de ter esperado mais de uma hora para a ambulância ir buscar minha avó”. Ele conta que a avó depende do sistema de atendimento há cinco anos e nunca reclamou. “Desde 2009,
ela necessita do Samu e sempre elogia tudo”. Absurdo Procurado para dar esclarecimentos, o secretário de saúde, Mohamad El Kadri, empossado recentemente, disse desconhecer a informação de que ambulâncias do Samu estejam operando irregularmente em Londrina. “A nós da secretaria de saúde não chegou essa informação. Isso seria um absurdo. As ambulâncias que rodam em Londrina e região estão regulares”. El Kadri negou que o dinheiro enviado pelo Ministério da Saúde não esteja sendo repassado para a manutenção das ambulâncias. “Existe um contrato e nós o cumprimos. O dinheiro que é determinado nós
enviamos para o Samu”. Embora, segundo ele, o serviço funcione normalmente, o secretário reconheceu que chegam à pasta reclamações em virtude da demora no atendimento. “Reclamações chegam, sim. O que procuramos fazer é resolver os problemas que vêm para nós”. Questionado acerca das ambulâncias em circulação, o secretário declarou que das quatro unidades móveis básicas duas estavam em manutenção, mas que uma delas estava prestes a sair da oficina. “Das básicas, temos duas em manutenção, mas uma delas está para sair”. As demais ambulâncias, segundo El Kadri, “estão aptas para atender à população”.
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CULTURA
Viva a sociedade alternativa!
Comunidade Doze tribos, que há 23 anos se instalou em Londrina, procura resgatar valores como amor e fraternidade
Lara Camargo
Lara Camargo É muito difícil atualmente imaginar um modelo de sociedade que fuja aos padrões consumistas em que vivemos. Simplicidade, humildade e simpatia é o lema de quem prefere levar uma vida tranquila em meio à natureza. Parece loucura? Pois acredite, em Londrina mesmo encontramos pessoas que deixaram de lado toda a correria da cidade para buscar uma alternativa de vida mais tranquila. Localizada no Sítio Vale dos Altos, na Estrada do Limoeiro, a comunidade Doze Tribos tem fundamentos religiosos e conta com 80 membros entre crianças e adultos. Baseada em uma cultura israelita a comunidade procura isolamento do mundo e segue os mandamentos de Yahshua, o filho de Deus. Todos que vivem na comunidade, ou tribo como os próprios integrantes a chamam, tinham vidas “normais” antes de conhecer o modo de vida alternativo. Quem conta sua história é Maria Helena, ou Ishah Yahkebed, como foi batizada ao entrar para comunidade. Uma senhora dona de grandes olhos azuis, largo sorriso e trajada de roupas simples. Em tom de desabafo que ela conta como era sua vida antes da comunidade. “Eu conheci aqui com 36 anos, e já tinha feito tudo, estudado, namorado, feito um curso de astronomia, balé. Me casei com 27 anos e tive uma filha. E então eu me separei e ficou a tristeza da separação, porque na minha cabeça eu tinha me casado
No campus
Quiosque onde são vendidos os produtos feitos por membros da Doze tribos em Londrina
para sempre, até que cinco anos depois [da separação] eu conheci a comunidade. Quando eu cheguei aqui era a esperança”. Segundo ela, todos que se tornaram membros da tribo se sentiam incompletos e insatisfeitos com a vida que levavam e lá encontraram a paz. Ishah afirma que o objetivo da comunidade é pregar valores como humildade, simpatia, hospitalidade e cultivo da terra. Princípios que, do ponto de vista dela, foram perdidos pela sociedade. Para completar a felicidade de Ishah, ela conta que ao se separar, sua filha ficou com seu ex-marido por questões financeiras, e apesar do sofrimento de ter se afastado da criança, anos depois, sua filha já adulta decidiu ir morar na comunidade com ela. Nomes Os nomes dos membros da comunidade chamam atenção. Segundo Ishah, quem decide par-
ticipar definitivamente da tribo é batizado com um nome em hebraico que conforme a tradição tem um significado relacionado com a personalidade de cada um. Ela se orgulha em traduzir o significado de seu novo nome, Ishah Yahkebed (Mulher honrada por Deus). O próprio nome Yahshua, no qual eles chamam de “pai”- que seria o equivalente a Jesus para os cristãos, significa O filho de Deus. O sítio em que a comunidade se instalou é uma grande área repleta de árvores e com várias moradias coletivas, a maioria construída de madeira pelos próprios membros. O Local tem um galpão principal no qual são feitas todas as reuniões que incluem as refeições que são feitas coletivamente, um pomar, uma horta e até uma piscina para recreação. Rotina O dia-a-dia da comunidade é
repleto de atividades em conjunto. Todos acordam às 5h, se arrumam, e às 7h se encontram no galpão principal. É realizada uma celebração que eles denominam de ensinamento, em que é feito um estudo sobre a Bíblia e reflexões. Logo após, às 8h, as crianças vão para a escola da comunidade, na qual os próprios membros que possuem estudo ministram as aulas. Além das aulas regulares como escolas comuns também são oferecidas aulas extras de costura, artes, religião e natação. Os demais membros se dividem em atividades como agricultura, produção de pães integrais e sapatos em uma pequena fábrica dentro da tribo. Esses produtos garantem o sustento da comunidade por meio da venda dos em um pequeno quiosque ao lado do sítio. Os sábados são reservados para celebrações, que incluem danças e ensinamentos, e os domingos são \
A Universidade Estadual de Londrina (UEL) realiza toda sexta-feira uma feirinha cidadã em frente ao Restaurante Universitário.Nela artistas de rua vendem artesanatos,há a venda de livros da Editoral UEL (EDUEL), pães e biscoitos caseiros feitos por quem se inscreve na Pro-reitoria de Extensão da UEL. Membros da comunidade Doze tribos também participam da iniciativa vendendo granola,biscoitos,pães e sucos integrais produzidos por eles na tribo de Londrina.Aproveitam também a oportunidade para distribuir panfletos que divulgam o modo de vida e convidam os alunos para conhecer a comunidade.(L.C) especiais para visitação. A comunidade Doze tribos é uma ordem social internacional e tem “tribos” nos Estados Unidos, Argentina, Canadá, Austrália, França, Espanha, Alemanha e Inglaterra. Elas são interligadas e encontramos membros de outros países vivendo na comunidade de Londrina, assim como membros daqui podem morar nas do exterior. No Brasil, além de Londrina a comunidade tem mais dois outros “clãs” - como são chamadas as divisões de uma mesmo tribo: uma em Campo Largo e outro em Mauá da Serra. Conheça mais Sitio Vale dos Altos,Rua Major Archilles Pimpão Ferreira 5000,Londrina, em frente à entrada do Thermas. Para contato: (43)-3357-1212/3326-9664. www.twelvetribes.org www.dozetribos.com.br
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Cinéfilos,
por aqui
Entre espaços para exibições, produções independentes e organização de oficinas, um cineclube pode se configurar de diferentes formas. Saiba como surgiram e fique por dentro da programação de três cineclubes de Londrina Maria Isabela Marques
Em maio, o Cine Café I Bravissimi exibiu “Ricette D’amore” (2001), longa de estreia da diretora alemã Sandra Nettelbeck, estrelado por Martina Gedeck
Maria Isabela Marques Um “gioiello” “Em português ele teve o título de ‘A investigação’, em italiano ‘L’inchiesta’. Esse filme é fantástico... Vou dar uma dica: ele começa no ano 36 da nossa Era, sabe-se que, presumivelmente, Cristo tenha morrido no ano 33. E o imperador romano da época estava preocupadíssimo porque o cristianismo, considerado uma seita, ainda disturbava muito em Jerusalém.
Pôncio Pilatos estava desprestigiado politicamente porque não conseguia acabar com aquilo. Então manda um investigador chamado Tito Valério Tauro, que tem a função de desmistificar o que estava acontecendo, principalmente achar o corpo que [os cristão] diziam ter ressuscitado... O Harvey Keitel fez um Pilatos fantástico”. Esse é o tipo de conversa que geralmente só tem início. Dessa vez terminou para não extra-
polar o caráter de prévia, que Sérgio Sabioni pretendia fazer do filme. Professor de italiano, ele integra um cineclube criado em um contexto bastante específico e tem sido o comentarista de algumas sessões. A ideia do cine café surgiu dentro da Associazione I Bravissimi, que tem o objetivo de preservar e difundir a cultura italiana na cidade. Com programação escolhida a dedo, a proposta do cineclube é ousada:
primeiro semestre 2014 >> cultura preencher uma lacuna na vida dos cinéfilos, exibindo filmes italianos que, além de terem ótima qualidade, por um motivo ou por outro, se tornaram pouco acessíveis. Um dos últimos títulos, por exemplo, só foi conseguido graças ao contato com um cineclube de São Paulo. “É um material que [o participante] dificilmente teria acesso. Como se diz em italiano, é um ‘gioiello’... uma preciosidade”. A seleção é feita pela diretoria cultural, na qual Sabioni é vice, e sugestões são sempre bem-vindas. O comentarista não precisa ser um expert da área de cinema, geralmente é alguém que pode contribuir de alguma forma com a temática do filme e que, invariavelmente, ama cinema. Sabioni, por exemplo, falou da importância de apresentar o contexto histórico em alguns casos. “Se você passa um filme sobre a guerrilha armada que aconteceu nos anos setenta na Itália, as Brigadas Vermelhas, por exemplo, você tem que situar: ‘olha, isso aconteceu em tal época, esses foram os fatores que desencadearam’”. A ideia do auditório Reginaldo Fernandes trabalha como profissional de navegação aérea no Aeroporto de Londrina e costumava frequentar um cineclube promovido pela Associação Médica da cidade. Quando soube que as exibições não estavam mais acontecendo, por indisponibilidade de espaço, ele sugeriu que o auditório do aeroporto fosse usado como novo ponto de encontro. O lugar conta com sistema de som, projetor, tela, boa estrutura de acomodações e ficava ocioso aos finais de semana. No entanto, a organização do cineclube, na época, não pôde assumir a continuidade das sessões. Cineclubista entusiasmado, ele achou que seria interessante ter mais gente promovendo esse tipo de reunião e,
junto a Jaime Rieke, um colega de trabalho, começou o Ciclo de Cinema do Aeroporto. Desde então, as sessões ocorrem pelo menos duas vezes ao mês e seguem o modelo que já era usado pela Associação Médica, com exibição do filme e discussão. Sempre que possível se convida um comentador que tenha alguma proximidade com o tema apresentado e possa contribuir com o debate. Quando não há um comentador, “nós mesmos fazemos uma discussão, uma bate-papo. Não é uma coisa formal, é bem livre... A gente procura, de fato, trazer contribuições diferentes, as mais plurais, de forma que não haja um fechamento ideológico do espaço. O sentido é de democratizar as escolhas e os temas”, explicou Fernandes. Durante a seleção dos filmes, a preferência é manter um único tema por mês, possibilitando que um mesmo assunto seja discutido a partir duas ou três obras diferentes. De mês em mês, os assuntos variam bastante. A exibições de outubro do ano passado tiveram outra particularidade. O cineclube foi contatado pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), um grupo que, através de telefone e contando com o trabalho de atendentes voluntários, busca dar suporte a pessoas que estejam passando por alguma espécie de dificuldade emocional. A proposta foi uma exibição conjunta. Os dois filmes apresentados durante o mês (“As horas” e “O jantar dos malas”) serviram como base para a discussão com representantes do CVV, que abordaram questões importantes e pertinentes à atividade desenvolvida pelo grupo. O Ciclo do Aeroporto está em seu quarto ano de funcionamento. E se amor por cinema já parece uma expressão clichê para justificar esse tipo de projeto, as palavras de Regi-
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cultura << primeiro semestre 2014 naldo são capazes de desenhar o sentimento: “os filmes, além evidentemente de toda a linguagem própria que o cinema tem, de serem interessantes em si como arte, também nos transportam para realidades, situações e temas complexos. Nos fazem transcender o nosso cotidiano, o nosso dia-a-dia, nos fazem pensar sobre aquilo, nos colocam na condição daquelas pessoas. É uma forma de enriquecer o próprio repertório existencial, pessoal. É uma forma de entrar em contato com outras experiências, outras culturas, outros problemas, com a multiplicidade cultural que nós vivenciamos.” O cinema está aqui “Acho que a visão glamourosa, espetaculosa, estelar do cinema, acaba afastando a proximidade das pessoas, acaba por criar uma impressão de que cinema é coisa que se faz muito
longe nós, com muito dinheiro e por pessoas muito mais especiais que nós mesmos... Esse cinema longínquo e espetaculoso existe, é feito e por vezes é muito maravilhoso mesmo, mas existem outras maneiras mais próximas, mais viscerais, mais imediatas de cinema e existem outras formas de uso da magia do cinema, não apenas como ‘espetáculo’, mas também como disparador de diálogo, profundidades e inspirações para as nossas próprias criações.” Luis Henrique Mioto talvez não tivesse essas definições tão claras e bem formuladas quando, em 2004, como estudante de História, iniciou o projeto de um cineclube no Centro Acadêmico do seu curso, na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Hoje, o Ahoramágica é o cineclube com maior número de ações desenvolvidas na cidade. A proposta inicial foi debater
grandes obras históricas do cinema, mas após alguns meses, a organização do cineclube já englobava sete Centros Acadêmicos (História, Letras, Filosofia, Sociologia, Psicologia, Biologia e Serviço Social). Então, a curadoria dos filmes passou a ser feita pela direção desses centros e pelos próprios graduandos dos cursos. As exibições também se expandiram, sendo realizadas tanto no campus quanto na Casa de Cultura da UEL (região central de Londrina). Aos poucos, o projeto buscava a ampliação do público, visando a comunidade externa. Após essa fase, formou-se um grupo menor que se aprofundou no estudo da estética cinematográfica, foi partindo desses estudos que os integrantes entraram em contato com o universo das produções independentes, de baixo orçamento, de vanguarda e expe-
rimentais, o que influenciou a realizarem as primeiras produções, vídeos de caráter experimental e poético. Em 2010, o cineclube deu continuidade aos estudos e exibições, no entanto, fora do território do campus. Iniciou um processo de parcerias com espaços culturais da cidade, implementando breves cursos de produção e criação cinematográfica para a comunidade. Dessas parcerias também nasceu o primeiro longa-metragem. O documentário “Saga Cidade” (2012) foi realizado por participantes do projeto “Roda Memória: a memória das personalidades singulares de Londrina”, coordenado pelo cineclube Ahoramágica em parceria com a Vila Cultural AlmA Brasil e com patrocínio do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). No mesmo ano, como conti-
nuação do projeto, o cineclube começou a trabalhar em seu segundo longa-metragem. “Retalhos do chão, do corpo e do céu” usou a cultura popular como inspiração e matéria-prima. O elenco reuniu personagens singulares da cidade, o que propiciou um grande encontro na estreia do filme (foto), em junho do ano passado. Atualmente, o cineclube é administrado por Luis Henrique Mioto, Lis Sayuri e Pedro José Varanese. Entre os projetos em desenvolvimento, está a produção de um documentário a respeito da cultura Kaingang, na aldeia da Terra Indígena Apucaraninha, em Tamarana. Paralelamente, planejam um curso de criação cinematográfica para ser desenvolvido em breve, no espaço da Associação Ciranda da Cultura, voltado para moradores do conjunto Avelino Vieira em Londrina.
Lis Sayuri
Serviço
Estreia do documentário “Retalhos do chão, do corpo e do céu”, em junho do ano passado. Da esquerda para a direita: João Batista (violeiro, conhecido por tocar em feiras); Seo Messias (fotógrafo lambe-lambe); Seo Egydio (ex-agricultor, conhecedor de vários causos e narrador do filme) e Mestre Garbosi (mestre de folia de reis)
Cine Café I Bravissimi Exibições toda primeira quarta-feira do mês (de março a novembro) - Entrada franca. Horário: 19h00 Local: Crystal Palace Hotel (Rua Quintino Bocaiúva, 15) Informações: ibravissimi.blogspot.com.br / ibravissimi@sercomtel.com.br Ciclo de Cinema do Aeroporto As exibições acontecem pelo menos duas vezes por mês, sempre aos sábados, às 16h00. O Ciclo não possui uma página própria de divulgação na internet. A programação é enviada ao e-mail dos frequentadores. A entrada é franca. Informações: ciclodecinemaaeroporto@gmail.com Local: Auditório Orlando Boni - Aeroporto de Londrina (Rua Tem. João Maurício de Medeiros, 300) Cineclube Ahoramágica Informações: ahoramagica. blogspot.com.br/ cinemadelondrina.blogspot.com.br
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Simplesmente Patrícia
Mariana Tocci Silva “Você conhece esta mulher?” Estes são os dizeres no cartaz do documentário “Patrícia”. O filme pode ser descrito como uma jornada de autodescoberta da mulher que empresta seu nome ao título, pelo interior paulista. O espectador conhece a protagonista enquanto ela também vai conhecendo a si mesma. A mulher, no caso, é a londrinense Patrícia Pinto, 40, e a cidade é Ribeirão Preto (SP). A paranaense foi escolhida quando estava na rua, trabalhando como garota de programa na cidade. Patrícia não chamou atenção pelo seu trabalho, mas sim por sua atitude. “Ela fala muito bem e se gesticula de forma extremamente peculiar. Essa soma a transforma numa pessoa muito única para um filme”, conta por e-mail o diretor do filme, Alexandre Carlomagno, que também reside em Ribeirão Preto. O foco é a história dela como ser humano e não seu emprego. No trailer (disponível na internet), vemos uma mulher sorridente, por vezes emocionada, andando com seu cachorro ou parando para comer um lanche... simplesmente Patrícia, a pessoa. “Tive a sorte de trombar com ela e de ter tido o “feeling” para enxergar nela alguém cuja própria história daria um longa-metragem”, afirma ele. Alexandre não tinha ideia sobre o que iria filmar quando encontrou a londrinense, só sabia que desejava fazer um longametragem depois da experiência de gravar três curtas, que também eram documentários. As filmagens começaram em dezembro de 2012 e terminaram 15 dias depois. Já a pós-produção, ou seja, o processo de edição do material, teve du ração de 6 meses. Produção Alexandre já tinha estudado e trabalhado com a produtora Milena Maganin, quando teve a ideia
do filme. Mas o que fez Maganin “abraçar” o projeto e transformálo seu primeiro longa metragem foi a protagonista completa, contraditória e de comportamento imprevisível, segundo ela. Para a gravação das imagens, Patrícia era livre para fazer o que quisesse e a equipe a seguia. Não havia realmente um roteiro, só alguns assuntos que já estavam pré-estabelecidos. Isso deixou a produção receosa no início, mas é um fator que torna o filme diferente se comparado a outros documentários. “Foi um dia de imprevisibilidade após o outro”, diz Alexandre. A maior parte das cenas se passam na casa dela e na Avenida Nove de Julho, uma das principais avenidas da cidade e onde o diretor encontrou-a pela primeira vez. A mulher desenvolta e algumas vezes desconfiada, que não está a fim de falar sobre determinado assunto no momento, não parece à mesma que preocupava a equipe se ficaria confortável diante das câmeras. Quem assistir a ela nas telas verá seu dia a dia e histórias de seu passado. Traumas, abusos, como virou prostituta, experiências. Houve muitas conversas entre a equipe e a protagonista em relação ao que seria documentado, afinal, era a história dela, segundo a produtora. Depois de terminadas as gravações, foi feita a edição, que segundo o diretor do longa, é onde o filme “nasce”. Essa fase, que leva bem mais tempo do que as filmagens é um trabalho direto do diretor com o editor. O material bruto de “Patrícia”, depois de decupado, ou seja, depois de o editor e o diretor terem feito a transcrição das cenas e entrevistas, ainda continha quatro horas e meia de duração. A versão final contém 90 minutos. Independência Fazer cinema não é fácil no
Joyce Cury
Documentário independente registra cotidiano de garota de programa londrinense
Patrícia, em sua casa, durante as filmagens do longa
Brasil. Cinema independente é mais complicado ainda. Várias ideias, muitas vezes, nem chegam a sair do papel por falta de incentivo. Por isso, “Patrícia”, é tão significativo para seus realizadores. É um filme independente que só deu certo porque vários parceiros “abraçaram o projeto”, segundo Carlomagno. De acordo com a produtora, o longa é uma prova de que é possível fazer cinema no interior com qualidade, profissionalismo e ainda ganhar ampla repercussão. As questões técnicas eram um desafio a ser enfrentado, porque havia gravações à noite, na rua e com barulho e tais cenas tinham que ser feitas com equipamento limitado, explica Maganin. “Usamos câmeras e microfones da própria equipe, muitas vezes emprestamos de amigos, colegas de trabalho e por aí vai. O projeto só pôde ser concebido por que unimos amigos apaixonados por cinema, que queriam essa experiência e acreditaram no potencial do documentário”,
comenta. Já a parte financeira não causou tantos problemas porque desde o início os envolvidos sabiam que era um trabalho colaborativo, ou seja, cada um cuidava de seus gastos, por exemplo, com alimentação e locomoção. E, se necessário, uns ajudavam os outros. Entretenimento? O filme tem como meta entreter, mas não somente o público. Acaba sendo entretenimento para o pessoal da equipe também, que participa e conta essa história. “É uma espécie de terapia na prática do cinema”, diz Carlomagno. Além de entreter, o longa-metragem deseja passar uma mensagem. A da quebra de preconceitos. A pessoa Patrícia, por seu trabalho, é um tabu na sociedade e o filme vem para quebrar essa ideia. Ele não cai no clichê de focar nos problemas causados pela – ou somente na - profissão. “Acho que o mais gratificante para toda a equipe foi isso... Mostrar sua coragem, perseverança... enfim, humanizá-la”, conta Maganin.
Essa foi também uma das razões pelas quais a protagonista topou participar. Ela, que diz ser garota de programa por profissão, mas também por prazer, deseja respeito. Patrícia ou Ícia Púrpura (como também é conhecida) nasceu e cresceu em Londrina. Ela se mudou por volta dos 18 anos, quando entrou para a prostituição. Sua mãe estava doente e a então menina, estava sem dinheiro. Não foi possível falar com Patrícia até o fechamento da edição, mas ela tinha planos de voltar para Londrina em breve, para ficar com sua família que ainda reside na cidade, de acordo com Milena. O filme já teve uma préexibição, em um único cinema, no dia 30 de janeiro em Ribeirão Preto e obteve críticas positivas. Agora, sua exibição em outras cidades está em fase de negociação, então não há uma data para exibição em Londrina ainda. O longa-metragem também está sendo inscrito em festivais nacionais e internacionais.
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Onde estão os metaleiros de Londrina? Com um público cada vez mais escasso, o metal encontra dificuldades de encontrar espaço e público
Nesser Andrade Cabelos compridos, coturnos, roupas pretas de couro e muito metal. Assim se vestem os fanáticos por heavy metal e seus derivados. O estilo musical tem origem no blues e no rock psicodélico, que surgiu na década de 60 em bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple. Depois ele se desenvolveu de variadas formas, mas sempre mantendo o alto volume, os solos de guitarra e as batidas características na bateria. Indo desde o melódico e o white metal religioso até coisas mais pesadas, velozes e sombrias como thrash metal e black metal (este último tratando de temas como satanismo e paganismo), o metal se tornou tão eclético e pegou influências de estilos totalmente diferentes como música clássica, punk e rap. Em Londrina, os “headbangers” (conhecidos também como metaleiros) gostam de metais mais pesados e clássicos como heavy, thrash e death, com diversos grupos pela cidade e região que fazem cover de bantas famosas como por exemplo, Metallica e Megadeth (nas bandas Motorbreath e Mechanix). Há também conjuntos que produzem som autoral. Bandas como Thunderlord, Hate Before Death, Feretro, Cabulosas Criaturas, para citar apenas algumas, há anos agitam a noite de Londrina com música original, mas aparentemente para um público cada vez menor. “Para poucos” Thiago Oliveira, 25 anos, designer e ex-estudante de geografia na Universidade Estadual de Londrina (UEL), se considera frequentador assíduo da cena em Londrina e começou a gostar do estilo ouvindo uma música do Iron Maiden na MTV quando adolescente. “O metal não influencia outros estilos, na música em geral não chega a ditar regras, não tem um papel fundamental, é uma música para poucos que precisa ser degustada”, diz. Em uma cidade que já teve uma cultura headbanger muito forte nas décadas de 80 e 90, há cada vez menos opções para escutar metal em
Londrina. Lugares como o bar Coleguinha, bar Potiguá, bar Armazém, Vitória Café, DCE-UEL fecharam ou deixaram de ser opções para o estilo nos últimos anos. Hoje, o melhor local para se encontrar e ouvir metal autoral em Londrina é o Hush Pub, localizado na avenida JK, que dá espaço para o estilo principalmente nas quintas e nos domingos. Outras opções são o Barbearia, localizado na Quintino Bocaiúva, que serve como point dos metaleiros e o Vitrola Bar, este na avenida Higienópolis, que recebe principalmente shows de bandas cover, além de bares como o Paiol, na Rua Humaitá, que recebe eventos esporádicos. Sem espaços “Em Londrina, o metal tem cada vez mais ficado na esfera individual e menos na esfera coletiva”, afirma Thiago. “Na época que eu comecei a ouvir metal, eu peguei o final do Coleguinha, do Potiguá e do Armazém. Eram lugares muito próximos na Rua Quintino. Durante a semana nós nos reuníamos na frente da biblioteca central, ficávamos conversando, tomando tubaína com pinga e íamos no Coleguinha no final de semana, sem dinheiro mesmo, éramos muito novos, a gente levava nossa própria bebida”, lembra Thiago. Segundo ele, o bar não tinha atrativos. “Todo mundo que curtia metal se reunia no Coleguinha, era um bar bem podre na verdade, não tinha privada, não tinha bosta nenhuma, mas ele tinha um ar de mistério, era a cultura do metal que nós procurávamos, todo mundo se conhecia lá”, relata. Na cidade em que sertanejo e funk hoje dominam, o metal pouco a pouco perdeu seu espaço. O aumento de bandas cover e a diminuição do público presente em shows de bandas autorais e de locais com a cultura do metal causaram um problema para o gênero e os músicos que viviam e ainda vivem dele em Londrina. De acordo com Kyrios César Olíveras, 30 anos, autônomo e frequentador da cena há mais de 13 anos, falta interesse do público mais jovem. “Hoje em dia, cara, é triste.
Nesser Andrade
Público em show de uma banda cover do grupo norte-americano “Pantera” em Londrina As pessoas não têm esse sentimento pelo heavy metal, você escuta bandas antigas e percebe que os caras gravavam na raça, nós mesmos não chegamos a gravar, mas nós tocávamos na raça, você tinha um foco. Eu quero fazer música, ela vai sair boa? Não sei, mas eu quero fazer parte dessa irmandade que é o heavy metal. Eu posto no meu Facebook direto, vai ter um show em algum lugar, vou fazer uma festa em casa, só vai rolar metal, carne e cerveja e só aparecem as figuras carimbadas, não aparecem pessoas novas”, afirma. Essa falta de interesse do público desestimula os produtores , que acabam trazendo menos eventos para a cidade, prejudicando a renda das bandas existentes e o interesse para a criação de novas bandas. Algumas bandas de Londrina, porém, conseguem fazer sucesso. Um exemplo é
o Dominus Praelii, formada no ano 2000 e que já fez turnês pelo mundo. Porém, são poucos casos isolados. Shows de bandas grandes como, por exemplo, Angra, Shaaman, Nazareth, Paul Di’Anno, entre outras, também já foram mais frequentes na cidade, mas são cada vez menos comuns. As mulheres, apesar de serem uma minoria, participam ativamente da cena, inclusive existem muitas bandas compostas somente por elas, como a Panndora, um grupo feminino de heavy metal famoso na região, formado em Maringá. Valéria Ciconato, 24 anos, cabeleireira, afirma que as mulheres sofrem um pouco de assédio no metal. “Algumas usam corpete, calças mais agarradas e acaba rolando um assédio, mas a mulher tem que ter uma postura firme, tem que saber que aquilo é um público masculino.”
Para Kyrios, outro problema do público mais jovem é a internet. “Eu tenho muita dó de quem curte metal e só fica em casa ouvindo Iron Maiden, porque tudo que é novo é bom, mesmo que o som seja ruim, pelo menos você conheceu. É muito importante você conhecer, largar esse facebook, largar essa internet, saia dessa penumbra do seu quarto. Além de muita música boa pra você escutar, tem muita gente boa pra você conhecer. A banda que está tocando aqui na sua cidade, ela vai tocar uma vez, cara. Levanta a bunda da cadeira e vai num show, que tem muito mais a te oferecer do que isso aí”, conclama ele. Para o metal de Londrina, faltam locais de encontro e para grandes shows. Faltam bandas, eventos e, sobretudo, um público mais interessado, que frequente o que já existe.
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esportes
A disputa antes do apito inicial
Mônica Chagas No último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do Brasil passava de 198 milhões de pessoas. Destas, pelo menos 1 milhão já conseguiram comprar ingressos para a Copa do Mundo e aguardam ansiosamente pelo dia 12 de junho. Com 13,5 milhões de pedidos já realizados, muitos torcedores ainda têm esperança de conseguir um lugar nos almejados estádios da Federação Internacional de Futebol (FIFA). Diego Dias e mais três amigos incluem-se no segundo grupo. Eles solicitaram ingressos para oito jogos na segunda etapa dos pedidos e vão a Brasília assistir Portugal e Gana, no Estádio Mané Garrincha. Os times estão no mesmo grupo da Alemanha e Estados Unidos na primeira fase. Ainda sem hospedagem garantida e transporte até o estádio, os amigos estão contando os dias até 26 de junho, quando verão de perto craques como Cristiano Ronaldo.
“Acho que apesar de todos os atrasos e todas as polêmicas, a Copa vai ser boa. Claro que ainda vai dar muito o que falar, estádios não ficarão prontos, vai ter confusão com filas e ingressos falsificados, mas no fim acaba dando certo”, opina Rafael Seiji, um dos torcedores que vão a Brasília. Os amigos assistirão ao jogo no setor 3, o segundo mais barato. Todos os quatro fizeram o pedido de ingressos, mas Luiz Gustavo Checon foi o único a receber a resposta positiva para levá-los à partida. Por outro lado, milhões de brasileiros, como Lucas Campos, frustraram-se com o insucesso na solicitação dos ingressos. “Achei o sistema de compra horrível, funcionou para os organizadores e não para nós. Deveria ter sido por ordem de chegada, como na Copa das Confederações, acho mais justo.” O empresário de 22 anos fez o máximo de tentativas possíveis, mas não obteve sucesso. Mesmo pedindo ingressos para os setores mais caros
e para jogos da primeira fase que não eram do Brasil, ele não conseguiu nenhum. “Não vou tentar mais, prefiro acompanhar pela televisão e numa próxima oportunidade assistir à copa em outro país”, completa. Rafael Sanchez e Marcos Gica, estudantes de Jornalismo, usaram outra estratégia. Com o sonho de conhecer o novo estádio do time do coração, o Itaquerão, em São Paulo, os meninos concentraram seus pedidos em apenas dois jogos, Uruguai e Inglaterra; Holanda e Chile. Depois de três meses de espera, receberam a resposta negativa e pretendem tentar uma última vez. Etapas A FIFA organizou a venda de ingressos em cinco etapas. A primeira delas foi aberta em agosto de 2013, quando as seleções dos jogos ainda não estavam definidas, e durou quase dois meses. A segunda etapa de vendas, ainda sem definição das seleções, teve um curto período de duração em novembro e foi realizada por ordem de chegada. A terceira
A Copa em Londrina Em uma cidade alviceleste, torcer para a Argentina nem é tão desprezível. Os amigos Mateus Amanai e Jeferson Brandão torciam juntos para a seleção brasileira até 2002, mas sempre tiveram inspiração para serem ‘do contra’. Mateus lembra que seu pai torceu para a Argentina desde os anos 80 e sempre gostou de ser o “traidor”, andando com a camisa do jogador Diego Maradona pela cidade. Como londrinense e torcedor do Tubarão, entretanto, sempre dizia que podia ir ao estádio torcer pelo Londrina tranqui-
lamente, já que as cores eram as mesmas. Os amigos lembram dos olhares de desconfiança nas ruas quando saíam com camisas da Argentina, antes de Messi. Depois que o jogador tornou-se um astro, porém, a simpatia aumentou muito. “O contexto da copa de 2006 foi decisivo para que eu assumisse de vez minha torcida pela Argentina. O escândalo do Mensalão era notícia recorrente em toda a mídia, de repente começou o mundial e todos se esqueceram de sua revolta pra entoar a musiquinha em que se diz que é brasileiro, com muito orgulho
e com muito amor... Depois da Copa, nossos maiores problemas não eram mais os escândalos políticos, mas a eliminação para a França!”, argumenta Brandão. Os integrantes da banda Medula Óssea, incluindo Alexandre e Juliano Casonatto, pretendem reunir-se para assistir aos jogos da Copa, embora a torcida não seja unânime. Mesmo gostando muito de futebol, como muitos outros londrinenses, os amigos não se arriscaram no sorteio dos ingressos, pensando nos gastos excessivos com hospedagem e transporte. (M.C)
Mônica Chagas
Alguns torcedores preparam-se para irem ao mundial, outros preferem ficar em casa e acompanhar pela TV
Mesmo que muitos torcedores não possam fazer as malas e ver a seleção de perto, a torcida está garantida. etapa começou em dezembro, com os adversários já definidos, e acabou no dia 30 de janeiro. A quarta etapa, de 26 de fevereiro a 1º de abril, é por ordem de chegada e já não contempla ingressos de todos os jogos e setores e a quinta e última etapa começa dia 15 de abril e vai até o fim do mundial, com as opções tam-
bém limitadas. Os valores variaram de 60 a 1980 reais para brasileiros e de 90 a 990 dólares para o público internacional, proporcionais ao jogo e ao setor. Os estádios foram divididos em quatro setores; o setor um localiza-se na área mais nobre e o setor quatro, somente para brasileiros, localiza-se atrás dos gols.
Como você vai assistir aos jogos? A proximidade da Copa do Mundo já apresenta resultados na indústria de televisores. O setor de eletrodomésticos aposta no aumento das vendas e já elevou a produção em 55,3% em relação a janeiro de 2013, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além das promoções relâmpagos oferecidas por lojas do segmento, os preços dos televisores caíram 40% desde 2010, ano da última Copa. A estimativa é de que o even-
to eleve em 826 milhões a receita das lojas especializadas em artigos pessoais e domésticos. Uma pesquisa realizada pela empresa de estudos de mercado GFK, em novembro do ano passado, apontou que 32% dos entrevistados pretendem comprar uma TV de tela plana nos próximos seis meses. Um consolo para quem não conseguiu ingressos e uma certeza de lucro, pelo menos para o primeiro semestre deste ano, para os empresários do setor. (M.C)
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Amor e ódio nas arquibancadas
Um contexto histórico das relações das torcidas organizadas no Brasil; Lá dentro, a maioria repudia a violência Gabriel Siqueira Lopes As primeiras torcidas organizadas foram criadas no Brasil, na década de 1960, e nunca na história desse país elas foram discutidas como estão sendo hoje. A violência nas arquibancadas, que, hoje, é atribuída às organizações uniformizadas nos estádios, está sendo a precursora de um esvaziamento em massa das arquibancadas e um grito feroz da sociedade para a extinção das organizações. A relação imagética que a sociedade faz da violência com as torcidas uniformizadas se fortaleceu nos anos de 1990, quando ocorreram grandes espetáculos de selvageria extrema. Como na final da Supercopa São Paulo de Futebol Júnior de 1995, jogo entre Palmeiras e São Paulo, que, nas prorrogações, após o mais cruel gol alviverde, sagrou o Palmeiras campeão e sangrou a história do futebol brasileiro com um saldo de 102 feridos e um adolescente, de apenas 16 anos, morto. A primeira vida perdida em decorrência das relações pouco amigáveis entre as torcidas uniformizadas se chamava Cleofas Sostenes Dantas da Silva, sergipano, palmeirense, presidente da Mancha Verde (maior torcida organizada da Sociedade Esportiva Palmeiras), morto em 22 de outubro de 1988 com dois tiros no peito, que sangram até hoje nas arquibancadas brasileiras. Desde a primeira morte, da primeira grande briga, o que foi feito para expurgar a violência do futebol? Houve proibição de bandeiras, veto a bebidas alcoólicas nos estádios e extinção de algumas organizadas. Mas nada foi efetivo. Mas será que o mais correto é a extinção das uniformizadas dos estádios? Será que essa extinção voltará a encher as arquibancadas? Marcelo Benini, presidente da torcida uniformizada do Londrina Esporte Clube, a Falange Azul,
é categórico ao afirmar que não. “Não devemos punir o CNPJ e sim o CPF. A bandeira não briga, as pessoas brigam”, diz com convicção. Ele ainda ressalta que a sensação de impunidade encoraja, os que ele não trata como torcedores, a proporcionar mais brigas. Concordando com o raciocínio, Max Eduardo Rosa, integrante da Gaviões da Fiel, maior torcida organizada do Sport Club Corinthians Paulista, em Londrina, ainda ressalta que somos, historicamente, um país violento e que o maior erro para acabar com a violência nos estádios seria acabar com as torcidas organizadas. “Tudo tem extremismo, se matam por religião, se matam por política, se matam por tudo”, brada a apaixonada pelo Londrina, Amanda Teixeira, também integrante da Falange Azul. Para Amanda, “quem briga não é torcida, pode estar fardado de torcida, mas não são torcedores, são marginais”. Ela deixa bem claro que repudia quem incentiva o conflito e o ódio. Jonas Daniel, há seis anos na Mancha Verde de Londrina, tem uma solução bem simples para acabar com a violência, e que, para ele, já está sendo propagada pelas direções das instituições uniformizadas. Ele prega a inversão dos ideais na massa da torcida, que, ao invés de olhar o torcedor do outro lado como inimigo, o olhe como rival, um rival que tem família e que sente o mesmo amor pelo seu clube que você. Um ponto muito falho na segurança dos estádios, para o “manchista”, é a falta de cadastro dos torcedores pelo Estado, que facilitaria a identificação dos envolvidos nas brigas. Amor Quando se conversa com qualquer integrante de qualquer torcida organizada de qualquer parte do Brasil e a pergunta é sobre o que a instituição representa para ele, a resposta não é imediata. Ele te
Gabriel Siqueira Lopes
A Charanga do Jaime
Torcedor do LEC incentiva o time na primeira fase da Copa do Brasil, jogo em que o time londrinense ganhou do Criciúma por 2 a 0 proporciona, primeiramente, um brilho no olho e um sorriso na boca para depois disparar todas as juras de amor já inventadas. A analista de sistemas Amanda Teixeira diz que a Falange Azul é como se fosse uma religião, Marcelo Benini a compara a uma família. Para o corintiano e estudante de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Max Rosa, a Gaviões da Fiel é sua vida, é o que ele respira 24h por dia. Aos manchistas Robson Marconato e Jonas Daniel sobra uma frase já bradada pela torcida: “Palmeiras meu amor, Mancha minha paixão”. O futuro cientista social e amante do Corinthians não poupa esforços para ver seu time em campo. Só ano passado, Max foi ver 20 jogos. Nos seus 22 anos de vida, ele mostra um amor incondicional ao time e à torcida. Ele ainda ressalta sua felicidade em ter construído uma rede de amizades dentro da Gaviões da Fiel, na qual ele
retrata unicamente como irmãos. Robson Marconato lembra com orgulho que, em 2005, a fundação da subsede da Mancha Alvi Verde de Londrina foi encabeçada por apenas três pessoas e hoje leva um nome de respeito aos estádios. Jonas Daniel lembra até o dia em que virou palmeirense, 12 de junho de 1993, quando a equipe alviverde goleou por 4 a 0 o seu maior rival, o Corinthians, conquistando um título paulista depois de 16 anos na fila. Marcelo Benini diz com orgulho que a família Falange Azul já tem seus 22 anos de história e que é a maior e mais respeitada torcida do interior do estado do Paraná, nunca abandonando seu time em campo, nem fora dele. Para ele, a torcida faz a maior diferença no estádio, o jogador olha para lá e se sente animado, arrepiado e com uma carga de adrenalina positiva que o faz correr por toda uma nação.
Jaime de Carvalho é o mais ilustríssimo baiano do futebol. É claro que fora das quatro linhas. Esse enigmático nordestino flamenguista foi o criador da primeira instituição organizada que visava ao apoio incondicional a um time de futebol, o Flamengo, ainda em 1942. Durante as Copas de 1954, na Suíça, e de 1974, na Alemanha, Jaime acompanhou, com a delegação brasileira, os mundiais como representante oficial da torcida brasileira, sendo o primeiro chefe de torcida que o Brasil conheceu. Essa torcida de apoio ininterrupto ao time era chamada de “Charanga”. Foi ela que carnavalizou a torcida brasileira, trazendo instrumentos rítmicos para dentro de estádios de futebol. E muito mais que isso, a “Charanga” vestiu o estádio de povo, vestiu o estádio de alegria. Antes dos anos de 1940, para o historiador futebolístico, Bernardo Borges Buarque de Hollanda, o público de uma partida de futebol não se diferenciaria em nada de um público de uma orquestra. Foi com Jaime e com a “Charanga” que se pôde ver o uniforme do time na arquibancada, feito artesanalmente por pequenos grupos de torcedores, foi com eles que se pôde ver festa, animação e o que hoje chamamos de amor da torcida. Tudo que hoje você vê de belo nos estádios, bandeiras, festa, apoio, tudo isso é graças a Jaime de Carvalho, o inaugurador da vida nas arquibancadas dos estádios de futebol brasileiros.(G.S.L)
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primeiro semestre 2014 >> Esportes
Quando a brincadeira vira coisa séria Com o sonho de se tornar jogadores de futebol, crianças veem nas escolhinhas uma oportunidade Nathalia Lainetti O dia da visita à sede da escola de futebol Chute Inicial Corinthians era um daqueles dias nada propícios a atividades físicas. Céu cinza, tempo fechado e chuva intermitente, que oscilava entre garoa e chuva intensa. Clima perfeito para um dia em casa jogando vídeo game, como muito desses garotos adoram. Mas a paixão deles pelo futebol é muito maior que qualquer mau tempo. Antes mesmo dos técnicos darem início ao treino, lá estavam os meninos atrás da bola. Divididos em dois campos sintéticos, os adolescentes de 13 a 15 anos já demostravam habilidade de profissionais, enquanto logo ao lado as crianças de 7 a 12 anos encaravam como um misto de brincadeira com coisa séria. Muitos desses meninos veem nas franquias de grandes clubes a oportunidade de se tornar um jogador profissional sem a necessidade de se mudar para uma grande cidade, devido às parcerias entre as escolinhas e os clubes. O técnico das categorias de 7 a 12 anos, Eduardo Oliveira, explica que a parceria com o clube paulista traz alguns benefícios para todos, principalmente para os alunos. “Uma vez por ano os alunos são avaliados no parque São Jorge em São Paulo e a equipe do Corinthians vem para cá para avaliar também”. Dois meninos da escola já foram descobertos por esse método. Um deles treinou no Corinthians por seis meses e em seguida foi dispensado e outro garoto está treinando como goleiro das categorias de base do Grêmio. Além disso, os garotos assistem aos jogos no clube no estádio e aqueles que possuem até 11 anos podem entrar em campo com os jogadores nos dias de jogos. Para os profissionais, o clube oferece capacitação uma vez por ano na cidade de São Paulo. Nele, o Corinthians apresenta sua metodologia de ensino que deve ser usada em todas as escolinhas. Oliveira explica que é difícil a padronização em todas as escolas, mas a base do conteúdo é muito importante para definir o que é ideal
para cada faixa etária, desde a parte lúdica até qual treino é melhor para cada uma das categorias. Desafio Se tornar de fato um jogador profissional de futebol é um grande desafio. De acordo com Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 99% dos garotos e garotas de até 17 anos não realizam o sonho de jogar profissionalmente. Paulo Henrique de Souza, 15 anos, que já tem até apelido de jogador, Paulinho, sabe bem dessa dificuldade, mesmo assim não pretende desistir. “Eu procuro sempre me esforçar nos treinos e dar sempre o meu melhor, fazendo o que o professor pede”, conta o garoto, fazendo discurso de jogador profissional. Treinando há um ano, ele sonha em jogar no time do coração, o São Paulo, mas já tem planos caso o sonho dele não se realize. Paulinho pretende cursar a faculdade de Engenharia Mecânica. Ele está no último ano de treinamentos na escola, a qual contempla garotos somente até 15 anos. Depois disso, a escola tenta encaixar os garotos em clubes da cidade. A pressão sofrida por esses futuros jogadores é geralmente muito grande. Pressionados por resultados, vitórias, gols ou para serem reconhecidos por um grande clube é constante. Seja por parte da escola onde treinam ou em grande parte por eles próprios. Nesses momentos, os pais possuem um papel muito importante no apoio à garotada. Valdemir Cândido Rocha, pai de Rafael Luz Rocha, de 13 anos, não pode acompanhar o filho nos treinamentos, mas aproveita as férias do trabalho para assistir aos treinos. E apoia a vontade do filho de ser jogador de futebol. “É uma profissão muito boa, que pode dar um grande futuro para ele” conta Rocha. O apoio vem junto com um puxão de orelha, o pai diz que Rafael ficou preguiçoso e com corpo mole nos últimos treinos e levou bronca do treinador. “Quando ele chega em casa, eu sempre dou conselho, porque se ele quer seguir essa carreira tem que encarar com vontade mesmo e sem preguiça”, completa Rocha.
Os pais de Matheus Coco, de 12 anos, também procuram sempre estar ao lado do filho. O menino começou a treinar brincando há dois anos por vontade do pai, Moacir Oliveira. O pai sempre quis ser jogador profissional, mas na época por ser de uma família muito pobre e morando no sítio, o sonho não pôde ser realizado. Enquanto conversávamos com a mãe, Cristina Coco, Moacir não tirava os olhos do filho e esbravejava com ele em campo. “Vamos, Matheus!”. Segundo Regina, o marido é um jogador frustrado e por isso acompanha de perto o filho deles. São paulino roxo, Matheus estava fazendo um teste de adaptação na Chute Inicial Corinthians e confessou à mãe: “se eu for jogar aqui, posso usar uma camisa por baixo para não queimar meu couro?”, perguntou o garoto em referência ao uniforme do Corinthians adotado pela escola. Fã de futebol, Matheus acompanha todos os campeonatos e é fã de Cristiano Ronaldo, jogador do Real Madrid. E ,conforme conta a mãe, quer jogar futebol fora do país. Apesar da pouca idade para a decisão ainda, Cristina conta que sempre ensina ao filho a importância da humildade. “A gente ensina que ele não tem que tentar se destacar por outra coisa, ser humilde. Porque, se ele mostrar que ele sabe jogar, um dia alguém vai se interessar por ele, e se for da vontade de Deus, a gente vai estar sempre apoiando ele”, finaliza Cristina. Mesmo apoiando os filhos, os pais às vezes trazem dores de cabeça. Principalmente para os técnicos. O técnico Eduardo conta que como todos os meninos pagam uma mensalidade, todos se sentem no direito de jogar, e nem sempre isso é possível. “Na hora de levar para os jogos nós temos um limite de jogadores, e sempre tem mais alunos do que vagas. Nunca dá para agradar a todo mundo. Quando é seletiva, nós damos a oportunidade para todos irem, mas quando é campeonato, é obvio que nós selecionamos pela qualidade”, explica o técnico
Nathalia Lainetti
Valdemir Rocha, junto com o filho menor, acompanha o treino de Rafael sempre que pode.
Do sonho à realidade Enquanto muitos sonham em jogar na Europa, para João Vitor Carrer, de 18 anos, que joga pelo clube FC Rieti, na cidade de Rieti, Itália, isso já é realidade. Hoje profissional, João Vitor começou a treinar aos seis anos no futsal e aos 11 passou a treinar no campo. Influenciado pelo avô, que chegou a jogar profissionalmente, o atleta começou como a maioria, em escolinhas de futebol. “Comecei no Grêmio dos Operários, aí de Londrina, e com 15 anos fui para o PSTC (sigla em inglês para Centro de Treinamento de Futebol do Paraná) que já é mais profissional com um trabalho voltado para revelação de atletas nas categorias de base”, esclarece o jogador em entrevista concedida pelo Facebook. A oportunidade de jogar na Europa surgiu por parte do antigo clube, o PSTC, clube de Londrina conhecido por revelar craques nacionais e internacionais que hoje jogam por grandes clubes, inclusive seleção brasileira, como Jadson (Corinthians), Rafinha (Bayer de Munique) e Fernandinho (Manchester City). “O clube entrou em
contato com o meu atual procurador e ele mostrou o meu material para alguns times daqui e eles demonstraram interesse”, explica sobre sua ida para a Europa. O fato de possuir documento europeu, segundo ele, ajudou na sua ida, já que assim o clube o contrata como um jogador nacional e não precisa pagar taxas extras. Mas Carrer explica que sua dedicação nos treinos e jogos foi fundamental para sua ida à Europa. A rotina é intensa, treinos de terça-feira a sábado e jogos aos domingos. Descanso mesmo só as segundas-feiras. Para isso, o apoio da família é fundamental, mesmo que de longe. “Em todos os momentos eles me dão forças para continuar. Esse ano, por exemplo, vieram para Itália e ficaram um mês aqui comigo”. Para aqueles que desfrutam do mesmo sonho, João Vitor aconselha. “não é fácil, mas se você tem um sonho e realmente quer realizar, deve lutar cada segundo da sua vida por ele e jamais deixe alguém dizer que você não vai conseguir”, termina o jogador,que já está há um ano jogando na Itália. (N.L)