Jornal Tarja Preta 3ª edição

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SEGUNDO SEMESTRE 2014

EDIÇÃO ESPECIAL: DITADURA MILITAR x JORNAL POEIRA

Tarja Preta distribuição gratuita

2º ano jornalismo UEL

londrina, 2º semestre de 2014

MOVIMENTO ESTUDANTIL na ditadura e hoje o que mudou?

JORNALISMO x CENSURA A GUERRILHA

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ESPIONAGEM

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O CHOQUE DE OPINIÕES

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O POEIRA CHEGA AO FIM

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O LEGADO

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editorial

De Roupa Nova A censura não acabou. Historicamente camaleônica, sob a democracia ela se traveste. O que difere a censura de 2014 da que se potencializou em dezembro de 1968 são os agentes. Se antes ao Estado competia o crivo do que seria publicado, agora são as corporações que ditam as regras do jogo. O Ato número 5 – editado pelos militares - institucionalizou a censura. A Constituição de 1988 – oriunda da redemocratização - , a ideia de imprensa livre. Do mesmo modo que era improvável encontrar uma denúncia contra o regime ao longo dos 21 anos de ditadura militar, também é custoso, atualmente, pinçar

uma acusação sequer na grande mídia à revelia dos interesses de empresas renomadas – muitas das quais mecenas dos meios de comunicação. Pior ainda: há a autocensura. Isto é, a possível publicação é alijada, ou modificada, antes mesmo de ser produzida. As pautas morrem antes de chegar aos repórteres. Isso explica o foco exclusivo no corrupto e a vista grossa que a imprensa faz para o corruptor. Ao passo que o primeiro é presa simples, o último é intocável, pois patrocina quem deveria fiscalizá-lo. No meio desse imbróglio estão os jornalistas, que assistem à liberdade de imprensa se converter em

liberdade de empresa. Uma troca de substantivos nociva à profissão. Uma palavra “mal colocada” e o risco de demissão é iminente. A censura se atualizou, mas, felizmente, ao contrário dos anos de chumbo, deparou-se com um algoz à altura: a internet. Em boa parte ainda independente, a grande rede é a válvula de escape para a mordaça do mercado, que oferece apenas doses homeopáticas de autonomia. Quem fala em imprensa livre ou o é por má-fé, ou por ingenuidade. A inverossimilhança salta aos olhos. Se há restrições e assuntos proibidos – e há! - a liberdade não passa de falácia. Nem da tortura e

da morte estamos livres ao exercer nossa profissão. O Brasil é hoje o país das Américas onde mais se mata jornalistas, segundo a Organização Repórteres sem Fronteiras. As semelhanças com os anos de repressão militar são sintomáticas e nos levam, muitas vezes, a questionar as limitações da democracia em que vivemos. Há quem diga que regimes de exceção produzem bons jornalistas, uma vez que o inimigo é declarado e, desse modo, passível de identificação. Os jornalistas do Poeira, jornal universitário que durante muitos anos enfrentou a repressão sem sucumbir a ela, são bons exemplos

de profissionais que se destacaram em meio ao caos. O censor atual, por sua vez, é fragmentado. É praticamente impossível identificá-lo, ainda que saibamos de sua existência. Isso, para muitos, tem criado jornalistas anestesiados, à mercê de vontades mercadológicas e disseminadores de uma ilusória liberdade de expressão. O regresso é inconcebível. A ditadura militar é uma página muito triste da nossa história, mas o atual cenário, da mesma forma, deve ser rechaçado. Assim como a tirania do Estado foi combatida, a do mercado também deve ser. Jornalista conformado é um péssimo sinal.

contextualização Divulgação/Poeira em Movimento

“Levanta sacode a POEIRA dá volta por cima” Março de 1974. Nasce o Poeira: um combativo veículo de comunicação em mãos de homens e mulheres sedentos por liberdade, em meio aos densos ares do regime ditatorial. Que ele levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima, seguindo os versos de Vanzolini e a sugestão de Marília Andrade, quanto a isso não restam dúvidas. Mais que isso: o Poeira driblou a censura e mostrou-se resiliente, entrando para a história da cidade como símbolo de liberdade de expressão e de resistência à repressão da ditadura em seu período mais duro. Um verdadeiro marco do jornalismo. Jornal do movimento estudantil da então Fuel (Fundação Universidade Estadual de Londrina) - atual UEL (Universidade Estadual de Londrina) -, ao longo de 5 anos o Poeira contou com a participação de aproximadamente 400 pessoas. Com 36 edições, e uma média de 6 mil exemplares de tiragem, o jornal circulava com periodicidade mensal. Com reuniões

A CAPA

de pauta abertas à comunidade, estudantes de diferentes cursos podiam enviar sugestões, opiniões e até mesmo charges de autoria própria. Segundo os participantes do jornal, era uma proposta democrática forte, combativa, humorística e popular (na linguagem dos estudantes), que levantava questões da comunidade universitária com bastante humor e sátira. Era sabido da necessidade de o estudante abrir mão da indiferença, da alienação e do comodismo. Com forte incentivo à participação dos estudantes e uma aposta na cultura e na arte como meios de se resistir ao regime, o jornal tinha por objetivo conscientizar os universitários acerca de bandeiras tais como a redemocratização do país e questões específicas da UEL. As articulações eram feitas por Tadeu Felismino, Marcelo Oikawa, Roldão Arruda, Cleusa Monteiro, Nilson Monteiro, Célia Regina de Souza, Luzia Tieme Oikawa e Marília Andrade. Uma equipe de peso, diga-se de passagem.

A capa retrata o então artefinalista da Folha de Londrina Marcos Villa, que corria até o DCE após o expediente para fechar as edições do Poeira. Villa se empenhava na diagramação, respondia as cartas dos leitores e os recados das caixas de sugestões, salpicava as mais bem-humoradas charges, além de ser o responsável pelo célebre Horosco-Pó.

*NOTA Oscar Alves foi reitor da então FUEL - Fundação Universitária Estadual de Londrina - na época da ditadura, mais precisamente entre 1974 e 1978. Ele era o principal alvo das críticas do movimento e do jornal Poeira, dos estudantes da universidade daquele período. Alves é citado de forma negativa diversas vezes nos jornais e nas entrevistas concedidas pelos integrantes do movimento, por isso foi procurado pela reportagem para ser entrevistado. No primeiro contato, alegando questões de saúde, ele pediu um prazo de dez dias para agendar a entrevista. Passado o prazo, entramos em contato novamente, mas pelos mesmos motivos, Alves quis prorrogar para mais 30 dias. Devido ao fechamento desta edição, não foi possível fazer a entrevista. Ele não compareceu à audiência da Comissão da Verdade, realizada na UEL e deveria depor em Curitiba. Resolução: No período de Alves como reitor, estava em discussão o projeto de resolução 169/74. Ele tratava de um regime disciplinar, que definia o modo dos estudantes de se vestir, proibia a promoção e/ou a participação de reuniões não autorizadas na universidade e advertia sobre o uso de quaisquer meios de comunicação sem autorização legítima. O projeto não foi votado devido à mobilização dos estudantes ligados ao Poeira.


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opinião Carta de um filho da ditadura

Ditadura, jornalismo combativo e imprensa conivente

Pai, Pediram-me para escrever um artigo sobre a ditadura militar e eu logo pensei em você. Tecnicamente, sou um filho da ditadura. Nasci em São Paulo, em 10 de julho de 1970, durante o governo Médici, perto do lugar em que Carlos Marighella fora morto meses antes. Mas nunca esquecerei um fato que eu não pude agradecer em vida: entre combater a ditadura – como fizeram seus dois melhores amigos, Arno Preis e João Leonardo – e formar uma família, você ficou com a segunda opção, e por isso eu existo. Arno e João morreram na luta armada; você me deu a vida. Lembro-me de uma cena: você e a mãe lendo uma carta na mesa da cozinha, no apartamento da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Falavam baixo, como se não quisessem ser ouvidos. A carta era de João Leonardo, que estava no exílio. Vocês tinham medo. João Leonardo, o Baiano, encontraria a morte em junho de 1975. Quando ele morreu, a mãe estava grávida de nove meses da Fernanda. Você foi à missa naquele dia, pai? Estou escrevendo um livro. Chama-se “República Socialista do Brasil”. Na história, imagino como seria o nosso país se a esquerda tivesse vencido em 1964. Ironicamente, não seria um país muito diferente do que temos hoje. O Brasil contemporâneo teve seu crime fundador na morte de Celso Daniel. No meu livro, Celso Daniel também é assassinado, em circunstâncias que fazem lembrar os Processos de Moscou. Você nunca mais votou no PT depois da morte do Celso Daniel – e eu entendo por quê. Se a esquerda triunfasse em 1964, você sem dúvida ficaria feliz no primeiro momento. Mas não tenho dúvidas de que, com o tempo, sofreria ainda mais do que sofreu no governo militar, porque você sempre foi amigo da verdade e livre de qualquer sentimento de inveja, ao passo que o socialismo é o império da mentira e da inveja – ou, mais precisamente, quando a mentira e a inveja tornam-se obrigatórias.

O ano do golpe militar, 1964, é um marco na história da comunicação por coincidir com alterações substanciais nos meios: o florescimento de jornais combativos, a pluralidade de equipes jornalísticas compostas por artistas, atores, ilustradores, poetas, escritores, músicos e militantes, a estruturação da televisão e, claro, a incerteza sobre a liberdade de produção nos anos que viriam - se é que eles vieram. A contradição jornalística entre a criatividade e a conivência do jornalismo fica evidente quando pensamos em dois fatos concomitantes: o desenvolvimento da imprensa alternativa e a aderência de alguns jornais ao discurso autoritário. Por isso, divido este artigo em duas partes. A primeira, apresenta a militância dos jornais não-comerciais e, a segunda, mais picante, discute o apoio dos meios tradicionais à ditadura. Imprensa alternativa Pasquim, Movimento, Opinião, Lampião Da Esquina, Sol, Brasil Mulher e Combate são alguns dos tantos alternativos que foram criados e fechados durante os 25 anos de ditadura no Brasil. Absolutamente todos eram formados por grupos unidos pela atividade militante ou cultural, nunca comercial. E esta era uma das únicas características em comum, já que, no bojo, tinham formatações e intenções que se cruzavam, mas os distinguiam. Mesmo dentro de uma mesma militância, residiam diferentes linhas editoriais - como nos jornais feministas, que variavam entre o debate sobre as liberdades individuais (sexo livre) e a luta pelos direitos coletivos (creche para os filhos). Um dos principais pesquisadores da imprensa alternativa no Brasil é Bernardo Kucinski (USP), que construiu um importante registro da heterogeneidade destas publicações em seu livro Jornalistas e Revolucionários (1991). Kucinski foi preso, exilado entre 1971 e 1974, colaborou com alguns destes jornais e, no âmbito familiar, conviveu

Você sempre me recomendou bons livros, pai. Por sua indicação, conheci Tolstói, Dostoiévski, Kafka, Proust, Joyce, Henry Miller, Freud, Borges, Bandeira, Nelson Rodrigues e uma penca de autores de qualidade. Quando, na adolescência, eu comecei a ler Trotsky, você torceu o nariz: “Isso é ultrapassado”. Era um aviso. Sofri muito por ter aderido às ideias do Velho. E vejo, escandalizado, que o Brasil de hoje é um reflexo daquele panfleto terrível intitulado “A Moral Deles e a Nossa”, mais algumas loucuras de Gramsci, Che Guevara, Nietzsche e Foucault. Na semana passada encontrei um casal de queridos amigos estrangeiros. Eles deixaram o Leste Europeu em 1987, antes da queda do comunismo. Minha amiga disse: “Perto do comunismo, a ditadura militar brasileira foi fichinha”. É isso que as pessoas querem dizer quando falam em ditadura “branda”. Ditadura é sempre ruim, seja de direita ou esquerda. Mas isso não impede que um regime seja comparado com outro. E meu amigo alerta: “O PT está construindo no Brasil o mesmo regime de que nós escapamos no Leste Europeu”. O aparelhamento e a corrupção da máquina estatal; o decreto sobre os conselhos populares; a defesa do plesbiscito para reforma política; a proposta de controle social da mídia; o poder de intimidação dos black blocs; a criminalização da atividade empresarial e do agronegócio; o financiamento público das campanhas eleitorais; as tentativas de interferir na estrutura familiar e impor a ideologia de gênero; os mais de 50 mil homicídios por ano – todos esses são sintomas de uma ditadura muito mais pesada que está sendo construída em nosso país. Uma ditadura dissimulada e plebiscitária, em que as divergências internas da esquerda são confundidas com democracia. Querido pai, ensine-me a lutar – não contra a ditadura militar, mas contra a ditadura militante.

Paulo Briguet nasceu em São Paulo, mas vive em Londrina desde 1989. É um paulistano de cer-

tidão e pé-vermelho de coração. Formou-se em jornalismo na UEL e gosta de fazer crônicas. Tem três livros publicados: “Diário de Moby Dick” (em parceria com seu pai, Paulo Lourenço, 1996), “Repórter das Coisas” (2002) e “Aos Meus Sete Leitores” (2010). É conservador, católico e gosta de Bach.

EXPEDIENTE

TARJA PRETA

VERSÃO ONLINE: issuu.com/jornaltarjapreta EDITOR CHEFE: Prof. Fábio Alves Silveira

com a angústia de procurar sua irmã e seu cunhado, desaparecidos durante o regime . Para os censores, jornais e jornalistas da imprensa alternativa eram igualmente “subversivos”. Nos arquivos digitalizados do ditador Ernesto Geisel , o contestador político Movimento e o irreverente Pasquim eram tão similares quanto macaxeira e aipim. Caetano Veloso era tão “comunista” quanto Carlos Marighella. A série de entrevistas do Instituto Vladimir Herzog, Resistir é Preciso , também registra o depoimento de alguns dos protagonistas do período e, ali, na informalidade da conversa e no acesso à memória, fica claro o orgulho da escolha da prática jornalística comprometida, mesmo daquele ambiente violento. Imprensa complacente Do outro lado deste cubo historiográfico estão os jornais da chamada grande imprensa e as mais recentes pesquisas sobre a participação civil/empresarial/midiática no regime. Um marco nesta linha de debate é o documentário Cidadão Boilesen, de 2009. Dirigido pelo carioca Chaim Litewski, mostrou a participação do presidente do grupo da Ultragás na condução da Oban (Operação Bandeirante) em São Paulo, inclusive em sessões de torturas, bem como o apoio à ditadura dado por outros grupos, como a Folha de S.Paulo e a construtora Camargo Correia. Este ano, mais uma obra trouxe a discussão sobre o papel da grande imprensa: o pesquisador Juremir Machado, em seu livro 1964 – O Golpe Midiático-Civil-Militar – reproduz os incontáveis editoriais felicitando o golpe e a manutenção da “revolução”. A cada página, sentimos mais e mais vergonha de ler os lemas da ditadura em textos que deveriam ser jornalísticos. Com isso, nossas histórias vitais e apaixonadas do jornalismo militante precisam conviver com a memória amarga e humilhante dos que sujaram as mãos de sangue e de tinta.

Márcia Neme Buzalaf nasceu em Bauru (SP), cursou Jornalismo na Unesp e tem doutorado em História. Pesquisa o período da ditadura civil-militar, com foco na censura aos jornais alternativos. Docente na UEL há 5 anos, na graduação e na pós, é libanesa, vegetariana e apaixonada por Londrina.

REPÓRTERES: André Costa Branco, Bruno Amaral, Bruno Petri, Diego de Moraes, Gabriel Siqueira Lopes, Giovanna Escobar, Juliana Pereira, Lara Camargo, Lila Cavalcante, Lilian Torres, Maria Isabela Marques, Mariana Tocci, Marjorie Coelho, Mônica Chagas, Natalia Dourado, Nathalia Lainetti, Nesser Andrade e Thaila Nagazawa.

TIRAGEM: 500 cópias. IMPRESSÃO: Gráfica UEL Este jornal é um trabalho desenvolvido pelo 2º ano matutino de Jornalismo - turma de 2013 - da Universidade Estadual de Londrina, coordenado e orientado pelo professor Fábio Alves Silveira.


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O jornalismo driblando a censura Divulgação/Poeira em Movimento

Jornalistas relatam as dificuldades de desempenhar a profissão numa das épocas mais reprimidas da história do Brasil: o Regime Militar Nathalia Lainetti Medo. Esse era o principal sentimento que rondava quem fazia jornalismo durante a ditadura militar no Brasil. No golpe de 1964 a informação passou a ser motivo de preocupação dos militares. Naquele ano, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), depois os centros de informações do Exército (Ciex), o da Aeronáutica (Cisa) e o da Marinha (Cenimar). Porém, é com o AI-5 que a censura tornou-se feroz e respaldada por norma da ditadura – o artigo 16, item III, do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965 e o Ato Complementar nº 1 determinavam a apreensão de livros, jornais ou qualquer publicação que divulgasse manifestação de pessoas ligadas à Frente Ampla. Nilson Monteiro começou a trabalhar em jornais em 1971, ano em que a ditadura começou a apertar no país. Ele contou, com muita emoção e a até com algumas lágrimas durante o ENJOR (Encontro de Jornalistas do Norte do Paraná) sobre essa época. As ameaças e a censura não estavam restritas aos grandes jornais do país. Em 1973, Nilson trabalhava na Folha de Londrina e relata que a situação era a mesma. “Havia aqueles brutamontes atrás de você dizendo: ‘isso pode, não pode, isso vai e isso não vai’. Nós tínhamos uma coleção de bilhetinhos, principalmente o Valmor Macarini, que era chefe de redação na época, em que os caras diziam o que podia e o que não podia ou até onde podia”. Havia a censura normatizada e a autocensura exercida pelos veículos de comunicação. Nos jornais e nas revistas, a censura era mais pesada. Além dos bilhetes, os militares telefonavam para as redações ditando o que não poderia ser publicado, mas depois ficou a cargo da Polícia Federal censurar os veículos de comuni-

cação. Em 26 de janeiro de 1970, o Decreto-lei nº 1077 inseriu no artigo 153, parágrafo 8º, da Constituição de 1967, a censura prévia constitucional. Ficaram proibidas as publicações e exteriorizações contrárias à “moral e aos bons costumes” que pusessem em risco subversivamente a segurança nacional. Os jornais e as revistas tiveram edições inteiras apreendidas, proprietários de jornais e jornalistas foram presos. Em grandes cidades as ações eram mais efetivas. Monteiro conta que quando trabalhava para o Jornal Movimento em São Paulo as ameaças eram diárias. “Nós vivíamos com medo 24 horas por dia. Porque eles ameaçavam jogar bomba dentro do jornal e botavam fogo em banca de jornal”, relembra. Além disso, não havia privacidade na vida pessoal dos jornalistas da época. “A vida da gente era conhecida de frente para trás e de trás para frente. Tudo que você tinha na sua vida os caras sabiam”, desabafa Nilson. Mesmo com todos os pesares da ditadura e a censura extremamente forte, os jornalistas da época produziam matérias e insistiam em publicá-las. Marcelo Oikawa conta que muitas vezes mandava sua matéria para jornais diferentes para que fossem publicadas. “A gente procurava pautar as matérias que a gente achava relevante, geralmente essas matérias eram censuradas. Muitas das minhas que foram censuradas na época do Jornal do Brasil, eu reescrevia e mandava para o Jornal Movimento”, conta Oikawa. Não somente publicar a matéria era a dificuldade. Obter fontes e fazer com que as pessoas falassem era um grande empecilho para os profissionais da época. O medo rondava o país e a população tinha medo de falar. Mas as denúncias continuavam e era papel do jorna-

Driblando a ditadura

Nilson Monteiro começou a trabalhar em jornais em 1971, e se emocionou ao falar sobre o trabalho do jornalismo, durante a ditadura, no encontro do Poeira lista investigar. “Tinha gente que nos procurava para fazer uma denúncia e não se identificava. A gente tinha que ir atrás, fazer o jornalismo investigativo e checar”, lembra o jornalista. Ele conta a história de uma reportagem sobre o assoreamento do rio Iguaçu por conta da construção da usina de Itaipu. Haviam dados científicos nas mãos, mas o assunto era “proibido”. “Uma fonte direta do Iapar me passou as informações e eu fui a da Foz do Iguaçu, anonimamente, como se não fosse jornalista para levantar [o assunto]. Mandei a matéria para o Jornal do Brasil, não publicaram, mandei para o Jornal Movimento e lá foi publicado. A gente tentava driblar a censura e a polícia para tentar fazer passar as informações”, relata

Oikawa.

“Tudo de novo” Mesmo com os desafios enfrentados, o medo e as ameaças ambos relatam: valeu a pena e fariam tudo de novo. Nilson Monteiro, hoje com 30 anos de profissão é ainda mais enfático. “Para gente claro que era difícil, claro que a gente tinha inúmeros problemas pessoais, com amigos, na escola, na faculdade. Mas nós pensávamos assim: ‘pô, eu não vou abrir mão para esses caras e nem vou baixar a guarda’. Foi um desafio de toda a impressa do Brasil. Então se me perguntarem 20 vezes, eu faria de novo 20 vezes ou quantas vezes ou quantas vezes precisasse. Valeu a pena. Eu nasci jornalista e vou morrer jornalista”, completa emocionado.

Grandes veículos de comunicação ficaram famosos pela forma como lidavam com a censura de seus conteúdos. O jornal O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde, por exemplo, recusavam-se a substituir as matérias cortadas pelos censores que ocuparam a redação. Para ocupar esses espaços o Estadão publicava versos de Os Lusíadas, de Camões, enquanto o Jornal da Tarde, receitas de bolos e doces. A maior parte dos jornais ditos como “alternativos” utilizavam tarjas pretas com as frases “Leia e assine Opinião”, “Leia a Tribuna da Imprensa”. Essas atitudes informavam ao leitor que havia trechos proibidos. Tudo era válido para que uma matéria passasse pela censura, e, muitas vezes, os jornalistas aprendiam artimanhas para que isso acontecesse. O jornal O Pasquim talvez tenha a história mais engraçada para que matérias fossem aprovadas. Em entrevista a Folha de S. Paulo o cartunista Jaguar conta que descobriu a fraqueza da censora responsável pelo jornal. “Nossa primeira censora foi a dona Marina, que um dia me pediu um gole do meu whisky. No dia seguinte, eu deixei uma garrafa e gelo na mesa dela, para agradá-la. Ela acabou demitida.” Segundo consta, essa foi uma das edições em que mais passaram matérias, que em outras situações não seriam aprovadas. Quando a censura saiu da redação e foi para Brasília, Jaguar enviava uma enorme quantidade de matérias para dificultar a análise. “A gente mandava o rascunho a lápis. Eles aprovavam o desenho, mas na obra final a gente mudava a expressão do desenho, o que alterava o sentido”, completa ele.


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PERFIL JOSÉ LUÍS BALDY

O médico que jogou com a ditadura Um médico que via mais do que o estudo de medicina na faculdade; A história de quem militou e ajudou Londrina a sair do autoritarismo Gabriel Siqueira Lopes José Luís Baldy: médico, fundador do PT de Londrina, militante contra a ditadura civil – militar brasileira e ponta direita. Um homem que enfrentou a ditadura com seus meios e modos, e que até hoje é lembrado pelos seus feitos. O doutor que ajudou Londrina a rever a democracia prestou depoimento em agosto para a Comissão Estadual da Verdade, órgão que estuda e analisa os direitos civis violados na época da ditadura estabelecida no Brasil de 1964 a 1985. A audiência pública aconteceu na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Cuidados O depoimento se estende por um motivo simples, o depoente tem um cuidado raro com as palavras e com a sua história. Ele contextualiza, não atropela fatos, e, com isso, faz um resumo de sua vida detalhado e apaixonante. Baldy sonhou em ser jogador de futebol, mas conseguiu driblar o regime militar ajudando a construir um curso de Medicina reconhecido até hoje. Com vocês, José Luís Baldy. No ano de 1939 nascia no interior de São Paulo, São José do Rio Preto, o que no futuro se tornaria um famoso médico brasileiro, José Luís Baldy, ou só Baldy, como todos o chamam. O conhecido doutor que contestou a ditadura em Londrina tem um passado rico e lutador. A pequena cidade em que nasceu, hoje com quase 500 mil habitantes, mas que na época não se contavam 500 (aliás, Baldy nasceu apenas três anos depois que a cidade recebera sua bandeira), é lembrada com carinho nas lembranças do médico: “fui ponta direita na base do América (time de fu-

tebol local), e fui o dos bons. Pode procurar, tem minha foto no site do clube.” Baldy ainda lembra que sua cidade natal abrigou uma importante faculdade de Filosofia antes da ditadura. E que, segundo ele, foi brutalmente fechada pelos militares. José Luís Baldy não se cansa de relembrar o passado. Diz com convicção que toda a sua formação fora sempre humanística, rodeado de livros e CD’s, ele nunca pecou pela falta de cultura. Muito pelo contrário, sempre procurou ler o máximo de tudo. O médico lembra com gargalhadas que, principalmente na vida jovem adulta, sempre lia o Carlos e o Frederico. Ninguém entende. Ele volta a rir. “É uma brincadeira da época, se refere a Karl Marx e a Friedrich Engels, o Carlos e o Frederico”, as gargalhadas. Em 1971, Baldy, vira professor Baldy da Universidade Estadual de Londrina, cargo que exerceu até 2008, e foi na UEL que ele teve seu ativismo político mais forte. Foi nessa época, em pleno AI – 5, que o médico acolheu fugitivos políticos em sua casa e que atendia familiares de tais fugitivos. O professor define a UEL em duas fases: a do distanciamento da ditadura; e a da instalação real da mesma. Essa primeira fase só durou a primeira gestão, com reitor Ascêncio Garcia Lopes, que também era médico e que, para Baldy, só buscou fazer uma universidade de qualidade, inclusive contratando profissionais demitidos pelo regime de outras universidades. Já a segunda, a partir de 1974, foi a real instalação da ditadura civil-militar dentro da UEL. “O reitor mais cruel foi o que assumiu em 78, o José

Carlos Pinotti. E foi nessa gestão em que fizemos a maior greve que eu me lembre, ficamos 37 dias com o Hospital Universitário em greve pela demissão de cinco professores de Medicina”, afirma ele. Apesar da greve, Baldy afirma com toda a certeza: “Nunca sofremos interferência no HU, era um lugar isento”, diz o médico sobre o Hospital Universitário de Londrina, e ainda lembra que a medicina sempre teve grandes líderes lá, o que, para ele, blindou sempre o HU de represálias fortes. E, claro, foi nessa época em que foi intimado três vezes a depor ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) de Curitiba. “Eu nunca sofri tortura física em minha vida, mas nunca tive tanto medo também, o delegado sempre falava que a próxima vez que eu fosse chamado ele não me deixaria sair”, conta com a face contraída. Baldy ainda nos conta que foi um dos fundadores do PT (Partidos dos Trabalhadores) em Londrina, que aconteceu paralelamente a criação da rede nacional. “Militei muito com o partido”, revela o médico. Sua passagem pelo PT foi tão importante que chegou a ser candidato a vice-governador no ano de 1982, com a legenda candidatando Edésio Passos. Nessa eleição a chapa só obteve 0,42 por cento dos votos. Ainda relembrando sua militância petista, Baldy conta aos risos que ele era o motorista do Lula (presidente da República de 2002 a 2010) quando ele vinha para a região. “Eu era o único que tinha carro na época, então eu era o motorista do Lula pelo norte do Paraná inteiro”, revela com um sorriso no rosto.

Arquivo Pessoal

Dr. Baldy ajudou Londrina a voltar a democracia


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UEL foi espionada no Regime Militar

Divulgação/Poeira em Movimento

AESI era um sistema de comunicação criado durante o regime militar para controlar as atividades do campus

Giovanna Escobar Afinal, houve ou não houve espionagem dentro da Universidade Estadual de Londrina (UEL) nos anos de chumbo? Marcelo Oikawa, um dos integrantes do movimento Poeira, e que atuou na UEL nos anos 1970, responde que houve sim e de forma intensa. Oikawa foi indicado pelo Sindicato dos Jornalistas de Curitiba para ficar 6 meses na seção de arquivos da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) e conta que o acervo sobre o movimento estudantil de Londrina tem um volume maior do que os documentos sobre a Guerrilha de Porecatu, a Luta pela Posse de Terra no Sudoeste e o Movimento Ferroviário do Sul, importantes movimentos de esquerda da época. Oikawa ainda relembra situações em que os ‘’espiões’’ entravam no meio das aulas, das reuniões e das assembleias para depois fazerem relatórios. Porém, os intrusos não passavam despercebidos: “nós mandávamos [os espiões] saírem das salas. Mandava a pessoa se identificar...e eles saiam, porque a nós usávamos muito a sátira e o humor, e nunca íamos de frente. Ridicularizava a pessoa. O cara ficava com vergonha e intimidado e ia embora”. Juntamente com a interrupção de reuniões por infiltrados, a censura e a repressão dentro da própria universidade começavam a aparecer. O professor do Departamento do Comunicação Social da UEL, Tadeu

Primeiras Assembleias estudantis realizadas pelo Poeira, na Universidade Estadual de Londrina, em meados de 1977 Felismino, também foi integrante do Jornal Poeira e conta que na época da tomada do poder pelos militares, a universidade adotou o modelo americano por meio da reforma universitária. Essa mudança consistiu em substituir o sistema seriado (modelo atual de ensino na UEL) pelo regime semestral de crédito, no qual o aluno precisava se matricular a cada semestre nas matérias requisitadas, participando então de uma turma diferente a cada disciplina. AESI A UEL é reconhecida como universidade em 1971, já nos novos moldes de ensino superior. Enquanto vigorava no país a Lei de Segurança Nacional, os militares começavam a introduzir o Sistema Nacional de Informação (SNI) den-

tro da Universidade. O SNI chegava então às universidades com o nome de Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), uma vertente do sistema adaptada para atuar dentro do espaço universitário. ‘’O papel das AESIs era de fazer dentro da universidade o que o SNI fazia em nível nacional, e no nível estadual tinha os DOPS. Então, era um sistema, uma comunidade de informação’, relata Felismino. Para Felismino, a AESI já nasceu com a universidade, e com o passar do tempo se mostrava cada vez mais presente na vida dos estudantes e funcionários. ‘’Qualquer professor, aprovado em concurso, na hora de ser contratado pela UEL tinha que chegar na AESI e apresentar um atestado de bons antecedentes. A AESI fazia uma verifi-

cação pra ver se não tinha nenhum registro do cara no DOPS, no SNI” relembra o professor. Infiltrados Em 1974, quando surge o jornal estudantil Poeira, a atuação da AESI se intensifica, e em 1977 ela atinge seu ápice no recrudescimento da ditadura dentro da universidade. A partir de 1976, quando as primeiras assembleias começaram a acontecer, os estudantes identificavam o pessoal da AESI filmando as reuniões de forma ostensiva procurando intimidar os alunos. ‘’Alguns caras não sabíamos bem o nome, mas sabíamos que eram ligados à AESI. Nós sabíamos que dentro do DCE tinha gente deles, e sempre ficava aquela desconfiança com algumas pessoas. E de fato, depois quando os registros foram abertos vimos re-

latórios de reuniões nossas”, conta Tadeu. Espionagem e Censura, como boas palavras irmãs, caminhavam juntas dentro da universidade no regime militar, e além das reuniões sobre o movimento estudantil, havia aquelas em que um grupo pequeno de confiança se reunia para ler a literatura não autorizada. ‘’No movimento tínhamos um grupo atuante de mais ou menos 50 a 70 pessoas e depois tinha um grupo mais restrito de 15 pessoas, chamado de centralismo democrático’’, afirma Felismino. As obras com os conteúdos ideológicos de Mao Tsé-Tung, Lênin, Stálin e variantes da filosofia eram censurados. Uma realidade bastante distante atualmente e difícil de acreditar.


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PERFIL MARCELO OIKAWA

Um “exército” contra os militares Marcelo Oikawa conta suas experiências de quando lutava contra a ditadura militar brasileira Bruno Petri “Estudando a Revolução Chinesa, eu descobri um dado simplório, mas que tem muito significado. Quando Mao Tse Tung começou lá na marcha, ele tinha mais ou menos 150 mil soldados. Quando ele chegou ao poder, ele tinha um milhão e meio de soldados. Então, isso me deu uma dimensão do que você precisa para mudar um país.” A vida do jornalista Marcelo Oikawa muito se assemelha à conquista do líder chinês. Ainda jovem, tinha em suas mãos um gravador, uma caneta e um bloco de notas como armas para denunciar os fracassos dos militares nos Anos de Chumbo. Antes de ingressar na primeira turma do curso de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Oikawa já era repórter e tinha seus “150 mil soldados” como Mao. Naquela época, a obrigatoriedade do diploma passou a vigorar no governo militar, e para se garantir na profissão, Oikawa largou o curso de Psicologia que havia iniciado para estudar Comunicação. Ele estudou jornalismo entre 1971 e 1981. “Fiquei 10 anos na universidade, eu fui daqueles estudantes profissionais. As pessoas falavam que não tinha, mas tinha”, brinca. Marcelo Oikawa nasceu em São Paulo e veio para Londrina aos 12 anos. Enquanto estudava na UEL, trabalhou em 1971 no Novo Jornal, passando em seguida pela Folha de Londrina e o Jornal Panorama. Nestes dois últimos jornais, Oikawa já colaborava com o informativo universitário Poeira. Mais tarde, o jornalista foi freelancer da Veja, depois correspondente de Londrina do extinto Jornal do Bra-

sil, escreveu para o Estado de S. Paulo e lecionou por um tempo na UEL. Mais tarde, mudou-se para Curitiba onde reside atualmente. A Vida de Chumbo O assassinato do jornalista Vladimir Herzog e o exílio de Caetano Veloso são exemplos claros de que a Ditadura Militar não merece o selo de “Ditabranda”. Porém, todos esses casos de violência cometidos pelos militares distanciam as ameaças que os paranaenses também enfrentaram na época. Marcelo Oikawa também encarou momentos de medo e insegurança. No entanto, não deixou que os militares afastassem o cálice na sua profissão. Um relato que exemplifica bem a dura realidade do fazer jornalismo na ditadura para Oikawa foi a reportagem sobre o assoreamento na Usina Hidrelétrica de Itaipu. Ele recebeu uma denúncia anônima dos funcionários do Instituto Agrônomico do Paraná (Iapar) sobre o acúmulo de detritos no lago. “Trabalhei anonimamente, como se não fosse jornalista, para levantar as informações, mandei a matéria para o JB, não publicou. Mandei para o jornal Movimento e o Movimento publicou. A gente ficava tentando driblar a censura e a polícia pra tentar fazer passar as informações.” À época, os jornalistas recebiam informações de fontes anônimas e investigavam os dados obtidos. A greve da usina de açúcar de Porecatu teve sua cobertura bastante vigiada pelos agentes do governo militar. “Eu me lembro de ser perseguido durante a noite lá na cidade. Eles (os agentes) faziam isso para nos impedir de fazer matéria sobre a greve. Eu e mais três colegas tínhamos que andar

Lila Cavalcante

Marcelo Oikawa explicou como "driblou" a censura para publicar suas reportagens no Regime Militar

juntos o tempo todo, porque se andasse sozinho você desaparecia.” Aqui em Londrina, Marcelo Oikawa foi vítima de boatos e ameaças dos militares. Amigos próximos do jornalista recebiam falsas informações sobre seu sequestro. “Era só pra aterrorizar”, explica. Além desses boatos, Oikawa se lembra de ter sido vigiado pelos agentes onde morava. “Na frente da minha casa, os camburões da polícia federal costumavam ficar passando. A gente morria de medo, claro!” O jornalista é um dos muitos exemplos de que no Paraná havia uma atividade intensa dos militares para controlar a vida dos civis. Outro caso de ameaça sofrida por Oikawa foi à época em que ele era universitário e colaborador do Poeira. O jornalista recordou da importância do Restaurante Universitário (localizado na Avenida Juscelino Kubitschek, esquina com a Rua Canudos) e da Casa do Estudante como escudo aos ataques dos agentes do governo para aqueles que ficavam no diretório localizado embaixo do RU e da moradia

estudantil. “Os estudantes que moravam lá em cima e os estudantes que vinham almoçar seriam como uma proteção para nós do DCE. Eles serviam de proteção.” Oikawa foi indicado pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná para estudar os arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política Social) paranaense. Durante seis meses, Oikawa encontrou informações importantes, como por exemplo, a espionagem na UEL. “O que eu encontrei no arquivo sobre o movimento estudantil de Londrina é um volume maior sobre a Guerrilha do Porecatu, por exemplo. Eles (os agentes do governo militar) entravam nas aulas, nas nossas reuniões e nas nossas Assembleias.” Os informantes do governo não saiam ilesos. Marcelo conta que ele e seus colegas conseguiam identificar as pessoas que espionavam as reuniões e com humor e sátira os retiravam do local. Além do jornalismo, Oikawa praticava sua militância no movimento estudantil. Sua luta pelas causas dos estudantes o levou à prisão.

“Eu fui preso em Minas Gerais no Encontro Nacional dos Estudantes. Não sofri tortura, só ameaça do cara passar com a arma na grade da cela no meio da madrugada. Eu acho que fiquei preso uma semana.” Oikawa foi indiciado na Lei de Segurança Nacional, mas em seguida veio a anistia absolvendo-o do caso. Marcelo Oikawa no início tinha uma caneta, um bloco de notas e um gravador, seus 150 mil soldados. Contestando a ditadura, denunciando os abusos, e driblando a censura, Oikawa foi se firmando na militância, concretizando sua luta estudantil com o Poeira. Hoje, aos 62 anos, desenvolve pesquisas para colocar em evidência todas as informações sufocadas nos arquivos sobre os atos dos militares paranaenses. Pode-se compreender que Oikawa enfrentou o regime militar persistentemente, deixando sua experiência nos jornais Folha de Londrina, nos extintos Jornal do Brasil e Panorama e no corajoso Poeira, seu “um milhão e meio de soldados”.


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PERFIL MARÍLIA “LIAN” ANDRADE

Lila Cavalcante

Essência irreverente Nos Anos de Chumbo Marília Lian Andrade veio a Londrina fazer movimento estudantil, enviada pelo PCdoB

Lila Miranda Cavalcante Ao entrar na sala do evento comemorativo dos 40 anos do Jornal Poeira, ela se vê cercada pelas pessoas com quem compartilhou uma história de resistência nos tempos em que a repressão pisava de coturnos sobre o Brasil. Aos poucos reconhece os companheiros de luta e redação, a maioria dos quais não via há décadas. Em meio a conversas sobre o reencontro, aflora a nostalgia dos que viveram uma

juventude plena. Lacrimeja. Quando está prestes a sentar-se para o início da conversa descontraída sobre o percurso do jornal estudantil, atém-se a um papel sobre a mesa, sinalizando o lugar que lhe fora reservado. Mas não consegue aquietar-se diante do que está escrito, é incisiva, rasga a identificação com o nome “Marília Lian Andrade” e deixa apenas o “Lian”, com o qual se identifica hoje. Não se pode deixar de notar, neste ges-

to, o aspecto irreverente de sua personalidade. Esta essência, por definição inconformista, que não aceita, sem luta, uma situação incômoda ou desfavorável está diretamente relacionada com o porquê de ela estar sentada ali. Sem esta contestadora não teria existido o Poeira, afinal, foi justamente para fazer movimento estudantil que ela veio a Londrina, no início de 1970, como militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Mas uma longa jornada de luta precede a história feita nesse solo avermelhado. Marília Furtado de Andrade nasceu em 1950, foi criada no ambiente da tradicional família mineira, onde, segundo ela: “para mulher não havia espaço”. Passou a infância transtornada com as limitações da cidade provinciana, Belo Horizonte lhe parecia pequena, queria achar sentido para a vida. E encontra-o, no amor e no marxismo, aos 16 anos. Seu com-

panheiro, Manoel Costa (o Mané), politizara-se no Greenwich Village, em Nova York, e voltara ao Brasil para fazer guerrilha e revolução. Marília sai do colégio de freiras e passa a fazer parte da Ação Popular (AP), que na época era o movimento mais forte nos colégios públicos e seguia a linha maoísta. Faz um curso de alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire, em Belo Horizonte, que lhe dará profissão dos 17 aos 43 anos.


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Em outubro de 1968, ela vai ao Congresso de Ibiúna, no qual todos os participantes foram presos, mas aqueles que não eram líderes se livraram. Logo após o congresso, Marília e Mané mudam-se para a Cidade Industrial, em Belo Horizonte, onde vivem como operários e trocam a Ação Popular pelo PCdoB. Este partido recrutava militantes para a futura guerrilha do Araguaia, porém o casal é rejeitado pela direção do PCdoB devido à gravidez de Marília. Elena muda o destino dos pais. “Da minha turma de B.H. que entrou no PCdoB, todos foram pro Araguaia, ninguém sobreviveu, só eu e o Mané”. O partido teve outros planos para eles, envia-os a Londrina. A cidade era próxima a uma região de luta pela terra no sudoeste do Paraná e o PCdoB estava mandando militantes para as regiões com maior potencial de desenvolver guerrilha. O intuito era fortalecer o movimento estudantil dessas regiões e politizar os trabalhadores rurais. “Nós fomos trabalhar com a pequena burguesia, desenvolvendo movimento democrático; eu queria ir ser camponesa, operária, eu queria ser uma revolucionária radical, então me senti rebaixadíssima”. Ao despedir da família, a mãe quis saber em vão pra onde iam. “Não sei e se soubesse não poderia contar”. “Então, disse a mãe, se perguntarem direi que você foi pra Londrina, pois já fui lá, visitar o Manoel Garcia Cid, e é uma cidade que quase ninguém vai”. Quando depois, no Rio, ouviu do chefe do partido que deveria ir para Londrina, a filha ligou pra mãe: Fala outra cidade, está não é boa. A mãe, sem desconfiar, disse: Então Jussara, em Goiás... Viviam uma vida muito austera, não tinham TV, nem geladeira e doavam quase tudo o que ganhavam para o partido. Ela conta que, no começo de sua permanência em Londrina, sentia-se isolada, “Durante anos meu sonho secreto era ser presa ou exilada, porque assim eu teria com quem discutir e aprender”, diz. “Eu não podia correr o risco de ser presa porque meu marido não me deixava arriscar, tinha que

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Arquivo Pessoal

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onde estão instaladas uma redação de jornalismo independente e a Busca Vida Filmes, produtora de sua filha caçula, Petra Costa. “Já que o comunismo não vem estou tentando a comunidade”, afirma. LIAN RESUME SUA TEMPORADA NO PARANÁ: Fui mandada pra Londrina pelo Mao Tsetung Reeducação, exílio interno, Mas protegida pelas mãos sábias do “tio” Pedro Pomar Uma vez por ano ia sugar a experiência do irmão no renascente m.e.* mineiro

FUEL durante a campanha eleitoral da chapa Poeira para o DCE, em setembro de 1974. No centro, a menina Elena, mascote do movimento estudantil do Poeira ser discreta, escondida. Eu queria ser jornalista e não podia, pois meu nome ia se tornar público, então tinha que atuar só nos bastidores”, acrescenta Lian. Sem ter contato com familiares, apenas com seu marido e o Pedro Pomar, líder comunista paraense, que visitava-os uma vez por trimestre, ela desabafa: “considero que vivi num exílio interno”. O isolamento começa a romper-se numa palestra sobre o movimento hippie, organizada pela União Londrinense dos Estudantes (ULES), com o escritor Domingos Pellegrini, quando ela conhece as pessoas que viriam a ser seus companheiros de militância e redação, “Aí que eu fui conhecer a Celinha e depois ela trouxe o Roldão, o Marcelo Oikawa, e a Cleusa, todos ainda secundaristas”, lembra Lian. Para conseguir aliados conta que precisou articular-se de forma sutil: “eu tinha que atrair os jovens cuidadosamente, todos tinham muito receio, pois pouco antes de eu chegar a Londrina havia tido uma forte repressão, com várias prisões”. Marília entra no curso de pedagogia na UEL, quando esta ainda era uma fundação (FUEL) e o ensino era pago. Começa a fazer movimento estudantil por meio de periódicos, influenciada pelo que

fazia seu irmão e colegas na UFMG, em Belo Horizonte, a quem ela visitava de surpresa uma vez por ano. Bate na porta do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e propõe fazer um jornal. Assim, começa o Terra Roxa, jornal oficial do DCE, e depois vem o Poeira, como um jornal de oposição ao DCE ganhado no ano seguinte por membros da Arena Jovem. De início, a direção da universidade não proibiu a circulação, passavam de sala em sala distribuindo o jornal, rodado aos

da Folha”. Paralelamente à produção do jornal, ela procurava conscientizar trabalhadores nas aulas de alfabetização para boias-frias, mas conta que o trabalho rendeu pouco politicamente: “os alunos nem conheciam a palavra GREVE”. Em outubro de 74, logo após a vitória esmagadora do Poeira nas eleições estudantis, Marília teve que fugir de Londrina e deixar o Poeira, que continuaria a ser publicado até 1978. “O tenente Raul anunciou que iria me prender. Uma colega ouviu e veio me anunciar que ele havia dito que no dia seguinte iriam prender a ‘subversiva do movimento estudantil’, e que era alguém de Minas Gerais”, relata. Então, vai para São Paulo e trabalha de motorista do Pedro Pomar até ele ser fuzilado, no final de 1976, no episódio que ficaria conhecido como Chacina da Lapa e que marcaria Marília profundamente. Voltemos à Lian de hoje. “Sou feminista, não tenho religião, não gosto de líder. Faço meditação zen-budista, e gosto da máxima que diz ‘se encontrar o Buda mate-o’”. Contraditoriamente, ela precisa ser chefe, pois recebeu uma herança de sua família – uma das maiores construtoras do Brasil – e a investe em projetos sociais. Hoje, ela dirige e apoia um coletivo em São Paulo,

“Eu queria ser jornalista e não podia, pois meu nome ia se tornar público, então tinha que atuar só nos bastidores” milhares e pago com anúncios do comércio da cidade, e ninguém sabia que eles eram do PCdoB. Seu líder Pedro dizia: “conta o milagre e não conta o santo”. Na confecção do Poeira, ela diz que exercia quase todas as funções, desde venda de anúncios até diagramação. Explica que receber apoio foi importante para o desenvolvimento do impresso, “o gerente da Folha de Londrina foi muito gentil, eu propus que ele imprimisse pra gente a preço de custo e ele abriu as oficinas para nós, eu acabava finalizando o jornal no porão

A terra vermelha me abraçou sem medo de nos sujarmos Celinha, Cleusa, Marcelo, Roldão...Eu 20, eles 16. Banzai !** * movimento estudantil ** a saudação deles, sempre seguida de abraços apertados.

Busca vida A família nunca soube o paradeiro de Marília, nem sequer se ela estava viva, até 1976, quando muda-se para São Paulo. Nas visitas periódicas aos avós, a menina Elena respondia de prontidão, ao ser questionada sobre o endereço em que viviam: “moro em Goiás, na casa grande com piscina”. O que não deixava de ser verdade, levando em conta a proporção vista pelo olhar de uma criança; a família morava na rua Goiás e a piscina de Elena configurava-se em um buraco que seu pai cavara no chão e cobrira com uma lona preta. Foi em Londrina que Elena decidiu ser atriz, aos 4 anos, quando acompanhava os ensaios da peça Auto da Compadecida, dirigida por Roldão Arruda. Ela continuará a viver atriz, até tornar-se mulher, ir para Nova York, se desfazer de si. A irmã Petra vai resgatar sua história, delas, dando origem ao documentário ELENA.


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Lian, a guerrilheira que quase foi à luta

A luta por uma utopia Como o sonho de diversos militantes brasileiros acabou nas margens do rio Araguaia Natalia Dourado Considerado o maior movimento de luta armada contra a ditadura civil-militar iniciada em 1964, a Guerrilha do Araguaia ainda não teve toda a sua história revelada, o que, por consequência, reflete na nossa história uma entre várias dívidas a serem cumpridas. Tudo começou no ano de 1966, quando um grupo de militantes, contrários à ditadura, começaram a se instalar na mata no sul do Pará, para iniciar do campo, uma revolução socialista e tomar o poder dos militares. Esse esquema foi inspirado pela Revolução Cubana em 1959 e Revolução Chinesa em 1949. Quem eram Eram estudantes, médicos, enfermeiros entre outros. Não há um número exato de pessoas que participaram da guerrilha. O número gira em torno de 80 a 90 pessoas. De todos, 69 eram militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que foi o partido que liderou e articulou a guerrilha. Eles foram divididos em três grupos e cada grupo ficou com um líder. Entre os camponeses O local escolhido pelos militantes foi a região conhecida como Bico do Papagaio, que faz divisa com os estados do Pará, Maranhão e Tocantins (criado posteriormente - na época fazia parte do território de Goiás). Os guerrilheiros se instalaram nos arredores do rio Araguaia, que passa por estes três estados, daí o nome de Guerrilha do Araguaia. Os moradores da região eram humildes, viviam de plantações na roça, do garimpo, dos castanhais e da extração da borracha nos seringais. Tudo em uma época onde a floresta ainda tomava conta do lugar e o acesso às coisas simples do dia a dia era precário.

No início, foi muito difícil para os guerrilheiros se instalarem na mata. Acostumados a uma vida urbana, eles receberam ajuda dos moradores e aprenderam a caçar, a pescar e a plantar, entre outras coisas. Aos poucos, eles conseguiram se adaptar na mata e a se deslocar no meio dela sem se perder. Além disso, depositavam alimentos em troncos de árvores para se manterem durante um bom tempo dentro da mata. A amizade com os moradores também foi construída aos poucos. Os guerrilheiros viriam a usar codinomes para se comunicarem. Os comunistas ajudavam no que podiam, quando alguém estava doente (a malária era muito comum na região), quem era médico tratava a pessoa até ela se recuperar. Os militares Anos antes, os militares já vinham tomando conhecimento da guerrilha, até que houve a primeira ação em 1972. Nesta primeira ação foram enviados soldados sem nenhuma experiência ou conhecimento na mata, o que levou ao fracasso. Após esta primeira ação, os militares começaram a estudar a região e a pressionar os moradores, muitos dos quais, foram torturados e humilhados. Pelo menos 17 foram assassinados. Para pressionar psicologicamente os guerrilheiros, os militares pregavam bilhetes em árvores, e os comunistas faziam o mesmo, mas a situação já estava cada vez mais difícil para os utopistas. O exército não só queimou algumas casas na região, como também destruiu toda a plantação, dificultando assim, a alimentação dos guerrilheiros. E não parou por aí: eles também construíram três estradas na mata para facilitar o deslocamento, o que isolou de vez os comunistas. Se antes o exército era incapaz de

lutar contra os guerrilheiros por conta do desconhecimento total de viver na mata, por outro lado, eles tinham armas bem mais poderosas do que os militantes. Era uma luta de espingardas e fuzis. A cada ação, o que se percebia era um exército cada vez mais preparado, enquanto os guerrilheiros, cada vez mais encurralados. Com a confiança estabelecida entre os moradores e a experiência na mata, os guerrilheiros queriam convencê-los de que a luta armada rumo ao socialismo era a única opção para acabar com a miséria que assolava o país. Esse plano foi inspirado nas revoluções em Cuba e na China na qual a luta se iniciou com a aproximação dos camponeses e operários, a fim de organizá-los politicamente, e iniciar uma luta no campo até a cidade. Mas esse sonho teria um fim diferente aqui no Brasil. A história Não há números exatos sobre a guerrilha. O número de guerrilheiros varia entre 80 a 90 militantes. Quanto ao exército, sabe-se que foi a maior mobilização das três forças, inclusive, maior do que na 2º Guerra Mundial. O número gira em torno de cinco mil militares. Estima-se que 76 guerrilheiros morreram, sendo 59 só do PC do B. Em 1975, o exército ordenou uma ação chamada “Operação Limpeza”, que tinha o objetivo de “limpar” a região, retirando todos os vestígios de qualquer combate. Alguns corpos foram queimados junto com pneus. Como não há muitos documentos oficiais sobre a guerrilha, fica difícil saber o que realmente ocorreu. Pior ainda para várias famílias que aguardam por um esclarecimento final sobre o caso. Elas esperam até hoje os ossos do ofício da nossa história para poder enterrá-los com dignidade e ficar em paz.

Marília Lian Andrade, quase foi para o Araguaia. Acabou em Londrina, na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e no movimento Poeira. Em entrevista ao Tarja Preta (leia o perfil na página x), ela conta que durante o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) realizado em Ibiúna, em outubro de 1968, algumas pessoas que não foram ao Congresso se deslocaram para o Araguaia: “muitos nem foram em Ibiúna e foram para a guerrilha”, disse ela. Lian, como gosta de ser chamada, poderia ser uma entre eles a se mudar para a mata, mas a gravidez de sua primogênita (nascida em Londrina) fez com que esse plano não se realizasse. A vinda de Lian para Londrina evitou que ela morresse na guerrilha. “Da minha turma em Belo Hor-

izonte que entrou com o PC do B, todos morreram”, disse Lian. Apoio popular Para Lian, a diferença entre a guerrilha do Araguaia e outras revoluções iniciadas com guerrilhas, casos do Vietnã e da China, foi o apoio popular. “Acho a guerra do Vietnã, a revolução Chinesa, experiências muito interessantes de luta armada, mas com participação popular. Enquanto no Brasil, não havia movimento popular para pegar em armas.” Lian disse também que se acreditava que era possível fazer uma revolução em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil, era só querer. Mas segundo ela, o Brasil não tem essa tradição de desenvolver movimentos revolucionários e radicais. “É muito de acordos”, disse ela.

João Amazonas: o último líder João Amazonas de Souza Pedroso liderou um dos grupos e também era líder do PC do B. Foi um dos sobreviventes da guerrilha e veio a falecer em 2002, aos 92 anos. Maurício Grabois liderava outro grupo e não só era do PC do B, como também ajudou a reorganizar o partido, que era um “racha” do PCB – este último ficou conhecido como “Partidão” por ter ficado com a maioria dos militantes depois da divisão. O outro dirigente, que liderou o último grupo, foi Ângelo Arroyo, que também sobreviveu à ação, mas foi assassinado em 1976 em uma ação feita por agentes do Destacamento de Operações de In-

formações - Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-CODI. O episódio ficou conhecido como A Chacina da Lapa. Dos três, João Amazonas foi o que mais viveu. Ele foi um teórico marxista e um político revolucionário. Amazonas ajudou no processo de reformulação do Partido Comunista do Brasil e foi sob sua direção que o partido atravessou o período difícil da ditadura militar (1964-1985). Foi líder também em vários movimentos sociais como Movimento Unificador dos Trabalhadores o Mut. Sem dúvida, João Amazonas está sempre vivo nos corações revolucionários e utópicos. Agência Brasil

Audiência pública da Comissão Nacional da Verdade criada em 2011


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PERFIL CÉLIA REGINA DE SOUZA

O inevitável destino de Celinha Célia Regina estudou Economia e Pedagogia, mas permaneceu grande parte de sua vida militando na comunicação Mariana Tocci “Botaram a bola pra gente chutar. A gente tava com um bom posicionamento tático, uma boa visão de jogo e chutamos pra valer.” É assim que Célia Regina de Souza, ou Celinha, define o jornal estudantil “Poeira”. Para ela, o governo da época deu as pautas que os integrantes do jornal queriam “combater”. Eram pessoas contra a ditadura, que tinham sonhos e queriam muitas coisas. Os estudantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL) só juntaram a fome com a vontade de comer. A voz rouca da ex-estudante de economia da UEL explica como passou a fazer parte do “Poeira”. A londrinense já conhecia o pessoal do Diretório Central dos Estudantes (DCE) que estava cheio de ideias e vontades. Eles conviviam na União Londrinense dos Estudantes Secundaristas (ULES) e acabaram tornando-se amigos. Depois de um tempo longe de Londrina, Celinha retornou e decidiu que queria fazer parte do movimento entre os estudantes. Na hora de decidir o que ia cursar ficou em dúvida entre História e Economia. Os amigos que já faziam parte do DCE e do jornal estudantil apoiaram sua ida para as exatas, pois precisavam de apoio no Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA). Foi então que prestou vestibular para Economia. “Tava meio na moda economia... Pensei ah, curso interessante. Mas na minha cabeça estava história econômica, economia rural, economia brasileira. Não estava assim, macro economia, micro economia, matemática, contabilidade!”, conta ela, aos risos. O jornal deu certo, segundo ela, por vários motivos. O humor é um deles. Ele “escapava pelas brechas” e conquistava os estudantes. Além disso, não havia ninguém mais importante do que ninguém na organização, era uma democracia participativa. Porém, o mais importante que Celinha des-

taca, não é o movimento ou a poeira que os estudantes de então sacudiram, mas sim as amizades. “A gente continua pela vida se encontrando. A gente manteve um carinho, um vínculo, que é fundamental. Tem gente que não tem mais nada a ver politicamente um com outro, mas tem uma história e o respeito.” Caminhos Desde que nasceu em Londrina, no dia 18 de junho de 1954, Célia Regina já foi e voltou à cidade muitas vezes. Fumando um cigarro depois do almoço, ela conta que como sempre teve que trabalhar para ajudar em casa, já fez de tudo um pouco. “Já tinha sido secretária, já tinha trabalhado em jornais... Mas aí o mercado aqui se esgotou, porque já tinha trabalhado nos dois jornais da cidade”, diverte-se lembrando. No período em que estava no DCE, as atividades relacionadas a ele tomavam bastante tempo. Celinha tinha dificuldade para encontrar um emprego. Então, arranjou outro jeito de ganhar um dinheiro. “O que eu fazia era assim... Nas férias, eu arregimentava um bando de gente do DCE e a gente ia fazer pesquisa e ganhava uma grana nas férias.” Entre os trabalhos, Celinha já escrevia antes de entrar para o “Poeira”. Mas ela não acredita que entrou sabendo. Para ela, o que eles fizeram em termos de comunicação ali foi um laboratório e tanto. A prática, a malícia na hora de fazer uma matéria, a visão de mundo, tudo foi aprimorado no “laboratório”. Em 1979, quando estava quase terminando o curso de Economia, foi para São Paulo trabalhar no jornal Movimento, considerado um dos mais importantes da imprensa alternativa na época da ditadura militar brasileira, juntamente com “O Pasquim”. Com o fim do jornal, em 1982, a londrinense retornou à cidade natal e tentou retomar o curso. Porém, o currículo já tinha mudado muito, então acabou

Maria Isabela Marques

Celinha marcou presença na Oficina de memória dos 40 anos do Jornal Poeira

desistindo. Já tinha trabalhado antes como jornalista em Londrina, na Folha de Londrina e no extinto Panorama, sem diploma e sem o registro necessário. Quando voltou, a Folha de Londrina queria pagar a metade do piso salarial para quem não tinha diploma e Celinha não aceitou. “Aí eu falei, eu não vou fazer uma coisa dessas. Primeiro que eu já trabalhei lá como profissional (1974), agora vou trabalhar lá e ainda por cima assim?”. Célia foi para a rádio e conseguiu seu diploma de radialista. Mas sempre apoiando o movimento dos jornalistas e o sindicato. Voltou para São Paulo e trabalhou em jornais e TVs. Um dos jornais de que fez parte era a Gazeta de Pinheiros, um jornal semanal de bairro da cidade que pertencia a Marília Andrade, também integrante do Poeira. O interessante desse jornal, segundo Célia, é que várias pessoas de Londrina trabalharam lá, como Bernardo Pellegrini e Jotinha. Trabalhando como editora nesse jornal, ela conseguiu seu registro, mas continuava sem o diploma. Durante o tempo em que ficou em São Paulo, decidiu fazer Pedagogia em uma faculdade perto de sua casa, com duração de três anos, para garantir a graduação. “Assim que eu terminei a graduação, eu vi que ia

continuar assim: ‘Mas você fez jornalismo onde’?”, explica Celinha. Ela buscou então uma especialização em sua área. Na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), fez uma especialização em gestão da comunicação. “Foi onde eu descobri o que eu fazia mesmo, que tipo de jornalista eu era. Na verdade, eu acho que eu sou uma gestora de processos comunicacionais.” Depois da passagem pelo jornal de Marília, a londrinense trabalhou pela primeira vez na área de política, na Câmara Municipal de São Paulo, e depois voltou novamente a Londrina para ajudar um amigo do movimento estudantil, Luiz Eduardo Cheida, na campanha para prefeito da cidade. Celinha, brincando com o esmalte vermelho nas unhas, conta que o amigo tinha só 3% de chance, mas ela queria ajudar na campanha. Cheida ganhou a eleição e Célia permaneceu em Londrina, trabalhando na assessoria de comunicação da prefeitura. Era o início da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU) e os serviços que ela prestava ainda estavam meio confusos. “Então precisava de um trabalho de comunicação legal lá, assim, de esclarecimento.” De acordo com Celinha, como o mercado é difícil em Londrina, após a passagem pela prefeitura e alguns ou-

tros trabalhos em jornais, ela retornou a São Paulo. Trabalhou em um centro cultural e em seguida, foi chamada por um amigo de Londrina pra trabalhar no programa municipal de AIDS da então prefeita Marta Suplicy (PT). Célia era a coordenadora de uma estrutura de comunicação do programa e acredita que foi um projeto muito interessante. Eram feitos eventos, folhetos e até livros sobre a prevenção da doença. Mais uma vez, Celinha se mudaria. Agora, para Brasília, trabalhando novamente com londrinenses. No Ministério das Comunicações ela foi assessora de uma londrinense. Chegou a morar em Curitiba, fazendo trabalhos relacionados à saúde e retornou a Brasília, onde reside atualmente. Voltou a trabalhar no Ministério das Comunicações, na Secretaria de Inclusão Digital. Célia conclui sua passagem por diversas áreas da comunicação e por diversos cursos. “Se me perguntarem qual é minha profissão, sou jornalista, especialista em gestão da comunicação. Não virei economista... E a graduação é: pedagoga!”, diz ela, sempre bem-humorada. Célia Regina ou apenas Celinha, leva do Poeira as amizades e acredita que o que eles fizeram foi importante e certeiro, senão não falariam sobre isso até hoje.


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Divulgação/Poeira em Movimento

Reunião Geral do DCE no pátio do CCH em 1977 - Alunos protestavam contra a prisão de três estudantes no III ENE - Encontro Nacional de Estudantes, em Belo Horizonte

A Poeira ainda está no ar Divulgação/Poeira em Movimento

Onde foi parar a mobilização

na UEL: as diferenças entre o movimento estudantil de hoje e dos tempos da ditadura

Mônica Chagas “Chorei, não procurei esconder; todos viram, fingiram pena de mim, não precisava. Ali onde eu chorei, qualquer um chorava. Dar a volta por cima que eu dei quero ver quem dava.” Os versos de Paulo Vanzolini traduzem o sentimento dos integrantes do movimento político de resistência à ditadura militar instaurado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) nos anos de chumbo. A chapa Poeira, que comandou o Diretório Central dos Estudantes (DCE) durante parte do período militar inspirou-se na música para nomear o jornal estudantil e o movimento do Diretório, que trabalhavam paralelamente. Hoje, a chapa ‘Necessidade Vontade – Por um movimento de mudança’ tenta resgatar esse espírito de luta e contestação deixado na história.

O DCE é a entidade máxima de representação estudantil no campus. A gestão atual, presidida pelo estudante de medicina Hugo Bethsaida Leme, trabalha com duas comissões: Arte e Cultura, que cria espaços artístico-culturais para interação estudantil e Acesso e Permanência, que gerencia a situação dos alunos ingressantes e acompanha a permanência estudantil. A parte administrativa é representada nas reuniões do Conselho Deliberativo, entre os presidentes dos Centros Acadêmicos (CAs) e do Conselho Universitário, com as autoridades docentes e administrativas do campus. Leme conta que a chapa foi formada pelo inconformismo com a falta de mobilização da antiga gestão. O estopim foi o aumento dos preços do Restaurante Universitário (RU) no perí-

Reunião de membros do movimento estudantil da UEL com o então prefeito de Londrina, José Richa, em 1976, para tratar da aprovação do passe universitário. (da esquerda para a direita: Richa, Rubens Pinheiro de Souza/Veterinária, Nílson Monteiro/Letras, José Carlos Vieira/Direito, Antonio Cláudio Leme/ Bioquímica, e Marcelo Oikawa/Jornalismo) odo de férias entre 2012 e 2013. Nesta época, o preço da refeição para estudantes aumentou 60 centavos de uma só vez. Segundo o presidente, os estudantes não encontraram apoio na antiga gestão do DCE para organizarem manifestações contra

o aumento do valor. Agora, a gestão tenta administrar de forma horizontal e coletiva, criando eventos que incentivem a troca de experiências e o intercâmbio cultural entre os Centros Acadêmicos, como os CAs Unidos e o Toda

Quinta Tem. O primeiro procura reunir participantes de todos os Centros Acadêmicos da UEL, a fim de discutir os problemas de cada área, organizar mobilizações e ajudar os CAs inexistentes a se articularem e ganharem força; o segundo, realizado to-


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SEGUNDO SEMESTRE 2014 Divulgação/Toda Quinta Tem

Quando a Poeira levanta

Membros do DCE em apresentação no evento Toda Quinta Tem em setembro de 2014 - Realizado no pátio do RU, o Toda Quinta pretende promover a integração entre os estudantes e o incentivo à cultura e às artes presentes na universidade das as quintas-feiras no RU abre espaço a apresentações de bandas, grupos de dança e teatro e outras formas de arte surgidas dentro do campus e geralmente pouco conhecidas pela maioria dos estudantes. Leme admite que o diálogo com a administração da universidade é falho e reconhece que o movimento estudantil atual está enfraquecido. “O povo está vendo essa necessidade, a gente tem que estar junto e organizado. Como? Não sei. E acho que não tem fórmula pronta, depende de inúmeras variáveis e a ideia é tentar se organizar e ir para frente, voltar a forçar uma frente de luta para o povo brasileiro.” Ainda assim, Leme demonstra otimismo quanto aos novos rumos do movimento estudantil e baseia-se nos exemplos históricos que possam inflar novamente o espírito contestador dos universitários. “Não podemos ficar só na crítica, mais importante do que criticar é tentar entender a história e como nós conseguimos aprender com ela para não cometer os mesmos erros. A alternativa de parar e não fazer nada está cada vez mais remota”, pontua o presidente. Uma nova proposta é a valorização e o resgate dos antigos movimentos que existiam na

universidade, e é aí que entra o Poeira. A sede do DCE do centro fez parte da história de luta e resistência na ditadura. Gilberto Berguio Martin, integrante da antiga chapa e diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE) nos anos 70, conta orgulhoso que fez parte de um grupo que vigiava a casa para impedir que o governo invadisse o local. “Fizemos uma mobilização e fomos para a sede da Rua Hugo Simas; juntamos quase mil estudantes e tomamos a casa, ficamos de vigília quase um mês para não tomarem nossa sede.” O DCE pretende resgatar este espaço histórico, atualmente abandonado, e transformá-lo no que sempre foi, um local de discussão, interação e efervescência estudantil. Apesar da luta pelo espaço encontrar diversas barreiras burocráticas e até mesmo estruturais, como a falta de água e energia, o DCE já conseguiu realizar alguns encontros na casa e mobilizar um grande grupo de estudantes para ajudar na limpeza e manutenção do local. Hugo explica que a sede “é um espaço histórico, um espaço nosso no coração da cidade. Muito além dos estudantes da UEL, é dos estudantes de Londrina.” Como apoio, a sede também já recebeu reuniões do

Movimento Passe Livre e do Coletivo Bicidade. Além da dimensão artística e cultural, a intenção é fazer da casa um eventual ponto de hospedagem para estudantes que fiquem de passagem pela cidade, assim como era feito na época do Poeira. Leme ressalta que não é só na UEL que o movimento encontra dificuldades de articulação; sem um ‘inimigo comum’ e objetivos gerais determinados, as bases continuam na busca de um caminho para a reorganização. Ele lembra as ‘Jornadas de Junho’, que ocorreram em 2013, em que milhares de pessoas foram às ruas protestar contra a situação do país. “Nos últimos tempos houve uma quebra no desânimo. Houve o grito de ‘não aguento mais’. Acho que está muito nessa ‘vamos fazer alguma coisa’ e vimos que aquele povão na rua é muito bonito, mas se não estivermos organizados as conquistas são muito pequenas porque não há continuidade”, defende. O estudante observa que a instância máxima de representação estudantil no país, a União Nacional dos Estudantes (UNE) mudou muito desde o período militar. “A grande maioria da UNE continua muito bem comportada, muito amiguinha do Estado e do governo, mas não podemos

ignorá-la como organização dos estudantes. Não temos é que aceitar como está nem gostar dela, mas encarar como um espaço histórico em disputa. O que fazer? Não sei. Mas temos que ir tentando, aprendendo, errando e assim modificando.” Tadeu Felismino, outro antigo membro do DCE e integrante do jornal Poeira, também acredita que o movimento deve encontrar um novo caminho de articulação. “Vimos a voracidade com que a juventude foi para a rua, mas por outro lado vimos uma grande insatisfação com tudo e uma resistência muito grande a se organizar. Precisamos reaprender a dialogar, conversar, renegociar.” Gilberto Martin acredita que o desafio é descobrir como fazer a mudança, deixando de lado o individualismo. “Não é porque naquela época tínhamos um inimigo comum que justificava que o movimento fosse mais forte. Os problemas continuam, talvez até sejam mais sutis agora, o que dificulta o processo de mobilização, mas o processo histórico do movimento estudantil como um espaço de questionamento continua e as atuais lideranças vão ter que descobrir a melhor forma de fazer isso acontecer”, defende o médico.

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O movimento estudantil dos anos 70 e 80 fincou raízes na UEL por meio do jornal Poeira. O periódico não só informava aos estudantes o que acontecia na universidade, como também era o maior instrumento de mobilização do DCE. Os integrantes do Poeira espalhavam cartazes pelo campus, passavam nas salas de aula aplicando questionários e faziam pesquisas para analisar as demandas da universidade. “Havia um vínculo muito forte entre o DCE, o Poeira e os estudantes, as reivindicações, lutas. Isso mantinha nossa força política”, nos conta Gilberto Berguio Martin. Mesmo com o endurecimento do governo e os entraves para que o grupo continuasse, a chapa Poeira ganhou dez eleições seguidas para o DCE. Grandes conquistas mantidas até hoje foram feitas por eles, como o passe estudantil e o fim do ensino pago e dos exames obrigatórios. “Nós chegamos a conversar com o presidente da República e pedir uma federalização da universidade; fomos com um abaixo-assinado de cinco mil estudantes. Éramos considerados o movimento de maior expressão no país do ponto de vista estudantil e foi aqui nesses corredores”, conta Nilson Monteiro, presidente do DCE nos anos 70. A última edição do jornal foi em 1980. Com o fim da ditadura, o movimento foi deixando de receber adeptos e enfraqueceu. Agora, o dever é olhar para frente e tentar encontrar novas maneiras de unir os estudantes para a luta, mas sem esquecer a história que ainda respira o ar do campus e evoca a máxima dita por Monteiro: “ditadura nunca mais!”.


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Por que o Poeira chegou ao fim? Bruno Amaral

Participantes do jornal estudantil falaram sobre as dificuldades de publicar matérias durante o Regime Militar

Bruno Amaral Os jornalistas que participaram do Poeira não têm um consenso sobre o fim do jornal estudantil, que marcou a Universidade Estadual de Londrina (UEL) na década de 1970. A jornalista Célia Regina de Souza, uma das fundadoras do Poeira, relata que houve resistência por parte dos estudantes no momento da apreensão da impressora que fora adquirida com recursos dos apoiadores do movimento. Segundo ela, a repressão por parte dos militares foi tamanha que chegaram a fechar “definitivamente” a sede do Diretório Central do Estudante (DCE), localizado no centro de Londrina. O local era o principal ponto de encontro dos estudantes. Célia afirma que uma das coisas marcantes foi a duração do jornal, “o mais surpreendente é porque o Poeira durou tanto, pois muitos jornais alternativos da época tinham uma vida curta. Durou porque nós derrubamos obstáculo por obstáculo”, aponta. Ela também declarou que antes do grupo adquirir uma máquina impressora própria, houve pressão por parte dos militares contra a Folha de Londrina e outras empresas, como por exemplo uma gráfica de Maringá, que imprimiam o

Ex integrantes do jornal Poeira se reuniaram em evento jornalístico na Universidade Estadual de Londrina jornal estudantil. Até mesmo os anunciantes eram pressionados a deixar o jornal, porém graças à coragem da maioria deles o Poeira conseguiu consolidar-se e ficar ativo por um longo período de luta constante contra a ditadura militar, de acordo com a entrevistada. O momento político em que o País passava da rigidez do AI-5 para a distensão da anistia, foi outro ponto citado por Célia como relevante para o fim do jornal. Somado a isso, existia o fato de que “a maior parte das pessoas que tinham participado do Poeira tinham cumprido seu período de curso”. Questionada sobre se o jornal tivesse continuado, teria feito uma revolução maior do que fez, Célia respondeu que

“o jornal cumpriu seu tempo, com criatividade e identidade com aquele momento”. Após o Poeira surgiram outros jornais, porém com linhas editorias diferentes. Na opinião de Tadeu Felismino, jornalista e professor, que integrou o jornal, houve uma reforma universitária, baseada num modelo Americano de universidade, com um dos objetivos principais de controlar o movimento estudantil. Por isso a União Nacional dos Estudantes (UNE) e outras entidades foram colocadas na ilegalidade. A “Nova Universidade” surgiu com uma nova proposta, ao invés de criarem um Centro Acadêmico, criaram o Diretório Acadêmico, onde quem tinha plenos poderes sobre os estudantes era o Reitor. Em 1978,

a universidade percebeu que não conseguiria mais controlar os movimentos estudantis, então ousou fechar todos os diretórios, cassar os mandatos e confiscar todos os seus bens. Com o fim das entidades oficiais, os movimentos estudantis começaram a fazer organizações livres, independentes de universidade. De acordo com Felismino, após esse momento começou um novo processo na universidade, e isso já pedia um outro jornal. Sendo assim, Poeira acabou de fato com o fechamento das entidades oficiais. O Jornal Poeira em Movimento era produzido por um pequeno grupo de estudantes universitários que além de ter o objetivo de comunicar-se com a massa de estudantes, fazia

frente à ditadura civil-militar brasileira. Foi um jornal altamente representativo, dialógico, ou seja, falava diretamente com os estudantes e se esforçava para fazer o estudante participar, opinar, através da caixa de sugestões e questionários espalhados e distribuídos pela UEL. O fim do Poeira foi marcado principalmente pela apreensão da máquina impressora, elemento fundamental para a divulgação do jornal. Ao todo foram produzidas 36 edições; é possível acessar a coleção completa e digitalizada no site: www.issuu.com/jornalpoeira. Já a coleção física dos jornais encontra-se a disposição da sociedade no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) da UEL


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PERFIL NILSON MONTEIRO

Escrevendo por fora dos trilhos Jornalista foi presidente do DCE da UEL durante a ditadura e lançou seu primeiro romance no ano passado Nesser Andrade Em agosto de 2014, a cadeira número 28 da Academia Paranaense de Letras, antes ocupada pela poeta Helena Kolody e pelo professor Belmiro Valverde, recebeu um novo ocupante. Este é Nilson Monteiro, jornalista desde 1971 e escritor bastante conhecido entre as letras paranaenses por suas obras literárias. Nascido em 26 de outubro de 1951 em Presidente Bernardes no interior paulista, filho de Florêncio Monteiro e Damaris Rosa Menezes Monteiro, é graduado em Letras Franco-Portuguesas e especializado em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Nilson começou no jornalismo trabalhando no semanário Novo Jornal, em Londrina, com Marcelo Oikawa, Roldão Arruda, Domingos Pellegrini e Carlos Eduardo Lourenço Jorge. “Era um grupo muito pequeno nesse jornal, o Domingos Pellegrini era chefe de reportagem. E foi ali que começou a minha vida, depois disso nunca mais parei. Minha vida é jornalismo e se nascesse de novo, seria jornalista novamente”, diz. Em sua carreira passou por diversos veículos de comunicação como Folha de Londrina, Panorama, Movimento, O Estado de São Paulo, e Gazeta Mercantil; também passou pela revista Istoé, pela Rádio Alvorada de Londrina, pela TV Tropical e pela TV Paranaense, mas antes disso foi membro importante do maior jornal estudantil que a UEL já

teve, o Poeira. “Nós começamos a universidade em 1972, ainda não havia curso de comunicação e foi criada uma chapa muito ampla para o DCE [Diretório Central dos Estudantes], eu era da Liga Atlética e do Grupo Base de Literatura. E foi a partir dali que eu passei a exercitar muito mais a escrita e me tornei jornalista profissional”. O gosto pelo jornalismo também começou cedo para Nilson Monteiro. “Quando eu tinha uns 7 ou 8 anos de idade, a minha mãe morava meio longe da minha avó, com quem vivi um bom tempo, e era muito comum a gente escrever cartas para a mãe e nesses escritos acho que já descobri o meu gosto pela escrita e pelo jornalismo. Contava pra minha mãe o que acontecia na minha vida e até hoje eu tenho cartas dessa época em casa e que para mim foram fundamentais no sentido da vida profissional que viria. Mas essa descoberta da profissão mesmo, foi durante o exercício dela”, lembra. Nilson foi presidente do DCE na época do Poeira e anteriormente presidente do Diretório Acadêmico do Centro de Letras e Ciências Humanas. Dois dias antes do discurso de posse do DCE houve a operação “Barriga Verde” no Paraná e em Santa Catarina na qual vários professores foram presos, entre eles o professor Nelson Rodrigo dos Santos da UEL. “Quando nós fomos tomar posse, seria no Teatro Universitário, e eles ameaçaram jogar

bomba, daí transferimos a posse para o Colégio Canadá. No dia, eu fiz um discurso em cima da prisão do Nelson. A comunidade toda acolheu, os jornais deram na íntegra. Aquele discurso para nós estudantes foi uma defesa das liberdades democráticas, dos direitos humanos”, diz. Depois de alguns dias, o professor foi solto, com ajuda da repercussão gerada. “Ele diz até hoje que, não fosse aquele discurso, ele teria sofrido as torturas horríveis que todos os outros sofreram na prisão”, diz. Literatura Recentemente, Monteiro publicou seu primeiro romance e oitavo livro, Mugido de Trem. A obra literária é composta por 57 capítulos, sendo que, em cada um deles, as histórias têm início, meio e fim, ou seja, são independentes entre si. Em cada um dos fragmentos, o leitor irá encontrar um episódio. No cardápio, há conflitos familiares, descobertas amorosas, tomada de posições políticas, inocência perdida, dentre outros. “As histórias do Mugido passam pelos campos assim como pelas cidades que respiram a beira da linha do trem”, disse. Pergunto como foi a passagem do jornalismo para a literatura, ele diz que não existiu. “É uma coisa tão natural, tão da minha alma quanto ser jornalista. Escrever pra mim é viver, se eu parar eu morro”, disse. Para Nilson, a literatura é algo que falta no jornalismo atual. “Falta literatura, falta conhecimento, falta informação. O

Maria Isabela Marques

Nilson Monteiro falando sobre sua luta no jornal Poeira em evento da UEL

jornalista hoje na escola de comunicação pode aprender todas as técnicas com um ano e meio ou dois. E em outros dois anos, história, sociologia, economia, política, relações humanas. Daí sairia da faculdade não só um bom jornalista do ponto de vista técnico, mas um bom jornalista como pessoa, como gente participante do seu país.” Atualmente, Nilson trabalha como assessor do governador Beto Richa (PSDB) preparando

briefings em economia e política para o governo estadual e também escreve crônicas para diversos veículos de comunicação. Para o futuro, pensa em escrever um novo livro. “Ainda estou sonhando com um novo romance, que é uma ideia que está surgindo, mas ainda não está no papel e nem no computador. Espero que tenha a mesma aceitação do Mugido de Trem. Provavelmente para o ano que vem.”


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Poeira e o legado à imprensa local Marjorie Coelho

O que sobrou do jornalismo alternativo dos tempos da ditadura nos jornais londrinenses atuais Marjorie Coelho Até que ponto o jornalismo praticado pelo grupo que editou o jornal Poeira influenciou - ou ainda influencia - a imprensa londrinense? Pode-se dizer que o modo de fazer jornalismo em Londrina tenha sofrido influência do “padrão Poeira”, ou teria este encontrado terreno fértil em terra roxa e conquistado seu espaço na “pequena Londres”? Sabe-se que Londrina tem uma tradição de escândalos políticos. E, ao longo da cobertura destes, agiria a imprensa local com o mesmo espírito combativo e questionador com o qual se fazia jornalismo na década de 70, nos tempos da ditadura? Em que aspectos a imprensa local se diferencia da imprensa curitibana, por exemplo? Para tentar responder a estas perguntas, a reportagem entrevistou alguns nomes do jornalismo londrinense que, de alguma forma, contribuíram e/ou contribuem para que ele se tornasse o que é hoje. “O Poeira deixou marcas não somente no jornalismo, mas também em outras profissões. Muita gente de outras áreas aprendeu a fazer e a ler jornal criticamente, enxergando o mundo com outros olhos. Aqueles que passaram por esse processo adquiriram uma nova postura como leitores e redatores. O Poeira foi uma grande influência como imprensa alternativa”, defende Célia Regina de Souza, jornalista que integrou o movimento. Para ela, foi a partir do Poeira que as pessoas passaram a ter um modelo de jornalismo. Como uma colcha de retalhos, o jornal englobou todo tipo de gente e criou uma unidade, assim como - segundo Célia - acontece na imprensa londrinense. A jornalista explica que a diferença está no fato de

que, na época, havia espaço para investigação, com matérias que chegavam a 24 laudas. “Pensávamos um jornalismo ligado com a sociedade. Queríamos contar histórias com as quais as pessoas se envolvessem, trazendo à tona alguns personagens”, revela. Ela ainda reitera que a maioria dos jornalistas formados pela UEL – e que já estão há tempos no mercado -, participou de movimento estudantil e teve o Poeira como um modelo de comunicação, um exemplo a ser seguido, uma espécie de “fetiche”, o que explicaria sua influência ainda nos dias de hoje. “Eu me incluo na segunda fase do Poeira. Considero-me filhote do grupo original, da segunda geração, que veio logo após o fechamento do Diretório e o fim do jornal”. Esse é o relato do jornalista e docente Osmani Ferreira da Costa, diretor da Rádio UEL FM. Para ele o Poeira foi uma escola e sua influência foi decisiva na formação de muitos jornalistas em Londrina. Como exemplo ele cita a Cooperativa de Jornalistas do Paraná criada em 1978 pelo grupo de jornalistas do movimento estudantil do Poeira. Considerada a segunda do Brasil - ficando atrás apenas da Cooperativa de Porto Alegre. O docente explica que essa foi uma escola autêntica de jornalismo prático e que, apesar de ter durado poucos anos, teve um jornal próprio: o Paraná Repórter. “Aí veio uma nova geração de jornalistas, na qual me incluo, comprometida a discutir a utilidade do jornalismo, bem como seu engajamento político-social-ideológico, e a fomentar o lado investigativo do jornalismo, com elaboração de reportagens de fôlego”, reitera. Para Osmani, a história do jornalismo londrinense é completamente diferente do curitibano.

E, segundo ele, muito disso se deve à existência do Poeira: “foi um movimento de luta política, ideológica, de esquerda, num momento difícil, sangrento e pesado. Em Curitiba, na época, não houve esse tipo de experiência. A história da capital é mais de dominação, de situação, de conservadorismo. Enquanto que Londrina foi criada por muita gente que veio do interior de São Paulo para estudar - como no meu caso -, e aqui encontrou um solo fértil para desenvolver essa experiência crítica que o Poeira propiciou”. Há também quem diga que não é bem assim. José Maschio (mais conhecido por “Ganchão”), jornalista e autor do livro “Crônica de uma grande farsa”, faz uma crítica ao jornalismo londrinense, que segundo ele não está representando bem a cidade: “ele já foi interessante, porque era muito questionador, ao contrário dos jornais de Curitiba, por exemplo”. Para ele, o Poeira não influenciou o jornalismo local, mas sim, fez parte do processo: “o fato de o jornalismo daqui ser mais instigante e ter um caráter mais questionador foi o que acabou viabilizando o surgimento do Poeira e levando-o a ser o jornal que foi”. Vale mencionar que, na época, Ganchão era do movimento de oposição ao Poeira e que, portanto, divergiam quanto à visão política, compondo grupos antagônicos. Maschio é um crítico da imprensa: “hoje, em Londrina, o jornalismo está muito parado. As empresas de jornalismo estão muito ruins”. Entretanto, apesar de - segundo ele - existir um retrocesso momentâneo em todo o país, há espaço e material humano suficientes para se fazer bom jornalismo: “só não sei dizer se existe interesse da elite local, dos donos dos jornais. Londrina comporta

Shoni: “Como escola de Jornalismo, o Poeira foi uma antítese; era unilateral e vendia a ideologia do movimento estudantil da época”

hoje um jornal de linha e popular, com linguagem acessível e que debate ideias”, complementa. Seguindo a linha crítica, o jornalista Ayoub Hanna Ayoub, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná, mostra-se criterioso: “não sobrou nada do Poeira no jornalismo local. Ele vem se mostrando fraquíssimo. Só quando estoura escândalo e não tem mais jeito de esconder, é que a cobertura fica forte. Não há influência alguma. No escândalo envolvendo o Belinati, por exemplo, a imprensa o protegeu. Há uma série de matérias dessa época que foram censuradas”, justifica. Para ele, Londrina não tem uma imprensa contestatória, mas sim, mercadológica. “Não existe a mentalidade dos tempos de Poeira, não há rebeldia. O que existe é um jornalismo praticamente chapa-branca”, lamenta. Ossamu Nonaka, mais conhecido por “Shoni”, é diretor regional de jornalismo da afiliada da Rede Globo em Londrina, a RPC TV. Ele, que fez parte do Poeira, conta que este foi um dos grupos mais conhecidos e relevantes a nível nacional: “foi um símbolo e representou aquilo que ficou de um movimento estudantil; era um projeto combativo, já que ia contra

a política vigente”. Apesar disso, o jornalista defende que o Poeira não pode ser considerado uma escola de jornalismo, já que não foi democrático, e o jornalismo praticado pelo grupo fugia à máxima da imparcialidade: “defendíamos apenas o lado do movimento estudantil, reproduzindo seus discursos, sem sequer ouvir o outro lado. Como escola de jornalismo, o Poeira foi uma antítese, pois era unilateral, abordando, em sua maioria, questões internas. Vendia-se a ideologia do movimento estudantil da época”, argumenta. De acordo com Shoni, o que ficou de exemplo do projeto Poeira foi justamente o seu aspecto combativo. Ele ainda explica que o jornalismo londrinense passou por muitos problemas, o que acabou colocando em risco sua credibilidade, e que até hoje há a tentativa de consertar alguns erros do passado: “o jornalismo local perdeu grandes veteranos e pouco investiu em investigação, resultando em um jornalismo apático em relação ao de anos atrás”. Porém, quando comparado ao jornalismo curitibano, Nonaka afirma que o cidadão londrinense é mais politizado e que por isso, no quesito combatividade, o jornalismo londrinense sai na frente.


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Parcialidade nas mídias alternativas Divulgação

Maior parte da web, as mídias deixam a imparcialidade de lado para dar voz a movimentos sociais Thaila Sayuri Nagazawa A necessidade de informação é algo inerente ao ser humano. E as mídias são produtos e plataformas dessa incessante busca por notícias. Com o tempo algumas empresas midiáticas – que hoje são tradicionais – se expandiram e hegemonizaram, e para alcançar o maior número de público possível, adotaram como regra a imparcialidade. Porém, ao tomarem essa decisão, grupos minoritários da sociedade perdem visibilidade e suas questões, dificuldades e necessidades não são debatidas e nem levantadas como pautas na sociedade. Para isso, esses pequenos grupos recorreram a outras mídias que pudessem representá-los. Essas mídias são chamadas de mídias alternativas. Para discutir essas mídias, a UEL – Universidade Estadual de Londrina – promoveu o III Simpósio de Comunicação Popular e Comunitária que foi da quinta-feira (14/08) ao sábado (16/08). O evento contou com palestras, oficinas e debates. E na mesa redonda da sexta-feira (15/08) à noite o tema era “A internet e a ampliação das alternativas comunicativas populares”. Os convidados a debater foram Altamiro Borges, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Ermanno Allegri, da Adital – Agência de Informação Frei Tito para a América Latina, e Rafael Vilela, do Mídia Ninja – Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação.

Esse tipo de comunicação sofre várias adversidades para continuar a divulgar seus trabalhos como: a falta de fontes de financiamento (o governo federal, por exemplo, em 2012, teve mais de R$ 1,5 bilhão investidos em publicidade. 63% desse valor foram repassados apenas para empresas de televisão), falta de profissionais que desejam trabalhar nessa área (justamente por falta de investimentos), falta de espaço no meio comunicacional e falta de credibilidade perante o grande público. Ermanno Allegri, da Adital, explica o porquê disso. “Nós abrimos esse espaço – que é mínimo diante das grandes mídias – e de uma forma parcial. Por que se não formos parciais, se seguirmos as regras do jornalismo de “ouvir todos os lados”, não vamos conseguir dar espaço a esses movimentos para que eles possam dizer o que está ocorrendo e que muitas vezes é a verdade.” Rafael Vilela, do Mídia Ninja, concorda. “Uma das coisas que ficou clara desde o começo [da criação da Mídia Ninja] foi a ideia de parcialidade enquanto princípio ativo. Em vez de pregar uma suposta imparcialidade - como a grande imprensa para ganhar mais credibilidade, a gente assume o nosso lado e tenta deixar mais claro possível desde o começo.” Para combater a falta de financiamento – tanto da parte do governo quanto das empresas privadas – e de espaço co-

A migração das comunicações comunitárias para a internet foi assunto do III Simpósio de Comunicação Popular e Comunitária"

municacional, a solução encontrada foi migrar para a internet. Como não necessita de muitos recursos e equipamentos, a internet foi um meio prático e barato de divulgar notícias e informações para um maior número de pessoas. “[A internet] É uma comunicação - para movimentos sociais - mais barata, ágil e que possibilita a multiplicação dos produtores de conteúdo. É um espaço mais democrático”, diz Altamiro Borges, do Barão de Itararé. Redes sociais As redes sociais contribuíram para o aumento de divulgação e a ampliação desses serviços. A Adital, apesar de ter reduzido o número de estagiários-jornalistas contratados de 10 para dois, tinha em 2013 em torno de mil curtidas no Facebook e saltou para 10,5 mil nesse ano. Já a Mídia Ninja, que tinha em torno de duas mil curtidas na página do Facebook no início de 2013, ganhou mais de 240 mil curtidas durante as manifestações

de junho do mesmo ano. Muitas delas sobrevivem de doações e financiamento, como é o caso do Barão de Itararé e Adital, ou fazem parte de coletivos digitais, como a Mídia Ninja. Uma maneira de ser independente é, de acordo com Borges, colocar as leis da Constituição sobre comunicação em prática. “Os artigos da Constituinte são muito avançados para a época. O problema é que eles nunca foram regulamentados.” Segundo Borges, a Constituição é explícita sobre a divisão de investimentos na área de comunicação. Os sistemas comunicacionais teriam que ser divididos em privado, estatal e público e também produções regionais e independentes teriam que ser financiados. “Isso permitiria um novo tipo de financiamento da mídia brasileira e geraria empregos para os jornalistas”, comenta Borges. Apesar da Constituição de 1988 – também chamada de Constituição Cidadã por Ulys-

ses Guimarães – defender novas e democráticas formas de comunicação, a mídia alternativa sofreu e ainda sofre com o descaso. Mas se não fosse por ela, a informação e a real situação de um país ou de um governo não chegaria às pessoas em meio a um regime ditatorial, uma vez que a grande mídia era vigiada e censurada. O jornalismo alternativo chegou a perdurar nos anos mais profundos e obscuros da ditadura, como é o caso do jornal Poeira em Londrina. Feito por estudantes e para os estudantes, o jornal fez sucesso entre os universitários levantando questões pertinentes sobre o campus e trazendo notícias que a grande mídia não podia cobrir ou divulgar. Apesar de não existir internet na época, estes estudantes seguiam as mesmas ideias de Borges, Vilela e Allegri. Ser uma alternativa para os grupos minoritários da sociedade, dando voz e espaço aos movimentos sociais.


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SEGUNDO SEMESTRE 2014 Arquivo Pessoal/Oswaldo Coimbra

Formandos da turma do 2º Semestre de 1988

Arquivo Pessoal/Marcia Marton

Foto oficial do convite de formatura da turma do 2º semestre de 1880

Os 40 anos de jornalismo na UEL Antigos estudantes falam sobre o jornalismo desde a repressão da ditadura até os dias de hoje Lara Camargo Auge da Ditadura militar, repressão e censura. Era nesse cenário que o Brasil vivia na década de 70 e que foi o berço da Universidade Estadual de Londrina (UEL), criada em 1971. Três anos mais tarde, em 1974, é implantado pelo psicólogo, professor, advogado e jornalista Ruy Fernando Barboza, o curso que hoje, 40 anos depois, é um dos mais tradicionais da UEL: o de Jornalismo. Anos 70 “Naquela época o jovem ia para o jornalismo por duas razões: ou para ser escritor ou para mudar o mundo”. A frase é de Marcelo Oikawa, estudante da primeira turma de jornalismo da UEL, mas traduz um sentimento que marcou uma geração. Diante do cenário ditatorial da época, os alunos das primeiras turmas de jornalismo sofreram na pele a censura e a perseguição política. Desde então, o perfil do estudante de jornalismo se caracterizou como

contestador. Tadeu Felismino, também estudante da primeira turma, conta como vê o perfil de quem escolhe o jornalismo como profissão: “Quem estuda jornalismo tem um sentido de compromisso social, tem um interesse pela sociedade, pela cultura, história [...] e tende a uma atitude mais crítica, é uma coisa que sempre houve e permanece no estudante de jornalismo”. Apesar das semelhanças entre o perfil dos estudantes, muita coisa mudou no curso desde sua criação. No começo o sistema de ensino na UEL era pago e por crédito, ou seja, as matérias eram feitas separadamente, muitas vezes com várias turmas de cursos diferentes misturadas. Esse método, segundo Marcelo Oikawa, era pensado para desunir os estudantes com o objetivo de evitar manifestações. Anos 80 Redemocratização e Diretas Já foram algum dos tantos eventos que marcaram a déca-

da de 80. O Brasil passava por um momento de muitas mudanças e isso refletia diretamente na cultura, na música, e claro, no jornalismo. “O país estava respirando democracia, os jornais vinham com muita força”. Quem comenta sobre o curso durante a década de 80 é Pedro Livoratti. Formado em 1988, ele já passou por várias áreas do jornalismo como jornais impressos, rádio e televisão. Hoje atua como assessor de comunicação da UEL. Anos 90 Acompanhando o movimento de inovações tecnológicas que ocorria no Brasil, a década de 90 também foi um marco no jornalismo. Esse processo de digitalização impulsionou o fazer jornalístico, proporcionando a criação de novas mídias. Quem conta sobre esse período é Lauriano Benazzi, formado em 2000 e hoje professor da UEL. “Entrei em uma geração analógica, fotografia era com filme, a redação era com máquina de

escrever. Nesse período eu peguei todo o processo da informatização, depois da internet e da fotografia digital”. Anos 2000 Foi no ano de 2009 que aconteceu uma das maiores perdas para o jornalismo em todo o Brasil, o fim da obrigatoriedade para o diploma de jornalista. Justamente nesse ano Bruna Komarchesqui estava cursando seu ultimo ano de jornalismo na UEL, que destacou a perda como o acontecimento que mais marcou sua turma. Bruna também escolheu o jornalismo pela afinidade com a leitura. “Sempre gostei muito de ler e escrever. Na infância, brincava de radialista com meu irmão e uma prima. Minha prima diz que a sementinha do jornalismo já germinou ali”. Bruna hoje integra a equipe de reportagem da Gazeta do Povo, em Curitiba. 2014 O curso está comemorando 40 anos e eu fui convidada para a festa. No segundo ano da mi-

nha graduação tenho a oportunidade de presenciar esse momento não só de comemoração, mas também de mudanças. A partir do ano que vem, o curso passará de “Comunicação Social com habilitação em Jornalismo” para somente “Jornalismo”. A mudança não é só no nome, mas em toda grade curricular. Minha turma e os que ingressaram no curso antes de mim não sofrerão mudanças, ainda sairei da faculdade formada somente comunicação. Afinal, ninguém precisa de diploma para ser jornalista, certo? Aliás, “Porque fazer jornalismo se não precisa de diploma?”Com certeza é a pergunta mais me fizeram desde que entrei na faculdade.Estou apenas no segundo ano, mas posso dizer que a coisa mais importante que aprendi é que jornalismo não é apenas uma profissão, uma atividade, muito menos o nome de um curso de graduação. Jornalismo é um estilo de vida e um modo diferente de ver a nossa sociedade.


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O espólio de um regime de exceção Cinquenta anos depois - e em meio às comemorações de quatro décadas do “Poeira”-, a ditadura militar ainda atordoa o Brasil. Não por um regresso, que é remoto, mas pelos efeitos colaterais deixados nas universidades e no jornalismo do país; Professores da UEL falam em “sequelas” Shoni e Ganchão, em um raro momento de anuência, lembram que a ditadura militar não deixou legado, mas, sim, “sequelas”. O primeiro chama a atenção para um estudante de jornalismo atual “burocrático”. Para ele, os estudantes dos tempos de Poeira eram exemplos de estudantes, ao contrário dos de agora. O segundo, por sua vez, responsabiliza as universidades pela má formação dos estudantes hodiernos, os quais, segundo ele, são treinados para reproduzir uma “ideologia neoliberal” e incapazes, portanto, de conhecer o Brasil de verdade. “Quando muito, sabem de lide e pirâmides invertidas”. As personalidades de Shoni e Ganchão são a assíntota de hipérbole. Duas linhas que se avizinham sem nunca se encontrar. O contemporizador Shoni, para o qual o jornalismo é, sobretudo, “um negócio”, e o contestador Ganchão, que crê estarmos formando “gerações e gerações de maus jornalistas”. Precisamos atentar para ambas as ideias, que têm naqueles que as proferiram a legitimidade oriunda de anos a fio na docência e nas redações. Ratificá-las ou ignorá-las, jamais. Mais do que pontos de vista, as afirmações e os posicionamentos de Ossamu Nonaka e José Maschio são o que, em um período obscuro da história brasileira, foi considerado subversivo: a divergência de opiniões. Bem ou mal – mais para o primeiro do que para o segundo – a democracia triunfou, tanto no jornalismo quanto na subjetividade.

Marjorie Coelho

“ “

idades dos dois mais se afastam do que se aproximam. Ao passo que Shoni acena com um conservadorismo moderado, Ganchão nunca fez questão de omitir sua posição inclinada à esquerda. Cada um a seu modo, estiveram inseridos no contexto da ditadura militar no Brasil e avistaram uma paixão que têm em comum se transformar: o jornalismo. O jornalista de hoje não é mais o mesmo que o de 30 anos atrás. Dessa forma, a dúvida consiste na seguinte questão: o jornalismo atual progrediu ou regrediu se comparado ao de outrora? Shoni argumenta que, embora necessário, o jornalismo não deve ser só de oposição. Para ele, vivemos um momento bom para a profissão. “Naquela época (ditadura), havia censura, a imprensa era cerceada, hoje o jornalista deve aprender a lidar com os meios dos quais dispõe. Tem que ser curioso. É um tempo bom para isso”. Mas Shoni ressalta que o tempo também é de incertezas. “O mundo do jornalismo muda todo dia. É tudo muito incerto”, lembra. Ganchão, por outro lado, é pessimista no tocante ao presente e ao futuro do jornalismo brasileiro. Ele afirma que o bom jornalismo depende de bons jornalistas e não de uma época de turbulências. “O jornalismo se destaca quando os jornalistas trabalham para que ele se destaque. O problema do jornalismo brasileiro é que ele é ruim”, argumenta. O controverso professor dispara: “Temos um jornalismo adestrado que não reflete os problemas do país”.

Diego de Moraes Seis meses foi o tempo que, em 1964, os militares prometeram permanecer à frente do poder no Brasil. Sob o álibi da “ameaça comunista”, 31 de março daquele ano passaria para a história. E as consequências do fatídico dia respingam até hoje nas universidades e, sobretudo, no jornalismo brasileiro. Para o bem e para o mal. Em boa parte “subversiva”, a UEL não sairia incólume dos 21 anos pelos quais se estendeu o autoritarismo do exército nacional. Disposto a confrontar o sistema, um grupo de estudantes pensou o que viria a ser festejado 40 anos mais tarde: o jornal Poeira. Em março de 1974, 10 anos após o golpe, nasceu o Poeira, visando dar voz a estudantes da universidade que se opusessem ao regime vigente à época. O jornalista e professor José Maschio, mais conhecido como Ganchão, chegou a Londrina em 1979 e lembra que o auge do Poeira já ficara para trás. “O Poeira foi importante até 1978, em 1979 já não tinha essa importância toda. Mesmo porque o momento político era de distensão, com cada grupo a se articular por novos caminhos”. Ossamu Nonaka, o Shoni, que também é professor e jornalista, exalta o Poeira. “Foi [o Poeira] uma grande escola de formadores de opinião, quem passou por lá aprendeu muito”. Tanto Shoni quanto Ganchão comungam, como já dito, das mesmas profissões: professores e jornalistas. Ambos acreditaram um dia que poderiam mudar o mundo. As coincidências, no entanto, cessam por aí. As personal-

"Foi [o Poeira] uma grande escola formadora de opinião, quem passou por lá aprendeu muito." Luciano Pascoal

“ Temos um jornalismo adestrado, que não reflete os problemas do país.”


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entrevista AMADEU FELIPE

Memórias de um subversivo

Recordações de um homem que há 50 anos desafiou a ditadura militar e comandou a Guerrilha do Caparaó, a primeira do Brasil Juliana Pereira Quem vê Amadeu passar na rua, não desconfia de sua trajetória turbulenta. Sujeito calmo e simpático, passa serenidade ao falar. Há uma indignação oculta, perceptível apenas no relato, palavras de quem sentiu na pele os efeitos dos Anos de Chumbo. No entanto, nada disso transparece em seus trejeitos, muito menos na expressão de seu rosto. Memória insistente, fazia questão de dar os nomes daqueles que cometeram crimes, mesmo que para lembrar demorasse alguns minutos. Queria contar tudo da forma mais transparente possível. Participou de Comissões da Verdade em São Paulo, Curitiba, Londrina e Porto Alegre. Repetiu cada detalhe, sofrimento. Cada morte. E não parecia traumatizado. Carrega consigo experiências desumanas, mas permanece lúcido e disposto a falar para quem quiser ouvir. Quando chegou ao hall do prédio para conceder a entrevista, Amadeu trouxe consigo o livro “Caparaó: A Primeira Guerrilha Contra a Ditadura”, e um dvd sobre a obra. Foi manifestante, sargento no Exército do Rio Grande do Sul e comandante de guerrilha. De opinião forte e esclarecida, contribuiu – e ainda contribui – para a história do Brasil. A Ditadura Militar, tema tratado neste jornal, não deve ser esquecida, nem cair no senso comum. Para isso, personagens como Amadeu Felipe da Luz Ferreira são essenciais. Em entrevista ao “Tarja Preta”, ele revela os caminhos que escolheu trilhar durante os 21

anos de arbitrariedade do exército nacional. Tarja Preta – Como você começou sua relação com a política? Amadeu Felipe – Meu padrasto era oficial do exército e era do Partido Comunista. Ele conversava bastante conosco e nos deu toda aquela literatura da década de 40, Monteiro Lobato, Jorge Amado. E a gente, a partir daí, começou a se interessar. Naquela época tinha uma grande motivação pela democracia, porque as forças políticas democráticas estavam lutando contra o Nazismo na Alemanha. Isso também levou a gente a participar, já quando menino, da luta política pela derrubada da ditadura Vargas, em 1945. Em 46 estoura a grande greve nacional dos estudantes, secundaristas, universitários; dos 50% da passagem de ônibus, trem, do cinema. Eu morava em Porto Alegre, e em 46 é feita essa passeata enorme, milhares de estudantes, e eu participo. Tinha 11 anos. E morre um menino do meu lado. Os bombeiros, para tentar parar a passeata, usam aquelas mangueiras, e um deles joga no menino do meu lado que tinha minha idade, e fixa. E o menino cai e morre. Isso, em Porto Alegre, conturbou todo o movimento estudantil. Daí não parei mais. Fui ajudar meu pai na luta pela campanha do petróleo, Petrobrás, no clube militar, e aí fui participando e fui seguindo a vida. TP – Você sempre esteve ligado à esquerda, como acabou se tornando militar? Amadeu – Nós tínhamos um

percentual comunista nas forças armadas muito grande. Grande que eu digo, em torno de 3%, entre oficiais e sargentos do exército, da marinha e da aeronáutica. Porque o militar também sofre discriminação né, e também existe a luta de classes lá dentro. E outra coisa importante é que o movimento tenentista, em 1929, é muito forte. Tanto que dá a vitória da revolução ao Getúlio. E o [Luís Carlos] Prestes, era um homem consagrado, porque ele comandou a Coluna [Prestes]. A Coluna foi invencível no Brasil. Fizeram quase 26 mil km; a Grande Marcha de Mao Tsé Tung, na China, tem 16 mil km, só que com mais gente. Isso tudo fez com que as Forças Armadas fossem contaminadas pelas lutas sociais do nosso povo. Então, quando o Prestes foi para o partido muita gente foi com ele. Então a gente tinha um número razoável, e pessoas de muito boa qualidade. TP – Como foi a guerrilha? Amadeu – Eu comandei a guerrilha do Caparaó. Fica na fronteira entre Minas Gerais, Espírito Santo, e Estado do Rio. É onde fica o Pico da Bandeira. Era, até pouco tempo, o mais alto pico do Brasil, 2890m de altitude. Nós conseguimos resistir quase um ano na serra. TP – O Brasil teve pouco tempo de democracia na sua história. São menos de 50 anos no total. Na sua opinião, qual o efeito mais perceptível disso na atualidade? Amadeu – A marginalização do povo pobre, o acúmulo de favelas no Brasil. Você imagina,

Arquivo Pessoal/Amadeu Felipe

Amadeu Felipe, comandante militar da Guerrilha do Caparao, ao ser preso pela Policia Militar de Minas Gerais, em 1967; mesmo preso, não deixou de sorrir (foto do livro sobre a Guerrilha)

Londrina tem 500 mil habitantes, e tem mais de 100 mil favelados. E assim é em outras cidades, o Rio tem de 3 milhões de favelados. E isso começou no início da história do Brasil. Você imagina, por exemplo, quando o D. João VI vem com a família imperial para o Brasil, e é daí que nascem as favelas no Rio de Janeiro, ele traz 15 mil pessoas nos navios. Esse volume de gente não tinha onde

morar no Rio. Então, o que eles fazem? Eles desalojam os que moravam no centro do Rio, que aí pela primeira vez vão para os morros, para as favelas. Então o Brasil sempre foi um país de muito descuido com a questão social. TP – E em relação a mídia, aos jornais? Amadeu – Os jornais são um horror, minha filha! Os jornais brasileiros são seguramente os


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jornais mais mal escritos, e não é culpa dos jornalistas, não! Não é nem mal escrito, é um jornal que tem lado. E o lado do jornal é o lado do dinheiro, é o lado do banqueiro, é o lado do grande industrial. No Brasil tudo tem lado. E o lado do poder é dos ricos, o lado dos pobres é a miséria, é a dificuldade, a falta de estudo. TP - O que o senhor acha sobre os que dizem que a ditadura, na verdade, foi uma ditabranda? Amadeu – Ditadura branda? Porque eles não tiveram na cadeia. Eles não foram assassinados. Eu perdi vários amigos, perdi vários. Perdi um que fez a Guerrilha comigo, Milton Soares de Castro. Foi assassinado na tortura, vê se esse moço tem cara de assassino. Foi morto. Perdi um amigo que morava comigo num aparelho em Porto Alegre, chamado Manoel Raimundo Soares. Ele morreu com as mãos amarradas, com os pés amarrados, jogado no rio Guaíba em Porto Alegre depois de 5 ou 6 meses de tortura. Perdi um outro amigo, logo em 64, ainda com o Castello Branco presidente da República, chamado Manoel Alves de Oliveira. Ele também foi morto na tortura. Perdi um amigo com 48 balas no corpo, chamado José Mendes de Sá Buriche. Perdi um outro amigo chamado João Santos, faz muito tempo. Mas eu tenho a relação dos meus mortos. Isso tudo foi na tortura, na coisa mais vil que pode existir! E eu passei por essa cadeia, eu posso dizer porque eu passei por ela. Ela era uma esquina no quartel do exército, em cima, embaixo um porão. No quarto ou quinto porão tinha uma toca, que era lavada, pintada de preto, sem iluminação e com pouco ar para respirar. Nós só respirávamos porque os soldadinhos, que não tinham nada a ver com a ditadura, nos deram um toquinho de madeira e disseram: “Olha, nós quando vamos presos aí também levamos isso pra respirar!”. Então você calçava aquela porta

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Gabriel Siqueira Lopes

Amadeu Felipe, hoje, com o livro que relata história da guerrilha que comandou, “Caparaó: A primeira guerrilha contra a ditadura”, de José Caldas da Costa

enorme de madeira e ela ficava entreaberta embaixo, e você então punha o nariz ali para respirar. Quer dizer, uma pessoa que diz que a ditadura foi branda precisa passar por isso. Precisa passar por um pau de arara, precisa passar por tudo que nós e vários brasileiros passaram. TP – Então o senhor já foi preso? Amadeu – Fui, 5 anos. Fui preso quatro vezes, mas prisão mesmo foram a terceira e a quarta. TP – O senhor chegou a ser torturado? Amadeu – Todo mundo é torturado na prisão. A prisão já é uma tortura. A prisão política é uma tortura. A prisão do preso malandro é uma indecência, é uma desumanidade. Porque o que fazem com os presos, no Brasil inteiro, é um negócio absurdo. Mas a prisão política já é uma tortura, porque ela é terrível. Eu estive preso na fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Fica do outro lado, em Niterói. E, para você ter

uma ideia, era ali que eram descarregados os escravos que vinham da África. E a prisão, tinha várias prisões, uma das prisões tinha 60 cm e a última lá tinha 80 por 1,20 m. Então você tinha que ficar assim, recostado na parede, e ali você tinha que fazer todas as suas necessidades. A água da chuva que levava embora os teus dejetos. É um negócio que vocês não podem imaginar o que é. E

roubou, que estuprou, você num faz um interrogatório? E no final, se ela tiver culpa, você dá uma sentença. E na CV parece que nós não vamos ter essa chance de dar uma sentença. TP - No caso da CV, depois de 50 anos do golpe, essa é a primeira vez que é aberta a história pro povo. Como o senhor enxerga isso? Amadeu - Eu acho que tá acontecendo, mas a passos muito lentos. Na verdade, eu já não era pra tá mais aqui. Depois de tudo o que aconteceu com a gente, eu to com mais de 80 anos. Quer dizer, a grande maioria não tá aqui. A quem nós devemos satisfação são os nossos mortos, e isso tem que ir pra história, isso é fundamental. Que vá pra história quem são os assassinos. Eu toda vez que vou falar, eu vou dar nome de assassinos. Porque eu os conheço, eu os vi, eu sei quem são, sei o que fizeram, sei quem mataram. Se eu não fui morto não

“Ninguém vai para a luta armada por prazer. Todo mundo vai quando acha que cessam as condições políticas de você fazer a luta.” eles diziam que isso era uma prisão descente e democrática. TP – Sobre a Comissão da Verdade, qual é a visão que o senhor tem? Amadeu – Eu acho que ela é um passo à frente. Mas, de qualquer forma, ela tinha que ter um resultado agora. Qual é o resultado que se espera? Quando você prende uma pessoa falando que

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foi por uma contingência, não. TP – Voltando um pouco para a história da guerrilha, dentro da luta armada clandestina que vocês formaram nessa época, qual era a relação que vocês tinham com as outras guerrilhas? E, vendo agora, o que você acha da luta armada no Brasil? Amadeu – A luta armada é uma situação que você só vai quando você não tem mais condições políticas de lutar. Ninguém vai para a luta armada por prazer. Todo mundo vai quando acha que cessam as condições políticas de você fazer a luta. Eu acho que a luta armada naquela época era uma necessidade dos povos latino americanos, dos povos da África, e de alguns povos da Ásia. Então, o que se pensava, e esse era o pensamento do [Chê] Guevara, que a grande liderança guerrilheira formaria um novo Estado. Não um Estado capitalista subdesenvolvido. Um Estado socialista, desenvolvido, que tivesse uma ligação com seu povo, e isso precisava formar um novo homem. E o novo homem é o combatente guerrilheiro. A gente tinha certeza disso. TP – Alguns historiadores falam que a luta armada foi um fracasso total no Brasil, o que o senhor acha disso? Amadeu – Olha, quando você começa a teorizar e não busca a tua verdade nos fatos históricos, você começa a elucubrar. Aí o cara diz, ou a classe dominante diz, que ele é um ótimo historiador. Aí ele escreve uma porção de bobagem e pensa que isso tem valor. O valor está nos povos. Os povos do mundo é que são o grande valor. Eles é que escrevem a história. Não é intelectualzinho de qualquer universidade que fica escrevendo história. História é dos povos. E Guevara era o comandante dessa história.


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O lado de fora dos porões da ditadura

Lilian Torres

Relatos de cidadãos que decidiram não militar contra o Regime Militar

Lilian torres Quando se fala na ditadura militar do Brasil, a primeira coisa em que se pensa é em tortura, censura, repressão. Um breve histórico do período entre o golpe de 64 e a abertura política em 1985 elencaria alguns elementos e fatos mais conhecidos: posse de Castelo Branco, fim da UNE, atos institucionais 1, 2 e 3, passeata dos cem mil, AI-5. Todos eles contribuíram para formar um período sangrento da história do país que, a despeito da dificuldade de se resumir em poucas palavras pode ser traduzido por “tempos difíceis”. O que é menos explorado, entretanto, é o cotidiano do brasileiro que não era ligado à política e se encontrava mais distante de tal cenário – o cidadão comum, aquele que não era estudante, não participava de greves e muito menos manifestações diretamente contrárias ao regime militar. “Ameaça vermelha” O golpe de 1964 derrubou o presidente João Goulart do poder no momento em que uma ação conservadora das classes médias e das elites repudiava as Reformas de Base promovidas pelo então presidente. Dentre tais propostas estava a da reforma agrária, que desagradou os latifundiários e a elite que viam nelas uma proximidade das intenções de Goulart com os “ideais comunistas”. Isso num contexto de Guerra Fria, quando EUA e União Soviética disputavam a hegemonia na política internacional. O comunismo – a chamada “ameaça vermelha” – foi, durante o regime, o inimigo que impregnou o discurso dos militares e gerou medo na população. “Eu, quando criança, ficava meio assustado quando se falava em comunista. Parecia que o comunista ia pegar as crianças e massacrar, ia fazer isso, fazer aquilo. Até as igrejas passavam isso para a comunidade.”, diz José Ribeiro Sobrinho, de 63 anos. Sobrinho tinha 13 anos em 1964 e se recorda de que, nos anos seguintes, havia o sentimento de desconfiança das pessoas em relação aos que

Sobrinho conta que, no regime militar, havia repressão às pessoas que faziam greves, aos estudantes que protestavam e aos apontados como “de esquerda” faziam greves, aos estudantes que protestavam e aos apontados como “de esquerda”. Isso acontecia principalmente devido à falta de informações fidedignas sobre o que de fato estava acontecendo no país. Atualmente, décadas após os anos de chumbo, o acesso à informação é muito maior se comparado ao passado, quando o rádio e a televisão eram considerados luxo. Nas décadas de 60 e 70 mesmo para os que tinham acesso às novas tecnologias o esclarecimento sobre o cenário político era escasso ou no mínimo tendencioso, uma vez que os veículos de comunicação eram censurados e submetidos ao controle rígido dos órgãos de repressão do regime, como o DOPS e o DOI-CODI. O gatilho que não funcionava A inflação era outra ameaça invisí-

vel que o cidadão comum não sabia explicar, mas que estava lá, mostrando-se dia após dia no preço das mercadorias mais comuns – como o açúcar por exemplo. Os preços subiam como se um peso tivesse sido colocado na balança metafísica da economia, lançando-os para o alto às vezes mais de uma vez em um mesmo dia num ambiente de instabilidade permanente. “Tinha muitos alimentos que não existiam para você comprar. Não sei por que faltava, eu sei que naquela época faltava muita coisa para comprar, coisa de comer. A vida era muito, mas muito difícil. E a maioria das pessoas tinha que trabalhar na roça, trabalhar naquelas fazendas quase que nem escravo.”, conta Sobrinho, que na época viveu na região de Centenário do Sul e só mais tarde viria para Londrina.

Paulo Rodrigues, com 64 anos, também se recorda da inconstância do comércio: “nessa época eu trabalhava no banco e ainda peguei uma boa parte em que subiam [os preços]. Por exemplo, você ia hoje cedo e ao meio-dia já haviam mudado.” Para enfrentar a defasagem entre preços e salários, o governo implantou o “gatilho salarial”, para tentar recompor as perdas provocadas pela inflação imediatamente. Mas o gatilho nunca garantiu a reposição das perdas. Censura O contato que os cidadãos comuns tinham com a repressão era um caminho sem respostas da mesma forma que o “conto de terror” do comunismo e o fantasma da inflação. Havia o toque de recolher, a rigidez política de não falar pelos cotovelos aquilo que não se podia contestar e também o

controle do âmbito cultural. “Naquela época se tinha uma rodinha e se tivesse alguém ali contrário, [os outros] já entregavam. A polícia vinha e prendia mesmo. Eu era jovem e não era muito ligado a esse negócio de política. Ficava sabendo que não podia falar, então procurava evitar, mas eu nunca cheguei a passar nem perto disso porque não me envolvia”, conta Rodrigues. As pessoas só foram compreender esse período anos mais tarde, quando se abriu uma esfera pública para discussão que dava espaço para contestação da História que vinha sendo contada até então. Tanto de dentro dos porões da ditadura como fora deles, diversas histórias foram contadas pela primeira vez e ainda hoje continuam saindo da boca dos que por muito tempo nada disseram.


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PERFIL ELVIRA ALEGRE

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Luciano Pascoal

Fotos de uma vida Fotógrafa londrinense foi a única a registrar o velório de Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura André Costa Branco A fotojornalista londrinense Elvira Alegre esteve em setembro último na Universidade Estadual de Londrina, durante o Colóquio Nacional de Estudos do Autoritarismo, para contar uma história que não foi contada pela primeira vez – e nem será pela última. Um nó que amarra sua trajetória pessoal a um fato determinante do Brasil recente. Elvira, então com não mais que 19 anos de idade, foi quem fez as únicas fotos do velório de Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura militar, em outubro de 1975. Um ano antes, Elvira era uma estudante do terceiro ano do ensino médio do Colégio Canadá que aspirava ao curso de Medicina. Sua estrada começou a entortar quando uma amiga, sabida da abertura de um novo jornal na cidade, sugeriu que Elvira “passasse lá, para conhecer o estágio”. Era o Panorama, diário bancado por Paulo Pimentel. Um grupo de jornalistas da região, do quilate de Délio César, Pedro Afonso Scucuglia e Leonardo Henrique dos Santos, ficaram incumbidos de dar corpo a uma redação. Aderiram ao Panorama alguns dos jornalistas de maior expressão nacional, como Narciso Kalili, Mylton Severiano, Hamilton Almeida Filho e José Trajano. Eram nomes vindos das revistas Realidade, Veja e Placar, fisgados por um projeto e uma cidade alternativos à opressão concentrada nas capitais. “Quando me apresentei ao Georges Bourdoukan, disse a ele que queria ser fotógrafa. Eu nunca tinha fotografado, mas queria uma oportunidade”, conta Elvira. Foi ela então à rua e de lá trouxe para a redação algumas fotos. Ampliadas e avaliadas, Bourdoukan deu o veredito: “o lugar é seu”. Elvira lembra aqueles primeiros dias como “uma experiência nova para todo mundo. A gente podia fazer o que queria”. Mas, em suas próprias palavras, “como não poderia deixar de ser,

durou pouco”. No dia 31 de março de 1975, com pouco menos de um mês de Panorama nas bancas da cidade, uma desavença política entre Pimentel e os editores culminou na demissão de Kalili e Almeida Filho. A redação fez uma carta de demissão coletiva em solidariedade aos dois. Era o precoce fim do Panorama com aquela rica composição jornalística – simbolicamente cravado no aniversário do golpe de 64 que desembocara naquela ditadura. São Paulo Em pouco tempo Elvira Alegre desistiu da Medicina, entrou na Comunicação e viveu dias inteiros na redação de um jornal, para onde ia escondida enquanto seus pais pensavam que estaria no colégio. Suas boas histórias só estavam começando. Filha única, rumou aos 18 anos para São Paulo junto a um grupo de jornalistas regressos do Panorama. “Fui cair na casa do Paulo Patarra [jornalista, à época deixando a Editora Abril]. Morávamos todos juntos naquela casa, de forma comunitária. Naquele tempo existiam essas coisas. O Paulo ganhava muito bem, tinha uma casa super grande e recebeu esse bando do Ex-.” O Ex- que Elvira menciona foi um grupo de editores que levantou um jornal avesso à censura. Formato tabloide, custeado por venda em banca e por anúncios de permuta e com tiragem “mensal, mas na prática saía quando dava”. O Ex- foi um dos nomes mais notórios da “imprensa nanica”, termo cunhado pelo escritor João Antônio Ferreira Filho para as publicações alternativas que tentavam vigorar em meio ao regime autoritário. “Nesta casa tudo acontecia. Um dia abri a porta e dei de cara com o Geraldo Vandré, recém-voltado do exílio, com um quilo de feijão e outro de batata. Ele tinha uns arroubos, achava que estávamos passando fome”, continua Elvira. Apesar do grotesco de Vandré, ela admite que a vida naqueles tem-

Elvira Alegre (à esquerda) em depoimento na UEL: abaixo da foto que a consagrou pos não foi fácil. Vlado “Num dia toca o telefone de madrugada. O Myltainho [Mylton Severiano] atende. Do outro lado da linha, perguntam: ‘você já soube? O Vlado [Vladimir Herzog] foi morto’”, relembra Elvira. “Foi uma coisa horrorosa. Todo mundo achava que poderia ser o próximo.” Intimado a “prestar esclarecimentos”, o diretor de jornalismo da TV Cultura Vladimir Herzog, ligado ao Partido Comunista, se apresentou às dependências do Doi-Codi (Destacamento de Operações e Informações-Centro de Operações e Defesa Interna) de São Paulo na manhã do sábado de 25 de outubro de 1975. De tarde já corria a notícia de sua morte. Herzog foi velado na segunda-feira, 27, envolto por uma atmosfera que circunscrevia um ambiente político carregado, suas orientações judaicas e o choque de familiares e amigos. A pedido de Hamilton Almeida Filho, Elvira foi ao velório trazendo consigo uma câmera fotográfica. E bravamente atendeu à solicitação de “põe a máquina na cara e sai fotografando”. “Não sei se foi o calor da juventude ou a minha inexperiência. Sei que estava acontecendo alguma coisa muito grave ali porque o clima era muito pesado. E foi assim que eu registrei um documento sobre a História do Brasil”, relata Elvira. Documento porque suas fotos foram as únicas do funeral de Vladimir Herzog, cuja morte gerou co-

moção nacional e mobilizou representantes da sociedade civil organizada. Era o começo da distensão, ainda que lenta, da ditadura. Dos registros daquela tensa manhã, o mais emblemático está na foto em que o amigo e também jornalista Audálio Dantas chora ao lado do caixão de Vlado, como reforça Elvira. “É a clássica. As fotos estão tremidas porque era o meu estado naquele momento. Eu fui empurrada contra a parede por pessoas que queriam saber quem eu era. Queriam saber se eu era da polícia. Até chegar algum conhecido para me defender.” Memória Pouco a pouco o Brasil mudaria, e a vida de Elvira também. A fotógrafa participou ainda de outros jornais alternativos, foi trabalhar em produções televisivas e voltou para Londrina. Filha única, queria estar mais próxima dos pais. “Sempre fui a ovelha negra da família. Fui expulsa de escola cinco vezes. Fui expulsa do [colégio] Mãe de Deus! Eu aprontei. Acho que não fui parar nesse negocio à toa: eu era uma guerrilheira! Em São Paulo meus pais sabiam que alguma eu estava aprontando, porque era de praxe eu aprontar.” As imagens do velório de Herzog só vieram a público dez anos depois. Dias após o lançamento de uma edição alarmando a morte do jornalista, a equipe do Ex- se dispersou de São Paulo para evitar problemas com a

polícia e, na correria, a ampliação das fotos acabou se perdendo de Elvira. Ficou com o colega de redação Dácio Nitrini que, em 1985, na Folha de São Paulo, publicou-as em primeira mão na imprensa – com o devido crédito. Passados quase quarenta anos do assassinato de Vladimir Herzog, as fotos de Elvira compuseram algumas exposições relativas ao tema. Em uma delas, a fotojornalista foi apresentada a Clarice Herzog, viúva de Vlado, que “me abraça e diz estar me procurando há trinta anos”. “As pessoas se reconheciam nas fotos. Aquele episódio ainda estava muito vivo”, descreve Elvira, emocionada. Foto de Velório Antes do fim de seu depoimento, Elvira Alegre esboça uma reflexão apoiada na modéstia: “Foto de velório qualquer um faz? Talvez, mas tem que ver as circunstâncias em que elas são feitas”. As circunstâncias das fotos de Elvira, como relatado, foram uma ditadura militar e, sobretudo, o ideal de liberdade que ela provou sempre defender. As circunstâncias das fotos de Elvira são ainda uma vida dentro de si. “Aconteceu também um fato da minha vida particular. Nesse dia do velório fazia um sol escaldante, e eu passei muito mal. Fui a um médico dias depois. Eu estava grávida. Costumo contar que fui ao Hospital Albert Einstein fotografar dor e morte para, nove meses depois, voltar lá e dar vida à minha filha Joana.”


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CDPH coleta e mantém acervo de material histórico para pesquisas

Lila Cavalcante

Centro de pesquisa da UEL reúne material histórico sobre a época da ditadura e frequentemente realiza

exposições abertas para o público Maria Isabela Marques Uma das atrações de maior destaque do Primeiro Encontro de Jornalistas do Norte do Paraná, realizado no fim de maio, foi o evento em comemoração aos 40 anos do jornal estudantil “Poeira”. A partir dessa reunião é que alguns alunos tiveram o primeiro contato com parte importante da história do movimento estudantil na UEL. Paralelamente ao evento, o Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) da universidade organizou uma exposição que exibia 36 reproduções de capas do “Poeira”. A mostra comemorativa terminou na metade de junho, mas as edições do jornal, assim como todo o acervo do CDPH estão sempre disponíveis para consulta. O Centro, localizado no prédio do Centro de Ciências Humanas integra biblioteca, área para exibições e espaço para arquivo. E como explicou seu coordenador, professor Márcio Santana, reúne um material que pode interessar a alunos de diversas áreas: “eu diria que hoje, aqui, a gente tem documentação que atrairia estudantes de quase todos os cursos da UEL e de outras universidades”. A capacidade limitada de armazenamento torna necessária uma seleção do que entra para o acervo. Santana explicou um pouco sobre o perfil do material

reunido pelo centro: “A gente privilegia, sobretudo, Londrina e outras temáticas ligadas ao norte do Paraná. [São arquivos] que estão mais próximos da nossa temática, da nossa história, do nosso perfil sociocultural e assim por diante”. Essa linha de interesse também traz vantagens técnicas, a proximidade com o assunto é um fator que favorece a logística e diminui custos, viabilizando e facilitando o trabalho do CDPH. Os recursos tecnológicos também são auxiliares muito importantes. O acervo que ingressou mais recentemente no CDPH é um exemplo disso: são documentos vindos da Arquidiocese de São Paulo e se referem à Ditadura Militar na região. Esse foi um caso em que os custos de transporte e o espaço para armazenamento deixaram de ser preocupações, já que todo o material foi escaneado e já chegou digitalizado à UEL. Diferentes situações fazem com que um material chegue ao CDPH. Hoje o centro conquistou reputação. Os três últimos grandes acervos, por exemplo, chegaram a partir de contato feito pelos próprios doadores. Mas o trabalho de prospecção, fundamental no início, continua sendo importante. “A gente fica atento ao saber que alguma instituição pública importante está fechando ou que está buscando parcerias. Recentemente eu fiz

O acervo do CDPH inclui alguns importantes arquivos sobre a história da imprensa na cidade, como a primeira edição do Jornal de Londrina e edições da Folha de Londrina do anos 1950

Serviço

contato, por exemplo, com a Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil) e solicitei que nos enviasse a coleção da revista ‘Mercado em foco’, que está em seu terceiro ano”, explicou Santana. Segundo ele, se essa publicação continuar pelos pró-

ximos dez anos “vai se tornar um periódico importantíssimo para a cidade”. “Nós procuramos também fazer esse trabalho, projetar periódicos, publicações e instituições que se tornarão importantes para a história da cidade”, completa.

O Centro de Documentação e Pesquisa Histórica da Universidade Estadual de Londrina está aberto ao público acadêmico e à comunidade externa. Os interessados devem ir até o centro e partindo do tema proposto, serão auxiliados pelos funcionários na busca dos arquivos. O acervo é disponibilizado apenas para a consulta no local. Funcionamento de segunda à sexta-feira: 08h00 às 11h45/ 13h30 às 18h00 / 19h00 às 23h00 Telefones: (43) 33714568 (Secretaria) / (43) 3371-4825 (Processamento Técnico) E-mail: cdph@uel.br


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